Poemas com Bicho

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Poemas com bicho E r n e s t o Si lv a



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E st e l i vr o 茅 d ed i cad o aos m eus neto s Ant贸 nio e Jo aq uim.

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Poemas com bicho Erne s t o S i l v a


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Índice 7 | Prefácio 9 | Quando a morte gera vida 10 | Antídoto 11 | O ladrão 12 | O predador 13 | Rei dos Mares 14 | O intruso 15 | O engenhoso picanço-real 16 | Mutação 17 | A armadilha 18 | O noctívago noitibó 19 | A formiga “cortadeira1” 20 | Falta a vitamina A 21 | Humano engenho 22 | O destino da Lagarta 23 | A bondade do vampiro 24 | Quando a morte é liberdade 25 | Prova de amor 26 | A soltura 27 | “Nada se perde...”

43 | O trio 44 | “Fome a quanto obrigas” 45 | Eterna amizade 46 | A visita 47 | O Pardal 48 | A cegonha predadora 49 | A grande viagem 50 | A chocadeira humana 51 | Filho adoptivo 52 | O Pang Yao 53 | Mauremis leprosa 54 | Lado oposto 55 | Troviscada 56 | O peneireiro 57 | Gato por coelho I 58 | Vitela de primeira 59 | O milagre da cor 60 | Gato por coelho II 61 | De palha!... 62 | Caça aos gambozinos 63 | Só metade

79 | A exumação 80 | Aprendeu a lição 81 | Inversão de sentido 82 | A terrível catatua 83 | A morte do cantor 84 | O renovar da águia 85 | Ditado confirmado 86 | Porco mas não tanto!... 87 | Creches 88 | Intrepidez 89 | Três em um 90 | Tratamento de beleza 91 | O imitador 92 | Fome?!... A quanto obrigas... 93 | Orientação 94 | Incúria 95 | Substantivos colectivos 97 | Python Sebae 98 | “Penas” de cágado (???...) 99 | Anedota

28 | O Saicó 29 | À guisa de La Fontaine 30 | O Tarico 31 | Respiração boca a boca 32 | O alcaravão 33 | Nado há 140 milhões de anos 34 | Que sopa? 35 | Rasteiro com batatas 36 | A força do picante 37 | O bailado 38 | Burro só de nome 39 | O estafeta 40 | Adágio contrariado 41 | A felina 42 | Salvo das águas

64 | Polvo armado 65 | Puro canibalismo 66 | O órfão 67 | A qualidade da folha 68 | Confusão 69 | Quando a pressa dá vagar 70 | O peixe-aranha 71 | Os ratos geraram moscas 72 | Picanço-barrete 73 | O saramago anti-séptico 74 | O homem que mordeu o cão 75 | O decúbito da galinha 76 | Pontaria 77 | Sempre fiel 78 | Situação “porcinal”

100 | Abrigos 102 | A Blind 103 | Como caça o pica-pau 104 | Ave canora 105 | Useiro e vezeiro 106 | Partir pinhão 107 | “A rã que não sabia que estava sendo cozida1” 108 | O poder do assobio 109 | Aquário de passarinhos!... 110 | À guisa de posfácio 112 | Ficha Técnica


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Prefácio Aqui está o novo livro de poemas de Ernesto Silva. Poemas com bicho, como o nome indica, é um conjunto de histórias rimadas em que os animais são os protagonistas. Histórias, muitas delas, fruto da magnífica oralidade dos meus contemporâneos, como Ernesto Silva nos confessou há tempos; muitas outras, porém, baseadas nas observações feitas pelo poeta ao longo da sua vida. Vale a pena lermos estas histórias. Todas distraem. Todas têm graça e um certo humor, imbuído de ironia fina nalguns casos. Todas são de cunho didáctico, não só no que diz respeito às muitas espécies de animais e seus hábitos que ficamos a conhecer melhor, também, e em especial, pelas inúmeras questões de carácter moral com que somos confrontados. Na verdade, o que nos levará a afogar três gatinhos acabados de nascer, se temos a mãe mesmo à nossa frente a desfazer-se em mimos e cuidados pela sua prole? Por que será que um grilo cantor nos incomoda, se, ao mesmo tempo, não nos faz a mínima diferença ter um sem número de pintarroxos engaiolados, sofridos, nas grades à cabeçada? E um canário, capaz de produzir trinados que nem um encanto, não tem valor por ser coxo de uma pata? Não deveríamos seguir o exemplo do preso que vivia na sua cela com um gato e um rato numa amizade perfeita, repartindo o pouco que tinha com os bichitos e ensinando o gato a não fazer mal ao rato? Pela sua humanidade, por nos lembrarem que devemos tratar os animais com dignidade e respeito, levando-nos, inclusivamente, a admirá-los e a sentirmos uma nova ternura por eles, estas histórias com bicho merecem ser levadas até às escolas. Mas não só por este motivo. Como já referimos, através delas alargamos os nossos conhecimentos do mundo animal. E, depois, será igualmente de interesse analisar a linguagem viva, dinâmica e colorida de que Ernesto Silva faz uso, linguagem com a qual nos permite “ver” o que está contando. Desejamos a todos, grandes e pequenos, horas bem passadas com a leitura dos Poemas com bicho. Horas bem passadas e construtivas. A deixar na alma um sorriso e, talvez, um remorso e um desejo de emenda. Margarida Nörenberg


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Quando a morte gera vida No tronco carcomido do carvalho Havia um buraco de água cheio E uma pequena rã, mesmo no meio, Depositou os ovos sem trabalho. A fêmea de um mosquito, nesse dia, Também fez a postura dos seus ovos. Agora, ambos, esperam filhos novos, Numa estada de calma e de porfia. Nasceram os mosquitos e os girinos E ficou o buraco cheio de vida. Mas a lei da natureza, de seguida, Marcou desde logo os seus destinos. Os girinos, não se mostram aflitos, Nadando vão da superfície ao fundo. E saibam, é sentença deste mundo, Que comam as larvas vivas dos mosquitos. É pois, assim, a lei da natureza: O forte, cruel, os outros mata E os que fenecem, mesmo nessa data, Garantem que a vida é uma certeza.


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Antídoto Na rica Amazónia do Brasil, Há vida desde a mais primária forma E tanta, tanta vida, quantas mil, Que fogem ao sentido e mais à norma.

Pois esse papagaio tão colorido, Devora certos frutos com veneno E neutraliza, o veneno ingerido, Com barro que procura no terreno.

Há uma psitácidas que conheço, De penas vivas, todas multicor, Que come barro e tem por ele apreço Como um manjar só digno do Senhor.

Quem foi o douto, o sábio, que ensinou Um tal remédio a tão pequena ave? Com apurado instinto ela encontrou, Antídoto que ao veneno faz entrave.


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O ladrão O pequeno rouxinol1 Um trabalhador de escol, No rebordo do silvado, Com cuidado e com carinho, Foi construindo o seu ninho, Até ficar acabado.

Ao dar-se a eclosão, Um enorme passarão, Sobressai num desalinho. Prepotente e bem mais forte, Empurra os outros prá morte E fá-los cair do ninho.

E, assim, como previu, Chegada a altura do cio, A sua cara metade, Com amor, muita ternura, Começou sua postura, Num saber e à vontade.

O cuco é rei e senhor E os rouxinóis, num labor, Carregam o santo dia, Desde o mosquito à lagarta, A comida que não farta, Àquela malvada cria.

Mas num galho empoleirada, A cuca que é estouvada, Todo o trabalho mirou. Como é ave de mais porte E, portanto, bem mais forte, O belo ninho assaltou.

Vendo a história mais fundo, Neste tão perverso mundo, Tão eivado de malucos, Em cada canto da rua, Quanta gente não actua Como na história dos cucos.

Pôs um ovo mesmo ao lado, Dos outros, bem disfarçado, Mas vigiando por perto. Os donos da moradia, Julgaram que era magia E nunca do cuco2 esperto.

1 Luscinia megarhynchos. Ave da família dos Muscicapideos. 2 Cuculus canorus - Família Cuculidae.


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O predador No beiral da minha casa Há sempre um bater de asa, O trinfar é permanente. Os ninhos, mais de setenta E todo o quadro apresenta, Um labutar permanente. Num vai vem, as andorinhas, Que são protegidas minhas, Procriam todos os anos, Num ambiente capaz, Cheio de amor e de paz, Onde não há desenganos. Mas uma noite. Que horror!... Sou acordado em torpor, Consigo, mesmo almejar, Uma coruja danada, Levar na garra afiada, Andorinha pró jantar. Esta nocturna rapace, Não usa qualquer disfarce. Com as garras bem em riste, Deslizando de mansinho, Retira as crias do ninho E dá-lhes um fim bem triste.

Na sua dura crueza, Tem sempre a mãe natureza, Quando a fome a uns aperta, Aos mais fracos ir buscar, Algo que possa evitar, Uma morte quase certa.


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Rei dos Mares Senhor do mar profundo, Grande em voracidade, Parece de outro mundo, Tal a ferocidade.

A rémora1 vai comendo, Tudo o que é desperdício Do tubarão horrendo, Como um dever de ofício.

Percorre os oceanos O grande tubarão. Até preda os humanos, Se for ocasião.

E está sempre obrigada, Por esta criatura, Manter limpa, asseada, A fera dentadura.

Tudo o que mexe ataca, Com seu dente afiado, Esquarteja como faca, Carrasco e desalmado.

A rémora lembrar faz, Uns certos figurões, Que vivem sempre atrás, Dos grandes “tubarões”...

Atrás deste portento, De força nunca vista, Está sempre em movimento, Um mais pequeno artista.

1 Ou rêmora. Peixe da família Echeneidae.


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O intruso Pelo buraco estreito da colmeia Um guloso rato1 se introduz E, quando de mel tem a barriga cheia, Volta atrás ao buraco que reluz.

Morta que está esta terrível fera, Manda a rainha, num jeito sem desvelo, Que todo o rato fique envolto em cera, Mumificado e feito num novelo.

É tão farta e grande a barrigada Que não cabe nele o pobre rato. Salta, respinga, dá tanta cabeçada E antevê o fruto do seu acto.

A história não nos mostra novidade, Sequer o pobre rato causa dó... Mas, digamos em abono da verdade, Teve pomba real de faraó...

O exército alado das abelhas Ataca, ferozmente, o roedor E mesmo usando as suas artes velhas Às picadas sucumbe o predador. O pobre rato, jaz, juntinho à porta, Depois de dar o último estertor. E quando exala um cheiro que desconforta, Às abelhas perturba o seu labor.

1 Rato-do-Campo: Mamífero roedor da Família Muridae. Géneros: Holochilus, Orizomys e Mastomys.


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O engenhoso Picanço Real Nos pilriteiros1 à beira dos caminhos, É bem de ver, com certa frequência, Pêlos de rato espetados nos espinhos, Quando se dá das folhas a ausência. Pêlos de rato?!... Pergunta o curioso (?!...) E a resposta vem logo de seguida: Há um pássaro pequeno e engenhoso, Que dos espinhos tira a melhor partida. O picanço2, maior que um pardal, Que no inverno, onde há crise de vida, Dá caça aos ratos num jeito especial E deles faz a principal comida. Caçado o rato, coloca-o no espinho, Puxa com o bico, disseca o roedor. E quando tudo é estéril e maninho, O rato vem dar vida e mais calor. 1 Planta da família das rosáceas, também conhecida por carapeteiro - Crataegus laevigata ou Craetagus monogyna.

2 Lanius excubitor.


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Mutação Lepidossirenídeo1!... Que palavrão?!... Da Amazónia é peixe não vulgar Que tem, podem crer, este condão De usar a mutação no respirar. Se o rio é caudaloso e tem corrente, As brânquias usa na respiração, Mas quando chega a seca, frequente, Respira, vejam lá, por pulmão. Não sei se haverá mudança assim, Neste mundo tão fértil de surpresa. Mas são tantos... Quase não têm fim... Os mistérios que guarda a natureza!... 1

Peixe da ordem dos dipnóicos.


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A armadilha Artrópode pequeno, acastanhado, Como um bago de milho e quase oval, Que vive e poderá ser encontrado, Nas dunas, junto ao mar, de Portugal. Faz um buraco em forma de funil, Coloca-se no vértice, bem no fundo, Onde engendra todo o seu ardil Como a coisa mais fácil deste mundo. Um qualquer verme ou descuidado insecto, Que demande a borda do buraco, Por mais inteligente ou circunspecto Cai logo, nesta trama, como um fraco. Se sente, o estranho, no lugar certeiro, Move a areia no fundo da “arola1”, O incauto, num esforço derradeiro, Ao encontro do predador rebola. Com um par de quelíceras bem em riste, Rodopiando no fundo, em alvoroço, O predado sucumbe, não resiste E o engenhoso artrópode ganha almoço.

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Ratoeira, ardil.


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Falta a vitamina A No continente africano, A inquieta gazela, Tem que andar sempre à cautela Em qualquer dia do ano.

A víscera do ruminante, De vitamina é bem rica. Se o leão não a fabrica Torna-se ávido num instante.

Porque o grupo do leão, No seu sábio farejar, Sabe bem como a caçar Na mais simples distracção.

Este felino carece, Muita vitamina A E a vera razão cá está Porque este caso acontece.

No mundo dito selvagem, Houve sempre, em todo o lado, O caçador e o caçado, O medo e a coragem. Morta a gazela no pasto, O leão, dá a dentada. E logo que é desventrada, Inicia-se o repasto. Fica a turbamulta à espera. O fígado vai pró leão. Saciado, deixa, então, O resto para outra fera.


Edição 1000olhos Design gráfico Fernando Mendes Formato 17 x 23,5 cm Miolo: 128 páginas a 1/1 cor (preto), em papel IOR de 100 grs. Guardas: Em papel IOR de 100 grs. Capa: Dura, armada em cartão 2 mm. e forrada a papel couché mate, impresso a 1/0 cores e plastificado a mate no exterior. Acabamento: Armar e meter em capa, miolo cosido à linha, lombo plano e transfil.


“Encarcerar a asa é encarcerar o pensamento humano.” Guerra Junqueiro

A soltura Pintarroxos?... Cinquenta!... Engaiolados, sofridos, Nas grades à cabeçada, Vítimas da grande caçada, De há dois dias volvidos. Nem sei qual era a sentença Que lhes estava destinada?!... Em abono da verdade, Nunca seria encarada, A soltura, a liberdade. Na manhã do terceiro dia, Mal abordei o quintal, Noto a gaiola vazia, Dos pássaros não vi sinal. Qual perito em evasão E numa visão bem certa, Tacteando o gaiolão, Encontro uma porta aberta. E a mim mesmo perguntei: - Quem lhes abriu o portal?!... Nisto, chega sorrateiro, O meu pai, ar triunfal, A citar Guerra Junqueiro...


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