Contribuição ao Design de Superfície em Gemas Naturais: gravação a laser em madrepérolas

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Contribuição ao Design de Superfície em Gemas Naturais: estudo sobre a caracterização da gravação a laser em madrepérolas

Introdução

feras naturais proporcionou a identificação da região do Marajó como possível produtor de pérolas e de madrepérolas (HOHN & DA COSTA, 2002). O potencial da madrepérola como matéria-prima na confecção de joias e adornos verifica-se ao longo da história da joalheria tendo seu beneficiamento praticamente de modo artesanal. Neste contexto, percebe-se que existe a necessidade de estudos específicos que valorizem o material e possibilitem a aplicação de processos tecnológicos de fabricação. Este capítulo visa contribuir para o beneficiamento da madrepérola por meio da gravação a laser, contribuindo, assim, para o design de superfície. O design de superfície é uma vertente do design, a qual visa o tratamento de superfícies visuais e táteis que solucionam questões estéticas, simbólicas e/ou funcionais (RÜTHSCHILLING, 2008). Por meio da gravação a laser, buscou-se compreender a interação entre a superfície da madrepérola e o laser, gerando conhecimentos sobre a aplicação dessa tecnologia na gema. A partir da análise dos resultados, são recomendados métodos e parâmetros de processo para o desenvolvimento de uma determinada superfície projetada.

A madrepérola ou nácar é um material gemológico natural que reveste e protege internamente a concha de moluscos perlíferos, como as ostras marinhas e mexilhões de água doce. O material é secretado continuamente pelas células epiteliais do tecido interno do molusco na superfície interna da concha. Apresenta-se como um compósito orgânico-inorgânico constituído de carbonato de cálcio (CaCO3) na forma de plaquetas de aragonita que medem de 10 a 20 mm de largura e 0,5 mm de espessura e estão ligadas por uma fina camada de conchiolina, substância orgânica córnea composta pela proteína quitina, que serve para cimentar estas placas formando um material resistente, resiliente e iridescente (BRAULIO, 2012). As placas de aragonita, juntamente com a conchiolina, depositam-se de maneira ordenada formando uma superfície imbricada que proporciona um brilho iridescente característico. A iridescência ocorre devido a espessura das plaquetas ser próxima ao comprimento de onda visível da luz. Estas estruturas interferem-se de forma construtiva e destrutiva, com diferentes comprimentos de onda de luz, em diferentes ângulos de visão, criando cores estruturais devido ao fenômeno de difração, o qual resulta nas cores do arco-íris denominado Oriente (MATLINS, 2008). A madrepérola é também o principal componente das pérolas. Quando um corpo estranho invade a parte interna da concha, penetrando na membrana do tecido conjuntivo do molusco, causa uma irritação que produz uma reação de defesa no tecido epitelial. Tal reação produz e libera o nácar que deposita-se em inúmeras camadas sobre o invasor proporcionando, assim, o desenvolvimento de uma pérola (SCHUMANN, 2006). Embora mais abundante e, por isso, menos valiosa que a pérola, a madrepérola tem sido um importante componente em joias, bijuterias e artes decorativas desde o Antigo Egito. As principais fornecedoras de madrepérolas são as “fazendas de pérolas”, pois o desenvolvimento do cultivo de ostras para a cultura de pérolas, a partir de 1960, fez com que a indústria ligada à madrepérola prosperasse. Desse modo, a primeira exportação do material ocorreu no início dos anos 1970. Atualmente, o Japão e a China são os principais produtores de pérolas e, consequentemente, de madrepérola (PEZZOLO, 2010). No Brasil, desde a época pré-cabralina, existe a ocorrência de ostras perlíferas naturais em águas doces que banham a parte sul da ilha de Marajó no estado do Pará. Os moluscos apresentam conchas com espessura média de 4 mm de madrepérola, com aproximadamente 105 mm de comprimento, as quais contém pérolas esféricas ou semi-esféricas com cores variadas. Na região em questão não existe manejo do cultivo de forma adequada, visto que as conchas, inicialmente, eram utilizadas para fabricação de botões de roupas, enfeites para cabo de facas e outros artefatos artesanais e as pérolas destinavam-se à confecção de joias e bijuterias para o comércio local. Posteriormente, conchas e pérolas passaram a ser vendidas a outros estados, com destaque para Santa Catarina e Ceará, também para a fabricação de joias e artesanato. A manifestação de ostras perlí-

Para a realização deste estudo, utilizaram-se onze discos de madrepérola, destinados a confecção de joias e ornamentos, com medidas de 25 mm de diâmetro e 3 mm de espessura. Foram adquiridas amostras com um processo de tingimento superficial na tonalidade azul escuro, visando facilitar a visualização dos traçados do laser na superfície do material. Para obtenção e caracterização dos resultados, utilizaram-se os seguintes métodos: gravação a laser, microscopia eletrônica de varredura (MEV) e lupa estereoscópica, cujos equipamentos pertencem ao Laboratório de Design e Seleção de Materiais (LdSM/UFRGS). Para o processo de gravação a laser, utilizou-se o equipamento Automatisa Mira 3007, com lente para 10 cm x 10 cm (100 cm²). O laser é gerado em um meio gasoso de CO2 e tem potência máxima de 60W. O equipamento é controlado via computador, o qual controla o movimento do feixe de laser por meio de um sistema galvanométrico. A área de trabalho é limitada em função do foco da lente utilizada e a velocidade máxima, tanto para corte como gravação, é de 500 m/min. Foram realizados três ensaios, denominados A, B e C, a partir de curvas e preenchimentos criados no software CorelDRAW (Figura 1), o qual destina-se ao desenho vetorial bidimensional. As curvas são interpretadas como trajetórias para o feixe, enquanto os preenchimentos (pixels de uma imagem) são interpretados como uma área a ser varrida pelo laser. Os ensaios buscaram determinar os parâmetros adequados para a gravação da amostra final. Para o ensaio A, foram criadas linhas retas igualmente espaçadas entre si, a fim de verificar o grau de detalhamento do traçado em diferentes velocidades. As velocidades variaram de 5 em 5 m/min, iniciando em 5 e finalizando em 80 m/min. Para o ensaio B, circunferências de diâmetros 2, 3, 4 e 5 mm foram criadas no intuito de verificar a resolução da curvatura do traçado em diferentes velocidades. As velocidades ensaiadas foram aquelas que apresentaram traçado mais legível no ensaio A. As formas dos ensaios A e B foram exportadas como curvas, em arquivos de extensão .plt (plotadora HPGL), com resolução de curvatura de 0,01 mm, a qual permite um traçado mais suave das linhas (CIDADE, 2010). Já no ensaio C, foram criados seis retângulos preenchidos, com saturações de preto variando de 10% a 100%. Neste caso, buscou-se verificar como esses preenchimentos apresentavam-se na velocidade escolhida de acordo com o ensaio B. Ainda, para o melhor entendimento sobre a gravação de formas preenchidas em escala de cinzas, foi elaborado um desenho para ser gravado nas melhores velocidades, de acordo com os ensaios anteriores. A interação do laser na superfície da madrepérola foi estudada por meio de observações, após as gravações, com o auxílio de um microscópio eletrônico de varredura (MEV) Hitachi TM 3000. Foram geradas imagens eletrônicas do tipo BSE (Back Scatered Electron) com aumentos de 50x, 150x e 500x. Também foram obtidas imagens com uma lupa estereoscópica Olympus SZX16

*Susana de Jesus Soares; 1Jaqueline Dilly; 1Lauren da Cunha Duarte; 2Fabio Pinto da Silva; Luis Henrique Alves Cândido ¹PGDesign/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul ²DEG/FA - LdSM/Demat/EE/Universidade Federal do Rio Grande do Sul *susana-soares@live.com

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Metodologia

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acoplada a uma câmera com resolução de 900 pares de linhas por milímetro.

Figura 1 - Arquivos digitais criados para os ensaios de interação do laser na superfície da madrepérola.

Resultados e discussões Com a realização dos ensaios A e B (Figura 2), percebeu-se que com a velocidade 35 m/min obteve-se a melhor qualidade no traçado das linhas dos desenhos, tanto em formas retas quanto em formas curvas.

ocorreu a redução das microfraturas nas linhas gravadas e, a partir da velocidade de 25 m/min (Figura 3B), houve aumento na nitidez, mas ainda com a presença de muitas arestas irregulares. Na velocidade de 35 m/min (Figura 3C), o traçado apresentou-se nítido, com pouquissímas arestas e uma profundidade de gravação que permitiu a melhor represntação da linha na madrepérola. A partir da velocidade de 65 m/min (Figura 3D), o laser passou a atingir profundidades muito pequenas, gerando perda de nitidez e mesmo dificuldade de fixação da linha gravada. Pelo MEV, as imagens obtidas nas amostras do ensaio A e B , mostraram como o laser afeta a superfície da madrepérola. Em todas as velocidades, o feixe do laser quebrou de forma contínua as camadas de aragonita e não houve fusão do material, restando apenas resíduos em forma de um pó ao longo do traçado. Na velocidade de 35 m/min, considerada adequada ao processo de gravação, o laser interagiu na superfície da madrepérola de modo satisfatório, com profundidade que não ocasionou o surgimento de muitas arestas e manteve uma nitidez ao longo do desenho em sua totalidade (Figura 4). Para o ensaio C, os arquivos de imagem foram exportados na extensão .gif (Graphics Interchange Format), pois ensaios anteriores demonstraram que a qualidade do traçado neste formato, em relação ao dos arquivos em .jpg ( Joint Photographic Expert Groups), são superiores em qualidade visual. Enquanto as linhas dos desenhos na extensão .jpg apresentaram microrachaduras ao longo do perfil, no traçado dos desenhos em .gif percebeu-se redução das arestas, uniformidade nas fraturas e melhor visibilidade do grafismo na madrepérola. Assim, optou-se por trabalhar com imagens em .gif com resolução de 300 dpi (Figura 5).

Figura 2 - Ensaios gravados na superfície da madrepérola. As setas indicam a velocidade que proporcionou melhor qualidade visual. Pela análise via lupa estereoscópica, percebeu-se que a velocidade interferiu na nitidez do traçado das linhas gravadas. Na velocidade de 5 m/ min (Figura 3A), a gravação obteve maior profundidade e ocasionou muitas fraturas e porosidade, comprometendo a nitidez do traçado. Percebeuse que com o aumento da velocidade

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Figura 3 - Diferença de traçado vista na lupa esterioscópica nas velocidades: A) 5 m/min, B) 25 m/min, C) 35 m/min e D) 65 m/min.

Figura 4 - Imagens obtidas no MEV da circunferência de 5 mm do ensaio B na velocidade 35 m/min: A) Desenho ampliado 50x; B) Traçado nítido e quase sem arestas ampliado 150x; C) Quebra contínua das plaquetas de aragonita ao longo do desenho; D) Interação do laser na madrepérola apenas fraturando sua superfície.

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O resultado demonstrou que além das diferentes velocidades e porcentagens de saturação, outro fator que influencia o comportamento da madrepérola é o seu caráter orgânico. Há uma pequena variação nos resultados para diferentes amostras do material. Percebeu-se que, em todas as amostras, o percentual de saturação de 100% foi gravado com nitidez. Por outro lado, em nenhuma amostra, o percentual de 20% apresentou a gravação do desenho. Em velocidades maiores que 65 m/ min, os preenchimentos de 40% e 60% ficaram pouco nítidos, por vezes ocasionando um efeito de degradê nas peças. A nitidez da gravação no percentual 60% passou a ser percebida somente abaixo da velocidade 65 m/min, enquanto que no percentual 40%, somente a partir da velocidade 50 m/ min. Por fim, a amostra gravada na velocidade de 35 m/min apresentou boa nitidez nas diversas porcentagens, porém, não foi possível observar a diferença entre os tons de cinza (Figura 8).

Figura 5 - Diferença de traçado observado na lupa esterioscópica. A) gravação em extensão .gif e B) gravação em extensão .jpg. No ensaio C, a velocidade de 35 m/min foi aplicada nas 6 porcentagens de saturação na cor preta. Observou-se que com o aumento da porcentagem de saturação, ocorreu um aumento na profundidade e na nitidez do desenho gravado. A diferença entre os tons gerou um efeito degradê na peça, tornando-se uma alternativa para projetos de design de superfície (Figura 6). Visando um melhor entendimento no processo de gravação a partir de preenchimentos, foram estabelecidos alguns percentuais de saturação de preto para serem aplicados na segunda etapa do ensaio. A escala de cinzas do desenho planejado (Figura 7) foi modificada para atender às saturações de 20%, 40%, 60% e 100%. Para gravação na madrepérola fora utlizadas as velocidades 100 m/min, 85 m/min, 65 m/ min, 50 m/min e 35m/min.

Figura 8 - Resultado das amostras gravadas na segunda etapa do ensaio C. Com base nos três ensaios realizados, fez-se a aplicação de um desenho para validação, buscando verificar a eficácia da gravação a laser na madrepérola com os parâmetros definidos. Para tanto, foi criada uma sobreposição de curvas e imagens preenchidas com 100% de preto. Foram exportados dois arquivos, .plt e .gif, respectivamente, e gravados com velocidade de 35 m/min (Figura 9).

Figura 6 - Ensaio C, gravação a laser em diferentes porcentagens de saturação de preto.

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Figura 7 - Desenho para a segunda etapa do ensaio C, com as definições de porcentagens de saturação de preto.

Figura 9 - Gravação para validação dos parâmetros determinados. A) Sobreposição das imagens a serem gravadas e B) Gravação realizada na amostra de madrepérola.

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Conclusões Este trabalho investigou a interação do laser na superfície da madrepérola, pela gravação de curvas e preenchimentos, visto a necessidade de agregar valor ao material com a inovação nos processos tecnológicos de fabricação. Os resultados demonstraram a viabilidade técnica de aplicação da tecnologia, pois foi possível determinar parâmetros para gravação e caracterizar a superfície do material. A gravação a laser confirmou-se como uma ferramenta capaz de valorizar e potencializar o uso da gema estudada no âmbito do design de superfície, criando um diferencial para peças de joalheria e adornos. A partir dos ensaios realizados, foi possível constatar que a velocidade de 35 m/min proporcionou superfícies mais nítidas, tanto no traçado de curvas (.plt), quanto em preenchimentos por imagens (.gif ). Nesta velocidade, houve pouca formação de irregularidades ao longo do traçado e a gravação ocorreu de forma uniforme na superfície da gema. Em relação às gravações de preenchimentos, observou-se que as velocidades interferiram na nitidez de acordo com a porcentagem de saturação de preto aplicada, possibilitando a geração de efeitos em degradê. Quanto maior a porcentagem de preto, maior a remoção das camadas de nácar, eliminando a coloração superficial e evidenciando a iridescência das camadas inferiores do material, a qual gera maior brilho nos grafismos gravados. Por fim, notou-se que os desenhos de curvas com traçados muito próximos podem ocasionar interferência uns aos outros, devido ao excesso de resíduos e fraturas geradas pela gravação. Assim, sugerem-se futuros estudos sobre a identificação dos espaçamentos mínimos entre linhas, bem como de suas espessuras, para a criação de desenhos mais detalhados.

Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES e à FAPERGS, bem como ao LdSM/UFRGS, pelo apoio no desenvolvimento deste trabalho.

Referências Bibliográficas BRAULIO, Mariana. Engenharia de Microestrutura de Concretos Refratários Espinelizados. (2012). Tese Doutorado em Engenharia de Materiais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. CALLIL, Cláudia. Análise da ultraestruturas das conchas de Anodontites trapesialis (Lamarck) e Anodontites elongatus (Swaison) (Mollusca, Bivalvia, Etherioidea) do Pantanal do Mato Grosso, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia. vol.22, n°3, Julho. 2005. CIDADE, Mariana K.. Design de Produto para Ágata: Aplicação de Microcáspsulas Fluorescentes em Superfícies Gravadas a Laser. Porto Alegre. In: Design e Tecnologia UFRGS 2010Disponível em: http:/www.pgdesig.com.br > .Acesso em: dez. 2014. HOHN, Helmut; Da Costa, M. Ocorrência de ostras perlíferas no Marajó, rio Pará. In: Revista. Escolar Minas, vol.55, n°1, Ouro Preto Jan./ Mar, 2002. MAMBER, Miriam. Miriam Mamber. São Paulo: Editora Bei, 2012. MATLINS, A. The pearl book: the definitive buying guide. Woodstock, VT, 4º edição. Editora: GemStone Press, 2008. PEZZOLO, Dinah. A Pérola: História, cultura e Mercado. São Paulo: Senac, 2010. RÜTHSCHILLING, Evelise A. Design de Superfície. Porto Alegre: Editora: UFRGS, 2008. SCHUMANN, W. Gemas do Mundo. 9. Ed. Ampl. E atual. São Paulo, Editora: Disal, 2006.

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