20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA PERCURSOS EM PESQUISA

Renato Riffel

Organizador


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

Renato Riffel Organizador

Realização: Curso de Design de Moda UNIVALI


©Renato Riffel 2020 Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro. Nesta edição respeitou-se o Novo Acordo ortográfico da Língua Portuguesa. Capa, projeto gráfico e diagramação: Renato Riffel Foto da capa e quarta capa: Editorial EXPANDED VISION (publicadas no portal Vogue Italia, em 2017). Ficha Técnica: Fotografia e Direção de Arte: Marcos Schaefer (@marcosschaeferphoto) Stylist e Direção de Arte: Carola Santos (@carolacaruda) Beauty: Kamila Padilha (@kpadilhamakeup) Modelo: Duda Loch (@dudaloch) Colete: Projeto Colarentu (Oara de Jesus e Carola Santos/Vestíveis Espontâneos) Demais peças: acervo Modateca UNIVALI Revisores: Egéria Höeller Borges Schaefer Graziela Morelli Luciane Ropelatto Taiza Kalinowski Anselmo Renato Riffel Ficha Catalográfica V791

20 Anos do Curso de Design de Moda [recurso eletrônico]: percursos em pesquisa / organizador Renato Riffel; autores Bruna Giovana Borges ... [et al.] - Dados eletrônicos. – Balneário Camboriú, SC: Curso de Design de Moda UNIVALI, 2020. Livro eletrônico. Vários autores. Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografias ISBN 978-65-87582-21-4 (e-book) 1. Design de Moda. 2. Moda - Pesquisa. 3. Moda - História. 4. Consumo. 5. Design de Moda – Metodologia. 6. Educação. I. Riffel, Renato. II. Borges, Bruna Giovana. III. Título. CDU: 391 Elaborado por Magda Cristina Possamai - CBR 14/1122 Índice para catálogo sistemático: 1. Vestuário. Trajes. Traje nacional. Moda. Adorno. 391

Universidade do Vale do Itajaí-UNIVALI Escola de Artes, Comunicação e Hospitalidade Curso de Design de Moda (Campus Balneário Camboriú-SC) 5ª Avenida, 1100 – Municípios. Balneário Camboriú – SC. CEP: 88337-300 Tel.: (47) 3261-1216


Sumário PRÓLOGO 6 A MODA QUE É VIVIDA Carlos Alberto Tomelin 8 20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA DA UNIVALI: A FOTOGRAFIA DA LEITURA DE UM TEMPO Bianka Capucci Frisoni

APRESENTAÇÃO 11 UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO Renato Riffel PARTE I

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA MODA 15 A ROUPA FAZ O HOMEM: ANÁLISE DE UMA PEÇA DE VESTUÁRIO PRODUZIDA ARTESANALMENTE NA DÉCADA DE 1970 E SUAS RELAÇÕES COM A RECONFIGURAÇÃO DO CORPO MASCULINO NO PERÍODO Renato Riffel Bruna Ranguetti 32 O TARTAN SOB O OLHAR HISTÓRICO-CULTURAL E A SUA POPULARIZAÇÃO NA MODA: DAS GUERRAS ÀS PASSARELAS Egéria Hoeller Borges Shaeffer Jennifer Meurer Carvalho 53 OS VESTIDOS DA MISS POR GALDINO LENZI: ANÁLISE DE ACERVOS DE VESTUÁRIO PARA A COMPREENSÃO DA MANUFATURA E DO CONSUMO DE MODA NA DÉCADA DE 1970 EM SANTA CATARINA Renato Riffel Graziela Morelli Romana Savagnago Erthal PARTE II

COMPORTAMENTO E CONSUMO DE MODA 78 ROUPA MANIFESTO: A RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE MODA NUMA ERA DE MARCAS COM PROPÓSITO – O CASO RONALDO FRAGA Graziela Morelli Maria Eduarda da Silva Costa de Queiroz


96 MODA FREEGENDER: UMA DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO E AS MARCAS DE MODA Renato Riffel Mario Norberto da Cunha da Silva 117 COMO FAZER A MODA CIRCULAR? ESTUDOS SOBRE A COMPREENSÃO DA ECONOMIA CIRCULAR EM PROJETOS DE MODA NO CURSO DE DESIGN DE MODA DA UNIVALI Graziela Morelli Julia Eduarda Riboli 137 DESIGN, SUSTENTABILIDADE E SOLIDARIEDADE: ATIVIDADES DO PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA ATELIER SOLIDÁRIO (2015-2019) Renato Riffel Luciane Ropelatto Haislan Henrique Maciel Zancanaro Mayra Marina Gislon Wendi Lara Zanella Bruna Stefanes Marques Sequinel PARTE III

PROCESSOS E METODOLOGIAS EM DESIGN DE MODA 156 PROCESSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA: UMA REVISÃO BIBLIOMÉTRICA Taíza Kalinowsky Anselmo Maria Luiza Reis Schrader 168 DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO DE TENDÊNCIAS DE CONSUMO E COMPORTAMENTO NO PESQUISATÓRIO DA UNIVALI Graziela Morelli Bruna Giovana Borges 187 APLICATIVOS PARA DESENHO EM DISPOSITIVOS MÓVEIS: POSSIBILIDADES PARA O DESENHO DE MODA Luciane Ropelatto Talita Amanda de Oliveira Ribeiro 206 A ANTROPOMETRIA DO PÉ FEMININO E MASCULINO VOLTADA À CONSTRUÇÃO DO CALÇADO TRANSGÊNERO Taiza Kalinowski Anselmo Graziela Breitenbauch de Moura Renata Cristiane Santiago


223 MODELAGEM E SEUS DESAFIOS: UMA EXPERIMENTAÇÃO PRÁTICA VISANDO A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE VESTIBILIDADE EM PEÇAS DE VESTUÁRIO FEMININO COM FOCO NA ALFAIATARIA FEMININA Egéria Hoeller Borges Shaeffer Fernanda Oeschler de Melo 240 OS AUTORES 245 AGRADECIMENTOS


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Prólogo

A MODA QUE É VIVIDA Prof. Dr. Carlos Alberto Tomelin Vice-Reitor de Graduação e Desenvolvimento Institucional da UNIVALI

O ano era 2000, início do novo milênio, da era da internet e de um novo jeito de nos comunicarmos e entendermos as relações interpessoais. Na Univali, o Campus Balneário Camboriú iniciava seu percurso de expansão com a criação de novas ofertas de cursos. Entre eles, Design de Moda. Um curso pensado para preparar e habilitar bacharéis com conhecimentos técnico-científicos e culturais para criar, gerenciar e desenvolver produtos, coleções e serviços de moda. Afinal, moda também cria e revela tendências, estabelece padrões, traduz personalidades e comportamentos, apropria-se e desenvolve inovação. Merece, portanto, profissionais que vislumbram cenários, pensam realidades e estudam movimentos sociais para desenvolver soluções para as pessoas. Nesta trajetória de 20 anos de curso, fomos testemunhas do empenho e dedicação de funcionários, professores e alunos na busca constante de uma qualidade de ensino-aprendizagem que extrapola o pedagógico para alcançar força no conteúdo. Vimos a construção dos laboratórios, o aprimoramento técnico e científico da equipe, o despertar de talentos e suas conquistas, nos exemplos tantos de egressos que despontam em várias áreas de atuação, em muitos lugares de todo o globo. Apresentar, ora, essa publicação, enche-nos de orgulho porque ele é um pequeno compêndio desse crescimento como curso e como grupo pensante. Uma equipe que pensa moda, construindo conhecimento na medida em que observa o rigor científico aliado às demandas da sociedade. São três partes que ensejam a construção dessa narrativa desenvolvida nos trabalhos de conclusão de curso: História e Memória; Comportamento e Consumo; e Processos e Metodologias. Na primeira, um olhar histórico-cultural sobre o vestuário e seus significados que nos demonstram a construção das peças, seus significados culturais e o avanço da moda como mercado. Na segunda, exemplos de como o design de moda vai além da criação e confecção de roupas, mas nos mostram como o vestir também carrega significados de transgressão dos padrões conservadores, avança para as demandas mais prementes da sociedade e pensa as pessoas, no mundo em que elas convivem umas com as outras. Na terceira parte, a ciência ganha espaço de destaque, ao lançar olhar sobre o fazer design de moda a partir das experiências metodológicas sem perder de vista o usuário e a atualidade de seus desdobramentos. 6


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Enfim, é uma publicação a não perder como leitura, como resgate histórico do curso e como comprovação da qualidade intrínseca que esta graduação sempre se propôs a abraçar. São apenas 20 anos. Carrega consigo a beleza e a vitalidade da juventude. É fruto dessa geração Z, que se moldou também nos anos 2000. Daquele ano para cá, deixamos as conexões discadas e os modens ruidosos, as pesadas enciclopédias foram trocadas pela Wikipedia e o onipresente Google, abriram-se as redes sociais, o smartphone firmou-se como veículo de comunicação para muito além de apenas um aparelho telefone, fazendo fotos, vídeos, registrando nossa vida e a traduzindo em algoritmos. E hoje sabemos: não era só “moda”. Porque a moda, assim como o design que a significa, trespassa tendências e histórias para firmar-se como tradutora do agora. Que assim seja com este curso que muito nos orgulha - não por acaso seu atual Conceito MEC 5 e Quatro Estrelas no Guia Estadão. Vida longa ao curso de Design de Moda da Univali!

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA DA UNIVALI: A FOTOGRAFIA DA LEITURA DE UM TEMPO Professora Msc. Bianka Capucci Frisoni Coordenadora do curso de Design de Moda da UNIVALI (2003-2018)

Este livro testemunha a trajetória de 20 anos do Curso de Design de Moda da UNIVALI, dedicada ao ensino de moda no Brasil. Vem celebrar e representar o trabalho educacional realizado pelos docentes do curso ao longo dessa jornada e, também, apresentar alguns resultados das atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas no decorrer dessas duas décadas. Porém, como o conhecimento não se finda, mas se transforma e se expande, este livro também direciona o leme do curso para a constante renovação do sistema da moda e abre possibilidades para receber as muitas revoluções que estão por vir acompanhando as mudanças sociais, comportamentais, tecnológicas, econômicas, políticas e emocionais do mundo. Esse espírito revolucionário e inquieto nasceu com o curso em 2000, em meio a uma virada de século e, num breve recorte de cenário, levo vocês nessa viagem no tempo. O ano de 2000 foi o do temor do Bug do milênio, quando existia a onda do boné da Von Dutch, da pulseirinha Life Strong, do vestido por cima da saia, da calça cargo e do som da Velha Infância dos Tribalistas. Foi quando o U2 lançou “The beautiful day”, celebramos os 500 anos do descobrimento do Brasil, testemunhamos a geração das supermodels, o lançamento do Playstation 2 e do Windows 2000, do iPod, do Orkut, dos fotologs, dos arquivos gravados em CDs e do barulhinho da internet discada. Enfim, uma década de tantas lembranças históricas, nacionais e globais. Na vida política e social, era um momento de efervescência das discussões sobre os paradigmas que marcavam o início do Século XXI, os quais no campo da moda, tentavam romper com as máximas, do “nada se cria, tudo se copia” e “a moda vai e vem”. Neste contexto, também crescia a tendência da customização e da reciclagem de materiais buscando o desenvolvimento sustentável na moda, assim como as novas estéticas clubber, underground, o boom da cultura do hip hop e do universo das baladas. Esse momento também foi um prenúncio da vertente da moda que visava a quebra das construções sociais impostas pelas gerações passadas e já naturalizadas no imaginário social, emergindo as discussões sobre a moda sem 8


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gênero, a estética andrógena e do estranho, o mercado plus size, a inclusão social, dando espaço para um mundo fashion centrado no usuário, entre outros assuntos que elevavam a percepção para uma visão mais democrática: uma moda para todos. Então, como uma leitura do tempo, no início desse século XXI, a Univali colocava no mercado o curso de Design de Moda, com uma proposta irreverente e alinhada ao seu tempo, extrapolando o ângulo de visão da moda centrada no estilismo para propor uma simbiose com Design, com um ensino voltado para todos os segmentos do mercado de moda. O Curso surgiu com o propósito de construir uma formação fundamentada em conhecimentos técnico-científicos e culturais, princípios éticos e práticas interdisciplinares, que possibilitassem aos estudantes o desenvolvimento da capacidade de criar, gerenciar e desenvolver produtos, coleções e serviços de moda. Como fundamento dos processos de ensino/aprendizagem, a proposta curricular do curso articulava conceitos estéticos, simbólicos, ergonômicos, sustentáveis e produtivos, sem deixar de priorizar a atenção às inovações tecnológicas e comportamentais intervenientes no mercado da moda. Posso dizer que, desde então, o Designer de Moda formado pela Univali é preparado para atuar frente ao mercado plural e internacional da moda, composto por várias áreas de atuação como o vestuário, calçados e acessórios, joias, produção de moda, comunicação de moda, entre outros. Este é um dos pontos altos do curso, pois atende as demandas regionais do estado de Santa Catarina, notadamente uma das potências industriais do país na área da moda, assim como às necessidades desse campo de conhecimento em outros estados brasileiros e países internacionais. A proposta curricular instituída inicialmente, e que se mantém na atualidade, se desenvolve em quatro linhas básicas: a promoção do equilíbrio estético-funcional entre beleza, praticidade e funcionalidade; a realização de interfaces entre estética, psicologia, economia, sociologia e ergonomia; a organização, planejamento e gestão do produto de Moda da concepção à produção, colocação no mercado, uso e desuso pelo consumidor; e a viabilização técnica de todas as etapas de seu processo de desenvolvimento dentro de um determinado contexto técnico factível, ético, sustentável e desejável. É importante ressaltar como esse livro, editado para comemorar os 20 anos do curso de Design de Moda, torna-se uma fotografia reveladora da sua proposta formativa. Nessa compilação de trabalhos de pesquisa, produzidos de forma colaborativa entre estudantes e professores pesquisadores, percebe-se conteúdos contemporâneos direcionados a temáticas atuais; presença de parcerias nas ações de P&D; relação entre ensino, pesquisa e extensão em prol de benefícios a comunidade e uma busca constante por inovação, a fim de contribuir com o desenvolvimento das empresas, indústrias e consumidores de moda. 9


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São 3 blocos de discussão que traçam um framework de passado, presente e futuro e que promovem ótimas reflexões: História e Memória; Comportamento e Consumo; Processos e Metodologias. As pesquisas apresentadas nos fazem refletir diante de um mundo em plena mudança, em que a natureza do trabalho do Designer de moda está se modificando e exigindo novas habilidades. Em um tempo em que o sistema tradicional de moda não se sustenta mais e as seguidas crises abrem novas possibilidades de colaboração positiva entre academia e mercado para criar o novo, evidencia-se a relevância da produção dos melhores designers com perfil aberto às tendências de comportamento, sempre em mutação. O Desafio de entender e ressignificar todo este contexto é tarefa difícil dentro dessa era líquida em que vivemos. Ele requer coerência para dar forma, estrutura, conteúdo e emoção sempre frescos para os processos de ensino/aprendizagem. Desenvolver a inteligência criativa dos futuros Designers de Moda, para a solução dos problemas complexos de nossa sociedade, continua sendo meta dos muitos anos que o Curso de Design de Moda da Univali tem à sua frente. Parabéns! Long life à cultura de Design da Univali!

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Apresentação

UMA HISTÓRIA EM CONSTRUÇÃO Prof. Msc. Renato Riffel Organizador

Há muitas maneiras de se contar uma história. Na antiguidade, o mito surgiu como uma forma de narrativa que possibilitava explicar ou interpretar a realidade vivida. Por meio de histórias de cunho épico ou sagrado, essas alegorias propunham modelos e paradigmas de conduta, ao mesmo tempo em que buscavam dar significado à existência humana. E já que estamos falando de mitos, vou evocar um dos meus preferidos por motivos óbvios: Clio, a musa grega da história e da criatividade, filha de Zeus com Mnemósine, a deusa da memória. Não quero me estender aqui a contar as minúcias desse enredo, mas o uso providencialmente para propor uma reflexão prosaica: a história é filha da memória, já nos ensinavam os antigos gregos! Dito isso, ouso dizer que este é um livro de memórias. Não desses livros convencionais, feitos para marcar datas comemorativas arredondadas (20, 50, 100 anos e etcéteras), a mostrar fotografias envelhecidas e a desfilar um rosário de acontecimentos forçadamente encadeados num tempo que hoje já nos parece fragmentado e difuso, uma vez que se esvanece a cada hora vivida. É um livro de memórias contemporâneo, vivo, pulsante. Trata-se de uma coleção de artigos (e imagens) recentes, escritos de forma colaborativa entre professores e alunos do curso de Design de Moda da Univali, resultado de projetos de pesquisa e extensão, trabalhos de conclusão de curso, monitorias e estágios em laboratórios. Volto a evocar Clio para comentar a primeira parte do livro, que trata justamente de temáticas relacionadas à história e memória da moda. No artigo que abre o capítulo, Renato Riffel e Bruna Ranguetti discutem a reconfiguração do corpo masculino na década de 1970 a partir da análise de um paletó produzido por um alfaiate em Brusque naquela década. Na sequência, Egéria Hoeller Borges Shaeffer e Jennifer Meurer Carvalho seguem os passos do Tartan e nos mostram como essa tradicional padronagem escocesa, para além de signo distintivo de clãs guerreiros, se tornou um símbolo de luxo e contestação ao alcançar as passarelas da moda. Encerrando o capítulo, Renato Riffel, Graziela Morelli e Romana Savagnago Erthal oferecem um panorama da manufatura e do consumo de moda de luxo na década de 1970 em Santa Catarina por meio da análise de uma coleção de vestidos feitos por Galdino Lenzi para a então Miss Santa Catarina desfilar no concurso nacional, realizado em Brasília-DF, em 1976. 11


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Na segunda parte da obra, as discussões perpassam questões contemporâneas acerca do comportamento e consumo de moda. No primeiro artigo, Graziela Morelli e Maria Eduarda da Silva Costa de Queiroz analisam desfiles do criador Ronaldo Fraga para compreender a relevância da comunicação de moda num momento em que as marcas com propósito ganham cada vez mais evidência. Em seguida, Renato Riffel e Mario Norberto da Cunha da Silva estudam seis marcas nacionais de moda freegender para compreender como elas questionam a normatividade de gênero por meio das suas coleções. Ecoando o debate sobre a impacto que a indústria da moda gera no meio ambiente, Graziela Morelli e Julia Eduarda Riboli investigam alternativas possíveis para a moda circular tendo como base um estudo com acadêmicos do Curso de Design de Moda da Univali, resultando no desenvolvimento de materiais que possam ser usados no processo de design sustentável. Por fim, Renato Riffel, Luciane Ropelatto, Haislan Henrique Maciel Zancanaro, Mayra Marina Gislon, Wendi Lara Zanella e Bruna Stefanes Marques Sequinel apresentam um relato das atividades do projeto de extensão comunitária Atelier Solidário entre os anos de 2015 a 2020, indicando as demandas sociais atendidas e as experiências que contribuíram para a formação acadêmica e cidadã de discentes e docentes do curso de Design de Moda. Na terceira e última parte do livro, são relatadas propostas que abarcam metodologias e processos possíveis de serem aplicados ao Design de Moda. Abrindo o capítulo, Taíza Kalinowsky Anselmo e Maria Luiza Reis Schrader nos mostram os resultados de uma revisão bibliométrica realizada em publicações de revistas acadêmicas e anais de eventos, com foco no processo criativo no design de moda. Em seguida, Graziela Morelli e Bruna Giovana Borges propõem um método para a identificação e investigação de tendências, resultado de um estudo realizado no Pesquisatório – Laboratório de Pesquisa de Tendências dos cursos de Design da Univali. Os softwares específicos para desenho de moda são a base da pesquisa apresentada por Luciane Ropelatto e Talita Amanda de Oliveira Ribeiro, oferecendo um panorama dos aplicativos desenvolvidos para o sistema Android que podem ser utilizados para tal fim, indicando ainda quais deles possuem compatibilidade para vetorização e edição posterior. Seguindo as discussões, Taiza Kalinowski Anselmo, Graziela Breitenbauch de Moura e Renata Cristiane Santiago analisam as diferenças antropométricas existentes entre o pé masculino e feminino, sugerindo uma tabela de medidas que podem auxiliar na confecção de fôrmas para calçados destinados a mulheres trans. Encerrando o capítulo, Egéria Hoeller Borges Shaeffer e Fernanda Oeschler de Melo descrevem um estudo teórico-prático que tem como finalidade analisar os métodos de modelagem e confecção, a fim de apurar novas técnicas que valorizem a ergonomia e possibilitem aperfeiçoar a manufatura de peças de alfaiataria. Além desses textos, o leitor também encontra nessa obra uma coleção de fotografias que ilustra uma parte da produção imagética realizada no curso. Sob 12


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a coordenação dos professores Caroline Santos da Silva, Marcos Eduardo Schaefer e Vanessa Silva Alves Ferreira, essa iconografia construída de forma colaborativa com equipes de alunos durante seu processo formativo, revela o caráter multi e transdisciplinar da matriz curricular do curso, evidencia a prática da pesquisa feito para além da produção textual e, ao mesmo tempo, reconhece a imagem de moda como um importante agente de produção de sentidos. A história que emerge dessas páginas não é unidimensional. A obra que apresentamos nos deixa entrever os pormenores de um curso que se constrói há 20 anos, abrindo frestas por onde se veem as inquietações inerentes à construção do conhecimento no seu respectivo campo de saber. É uma história que se oferece como um mosaico, onde as ideias, investigações, indagações, propostas, metodologias, diálogos e considerações finais presentes nos textos, deixam a cargo do leitor a construção do desfecho. Talvez, ao final da leitura, não seja possível ao leitor formular um epílogo. Mas penso nisso como algo positivo, na medida que um final de história “em aberto” sempre me pareceu mais provocador e imaginativo. Será que Clio aprovaria a forma como escolhemos para contar essa história? Filha da memória, amiga da criatividade, conhecida por celebrar e divulgar realizações, arrisco dizer que sim! Celebremos então, com uma boa leitura!

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PARTE I

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA MODA A ROUPA FAZ O HOMEM: ANÁLISE DE UMA PEÇA DE VESTUÁRIO PRODUZIDA ARTESANALMENTE NA DÉCADA DE 1970 E SUAS RELAÇÕES COM A RECONFIGURAÇÃO DO CORPO MASCULINO NO PERÍODO Renato Riffel Bruna Ranguetti O TARTAN SOB O OLHAR HISTÓRICO-CULTURAL E A SUA POPULARIZAÇÃO NA MODA: DAS GUERRAS ÀS PASSARELAS Egéria Hoeller Borges Shaeffer Jennifer Meurer Carvalho OS VESTIDOS DA MISS POR GALDINO LENZI: ANÁLISE DE ACERVOS DE VESTUÁRIO PARA A COMPREENSÃO DA MANUFATURA E DO CONSUMO DE MODA NA DÉCADA DE 1970 EM SANTA CATARINA Renato Riffel Graziela Morelli Romana Savagnago Erthal

Foto: editorial Cada Forma Tem Uma Memória Fotografia e Direção de Arte: Marcos Schaefer (@marcosschaeferphoto) Styling e Direção de Arte: Caroline Santos (@carolacaruda) Assistente de styling: Thaís de Souza Beauty: Joana Caldeira Modelo: Lucas Tramon


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A ROUPA FAZ O HOMEM: ANÁLISE DE UMA PEÇA DE VESTUÁRIO PRODUZIDA ARTESANALMENTE NA DÉCADA DE 1970 E SUAS RELAÇÕES COM A RECONFIGURAÇÃO DO CORPO MASCULINO NO PERÍODO

Renato Riffel Bruna Ranguetti

Esta pesquisa tem como objetivo identificar, por meio da análise de uma peça de vestuário produzida artesanalmente na década de 1970 na cidade de Brusque região do Vale do Itajaí Mirim em Santa Catarina - aspectos relacionados à reconfiguração do corpo masculino por meio da moda do período. Tomando a peça estudada como objeto/documento, utilizou-se para o seu exame as contribuições sugeridas por autores que apresentam uma metodologia específica para análise de artigos têxteis (SANT’ANNA, et. al., 2009). Visando conseguir compreender a problemática da pesquisa, foram também realizadas pesquisas bibliográficas, entrevistas e análises de revistas e periódicos dos anos 1970 relacionados a década estudada. A pesquisa contribuiu para um amplo entendimento sobre a moda e as suas relações com as sensibilidades de uma época, colaborando para o desenvolvimento de produtos inovadores no design de moda.

Introdução: primeiros pontos A moda tem firmado seu potencial para além da cadeia de produção, distribuição e consumo, constituindo-se em objeto de estudo nos mais diversos campos do saber. Nessa perspectiva, o estudo da história da moda se constitui como uma valiosa fonte de pesquisas para o desenvolvimento de novos produtos sendo comum que, na atualidade, os profissionais da área de design se utilizem de arquivos e acervos históricos de moda em busca de inspiração para suas coleções, sejam elas voltadas para o público feminino ou masculino. Sant’Anna et. al. (2009) discorrem sobre a relevância da pesquisa em história da moda para a criação de artigos inéditos e indicam, sobretudo, que a análise de peças de outras épocas deveria ser uma prática constante entre os profissionais do design no momento da criação de novos produtos. O que esses autores recomendam ao designer de moda, portanto, é que estes busquem relacionar o seu processo criativo com o estudo do que já foi materializado no passado, apropriando-se do conhecimento de padrões culturais, das formas de

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fabricação, consumo e uso da moda ao longo do tempo para propor, a partir dessas análises, a concepção de algo “novo”. A utilização de artefatos de uso pessoal ou coletivo como fontes de pesquisa em história se disseminou, sobremaneira, em decorrência das propostas da Escola dos Annales que, buscando promover uma renovação nos estudos históricos, abriram perspectivas para a utilização de objetos da cultura material como base para inúmeras investigações, conforme sinalizado por Kossoy (2007). Assim, esses objetos do cotidiano (como uma roupa, por exemplo), passaram também a ser adotados como fontes de análise em história, tomados como vestígios da existência de uma sociedade e das relações humanas que foram vividas num determinado período e local. Desse modo, cada objeto, independente de tamanho, condição de fabricação ou uso, acaba por se constituir, sob o ponto de vista da cultura material, num documento histórico, pois de alguma forma, ele representa e torna-se testemunho de uma época. Roche (2000, p.11) aponta que o interesse pela cultura material significa um meio de contribuir para uma releitura mais geral da história, afirmando que a análise de um objeto/documento propicia a compreensão não apenas das questões econômicas e sociais de determinado período, mas também das relações simbólicas que os indivíduos estabelecem com os objetos. Ainda com relação aos estudos na área da cultura material, Sant’Anna et. al. (2009), afirmam que, para esse campo de investigação, todo objeto manufaturado pelo homem é considerado um documento histórico, pois nele se encontram registrados os mais diversos aspectos, tanto da sua manufatura como dos seus usos e do seu valor simbólico para uma determinada sociedade. Nesse sentido, a roupa é também considerada um objeto/documento, pois ela pode fornecer informações variadas e que possibilitem a interpretação dos indivíduos e das sociedades na qual ela foi construída e utilizada ao longo do tempo. Portanto, aquilo que um dia foi objeto de uso pessoal (como uma roupa, por exemplo) converte-se num documento da existência de uma sociedade e das relações humanas vividas num período, representando também um determinado tempo histórico, conforme Sant´Anna et. al., 2009). Segundo Meneses (1992), a materialidade do objeto, por ter um caráter físico, traz indícios de uma série de memórias, da vida social e cultural de uma pessoa e, inclusive, de toda uma sociedade à qual ele pertenceu. Ao analisar uma peça de roupa, portanto, deve-se investigar toda a história de um período, seus hábitos e costumes, assim como cada detalhe minuciosamente posicionado, pois este representa um estilo particular de um fabricante ou de uma época. Um elemento encontrado na peça de vestuário pode representar, por exemplo, o estilo de um costureiro ou alfaiate ou, ainda, determinado gosto do usuário. Seguindo essas premissas, a pesquisa que possibilitou a produção do presente texto procurou investigar, por meio da análise de um paletó produzido por um alfaiate na cidade de Brusque-SC, na década de 1970, aspectos 16


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relacionados à reconfiguração do corpo masculino por meio da moda, naquela década. O exemplo escolhido para a presente discussão faz parte de um conjunto maior, que buscou analisar aspectos relacionados à produção, à circulação e à apropriação de informações de moda masculina na região e no período referidos. Para análise do objeto/documento, utilizou-se de metodologia apresentada por Sant´Anna et. al. (2009, p.261), seguindo três etapas de investigação: a primeira, de cunho bibliográfico, utilizou livros e periódicos científicos da área de moda, história e cultura material para relacionar os conteúdos específicos ao campo investigado; a segunda priorizou a descrição das características físicas do objeto/documento (o paletó); a terceira buscou interpretar os dados coletados, relacionando-os com o contexto histórico da moda da época1. Objetivando coletar informações complementares2 acerca do processo de manufatura e sobre os tecidos utilizados na confecção do objeto/documento, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas e informais, sendo elas efetuadas com o alfaiate Valmir Pruner, da cidade de Brusque-SC e com a docente da disciplina de Tecnologia do Vestuário do curso de Design de Moda da UNIVALI, Maria Rosaime Cabral. Com base nas análises efetuadas, observou-se que a investigação de objetos da cultura material oferecem infinitas possibilidades de pesquisa, servindo igualmente como um precioso manancial para a elaboração de novos produtos de design. Se muitas vezes as fontes escritas ou visuais, que são reproduzidas em livros ou revistas, não são suficientes para servirem de estudo no campo da moda, conforme ressalta Andrade (2006), esse tipo de investigação permite aos designers outras experiências. Entrar em contato diretamente com objetos do passado, analisando a forma como estes foram manufaturados e consumidos, compreendendo seu significado econômico, social e cultural, permite a esses profissionais experimentar novas percepções, colaborando igualmente com a criação de produtos originais e inovadores.

A roupa faz o homem: costurando uma análise O objeto/documento analisado é um paletó modelo transpassado, com seis botões e lapela em ponta3, confeccionado artesanalmente em meados da década

Para essas análises foram também utilizados jornais e revistas da década de 1970, especialmente cedidas pelos professores Renato Riffel e Graziela Morelli, docentes do curso de Design de Moda da UNIVALI. Outros periódicos consultados foram adquiridos pela autora em uma loja de livros e revistas usados, na cidade de Blumenau-SC. 2 Outros dados relativos ao paletó analisado foram também complementados tendo como base o material referente à exposição realizada na Modateca da UNIVALI, denominada Alfaiates: Artífices da Moda, da qual fez parte o objeto/documento em questão 3 Atualmente a peça faz parte do acervo da MODATECA da UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, tendo sido doada por Santos Paschoal. 1

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de 1970 (1972 a 1974) na cidade de Brusque-SC pelo alfaiate Waldemar Zabel, feito em tecido de helanca com forro em zibeline4 (Figura 1). Figura 1 - Paletó analisado, confeccionado na década de 1970.

Fonte: Fotografia elaborada pelos autores (2016)

O paletó pode ser definido, conforme Catellani (2003, p.515), como um “casaco masculino que vai até o quadril e é abotoado na frente, com um, dois, três ou mais botões. Possui mangas compridas, bolsos externos e gola com lapela em diferentes formatos, variando de volume e proporção”. Geralmente um paletó faz parte de um conjunto maior, que inclui calça e colete, sendo então chamado de terno. Catellani (2003, p.531) define terno como um “costume masculino composto de paletó, calças e colete do mesmo material e da mesma cor”. No entanto, pode-se dizer que, com base nas informações levantadas a partir de análises primárias, que o objeto/documento em questão foi encomendado como peça única, ou seja, calça e colete não fizeram parte do conjunto, indicando assim uma escolha de gosto pessoal do proprietário. Essa preferência denota as mudanças de atitude do público juvenil a partir da década de 1960, que abandona o estilo severo e formal, abraçando partir daí uma moda prática e casual. Se até a metade do século XX, como afirma Barros (1998), era praticamente obrigatório o uso do terno como sinônimo de elegância, mesmo fora do trabalho ou nos fins de semana, é a partir das décadas posteriores que prevalece o interesse dos jovens pela informalidade nos modos de vestir.

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Essa descrição tem como base as indicações de Feyerabend (2009, p.207). 18


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Iniciando o exame do objeto/documento observa-se que, quanto à modelagem, o paletó apresenta silhueta semicinturada, com recorte recuado (LEITE; VELLOSO, 2009, p. 84). Na parte frontal, esse recorte recuado se estende da cava até o bolso e, nas costas, o mesmo vai da cava até o final da peça. O efeito acinturado do paletó é conseguido com a inserção de uma pence que vai do ponto debaixo da cava até o bolso. O uso desses recortes e pences denotam a habilidade do alfaiate em construir uma peça que se moldasse adequadamente ao corpo do cliente pois, conforme aponta Catellani (2003, p. 605), o uso desses artifícios servem especialmente “para dar um melhor caimento e/ou beleza à peça, afunilando-a” e deixando-o mais ajustado ao corpo. Observando as imagens masculinas que aparecem em periódicos da época (Figura 2), nota-se que o homem da década de 1970 apresentava um corpo mais sinuoso e menos estruturado, muito diferente do formato rígido das décadas anteriores. Moutinho e Valença (2000) indica que na década de 1970 o formato do corpo é destacado através do formato do corte dos trajes e, dessa forma, pode-se concluir que o modelo acinturado do paletó analisado acompanha estas mudanças propostas para a silhueta da época. A busca por uma vida saudável, continua a autora, alinhada a dietas e prática de exercícios físicos que surgem neste período se espraiam para as décadas posteriores, sendo que a moda passa a se adaptar aos biótipos vigentes a partir daí. Figura 2 - Roberto Carlos, Jerry Adriani e John Travolta.

Fonte: Diário Íntimo com meus Ídolos (1971); Blackman (2014, p.228-229).

É importante ressaltar que os filmes norte-americanos e suas estrelas, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, passam a influenciar diretamente o público jovem, definindo seus gostos e suas atitudes (Figura 2). Nessa linha, Blackman (2014) afirma que, sendo o cinema o principal entretenimento do período pós-guerra, ele se tornou um dos principais meios de divulgar novas modas, transformando peças do vestuário em ícones, como por exemplo o jeans e a jaqueta de couro usados por James Dean e Marlon Brando.

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Já Baudot (2002) propõe que foi a força dos grandes cantores da música pop que ajudou a impor o modelo de um “novo homem” na década de 1970. Steele (2000) também corrobora com essa afirmação indicando que os novos estilos musicais surgidos na década de 1970 influenciaram diretamente na moda jovem. A discoteca, por exemplo, trazia os saltos plataforma e o músico e rockstar David Bowie apresentava roupas justíssimas para homens, quebrando tabus e desempenhando um papel importante na moda do período, influenciando toda uma geração. Astros como Bowie, exibindo seus personagens andróginos, acompanhado de outros artistas como Mick Jagger, Gary Glitter e Marc Bolan, faziam do vestuário diferenciado um referencial para o público jovem masculino da época (Figura 3). Figura 3 - Mick Jagger e David Bowie, ídolos dos jovens na década de 1960.

Fonte: On The Dash (2013); Blackman (2014, p.251).

No Brasil, desde a segunda metade da década de 1960, quando músicos como Roberto Carlos e Erasmo Carlos, juntamente com a cantora Wanderléia, tornaram-se apresentadores de um programa na televisão, a Jovem Guarda se tornou um dos maiores fenômenos artísticos e musicais já vistos no país, constituindo-se numa referência à juventude e ao rock’n’roll. De acordo com Moutinho e Valença (2000, p.224), as roupas que eles usavam “eram as dos jovens de todo o mundo: minissaias, calças saint-tropez com o umbigo de fora [...], camisas de cores e tecidos brilhantes”. Esses artistas, tendo como referência cantores como Elvis Presley e bandas como os The Beatles, propagavam pela TV um visual juvenil e inovador (Figura 2).

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Nesse cenário, Roberto Carlos se tornou uma figura importante na moda masculina, pois as roupas chamativas e os acessórios reluzentes que usava tornavam-se febre nas ruas e qualquer gesto diferente que fizesse era copiado pelos jovens. Medeiros (1984, p.77) destaca que a formação religiosa do astro, seu olhar tristonho de menino apaixonado e sensível, que teve uma vida pobre mas decente antes da fama, perfaziam elementos de um perfil humano irresistível. No mais, os três apresentadores do programa dominical, continua o autor, representavam uma juventude rebelde com causa que possuíam um atrevimento simbólico comedido, mas muito importante para a sociedade. O programa televisivo durou apenas dois anos, mas após aquelas aparições a juventude brasileira nunca mais foi a mesma. Ainda no ramo musical, movimentos como a Tropicália abriam espaço para grupos como os Novos Baianos e Os Mutantes, assim como para cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, exercendo impacto com seu vestuário de inspiração hippie. O movimento hippie, aliás, é destacado por Steele (2000) e Mendes e Haye (2003), como primordial para a redefinição da moda na década de 1960 e nos períodos subsequentes. Para essas autoras, esse movimento que celebrava a paz e o amor contribuiu para criar uma sociedade multicultural e democrática, reformulando os postulados da moda e difundindo um vestir mais confortável, individualista e liberto. Nessa linha, Lehnert (2001) evidencia que foi a partir do movimento hippie que os jovens formularam alternativas aos padrões sociais vigentes, abrindo caminho para as mobilizações políticas das décadas de 1960 e 1970, como por exemplo o movimento feminista que, de certa forma, fez emergir uma moda unissex. Contudo, conforme propõe Steele (2000, p.79), não era possível definir um estilo para a moda da década de 1970, indicando o destaque que um número da Vogue britânica deu a este fato: “The real star of fashion picture is the wearer... you”.5 Lehnert (2001), também assinala que a década de 1970 marcou uma transição na forma como a moda era produzida e difundida, descrevendo que não havia uma silhueta padrão a ser seguida, abrindo espaço para o individualismo: o padrão era ser diferente, colocando o descontraído como referência. A moda do período definitivamente não estava na moda, conforme nos lembra Steele (2000), referindo-se ao fato de que o que antes era considerado ridículo tinha se tornado sinônimo de elegância. Das costeletas às calças boca de sino, menciona a autora, não se encontrava uma fórmula possível de agradar públicos tão diferentes como os daquela década. Mendes e Haye (2003) também sugerem que muitas das regras consideradas de bom gosto foram violadas na época, destacando que detalhes como bocas de sino nas calças e lapelas largas em camisas e paletós, muitos deles confeccionados com estampas e cores 5

A verdadeira estrela da imagem de moda é o usuário... você. Tradução livre dos autores. 21


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extravagantes, eram o charme da moda masculina do período. Para completar o visual masculino, Lehnert (2001) menciona que, na década de 1970, os homens jovens costumavam usar barbas e cabelos compridos um tanto desleixados, destacando a pilosidade como fator importante para demonstrar virilidade. Essa preocupação demasiada com o vestir dos homens fez com que diversas revistas de moda começassem a se preocupar com o estilo masculino, passando a dar dicas e conselhos não somente para o seu bem vestir, mas também para o seu bem estar. Assim, esse padrão da moda da década de 1970 também começa a ser associado a um “novo” modelo desejável de corpo masculino, mais esguio e menos retesado. Nessa lógica, se a moda possibilita a reconstrução plástica do corpo natural, segundo afirma Castilho (2004), a moda daquela década vai reconfigurar também o corpo masculino, deixando-o mais solto, sinuoso e menos encorpado. Castilho (2004) afirma que a estruturação das roupas masculinas, em especial a dos ternos, procura destacar tórax, ombros e braços por meio de formas rígidas. Assim, continua a autora, a moda vai formar o corpo masculino em linhas verticais, dissimulando as linhas sinuosas e evidenciando a cintura conforme os trajes femininos. No entanto, segundo Castilho (2004), há momentos na história em que o traje masculino se distancia do aspecto vertical, como ocorre com o vestuário dos dândis no século XIX. Nos dândis (Figura 4), a composição do traje masculino enfatiza a cintura, configurando o corpo destes “com características relacionadas à plasticidade feminina” (CASTILHO, 2004, p.169). Contudo, continua Castilho (2004), mesmo nesse caso a verticalidade não deixa de estar presente, manifestando-se especialmente nas linhas de abotoamento. Figura 4 - Dândis do século XIX.

Fonte: Efemeridades e Leituras (2016) e Moda Histórica (2016)

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Assim, com base na análise do objeto/documento, se pode observar como um artigo do vestuário se relaciona com essa reconfiguração do corpo masculino em voga na época. Assim como nas casacas dos dândis do século XIX, a moda para os homens nos anos 1970 apresenta uma nova silhueta, aproximando os vestuários masculinos dos femininos por meio de uma modelagem acinturada. No entanto, mesmo que se possa averiguar no objeto/documento estudado tal modelagem, constata-se que as linhas verticais também se evidenciam na ordem do abotoamento, conservando na verticalidade a afirmação de uma certa masculinidade, repetindo na década de 1970 um aspecto presente nos trajes dos dândis do século XIX. Essa mesma reconfiguração do corpo masculino na década de 1970 é evidenciada na forma como os ombros do paletó analisado foram construídos. No objeto/documento, o ombro é natural, sem inserção de ombreiras, contendo apenas uma pequena estruturação feita com um tecido encorpado, conferindo uma silhueta menos rígida à peça. Esse detalhe interno pode ser visto porque há uma perfuração localizada no forro próximo ao colarinho, mostrando a aplicação do material que substitui as ombreiras. Figura 5 - Comparação de paletós da década de 1970 e 1950, respectivamente.

Fonte: Fotografia elaborada pelos autores (2016).

Essa inexistência de ombreiras no objeto/documento analisado é também um indicativo da reconfiguração dos corpos por meio da roupa, visto que ocorre na década de 1970 uma diminuição das características consideradas até então masculinas no vestuário dos homens. Se compararmos o artigo analisado com outros paletós existentes no acervo da Modateca da UNIVALI, podemos observar que as peças que datam da década de 1950, por exemplo, possuem ombros demasiadamente estruturados devido a inserção de grandes 23


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ombreiras (Figura 5). Se esse elemento conferia ao usuário da década de 1950 um tórax largo e robusto, características essas desejáveis para representar a masculinidade do período, a falta desse artifício no objeto/documento examinado empresta ao homem da década de 1970 o aspecto de um corpo esguio e natural, bem em consonância com o modelo de masculinidade juvenil desejável para a época. Prosseguindo com a análise do paletó, percebe-se que alguns elementos de exagero já mencionados anteriormente também estão presentes no mesmo, como a ampla gola modelo esporte com lapela em ponta. Esse formato de gola e a amplidão da lapela evidenciam que o alfaiate e, logicamente o usuário, estavam estreitamente sintonizados com as referências da moda masculina existentes na década de 1970, conforme se pode ver nos modelos publicados em alguns periódicos da época (Figura 6). Figura 6 - Modelos de golas e lapelas em revistas de moda da década de 1970.

Fonte: Burda Moden (1976/1977); Burda Moden (1973); Figurino Moderno (1978)

Nas costas, o paletó possui uma costura central e não possui fenda. Esse tipo de modelo de paletó sem fenda traseira é típico do modelo italiano, que se caracteriza por ser mais ajustado ao corpo, diferenciando-se do modelo inglês, que possui duas fendas, e do modelo americano, que possui apenas uma. O corte italiano, ou corte europeu, tem um estilo ousado se comparado a outros modelos de paletó, como o paletó americano ou o inglês, deixando os ombros mais largos e a cintura mais fina.

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Como parte do processo de análise, elaborou-se também a medição do objeto/ documento (Tabela 1), e efetuou-se seu desenho técnico, permitindo assim a averiguação das medidas do corpo do usuário e o processo de construção do paletó (Figura 7). Tabela 1 - Medidas do Paletó Analisado.

Tórax: 91 cm Cintura: 87 cm Quadril: 90 cm Largura das Costas: 42 cm Ombro: 15 cm Punho: 26 cm Fonte: Tabela elaborada pelos autores (2016) Figura 7 - Desenho técnico do paletó analisado.

Fonte: Desenho técnico elaborado pelos autores (2016)

Com base nas medidas da peça, observa-se que o paletó foi confeccionado em numeração que varia do 40 ao 44.6 Tórax e cintura, por exemplo, correspondem a um tamanho 44. Já a medida do quadril aproxima-se da numeração 42. As demais medidas referem-se à uma numeração 40. Desse modo, conclui-se que a peça foi feita com medidas bem justas ao corpo, sendo que este aparenta ser mais amplo na região do tórax, tendo costas mais estreitas e ombros e braços mais finos, correspondendo assim à modelagem ajustada que vigorava como moda entre uma parcela dos jovens da década de 1970.

Essa numeração diz respeito às medidas de ternos e foi elaborada tendo como base a Tabela de Medidas de Blazer Masculino sugeridas por Rosa (2014). 6

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Para além dos aspectos técnicos da confecção, importa ressaltar também a inusitada matéria prima empregada na confecção do objeto documento: a helanca. Esse tecido, composto de 100% de poliéster7, não era comumente utilizada na fabricação de artigos de alfaiataria, sendo a lã e o linho os tecidos preferencialmente usados na confecção de ternos, calças e paletós. Contudo, especialmente nas décadas após o fim da segunda guerra mundial, a fabricação de fibras e tecidos sintéticos tiveram um considerável impulso, com grandes corporações produzindo artigos em escala global. No Brasil, conforme aponta Bonadio (2005, p.6), é emblemático o caso da Divisão Têxtil da Rhodia S.A., cujas políticas de publicidade empregadas entre 1960 e 1970 objetivavam criar o gosto pelo fio sintético e popularizar o uso dos tecidos feitos com essas fibras. Bonadio (2005, p.12) também destaca que a chegada dos fios e fibras sintéticas no mercado brasileiro coincidem com a solidificação no país de uma sociedade de consumo e, em especial, se coadunam com a “revolução do vestuário”, caracterizada pela introdução dos tecidos sintéticos no mercado, barateando significativamente o custo das roupas e permitindo assim sua produção em massa. Outro fator importante a se considerar neste estudo é a padronagem e as cores do tecido empregada na confecção do paletó, consistindo numa trama losangular onde se intercalam o azul, o preto e o laranja. Moutinho e Valença (2000) afirmam que as cores e as padronagens inusitadas são também uma característica presente na moda masculina a partir da década de 1960, mesmo nos trajes formais. Como exemplo, a autora cita o lançamento da marca Club Um, que apresentou uma coleção de paletós em cores inusitadas (vermelho, mostarda, azul e vinho), em tecidos como o tergal e nycron, muitos deles com detalhes em debrum. Já Blackman (2014) sugere que as padronagens coloridas surgiram na moda masculina na década de 1950, sendo adotadas na década seguinte pelos jovens que não queriam mais vestir-se como seus pais e buscavam trajes modernos e diferentes. Entre as mudanças no guarda-roupa masculino, o autor também destaca a utilização de uma silhueta alongada e um corte mais esguio. Nas décadas de 1960 e 1970, o processo acelerado da industrialização da moda também padronizou a manufatura do vestuário social masculino, favorecendo a criação de ternos em massa a ponto de, conforme Hollander (1996, p.147), não ser mais possível distinguir os exemplares feitos sob medida dos elaborados pela indústria da confecção. Assim, com o incremento do processo industrial na confecção que resultou em ternos de qualidade vendidos em larga

Conforme Catellani (2003, p.708), poliéster é um “termo genérico dado à fibra sintética obtida pela condensação do polímero de poliéster, substância química derivada do petróleo. É empregado, desde a década de cinquenta do século XX, na fabricação de tecidos e outros materiais para a confecção de roupas que não deformam, não amarrotam, secam rápido e mantêm bom caimento.”. 7

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escala, a alfaiataria masculina sofreu uma sucessiva diminuição em sua procura, apesar de continuar resistindo durante as décadas seguintes. Nesse cenário, a saída para muitas alfaiatarias tradicionais, calcadas na manufatura de cunho artesanal, foi aderir a processos de modernização, buscando assim atender às novas demandas dos jovens consumidores. Riffel e Sant´Anna (2009) abordam esse processo de transformação ocorrido na cidade de Brusque-SC, local onde foi confeccionado o paletó em estudo. Para esses autores, especialmente na década de 1960, muitos dos alfaiates da região buscaram aprimorar seu trabalho em cursos feitos em grandes cidades ou, ainda, aderiram ao maquinário, de acordo com as exigências de um novo mercado, que solicitava um trabalho rápido e eficiente. Ainda de acordo com Riffel e Sant’Anna (2009), além da agilidade dos processos de produção, tal modernização também perpassava a utilização dos tecidos com novos materiais que estavam surgindo à época no mercado. Provavelmente muitos desses alfaiates (incluindo-se Waldemar Zabel, fabricante do paletó em análise), buscavam estar atentos a essas inovações, preocupando-se também em se atualizar sobre as referências de moda vigentes na época. Essa perspectiva está presente no depoimento dado aos autores pelo alfaiate brusquense Valmir Pruner (2016), que já atuava como alfaiate no período em que o paletó estudado foi confeccionado.8 Ele relatou que recebia, à época, material distribuído por lojas de tecido, como revistas específicas de moda masculina9 e propagandas de novos produtos. Esse material fazia o alfaiate compreender o que se usava em grandes cidades, como Florianópolis e São Paulo, e possibilitava a criação de produtos de acordo com as referências de moda de cada período. O alfaiate contou ainda que, por diversas vezes, buscava inspiração para novos modelos de ternos e paletós em revistas e filmes, demonstrando sua atenção por novidades de moda. Portanto, o que fica evidente neste depoimento, é o interesse que os alfaiates tinham em se adaptar às exigências de um novo mercado consumidor que se firmava na década de 1970, muito mais atento e preocupado com os padrões ditados pela moda vigente. Assim, ao confeccionar o paletó em estudo, é certo deduzir que o alfaiate - e também o consumidor que encomendou o paletó - dispunham de informações condizentes com o que estava em moda na época, uma vez que dispunham das informações que circulavam pelos meios de comunicação e tinham à sua disposição matéria prima para fabricação da peça do vestuário. Confeccionando o paletó com essa nova modelagem, que redefinia a silhueta masculina e, empregando matéria prima sintonizada com as novidades da época, o alfaiate buscava atender às demandas por novidades desse jovem público consumidor que circulava pelos espaços de sociabilidade locais. Como o alfaiate Waldemar Zabel já é falecido, optou-se por entrevistar um profissional que exercesse o ofício à época da confecção do paletó estudado. 9 O alfaiate ainda guarda algumas dessas publicações, mas somente de anos mais recentes (décadas de 1980 e 1990). 8

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“Vestindo” essas novidades, agora disponíveis com facilidade para seu consumo, o usuário portava e exibia a imagem do homem moderno que almejava para si. Se a moda é entendida para além da materialidade das roupas ou do seu ciclo de mudanças contínuas, conforme indicado por Sant´Anna (2015), ela pode ser compreendida como um sistema no qual as pessoas se relacionam entre si por intermédio da aparência, pois é dessa forma que os sujeitos se apresentam para o outro e constroem sobre si uma imagem do que gostariam de ser. Portanto, ao encomendar e usar o paletó estudado, o proprietário conseguiu acessar o “novo”, constituindo-se num sujeito-moda do qual nos fala Sant´Anna (2015). Na medida em que teve a possibilidade e a competência de colocar sobre si o que havia de mais moderno no mercado, ele fez uso dos códigos da visualidade para construir sobre o seu corpo um determinado discurso, constituindo-se assim em um sujeito que está “na moda”.

Considerações finais: últimos alinhavos O propósito deste trabalho foi analisar uma peça de vestuário de alfaiataria masculina produzida na década de 1970, tomando-a como objeto/documento, relacionando os detalhes técnicos de sua confecção com aspectos da sociedade, cultura e história do período em que foi elaborada. Durante esse processo, além da descoberta de características relevantes e um tanto peculiares do objeto em estudo, percebeu-se igualmente uma infinidade de possibilidades de pesquisas que sinalizavam caminhos para além da simples materialidade do objeto. Nota-se que o segmento da moda masculina tem recebido destaque nos negócios do setor atualmente. Essa ênfase também ocorre devido às mudanças de comportamento recentes, visto que os homens têm cada vez mais se preocupado com a aparência, tendo noção de que estar bem vestido influencia significativamente na sua vida profissional e social. Esta nova postura do consumidor também obriga o setor a tomar conhecimento do que os homens gostam de usar, estabelecendo estratégias para melhorar um mercado que vem crescendo rapidamente, impulsionando a demanda de serviços e buscando soluções para uma moda que esteja em sintonia com o perfil do homem brasileiro. Dentro do segmento da moda masculina, a alfaiataria também tem recebido destaque, uma vez que os consumidores têm buscado cada vez mais por um produto exclusivo, feito sob medida e que se adapte ao seu estilo e personalidade. Atualmente, algumas marcas já produzem peças consideradas de alfaiataria de modo industrial, oferecendo artigos com preços mais acessíveis. Contudo, a procura por peças exclusivas tem se tornado cada vez mais comum, demonstrando que o hábito de adquirir peças sob medida sobrevive ao tempo, definindo o produto artesanal como elemento relevante para esse tipo de consumidor. 28


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Assim, a profissão de alfaiate, que foi parcialmente esquecida devido ao surgimento do prêt-à-porter, tende a retornar com força na atualidade. Nessa mesma linha, muitos criadores e grandes empresas de vestuário têm se inspirado nos cortes dos antigos costumes ou procuram por ateliês de alfaiataria, a fim de se utilizarem das técnicas de corte e costura artesanal para aplicação nas peças confeccionadas de forma industrial. Nesse sentido, entende-se que a análise do objeto/documento aqui proposta revelou informações preciosas que podem servir de subsídios para a elaboração de novos artigos de design de moda. O contato direto com o objeto/documento contribui, portanto, não só para o entendimento da história de um determinado período, mas buscou igualmente fornecer subsídios para que designers possam pesquisar, pensar e repensar as formas de criar novos produtos, servindo como suporte para inovação e criatividade no campo da moda. Por outro lado, olhar atentamente os detalhes de uma peça de vestuário, descobrir suas funções e seus modos de fabricação, compreender as nuances do consumo de moda em uma outra época nos fez apreciar a importância que a moda tem para a sociedade.

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O TARTAN SOB O OLHAR HISTÓRICO-CULTURAL E A SUA POPULARIZAÇÃO NA MODA: DAS GUERRAS ÀS PASSARELAS

Egéria Hoeller Borges Shaeffer Jennifer Meurer Carvalho

Vestuário e têxteis são um importante meio de comunicação, proporcionando sinais de status econômico, social, político e cultural. Consequentemente, o estudo de roupas e têxteis é uma abordagem valiosa para a investigação de uma sociedade passada. Com base nas abordagens metodológicas atuais associadas à história do vestuário e ao estudo da cultura material, o presente artigo investiga como o tartan – importante tecido e padronagem têxtil originado da Escócia – pode ser interpretado como símbolo de uma cultura mais ampla ainda que um importante elemento para o vestuário contemporâneo. Esta pesquisa propõe um método descritivo e qualitativo onde examina através de registros em livros e acervos digitais a história do tartan e do traje tradicional escocês ao qual este tecido e padronagem é empregado; juntamente com a análise dos manuais de moda surgidos a partir do final do século XVIII, para identificar o momento em que este têxtil deixa de ser exclusivo dos trajes escoceses e passa a se popularizar na indústria da moda.

Introdução A história da humanidade sempre foi marcada por tradições, comportamentos, conflitos, histórias e saberes que caracterizam a cultura de um povo. Para Gastal (2006, p. 101) nos “lugares” estão “as marcas do local construídas no tempo”. Nesse sentido, toda atividade humana sempre deixará marcas no lugar onde vivem, que identificam a história individual e coletiva, materializando assim o produto da sociedade e o resultado da cultura de um povo. O entendimento do significado de cultura subsidiará a compreensão do tema proposto que trata, sobretudo, da cultura da Escócia, que depositou na sua indumentária um dos maiores apelos simbólicos pela tradição de um povo, a ponto de ter servido como objeto de estudo para muitos autores e historiadores ao longo do século XX. O propósito é focar em como o processo de modernização das culturas e sociedades agiu sobre os elementos de uma determinada indumentária tradicional, o que inclui especificamente o tartan.

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Para John (2009, p. 6): “o tartan se tornou, sem dúvida, um dos mais importantes símbolos da cultura escocesa e com uma identidade nacional maior que qualquer outra”. Em muitos países, hoje, o padrão quadriculado composto pelo cruzamento de linhas diferentes e cores variadas, chamado de tartan, é muitas vezes erroneamente conhecido como xadrez. O que diferencia essa padronagem do simples xadrez é a herança que vem desde seu surgimento, há séculos atrás. Desde meados do século XVIII, o tartan tem sido submetido a muitas mudanças o que torna, por vezes, confusas as interpretações a seu respeito. Foi inicialmente usado como um símbolo de lealdade e rebelião, representando um desvanecimento da cultura das Terras Altas na Escócia; como um lembrete visual do poder do Império Britânico; como um marcador de status social, e atualmente, como um elemento de moda muito comum no vestuário cotidiano (MARTIN, 1988). Essas interpretações são elementos chave da historiografia do tartan, muitas vezes impulsionado como um elemento da identidade escocesa moderna, que o deixa inexoravelmente ligado aos discursos que observam a relação entre identidade, história, cultura e moda. A subsequente incorporação do tartan às tendências de moda a partir do século XIX - momento em que a indústria da moda como um todo se popularizava devido os primeiros avanços da globalização – indica o choque da tradição e modernidade das instituições culturais como meras mercadorias. Os processos criativos voltados para a sua popularização se manifestaram, principalmente, no seu caráter estético, e tal fato merece maior atenção. Juntamente com evidências de livros e manuais de moda, este estudo se concentra na produção e popular consumo do tartan a partir do século XIX, a fim de demonstrar a compreensão contemporânea do mesmo como elemento de caráter manifestante e cultural, ainda que útil e atraente.

Origem do tartan e dos kilts Como uma bandeira, o tartan transfere através de sua padronagem têxtil toda a individualidade e tradição da cultura da Escócia. Hoje, este têxtil é comumente empregado nos modernos e sofisticados kilts escoceses e continua sendo emblemático dentro de sua própria cultura, estendendo-se ainda para as diversas aplicações na moda dentro e fora da Escócia. Tradicionalmente, o tartan é um tecido feito de lã pura, onde suas propriedades iniciais concediam proteção aos usuários no inverno gelado da região da Escócia. Quanto ao seu padrão estético, ele se caracteriza pelo seu design inteligente e simétrico, similar ao xadrez. Contudo, com a apropriação da moda sobre este artefato, hoje ele aparece em diversos tipos de materiais, desde as sedas até as viscoses, e pode ser incorporado a vários estilos para além da sua aplicabilidade tradicional. (SCARLETT, 1990, p. 66-77).

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Conforme acreditam inúmeros historiadores, o tartan é mais que um simples design. Para Banks e Chapelle (2007, p. 11) tartan significa uma espécie de distintivo e um símbolo nacional escocês, usado durante séculos de história para reafirmar a presença dos escoceses em suas terras, traduzindo seu senso de dignidade e honra. Estudos folclóricos, literários e históricos atribuem o aparecimento dos primeiros tartans à região da Escócia, conhecida como Terras Altas. Figura 1 – Mantas sendo usadas por soldados escoceses no século XVIII e Gravura de uma senhora das Terras Altas vestindo um xale de tartan no século XVIII

Fonte: Grose (1801, p. 166); NW Gaidhlig Society (2018)

Para Banks e Chapelle (2007, p. 13), durante muitos séculos a vestimenta escocesa dos homens era composta por uma blusa e uma espécie de manta (kilt) sobreposta e amarrada por um cinto ao redor da cintura, com uma porção superior presa ao ombro, e usado como uma espécie de xale pelas mulheres. Esta era a maneira tradicional como os kilts eram usados. Mais tarde, eles se modernizariam, sendo adornados com broches, fivelas, pregas e cores muito mais vivas, tal como o conhecemos hoje. A evidência mais antiga, do que se assemelha as tramas matemáticas e simétricas desse têxtil, é encontrada muito antes da Idade Média. De acordo com Fortson (2004), o primeiro tartan documentado é conhecido como o tartan "Falkirk", e data do século 3 d.C. Foi descoberto em Falkirk, em Stirlingshire, Escócia, cerca de 400 metros a noroeste da Muralha de Antonino.

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Figura 2 - O tartan Falkirk

Fonte: The Falkirk Herald Journal (2018)

Observando as características estéticas desse têxtil, entende-se que ele possui uma padronagem similar ao xadrez, compreendendo vários esquemas de fiação que resulta no cruzamento de linhas de diferentes larguras e tons. Vale ressaltar a descrição de Scarlett (1990) sobre o método de fiação do tartan como um tecido feito de uma lã fiada com uma trama marcadamente mais grossa do que o urdume, gerando um padrão caracterizado pelo cruzamento de linhas com espessuras e contrastes de cores diferentes. Certamente, tecidos em lã, com padrões geométricos e tingimentos naturais eram usados muito cedo na Escócia, mas a sua uniformidade e reconhecimento só veio a surgir muito mais tarde, como observa Cheape (1991): É somente no século XVI que as evidências do próprio tartan se tornam abundantes [...] Por volta de 1600, fica claro que o tartan descreve um tecido de lã em listras cruzadas de várias cores. Mas foi somente no final do século XVII e início do século XVIII que uniformidades de tartan foram adotadas por famílias, clãs e distritos. (CHEAPE, 1991, p. 13)

Anterior a pesquisa de Cheape (1991), Bain (1976) afirmou que foi na região das Terras Altas que se popularizou o tartan, como um elemento simbolizante de cada clã escocês e estando diretamente presente em episódios históricos entre rebeliões e conflitos emergentes no país. Estes conflitos ficaram historicamente conhecidos como Jacobitismo ou Rebeliões Jacobitas, um movimento político na Grã-Bretanha, Irlanda e Escócia que visava restaurar o reinado da Casa Stuart ao trono da Escócia e Inglaterra após o Tratado da União que unificou os reinos. Os adeptos rebelaram-se contra o governo britânico em várias ocasiões entre 1688 e 1746. As Rebeliões Jacobitas eram constituídas, sobretudo, por clãs escoceses e adeptos a causa Jacobita. Assim sendo, o tartan ficou socialmente associado aos clãs escoceses, se tornando símbolo de sua cultura, sendo que sua padronagem era utilizada para identificar as famílias e clãs na época da ascensão da anarquia, conforme cita Smibert (2014, p. 127): “com orgulho da casa e do 35


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nome, e da necessidade de mostrar reconhecimento exterior na hora da batalha, é cabível algum tipo de uniformização”. Em contribuição, Hoper (1983) sugere que devido a este motivo, foi percebido a oportunidade de tirar proveito dessa causa para impulsionar a comercialização dos artigos de lã com os padrões de tartans. Como consequência, em questão de décadas, cada vez mais padronagens iam surgindo, dado ao aprimoramento e ao oficio das práticas de tecer. A arte do século XVIII fornece um número substancial de retratos que formam o registro de alguns tartans. Representações de chefes de clãs escoceses das Terras Altas durante o século XVIII, demonstram que eles usavam uma miscelânea de roupas, nunca agrupados de um mesmo padrão de tartan. Figura 3 – Retrato de Lorde Mungo Murray entre 1668-1700

Fonte: National Galleries Scotland (2018)

A vestimenta das Terras Altas, junto com o tartan, foram proscritos após a ultima Rebelião Jacobita em 1746, com a derrota dos escoceses pelo Império Britânico. Com o objetivo de sessar as rebeliões, a Inglaterra assinou o Ato da Vestimenta1, proibindo o uso do tartan, exceto pelos regimentos das Terras Altas do exército britânico. A lei foi revogada em 1782 devido aos esforços da Highland

Parte da Lei de Proscrição emitida por George II da Grã-Bretanha após as Rebeliões Jacobitas que proibia o uso da roupa tradicional escocesa, incluindo o tartan e o kilt. 1

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Society2 de Londres. Martin (1988, p. 54) descreve que ironicamente a intenção de proibir o uso do tartan foi o que desencadeou mais tarde, sua popularização em todas as esferas sociais. Isso devido ao fato de que a proibição era destinada somente aos civis escoceses e não aos homens dos regimentos militares. Sendo assim, soldados oficiais escoceses continuaram a usar o tartan, o kilt e demais elementos da indumentária normalmente e, coincidentemente, anos mais tarde o militarismo se tornaria uma grande tendência nos países do ocidente, o que incluiria o uso do próprio tartan com todo o seu fervor nacionalista e politizado.

O consumo do tartan Como resultado dos eventos turbulentos que sucederam o século XVIII – sua associação com o Jacobitismo, sua proibição e sua subsequente romantização – o tartan esteve sujeito a muitas interpretações. A ambiguidade do tartan foi perpetuada pelas representações visuais, pela literatura e pela historicidade desse material. Essas conotações e associações são importantes para a história do tartan enquanto símbolo cultural. Entretanto, focar demais nessas atribuições pode obscurecer o seu papel enquanto mercadoria básica, o qual se tornou um importante elemento do vestuário no início do século XIX. E é neste momento que ele se transforma de um tecido com qualidades simbólicas, para um padrão incorporado a uma enorme variedade de tecidos, fibras e modos de uso. A incorporação do tartan no círculo da moda foi encorajado por alguns fatores principais. Um deles foi a ascensão dos regimentos oficiais das Terras Altas na Escócia no final do século XVIII, que eram legalmente permitidos de utilizar os trajes tradicionais. Outro fator foi o selo de aprovação dado por George IV em sua visita a Escócia, e oficializado ainda mais tarde pela Rainha Vitória da Inglaterra em 1840, quando fez do tartan um tecido com atribuições práticas, sofisticadas e símbolo de nobreza. Esse processo todo levou o tecido a um novo patamar de desejo e, como consequência, houve um aumento notável na demanda por tartan, dentro e além da Escócia. Manuais de moda e roupas sobreviventes do período mostram como os trajes civis se inspiravam nas vestes e adornos associados aos trajes militares. Um dos mais antigos periódicos de moda de Londres, o “Gallery of Fashion” tendo vários volumes publicados entre 1794 e 1803 - traz um conteúdo substancial de vestidos e adornos usados durante esse período em toda a Europa. A adoção de estilos militares, como dragonas nas indumentárias, eram vistos um tanto quanto patrióticos e elegantes. Adornos como chapéus e broches são citados em uma das publicações como a la millitaire.

A Highland Society de Londres é uma instituição de caridade registrada na Inglaterra e no País de Gales. Tem o objetivo de estabelecer e apoiar escolas nas Terras Altas e nas regiões do norte da Grã-Bretanha, para preservar as antiguidades e resgatar os valiosos restos da literatura celta. 2

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Figura 4 - A Gallery of Fashion vol. VI (1799)

Fonte: British Library (2018)

A história da relação entre os uniformes militares e a moda é longa e célebre, abrangendo séculos de guerras. É, talvez, um curso natural da própria história da indumentária, que sempre buscou reestilizar o passado e atribuir a ele novas estéticas. A politização e a subversão das vestes do exército as tornaram, com o tempo, favoritas entre os conjuntos de moda. Por séculos, a moda revirou a mochila dos soldados: as capas de chuva, as jaquetas de aviador, camisetas de camuflagem, disponíveis regularmente em marcas de moda de todo o mundo, baseiam-se no ajuste dos uniformes da ação militar à praticidade das vestes civis. Outro exemplo: a camisa marinheiro, que pode ser considerada uma das peças mais onipotentes da moda, foi apresentada pela primeira vez ao uniforme naval de marinheiros franceses na Bretanha em 1858, com seu design original fabricado em lã e algodão, apresentando 21 faixas horizontais – uma para cada uma das vitórias históricas de Napoleão. Tal fenômeno não poderia ser diferente com a indumentária escocesa através de seus regimentos. O apelo pela moda militar surgiu direcionado tanto para as roupas masculinas quanto para as roupas femininas da época, conforme é possível identificar em revistas de moda a partir do final do século XVIII. Para Faiers (2008, p. 111-112) foi devido a influência das Guerras Napoleônicas que o tartan se popularizou nas ruas da Europa. Os homens dos regimentos escoceses durante suas várias visitas a Paris levaram sobre suas peles o tartan e os kilts e, assim, a obsessão pelo estilo militar aumentou junto com o interesse das mulheres parisienses em adornar a si mesmas com as mantas escocesas. 38


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Na última parte do século XIX, William Jones & Co. era um dos principais fornecedores de uniformes militares, crachás, apetrechos e espadas no Reino Unido. Uma inusitada publicação feita por volta de 1890, exemplifica o melhor da alfaiataria militar, ao mesmo tempo em que ilustra o tartan Black Watch (tartan oficial dos regimentos escoceses) em variações de peças – kilts, calças, paletós e xales (Figura 6). Figura 5 - Publicação no catálogo de moda de William Jones & Co. por volta de 1890

Fonte: The Print Gallery (2018)

O uso dessa indumentária no meio militar estabeleceu uma nova forma de identidade para os grupos escoceses. Uma visão mais heroica de soldados escoceses lutando com seus kilts em guerras estrangeiras serviu para destacar a imagem do tartan, restaurando aos escoceses o orgulho de sua ancestralidade e o desejo de preservar o vestuário das Terras Altas, assim como a indústria que os produzia. O uso do tartan pelos regimentos militares escoceses era, portanto, indispensável para a demanda sustentada pela influência dessa padronagem na moda. Como resultado, o tartan tornou-se cada vez mais evidente nos círculos sociais das elites da França e Inglaterra. Os anos após 1822 parecem ter sido o momento em que o tartan se tornou, de fato, símbolo de elegância e sofisticação devido sua aprovação junto à realeza. Martin (1988) e Faiers (2008) sugerem que o grande momento do 39


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tartan após as guerras Napoleônicas foi a visita de George IV a Edimburgo em 1822. Essa visita foi descrita por Faiers (2008, p. 153) como “o momento determinante da transição do tartan enquanto tradição escocesa para um artigo de moda”. Ao vestir a roupa das Terras Altas, o rei deu seu selo de aprovação ao tartan como a moda preferida pela nobreza. Usando o tartan Real de Stewart, ele conferiu à essa padronagem um status e posição inquestionável. Banks e Chapelle (2007, p. 100) ressaltam que muitos outros eventos foram orquestrados durante a visita do rei George IV, e repentinamente o tartan se tornou um item de grande demanda em toda a Europa. Em 1826, particularmente, La Belle Assemble promoveu um grande número de acessórios de tartan como xales, mantas, vestidos, sinalizando que já era popular tanto na moda inglesa quanto francesa3. A partir deste momento o que se testemunha é um grande entusiasmo pelo tecido escocês e seus símbolos de nacionalidade. Outro grande impulso para o tartan veio da rainha Vitória da Inglaterra. Vinte anos depois da visita do rei George à Escócia, ela viajou com seu cônjuge, o príncipe Albert, a Balmoral – a residência Real em Deeside, na Escócia – desenvolvendo a partir daí uma grande apreciação pelo tartan e tudo que se relacionava a cultura das Terras Altas. Como resultado, o príncipe Albert mandou projetar o famoso tartan de Balmoral (Figura 8), contribuindo para consolidar ainda mais a visão romantizada e nobre da cultura escocesa durante a Era Vitoriana (SKETRAW, 2014). Figura 6 - Retrato da rainha Vitória usando xale de tartan Balmoral em 1850

Fonte: The Deesiders (2018)

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La Belle Assemble, New Series, 1826, vol.3. 40


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Além da grande apreciação pela indumentária escocêsa, a rainha e seu cônjuge tomaram esforços para redecorar o interior de seu castelo em Balmoral, onde o tartan, muito possivelmente, vestiu pela primeira vez as paredes e carpetes do interior de uma residência. Figura 7 - Uma pintura da sala de estar da rainha Vitória em Balmoral, decorado com diferentes padrões de tartan

Fonte: Mary Evans Picture Library (2018)

Com tal protagonismo da Escócia promovido por figuras Reais, o país se tornou palco de um grande fluxo de turistas, bem como de muitas mudanças e investimentos de infraestrutura, serviços e comércio: novas estradas foram construídas, ferrovias e serviços de transporte o conectaram ao restante do mundo. (BANKS E CHAPELLE, 2007, p. 109). Isso significou, para o tartan, a sua democratização em meio aos têxteis e a decoração. De repente o tartan não estava mais confinado aos têxteis, mas podia ser encontrado em todas as formas imagináveis de objetos – desde conjuntos de chá, joias e até pratos baratos. As Terras Altas teriam encontrado uma poderosa saída comercial, uma que continuou a prosperar até os dias atuais.” (ZACZEK E PHILLIPS, 2009, p. 74) A valorização do tartan significou, para a Escócia, uma oportunidade de expansão econômica através da exportação deste têxtil. De outro modo, sua aceitação acabou sendo utilizada como uma espécie de “bandeira branca”, isto é, foi usada com o propósito de firmar uma aliança entre Escócia e Inglaterra. Assim, o uso do tartan por parte da realeza britânica pode ser interpretado como um aparato político, que daria fim as richas vividas entre os dois reinos em episódios passados. 41


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Enquanto isso, os manuais de moda também mostravam a infiltração do tartan num contexto não-escocês. A influência desses manuais eram tipicamente direcionado às elites e, assim, inúmeras referências ao têxtil durante o século XIX estamparam as mais diversas revistas parisienses. Conforme a própria história da moda conta, a Europa foi, durante muito tempo, palco da riqueza e da moda exuberante. Sendo assim, a variedade de tartans se tornou notória na moda francesa, já sendo possível visualizá-los em vestidos, trajes infantis, chapéus, xales, calças masculinas, com grande variedade de modelos de padrões e cores. Figura 8 – La Mode Illustrée: journal de la famille, n. 30, 1886

Fonte: Bunka Gakuen Library (2018)

Até início do século XIX, o uso do tartan era principalmente atribuído aos homens devido as suas raízes ancestrais no ramo militar. Agora, na metade daquele século e com a figura da rainha Vitória no poder, mulheres começaram a usar essa padronagem como elemento de moda, conferindo ao têxtil uma nova dinâmica de uso, com aplicação na decoração de ambientes e objetos decorativos. Banks e Chapelle (2007, p. 113) escrevem que “os tecidos se tornaram mais gentis ao toque, com o pano macio da Saxônia, muitas vezes substituindo a sarja dura e densa.” Em conformidade, Cheape (1991) completa: Nessa época as sedas lustrosas que exibiam as cores e os padrões do tartan vieram com grande beleza e furor. Vestidos de tartan, xales, corsets e cintos se tornaram alta-costura não somente na Escócia, mas também na Inglaterra, França, e além. (CHEAPE, 1991, p. 67)

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Vestidos e roupas de tartan sempre estiveram presentes como elemento de estilo mas, como visto, foi somente no século XIX, como resultado das guerras Napoleônicas e das visitas Reais, que ele representou um senso de sofisticação na Europa. Os catálogos de moda da Era Vitoriana destacam fabulosas criações em tartan por alfaiates parisienses, observadamente em seda e, dado aos novos métodos de tingimento, as cores desse têxtil se tornaram mais vivas e com novas possibilidades de combinações. Portanto, o que era majoritariamente um artigo de moda usado por homens passou a ser, no século XIX, um têxtil preferido para utilização na indumentária feminina.

O tartan da alta-costura ao prêt-à-porter Com a transição do século XIX para o XX, a roupa foi sendo simplificada, deixando-se o excesso de lado. As palavras de ordem eram conforto e praticidade. Enquanto a exclusividade das elites foi uma das marcas da moda do século XIX, o século XX presenciava, conforme Lipovetsky (1989), seu processo de democratização. Estilos, designs e materiais tornaram-se mais acessíveis e com a melhoria dos sistemas de exportações, viagens e comunicação, permitiu-se que os continentes fossem cruzados com mais facilidade. Em 1920, a Gazette du Bon Ton publicou uma das criações da Maison Worth, descrita como “traje de alfaiataria da tarde”, apresentando uma saia midi em tartan e tecidos estruturados. E mais uma vez, em 1927, modelos genuínos utilizando tartans sóbrios assinados pela Maison Worth foram publicados. Figura 9 - Gazette Du Bon Ton, abril de 1920

Fonte: Bunka Gakuen Library (2018) 43


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Nessa década, particularmente, inúmeras revistas de moda apresentaram o tartan, listras, xadrezes e motivos similares nas produções, indicando uma possível adoção dessas tendências daquele momento, muito provavelmente impulsionadas por movimentos como o modernismo. A revista Très Parisien, entre março e dezembro de 1921, publicou uma série de tartans que apareciam em peças chaves como xales e saias midi em silhuetas retas e alongadas. Figura 10 - Très Parisien, 1921

Fonte: Bunka Gakuen Library (2018).

Uma das mais belas, e talvez uma das mais conhecidas revistas de moda, a Très Parisien, publicava os conjuntos que eram vistos em Paris à época, colaborando com a propagação das tendências de moda. É pertinente relacionar estas publicações como parte de um movimento em direção a um consumidor moderno, criando um mercado específico de artigos de moda voltados para a individualidade e para o apelo estético. As revistas de moda, uma vez que chegaram no século XX, se tornaram mais populares, passando a alcançar um público mais amplo, devido à expansão da classe média na França, que crescia rapidamente. Esta época sinalizou uma série de mudanças radicais principalmente para a indumentária feminina, no momento em que as instituições culturais já difundiam novos modos para uma sociedade que se globalizava. Com o início da Segunda Guerra Mundial e o evidente protagonismo das mulheres nos setores de trabalho, com o famoso slogan “We Can Do It” de Rosie The Riveter – que exaltou o papel das mulheres trabalhadoras durante a época e que procede até os dias atuais – a moda vivenciou um momento de completa 44


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reviravolta para a vestimenta feminina. Pendleton, uma famosa empresa de fabricação de têxteis dos Estados Unidos fundada em 1863 e conhecida por seus tecidos de lã, lançou a partir de 1949 uma longa campanha de Sportwear direcionado às mulheres trabalhadoras. Em suas peças, o tartan apareceu fortemente sob os aspectos de peças “masculinizadas” para atender ao público feminino. Figura 11 - Campanha Sportwear da Pendleton em 1949

Fonte: Pendleton (2018)

Pendleton adotou o tartan como elemento principal de suas peças, contando com uma vasta coleção de publicações feitas no ano de 1949 que exaltava o novo modelo de vestimenta feminina, com cortes retos e tons sóbrios de tartans ao estilo americano. Sua importante criação, uma jaqueta larga xadrez, registrou o início das confortáveis camisas de flanela, se tornando um importante artigo de moda que perdura até a atualidade, vestindo ambos os sexos. Figura 12 - Mulheres da década de 40 usando as camisas ao estilo sportwear da Pendleton

Fonte: Pendleton (2018) 45


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Os trajes simples e casuais da década de 1940 continuaram a servir perfeitamente para a vida no subúrbio no período pós Segunda Guerra. Após o conflito, a moda tinha se apresentado sob uma nova perspectiva, com a ascensão do ready-to-wear e o declínio da alta-costura. Assim, em vez de atender aos anseios luxuosos e de exclusividade, os designers passaram a abraçar a cultura jovem e o consumismo em massa. Contudo, apesar de o tartan vivenciar as mudanças que ocorriam nos costumes, no estilo de vida, nos conflitos históricos, nos movimentos artísticos e movimentos sociais, ele sempre encontrou uma forma de sobreviver no mundo da moda. Enquanto na década de 1950 o sportwear e o ready-to-wear surgiam, dando ao tartan uma ótica despojada, no final da década de 1970 ele foi sendo direcionado ao público jovem, mostrando assim o potencial rebelde que carregava. Assim, ele vai encontrar abrigo junto à juventude desprovida de direitos na Grã-Bretanha. Conforme afirma Moran (2011), o movimento punk canalizou o descontentamento e desilusão juvenil com o governo e as sociedades modernas e, ironicamente, o tartan foi utilizado como um símbolo dessa rebeldia. O padrão foi, então, estilizado pelas mãos da designer Vivienne Westwood que, com todo o seu espírito revolucionário e audacioso, traduziu para a moda as inquietações dessa geração. Figura 13 - Vivienne Westwood em seu próprio traje de tartan em 1977

Fonte: Mot Mag (2016)

Vivienne Westwood adotou em suas coleções da época, o estilo punk, rebelde e transgressivo atrelado ao uso do tartan de modos rústicos e despretensiosos. Banks e Chapelle (2007, p. 135) relatam que “não há nada como Dame Vivienne Westwood cujo trabalho excepcional com o tartan nos fez mudar nossa percepção sobre o tecido”. Inspirada pelo rock original dos anos 50 e pelos movimentos rebeldes, Vivienne ficou conhecida como a “estilista-punk”, título que é atribuído a ela até hoje. Em inúmeras de suas criações da década de 70, pode-se perceber o estilo improvisado das peças, com detalhes inspirados em bandas de rock, motoqueiros e fetichistas. Ao longo dos anos, a estilista desfilou uma grande variedade de tartans nas passarelas, e eventualmente se 46


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tornou uma importante embaixadora da moda britânica e um recurso fundamental para a indústria têxtil escocesa. O estilo punk dos anos 1980 se desenvolveu para o grunge, estilo que ficou popular na década de 90 e considerado a última subcultura de rebeldia a desconstruir a moda. A moda grunge marcou esta época com seu estilo desordenado, com peças sobrepostas, jeans rasgado, tênis, gorros e a famosa camisa de flanela em xadrez tartan. Marc Jacobs foi um dos estilistas que influenciou o mercado jovem através do grunge. De acordo com Fogg (2013, p. 483), o estilo entrou para o mainstream da moda quando o estilista ganhou as manchetes em 1992: [...] com sua inovadora coleção para a marca de roupas esportivas americana Perry Ellis. Conhecida por uma estética de bom-gosto, a empresa estava firmemente enraizada na moda esportiva universitária chique, e a coleção grunge foi uma surpresa para os consumidores e um desastre comercial. [...] Os consumidores não estavam preparados para o falso desleixo. (FOGG 2013, p. 483)

A coleção foi totalmente inspirada no estilo grunge misturado a peças de alfaiataria e peças esportivas, onde trouxe o tartan como forte elemento nas combinações e sobreposições (figura 15). Essa foi a coleção que fez Marc Jacobs ser demitido da Perry Ellis em 1992, mas também foi o desfile que fez a sua carreira. Jacobs perdeu o emprego, mas ganhou o prêmio de designer do ano de 1992 pela CFDA Fashion Awards. E pelas próximas duas décadas suas radicais coleções ao visual grunge foram emblemáticas e consideradas a frente de seu tempo. Figura 14 – Primavera Ready-to-Wear 1993 de Marc Jacobs para a Perry Ellis

Fonte: Vogue (1993)

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Reconhecido universalmente pela sua padronagem, a inclusão do tartan na indústria da moda cresceu de maneira considerável desde o seu surgimento, nas Terras Altas escocesas nos séculos passados. Talvez nenhum outro tecido ou padronagem têxtil tenha recebido um tratamento tão notório. Inicialmente ele teve uma inclinação maior de uso pelas elites por seu caráter tradicional, com o passar dos tempos e com a evolução dos modos de vestir, ele ganhou popularidade, associando-se aos movimentos de rebeldia das gerações juvenis. Ao longo do século XX ele passou pelas mãos de grandes alfaiates, marcas e designers como: Ralph Lauren, Chanel, Vivienne Westwood, Alexander McQueen, Burberry, Jean-Paul Gautier e muitos outros. Desse modo, o tartan passou a comunicar diferentes conceitos e estilos dentro de um circuito de moda mais amplo. Vale entender que suas relações com a cultura e seus significados originais ainda continuam prevalecendo. Mas neste universo mutável da moda, essa padronagem mostrou não possuir limites para sua adaptabilidade. Se um dia ele vestiu guerreiros e nobres, com o tempo ele também passou a vestir rebeldes e desajustados, chegando ao século XXI como símbolo da miscigenação desses dois mundos que, ora se apresenta como sinônimo de luxo e distinção e, por outra vezes se exibe com ares de indisciplina e revolta. Talvez resulte daí sua constante permanência e retorno ao mundo da moda.

Considerações finais O estudo da moda, na perspectiva da cultura material, permite uma compreensão dos mecanismos sociais e das práticas culturais de um povo. Combinando diferentes fontes de conhecimento e metodologias apropriadas a este tema, a presente pesquisa forneceu uma abordagem acerca da indumentária escocesa e seus têxteis, especificamente o tartan, tratando não somente da sua história, mas sua implementação dentro do sistema da moda desde seu surgimento até a contemporaneidade. Apesar de a moda ter demonstrado um papel fundamental no que diz respeito aos novos discursos atribuídos à produção, consumo e uso deste elemento cultural, o tartan desde muito cedo demonstrou caráter revolucionário e altamente mutável. Foi reinventado tantas vezes que, talvez por este motivo, sempre esteve completamente aberto à novas interpretações. Ao avaliar o tartan como uma mercadoria e não apenas um artefato cultural, torna-se pertinente voltar a falar do momento de sua popularização no século XIX. Embora esteja claro que o tartan foi associado à conflitos e guerras ocorridos em determinados momentos históricos, o século XIX pode ser reconhecido como um ponto de viragem no uso dessa padronagem, quando ele deixou de ser um tecido com qualidades simbólicas passou a ser um padrão incorporado a uma variedade de tecidos e usos na moda. A partir das 48


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perspectivas de sua produção comercial, a própria Escócia teve participação fundamental na exportação e difusão de seus têxteis através de suas indústrias manufatureiras de lã. Assim, pode-se perceber que as qualidades práticas e estéticas do tartan foram também percebidas pelos escoceses como uma oportunidade de fazerem dele uma importante fonte econômica. No estudo observou-se que, de maneira geral, três significados que podem ser atribuídos ao tartan em determinados momentos históricos específicos: o primeiro seria o momento inicial, quando ele se apresentava como tecido utilizado pelos círculos sociais escoceses, sem forma definida de distinção e de identidade; o segundo significado surgiria juntamente com a ascensão dos clãs e das Rebeliões Jacobitas, onde o tartan se tornou uma espécie de distintivo nacional, desempenhando papel importante num período de guerras; e o terceiro significado é aquele em que a moda conferiu a ele dentro de seu próprio sistema de tendências e sazonalidade. Assim, ao tartan foi atribuído diversas facetas, desde símbolo de defesas da nacionalidade até o luxo da das passarelas, chegando também às ruas como símbolo de rebeldia e de moda pratica, versátil e casual. Até o final do século XIX havia apenas algumas variedades de sua padronagem, mas a partir daí, com a mecanização da produção têxtil, possibilitou-se a produção de imensas variações. No final do século XIX, o tartan já era muito diferente da vestimenta original do século XVIII. Feito à máquina em vez de à mão, o material moderno era mais barato e adaptado para todo tipo de uso. Alguns autores lidos durante essa pesquisa chegam a lamentar a extensão da banalização do tartan para guarda-chuvas, roupas para cachorros, acessórios de decoração, entre outros, insistindo que a padronagem guarda uma conexão com os grupos tradicionais escoceses e uma lógica associada com o a tradição, as guerras, o trabalho duro e esforço de um povo. Designers e estilistas durante décadas de história se encorajaram a forçar os limites das normas criativas para promover a indústria da moda. Nessa lógica, o tartan vivenciou todos os aspectos possíveis e imagináveis de criação, tornando-se um produto comercial que foi adaptado de acordo com materiais existentes, tecnologias e demandas de mercado, deixando de lado sua história como um emblema puramente político, social e cultural. Entende-se então que a moda, ao interpretar e ressignificar infinitamente os elementos e signos desse bem cultural, acabou por atribuir ao tartan uma imagem mais popular, preocupando-se apenas a enxerga-lo como uma mercadoria. O estudo do vestuário e dos têxteis não é um tópico que se finda em um só trabalho de pesquisa ou uma só análise. A interpretação da fabricação, uso e disseminação de roupas e tecidos em uma sociedade é possível à medida que novos recursos se tornam disponíveis, sempre em consonância com as percepções que se alteram e se adaptam com o passar do tempo. Assim, o que se pretendeu com este estudo não foi esgotar o tema em si, mas buscar 49


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contextualizar um aspecto cultural e suas relações com a moda, buscando percorrer os caminhos da sua história fontes textuais são usadas para “revisitar” o passado, as vestimentas e os artigos têxteis devem ser fontes igualmente importantes para a compreensão das sociedades que nos precederam e, por isso, jamais devem ser deixadas de lado como objetos de estudo para a compreensão histórica de um tempo que não é mais o nosso.

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OS VESTIDOS DA MISS POR GALDINO LENZI: ANÁLISE DE ACERVOS DE VESTUÁRIO PARA A COMPREENSÃO DA MANUFATURA E DO CONSUMO DE MODA NA DÉCADA DE 1970 EM SANTA CATARINA Graziela Morelli Renato Riffel Romana Savagnago Erthal

O artigo apresenta os resultados de um projeto de pesquisa que teve como objetivo examinar três vestidos pertencentes ao acervo da Modateca da UNIVALI, confeccionados pelo costureiro catarinense Galdino Lenzi para a Miss Brusque e Santa Catarina em 1976. Para efetuar as investigações, utilizou-se metodologia específica para análise de documentos históricos no âmbito da cultura material, conforme proposto por Sant´Anna et. al. (2009). Considerando essas peças de vestuário como objetos/documento, as observações efetuadas possibilitaram a compreensão de determinados aspectos culturais, sociais e históricos de um período e região, assim como a apreciação de técnicas empregadas na manufatura de produtos de moda na década de 1970, permitindo o acesso a informações que possibilitem o desenvolvimento de novos produtos de design de moda.

Moda como fonte histórica: cultura e materialidade “Conhecer o passado é uma façanha tão extraordinária quanto alcançar o infinito ou contar estrelas”, propõe Lowenthal (1998 apud DELGADO, 2006, p.36). Essa afirmação, ainda que repleta de lirismo, evidencia o caráter complexo e laborioso das atividades daqueles que se propõem a estudar a história. Mesmo dispondo de documentos para analisá-lo, o passado “tende a se tornar fugidio e amplo em sua extraordinária dimensão e variedade de situações”, conforme assinala Delgado (2006, p.36). Para a autora, o passado apresenta-se como estilhaços de um vitral composto por inúmeras partes e, portanto, buscar recompô-lo integralmente é tarefa impraticável. Porém, buscar compreendê-lo por meio da análise dos fragmentos é um desafio possível de ser enfrentado. (DELGADO, 2006, p.36). Na historiografia recente, a produção de conhecimento sobre o passado assistiu a uma ampliação no elenco de documentos empregados como fontes de pesquisa. Esse alargamento ocorreu, sobretudo, devido às propostas da Escola

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dos Annales, que promoveram uma renovação nos estudos históricos, abrindo perspectivas para a utilização de novas fontes de investigação. (KOSSOY 2007). Nessa perspectiva, os objetos de uso pessoal ou coletivo passaram também a ser adotados como fontes de análise em história, visto que esses “estilhaços” do passado se configuram como vestígios da existência de uma sociedade e das relações humanas que foram vividas num determinado período e local. Assim, cada objeto, independente de tamanho, condição de fabricação ou uso, acaba por se constituir, sob o ponto de vista da cultura material, num documento histórico, pois de alguma forma, ele representa e torna-se testemunho de uma época. (SANT’ANNA et. al., 2009, p.214-216) Roche (2000, p.11) aponta que o interesse pela cultura material significa um meio de contribuir para uma releitura mais geral da história econômica e social indo ao encontro das "[...] interrogações que mobilizam historiadores europeus e americanos sobre a compreensão das economias dominantes de consumo e de comercialização". Desta forma, esses objetos tornam-se documentos para que se possa compreender não apenas questões sociais, mas também as relações de consumo. O termo cultura material é utilizado, segundo Pearce (1992 apud SANTANA et. al., 2009, p.213), para definir os artefatos construídos por seres humanos através de uma combinação de matérias brutas e tecnologias e que, resumidamente, podem ser categorizados como objetos móveis. Barros (2010, p.4-5) amplia essa discussão estabelecendo que a cultura material compreende o campo da história que examina fundamentalmente os objetos materiais em sua interação com os aspectos concretos da vida humana, abarcando áreas que abrangem estudos relacionados à alimentação, ao vestuário, à moradia e, inclusive, às condições materiais do trabalho. Desse modo, nesse tipo de investigação não é apenas o objeto em si que conta, mas sim a história de sua fabricação, dos seus usos e do seu valor simbólico, o que leva o estudo dos artefatos construídos pelo homem para outro âmbito de abordagem, que contempla também as relações entre cultura e sociedade. Assim, aquilo que um dia foi objeto de uso pessoal (como um vestido, por exemplo), constituído em objeto/documento, converte-se num atestado da existência de uma sociedade e das relações humanas vividas numa época, tornando-se muitas vezes a síntese de todo um tempo ou de uma coletividade. (SANT´ANNA et. al., 2009, p.214). Com base nessas premissas, esta pesquisa1 buscou examinar uma coleção de vestidos manufaturados pelo costureiro2 catarinense Galdino Lenzi 1O

presente texto originou-se de dois projetos de pesquisa vinculados ao Programa de Bolsas de Pesquisa do Artigo 170 da Constituição do Estado de Santa Catarina, realizados no Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Aplicada em Design (NP Design) da Universidade do Vale do Itajaí–UNIVALI, entre os períodos de abril de 2014 a março de 2015. 2 A denominação costureiro é geralmente associada ao ramo da Alta-Costura. Contudo, mesmo que não seja adequado referir-se a Galdino Lenzi dessa forma, já que no Brasil não houve o desenvolvimento de uma estrutura que possibilitasse tal organização, optou-se por se manter nesta pesquisa essa nominação,

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para Edina Siemsen, candidata aos títulos de Miss Santa Catarina e Miss Brasil no ano de 1976. Esses vestidos, confeccionados para serem usados nos desfiles e nos compromissos sociais daqueles concursos, pertencem atualmente ao acervo da Modateca da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Com o propósito de investigar os aspectos técnicos relacionados à confecção destes e, ainda, relacionar os trajes às informações históricas, sociais e culturais obtidas em meios de comunicação impressos do referido período, procurou-se contribuir com a elucidação de determinados aspectos da manufatura artesanal e do consumo de produtos de moda em Santa Catarina na década de 1970, permitindo o acesso a informações que possibilitem o desenvolvimento de novos produtos de design de moda. De acordo com Andrade (2006, p.72), o estudo de artigos de vestuário é capaz de esclarecer os mais diversos enfoques sociais, culturais e históricos das sociedades porque as evidências materiais contidas nesses objetos são capazes de oferecer vestígios que não estão presentes em outros tipos de fontes, como os artefatos escritos e os iconográficos. Assim, diferente de uma imagem de uma roupa estampada em um livro ou uma revista, que pressupõe uma contemplação passiva, a pesquisa com um objeto de vestuário demanda uma interação física. Portanto, a análise de uma roupa permite, além do entendimento acerca das dinâmicas sociais, dos comportamentos e das sensibilidades de uma época, a compreensão das tecnologias de manufatura, do uso de matérias-primas, das modelagens empregadas e da qualidade do acabamento das vestimentas de um determinado período histórico. (ANDRADE, 2006, p.72). Contudo, para que os objetos da cultura material sejam examinados com rigor científico, é necessário que eles sejam administrados em conformidade com uma metodologia de pesquisa. Uma série de métodos de trabalho tem sido prescritos, evidenciando que as propostas metodológicas nesse campo de investigação se encontram ainda em desenvolvimento ou mesmo em constante processo de revisão. Diante do aparato teórico disponível, optou-se por utilizar um procedimento apresentado por Sant´Anna et. al. (2009, p.261), visto que o mesmo sintetiza muitas das reflexões recentes sobre as metodologias a serem empregadas neste campo do saber. Desse modo, o desenvolvimento da pesquisa foi organizado em três etapas, compostas da seguinte forma: a primeira deteve-se aos estudos bibliográficos, cuja finalidade foi identificar e colocar os pesquisadores em contato direto com as publicações relacionadas ao campo investigado, em detrimento de outras como estilista ou figurinista. Uma discussão sobre o assunto, referindo-se especialmente a Lenzi, pode ser encontrada em GODOY, Ilma; SANT´ANNA, Mara Rúbia. Desejos de moda: o costureiro Galdino Lenzi e os sonhos de modernidade. In: SANT´ANNA, Mara Rúbia (Org.). Moda e produto. Série Modapalavra. Vol. 6. Florianópolis/São Paulo/SP: UDESC/Estação das Letras e Cores, 2010. Ver especialmente as páginas 220-231.

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utilizando-se de livros e periódicos científicos das áreas de moda, história e cultura material; o segundo momento compreendeu a investigação dos objetos/documento (os vestidos), cujas análises priorizaram a descrição das características físicas das peças, assim como o estudo da modelagem, o apontamento dos materiais empregados e, ainda, as possíveis técnicas empregadas na confecção; a terceira deteve-se nas análises e interpretações dos dados coletados, relacionando os objetos investigados com o contexto das informações encontrados em periódicos de moda veiculados na época em questão. Com base nas análises efetuadas, na sistematização das informações e na interpretação dos dados coletados, observou-se que a investigação de objetos da cultura material oferece infinitas possibilidades de pesquisa, servindo igualmente como preciosa fonte para a elaboração de produtos de design. Conforme ressalta Andrade (2006 apud Sant’Anna et. al. 2009, p.216), muitas vezes as fontes escritas ou visuais, reproduzidas em livros tradicionais e revistas especializadas, não são suficientes para servirem como fonte de estudo no campo da moda. Portanto, durante o processo de pesquisa para a criação de novos produtos, é importante que os designers extrapolem o óbvio dado por livros e revistas e busquem, no contato direto com objetos do passado, as possibilidades para experimentar novas percepções e, com base nelas, desenvolver produtos de design de moda com características originais e contemporâneas.

A miss, o costureiro e os vestidos Edina Siemsen foi eleita Miss Brusque em 1976 e, em maio daquele ano, em evento realizado na cidade de Blumenau, venceu o concurso de Miss Santa Catarina.3 Como representante da beleza catarinense, coube-lhe o encargo de disputar o concurso de Miss Brasil que, no referido ano, ocorreu na cidade de Brasília-DF. (Figura 1) Conforme apontado por Morelli (2014), os concursos de miss despertavam a admiração de milhares de pessoas e, por isso recebiam grande divulgação na imprensa, no Brasil e no mundo. Apesar dessa escolha acontecer no país desde o ano de 1900, foi somente a partir de 1954 que a disputa ganhou destaque nacional, sendo a partir daí realizado regularmente. Em 1955, segundo a autora, o grupo Diários Associados passou a promover e transmitir o evento pela televisão, conferindo notoriedade ao concurso que acabou se tornando o segundo acontecimento mais popular no país, atrás apenas da Copa do Mundo. (MORELLI, 2014). Em Santa Catarina, o concurso se fortaleceu após a blumenauense Vera Fischer ser coroada como Miss Brasil em 1969, passando a ter edições em que 3Até

o presente ano (2020), Edina Siemsen tem sido a única Miss Brusque a se tornar Miss Santa Catarina. Quando eleita tinha 19 anos, era estudante de Engenharia e se destacou, segundo a imprensa local, pelos belos olhos verdes.

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compareciam milhares de pessoas. Em depoimento a Motta (2009), um empresário da cidade de Brusque manifestou a importância reservada às representantes da beleza catarinense em décadas passadas, assinalando que a miss “era uma figura respeitada no município e estava presente em eventos públicos como inaugurações ou bailes da alta sociedade. Para as empresas do município, era motivo de orgulho cobrir a mulher mais bela com suas roupas, perfumes e joias”. Edina Siemsen, em declaração a Motta (2009), também se recorda dos seus tempos ilustres: “Quando venci o concurso estadual, conheci muitas cidades de Santa Catarina, pois abria eventos, sobretudo bailes de debutantes. Era uma celebridade”. Essas declarações, mais do que simples testemunhos do passado, denotam a exposição midiática alcançada pelas vencedoras desses concursos de beleza. Certamente a comissão que acompanhava a preparação da candidata Edina Siemsen para a etapa estadual da competição - ela própria, inclusive estava ciente dessa publicidade. Possivelmente, também ponderavam sobre as possibilidades da ascensão da brusquense ao posto máximo da beleza nacional e, quiçá, da beleza mundial já que, sagrando-se vencedora, disputaria o título de Miss Universo nos Estados Unidos. Figura 1 – Edina Siemsen em desfile nos concursos de Miss Santa Catarina e Miss Brasil, ocorridos em 1976 em Blumenau-SC e Brasília-DF respectivamente.

Fonte: acervo Edina Siemnsen.

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Nesse cenário, evidenciava-se a necessidade de vestir a candidata com o que de melhor se poderia produzir na moda catarinense. Um pequeno enxoval para trajá-la foi então encomendado ao já ilustre costureiro Galdino Lenzi, para que a aspirante a miss pudesse representar dignamente a beleza catarinense no desfile do concurso nacional e, ainda, nos compromissos oficiais dos quais ela participaria na capital federal. Galdino Lenzi foi o primeiro homem que se destacou no panorama da moda catarinense costurando para mulheres. Ele criava modelos elaborados de acordo com o perfil das suas clientes, evidenciando as formas anatômicas e aliando uma costura luxuosa às últimas tendências de moda. Nascido em 1924, na cidade de Rio dos Cedros, filho de pai funcionário público e mãe costureira, aprendeu o ofício da costura aos 14 anos numa alfaiataria da sua cidade natal. Na década de 1940, mudou-se para Blumenau em busca do aperfeiçoamento prático. Com o mesmo objetivo profissional, transferiu-se para São Paulo e empregou-se na alfaiataria Martinez, bastante conceituada no ramo por atender políticos e a alta sociedade paulista. (GODOY; SANT´ANNA, 2010, p.220). Em 1950 estabeleceu sua alfaiataria em Florianópolis e, a partir de 1958, começou a atender o público feminino. No início da década de 1960, abandonou a alfaiataria masculina e dedicou-se somente à moda feminina. Tornou-se conceituado na capital estadual pela qualidade de seu trabalho e, como consequência, suas criações desfilavam nos mais importantes eventos. Seu nome figurava constantemente nas colunas sociais dos jornais locais. (GODOY; SANT´ANNA, 2010, p.221). Conforme apontado por Godoy e Sant´Anna (2010, p.230-231), o entusiasmo dispensado à costura de Lenzi evidenciava a necessidade de a elite local avalizá-lo como um dos grandes nomes da moda brasileira. Essa aspiração, segundo as autoras, estava em consonância com os desejos de conferir à Florianópolis a condição de cidade moderna no contexto sócio-histórico das décadas de 1950 e 1960. Portanto, ao trajar o “enxoval” confeccionado pelo ilustre costureiro, Edina Siemsen se constituía, igualmente, na porta-voz desses anseios que ainda ecoavam pela capital catarinense e, igualmente, por todo o estado. Ela levava para a capital federal - e de lá sua figura se multiplicaria por meio dos milhares de televisores espalhados pelo país – a imagem de uma Santa Catarina que se pretendia atraente, interessante e, sobretudo, moderna. Três trajes4 confeccionados por Lenzi para Edina Siemsen serviram de base para as análises nesta pesquisa, a saber: um conjunto de saia e blusa

Esses trajes foram doados por Edina Siemsen à Modateca da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI em 2012, juntamente com duas faixas usadas por ela nos concursos de miss Santa Catarina. Esses artigos, após receberem tratamento de higienização, foram expostos na mostra intitulada Trajes de Miss: os vestidos de Galdino Lenzi para Edina Siemsen, a Miss Brusque e Miss Santa Catarina de 1976, ocorrida no segundo semestre de 2013, nas instalações da Modateca da UNIVALI, no Campus de Balneário Camboriú-SC. Depois de serem catalogados no sistema Pergamum, permanecem armazenados em sala específica para guarda de 4

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vermelhos, de cetim duchese, com detalhes assimétricos e aplicação de franjas e lantejoulas, usado no concurso de Miss Santa Catarina, em Blumenau-SC; um vestido verde água de musseline de seda pura, com decote assimétrico, babados e bordados, utilizado no concurso Miss Brasil, ocorrido em Brasília-DF; um vestido em tecido verde estampado, com alcinhas, também utilizado em BrasíliaDF em compromissos oficiais dos quais a candidata a miss Brasil participou5. (Figura 2) Figura 2 – Coleção de vestidos de Edina Siemsen doados à Modateca da UNIVALI.

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Vitor Ebele (2014).

Tomando esses trajes como objetos/documento, conforme já explicitado, compreende-se que eles trazem consigo informações dos aspectos culturais, da sociedade e do período nos quais foram manufaturados. Desse modo, entendese que eles não serviram somente para cobrir o corpo, protegê-lo das variações acervos têxteis e de moda, localizada no Bloco 9 da referida instituição, acondicionados em cabides e cobertos por capas protetoras. 5 Um vestido de cor amarela, confeccionado em tecido voil faz parte do conjunto de peças recebidas. A princípio presumia-se que fizesse parte do “enxoval” de miss, encomendado a Galdino Lenzi para Edina Siemsen. No entanto, uma investigação mais apurada do traje expôs as diferenças nas técnicas utilizadas na manufatura do mesmo. O acabamento das costuras, o rigor na simetria dos babados, o manuseio das técnicas de ajuste ao corpo, os fechamentos da peça, a qualidade do tecido utilizado, entre outros tantos detalhes, destoavam sobremaneira dos procedimentos adotados por Lenzi na confecção dos trajes que já se havia analisado. Com base nessas evidências, supôs-se que a peça não tivesse sido confeccionada pelo costureiro citado. Dessa forma, buscando ratificar a veracidade da suspeição, procurou-se entrar em contato com a doadora. Esta confirmou que o vestido não havia sido manufaturado por Lenzi e tampouco foi utilizado por Edina Siemsen nos desfiles ou nos eventos que precederam os concursos de Miss Santa Catarina ou Miss Brasil. No entanto, a mesma não soube informar, na ocasião, a data e a autoria da peça. Desse modo, procurou-se não incluir o referido vestido nas investigações aqui efetuadas. Contudo, outras pesquisas poderão ser produzidas tendo como base o traje em questão, verificando a sua procedência, as condições de manufatura e as relações simbólicas de seu consumo e uso.

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climáticas ou, ainda, tiveram a função de adornar ou de promover a diferenciação dentro de um determinado grupo. Eles nos oferecem, segundo afirmam Prown (1982 apud BENARUSH, 2012, p.3), uma “matriz intelectual” de sua época, ou seja, eles carregam em si dados sobre a capacidade criativa de seu criador, as preferências estéticas, os detalhes técnicos e tecnológicos envolvidos na sua fabricação e, sobretudo, as ideias e os valores de quem os adquiriu e usou e, por extensão, da sociedade da qual ela fez parte. Portanto, esperamos que as análises que apresentamos a seguir possam contribuir para elucidar determinados aspectos históricos, culturais e sociais de uma determinada coletividade numa certa época, permitindo que o resultado desses estudos se convertam em uma proveitosa fonte de pesquisa para ser utilizada na criação de produtos nas mais diversas áreas do design e, especialmente, no campo da moda.

Traje nº 1: conjunto vermelho formado por blusa e saia Iniciamos nossas análises investigando este conjunto de blusa e saia confeccionado em tecido cetim duchesse na cor vermelha, com corte assimétrico e aplicação de franjas e lantejoulas, usado por Edina Siemsen no concurso de Miss Santa Catarina, realizado na cidade de Blumenau-SC, no ano de 1976. O tipo de tecido utilizado na confecção do traje é assim denominado, segundo Catellani (2003 p.621), por causa da expressão francesa duchesse, que significa duquesa. É um tipo de “cetim encorpado, mas bastante maleável, que possui brilho intenso, sendo preferido para a confecção de vestidos de festa e de noivas desde a década de trinta do século XX”. Nota-se aqui a preferência do costureiro pelo uso de tecidos nobres, propícios à ocasião. Contudo, neste traje utilizado no concurso estadual, observa-se a opção por um tecido de caimento menos fluído, contrastando dessa forma com os vestidos confeccionados para a etapa nacional que primaram pelo uso de materiais leves e modelagens menos rígidas. A blusa é assimétrica, modelo regata, com decote em V frontal, com ponta maior do lado direito (Figura 3). A parte frontal da blusa foi cortada em duas partes. Há quatro pences na parte frontal, sendo duas delas verticais clássicas e duas oblíquas, saindo da cava. As pences verticais iniciam no quadril e seguem até a altura do busto. Nas costas, a peça foi cortada em quatro partes. Com base na análise desses recortes e pences, existentes tanto na frente como nas costas, observa-se que eles tiveram a finalidade de melhorar o ajuste do traje ao corpo, delineando as formas da candidata, sendo esta uma das características dos trajes feitos por Galdino Lenzi. Segundo Vandresen (2001), o costureiro costumava criar modelos de acordo com o perfil das clientes e suas formas anatômicas. Aliando tendências e luxo, continua a autora, e por meio de formas lânguidas e decotes sensuais,

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aliados a um corte preciso, o catarinense conseguiu, marcar um estilo que acabou tornando-o conhecido por todo o país. A blusa e a saia possuem aplicação de franjas de poliéster, costuradas no lado avesso, tendo no lado direito um acabamento feito com aplicação de passamanaria com miçangas e lantejoulas (Figura 3). As franjas, segundo Catellani (2003, p.466), são fios ou tiras feitas de diversos materiais que pendem da orla de um tecido, servindo para enfeitar peças de vestuário. Essas franjas aplicadas ao traje foram, provavelmente, compradas em metro. Uma das medidas da franja foi aplicada da cintura esquerda para cima, em diagonal, passando pelo lado direito do decote e pescoço, descendo para a parte das costas, também em diagonal, terminando no mesmo ponto onde começou: no lado direito da cintura da parte posterior. A outra medida de franjas foi aplicada em sentido contrário, frente e costas, iniciando na cintura e descendo até o quadril. O uso de aplicações feitas à mão, como das lantejoulas sobre as franjas, evidenciam a proposta de reforçar o aspecto de uma costura artesanal do traje, ainda que as franjas tenham sido fabricadas industrialmente e adquiridas em lojas de aviamentos. Figura 3 – Blusa e saia assimétricas, com detalhes da aplicação de franjas.

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Felipe Pacheco Schürmann (2014).

O fechamento da parte de trás da blusa é feito somente com um colchete de gancho, com encaixe em alça feita em linha (CATELLANI, 2003 p. 455), ficando posicionado na altura da nuca. Essa linha do encaixe do colchete está rompida. Há outro fechamento na peça, localizado na lateral esquerda, composto por 10 botões encapados do mesmo tecido do conjunto. Os botões foram costurados à mão na extremidade esquerda das costas, com encaixe feito em rolotê do mesmo tecido, também pregado à mão. O 6º e o 7º botão, contados de cima para baixo, perderam a parte superior. Na parte inferior do abotoamento há um fechamento com colchete e gancho de metal. Sobre os rolotês, havia uma cobertura de chifon pregada à mão, com a finalidade de dar um melhor acabamento. Parte das costuras dessa 61


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cobertura se rompeu, deixando a costura dos rolotês à mostra. Na parte interna da peça, pode-se observar que os rolotês foram aplicados com uma linha contínua. A saia do conjunto tem modelagem reta e corte assimétrico, com cós estreito. Segundo Catellani (2003, p.562) o cós é a “parte do tecido em forma de tira que rodeia e arremata a cintura em certas peças de vestuário, especialmente em saias e calças”. Na saia, há duas pences retas na frente e duas pences retas nas costas. Há uma fenda na lateral esquerda. Para Catellani (2003 p.575), a fenda é uma abertura no lado de saias ou calças que permitem uma melhor desenvoltura nos movimentos. O fechamento da saia é na lateral esquerda, com zíper de nylon da marca Corrente aplicado com costura manual. Completando o fechamento, há a aplicação de colchetes de metal, também aplicados manualmente. A saia contém uma aplicação de franjas na extremidade inferior. Essas franjas foram aplicadas na lateral esquerda, ascendendo até a lateral direita, depois passando pela parte das costas e terminando no mesmo ponto em que começou, acompanhando assim o corte assimétrico da peça. Na parte de dentro da blusa podemos observar a costura do acabamento do decote e das cavas (Figura 4). Ambas feitas manualmente com ponto espinha, um tipo de ponto em cruz que, quando repetido, forma uma linha de “X” semelhante a um padrão de espinha de peixe (NEWMAN E SHARIFF, 2011 p.147). Figura 4 – Detalhes das costuras internas da blusa (decote e cava).

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Renato Riffel e Romana Savagnago Erthal (2014).

O recorte frontal, que une as duas partes da blusa, foi cozido com costura aberta na máquina reta, tendo como acabamento a própria ourela do tecido (Figura 4). As pences também foram costuradas na máquina reta. É possível também observar a costura manual da aplicação das franjas. A costura lateral direita, a união dos ombros e, nas costas, a junção das partes foram feitas com costura aberta na máquina reta. Já os acabamentos em ziguezague dessas partes foram feitos na máquina de costura. 62


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As bordas de dentro do decote e das cavas apresentam leves manchas, provavelmente decorrentes da oxidação por conta de suor. A parte frontal de dentro do tecido também apresenta algumas manchas, principalmente próximo à lateral direita. Na parte das costas, as manchas se apresentam sob a costura manual das franjas. Na parte de dentro da saia observa-se que o cós foi costurado manualmente e pespontado com máquina reta. Há a aplicação de duas fitas de gorgorão em formato de alças no cós, uma em cada lateral, afixadas para pendurar a saia em cabides. As pences foram costuradas com máquina reta e pespontadas com a mesma. A lateral direita foi unida com costura aberta feita na máquina reta com acabamento de ziguezague. Na lateral esquerda, foi aplicado o zíper com costura manual sobre a costura aberta, que é unida até a altura do quadril, e aberta desde a ponta até a extremidade inferior, formando a fenda. O acabamento da borda é feito em ziguezague. É possível notar um pedaço da ourela na parte inferior da borda da fenda. A saia encontra-se em bom estado de conservação, não apresentando manchas e nem descoloração do tecido. Nas costas, na região próxima dos joelhos, há uma pequena região com puído, provavelmente causado por fricção. Após efetuadas as análises e descrições, elaborou-se a medição das peças e o desenho técnico do conjunto, objetivando o estudo das medidas e da modelagem utilizadas. Tendo como base estas análises e comparando-as com as dimensões dos outros vestidos examinados na sequência, conclui-se que Edina Siemsen possuía, à época, um corpo que oscilava entre as numerações 38 e 40.6 Com relação à modelagem, observa-se que a opção por um corte assimétrico da blusa e da saia, em combinação com a aplicação das franjas em diagonal, foram recursos utilizados para dar um maior “movimento” à peça. Como a blusa e saia possuem pences que evidenciavam os contornos do corpo e o tecido escolhido conferia certa rigidez à silhueta, a assimetria do modelo e o movimento das franjas proporcionavam o devido contraste às formas da peça, especialmente se imaginarmos o traje em movimento durante o desfile da candidata a miss. A investigação dos detalhes técnicos da peça, especialmente dos métodos empregados para a costura, revelam igualmente a transferência dos processos de manufatura aprendidos por Lenzi no ofício da alfaiataria para a elaboração de trajes femininos. Essa competência, conforme apontam Godoy e Sant´Anna (2010, p.228), aliada ao “poder criativo” conferido ao costureiro, contribuíram para a consagração de seus trajes, tanto na capital catarinense como fora dela.

Essa aferição tem como base a tabela de medidas publicada em: SENAC. Modelagem plana feminina. São Paulo: Senac, 2003. 6

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Traje nº 2: vestido verde estampado com mangas e saia em lenços Esse vestido foi confeccionado para Edina Simsen, já eleita Miss Santa Catarina, para que fosse utilizado nos compromissos sociais que comparecesse durante sua estada em Brasília, local onde seria realizada a etapa do concurso Miss Brasil, no ano de 1976. O traje foi confeccionado em crepe de poliéster estampado, com padronagem geométrica. O modelo do vestido tem mangas e saia em lenços. O tecido tipo crepe, segundo Catellani (2003, p.626), é um tecido leve caracterizado pela superfície ligeiramente frisada. Já o poliéster, segundo Newman e Shariff (2011, p.144) é um material sintético derivado do petróleo, que se assemelha ao náilon, sendo mais resistente e menos brilhoso que este. Na forma têxtil, é bastante usado devido à sua rigidez, baixo custo, resistência a rugas e secagem rápida. Certamente, por se tratar de uma vestimenta para ser usada em ocasiões menos formais, optou-se pelo uso de material de menor sofisticação, por uma modelagem mais fluída e pelo uso de uma padronagem têxtil descontraída. Essa adequação do tipo do traje ao momento apropriado denota que Lenzi possuía também, além do seu já conhecido talento para a manufatura, uma habilidade apurada para manejar os códigos da etiqueta do bem vestir. Com relação à utilização de tecidos artificiais, é sabido que a partir da década de 1960 seu uso se torna prolífico na produção do vestuário. Mesmo sendo utilizados majoritariamente em artigos baratos e produzidos em massa, estilistas como Mary Quant e costureiros como Pierre Cardin e Lanvin foram convidados a preparar coleções especiais com esse tipo de tecido, visando elevar seu status. (MENDES; HAYE, 2003, p.192). No Brasil, os desfiles da Casa Rhodia realizados em eventos de moda como a FENIT (Feita Nacional da Indústria Têxtil), buscavam também promover a expansão do uso desses novos materiais. Portanto, a escolha do crepe de poliéster para o traje informal de Edina Siemsen se encontra em consonância com essas perspectivas do mercado da moda para a referida década e para os anos subsequentes. Com relação ao modelo do vestido, ele possui um decote quadrado. A parte superior frontal tem duas pences horizontais clássicas e duas pences verticais no busto. (Figura 5). As mangas em lenço são formadas por dois quadrados de tecido sobrepostos, costurados à máquina na cava, contendo um acabamento com chuleado. (Figura 5). Conforme Catellani (2003, p.559), chuleio é uma costura “usada como acabamento nas bordas do tecido cortado, evitando seu desfiamento”. Os lenços que formam as mangas têm bainhas feitas com máquina de costura, com ponto ziguezague, sendo que esse tipo de ponto é feito com linhas costuradas em ângulos alternados. (CATELLANI, 2003, p.609).

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Figura 5 – Detalhe do decote e das mangas em lenços.

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Felipe Pacheco Schürmann (2015).

Os quadrados de tecido que formam as mangas foram cortados aproveitando inclusive a ourela do tecido (Figura 5). Conforme indicam Newman e Shariff (2011 p.133), a ourela é a “borda no sentido do urdume que recebeu acabamento para evitar que esgarce ou esfiape [...] Na confecção de roupas, a ourela costuma ser retirada ou então escondida por costuras ou bainhas”. Contudo, o aproveitamento dessa parte do tecido para a confecção das mangas do vestido de Edina Siemsen evidencia a busca por um maior aproveitamento do material disponível para a manufatura do vestido. Os fatos que motivaram essa economia, no entanto, são desconhecidos. Na parte interna do decote, na altura do ombro, há a aplicação de uma tira de elástico forrada com o tecido do vestido. Esse elástico forrado contorna toda a parte superior interna do ombro. O forro interno do vestido foi aplicado na parte superior, estendendo-se somente até a cintura, sendo feito em tecido de poliéster. Esse termo poliéster, segundo Catellani (2003, p.708), compreende os tecidos feitos com uma “fibra sintética obtida pela condensação do polímero de poliéster, substância química derivada do petróleo.” Essas fibras, continua a autora, são empregadas na fabricação de tecidos e outros materiais para confecção de roupas desde a década de 1950 do século XX, tendo a propriedade de não deformar ou amarrotar facilmente, além de ter secagem rápida e possuir um bom caimento. O revel do decote, frente, ombro e costas, foi costurado junto do forro com costura manual. Esse revel, também conhecido como guarnição, compreende a parte interna próxima das aberturas das peças de roupa que, sendo dobrado ou ainda cortado e costurado de forma duplicada, é virado para o lado de dentro da peça, proporcionando um melhor acabamento. (TENGLER-STADELMAIER, 2002, p. 102). O forro do vestido e o revel, após terminados, foram unidos à parte da frente com costura à máquina. O corpo do vestido, que compreende a parte superior com forro, foi unido à saia já pronta, com costura à máquina. Junto a essa costura foi cozido parte do viés, que é uma tira de pano estreita cortada obliquamente, que serve para 65


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acabamento ou debrum, segundo Catellani (2003 p.476). Parte desse viés, que havia ficado solto na costura anterior, foi posteriormente virado e costurado manualmente, com ponto invisível. As pences horizontais e verticais existentes foram costuradas juntando-se o forro com o tecido do vestido. Os acabamentos nas laterais internas do corpo do vestido, onde se juntam a parte frontal e costas, foram feitas com costura aberta e chuleado. A parte superior do ombro, onde se juntam frente e costas tem o mesmo acabamento. O vestido tem fechamento nas costas, com aplicação de zíper de nylon, da marca corrente. O fechamento complementar é feito com gancho de metal pregado à mão, com engancho de fio. (CATELLANI, 2003 p.466) Na parte lateral esquerda interna da peça, sobre a costura aberta, há aplicação manual de uma etiqueta feita em fita de gorgorão. A etiqueta tem a inscrição “Lenzi” (Figura 6). Essa inscrição foi feita com máquina de costura, seguindo um traçado efetuado previamente com lápis. A linha utilizada para a costura foi de cor preta, sendo que no avesso da costura foi utilizada uma linha branca. Figura 6 – Detalhe da parte superior interna do vestido com etiqueta e a saia em lenços.

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Romana Savagnago Erthal (2014).

Nas duas laterais, na altura da cintura, há a aplicação de dois passantes feitos de linha trançada. O passante é uma “pequena alça, geralmente montada com o cós, destinada à passagem do cinto.” (CATELLANI, 2003 p.602). O passante do lado esquerdo está rompido e do lado direito está intacto. O cinto que acompanha o look é feito do mesmo tecido do vestido (crepe de poliéster) em forma de rolotê com alma, que é um fio preenchido com lã ou fibra. (CATELLANI, 2003 p.605). Sendo costurado à máquina pelo avesso, o tecido é depois virado, com o auxílio de alguma ferramenta com gancho. A parte central do cinto é formada de uma trança. O cinto apresenta várias manchas de oxidação nas partes mais claras, tendo também algumas perfurações e estando descosturado em várias partes, o que permite ver o material do enchimento do rolotê, composto de fibra de poliéster.

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A saia do vestido é formada por cinco quadrados de tecido unidos com costura reta, feita à máquina e acabamento em ziguezague, da mesma forma como efetuado nas mangas. (Figura 6). Nota-se também a presença da ourela do tecido em alguns dos lenços que compõem a saia, denotando o total aproveitamento do tecido para a confecção da peça. O fechamento da saia nas costas foi feito com costura aberta e o chuleado feito à mão. Os quadrados que formam a saia têm caimento em ponta, sendo que uma das extremidades de cada quadrado tem corte arredondado para se encaixar na circunferência da cintura. Não há aplicação de forro sob a saia do vestido. Na parte superior do vestido, na região frontal, há sinais de desbotamento. O vestido possui ainda manchas de oxidação, estando estas localizadas na parte superior direita frontal do decote, em um dos quadrados que compõe a manga esquerda e um dos quadrados que compõe a parte frontal da saia. Há pequenas manchas de oxidação na parte interna dos dois ombros, o que também ocorre no forro, na parte frontal superior direita interna e na etiqueta de gorgorão que contém a identificação do costureiro. Assim como procedido com o traje anterior, também foram tomadas as medidas do vestido analisado e efetuado o desenho técnico do mesmo para estudo da modelagem.

Traje nº 3: vestido verde de um ombro só com aplicações de miçangas Este vestido verde claro, confeccionado em tecido crepe georgette, foi utilizado por Edina Siemsen no desfile em trajes de gala do concurso de Miss Brasil ocorrido em 1976 em Brasília-DF. Conforme Catellani (2003, p.26), os tecidos de crepe são leves e tem como característica o aspecto crespo ou enrugado, efeito conseguido por meio do uso de fios com alta torção, por meio do calor, por tratamentos químicos ou pela sua forma de construção. Uma de suas variações, o crepe georgette, é muito usado em vestidos de festa desde a década de 1910 (SABINO, 2007, p.203), tendo uma estrutura simples, “utilizando fios torcidos tanto no urdume como na trama”. (CATELLANI, 2003, p.626). Conforme relata Callan (2007, p.100), esse tipo de tecido também pode apresentar misturas de seda e algodão, seda e rayon ou ainda outras misturas. As linhas gerais do vestido seguem o modelo vestido-sereia, um tipo de veste ajustada que modela o corpo, abrindo-se em cauda de sereia na barra da saia. (CATELLANI, 2003, p. 539). Na parte superior apresenta um decote de um ombro só arredondado, partindo do ombro direito em direção à base da cava do braço esquerdo, quando visto de frente. No lado esquerdo possui duas alças em rolotê, feitas no mesmo tecido do corpo. Contornando o decote, tanto na parte

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frontal como posterior, há uma faixa de 6 centímetros contendo um bordado manual feito com miçangas, canutilhos e lantejoulas. (Figura 7). Figura 7 – Detalhe da parte superior do vestido e da faixa com aplicação de miçangas.

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Felipe Pacheco Schürmann (2015).

Seguindo a linha do decote e costurado abaixo deste, há a aplicação de um babado godê duplo, com acabamento de viés cosido dobrado na extremidade do tecido, sendo dobrado novamente e tendo acabamento de bainha feita manualmente. O vestido segue com corte reto até no quadril, onde há um recorte em diagonal que decresce do lado esquerdo até o direito, seguindo da altura do quadril até o início da coxa direita. Segundo Catellani (2003, p.605), o uso desse tipo de recorte promove um melhor caimento do tecido, dando maior beleza à peça. Assim como no decote, esse recorte assimétrico é também contornado por uma faixa de bordados de 6 centímetros, idêntica à já citada anteriormente. (Figura 7). Abaixo do recorte, costurada manualmente, há uma saia em godê duplo, com acabamento em viés. Na extensão total da lateral esquerda do vestido, desde a parte embaixo do braço seguindo até a faixa bordada da saia, há um fechamento com 18 botões encapados e 18 rolotês. Para forrar os botões como para confeccionar os rolotês foi utilizado o mesmo tecido do vestido. (Figura 8). Na parte das costas do vestido há uma repetição da construção utilizada na parte frontal, com o decote de um ombro só e a aplicação da faixa de 6 centímetros contendo um bordado manual feito com miçangas, canutilhos e lantejoulas. O mesmo tipo de babado duplo aplicado na parte frontal tem continuidade nas costas. O forro do vestido é confeccionado em failette. Conforme descrito por Catellani, (2003, p.637), o faillete é um tecido feito de fios cardados, com desenho tafetá, em seda, acetato ou poliéster, sendo utilizado geralmente para forro de vestuário. Na parte superior, o forro tem duas pences verticais saindo do decote. O forro foi costurado ao vestido de forma manual, com ponto de bainha. Pelo lado avesso, observa-se que a costura do rolotê que forma a alça esquerda foi alterada. O rolotê foi costurado novamente, na frente e costas, com 68


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pontos grosseiros, sem romper com a costura original. É provável que essa intervenção seja resultado de uma reforma feita após a finalização do vestido, que buscava diminuir o tamanho da alça ou realocá-la cerca de 3 cm para dentro, em relação à cava. (Figura 8). Figura 8 – Detalhes do fechamento lateral e da parte interna superior, onde se vê a realocação das alças e a etiqueta com a inscrição Lenzi.

Fonte: Modateca UNIVALI. Foto: Renato Riffel e Romana Savagnago Erthal (2014).

Na lateral esquerda das costas está afixada uma etiqueta contendo o escrito Lenzi. (Figura 8). A etiqueta é confeccionada em fita gorgorão, com a escrita do nome feita em máquina de costura, com ponto corrido, seguindo um traçado riscado a lápis. É possível notar muitas manchas amareladas e desbotamento do tecido, tanto na parte frontal superior como na saia. O desbotamento é menos evidente no tecido que ficou sob outro, especialmente nas partes que contém os babados. Esse descoloramento indica que, possivelmente, o vestido permaneceu guardado com uma excessiva exposição à luz. Outras manchas, mais ressaltadas, presentes em boa parte da peça, parecem indicar que o vestido foi molhado ou permaneceu em local com infiltração de água ou outro líquido incolor. O vestido também apresenta uma série de rasgos. Alguns são pequenos e arredondados, variando de 2mm a 5mm e sua presença tem causa desconhecida. Na lateral, em área próxima ao quadril, há várias rupturas maiores, de formato disforme, cobrindo uma área de cerca de 6 cm. Essas rupturas se devem, possivelmente, à fragilidade apresentada pelo tecido, podendo ter sido provocadas pelo atrito com as miçangas que compõem o bordado existente na peça, visto que o mesmo permaneceu guardado dobrado sobre si mesmo. Conforme inspeção feita no vestido, considerou-se ser pouco provável que este tenha sido avariado por insetos7 já que não foram encontrados resquícios destes quando do recebimento da peça pelos responsáveis pela Modateca da UNIVALI. Conforme Alvarado et. al. (2002), os artigos têxteis, especialmente os confeccionadas com fibras protéicas, podem sofrer avarias em decorrência do ataque de larvas de insetos, principalmente de traças das espécies Tineola bisselliella e Lepsima Sacharina. 7

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O forro também se encontra com manchas amareladas, especialmente na região próxima ao decote, sendo mais forte no ombro direito. Na parte interna, no forro, existe uma marca de batom vermelho, próximo ao decote. Há alguns rompimentos de linhas nos bordados, sendo estas rupturas presentes em quase toda a extensão do bordado. Por conta dessas rupturas, algumas miçangas, canutilhos e lantejoulas estão se desprendendo. As lantejoulas, de material plástico na cor verde, também apresentam perda de coloração, especialmente na borda. O tecido que recobre os botões, assim como os rolotês aplicados para fechamento lateral do vestido estão bastante fragilizados, apresentando rompimento e manchas amareladas em algumas partes (Figura 8). O rolotê da alça também se encontra desbotado e com algumas pequenas rupturas. Da mesma forma como procedido com os trajes já descritos, foram tomadas as medidas do vestido analisado e efetuado o desenho técnico para estudo da modelagem.

Uma moda para a miss Com base nas análises efetuadas foi possível relacionar os objetos/documento com o contexto de consumo de moda na década de 1970. Deve ficar claro desde já que tais observações podem ser aprimoradas com a inclusão de depoimentos dos envolvidos no processo de fabricação e uso dos vestidos, bem como se forem adicionadas às investigações um maior número de publicações da época estudada e criações de costureiros nacionais e internacionais. Essas apreciações tiveram como base imagens divulgadas em livros e sítios eletrônicos, além de revistas de moda brasileiras e estrangeiras que circulavam pelo estado de Santa Catarina nos anos de 1975 e 1976, como Figurino Moderno e BurdaModen (uma publicação alemã com grande aceitação no estado e no país), que dispunham de moldes para a confecção de roupas. Através do exame dessas imagens foi possível destacar uma série de trajes que apresentam elementos que se relacionam com os vestidos descritos. Nas imagens apresentadas pode-se notar alguns dos elementos que se assemelham aos trajes confeccionados por Galdino Lenzi para Edina Siemsen. Os três vestidos possuem modelagens que têm como base quadrados ou retângulos sobrepostos, terminando em pontas irregulares. Essa ideia de modelagem em lenços é encontrada no vestido no2, em que se pode perceber o uso de quadrados sobrepostos para compor a saia e as mangas do mesmo. As figuras 10 e 11 também denotam a escolha da matéria-prima utilizada nos vestidos da miss, notadamente selecionados pela leveza e pelo bom caimento que proporcionam. Assim, a escolha do tecido e a técnica utilizada na modelagem se complementam objetivando dar movimento e leveza à vestimenta.

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De acordo com Mendes e Haye (2003, p.216), a adoção dessa silhueta flutuante fazia parte de um movimento ocorrido nos finais da década de 1960 que buscava um afastamento das roupas curtas e estruturadas confeccionadas em tecidos duros, típica dos anos anteriores. Como se observa na figura 11 e também na figura 13, essa proposta de fluidez das formas acabaria por balizar boa parte da produção de moda na década de 1970. Figura 9 – Vestido em lenços. Missoni, coleção verão 1968.

Figura 10 – Vestido em lenços. Ossie Clark, 1968.

Figura 11 – Vestido com saia em lenços.

Fonte: Haye; Mendes (2003, p.205).

Fonte: Haye; Mendes (2003, p.216).

Fonte: Revista Burda Moden, 1976.

Ainda nas figuras 10 e 11, identifica-se o acabamento feito com bainha de lenço, técnica igualmente utilizada no vestido nº 3. Apresentando um resultado bastante delicado, este método de arremate das extremidades dos trajes era bastante usado como recurso na confecção de vestes sofisticadas, especialmente as confeccionadas com tecidos finos. Na figura 11 observa-se a aplicação de babados na parte superior do vestido, elemento que pode ser relacionado àquele encontrado no vestido nº 3. Já na figura 14 pode-se notar a utilização de franjas, componente utilizado para ornar o traje de nº 1. Elemento típico da moda dos anos 1920, no final da década de 1960 o uso de franjas se tornou novamente popular no vestuário informal da juventude, conforme apontam Mendes e Haye (2003, p.195-196). Contudo, segundo as autoras, logo elas passaram a figurar também em boa parte das coleções de prêt-à-porter e mesmo em algumas criações da alta costura, denotando o interesse dos criadores de moda pela cultura juvenil, usada a partir daquela década como rica fonte de inspiração.

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Tanto a utilização das franjas como dos babados aplicados nos trajes confeccionados para Edina Siemsen demonstram a intenção de dar movimento às peças, já que os mesmos foram pensados para serem utilizados em desfile, ou seja, foram estruturados para vestir um corpo em movimento. Figura 12 – Vestidos com estampas geométricas.

Figura 13 – Vestidos de gala assimétricos.

Figura 11 – Poncho com franjas. Valentino, 1969.

Fonte: Figurino Moderno, março 1976.

Fonte: Figurino novembro 1975.

Fonte: Vogue Encyclo (2015).

Moderno,

Italia

Na figura 13 são mostrados dois vestidos que possuem um decote de um ombro só. Esse tipo de decote aparece no vestido analisado no 3, mas a assimetria é um elemento que está presente em outras situações também, como no traje no 1, no qual as franjas estão dispostas em diagonal de forma não simétrica. Esses dois vestidos também remetem a uma proposta sofisticada, tanto na modelagem como no uso de materiais e acabamentos. A utilização de superfícies brilhantes, conseguidas com aplicação de elementos reluzentes complementam essa ideia. Desse modo, esses elementos encontram-se presentes nos vestidos nº 1 e nº 3, nos quais o uso de modelagens assimétricas e mais próximas ao corpo e a aplicação de lantejoulas e miçangas conferem aos trajes o requinte que a ocasião exigia. A figura 12 apresenta dois modelos de vestidos de estilo casual, usados na época por um público feminino amplo, principalmente mulheres casadas que optavam por vestimentas mais clássicas. Esta figura foi selecionada não por seus detalhes ou modelagem, mas pelo uso de estampas que fazem referência ao vestido no 2. As padronagens dos dois trajes apresentam (ao menos, a partir do que é possível identificar na imagem da revista) tonalidades de cores semelhantes e exibem desenhos geométricos dispostos de forma irregular, assemelhando-se às estampas do vestido usado por Edina Siemsen nos compromissos oficiais dos quais participou em Brasília. Certamente a escolha do tecido estampado para tais solenidades encontrava-se vinculado ao caráter 72


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menos formal da ocasião. Contudo, ao combinar uma modelagem audaciosa ao emprego de uma padronagem contemporânea, Galdino Lenzi não demonstrava apenas que possuía um apurado conhecimento das técnicas de corte e costura, mas buscava evidenciar igualmente seu domínio dos códigos da moda em voga na época. Considerando que em meados da década de 1970 os concursos de miss ainda gozavam de prestígio e sucesso, pode-se tomá-los como acontecimentos referenciais por meio dos quais se propagavam determinados padrões de beleza e as novidades da moda. Cabe lembrar que, em Santa Catarina, os concursos de miss viviam seus últimos momentos de euforia nos anos após a blumenauense Vera Fischer conquistar, em 1969, o título de Miss Brasil. Com relação aos padrões de beleza, percebe-se também que atrizes da televisão e do cinema como Farrah Fawcet e Jessica Lange, por exemplo, personificavam os modelos de formosura que se desejava para as misses. Essas estrelas do entretenimento superavam, naquele momento, a influência das modelos e manequins oriundas do ambiente da moda, visto que estas ainda não se faziam muito presentes nas publicidades ou na própria difusão dos desfiles das grifes. Portanto, no que diz respeito à moda, os concursos de miss eram eventos onde as atenções se voltavam para observar os trajes com as quais as candidatas desfilavam, visto que estes poderiam servir como “modelo” a ser copiado para ir a uma festa ou evento social. Em Santa Catarina, era muito comum encontrar costureiras de família ou, em famílias numerosas, mulheres que cosiam as roupas dos familiares e os próprios vestidos. Na maioria das vezes, esses vestidos eram confeccionados tendo como base imagens publicadas em revistas, não sendo raras as predileções por modelos vestidos por atrizes de cinema e TV ou, ainda, pelas misses. Em meados da década de 1950, vários costureiros começaram a despontar no cenário da moda brasileira, criando trajes exclusivos feitos sob medida e de alto custo. Segundo Braga e Prado (2011, p.285), o crescimento da indústria têxtil no país propiciou um investimento em produtos mais sofisticados, esboçando um panorama propício à valorização de uma moda local, baseada nos princípios de uma alta moda existente no exterior. Segundo os autores, muitos costureiros brasileiros viveram seu auge nas décadas de 1960 e 1970, tornando-se expoentes da chamada alta-costura brasileira, ganhando destaque não apenas em São Paulo, maior metrópole industrial do país, mas também em outras capitais brasileiras. É nesse cenário que Galdino Lenzi se firma como um dos maiores talentos da costura catarinense, sendo então escolhido para confeccionar os trajes da miss. A seleção de técnicas manuais, atrelado ao desenho do vestido exclusivo e sob medida, assim como a presença da etiqueta que leva a assinatura do criador, eram elementos que propunham a comparação com o que havia de melhor e mais sofisticado na moda: a costura de luxo francesa. Esses elementos 73


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constantes no trabalho de Lenzi, mas também de outros costureiros da época, podem ser observados nos vestidos descritos, evidenciando a pretensão de um caráter de exclusividade e sofisticação para os trajes de uma miss. Com relação ao estilo dos vestidos analisados, podem-se observar algumas questões: a escolha dos decotes assimétricos com aplicações de pedras ou franjas coloca em evidência o colo e a parte superior da candidata à miss, procurando destacar a beleza do seu rosto. Os dois vestidos usados nos desfiles (nº 1 e nº 3) mantêm uma unidade em relação à forma. Considerando-se que foram utilizados em momentos importantes do concurso, suas modelagens contrastam com o vestido nº 2, utilizado em compromissos oficiais, demarcando assim os momentos condizentes com o uso de cada traje. No geral, a fluidez e o movimento proporcionados pelos elementos que constituem os vestidos confeccionados por Galdino Lenzi, caracterizados pelo uso de franjas e babados, pela utilização de tecidos finos e aplicações de brilhos, somados ao uso de modelagens ora ajustadas ora fluídas, mas invariavelmente assimétricas, fazem referência às propostas de moda vigentes na época. Da mesma forma, referenciam e se coadunam com as criações de costureiros destacados no cenário da moda nacional e internacional da década de 1970, mantendo uma concepção moderna em seus aspectos formais ao mesmo tempo em que evidencia elementos de classe e sofisticação, quesitos indispensáveis para compor a imagem de uma miss.

Acervos de moda: possibilidades de pesquisa e criação O estudo de artigos de moda, sendo estes tomados como objetos/documento, é capaz de elucidar aspectos sociais, históricos e culturais das sociedades nos quais eles foram produzidos. Com uma observação atenta dessas peças, é possível perceber a ampla quantidade de detalhes ali existentes: os tipos de modelagem utilizados, os materiais e as técnicas de confecção empregadas, as relações simbólicas resultantes das interações sociais, as sensibilidades de uma época. Assim, as pesquisas feitas em objetos do passado, como em artigos do vestuário, por exemplo, podem suscitar preciosas experiências que nem sempre são possíveis de vivenciar observando-se as páginas de revistas ou livros. Nota-se que atualmente, no Brasil, é crescente o número de instituições de caráter público e/ou privado que se preocupam em preservar objetos que se relacionam à moda. Como exemplos dessa iniciativa podemos citar os museus, os centros de memória e documentação da moda e as modatecas das instituições de ensino. Esses espaços buscam conservar, armazenar e expor seus acervos, contribuindo para preservar a memória da moda brasileira e disponibilizando, muitas vezes, seus materiais para pesquisas. Nessa linha, a Modateca da UNIVALI, criada em 2010, é exemplo de um espaço onde a memória da moda é mantida e atualizada por meio da guarda e exposição de um rico acervo de artigos de vestuário composto por chapéus, 74


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luvas, gravatas, calças, camisas, jaquetas, calçados, vestidos, entre outros, das mais variadas autorias e épocas. Uma pesquisa em seu acervo oferece, portanto, experiências sensoriais ímpares que jamais serão possíveis de serem vivenciadas apenas com estudos baseados em livros ou revistas de moda. Dessa forma, acredita-se que é a partir destas experiências concretas que o profissional de design pode se alimentar para encontrar fundamentos para a criação de novos produtos de moda. Não se trata, logicamente, de reproduzir um objeto “antigo”, mas de conjugar as informações obtidas com conceitos contemporâneos, elaborando produtos atuais e desejáveis. Conclui-se então, que os estudos no campo da cultura material não precisam apenas suscitar o conhecimento histórico, papel tradicionalmente atribuído às peças expostas em museus ou centros de memória, mas podem servir de inspiração para novas ideias. Portanto, as possibilidades de pesquisa e criação em design de moda, tendo como base esses acervos são infinitas, limitadas somente pela criatividade e ousadia dos pesquisadores.

Referências ALVARADO, Isabel; et. al. Manual de conservación preventiva de textiles. Santiago-CH: Comitê Nacional de Conservación Textil, 2002. ANDRADE, Rita. Por debaixo dos panos: cultura e materialidade de nossas roupas e tecidos. In: PAULA, Teresa Cristina Toledo de (Org). Tecidos e sua conservação no Brasil: museus e coleções. São Paulo: Museu Paulista da USP, 2006. p.72-76. BARROS, José D’Assunção. História da cultura material: notas sobre um campo histórico e suas relações intradisciplinares e interdisciplinares. In: Revista Patrimoniuss. Revista da Universidade Severino Sombra – campus de Maricá. n°1, jul. 2009. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/27946429/Historiada-Cultura-Material%E2%80%93-notas-sobre-um-campo-historico-em-suasrelacoes-intradisciplinares-e-interdisciplinares-Revista-Marica-USS. Acesso em: 16 fev. 2014. BENARUSH, Michelle Kauffmann. Moda é patrimônio. In: VIII COLÓQUIO DE MODA. 2012, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos. Rio de Janeiro, SENAI/CETIQT, 2012. Disponível em: Http://coloquiomoda.com.br/anais/anais/8-Coloquio-deModa_2012/GT06/COMUNICACAOORAL/103446_MODA_E_PATRIMONIO.pdf. Acesso em: 12 out. 2014. CATELLANI, Regina Maria. Moda ilustrada de A a Z. Barueri, SP: Manole, 2003. 75


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PARTE II

COMPORTAMENTO E CONSUMO DE MODA

ROUPA MANIFESTO: RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE MODA NUMA ERA DE MARCAS COM PROPÓSITO – O CASO RONALDO FRAGA Graziela Morelli Maria Eduarda da S. C. de Queiroz MODA FREEGENDER: UMA DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO E AS MARCAS DE MODA Renato Riffel Mario Norberto da Cunha da Silva COMO FAZER A MODA CIRCULAR? ESTUDOS SOBRE A COMPREENSÃO DA ECONOMIA CIRCULAR EM PROJETOS DE MODA NO CURSO DE DESIGN DE MODA DA UNIVALI Graziela Morelli Julia Eduarda Riboli DESIGN, SUSTENTABILIDADE E SOLIDARIEDADE: ATIVIDADES DO PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA ATELIER SOLIDÁRIO (2015-2020) Renato Riffel Luciane Ropelatto Haislan Henrique Maciel Zancanaro Mayra Marina Gislon Wendi Lara Zanella Bruna Stefanes Marques Sequinel Foto: editorial NÔMADE Fotografia: Vanessa Alves (@vanessaalvesfoto). Pós produção: Vanessa Alves (@vanessaalvesfoto) e Daniel Medeiros (@losdosfashionlab). Styling: Carola Santos (@carolacaruda). Assitentes: Maria Carolina Barbosa, Vitória Lorenzoni, Maria Luiza Luchtenberg, Leticia Carneiro. Modelo: Bibiana Guerreiro. Beauty: Ana P. Corrêa. Locação: Estúdio Univali – Campus Balneário Camboriú. Looks: Acervo Modateca Univali.


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ROUPA MANIFESTO: A RELEVÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE MODA NUMA ERA DE MARCAS COM PROPÓSITO – O CASO RONALDO FRAGA

Graziela Morelli Maria Eduarda da Silva Costa de Queiroz

O mundo está passando por um período de grandes mudanças. O consumo, a constante busca pelo novo e o exibicionismo começam a dar espaço para outros valores. O mundo está tomando consciência da dimensão e da gravidade dos problemas gerados pelo consumismo que fez com que as novas gerações passassem a questionar e cobrar uma nova postura das marcas: não mais consumir a qualquer custo e qualquer razão mas buscar saber mais sobre a origem do produto e do processo. Essas questões, junto com as tecnologias que modificaram a forma de fazer comunicação de moda, estão impactando todo o sistema de moda, de sua criação e produção até a comunicação. Desta forma, este trabalho procurou considerar os desfiles como um dos tradicionais meios de comunicação de moda pelas marcas e se propôs a analisar seu papel em marcas com uma abordagem política em seus princípios, ponderando a importância da transparência nesse novo momento. A abordagem foi feita a partir de estudo de caso tomando como referência a marca do estilista brasileiro Ronaldo Fraga, considerado um designer extremamente politizado cuja atuação se estende para além das passarelas. Sendo assim, a presente pesquisa constatou que o comportamento do consumidor está em fase de transição, tornando-se cada vez mais consciente e que a atuação política do estilista em questão contribuiu grandemente para com sua imagem no mercado de moda.

Introdução O consumo tomou proporções desenfreadas, sobretudo nos últimos 20 anos. A busca pelo novo – característica intrínseca à moda – e o advento das redes sociais – cujo exibicionismo alheio estimula o consumo sob o escopo da individuação – fez com que as pessoas passassem a substituir seus objetos com muita rapidez e aparente desnecessidade. Se há poucas décadas, as pessoas costumavam substituir suas roupas a cada semestre, influenciadas pelas novas coleções que saíam a cada temporada, nos dias de hoje, motivadas pela mídia e a chegada do fast fashion, o guarda-roupa é renovado com muito mais rapidez. Contudo, ao mesmo tempo em que o consumo toma proporções desenfreadas, há uma parcela da população que está tomando consciência da gravidade disso. As novas gerações estão cada vez mais preocupadas com a origem dos produtos que consomem, os processos envolvidos e os impactos que causam na sociedade e no meio ambiente. Essa postura do consumidor começa 78


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a gerar uma necessidade de maior transparência das marcas: como a extração dos insumos que compõem meus produtos é feita na natureza? Qual o impacto de tanto dejeto despejado no ecossistema? Quem faz as minhas roupas? Como são tratados os funcionários, terceirizados e “quarteirizados” que as produzem? São remunerados de forma justa? Têm garantias trabalhistas? Em suma, de onde vem e para onde vai o que consumo? Vê-se, portanto, que os consumidores do futuro são muito mais exigentes que seus pais e avós. São eles que promovem a ascensão do capitalismo consciente (CARVALHAL, 2016). O autor reforça essa visão: As pessoas estão se transformando, e o mercado muda junto. Há uma ‘seleção natural’ acontecendo neste exato momento. Acredite, não é à toa que tantas marcas estão passando por dificuldades e até mesmo fechando […] eu disse que a seleção natural das marcas aconteceria por nível de relevância. Que a vida exigiria delas verdade, autenticidade e propósito. Hoje acrescento a essa lista mais uma tag: consciência. (CARVALHAL, 2016).

Frente a essas transformações no comportamento do consumidor, percebe-se que há uma crescente mudança na forma como as marcas e estilistas estão fazendo moda e se relacionando com seus consumidores, criando conexões não só pelo desejo estético, mas principalmente através do seu propósito e postura política. Esses aspectos serviram como ponto de partida para a construção desta pesquisa que foi baseada no seguinte problema: Qual a eficiência dos tradicionais meios de comunicação, principalmente o desfile (das suas formas e dos seus discursos), num momento em que a sociedade passa por tantas transformações e em que a definição de um propósito de existência das marcas de moda mostra-se tão relevante? Assim, optou-se por trabalhar com um estilista brasileiro que, desde 1996 mantém sua marca homônima e teve sua estreia no São Paulo Fashion Week em 2001, com a coleção “Ruth e Salomão”, uma história de amor fictícia entre um judeu ortodoxo e uma cristã, tornando Fraga o estilista cult da moda brasileira. Porém, sua atuação política relacionada à moda se estende para além das passarelas. Garcia (2007) cita uma série de ações realizadas por Ronaldo Fraga longe da mídia: o estilista ministra oficinas de criação a presidiários, menores em situação de risco, idosos e comunidades carentes em várias regiões da América Latina. Atua também como palestrante, professor e voluntário de manifestos sociais, tendo se tornado ídolo de estudantes e artesãos do interior do Brasil. Segundo Garcia (2007, p. 76), Ronaldo usa “[...] a moda e o lirismo como instrumentos de profilaxia contra o comodismo, a baixa autoestima, a pobreza e o caos”. O desfile é a primeira ação das campanhas de lançamento das coleções de moda, é o que dá início à comunicação entre as marcas e o público consumidor. A partir dos desfiles é gerada toda uma dinâmica de midiatização, levando as coleções ao conhecimento do grande público e, por isso, é importante 79


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compreender o sentido que os desfiles tinham e têm para o mercado de moda. Lupetti (2007) afirma que a divulgação, ou comunicação, é parte integrante do processo de marketing das empresas, visando ou o aumento das vendas, ou sua estabilização no mercado. Segundo a autora, é essa comunicação mercadológica a encarregada de divulgar os produtos e serviços da organização, abrangendo todas as formas de comunicação que tenham capacidade de atingir um objetivo de marketing. A autora cita o evento como um dos principais instrumentos desse tipo de comunicação, destacando que estes devem ser elaborados “a partir do quadro sociocultural do consumidor-alvo” (LUPETTI, 2007, p.23). Frente ao exposto e considerando o momento de tantas transformações não apenas no universo da moda e da comunicação, mas impactada principalmente pelos novos comportamentos do consumidor, o objetivo principal deste trabalho é analisar o papel dos desfiles de moda em marcas com uma abordagem política em seus princípios. Sendo assim, esta pesquisa procura identificar o papel do desfile de moda na moda contemporânea frente aos diversos meios de comunicação utilizados; fundamentar as definições de marca com propósito a partir de autores contemporâneos; apresentar dados a respeito das coleções mais recentes de Ronaldo Fraga, e, por fim, relacionar o papel das estratégias de comunicação utilizadas pelo estilista na apresentação e manutenção da imagem de sua marca. Esta pesquisa foi desenvolvida através de um estudo de caso focado na obra do estilista Ronaldo Fraga, abordando seus desfiles mais recentes e sua presença na mídia, de forma qualitativa. Assim, foram apresentados dados bibliográficos e curriculares do estilista, além de investigações sobre os temas citados acima através de fontes bibliográficas, reportagens e publicações digitais. Foram selecionados os últimos cinco desfiles do estilista, realizados na São Paulo Fashion Week, coletadas imagens, assim como comentários e identificação da temática e abordagem criadas para que se pudesse verificar se há uma evidência política no ambiente do desfile. Foram também identificadas imagens na rede social Instagram no perfil do próprio estilista para analisar se as temáticas abordadas em suas coleções são acompanhadas de manifestações através das redes. A partir daí foram analisadas, relacionadas e discutidas frente a problemática inicial.

Desfiles de moda De acordo com Gruber e Rech (2010), o desfile de moda é o evento que expõe os conceitos que sustentam a coleção, com o objetivo de torná-la ainda mais atrativa para seu público alvo. É ele que dá início às ações de marketing a cada temporada e abre o diálogo entre a marca e o consumidor. Para Ginger, Gregg e Duggan (2002 apud GRUBER e RECH, 2010, p.478), “os desfiles ajudam enormemente a formar a imagem individual dos designers, assim contribuindo para a consolidação de seu nome e do conceito de marca.” 80


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Assim, a importância do desfile de moda está na aproximação entre o público – consumidores, imprensa especializada – e a marca, através das coleções apresentadas na passarela. De acordo com Roncoletta (2008, p97): Muitas vezes, o significado de uma coleção e a maneira como é transmitido criam mais impacto do que a própria coleção. A roupa deixou o centro em torno do qual gira o espetáculo para ser o complemento de um objetivo maior, que é a transmissão de uma imagem através de um ou vários conceitos.

Os desfiles de moda funcionam também como veículo de propaganda. Mais ainda, dado o grande interesse que a mídia alimenta por esses eventos, o desfile é um evento que visa, acima de tudo, provocar a publicidade em torno dos produtos que passam por sua grande vitrine, sejam eles produtos materiais – a roupa, a maquilagem, os acessórios – ou virtuais – marcas, conceitos, estilos, comportamentos (AMORIM, 2007 apud GRUBER e RECH, 2010, p.478). Para Giacaglia (2003, p.3), “[...] o evento [...] tem como característica principal proporcionar uma ocasião extraordinária ao encontro de pessoas, com finalidade específica, a qual constitui o ‘tema’ [grifo da autora] principal do evento e justifica sua realização”. A autora destaca ainda os benefícios originados pelos eventos às organizações, como por exemplo: criar uma oportunidade de aproximação com clientes; atingir uma ampla parcela do público alvo de seu interesse por conta do caráter dirigido da ação; transmitir informações e, entre ainda outros benefícios, fazer com que a imagem institucional da organização seja alavancada. Conforme observa Hansen (2008, p.27), estas características e possibilidades “encaixam-se adequadamente aos propósitos dos desfiles de moda, permitindo que estes, então, possam ser conceituados como eventos e, logo, como ferramenta de comunicação mercadológica”. Assim, o desfile de moda pode ser entendido como um evento que, na concepção de Melo Neto (2005, p.13) “[...] mobilizam a opinião pública, geram polêmicas, criam fatos, tornam-se acontecimentos, despertam emoções nas pessoas e fazem do entretenimento a nova indústria do terceiro milênio”. Levando em consideração a fala do autor, pode-se perceber que é a partir desse evento que a moda é colocada em circulação na mídia e no mercado. A dinâmica dos desfiles de moda se modificou desde seu surgimento no início do século XX. Segundo Lipovetsky (1989), inicialmente eles não tinham o mesmo ritmo de criação e apresentação como conhecemos hoje. Seu intuito era mostrar à elite os modelos criados ao longo do ano, variando apenas em função das estações e sem data fixa. Posteriormente, o público alvo desses eventos passou a ser a imprensa e os compradores profissionais, e tornou-se um instrumento de marketing, além de contribuir com a construção de uma identidade mais sólida para o designer ou marca.

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História dos desfiles de moda Desde o princípio, os desfiles de moda eram apresentados numa espécie de peça teatral, com enredo simples. De acordo com Evans (2002), os primeiros desfiles eram monótonos e cansativos, duravam horas. Repetiam-se diariamente ao longo de semanas e eram desordenados. Os desfiles de moda começam a ser mais organizados a partir de “1908 e 1910, para se tornarem verdadeiros espetáculos à hora fixa, à tarde, nos salões das grandes casas” (LIPOVETSKY, 1989, p.72). A datar dos anos de 1950, os desfiles começaram a ganhar mais ritmo. No ano de 1955, Mary Quant, jovem estilista inglesa da época, embalou seu desfile ao som de jazz, num ritmo acelerado, onde foram exibidos cerca de quarenta trajes em 14 minutos. Evans (2002) explica que isso se configurou numa grande mudança frente aos demais desfiles que aconteciam no mesmo período. De acordo com Paula (2009 apud DALLE CORT e MORELLI, 2016), até a década de 1970, não era permitido fotografar os desfiles, sendo assim, os ilustradores dos jornais eram encarregados de esboçar os modelos que seriam publicados. Foi a partir da década de 80 que os fotógrafos de desfile começaram a aparecer. Os desfiles começaram a se tornar verdadeiros espetáculos e aproximavam-se cada vez mais dos concertos de rock com designers no papel de produtores e empresários para organizar desfiles. Segundo Evans (2001, p.6), o estilista Gianni Versace foi um dos maiores responsáveis pela ascensão da supermodelo a celebridade, no final dos anos 80 e início da década de 90. A partir da década de 90, designers como Alexander McQueen e John Galliano passaram a ser notados pelo público e pela imprensa por realizarem seus desfiles de moda em lugares diferentes dos habituais e, por surpreenderem o público na hora das apresentações, baseando-se na estética teatral. Designers mais conceituais como Issey Miyake começaram a destacar suas criações em relação com a arte. Usava espaços incomuns como piscinas e estações de metrô abandonadas. Martin Margiela também saiu das salas de desfile para locais inusitados como teatros, supermercados, depósitos e terrenos baldios. Frente ao exposto, observa-se que o padrão dos desfiles de moda sofreu uma série de mudanças desde sua origem. Como cita Evans (2002, p.64) “mais do que inovação criativa, essa tendência se deve à alteração do papel da imagem como instrumento promocional de marketing, de meados da década de 1960 em diante”. Sendo assim, o desfile é uma ferramenta que pode ser utilizada tanto no contexto do comércio quanto no da construção de uma identidade para a marca. De acordo com Dalle Cort e Morelli (2016), percebe-se que, para “cada mudança

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que a formatação dos desfiles passou, existiu alguma mudança correspondente na sociedade e/ou na indústria da moda”. Hoje, com a facilidade de acesso e a instantaneidade, principalmente através das redes sociais, o mundo da moda têm sofrido muitas transformações. De acordo com Mariotti e Yahn (2016): Hoje, e desde sempre, os desfiles mostram uma roupa, seduzem a mídia especializada (e agora também o consumidor), são destaques em revistas e sites, mas só chegam às lojas no outro semestre. Até lá, a vontade de comprar aquilo que você viu e amou, já passou. E você provavelmente se esqueceu.

A rapidez com que as informações se proliferam, a moda das passarelas chega às ruas e se torna obsoleta, cobrou um outro posicionamento daquele desfile que apresenta uma coleção que chegará às lojas apenas seis meses depois. De acordo com Yahn (2020), “nos últimos anos, muitas marcas têm deixado o calendário de Nova York e experimentado se apresentar em outras cidades”. A autora pontua alguns motivos pelos quais a semana de moda de Nova York está em declínio: No total, há mais de 80 marcas no calendário de Nova York que, ao que parece, ainda está sujeito a alterações. O número parece contradizer quando falamos que a semana novaiorquina está em crise. Um dos problemas é que muitas dessas grifes não são relevantes em termos de moda. Outra questão é que, em algumas datas, chegam a ter de 16 a 20 desfiles por dia, um ritmo impossível para se acompanhar. Portanto, imprensa, compradores, influenciadores, celebridades e a comunidade de moda que acompanha os desfiles precisam sempre escolher entre um e outro.

Yahn (2020) completa: “soma-se a isso o fato de que as equipes de jornalistas que cobrem os desfiles são hoje muito menores. Com budget reduzido, as revistas têm enviado pouquíssimos representantes a viagens internacionais” (YAHN, 2020). Mas a questão não está restrita a Nova York. Se em algum momento a reflexão estava em volta daquilo que era apresentado na passarela e que parecia muito distante da realidade das ruas, hoje talvez o olhar para o desfile seja outro. Num mundo em que as expressões da rua são as mais diversas, o acesso ao consumo é rápido e fácil e a comunicação pelas redes sociais é tão intensa, qual o papel de um desfile de moda? Se, por um lado, vê-se que algumas semanas de moda estão precisando se reinventar, não é possível ignorar o fato de que as grandes marcas ainda investem em desfiles como uma das principais mídias e as semanas de moda são compostas de mais de uma centena de desfiles em poucos dias. No próximo tópico, apresenta-se uma breve trajetória da São Paulo Fashion Week, a maior e mais importante semana de moda brasileira.

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O São Paulo Fashion Week (SPFW) Com o intuito de proporcionar visibilidade a jovens talentos da moda brasileira, em 1994, o produtor de eventos Paulo Borges, em parceria com a empresária Cristiana Arcangeli, dona da marca de cosméticos Phytoervas, criou o Phytoervas Fashion. Desde o início, o intuito era apresentar somente designers e criações brasileiras, pois até aquele momento as tendências nacionais seguiam os padrões europeus. Para Borges, era necessário que uma moda essencialmente brasileira, inspirada na cultura do próprio país, fosse criada e reconhecida. A primeira edição do evento aconteceu em São Paulo, em um galpão da Vila Olímpia e contou com três desfiles, realizados em três dias, pelos estilistas Walter Rodrigues, Sonia Maalouli e Alexandre Herchcovitch. Em 1996, Paulo Borges desligou-se da empresa Phytoervas e fechou outra parceria, desta vez com o Shopping Morumbi. Assim, o evento passou a ser chamado de Morumbi Fashion Week, englobava 31 marcas e era composto por 7 desfiles por dia. No ano de 1999, o canal de televisão norte-americano E! Entertainment Television começou a fazer a cobertura do evento e, nesta mesma edição, a grife Ellus teve participação da modelo inglesa Kate Moss, que desfilou a coleção de verão da marca e atraiu o público e a imprensa. Porém, foi no ano de 2001 que o evento recebeu o nome de São Paulo Fashion Week (SPFW), com o objetivo de consolidar o calendário de moda brasileira. A SPFW passou a fazer parte de um mercado internacional, além de ter contribuído para o desenvolvimento econômico e industrial do setor, e para a profissionalização de estilistas, produtores e toda a cadeia produtiva do mercado de moda. De acordo com Pitta (2019): Atualmente, o SPFW está entre os maiores eventos globais: é a quinta maior semana de moda do mundo e a maior do Brasil, movimentando mais de R$ 5 milhões no mercado nacional. [...] Em suas duas edições anuais, reúne grandes grifes, top models, jornalistas, editores, influencers e celebridades para realizarem negócios, lançamentos, captação de tendências, network e também para badalar.

Ao longo dos anos, aumentou e diminuiu de tamanho, teve mudanças nos locais onde foi realizado e apresentou marcas consolidadas e em ascensão. Nos últimos anos, em vez de ser intitulada pela estação do ano correspondente – primavera/verão ou outono/inverno – passou a ser numerada já que, em função da data em que é realizada, tem marcas desfilando coleções de verão e outras de inverno, dependendo da sua logística de produção e distribuição de coleção ao varejo.

Consumo Político O consumidor, cada vez mais, está tomando consciência de que suas escolhas não impactam apenas na própria vida, mas têm consequências sociais e ambientais também. Isso explica o crescimento do consumo político.

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De acordo com Crane (2011), nos últimos cinquenta anos, diversas sociedades se tornaram “sociedades de consumo”, onde o consumo tem importante papel no estímulo do desenvolvimento econômico. Porém, vários cientistas, cientistas sociais, jornalistas e políticos afirmam que esse nível crescente de consumo é insustentável, sendo que as economias deveriam crescer de maneira estável, ao invés de buscar um aumento contínuo. O consumo da forma como vemos hoje precisa sofrer mudanças, afinal, atualmente os bens de consumo têm sua obsolescência programada a fim de instigar uma nova compra em um curto espaço de tempo. “O significado do consumo para o consumidor deve mudar radicalmente. As bases sobre as quais os consumidores constroem suas identidades sociais através do consumo devem ser reavaliadas” (CRANE, 2011, p.229-230). Para o consumidor político, a escolha de certos produtos significa um posicionamento em relação às suas crenças e opiniões políticas. Crane (2011) pontua que os objetivos do consumo político são compactuar com bens produzidos de modo: ético, que não causam danos a pessoas e animais; verde, que sejam produzidos e descartados de forma que não tragam malefícios ao meio ambiente; e através de comércio justo, adquiridos de países menos desenvolvidos a preços que permitam que o produtor viva de forma decente. Holzer (apud CRANE, 2011, p.234) afirma: “O consumo político significa fazer política por meio do mercado. Não elimina a escolha individual, mas a utiliza para alcançar objetivos políticos”. Carvalhal afirma que (2016, p.77): O momento é oportuno para mudar. Existem grandes forças atuando na alteração do comportamento de consumo, e para mim é o comprometimento com o outro que vai fazer as marcas prosperarem (e se segurarem). Olhe ao redor e veja “a crise”, as campanhas cada vez mais fortes sobre consumo consciente. [...] E ainda tem toda essa onda do capitalismo consciente, que visa recontar sua história, restaurando sua verdadeira essência, a de que o propósito de qualquer empresa deve ter a ver com melhorar a vida das pessoas, gerando valor para todas as partes interessadas (clientes, fornecedores, funcionários e até o planeta).

Desde o princípio, a roupa e a moda cumpriram várias funções como adorno, proteção, diferenciação e legitimação. De acordo com Carvalhal (2016, p.76), “papéis tão importantes que muitas vezes transcendiam a utilidade da peça e que tinham em comum o propósito de servir à vida das pessoas”. Contudo, essa função de servir parece ter se perdido. “A negligência com esse propósito resultou no aumento de deslizes éticos no setor, na queda do faturamento e da reputação de muitas marcas e até mesmo da indústria” cita o autor. O que se vê hoje é um movimento de transformação. Carvalhal (2018) sugere que a moda também está em transição, seja pela ampliação da consciência ou pela falta de dinheiro, o consumo está mudando. Dados de uma pesquisa da Nielsen trazida por Carvalhal (2018, p.318) afirma: “[...]houve queda de 4,7% no número de visitas ao ponto de venda em 2014 (nos anos seguintes 85


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esse número foi muito maior, [...]). Vimos marcas fechando, grupos falindo, outros se juntando. Shoppings querendo se reinventar. O calendário da moda perdendo sentido.” Pesquisadores de tendências e outros autores colocam em pauta o aparecimento de um novo consumidor, em que estão mais envolvidos com a cultura do ser do que do ter. As pessoas são atores e autores de suas próprias escolhas e cada vez menos influenciadas pelo canto da sereia das marcas. Hoje as pessoas se orientam cada vez mais por seus valores (individuais, emocionais, e psicológicos) e sua consciência (pesquise #somostodosmacacos, #maisque20centavos, #quemfezminhasroupas ou #lovewins para ver esse movimento rolando. [...] Estamos cada vez mais (d)espertos e lúcidos para ver a realidade com clareza, compreendendo as reações às nossas ações de curto ou longo prazo. Mais atentos ao que se passa dentro e fora de nós. Valores como o cuidado, o cultivo de experiências e compaixão parecem estar entrando em alta (CARVALHAL, 2018, p.326). Esses consumidores buscam uma transparência das marcas e se comunicam de forma autêntica e direta com elas. É esse consumidor que está atento para o que, como e a origem do que a marca que ele compra faz.

Ronaldo Fraga O estilista Ronaldo Fraga aprendeu a valorizar a cultura e a educação desde cedo, apesar de ser de origem humilde. É formado em Estilismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-graduado pela Parson’s School of Design, de Nova York, além de ter feito cursos na Central Saint Martin’s School of Art and Design, em Londres. Em 1996, lançou sua marca homônima no evento Phytoervas Fashion e no ano seguinte, ganhou o prêmio de Estilista Revelação, pelas coleções “Álbum de Família” e “Em nome do Bispo”, no mesmo evento. Ronaldo Fraga desfilou pela primeira vez no São Paulo Fashion Week (SPFW) no ano de 2001 com a coleção “Ruth e Salomão” inspirada em uma história de amor fictícia entre um judeu ortodoxo e uma cristã, tornando Fraga o estilista cult da moda brasileira. Segundo as informações do site (FRAGA, 2008), em todos os seus desfiles Ronaldo Fraga estabelece um diálogo entre a cultura brasileira e o mundo contemporâneo e os temas de suas coleções-manifesto são sempre mencionados como marcos da SPFW e mesmo da história da moda no Brasil. O estilista se destaca no mundo da moda também por sua estética, que exalta métodos artesanais e tradições locais, sem se preocupar com as tendências que estão em alta ou os apelos comerciais, valorizando a brasilidade e tornando suas peças imunes ao passar do tempo. Sendo assim, pode ser considerado um designer extremamente politizado, como afirma Garcia (apud FRAGA, 2007, p. 71):

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Compartilhando sentimentos coletivos, ele [Ronaldo Fraga] entende a moda como um ato político e se posiciona firmemente diante de fatos que afetam o Brasil contemporâneo. Aborda sem vacilo a desigualdade social e as disparidades decorrentes dela, a influência desmedida da mídia, o multiculturalismo e as chagas não cicatrizadas causadas por sucessivos desmandos governamentais. Tais situações de conflito são traduzidas no uso de técnicas adormecidas, de experimentos caseiros e de matériasprimas triviais.

De acordo com Kalil (apud FRAGA, 2007, p.9), as roupas de Ronaldo Fraga são “inventivas, pouco convencionais, cheias de referências infantis e vagamente nostálgicas. Não entram nesse universo a sexualidade explícita, as tendências fáceis da moda, os apelos comerciais, nenhuma gota de vulgaridade”. Garcia (apud FRAGA, 2007, p.80) acrescenta “divertidas, enigmáticas e enternecedoras, as coleções de Ronaldo Fraga vão embaralhando de vez a tediosa mesmice”.

Os desfiles de Ronaldo Fraga Segundo Kalil (apud FRAGA, 2007, p. 7), “Um desfile de Ronaldo Fraga é esperado com a mesma ansiedade com que se antecipa um espetáculo teatral ou de dança de um grupo do qual se é seguidor fiel e encantado.” Seus desfiles são manifestos sobre temas que o intriga. Ainda de acordo com Kalil (apud FRAGA, 2007, p.7): Ronaldo Fraga não cria roupas para pessoas sem cenário, sem lembranças, sem humor e sem história. Sua força criativa é movida por imagens que vão se transformar em profissões de fé, protestos, festas, celebrações, sons, coreografias e... roupas. Sua moda jamais será apresentada numa passarela branca e clean. Mineiro que é, carrega no olhar e na inspiração o barroco da sua terra, que ele impregna, enfeita e reborda nas peças que desenha e nos desfiles que fantasia.

Para o estilista, a roupa é apenas mais um elemento da peça que será montada na estação em questão. Após a escolha da temática, Fraga cuida pessoalmente da cenografia, trilha sonora, cabelo e maquiagem de seus personagens, para só depois vesti-los. Em função da complexidade, o estilista coordena e participa de cada passo que envolve a criação de seus desfiles, e seus colaboradores dão forma às suas ideias. De acordo com Kalil (apud FRAGA, 2007, p. 8), “O resultado é um desfile-acontecimento que nos leva para algum canto de seus pensamentos, esperanças ou preocupações” e a autora acrescenta “uma produção que poucas companhias de teatro têm no currículo, mas que acontece apenas duas vezes no ano, não dura mais do que fugazes 25 minutos, e nunca mais se repetirá”.

Coleções recentes: Guerra e Paz Sua coleção desfilada na São Paulo Fashion Week N47 foi inspirada na obra de Candido Portinari intitulada “Guerra e Paz” e criticou o discurso de ódio que permeia o país desde 2018. “Se Portinari pintasse a obra ‘Guerra e Paz’ nos dias 87


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de hoje, quais símbolos ele usaria?” foi a questão levantada por Ronaldo Fraga ao final do desfile. De acordo com Estevão (2019), “nos murais originais de Portinari (19031962), a guerra é representada por meio da fome [...], mortalidade infantil e opressão dos políticos. Por outro lado, brincadeiras de crianças, cirandas e música simbolizam a paz”. O estilista traduziu essas metáforas nos capacetes apresentados no desfile. Os adereços, criados por Marcos Costa, também trouxeram reflexões sociais: “bandeiras LGBT rasgadas, cabeças de animais, livros ensanguentados e armas atirando flores, além de pombas brancas. Para o estilista, todos os detalhes são elementos que o pintor levaria aos seus quadros nos dias de hoje” (ESTEVÃO, 2019). Ainda segundo o site (ESTEVÃO, 2019): Além dos acessórios artísticos, o crochê, os sapatos com solado de madeira e as matérias-primas dão um charme bastante brasileiro à coleção. “A fibra natural está ali, a textura de sacaria, a cultura do café. Você tem o linho, a seda, o algodão, tem uma coisa que parece um paetê e é plástico, [com a qual] foi feito um origami”, disse em entrevista coletiva.

A referência ao café é apresentada na passarela por um tapete de grãos do fruto. Segundo Estevão (2019), “Portinari costumava retratar a escravidão e o trabalho pesado dos negros no cultivo do fruto cafeeiro”. Figuras 1, 2 e 3 - Desfile Guerra e Paz de Ronaldo Fraga

Fonte: FFW (2019).

Coleções recentes: As Mudas De acordo com Yahn (2018), a coleção de Ronaldo Fraga para a SPFW N45 foi inspirada na tentativa de reconstrução da tragédia de Mariana: “ela brotou de um encontro com bordadeiras de Barra Longa, cidade mineira afetada pela tragédia de Mariana” pontuou o estilista em um áudio antes do desfile. A autora ainda comenta (YAHN, 2018): 88


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Com imaginação amorosa e fértil, ele transformou Mariana em uma poesia audiovisual. Vestidos simples – no sentido de pureza e inocência – remetem a esse renascer, ornados por bordados aplicados diretamente nas peças em forma de coração e folhas, e um trabalho muito precioso de joias em folhas bordadas feitas pela artista Clarice Borian.

O estilista se uniu às bordadeiras da região devastada pelo acidente, para desenvolver as peças apresentadas na semana de moda brasileira. Segundo Fernandes (2018), nas estampas: fotos de família que as artesãs conseguiram resgatar do meio da lama; mulheres que formam raízes de plantas, que um dia foram típicas da região; sementes e folhas; e peças pretas, símbolo do luto. Ronaldo Fraga comenta: “quis que elas trouxessem para cá os jardins de riquezas que foram devastados” e acrescenta “aposto na reinvenção destes tempos tão difíceis através do poder feminino, aqui representado pelos bordados dessas mulheres” (VOGUE, 2018). Figuras 4, 5 e 6 - Desfile As Mudas de Ronaldo Fraga

Fonte: FFW (2018)

Coleções recentes: As praias desertas continuam esperando por nós dois De acordo com Yahn (2017), depois de apresentar dois desfiles com temas mais pesados, Ronaldo Fraga trouxe o universo da praia – sua marca foi licenciada por uma grife de moda praia de Santa Catarina, a Silvia Schaeffer - para sua coleção da São Paulo Fashion Week N44. Seu desfile foi ao ar livre e a plateia sentou-se em cadeiras de praia com tecido ilustrado por croquis desenhados pelo estilista. A estética das peças é inspirada nos anos 20, segundo Yahn (2017) “época pela qual tem especial apreço”. Fraga apresentou trajes femininos mais fechados e bodysuits masculinos. A autora acrescenta “Os biquínis e maiôs têm detalhes lindos de alças cruzadas na frente e nas costas, decotes e recortes bem bonitos sempre em uma combinação de preto, rosa e cobre”. 89


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“Para ir para este lugar hoje, você tem que ir de braços dados com a tecnologia”, Ronaldo pontua. As peças trazem a tecnologia da costura supersônica (YAHN, 2017): [...] usada pela primeira vez em um maiô do nadador Michael Phelps nos Jogos Olímpicos de 2008. Não tem agulha nem linha, a costura é feita pela temperatura. Nada de estampas ou bordados: todos os efeitos são criados através desse método e com bom acabamento. A empresa já fez trabalhos para Moschino, Paul Smith e Ted Baker e hoje tem uma filial em Santa Catarina.

Ainda de acordo com o site, o casting era diverso e misturou modelos com senhoras e senhores, modelos com pernas biônicas, gordas, barbudos, tatuados… Todos caminhando a bordo de seus novos maiôs, sozinhos ou de braços dados com um par” (YAHN, 2017). Figuras 7, 8 e 9 - Desfile As praias desertas continuam esperando por nós dois de Ronaldo Fraga

Fonte: FFW (2017)

Análise da pesquisa Apesar de constatar que o sistema de moda, incluindo o desfile, esteja em crise nos últimos anos, em busca de novos formatos e sem ecoar tudo aquilo que costumava representar em décadas passadas, no caso do estilista Ronaldo Fraga, o desfile continua sendo um importante meio de comunicação. A apresentação de sua proposta é reforçada pelo ambiente do desfile – não apenas as roupas numa passarela – mas a trilha sonora, cenário, casting (muitas vezes formados por não modelos, mas por pessoas “comuns”) e maquiagem – num momento mágico em que, aqueles que assistem, seja ao vivo ou posteriormente através de vídeos ou nas redes sociais, conseguem perceber a força do discurso, a mágica envolvida na proposta que tem como ponto de partida uma roupa que será vendida, mas que mais do que a roupa, ecoa um ponto de vista, uma opinião transformando a roupa e o momento mágico do desfile num ato político.

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As coleções de Ronaldo Fraga trazem um posicionamento do estilista em relação a diversos temas polêmicos, levando um olhar diferenciado sobre o assunto em evidência. Suas apresentações são marcantes e fazem o espectador refletir sobre o tema abordado. Ronaldo entende a moda como um ato político, e usa seu desfile e suas roupas como porta-voz dos seus questionamentos e da sua posição. O estilista retrata temas que permeiam grupos “marginais”, eventos políticos – guerra de poderes ou de culturas, espaços que deveriam ser democráticos, diversidade, eventos de destruição em massa, entre outros. Sempre com uma abordagem provocativa e o intuito de fazer pensar, “Ronaldo Fraga problematiza uma série de questões, deixando-as abertas à discussão pela mídia e também pelo cidadão consciente, apresentando-se como um agente político em seu campo de atuação” (HANSEN e MORELLI, 2012, p.8). Vê-se o desfile numa marca como a de Ronaldo Fraga o momento auge do lançamento de sua coleção, de seu tema de “combate” naquele período. Mas o tema não fica restrito ao desfile. O estilista faz uso de suas redes sociais pessoais para destacar suas inquietações, suas visões de mundo e complementar e ratificar a importância dos temas apresentados nas coleções. Figuras 10, 11 e 12 - Postagens do Instagram de Ronaldo Fraga

Fonte: @fragaronaldo (2019; 2020)

Sua abordagem política e social não fica restrita ao discurso, seja nas redes sociais ou no desfile, mas nos trabalhos de pesquisa e produção de suas peças em parceria com grupos de bordadeiras, rendeiras e outros tipos de manufatura que são parte da cultura brasileira. Suas andanças pelo Brasil afora renderam-lhe resultados únicos em que trouxeram à tona riquezas do Brasil desvalorizadas pelo tempo ou pela produção e consumo industrial.

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Ao mesmo tempo não nega a tecnologia, mas alia a tecnologia e a tradição, a cultura regional com a imagem global. Percebe-se isso inclusive na escolha de temas, mesmo que nacionais, mas que ressoam em atuais discussões globais.

Considerações finais A presente pesquisa trouxe como base o seguinte problema: Qual a eficiência dos tradicionais meios de comunicação, principalmente o desfile (das suas formas e dos seus discursos), num momento em que a sociedade passa por tantas transformações e em que a definição de um propósito de existência das marcas de moda mostra-se tão relevante? Tendo isso como ponto de partida, o principal objetivo desse trabalho foi analisar o papel dos desfiles de moda em marcas com uma abordagem política em seus princípios. Primeiramente, com relação ao papel do desfile de moda na moda contemporânea frente aos diversos meios de comunicação utilizados, constatase que essa ferramenta de marketing, amplamente utilizada no mercado de moda, tem perdido força nos últimos anos. Percebe-se que as semanas de moda estão em declínio, muitas marcas importantes têm deixado de desfilar nesses eventos, para apresentar suas coleções em outras cidades, mais próximas do seu público, o que faz sentido para muitos designers, como cita Yahn (2020). Outra questão que a autora aponta, é que “em algumas datas, chegam a ter de 16 a 20 desfiles por dia, um ritmo impossível para se acompanhar. Portanto, [...] a comunidade de moda que acompanha os desfiles precisam sempre escolher entre um e outro”. Além de que, de acordo com Mariotti e Yahn (2016), os desfiles seduzem a mídia e o consumidor, porém só chegam às lojas no outro semestre e até lá a vontade de comprar já passou. Contudo, vê-se que o comportamento do consumidor está em fase de transição. O consumo está se tornando cada vez mais consciente, preocupado não só com o meio ambiente, mas também com o impacto social que pode causar, sendo que o consumo político faz política através do mercado, por meio das escolhas do consumidor. Carvalhal (2016) afirma que, com a crise, o que fará as marcas prosperarem é o comprometimento com o outro, sua essência e a geração de valor para todas as partes interessadas. Marcas sem propósito e sem um posicionamento político possuem um discurso fraco e se perdem em meio a tantas possibilidades que o consumidor dispõe, que acabam por desaparecer. O consumidor está cada vez mais atento às suas escolhas, “valores como o cuidado, o cultivo de experiências e compaixão parecem estar entrando em alta” (CARVALHAL, 2018, p.326). Analisando o trabalho do estilista Ronaldo Fraga, nota-se que seu posicionamento político - tanto nos desfiles e coleções que apresenta, quanto nos seus projetos fora das passarelas - faz com que o interesse e o engajamento do 92


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público não se percam. Seus desfiles são esperados com grande ansiedade, e a roupa apresentada nas passarelas é apenas mais um elemento do seu manifesto. A cada temporada, Ronaldo traz temas intrigantes, envoltos em coleções cheias de significados e carregadas de tradições brasileiras. Além disso, o estilista sustenta suas ideias longe dos desfiles, expondo seu posicionamento através das suas redes sociais e também acompanhando projetos sociais com presidiários, menores em situação de risco, idosos e comunidades carentes. Portanto, conclui-se que sua atuação política tem grande peso na manutenção do auge de sua marca. Fraga cria conexões com seu público e com a comunidade através das bandeiras que levanta nas coleções, nos desfiles e além das passarelas.

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MODA FREEGENDER: UMA DISCUSSÃO SOBRE AS RELAÇÕES DE GÊNERO E AS MARCAS DE MODA

Renato Riffel Mario Norberto da Cunha da Silva

Esta pesquisa objetivou identificar, por meio da análise de seis marcas nacionais freegender1, como elas discutem e questionam a normatividade de gênero por meio das suas coleções de moda. Visando dar conta da problemática da pesquisa foram elucidados os conceitos de sexo biológico, gênero, identidade de gênero e sexualidade, assim como foram examinadas as relações entre moda e gênero, com ênfase na teoria de performance de gênero. O estudo da dimensão imaterial das marcas de moda, especialmente a sua dimensão simbólica e suas interrelações com as reivindicações sociais, serviram de base para a análise dos cases das seis marcas nacionais. Com base nos estudos efetuados, observou-se que as marcas de moda pesquisadas oferecem uma importante contribuição para o questionamento das normas de gênero vigentes, constituindo-se num modelo de negócio que ultrapassa as simples questões mercadológicas da moda, abrindo espaço para discutir e reivindicar direitos dos mais variados grupos sociais que compõem a sociedade contemporânea.

Introdução As marcas de moda tornaram-se um fenômeno mundial, o que exige cada vez mais atenção acerca da importância que os consumidores dão a elas. Robic (2012, p.219) afirma que “as marcas extrapolaram os âmbitos estritamente mercadológicos para se tornarem provedores de sentido nos espaços sociais”, tornando-se dessa forma importantíssimo que cada uma delas deva investigar quais as ações e associações que melhor serão comunicadas ao seu público-alvo. Outro fenômeno na sociedade atual, que também tem exigido atenção, é o crescente desafio às normas de gênero, sendo este último um fator produzido e reproduzido socialmente e definido como “classificação pessoal e social das pessoas como homens ou mulheres” (JESUS, 2012, p. 24), que acaba por orientar papéis e expressões de gênero. Estudos contemporâneos, no entanto, reconhecem a diversidade de formas de viver o gênero, não cabendo mais a oposição binária homem ou mulher. Sendo a moda um veículo de expressão da identidade das pessoas, uma linguagem não-verbal por meio da qual as pessoas comunicam sua posição na sociedade e suas relações entre si e, reconhecendo-se a diversidade de formas 1

Gênero livre, tradução literal 96


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de viver o gênero, sua atividade deve dar suporte e colaborar com a expressão singular de cada um, pois como expõe Jesus (2012, p. 32) “sem respeito à identidade de cada um (a) não garantimos a cidadania das pessoas e, silenciosamente, calamos sonhos, esperanças, e aumentamos os desafios que as pessoas têm de enfrentar na vida”. No entanto a moda, corroborou, segundo Arcoverde (2014), com a construção e manutenção de um discurso binário, pois durante séculos desde o surgimento da moda, essa se ocupou com frequência em reforçar o status quo do gênero ao invés de subvertê-lo, mesmo que tenha ocorrido momentos/fissuras dentro da própria trama da moda e da matriz binária para subverter a lógica hegemônica. Assim, segundo essa autora, as roupas inscrevem sobre os corpos distintivos a partir dos quais se pode identificar prontamente o gênero de quem as veste. Em relação ao espectro do gênero, para Oliveira Jr. (2015), desenvolvedor de conteúdo da BOX 1824, “freegender (gênero livre, tradução literal) é uma das classificações que tentam aumentar o espectro do gênero, assim como agênero, transgênero, intergênero, gênero fluído, genderqueer, andrógeno, entre outros”. O termo ainda não é consensual entre os pesquisadores, tornando a adoção ou não desses termos pessoal e variável, porém deve-se compreender que gênero se diferencia de sexo biológico, como também é diferente de sexualidade. Sobre sexualidade Hollander (1996, p. 18) afirmou em 1996 que “poderá chegar o dia em que a sexualidade não será considerada corretamente dividida em duas categorias principais e visualizada no modo de vestir; mas isso ainda está longe”. No entanto, apesar da posição conservadora que tem se manifestado em alguns estratos da sociedade, sinais atuais têm mostrado que isto em breve pode acontecer e na moda cada vez mais as marcas estão desafiando as normas de gênero. Para Carvalhal (2016), as pessoas estarão buscando cada vez mais produtos que estejam de acordo com o que elas acreditam ser coerentes com suas identidades, e não irão querer mais ser definidas por isso. Para ele a sociedade criou formas que não são a favor da vida e a moda, agora, tem a chance de veicular imagens que possam trazer a liberdade à normalidade. Arcoverde (2014), também se posicionou e afirmou que a moda deve estar engajada nessa mudança da cultura, impondo-se ao lado dos novos movimentos identitários contra a limitação dos corpos e transformando-se por meio das diferenças. Considerando-se esse movimento, das pessoas cada vez mais buscando produtos com significados coerentes às suas identidades, e tendo Robic (2012, p. 216) afirmado que “os benefícios emocionais, mais simbólicos, intangíveis e relacionados com o que a marca representa para cada um de seus consumidores passam a receber uma atenção cada vez maior”, pode-se afirmar, resumidamente, que as pessoas estarão procurando marcas que satisfaçam não só suas necessidades físicas, mas também suas necessidades simbólicas.

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Portanto, tendo em vista a dimensão simbólica da marca e o aumento do espectro do gênero, a problemática dessa pesquisa se apresenta com o seguinte questionamento: de que forma determinadas marcas de moda estão propondo a reconfiguração das normas de gênero binário (masculino-feminino) vigentes? Diferentes marcas já se posicionaram contra o binarismo na moda, porém o ponto crucial tem sido de gerar debate, pois esse desafio às normas de gênero é uma reivindicação social que não deve cessar. Se as marcas de moda podem contribuir criticando a reprodução de estereótipos de gênero que desumanizam as pessoas, objetiva-se com essa pesquisa identificar formas de aplicação do questionamento que determinadas marcas de moda fazem às normas de gênero vigentes. Pretende-se que os resultados desta pesquisa sirvam como um guia para futuras marcas de moda, ou mesmo para as que já estejam no mercado, que desejam inovar com a geração de novos modelos de negócio, novos produtos, novos modos de consumo, novas comunicações, entre outras inovações/adaptações. Para alcançar o objetivo desta pesquisa algumas ações foram necessárias: (1) elucidar os conceitos de sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade; (2) investigar as relações entre o gênero e a moda; (3) compreender a imaterialidade da marca de moda; e (4) analisar as marcas nacionais que investiram na moda sem distinção de gênero. Neste artigo, na primeira seção é discutido o conceito de gênero, pois se faz necessário, segundo Arcoverde (2014), desconstruir o laço fictício que une os conceitos de sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade nas estreitas fronteiras binárias. Na segunda seção é abordada a relação entre a moda e o gênero, pois, de acordo com Schneid e Barreto (2017, p. 9), a “relação do gênero com a moda se dá à medida que o vestuário é parte indissociável da vida humana e tem relação direta com identidade”, uma vez que o gênero, assim como a moda, também é suscetível aos fatores socioculturais. Nesse capítulo será abordada, igualmente, a performatização do gênero, sendo a moda uma das formas pela qual o gênero vai se manifestar no corpo. De acordo com Riffel (2011), essa performatização é possível porque as imagens modelares (narrativas fílmicas, literárias, anúncios publicitários e outros) veiculadas em um determinado espaço e tempo dialogam com os sujeitos produzindo significados, efeitos de sentido e processos de identificação que permitem inscrever, nos seus corpos, manifestações/performances de gênero que se destinam à circulação e exibição no espaço público. Na terceira seção, são discutidos os conceitos de valor imaterial e da dimensão simbólica relacionados às marcas de moda. Por fim, na quarta seção, são analisadas grifes nacionais contemporâneas que investiram na produção de uma moda sem distinção de gênero.

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Metodologia Neste estudo, sob o ponto de vista do problema, a abordagem utilizada foi qualitativa, pois segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 70) esta “considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números”. Sobre a pesquisa qualitativa os mesmos autores ressaltam que os dados coletados nesse tipo de estudo são descritivos e que seus pesquisadores tendem a analisar indutivamente sem a preocupação em comprovar hipóteses previamente estabelecidas. Em relação à análise, a abordagem qualitativa é menos formal que a quantitativa, pois “depende de muitos fatores, como a natureza dos dados coletados, a extensão da amostra, os instrumentos de pesquisa e os pressupostos teóricos que nortearam a investigação” (PRODANOV E FREITAS 2013, p. 113). A pesquisa, sob o ponto de vista da sua natureza, é aplicada, visto que “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidos à solução de problemas específicos” (PRODANOV E FREITAS 2013, p. 51). Sob o ponto de vista de seus objetivos, a pesquisa é exploratória que, conforme Prodanov e Freitas (2013), tem como finalidade proporcionar mais informações sobre um assunto a ser investigado. Sobre o planejamento deste tipo de pesquisa os mesmos autores expõem dois aspectos: ser flexível, o que permite o estudo do tema sob diversos ângulos e aspectos; e que a pesquisa exploratória em geral envolva levantamento teórico, entrevistas e análises de exemplos (casos). Os procedimentos técnicos adotados foram: levantamento bibliográfico e webiográfico. O primeiro foi elaborado a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, publicações em periódicos e artigos científicos, enquanto o segundo foi elaborado por pesquisa na internet, especialmente em sites de moda como o portal FFW da UOL, assim como o site da jornalista Lilian Pace e também birôs de tendências. O intuito do levantamento teórico foi de contextualizar os temas abordados na pesquisa, e principalmente o propósito de dar suporte à análise das estratégias de marcas nacionais que investiram em ações vinculadas ao questionamento das normas de gênero vigentes.

Gênero: discutindo conceitos A sociedade produziu e reproduziu culturalmente o pensamento que tende a interpretar sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade como aspectos humanos determinados biologicamente. Entretanto, cada um desses quatro conceitos é independente, mesmo que se relacionem de modo íntimo e entrelaçado. Para um entendimento mais objetivo a respeito desses conceitos, apresenta-se uma tabela organizada por Jesus (2012), que os define da seguinte maneira: 99


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Tabela 1 - Conceitos de sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade.

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Jesus (2012).

Sobre os conceitos apontados, Jesus (2012), expõe que o uso de um vocabulário reconhecido é essencial para valorizar a cidadania das pessoas, pois contribui para o aprimoramento do público sobre a diversidade sexual e de gênero. Ainda sobre o gênero, Scott (1995, p. 86) o define em duas partes: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos; e (2), o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”. Segundo a autora, a atenção dada ao gênero não é explícita, mas constitui, não obstante, uma parte crucial da organização da igualdade e da desigualdade: as estruturas hierárquicas dependem de compreensões generalizadas das assim chamadas relações naturais entre homem e mulher. É importante, sob este aspecto, salientar que embora gênero e identidade de gênero pareçam ter o mesmo significado, estes são diferentes. O gênero com o qual cada indivíduo se percebe pode ser “mascarado”. Logo adiante, será discutida a performatividade do gênero, mas é necessário compreender aqui que 100


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a identidade de gênero “assumida” por cada indivíduo é um ato de manifestação de acordo com as compreensões generalizadas das assim chamadas relações naturais entre homem e mulher, conforme afirma Scott (1995). Em contrapartida, embora os estudos de gênero ganhem força a cada ano, há alguns setores conservadores da sociedade, que são contrárias aos conceitos citados anteriormente. Para elas o sexo biológico define o binarismo de gênero e a heterossexualidade. Recentemente, vários noticiários tem reportado preconceitos e proibições às discussões de gênero, como as que ocorreram no Paraguai em 20172, no Brasil3 e nos Estados Unidos em 20184. Entretanto, as discussões acerca dos gêneros não-binários estão em pauta nos espaços acadêmicos, nas mídias sociais, nos círculos familiares e nos lugares públicos e configuram um fenômeno contemporâneo: o desafio às normas de gênero. Empresas que movimentam trilhões passaram a se adaptar a esse movimento, como o caso do Facebook, maior rede social do mundo, que em 2014 expandiu sua tradicional escolha binária de gênero para 58 opções, entre elas: homem, mulher, agênero, andrógeno, bigênero, genderqueer, gênero em dúvida, gênero fluído, gênero não-conformista, nenhum, neutro, entre outros. A identidade de gênero é ainda um assunto delicado e pessoal, por isso é melhor deixar que cada pessoa diga qual é seu gênero, e as novas opções de gênero como as apresentadas pelo Facebook dão às pessoas a possibilidade de fazer exatamente isso, e assim dar um passo coletivo para que se expandam as conversas sobre o assunto. Quanto à sexualidade, é bem importante para a compreensão do estudo que não se confunda o acrônimo LGBT com identidade de gênero. Essa denominação é usada para especificar uma comunidade, notadamente formada por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. O fato de um indivíduo se classificar como freegender ou andrógeno, por exemplo, não implica que sua sexualidade seja homoafetiva, uma vez que este sujeito pode ser tanto heterossexual, como homossexual ou bissexual ou assexual. Tendo claros os conceitos de sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade, há a necessidade de se entender como o gênero se manifesta nos corpos, e como a moda colabora/colaborou com essas manifestações. Cruzada conservadora contra a discussão de gênero nas escolas, agora também no Paraguai: Ministério da Educação proíbe textos que promovam a igualdade sexual no sistema público do país. Matéria publicada no jornal El País em 28 de dezembro de 2017. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/26/internacional/1514302715_812007.html 3 Projeto de lei que proíbe 'ideologia de gênero' nas escolas é aprovado em Campina Grande. Matéria publicada no G1 em 19 de junho de 2018. Disponível em https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/projeto-de-lei-que-proibe-ideologia-de-genero-nasescolas-e-aprovado-em-campina-grande.ghtml 4 Governo Trump considera banir o reconhecimento oficial da transexualidade. Matéria publicada no jornal O Globo, em 21 de outubro de 2018. Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/governo-trump-considera-banir-reconhecimento-oficialda-transexualidade-23173651 2

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O gênero e a moda A moda é um dos mais importantes meios de expressão da identidade, então trata-se de um meio sensível as discussões sobre gênero, e tem apresentado nas últimas temporadas coleções cada vez menos setorizadas quanto à esta questão. Para Hollander (1996, p. 58) “se a separação visual entre homens e mulheres começa a aparecer demasiadamente simbólica, muito tranquila, muito convencional em vez de dramática, a moda começará a produzir uma perturbação erótica. Mas não, é claro, sempre a mesma”. Para Arcoverde (2014) “longe de funcionar apenas como mecanismo de subversão, como já dito, a roupa serve também (e talvez ainda com maior destaque) ao propósito da manutenção da cultura dominante”. Considerando-se que os valores hierárquicos do feminino e do masculino culturalmente, na sociedade, não são equivalentes, a autora afirmou que “diversos teóricos da indumentária concordam que, durante os últimos séculos a moda feminina ocupou-se em copiar e se inspirar na masculina”. Para a autora é na moda masculina onde está a principal resistência, pois enquanto na moda feminina tornou-se comum o uso de “roupas e acessórios de homens” o contrário não é tão comum e aceito, sendo menos frequente homens usarem “roupas e acessórios de mulheres”. Conforme expõe Riffel (2011), o gênero é fundamentalmente performativo, sendo a moda uma das formas pela qual ele vai se manifestar no corpo em concordância com as imagens modelares (narrativas fílmicas, literárias, anúncios publicitários e outros) veiculadas em um determinado espaço e tempo. Esses modelos imagéticos dialogam com os corpos/sujeitos produzindo significados, efeitos de sentido e processos de identificação, que permitem inscrever nos próprios corpos, manifestações performativas de gênero, que se destinam à circulação e exibição no espaço público. De acordo com Riffel (2011) a formulação de gênero como performance foi proposta pela filósofa Judith Butler (2001; 2008), na sua obra Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, e retomada, na sequência, em Bodies that matter. Riffel (2011) explica a teoria performática do gênero proposta por Butler da seguinte maneira: a filósofa sugere a ideia do gênero como um efeito e, assim, ele se revelaria como uma manifestação da identidade do sujeito e não um sentido em si desse sujeito. Isto é, não haveria a possibilidade da existência de uma identidade de gênero que não fosse manifestada pelas expressões de gênero, e dessa forma, a identidade de gênero seria constituída performativamente. Portanto, se o gênero se articula valendo-se de inúmeras questões sociais, históricas e discursivas, não se deve compreender a performatividade como um “ato” singular ou deliberado, conforme nos alerta Butler (2008), mas em vez disso, como uma prática reiterativa e citacional, por meio da qual sempre 102


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ocorre a reiteração de uma norma ou de um conjunto de normas (BUTLER, 2008, 9. 152-162 APUD RIFFEL, 2011, p. 27). Os corpos/sujeitos podem ser entendidos então, conforme Riffel (2011), como o “suporte material” da aparência onde se constroem significados e efeitos de sentido, e “lugar” em que se constituem os processos de identificação. Para o autor são nos corpos/sujeitos que se constroem narrativas e significações válidas em uma determinada coletividade, ou seja, no qual as performances são citadas e reiteradas no âmbito social, encenando publicamente as significações estilizadas de gênero através da aparência. Visto que o gênero é performativo, e que a moda é uma das maneiras pela qual ele irá se manifestar nos corpos/sujeitos, precisa-se entender como as normas de gênero nos vestuários tanto masculino como feminino se moldaram na configuração atual. Se para o senso comum os homens não costumam experimentar tanto assim como as mulheres, para a historiadora Anne Hollander no seu livro “O sexo e as roupas” a explicação para isso não é tão simples. Sua pesquisa divide grandes marcos na história da moda, começando segundo ela por volta de 1300 quando homens e mulheres começaram a aparecer extremamentes diferentes ao vestir-se. Até essa época, o costume da moda para ambos os sexos “era muitas vezes despistador e móvel, partes dele eram enfunadas, arrastavam-se pelo chão ou oscilavam, ou eram elaboradamente embelezados na superfície para desviar a atenção do corpo real e dirigi-la a todas as possibilidades fantasiosas” (HOLLANDER, 1996 p.67). Sobre essas diferenças das roupas, Hollander (1996), explica que o vestuário masculino foi sempre essencialmente mais avançado que o feminino e inclinado a indicar o caminho, a fornecer o padrão, a fazer as proposições estéticas às quais a moda feminina respondia. A moda masculina então incorporou elementos, atualmente considerados exclusivos do domínio feminino, tais como: maquiagem, perucas, salto alto, calças justas, rendas, bordados, laços, jóias, tecidos coloridos, entre outros. Embora houvesse a diferenciação entre as roupas de homens e mulheres, em ambos os casos a moda era fruto da fantasia e da profusão de detalhes e ornamentos luxuosos. Ainda segundo Hollander (1996), houve um grande rompimento com efeitos duradouros que aconteceu no ofício da alfaiataria durante o reinado de Luís XIV, onde até então as roupas de ambos os sexos eram feitas por homens. Porém: Em 1675, um grupo de costureiras francesas solicitou com sucesso a permissão real para formar uma guilda de alfaiates femininos para confeccionar roupas para mulheres – iriam tornar-se as primeiras modistas profissionais. Luís aprovou, acreditando que a dignidade da mulher francesa seria bem servida com este desenvolvimento, que dava oportunidade ao seu talento, respeito pela sua modéstia e independência para seu bom gosto. Daí em diante cada vez mais, à medida que toda a Europa copiava a moda francesa e os métodos da moda, mulheres vestiam mulheres e homens vestiam homens. (HOLLANDER, 1996 p. 88) 103


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Hollander (1996), prossegue argumentando que, embora esta divisão entre os sexos pudesse parecer às mulheres um primeiro avanço em direção à liberdade, e para os homens uma primeira retirada em direção à servidão monótona da convenção, os resultados psicológicas e sociais, no decorrer dos séculos XVIII e XIX, foram opostos. A confecção de roupas para homens era de fato um assunto sério, eles estavam comprometidos com as inovações na alfaiataria. A autora também afirma que: A base clássica da alfaiataria masculina moderna teve outro efeito duradouro. Exatamente como as antigas estátuas nuas, os homens gradualmente passaram a ter uma aparência similar; e o desejo de parecer assim. A maior uniformidade no vestir entre os homens que caracteriza os dois últimos séculos, em contraste com a variedade encontrada entre as mulheres, começo nesta mesma época. (HOLLANDER, 1996 p. 122)

Assim, o vestuário feminino, segundo Hollander (1996), foi gradualmente percebido de outra forma, e em breve pareceu ser em sua maior parte um domínio fútil das mulheres, que a criavam e a consumiam. Como a moda feminina consistia mais e mais em efeitos efêmeros que mudavam rápida e perceptivelmente, ninguém desprezava os excelentes resultados das mulheres na confecção de bordados e laços, não importa para que sexo fossem confeccionadas. Entretanto, (...) por volta do século XIX, homens que se preocupassem menos com o ajuste e o feitio básico de suas roupas e mais com seus efeitos externos poderiam ser desprezados como efeminados, embora tal tipo de associação jamais tenha sido feito com Henrique VIII ou qualquer outro cavaleiro dos tempos da Renascença. Esta associação também não era ainda automaticamente feita na última metade do século XVII; os diários de Samuel Pepys e John Evelyn estão repletos de interesse pessoal desinibido pelos detalhes da moda masculina. Mas, já em 1714, Shaftesbury afirmava que a arte séria era comprometida pelo interesse excessivo na ornamentação externa. Isto não é um ponto de vista tão revolucionário; mas ele também afirmou que uma sociedade inteira com mais gosto pela arte decorativa do que pela arte séria poderia ser chamada com razão de “efeminada”. (HOLLANDER, 1996 p. 92)

Segundo Arcoverde (2014), foi com o movimento feminista e a luta pelo sufrágio feminino, no final do século XIX, que essa distinção começou a ser questionada pelas mulheres e que, desde então, em períodos espaçados, e normalmente relacionados à ascensão do movimento feminista, observa-se a tentativa de romper com esses códigos sociais tão fortemente representados pelas roupas. O movimento tímido que se iniciou com Amelia Bloomer e o traje Bloomer em 1851 culminou, por exemplo, na difusão completa do uso de calças por mulheres nas décadas de 1960 e 1970. Schneid e Barreto (2017, p. 5-8) traçam um panorama histórico do século XX exemplificando as principais mudanças culturais refletidas sobre os costumes e o vestuário. Algumas considerações, ainda que breves, são 104


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importantes para este estudo: segundo as autoras no início do século XX surge um estilo intitulado de Orientalismo, no qual o costureiro parisiense Paul Poiret estava no centro de tais acontecimentos, e devido à sua associação à cultura oriental suas criações aboliram as anáguas e, mais radicalmente, os espartilhos. Com a chegada da Primeira Guerra Mundial, em 1914, as vestimentas das mulheres foram flexibilizadas e as calças liberadas para as atividades laborais. No entanto, em ocasiões sociais esperava-se que mulheres usassem saias ou vestidos. Ao final da guerra, em 1918, surge um novo estilo denominado Modernismo, que teve como figura principal a estilista Coco Chanel com suas linhas limpas, simples, silhueta andrógina e desprezo por adornos supérfluos. Em 1939, com a chegada da Segunda Guerra Mundial, a moda feminina sofreu inúmeras alterações masculinizando-se. Porém com o fim da guerra em 1945 a moda sofreria novamente grandes mudanças. Em 1947 Christian Dior lança o New Look, o traje que traria muitas controvérsias, pois as saias feitas com metros e metros de tecido aliadas às cinturas extremamente marcadas foram um sucesso na década, mesmo que feministas responsabilizassem Dior por impulsionar um retrocesso nos modos de vestir. Já a década de 1960 foi muito importante para a luta da igualdade de gênero através das vestimentas, sendo neste período lançada a moda unissex. Logo após, no final da década de 1970, surgiu a tribo urbana punk que ficou conhecida por utilizar os mesmos elementos tanto para homens, quanto para mulheres. Os anos 1980 ficaram mesmo marcados com uma forte característica: a irreversível inserção da mulher no mercado de trabalho e para isso o guardaroupa apresentava silhuetas lineares e anguladas, de modo a não enfatizar a feminilidade. Com base nesse panorama do século XX traçado por Schneid e Barreto (2017), é possível identificar momentos em que a performatização de gênero foi manifestada, especialmente em épocas que os códigos de vestuário foram embaralhados, abrindo possibilidades para expressões identitárias múltiplas. Sobre o questionamento às normas de gênero nos dias atuais, Colerato (2016), afirmou que “é uma continuação da luta por objetivos inalcançados dos anos 1960 e 1970: movimentos de direitos sociais, o feminismo, o movimento gay, a comunidade LGBT e a contracultura sempre questionaram papéis de gênero”. Essa reivindicação social tem tido resultados na moda, pois há algumas estações estilistas têm questionado identidade, arquétipos e a posição do homem pós-moderno. Nos últimos anos os exemplos de ousadia no vestuário masculino foram poucos, embora alguns criadores tenham sido subversivos em questionar a normatividade de gênero: Jean Paul Gaultier, Martin Margiela, Comme des Garçons nos anos 1980 e 1990 e, atualmente, Marc Jacobs, J.W. Anderson, Craig Green, Rick Owens e Alessandro Michele para Gucci, assim como o brasileiro João Pimenta.

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Para Espitalié (2015) esta diversidade presente na cena fashion mais recente também é fortalecida pelo despertar da identidade LGBT, sendo que uma jovem guarda de marcas influentes está mais interessada em vestir pessoas e identidades singulares, não corpos “de homem” ou “de mulher”. No entanto, a maneira como a indústria da moda lida com tal demanda pode variar de acordo com cada marca, cada público alvo. Na próxima seção serão abordados alguns aspectos relevantes a se considerar nas marcas de moda e, em seguida, são analisadas marcas nacionais que investiram na moda sem distinção de gênero.

A marca de moda Como já foi dito, as marcas de moda tornaram-se um fenômeno mundial. De acordo com Robic (2012) as pessoas não buscam mais apenas um produto, mas uma marca com a qual possam se relacionar e estabelecer vínculos. Ela afirma que neste cenário, “diferenciar-se apenas pelos aspectos utilitários e funcionais dos produtos não é suficiente para atender às expectativas de consumo”, sendo ainda “mais necessário buscar vínculos fundamentados na imaterialidade que permeia a comunicação da marca” (ROBIC, 2012 p. 215). Ainda segundo Robic (2012), se a roupa é um dos produtos mais intimamente ligados às representações estéticas e de personalidade aspiracional dos consumidores, envolvendo um alto nível de qualificação emocional, “as marcas, funcionariam, então, como lugares de encontro entre o mercado, a autoexpressão dos indivíduos e a moda” (ROBIC, 2012 p. 218). Dessa forma, do ponto de vista da autora citada, para o desenvolvimento de marcas fortes é fundamental construir vínculos emocionais mais profundos, portanto de caráter mais simbólico, em todas as interações comunicacionais entre consumidor e marca. Estes vínculos criam, dessa forma, mesmo que inconscientemente, o valor imaterial da marca. Antes de prosseguir a discussão aqui proposta, é necessário elucidar alguns conceitos sobre a imaterialidade das marcas. Oliveira (2007), sob o olhar da semiótica, diferencia marca, marca-física e logotipo. A autora afirma que “a marca, em si, não possui uma consistência física, pois ela é a dialética entre o material e o imaterial: ela é um conceito” (OLIVEIRA, 2007 p. 65). Segundo a autora, a marca contém todas as características de uma organização, tanto as perceptíveis, como suas instalações, a qualidade de seus produtos, até sua cultura organizacional, quanto as características “abstratas” como a sua reputação e a sua credibilidade. “A marca-física, por outro lado, é o conjunto dos textos concretos, perceptíveis aos sentidos, que contêm o discurso da marca, que só é visível através deles mesmos” (OLIVEIRA, 2007 p. 65). Isto inclui desde o próprio produto, até sua publicidade, passando pela marca, pelo logotipo, pelas embalagens, pelo endereço e pelo layout nos pontos de venda. 106


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Por último “o logotipo é umas das possibilidades de visualização da marca e um dos modos de concretização da marca-física” (OLIVEIRA, 2007 p. 65). Ainda discorrendo sobre a marca, citando Semprini (1996, p.191-193), Oliveira expõe que esta: (...) obedece a uma lógica, compostas por três componentes, que são as capacidades de: (1) construir um sistema simbólico, conferindo uma forma ao sentido e ancorando-o em um sistema de valores, isso porque não se consome apenas um produto: consome-se o sentido, o conceito do produto; (2) articular um sistema de relações partilhadas, celebrando um contrato com um público específico; (3) gerar um princípio de legitimidade em relação a outros produtos similares que, no entanto, não são daquela marca específica. (OLIVEIRA, 2007 p.66)

Dessa forma, a relação dos consumidores com a marca se dará pela sua imaterialidade, tendo Robic (2012, p. 228) afirmado que os consumidores “consideram em suas relações de consumo as características sensoriais, emocionais e estéticas promovidas pelo imaginário da marca”. No entanto, a dimensão simbólica da marca e seu valor imaterial, sofrem interferências dos paradigmas sociais, que são frutos das exigências das pessoas. Segundo Carvalhal (2016) é necessário uma revisão de processos de fabricação e matérias-primas, comunicação e modelos de negócio, para que estes entrem em concordância com os requisitos da nova era que se aos poucos se manifesta. O desafio da marca de hoje, para o autor, é questionar premissas produzidas pela primeira revolução industrial, como fica claro na tabela abaixo: Tabela 2 - Revolução Industrial X Nova Revolução Industrial.

Fonte: CARVALHAL (2016 p.304). 107


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Para Carvalhal (2016), são as mudanças externas, proporcionadas pela revolução digital e da consciência, que já estão demandando a transformação da indústria e darão origem cada vez mais a novos modelos de negócios e novas relações entre pessoas e marcas. Para o autor, daqui para frente, esta reconfiguração dos sistemas produtivos será reflexo da reconfiguração da sociedade. O portal de conteúdos Ponto Eletrônico (2016), da empresa BOX1824, aponta em suas análises que consumidores complexos e paradoxais estão fazendo as empresas repensarem suas formas de segmentar o mercado. Isto é, as segmentações clássicas, quase sempre pautadas em classificações demográficas como classe social, região, faixa etária ou gênero estão se tornando ultrapassadas. Nos conteúdos analisados, novas tendências como TRANScenGENDER5, YouthMode6 e Unclassed7 materializam valores emergentes nas dinâmicas sociais, e justificam a morte do clássico target. É nessa nova fase que surgem marcas e designers que abrem espaço para a discussão do gênero, tanto no exterior como no Brasil. No nosso país, algumas marcas nesse segmento ganharam destaque nos últimos anos, desfilando no maior evento de moda do país, o São Paulo Fashion Week.

Moda freegender no brasil Nos últimos anos o questionamento às normas de gênero tem recebido cada vez mais espaços na indústria da moda, que acompanha as transformações sociais e culturais, resultando na criação de marcas que querem compreender a fundo este novo momento da sociedade. Assim, além de levantar uma importante bandeira na luta das minorias por representação, a moda sem distinção de gênero propõe um novo formato para pensar o mundo fashion. Adotar a estética freegender significa, na prática, dar ao consumidor o livre poder de escolha, desapegando-se de preconceitos e classificações do que é ser “masculino” ou “feminino”. Aqui no Brasil, a resposta a este movimento tem sido fugir de antigos rótulos e procurar por novas representações. São exemplos de marcas que seguem essa linha: Handred, Beira, Another Place, BEN, Ocksa e Cem Freio. Na sequência, busca-se fazer uma análise sucinta das principais características dessas marcas, objetivando ter um melhor conhecimento sobre esse mercado. As informações foram compiladas a partir de materiais publicados

TRANScenGENDER – um ensaio sobre a verdade. Matéria publicada no portal Ponto Eletrônica em 04 de dezembro de 2015. Disponível em http://pontoeletronico.me/2015/transcengender/ 6 Morte da idade declarada pela moda. Matéria publicada no portal Ponto Eletrônico em 31 de outubro de 2014. Disponível em http://pontoeletronico.me/2014/morte-da-idade/ 7 Comportamento unclassed: entenda a mudança na antiga pirâmide social do consumo. Matéria publicada no portal Ponto Eletrônico em 07 de novembro de 2015. Disponível em http://pontoeletronico.me/2015/unclassed-behavior/ 5

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na internet, sendo em sua grande parte do portal FFW da UOL, assim como o site de Lilian Pace. A marca Handred, de André Namitala, trabalha com roupas agênero com modelagem ampla, investe na alfaiataria e nos tecidos naturais, como linho, seda e viscose, criando peças que têm aspecto fresco e confortável. Com a Handred, André já desfilou em plataformas que põem luz sobre jovens criativos, como Casa de Criadores e Veste Rio. Para André, criador da marca, em uma entrevista ao portal FFW, seu público alvo são pessoas ligadas à arte, cultura e espiritualidade. A marca, que investe nas modelagens mais amplas, pelos tamanhos únicos e também do PP ao GG, contempla perfis variados, com o diferencial de fazer ajustes para o cliente na sua loja própria, sem custo adicional. Suas coleções podem ser encontradas em lojas multimarcas por todo o Brasil, sendo lançadas duas por ano (verão e inverno) e uma coleção cápsula entre elas, o que totaliza de quatro a cinco coleções por ano. A produção é totalmente interna, dentro do ateliê e sob a supervisão de André, desde a aprovação da peça-piloto, passando pela revisão da costura e a remessa para as costureiras, assim como o processo com as lavanderias. Em entrevista ao portal FFW (2017), André Namitala afirmou que quer permanecer com uma produção pequena, e sobre os próximos passos contou a vontade de ter uma revista da marca com tiragem semestral, ligada à fotografia e moda, com a participação de vários amigos que trabalham em diferentes segmentos. Outra marca, a carioca Beira de Lívia Campos, estreou na edição Nº45 do São Paulo Fashion Week, mas já havia participado de evento na Veste Rio e do projeto Estufa, também uma iniciativa do SPFW que coloca em pauta questões que permeiam os processos, as inovações e o futuro do setor. Criada em 2014, a Beira é uma das grifes mais promissoras da nova geração no Brasil, sendo que já exporta grande parte de sua produção. As peças atemporais da marca podem ser encontradas em lojas multimarcas como Pair, Choix e Void, já que no momento da pesquisa observou-se que que a marca não possuía ecommerce nem loja física. Com duas coleções por ano para a Beira, Lívia Campos cria peças sem designações como feminino ou masculino. São looks monocromáticos, com modelagem ampla em tecidos de fibras naturais como seda, algodão e seda ecológica. Oferecendo artigos funcionais, o foco é na construção das modelagens, uma vez que a intenção da Beira é que o avesso seja tão interessante quanto o verso, segundo relatos da proprietária. Lívia Campos, em entrevista ao portal FFW (2018), contou que o nome da marca exemplifica à beira de algo, quando uma coisa está à margem da outra, o limite entre uma coisa e outra, um meio termo, num lugar que ambas as possibilidades coexistam. Para a criadora, na mesma entrevista, as pessoas que gostam da Beira têm perfis diferentes: é uma mulher mais madura que vai gostar de uma roupa mais larga, que não vá delinear tanto seu corpo; ou o cara mais novo que quer se arriscar um pouco ao 109


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se vestir. Seus looks nunca apresentam estampas. A Beira está localizada em um ateliê no Rio de Janeiro, no bairro Botafogo, sendo que o seu processo de produção também é interno. Conforme os dados coletados, toda a equipe da marca trabalha junto, sendo que todas as costureiras também colaboram com o processo, desde a criação até produção, pilotagem e encaminhamento dos pedidos. Já a marca BEN, do estilista Leandro Benites, integrou o line-up oficial da Casa de Criadores em 2015, evento onde tem desfilado desde então. As roupas da marca são totalmente unissex, empregando modelagens amplas e confortáveis, com muitas texturas e shapes inusitados, de mood minimalista e urbano. Após atuar como estilista de outras marcas, o gaúcho Leandro Benites resolveu apostar em suas próprias criações, levando para a grife a aplicação de experimentos, processos artesanais e tecnológicos. Segundo relato encontrado no site de Lilian Pace (2018), foi desse desejo que nasceu a BEN, que derruba estereótipos ao apostar em roupas unissex, e se propõe a realizar “uma viagem de descobertas, muito mais do que vestir pessoas”. O preto e branco agênero são característicos da marca, mas algumas peças ganham tons pastel, off-white e toques vibrantes de cor, acrescentando-se ainda uma pegada utilitária e espacial. A marca Cem Freio de Victor Apolinário, que também trabalha com a questão do não gênero, tem ganho espaço em publicações como FFW, Elle e Harper’s Bazaar. Em entrevista ao portal FFW (2016), o criador, que é também militante dos movimentos pelos direitos dos negros e dos gays, explicou que o nome da marca surgiu de uma brincadeira que faziam com ele, que sempre foi “sem freio”. Com foco em looks utilitários, as coleções são para ressignificar o corpo unissex, não usando nada sintético, somente tecidos 100% algodão. Além das roupas para o dia a dia, encontradas em lojas multimarcas, a marca também oferece peças personalizadas, que são feitas por encomenda e pintadas à mão. Buscando ser uma plataforma para a representatividade negra, a grife também busca valorizar a presença de colaboradores negros, dos modelos aos maquiadores, assim como o stylist. Outra marca, a recifense AnotherPlace, que estreou na Casa de Criadores em 2017 e tem como sócios Rafael Albuquerque, Kika Pontual e Caio Fortes, aposta no visual sem gênero confortável. No geral, são peças básicas, com boa modelagem e em cores sóbrias, como preto e branco. Segundo o portal FFW (2016), o nome da grife, que comunica o sair do lugar comum, nasceu da experiência dos sócios, que costumavam usar as roupas um do outro. Há também uma aposta na linha infantil, com bodies e calças em preto e branco, com a intenção de repensar a velha ordem de identificação em que meninas devem usar rosa e meninos azul. Sem se preocupar com tendências, os looks monocromáticos às vezes ganham cores (laranja, rosa, roxo), mantendo se fiel ao espírito urbano que flerta com o esportivo. Outra aposta da marca é o underwear, feito para “aparecer”, que desde o início fez a fama da AnotherPlace. 110


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Na região sul do Brasil, a marca Också com sede em Porto Alegre, tem como sócios Igor Bastos e Deisi Witz, fazendo uma moda global com pegada escandinava. Också é uma palavra que em sueco quer dizer “também”, “igualmente”. Em entrevista ao portal FFW (2015), a dupla proprietária explica que a palavra ganhou um significado próprio, “aquilo que tem o poder de somar”. A Också foi uma das cinco marcas selecionadas para o Rio Moda Hype Outono/Inverno 2014, que aconteceu no fim de 2013. Desde então, já apresentaram seu trabalho em semanas de moda internacionais, como Berlim e Vancouver e foram semifinalistas do concurso MUUSE x “Vogue” Itália. A dupla mostra que está antenada com o que de mais novo vem acontecendo na moda, ao criar roupas que não são feitas para homens ou para mulheres. A moda unissex e atemporal de corte quase contestador, ensaiando também passos na tendência do slow fashion e do lowsumerism: em vez de duas coleções por ano, eles elegem um tema anual que contará com peças para dias quentes e outras para dias frios, mas ao final todas elas se combinam, o que aumenta as possibilidades de uso para o consumidor. Segundo o portal FFW (2015), os looks da grife podem ser encontrados nas multimarcas Pandorga, em Porto Alegre, e na Cartel 011 em São Paulo.

Análise dos dados Há alguns anos as marcas de moda extrapolaram os âmbitos estritamente mercadológicos e se tornaram provedoras de sentido nos espaços sociais. Concomitantemente, outro fenômeno que também tem exigido atenção é o crescente desafio às normas de gênero, sendo necessário desconstruir o laço fictício que une os conceitos de sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade nas estreitas fronteiras binárias, segundo afirma Arcoverde (2014). Mesmo que a indústria da moda tenha contribuído para manter a norma hegemônica de gênero por um longo tempo, nota-se que na contemporaneidade houve fissuras nessa matriz binária, visto que muitas marcas vem subvertendo essa lógica. Desse modo, o desafio às normas de gênero resultou no realinhamento de alguns setores da moda nos últimos anos, surgindo a chamada moda sem gênero ou agênero ou freegender (gênero livre, tradução literal), aumentando assim as classificações do espectro de gênero. Se, segundo Arcoverde (2014), a moda deve estar engajada na mudança da cultura, impondo-se ao lado dos novos movimentos identitários contra a limitação dos corpos, a problemática desse estudo foi investigar como esse processo ocorre na atualidade, buscando analisar de que forma determinadas marcas de moda estão propondo a reconfiguração das normas de gênero binário (masculino-feminino) vigentes. Carvalhal (2016), tendo afirmado que as pessoas estarão buscando cada vez mais produtos que estejam de acordo com o que elas acreditam ser coerentes com suas identidades, mostra que a imaterialidade da marca e sua dimensão 111


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simbólica é cada vez mais importante. Já Robic (2012), com a afirmação de que as marcas funcionam como lugares de encontro entre o mercado, a autoexpressão dos indivíduos e a moda, denota que as pessoas estarão procurando grifes que satisfaçam não só suas necessidades físicas, mas também suas necessidades simbólicas. Diferentes marcas já se posicionaram contra o binarismo na moda. Porém, o ponto crucial para elas tem sido gerar debates sobre essa temática, pois o desafio às normas de gênero vem se tornando uma reivindicação social que não deve cessar em breve. Assim, sendo a moda um dos mais importantes meios de expressão da identidade dos sujeitos, torna-se um campo privilegiado para essas discussões, apresentando nas últimas temporadas diversas coleções que se mostram cada vez menos setorizadas quanto às binaridade de gênero. Os proposições de Butler (2001), afirmando que o gênero é performativo, assim como os argumentos de Riffel (2011), referindo-se à moda como uma das formas pela qual o gênero vai se manifestar no corpo em concordância com as imagens modelares veiculadas em um determinado espaço e tempo, corroboram com a ideia de que a aparência opera como uma espécie de identificação/exposição, que permite inscrever nos corpos dos sujeitos manifestações de gênero. Essa “manifestação” implica um investimento na aparência que se compõe sobre e pelo corpo, sendo este o suporte em que se constroem narrativas e significações válidas em uma determinada coletividade, ou seja, no qual as “performances” de gênero são citadas e reiteradas no âmbito social. Quanto ao questionamento às normas de gênero na atualidade, Colerato (2016), afirmou que eles ainda são “uma continuação da luta por objetivos inalcançados dos anos 1960 e 1970: movimentos de direitos sociais, o feminismo, o movimento gay, a comunidade LGBT e a contracultura sempre questionaram papéis de gênero”. Em concordância, Espitalié (2015) afirma que essa diversidade presente na cena fashion mais recente também é fortalecida pelo despertar da identidade LGBT, onde novas marcas influentes se mostram mais interessadas em vestir pessoas e identidades singulares, não corpos “de homem” ou “de mulher”. Considera-se também que, atualmente, faz-se ainda mais necessário buscar vínculos com o consumidor, fundamentados especialmente na imaterialidade que permeia os valores da marca. No entanto, a dimensão simbólica da marca, ou seja, seu valor imaterial, sofre interferências dos paradigmas sociais vigentes que são frutos das exigências sociais de cada época. Dessa forma, a maneira como a indústria da moda lidará com o desafio às normas de gênero, poderá variar de acordo com cada momento e cada sociedade. Contudo, há que se considerar que os consumidores complexos e paradoxais contemporâneos estão fazendo as empresas repensarem suas formas de se relacionar com o mercado. Nesse cenário, as propostas para uma moda

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sem distinção de gênero se apresentam como um novo paradigma para os negócios do mundo fashion. Conforme exemplificado, além de levantar uma importante bandeira na luta das minorias por representação, a resposta das grifes brasileiras à esse movimento tem feito surgir propostas que buscam novas formas de se relacionar com o consumidor, seja por meio das peças ou por meio do posicionamento da marca, à exemplo do que já fazem a Handred, a Beira, a Another Place, a BEN, a Ocksa e a Cem Freio. As apostas dessas marcas analisadas tem sido a modelagem ampla, atemporal, tendo como base a alfaiataria e o uso dos tecidos naturais. Outro aspecto semelhante entre essas grifes é a produção interna em pequena escala, fazendo quase tudo dentro do ateliê, com a supervisão dos criadores. Peças monocromáticas sem designações como feminino ou masculino, de modelagem confortável e estilo minimalista, também são aspectos que assemelham as propostas das marcas analisadas. Outras proposições também contemplam looks básicos e unissex, utilizando uma cartela de cores neutras com predomínio de preto e branco, com momentos em que ocorre a inclusão de cores vibrantes. Algumas das grifes apostam em roupas utilitárias, urbanas, que flertam com o esportivo. Um outro aspecto em comum entre as marcas analisadas é o engajamento com causas sociais atuais, priorizando temáticas como a sustentabilidade, a representatividade negra e o feminismo.

Considerações finais Com base nos estudos efetuados observou-se que as marcas de moda podem contribuir com o questionamento às normas de gênero binário vigentes, abrindo espaço em suas coleções e em seu engajamento para discussões sobre essa temática. Conforme as análises efetuadas e após o estudo das marcas já citadas, observou-se que há espaço para crescimento dessas propostas no campo da moda, uma vez que a afirmação da diversidade tornou-se um assunto recorrente na mídia e observa-se, no mundo contemporâneo, a emergência de consumidores complexos e paradoxais interessados mais nos propósitos das grifes do que na materialidade das suas peças de vestuário. As seis marcas de moda analisadas (Handred, Beira, BEN, Cem Freio, AnotherPlace e Ocksa), parecem buscar trilhar esse caminho, na medida em que se posicionam nas causas sociais e ambientais e apresentam propostas que questionam as normas de gênero vigentes, abrindo espaço para a diversidade e para a construção de uma imagem simbólica em sintonia com o consumidor contemporâneo. Considerando que as análises efetuadas envolvem uma ampla gama de assuntos ainda em desenvolvimento, sobretudo os relacionados à moda 113


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freegender, almeja-se que os resultados aqui apresentados possam inspirar criações de novas marcas de moda em concordância com esse “novo” momento da sociedade. As seis grifes analisadas neste estudo apontam alguns caminhos que se podem seguir. Cabe aos designers de moda levar adiante essas discussões, formatando suas criações em sintonia com os desejos e sonhos do mundo contemporâneo.

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COMO FAZER A MODA CIRCULAR? ESTUDOS SOBRE A COMPREENSÃO DA ECONOMIA CIRCULAR EM PROJETOS DE MODA NO CURSO DE DESIGN DE MODA DA UNIVALI

Graziela Morelli Julia Eduarda Riboli

O debate a respeito do impacto que a indústria da moda gera no meio ambiente tem se ampliado nos últimos anos e as iniciativas são variadas na busca de soluções para este problema. Processos de produção como o fast fashion oferecem um produto de moda barato e que é rapidamente descartado e substituído ao chegar nas mãos do consumidor. Essa prática, considerada um processo linear de extração, produção e descarte gera um impacto ambiental ocasionado pela própria produção da indústria têxtil. Tal situação requer uma abordagem diferenciada da tradicional no ensino em Design de Moda e nas disciplinas de projeto, fazendo com que os acadêmicos possam se aperfeiçoar em processos de desenvolvimento de produtos de moda que considerem o contexto sócio-econômico-ambiental de maneira responsável a fim de adotar uma proposta realmente sustentável para seus projetos. Considerando o ciclo de vida dos produtos de vestuário e a necessidade de se reverter este quadro, principalmente a partir dos profissionais de moda, desenvolveu-se a pesquisa que propôs-se a investigar alternativas para a moda circular a partir da interação com os acadêmicos do Curso de Design de Moda da Univali nas disciplinas de Projeto. Através de uma pesquisa qualitativa foram obtidos dados com acadêmicos do curso e desenvolvidos materiais que possam ser usados como estratégia para maior interação dos estudantes com o processo de design sustentável.

Introdução A indústria têxtil é considerada uma das maiores áreas industriais do planeta, movida especialmente pela venda de roupas. E é também, de acordo com Hawken (FLETCHER, 2011), um dos produtos que mais recebe divulgação nos dias atuais. Em todas as cadeias de produção e consumo são gerados impactos ambientais, principalmente se os produtos forem descartados de forma errônea se transformando em lixo, ou seja, um problema ambiental que deve ser minimizado e revertido. No setor têxtil, no entanto, a discussão sobre o destino dos produtos após uso ainda é recente, não há regulamentação estabelecida para

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definir o que deve ser feito com os produtos quando descartados (SCHULTE; LOPES et al, 2014). Nos últimos anos, o debate a respeito do impacto que a indústria da moda gera no meio ambiente tem se ampliado e as iniciativas são variadas na busca de soluções. Pesquisadores como Alison Gwilt, Elena Salcedo, Kate Fletcher, para comentar apenas os mais conhecidos, têm se debruçado em buscar novos modelos para a indústria de moda, que passa, certamente, pela mudança de valores e hábitos dos consumidores também. Além destes com o foco na indústria da moda, outros têm procurado apresentar dados e trazer soluções para diminuir o impacto desse setor. Para citar apenas dois: A Fundação Ellen MacArthur estabeleceu-se em 2010 com a missão de acelerar a transição rumo a uma economia circular. “Desde a sua criação, a Fundação se tornou uma das líderes globais de pensamento, inserindo a economia circular na agenda de tomadores de decisão em empresas, governos e na academia” (MACARTHUR FOUNDATION, 2019). A Fundação apresentou em 2017 o relatório 'A new textiles economy: Redesigning fashion's future' que procura estabelecer uma visão positiva, ambições e linhas de ação para uma 'nova economia têxtil' - inspirada nos princípios de uma economia circular - eliminando os impactos negativos da indústria por princípio e capturando uma oportunidade econômica ao transformar o design e os modelos de venda e uso das roupas (MACARTHUR FOUNDATION, 2019). O segundo exemplo é o Movimento Fashion Revolution, impulsionado pelo desabamento do Rana Plaza, em Bangladesh, em 2013, que causou a morte de 1.134 trabalhadores da indústria de confecção e deixou mais de 2.500 feridos. O Fashion Revolution tem repercussão mundial, acredita no poder de transformação positiva da moda, e tem como principais objetivos conscientizar sobre os impactos socioambientais do setor, celebrar as pessoas por trás das roupas, incentivar a transparência e fomentar a sustentabilidade (FASHION REVOLUTION, 2019). Segundo Gwilt (2014), o ideal da indústria da moda deve ser deixar para trás um modelo que se baseia única e exclusivamente na obtenção do sucesso econômico a partir da produção de produtos para passar a considerar, por exemplo, combinações de produtos e serviços que incluam os serviços de aluguel e conserto e os projetos para devolução. Isso significa repensar todo o sistema, que inclui não apenas a extração das matérias primas e o ciclo de produção, mas inclusive o período em que o produto está nas mãos do consumidor - durante e após o uso. Carvalhal (2018), no último livro de sua trilogia “Viva o fim”, aborda uma série de autores que estão repensando a lógica da sociedade ocidental e capitalista e, afirma que o sentido linear de produção industrial de “extrair, transformar, descartar”, na qual o modelo de crescimento econômico foi baseado está atingindo seus limites físicos. Essa questão acaba movimentando não apenas a demanda industrial, produtiva e dos consumidores (que a princípio 118


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estão na ponta do processo) mas também os designers e todos os profissionais que estão envolvidos no desenvolvimento dos objetos que são produzidos, vendidos e descartados. Todos esses aspectos fazem parte da construção do problema de pesquisa elaborado para este projeto, que se apresenta como uma continuidade do projeto intitulado “Para onde vão as roupas que são jogadas fora? Um estudo sobre como se compra, usa e descarta roupas em Balneário Camboriú” desenvolvido pela mesma equipe ao longo do ano de 2018 e que buscou traçar um perfil da comunidade acadêmica da Univali de Balneário Camboriú a respeito da relação com as roupas - desde a compra, o uso e o descarte. Através da pesquisa desenvolvida, percebeu-se a importância de trabalhar um olhar para dentro da formação do designer de moda, que está incluído no processo. Se, no primeiro momento pode-se ter um diagnóstico do comportamento do público para com as roupas, identificou-se a necessidade de compreender e conscientizar quem está envolvido com a criação e desenvolvimento de novos produtos, não apenas na questão estética mas incluindo os formatos de novos negócios e estratégias de comunicação. Desta forma, considera-se o tema muito apropriado e atual para discussões dentro do curso de Design de Moda e, tomando como base a formação do designer para lidar com a pesquisa e o estudo de todo o ciclo de vida do produto, tomou-se o tema como relevante para um projeto de iniciação científica, sugerindo inclusive que, no futuro, os processos de desenvolvimento de produtos devem se transformar intensamente nesse sentido e devem ser tratados desde já com os acadêmicos. O estudo iniciado no ano anterior com a comunidade acadêmica fez perceber que, mesmo que a informação a respeito do impacto ambiental e social da indústria da moda circule em diversos níveis, na prática a maioria das pessoas - seja estudantes, professores, funcionários ou comunidade consomem, usam e descartam roupas sem uma grande preocupação. Percebe-se que há interesse mas ainda não se tem clareza do que e como fazer. O mesmo vale para os estudantes em seus processos de desenvolvimento. Considerando o ciclo de vida dos produtos de vestuário atualmente e os impactos que a indústria da moda gera, além do descarte inadequado e má utilização das roupas tanto na indústria como nas mãos do consumidor, e, em contrapartida a necessidade de se reverter este quadro, principalmente a partir dos profissionais de moda, gerou-se a seguinte pergunta de pesquisa: Como os estudantes de Design de Moda da Univali estão se envolvendo na busca de alternativas para reduzir o impacto da indústria da moda? De que forma o tema é discutido? Os projetos desenvolvidos pelos alunos consideram a necessidade de uma proposta de economia mais circular? O objetivo geral desta pesquisa foi investigar alternativas para a moda circular a partir da interação com os acadêmicos do Curso de Design de Moda da Univali nas disciplinas de Projeto. Levando em conta o tema como forma de 119


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estudo, de debates e do interesse mútuo entre os acadêmicos, manifestou-se a importância de trabalhar o assunto moda circular entre os profissionais da área, fixando-o em seus cotidianos, para assim, gerar desdobramentos significativos na cadeia mercadológica futura. Os objetivos específicos foram definidos como: levantar dados a respeito das características dos projetos desenvolvidos pelos acadêmicos do curso de Design de Moda nas disciplinas de projeto em relação a economia circular; compreender, através de coleta de dados entre os acadêmicos do curso, de que forma o tema é abordado nas questões metodológicas e estratégicas dos projetos desenvolvidos; sistematizar informações a respeito das teorias de economia circular e suas escolas de pensamento; construir formas de divulgação e debate dessas teorias para com os acadêmicos no intuito de ampliar a compreensão e aplicação em projetos. A partir dos objetivos estabelecidos foram definidos os procedimentos metodológicos. Além de uma pesquisa sobre métodos, processos, ferramentas e técnicas que estejam disponíveis em materiais científicos e/ou de aplicação projetual relacionados a economia circular, design sustentável, moda sustentável, entre outros, a pesquisa contemplou também uma pesquisa de campo realizada junto a acadêmicos do curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí. A coleta de dados junto aos acadêmicos se deu através da organização de um grupo focal, com o intuito de apresentar e debater a respeito das metodologias e resultados obtidos nos projetos de produtos de moda dentro das disciplinas. Os estudantes selecionados já passaram por disciplinas de projeto e estavam matriculados em períodos diversos. Nesse sentido, pode-se afirmar que a pesquisa é qualitativa e considerada aplicada pois o objetivo foi, a partir da análise dos dados, estruturar informações, ferramentas e exemplos ligados a economia circular que pudessem ser apresentados e debatidos junto aos acadêmicos procurando fortalecer uma prática de projeto. Considerando os resultados obtidos através da pesquisa realizada no ano anterior, destaca-se a necessidade de debater e ampliar os conhecimentos dos acadêmicos e futuros profissionais da indústria da moda sobre a necessidade de repensar a forma de desenvolver produtos de moda.

Economia circular O olhar para um processo cíclico surgiu a partir de uma apreciação da natureza. Na natureza, tudo é cíclico. Carvalhal (2018) comenta que o olhar para tudo que é circular tem estimulado cientistas, agricultores, designers e produtores a trabalhar de forma diferente. Novos modelos de cultivo de alimentos, produção de materiais, geração de energia, procedimentos de cura, armazenamentos de informações e outros processos que sejam sustentáveis e alinhados com a ordem natural das coisas estão sendo desenvolvidos. Na contramão do processo 120


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criativo-produtivo linear, uma nova lógica começa a ser estabelecida. Essa lógica circular não acredita no fim das coisas. O conceito de economia circular não está ligado a um único autor ou data, mas tem sido aperfeiçoado e desenvolvido com base em algumas escolas de pensamento como: - Design regenerativo: John T. Lyle nos Estados Unidos começou a desenvolver as ideias de design regenerativo que poderiam ser aplicadas em todos os sistemas. A proposta inspira-se na natureza para criar sistemas adaptáveis e equilibrados considerando as necessidades da sociedade e do meio ambiente. O termo regenerativo descreve processos que restauram ou renovam suas próprias fontes de energia e recursos, assim o objetivo é a garantia da saúde nos ecossistemas e o bem-estar social. - Economia de performance: Walter Stahel trabalhou no desenvolvimento de uma abordagem de “ciclo fechado” para processos de produção, criando o Product Life Institute. Esse pensamento consiste em quatro objetivos bases, como o aumento na vida útil de um produto, a durabilidade, o recondicionamento e a prevenção de desperdícios. Insiste na ideia de vender serviços ao invés de produtos. - Cradle to cradle: essa filosofia de projeto desenvolvida pelo químico alemão Michael Braungart e o arquiteto americano Bill McDonough considera todos os materiais envolvidos nos processos industriais e comerciais para serem nutrientes e é focado no design para a efetividade em termos de produtos com impacto positivo e redução dos impactos negativos. Essa proposta não se limita na minimização de impactos, já que desta forma a cadeia produtiva permanece extraindo recursos e gerando resíduos, ela busca transformar indústrias em forças positivas e não destrutivas, assim a natureza, economia e sociedade coexistem em uma relação próspera. “A proposta é aplicar o modelo bem-sucedido de sistemas naturais independentes, que oferece suporte e regenera ecossistemas, ao mesmo tempo em que possibilita a prosperidade econômica de longo prazo. Para isso, os resíduos são reintroduzidos como nutrientes através do desenho de produtos e sistemas no início de sua concepção” (GEJER e TENNENBAUM, 2017). - Ecologia industrial: essa abordagem estuda o fluxo de energia e materiais mediante os sistemas industriais existentes, visa à criação de processos de ciclo fechado nos quais os resíduos servem como insumo, eliminando assim a noção de um subproduto indesejável e diminuindo o impacto ambiental. - Biomimética: essa abordagem estuda as melhores ideias da natureza e “imita” esses designs e processos para solucionar os problemas humanos. Os organismos vivem em harmonia no meio ambiente, cooperam, se adaptam e não desperdiçam suas fontes, a biomimética baseia-se em três princípios fundamentais: a natureza como modelo, como medida e como mentora.

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- Blue economy: descrito por Gunter Pauli, é um movimento open source baseado em 21 princípios-base que propõe utilizar todos os recursos disponíveis em sistemas em cascateamento, ou seja, os resíduos de um produto se tornam insumos para criar um novo fluxo de caixa. Tem como base o aproveitamento total de recursos naturais e o funcionamento de ecossistemas sem prejudicá-los. As soluções geradas por esse movimento não são negativas para a sociedade e meio ambiente. Tais escolas de pensamento podem ser aplicadas tanto em um mesmo caso como em diferentes áreas e dentro da economia circular tentam fazer uso de todas para desenvolver um sistema onde o desperdício e os impactos sejam minimizados ao máximo. Sendo assim, cada um desses estudos se torna essencial para diferentes setores mercadológicos.

Moda circular No que diz respeito às roupas, pode-se afirmar que o consumo de roupas tem crescido muito nos últimos anos e esse estilo de vida consumista afeta o planeta. Para Fletcher e Grose (2011, p. 13), os impactos das indústrias têxteis sobre o meio ambiente abrangem “mudanças climáticas, poluição química, perda da biodiversidade, uso excessivo ou inadequado de recursos não renováveis, geração de resíduos, efeitos negativos sobre a saúde humana, efeitos sociais nocivos para as comunidades produtoras”. Ainda, de acordo com as autoras citadas anteriormente, 90% das peças de roupa são jogadas fora antes do fim de sua vida útil, e essa situação é reflexo não apenas do modo de produção e pensamento da sociedade mas também na forma como uma boa parte dos acadêmicos de Design de Moda estudam processos de desenvolvimento de produto de moda. Gwilt (2014) explica que é fundamental que os estilistas (incluem-se aí tanto estudantes como profissionais de mercado) entendam quais são as estratégias de design para a sustentabilidade, como aplicá-las, as possibilidades por ela oferecidas. Caso contrário, é pouco provável que mudem seu processo de criação. Segundo a autora “[...] o estilista tem de ver a estratégia de sustentabilidade como uma oportunidade de inovação” (GWILT apud SALCEDO, 2014, p.39). A sustentabilidade não é algo agregado e sim parte do processo de design. O estudante ou o profissional devem buscar alternativas em todas as fases do ciclo de vida, incluindo a fase de concepção e não apenas na fase de seleção dos materiais, da produção ou do fim da vida. E para isso, é também importante que ele amplie sua compreensão sobre o processo, não limitando-se a olhar apenas para a fase de criação, execução e produção, mas entender que o ciclo de vida de um produto é muito amplo conforme apresenta-se a seguir. O ciclo de vida de um produto é um conjunto de etapas que um produto percorre para cumprir sua função na cadeia produtiva. O ciclo de vida de uma 122


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roupa de moda é dividido em cinco etapas: design, produção, distribuição, uso e fim da vida (GWILT, 2014). Ampliar o ciclo de vida de um produto é uma forma de contribuir para a sustentabilidade, intermediado pelo design de moda. Em cada etapa são desenvolvidas diversas atividades que compreendem o processo. No design, o produto é projetado e os materiais e processos são escolhidos; na produção são criados os moldes, peças pilotos e os produtos são construídos; na distribuição os produtos são levados das empresas até as lojas e aos consumidores; no uso o consumidor veste, lava e interfere no produto, seja um conserto, reforma ou qualquer tipo de desgaste e, no fim da vida o produto é descartado, reutilizado ou reciclado. Além do descarte do produto no fim da sua vida útil, durante o processo de produção desse produto há uma geração de resíduos. Essas sobras de matéria prima normalmente não têm valor para a indústria e acabam virando lixo. Segundo Lara, Carneiro e Fabri (2015, p. 04): O processo de confecção de uma roupa gera sobras de tecidos, que são incinerados ou descartados em aterros sanitários depois que a sua vida útil se esgota, bem como peças confeccionadas que chegam ao final do seu ciclo de vida, seja na cadeia do varejo ou nas mãos do consumidor.

Portanto, o desgaste ambiental de um produto sob a natureza não se refere apenas ao material usado no produto, mas sim ao processo pelo qual ele passou. De acordo com Collins e Aumônier (apud SALCEDO, 2014), a manutenção de uma peça de vestuário é responsável por 80% do total de energia por ela consumido em todo o ciclo. Então, além de ampliar o ciclo de vida de um produto, é necessário diminuir a quantidade de resíduos gerados durante a produção e encontrar uma maneira de descarte menos poluente, tanto com relação ao produto como dos seus resíduos. Para Salcedo (2014, p.39) “o verdadeiro desafio é repensar e redefinir a forma de desenhar, produzir, distribuir e utilizar as peças”. A pesquisa e o desenvolvimento, almejando converter resíduos em produtos, pode não ser simples, mas os benefícios decorrentes são evidentes, afinal é uma forma de reduzir impactos ambientais e agregar valor aos resíduos, que se tornam insumos de uma nova produção, sendo que a sua reutilização pode permitir benefícios competitivos, abertura de novos negócios e conquistas de novos mercados. (SEIFFERT; KAZAZIAN, apud DE CARLI; VENZON, 2012, p.127).

Gwilt (2014) apresenta, em forma de esquema (Figuras 1 e 2), as atividades da cadeia de suprimentos de moda e os impactos sociais e ambientais ao longo dessa cadeia. Para buscar alternativas e soluções, é imprescindível ter conhecimento da amplitude dessa cadeia, de suas diversas etapas e impactos.

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Figura 1 - Atividades da cadeia de suprimentos de moda.

Fonte: Adaptado de Gwilt (2014).

Figura 2 - Impactos sociais e ambientais ao longo da cadeia de suprimentos de roupa.

Fonte: Adaptado de Gwilt (2014).

A partir da análise geral dos dois esquemas acima, foram elencadas algumas possibilidades onde se é possível interferir, ou seja, buscar soluções diferentes, melhores e mais sustentáveis. Subverter completamente o sistema é complexo, principalmente quando se trata de uma cadeia tão extensa e economicamente tão importante, mas repensar partes isoladas e combinadas em diversas fases do ciclo é possível para diminuir o impacto. Observando o ciclo de vida de uma peça de roupa, conforme a Figura 3, Gwilt (2014) desenvolveu um novo esquema, em que apresenta atividades as quais o designer pode exercer alguma influência.

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Figura 3 - Ciclo de vida de uma peça de roupa de moda

Fonte: Adaptado de Gwilt (2014).

Salcedo (2014) também apresentou estratégias de design para a sustentabilidade baseadas em Lawson (2006), conforme pode ser visto na Figura 4. Segundo os autores, o estilista deve desenvolver linhas paralelas de pensamento que permitam trabalhar diferentes aspectos do design tanto considerando o ciclo convencional de design e produção quanto utilizando as estratégias de design para a sustentabilidade aplicáveis ao ciclo. Através dessas estratégias, é possível abrir um grande leque de possibilidades, questionando/repensando cada etapa e os principais produtos e impactos de cada fase. A figura abaixo ilustra o ciclo apresentado por Salcedo (2014) adaptado de Lawson (2006). Figura 4 - Estratégias de design para sustentabilidade

Fonte: Adaptado de Salcedo, 2014. 125


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Quando relacionamos o design de moda a sustentabilidade, o desafio do designer é gerenciar o contexto sócio-econômico-ambiental de maneira responsável a fim de adotar uma abordagem realmente sustentável para o projeto (CAVALCANTI e SANTOS, 2015). A partir das pesquisas realizadas, do olhar tanto para os diversos caminhos que estão sendo trilhados como possibilidades de ferramentas, técnicas e métodos que podem ser explorados, seguimos para a pesquisa de campo no intuito de conhecer melhor a situação dos acadêmicos, os obstáculos, as angústias e os desafios para que os projetos sustentáveis sejam presentes e aplicáveis.

Pesquisa de campo: aplicação e análise O desenvolvimento da pesquisa utilizou como parte de seus procedimentos metodológicos uma pesquisa de campo cuja coleta de dados se deu de forma qualitativa em forma de grupo focal. Para a formação do grupo focal, realizado no contraturno no final do mês de setembro de 2019 no campus da Univali em Balneário Camboriú, foram convidados acadêmicos de períodos diversos e que já tinham passado por disciplinas de projeto. Um outro critério adotado para o convite foi o interesse por tema de sustentabilidade em design e/ou já ter desenvolvido algum projeto que envolvesse soluções sustentáveis. O grupo focal foi formado por quatro alunos do quarto, sexto e sétimo períodos do curso de Design de Moda da Univali. Ele foi mediado pela acadêmica envolvida na pesquisa e gravado em áudio para posterior análise. Os alunos envolvidos foram convidados, de acordo com a demonstração de interesse prévio pelo assunto sustentabilidade, já que o foco era o debate das ideias desenvolvidas entre eles. A mediadora da conversa foi responsável por introduzir o tema, deixar os alunos confortáveis e guiar o diálogo para evitar o desvio de assunto. As perguntas foram desenvolvidas anteriormente com o intuito de saber como os alunos são motivados, buscam por informações, conhecem e obtêm resultados para seus projetos acerca do tema sustentabilidade, além de perceber se estes possuem conhecimento sobre abordagens como Cradle to Cradle, economia circular e metodologias de design circular. Dessa forma, o roteiro foi definido com nove perguntas diretas e não restritivas para evitar inibir o debate entre os acadêmicos e gerou os seguintes resultados: 1) Com relação a como surge o interesse por projetos sustentáveis durante o curso: surge, na maioria das vezes, pelo próprio aluno, às vezes influenciado por discussões em outras disciplinas, não necessariamente as específicas de projeto;

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2) Acerca do tema sustentabilidade no design – de moda ou em geral – ser abordado com frequência/suficientemente: o tema da sustentabilidade se tornou mais presente para a maioria dos alunos a partir do ingresso no curso e agora sempre que o assunto vem à tona, em círculos fora do curso ou entre alunos, não necessariamente com acadêmicos da área, ativam memórias de aprendizados vindos das discussões em sala e os compartilham nessas conversas; 3) A respeito da motivação e instigação em desenvolver projetos ligados à sustentabilidade e se acreditam ser apenas uma moda que logo passará: a motivação, na maioria das vezes, surge pelo próprio aluno, que busca os professores engajados no tema para discutir e elaborar seus projetos. Além disso, discordam a respeito de o tema ser algo passageiro, pelo contrário, acreditam se tratar de um tema atual e cada vez mais emergente entre todas as camadas da sociedade, indo muito além apenas do mercado de moda; 4) Em trabalhos já desenvolvidos, quais as soluções consideradas sustentáveis foram usadas e qual sua eficiência: revelam ter pouco conhecimento de um projeto sustentável como um todo atendo-se na maioria das vezes a pequenos pontos - o material, o modo de fazer, a distribuição ou a reciclagem. De maneira geral, demonstraram não ter conhecimento de um modo de pensar sustentável em termos de projeto; 5) Em relação à dificuldade encontrada na solução prática de projetos envolvendo sustentabilidade e a segurança na discussão do tema: encontraram dificuldades e, na maioria das vezes, o tema acaba por permanecer na teoria e não chega a prática efetiva, além de se sentirem inseguros ao abordarem o tema, porém com a consciência da importância deste para a sociedade; 6) Com relação a resultados positivos em seus projetos sustentáveis: as questões que mais dificultam o bom resultado destes são o tempo curto estabelecidos dentro de um semestre - e sempre dividido com trabalhos de outras disciplinas que, muitas vezes não se comunicam, a falta de experiência e de tempo para testes e a falta de pesquisa (não sabem onde buscar informações concisas, a pesquisa é superficial ou não é bem direcionada), existe a vontade e o interesse em desenvolver projetos sustentáveis, porém não possuem estímulos dentro do curso; 7) Sobre onde ou com quem buscar informações: as referências de pesquisa vêm de livros da biblioteca, pesquisas na internet e redes sociais e também de anais de eventos científicos como o Colóquio de Moda. Professores em disciplinas pontuais abordam o tema com frequência e de forma transversal. Alguns relatam que já leram vários livros, compreenderam, porém encontram dificuldade em relacionar e levar a ideia/orientação do livro para a prática; 8) A respeito de ferramentas/ metodologias e processos relacionados ao desenvolvimento de produtos/ projetos sustentáveis: foram citadas a roupa modular, o reuso de materiais para a produção de novos produtos, o uso de materiais naturais/orgânicos para o desenvolvimento de novos produtos e o uso 127


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de um único tipo de material para um produto com a finalidade de facilitar sua desmontagem e reciclagem no fim do ciclo. No entanto, não relataram conhecer ou saber aplicar metodologias que abram caminho para o desenvolvimento de projetos sustentáveis mais efetivos; 9) Por fim, foi discutido sobre futuros empregos e como seria a postura adotada pelos alunos em relação a adotar práticas sustentáveis em empresas: apontaram o ideal como uma empresa engajada e preocupada com todas essas questões, porém compreendem que esta não é a realidade da grande maioria das empresas/ indústrias atuais e pretendem dar atenção ao tema após possuírem uma certa estabilidade em suas carreiras. Foi possível perceber, através do grupo focal, o baixo número de acadêmicos realmente interessados em discutir e colocar em prática o tema. Além disso, os alunos que demonstram preocupação com o futuro do consumo, sinalizaram não saber exatamente como e onde procurar por informações e como colocá-las em prática no dia a dia. Também foi possível notar o baixo número de professores dispostos a tratar o tema tanto em sala de aula como fora dela e, como adotar medidas sustentáveis continua em um nível muito inicial, mesmo entre os futuros profissionais da área. Apesar disso, pode-se perceber claramente onde gerar mudanças dentro da universidade para instigar os acadêmicos, desde adotar matérias específicas sobre sustentabilidade, inserir professores com abordagens inovadoras e preocupados em discutir informações de relevância sustentável, até desenvolver trabalhos e projetos de forma mais aprofundada para que a compreensão sobre processos e ferramentas que necessitam ser postos em prática, seja fixada entre os alunos.

Proposta desenvolvida Considerando os diversos aspectos pontuados nesta pesquisa – a urgência e atualidade do tema da sustentabilidade e da economia circular; a importância da contribuição da área do design para mudanças de produção, consumo e descarte; o papel da universidade no sentido de transitar por temas como esse na educação dos estudantes e a necessidade de discussões, experimentações e soluções dentro do curso de Design de Moda – e a pesquisa de campo reforçaram a necessidade de que o tema esteja bastante presente dentro do curso e traga/forneça ferramentas para que os acadêmicos consigam pensar projeto de design num viés em que a sustentabilidade seja um tema transversal. Nesse sentido, foram levantados materiais de diversas fontes, buscando pelo que tem sido discutido/implementado no mundo, entre as instituições mais representativas da área. Foram selecionados e adaptados materiais de diversas origens e finalidades no intuito de apresentar e experimentar – tanto através da disponibilização como de workshops com acadêmicos e professores – ferramentas, técnicas, metodologias e cenários que possam colaborar no sentido 128


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do desenvolvimento de um design mais sustentável. Os materiais estudados foram adaptados e, quando foi o caso, traduzido e depois organizado de maneira visual para que seja levado aos acadêmicos. Foram selecionados mais de 20 instrumentos, sendo que alguns deles são apresentados a seguir: Figura 5 - Processo de design sustentável

Fonte: Adaptado de Future Learn (2018)

A Figura 5 apresenta uma proposta de metodologia para o desenvolvimento de produtos sustentáveis. Foi desenvolvida pelo Centro de Moda Sustentável da London College of Fashion. Esta metodologia tem início com a escolha de uma agenda, ou seja, qual área de desenvolvimento sustentável principal em que o projeto vai ser conduzido. Em materiais complementares, são explicadas as agendas – social, econômica, ambiental e cultural – e quais as principais abordagens/ problemas que podem servir de base para o projeto. No caso de um trabalho com esta metodologia, são abordadas inicialmente as áreas, suas prioridades para então aplicar a metodologia. 129


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Figura 6 - Ferramenta de design – Escolha de materiais inteligentes

Fonte: Adaptado de Circular Design Guide, (2018) Figura 7 - Ferramenta de design – Lista de materiais

Fonte: Adaptado de Circular Design Guide, (2018)

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Figura 8 - Ferramenta de design – Árvores de decisão

Fonte: Adaptado de Circular Design Guide, (2018)

As figuras 6, 7 e 8 apresentam uma ferramenta que pode auxiliar a escolha de materiais inteligentes e mais sustentáveis durante o processo de design. Da forma como ela é apresentada, é possível listar, dividir as partes de um produto, refletir e analisar as melhores alternativas em um processo didático e bem organizado. Tal ferramenta foi trazida do Circular Design Guide, um material desenvolvido pela Ideo, uma importante empresa de design e consultoria em inovação em parceria com a Fundação Ellen MacArthur, uma instituição estabelecida em 2010 com a missão de acelerar a transição rumo a uma economia circular. Cabe dizer que o material completo do Circular Design Guide, contendo diversas ferramentas, foi sendo adaptado e disponibilizado para uso com os acadêmicos, assim como ocorreu com o exemplo acima. Na sequência, as figuras 9 e 10 expõem uma das alternativas trazidas pelas autoras Alison Gwilt (2014) e Elena Salcedo (2014) em suas respectivas obras. Seus objetivos são apresentar o design com um novo propósito para além de fazer roupas, de considerar novos aspectos mais amplos e mais sociais, econômicos e ambientais. Além de definir a proposta – no caso do exemplo acima, o Design pela durabilidade -, são apresentados, de forma didática, exemplos de marcas que assumiram tal intenção.

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Figuras 9 e 10 - Design pela durabilidade

Fonte: Adaptado de GWILT (2014) e SALCEDO (2014).

Figuras 11 e 12 - Criação de cenários para o consumo mais criativo de roupas específicas

Fonte: FLETCHER (2011) 132


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As figuras 11 e 12 apresentam o Projeto Lifetimes (FLETCHER, 2019), desenvolvido pela professora do Centro de Moda Sustentável da London College of Fashion, em que são criados cenários para o consumo mais criativo e sustentável de peças de roupas de acordo com o tipo, frequência de uso e lavagem, impacto do ciclo de vida (por ser básica ou de moda permanece no guarda-roupa mais ou menos tempo). O intuito é desenvolver estratégias diferentes para tipos específicos de roupas, considerando suas características de matéria-prima, frequência de uso e lavagem e ciclo de vida. O exercício oferece uma reflexão a respeito dos diferentes tipos de roupas e abre espaço para buscar por soluções novas.

Considerações finais A recorrência com que o processo linear de extração, produção e descarte é feito ocasionou um excesso de roupas descartadas em todo o mundo. Além do impacto ambiental gerado pela própria produção da indústria têxtil, o descarte das roupas no fim do seu ciclo de vida só amplia o problema. Os números de produção e descarte no Brasil e no mundo dão uma ideia da situação: de acordo com Delcolli (2016), só em 2013, os norte-americanos descartaram 15,1 milhões de toneladas de roupas e outros têxteis, e 85% desse volume foi parar em aterros sanitários; o relatório Well Dressed? The Present and Future Sustainability of Clothing and Textiles in the United Kingdom (2006 apud GWILT, 2014) apresentou que, cerca de 2,35 milhões de toneladas de têxteis são desperdiçados no Reino Unido no período de um ano e desses, 74% são enviados aos aterros sanitários e 26% são divididos em partes iguais entre a recuperação de materiais e a incineração; e no Brasil, segundo dados encontrados no site da Insecta Shoes (2018), estima-se que são cerca de 170 mil toneladas de resíduos têxteis por ano. A grande maioria vai para lixão ou aterro. Salles (2014) reforça os números: apenas 36 mil toneladas são reaproveitadas na produção de barbantes, mantas, novas peças de roupas e fios. Os dados mostram a relevância e urgência do tema, a necessidade de soluções efetivas e importância de discutir, analisar e experimentar propostas no universos acadêmico. No início da formulação desta pesquisa, baseado em observações e experiências dos autores e no confronto com discursos e opiniões obtidas em conversas informais, na sala de aula e em eventos, não se tinha noção da profundidade dos dados com as quais se poderia lidar e inclusive dos confrontos que a pesquisa poderia trazer. Há alguns anos trata-se a respeito de questões relacionadas a educação ambiental, ao consumo consciente, a responsabilidade do design (no caso dos cursos de Design), aos problemas que o planeta sofre com o excesso de lixo, a obsolescência de tudo que é produzido sendo discutido de forma constante nos mais diversos cursos da instituição.

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Da mesma forma, uma série de atitudes nas questões cotidianas e estratégicas da Univali voltam-se para destacar essa preocupação. No entanto, o que se pode perceber com a pesquisa, em linhas gerais, é que mesmo que o tema esteja em pauta frequentemente, ele ainda não reverte em práticas efetivas, tanto do lado da indústria, do consumidor e até mesmo do designer (ou do estudante de design) que não alterou substancialmente a forma como realiza suas práticas. Assim, mesmo que ainda num estágio inicial, pode-se considerar que o problema de pesquisa que deu início a este projeto desencadeou a busca de respostas que nos permitiu conhecer melhor angústias, desejos e hábitos dos estudantes de Design de Moda da Univali, assim como ferramentas e metodologias voltadas para o desenvolvimento de projetos de design sustentáveis. De posse desses dados é possível aprofundar as análises, ampliar a pesquisa e propor soluções e estratégias que possam reverter, ao menos uma porcentagem desse quadro preocupante, apontados por pesquisadores em todo o mundo. Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que se iniciou em outro projeto chamado “Para onde vão as roupas que são jogadas fora? Um estudo sobre como se compra, usa e descarta roupas em Balneário Camboriú” desenvolvido pela mesmo equipe ao longo do ano de 2018 e, através dele, foi percebida a necessidade de compreender e conscientizar quem está envolvido com a criação e desenvolvimento de novos produtos, pois torna-se fundamental que os estilistas e estudantes da área entendam quais são as estratégias, como aplicá-las e quais as possibilidades por ela oferecidas além de entender todo o ciclo de vida do produto que este profissional irá desenvolver. Com os objetivos deste trabalho conseguiu-se levantar dados a respeito das características dos projetos de design desenvolvidos pelos acadêmicos em relação a economia circular, que demonstraram uma certa superficialidade ao abordar o tema e ao mostrarem estratégias nos projetos desenvolvidos. Além disso, foi realizada a sistematização das informações a respeito das teorias de economia circular e suas escolas de pensamento, deixando-as claramente explicadas e exemplificadas ao longo do projeto. A partir da investigação das alternativas para a moda circular com a interação dos acadêmicos, o grupo focal foi realizado, juntamente com informações previamente analisadas e concluiu-se que há interesse por parte dos acadêmicos e profissionais da área, mas ainda não se tem clareza de como desenvolver produtos sustentáveis, além disso não há interações frequentes em sala sobre o tema e não há busca significativa por alternativas para reduzir o impacto. Considerados estes pontos, a ideia é dar prosseguimento, gerando ações diretas junto aos acadêmicos através de oficinas onde as ferramentas e metodologias pesquisadas possam ser conhecidas e testadas. Além disso, o

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material adaptado e apresentado neste artigo deve ser disponibilizado aos acadêmicos do curso.

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DESIGN, SUSTENTABILIDADE E SOLIDARIEDADE: ATIVIDADES DO PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA ATELIER SOLIDÁRIO (2015-2020)

Renato Riffel Luciane Ropelatto Haislan Henrique Maciel Zancanaro Mayra Marina Gislon Wendi Lara Zanella Bruna Stefanes Marques Sequinel

O projeto de extensão comunitária Atelier Solidário, vinculado ao curso de Design de Moda Univali - SC, tem como finalidade promover ações economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente corretas visando o desenvolvimento das comunidades locais e regionais. O objetivo do projeto é criar produtos em coparticipação com as populações atendidas utilizando materiais de descarte fabril que, por meio da gestão criativa do design, contribuam para a geração de renda e/ou a melhoria da qualidade de vida de comunidades em vulnerabilidade social. Neste artigo, apresenta-se o relato das atividades do projeto entre os anos de 2015 a 2020, indicando as demandas sociais atendidas e exemplificando as experiências que contribuíram para a formação acadêmica e cidadã de discentes e docentes do curso de Design de Moda.

O Atelier Solidário na perspectiva do Design Social Promover a inovação e fomentar o desenvolvimento de uma postura ética e socialmente responsável do acadêmico são importantes referenciais que norteiam as ações educativas do curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Portanto, conceitos como recriar, reinventar, desconstruir e reconstruir costumam orientar tais práticas pedagógicas, aliando-se à essas perspectivas proposições educativas que suscitem o exercício da identificação e resolução de problemas sociais e ambientais. Nessa linha, o projeto de extensão comunitária Atelier Solidário, criado em 2011 e vinculado ao curso de Design de Moda da Univali - SC, colabora com o desenvolvimento das competências desejadas para o perfil do egresso do referido curso, uma vez que promove ações economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente corretas que visam o desenvolvimento das comunidades locais e regionais, aliando-se a essa perspectiva a preservação do meio ambiente. 137


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Desse modo, as ações do projeto se articulam com as propostas expressas no Plano Pedagógico do Curso de Design de Moda, na medida em que permitem aos discentes a identificação de problemas e a criação de espaços de ação conjunta com distintos atores sociais, assim como fomentam a promoção, produção e transferência do valor social dos conhecimentos por meio de atividades de extensão e inserção social. Contando com a participação de alunos e professores do curso de Design de Moda e também de outros cursos da IES, o projeto busca realizar ações em conjunto com a comunidade e/ou com associações, empresas e entidades públicas e/ou privadas localizadas nas regiões de abrangência da Univali. O objetivo do projeto é criar produtos em coparticipação com as populações atendidas utilizando materiais de descarte fabril que, por meio da gestão criativa do design, contribuam para a melhoria de vida das comunidades em situação de vulnerabilidade social ou ainda, em outro âmbito, adquiram um valor agregado que possibilite a sua comercialização e, consequentemente, a geração de renda destinada à estas comunidades. Conforme assinalam Mello et. al. (2011, p.106), os programas de pesquisa e extensão universitária são um meio de agregar, à formação do aluno, a experiência profissional necessária para sua qualificação, ao mesmo tempo em que procuram fomentar o atendimento das demandas sociais. Nessa perspectiva, as atividades do Atelier Solidário priorizam projetos que se enquadram em uma nova perspectiva do design: o design social. Para Pazmino (2007, p.3), design social “consiste em desenvolver produtos que atendam às necessidades reais específicas de cidadãos menos favorecidos, social, cultural e economicamente”, onde se valoriza não apenas a criação de novos produtos, mas também as relações humanas durante o processo. Assim, as atividades do Atelier Solidário têm como base, além das ações economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente corretas, proporcionar a melhoria da qualidade de vida das pessoas atendidas, com foco na troca de experiências que são proporcionadas pelas relações humanas e não apenas no desenvolvimento de produtos em si. No Atelier Solidário, o desafio é também repensar a produção e o consumo sob a ótica da sustentabilidade, buscando conciliar as possibilidades de trabalho do curso de Design de Moda com os conceitos da economia criativa, propondo inclusive novos olhares para o mundo dos negócios. Os resultados almejados englobam, além da promoção do bem estar social, a contribuição na redução do descarte fabril destinando-os a outros fins, como nos trabalhos do projeto de extensão comunitária para a criação e elaboração de novos produtos. É inegável que o design tem grande importância na intervenção dos meios de sustentabilidade ambiental e social no mundo contemporâneo, visto que uma produção e comercialização sustentável é também bastante positiva pela forma como pode beneficiar populações em condições de vulnerabilidade social. Nesse cenário, a função do designer não é só a de criar produtos, mas sim promover o desenvolvimento econômico e social sem agredir o meio ambiente, utilizando produtos recicláveis e recursos naturais que garantam a melhoria na qualidade 138


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da vida humana. Da mesma forma, conservar a diversidade cultural e seus valores também contribui para a promoção do desenvolvimento social de cidadãos menos favorecidos. As agressões ao meio ambiente são pauta constante nos noticiários, consequência de um estilo de vida baseado no aumento desenfreado do consumo e no descarte de materiais. Sabendo que a indústria da moda é uma grande colaboradora da poluição global, é de responsabilidade também do designer, analisar as situações sociais atuais e elaborar suas criações conforme princípios éticos e sustentáveis. De acordo com Schulte (2013, p.34), “o uso de matérias primas como fios e tecidos orgânicos, reciclagem de resíduos gerados, a valorização do trabalho e cultura local são os caminhos para uma produção e um consumo mais coerente com os novos tempos.”. Nessa perspectiva, é notório assinalar que uma das forças econômicas da Região Norte do Estado de Santa Catarina, local onde se situam três campi da Univali, tem como base a indústria têxtil e de confecção. Essas empresas fabris produzem uma grande quantidade de materiais de descarte de todo tipo, sendo poucas as ações existentes que preveem o reaproveitamento deles. Conforme estimativas do setor, em 2012 foram descartados mundialmente 10,86 milhões de toneladas/ano de resíduos têxteis, sendo que para o Brasil esses números chegaram a 433 mil toneladas/ano em 2014 (PEREIRA, 2017), destacando-se o baixíssimo percentual de reaproveitamento desse material. Observa-se, portanto, que os impactos ambientais decorrentes da fabricação de artigos têxteis são enormes. Além da produção imensa desses rejeitos sólidos, os danos ao meio ambiente ao longo da cadeia produtiva têxtil envolvem o consumo gigantesco de água nas plantações de algodão, nos processos de beneficiamento e acabamento, a contaminação do solo, o alto consumo de energia e grandes quantidades de emissões de poluentes. Outro fator que se nota nas sociedades contemporâneas é o crescimento da desigualdade social, permeada também pelas diferenças culturais, raciais, financeiras, de gênero, entre outras. Nesse cenário, as atividades de cunho social acabam contribuindo para manter essa população inserida na sociedade. O campo do design social procura justamente atuar no desenvolvimento de projetos que fomentem a inclusão social, resultando no fomento ou acréscimo da renda para essas populações com melhoria na qualidade de vida. O curso de Design de Moda é ofertado no campus da Univali de Balneário Camboriú - SC, município que tem um dos mais elevados índices de IDH1 do Brasil. Contudo, no seu entorno, localiza-se também o município de CamboriúSC, cujos índices se apresentam bem menos promissores do que os da cidade vizinha. Um breve olhar sobre os números representativos da realidade social desses dois municípios, revela a disparidade existente entre os índices de desenvolvimento humano vivenciados pelos habitantes de cada uma dessas cidades. Segundo dados do PNUD(2013), em 2010 no Ranking IDHM dos O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é uma medida resumida do progresso em longo prazo, em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. 1

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Municípios, enquanto Balneário Camboriú alcançou índice geral de IDH2 0,845, ocupando a 4ª. posição no ranking nacional, o município de Camboriú obteve índice geral 0,726, ocupando a posição de número 1.133 entre os 5.565 municípios analisados. No quesito renda, essa disparidade é também observada, sendo que Balneário Camboriú ocupa a 10ª. posição no Ranking Nacional e Camboriú a 692ª. posição. É certo que esses dados revelam índices gerais das condições da população dessas cidades, o que não exclui determinados grupos sociais de vivenciarem situações de vulnerabilidade social, mesmo nos municípios em que predominam taxas maiores de IDH. Portanto, o projeto Atelier Solidário não se limita em atender somente determinado município em decorrência da sua posição no ranking citado, buscando observar as demandas das populações menos favorecidas, independentemente do local onde residam. Com base no acima exposto, cabe dizer que as ações do Atelier Solidário procuram minimizar os problemas sociais e ambientais detectados, buscando promover o bem-estar social das comunidades com vulnerabilidade social entorno dos campi da Univali - SC, ao mesmo tempo em que propõe ações de redução do descarte fabril, integrando conceitos de criatividade, sustentabilidade e solidariedade ao Design de Moda. Ressalta-se que as ações do Atelier Solidário se articulam com a inserção comunitária e social da Univali que, pautada nos seus valores institucionais e no seu perfil filantrópico, viabilizada por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, um permanente diálogo da comunidade acadêmica com o mundo do trabalho e as necessidades ambientais e sociais da região. Nesse sentido, o Atelier Solidário possibilita, por meio de parcerias institucionais e interinstitucionais, a realização de projetos nas áreas social e ambiental, identificando problemas e a criando espaços de ação conjunta, nos quais a comunidade acadêmica e as comunidades localizadas no entorno dos campi se organizam para minimizar os problemas diagnosticados. O projeto também se articula com as três linhas de pesquisa do NPDesign – Núcleo de Pesquisa em Design,3 em especial com as propostas da linha Desenvolvimento, Gestão e Sustentabilidade, possibilitando a inserção dos acadêmicos nas atividades de iniciação científica e de professores na concepção de projetos de pesquisa, desenvolvendo estudos nas mais diversas áreas do Design de Moda. Por fim, cabe dizer que as ações do projeto procuram se afastar da perspectiva assistencialista, buscando promover o desenvolvimento social por meio da apropriação do conhecimento. Desta maneira, o projeto Atelier Solidário, criado em 2011, vem se firmando como uma atividade importante dentro e fora

O NPDesign é o grupo de pesquisa interdisciplinar que reúne professores dos cursos de Design da UNIVALI (Design de Moda, Design Industrial, Design de Jogos e Entretenimento Digital, Design Gráfico e Design de Interiores), sendo cadastrado no CNPQ e coordenado atualmente pelo professor Dr. Rafael Marques de Albuquerque, sendo três as linhas de pesquisa: 1) Cultura, Imagem e Comunicação; 2) Desenvolvimento, Gestão e Sustentabilidade; 3) Interação e Fatores Humanos. 3

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da comunidade acadêmica, objetivando o contato direto com a comunidade local com a finalidade de melhor atender suas necessidades e, sobretudo, fazendo com que os atores envolvidos façam parte do processo criativo de forma ativa, pois, de acordo com Mello et. al. (2011, p.108), a abordagem requerida pelo design social é participativa. Assim, as atividades do projeto têm como base, além das ações economicamente viáveis, socialmente justas e ecologicamente corretas, proporcionar a melhoria da qualidade de vida das pessoas atendidas, com foco na troca de experiências que são proporcionadas pelas relações humanas, e não apenas no desenvolvimento de produtos em si.

Responsabilidade socioambiental e inclusão cidadã: relatos da gestão criativa do design Para operacionalização das atividades do projeto são necessárias várias etapas. No Atelier Solidário a ideia é que os alunos do curso iniciem esse processo, já que eles são convidados a apresentar propostas para a elaboração dos produtos e ações com base nas demandas das comunidades carentes localizadas nas regiões vizinhas aos campi da universidade. Para isso, eles são incentivados a propor projetos que contemplem as linhas programáticas do projeto, com foco na responsabilidade socioambiental, na formação de redes de ação e de cidadania socioambiental e em atividades que promovam a economia solidária. Assim, é necessário que o projeto sugerido pelo acadêmico (ou por um grupo de acadêmicos), contemple as considerações e decisões sobre formas e adequações do material a ser produzido, sobre a coleta e uso dos resíduos fabris, sobre o envolvimento da comunidade e, ainda, acerca das perspectivas de distribuição desses produtos no âmbito da economia solidária. Para esta etapa do projeto, são realizadas palestras que promovem a sensibilização para o diagnóstico dos problemas sociais e ambientais da região, seguindo-se de seminários para apresentação e definição das problemáticas a serem atendidos, contando com a participação de alunos, professores e da comunidade em geral durante o processo de diagnóstico e decisão. Na etapa seguinte, ocorre a elaboração de produtos de design com base no projeto que detectou os problemas sociais e ambientais da região. Nesse momento, alunos bolsistas e voluntários, professores e a comunidade em geral serão convidados a contribuir com a manufatura dos artigos, que serão feitos nos laboratórios dos cursos de Design da Univali ou em locais a serem definidos segundo as necessidades das instituições ou comunidades atendidas. Por fim, alunos, professores e a comunidade articulam ações que promovam a formação de redes para que estas propiciem a geração de renda para as comunidades atendidas pelo projeto, na perspectiva da economia solidária. Cabe salientar que, caso o diagnóstico dos problemas da comunidade previsto no projeto não contemple a geração de renda, as ações nesta parte da execução serão voltadas para a melhoria de vida das comunidades carentes em suas práticas cotidianas.

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O Atelier Solidário já tem um histórico de atuações junto às comunidades locais, visto que as atividades do mesmo se iniciaram no ano de 2011. Contudo, objetivando sintetizar o relato das ações realizadas, destacaremos a seguir apenas as que ocorreram nos últimos cinco anos, abrangendo o período de 2015 a 2020. Em 2015, o Atelier Solidário atuou em parceria com duas instituições: o Projeto Oficinas e a ADEFI - Associação dos Deficientes Físicos da Foz do Itajaí. O Projeto Oficinas é uma ação promovida pela Secretaria da Educação, Secretaria de Desenvolvimento e Inclusão Social e pelo Núcleo de Difusão Cultural, de Esporte e Educação para o Trabalho de Camboriú, por meio do qual são oferecidas diversas atividades em contraturno escolar para alunos do ensino fundamental e médio da rede pública municipal. Por meio dessas ações, o Projeto Oficinas busca desenvolver as potencialidades dos alunos, no intuito de prevenir riscos sociais e pessoais. Para esta instituição, a necessidade a ser atendida em 2015 foi a criação e elaboração de figurinos para espetáculos de teatro4 e dança5 que estavam sendo ensaiados durante as aulas de ensino fundamental no contraturno escolar, com previsão de apresentação no final do semestre letivo. Definidas as ações, empresas da região foram contatadas para fazerem doações de resíduos fabris, para que estes pudessem ser aproveitados na elaboração dos figurinos. A proposta de trabalho também contemplou a customização e a transformação de roupas já existentes, também recebidas em doação, reaproveitando assim um material já existente e evitando que eles fossem descartados. Nos encontros semanais ocorridos durante aquele ano, professores e alunos (bolsistas e/ou voluntários) do curso de Design de Moda da Univali atuaram de forma participativa com professores e alunos da rede pública de ensino de Balneário Camboriú - SC, vinculados ao Projeto Oficinas. Em várias ocasiões ocorreram visitas às sedes do Projeto Oficinas para assistir aos ensaios das peças e dos números de dança e, ainda, para que se conversasse com alunos e professores do projeto, objetivando coletar as informações necessárias para manufatura dos figurinos. Seguindo as etapas, foram desenvolvidos os croquis e apresentados aos responsáveis pelo Projeto Oficinas e aos seus alunos, para que se procedesse a escolha dos modelos. Também houve a necessidade de se fazer a medição das crianças e dos adolescentes que participavam dos grupos de teatro e da dança, já que o figurino teria que ser confeccionado de acordo com o tamanho de cada integrante do grupo artístico. Após a aprovação dos croquis, iniciaram-se as atividades de confecção dos trajes. A confecção dos figurinos foi efetuada nas dependências da Univali, utilizando-se o Laboratório de Modelagem e Vestuário (LAMOV) existente no Bloco 9 do Campus de Balneário Camboriú - SC. Também foi utilizado um As peças encenadas foram: Romeu e Julieta, A Bela e a Fera, Cinderela e Alice no País das Maravilhas (em 2014) e Sonhos de Uma Noite de Verão (em 2015). 5 Os espetáculos de dança encenados em 2015, inspirados no cinema, tiveram coreografias baseadas nos filmes O Mágico de Oz e Cantando na Chuva. 4

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espaço denominado Atelier Entreatos, situado em uma das escolas da unidade municipal de ensino que fica localizada próximo à Univali de Balneário Camboriú-SC. O trabalho na escola, próximo aos alunos, facilitou a prova de roupas nos atores e dançarinos mirins, já que este processo é necessário e constante durante a confecção dos figurinos. Cabe dizer, que essas atividades foram sempre acompanhadas pelo aluno bolsista do Atelier Solidário e pelos professores que são responsáveis pelo Atelier Entreatos e pelo Projeto Oficinas. A ação resultou na confecção de mais de 100 figurinos, atendendo cerca de 200 crianças e adolescentes6, todos alunos da rede pública municipal que tiveram a oportunidade de usar trajes feitos exclusivamente para suas apresentações de final de ano letivo – em evento realizado no Teatro Municipal Bruno Nitz, em Balneário Camboriú - SC, na data de 12 de novembro daquele ano (Figura 1). Figura 1 – Processo de elaboração e apresentação de teatro e dança do Projeto Oficinas com os figurinos confeccionados pelo Atelier Solidário

Fonte: Dos autores (2015)

Enquanto eram desenvolvidos os figurinos para o Projeto Oficinas, uma outra demanda foi apresentada para o município de Itajaí - SC, intermediada por um acadêmico do curso de Design de Moda. Estabeleceu-se, então, uma parceria com a ADEFI - Associação dos Deficientes Físicos da Foz do Itajaí. Essa entidade sem fins lucrativos, estava localizada na Av. Alfredo Conrado Moreira, 147, Bairro Barra do Rio, cidade de Itajaí - SC. Contando com cerca de 100 associados, a instituição tinha como principal necessidade o amparo social a pessoas com algum tipo de deficiência física. Com esta instituição foi desenvolvida uma coleção de acessórios de praia (bijuterias), utilizando-se resíduos têxteis (fios e malhas), além de rolos de tecido, miçangas e outros itens descartados pelas indústrias da região (Figura 2).

Cada figurino foi usado por dois atores e/ou dançarinos de escolas diferentes, de acordo com o horário de apresentação dos espetáculos. Desse modo, foram produzidos mais de 100 figurinos, mas que acabaram sendo utilizados por cerca de 200 alunos da rede municipal de ensino. 6

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Figura 2 – Oficinas do projeto, matérias de descarte e bijuterias desenvolvidas em parceria com a ADEFI em 2015

Fonte: Dos autores (2015)

Por meio de uma série de oficinas, realizadas na sede da ADEFI, os membros da entidade juntamente com alunos e professores da Univali, conceberam os produtos e confeccionaram as peças, seguindo uma metodologia de elaboração de produtos de moda. Ao término das atividades de manufatura, foi realizada uma produção de moda objetivando confeccionar material para divulgação e venda das peças. As fotos foram realizadas no estúdio de fotografia da Univali, campus Balneário Camboriú - SC, contando com a participação de associados da ADEFI. Eles puderam acompanhar todo o processo de uma produção fotográfica e, ainda, participaram como modelos fotográficos, produzidos por alunos voluntários do projeto. As bijuterias confeccionadas foram precificadas e planilhadas, sendo a renda decorrente das vendas repassadas à ADEFI. A ideia era promover a criação de uma cooperativa no ano seguinte, mas em 2016 não foi possível continuar com os trabalhos na referida instituição, devido a problemas internos que acarretaram a suspensão das atividades por tempo indeterminado. Em 2016, ocorreu novamente uma parceria com o Projeto Oficinas. Neste ano, as ações resultaram na confecção de 150 figurinos também para um espetáculo de teatro7 e dança8 infanto-juvenil, utilizando material de descarte fabril. Esses figurinos foram usados em apresentações feitas em evento realizado no Teatro Municipal Bruno Nitz, nas datas de 23, 24 e 25 de novembro daquele ano, seguindo-se outras apresentações efetuadas em festivais de dança que ocorreram na região (Figura 3). Para esta ação, a proposta de trabalho contemplou, especialmente, a customização e a transformação de roupas já existentes no acervo da escola e outras, recebidas em doação, reaproveitando um material já existente e evitando fossem descartados.

As peças encenadas foram: Origem, H2O e Alice Através do Espelho. Os espetáculos de dança encenados em 2016 tiveram como referência diversas etnias como: africana, indiana, alemã, italiana, portuguesa, norte-americana, entre outras. 7 8

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Figura 3 – Processo de elaboração e os figurinos utilizados para apresentações de teatro e dança do Projeto Oficinas em 2016

onte: Dos autores (2016)

No ano de 2017, foram desenvolvidas e confeccionadas, de forma participativa, 40 vestimentas para as apresentações musicais de um grupo de Maracatu de Baque Virado denominado Grupo Musical Maracatu Lua Nova. Este grupo, que teve sua origem na comunidade Quilombo Morro do Boi, em Balneário Camboriú - SC, expandiu suas atividades para os bairros da Barra e Centro, fazendo atualmente apresentações em eventos culturais da região, além de promover ensaios semanais e oficinas nos bairros de abrangência. Inicialmente foram realizadas reuniões com uma das articuladoras do grupo musical, com o intuito de estabelecer o que deveria ser produzido, concluindo-se que o grupo necessitava de um figurino para suas apresentações e, sobretudo, para o desfile de carnaval de 2018. Os figurinos necessários seriam camisetas de malha, saias godês longas, um estandarte para o desfile e um vestido para a rainha do cortejo real. A elaboração dos figurinos se deu de forma participativa, estabelecendose um diálogo entre alunos e professores participantes do projeto, a comunidade local e os integrantes do grupo musical. Acordou-se que os trajes deveriam utilizar artigos de provenientes de resíduos industriais têxteis, oriundos de empresas da região. Dessa forma, os modelos aprovados deveriam conter recortes, objetivando otimizar a utilização dos retalhos fabris. O grupo solicitou que as cores utilizadas fossem o verde e o vermelho, seguindo propósitos culturais da comunidade. Com base nesse diálogo, foram propostos três modelos de camisetas, com modelagem adaptada para aproveitamento do descarte fabril, sendo aprovada a opção 3 (Figura 4). A partir da definição do modelo, foram feitas divulgações do projeto em redes sociais e foram encaminhadas solicitações de doações de resíduos têxteis para empresas da região. Como resultado, foram recebidos mais de 50kg de retalhos de malha sortidos, sendo necessária uma triagem desse material, para utilizar as cores solicitadas pelo grupo. O material que não foi utilizado na confecção dos figurinos foi utilizado no projeto para confecção de figurinos para a Fundação Cultural de Bombinhas - SC, (relatado na sequência) e também repassado ao Laboratório de Modelagem e Vestuário (LAMOV) da Univali, para ser utilizado nas aulas de costura.

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Figura 4 - Propostas para figurino do Grupo Musical Morro do Boi.

Fonte: Dos autores (2017).

Simultaneamente a esse processo, oficinas foram realizadas com o grupo de alunos e professores participantes do Atelier Solidário, para conhecer melhor as manifestações culturais relacionadas ao Maracatu. Esse foi um momento importante para fomentar o processo criativo, visto que o Maracatu, como expressão cultural, agregou ao projeto um saber natural vindo da construção do folclore brasileiro, que transformou os trabalhos também em experiências de valores humanos e valorização do conhecimento tradicional. Nesse sentido, a parceria se mostrou válida para fomentar nos alunos, futuros designers, a compreensão e o uso criativo da cultura nos processos de desenvolvimento de produtos. Na continuidade do projeto, foram confeccionados dois modelos de camisetas, necessários para prova, testes de modelagem e aprovação final pelo grupo. Para desenvolver os modelos solicitados, os participantes do projeto utilizaram moldes pertencentes ao Laboratório de Modelagem e Vestuário (LAMOV) da Univali, fazendo as devidas modificações e adaptações. Produziu-se 2 modelos de camisetas nos tamanhos P, M e G, femininas e masculinas, perfazendo inicialmente um total de 6 camisetas (Figura 5). Cabe salientar que na confecção das peças piloto, foi introduzida uma pequena modificação no modelo aprovado anteriormente, sugerindo-se uma camiseta com recortes horizontais retos. Essa mudança foi necessária para melhor aproveitamento dos retalhos têxteis recebidos, uma vez que o recorte em V acarreta maior desperdício de material.

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Figura 5 - Peças piloto confeccionadas para o Grupo Musical Maracatu Lua Nova

Fonte: Dos autores (2017)

O próximo passo foi levar as camisetas para o grupo realizar a prova e escolher o modelo, o qual prevaleceu o de corte reto. Também foi necessário tirar as medidas dos 31 integrantes do grupo para montar a grade e adaptar os moldes para cada tamanho. Os retalhos têxteis foram, então, recortados conforme os moldes e costurados pelo grupo de trabalho (Figura 6.) Figura 6 - Processo de modelagem, talhação e costura das camisetas

Fonte: Dos autores (2017)

Finalizada a confecção das camisetas, as peças foram embaladas em pacotes plásticos reaproveitados, doados por uma loja de artigos esportivos da região que iria descartar o material. As camisetas foram entregues ao grupo e foram usadas pela primeira vez em uma apresentação que ocorreu no Mercado Público da cidade de Itajaí - SC, no dia 18 de novembro de 2017 (Figura 7). Figura 7 - Camisetas prontas e a primeira apresentação do grupo com o novo figurino.

Fonte: Dos autores (2017) 147


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Outra entidade atendida pelo Atelier Solidário em 2017, foi o projeto Oficinas Culturais do município de Bombinhas - SC. Aqui, as ações do Atelier Solidário resultaram na confecção de protótipos de figurinos, elaborados com o uso de materiais alternativos e descarte têxtil, atendendo crianças e adolescentes, alunos da rede pública municipal do município participantes do referido projeto. Essas crianças e adolescentes tiveram a oportunidade de usar trajes feitos exclusivamente para suas apresentações de final de ano letivo, em evento realizado na referida cidade. No início do 2º semestre do ano de 2017, profissionais da área da cultura de Bombinhas – SC, sinalizaram ao Atelier Solidário uma demanda para a confecção de figurinos referente ao Espetáculo de Ballet Soldadinho de Chumbo, produzido pela Fundação Cultural daquele município. Devido ao tempo escasso para a confecção dos mesmos e, estando o grupo de trabalho já envolvido com o desenvolvimento dos figurinos do Grupo Musical Maracatu Lua Nova, acordouse com a entidade a confecção dos protótipos dos figurinos do ballet, realizandose o processo criativo, produzindo as modelagens e a ficha técnica, e sugerindo materiais alternativos para a elaboração dos mesmos. No início desse trabalho, a equipe da Fundação Cultural passou um briefing do espetáculo e foram selecionados os personagens para os quais seriam desenvolvidos os figurinos. Iniciou-se assim, uma pesquisa das referências do espetáculo e dos materiais alternativos que deveriam ser usados na confecção, pois a proposta era a utilização de materiais de baixo custo. Pesquisou-se em lojas comerciais materiais que atendessem a demanda solicitada, objetivando utilizá-los na confecção das peças. Os materiais de descarte fabril, recebidos para o projeto do Grupo Musical e que não se encaixavam no perfil daquele figurino, também foram propostos para serem utilizados. De posse desse material, o grupo de trabalho se reuniu por diversas semanas, iniciando o processo criativo e desenhando modelos possíveis para os figurinos (Figura 8). Apresentados em uma reunião com as integrantes da Fundação Cultural de Bombinhas - SC, definiu-se os figurinos e os materiais para confecção, optando-se por fazer um figurino base para todos os personagens, composto por saias de tule e collants, sendo que os aviamentos e acessórios construiriam a caracterização de cada personagem. Essa opção mostrou-se mais assertiva pois dessa forma se diminuiria os custos e o tempo de fabricação das peças. Com o auxílio dos professores e a colaboração de alunos da Univali, elaborou-se uma tabela de medidas infantil, assim como o passo a passo de modelagem e modelo de collants infantil. Durante três encontros foram concluídas as modelagens em tamanhos de 4 a 14 anos, além de modelos adultos P, M e G. A partir do desenvolvimento dessas modelagens, realizou-se os testes com protótipos e, por fim, a graduação dos moldes das peças (Figura 8).

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Figura 8 – Elaboração dos croquis, dos moldes e dos protótipos dos figurinos.

Fonte: Dos autores (2017)

Ao final foram entregues à Fundação Cultural de Bombinhas - SC, juntamente com as modelagens e os protótipos dos figurinos, as tabelas de medidas, as fichas técnicas, os croquis e lista de materiais, uma vez que a instituição havia concordado em fazer a produção desses figurinos. A apresentação do ballet ocorreu na data de 30 de novembro, no Auditório “Dona Dinha” Alair Maria Stapait, localizado na escola Básica Maria Rita Flor, no referido município (Figura 9). Figura 9 - Apresentação do espetáculo com figurinos concebidos pelo Atelier Solidário.

Fonte: Fotos da Fundação Cultural de Bombinhas - SC (2017).

Durante o primeiro semestre do ano de 2018, deu-se continuidade à confecção das vestimentas para o Grupo Musical Maracatu Lua Nova, ao mesmo tempo em que se iniciou uma nova parceria com o Projeto Oficinas, elaborando figurinos para apresentação de dança urbana (hip-hop). A ação resultou na criação e confecção de colaborativa de 25 figurinos utilizando materiais de descarte têxtil, utilizando-se também de técnicas de estamparia artesanal como o stencil, sendo estes usados em espetáculo que foi apresentado por crianças e adolescentes da comunidade no dia 19 de novembro de 2018, no Teatro Bruno Nitz, em Balneário Camboriú - SC (Figura 10). Figura 10 – Processo de elaboração dos figurinos de Hip Hop para o Projeto Oficinas em 2018.

Fonte: Dos autores (2018) 149


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Em 2019, o Atelier Solidário atuou em parceria com a APAE de Balneário Camboriú - SC, capacitando um grupo de alunos para o desenvolvimento de artigos de design utilizando materiais descartados por fábricas da região, com o intuito de promover esses alunos no mercado de trabalho e possibilitar a obtenção de renda para os mesmos. As oficinas semanais aconteceram no Laboratório de Modelagem e Vestuário (LAMOV) e no Laboratório de Materiais e Modelos (LAMMO) da Univali, campus Balneário Camboriú (Figura 11). Figura 11 – Alunos desenvolvendo as atividades nos laboratórios da Univali.

Fonte: Fotografias de Ednilson Júnior (2019)

Adaptando metodologias de design para os alunos da APAE, foi elaborada uma coleção de Toy Art (brinquedos de madeira) fabricados com MDF descartado por uma marcenaria da cidade de Brusque - SC (Figura 12). Para divulgação e comercialização desses produtos, foi criada uma conta no Instagram contendo fotografias e dados dos alunos que elaboraram as peças. A renda da comercialização dos produtos será revertida integralmente para a APAE de Balneário Camboriú - SC. Figura 12 – Toy art desenvolvidos pelos alunos da APAE em 2019.

Fonte: Fotografias de Ednilson Júnior (2019)

Por meio de relatos da equipe da APAE, composta por professores e diretores que acompanharam o projeto, observou-se que as atividades contribuíram para o desenvolvimento das capacidades cognitivas dos alunos, por meio da aplicação de conteúdos abstratos na manufatura de tarefas concretas, com destaque para o uso de metodologias para a elaboração de produtos de design.

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Da mesma forma, as oficinas contribuíram com a ampliação das sensibilidades artísticas e criativas dos alunos por meio da confecção de painéis semânticos e temáticos, além de fomentar o incremento da sua consciência ecológica. Para os acadêmicos e professores da Univali, a participação no projeto contribuiu para exercitar a cultura da inclusão, promovendo o crescimento coletivo e individual por meio da convivência com as diferenças e com a diversidade. Em 2020, o projeto continuou em parceria com APAE de Balneário Camboriú. Devido à pandemia e aos altos índices de risco à saúde do grupo, o formato das oficinas teve que ser modificado, não sendo possível, desta vez, dar ênfase às questões sustentáveis com a utilização dos resíduos industriais. Logo, a orientação das atividades e o acompanhamento dos alunos semanal ocorreu por meio de videochamadas. Pensou-se em instigar a cognição dos alunos por meio do design de superfície, aplicando técnicas criativas com referências no cotidiano dos alunos e no estudo das cores para que eles pudessem desenvolver desenhos que fossem transformados em estampas (Figura 13). Figura 13 – Algumas das atividades online desenvolvidas durante o ano de 2020.

Fonte: Dos autores (2020)

O apoio dos professores e principalmente dos alunos dos cursos de Design e Design de Moda da Univali, bem como professores da APAE foi primordial para que se alcançasse um excelente resultado. Os alunos do grupo de Preparação para o Mercado de Trabalho mostraram-se muito interessados e responsáveis com suas atividades. (Figura 14) Figura 14 – Estampas elaboradas com base nas atividades desenvolvidas durante o ano de 2020.

Fonte: Dos autores (2020)

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Entre as atividades desenvolvidas, os alunos por meio dos desenhos, contaram histórias, expressaram suas vontades pelas coisas que gostam de comer, pelos lugares onde gostam de ir, também aprenderam mais sobre as cores com o uso do círculo cromático, aprenderam algumas técnicas de pintura e conhecimento em rapport. As estampas, assim como os Toys, foram divulgadas em redes sociais, principalmente o Instagram para comercialização e arrecadação de renda para estes alunos.

Considerações finais Um dos objetivos do projeto de extensão Atelier Solidário é promover a participação da comunidade acadêmica e das comunidades locais como sujeitos atuantes no desenvolvimento regional sustentável. Com base nas atividades realizadas entre os anos de 2015 e 2010, observou-se uma efetiva participação dos alunos da instituição de ensino em projetos que visam a inclusão cidadã, ao mesmo tempo em que ocorreu a participação de acadêmicos e professores e, ainda, das comunidades do entorno dos campi da Univali - SC, na identificação e solução de situações de vulnerabilidade social. Outro objetivo do projeto Atelier Solidário é o desenvolvimento da capacidade de gestão sustentável na elaboração de produtos de design, buscando a cooperação entre a comunidade acadêmica e as comunidades locais nas ações de responsabilidade socioambiental, visando especificamente a diminuição do descarte de resíduos fabris. Nesse sentido, alunos e professores, assim como os participantes das instituições atendidas, se empenharam em solicitar e receber doações de resíduos têxteis e de outros materiais que seriam descartados (aviamentos, couros, linhas, metais, tecidos) de empresas da região, já que os produtos propostos tinham como base o uso desses materiais. Igualmente, buscando fomentar ações de empreendedorismo e autogestão, na perspectiva da economia solidária, as ações do projeto de extensão universitária Atelier Solidário procuraram se afastar da perspectiva assistencialista, buscando promover o desenvolvimento social por meio da apropriação do conhecimento e do fomento de formas de renda, contribuindo para que as entidades se tornem economicamente autônomas sustentáveis. Por meio de relatos dos participantes dos grupos e instituições atendidas pelo projeto durante esses cincos anos, assim como dos alunos e professores da UNIVALI, observou-se que por participarem de forma colaborativa do processo de elaboração das ações, foi possível ampliar a compreensão acerca da importância das referências culturais existentes no seu entorno, contribuindo para a valorização, a preservação e a difusão da cultura existente nos seus espaços de vida. Assim, notou-se que o desenvolvimento das noções de valorização e preservação das mais diversas manifestações culturais, colaboram inclusive para a construção de uma sociedade mais justa e tolerante com a diversidade. Tomando ainda como base as atividades desenvolvidas, observou-se também que o meio ambiente passou a receber uma menor quantidade de descarte fabril (especialmente retalhos e sobras de tecidos, assim como resíduos 152


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de outras fábricas), uma vez que as peças confeccionadas foram elaboradas com materiais de descarte doados por empresas têxteis da região. Ressalta-se ainda que os acadêmicos dos cursos de Design da Univali e, em especial, os alunos do Curso de Design de Moda, encontram no Atelier Solidário uma série de oportunidades para aplicar, na prática, os conhecimentos adquiridos nas mais diversas disciplinas que compõem seu processo formativo. No projeto, os futuros bacharéis puderam empregar as habilidades e competências aprendidas nas áreas de criatividade, processo de design, desenho, modelagem, produção de moda, fotografia, entre outras. Tendo a possibilidade de participar de todo o processo de elaboração de um produto, desde o projeto inicial, passando pela escolha de material e chegando até a finalização deste e, por fim, prevendo os modos de distribuição/comercialização, os acadêmicos puderam igualmente desenvolver sua capacidade empreendedora e gestora na área do Design. Enfim, as ações do Atelier Solidário possibilitaram, por meio de parcerias institucionais e interinstitucionais, a realização de projetos nas áreas social e ambiental, consolidando, por meios de ações estratégicas, a educação e a consciência ambiental e, ainda, o respeito pelo uso responsável das fontes naturais e dos recursos tecnológicos. Desse modo, com a colaboração de alunos bolsistas da Univali, de professores, funcionários e estagiários e, ainda, com a cooperação voluntária de muitos acadêmicos do curso de Design de Moda, as ações do Atelier Solidário buscaram promover o exercício para a promoção do bem estar social das comunidades carentes existentes no entorno dos campi da IES, ao mesmo tempo em que possibilitaram ações de redução do descarte fabril, integrando conceitos de criatividade, sustentabilidade e solidariedade ao Design de Moda.

Referências MELLO, Carolina Iuva. et. al. Projeto Design Social: geração de renda e resgate cultural através do design associado ao artesanato. In: Inclusão Social. Brasília, DF, v. 5 n. 1, p.106-113, jul./dez. 2011. Disponível em: Inc. Soc., Brasília, DF, v. 5 n. 1, p.106-113, jul./dez. 2011. Acesso em 17 out. 2015. PAZMINO, A. Veronica. Uma reflexão sobre Design Social, Eco Design e Design Sustentável. In: 1º SIMPOSIO BRASILEIRO DE DESIGN SUSTENTAVEL, 2007, Curitiba. III Encontro de Sustentabilidade em Projeto do Vale do Itajaí Dias 15, 16 e 17 de Abril de 2009. Anais. Disponível em http://editorainsight.com.br/naolab/wp-content/uploads/2012/03/PAZMINO2007DSocial-EcoD-e-DSustentavel.pdf. Acesso em: 17 out. 2015.

PEREIRA, Maria Concebida. O lixo do luxo: um modelo para o tratamento dos resíduos têxteis de polos de indústrias de confecções. Dissertação (Mestrado Profissional em Políticas Públicas) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista. São Paulo, p.166. 2017. Disponível em: 153


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https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/150680/pereira_mc_m e_fran_int.pdf?sequence=7&isAllowed=y. Acesso em: 5 set. 2020. PNUD BRASIL. Ranking IDHM Municípios 2010. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013. Disponível em: https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idhmmunicipios-2010.html. Acesso em: 01 dez. 2017. SCHULTE, Neide Köhler. A moda no contexto da sustentabilidade. In: ModaPalavra e-periódico. Ano 6, n.11, jul-dez 2013, pp. 194 – 211. Disponível em:http://revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/view/3485/6858. Acesso em: 8 set. 2017.

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PARTE III

PROCESSOS E METODOLOGIAS EM DESIGN DE MODA PROCESSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA: UMA REVISÃO BIBLIOMÉTRICA Taíza Kalinowsky Anselmo Maria Luiza Reis Schrader DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO DE TENDÊNCIAS DE CONSUMO E COMPORTAMENTO NO PESQUISATÓRIO DA UNIVALI Graziela Morelli Bruna Giovana Borges APLICATIVOS PARA DESENHO EM DISPOSITIVOS MÓVEIS: POSSIBILIDADES PARA O DESENHO DE MODA Luciane Ropelatto Talita Amanda de Oliveira Ribeiro A ANTROPOMETRIA DO PÉ FEMININO E MASCULINO VOLTADA À CONSTRUÇÃO DO CALÇADO TRANSGÊNERO Taiza Kalinowski Anselmo Graziela Breitenbauch de Moura Renata Cristiane Santiago MODELAGEM E SEUS DESAFIOS: UMA EXPERIMENTAÇÃO PRÁTICA VISANDO A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE VESTIBILIDADE EM PEÇAS DE VESTUÁRIO FEMININO COM FOCO NA ALFAIATARIA FEMININA Egéria Hoeller Borges Shaeffer Fernanda Oeschler de Melo

Foto: editorial Expanded Vision Fotografia e Direção de Arte: Marcos Schaefer (@marcosschaeferphoto) Styling e Direção de Arte: Carola Santos (@carolacaruda) Beauty: Camila Padilha Modelo: Eduarda Loch


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PROCESSO CRIATIVO NO DESIGN DE MODA: UMA REVISÃO BIBLIOMÉTRICA Taíza Kalinowsky Anselmo Maria Luiza Reis Schrader Este artigo apresenta os resultados de uma revisão bibliométrica com foco em processo criativo no design de moda realizada com publicações no Colóquio de Moda e nas revistas Iara, Moda Palavra e Projética, abordando o intervalo de tempo entre 2012 e 2016. Com base na pesquisa realizada, foi possível fazer uma análise do conteúdo dos trabalhos e a sua evolução ao longo dos anos. Também foi possível perceber como o processo criativo acontece em diversos âmbitos da moda, a utilização de técnicas criativas no desenvolvimento de produtos da área, e a recorrência de certos temas nas pesquisas realizadas sobre o assunto.

Introdução A indústria da moda tem como característica não apenas a sua importante atividade econômica, mas também o papel na indústria criativa, criando objetos portadores de significado. A criação de moda gera não apenas lucros, como também bens culturais imensuráveis para a sociedade, como a inovação e a criatividade. Com uma demanda do consumidor cada vez mais imediata, o tempo de elaboração das coleções e produtos é cada vez menor, isso possui impacto direto no processo criativo das equipes de criação, pois a melhoria deste processo deixa de ser prioridade quando o retorno do resultado imediato está em evidência. Visto que a criatividade e seus processos desempenham um papel tão importante no design de moda, é fundamental entender o processo criativo e como este auxilia o desenvolvimento de produtos. Segundo Baja (2012), o uso do processo criativo não visa criar um produto que apenas seja a solução de um problema, ou atenda aos requisitos, mas que além disso seja inovador. Neste cenário, o profissional e estudante de moda necessitam exercitar a criatividade e entender seus processos e etapas. Através de uma pesquisa exploratória em revistas e anais percebe-se que o tema é pouco abordado, principalmente quando aplicado à área da moda. De acordo com o contexto, o presente artigo possui como problemática a seguinte questão: Como identificar um panorama de trabalhos científicos que abordam processo criativo aplicado ao design de moda em congressos e revistas da área no Brasil? Assim, o objetivo central deste trabalho é fazer um levantamento no evento Colóquio de Moda e nas revistas Iara, Moda Palavra e Projética, de publicações com foco em processo criativo, aplicados ao design de moda no 156


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período entre 2012 e 2016. Para alcançar tal objetivo foram desenvolvidos objetivos específicos como: (I) apontar como o processo criativo se dá no design de moda através da conceituação do termo; (II) analisar os dados coletados na revisão bibliométrica; (III) compreender o processo criativo aplicado à diferentes âmbitos da moda através da análise realizada. A pesquisa se justifica devido à importância que o processo criativo desempenha na criação de produtos, pois um profissional que entenda o processo criativo e o aplica em seu processo de criação poderá ter resultados melhores, e mais inovadores. A partir dessa premissa, a criatividade se torna crescentemente um diferencial competitivo no mercado. No âmbito acadêmico, um problema comum a pesquisadores de diversas áreas é encontrar publicações relevantes e pertinentes à sua pesquisa. Desta forma, o presente trabalho é relevante devido ao uso da técnica de revisão bibliométrica, fazendo um levantamento dos artigos relacionados ao assunto e sua respectiva análise, apresentando-se como uma fonte valiosa de pesquisa para outros acadêmicos da área. O seguinte trabalho foi organizado de modo que, após a introdução, há a segunda seção, onde é feito o estudo do estado da arte do processo criativo, com o objetivo de delimitar a pesquisa em questão. A fim de apresentar as diferentes definições que o processo criativo recebe, são usados como referência autores como Ostrower (2010), Torrance (1976), Von Oech (1988), e Baxter (1998). Na seção seguinte, são apresentados os passos tomados em prol da pesquisa e desenvolvimento do estudo, apresentando a metodologia utilizada e sua aplicação no decorrer da investigação. A quarta seção deste trabalho é composta dos resultados obtidos e sua respectiva análise, apresentando gráficos e tabelas demonstrativos.

Estado da arte do processo criativo O design se caracteriza como uma atividade criativa, pois visa a materialização de objetos elaborados pelo homem e, por isso, é parte fundamental do design. Com base nessa perspectiva, esta seção busca definir através de alguns autores o que é o processo criativo. Ostrower (2010) acredita que o processo criativo se dá em três momentos básicos, sendo eles o insight, a elaboração e a inspiração. Segundo a autora, o insight acontece a partir do nosso repertório, criando uma resposta inovadora para o problema proposto. Jà a fase de elaboração consiste em rever conceitos e fazer questionamentos, refinando a ideia e gerando uma solução final. Por fim, o momento de inspiração é o desfecho do processo, quando a ideia já foi refinada e surge novamente com certezas. Para Torrance (1976), o processo criativo serve para criar soluções para problemas ainda não reconhecidos. Ele divide o processo em quatro fases, são elas: preparação, incubação, iluminação e revisão. A fase de preparação consiste 157


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na exploração e pesquisa sobre o problema. No período de incubação o problema é deixado de lado e o criativo “espera” o surgimento das ideias. O momento de iluminação é a descoberta da ideia num lampejo interior. Posteriormente, vem a fase de revisão, quando a solução é avaliada e testada. Já Von Oech (1988), diz que existem dois momentos importantes no processo criativo, a fase germinativa e a fase prática. A fase germinativa é o momento em que as ideias nascem e são manipuladas, sendo esta fase caracterizada pelo uso da lógica difusa, que usa emoções e ideias abstratas para gerar soluções mais inovadoras. Já a fase prática avalia e executa as ideias, sendo qualificada pela lógica racional, validando as ideias anteriores. O autor também descreve quatro personagens que podem atuar em diferentes etapas do processo, são eles: o explorador, o artista, o juiz e o guerreiro. O explorador contribui nas pesquisas, o artista liberta o pensamento difuso e abstrato do criador, o juiz auxilia na fase de análise e seleção, e por fim, o guerreiro desenvolve o projeto, buscando concretizá-lo com sucesso. Baxter (1998) divide o processo criativo em cinco etapas, sendo elas: inspiração inicial, preparação, incubação, iluminação e verificação. A inspiração inicial consiste no primeiro sinal de uma descoberta criativa; a preparação se caracteriza pela busca da solução através de repertório próprio e pesquisas exploratórias; a etapa de incubação é o momento em que a ideia “adormece” em sua mente, é o momento de relaxar e explorar novos caminhos, deixando o subconsciente fazer o trabalho árduo; segue então, o momento de iluminação, quando as ideias surgem; finalizando assim o processo com a fase de verificação, onde são avaliadas e selecionadas as melhores soluções para o problema. É possível perceber que, apesar de ser dividido em etapas ou momentos, o processo criativo não possui uma estrutura linear, podendo ser percorrido de formas variadas. É necessário destacar também a importância do repertório pessoal e das pesquisas, sendo que quase todos os autores apresentam um momento de exploração de ideias. Outro ponto importante é o tempo, sendo este mais significativo nas fases de incubação. Alguns autores como Baxter (1998) e Torrance (1988) ressaltam que se o criador não possuir tempo para realizar esta etapa, podem ser usadas técnicas e ferramentas para acelerar o processo e gerar resultados melhores. Na moda, o processo criativo acontece em vários momentos do desenvolvimento de um produto ou coleção, sendo geralmente atrelado à metodologia projetual ou ao processo individual do profissional. Por ser muito particular, depende do repertório pessoal e das pesquisas realizadas pelo profissional ou estudante para ser satisfatório e gerar produtos inovadores que atendam às necessidades do mercado. Na sequência, busca-se compreender como o processo criativo é desenvolvido em diferentes âmbitos da moda através da análise de artigos que se referem ao assunto.

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Metodologia A presente pesquisa tem natureza básica devido a sua geração de conhecimentos científicos novos que não possuem aplicação prática esperada. Quanto à apresentação dos dados possui abordagem mista pois integra métodos qualitativos e quantitativos na investigação e análise dos materiais, e se caracteriza como revisão bibliográfica em relação aos procedimentos técnicos. Por buscar conhecer melhor o problema por meio de estudos já realizados, classifica-se como exploratória e também descritiva, pois busca estabelecer relações entre os dados coletados (GIL, 2002). O levantamento dos dados foi feito através da técnica de pesquisa denominada bibliometria, que começou a ser usada para apontar o comportamento de determinada literatura e a sua evolução em um certo período. Hoje o termo se associa às métricas, sendo relacionado ao estudo de processos quantitativos da produção, disseminação e uso de informação em diversos tipos de documentos. Conforme indicam Bufrem e Prates (2005, p.11), o termo deriva da “junção do grego biblion, que significa livro, com o latim metricus e o grego metrikos, que significam mensuração, refere-se a um conceito usualmente definido como um processo de medida relacionada ao livro ou ao documento.” A pesquisa foi dividida em duas etapas: na primeira foi feita a coleta e filtragem dos dados e, na segunda, etapa foi efetuada a análise e elaboração dos dados, conforme pode ser verificado na tabela abaixo: Tabela 1 - Etapas da Pesquisa

Primeira Etapa

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Seleção dos eventos e revistas Definição do período a ser abrangido Busca dos trabalhos Leitura dos resumos e seleção Leitura dos artigos selecionados Criação de tabelas para levantamento de dados Categorização dos artigos

Segunda Etapa

8. Análise dos dados 9. Criação de gráficos e tabelas 10. Redação científica

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras (2017)

Na primeira etapa, definiram-se quais as publicações brasileiras que seriam analisadas, obtendo-se um panorama das pesquisas acadêmicas da área de moda realizadas entre 2012 e 2016. Para tal, foram selecionadas as revistas Iara, Moda Palavra e Projética, além dos artigos publicados nos anais do evento Colóquio de Moda. A revista Iara, que pertence ao Senac, teve sua primeira edição publicada em 2008 e tem como objetivo incentivar a produção e a divulgação de artigos de excelência acadêmica. Publicada semestralmente,

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possui foco na área da moda e busca refletir a grande diversidade teórica da área. A revista ModaPalavra é publicada desde 2002, passando a ter edições em formato virtual a partir de 2008. O periódico é organizado a partir do programa de Pós-Graduação em Moda da Universidade do estado de Santa Catarina (UDESC), e visa difundir o campo científico da moda, procurando trabalhar com dossiês temáticos. A revista Projética, publicada semestralmente pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) desde 2010, abrange áreas variadas do design, publicando artigos e resenhas sobre gestão, ergonomia, design para a sustentabilidade, games, animação, design de moda, entre outros. O Colóquio de Moda acontece anualmente desde 2005, e cada ano é sediado por instituições de ensino em diferentes regiões do Brasil. O evento tem como objetivo reunir pesquisadores, alunos e professores com o intuito de motivar o debate acadêmico, com várias abordagens sobre o campo da moda. O colóquio é dividido em três categorias: Artigos de GTs (para mestres e doutores), Comunicação Oral e Pôster. Os artigos para esta pesquisa foram selecionados através da análise de seus títulos e leitura dos resumos. Os trabalhos que não tratavam especificamente de assuntos de moda foram excluídos, permanecendo assim, 39 artigos submetidos à averiguação. A partir desta seleção foi utilizada a versão gratuita do aplicativo Mendeley1 para organização e estudo do material escolhido. Desenvolveu-se uma tabela para coleta de dados, onde foram inseridos os seguintes elementos dos artigos: periódico, volume, título, autor, ano, instituição de ensino, metodologia, temática, técnicas de processo criativo e palavras-chave. As produções textuais foram então divididos em categorias com o objetivo de auxiliar a posterior análise dos mesmos, levando-se em consideração o foco principal do artigo e seus objetivos. Desse modo, os textos foram nas seguintes categorias: figurino, modelagem, ensino, mercado, e processo criativo. Para auxiliar na compreensão dos dados levantados, são também apresentados gráficos e tabelas junto às análises.

Coleta e análise dos dados Considerando-se os 39 artigos selecionados, que efetivamente tratam de assuntos relacionados ao processo criativo na moda, foi possível tecer as análises propostas para este estudo. A tabela a seguir (Tabela 2), apresenta um panorama geral dessas publicações entre 2012 a 2016, contendo os números Segundo o Centro de Documentação Lucas Gamboa do Instituto de Economia da UNICAMP, o “Mendeley é um software gratuito que auxilia nos trabalhos acadêmicos e tem a finalidade de gerenciar arquivos eletrônicos (formato PDF), além de ajudar na normalização de citações e referências geradas automaticamente.” Maiores informações podem ser encontradas em: https://www.eco.unicamp.br/biblioteca/index.php/gerenciador-de-referencias-mendeley 1

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totais categorizados conforme sua origem, apontando ainda a quantidade de artigos escolhidos conforme a temática desta pesquisa : Tabela 2 - Levantamento dos artigos publicados entre 2012 e 2016 com a quantidade de selecionados Colóquio de Moda

Iara

Moda Palavra

Projética

Ano

Total

Selecionados

Total

Selecionados

Total

Selecionados

Total

Selecionados

2012

293

9

22

-

20

1

28

-

2013

292

5

21

-

20

1

25

-

2014

282

2

22

1

21

1

28

-

2015

323

4

9

2

33

3

29

1

2016

294

3

20

4

33

2

12

-

Total

Total Selecionados

Total

Total Selecionados

Total

Total Selecionados

Total

Total Selecionados

1484

23

94

7

127

8

122

1

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras (2017)

Em primeiro lugar, observou-se a constância específica do tema “processo criativo” nessas publicações, percebendo-se que não se trata de um assunto muito expressivo em comparação com o número total de artigos. No Colóquio de Moda, a porcentagem de escritos que abordam a questão é de apenas 1,54% em todo o período. A revista Iara possui um valor maior, com 7,44% dos trabalhos tratando dessa temática. Já a revista Projética se destaca por ter apenas um artigo sobre o tema ao longo desses 5 anos. Há que se considerar, no entanto, que essa publicação abrange diversas áreas do design, apresentando somente um artigo que aborda especificamente a área da criatividade na moda. Outra observação importante é o fato de que o número de trabalhos sobre o assunto varia consideravelmente ao longo dos anos. No Colóquio de Moda, esta quantidade vem diminuindo gradualmente, possuindo 9 artigos abordando o tema em 2012, contra apenas 3 em 2016. Já nas revistas Iara, ModaPalavra e Projética, é possível perceber que nos últimos dois anos o tema tem se tornado mais frequente. Não foi possível identificar os motivos dessas alterações, mas é possível que outras pautas importantes no campo da moda (como a sustentabilidade, por exemplo), estejam ganhando espaço nas discussões recentes. Quanto à análise do conteúdo, identificou-se apenas um artigo com metodologia de pesquisa mista e somente um com metodologia quantitativa. O escrito com pesquisa mista foi publicada em 2016 na revista Iara, buscando levantar dados quantitativos e qualitativos sobre a utilização do Pinterest2 no contexto empresarial pelos profissionais de moda. Já o trabalho com pesquisa quantitativa foi publicada em 2015 também na revista Iara, apresentando um Pinterest é uma rede social visual, que permite agregar fotos, imagens ou links da web a um mural de imagens, compartilhando o conteúdo com os demais usuários. 2

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levantamento bibliométrico sobre a indústria criativa e moda, realizada na base de dados SCOPUS3. Apesar da maioria dos artigos poderem ser definidos como pesquisa qualitativa, esta característica não foi referenciada com frequência nos estudos, sendo geralmente mencionado apenas a sua qualidade teórica e bibliográfica ou, ainda, apenas descrevendo as etapas realizadas, sem defini-las especificamente. Cabe dizer que, em averiguação feita nas etapas de submissão dos artigos, apenas o Colóquio de Moda e a revista ModaPalavra especificam que os textos devem conter a metodologia empregada, o que pode explicar o fato de que muitos dos trabalhos não tragam essa informação. Quanto à análise dos conteúdos dos artigos selecionados, estes foram divididos em 5 categorias, apresentadas a seguir com seus respectivos números de ocorrência: ensino (4 artigos), figurino (5 artigos); modelagem (7 artigos); mercado (8 artigos); e processo criativo (15 artigos). Dentre os trabalhos que abordam o ensino, todos focam na necessidade de se trabalhar melhor o processo criativo no campo acadêmico, a fim de desenvolver o potencial de criação dos alunos. Cabe salientar que um dos artigos traz uma pesquisa sobre como os acadêmicos realizam seu processo criativo, salientando a superficialidade dos resultados apresentados. Outro escrito analisa os caminhos do ensino da moda, focando na abordagem triangular4 e dando ênfase ao ensino do processo criativo. Os outros dois artigos apresentam técnicas e metodologias que buscam facilitar o ensino de técnicas de criatividade nos projetos de moda. Com relação à temática figurino, os artigos apresentam as etapas de criação em diversos meios, como em circos, telenovelas, clipes e no carnaval. Todos apresentam etapas similares, iniciando com pesquisas estéticas e conceituais, estudo do texto ou música, definição da linguagem visual dos personagens, estudos de matéria-prima, geração de alternativas e fabricação das peças. O processo pode variar dependendo do meio onde este será aplicado, porém, como regra geral, segue as etapas citadas anteriormente. Cabe destacar também que, nesses trabalhos, aborda-se o processo criativo como sendo mais livre, resultando em peças não convencionais e/ou comerciais, inovando no uso de cores, materiais e volumes. Na categoria de modelagem percebe-se a utilização da moulage5 como uma recorrência no uso de técnicas criativas. Cada trabalho trouxe uma Scopus é a maior base de dados de citações e resumo de literatura revisada, contendo revistas científicas, livros e conferências. Oferece ferramentas inteligentes para rastrear, analisar e visualizar a pesquisa (https://www.scopus.com/). 4 A Proposta Triangular de Ensino da Arte foi concebida no Brasil por Ana Mae Barbosa. Nessa proposição, os conhecimentos em Artes são desenvolvidos num processo interligado entre a codificação, a experimentação e a informação, resultando na ampliação significativa da cognição nessa área. Um resumo dessa proposta pode ser encontrado em: https://educacaointegral.org.br/reportagens/ana-mae-barbosa-e-educacao-por-meio-da-arte/ 5 Moulage é uma técnica de modelagem tridimensional, feita diretamente sobre o manequim. 3

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aplicação diferente dessa modalidade, focando na experimentação e na manipulação da forma dos materiais sobre o corpo. Os estudos apresentaram resultados com formas geométricas simples e sua “movimentação” sobre o manequim; a técnica TR Pattern, que consiste em uma metodologia para criar recortes e volumes diferenciados e, ainda, o projeto Dress(v), que traduz o movimento cotidiano do vestir em formas para uma modelagem criativa. Um dos artigos trouxe várias técnicas de moulage e suas respectivas aplicações em exercícios práticos, demonstrando como seu uso gerou resultados inovadores. Em todos os trabalhos dessa categoria é ressaltada uma maior liberdade no processo criativo com o uso da moulage, já que a modelagem tradicional condiciona a criação ao plano bidimensional do desenho. No grupo de trabalhos com foco em mercado, são apresentadas várias perspectivas sobre a criatividade nessa área, focando em assuntos como a cópia, a indústria criativa e o fast fashion. Um dos trabalhos traz um levantamento bibliométrico sobre a indústria criativa e a moda, analisando as pesquisas realizadas no setor. Outra pesquisa traz a aproximação da indústria criativa com a moda, buscando estruturar as principais definições desse campo com as políticas públicas destinadas ao setor. Duas pesquisas destacam a inovação: uma traz a metodologia do design thinking como suporte para o desenvolvimento do trabalho criativo e, a outra, apresenta o estímulo à inovação como alternativa à cópia. Em relação ao fast fashion, três pesquisas abordam o assunto. A primeira, analisa e compara o processo criativo nos modelos fast fashion e slow fashion. Já a segunda e a terceira apresentam uma reflexão sobre o modelo mercadológico fast fashion e seu processo criativo. Um dos artigos também apresenta o Pinterest como ferramenta auxiliar para a criação no design de moda, especialmente na indústria. Percebe-se, assim, que de forma geral esses trabalhos tem como foco o uso da criatividade como meio de inovação na indústria, abordando a necessidade do uso do processo criativo com item indispensável para o desenvolvimento de produtos com diferencial competitivo. A categoria com maior número de trabalhos tabulados é a relacionada diretamente com o processo criativo. Alguns dos estudos destacam os métodos usados por profissionais da área design de moda como André Lima, Lino Villaventura, Fernanda Quilici e Luisa Stadtlander, indicando a criatividade como premissa fundamental para inovar nos seus respectivos campos de atuação. Dois artigos focam em questões filosóficas e sociológicas, buscando compreender as problemáticas relacionadas à atividade criativa no design de moda. Os demais escritos descrevem as etapas do processo criativo ou tem como foco as ferramentas e técnicas que podem ser aplicadas nos processos de criação de produtos. De uma forma geral, como eles apontam para os procedimentos pessoais dos profissionais, acabam por apresentar metodologias que diferem entre si, apesar de todas elas seguirem passos que, em momento ou outro, são muito semelhantes entre si. Invariavelmente, esses processos criativos iniciam com a pesquisa, vindo na sequência a geração de alternativas, transformando os 163


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dados compilados em possíveis produtos, procedimento esse também apontado por (2015), como o mais comum utilizado na geração de uma coleção de moda. Também foi possível perceber que a maioria dos artigos apresentavam a utilização de técnicas e ferramentas criativas, sendo que dos 39 trabalhos analisados somente 7 não mencionavam nenhuma delas. Para averiguação desses métodos mencionados, foi feito também um levantamento desse ferramental, chegando-se a 21 formas distintas, conforme pode ser averiguado no gráfico abaixo: Gráfico 1 - Técnicas e Ferramentas Criativas

Fonte: Elaborado pelas autoras (2017)

Analisando o gráfico, percebe-se que a moulage, os painéis e a experimentação se destacam como técnicas mais utilizadas como processos criativos para elaboração de produtos de moda. Já o handstorm, os cenários e os mapas mentais são os procedimentos menos mencionados nos artigos. O que se pode deduzir, neste caso, é que acaba prevalecendo o uso das técnicas mais difundidas no campo do ensino/aprendizagem da moda, tanto em cursos formais como nos informais. Um olhar sobre as definições encontradas sobre esses procedimentos podem fornecer algum dados sobre sua constância nos artigos analisados. Segundo Saleh e Gadis (2014), a moulage é uma técnica que estimula a criatividade, pois através da manipulação do tecido sobre o “corpo” é possível descobrir novas formas, facilitando assim o processo de geração de alternativas e dando mais liberdade de criação ao designer. Já a utilização de painéis parece ser mais comum na etapa de inspiração, podendo representar conceitos, temas, tendências e o público alvo, auxiliando na visualização dos conceitos simbólicos e estéticos que se quer empregar nos produtos.

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

Em relação a experimentação, segundo Mesquita e Souza (2012), esse processo possibilita a transformação de ideias e conceitos em algo material e significativo, podendo acontecer de várias formas e em vários meios. Com base nesses conceitos, é possível notar que estas técnicas visam uma maior liberdade de criação onde o foco é a inspiração, predominando ainda a ideia de que esse é um trabalho onde se deve relacionar criatividade com experimentação. No caso das técnicas menos citadas (handstorm, cenários e mapas mentais), é possível que elas não sejam tão recorrentes porque necessitem de um olhar mais abrangente e complexo sobre o processo de elaboração de produtos, o que demandaria menos experimentação e mais transpiração6. Para finalizar esta análise, buscou-se uma visão geral dos temas apresentados nos artigos por meio das palavras-chave mais comuns indicadas nos textos. A nuvem de palavras abaixo representa a ocorrência e a predominância dos termos mais recorrentes: Figura 1 - Nuvem de palavras-chave encontradas nos artigos

Fonte: Elaborada pelas autoras (2017)

É possível perceber que, em sua maior parte, os trabalhos apresentam como foco temas relacionados à criatividade e o processo criativo, além de termos pertinentes a categorias próprias dentro da análise, como figurino, modelagem, ensino e fast fashion. Pode-se perceber também a prevalência das palavras moda e design de conectadas à palavra vestuário, reafirmando o fato de que o maior número de trabalhos nessa área está voltado para a confecção, inexistindo estudos voltados para outras áreas como de calçados, acessórios e joias.

Considerações finais A análise bibliométrica apresentou-se como um método de pesquisa eficiente para averiguar o conteúdo e a relevância de uma determinada área de estudo em

Faz-se aqui uma menção à frase atribuída Thomas Edison, para quem “o sucesso é constituído por 10% de inspiração e 90% de transpiração”. 6

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eventos e revistas científicas, permitindo a realização de uma análise que verifica diferentes aspectos relacionados à criatividade e à moda. Nesta pesquisa, a bibliometria auxiliou na compreensão das mais diversas dimensões do processo criativo e como ele é aplicado em diferentes âmbitos da moda. Foi possível perceber a importância das técnicas e ferramentas de criatividade nos processos de elaboração dos produtos, uma vez que estes foram assuntos que estiveram presentes na maioria dos artigos analisados. O estudo também demonstrou a existência de procedimentos que, apesar de conhecidos, não figuram entre os mais utilizados de acordo com o material analisado. Por meio dessas análises foi possível entender que o processo criativo é determinante na criação de produtos de moda únicos e inovadores, sendo um grande diferencial para os profissionais e empresas que querem se inserir no mercado contemporâneo. Observou-se também que o número de pesquisas relacionadas a esse assunto não é tão expressivo, quando comparado a outras temáticas discutidas na totalidade dos artigos publicados no evento e nas revistas citadas entre 2012 e 2016. Os resultados registrados podem fomentar iniciativas de pesquisa em criatividade e processo criativo nos diversos campos da moda, demonstrando às instituições que possuem graduação na área, aos professores, e aos acadêmicos e pesquisadores que trata-se de uma área que pode ser potencializada, visto que é tão necessária para o desenvolvimento do campo da moda e possui inúmeras vertentes a serem exploradas.

Referências BAJA, Jessica Zanon. A importância da metodologia de projeto e do processo criativo para o design. 2012. 135 f. TCC (Graduação) - Curso de Design, Universidade Positivo, Curitiba, 2012. BASSO, Aline Teresinha. Como nasce uma coleção: a importância dos documentos de processo. In: COLÓQUIO DE MODA, 11, 2015, Curitiba, Pr. Anais. Curitiba, Pr: Colóquio de Moda, 2015. p. 1 - 9. BAXTER, Mike. Projeto de Produto. São Paulo: Edgard Blücher Ltda, 1998. BUFREM, Leilah; PRATES, Yara. O saber científico registrado e as práticas de mensuração da informação. Ci. Inf, Brasília, v. 34, n. 2, p.9-25, ago. 2005. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. MESQUITA, Raquel Machado de; SOUZA, Cláudia Mendes de. Tridimensionalização como experimentação da forma no processo criativo. In: 166


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COLÓQUIO DE MODA, 8., 2012, Rio de Janeiro, Rj. Anais. Rio de Janeiro, Rj: Colóquio de Moda, 2012. p. 1-11. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. SALEH, Francys; GADIS, Vinicius. A Moulage como ferramenta na criação de produtos inovadores. In: COLÓQUIO DE MODA, 10, 2014, Caxias do Sul. Anais. Caxias do Sul: Colóquio de Moda, 2014. p. 1-10. TORRANCE, Ellis Paul. Criatividade: medidas, testes e avaliações; tradução de Aydano Arruda. São Paulo: IBRASA, 1976. VON OECH, Roger. Um “TOC” na cuca: Técnicas para quem quer ter mais criatividade na vida. São Paulo: Livraria Cultura Editora LTDA, 1988.

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DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO DE TENDÊNCIAS DE CONSUMO E COMPORTAMENTO NO PESQUISATÓRIO DA UNIVALI Graziela Morelli Bruna Giovana Borges

O estudo das tendências tem se revelado cada vez mais importante numa sociedade efêmera, competitiva, instantânea e global. Prever comportamentos, desejos e necessidades de consumo tornou-se uma estratégia de muitas empresas nos mais diversos setores. A identificação de tendências de comportamento, a partir de uma visão ampla, serve como uma estratégia utilizada por empresas da área de moda e design que buscam interpretar e prever as aspirações dos consumidores e as qualidades do mercado comercial num futuro determinado. Este artigo aborda a conclusão de um projeto de iniciação científica que contou com o apoio financeiro Artigo 171\FUMDES\UNIEDU e procurou desenvolver um método para a identificação e investigação de tendências visualizando novas perspectivas de comportamento de consumo de produtos e serviços na sociedade contemporânea. Tal método estabelece-se como ferramenta para o desenvolvimento de projetos de estudos de tendências no Pesquisatório – Laboratório de Pesquisa de Tendências dos cursos de Design da Univali com abrangência acadêmica como também na prestação de serviços para micro e pequenas empresas da região. A metodologia qualitativa envolveu diversas etapas de identificação, análise, testes e uma nova proposta de método baseada nas necessidades e alcances do laboratório. O método proposto está baseado no Design Thinking complementado por uma série de ferramentas de monitoramento, organização e análise dos materiais coletados para a identificação e interpretação dos sinais que possam determinar uma nova tendência.

Introdução O estudo de tendências pode ser caracterizado por um campo multidisciplinar. Isto porque envolve estudos tanto da área do consumo como da comunicação, e se apoia em pesquisas das mais diversas áreas do saber como a Filosofia, Psicologia, Antropologia entre outras. Percebe-se, desta forma, uma aproximação 168


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muito grande entre as ciências sociais e a comunicação, visto que a sociedade atual constitui-se cada vez mais nas formas de comunicação e, muitos dos métodos utilizados para a identificação dos sinais utilizam ferramentas de monitoramento midiático. Tais estudos mostram-se cada vez mais importantes na sociedade atual, pois são considerados como estratégicos para a compreensão da recepção e do consumo e, dessa forma, vislumbram caminhos para o desenvolvimento de novos produtos e serviços. O crescimento dessa área nos últimos anos revela-se não apenas pela própria competição entre os mercados, o mercado global e ultra informado, mas também no interesse pela atividade profissional, tão ligada aos setores do marketing e da comunicação como também a moda, mas que se expandiu para se transformar em setores nos mais diversos segmentos de mercado. Isso fez com que cursos, consultorias e métodos de como pesquisar tendências aparecessem com destaque gerando, ao mesmo tempo, grande visibilidade, mas um enorme desafio. Tendo em vista que cada vez mais as empresas na área do design e da moda utilizam-se da pesquisa de sinais emergentes em suas diversas faces para procurar garantir o conhecimento de informações relevantes para os departamentos de marketing e desenvolvimento de produto, elaborou-se a seguinte pergunta de partida para a pesquisa: Como é possível definir estratégias que possam servir de referência para o desenvolvimento de novos produtos e serviços no campo do design interpretando os diversos movimentos econômicos e socioculturais da sociedade contemporânea? A partir dessa pergunta, elaborou-se o objetivo geral da pesquisa: desenvolver um método para a identificação e investigação de tendências visualizando novas perspectivas de comportamento de consumo de produtos e serviços na sociedade contemporânea. Cabe dizer que essa perspectiva de investigação acabou por estruturar as atividades do Pesquisatório – Laboratório de Pesquisa de Tendências dos cursos de Design da Universidade do Vale do Itajaí, que tem procurado desde o início de suas atividades definir um caminho próprio para atender, principalmente, as micro e pequenas empresas da região do Vale do Itajaí.

Tendências A palavra tendência atua com diferentes significados, atribuídos a sua volatilidade de tempos em tempos. A tendência pode nomear movimentos sociais emergentes e evidentes, tanto quanto, movimentos subterrâneos quase que imperceptíveis aos olhos humanos (ERNER, 2015). O surgimento das tendências se dá com o advento da modernidade, trazendo novas perspectivas para o indivíduo e sua construção de identidade individual e coletiva. As tendências são observadas como consequências das 169


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mudanças econômicas, sociológicas e tecnológicas do fim do século XVIII (ERNER, 2015). Os indivíduos, ávidos por novidades ou mudanças, têm na Revolução Industrial um sistema capaz de fornecer estas novidades, seja no âmbito da moda ou das tendências comportamentais. No conceito das mudanças ocasionadas pela industrialização e evolução da sociedade, observa-se na palavra tendência traços que exemplificam esse caminho traçado pela sociedade até os dias de hoje. Caminho marcado por mudanças, sejam elas voluntárias ou involuntárias, que acontecem para um “melhor”. Este “melhor” pode ser constituído como a visualização do futuro e a necessidade de antecipar os passos a serem dados. A palavra tendência é amplamente utilizada na contemporaneidade. Porém, essa retórica a torna vazia de sentido e em certo ponto, sinônimo de futilidade. Segundo Santos (2017), entende-se como tendência: a compreensão dos sinais que se apresentam nas esferas sociais, sendo observadas por um período de tempo específico e que, de alguma forma, correlacionam-se refletindo um comportamento. A tendência define o zeitgeist vigente, sendo materializados em produtos consumidos ou um modo de vida predominante. Fatores que identificam a importância da observação do zeitgeist ou do “espírito do tempo”, a fim de pertencer a cultura contemporânea (CALDAS, 2006). O zeitgeist é a base para a compreensão das tendências, analisando as mudanças sutis no comportamento onde permite-se o mapeamento destas mudanças e a prospecção do seu impacto na vida em sociedade. O agrupamento destas mudanças serve como inspiração no desenvolvimento de novos produtos e serviços que logo aparecem no mercado, apresentando-se com uma maior probabilidade de aceitação pelo consumidor (HOLLAND; JONES, 2017). O desenvolvimento de uma tendência e seu processo de difusão ainda são temas de discussões entre estudiosos. Uma das primeiras teorias sobre a difusão das tendências na sociedade foi chamada de trickle down (gotejar, em tradução literal) por Simmel em meados de 1900, que era descrita como a adoção de novos estilos pelas classes com maior poder aquisitivo e as classes mais pobres, na busca por aceitação ou enquadramento na sociedade, copiavam estes modelos vindos “de cima” (SANTOS, 2017). Figura 1 - Diagrama da teoria trickle down

Figura 2 - Diagrama da teoria bubble-up effect

Fonte: adaptado de Holland e Jones (2017).

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A teoria trickle down (ilustrada na Figura 1) recebeu críticas quando, em 1960, a classe média passou por transformações impulsionadas pela inovação sem, necessariamente, terem passado pelas classes mais altas da sociedade. Além de diferentes tipos de tendências atingirem ao mesmo tempo as mais variadas classes, como as telenovelas (SANTOS, 2017). A difusão das tendências por parte da massa (de baixo para cima), conforme a Figura 2, também foi apontada como uma das teorias de desenvolvimento das tendências. Chamada de bubble-up effect (efeito bolha, em tradução literal), é a adoção de estilos de subculturas ou tribos urbanas que são fontes de inspiração para criadores, levando-os até as classes mais altas da sociedade. Outro fator a ser considerado nesta teoria é o envolvimento da mídia, que pode alavancar ou desestimular uma tendência (HOLLAND; JONES, 2017). Na contemporaneidade, as relações sociais e as tendências sofrem efeitos constantemente, sendo difícil estipular apenas uma das teorias anteriores para definir a difusão das tendências na sociedade atual. Vislumbrando essa dinâmica, outra teoria apresenta-se como trickle-across, que entende a tendência como processo da sociedade como um todo. Argumenta a iniciação da tendência em todos os níveis, da classe alta ou consumidor de massa, passando também pelo designer (HOLLAND; JONES, 2017). Figura 3 - Diagrama da teoria trickle-across

Fonte: adaptado de Holland e Jones (2017).

A teoria trickle-across (ilustrada na Figura 3) ocorre quando uma tendência pode ser adaptada para diversos preços e tipos de consumir (HOLLAND; JONES, 2017, p. 64, tradução nossa). Essa teoria permite a expansão do campo de atuação do designer, possibilitando a criação para os mais variados grupos de pessoas. Estendendo a teoria anterior para uma versão contemporânea, propõe-se um novo ecossistema: teoria que leva em consideração a democratização da moda e a velocidade da internet, como propulsores de tendências. As principais tendências da moda também são menos dominantes do que na década anterior, com os consumidores menos dispostos a adotar um estilo único do que eram no passado. Como resultado, o caminho de uma tendência nem sempre é claro, e algumas podem existir apenas em um nível do mercado, enquanto outras atingirão diferentes estratos em momentos diferentes, tornando muitas tendências mais de um ecossistema do que um simples fluxograma (HOLLAND; JONES, 2017, p. 65, tradução nossa).

Além do novo ecossistema, o modelo de Rogers (1962) sobre a difusão da inovação exemplifica como uma novidade entra no mercado com seu ciclo de 171


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ascensão e queda entre os diversos consumidores. Este modelo apresenta-se de forma não linear, compreendendo que as inovações não acontecem da mesma maneira em diferentes partes da sociedade contemporânea (SANTOS, 2017). Figura 4 - Curva da difusão da inovação

Fonte: adaptado de Everett Rogers (1962).

A teoria de Rogers (1962) sugere que ideias novas ou tendências são incorporadas em um primeiro momento por um grupo pequeno de pessoas chamado de inovadores (innovators, em inglês). Este grupo é mais propenso a aceitar novidades, conectados ao mundo das tecnologias e abertos a novos comportamentos emergentes (SANTOS, 2017). Ousados em suas escolhas, permitem-se ser entusiastas e pioneiros na inovação. Após a adoção pelos inovadores, o segundo grupo a adotar a novidade são os chamados primeiros a adotar (early adopters, em inglês), que constituem um grupo maior de pessoas que os inovadores, embora relutam alguns tipos de novidade em seus estágios preliminares (HOLLAND; JONES, 2017). Este grupo é o visionário no quesito de vantagem competitiva, buscando nos inovadores, fonte confiável e segurança para adotar a inovação em segundo passo. O terceiro grupo é a maioria inicial (early majority, em inglês), grupo amplo de consumidores que adota as inovações de forma pragmática, após essa apresentar um histórico de sucesso. Nesta fase, a inovação atingiu a massa, sendo mais fácil a difusão a partir deste ponto (SANTOS, 2017). A maioria tardia (late majority, em inglês), segmento seguinte da maioria inicial, também apresenta grupo amplo de consumidores. Porém, indica uma resistência maior na adoção das novidades, retardando sua absorção até a sua estabilização na sociedade (SANTOS, 2017). Conservadores em seu consumo e comportamento, são consumidores que não acreditam no investimento em inovação e prendem-se ao valor monetário, até a inovação mostrar sinais de retorno – lucro. Em último, na curva da difusão da inovação estão os retardatários (laggards, em inglês) que são céticos em seu comportamento de consumo, não seguindo modismos. Arredios às mudanças, adotam a inovação quando já se encontra em uma fase madura, minimizando os riscos (SANTOS, 2017). 172


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Analisar a curva de difusão e os grupos que a compõe, auxilia no direcionamento de um produto e a entender o comportamento de consumo da sociedade perante a inovação. Utilizando-se destas informações, a probabilidade da inserção correta de um produto aumenta consideravelmente, bem como o direcionamento das campanhas de marketing suprindo os desejos e necessidades de cada grupo da curva. A tendência vincula-se ao movimento de transformação em uma sociedade, mudanças que podem ser longas alcançando uma grande parcela da população, ou mais pontuais. Essa diferenciação deve ser compreendida na pesquisa de tendências, e denominada de acordo com sua duração. Define-se como tendências de duração e amplitude distintas: uma onda (fad ou modismo), uma moda, microtendência e macrotendência (SANTOS, 2017). O termo onda ou fad (novidade) é utilizado para simbolizar um efeito repentino e de curta duração. São produtos que surgem repentinamente nas mãos dos consumidores, tornando-se verdadeiramente uma “febre” e que desaparecem na mesma intensidade. Este movimento não permite ter claro a sua formação inicial, tendo início desde a periferia até em grandes centros, ambos simultaneamente (SANTOS, 2017). A moda é um termo que não se aplica apenas ao vestuário, pode estar ligado ao estilo de vida, comportamento e consumo de uma sociedade ou indivíduo, tornando-se mais persistente que um fad. A moda ou microtendência pode ser compreendida como a manifestação tátil de uma tendência de comportamento, criando significados simbólicos para produtos (SOLOMON, 2002, p. 402 apud SANTOS, 2017, p. 27). Um exemplo citado por Santos (2017) é a customização por adesivos que pode ser considerada uma moda, visto que deriva de uma tendência comportamental da personalização do produto, tornando-o único. As tendências de longa duração são as tendências socioculturais ou de comportamento que mantêm uma estabilidade e longevidade, maior que as anteriores, na sociedade. Descreve-se como um comportamento emergente na sociedade, com mudanças abrangentes, que apresenta um ciclo longo e estável (RECH; GOMES, 2016). Estas tendências, quando analisadas em sua profundidade, norteiam o mercado com diretrizes que representam os valores vigentes tornando-se campo fértil para inovação e desenvolvimento de novos produtos. As macrotendências podem ser descritas como “[...] grandes mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que se formam lentamente e, uma vez estabelecidas, nos influenciam por algum tempo – de sete a dez anos, no mínimo” (KOTLER; KELLER, 2006 apud SANTOS, 2017, p.30). Sua influência manifesta-se em conceitos e comportamentos locais que se espalham em uma escala global afetando um grande número de pessoas de formas diferentes. A macrotendência reflete o espírito do tempo vigente, iniciando aos poucos e pouco notável. Revela-se perceptível aos olhos treinados de 173


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pesquisadores, e compreendida em seu ápice pelo restante da população. Pode manifestar-se em pequenas ou grandes mudanças, não se aplica exclusivamente à moda, mas sim, em todas as dinâmicas sociais – acontecendo ao mesmo tempo ou em tempos distintos. A microtendência está interligada com a macrotendência, onde os acontecimentos menores formam uma espécie de “teia” que, agrupadas, formam uma tendência sociocultural global ou uma macrotendência. A microtendência apresenta-se de forma mais tátil e de melhor percepção, sendo uma novidade já difundida aos consumidores de massa (DUMITRESCU, 2011). Figura 5 - Gráfico de comparação entre modismo, moda e tendência sociocultural

Fonte: adaptado de SOLOMON (2002 apud SANTOS, 2017, p. 28).

Entender o conceito de tendência, suas divisões e meios de difusão permite-nos buscar por respostas acerca dos movimentos sociais e como influenciam na vida individual e coletiva, de uma sociedade. A pesquisa de tendências serve de instrumento nesta busca, auxiliando no desenvolvimento de novos produtos e de estratégias que estejam de acordo com o zeitgeist vigente.

Pesquisa de tendências Impulsionada pela Revolução Industrial assim como outros fatores, a sociedade contemporânea observa e vivencia elementos decorrentes dessa evolução, tanto do ponto de vista social, quanto econômico e ambiental. Esses elementos podem ser identificados no chamado “espírito de tempo” e por coolhunters, profissionais conhecidos como caçadores de tendências que se utilizam de métodos que combinam a antropologia, psicologia, sociologia, semiótica e até, a neurociência (SANTOS, 2017). A pesquisa de tendências existe para ajudar a prever quais produtos as marcas e varejistas devem desenvolver e vender, minimizando os riscos, evitando desperdício de esforços e gastos. É também uma forma de manter alguns passos à frente do consumidor alvo; entendê-los para que se possa oferecer-lhes produto novo e, assim, ganhar sua lealdade (HOLLAND; JONES, 2017). 174


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A dinâmica social inconstante traz incertezas sobre o comportamento de consumo. A pesquisa de tendências apresenta-se como uma das formas de prever e delinear os caminhos que o comportamento de uma sociedade está tomando. A inserção deste processo de pesquisa nas empresas, torna-a suscetível ao sucesso, baseando-se em estratégias e diretrizes grávidas de sentido aos olhos dos consumidores. Muito já foi desenvolvido. As prateleiras estão cheias de produtos, tornando a busca pelo novo cada vez mais difícil. Compreendendo este cenário, as empresas aliaram o desenvolvimento de produtos aos conhecimentos oriundos da antropologia, sociologia, filosofia e psicologia a fim de analisar as práticas de consumo da sociedade (MENDES, 2014). [...] As empresas utilizam cada vez mais pesquisas de tendências de comportamento e consumo: para que se expressem de acordo com os valores circulantes nas dinâmicas sociais e, portanto, com o espírito do seu tempo, alcançando os anseios dos consumidores contemporâneos (SANTOS, 2017, p. 17).

Apoiando-se nessas informações, a oferta de novos produtos e serviços cria necessidades inexistentes no mercado, que rapidamente são absorvidas criando uma nova identidade de consumidores e produzindo um ciclo vicioso na busca pelo novo. Ciclo este que torna a concorrência mais acirrada, onde baseiase a diferenciação pelo estilo, design e simbologia implícito ao produto (RECH, 2009, p.2 apud RECH, 2006) Desta forma, a aplicação da pesquisa segue em ascensão quando as empresas compreendem que este dispêndio é um investimento a longo prazo, que deve acompanhar o processo de desenvolvimento em sua totalidade produzindo produtos com diferenciação de mercado. A pesquisa de tendências torna-se um diferencial para a empresa interpretando os sinais vigentes e mapeando o comportamento humano que conduz ao desenvolvimento de um novo produto que atenda às demandas mais específicas resultantes da contemporaneidade.

Métodos e ferramentas de Pesquisa de Tendências O papel do pesquisador de tendências é entender o todo por uma perspectiva multidisciplinar ora qualitativa, ora quantitativa. Para que esse trabalho ocorra de forma homogênea, torna-se necessário o uso de metodologias aplicadas à pesquisa de tendências. Muitos modelos de metodologias utilizados em birôs1 são dificilmente encontrados na literatura, visto que a metodologia é “guardada a sete chaves”. O que se pode afirmar destas metodologias é sua interdisciplinaridade, contando com os profissionais das mais diversas áreas

Birôs: empresas especializadas em pesquisa de tendência que repassam informações aos profissionais da área da moda. Do francês bureaux du style. 1

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combinando conhecimentos por um mesmo objetivo para interpretar os sinais emergentes. Entre as formas de pesquisas mais utilizadas, encontra-se a pesquisa observacional uma vez que através da observação adequada consegue-se um melhor entendimento do consumidor, suas atitudes e desejos. Técnicas etnográficas e sociológicas também estão sendo cada vez mais empregadas na pesquisa de mercado, "os quais ajudam a entender como as influências culturais, sociais e ambientais podem atuar no comportamento" (SANTOS, 2017, p. 71). Bastante popular, a metodologia de pesquisa de tendências conhecida como coolhunting, ganhou adeptos na busca pelo novo, através da observação de comportamento em grupos urbanos ou trendsetters2. Porém, esta metodologia é mais utilizada para confirmação de dados já coletados por outras áreas do conhecimento, fundamentando a prospecção (MENDES, 2014). Segundo Riezu (2011, p. 6) “o coolhunting é um termo do mundo do marketing que se refere à previsão de futuras tendências e mudanças do consumo”, sendo a tradução do termo “coolhunting” uma “caça ao legal” – ou popularmente, “caça às tendências”. O coolhunter, profissional que pratica o coolhunting, deverá observar as diferentes áreas que abrangem a sociedade contemporânea, fazendo conexões de sinais emergentes e destacando o que pode tornar-se uma tendência. O caçador de tendências costuma mapear sua cidade (é correspondente de um local que conhece muito, geralmente o lugar onde vive) e monitora as pessoas nas principais ruas, bares e restaurantes, frequenta eventos, exposições e também monitora diferentes mídias (vitrines, jornais, sites, revistas e veículos de comunicação em geral), incluindo as sociais, para posterior análise de conteúdo. Identifica tendências socioculturais, mas também movimentos de menor duração [...] (SANTOS, 2017, p.74).

Portanto, o profissional coolhunter é um observador de comportamentos, estilos e práticas de consumo. Orientado por suas pesquisas, explica as mudanças de aspetos socioculturais apontando direcionamentos de acordo com o briefing recebido pela empresa (MENDES, 2014). Outra ferramenta de pesquisa de tendências é a etnografia. Esta ferramenta se baseia na antropologia, envolvendo a descrição sociocultural de um grupo “e requer a observação direta em contextos naturais, podendo coletar dados por meio de observação participativa ou não participativa” (SANTOS, 2017, p. 83). A etnografia reduz as distorções de interpretação que podem ocorrer em pesquisas que utilizam de métodos laboratoriais (como desk research e focus group), onde o pesquisador coleta suas informações atuando no anonimato e sem o conhecimento do objeto de estudo, em locais públicos. “O etnógrafo deve Um trendsetter é alguém que, conforme a palavra em inglês sugere, aponta as tendências. Essa pessoa está à frente da massificação e indica o comportamento que está por vir. 2

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ser capaz de viver no seu íntimo a tendência principal da cultura que está estudando. Se, por exemplo, a cultura tem preocupações religiosas, ele deve rezar com seus hóspedes” (LAPLANTINE, 1988, p.22 apud SANTOS, 2017, p. 84). O monitoramento midiático dos sinais emergentes, realiza-se pela prática do desk research: ferramenta de pesquisa de dados secundários em que ocorre o levantamento das informações disponíveis online ou off-line. Usa-se “[...] dados disponíveis na internet, revistas especializadas, jornais, relatórios anuais de empresas, pesquisas de instituições governamentais, banco de dados comerciais etc., publicações do governo ou de fundações e universidades” (SANTOS, 2017, p.88). Estes dados compilados e estruturados permitem uma visualização do presente e uma base para a prospecção das tendências. Analisa o mercado de forma a torná-lo compreensível para a empresa, contribuindo para o posicionamento da empresa, além da agilidade em se ter um relatório completo sem a necessidade de saídas à campo (SANTOS, 2017). Um dos exemplos de desk research é a análise de conteúdo, que consiste no desenvolvimento de sistemas de categorização frequentemente com a finalidade de serem usados por avaliadores que deverão quantificar informações nos documentos. A vantagem deste processo é sua flexibilidade, permitindo ao pesquisador a interpretação de acordo com sua percepção, adicionando à sua intuição, conhecimentos prévios e sua sensibilidade ao material desenvolvido (SANTOS, 2017). É fundamental a sensibilidade do pesquisador para atribuir com habilidade significados aos dados, captando todas as nuances possíveis a cada sinal de comportamento coletado na monitoração mediática, separando o que é pertinente à pesquisa ou não (SANTOS, 2017, p. 93).

A interpretação de sinais e manifestações é outro método utilizado por especialistas em pesquisa de tendências. Este método compõe-se pela observação e análise de sinais nas diversas esferas sociais, tornando um trabalho transversal e que ultrapassa limites geográficos (SANTOS, 2017). O mapeamento destes sinais é feito de forma multidisciplinar, com equipes compostas por antropólogos, psicólogos, semioticistas, designers dentre outros profissionais. Essa multidisciplinariedade proporciona a análise de convergências ou recorrências de sinais em diversos campos de estudo. Segundo Davis (2004, p. 21 apud SANTOS, 2017, p.105), “ao cruzarmos as informações poderemos reconhecer novas características comuns compartilhadas pelos mais diferentes campos e identificar novas forças que irão impulsionar a inovação na cultura e no mercado”. Todos estes métodos e ferramentas apresentados transformam sinais em estratégias para a concepção de produtos e recursos empresariais.

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Metodologia Esta pesquisa organiza-se em seis momentos, onde o primeiro baseia-se na pesquisa bibliográfica que teve como foco teorias relacionadas a compreensão do sistema de moda, a sociedade de consumo, a definição de tendências, sua relevância para o mercado. Ainda neste primeiro momento foram identificados métodos de pesquisa de tendências de diferentes autores como Riezu (2011), Caldas (2006), Santos (2017), Erner (2015), Rech (2009) etc. Todos estes foram analisados de forma a identificar seus objetivos, principais ferramentas e formas de análise. No segundo momento foram feitos os exames dos métodos de pesquisa de tendências encontrados assim como identificadas suas formas de busca. Essas fontes de pesquisa foram investigadas em blogs, sites, revistas etc., que foram mapeadas a partir de algumas referências encontradas através dos métodos e/ou relatórios. O terceiro momento foi de identificação, através de pesquisas em periódicos especializados, revistas e principalmente internet (blogs, redes sociais, etc.), de elementos que pudessem identificar tendências de movimentos. Após esta etapa, no quarto momento, foram feitos testes de alguns modelos para a construção de um método próprio de identificação e interpretação de tendências utilizando como fonte as informações encontradas anteriormente. E por fim, no quinto e sexto momento respectivamente, foram feitas as definições de método e testes e as análises finais e discussões. Ao longo da pesquisa, pôde-se perceber que, entre os métodos de pesquisa divulgados pelos mais diversos autores e birôs, não foram identificados seus pormenores, mas sempre que os modelos foram apresentados, se davam de forma ampla e genérica. Mesmo assim, a pesquisa foi de extrema importância para que se pudesse vislumbrar possibilidades a serem aplicadas no Pesquisatório - Laboratório de Pesquisa de Tendências dos cursos de Design da Univali avistando a realização de pesquisas de tendências que pudessem contribuir com empresas locais e regionais.

Metodologia Pesquisatório Ao longo das pesquisas foram agrupados métodos e ferramentas para a utilização do Pesquisatório na investigação de tendências. Como primeira metodologia a ser implementada e testada, utilizou-se a abordagem do Design Thinking, como necessidade de resolução de problemas de uma forma mais criativa ou inovadora. Para isso, Tennyson Pinheiro, na apresentação da edição brasileira do livro "Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias: Design Thinking" do autor Tim Brown (2010), aborda a metodologia como uma forma de "[...] compreender o ser humano de forma profunda, cocriar com esse ser humano as soluções e experimentar essas soluções ainda cedo, antes que seja tarde demais para modificá-las ou ajustá-las." 178


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O design thinking funciona em etapas (o que pode diferenciar-se de autor para autor), que começam na imersão com uma pesquisa exploratória em profundidade. Em segundo momento acontece a análise e síntese dos dados coletados na imersão podendo ser utilizado agrupamentos de ideias e conceitos similares. No terceiro momento está a ideação onde o brainstorming de ideias e soluções acontece, com o foco no público-alvo. Em último momento temos a prototipagem, etapa que as ideias geradas na fase anterior ganham conteúdo buscando concretizar a solução. A diferenciação do design thinking dos demais métodos ou abordagens, é a possibilidade de sempre retornar ao passo inicial com a finalidade de melhorar a solução final, criando diversas possibilidades (BROWN, 2010). No projeto trabalhou-se com a base do Design Thinking utilizando o modelo do "The Double Diamond Framework" desenvolvido pelo British Design Council em 2005. Figura 6 - The Double Diamond Framework adaptado para o Pesquisatório

Fonte: Adaptado pela autora com base no modelo do British Design Council (2005).

A adaptação ocorreu na utilização de parte da metodologia de pesquisa de tendências abordada por Wharry (2018), com os ecossistemas que são agrupamentos de temas com as áreas correlacionadas. Para avaliar a eficiência do método, articulamos junto ao Design Thinking a utilização de algumas ferramentas. Na primeira etapa, iniciamos com a pesquisa ampla realizada em duas fases: pesquisa de campo e pesquisa em documentos já prontos (desk research), além da classificação por meio dos ecossistemas. Após este processo, acontece o refinamento das buscas encontrando pontos convergentes. Nesta etapa temos a tendência definida e iniciamos a pesquisa de confirmação, onde apresentamos sinais que validem o comportamento. Com estes dados coletados e confirmados, busca-se por exemplos de produtos\serviços que traduzam aquela referência, as

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microtendências e constrói-se o relatório de tendências com painéis imagéticos fazendo a relação entre o comportamento e o consumo. O monitoramento midiático dos sinais emergentes realiza-se pela prática do desk research: método de pesquisa de dados secundários em que ocorre o levantamento das informações disponíveis online ou off-line. Para tal, usa-se: [...] dados disponíveis na internet, revistas especializadas, jornais, relatórios anuais de empresas, pesquisas de instituições governamentais, banco de dados comerciais etc., publicações do governo ou de fundações e universidades (SANTOS, 2017, p.88).

Para a aplicação desta metodologia, foram selecionados 151 sites nacionais e internacionais, os quais abrangem as áreas de: moda, estilo de vida, arquitetura, tecnologia, cores, artigos têxteis, jornais, sites de notícias, design, música, literatura, cinema, desfiles, entre outros, efetuando-se um acompanhamento semanal. Utilizou-se, também, duas plataformas para a concentração das informações e monitoramento dos sites: as plataformas Padlet e Feedly, que permitem a visualização rápida das páginas cadastradas e reúnem os conteúdos salvos em pastas. Figura 7 – Imagem da plataforma FEEDLY

Fonte: Website feedly.com (2018).

Os dados coletados foram organizados em planilhas no Excel, e classificados, posteriormente nos ecossistemas. Neste momento já pode-se destacar os sinais convergentes que aparecem nas pesquisas.

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Figura 8 - Planilha do Excel de monitoramento

Fonte: arquivo das autoras (2018).

Em paralelo com o desk research, inicia-se a pesquisa de campo ou etnográfica. A investigação de campo concentrou-se na busca por produtos que confirmassem a tendência apontada nas pesquisas do desk research. A pesquisa de campo foi realizada na cidade de Balneário Camboriú Santa Catarina, percorrendo shoppings e varejo da cidade. A investigação utilizou-se de recursos imagéticos para criar sintonia com a tendência pesquisada. Foram feitas breves anotações e registros fotográficos para a construção de um acervo de imagens. Com as informações coletadas, através do desk research e da pesquisa de campo, partiu-se para o agrupamento conforme o tema por meio dos ecossistemas. Os ecossistemas são formados por moléculas de tendências, que são vitais para compreender o futuro da moda. Eles formam as áreas mais importantes para a pesquisa, contextualizando a atualidade. Essa metodologia foi desenvolvida por Wharry (2018) e é utilizada como uma de suas ferramentas mais eficazes. Figura 9 - Ecossistemas

Fonte: Wharry (2018). 181


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Os ecossistemas são divididos em seis eixos temáticos, que abrangem desde tecnologia, moda à economia. Ao longo da pesquisa surgem informações das mais diversas áreas, que deverão ser agrupadas nestes eixos temáticos. Um sinal ou tendência emergente aparecerá nos seis eixos, cada um com sua especificidade. Agrupados estes dados, o próximo passo será a confirmação desta tendência nas ruas através do coolhunting. Bastante popular na metodologia de pesquisa de tendências, o coolhunting ganhou adeptos na busca pelo novo, através da observação de comportamento em grupos urbanos ou trendsetters. A atividade de coolhunting, para comprovar os sinais encontrados nas pesquisas preliminares, ocorreu na cidade de Balneário Camboriú. O caçador de tendências costuma mapear sua cidade (é correspondente de um local que conhece muito, geralmente o lugar onde vive) e monitora as pessoas nas principais ruas, bares e restaurantes, frequenta eventos, exposições e também monitora diferentes mídias (vitrines, jornais, sites, revistas e veículos de comunicação em geral), incluindo as sociais, para posterior análise de conteúdo (SANTOS, 2017, p.74).

Após a confirmação desta tendência, temos as etapas visuais e de conceituação da tendência. Inicia-se a confecção do moodboard, que consiste em um instrumento de design que pode ser utilizado para diferentes objetivos, como um painel de visualização sobre o assunto a ser tratado. Usa-se como recursos imagens, colagens, tecidos, objetos para que possa transmitir a mensagem ideal ao leitor (MERONI, 2007 apud OLIVEIRA, 2016). O moodboard pode “auxiliar a comunicação e inspiração durante todo o processo de concepção” (MCDONAGH e DENTON, 2005 apud OLIVEIRA, 2016, p.36). O uso do moodboard como ferramenta dentro da metodologia ajuda a fornecer elementos visuais através da interpretação dos sinais para a tradução das tendências na formulação do relatório de tendências, assim como a combinação da utilização do mapa conceitual. O mapa conceitual é “uma ferramenta para representar graficamente o pensamento criativo, permitindo ter uma visão geral do problema, planejar os objetivos e reunir uma grande quantidade de dados em um só lugar” (PAZMINO, 2015, p. 186). Junto a metodologia do Design Thinking, o mapa conceitual foi empregado na visualização dos principais sinais encontrados e na visualização destes como um todo, agrupando os elementos que compõem a tendência encontrada. A criação do mapa conceitual contribui para o desenvolvimento do relatório de tendências, que delimita os conteúdos obrigatórios a serem redigidos. Eles [mapas conceituais] guardam uma certa analogia com mapas geográficos: as cidades seriam os conceitos, e as estradas, linhas ligando estes e simbolizando relações entre eles. No entanto, diferentemente do caso da 182


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geografia, cada mapa conceitual deve ser sempre visto como um mapa conceitual e não como o mapa conceitual de um certo conjunto de conceitos, ou seja, deve ser visto como apenas uma das possíveis representações de uma certa estrutura conceitual (MOREIRA, 1986, p. 17). Assim, pode-se conhecer a forma como a metodologia foi construída para uso no Pesquisatório. Inicia-se com o desk research na reunião das informações necessárias para análise que é acompanhado de uma pesquisa de campo a nível exploratório. Com estas informações agrupadas e analisadas, estas são divididas em ecossistemas, por temas e aí é possível definir a tendência. A partir daí, fazse o trabalho de confirmação do tema através da prática do coolhunting. Devidamente analisados todos os dados e relacionados, a próxima etapa dedica-se a iniciar o processo de comunicação da tendência. Para isso, é construído um mapa conceitual, com palavras-chaves e um moodboard que, através da seleção de imagens, cores e objetos traduzem visualmente e sensorialmente a principais características da tendência.

Considerações finais A pesquisa de tendências permite ao designer a interpretação dos sinais pulsantes na sociedade. Torna-se um diferencial para a empresa que mapeia o comportamento humano conduzindo o desenvolvimento de um novo produto que atenda às demandas mais específicas resultantes da contemporaneidade, além de uma visão de minimização de fracassos e prejuízos. Através da aplicação da metodologia desenvolvida, foram feitos testes que, resultaram na identificação de uma nova tendência de consumo, que foi provisionada para cerca de dois anos (2019-2020), e foi constantemente monitorada ao longo deste tempo na busca pela comprovação dos dados propostos. O relatório de tendências foi desenvolvido criando um material gráfico para comunicar o tema encontrado, visando a continuidade e regularidade de materiais sobre previsões de comportamento e consumo, dando ênfase na sustentabilidade e vislumbrando uma contribuição para as empresas locais e regionais. O método foi compartilhado com a equipe do Pesquisatório no primeiro semestre de 2019, para o ajuste das etapas e direcionamentos junto aos estudantes que participam do grupo de estudo, buscando a harmonização do trabalho com as características dos cursos de Design da Univali. A definição de um método próprio possibilita ao laboratório uma constante investigação das tendências e amplia seu alcance de projetos desenvolvidos por alunos vinculados ao Pesquisatório. Uma das dificuldades encontradas foi a falta de informações metodológicas dos grandes birôs, que apresentam seus métodos de forma genérica sem especificar ferramentas ou detalhes fundamentais sobre a pesquisa 183


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de tendências. E também, tornou-se um desafio a procura por bibliografias especificas na área de metodologia de pesquisa de tendências, sendo comum a generalização e a inexistência de testes que averiguem a veracidade do método proposto. Conclui-se que o trabalho desenvolvido atingiu os objetivos propostos conceituando os temas relevantes a pesquisa de tendências, bem como, seus métodos e ferramentas que compreendem a dinâmica da pesquisa de comportamento, consumo e moda, principalmente a partir do método de coolhunting, além de definir elementos que possam identificar o desenvolvimento de uma nova tendência. E por fim, desenvolveu um método para a identificação e investigação de tendências estruturando as atividades do Pesquisatório – Laboratório de Pesquisa de Tendências dos cursos de Design da Universidade do Vale do Itajaí para atender, principalmente, as micro e pequenas empresas da região do Vale do Itajaí. Um dos grandes motivadores desta pesquisa foi a especificidade de Santa Catarina, por conter uma expressiva massa de indústrias têxteis e de confecção, que deve atrelar o desenvolvimento de produtos à pesquisa de tendências na busca pela formação de uma identidade para o estado mantendo-se competitiva no mercado nacional e global. Contudo, no curto tempo fabril a atenção a pesquisa passa despercebida, ou até mesmo torna-se irrelevante para os gestores e outros setores da produção que baseiam-se, muitas vezes na cópia e reprodução de modelos de grandes marcas. A pesquisa se transforma em algo secundário, e entendido como participante de apenas uma parte do processo, desprezando que sua aplicação deverá acompanhar todo o desenvolvimento do produto. Este estudo deve ser ampliado e continuamente adaptado, aprofundando-se na forma de como a pesquisa de tendências é constituída e adequando-se as demandas futuras do Pesquisatório que observam uma oportunidade específica para pequenas e médias empresas, pela necessidade de pesquisa de tendências nestas empresas que, muitas vezes, não dispõem de recurso financeiro para investir em grandes birôs.

Referências BROWN, Tim. Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias: Design Thinking. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. CALDAS, Dario. Observatório de sinais: teoria e prática da pesquisa de tendências. Rio de Janeiro: Senac, 2006. COUNCIL, British Design. The Design Process: What is the Double Diamond? 2018. Disponível em: https://www.designcouncil.org.uk/news-opinion/designprocess-what-double-diamond. Acesso em: 20 ago. 2018. 184


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DUMITRESCU, Delia. Road trip to innovation: how I came to understand future thinking. Berlim: Trendone Gmbh, 2011. ERNER, Guillaume. Sociologia das tendências. Barcelona: G Gilli, 2015. HOLLAND, Gwyneth; JONES, Rae. Fashion Trend Forecasting. Londres: Laurence King Publishing, 2017. 160 p. KOTLER, P; KELLER, K. L. Administração de marketing. São Paulo: Pearson, 2012. MENDES, Layla de Brito. Metodologias de coolhunting aplicadas à criatividade em Moda: estudo de caso Empresa Tendere. 2012. 178 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Design de Comunicação em Moda, Escola de Engenharia, Universidade do Minho, Braga, 2014. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/33976. Acesso em: 09 ago. 2018. MOREIRA, Marco Antônio. Mapas conceituais. 1986, Porto Alegre. Florianópolis: Ufsc, 1986. p. 17 25. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/download/7934/7300. Acesso em: 10 nov. 2018. OLIVEIRA, Caio Marcelo Miolo de. O mood board como estímulo à inovação no processo de codesign: estudo de caso em uma startup. In: Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 12., 2016, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: Blucher Design Proceedings, 2016. p. 1 - 10. Disponível em: http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east1.amazonaws.com/designproceedings/ped2016/0075.pdf. Acesso em: 20 nov. 2018. PAZMINO, Ana Veronica. Como se cria: 40 métodos para design de produtos. São Paulo: Blucher, 2015. RECH, Sandra Regina; GOMES, Nelson Pinheiro. Anatomia das tendências e o desenvolvimento de produtos de moda. In: Colóquio de Moda – 9ª. Edição Internacional, 12., 2016, João Pessoa. Anais. São Paulo: Abepem, 2016. RECH, Sandra Regina. Cadeia produtiva da moda: um modelo conceitual de análise da competitividade no elo confecção. Florianópolis, 2006. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, UFCS. Disponível em: http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/88623. Acesso em: 10 ago. 2018. RECH, Sandra Regina. Modelo conceitual para prospecção de tendências. In: DAPesquisa, v.4 n.6, p.615-621. Florianópolis: CEART/UDESC, 2009. Disponível em: 185


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186


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

APLICATIVOS PARA DESENHO EM DISPOSITIVOS MÓVEIS: POSSIBILIDADES PARA O DESENHO DE MODA

Luciane Ropelatto Talita Amanda de Oliveira Ribeiro

O surgimento de softwares específicos para desenho de moda permitiu aos designers a digitalização de trabalhos realizados à mão, facilitando o armazenamento de arquivos e mantendo a qualidade digital. À medida que os programas gráficos vêm se expandindo em uma variedade de plataformas, surgem também os aplicativos móveis que estão presentes nas mais variadas atividades do dia a dia. Para os estudantes e profissionais de moda torna-se uma ferramenta prática para registrar as ideias, sejam provindas de insights ou pesquisas. Este estudo propõe uma pesquisa exploratória com o objetivo identificar quais aplicativos (Apps) para desenho, desenvolvidos para Androids, podem ser utilizados para o desenvolvimento de desenhos de moda e quais possuem compatibilidade com softwares vetoriais no intuito de editar um desenho posteriormente. Dentre os vários aplicativos pesquisados, observou-se que muitos oferecem ferramentas essenciais para o desenho de moda, mas poucos para desenhos técnicos e em minoria aplicativos que exportem a imagem do desenho em vetor.

Introdução As tecnologias de comunicação e informação veiculam as informações por meio de seus suportes em todo mundo, invadindo nosso cotidiano, alterando nossa forma de viver e de aprender na atualidade (KENSKI, 2005). Para Moletta (2009, p.17) “o avanço e a democratização da tecnologia permitiram que a linguagem audiovisual penetrasse em todas as camadas sociais”. Dentre as várias tecnologias emersas nos últimos anos, os aplicativos móveis se sobressaíram. Geralmente estão sempre à mão permitindo o registro imediato das informações seja para uso pessoal ou profissional tornando-se comodidade. A infinidade do número de aplicativos oferecidos para aparelhos móveis é grande e mudou a concepção do uso destes que antes eram utilizados somente para chamadas. Conforme pesquisa mundial da Flurry, o uso de aplicativos móveis cresceu em 58% em 2015 em relação a 2014 e entre eles os aplicativos de produtividade cresceram 112% (PEREZ, 2016). No Brasil, uma pesquisa realizada em novembro de 2015 apontou que 20% dos donos de smartphone 187


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possuíam algum tipo de aplicativo, tendo em média 15 tipos de aplicativos instalados. (OPUS, 2016) De acordo com a pesquisa do IBGE (2018), em 2017, nos domicílios do País, o percentual de pessoas com mais de 10 anos de idade que possuíam tablets para acessar a internet representava 14,3 % e as que possuíam um telefone móvel para uso pessoal era de 97%. Isso mostra que a mobilidade está cada vez mais presente no dia a dia das pessoas seja para uso pessoal ou trabalho. Lipovetsky (2016, p.134) salienta que “com a internet móvel, são incessantemente propostas novas aplicações que possibilitam uma navegação tão rápida quanto fluída”. Na área de moda, o mercado oferece mais opções em softwares para computadores do que opções específicas de aplicativos. Profissionais desta área, necessitam estar sempre conectados, pesquisando novas tecnologias, tendências, materiais e geralmente costumam fazer suas anotações em um caderno de esboços, onde se inicia a conceituação de um trabalho. Esse profissional expressa suas ideias por meio do desenho que posteriormente são retomadas e unidas a outras referências para o desenvolvimento da coleção. Além disso, cada profissional tem sua técnica de trabalho, por isso, ter acesso a aplicativos de desenho instalados em seus dispositivos móveis facilitam suas atividades. Segundo Lipovetsky (2016, p.135) “o teletrabalho apresenta a vantagem de eliminar o incômodo dos trajetos entre o domicílio e o local de trabalho, permitindo também gerir livremente a utilização do tempo”. Ao pesquisar os aplicativos voltados para a moda usando o termo “aplicativos para moda” ou similar, encontrou-se, por critério de popularidade, aplicativos para consulta de estilos, maquiagem, venda de produtos de vestuário, acessórios e revistas de moda. Porém, ao digitar um termo mais específico como “aplicativos para desenhos de moda”, encontrou-se muitos aplicativos com esboços de desenhos já prontos sem um espaço para desenhar. E em termos de fornecedores de softwares específicos para o desenho de moda podemos encontrar no mercado o Kaledo da Lectra, o Idea da Audaces Automação, além de outros softwares, como o Adobe Illustrator e Photoshop, da empresa Adobe, e o Corel Draw desenvolvido pela Corel Corporation, que são muito usados pelos designers de moda para o mesmo fim. Assim, a partir das questões apresentadas anteriormente, gerou-se a necessidade de verificar quais são os aplicativos disponíveis atualmente para download que são destinados ao “desenho de moda” ou aplicativos de desenho que possam ser um opcional para o designer conceber suas ideias? Logo, configurou-se como objetivo geral da pesquisa - Investigar aplicativos para smartphones e tablets que podem ser utilizados para desenho de moda e que sejam compatíveis com softwares vetoriais para desenho. E, para o desenvolvimento da pesquisa permeou-se os seguintes objetivos específicos: identificar quais aplicativos facilitam o desenho de moda por meio das funções 188


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que oferece e realizar testes de compatibilidade entre aplicativos e softwares vetoriais para desenho (Corel Draw, Illustrator, Audaces Idea e Photoshop).

Fundamentação teórica O desenho de moda é uma forma de expressar as ideias e informações coletadas seja por meio de esboço feito à mão ou digitalmente. Muitos estilos de desenho podem ser adotados desde linhas mais simples, colagens, linhas técnicas, até os mais elaborados, o essencial para quem cria, é registrar e reunir essas informações para posteriormente analisá-las. Torna-se um caderno de esboço, que não é somente pessoal, “pode ser também uma ferramenta para descrever e ilustrar uma coleção para outras pessoas, bem como o caminho percorrido” (SEIVEWRIGHT, 2009, p. 85). Hopkins (2011, p. 36) diz que “os cadernos de esboços são o repositório das ideias, observações e pensamentos de um designer de moda” e que não existe uma receita, mas deve permitir que o designer documente progressivamente suas ideias e inspirações por meio de uma relação de material visual e escrito. No Design de Moda o desenho assume vários papéis, participando na concepção, expressão, proposição de ideias, conceitos e interpretação para materialização do mesmo. “O desenho auxilia a compreender o processo de criação, estruturação e viabilidade de confecção da peça” (GRAGNATO, 2008, p.26). Para àquele que deseja trabalhar com criação de produto, a habilidade de desenhar torna-se primordial. O profissional de moda, no desenvolvimento do seu trabalho deve lembrar que suas orientações servirão de base para a confecção da roupa e que ganhará volume quando vestida, tornando-se tridimensional. (LEITE E VELOSO, 2004, p. 8) Até que se chegue a uma proposta, o designer de moda produz uma série de esboços ou croquis de trabalho, isso permite que o designer desenvolva variações sobre uma ideia antes de tomar sua decisão final sobre um design para a coleção (HOPKINS, 2011). As ideias costumam surgir a todo momento, principalmente após passar por uma boa coleta de dados que o designer tende a registrar rapidamente em seu caderno de esboços para posteriormente estudálas. Assim como os computadores se tornaram ferramentas essenciais para o trabalho, o uso dos dispositivos móveis como tablets e celulares se expandiram para todas as classes tornando-se indispensáveis e práticos para muitas pessoas. Segundo Zatta (2013), nas organizações de moda a introdução de novas tecnologias serviu como recurso estratégico para reduzir as relações entre tempo e espaço. Com o avanço da internet houve a popularização da informação e consequentemente do aumento da competitividade, obrigando assim, à criação de novas tecnologias que oferecessem soluções mais rápidas e personalizadas.

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

Estas tecnologias tornaram-se imprescindíveis pois agilizaram e aperfeiçoaram os processos. Para as funções de desenho, “os programas gráficos vêm se desenvolvendo regularmente e se expandindo em uma variedade de plataformas de usuário sofisticadas, que podem ser usadas para aprimorar apresentações de moda” (HOPKINS, 2011, p. 89). A capacidade de desenhar à mão sempre vai existir, mas cada vez mais haverá a integração entre a ilustração de moda realizada à mão e o aprimoramento digital. “Com a mobilidade, permite-se que profissionais possam acessar pela internet aplicações de onde estiverem, acessar redes sociais, pesquisar em qualquer lugar, acessar pequenas aplicações extremamente úteis diretamente no celular”. (MOLINARI, 2017, p. 47) Além dos softwares destinados a desenhos e ilustração (como o Corel Draw, Illustrator e Photoshop) empresas especializadas na área de moda desenvolveram softwares específicos para desenho de moda; a empresa Lectra desenvolveu o Kaledo e a empresa Audaces Automação o Idea. Em termos de aplicativos voltados especificamente para o desenho de moda, cita-se o Pret-aTemplate, disponível somente para plataformas IOS. Portanto, investigar outros aplicativos com funções similares possibilita encontrar outras formas para o registro rápido das ideias, que não seja somente o caderno de esboço e sim por meio dos dispositivos móveis que se faz presente no cotidiano de boa parte de designers de moda.

Metodologia Esta pesquisa encontrou-se organizada em quatro etapas. A primeira referiu-se aos estudos bibliográficos, que tem por finalidade aproximar o pesquisador com as publicações relacionadas ao campo investigado, utilizando-se de livros e periódicos científicos das áreas de moda e afins. Na segunda etapa, selecionou-se para a pesquisa somente aplicativos destinado a plataforma Android que poderiam ser baixados em tablets e smartphones através da Play Store do Google Play e em sites como Tecmundo e Techtudo (sites que disponibilizam dicas de tecnologia) e que fossem indicados para desenhar. Os aplicativos indicados foram baixados e testados, registrando as funções que cada aplicativo ofereceu. Em seguida, organizou-se os dados em um quadro comparativo especificando a variedade de ferramentas disponíveis para desenho, os formatos de arquivo para importação e exportação das imagens, a gratuidade ou não do aplicativo e o número de downloads a fim de verificar a popularidade do aplicativo. Na terceira etapa efetou-se novamente outro teste com os aplicativos móveis e softwares usados para desenho vetoriais a fim de constatar quais apresentam compatibilidade entre eles. Nessa etapa, foram utilizados os softwares Corel Draw, Illustrator, Photoshop , Audaces Idea e o Auto Sketchbook

190


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

e na última etapa, foram feitas as análises e interpretações dos dados coletados, sendo estes apresentados na redação final do artigo.

Coleta e análise da pesquisa Por meio do mecanismo de busca “Google” iniciou-se uma pesquisa informal procurando pelo o termo “aplicativos para desenhos de moda” cujos resultados mostraram apenas Apps voltados para área de desfile de moda, esboços prontos para inspiração de outros desenhos, Pantone, moodboard, cartela de cores, lookbook, entre outros. Na sequência, mudou-se a pesquisa para o termo “aplicativos para desenho” utilizando a Play Store do Google Play e em sites como Tecmundo e Techtudo, resultando nos seguintes Apps (Tabela 1): Tabela 1 – Resultado para busca do termo “aplicativos para desenho” 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17.

Adobe Illustrator Draw Adobe Photoshop Sketch Artecture Draw, Sketch, Paint ArtFlow: Paint Draw Sketchbook ArtRage Oil Painter Free Asketch Autodesk Sketchbook Canva Clover Paint Corel Painter Draw Something Draw! Fashion Design Flat Sketch Fashion Figures Finger Colors Finger Sketch Free Draw

18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34.

Ibis Paint X Infinite Design Infinite Painter Inspire Pro Kaleidoo Paintor LayerPaint Markers My Paints Pain Paper One Pensoul Sand Draw Free Silk Paints Sketch ´N´ Go Sketch Master SketchBook Express Whiteboard

Fonte: Elaborada pelas autoras (2017)

A primeira triagem realizada com os aplicativos indicados foi por seleção, a partir dos que estavam disponíveis para download no sistema operacional Android, pois os eletrônicos utilizados para a pesquisa incluíam um Tablet Galaxy TAB A da Samsung e um celular da marca Motorola de modelo MotoG5. Na segunda triagem, foram selecionados os aplicativos que ofereciam gratuidade total ou parcial em seu uso os quais estão listados abaixo (Tabela 2):

191


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

Tabela 2 – Resultado das triagens 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

Adobe Illustrator Draw Adobe Photoshop Sketch Artecture Draw, Sketch, Paint ArtFlow: Paint Draw Sketchbook ArtRage Oil Painter Free Autodesk Sketchbook Corel Painter Fashion Design Flat Sketch

9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16.

Infinite Design Infinite Painter Markers Paint Paper One Pensoul Sketch Master Sketch ´N´ Go

Fonte: Elaborada pelas autoras (2017)

Os aplicativos selecionados foram instalados nos dois aparelhos eletrônicos (todas versões dos aplicativos são do ano de 2017). Após a instalação, cada aplicativo foi aberto e os seguintes dados foram apurados, conforme quadro abaixo (Tabela 3). Tabela 3 - Tabulação de dados dos aplicativos utilizados Nome

Gratuidade

Downloads

Adobe Illustrator Draw

Parcial

1.000.000

Adobe Photoshop Sketch

Parcial

1.000.000

Artecture Draw, Sketch, Paint

Total

500.000

ArtFlow: Paint Draw Sketchbook

Parcial

1.000.000

ArtRage Oil Painter Free

Parcial

100.000

Ferramentas

Extensões para exportar

Importação e Exportação de imagens

Pincéis, canetas, lápis, formas prontas, paleta de cores, camadas, grade gráfica, grade perspectiva Pincéis, canetas, lápis, formas prontas, paleta de cores, camadas

PNG

Exporta para galeria e Creative Cloud Não importa

PNG

Exporta para galeria e Creative Cloud Não importa

Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, conta gotas, simetria, formas prontas, paleta de cores, texto Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, conta gotas, simetria, formas prontas, linhas, paleta de cores com efeitos, permite imprimir, salva em PDF e grava a tela (mp4) Pincéis e paleta de cores

PNG JPEG BMP

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PNG JPEG (nessa versão há possibilidade escolher a qualidade da imagem) PSD (na versão paga) JPEG

Importa imagens galeria e exporta

da

Salva diretamente galeria

na

192


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Autodesk Sketchbook

Parcial

10.000.000

Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, conta gotas, simetria, formas prontas, linhas e grades, paleta de cores com efeitos, efeitos de distorção e grava a tela (mp4), compatibilidade com a versão desktop Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, simetria, formas prontas, paleta de cores com efeitos, possibilidade de impressão Caneta preta e branca Modelos prontos

PNG JPEG PSD

Importa imagens galeria e exporta

da

Corel Painter

Parcial

1.000.000

PNG JPEG Outros formatos na versão são pagos

Importa imagens galeria e exporta

da

Fashion Design Flat Sketch

Total

1.000.000

JPEG

Salva imagens direto na galeria

Infinite Design

Parcial

1.000.000

Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, simetria, formas prontas, paleta de cores

Importa imagens galeria e exporta

da

Parcial

1.000.000

Importa imagens galeria e exporta

da

Markers

Total

1.000.000

Total

100.000

Importa imagens galeria e salva direto galeria Importa imagens galeria e salva direto galeria

da na

Paint

Paper One

Parcial

5.000.000

da

Total

100.000

JPEG Outros formatos na versão são pagos PNG Outros formatos na versão são pagos

Importa imagens galeria e exporta

Pensoul

Importa imagens galeria e exporta

da

Sketch Master

Total

100.000

JPEG

Importa imagens da galeria e salva direto na galeria

Sketch ´N´ Go

Total

1.000.000

Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, simetria, formas prontas, paleta de cores, gravação de tela Pincéis com variações e paleta de cores Pincéis com variações, paleta de cores e editor de texto Pincéis, canetas, lápis, borracha, camadas, paleta de cores, texto, contagotas Pincéis, canetas, lápis, borracha, opção de uso por caneta ou toque, paleta de cores, texto e opção de ver o desenho em 3D Pincéis, canetas, lápis, borracha, paleta de cores, texto, adesivos, camadas Pincéis, borracha, e paleta de cores

PNG JPEG Outros formatos na versão são pagos PNG JPEG Outros formatos na versão são pagos JPEG

Infinite Painter

JPEG

Importa imagens da galeria e salva direto na galeria

JPEG

da na

Fonte: Elaborada pelas autoras (2017)

Inicialmente, o que se pôde observar, dos 16 (dezesseis) aplicativos pesquisados, 11 (onze) destes tiveram mais de um milhão de downloads, indicando o interesse pela procura destes tipos de aplicativos. Ao executar os testes, notou-se que os aplicativos que tinham gratuidade total ofereciam menos 193


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ferramentas que os demais. Entretanto, os aplicativos com gratuidade parcial oferecem quase que em totalidade, ferramentas que possibilitavam ao usuário executar qualquer tipo de desenho, ou seja, o que influenciaria na estética do desenho seria apenas a habilidade artística do usuário. Em sequência, procurou-se descrever algumas particularidades dos aplicativos relacionadas à possibilidade de exportação e importação de imagens e de uso dos aplicativos. O Adobe Illustrator Draw (Figura 1), é uma versão em aplicativo do conhecido do programa Illustrator da Adobe, programa esse utilizado pela maioria dos designers do mundo. O aplicativo oferece ferramentas essenciais para desenho, permite desenhar em camadas, não permite importar nenhum tipo de imagem, mas permite exportar as imagens criadas e editá-las como caminhos de vetores no Illustrator ou ser usada como referência de imagem no Photoshop (ADOBE, c2017). A limitação é que o usuário tem que ser assinante do pacote Adobe. Os arquivos devem ser exportados para o Creative Cloud, que segundo a Adobe (2017), é uma nuvem onde todo o conteúdo fica armazenado, e que posteriormente pode ser baixado e editado no Illustrator ou no Photoshop. Caso o usuário não seja assinante do pacote Adobe, o usuário deste aplicativo só consegue exportar o desenho que fez em imagem PNG1 ou PDF. Figura 1 - Captura de telas da interface Adobe Illustrator Draw

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

A mesma dinâmica se aplica a outro aplicativo oferecido pela Adobe também testado, o Adobe Photoshop Sketch (Figura 2).

Formato de arquivo que suporta imagem com transparências e animações e suporta um número maior de cores 24 bits permitindo qualidade superior da imagem. (STARCK, Daniel. Quais as diferenças entre os formatos de imagem PNG, JPG, GIF, SVG e BMP? TECMUNDO. 2010. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/imagem/5866-quais-as-diferencas-entreos-formatos-de-imagem-png-jpg-gif-svg-e-bmp-.htm. Acesso: Jan 2018 1

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Figura 2 - Captura de telas da interface do Adobe Photoshop Sketch.

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

O aplicativo Artecture Draw, Sketch, Paint (Figura 3) desenvolvido pela Samsung R&D Institute Bangladesh, teve um desempenho muito satisfatório nos testes, sua interface é mais intuitiva e de fácil uso. Apesar de não salvar as imagens em formatos que abram nos softwares estipulados na pesquisa (Corel, Illustratior, Photoshop e Audaces Idea), proporciona ao usuário uma série de ferramentas gratuitas para desenvolver um ótimo desenho. Oferece opções para desenhar em camadas e ferramentas como a simetria, conta-gotas, dão ao usuário maior mobilidade durante o processo além de deixar o desenho com grande qualidade. Este aplicativo também importa imagens e o usuário pode incorporá-la na tela e mesclar com a criação do seu próprio desenho formando uma segunda imagem que também poderá ser exportada nos formatos PNG/JPEG/BMP/BME (Artecture Raw File). Ao salvar na versão JPEG há possibilidade de escolher o tamanho da qualidade da imagem. Figura 3 - Desenho realizado na interface do Artecture Draw, Sketch, Paint e opções de configuração dos pincéis

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

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O aplicativo ArtFlow: Paint Draw Sketchbook (Figura 4), desenvolvido pela Artflow Studio, possui ferramentas muito semelhantes ao Artecture Draw, Sketch, Paint, oferecendo uma experiência bem completa ao usuário. Apesar de ser parcialmente gratuito, as ferramentas oferecidas na versão free possibilitam executar um desenho completo e com qualidade, mesmo que esta precise da firmeza do traço manual do usuário. Ferramentas de linhas se assemelham muito com as ferramentas de linhas contidas no Corel Draw. Além disso, permite cortar, adicionar, subtrair partes do desenho, redimensionar tamanho das imagens (96/120/150/300 dpi) e gravar a tela em formato mp4. Na versão gratuita possui somente a opção de salvar as imagens nos formatos PNG e JPEG, mas na versão é possível salvar em PSD, versão para Photoshop. Figura 4 - Imagens da Interface e desenho realizado no App ArtFlow: Paint Draw Sketchbook

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

O ArtRage Oil Painter Free (Figura 5), desenvolvido pela Ambient Design Ltd. é um dos aplicativos mais simples em questão de disponibilidade de ferramentas. Possui uma paleta de cores e pincéis de tamanhos diferentes, permitindo desenhos bem artísticos, no entanto, qualquer outra ferramenta que se deseja utilizar a mais é paga. Além disso, não importa imagens, sendo de fato pouco indicado para desenhos técnicos de moda, mas é válido para ilustrações. Este aplicativo só permite salvar no próprio dispositivo.

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Figura 5 - Imagem da Interface e desenho realizado no ArtRage Oil Painter Free

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

A empresa Autodesk (Figura 6) é mundialmente conhecida pela sua qualidade em desenvolvimento de softwares. Com o aplicativo Autodesk Sketchbook o usuário tem bastante suporte ao conceber seu desenho. O teste com esse aplicativo foi muito satisfatório, oferecer muitas ferramentas gratuitas e quando se cadastra junto à Autodesk, o aplicativo oferece um plus de ferramentas. Quando o usuário é assinante (assim como no sistema da Adobe, tem acesso a uma infinidade de pincéis, cores e efeitos que garantem mais realidade no desenho, por exemplo, criar estampas e texturas em desenhos de moda. Figura 6 - Opções de ferramentas disponibilizadas na Interface e desenho realizado no App Autodesk Sketchbook

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

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Pode-se salvar os projetos nos formatos PNG, JPG, PSD. O formato PSD é compatível com os softwares da Adobe o Photoshop (Figura 7), permitindo que o usuário dê continuidade do seu trabalho no computador, aumentando assim a qualidade do desenho. Também é compatível com a versão software Autodesk Sketchbook, onde o designer pode dar continuidade ao seu desenho. Figura 7 - Desenho feito no Autodesk Sketchbook aberto no software Photoshop e Desenho feito no software Autodesk Sketchbook desktop versão compatível com Windows.

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

O Corel Painter (Figura 8), desenvolvido pela Corel, também é um excelente aplicativo para o designer iniciar seu projeto. Conta com ferramentas diversificadas, mesmo na versão gratuita, o aplicativo permite inclusive a impressão do desenho. A interface e a dinâmica de uso se assemelha muito ao Autodesk Sketchbook, Artecture Draw, Sketch, Paint e o ArtFlow, porém com menos recursos que os outros. Também salva os arquivos apenas em formatos de imagem com diversas extensões (PNG, JPG, entre outros). Figura 8 - Interface do App Corel Painter.

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

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O maior benefício do aplicativo Fashion Design Flat Sketch (Figura 9) desenvolvido por Laura Páez, são as formas pré-definidas de desenho técnico de roupas (uma espécie de bliblioteca de modelos) que permitem várias combinações formando modelos diversos, poupando o tempo do usuário. Entretanto, as linhas do desenho feito à mão ou com auxílio da caneta apresentam pouca precisão e não é possível pintar o desenho. De todos os aplicativos testados é o apresenta desenhos com formas técnicas. O usuário pode usar as combinações disponibilizadas no aplicativo e finalizar com traços manuais. Há possiblidade comprar mais vetores. Exporta somente no formato JPG. Figura 9 - Pré-seleção das bases para compor o desenho. Base pronta com seleção de detalhes e desenho pronto com detalhes feito à mão no Fashion Design Flat Sketch

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

Os aplicativos Infinite Design e Infinite Painter (Figura 10), ambos desenvolvidos pela Infinite Studio Mobile, possuem as mesmas características: o que o diferencia é o que o Infinite Painter permite a gravação da tela (timelapse). Apesar de possuírem várias ferramentas, o tempo de uso na versão gratuita é curto e algumas ferramentas básicas estão na versão paga, inclusive as extensões que permitiriam que o usuário abrisse o projeto em outros softwares. Permite salvar em PNG e JPG, com a versão paga é possível salvar em PSD (Photoshop). Figura 10 - Imagens da interface do Infinite Design e Infinite Painter

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

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O aplicativo Markers (Figura 11) e o aplicativo Paint (Figura 12) são mais dois tipos de aplicativos paliativos. Possuem poucas ferramentas e o campo para o desenho é menor em relação aos demais aplicativos testados, entretanto, tem acesso rápido para as ferramentas que se dispõe nas laterais da interface do aplicativo. Importa imagens em JPG e permite editá-las. Salva os arquivos em JPG que ficam armazenados no dispositivo. Figura 11- Interface Markers

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

O que diferencia o Paint do Markers, neste caso, foi a ferramenta de texto que o Paint possui. Figura 12 - Interface Paint

Fonte: Compilação de imagens realizada pelas autoras (2017)

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PaperOne (Figura 13), desenvolvido pela Colorfit, é um aplicativo pouco satisfatório, possui as principais ferramentas para desenho, e algumas cores só são permitidas acesso na versão paga. Na versão gratuita, desempenha bom papel em desenhos rápidos, importação de imagens e desenhos que precisem de texto. Exporta imagem em JPG na versão gratuita e disponibiliza outros formatos na versão paga. Imagem13 - Interface PaperOne

Fonte: Compilação de imagem realizada pelas autoras (2017)

O aplicativo Pensoul (Figura 14) dentre os demais aplicativos é o que mais oferece espaço para o desenho pelas ferramentas ficarem dispostas somente na parte superior da tela, tanto com a visualização das ferramentas acima da tela, diferente dos outros, que escondem as ferramentas ao desenhar. Também tem como diferencial a visualização do desenho em 3D e a opção de escolher desenhar tocando à mão, ou com caneta Pen. Exporta somente imagens no formato PNG, mas apresentou um desempenho muito bom. Figura 14 - Interface Pensoul

Fonte: Compilação de imagem realizada pelas autoras (2017) 201


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O Sketch Master (Figura15) se assemelha muito aos aplicativos Markers e Paint na simplicidade tanto de ferramentas, quanto de uso, entretanto, diferente dos dois, permite trabalhar o desenho em camadas e adesivos que podem enriquecer o desenho, dependendo do estilo do designer. Possibilita importar imagens, mas somente salva os desenhos feitos, na galeria do dispositivo utilizado. Figura 15 - Interface Sketch Master

Fonte: Compilação de imagem realizada pelas autoras (2017)

Dentre todos os aplicativos testados, o Sketch ´N´Go (Figura 16) foi considerado o mais difícil de ser utilizado, pois as ferramentas estão dispostas separadamente, sendo incômodo acessá-las, ou seja, para acessar uma outra ferramenta há necessidade de voltar a anterior, fechá-la e abrir a outra ferramenta desejada. Por ser gratuito, anúncios aparecem com muita frequência atrapalhando o usuário. Figura 16 - Interface Sketch Master

Fonte: Compilação de imagem realizada pelas autoras (2017) 202


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Considerações finais O objetivo inicial da pesquisa era identificar aplicativos que poderiam ser usados para o desenho de moda e verificar quais poderiam teriam a opção de exportar os desenhos em vetor para editá-los. Depois de uma pré-seleção dos aplicativos baixados pelo App da Play Store, fez-se uma triagem para realizar os testes nos dispositivos móveis e verificou-se que todos os aplicativos pesquisados para desenho podem ser usados para desenhos livres de moda. Alguns possuem mais funcionalidades e outros são mais intuitivos. Os aplicativos destinados a moda ficaram muito limitados a esboços prontos. Por outro lado, foi encontrado um aplicativo para desenho técnico de moda que facilitaria a tarefa de um designer com suas restrições quanto a precisão do traço manual – o Fashion Design Flat Sketch. Em relação a exportação em caminhos de vetores para edição em outros softwares, no critério “gratuidade”, encontrou-se apenas 1(um) aplicativo, o Autodesk Sketchbook, permitindo o intercâmbio para a versão desktop. Nas “versões pagas” cita-se o “Adobe Illustrator Draw”, que permite abrir no Illustratior, o “Adobe Photoshop Sketch”, que permite abrir no Photoshop e os seguintes aplicativos tem compatibilidade somente com o Photoshop pois exportam na versão (PSD): “Artecture Draw, Sketch, Paint”, “ArtFlow: Paint Draw Sketchbook”, “Paper One”, “Pensoul”, “Corel Painter”, “Infinite Design” e “Infinte Painter”. Uma das restrições encontradas durante a pesquisa, é que o usuário fica limitado a trabalhar com produtos desenvolvidos pela mesma empresa, porém mesmo com a limitação oferecida no mercado, seria uma opção aos designers, que sempre estão em busca de informação e otimização de tarefas, podendo gerir o seu tempo entre o domicilio e o local de trabalho - como afirma Lipovetsky (2016). Outro aspecto encontrado nos testes de uso dos aplicativos, foi a possibilidade de transitar (para edição em imagem) entre um aplicativo e outro, visto que todos eles salvam o desenho feito em imagem, como por exemplo, um desenho feito no Artecture Draw, Sketch, Paint era editável no ArtFlow: Paint Draw Sketchbook. Deste modo, pôde-se perceber que há um leque de possibilidades para o desenho de moda, mesmo que o aplicativo não seja específico para este fim e que qualidade estética do desenho vai de acordo com a habilidade manual do usuário. Como contribuição futura, a pesquisa poderia se estender a identificar se estes aplicativos são realmente relevantes e realizar testes de usabilidade entre os designers de moda a ponto de ajudar nas atividades profissionais, bem como abranger a pesquisa para sistemas operacionais IOS.

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Referências ADOBE. Adobe Ilustration Draw. Desenhe quando surgir a inspiração, onde quer que esteja. Disponível em: https://www.adobe.com/br/products/draw.html. Acesso em: 12 dez. 2017. GRAGNATO, Luciana. O desenho no design de moda. Dissertação. Mestrado em Design. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2008. Disponível em: http://ppgdesign.anhembi.br/wpcontent/uploads/dissertacoes/09.pdf. Acesso em 23 mar. 2016. HOPKINS, John. Desenho de moda. Porto Alegre: Bokmann, 2011. IBGE. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2018. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/bibliotecacatalogo?view=detalhes&id=2101705. Acesso em: 8 mar. 2020. KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o nomo ritmo da informação, São Paulo: Papirus, 2015. LEITE, Adriana; VELOSO, Marta Delgado. Desenho técnico de roupa feminina. Rio de Janeiro: Senac, 2008. LIPOVETSKY, Gilles. Da leveza: para uma civilização para o ligeiro. Lisboa (Portugal): Edições 70, 2016. PEREZ, Sarah. Mobile app usage up 58 percent in 2015, with emoji keyboards leading the pack. 05/01/2016. Disponível em: https://techcrunch.com/2016/01/05/mobile-app-usage-up-58-percent-in2015-with-emoji-keyboards-leading-the-pack/. Acesso em: 17 jan. 2017. MOLETTA, Alex. Criação de curta-metragem em vídeo digital: uma proposta para produções de baixo custo. São Paulo: Summus, 2009. MOLINARI, Leonardo. Testes de aplicações mobile: desenvolvimento em aplicativos móveis. São Paulo: Érica, 2017

qualidade

e

OPUS SOFTWARE. Estatísticas do uso do celular do uso de celular no Brasil.18/04/16. Disponível em: http://www.opussoftware.com.br/ESTATISTICAS-USO-CELULAR-BRASIL/. Rio do Janeiro: IBGE, 2016. Acesso em: 8 mar. 2017. SEIVEWRIGHT, Simon. Fundamentos de design de moda: pesquisa e design. Porto Alegre: Bookmann, 2009. ZATTA, Andréa Meneghetti. Tecnologias que influenciam no processo de concepção do design para a indústria da moda: projeto MEG: um estudo de caso. 101 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Bauru: São 204


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Paulo 2013. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UNSP_bf599663465f69a61446023b3f664d a1. Acesso em: 17 jan. 2017.

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A ANTROPOMETRIA DO PÉ FEMININO E MASCULINO VOLTADA À CONSTRUÇÃO DO CALÇADO TRANSGÊNERO Taiza Kalinowski Anselmo Graziela Breitenbauch de Moura Renata Cristiane Santiago

De modo geral, a sociedade é excludente com aqueles que não fazem parte dos gêneros binários e limita seu acesso a produtos de moda, cerceando as possibilidades de sua expressão identitária. Entre essas pessoas estão as mulheres transgêneros, que tem dificuldades de encontrar um calçado adequado ao seu corpo devido às diferenças antropométricas existentes entre o pé masculino e feminino. Este artigo visa estudar essas divergências realizando um comparativo dos padrões já existentes, utilizando as medidas apresentadas no livro de Tilley (2007) como fonte de análise. Para obtenção dos resultados foi utilizada metodologia aplicada e exploratória, com obtenção de dados qualitativos através do exame de materiais já publicados. Os resultados encontrados apontam para diferenças sutis, apresentando uma diferença de até 3,4 pontos no Sistema de Ponto Francês entre o pé feminino e masculino, assim como uma discrepância na região metatarsina de ambos, o que demonstra a necessidade de adaptação do calçado voltado a mulheres transgênero. Ao final do estudo apresenta-se uma sugestão de tabela de medidas que podem auxiliar na confecção de fôrmas para calçados destinados a mulheres trans.

Introdução Na sociedade em que vivemos ser homem e mulher tem uma grande diferença. Antes mesmo do nascimento já somos designados e preparados por nossos pais a ter condutas pré-estabelecidas de acordo com o sexo biológico que nos encontramos. Essa separação já nos designa a receber um pacote de informações com comportamentos estereotipados aos quais se deve seguir para um melhor encaixe em uma sociedade e, dentre essas condutas, encontramos os códigos de vestimentas. Entretanto, uma pessoa transgênero, aquela cujo psicológico se identifica com o gênero oposto ao de seu nascimento, não se encaixa nos padrões comportamentais estabelecidos. Sendo a moda crucial nessa transformação e tratando-se de uma ferramenta de busca por uma representação externa da sua identidade interior, através do vestuário as pessoas com identidades diferentes de sua realidade corporal procuram se sentir e ser reconhecidas socialmente. 206


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Como apontado por Mesquita (2010), a vestimenta e a moda reafirmam a liberdade do homem de criar sua própria pele, gerada por sua imaginação e fantasia. Nesse sentido, Crane (2006, p.21), aponta a moda como “uma das mais evidentes marcas de status social e de gênero, sendo útil para manter ou subverter fronteiras.” Dentre as limitações das mulheres transgêneros no setor da moda, a cultura binária torna excludente o acesso a calçados femininos com grade numérica maiores, que atendam às suas necessidades. A exemplo disso, Vieira (2018), aponta a demanda por calçados de numeração não convencional para determinados nichos de público, entre eles o de pessoas transgêneros. A motivação principal da dificuldade no acesso ao calçado por esse público são as diferenças existentes nas medidas antropométricas do corpo feminino e masculino. Diante disso, surgiu a seguinte questão de pesquisa: como as medidas antropométricas podem contribuir para uma melhor construção de um calçado para o público transgênero? O objetivo desta pesquisa é, portanto, organizar uma tabela de medidas comparativas entre os pés femininos e masculinos para a construção de calçados voltados ao público de mulheres transgêneros. Para isso, foi necessário dividir a pesquisa em quatro partes. Na primeira, é apresentado uma breve explicação sobre a transexualidade e a importância da moda para esse nicho; em conseguinte, discute-se sobre o mercado de calçado com suas principais formas de numeração; na terceira, elaborou-se uma comparação entre os dados antropométricos dos pés femininos e masculinos e concluindo o estudo, apresenta-se os apontamentos a respeito de quais os pontos tem necessidade de adaptação para a construção de um calçado feminino para o pé masculino, buscando dessa forma permitir um acesso mais democrático à moda, independente do gênero do usuário.

Metodologia Bruno Munari (1981, p.20) aponta que “a metodologia tem como finalidade obter o melhor resultado com o menor esforço possível”, sendo ela o estudo das etapas no desenvolvimento de uma pesquisa, proporcionando a organização das ideias cronologicamente. Para Gil (2007, p.19), “a metodologia é um procedimento utilizado quando não se dispõe de informações suficientes sobre determinado assunto”, ou seja, é a busca de conhecimento e essa pode ser utilizada através de inúmeros meios. Da perspectiva da natureza da pesquisa, Gerhardtd e Silveira (2009, p.35) apontam, que a pesquisa aplicada tem como “objetivo gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas específicos”. Com base nesta observação, é possível afirmar que o presente artigo tem a intenção de gerar conhecimentos para aplicação prática, a fim de solucionar um problema intrínseco, que na presente pesquisa refere-se a diferenciação do pé feminino e 207


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masculino com intuito de auxiliar na criação de calçados para mulheres transgêneros e, logo, possui natureza de pesquisa de caráter aplicado. O método de abordagem das informações da pesquisa foi qualitativo, pois o objetivo foi descrever e explorar o acesso de um grupo de consumo específico ao calçado, sem intenção de quantificar o resultado. A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, etc. [...] A pesquisa qualitativa preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. (GERHARTD; SILVEIRA, 2009, p.32).

Com base no objetivo da pesquisa, foi utilizado o método de pesquisa exploratória baseada na afirmação de Gerhardt e Silveira (2009, p.35), para quem “esse tipo de estudo pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade”. O material de análise foi coletado com pesquisa bibliográfica baseado na obra de Tilley (2007), no qual o autor apresenta um estudo pontuando as medidas masculinas e femininas, considerando grupos com percentis diversos. Para a descrição da pesquisa, utilizou-se o método explicativo, pois “este tipo de pesquisa preocupa-se em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”, conforme aponta Gil (2007, p.43). Desse modo, organizou-se ao fim do trabalho uma tabela comparativa, com intuito de apontar as principais diferenças antropométricas dos pés femininos e masculinos, de forma que auxilie no fornecimento de um parâmetro para a construção de calçados para mulheres transgêneros.

Fundamentação teórica Para um melhor entendimento desse estudo, se faz necessário uma abordagem geral dos temas proeminentes desta pesquisa, sendo estes divididos em três partes fundamentais. Inicialmente, apresenta-se uma discussão sobre transgêneros, com foco nas questões conceituais; em seguida, discute-se o mercado de calçado e os tipos de numerações disponíveis para o consumidor. Finalizando, propõe-se uma análise da anatomia com base nas medidas dos pés e as principais diferenças antropométricas entre o público feminino e masculino. Por fim, cabe dizer que a pesquisa resulta de um comparativo baseandose em dados já publicados, apresentando-se um panorama geral sobre as diferenças anatômicas e sublinhando as principais divergências existentes entre as medidas relacionadas aos gêneros masculino e feminino.

As mulheres transgênero Em uma passagem da obra O Segundo Sexo, a filosofa francesa Simone de Beauvoir (1980, p.9), diz “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, defendendo assim sua ideia de que sexo e gênero são conceitos distintos, sendo um o fator 208


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biológico e o outro uma construção social. Assim, nota-se que o sistema binário orgânico macho/fêmea, difere-se das variadas identidades de gêneros, pois como afirma Jesus (2012, p.14), o “gênero com o qual uma pessoa se identifica [...], pode ou não concordar com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento”. O termo transgênero, de acordo com Barifouse (2018), apareceu pela primeira vez na obra Higiene Sexual e Patologia do autor John Oliven, publicado em 1965. Contudo, neste trabalho, tomamos como base o seguinte conceito: Transgênero é uma pessoa que se identifica com o gênero oposto aquele socialmente atribuído ao seu sexo biológico, possui uma dissociação entre seu sexo físico e seu sexo psíquico, que geralmente não sente prazer ao utilizar seu órgão sexual e que não deseja que as pessoas em geral saibam da sua transexualidade após sua adequação de aparência a seu sexo psíquico. (DIAS, 2017, p.88).

Assim, nesse estudo foi utilizado o termo identidade de gênero e, mais especificamente, foi referido como “mulheres transgêneros” ou “mulheres trans” os sujeitos cujo corpo é biologicamente masculino, entretanto, se identificam com o gênero feminino. No campo da moda, um dos motivos que provocou a diferenciação de indumentária entre homens e mulheres foi a divisão de trabalhos, pois é ai, conforme Carvalho (2010), onde ocorreu o afastamento de um sexo do outro, ressaltando ainda que, até a puberdade, os trajes eram iguais para ambos os sexos. Porém, na sociedade contemporânea, existem modelos prontos para cada sexo, moldados pela sociedade que, em sua maioria, pauta seus costumes com base na heterossexualidade e no sistema binário de gênero. Não é novidade que ao longo dos tempos as pessoas trans tiveram problemas em expressar sua identidade e, conforme afirma Jesus (2012), em nosso país, o espaço reservado a homens e mulheres transexuais e a travestis, é o da exclusão extrema. Nessa linha Girardi (2017, p.366), também aponta que “não se concebiam direitos vinculados à personalidade das pessoas cuja sexualidade não fosse voltada para o padrão hegemônico”. Todavia, segundo relata Gorisch (2017, p.373), transformações sociais tem ocorrido, pois a partir da “década de [19]80, pessoas transexuais já ingressam com demandas na corte da União Europeia de Direitos Humanos (CEDH), com intuito de garantir direitos, como de qualquer outra pessoa”. Além desses processos de discriminação social, ainda há limitações para a total acesso da mulher transgênero à produtos de moda, como é o caso da falta de calçados que atendam as demandas necessárias desse público. Em entrevista à Vieira (2018), a Drag Queen1 Verônica Weiss disse que sua primeira preocupação em relação a um calçado é a grade disponibilizada, só depois

Drag Queen/ Drag King: São transformistas que vivenciam a inversão do gênero como espetáculo, não como identidade. (JESUS, 2012, p.10) 1

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considera os aspectos estéticos e o conforto, já que não há muitas opções com medidas diferenciadas. O pé masculino é diferente do pé feminino, sendo que muitas vezes é necessário abrir mão do conforto para utilizar calçados com um maior apelo de moda, argumentando que a principal dificuldade se encontra também, na falta de diferenciação da largura do calçado. Portanto, conforme mencionado, o setor de calçados não convencionais é uma oportunidade de negócio que carece de atenção e, dentro desse mercado, nota-se que o público trans tem um grande potencial de compras. Nessa linha, ressalta-se aqui o estudo que a empresa de consultoria holandesa OutNow realizou em 2017 com o público LGBT no Brasil. Nessa pesquisa, constatou-se que os gastos desse nicho de mercado gira em torno de R$ 5,5 bilhões por ano, somente no setor calçadista2. Embora a análise tome o consumo do grupo como um todo, acredita-se que uma boa parcela desse consumo seja relacionado aos transgêneros.

O calçado e o sistema de medidas O calçado já é confeccionado há milhares de anos, conforme é possível observar através da alegação de Choklat (2012, p.10), para quem “a primeira prova indireta da existência de um calçado primitivo data de 40 mil anos, quando a estrutura óssea do dedinho começa a mudar – uma indicação de que seres humanos usavam algo nos pés”. Ele também apresenta um calçado de couro descoberto na Armênia, com cerca de 5 mil anos, que possui revestimento em feno, o que demostra que mesmo na Antiguidade já havia a preocupação com o conforto do sapato (Figura 1). Figura 1 - Calçado de couro da Armênia.

Fonte: Pinhasi (2010).

Para a confecção artesanal de calçados na antiguidade, “os sapateiros analisavam as medidas dos pés de seus clientes através de medições, confeccionando primeiro a forma e depois o calçado”, conforme aponta Schmidt

A pesquisa completa está disponível no link: https://iabbrasil.com.br/wpcontent/uploads/2017/12/Pesquisa_-_Hornet_-_Relato%CC%81rio_Brasil_LGBT2030.pdf. 2

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(1995, p.77). Porém, com o aumento da demanda, surgiu a necessidade de padronização das medidas. O surgimento de um mercado formal provocou várias transformações, mas duas foram muito importantes para o contexto que está sendo analisado: - sistema de produção: com o aumento da demanda, passou a ser em série, com consequente tendência de padronização dos produtos; - sistema de comercialização: sem o contato direto com o fabricante, o cliente precisava de um código que identificasse o tamanho do calçado. (SCHMIDT, 1995 p.78).

A partir dessas mudanças estipulou-se tamanhos de cada numeração, que foram variando ao longo dos tempos, chegando no início do século XX aos pontos francês, inglês e suas variações. Dentre elas, os mais importantes são, como menciona Schmidt (1995, p.79), o “Sistema Ponto Francês, Sistema Ponto Inglês, Sistema Ponto Americano, Sistema Ponto Centímetro, Sistema Contramarca, Sistema Mondopoint”. Dentre esses sistemas métricos, uma interpretação do Ponto de medidas francês é o utilizado na América Latina, incluindo o Brasil. Por isso, esse sistema de medidas foi analisado neste estudo. O sistema de ponto francês, de acordo com Schmidt (1995, p.79) “foi desenvolvido em Paris, França e tem um valor equivalente a 1/3 de 20mm, ou seja 6,66mm, e ele passa a ser a variação de comprimento da palmilha”. A diferença entre a numeração e os centímetros pode ser visto na escala apresentada na imagem a seguir (Figura 2). Figura 2 - Tabela Diferenciação Ponto Francês.

Fonte: Schmidt (1995).

Obtém-se o comprimento real da fôrma (1), conforme observado na figura 1, por meio da multiplicação do número da fôrma pelo ponto francês, medindo pelo comprimento do eixo da palmilha, como apresentado a seguir (Figura 3). Figura 3 - Eixo da palmilha.

Fonte: Schmidt (1995). 211


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Tabela 1 - Exemplo de Schmidt (1995)

𝐶𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑅𝑒𝑎𝑙 = 𝑁ú𝑚𝑒𝑟𝑜 𝑑𝑎 𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎 𝑥 6,66𝑚𝑚 𝐶𝑅 = 𝑁º 35 𝑥 6,66𝑚𝑚 𝐶𝑅 = 233,1𝑚𝑚

(1)

Fonte: Schmidt (1995)

Na interpretação usual no Brasil, Schmidt (1995, p.83) afirma que “o número da fôrma indica o comprimento real do pé; e que a fôrma deve ter uma medida adicional de até quatro pontos, com a finalidade de propiciar uma boa estética e um conforto mínimo”. Esse adicional é denominado suplemento. Quanto à medida do perímetro, Schmidt (1995, p.82) diz que “há oito principais medidas do perímetro, na região metatarsiana, para cada medida de comprimento. São codificadas por números e denominadas Larguras Referenciais”. A imagem a seguir, aponta a região dos metatarsos, de onde são obtidos os diferentes perímetros (Figura 4). Figura 4 - Região metatarsiana.

Fonte: Maffi (2019).

Porém, na prática não se utiliza todas essas diferentes medidas ou, ao menos, não é possível identifica-las em um calçado. Nesse sentido, Schmidt (1995, p.64) ressalta que “o Brasil está restrito a uma só opção de largura para modelos destinados ao mercado interno”, provocando situações em que o consumidor compra calçados de numeração diferentes, deixando o pé deslocado em seu interior. A variável de uma largura para outra, de acordo com esse autor, é de 5,0 mm, e o cálculo do perímetro da fôrma, é obtido através da soma do número da forma e a largura referencial, e dividindo o resultado por dois.

212


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

Em resumo, a interpretação do ponto francês no Brasil é explicada por Schmidt (1995, p.83), da seguinte forma (Tabela 2): Tabela 2 – Interpretação do Ponto Francês no Brasil

1 𝑃𝑟𝑜𝑔𝑟𝑒𝑠𝑠ã𝑜 𝑑𝑜 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜: 6,66 𝑚𝑚, 𝑐𝑜𝑟𝑟𝑒𝑠𝑝𝑜𝑛𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑎 𝑑𝑒 20 𝑚𝑚. 3 𝑃𝑟𝑜𝑔𝑟𝑒𝑠𝑠ã𝑜 𝑛𝑜 𝑝𝑒𝑟í𝑚𝑒𝑡𝑟𝑜 = 5,0 𝑚𝑚, 𝑐𝑜𝑟𝑟𝑒𝑠𝑝𝑜𝑛𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑎 ¼ 𝑑𝑒 20 𝑚𝑚. 𝐿𝑎𝑟𝑔𝑢𝑟𝑎𝑠 𝑅𝑒𝑓𝑒𝑟𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎𝑖𝑠 = 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 – 11. 𝐶𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑀í𝑛𝑖𝑚𝑜 (𝐶. 𝑀𝑛. ). 𝐶. 𝑀𝑛. = 𝑁º 𝑑𝑎 𝑓ô𝑟𝑚𝑎 𝑥 6,66𝑚𝑚. Fonte: Schmidt (1995, p.83)

Schmidt (1995, p.84), também apresenta como exemplo, um cálculo (2), com base na fôrma Nº35 (Tabela 3): Tabela 3 – Cálculo com base na fôrma nº 35

𝐶. 𝑀𝑛. = 𝑛º 35 𝑥 6,66𝑚𝑚 𝐶. 𝑀𝑛. = 233,1𝑚𝑚 (2) 𝑁º 𝑑𝑎 𝑓ô𝑟𝑚𝑎 + 𝐿𝑎𝑟𝑔𝑢𝑟𝑎 𝑟𝑒𝑓𝑒𝑟𝑒𝑛𝑐𝑖𝑎𝑙 (𝐿𝑅) 𝑃𝑒𝑟í𝑚𝑒𝑡𝑟𝑜 (𝑃): 2 𝑁º 35 + 8 (𝑃) = 2 (𝑃) = 215 𝑚𝑚 Fonte: Schmidt (1995, p.84)

Agora que foi apresentado qual a fórmula para obtenção de uma numeração para o calçado brasileiro, será discutido, na sequência, questões relacionadas às medidas dos pés masculinos e femininos.

As medidas do pé feminino e masculino O filme Kinky Boots ou Uma Fábrica de Sonhos (título da obra no Brasil), lançado em 2005 no Reino Unido, mostra um jovem inglês que herda de seu pai uma fábrica de sapatos à beira da falência, tornando-a um sucesso ao investir no mercado de calçados de saltos para transsexuais e drag queen’s. Durante a primeira tentativa frustrada de fazer um calçado, a personagem do filme percebe que, para a construção voltada para esse público, seriam necessárias adaptações dos modelos até então confeccionados, devido as diferenças de proporções anatômicas existentes entre o homem e a mulher. A história, baseada em fatos reais, tornou-se posteriormente um musical na Broadway. Apesar de ser uma obra de ficção, o que o enredo do filme evidencia é a necessidade de se atentar para as diferenças anatômicas entre o pé feminino e 213


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

masculino, resultando dessa observação o fato de que a construção de calçados para o público trans tem suas especificidades. Portanto, neste estudo, é apresentado inicialmente um comparativo entre as principais medidas do pé feminino e masculino, tomando como base as medidas antropométricas apontadas por Tilley (2007). A antropometria, segundo Tilley (2007, p.9) “é o estudo da forma e do tamanho do corpo humano”. Para obtê-las, em seu estudo denominado As Medidas do Homem e da Mulher: Fatores Humanos em Design, o autor utilizou “dispositivos de medição modificados para serem lidos diretamente por um computador”. Além desses aparelhos, foram utilizados outros equipamentos de medição como antropômetro, compassos modificados em conjunto com ponteiros e extensores, e fita métrica, “que gravava a distância (circunferência) com o aperto de um botão”, finalizando com o aperfeiçoamento em CAD (TILLEY, 2007, p.16). A amostragem da população do estudo de Tilley (2007), foi retirada dos EUA, apresentando os diferentes tipos de percentis em forma de curva de distribuição de frequências, apresentada na figura abaixo (Figura 5). Figura 5 - Curva de Distribuição de Frequências (em polegadas)

Fonte: Tilley (2007).

Na publicação, Tilley (2007) optou por acomodar 98% da população, apresentando três percentis masculinos e três percentis femininos, o perfil 99%, o perfil 50% e o perfil 1%. Essa seleção assim se justifica:

214


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

Não se costuma projetar para todos. Os poucos indivíduos que estão em ambas extremidades da curva podem ser tão extremos que a fabricação de um design tão abrangente se torne grande demais ou cara demais. Os militares norte-americanos optaram por excluir 5% na extremidade inferior e outros 5% na extremidade superior, dessa forma acomodando 90% da população medida pelos padrões militares. (TILLEY, 2005, p.17).

Os dados analisados por Tilley (2007), podem ser conferidos na imagem abaixo (Figura 6), onde se destacam todas as medidas antropométricas de cada perfil, masculino e feminino, em posição de pé e com o joelho erguido. As medidas são mostradas em formas de cotas com valores em polegadas e milímetros. Figura 6 - Comparativo de medidas masculina em três percentis.

Fonte: Tilley (2007).

Dentro deste contexto, o autor estabelece alguns padrões de análise apresentados nas tabelas a seguir (Tabela 4 e Tabela 5), evidenciando as características dos percentis masculino e feminino, levando em consideração idade, altura e peso. Tabela 4 - Características dos perfis masculinos de acordo com percentis

Homens Idade Altura Peso

Percentil 99% 20 a 65 anos 75,6” (192 cm) 111,2 KG

Percentil 50% 20 a 65 anos 69,1” (175 cm) 78,4 KG

Percentil 1% 20 a 65 anos 62,6” (159 cm) 45,6 KG

Fonte: Elaborada pelos autores com base em Tilley (2007).

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Tabela 5 - Características dos perfis femininos de acordo com percentis

Mulheres Idade Altura Peso

Percentil 99% 20 a 65 anos 69,8” (177 cm) 98,9 KG

Percentil 50% 20 a 65 anos 64” (162 cm) 62,5 KG

Percentil 1% 20 a 65 anos 58,1” (147 cm) 42,2 KG

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Tilley (2007).

O foco deste estudo está nos membros inferiores e suas respectivas medidas, com dados em centímetros, unidade métrica utilizada no cálculo da numeração de calçados. Para compreender melhor as medidas analisadas, foi elaborado um diagrama dos membros inferiores. As devidas posições de cada medida estão demonstradas na imagem (Figura 7). Figura 7 - Localização das dimensões dos membros inferiores

Fonte: Elaborado pelos autores (2019).

Os números representam as seguintes medidas: A altura do joelho é representada pelo nº 1; o nº 2 é altura do tornozelo; nº 3 é altura do maléolo3; nº 4 é altura do arco dorsal; a largura do metatarso é o nº 5; o comprimento em função do dedo mais longo é nº 6 e o comprimento em função do dedo menor é nº 7; a largura do calcanhar é nº 8 e por fim, o nº 9 é a circunferência da panturrilha. A tabelas 3 apresenta o público masculino com cada uma das medidas enumeradas acima, de acordo com os percentis 99%, 50%, e 1%.

Cada uma das duas proeminências ósseas arredondadas que ficam de ambos os lados da articulação do tornozelo. 3

216


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Tabela 6 - Medidas membros inferiores dos perfis masculinos. 1: Altura do joelho

2: Altura do tornozelo

3: Altura do Maléolo

4: Altura do arco dorsal

5: Largura do metatarso

6: Comp. do pé em função do dedo maior

7: Comp. do pé em função do dedo menor

8: Largura do calcanhar

9: Perímetro da panturrilha

Percentil 99%

55,11cm

11,43cm

8,63cm

9,39cm

11,43cm

29,71cm

24,38cm

8,12cm

13,46cm

Percentil 50%

50,29cm

9,90cm

7,11cm

8,12cm

9,90cm

26,41cm

21,59cm

7,11cm

11,68cm

Percentil 1%

43,94cm

8,63cn

5,33cm

6,60cm

8,63cm

23,36cm

18,79cm

5,84cm

8,89cm

Variáveis

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Tilley (2007).

Na tabela 7, apresenta-se cada uma das medidas do público feminino em seus diferentes percentis. Tabela 7 - Medidas membros inferiores dos perfis femininos 1: Altura do joelho

2: Altura do tornozelo

3: Altura do Maléolo

4: Altura do arco dorsal

5: Largura do metatarso

6: Comp. do pé em função do dedo maior

7: Comp. do pé em função do dedo menor

8: Largura do calcanhar

9: Perímetro da panturrilha

Percentil 99%

50,03cm

10,41cm

7,87cm

8,45cm

10,41cm

29,71cm

21,84cm

6,85cm

11,68cm

Percentil 50%

45,72cm

8,89cm

6,60cm

7,36cm

8,89cm

24,13cm

19,55cm

5,58cm

10,66cm

Percentil 1%

40,13cm

7,62cm

6,09cm

6,35cm

7,62cm

21,08cm

17,27cm

4,06cm

9,65cm

Variáveis

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Tilley (2007).

Por meio da coleta de dados da pesquisa, foi possível observar a discrepância entre as medidas masculinas e femininas, cuja análise dos dados apresenta-se no próximo item deste artigo.

Análise e discussão da pesquisa Conforme já observado, Schmidt (1995), aponta oito possíveis medidas na região metatarsiana. Porém no Brasil, só uma é utilizada como um padrão na confecção de calçados para o mercado interno e, sendo assim, isso limita o acesso de uma parcela da população a um calçado confortável. Dentre as pessoas prejudicadas encontram-se aquelas que permeiam a linha biológica dos sexos, se identificando 217


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

com gêneros diversos, como no caso das mulheres transgêneros. Uma porcentagem dessas mulheres possui necessidades específicas em relação ao seu calçado, que podem ser resolvidas se soubermos apontar quais são os pontos em que há uma maior diferenciação entre o pé do homem e da mulher. Durante a pesquisa foi elaborada uma tabela utilizando as medidas indicadas por Tilley (2007), visando ter como parâmetro as principais diferenças entre os pés de cada sexo biológico. Na Tabela 8, é possível observar a correlação entre os dados obtidos, de acordo com cada parte analisada. Tabela 8 - Comparação de medidas membros inferiores dos perfis (H - Homem; M - Mulher). Variáveis

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Percentil 99%

H:55,11 M:50,03

H:11,43 M:10,41

H:8,63 M:7,87

H:9,39 M:8,45

H:11,43 M:10,41

H:29,71 M:29,71

H:24,38 M:21,84

H:8,12 M:6,85

H:13,46 M:11,68

Percentil 50%

H:50,29 M:45,72

H:9,90 M:8,89

H:7,11 M:6,60

H:8,12 M:7,36

H:9,90 M:8,89

H:26,41 M:24,13

H:21,59 M:19,55

H:7,11 M:5,58

H:11,68 M:10,66

Percentil 1%

H:43,94 M:40,13

H:8,63 M:7,62

H:5,33 M:6,09

H:6,60 M:6,35

H:8,63 M:7,62

H:23,36 M:21,08

H:18,79 M:17,27

H:5,84 M:4,06

H:8,89 M:9,65

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Tilley (2007).

A seguir, apresenta-se as discrepâncias em centímetros entre cada perfil analisado (Tabela 9). A forma de cálculo utilizada foi a subtração entre a medida masculina e feminina de cada variável analisada entre os três percentis exibidos. Tabela 9 - Discrepâncias entre as medidas dos perfis analisados (D - Diferenças) Variáveis Percentil 99% Percentil 50% Percentil 1%

1

2

3

4

5

6

7

8

9

D:5,08

D:1,02

D:0,76

D:0,94

D:1,02

D: 0

D:2,54

D:1,27

D:1,78

D:4,57

D:1,01

D:0,51

D:0,76

D:1,01

D:2,28

D:2,04

D:1,53

D:1,02

D:3,81

D:1,01

D:-0,76

D:0,25

D:1,01

D:2,28

D:1,52

D:1,78

D:-0,76

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Tilley (2007).

Podemos avaliar que, embora de forma sutil, há uma diferença entre cada medida, onde é visto que o pé masculino é relativamente maior que o pé feminino com exceção de três casos, salientados na tabela em vermelho. O nº6, que representa o comprimento do pé baseado no maior dedo, é igual entre homens e mulheres do percentil 99%. Enquanto há uma diferença de 0,76 cm a mais na mulher, nos números 3 e 9, equivalentes a altura do maléolo e perímetro da panturrilha respectivamente. Pensando na construção da numeração do calçado, relacionado ao comprimento no Sistema de ponto frances, 1 ponto equivale a 6,66 mm ou seja 0,66 cm. Na tabela 6 o ponto equivalente ao comprimento do pé (6) em função do maior dedo, a diferença entre os percentis pode chegar a 2,28 cm, ou seja 3,4 pontos. Já na variável nº7, que equivale ao comprimento do pé em função do

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

menor dedo, há uma diferença que pode chegar a 2,54cm, algo em torno de 3,8 pontos. Averiguando o restante das medidas, é possível perceber na variante nº 5 que a largura dos metatarsos varia em torno de 1,01cm, e a largura do calcanhar nº 8 tem uma diferença média de 1,52cm. As diferenças nas alturas também são informações importantes a serem verificadas, por exemplo, para a criação de calçados que possuem um cabedal mais alto, como é o caso de botas e ankles boots. A altura do joelho e tornozelo números 1 e 2 respectivamente, tem uma diferença que chega a 5,08 cm no percentil 99% da altura do joelho, e uma diferença média de 1,01 cm da altura do tornozelo a mais no homem. Observando os dados obtidos, é possível verificar que alguns pontos devem ser analisados quanto à criação de calçados para as mulheres transgêneros, como uma maior grade numérica devido aos perfis masculinos analisados possuírem uma medida maior do pé bem como da região metarsiana, necessitando de calçados mais largos. A altura do maléolo também é algo a se analisar principalmente em calçados com um cabedal mais alto, para garantir um maior conforto no caminhar. Levando em consideração a numeração de calçados atuais, elaborou-se uma tabela sugestiva com as medidas ideais para a confecção de calçados para mulheres transgêneros (Tabela 10). Essa tabela foi confeccionada a partir da diferença das medidas identificadas por Tilley (2007) no percentil 50%, e calculado pela média aritmética entre cada uma das medidas dos homens e mulheres. O percentil 50% foi escolhido por representar a medida média da população. Segue abaixo exemplo do cálculo utilizando a variável Altura do Maléolo (3): Medida masculina + Medida Feminina / 2 = Média (3) H:7,11 + M:6,60 / 2 = 6,85 cm Com esse cálculo, as medidas tornaram-se mais próximas das maiores medidas masculinas, sem comprometer aquelas mulheres cujo pés são menores. Tabela 10 - Medidas ideais para calçado trans Variáveis Percentil 50%

1 48,00cm

2 9,39cm

3 6,85cm

4 7,74cm

5 9,39cm

6 25,27cm

7 20,57cm

8 6,34cm

9 11,17cm

Fonte: Elaborado pelos autores com base na Tabela 8 deste estudo (2019).

A Tabela 10, foi elaborada para demonstrar que as diferenças em relação as medidas dos membros inferiores masculino e feminino seriam reduzidas, amenizando desconfortos e facilitando o acesso do produto para as mulheres trans. Essas medidas influenciariam principalmente na construção de fôrmas mais adequadas, assim como a construção de solados, meia patas e saltos dos calçados. 219


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Considerações finais O mercado da moda se destaca, de tempos em tempos, por ser pioneiro na forma de subverter as fronteiras impostas pela sociedade em relação à identidade de gênero. Olhando com atenção os dados de consumo do público LGBT, pode-se observar um crescimento exponencial do seu poder de compra e, dentro desse setor nota-se que os produtos para mulheres transgêneros ainda são pouco explorados, resultando em dificuldades de encontrar determinados produtos que se encaixam em suas necessidades, como é o caso dos calçados. De certo modo, um dos obstáculos encontrados pelas mulheres trans para encontrar um calçado confortavelmente adequado está relacionado à necessidade de adaptação de uma numeração convencional feminina que, padronizada pelo mercado, ignora diferenças de um corpo constituído biologicamente de forma distinta. O Sistema de Ponto Francês serve como base para a numeração calçadista no Brasil, onde cada ponto corresponde a 6,66mm. Apesar do conhecimento de que há diferentes medidas relacionadas ao perímetro da região metatarsiana, apenas uma é utilizada como padrão no Brasil, como foi possível observar no decorrer deste estudo. Essa característica acaba por dificultar a busca por modelos de calçados pelas mulheres transgêneros, que em geral possuem uma região metatarsiana maior. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi propor uma solução para esse problema, iniciando com a organização de tabelas com as principais diferenças entre o pé masculino e feminino baseados nos dados compilados por Tilley (2007). Quando avaliamos a diferença antropométrica entre cada parte do pé feminino e masculino, seguindo as medidas do autor, percebemos que há uma disparidade que, embora sutil, pode comprometer o conforto na produção de um calçado voltado para as mulheres trans. Com relação às numerações, observouse que o pé masculino possui uma diferença entre os percentis analisados que pode chegar a 2,28 cm, ou seja 3,4 pontos. Esses dados são necessários para que seja possível dentro da indústria calçadista, tamanhos adequados a um determinado público. Desse modo, com base nesses dados, elaborou-se uma tabela sugestiva de medidas ideais para a confecção do calçado para mulheres transgêneros. Logicamente trata-se aqui de uma pesquisa em estágio inicial, mas cabe ressaltar a necessidade de se considerar um aumento da grade numérica convencional para atender o público trans, assim como pensar em relação ao perímetro da largura do calçado, para uma construção de solados e fôrmas compatíveis que garantam um maior conforto ao usuário. Os dados obtidos por Tilley (2007) foram retirados de uma amostragem de pessoas residentes nos EUA. Essa indicação é importante, pois a pesquisa em questão trata de propor soluções para o mercado interno brasileiro e, logicamente, devido às diferenças populacionais, os números no Brasil podem 220


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deferir dos apresentados pelo autor citado. Nesse sentido, sugere-se para futuras pesquisas, realizar um estudo das medidas dos pés femininos e masculinos com amostragem de população das diversas regiões brasileiras, para assegurar que as medidas seriam condizentes com os padrões necessários ao mercado interno. Esse ponto é inclusive ressaltado por Tilley (2007), que considera que perfis étnicos diferentes apresentam medidas também distintas. Uma outra sugestão para futuras pesquisas seria realizar uma nova comparação entre as medidas apresentadas por Tilley (2007) com as normas de criação de fôrmas de calçados, a exemplo da normativa da ABNT NBR 15159:2013, Ed. 4, editada em 2013, intitulada Conforto de calçados e componentes - Determinação dos diferentes perfis para o mesmo número – Fôrmas. Por fim, se o calçado na antiguidade foi produzido com finalidade de proteção dos pés, hoje significa muito além disso. Como artefato de moda, ele auxilia na comunicação da imagem que a pessoa quer transmitir ao mundo. Com base nesse estudo, foi possível perceber a necessidade por parte das empresas de investirem em produtos diferenciados, caso desejem atingir os públicos transgêneros, buscando atender suas necessidades e, na medida do possível, adaptando seu sistema produtivo às novas demandas do mercado.

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221


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

GIRARDI, Viviane. Direito fundamental à própria sexualidade. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p.365-372. GORISCH, Patrícia. Identidade de gênero sob a ótica da Corte Europeia de Direitos Humanos e sua aplicação nas cortes brasileiras. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p.373-392. JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre a população transgênero: conceitos e termos. Brasília: Autor, 2012 Disponível em: https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/orienta%c3%87%c3%95es_popula%c3%8 7%c3%83o_trans.pdf?1334065989. Acesso em: 15 ago. 2019. JONHSON, Ian. OutNow: Brazil 2017 Report — Out Now Global LGBT2030 Study. 2017. Disponível em: https://iabbrasil.com.br/wpcontent/uploads/2017/12/Pesquisa_-_Hornet__Relato%CC%81rio_Brasil_LGBT2030.pdf. Acesso em: 10 out. 2019. KINKY BOOTS. Dir. Julian Jarrold. Reino Unido, BBC Films, 2005. 106 minutos, Dolby Digital, Legendado. Colorido. MAFFI, Silvio. Metatarsalgia. Clínica e Cirurgia do Pé e Tornozelo. Disponível em: https://clinicaecirurgiadope.com.br/artigos/37. Acesso em: 17 out. 2019. MESQUITA, Cristiane. Moda contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2010. MUNARI, Bruno. Das coisas nascem as coisas. Lisboa: Edições 70, 1981. PINHASI R., et al. First direct evidence of chalcolithic footwear from the near eastern highlands. Plos one. 2010. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0010984. Acesso em: 17 out. 2019. SCHMIDT, Mauri Rubem. Modelagem técnica de calçados. Porto alegre: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, 1995. VIEIRA, Luís. Por que ainda é tão difícil encontrar numerações fora da grade padrão? Revista Tecnicouro. Edição 304. Jan/Fev 2018. TILLEY, Alvin R. Fatores humanos em design: as medidas do homem e da mulher. Porto Alegre: Bookman, 2007.

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

MODELAGEM E SEUS DESAFIOS: UMA EXPERIMENTAÇÃO PRÁTICA VISANDO A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE VESTIBILIDADE EM PEÇAS DE VESTUÁRIO FEMININO COM FOCO NA ALFAIATARIA FEMININA

Egéria Höeller Borges Schaefer Fernanda Oechsler de Melo

A modelagem de vestuário é um campo do design de moda de extrema importância para a produção de artigos têxteis. Além de criar as formas que darão base aos modelos, também é responsável por desenvolver estruturas adequadas ao corpo humano. Dentre as diversas vertentes do vestuário, a alfaiataria, sobretudo, é um ramo complexo em sua produção, e que necessita de atenção especial em seus processos. Observa-se ainda que, no mercado da moda, corriqueiramente são encontrados itens desprovidos de bom ajuste e caimento, carácteres ergonômicos indispensáveis nos atuais artigos de vestuário. Diante disso, faz-se necessário o estudo de métodos tradicionais e análise de melhorias viáveis no desenvolvimento de modelagens. Com o estudo da literatura vigente no assunto, auxiliada pelos conteúdos encontrados em meio online, atribuímos base para realizar essa investigação. As pesquisas de caráter qualitativo e dados empíricos também deram suporte para a tomada de conclusões. Experimentações práticas em laboratório, com o intuito de avaliar mais profundamente as estratégias utilizadas, somadas à pesquisa de campo com profissionais da área, possibilitaram compreender o mercado e as possibilidades existentes. Através desse estudo teórico-prático, tem-se o intuito de se aprofundar no estudo e conhecimento das formas de apresentação de modelagem e confecção do vestuário, a fim de perceber procedimentos que valorizem a vestibilidade e aperfeiçoem uma determinada peça da alfaiataria: o blazer feminino.

Introdução No campo do design de moda, a modelagem de vestuário é parte fundamental para o pleno desenvolvimento de peças. Ela se caracteriza pela planificação dos modelos, que antecede a confecção e “determina, por meio de suas características, as formas, volumes, caimento, conforto que se configuram ao redor do corpo e deve, portanto, analisar detalhadamente a morfologia do corpo e seus movimentos realizados” (SILVEIRA, ROSA E LOPES, 2017, p.47). Assim, percebe-se que além do estudo do corpo humano, a ergonomia também é 223


20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA

elemento fundamental na criação da modelagem, a fim de resultar em peças funcionais e que possibilitem as movimentações necessárias da estrutura física. Logo, modelagem e ergonomia de roupas devem caminhar juntas, em prol de resultados satisfatórios em praticidade, funcionalidade e conforto. A modelagem está entre os principais fatores competitivos dos produtos. Mesmo que o consumidor não tenha a consciência do processo industrial que existe para que aquela peça chegue na loja, logo após ter gostado da estética visual do produto, no momento em que ele prova uma determinada peça de roupa ele irá analisar a vestibilidade e o caimento para determinar se irá ou não adquirir o produto. (FERREIRA; MORGENSTERN, 2019, p.5-6)

Nesse contexto, o modelista é o profissional responsável pela produção das modelagens. Ele interpreta as ideias criadas pelo estilista e as converte para o papel, devendo, portanto, traçar as formas com o intuito de modelar peças que vistam adequadamente o corpo humano, respeitando o modelo idealizado. Para fazer a modelagem, o modelista realiza uma série de etapas já experimentadas, somadas aos seus conhecimentos pessoais, vindos de obras publicadas, costumes repassados ou experiências próprias. Consequentemente, não se tem uma regra exata e limitada para modelar cada peça de roupa, varia-se muito de acordo com o profissional que realiza o procedimento. Tais variações: Exercem influências determinantes no resultado do produto final, pois considerando que é no setor de modelagem que realmente ocorre a primeira etapa para a materialização do produto, quanto mais cedo ela puder ser pensada, experimentada e discutida, maiores as probabilidades de sucesso do produto. (SOUZA, 2006, p.28)

Posto isso, entende-se que a boa modelagem de um produto é aspecto determinante em seu sucesso e aceitação no mercado, tendo forte influência na decisão do cliente. Com essas ilimitadas formas de se construir uma mesma peça, descobrimos e aperfeiçoamos as maneiras de se produzir as roupas, ampliando possibilidades para sua manufatura. Por outro lado, por vezes, obtemos modelos que não são capazes de se ajustar aos corpos, oriundos de inadequações nas técnicas ou desconhecimento delas. O mercado da moda muitas vezes nos oferece produtos em condições desfavoráveis à boa vestibilidade, especialmente quando se trata de itens com etapas de produção mais complexas. Dentre eles podemos citar as peças da alfaiataria, que possuem por natureza uma maior complexidade em sua produção, tanto em questões de modelagem como de confecção. Segundo Motta (2016, p.23), “a alfaiataria não apenas resiste, mas permanece insubstituível como técnica, valorizada nos nichos de roupa de qualidade nos quais ela se aninhou”, sendo então notável sua relevância no mercado de moda atual. Trazidas do ateliê para as fábricas, as técnicas de modelagem e costura sofreram diversas transformações e adaptações ao longo do percurso. Quando comparadas, percebemos que a alfaiataria artesanal e industrial possuem características distintas, apesar de possuírem um mesmo ponto de partida. Na 224


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alfaiataria artesanal, um blazer demora muito mais para ser confeccionado, pois envolve detalhes e processos manuais que requerem maior atenção, além de outras vantagens como a possibilidade de personalização. Em contrapartida, a alfaiataria industrial proporciona aos clientes inovações nos modelos, tecidos e formas, pois dialoga com a moda vigente, além de rapidez na fabricação e menor valor cobrado pelo produto, oferecendo boa relação entre custo e qualidade no produto final (REIS, 2013). Podemos sintetizar esta análise no parecer de Motta (2016, p. 25), que afirma que a alfaiataria “é clássica quando obedece a um estrito código de execução manual e observa o corpo particular. É industrial quando adapta esses códigos às funções da máquina, se afasta do artesanato e adota medidas universais”. Apesar destes fatores, compreendemos que há espaço para ambas as formas de alfaiataria no mercado, por possuírem diferentes propósitos, públicos e finalidades. Não obstante, pode-se relacionar estas transformações com um cenário cotidiano no meio da moda. Caso este, se torna recorrente quando trata de projetos de vestuário, os quais sofrem discrepância com o resultado confeccionado, quando analisados e comparados entre si. Desse modo, surge uma problemática inicial a partir destas observações. Martins (2019) alega, do mesmo modo, sobre a regularidade em que encontrava desconformidades entre o desenvolvimento do produto e a vestibilidade das peças produzidas. Essa questão se vê, principalmente, no meio acadêmico, momento em que os discentes são instigados a criar projetos e colocá-los em prática. Nesse período, muitas ideias são projetadas e delineadas, mas a carência de informação sobre as possibilidades existentes para cada detalhe criado torna o produto difícil de ser realizado de maneira adequada. Assim, muitas vezes se percebe a incompatibilidade da capacidade de concepção com a habilidade de relacioná-la com a modelagem, montagem e todos os processos que a parte de execução irá envolver. Peças de alfaiataria exigem atenção especial em seus processos de modelagem e confecção, devendo ser criados já visando os procedimentos, materiais e acabamentos que serão utilizados, em prol do perfeito encaixe no corpo humano e da conformidade com o modelo proposto. O blazer, por exemplo, é um item que necessita de planejamento, pois envolve diversas questões a serem analisadas, bem como tecido e métodos de execução, fatores determinantes no resultado da peça. Além disso, algumas questões específicas na modelagem e fabricação do blazer se mostram ainda mais difíceis de serem corrigidas e solucionadas, como encaixes de manga e embebidos. Frequentemente nos deparamos com produtos de vestuário defeituosos e carentes em ergonomia e vestibilidade, fruto da inadequação dos tecidos, modelagens mal estruturadas, discrepâncias na anatomia do corpo, entre outros. Considerando o contexto citado anteriormente, esta pesquisa tem como objetivo geral estudar técnicas e métodos de construção do vestuário, visando solucionar problemas de má vestibilidade em alfaiataria feminina. Sabendo da 225


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vasta gama de produtos que podem englobar a alfaiataria tomou-se por base o blazer, por este reunir procedimentos de modelagem e montagem mais complexos, além de detalhes específicos necessários para seu bom resultado, tornando mais desafiador e atrativo o estudo deste item. Portando, esse trabalho visa o estudo de aplicação teórico-prática capaz de elucidar questões ainda passíveis de serem exploradas, tais como os procedimento mais apropriados para o bom caimento e resultado dessa vestimenta. Ademais, tem-se as especificidades desse objetivo maior, que se caracterizam em analisar técnicas de modelagens tradicionais (plana e moulage), a fim de realizar experimentações e aplicar no desenvolvimento de peças de alfaiataria femininas; estudar métodos de modelistas disponíveis em meio online, como Silvia Carvalho, para buscar por novas técnicas de montagem e preparação; e também realizar pesquisa de campo com profissionais da área, a fim de identificar os principais desafios do processo de modelagem e confecção do blazer de alfaiataria. Apesar de ser um acontecimento corriqueiro, pouco se tem descrito sobre as técnicas adequadas para obter uma peça perfeita em modelagem e acabamento. Segundo Barbosa e Santos (2017), o detalhamento da confecção dessas peças não é relatado nem mesmo em publicações recentes, em razão da complexidade das operações. Percebe-se então, uma carência desse tipo de conteúdo, que é muitas vezes reproduzido de pessoa para pessoa, mas não divulgado publicamente. Posto isso, este projeto se justifica pela necessidade de encontrar soluções eficientes para problemas mais frequentes na indumentária e na vestibilidade do blazer feminino, questões como mangas, golas e silhuetas. Através de experimentação de diferentes técnicas de modelagem, espera-se alcançar resultados representativos que auxiliem tanto no campo corporativo quanto acadêmico, aumentando a visibilidade e a compreensão da alfaiataria. Ainda, é apresentada uma pesquisa de campo com profissionais da área de modelagem, auxiliando na compreensão dos problemas e possíveis soluções. Levando em conta o crescimento exponencial da quantidade de informações sobre o assunto, faz-se necessário uma atualização sobre os procedimentos já existentes. Desse modo, podemos alcançar uma conclusão que traga aprimoramento da vestibilidade dessa peça, contribuindo para o crescimento do mercado de vestuário, e acompanhando o progresso da moda contemporânea.

Uma abordagem histórica da modelagem Acompanhando a evolução do ser humano, a indumentária se desenvolveu com o passar dos tempos e passou por um longo processo desde suas primeiras utilizações, evoluindo de simples partes de material amarrados para modelos ajustados ao corpo, capazes de definir as mais variadas formas. De modo geral, 226


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na Pré-história vestia-se com a finalidade de proteção, utilizando peles de animais, que posteriormente foram aprimoradas com o processo de curtimento, tornando-as maleáveis. Com isso, tem-se a invenção da agulha de mão, que proporcionou articular partes planas de determinado material flexível através da costura para adaptá-las à realidade tridimensional do corpo humano (MARIANO, 2011). Com o passar dos tempos, o ser humano começou a cultivar plantações e cuidar de pequenos rebanhos, que geraram para ele as fibras de linho, cânhamo, algodão e lã, evoluindo então para o desenvolvimento dos primeiros teares, e, portanto, obtendo tecidos mais leves e flexíveis (DINIS; VASCONCELOS, 2014). Quanto às modelagens, tinha-se o predomínio de diferentes formas pelos variados territórios, mas no geral, baseavam-se em estruturas ricas em drapeados, presos com broches, cintos, faixas e cordões. No século XV, com o Renascimento, se manifesta a importância da roupa na sociedade. Nesse momento, tem-se o que de fato se denomina como uma sociedade de moda, a qual se caracteriza como efêmera, operando sucessivas e constantes mudanças ao longo do tempo. De acordo com Lobo, Limeira e Marques (2014), essa sociedade do parecer surgiu na corte de Borgonha (atual França), quando as pessoas começaram com a ideia de se diferenciar uma das outras pela classe social. O anseio dos burgueses em copiar as roupas da nobreza fez com que os nobres buscassem se distinguir da burguesia, criando algo novo, e assim sucessivamente, o que constituiu o caráter de tendência. Dinis e Vasconcelos (2014) afirmam que apenas no final do século XVII houve uma efetiva distinção entre as vestimentas dos diferentes sexos. Nessa época surgiram também espécies de ateliês incumbidos da criação das roupas femininas, resultando na expansão da moda feminina em volumes e ornamentos, enquanto a masculina se retraia. Segundo as autoras, foi com a Revolução Industrial que a alfaiataria se tornou uma ciência, momento em que alfaiates aplicavam suas próprias metodologias para empregar as medidas do corpo humano, construindo padrões variados e gerando roupas ready to wear1, com aumento e diminuição de tamanhos de manequins, semelhante ao atual sistema de modelagem industrial. Porém, não havia ainda roupas ready to wear femininas, sendo que estas surgiram somente a partir das últimas décadas do século XIX. Rosa (2016), afirma que do século XVIII datam os sinais iniciais da modelagem propriamente dita, com os primeiros catálogos de roupas a pronta entrega, mesmo com a produção ainda manual. “A industrialização permanecia distante do setor do vestuário, o que se estendeu ao longo do século XIX” (ROSA, 2016, p. 56). O processo de industrialização, com a produção em série, trouxe muitas dificuldades, introduzindo um fator primordial para seu desenvolvimento: a tabela de medidas. 1

Pronto para vestir 227


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A moda desde o seu surgimento até os anos 90 foi se transformando e se estabelecendo. Fatores socioeconômicos, manifestações culturais, entre outras influências, contribuíram para a construção da história da moda. (ROSA, 2016, p.57)

No começo da confecção do vestuário, por meio industrial, os processos eram mais lentos, os acabamentos mais artesanais. As primeiras indústrias tomavam forma e métodos de corte e costura capacitavam as donas de casa. Posteriormente, as pequenas indústrias da confecção se transformaram em grandes e potentes organizações, que alimentavam o comércio das grandes lojas de departamentos. Percebe-se, traçando essa linha do tempo, que a vestimenta do corpo acompanha o comportamento nas mais diversas fases da humanidade. Depois de viver a escassez da guerra, encontramos a abundância do Fast Fashion, e hoje nos deparamos com a escassez de recursos naturais, proveniente da necessidade de repensar o consumo desenfreado.

Formas de elaborar modelagem Segundo Ropelatto (2004), “modelagem resulta da interpretação de um desenho de moda no qual se transfere em medidas corporais para o papel ou programa específico, dando forma ao modelo e obtendo-se o molde.” A modelagem do vestuário pode ser realizada de diversas maneiras, através de técnicas tradicionais ou autorais e intuitivas, sendo estas mais recentes, que se classificam como formas alternativas. Entre as tradicionais, podemos citar a modelagem plana (através de diagramas com ordem de execução e tabela de medidas ou com dimensões exatas e personalizadas do manequim), o Drapping ou Moulage (método tridimensional, com manequins especializados) e o sistema CAD/CAM (para criação de modelagem, graduação, encaixe e risco). Todas estas formas são muito utilizadas, tanto individualmente como em conjunto, se completando entre seus processos e utilizando técnicas diferentes na modelagem de uma mesma peça. Alguns criadores de moda da contemporaneidade desenvolveram técnicas autorais. Dentre eles, podemos citar Jum Nakao, autor da “Modelagem Intuitiva”. O método revela a compreensão da modelagem tradicional a partir de um novo prisma, ampliando a arte de modelar e provocando a percepção da tridimensionalidade do corpo no espaço, e suas infinitas possibilidades de vestir, a partir de uma visão escultórica e volumétrica. Shingo Sato, modelista japonês, também difunde pelo mundo o método “TR Design”, técnica que pode ser traduzida como “Reconstrução Transformacional”. Ela combina os fundamentos da modelagem com a tradição do origami japonês, permitindo que sejam criadas estruturas diferenciadas e grandes volumes nas peças. Além disso, o livro “Pattern Magic” (em português “A magia da modelagem”) apresenta a técnica contemporânea resultante das pesquisas de Tomoko Nakamichi. Sua obra expõe moldes de formas e roupas inovadoras, transpondo criações aparentemente 228


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simples para a modelagem plana, tornando-se um referencial para estudantes, pesquisadores e profissionais da moda.

A modelagem e suas vertentes A modelagem é estudada sob diversas abordagens, sendo elas históricas, conceituais, tipológicas e simbólicas, além das questões a ela relacionadas, como as normas da ABNT, a tabela de Medida e o seu papel na produção do vestuário. No âmbito acadêmico, a modelagem é vivenciada e experimentada pelos alunos a partir de disciplinas de caráter profissionalizante, em dimensões e escalas industriais. A arte da modelagem viajou através dos tempos até chegar ao atual mundo da moda. A criatividade dos estilistas passou a associar as formas dos modelos por eles desenvolvidos com tecidos específicos para as peças, os quais são escolhidos dentre uma gama crescente de variedades, permitindo a obtenção de efeitos diversos. Há poucas décadas, parte da indústria do vestuário vem experimentando um intenso crescimento e observa-se uma acirrada competição entre as empresas que a compõe, com mercados formados por indivíduos globalizados, ansiosos e fortemente consumistas, originando a legítima “indústria da moda”. Nessa perspectiva, nada seria possível se não houvesse uma evolução técnica no processo de modelagem das roupas, o qual tem, em última instância, a obrigação de buscar a melhor forma para cada um dos modelos estabelecidos para as peças do vestuário. (DISITZER; VIERIRA, 2006) Na produção em escala industrial, os desafios no processo de modelagem são ainda maiores, pois o seu resultado deverá atender a multidões de indivíduos com tamanhos e proporções diversas, sendo necessária a entrega de roupas que atendam aos desejos dos consumidores. Essa busca pelo aperfeiçoamento na indústria da moda é constante, com novas ferramentas sendo agregadas aos processos, de forma que a qualidade e rapidez da produção em massa possam ser alcançadas. A nova tendência ou referência para essa indústria já havia sido apontada por Vincent-Ricard (1989, p. 235): A revolução que o “prêt-à-porter” representou no pós-guerra, permitindo o acesso do grande público a produtos padronizados e de qualidade estética, mantém-se atualmente na perspectiva de um “prêt-à-porter” sob medida. A oferta modular, a partir das novas tecnologias de fabricação e comunicação, certamente fará surgir uma geração de agentes da “comunicação sob medida”.

Na atualidade, obtemos os avanços da tecnologia, a automação das linhas de produção, o sistema CAD/CAM na modelagem, e ainda, em constante atualização junto a este setor, possuímos hoje a Indústria 4.0 crescendo e ganhando espaço. Todavia, atrelado a esses acontecimentos, cresce simultaneamente a preocupação com os produtos, no que se refere ao suprimento das necessidades dos consumidores cada vez mais exigentes, num mercado cada vez mais digital e competitivo. Desse modo, cabe as empresas de 229


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hoje repensar fatores como qualidade, estética e manufatura, de modo que acompanhem os anseios dos consumidores sem desvalorizar os produtos colocados no mercado.

Metodologia A presente pesquisa visa um estudo de ordem aplicada com relação à sua natureza, visto que está centrada numa área específica do conhecimento. Consiste em estudar a modelagem do vestuário, seus métodos e suas aplicações voltadas à alfaiataria feminina, com foco no blazer feminino. A pesquisa conta também com procedimentos técnicos, como a pesquisa bibliográfica, que serve de apoio para fundamentar o estudo, organizar e assimilar os conceitos, selecionando critérios para o processo. Utilizou-se ainda, materiais encontrados em meio online, provenientes de blogs, vídeo aulas, entre outros. Estes são muitas vezes divulgados de forma informal, porém tratam de conteúdos mais recentes e de fácil acesso, se tornando fonte de informação para milhares de pessoas na contemporaneidade. Por essa razão, viu-se a necessidade de explorar também estas referências. Esta pesquisa classifica-se como qualitativa, dando tratamento analítico aos dados coletados, tanto da pesquisa teórica, quanto da pesquisa de campo, como descritiva e experimental, caracterizada na experiência em laboratório. Os dados empíricos foram obtidos através de pesquisa de campo e dos experimentos práticos, nos quais foram confeccionadas peças de blazers ou recortes desse item da alfaiataria feminina, adequados a diferentes técnicas de modelagem, os quais buscam possibilitar a avaliação da eficiência de cada resultado. A fim de estudar determinadas técnicas utilizadas, tanto na abordagem de modelagem como de montagem e costura, foram eleitos três autores para terem alguns de seus meios de obtenção de moldes, através de instruções retiradas dos livros e foram experimentados em laboratório. O critério de escolha destes se deu por apresentarem em seus materiais (livros) conteúdos referentes ao blazer feminino, fator este não ser muito comum em livros de modelagem, a maioria deles trazem enunciado e instruções de modelagem básica para iniciantes. Os testes se realizaram no tamanho 40, mas no momento de provar no corpo humano alguns se revelaram menores, servindo apenas em pessoas que vestem 38. Durante a experimentação também foram feitos alguns testes parciais, como encaixes de mangas ou golas, não havendo necessidade de fazer a peça completa. No primeiro teste, utilizamos o livro “Método SESI-SP de Modelagem plana e técnicas de costura” (2014), do qual foi extraída a modelagem de blazer feminino e executada a peça. Em seguida, experimentamos os métodos de Silvia Carvalho (2017), e testamos uma de suas técnicas publicadas. Por fim, realizamos a modelagem de blazer de Patrícia Sabiá, (2001), unida à técnica de moulage e aliada a conhecimentos empíricos. As experimentações foram produzidas no Laboratório de Modelagem e Vestuário (LAMOV) do Campus 230


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Balneário Camboriú-SC da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), durante o ano de 2019, para então serem tomadas as devidas conclusões a respeito das técnicas estudadas, as quais foram expostas nos resultados desta pesquisa. Aplicou-se também uma pesquisa de campo com profissionais de modelagem, costura e alfaiataria, a fim de entender os desafios encontrados no cotidiano daqueles que trabalham na área, além de se obter relatos significativos das suas experiências sobre o assunto. De acordo com Marconi e Lakatos (2010, p. 169), a pesquisa de campo é: Utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, de descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles.

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, tendo a finalidade de compreender as experiências individuais e particularidades dos entrevistados. As entrevistas ocorreram no período de agosto a dezembro de 2019, por meio de roteiro estruturado em perguntas discursivas, realizadas presencialmente com os profissionais, através das quais foi possível obter distintas opiniões sobre o tema. Na pesquisa de campo, buscou-se por profissionais da cidade de Balneário Camboriú-SC e região, atuantes no ramo de modelagem, alfaiataria e costura sob medida, para que, através de entrevistas, pudesse-se conhecer mais a fundo os desafios e as experiências em relação à modelagem e montagem do blazer feminino. A amostra foi definida pela região e profissão, se restringindo a poucos indivíduos e assim obtendo melhor compreensão sobre as opiniões apresentadas. O método de coleta de dados foi uma pesquisa qualitativa, na qual foi proposto um questionário de cinco perguntas discursivas. Nelas, os profissionais foram perguntados sobre as dificuldades enfrentadas pelos consumidores no momento de compra de vestuário, sobre os desafios na modelagem de alfaiataria feminina, e sobre os erros mais comuns cometidos no processo de confecção do blazer, além de possíveis dicas que poderiam informar sobre o assunto. Oito profissionais foram contatados, sendo que três deles tiveram suas respostas destacadas e pontuadas na síntese e análise dos dados.

Exposição dos resultados das experimentações Nesta seção serão expostos os resultados obtidos a partir dos testes realizados em laboratório, iniciando com o livro “Método SESI-SP de Modelagem plana e técnicas de costura” (2014), em seguida o métodos de Silvia Carvalho (2017), e por fim a modelagem de blazer de Patrícia Sabiá (2001), através da técnica moulage. - Teste 1: Partindo de uma modelagem tradicional de blazer feminino, foi selecionado o livro “Método SESI-SP de Modelagem plana e técnicas de costura”, por tratar de técnicas já praticadas nos cursos do SESI-SP (Serviço Social da Indústria de São Paulo). A partir dele, utilizou-se a modelagem plana do blazer, 231


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no tamanho 40, com manga de duas folhas e gola esportiva, com medidas padronizadas pelo livro. Foi realizada a modelagem e confecção da peça, auxiliados por alguns ajustes intuitivos no modelo. A seguir, é apresentado o resultado da experimentação, denominada como Teste 1 (Figura 1). Figura 1 – Resultado da primeira experimentação (Teste 1), confeccionado em sarja acetinada.

Fonte: Das autoras (2019)

Para o Teste 1, foi escolhido o tecido sarja acetinada, com caimento equilibrado, levemente estruturado e brilho moderado. Observou-se que a peça apresentou estética visual de excelente caimento e modelagem. Aparentou ser um pouco pequena para a numeração, com gola posicionada ligeiramente acima do esperado, mas prossegue com boa vestibilidade. A manga de duas folhas e a gola assentaram-se perfeitamente ao corpo, quanto no manequim pode ser observado. - Teste 2: Após serem concluídas as análises, prosseguiu-se com o segundo teste, utilizando a modelagem e o método de Silvia Carvalho para encaixe de manga na cava do blazer. Foram empregadas medidas extraídas de tabela do nosso acervo pessoal (SCHAEFER; MELO, 2019) para realizar a modelagem, e então recortada a área de interesse de estudo. O teste foi executado em TNT, e utilizamos uma entretela fina na cabeça da manga, como orientação da autora. O resultado da experimentação, denominada Teste 2, é apresentado na Figura 2

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Figura 2 – Resultado da segunda experimentação (Teste 2), confeccionado em TNT

Fonte: Das autoras (2019)

Ao final do teste, foram levantadas considerações positivas sobre a experiência: encaixe de manga perfeito, com ótimo caimento e bom embebimento, levando-nos a avaliar a técnica como um efeito positivo e significativo na colocação da manga. - Teste 3 : Partimos então para a terceira e última confecção, sendo utilizada para esta, a modelagem tridimensional de blazer ensinada pela estilista Patrícia Sabiá. A fim de testar uma nova opção de gola, foi eleito o modelo de gola tailleur para o teste em questão. Dispondo de uma peça de blazer de nosso acervo pessoal, provida de boa estrutura e perfeito acabamento, optou-se por extrair a modelagem da gola deste produto, tentando-se alcançar um resultado próximo do design da peça. Para as mangas, foi realizada novamente a modelagem em duas folhas, com aplicação de entretela na cabeça das mangas e ombreiras. Juntamente, foi utilizado a técnica de moulage no processo, tendo como base o manequim “Draft” de moulage no tamanho 40. A modelagem tridimensional, também chamada de moulage ou draping, é uma técnica que permite desenvolver a forma diretamente sobre um manequim técnico, que possui as medidas anatômicas do corpo humano. (SOUZA, 2006, p.25)

Desse modo, obteve-se o resultado a seguir, denominado Teste 3 (Figura 3).

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Figura 3 – Resultado da terceira experimentação (Teste 3), confeccionado em sarja.

Fonte: Acervo pessoal (2019)

A partir do Teste 3, pode-se observar que a modelagem possui ótimo caimento. O tecido de sarja escolhido para a confecção era encorpado, mas possuia viscose em sua composição, o que atribuiu uma fluidez indesejada à peça. Por isso, embora fosse completamente forrado, não alcançou-se a exata estética do blazer de nosso acervo. Mesmo assim, o resultado foi satisfatório. Outra questão levantada foi a do embebimento. A medida de folga colocada na manga para embebimento da peça era grande, impossibilitando o encaixe perfeito entre cava do blazer e cabeça de manga. Diante disso, foi necessário realizar a redução da cabeça de manga e adequá-la para viabilizar o término do produto. Foi aplicada entretela na cabeça de manga e ombreiras em manta R2, proporcionando mais estrutura e caimento para o modelo.

Síntese e análise da pesquisa de campo Conforme já citado, a pesquisa de campo foi realizada com profissionais da cidade de Balneário Camboriú-SC e região, atuantes no ramo de modelagem, alfaiataria e costura sob medida. Quando questionados sobre as peças que julgavam serem mais desafiadoras para se criar uma boa modelagem, o blazer foi citado como um dos itens mais complicados. Nele a dificuldade é bastante acentuada devido aos recortes que se faz na peça, aliada à posição correta onde devem ser colocadas as pences de acordo com os recortes, tudo isso para deixar a peça bem assentada ao corpo. Ademais, as calças também foram destacadas, por serem peças ajustadas à parte inferior do corpo feminino, o qual possui 234


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muita variação de um para o outro. Nas calças, o tecido e a lavagem que ele receberá também influenciam no comportamento do produto final. Na segunda pergunta foram levantados os principais obstáculos para o consumidor encontrar uma peça que lhe caia bem, na opinião dos entrevistados. As respostas para esse questionamento se deram em torno da modelagem, ressaltando as consequências que essa etapa traz no produto final. Entre os problemas mais elementares, evidenciou-se os seguintes: coxas muito finas, cinturas muito largas e mangas que restringem os movimentos. Também foram ressaltadas dificuldades em encontrar um blazer que viabilize a total mobilidade do corpo, e uma calça cujo gancho assente bem ao corpo feminino. Na seguinte questão, analisamos os principais desafios para desenvolver o blazer, tanto nas etapas de modelagem como na montagem da peça. Nesse quesito, foi observado que a parte onde ocorre a união dos ombros com as mangas é a que melhor deve ser pensada, pois é o elemento que mais chama atenção no produto, e por isso deve estar bem encaixado e estruturado. Dessa forma, o formato e o encaixe da manga devem ser bem pensados, já que otimizarão a vestibilidade da peça. Foi ressaltado ainda que a entretelagem é fundamental no processo, bem como o tipo de entretela utilizado. De modo geral, o maior desafio encontrado é no assentamento do blazer, especialmente em seus ombros, nos recortes, na gola e na união do forro com o tecido, o qual não pode sobrar e nem faltar, e por isso necessita de cuidado especial na modelagem. Questionados ainda sobre os principais erros cometidos nos blazers femininos oferecidos no mercado, observamos que as falhas fundamentais acontecem na parte da junção das costas com a cava. Muitas peças, por deficiências na modelagem, acabam por trancar os movimentos do ombro e braços, resultando em uma má vestibilidade. Salientaram-se ainda, defeitos como a manga levantando e o pescoço muito afastado do corpo, devido ao excesso de costura no meio das costas. Em síntese, percebeu-se que tais problemas são todos frutos de modelagens mal estruturadas para o corpo feminino. Como última questão, perguntamos se os entrevistados teriam alguma dica interessante para uma construção bem feita do blazer feminino. Nesse ponto, recebemos diferentes recomendações. Dentre elas, podemos citar:  O embebido, necessário tanto na manga (que deve estar no formato preciso), quanto na gola, a qual se deve posicionar corretamente no lugar. Pode-se embeber também a parte correspondente aos cotovelos na lateral da manga.  O uso da entretela de malha, a fim de evitar tornar a peça grosseira demais, deixando-a bem estruturada (e não estruturada em excesso);  Passar todas as costuras abertas, da parte interna do produto;  Reforçar a entretela para ficar mais estruturado em determinadas localidades, como na parte da gola atrás do pescoço e no ombro, ação esta que pode ser realizada também quando a gola é de ponta, auxiliando na melhor vestibilidade. 235


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Passar um viés de cetim na costura do ombro (antes da ombreira) e na junção com as mangas, a fim de encorpar e proporcionar que a peça fique bem arredondada quando virada do lado certo;  E, por fim, lembrar-se e atentar-se para as medidas e proporções da cliente, quando feito sob medida, procurando ajustá-lo corretamente ao corpo do usuário. Após esta pesquisa de campo, pode-se correlacionar os fatores ressaltados com os trabalhos realizados em laboratório, fazendo-se então as devidas considerações. Primeiramente, confirmou-se que a manga é parte fundamental para o bom resultado do blazer. Seu embebido concede uma melhor apresentação para a peça final, criando mais volume e acabamento nos ombros. Contudo, deve-se considerar que o valor de embebido não deve ser superior a 4%, visto que nas experimentações realizadas, modelos com valor superior (como do Teste 3) eram impossibilitados de serem fechados. Nesse contexto, percebeu-se que os materiais aplicados para estruturar o ombro fazem muita diferença na peça final. Recomenda-se assim, a aplicação de entretela na cabeça das mangas, utilizando uma tira do material em toda a sua extensão, com largura de aproximadamente 4 centímetros. Isso proporciona maior firmeza na região, e melhor caimento da manga. A colocação da manta R2 no trecho mais alto da cabeça da manga também se fez importante, pois ajudou na estruturação do item. Da mesma forma, as ombreiras se mostraram essenciais para dar forma aos ombros, bem como o viés de cetim, que confere a curvatura adequada na costura do ombro. O uso da entretela, tal como mencionado na entrevista, é essencial para o acabamento do blazer, pois ela assegura que as formas sejam mantidas, mesmo num tecido mais fino. Dessa forma, o ideal é procurar por uma opção mais delgada e maleável, fazendo uso de uma camada dupla nas regiões onde forem necessárias. Assim, evita-se deixar o artigo muito rígido, já que dependendo do tipo de tecido, pode ocorrer uma discrepância entre o material selecionado e a entretela usada na peça, configurando uma desvalorização do produto. Ademais, tem-se a passadoria, item indispensável à apresentação de uma peça bem feita e devidamente concluída. É indicado que as costuras, principalmente da parte externa da peça, sejam passadas a ferro para que se mantenham abertas, o que permite um melhor assentamento das partes que compõem o blazer. Relembramos também, que o ferro quente não deve entrar em contato diretamente com a superfície do tecido, pois o seu calor altera as propriedades das fibras têxteis, podendo ocasionar manchas, brilhos ou opacidades indesejadas. O uso de um tecido de gaze sobre a peça tem a função de protegê-la e permitir a passagem de calor moderado e necessário ao assentamento das costuras. Não obstante, deve-se ressaltar que é essencial levar em consideração o propósito inicial da peça, que possui uma circunstância definida na qual será inserida. Dessa forma, seu processo tem ligação imediata com o modelo, 

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modelagem impecável, material e consumidor determinados. A escolha do material possui critério fundamental no resultado da peça, influenciando em diversos momentos ao longo de todo o procedimento de confecção. Cada material atribuirá um caimento, uma elasticidade e um acabamento diferente ao artigo, portanto é indispensável avaliar as diferentes possibilidades de tecidos, para se chegar ao propósito desejado. O modelo escolhido também atua diretamente sobre a maneira que o blazer irá se adaptar aos corpos e deve ser relacionado com o biotipo da pessoa que irá usá-lo.

Conclusão Dados os fatores expostos, pode-se concluir que a alfaiataria é uma técnica de processos operacionais bastante complexos e, portanto, faz-se necessário o cuidado e atenção especial nas etapas que a constituem. O blazer feminino, importante peça na história da alfaiataria, detém características e mecanismos únicos, o que torna seu aprofundamento técnico ainda mais interessante. A partir das análises anteriores pode-se confirmar tal afirmação, percebendo-se os diferentes métodos que podem ser utilizados em um mesmo tipo de produto. A modelagem, como discutido ao longo deste artigo, é responsável por dar forma ao modelo concebido. É ela que atribui fator competitivo ao produto e determina, junto a outros agentes, sua aceitação e sucesso no mercado, e por isso, precisa ser bem trabalhada e estudada. Diante desse contexto e das informações apresentadas, pretende-se que tais análises contribuam para a melhoria dos produtos do setor da alfaiataria. Entende-se que as técnicas e propostas exercidas poderão auxiliar no desenvolvimento de peças com melhor acabamento e ergonomia. Logo, almejase que o campo do vestuário se sensibilize e torne esta, uma ferramenta de colaboração na certificação de usabilidade e vestibilidade, tanto no âmbito acadêmico como profissional. Nessa perspectiva, entende-se que a melhoria deve ser constantemente buscada, e sendo assim, as técnicas e a qualidade poderão ser sempre aprimoradas.

Referências BARBOSA, Juliana; SANTOS, Eloisa Helena. Alfaiataria: evolução histórica, publicações e metodologias de ensino. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DE DESIGN E MODA, 4., 2017, Bauru. Anais [...] . Bauru: Unesp, 2017. p. 1 9. Disponível em: http://www.coloquiomoda.com.br/anais/Coloquio%20de%20Moda%20%202017/COM_ORAL/co_3/co_3_A_alfaiataria_evolucao.pdf. Acesso em: 26 set. 2019.

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CARVALHO, Silvia. Atelier Silvia Carvalho: Blazer feminino de alfaiataria. Disponível em: https://ateliersilviacarvalho.blogspot.com/. Acesso em: 19 ago. 2019. DINIS, Patrícia Martins; VASCONCELOS, Amanda Fernandes Cardoso. Modelagem. In: SABRÁ, Flávio (Org.). Modelagem: tecnologia em produção de vestuário. 2. ed. Rio de Janeiro: Estação das Letras e Cores, 2014. Cap. 3. p. 54125. DISITZER, M.; VIERIRA, S. A Moda como ela é: bastidores, criação e profissionalização. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2006. FERREIRA, Letícia Birolli; MORGENSTERN, Elenir Carmen. O modelista no vestuário como agente influenciador para sustentabilidade. In: COLÓQUIO DE MODA, 15., 2019, Porto Alegre. Anais [...] . Porto Alegre: Unisinos, 2019. p. 1 - 13. LAKATOS, MARCONI, Marina de Andrade, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo, Atlas, 2010. LOBO, Renato Nogueirol; LIMEIRA, Erika Thalita Navas Pires; MARQUES, Rosiane do Nascimento. Técnicas de representação bidimensional e tridimensional: Fundamentos, medidas e modelagem para vestuário. São Paulo: Érica, 2014. MARIANO, Maria Luiza Veloso. Da construção à desconstrução: A modelagem como recurso criativo no design de moda. 2011. 139 f. Dissertação (Mestrado) Curso de Design, Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011. Disponível em: https://ppgdesign.anhembi .br/wp-content/uploads/dissertacoes/61.pdf. Acesso em: 26 set. 2019. MARTINS, Suzana Barreto (Org.). Ergonomia, usabilidade e conforto no design de moda: A metodologia OIKOS. Barueri, Sp: Estação das Letras e Cores, 2019. MOTTA, Eduardo. Alfaiatarias: radiografia de um ofício incomparável. Fortaleza: Senac Ceará, 2016. REIS, Benilde Mendes dos. Alfaiataria na contemporaneidade: alfaiataria artesanal e alfaiataria industrial: um estudo caso. 2013. 127 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal, 2013. Disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/1729/1/Disserta%c3%a7%c3% a3o%20Benilde%20Reis%20Final.pdf. Acesso em: 18 dez. 2019. ROPELATTO, Luciane. A técnica de moulage como ferramenta auxiliar de trabalho para o profissional modelista, Programa de Pós graduação em nível de especialização: MBA em Marketing e Criação de Moda. IBMODA. Joinville, 2004. 238


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ROSA, Stefania. Alfaiataria: modelagem plana masculina. 3. ed. Brasília: SenacDF, 2016. SCHAEFER, Egeria Hoeller Borges; MELO, Fernanda Oechsler de. Análise de dados antropométricos feminino adulto para estudo de tabela de medidas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DE DESIGN E MODA, 6., 2019, Porto Alegre. Anais [...]. Porto Alegre: Unisinos, 2019. p. 1 - 10. SESI-SP. Método SESI-SP de Modelagem plana e técnicas de costura. São Paulo: Sesi-SP, 2014. SILVEIRA, Icléia; ROSA, Lucas da; LOPES, Luciana D.. Modelagem básica do vestuário feminino. Florianópolis: Udesc, 2017. SOUZA, Patrícia de Mello. A modelagem tridimensional como implemento do processo de desenvolvimento do produto de moda. 2006. 116 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Desenho Industrial, Universidade Estadual Paulista, Bauru-SP, 2006. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/96266/souza_pm_me_ bauru.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 25 set. 2019. VINCENT-RICARD, F. As espirais da moda. Paz e Terra. São Paulo, 1989.

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Os autores Bruna Giovana Borges Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2018). Atuou como bolsista e estagiária de pesquisa no Núcleo de Pesquisa em Design da Univali (2015-2018), desempenhando pesquisas de tendências e de comportamento e consumo em empresas conveniadas com a universidade (2016-2018). Nos anos de 2017 e 2018 participou como embaixadora do movimento Fashion Revolution em Balneário Camboriú-SC, sendo responsável pela liderança, organização e execução da Semana Fashion Revolution nos respectivos anos. Atualmente trabalha na área de moda, com ênfase em Marketing Digital, desenvolvendo pesquisas de comportamento alinhadas à estratégia da marca. e-mail: bruna-gb@hotmail.com Bruna Ranguetti Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali (2016). Foi monitora da Modateca da Univali no biênio 2015/2016. Possui experiência nos setores têxtil, financeiro e corporativo, atuando com marketing e comunicação em grandes empresas, com trabalhos no mercado de eventos há mais de 10 anos. É pesquisadora independente de movimentos prósustentabilidade e consumo consciente. Aluna especial da modalidade Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT) da Universidade do Estado de Santa Catarina (2020). Instrutora de Yoga pelo Gandharva Yoga (2020). e-mail: bruna.ranguetti@gmail.com Bruna Stefanes Marques Sequinel Acadêmica do curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Bolsista do projeto de extensão comunitária Atelier Solidário (2020). e-mail: brunasequinel@gmail.com Egéria Hoeller Borges Shaeffer Mestre em Turismo e Hotelaria pela UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí; Especialista em Moda: Criação e Produção pela Universidade do estado de Santa Catarina _ Udesc; Graduada em Administração pela Universidade do Planalto Catarinense – Uniplac. Atua na área de Criação e Produção de Moda. Docente da Universidade do Vale do Itajaí – Univali, atuando principalmente nos seguintes temas: Ergonomia, Vestuário, Modelagem e Projetos em Design de Moda. e-mail: egeria@univali.br

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Fernanda Oeschler de Melo Graduanda do curso de Design se Moda da Universidade do Vale do Itajaí Univali. Bolsista de Iniciação Científica do Artigo 170 do Governo do Estado de Santa Catarina no ano de 2019. Realizou cursos de aperfeiçoamento em corte, costura e modelagem na escola Driart Modelagem, além de estagiar como Auxiliar de Produção na Arte Sacro Paramentos Litúrgicos. e-mail: femelo1999@gmail.com Graziela Breitenbauch de Moura Professora da disciplina de Gestão da Moda do curso de Design de Moda da Univali. Doutora em Administração e Turismo (UNIVALI). e-mail: grazi1@univali.br Graziela Morelli Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Ciências da Linguagem pela Unisul (2014). Possui Bacharelado em Moda pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC (2000) e mestrado em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2006). Fez formação em tendências no curso de Trends Forecasting do Istituto Europeo di Design em Barcelona e na London Fashion School em Londres. É parte do Comitê Científico do Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda. Atualmente é professora da Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Atuou como coordenadora e professora do curso de Design de Moda da Unifebe. Coordenou o curso de Especialização em Pesquisa e Comunicação de Moda na Univali e colaborou com o Jornal Município de Brusque por 15 anos. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em comunicação de moda e tendências e em desenvolvimento de projetos de moda e sustentabilidade. e-mail: morelli.graziela@gmail.com Haislan Henrique Maciel Zancanaro Formado em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Trabalhou como monitor no laboratório Modateca e foi bolsista no projeto de extensão comunitária Atelier Solidário, ambos na Univali. Participou do projeto SCMC – Santa Catarina Moda e Cultura e estagiou no SPFW com o estilista Alexandre Herchcovitch. Atualmente está finalizando licenciatura em História e leciona na rede estadual de Santa Catarina. e-mail: haislanzancanaro@gmail.com Jennifer Meurer Carvalho Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2019). Já realizou diversos estágios na área de moda e atuou como modelista por dois anos em um atelier de roupas sob medida em Santa Catarina. Atualmente trabalha como designer de moda no Grupo Cativa em Pomerode-SC. e-mail: jennifergoedert@hotmail.com

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Julia Eduarda Riboli Acadêmica do Curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Bolsista de Iniciação Científica do Artigo 170 do Governo do Estado de Santa Catarina nos anos de 2018 e 2019. Participou como auxiliar de backstage em desfiles da AMC Têxtil e Balneário Fashion Show em algumas edições e realizou aperfeiçoamento em modelagem promovido no Curso de Design de Moda da Univali. e-mail: juliaeduardariboli@hotmail.com Luciane Ropelatto Mestre em DESIGN pelo programa de pós-graduação em Design e Expressão Gráfica pela UFSC. Pós-graduada em MBA em Marketing e Criação de Moda pelo IBMODA. Bacharelada em Ciências Contábeis pela UNIDAVI. Técnica em confecção pelo SENAI. Atualmente é docente do curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí – Univali e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Aplicada em Design - NP Design, exercendo na mesma Universidade atividades na grande área de Desenho Industrial com ênfase em confecção e com foco em desenho técnico de moda (manual e computadorizado), modelagem industrial (manual e computadorizada) e modelagem tridimensional. Atuou em diversas universidades da região de Santa Catarina. Participou e orientou várias bancas acadêmicas voltadas à área de desenvolvimento de coleção. Possui experiência na área de produção e gestão de confecção de moda. Atua no mercado como freelancer em modelagem de vestuário assessorias em treinamento com softwares Audaces Vestuário. e-mail: Luciane.r@univali.br Maria Eduarda da Silva Costa de Queiroz Acadêmica do Curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Bolsista de Iniciação Científica do Artigo 170 do Governo do Estado de Santa Catarina no ano de 2019. Participou como ouvinte nos congressos Semana da Fotografia (2016), O2 Desafio Família (2017) e O Negócio da Moda (2018). Certificada pelo Grupo Photos em cursos de Fotografia no ano de 2017. e-mail: eduarda.scosta@live.com.pt Maria Luiza Reis Schrader Graduada em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali (2018); Técnico em Produção de Moda pelo SENAI - Blumenau (2014). Atua como designer de estampas e ilustradora desde 2018. e-mail: marialuizaschrader@gmail.com Mario Norberto da Cunha da Silva Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Bolsista do Programa Universidade para Todos - ProUni do Governo Federal nos anos de 2014 a 2019. Participou de projetos no Pesquisatório juntamente com o grupo de pesquisa de tendências e comportamentos de consumo. e-mail: beto.mariocunha@outlook.com

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Mayra Marina Gislon Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Bolsista do projeto de extensão universitária Atelier Solidário (2017/2018). Atuou como Assistente de Produção de Moda e Cenografia principalmente com público infantil (2018/2019). Atualmente ocupa o cargo de assistente de Desenvolvimento de produto do Escritório de Consultoria Fabiola Weiller. e-mail: mayramarinagislon@gmail.com Renata Cristiane Santiago Pós-graduanda em Negócios e Marketing de Moda pela Faculdade Santa Marcelina - FASM; Graduada em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali (2019). e-mail: renata.cr.s@hotmail.com Renato Riffel Mestre em História (PPGH/UDESC) e Especialista em Moda (CEART/UDESC), desenvolve pesquisas sobre história da moda e masculinidades, atuando também na área de patrimônio histórico e cultural. Atualmente é professor da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Coordena a Modateca da UNIVALI, onde desenvolve pesquisas e atividades relacionadas a conservação e salvaguarda de artigos de moda, realizando também a organização, curadoria e montagem de exposições. Coordenou o projeto de extensão universitária Atelier Solidário entre 2014 e 2019 e Educação Patrimonial entre 2016 e 2018. Tem experiência na área de Moda e História, atuando principalmente nos seguintes temas: história da moda, moda e gênero, moda e patrimônio e educação patrimonial. e-mail: renato.riffel@univali.br Romana Savagnago Erthal Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí–Univali. Bolsista de Iniciação Científica do Artigo 170 do Governo do Estado de Santa Catarina nos anos de 2014 e 2015. Aluna de disciplinas especiais no mestrado profissional de Design de Vestuário e Moda da UDESC. Atuação profissional no desenvolvimento de produtos das marcas Fila e Umbro no Grupo Dass desde 2018. e-mail: romanaserthal@gmail.com Taíza Kalinowsky Anselmo Mestre em Design pela Universidade do Estado de Santa Catarina-UFSC (2014); Especialista em Moda e Comunicação em Marketing pela Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo (2005); Graduada em Design com Habilitação em Design Industrial pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali (2002). Faz parte do corpo de docentes da Universidade do Vale do Itajaí – Univali nos cursos de Design de Moda e Design. Coordenou o Curso de Tecnologia em Design de Calçados (convênio entre a Universidade do Vale do Itajaí - Univali e o Senai - São João Batista). e-mail: taiza@univali.br

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Talita Amanda de Oliveira Ribeiro Bacharel em Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Em 2018 iniciou a experiência de trabalho na área de styling e através de trabalhos acadêmicos e alguns trabalhos voluntários para marcas locais e posteriormente foi contratada como freelancer. Em julho de 2018 foi convidada pela fotógrafa Mari Righez, especialista em fotografia para gestantes, para inovar o segmento através da moda. Atualmente exerce sua atividade como styling e produção de moda com foco em Gestantes. e-mail: taolirib@gmail.com Wendi Lara Zanella Acadêmica do curso de Design de Moda pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Bolsista do projeto de extensão universitária Atelier Solidário (2019). Desenhista técnica na empresa AMC Têxtil. Participou como auxiliar em produções de moda além de realizar aperfeiçoamento em modelagem, corte e costura na Escola da Moda em Balneário Camboriú-SC. e-mail: wendizanella@hotmail.com

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Agradecimentos O curso de Design de Moda da Univali completa 20 anos de existência neste ano de 2020. Sua história é resultado da colaboração de muitas pessoas que contribuíram, cada um à sua maneira, para construir essa bela e significativa história. Em nome da coordenação do curso, manifestamos nossos agradecimentos iniciais ao atual reitor da Univali, professor Dr. Valdir Cechinel Filho, pelo apoio constante às atividades institucionais do curso, estendendo igualmente essa gratidão aos reitores que o sucederam. Agradecemos também ao professor Dr. Carlos Alberto Tomelin, Vice-Reitor de Graduação e Desenvolvimento Institucional da Univali que, estando à frente da Direção do Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CECIESA, no campus de Balneário Camboriú na época da implantação do curso, não mediu esforços para sua instauração e posterior sucesso. Somos gratos também ao professor Dr. Renato Buchelle Rodrigues, atualmente diretor dos Campi da Grande Florianópolis, que conduziu o CECIESA (hoje Escola de Artes, Comunicação e Hospitalidade) até o ano de 2018, pelo incentivo às atividades do curso. Manifestamos também nossa gratidão à colaboração das professoras Dra. Carla Carvalho e da Dra. Patrícia Duarte Peixoto Morella pelo carinho e comprometimento com o curso enquanto estiveram à frente do Apoio Pedagógico, reconhecimento esse que se estende ao professor Dr. Marcos Arnhold Junior que exerce atualmente essa função. Igualmente, não poderíamos deixar de agradecer à professora Dra. Regina Linhares Hostins, Diretora de Educação da Vice-Reitoria de Graduação e Desenvolvimento Institucional que, com seu entusiasmo e sabedoria, nos inspira a buscar formas inovadoras de ensinar e aprender. Em especial, assinalamos aqui a nossa mais profunda gratidão à professora Bianka Cappucci Frisoni que, estando à frente da coordenação do curso de Design de Moda por 15 anos e como Diretora da Escola de Artes, Comunicação e Hospitalidade por 2 anos, nos inspirou e partilhou sua paixão pelo Design, não medindo esforços para que o sucesso e a qualidade se tornassem sinônimos do curso. Manifestamos nossos agradecimentos a um grupo especial de professores que, lecionando no curso há mais de dez anos, compartilham com entusiasmo seu conhecimento e suas experiências: Daniela de Aquino, Egéria Holler Borges Schaefer, Graziela Morelli, Luciane Ropelatto, Olinda Teresinha Schauffert e Taiza Kalinowski Anselmo. Também deixamos um agradecimento especial às professoras Maria Rosaime Cabral e Caroline Anmhof de Macedo, pela notável contribuição e dedicação ao curso.

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Somos gratos também ao professor Renato Riffel, pela organização desta obra. Por fim, agradecemos aos professores que, em algum momento de seu percurso profissional, atuaram no curso de Design de Moda. Citá-los aqui, nessa obra comemorativa, é uma forma singela de homenageá-los: Adair de Aguiar Neitzel - Adhemar Maria do Valle Filho - Adriana Gomes Alves Alberto Ribeiro Palmieri - Alexandra Andrea Nuñes Riquelme - Alexandre De Sá Oliveira - Alexandre Santilli - Alvaro Galrão de Franca Neto -Ana Lucia Moraes de Oliveira - Ana Maria Hasckel - Ana Paula Castilho - Ana Paula Lisboa Sohn Anderson Assunção - Andrea de Freitas Ferreira -Andrea Luiza Kleis Pereira Angelo Ricardo Christoffoli - Antonio Assef - Arina Blum - Barbara Silvana Sabino - Beatriz Koneski Santangelo Moletta - Caio Cesar Ferrari Santangelo Camila Barth Paiva - Camila da Silva Schmitt - Carla Carvalho - Carlos Davi Matiuzzi da Silva - Carlos Eduardo de Borba - Carlos Eduardo Mauro (in memorian) - Carlos Hopfer Junior - Carlos Alexandre Dias Aguiar - Caroline Santos da Silva - Claudia Finardi - Cleide Jussara Müller Pareja - Cleiton Marcos de Oliveira - Cristiane Maria Riffel - Cristina Pereira Vecchio Balsini - Cynthia Hansen - Dalva Sofia Schuch - Daniella Cristina Rebelo - Ediene do Amaral Ferreira - Eduardo Guerini - Elaine Goncalves Weiss de Souza - Elenice Aparecida Padilha - Eliana Camargo Moreira - Elza Aparecida De Oliveira Emiliana da Silva Campos Souza - Estefania Tumenas Mello - Fabiana Marin Thives Ellery - Felipe Borborema Cunha Lima - Fernanda Iervolino - Fernanda Steinbruch Araujo - Flavio Anthero Nunes Vianna dos Santos - Giorgio Leandro de Souza - Giovani Canan - Giovani Voltolini - Graziela Breitenbauch de Moura Graziela Donato - Gustavo D´Amaral Pereira Granja Russo - Helia del Carmen Farias Espinoza - Irineu Gallo Junior - Isaura Maria Longo - Ivo Raulino - James Dadam - James Luiz Venturi - Jaqueline Keller - Joao Luiz Pacheco -João Luiz Pacheco - João Wenceslau Ricardo Neto - José Marcelo Freitas de Luna - Joseane Souza - Lennon Romano Bisolo - Ligia Ghisi - Ligia Nadzion - Lineu Muniz Filho Lucíola Stenhaus Pires - Luiz Claudio Mazolla Vieira -Luiz Filipe Goldfeder Reinecke - Luiz Roberto de Lima - Luiz Rodolfo Moser - Manon De Sales Ferreira Manuel Carlos Pinheiro da Gama - Mara Lucia Adriano Bueno - Marcel Oliveira de Souza - Marcia Cardeal - Marcio Bittencourt - Marcio Daniel Kiesel - Marco Aurelio Petrelli - Marco Aurelio Soares dos Santos - Marcos Eduardo Schaefer Marcos Roberto Ramos - Maria Cristina Iglesias Congosto - Marianna Corrêa Marina Otte - Marlene Huebes Novaes - Marli Machado de Souza - Mary Vonni Meurer - Melissa Mendes de Novais - Michelle Sprandel da Silva Perusin - Miriam Terezinha Pinheiro - Mirian Teresinha Pinheiro - Moacir Marques - Osmundo Moysa Saraiva Junior - Pablo Flores Limberger - Paula Felipe Schlemper de Oliveira - Paulo Cesar Ferroli - Regina Célia Linhares Hostins - Renato Buchelle Rodrigues - Ricardo Antonio Beduschi Sacavem - Ricardo Magoga Gallarza Ricardo Pimenta (in memorian) - Roberto Hering - Rodrigo Cordeiro Mazzoleni Silvana da Costa Maia - Silvia Reinert - Silvia Sasaki - Simone Batista Tomasulo Simone Medeiros Pinto Pereira - Sonia Maria Kohler Dias - Sonia Regina De Oliveira Santos - Taiana Polli - Tales Dutra Coirolo - Thiago Osnildo Serpa - Tiago Vinícius Ficagna - Timoteo Schroeder - Valéria Maria de Oliveira - Vanessa Silva Alves Ferreira - Vera Lucia Sommer - Yaskara Beiler Dalla Rosa - Yolanda Flores e Silva 246


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É possível que, dentre tantas contribuições nesses 20 anos, algum nome tenha sido deixado de mencionar nestes agradecimentos. Da mesma forma, entendemos que outros tantos anônimos ajudaram a concretizar essa trajetória. A esses antecipamos aqui um pedido de desculpas, ao mesmo tempo em que expressamos nossa gratidão! Mônica Facchini Krinke Coordenadora do Curso de Design de Moda (2018-2020) Escola de Artes Comunicação e Hospitalidade Universidade do Vale do Itajaí – Univali

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20 ANOS DO CURSO DE DESIGN DE MODA: PERCURSOS EM PESQUISA Publicação do Curso de Design de Moda da Universidade do Vale do Itajaí – Univali

Prof. Dr. Valdir Cechinel Filho Reitor da Univali Prof. Dr. Carlos Alberto Tomelin Vice-Reitor de Graduação e Desenvolvimento Institucional Prof. Dr. Rogério Corrêa Vice-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Prof. Dr. José Carlos Machado Vice-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Prof. Dr. Hans Peder Behling Diretor da Escola de Artes, Comunicação e Hospitalidade Profª. Msc. Alessandra Devitte Coordenadora do Curso de Design de Moda

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