PRA RUA PRA RUA 754 ZIN ES7 541
pra rua e - z i n e moderníssimo d pop filosofia / poesia / comportamento / arte-experimento / ideias ou quase isto
editor geral::: mateus magalhães @alagoanissimo
revisor::: mateus borges @mateusb
número 001 maceió, al, b r a s i l , jan, 2018 @754zines
“A minha mãe morreu sofrendo muito, com câncer e o caralho. O meu pai morreu dormindo. Eu queria morrer com 30 anões tocando trompete, umas mulheres peladas, uma sinfonia multicultural. Queria morrer no palco, explodindo.” antônio abujamra
1 MINUTO C/ EDITOR::::: POR MATEUS MAGALHAES a 754zines surgiu no início deste ano p/ preencher um triste vácuo de produções independentes voltadas à literatura na cidade de maceió & suas adjacências. maceió precisava e precisa urgentemente de uma editora construída por autores e por gente interessada em fazer a literatura acontecer para além dos editais públicos. a 754 era um sonho que começou a ser construído, de fato, quando diagramei GNOSE & GNOSTICISMO, zine de minha autoria, escolhido por mim pra dar início às publicações físicas da editorazinha de guerra
que fundei. desse quizás, quizás. sonho, infelizmente, o e-zine PRA acordei naquele mes- RUA marca este novo mo mês, ao ser per- momento da 754, coseguido pelo terrível locando pra circular monstro da crise fi- digitalmente poesia, nanceira.escrevo em literatura, crítica, dezembro e nenhum ideias ou quase isto. zine foi colocado no o PRA RUA vem pra mundo. bombardear o mundo estive, e ainda c/ a pop-filosofia de estou, em apuros fi- uns quantos autores nanceiros. pensei em alagoanos. abandonar a 754 e de NESTA EDIfato o fiz por uns me- ÇÃO, a primeira, ses. agora, pilhado convidei os colabopor algumas publica- radores. a partir da seguirei ções que emergem do próxima, alguns underground, volto convidando autores, mas abrirei pro front, que anda também para envio cheio de novidades. por enquanto, de originais. entre filosofia, e talvez pra sempre, ao contrário da ideia prosa, poesia e fotografia, estou com inicial, a 754zines muita gana de fazer publicará apenas acontecer. deixemos, zines digitais. as edimeus amigos, começões físicas, talvez, çar a aventura. ***
A DITADURA DO MOVIMENTO Eis a "ditadura" do movimento: vangloriam-se aqueles que viajam a todo instante. E estão a passar por aí e a passar passar passar... Condenam o estar parado na rua, numa praça, nos bares, nos lugares que realmente nos pertecem. Tudo está perigoso, dizem. É proibido subir em um ônibus e, parado, andar pela
por igor cavalcante
igor CAvalcante nasceu em alagoas no final dos anos noventa. descobriu cedo seu talento para a música e desde então dedica-se a compreender a existência dela & a sua própria.
cidade e andar andar andar... Bem, os ônibus estão perigosos também. A noite é um mistério. É difícil conhecer a cidade noturna através das janelas. Fomos condenados a passar o resto das nossas vidas cercados por duas alternativas: morra em casa ou gaste o seu tempo a passar passar passar... ***
Vêm os ciprestes cavoucando as escadinhas de metal que encobrem a janela do quarto, no qual eu andava pálido e entrapado, roendo as carninhas dos dedos enquanto ela repousava num canto pouco da cama. Os olhos semicerrados vibravam contra a manhã que queimava baixa num sol de melaço. Nas sombras, no pequeno volver de cada pulso, a firmeza dos milagres e as provas concretas daquelas absolvições – “Estávamos tão próximos”, disse-me quando chegamos ali, tão próximos do que quer que fosse certo que agora a única razão era se arrogar ao momento. Firmar-se no instante, e não desgarrá-lo pelo tudo que se antecipa em janelas. Minha garganta se enroscava com o intento completo da moral. Eu me sentia lento nesse quarto que emoldurava a decadência vibrante do frigobar, das pinturas arrastadas de cavalos e do cofre enfuscado num canto alto. Queria logo que elas chegassem e interrompessem meu passo. Queria as mãos pálidas das mães do templo massageando o meu pescoço com os olhos na contraluz do display de LED, conduzindo minha cabeça às águas da banheira, e a ento-
“EMAN mateus borges tem 21 anos. nasceu EM SALVADOR, BAHIA. escreveu esse texto.
NOEL” BEATRIZ STEFANO NASCEU EM ARACAJu. ESTUDA AUDIOVISUAL NA UFPE E TIROU ESSA FOTO.
ar por baixo das vozes hinos e bênçãos. Os dedos segurando as minhas narinas. Borrões de infância vindo: duas ou três irmãs ajoelhadas à mesa, a minha bicicleta se enviesando a caminho de casa numa dobra de árvores, o gosto do álcool no fundo, com riscos ao topo da garganta. Ela se contorcia calma no seu canto da cama, como se fosse guardar os braços de algo imenso. Sussurrei para que dormisse, mas não tão baixo que a agoniasse com minha calma. Assim o batismo que ela me pedia, esse recobrar dos tempos pela medida dos pecados? Parecia infantil que se desejasse qualquer outra prece. Ainda assim o fazia. O corpo por baixo da camisola me derrotando todos os dias cá dentro, fundo revirando brasa com ferro. Mas filho vindo de pai marcado não pode seguir mundo. Fruto ruim, disse-me, sempre. Precisa, Emanoel, precisa dar ao seu nome e ser ao seu nome aquilo que era Real, aquela matéria una e toda que se pode tomar por verdadeira. Cristão culpado se recompõe. Cristão culpado leva a chispada. Cristão culpado abre uma sacola e enfia o próprio rosto. ***
mijo
um poema de karen pimentel trocávamos os passos a cada esquina um novo cheiro do mesmo mijo pensávamos ser esse o objetivo da juventude: mijar todas as esquinas até que o cheiro humano se acomodasse nas narinas mas logo vinha o sol, queimando nossas poças, intimando o jornaleiro a vender genocídios golpes parlamentares 600 imigrantes afundados no Mediterrâneo discursos de ódio não perca os flashes a filha do empresário casa como num sonho de princesa cai a karen pimenbolsa de Nova York tel nasceu em 1995. alagoana no Japão alguém inventou de maceió, reo robô que substituirá torna pra casa os humanos ferve depois de uma o mijo a prefeitura temporada no manda seus prepostos uruguai. eslavarem os rastros creve poesia e de humanidade mora na jatiúdeixados pelo caminho. *** ca velha.
Ă GUA DE JANE IRO um ensaio de ivana fontes
“prometo silêncio total”
"para um afogado"
“doce ru
uptura”
"espiral de um sonho"
Ivana Fontes nasceu em Aracaju, Sergipe, no fim dos anos 90, mas mora já há muito tempo em Maceió. Está de malas prontas para São Paulo, ama peixes, o mar, cantar e escrever. Aventura-se, às vezes, na fotografia.
Digamos que nosso protagonista se chamava Ming. Todo dia, precisamente às cinco da tarde, Ming morria. Assassinado. Era levado ao paredão e ocorria o fuzilamento, sob as cores de um quadro de Van Gogh, leve tom amarelado nas flores, quentura exalando dos objetos. Ming sempre acordava disposto. Variava sua rotina durante o dia, mas às cinco da tarde ele sempre voltava à sua cama, escrevia versos em uma caderneta pequena que ficava depositada sobre seu bidê e aguardava a hora em que os homens de uniforme chegariam para carregá-lo ao encontro da morte. No outro dia revia os versos e, perfeccionista, reiniciava a labuta. Alguns dias Ming se sentia pouco inspirado. Ia caminhar às margens do
outro conto chinÊs wibsson ribeiro
“Marienbad é um lugar indescritivelmente belo. Penso que, se eu fosse chinês e tivesse que retornar de imediato a minha casa (no fundo, sou chinês e retorno à casa), deveria tomar providências para voltar para cá em breve”. (Kafka - Carta para Felícia Brauer)
Paciente. Não exprimia um único som. Seu corpo era jogado em uma vala junto com diversos homens e mulheres. Acordava sempre após sonhar com sua casa pegando fogo. Dentro do bidê, Ming preservava um envelope com um bilhete de sua mãe e uma arma pequena envolta em um pano cinza. A carta da mãe dizia que aquela fora a arma com que o pai e o avô deram cabo de todo o sofrimento. Ming, antes de escrever, sempre olhava para a arma e a repunha dentro da gaveta. Um dia, quem sabe. ***
rio amarelo sentindo o sol quente em sua nuca e o prazer de um vento carregando cheiro de primavera. Era atencioso com os velhos e não sentia vontade de fazer nada além de caminhar e sorrir para as crianças brincando. Ming não gritava últimas palavras WIBSSON RIantes da morte. Ele BEIRO É PRODE morria resignado. FESSOR
HISTÓRIA.
“Pedrada!”, e era um caminhão atropelando um filhote fugitivo, seis rodas (oito? dez?) liquefazendo um recheio invisível (cruel como a vida), doze anéis de tempo para esfacelar irrecuperável o bicho decalcado da primeira mão, era uma carta, minha, de amor, (“Foda-se.”, dizem os dias no contínuo bélico), e deceparam-me todas as letras de um já impossível futuro, falanges verticais, (na versão oficial virá: suicídio), colhe a estrada os meus dedos em amontoado tamborilar sobre o próprio charco – sim, Senhores (catorze? dezesseis?), s a n g
ana maria va s c o n c e los escreve, pesquisa e ensina literatura
u e (olhos hipnóticos: não há eternidade é a burra e altíssima descoberta coletiva; quis ainda dizer: “o nada, o nada, o nada” em guturais e a voz já não subia senão no grito trançado de ódioagoniapavor) –, “Pedrada!”, e voam pássaros do meu peito, é feia a asfixia (saltam olhos, língua, gases), dezoito rodas para me mutilar os ossos tão pequenos (batem desesperadas as asas do que eu era), vinte e duas rodas para me desmembrar o caos em besouros e vermes – chamariz; viriam, sim; lento é sobreviver –, (tortura coitos com bicos alucinados a já não mais minha ensandecida revoada) trinta e tantas para, (barulho barulho barulho de torres) vejam só, me fazer chorar. “Pedrada!”. E golfa a raiz das coisas um sangue negro de vísceras – pura graxa, o meu passado (o teu também, vício de garganta: bebo ambos, igualmente intoleráveis) –, verte sóbrio o cuspe podre da minha doença insidiosa, a víbora!, veneno excessivo da maçã irrevogável dos dias (trazemos insuspeitadas as feridas, açoitados todos nós pelo tempo e pelos baús indevassáveis). ***
Richard Plácido é escritor. Em 2016, publicou o livro entre ratos & outras máquinas orgânicas, pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Contato: richardplacido.com | placidorichard@gmail.com.
a vida é movimento perceba o minuto final de uma barata suas seis patas frenéticas parece um samba um samba triste a barata já sabe tanto que vai partir que em decúbito dorsal vestida de marrom camelo o samba compassado de suas calejadas patas e em seguida a inércia ainda há tempo para alguns espasmos que não se sabe se do corpo na tentativa do último suspiro as asas seu último voo
CORPO EM DESCOMPASSO por richard plácido
De voz rouca e olhar antigo,
mateus magalhães nasceu em maceió na segunda metade dos anos 90. há um bicho lançou os livros "quem escondido no céu de tabelar com toni ganha Brasília. um fusca" (2015) e "malu e a bagaceira" (2017). Vigília ─ seremos o que idealizou e executou quisermos esse e-zine. debaixo das árvores do Cerrado. É que acima das nuvens nada é proibido. Tudo é divino, tudo é permitido e até Jesus Cristo é possível.
CÉU DE BRASÍLIA por mateus magalhães
um poema de andre felipe santa rosa em meus sonhos desbotados posso ver seu esconderijo impossível o quintal de alguma casa de praia abandonada procuro seus ossos junto aos fósseis de animais & bicicletas enferrujadas vendo minha alma ao diabo perco a cabeça quando já estou cego vejo você voltar danço com sua assombração ao redor da fogueira
perco um dente ouço sua risada uma reverberação eterna na minha pele deslizo debaixo dos olhos tristes das estrelas & mergulho no vermelho oceano a poça de sangue na minha camisa me afogo pra sempre no ar na luz do seu espírito perfeito & inocentemente espero seu amor
andre felipe santa rosa é fotógrafo e poeta. nasceu em maceió. mora em recife e estuda jornalismo na ufpe.
ausência há algo de silencioso no desenho bruto das pedras algo de pêndulo em seu movimento impreciso um pássaro preso a uma corda, seu giro, a vertigem apanho o pássaro : está morto um jogo de contínua lentidão percebo algo de circular em seu canto como o eco de um som ainda ausente seu sopro de silêncio: dois abismos : sobre as mãos não apenas o pássaro mas uma recusa silenciosa ponho a mão no silêncio e ele – matéria rochosa – se desfaz todos os pássaros estão mortos e giram e giram e giram
Amanda Prado é doutoranda em Estudos Literários, organizadora da Ofélia e integrante do grupo Elisa.
somos todos ratos por Natália Agra
Isso é só cabelo nos olhos no lugar do espanto mais espantoso: a vítima tem sempre razão e uma interrogação A vítima agora rasteja para dentro dela confusa com o cabelo na cara rejeitada As vítimas se unem nas ruínas nos canos de escoamento nas sombras pouco iluminadas dos olhos cerrados Daqui a pouco a culpa é sempre da vítima com uma sequência de exclamações A vítima não pode nada tem que se esconder na ver-
NATáLIA AGRA nasceu em Maceió, Alagoas, em 1987. é poeta, editora e jornalista. Publicou ano passado seu livro de estréia: De repente a chuva (Corsário-Satã). gonha no medo na loucura Incontáveis os becos os gritos avessos do que não está nos livros: estão em toda parte O apocalipse maquinava no asfalto a lama mais densa Sem medo as vítimas levantaram uma bandeira de sangue na luta que em pouco tempo devolvia o direito de serem elas mesmas as mais armadas de dentes e grandes olhos As vítimas estão em toda a parte? *foto de andre felipe
pra rua
@754zines
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CONTRIBUÍRAM COM ESTA EDIÇÃO OS AUTORES/ARTISTAS igor
EQUIPE
mateus
borges
beatriz
stefano
karen
pimentel
ivana
fontes
edição/diagramação/ arte/curadoria por mateus magalhães
wibsson
revisão por mateus borges
mateus
assistência de diagramação e de arte por paula araújo
cavalcante
ana
ribeiro maria
vasconcelos
richard
andré
plácido magalhães felipe
santa
rosa
natália
agra
amanda
prado