Os argonautas do pacifico ocidental O essencial do Kula · É uma forma de troca de bens inter-tribal entre populações de várias ilhas a norte e este da nova Guiné. · Os bens trocados não são de primeira necessidade, são decorativos, supérfluos. · Trocas são realizadas em circuito fechado. · Circulam nesse ciclo 2 tipos de bens (vaygu’a) Os soulava = colares de conchas vermelhas que rodam no sentido dos ponteiros do relógio Os mwaya = braceletes de conchas brancas que rodam no sentido oposto aos ponteiros do relógio. E nunca voltam em direcção oposta · São cerimónias públicas · “Uma vez kula, kula para sempre” · Estes elementos estão sempre a girar de ilha para ilha ficando na posse dos nativos entre um a 2 anos nunca mais. · Movimentos regidos por regras ancestrais adicionais acompanhados de ritos e magia · Existem parceiros fixos e vitalícios para o kula que se comportam como amigos dando segurança uns aos outros quando estão em terras estranhas. · O numero de parceiros varia consoante a importância do individuo Cada indivíduo do kula não sabe a real dimensão do evento nem as suas funções e implicações. Não sabem fornecer uma descrição · Curiosamente 90% das jóias não são para ser usadas, por serem mito grandes ou muito pequenas, mesmo as que são para usar não são de uso diário, só nas festas · Só o chefe pode possuir algumas jóias do kula que pode emprestar se assim o entender. · As jóias têm poder temporário que confere importância e glória à vila · As jóias não têm valor monetário nem podem ser vendidas. O seu valor está no simples facto de existirem. · O valor vaygu’a está relacionado com um sentimento histórico pois passaram pela mão de pessoas importantes, são um veículo sentimental. As pessoas têm prazer em possui-los. · Os valores do kula não pertencem a ninguém, não têm valor absoluto. · Alguns são ganhos por herança e ficam fora do kula · Trocam-se também outros objectos para pagar desigualdades no valor de cada objecto do kula ü Presentes solicitátios: (Kaributu), espadas, machados ü Ofertas: (pokala) em géneros alimentícios /animais de criação · Os homens que têm muito, têm de ser mais generoso, isso é uma virtude caso contrário o outro pragueja contra quem lhe deu pouco. · O kula é sobretudo um meio de socialização Malinowsky compara as jóias do kula ás jóias da coroa ilustrando assim o seu sentido de preciosidade: As pessoas sentem-se seguras pelas jóias estarem em segurança, protegidas e não nas mãos de qualquer um. Actividades acessórias para o Kula Construção de canoas (parece o acontecimento principal)
Fixação de datas para o kula Ritos dirigidos à canoa desde a construção até ao kula. 1-fabrico das canoas 2-lançamento cerimonial 3-Escolha da comunidade com quem trocam bens 4-seguir os nativos Os meios da etnografia A monografia “Os argonautas do pacífico ocidental” é o produto final do trabalho de campo levado a cabo por Malinowsky aquando da sua estadia durante um período que se estendeu a um total de seis anos 1914-1920 distribuindo por três expedições nos vários distritos da nova Guiné. O grosso do estudo é feito essencialmente nas ilhas Trobriand no este da nova Guiné. Esta monografia deu um particular destaque ao estudo de um peculiar sistema de trocas existente entre os habitantes de ilhas vizinhas da nova Guiné. A obra possui no início um capítulo metodológico onde vêm explicitados os processos segundo os quais o etnógrafo se moveu e operou no terreno. Esta metodologia foi a primeira adoptada como método científico de trabalho etnográfico pelo que consideramos importante explicitar os principais pontos da mesma: Método de documentação estatística por documentação concrecta Esqueleto organizativo Observação participação nos eventos e registo de informação · Organização da tribo e anatomia da sua cultura · Observação do território · Aproximação dos nativos e Observação do seu comportamento · Observação dos rituais e procedimentos · Construir tabelas sinópticas com o resumo dos procedimentos dos eventos etc, estas servem para a organização dos procedimentos e como ferramenta para posteriores trabalhos de campo. · Aprendizagem da língua e o comportamento social standard “etiqueta” · Contacto com as ferramentas utilizadas e os seus nomes termos e conceitos · Observação objectiva implica a abolição de juízos de valor, ou preconceito e abstenção da opinião · Adoptar uma postura activa e participativa Tipo de comportamentos (imponderabilia da vida actual) Esqueleto estrutural · Observação mais pormenorizada da vida e dos costumes diários, incluindo as pequenas nuances do comportamento observadas em profundidade · Cuidados com o corpo, · Modo de comer, · Performance, · Tom de conversa,
· Existência de amizades / inimizades, · Reacções emocionais Busca da mentalidade do nativo e dos seus modos de pensar e sentir · Documentação da mentalidade da comunidade nativa · Pretende-se uma maior proximidade do indivíduo através das conversas As suas motivações e ambições (por vezes torna-se difícil visto muitas vezes não possuírem palavras para as suas emoções, e só as possam expressar mediante acontecimentos específicos) · Perceber os estereótipos de pensamento e sentimento colectivo. · Coleccionar frases e características narrativas · Escrever as palavras em língua nativa. (É útil criar um dicionário de termos para estudos posteriores). Relembrar sempre o fulcro do nosso estudo: Estudar a comunidade nativa e entender a sua visão do mundo Para além da exposição do método Malinowsky aconselha pessoalmente a adopção de certos comportamentos e atitudes para facilitar o trabalho: ü Dar segurança e ajudar na doença ü Dar um passeio e voltar quando sentir solidão para ter mais interesse em conviver. ü Mostrar interesse em participar nas festas e eventos ü Acordar com o nativo para o dia e observar os pormenores familiares íntimos ü Procurar neutralizar a nossa presença ü Não quebrar a etiqueta ü Partilhar das brincadeiras e dos jogos ü Andar sempre munido de um diário e uma câmara fotográfica Para além da exposição dos seus procedimentos metódicos e conselhos pessoais provenientes da experiência, Malinowsky documentou a sua obra descritiva com fotografias de nativos e de situações particulares relacionadas com a vivência dos mesmos. Temos fotografias das aldeias, de ritos, de cerimónias, da aparência dos nativos em geral, das canoas que justificam o titulo “os argonautas…” e até fotografias objectivas dos artefactos utilizados nas trocas do kula. Através desta forma de ilustração torna as suas descrições muitíssimo mais concretas e a sua experiência ganha uma maior componente de partilha no por meio do estímulo visual ilustrando assim o imaginário desenvolvido no leitor ao longo das suas correntes descrições. Existem ao longo da descrição constates referencias para as fotografias que se encontram devidamente numeradas e legendadas em anexo no final da obra. Há que salientar que a própria capa do livro é ilustrada com uma fotografia particularmente apelativa remetendo-nos de imediato para a calmaria dos mares do sul e para mundos ainda desconhecidos. Temos demonstrações da observação participante levada a cabo por Malinowsky uma vez que é denotado o interesse na aprendizagem da língua nativa e dos termos mais específicos os quais usa frequentemente ao logo da sua descrição. Faz inclusivamente traduções dos feitiços e das palavras magicas usadas pelos feiticeiros durante as cerimónias e festividades e explica também o modo de funcionamento da língua nativa
em traços muito gerais Quanto a referências ás condições materiais de estadia remete-se apenas ao seu amigo Mr. B Hanckock através de um agradecimento por lhe ter sido facultada a possibilidade de guardar o seu material de trabalho e provisões em sua casa bem como o uso da mesma na ilha Gusaweta, arquipélago Trobriand. Refere também que lhe foi, em várias ocasiões, alugado um barco e prestado auxilio na doença pelo mesmo amigo. Algumas das fotos que estão expostas no livro foram igualmente cedidas pelo mesmo homem A etnografia como conhecimento aprofundado A monografia mesmo sendo temática denota um claro estudo das condições em que se desenvolve a actividade focada. Todos os registos foram analisados com relativo pormenor excepto a realidade das mulheres e da própria vida familiar, aspectos que nos pareceram um pouco marginalizados, talvez por razões de natureza inerente à condição do etnógrafo ou eventualmente por própria decisão do mesmo em não se debruçar muito sobre estas áreas uma vez que os processos do kula são na sua maioria desempenhados por homens Outras áreas que também não foram abordadas foram a alimentação. De resto quase todas as outras temáticas foram relactivamente desenvolvidas, desde os rituais, o parentesco, a mitologia, a sexualidade, passando também pelos conceitos de poder e prestígio social. Estas descrições encontram-se muito bem articuladas como se pode constatar através da ligação directa que o etnógrafo fez entre o estatuto social, a sexualidade e a obtenção de riqueza nos trobriandeses. São especialmente aprofundados os temas que se relacionam directamente com o ritual do kula como é o caso da magia, da construção das canoas, da existência dos artefactos e das suas particularidades e do esquema de regras e organização geral que possibilita as trocas. Foi também dada uma certa atenção através de uma analogia do valor que os objectos do kula possuíam para os nativos em comparação com os valores da sociedade ocidental. A monografia não projecta um grande grau de familiaridade uma vez que não encontramos diálogos directos nem referencias a um indivíduo em particular. É uma observação que não denota especial interesse na conversa com o nativo mas mais sim na observação e descrição do comportamento do mesmo. Apesar disso a monografia pode ser considerada reactivamente completa uma vez que foca vários aspectos da vida e existência social dos nativos não se centrando única e exclusivamente em apenas um dos aspectos da vida dos mesmos. Apesar de pecar por ser uma monografia um tanto distante em termos participativos do nativo na complementação da mesma, podemos considera-la descritiva o suficiente para nos dar um mapa geral do funcionamento social. O ponto de vista indígena O autor trata o povo estudado por “nativos” e pensamos que os considera informantes uma vez que não nos mostra nunca um eventual diálogo com um interlocutor ou colaborador. Malinowsky não descreve as reacções dos nativos face à sua presença, afirma apenas que os nativos de diferentes ilhas têm personalidades particulares. Considera os trobriandeses mais hospitaleiros e colaborantes do que as restantes tribos. Pontualmente faz referencia ao comportamento das mulheres numa das lhas visitadas pelo facto da
presença de estranhos despertar a fuga das mesmas para locais escondidos. É feita uma descrição anónima dos nativos. São analisados como um grupo e não existem referencias a indivíduos nem a nomes particulares Não existe qualquer participação directa dos indígenas na monografia ou na discussão da mesma. A monografia recorre frequentemente à terminologia indígena. Note-se que não há qualquer espécie de agradecimentos aos nativos. A monografia como produto final Quanto ao género podemos considerar esta monografia como realista uma vez que pretende observar os factos de um modo neutro, descritivo não fantasioso ou alegórico. Por vezes o autor adopta um tom confessional de discurso através do uso de expressões que remetem para si como observador individual: “eu vi”, “eu penso”, “parece-me”, por outro lado o carácter puramente descritivo está bem demarcado demonstrando um claro interesse em tornar o seu discurso impessoal e na objectividade que isso tende a proporcionar. Mas é sobretudo importante realçar o tom análogo ao das leituras de viagem no que diz respeito à descrição das paisagens. Malinowsky, apesar da sua objectividade não pretende descurar a beleza e exotismos desde cedo associados ás ilhas do pacífico sul nem perder o carácter apelativo de tais modos de escrever característicos da literatura de viagens. Os primeiros homens, descobridores, colonizadores, administradores e missionários adjectivaram tão profundamente estas paisagens características e os seus peculiares habitantes nos seus escritos que o autor de certo modo acabou rendido a um certo impressionismo. A narrativa realiza-se no tempo presente e está organizada cronologicamente. O autor realizou uma visita breve ás varias ilhas intervenientes no kula começando a sua viagem desde as ilhas do sul até ás do norte acabando na ilha Trobriand também conhecida como Boyowa onde se instalou e ai efectivou o seu trabalho de campo. O seu percurso acompanhou o mesmo trajecto que os valores do kula seguem, o que se articula perfeitamente com o tema principal adoptando a forma estrutural do grande tema em questão. Quanto ao argumento esta monografia de Malinowsky cinge-se a uma ilustração sequencial do tema que se propõe tratar no início da obra. Através de um estilo literário que lhe é próprio Malinowsky conseguiu obter uma monografia de linguagem muito acessível e convidativa, o próprio tema a tratar envolve uma enorme componente de misticismo que Malinowsky soube aproveitar muito bem, e que, nunca perdendo claro a sua componente cientifica soube tornar em algo que quase se podia apelidar de leitura de massas. Etnografia e teoria A monografia é apenas descritiva, não contém objectivos teóricos, trata-se sim de uma observação linear do comportamento nativo sem ambições teóricas evidentes. Existem porém pareceres e opiniões devidamente contextualizadas ao longo do desenvolvimento dos temas na obra. A experiência do terreno O etnógrafo não descreve momentos particularmente tensos com os nativos até porque só raramente se assume como narrador na primeira pessoa. Acreditamos que não terá
havido espaço para tais descrições uma vez que a objectividade científica é constantemente perseguida. Faz de facto menção a um ou outro episódio particular de saturação, em que sente necessidade de passear sozinho. Não denota nenhum grau específico de afectividade com as populações, deixa apenas transparecer um maior ou menor grau de simpatia pelas tribos que vai visitando, considera, por exemplo os trobriandeses mais “educados” e com ar mais inteligente, reconhece também a sua beleza em oposição a outras tribos que chega a considerar de aspecto grotesco. As exigências do relativismo cultural Não é notada qualquer tipo de agenda exterior à cultura estudada. Podemos considerar que o autor tem uma atitude primitivista. Traz consigo, apesar de todos os esforços em contrario, o preconceito característico dos etnógrafos da altura relacionado com a superioridade da civilização ocidental relactivamente ás populações nativas. Isto é visível pela falta de consideração pela opinião do nativo, ele não aparece em discursos nem sequer é mencionado nos agradecimentos. Não há qualquer observação feita a evolução técnica, cultural ou sociológica o que leva a crer que acreditava nestas tribos como sociedades paradas no tempo sem capacidade para evoluir. É de certa forma um pouco etnocentrico concentrando-se mais nos aspectos da sua própria realidade, vemos isso pela escassa presença das mulheres e crianças nas suas descrições. Apesar do seu presente primitivismo Malinowsky denota uma extrema sensibilidade esboçando precocemente já um certo relativismo cultural. Esta faceta de Malinowsky está presente aquando da sua expressão de desagrado pela postura dos missionários perante os nativos. Acusa-os de condenarem e proibirem a poligamia, pratica comum nos chefes das tribos que o autor reconhece como sendo um factor crucial para o equilíbrio e continuidade da vida tribal destas ilhas. O autor acredita até que é esta falta de tolerância dos ocidentais para com estas sociedades que tem vindo a promover a diminuição dos mesmos e que através de actos de proibição e conversão aos costumes ocidentais se faz quebrar o fio condutor de toda uma cultura que une os homens e que se alimenta na vitalidade das suas próprias crenças hábitos, costumes e prazeres da vida. É igualmente na conclusão que Malinowsky demonstra mais uma vez a vontade que o move a fazer etnografia. Deseja claramente que se mantenham vivas tais culturas tendo a consciência de que o tempo urge para a etnografia e de que um dia o seu objecto de estudo estará em sério risco. A dimensão politica da etnografia Esta monografia não deixa transparecer qualquer conteúdo de natureza politica Talvez apenas algumas referencias à existência de tribos sem estado ou poder centralizado onde quem tomava as decisões eram as pessoas mais velhas.