I will Arbeit

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Folclore As Estrelas de Fellbach ensaiam ao sábado à noite

Ich will Arbeit* A emigração portuguesa para a Alemanha está novamente em expansão. Muita coisa mudou, sobretudo o perfil de quem emigra. Mas há um denominador comum: a falta de perspetivas em Portugal. Histórias de gente que partiu daqui em busca de melhores condições de vida POR FRANCISCO GALOPE TEXTO E LUÍS BARRA FOTOS, ENVIADOS ESPECIAIS 104 v 21 DE MARÇO DE 2013


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* Eu quero trabalho 21 DE MARÇO DE 2013 v 105


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Descubra as «VELHOS» EMIGRANTES Pouco qualificados Integração mais difícil Executantes Mal necessário para os alemães Regresso como objetivo possível Quando chegaram só falavam português

Portugal à mesa Na cozinha do restaurante D. Carlos quem manda é Carlos Violante (em pé)

A

s duas torres da igreja de Santa Maria alongam-se como dedos de arenito desejosos de tocar o céu. Os sinos sobrepõem-se aos risos e aos cumprimentos de quem se deixa ficar no adro para um instante de conversa. É à curta distância de um aperto de mão que as palavras se tornam audíveis, no final de mais uma missa de domingo em português. «Ó Costa, precisamos de si para o torneio que o Sindelfingen vai organizar no 10 de Junho», avisa um homem que acaba de sair do templo. A cena podia passar-se em qualquer recanto de Portugal, não fossem os nomes de localidades mencionadas terminarem em «ingen» e as gárgulas, as abóbadas, a luz filtrada pelos vitrais da igreja, construída no tempo de Bismark (século XIX), evocarem o mais puro gótico germânico do século XIII. O bigode aparado não disfarça o sorriso com que Francisco Costa estende ao interlocutor a mão e responde: «Só se for com a mala de massagista ou o garrafão.» Depois de mais de três décadas em Estugarda, o vigor de Costa já não é o mesmo dos seus 22 anos, a idade que tinha quando chegou a Estugarda. Aqui, deu o seu contributo 106 v 21 DE MARÇO DE 2013

ao associativismo emigrante e encharcou com suor as camisolas de várias equipas de futebol, incluindo alemãs. Naquele tempo, recorda, era possível mobilizar, num raio de cem quilómetros à volta da cidade, 18 equipas portugueses para torneios. Muitos emigrantes conhecem-no dessa época. E quando lhe pedem para jogar, nem dão conta de que ele já tem 56 anos. A idade pode ter-lhe tirado alguma agilidade e a vontade de enfiar os pés nas chuteiras, mas não lhe afetaram o sotaque amarantino. Costa é, além do mais, um cicerone autêntico, que guia os forasteiros pelos pedaços de Portugal dispersos por esta cidade onde passou a maior parte da sua vida e criou dois filhos. Pela sua mão, chegamos à associação Velhas Glórias de Portugal, a primeira a ser criada em Estugarda, há quase 40 anos, em cujas paredes já não sobra espaço para comportar mais prateleiras com taças, troféus e galhardetes. É a única que ainda tem futebol, mantendo 30 jogadores ativos na liga distrital, mas padece de vários problemas, a começar pela falta de sócios que mantenham as quotas em dia. «A crise também chega aqui», diz Carlos Fernandes, o tesoureiro. «Muitos associados têm as famílias ‘lá em baixo’ e precisam de as ajudar.»

Aos 65 anos, Carlos tem uma história de emigração recente mas dolorosa. Só espera pela reforma dentro de algumas semanas para poder regressar a Portugal. Na Figueira da Foz, comercializava adubos e rações de animais. Na segunda metade da década de 90, o negócio foi por água a baixo e ele não encontrou outra saída a não ser responder a um anúncio de jornal. Procuravam homens para a reconstrução da Alemanha de Leste.

Postura de futebolista Francisco Costa vestiu a camisola de várias equipas portuguesas


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«NOVO» EMIGRANTES Qualificações elevadas Europeizados, facil integração Criadores Bem-vindos na Alemanha Projeto de vida, procura de carreira internacional Falam mais que uma língua

Vida nova Pedro dos Santos ensaia ventiladores nesta câmara da Ziehl-Abegg

Foi, assim, parar a Leipzig e às mãos de um subempreiteiro que não lhe pagou. O resto da história é comum à de milhares de portugueses que, nessa altura, saíam do País aos 30 mil por ano para trabalhar numa ex-RDA transformada em estaleiro. Só em Estugarda, onde tem trabalhado num rent-a-car, encontrou alguma estabilidade.

Três canudos no saco Na associação, batem-se cartas sobre o tampo da mesa. Ao balcão do bar, um pequeno grupo discorre sobre a crise em Portugal. Não é só na míngua de sócios que a recessão ali se nota. Ultimamente, tem aparecido nas instalações da Velhas Glórias um número crescente de portugueses recém-chegados. Procuram conselhos e contactos que lhes proporcionem um posto de trabalho. «Hoje, já não chegam cá com a mala de cartão e o garrafão. Trazem três canudos no saco», comenta um dos intervenientes na conversa. A uns 200 quilómetros dali, em Frankfurt, Teo Ferrer de Mesquita tem uma perceção empírica da dinâmica migratória. Radicado na Alemanha há 50 anos, o livreiro e editor nota uma maior afluência ao seu Centro do Livro e do Disco de Língua Portuguesa, que criou naquela cidade em 1980.

Uma radiografia estatística Poucos, entradotes e muito agarrados à pátria Nos primeiros nove meses do ano passado radicaram-se na Alemanha 9 914 portugueses. Os números de 2012 deverão ter atingido o dobro dos 5 001 verificados em 2006. De acordo com o Statistisches Bundesamt, o organismo estatístico federal, em 2011, vivia ali um total de 115 530 cidadãos de Portugal (53 166 mulheres e 63 364 homens). Desses, um em cada três já lá se encontrava há mais de 30 anos e um em cada cinco já lá tinha nascido. O tempo médio de permanência do emigrante português naquele país é de 22 anos e oito meses. E, apesar de uma idade média um nadinha superior

a 41 anos, 12 696 titulares de um cartão de cidadão da República Portuguesa têm menos de 18 anos. Destes, três em cada quatro nasceram na Alemanha. Embora as naturalizações tenham aumentado 45,2%

em 2011, face ao ano anterior, os números são baixos. Além disso, praticamente todos optam por ficar com as duas nacionalidades – dos 376 naturalizados em 2011, apenas um não manteve a portuguesa.

Fluxo duplicou desde 2006 O maior número de chegadas de emigrantes portugueses à Alemanha ocorreu em 1996, com 32 177 entradas e o menor 10 anos depois. Mas desde então já duplicou 8 297

5 001

5 516

2006 2007 2008 * Até ao fim do terceiro trimestre FONTE Statistisches Bundesamt

6 779

6 513

2009

2010

5 911

2011

9 914

2012* INFOGRAFIA VISÃO

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Quotidiano Aliciados pela perspetiva de uma carreira intrenacional, Pedro Moura dos Santos e Ana Raquel Alves estabelecerem-se, em setembro, numa pequena cidade cercada por empresas multinacionais. Pedro tem um emprego tecnológico numa empresa líder no mercado de ventiladores. Ana ainda recebe, com outros alunos intrenacionais, aulas de Alemão no Goethe Institut. No mês passado, foram retratados na capa do semanário Der Spiegel, a propósito da nova vaga de trabalhadores estrangeiros que chega à Alemanha

«É também pelo aumento das encomendas dos livros escolares que se nota a chegada de famílias portuguesas à Alemanha», comenta. É, de facto, uma nova geração mais qualificada de emigrantes a que agora demanda a Alemanha. O número não tem parado de crescer desde que a crise explodiu, em 2008. São jovens que, sem perspetivas em Portugal, procuram uma nova vida, em terras alemãs. Quem chegar com formação superior nas áreas tecnológicas ou da saúde, domine minimamente o alemão não terá dificuldades de maior em arranjar trabalho. Para formados noutras áreas, a vida será mais difícil. Ter-se-ão de contentar, pelo menos numa fase inicial, com empregos nas limpezas ou na restauração. Como foi o caso de Hélder Dias, de 40 anos, ex-jornalista, que chegou em novembro à Alemanha, com uma licen108 v 21 DE MARÇO DE 2013

ciatura em Relações Internacionais e que voltaremos a encontrar mais adiante. Em Estugarda sede da Mercedes e da Porsche, respira-se prosperidade. As ruas da Baixa estão apinhadas e as lojas cheias. Obras gigantescas criam dificuldades no tráfego, com os muitos carros de alta cilindrada a sujeitar-se ao entediante para-arranca.

Pela estrada fora Deixemos Estugarda e façamo-nos à estrada pelo Estado de Baden-Württemberg adentro. As árvores continuam despidas, mas um manto verde recente já cobre os campos. Há restos de neve nas bermas. Durante uma hora, atravessam-se vilas e aldeias. De repente, uma enorme construção de betão cinzento irrompe da paisagem campestre. O logótipo encarnado na fachada é o da Würth, uma multinacional líder do merca-

do mundial de apetrechos de fixação e montagem. É a maior empresa da região. Falta pouco para chegarmos ao destino: Künzelsau, uma pacata vila da Francónia. Foi para se instalarem nesta terra de 13 mil habitantes e mais de 13 mil postos de trabalho que Pedro Moura dos Santos, engenheiro mecânico, de 29 anos, e a mulher, Ana Raquel Alves, engenheira civil, de 31, deixaram o Porto, em setembro passado. Vieram apesar de só ele ter trabalho garantido na Ziehl-Abegg, líder mundial em sistemas de ventilação. Este casal é um exemplo do que é a nova geração de migrantes vindos do Sul da Europa e aos quais a revista Der Spiegel chama «refugiados da crise». Pouco têm a ver com os que, nos anos 60, produziram o milagre económico alemão. Agora, é uma elite a trocar de país. Com a sua população ativa a diminuir, a Alemanha precisa destes recursos huma-


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nos, já tidos como um dos sustentáculos da sua pujança económica, para manter a posição dominante no mundo. No reverso da medalha, há um Portugal que investiu tempo e recursos na formação de técnicos altamente especializados, mas que foi incapaz de lhes oferecer uma perspetiva de vida. E o problema é que não estão a sair apenas para a Alemanha, mas para todo o lado. A sangria não estanca e o Banco de Portugal já avisou que a resolução da crise pode ficar gravemente comprometida se o ritmo de 100 mil ao ano se mantiver. A luz do final de tarde entra pela janela ampla da sala do apartamento de rés de chão que Ana e Pedro alugaram em Künzelsau. O casal admite que o mais certo é ficar pela Alemanha. Não foi só o vencimento que levou Pedro a candidatar-se, há um ano, a um lugar na Ziehl-Abegg, depois de ter lido uma notícia no Diário Económico sobre a abundância de emprego naquela região. Seduziu-o a hipótese de uma carreira internacional. Pedro, que em Portugal já trabalhara em ar condicionado, encaixou no perfil que a Ziehl-Abegg procurava: um engenheiro com experiência em ventilação. O casal chegou sem ilusões. «Os empregos aqui não correm atrás das pessoas», diz Ana. O perfil do candidato tem de ser o ade-

Livraria. A nova vaga migratória trouxe mais movimento ao Centro do Livro e do Disco de Língua Portuguesa, que existe há mais de 30 anos em Frankfurt

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quado. E praticamente todas as vagas a preencher requerem conhecimentos de língua alemã. É para se munir dessa ferramenta que Ana se desloca diariamente ao Goethe Institut, na localidade vizinha de Schwäbisch Hall, onde frequenta um curso intensivo. Quer dominar minimamente a língua, antes de se aventurar na procura de emprego.


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Se tudo correr bem, o salário de um jovem engenheiro numa indústria de ponta pode mesmo alcançar os 3 000 euros ilíquidos por mês, admite Peter Fenkl, presidente da Ziehl-Abegg. Mas, para isso, tem de se trabalhar no duro. «Exigimos muito e não oferecemos nada». Leistung (desempenho) tem de ser uma das primeiras palavras vo vocabulário de um recém chegado. São os avisos de quem já viu muita gente ir ao engano.

Cenário medieval Schwäbisch Hall é uma cidade aprazível. O românico associa-se ao contemporâneo, ao barroco e ao gótico. E o casario de traça medieval a estender-se, em ruelas estreitas, colina acima, a partir do rio atravessado por pontes de madeira cobertas, fazem do seu centro um dos mais bonitos da Alemanha. Esta cidade saltou, em fevereiro de 2012, para as páginas do Diário Económico por aqui haver trabalho bem remunerado em abundância. Partilhada na internet, a notícia tornou-se viral. Um ano depois, tinham chegado à agência de emprego da cidade 15 mil candidaturas de portugueses, mas apenas quarenta resultaram numa relação de trabalho. A inundação não se ficou pela cidade. O jornal publicara também as moradas eletrónicas de empresas, entre elas a Ziehl-Abegg.

Publicidade. Alexandre Amorim encontrou trabalho na sua área profissional. Veio com a mulher e já tiveram uma filha na Alemanha

Ramona Blankenstein, do departamento de Recursos Humanos, lembra-se daquela manhã de terça-feira. Ao chegar ao trabalho, verificou que, durante a noite, recebera 750 candidaturas. Todas portuguesas. «Em dois meses, foram um total de 1 500». A maioria sem interesse, porque ali se contratam engenheiros e não jardineiros ou educadores. A loucura foi total: 80 portugueses vieram 110 v 21 DE MARÇO DE 2013

Casamento Patrícia e Pedro, ambos de 23 anos. Ela nasceu na Alemanha e ele veio com dois anos. Deram o nó no consulado-geral de Estugarda, onde se chegam a realizar três casamentos por semana

diretamente para Schwäbisch Hall. Alguns nem bilhete de regresso tinham comprado. Alexandre Amorim, designer, de 46 anos, reagiu por impulso. A notícia publicada a 6 de fevereiro animou-o. «Arranquei de Olhão no dia 8», conta. «A 12, já estava na agência de emprego de Schwäbisch Hall.» Alexandre meteu-se no carro, com a mulher, então grávida de dois meses. Daqueles 80 portugueses, é dos poucos que ficaram. Não considera que tenha dado um salto no escuro. Já falava alemão porque, no início dos anos 90, vivera cerca de seis anos e meio em Frankfurt, Berlim e Düsseldorf. Arranjou logo trabalho numa fábrica, como fiel de armazém e empilhador. Mas um dia, ao estacionar o carro, apercebeu-se da existência de uma agência de publicidade, a Käppler, mesmo ao lado do seu trabalho. Como era esse o ramo em que trabalhara em Portugal, tocou à campainha e ficou. «Muitos ainda chegam à aventura e encontram trabalho como repositores de produtos, em supermercados, ou nas limpezas. Mas mesmo neste género de tarefas, já se exigem conhecimentos de alemão», comenta o cônsul-geral português em Estugarda, José Carlos Arsénio. De que na Alemanha há muito trabalho, Hélder Dias, que encontrámos no nosso regresso a Estugarda, não duvida. Mas desenganem-se aqueles que julgam que aqui cresce uma árvore das patacas. Na falta das qualificações certas, poderão ter de se sujeitar a trabalhos que lhes rendem, ao final do

mês, 1 200 ou 1 300 euros líquidos – o que, na, na Alemanha, dá apenas para sobreviver. Quem anda à procura de histórias da emigração em Estugarda não pode deixar de espreitar o Centro Português de Fellbach. Os clichés estão lá todos: a imagem da Nossa Senhora de Fátima afixada no placard do corredor, fotografias do atual e do anterior presidentes portugueses, uma de cada lado de um ecrã LCD gigante, onde passa o jogo Académica-Sporting. Não faltam os galhardetes, a bandeira e os troféus, nem o vinho à pressão para acompanhar uma dose generosa de bacalhau à minhota. E há um um rancho folclórico, com jovens dos 12 aos 50 anos, em que os mais novos, são destros a dançar o vira mas falam alemão entre si. Já pertencem à terceira ou à quarta geração. O próprio presidente da coletividade, Adelino Martins, 46 anos, é da segunda. Veio para a Alemanha aos 11 anos e foi-se novamente embora aos 18, quando o pai, José Martins, que emigrara em 1966, decidiu regressar a Portugal. Chegado a Silgueiros, distrito de Viseu, Adelino voluntariou-se para os fuzileiros. Dois anos depois, terminada a tropa, não se adaptou. Saiu, primeiro, para França. Depois, para a Alemanha. O pai, hoje com 71 anos, acabaria por segui-lo. A reforma, em Portugal, foi o que idealizara. E queria estar perto do filho e da neta.

Folclore São 10 da noite de sábado e, numa sala do centro, Manuel de Brito, 48 anos, já pôs todos a transpirar em bica. Há quem graceje que, com aqueles ensaios do rancho Estrelas de Fellbach, se poupa o dinheiro do fitness. Vinte e tal pessoas em menos de trinta metros quadrados a ensaiar para o festival que, dali a uma semana, vai juntar onze ranchos de portugueses da região. Nas outras alas convive-se. Pessoas de várias origens conversam entre si. Cada um


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teve as suas razões para deixar a terra onde nasceu. Entre os que estão emigrados há vinte e mais anos e os que acabam de chegar há diferenças substanciais. Mas também um denominador comum: a sensação de não haver, em Portugal, lugar para todos. O projeto migratório é um projeto de vida. A cinco anos, pelo menos, se, entretanto, não nascerem filhos – há quem tenha nascido na Alemanha ou viva lá desde os 2 anos, como o Pedro e a Patrícia, ambos de 23 anos, que casaram no consulado português, na quarta-feira, 13 de março. Não, a emigração não é uma epopeia que dê mundos ao mundo. É, antes, uma necessidade. É empreender sem arvorar o empreendedorismo em doutrina. É trabalho duro.

Bárbara Lopes Félix, 38 anos, com o marido e os filhos Bárbara vai trabalhar para um hospital onde já estão quatro médicos portugueses, chegados no último ano e meio

Uma médica a caminho da Dinamarca Cansada de ter três empregos em Lisboa, a psiquiatra Bárbara Lopes Félix, vai juntar-se a outros médicos portugueses no norte da Europa ‘Embora trabalhasse, desde 2001, num excelente Serviço de Psiquiatria, nos arredores de Lisboa, a verdade é que tinha de ter mais três empregos no setor privado e chegava a trabalhar mais de 50 horas em algumas semanas, sem que isso compensasse, em termos monetários, o tempo que estava afastada da minha família. E apesar de o meu marido, licenciado em arquitetura, ter emprego, as perspetivas de futuro em Portugal não eram animadoras. Com a degradação das condições de vida e a ausência de esperança, tanto para nós como para os nossos filhos, de 3 anos e um ano e meio, começámos a pensar em mudar. No final de agosto do ano passado, tesANGOLA támos as nossas hipóteses noutro país. Austrália, Brasil, Angola? A Europa pareceu-nos o destino mais equilibrado e com mais probabilidades de sucesso, sobretuNA PRIMEIRA PESSOA

O Senhor dos Pastéis Quentinhos e estaladiços, acabados de sair do forno de Carlos Violante, são um sucesso

Quem quiser lições, nesta matéria, peça-as a Carlos Violante, 62 anos, português amarantino, nascido no Lubango, que a guerra em Angola obrigou a fugir para Portugal, onde a necessidade o impeliu para a Alemanha. Vai no seu terceiro restaurante, o D. Carlos, onde, ao domingo, a sua mulher, Elisa, coloca rosas naturais em jarras solitárias sobre as mesas. É no D. Carlos que muitos se encontram, depois da missa, na Igreja de Santa Maria, para cumprir outro ritual muito português: comer aquele que talvez seja o melhor e o mais estaladiço pastel de nata da região entre o Meno e o Reno. É Carlos Violante quem passa horas a estender e a dobrar a massa, a fazer o recheio e a pôr e a tirar tabuleiros do forno. Já o faz há uns bons dez anos, não precisou que um ministro se lembrasse de internacionalizar os pastéis de nata. Agora, WWW.VISAO.SAPO.PT VEJA MAIS FOTOS toca a despachar antes DA REPORTAGEM NA ALEMANHA que fiquem frios. 112 v 21 DE MARÇO DE 2013

DINAMARCA

Nos últimos três anos, o número de portugueses na Dinamarca aumentou 62%. São atualmente 443 pessoas

do depois de ter sabido que vários colegas tinham emigrado, nesse ano, para a Dinamarca e para a Suíça. Inscrevi-me, então, num site de recrutamento de médicos e, no dia seguinte, tinha várias propostas oriundas da Escandinávia. Uma semana depois, fui a Budapeste para a minha primeira entrevista de trabalho na vida. Cinco meses passados, estamos os quatro em Budapeste, a fazer um curso intensivo de dinamarquês pago pelo hospital e que, caso corra bem, me garante emprego, a partir de agosto, como psiquiatra em Århus (Aarhus), a segunda cidade da Dinamarca, e com um ordenado que me permitirá trabalhar, apenas, no hospital público e universitário. O meu marido planeia fazer o mestrado internacional em arquitetura, na Universidade de Aarhus e trabalhar num gabinete de arquitetos. Esperamos ter mais tempo para os nossos filhos, que irão crescer numa sociedade sem corrupção (ou quase). Além disso, os dinamarqueses têm a fama de ser o povo mais feliz do mundo ou, pelo menos, assim o dizem alguns estudos sobre a felicidade. Na verdade, o que mais ambicionamos é ter uma melhor qualidade de vida. Lembro dois momentos de maior angústia: o dia em que me demiti do hospital e o da despedida dos meus amigos e familiares. Para o meu marido também terão sido estes os momentos mais difíceis. Embora do que ele sente mais saudades é do seu hóbi: pescar na costa atlântica. Saudades, vamos ter muitas mas as novas tecnologias ajudam bastante e teremos sempre as férias...’


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