UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
MAYARA ALMEIDA DE PAULA
ANÁLISE INTERSECCIONAL DA VIDA URBANA: REFLEXÕES ACERCA DA CONDIÇÃO DAS MULHERES NEGRAS NA CIDADE DE MACEIÓ - AL
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO DE ARQUITETURA E URBANISMO
Maceió - AL Junho de 2019
MAYARA ALMEIDA DE PAULA
ANÁLISE INTERSECCIONAL DA VIDA URBANA: REFLEXÕES ACERCA DA CONDIÇÃO DAS MULHERES NEGRAS NA CIDADE DE MACEIÓ - AL
Produto para o Trabalho Final de Graduação (TFG) apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, campus A.C. Simões, da Universidade Federal de Alagoas.
Orientação: Profª. Dra. Flávia de Sousa Araújo
Maceió - AL Junho de 2019
ÀS MINHAS ANCESTRAIS, QUE ME TROUXERAM ATÉ AQUI. E À MINHA FAMÍLIA, MEU MAIOR E MAIS IMPORTANTE PILAR NA VIDA.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à minha família. À minha mãe, Vanda, que carrega a bondade nos olhos e no sorriso e que me ensinou que posso voar alto e para onde quiser. Ao meu pai, Fernando, que me ensinou que meus sonhos podem ser do tamanho do mundo e que o importante dessa vida são as relações puras, generosas e verdadeiras com as pessoas. À minha irmã, Tayná, companheira e melhor amiga por vinte e três anos, com quem compartilho, mais do que uma casa, as maiores loucuras, aventuras e segredos dessa vida. Agradeço aos três por nunca desacreditarem de mim, compartilharem dos mesmos valores, e por me mostrarem que a luta pelo o que acredito é árdua, porém valiosa e necessária. Ao Rafa, por compartilhar comigo a amizade mais verdadeira que existe, pela companhia nas diversas noites em claro, pelas contribuições, pelas conversas sobre as incertezas nesse percurso, e por sempre me incentivar a ser melhor. Ao Ednaldo, pela força, pela motivação, por me ouvir, por sempre acreditar em mim (mesmo quando eu não acredito), e me acompanhar nos meus maiores sonhos e objetivos.
Às minhas amigas e amigos que, dentro e fora dessa jornada acadêmica, compartilharam desafios e vitórias ao longo desses anos: Aline, Will, Emerson, Álvaro, Carol, Dani, Nicole, Elis, Brian e Wesley. Ao PET, e todas as pessoas e gerações pelas quais passei, onde construí grandes amizades, alcei voos em bando e tive meus maiores momentos de felicidade durante a graduação. Por quatro anos e meio, minha segunda morada e segunda família. À Rose e Gianna, agradeço pela incrível tutoria. À Amanda, Alê, Maya, Hedhy, Malu e Léo pelas trocas, auxílios, contribuições, boas conversas e amizade. Aos meus afilhados do curso, Marthina, Euclides e Rudá, pelo amor e carinho incondicionais que tornaram às idas à universidade mais felizes. À rede de mulheres negras de Maceió, na figura das entrevistadas do trabalho Maria Aparecida, Ângela, Larissa, Pâmela e Vanda que, para além da importância neste trabalho, me ensinaram sobre a real importância de existir e resistir. À Universidade Federal de Alagoas e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, por serem resistência num contexto que busca o tempo todo a destruição desses espaços de construção e democratização do saber. E à minha orientadora, Flávia, por me guiar nesse percurso final da graduação, me permitindo acreditar que a produção do conhecimento dentro da universidade pode e deve extrapolar suas barreiras.
RESUMO
ABSTRACT
O trabalho intitulado “Análise interseccional da vida urbana: reflexões acerca da condição das mulheres negras na cidade de Maceió – AL”, visa, através de uma caracterização socioespacial e entrecruzando questões étnico-raciais, de gênero e classe, compreender a experiência das mulheres negras na cidade, entendendo que estas, apesar de serem maioria na sociedade, têm o direito de acesso à cidade restrito ou, muitas vezes negado, seja pela ocupação majoritária de bairros mais precarizados, falta de acesso à infraestrutura adequada, rendas mais baixas, maiores deslocamentos, dupla ou tripla jornadas, maior suscetibilidade às violências, entre outros. E, sob a ótica da interseccionalidade, ou seja, a compreensão da inseparabilidade do patriarcado, racismo e capitalismo, o trabalho agrupa um referencial teórico composto prioritariamente por mulheres e desenvolve um diagnóstico da cidade, através da espacialização e interpretação do cruzamento de dados quantitativos e de relatos de mulheres negras habitantes da capital alagoana, buscando compreender a lógica de ocupação da cidade e suas dinâmicas, a partir dos seguintes eixos: infraestrutura local e habitação, mobilidade, saúde, educação, lazer e emprego e renda, sob a perspectiva das mulheres negras, cujas vidas são pautadas pelo racismo e sexismo. É então, produzida uma síntese com os principais problemas, carências, tendências e potencialidades da cidade, itens que embasam a proposição de diretrizes, metas e indicadores que objetivam mitigar as iniquidades vivenciadas pelo grupo social em questão e que, consequentemente, impactam de maneira positiva em toda a sociedade.
This research, entitled “Intersectional analysis of urban life: reflections about the condition of black women in Maceió – AL”, aims, through a socio spatial description, and crossing racial, gender and social conditions, to comprehend the experience from black women in cities, understanding that they, despite of being the majority population, have their rights to the city restricted or, many times, denied, either by occupying precarious areas, having no access to adequate infrastructure, lower incomes, more displacements, double or triple journey, more vulnerability to suffering violence, and others. Thus, here are proposed urban guidelines that come from the prioritization of this social group’s needs. And, through intersectionality, that is, the comprehension of inseparability from patriarchy, racism and capitalism, this work gathers a theoretical background compound, mainly, by women and develops an urban diagnosis, through the specialization and interpretation from crossing quantitative data and speeches from some black women that live in the city, trying to comprehend cities’ occupancy dynamics starting by these following items: local infrastructure and housing, mobility, health, education, leisure and employment and income, under the perspectives of black women, that have their lives marked by racism and sexism. Through the diagnosis, it is produced a synthesis where are described the main problems, necessities, tendencies and potentialities of the city. Items that are the starting point to the proposal of urban guidelines, goals and indicators that aim to reduce the iniquities lived by this social group on a daily basis, that can, positively, impact all society.
Palavras-chave: planejamento urbano; interseccionalidade; diag-
Keywords: urban planning; intersectionality; urban diagnosis; equity
nóstico urbano; equidade
Lista de Esquemas
Lista de Figuras
Esquema 1 - localização do recorte de estudo.................................. 13
Figura 1 – flyer do Seminário de Formação Política para as
Esquema 2 – interseccionalidade...................................................... 19
Mulheres........................................................................................... 36
Esquema 3 – esquema sobre raça e cor............................................ 31
Figura 2 – flyer de divulgação do Encontro Estadual de Mulheres Negras. .................................................................................................. 36
Esquema 4 – distribuição da população de Maceió por raça............ 51
Figura 3 – Encontro Estadual de Mulheres Negras............................ 37
Lista de Gráficos
Lista de Tabelas
Gráfico 1 – população de Maceió por raça........................................ 32
Tabela 1 – principais programas sociais............................................ 52
Gráfico 2 – porcentagem de mulheres e homens (entre total de habitantes maceioenses).......................................................................... 32 Gráfico 3 – porcentagem de mulheres negras (entre população total negra maceioense)............................................................................ 32 Gráfico 4 – porcentagem de mulheres negras (entre total de mulheres maceioenses).................................................................................... 32 Gráfico 5 – população total de Maceió por gênero/raça................... 32
Tabela 2 – problemas relacionados à infraestrutura......................... 64
Lista de Mapas Mapa 1 - mapa de abairramento....................................................... 20 Mapa 2 - distribuição da população negra em Maceió (%)............... 49 Mapa 3 - rendimento familiar em Maceió (em salários mínimos).... 49 Mapa 4 - distribuição da população não-negra em Maceió (%)........ 50 Mapa 5 - principais composições geomorfológicas de Maceió......... 54 Mapa 6 - bairros com setores censitários de Maceió que possuem mais de 75% da população negra...................................................... 57 Mapa 7 - comparação entre maiores concentrações de pessoas não-negras e concentração de renda em Maceió................................... 57 Mapa 8 - mulheres responsáveis por domicílio em Maceió.............. 58 Mapa 9 - bairros com piores condições de infraestrutura................ 63 Mapa 10 - locais com menor abastecimento de água....................... 63 Mapa 11 - locais com menor iluminação pública............................. 63 Mapa 12 - locais com menor serviço de coleta de lixo...................... 63 Mapa 14 - locais com menor pavimetação........................................ 63 Mapa 15 - locais com menor quantidade de esgoto......................... 63 Mapa 16 - locais com esgoto a céu aberto........................................ 63 Mapa 17 - locais com despejo de lixo na rua.................................... 63 Mapa 18 - principais vias de Maceió................................................. 71 Mapa 19 - calçamento em Maceió
.............................................. 73
Mapa 20 - arborização em Maceió.................................................... 74 Mapa 21 - localização dos principais pontos de lazer....................... 81
INTRODUÇÃO________________________________________________________ 12
SUMÁRIO
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................................... 18 CAP. 1_______________________________________________________________ 22 1. MULHERES, INIQUIDADES E O [NÃO] DIREITO À CIDADE..................................... 22 1.1 PRIMEIRAS CONCEITUAÇÕES.......................................................................... 23 1.2 SOBRE MULHERES NEGRAS, RACISMO E INTERSECCIONALIDADES .............. 25 1.3 SOBRE EPISTEMICÍDIO, EMPODERAMENTO E LUGAR DE FALA....................... 29 1.4 CIDADE TEM COR? SOBRE ESTATÍSTICAS, ESTRATÉGIAS E REIVINDICAÇÃO.... 31 CAP. 2_______________________________________________________________ 38 2. CARACTERIZAÇÃO DE MACEIÓ: UMA PERSPECTIVA INTERSECCIONAL DA CIDADE................................................................................................................ 38 2.1 BREVES REFLEXÕES, HISTÓRIAS E RELATOS DE MULHERES NEGRAS EM MACEIÓ........................................................................................................... 39 2.2 CARACTERIZAÇÃO ESPACIAL E SOCIOECONÔMICA,: UM RETRATO DA POPULAÇÃO NEGRA EM MACEIÓ.................................................................... 47 2.2.1 INFRAESTRUTURA LOCAL E HABITAÇÃO....................................................... 56 2.2.2 MOBILIDADE................................................................................................. 68 2.2.3 SAÚDE........................................................................................................... 75 2.2.4 LAZER............................................................................................................ 80 2.2.5 EDUCAÇÃO................................................................................................... 84 2.2.6 EMPREGO E RENDA...................................................................................... 89 CAP. 3_______________________________________________________________ 96 3. REFLEXÕES, DIRETRIZES E EXPECTATIVAS............................................................. 96 3.1 REFLEXÕES....................................................................................................... 97 3.2 DIRETRIZES...................................................................................................... 97 3.3 EXPECTATIVAS.................................................................................................. 104 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 108
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca, sob a perspectiva das discussões de relações étnico-raciais e gênero, contribuir para os estudos e debates a respeito da condição das mulheres negras, no que se refere ao uso, ocupação e vivência dos mais diversos espaços das cidades, especialmente, Maceió, município aqui analisado, pertencente ao estado de Alagoas, no nordeste brasileiro.
Esquema 1 - Localização do recorte de estudo. Fonte: Elaborado pela autora, 2018
Sabe-se que 54% da população brasileira é negra (IBGE, 2010) . Dessa população, apenas 18% ocupa cargos de destaque no país 1. Ainda, cerca de 14% dos cargos políticos e 19% dos cargos de chefia em empresas no Brasil são ocupados por mulheres, entre brancas e negras. Considerando estes números, qual seria a representatividade de mulheres negras nestes espaços? Os dados supracitados dizem muito sobre as oportunida1 Em pesquisa nacional realizada pela Folha de São Paulo (2015), constatou-se que, dentre as denominadas elites profissionais (acadêmicos, CEOs, atores, músicos eruditos, médicos e políticos no geral), negras e negros são minoria absoluta.
des das mulheres e sobre quem comanda e toma decisões fundamentais no país. No cerne deste problema, há uma sociedade patriarcal2 e racista3 que entende que não é função de mulheres brancas e de cor tomar decisões e, portanto, não há necessidade destas possuírem visibilidade partindo do seu lugar de fala (RIBEIRO, 2018), negando-lhes diversos direitos. Essa é uma problemática, geralmente, pouco discutida - e, no âmbito da arquitetura e urbanismo, praticamente escassa - que possui raízes históricas que auxiliam na compreensão desse contexto atual onde há invisibilização e falta de representatividade, principalmente da mulher negra em diversas esferas. Nesse sentido, é preciso entender como a realidade atual advém de um contexto onde espaços e direitos eram renegados constantemente. No século XIX, por exemplo, o espaço público era tido como inacessível em sua plenitude à mulher, fato relacionado diretamente às desigualdades de gênero vistas ainda hoje em dia: 2 Patriarcado consiste num sistema onde o homem tem predominância sobre a mulher em todos as esferas da sociedade, inclusive na família, exercendo uma relação de dominação e poder. Segundo Silva (2015): A relação familiar é fundamental na conceituação do patriarcado, o vocábulo “patriarca” significa “chefe de família”. Portanto, o sistema patriarcal se constitui no formato de organização social da família, quando o sujeito masculino, simbolizado na figura do pai, exerce autoridade preponderante não somente diante dos filhos, mas perante os demais membros incluindo, especialmente, a esposa (SILVA, 2015, p.3). 3 Racista é o que pratica racismo. Trata-se do ato de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, segundo a Lei nº 7.716 de 05 de Janeiro de 1989. O termo, neste trabalho, representará a relação de dominação histórica sobre o povo negro, ponto estruturante da sociedade brasileira tal qual ela é atualmente.
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A vida da mulher na cidade era ligada ao seu marido e limitada às várias necessidades do cotidiano. Sob os olhares dos homens, dos padres e de muitas mulheres que aceitavam sua situação de submissão, a mulher era vigiada em seus movimentos e atitudes. Sua entrada era controlada e restrita a diversos locais. Alguns eram destinados somente a homens, outros permitindo as mulheres somente acompanhadas por seus maridos (CAVALCANTE, 2016, p.80).
Isso demonstra que o local destinado às mulheres no Brasil do século XIX consistia, basicamente, no espaço doméstico, onde estas realizavam diversas atividades ligadas à manutenção da casa e da família. Às mulheres, era vedado o direito de usufruto do espaço público, ou seja, elas poderiam sair de casa apenas com permissão e, ainda assim, acompanhadas de figuras masculinas (no caso das mulheres nobres, brancas) ou a fim de cumprir exigências relacionadas à subserviência aos “senhores” (no caso das mulheres negras, escravizadas4). A história, no entanto, costuma generalizar a experiência das mulheres resumindo-a à condição majoritária de mulheres 4 Sobre o uso dos termos escravas (os) ou escravizadas (os), é importante ressaltar que existe uma distinção semântica significativa ao sentido do discurso aqui adotado. Segundo Taille e Santos, os “usos contemporâneos que têm sido feitos do vocábulo escravizado para se referir à escravidão negra parecem ter como propósito resgatar o contexto e a relação histórico-social referente ao período escravocrata, evocando ressonâncias semânticas do pressuposto de responsabilização e de opressão pelo processo de escravidão. Escravizado, nessa perspectiva, remete a um campo semântico distinto daquele construído e constituído em torno do vocábulo escravo. Escravo conduz ao efeito de sentido de naturalização e de acomodação psicológica e social à situação, além de evocar uma condição de cativo que, hoje, parece ser intrínseca ao fato de a pessoa ser negra [...]” (TAILLE; SANTOS, p.8)
brancas. Ao ver a realidade das mulheres negras, faz-se importante ressaltar - e é por isso que, por vezes, o presente trabalho discorrerá sobre esses diferentes contextos - que é possível perceber que a estas era possível o uso dos espaços públicos. Nesse caso, o objetivo era cumprir exigências dos seus senhores (homens e mulheres brancos) o que torna a mulher negra, neste sentido, muito mais vulnerável às violências impostas por aqueles que decidiam sobre a cidade e sobre as condições de vida de seus cidadãos e, mais ainda, sobre quem era considerado detentor de direitos no acesso aos benefícios que a cidade oferecia. Estas situações, afetavam a vida das mulheres negras, impactando diretamente em sua saúde física e mental.. No século XX, ocorreram revoluções importantes no que diz respeito à atuação das mulheres na sociedade. Com a inserção da mulher na esfera pública, através da sua emancipação cidadã (com o direito feminino facultativo ao voto, por exemplo, em 1932[5]), as mulheres começaram a alcançar, também, o mercado de trabalho. No entanto, isso não diminuiu as atividades cotidianas que, devido ao sistema patriarcal, ainda são consideradas de exclusiva responsabilidade feminina. Além de passarem a realizar atividades produtivas (vinculadas à geração de renda), estas tornaram-se ainda responsáveis por atividades reprodutivas (como cuidar da casa, dos filhos, levar à escola, ao médico, fazer compras). Isso fez com que as mulheres passassem a ter dupla ou até mesmo tripla jornada de trabalho. No entanto, é preciso levar em consideração que, para as mulheres negras, discutir a inserção no mercado de trabalho 14
nunca foi uma primeira necessidade. Enquanto se fazia, por parte das mulheres brancas, a luta pelo direito ao trabalho, mulheres negras reivindicavam direitos ainda mais básicos que as permitisse serem reconhecidas enquanto seres humanos: Ao negro sempre houve a força de trabalho, não como vendedor desta, mas como própria força de trabalho. Neste sentido, posicionar-se como classe trabalhadora no pós-abolição é uma experiência problemática, porque posicionar-se em uma categoria que busca direitos significa, primeiro, entender-se como sujeito no mundo, algo que foi perversamente negado no sistema escravista (BORGES, 2018, p.59).
Nesse sentido, devemos compreender que gênero e classe são questões que se relacionam fortemente, propiciando diversos recortes na discussão de gênero. E quando se fala em classe é impossível ignorar o contexto das relações étnico-raciais. Classe social perpassa os mais variados debates e é importante para entender questões relevantes como a situação da população negra no Brasil e, neste caso, das mulheres negras, principalmente. Portanto, enquanto conceito indissociável dos demais aqui apresentados, classe estará intrinsecamente presente nas considerações deste trabalho (FEDERICI, 2017). Ainda, considerando a relativamente a recente a abolição da escravatura (1888), mulheres e suas famílias se viam sem qualquer espaço na sociedade, empregos ou moradias. É então, pertinente dizer que esta situação culminou na grande quantidade de pessoas negras vivendo em assentamentos precários até os dias de hoje. Nesse sentido, cabe ressaltar, que as opor-
tunidades vivenciadas pelo povo negro foram e ainda são diferentes tanto no que diz respeito ao acesso a serviços essenciais quanto ao racismo - estruturante e institucionalizado - que promove, diariamente, o extermínio do povo negro e está diretamente relacionado à condição da população negra atualmente na sociedade. Considerando a divisão sexual do trabalho, agregada à dupla ou tripla jornada supracitada e às condições de moradia, principalmente de mulheres negras, as atividades cotidianas tornam-se ainda mais difíceis quando a cidade não oferece o suporte adequado como segurança, transporte de qualidade, e alternativas de mobilidade, o que torna as usuárias ainda mais suscetíveis às violências que são vivenciadas direta e diariamente num espaço opressor5 que ainda utiliza a lógica de que a mulher, desde o advento da propriedade privada, torna-se também propriedade, não possuindo, portanto, o direito à cidade. Historicamente, identifica-se uma maior apropriação pelos homens do poder político, do poder de escolha e de decisão sobre sua vida afetivo-sexual e da visibilidade social no exercício das atividades profissionais. Este é um processo que resulta em diferentes formas opressivas, submetendo as mulheres a relações de dominação, violência e violação dos seus direitos (SANTOS e OLIVEIRA, 2010, p.12).
5 A definição do termo opressão ainda é muito debatida. Cabe aqui entender que opressão se faz através do benefício/privilégio de um grupo social em detrimento dos direitos de outro (que mesmo podendo ser maioria numérica, torna-se, então, o que chamamos de minoria social). Sendo assim, o termo não está ligado ao sentimento específico de um indivíduo, mas às questões históricas que tornam determinados grupos sociais subordinados à dominação de outro.
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Cabe aqui ressaltar que, nesse caso, a referida apropriação do poder político não se dá por todo e qualquer homem, mas sim, aquele que se enquadra num padrão imposto pela construção social da cis-heteronormatividade, ou seja, normativas que remetem ao comportamento e postura do padrão homem-branco-cisgênero-hétero que impõe controle sobre os corpos e modos de agir femininos, segregando, portanto, os que não se enquadram neste estereótipo. Considerando, então, tais desigualdades, é possível afirmar que as pessoas (e, nesse caso, utilizando um recorte espacial de gênero, raça e classe) possuem diferentes necessidades nas cidades, ou seja, são afetadas e afetados diferentemente pelos serviços que as cidades tem a oferecer. Nesse sentido:
No campo da Arquitetura, as mulheres também tiveram e têm que lutar por espaço constantemente. Por exemplo, na Bauhaus, escola de arquitetura, artes e design do século XX (1919-1933), considerada vanguarda inovadora no modelo de ensino que dizia aceitar seus alunos sem fazer distinção de gênero, não foi diferente:
À medida que as mulheres são as principais responsáveis pelos trabalhos referentes à esfera da reprodução, o trabalho doméstico e de cuidados, são elas as maiores prejudicadas pela precariedade dos serviços públicos como luz, abastecimento de água, redes de esgoto, drenagem, coleta de lixo e pela precariedade ou inexistência de equipamentos públicos comunitários como creches, escolas, lavanderias, cozinhas comunitárias. Conforme diminui a presença do Estado nos bairros e vilas mais pobres, aumenta a carga social assumida pelas mulheres nesses mesmos lugares. Assim, evidencia-se que as mulheres são mais afetadas pelas desigualdades socioterritoriais. Se nossas cidades são desiguais são diferentemente desiguais para homens e para mulheres. Em outras palavras: a pobreza urbana tem endereço, sexo e cor: mulheres, na maioria negras, chefes de família que moram nas periferias (GARCIA, 2017).
No Urbanismo, além de não se ouvir falar muito sobre o feito das mulheres que, diante de tantos obstáculos, tiveram algum acesso ao planejamento urbano, é possível notar a invisibilização, que também é histórica , através de pequenos detalhes urbanos. Observando, por exemplo, os nomes das ruas - batizados, em geral, com nomes de grandes personalidades públicas para a cidade - quantas delas possuem nomes feminininos6 que não sejam nomes de Santas e mães e/ou parentes de políticos?
As mulheres, apesar de terem que pagar taxas mais altas, eram encaminhadas após o curso introdutório para aulas de encadernação e poesia, tendo o acesso negado às aulas de arquitetura. Posteriormente, tecelagem tornou-se a única opção para mulheres, pois em 1922 as aulas de encadernação foram interrompidas e, em 1923, Gropius entrou em acordo com o chefe do departamento de poesia que as mulheres também não seriam mais admitidas ali (KUHLMANN, apud, FONTES, 2016, p.123).
6 Sobre esse assunto, vale destacar a campanha do Ateliê Ambrosina, coletivo feminista maceioense, que reuniu através de consultas a diversas pessoas, nomes de mulheres que fizeram a diferença de formas variadas. As sugestões foram enviadas para o projeto Rua Legal realizado pela prefeitura de Maceió, (AMBROSINA, 2018). A pesquisa ainda mostrou que, atualmente, 83% das ruas da cidade que homenageiam pessoas, se referem a nomes masculinos.
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E masculinos? Nesse contexto, é possível afirmar que as mulheres vivenciam cidades hostis, pensadas para aqueles que, historicamente, dados os papeis de gênero impostos, sempre exerceram a atividade apenas produtiva7 na sociedade, numa lógica de planejamento excludente que reduz, consideravelmente, as possibilidades dessas se deslocarem na cidade, usufruir dos espaços e, consequentemente, ocupar posições de grande visibilidade e/ou poder. Cabe então, nos questionar sobre a importância de mulheres ocuparem os espaços de poder no sentido de realizar ações que visem a equidade8 e gênero, consciência racial e justiça social a partir do entendimento de sua própria condição na sociedade. Sendo assim, arquitetas e urbanistas deveriam possuir grande responsabilidade no que diz respeito às políticas públicas relacionadas à produção das cidades, pois não seriam as mulheres, sobretudo negras, que sofrem diariamente as opressões geradas por uma lógica patriarcal e racista, pessoas essen7 As atividades produtivas e reprodutivas são aquelas destinadas ao trabalho externo que objetive a obtenção de renda e à manutenção do lar e família, respectivamente. Na sociedade patriarcal, há a divisão sexual para designar os responsáveis por cada atividade. “Uma das suas principais características está na destinação primeira, que é situar os homens no campo produtivo e as mulheres no campo reprodutivo, associando aos primeiros as funções com forte valor social, como na esfera política, religiosa e militar” (ALVES, 2013). 8 A equidade de gênero é o processo de ser justo com as mulheres e os homens. A fim de garantir esta imparcialidade, precisamos, frequentemente, adotar medidas para compensar as desvantagens históricas e sociais que impedem que as mulheres e os homens desfrutem de oportunidades iguais. A equidade leva à igualdade” (LISBOA; MANFRINI, 2005, p.70).
ciais na construção de cidades mais inclusivas? No entanto, há representatividade de mulheres negras nestes espaços de decisão sobre a cidade? As dificuldades para as mulheres ainda são muitas e o debate em torno do problema precisa ser intensificado e constante. Enquanto mulher e futura arquiteta e urbanista, me sinto na função de cumprir, para além do trabalho usual do profissional, uma função social - a tentativa de dar visibilidade às discussões que giram em torno deste tema e, também, o papel de poder tornar os espaços mais humanizados e seguros, partindo da perspectiva de um planejamento urbano que vise à equidade étnico-racial e de gênero [s.p.]. Sendo assim, o presente trabalho objetiva contribuir no debate nacional, sob uma perspectiva interseccional9, acerca da visibilidade das demandas das mulheres negras, tendo como estudo de caso a cidade de Maceió - Alagoas, apresentando referencial teórico atual constituído, prioritariamente, por mulheres que debatam sobre gênero e relações étnico-raciais, além de, por fim, desenvolvendo um diagnóstico interseccional urbanístico e sugerindo ações que visem a equidade racial e de gênero no direito à cidade, através da consideração da análise (quantitativos e qualitativos) dados socioeconômicos e espaciais sobre as mulheres negras que habitam Maceió. 9 O termo, por se tratar do método norteador do trabalho, será conceituado nos procedimentos metodológicos e primeiro capítulo.
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A exclusão das arquitetas mulheres, mesmo brancas, e o total apagamento das arquitetas negras, arquitetura africana ou afro-brasileira, da formação em arquitetura e urbanismo, confirma, ao fim e ao cabo, a natureza androcêntrica, eurocêntrica e racista da área, característica definidora da modernidade ocidental. (MOASSAB; BERTH, 2016, p. 44)
O presente trabalho estabeleceu, originalmente, algumas etapas que visavam chegar ao recorte espacial para análise mais aprofundada de um bairro, no entanto, o processo de pesquisar e lidar com pessoas, é válido dizer, contêm diversas variáveis. E é nesse processo - para além dos planejamentos, cronogramas e métodos - de apreensões e trocas e (con)vivências com essas pessoas que esta pesquisa também se desenvolve. Nesse sentido, cabe afirmar que o curso aqui relatado não segue uma linearidade precisa e nem o deveria. A investigação concentrou-se, prioritariamente, em um olhar para a cidade como: um todo que, de acordo com as dinâmicas, conversas e o desenvolvimento da pesquisa, de forma geral, guiaram os tantos caminhos percorridos e, também, as diversas idas e vindas entre observações, relatos e mudanças de decisões ao longo do trajeto que produz os resultados desta pesquisa, cuja as etapas de construção são apresentadas a seguir. Foi elaborada, previamente às análises, no primeiro capítulo, uma revisão teórica com a contextualização e as primeiras conceituações que dizem respeito à temática aqui abordada a partir de autoras como Carla Akotirene, Kimberlé Crenshaw, Djamila Ribeiro, Joice Berth, Sueli Carneiro, Juliana Borges e Isabela Peccini. Importantes teóricas no que se refere à interseccionalidade, empoderamento, lugar de fala, epistemicídio, e questões de gênero, classe, raça e cidade. Conceitos-chave para entendimento da discussão proposta, configurando o primeiro 18
capítulo do trabalho. Em seguida, iniciou-se a coleta de dados através da base do último Censo do IBGE (2010) junto às atualizações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), a fim de caracterizar a população negra, principalmente feminina, de Maceió, através de dados quantitativos relacionados à infraestrutura urbana, moradia e distribuição de renda. E, então, a partir de uma perspectiva interseccional, ou seja, do entrelaçamento de informações referentes à população quanto ao gênero, classe e raça, georreferenciadas no mapa da cidade, foi possível seguir para uma análise qualitativa sobre a experiência de vida de mulheres negras no que tange às formas de acesso ou não ao direito à cidade, conteúdo do segundo capítulo. Sendo assim, a análise interseccional (AKOTIRENE ,2018 ), apresentou-se como importante método de estudo e compreensão dos dados coletados, uma vez que une, essencialmente, duas principais categorias identitárias (ser mulher e negra), além das questões de classe que estão, essencialmente, ligadas à raça no contexto brasileiro, podendo agregar outras categorias, no sentido de compreender a experiência e demandas deste público, especificamente, num processo que guiou a articulação dos dados. Enquanto método de análise, a interseccionalidade nos permite entrecruzar essas categorias identitárias, modalidades pelas quais grupos sociais são identificados, como meio de compreensão dos impactos do racismo, patriarcado e capitalismo, quando imbricados, além de outras possíveis opressões, sobre as vidas de mulheres negras.
Esquema 2 – Interseccionalidade. Fonte: Elaborado pela autora a partir do livro “o que é interseccionalidade ?”, AKOTIRENE (2018).
Os dados obtidos foram sistematizados e espacializados através do programa Quantum GIS, ferramenta de georreferenciamento que possibilita vinculações de dados ao território. Dado o mapeamento dessas informações, foi possível realizar um diagnóstico urbano com a caracterização socioeconômica e espacial do perfil estudado que, a partir da sobreposição e interpretação de mapas possibilitou um aprofundamento analítico. O diagnóstico interseccional foi categorizado em: infraestrutura local e habitação; mobilidade; saúde; lazer; educação; e emprego e renda, categorias que, incluindo as percepções de conversas com um grupo focal de cinco mulheres moradoras da cidade e ativistas, de diferentes formas, escolhidas a partir do contato com a Rede de Mulheres Negras de Maceió, a fim de aprofundar os estudos sobre os eixos abordados e ilustrar as questões do diagnóstico. Para tais análises, foi utilizado, como base de inserção das variáveis estudadas, o mapa da cidade de Maceió, através da malha censitária, com a sobreposição de sua divisão territorial por bairros, a seguir. 19
190000E
200000E
210000E
8940000N
8940000N
8950000N
8950000N
MAPA 1 - ABAIRRAMENTO DA ÁREA URBANA DE MACEIÓ
SANTA
TE
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28 OCEANO ATLÂNTICO
7
8930000N
8930000N
LAGOA MUNDAÚ
34
MARECHAL
190000E
200000E
Fonte: Prefeitura de Maceió, 2019. Adaptado pela autora. Mapa 1 - Mapa de abairramento.
210000E
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E é baseada nessa interpretação das informações obtidas e conversas com o grupo focal que a análise do segundo capítulo se desenvolve. Se, incialmente, havia a ideia de que, nesse ponto do planejamento dos procedimentos metodológicos do trabalho, a priori decidiu-se escolher um único bairro da cidade para aprofundamento de caráter qualitativo das informações quantitativas, por meio de visitas, conversas e proposições de diretrizes, percebeu-se que, ainda que haja diferenças nas condições de vida a depender da localidade, todas as interlocutoras (entrevistadas) possuem a mesma experiência de existência enquanto mulheres negras. As entrevistadas partem, portanto, de um lugar de fala extremamente similar com algumas variantes, certamente. Ou seja, as narrativas destas mulheres (independente do bairro onde moram) são constantemente permeadas pelas mesmas questões. É válido, então, pensar que a não restrição nesse trabalho a um único local, fez-se necessária, uma vez que as análises iniciais sempre se referiram à toda a cidade. É a partir da necessidade dessa fluidez que os processos foram sendo, aos poucos, construídos. Processos que culminaram na elaboração de um quadro-síntese com as principais: carências, problemas, tendências e potencialidades da cidade no tocante à experiência da população feminina negra, possibilitando, no terceiro capítulo, reflexões acerca dessas experiências e proposições de políticas públicas e diretrizes de desenvolvimento urbano, com estrutura baseada na metodologia utilizada pelo Escritório Regional para América Latina e o Caribe (ROLAC), do Programa das Nações Unidas para
os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), em Alagoas, onde foi realizado um quadro, após três encontros, contendo problemas, estratégias, metas e indicadores referentes ao combate à violência contra a mulher, que visam a melhoria da qualidade de vida de maneira a beneficiar todas e todos os habitantes da cidade, porém, partindo da reflexão e inclusão das particularidades e demandas dessa população, de acordo com sua vivência1. Aqui, para além dos problemas, serão consideradas as tendências (positivas e negativas), carências e potencialidades que estão elencadas na síntese do diagnóstico, ao final do capítulo, como base para as estratégias e reflexões propostas no terceiro e último capítulo. No intuito de questionar também o saber dominante e hegemônico da academia, estruturado no âmbito de uma sociedade calcada no neocolonialismo onde não se aceita outras formas de expressão que não aquelas elencadas em normas técnicas, é importante salientar a decisão de inserir fragmentos discursivos que não seguem à risca o padrão normativo para apresentação de trabalhos acadêmicos. Estes fragmentos discursivos que desviam do padrão, são fragmentos discursivos tanto textuais quanto imagéticos, além de fragmentos escritos em primeira pessoa em trechos marcados, visualmente, por separação e variação tipográfica. 1 Oficinas realizadas em 28/08/2018, 05/09/2018 e 12/09/2018, com participação de diversas mulheres entre docentes e discentes de universidades, representantes de secretarias, da guarda municipal, OAB, centro de estudos étnicos Anajô, ronda do bairro, e outros grupos.
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CAP. 1
1. MULHERES, INIQUIDADES E O [NÃO] DIREITO À CIDADE
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1.1 PRIMEIRAS CONCEITUAÇÕES
Ontem desci no ponto ao meio dia Contramão me parecia Na cabeça a mesma reza Deus, que não seja hoje o meu dia Faço a prece e o passo aperta Meu corpo é minha pressa Ouviu-se um grito agudo engolido no centro da cidade E na periferia? Quantas? Quem? Fragmento da música P.U.T.A (Mulamba, 2016)
Entendendo que existe uma relação de opressão de gênero e que a mulher por ser constantemente obliterada nessa relação deve, portanto, protagonizar1 a discussão a respeito da equidade de gênero, o referencial teórico do presente trabalho será constituído, prioritariamente, por autoras mulheres, na tentativa de garantir a visibilidade de alguns trabalhos importantes e, também, entendendo que as falas das autoras aqui citadas carregam com precisão e autossuficiência os conceitos que serão abordados. A ideia da mulher como aquela responsável apenas por gestar, amamentar e cuidar dos filhos e da família, é comumente utilizada como ferramenta para legitimar a divisão sexual do trabalho e, portanto, as relações desiguais onde o homem se coloca como provedor e imediatamente superior à mulher. Isso porque o fato de ser mulher ou homem é frequentemente associado apenas ao sexo e não à identificação. Esse argumento é, no mínimo, perigoso. É necessário compreender, para além do sexo, a questão de gênero, que vai muito além de fatores biológicos. 1 Protagonismo, nesse contexto, se refere ao entendimento de que o grupo social que sofre determinada opressão, deve possuir lugar de fala principal na luta por seus direitos por entender, mais do que ninguém, suas demandas. No caso da luta por equidade de gênero, “Isso não implica na passividade dos homens em relação às nossas causas. Quer apenas dizer que eles são nossos aliados e nunca os protagonistas desse âmbito. Afinal, é a partir dos privilégios lhes dados de antemão e dos seus contextos próprios que os homens precisam pensar em qual será a sua contribuição para uma sociedade sem machismo” (MUSSKOPT, 2016)
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Partindo, então da ideia de que gênero e sexo são conceitos diferentes, é possível afirmar que: Ao iniciar uma reflexão sobre gênero o primeiro desafio que se apresenta é o de reconhecer que ser homem ou ser mulher não é simplesmente um feito natural, biológico. Isso porque há vários fatores de ordem econômica, social, política, étnica e cultural que contribuem de forma diversa para a maneira como pensamos, nos comportamos e atuamos enquanto homens ou mulheres. Nem sempre, porém, levamos em consideração esses fatores quando procuramos compreender as diferenças entre homens e mulheres (MACEDO e SARDENBERG, 2011, p.1).
Sendo assim, gênero, enquanto um conceito construído pela sociedade, é muito mais amplo, passível de desconstrução e modificação, e ligado à identificação pessoal de cada indivíduo, permitindo, portanto, sugerir que as mulheres presentes no recorte deste trabalho sejam aquelas que assim se identificam, independentemente de qualquer outro aspecto. No Brasil, em 2015, 45.460 casos de estupros foram relatados. E acredita-se que este número seja muito maior, uma vez que, “assim como a culpabilização das vítimas de estupro2, respostas negativas das autoridades e as descrenças aos relatos de abuso afetam a decisão das vítimas em denunciar” (ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016). A grande subnotificação dos casos é a prova de que as mulheres sentem-se 2 Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009, art. 213 (BRASIL, 2009), passa a entender estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
inseguras ao denunciar, visto que a cultura do estupro3 faz com que esse tipo de crime seja naturalizado pela sociedade e que a vítima seja culpabilizada, além da falta de suporte dos órgãos públicos para combater esse pensamento . O Brasil ainda registrou um expressivo aumento da violência letal contra mulheres, segundo o Atlas da Violência (2019), entre 2007 e 2017, de 30,7%, sendo que: A desigualdade racial pode ser vista também quando verificamos a proporção de mulheres negras entre vítimas da violência letal: 66% de todas as mulheres assassinadas no país em 2017. O crescimento muito superior da violência letal entre mulheres negras em comparação com as não negras evidencia a enorme dificuldade que o Estado brasileiro tem de garantir a universalização de suas políticas públicas (Atlas da Violência, p.36, 2019).
O fato de o sistema patriarcal inferiorizar a mulher, no sentido de não garantir que tenha a mesma liberdade de escolha e os mesmos direitos que os homens, serve como ferramenta para uma cultura de dominação e violência que faz da mulher propriedade e, portanto, a objetifica. Essa opressão acontece porque o machismo4, como ferramenta mantenedora do pa3 Refere-se à naturalização de ações machistas que objetificam a mulher e banalizam as diversas formas de assédio e estupro, culpabilizando a vítima, (LEITE, 2017). 4 É aqui considerado machismo toda e qualquer atitude que vise superioridade masculina em relação à mulher, seja de forma consciente ou induzida a ser “naturalizada” socialmente. Envolve agressões ou atitudes que tentem justificar ou perpetuar a ideia de “obrigações” ou estereótipos de um papel feminino.
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triarcado, está enraizado na sociedade e ainda há grandes dificuldades em se debater esse tipo de assunto. Vale ressaltar que o machismo, como mantenedor de uma relação de superioridade, está ligado diretamente à uma questão de opressão. Isso faz com que mulheres que, nesse quesito, sofrem a opressão, mesmo que não sejam agentes ativos, reproduzam o discurso enraizado na sociedade. O entendimento de mulher como propriedade e, portanto, alvo de objetificação, reforça uma cultura violenta de dominação, onde a mulher se sente ameaçada e oprimida, não só dentro de casa, como nas ruas. “O espaço pode reforçar as relações de poder impostas pela bipolaridade homem/mulher e reproduzi-las de maneira espontânea, o que torna a ocupação deste espaço injusta e desigual“ (BERTH, 2016, p. 74) reforçando, então, a manutenção de um sistema que necessita de desigualdade para funcionar. Portanto, a incorporação da perspectiva de gênero implica trabalhar com homens e mulheres, mas implica uma necessária ênfase em políticas voltadas para a transformação da realidade das mulheres, pois a construção da equidade de gênero passa pela implementação de ações que permitam a constituição e o fortalecimento do protagonismo social das mulheres, tornando-as não apenas sujeitos sociais, mas principalmente sujeitos políticos (MACEDO, 2002, p.74).
Quanto, especificamente, às mulheres negras, há de se considerar ainda, o agravante do discurso racista estrutural e enraizado na sociedade. Nesse caso, além da objetificação de-
corrida do machismo, há o enfrentamento da inferiorização e desumanização advinda do racismo, proporcionando um entrecruzamento de opressões que afetam direta e diariamente a dinâmica da vida dessas mulheres.
1.2 SOBRE MULHERES NEGRAS, RACISMO E INTERSECCIONALIDADES “Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregar elas quando atravessam um lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem – quando tinha o que comer – e também aguentei as chicotadas! E não sou uma mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher? [...]Se a primeira mulher que Deus criou foi suficientemente forte para, sozinha, virar o 25
mundo de cabeça para baixo, então todas as mulheres, juntas, conseguirão mudar a situação e pôr novamente o mundo de cabeça para cima! E agora elas estão pedindo para fazer isto. É melhor que os homens não se metam5.” (BAUMFREE, 2009) Atrelada à classe e ao racismo, a condição da mulher negra exige uma análise específica que vise a condição de mulher junto às relações étnico-raciais, não dissociando as opressões e justificando, portanto, a importância do feminismo negro. Em geral, a unidade na luta das mulheres em nossas sociedades não depende apenas da nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histórica hegemonia masculina, mas exige, também, a superação de ideologias complementares desse sistema de opressão, como é o caso do racismo. O racismo estabelece a inferioridade social dos segmentos negros da população em geral e das mulheres negras em particular, operando ademais como fator de divisão na luta das mulheres pelos privilégios que se instituem para as mulheres brancas. Nessa perspectiva, a luta das mulheres negras contra a opressão de gênero e de raça vem desenhando novos contornos para a ação política feminista e anti-racista, enriquecendo tanto a discussão da questão racial, como a questão de gênero na sociedade brasileira (CARNEIRO, 2003).
Nesse sentido, faz-se necessário contextualizar o conceito 5 Discurso proferido por Sorjourner Truth - abolicionista afro-americana e defensora dos direitos das mulheres - em 1851 na Women’s Rights Convention, em Ohio, Estados Unidos.
de racismo, sistema de opressão baseado em raças, que é estruturante do pensamento brasileiro e, portanto, presente em todas as esferas de nossa sociedade: O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas em preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade racial, assim como a ideia falaz de que as relações discriminatórias entre grupos são de moral e cientificamente justificáveis; manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentares, e de práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos anti-sociais; obstaculiza o desenvolvimento de suas vítimas, perverte aqueles que o praticam, divide as nações em seu próprio seio, constitui um obstáculo para a cooperação internacional e cria tensões políticas entre os povos; é contrário aos princípios fundamentais do direito internacional e, por conseguinte, perturba gravemente a paz e a segurança internacionais, (NAÇÕES UNIDAS, 1978, [s.p.]).
Tendo em vista, então, que o racismo institui um ciclo de relações de dominação e poder que, no caso do Brasil, é catalisado pelo processo de escravidão onde o povo negro viu-se desumanizado, é possível compreender o quão profundas são as raízes da ideologia racista ainda presente nos dias atuais na sociedade brasileira e que impacta diretamente vidas negras, descendentes de um povo escravizado no país. Ou seja, o racismo é uma ideologia que atravessa o tempo e acompanha o desenvolvimento e transformações históricas da sociedade brasileira. Se, no processo
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de construção da ideia de descobrimento, o racismo se colocou explicitamente pela instituição da escravidão, ele seguiu pela hierarquização e teorias raciais no transcorrer dos séculos XIX e XX, e foi se refazendo e se reapresentando em outras configurações neste percurso histórico, permanecendo sempre ali, latente nas relações sociais e pela estrutura e instituições do Estado. A “fundação” de nosso país acontece tendo a escravidão baseada na hierarquização racial como pilar. O racismo é uma das ideologias fundadoras da sociedade brasileira. Algo tão fundamental no processo de formação, não some em um estalar de olhos pela simples destituição da monarquia e por pretensões modernizantes (BORGES, 2018, p.53).
Colocadas em pauta duas vertentes de opressão, gênero e raça, vamos agora analisar o impacto destas que incidem concomitantemente, portanto, sobre mulheres negras, num entrecruzamento. Sendo assim, nos é importante aqui introduzir o conceito de interseccionalidade , termo cunhado por Kimberlé Crenshaw em 1989: Segundo Kimberlé Crenshaw, a interseccionalidade permite-nos enxergar a colisão das estruturas, a interação simultânea das avenidas identitárias, além do fracasso do feminismo em contemplar mulheres negras, já que reproduz o racismo. Igualmente o movimento negro falha pelo caráter machista, oferece ferramentas metodológicas reservadas às experiências apenas do homem negro (CRENSHAW apud AKOTIRENE, 2018, p.14).
As “avenidas” identitárias supracitadas são as diversas possibilidades de identidades nas quais podemos nos reconhecer. Quando falamos em interseccionalidade, cruzamos, essencial-
mente, duas dessas identidades: ser mulher e ser negra. Ou seja, trata-se da incidência inevitável de, pelo menos, dois tipos de opressão que só podem incorrer simultaneamente sobre mulheres de cor. Nesse sentido, é possível perceber que, nas pautas da mulher negra, é ainda mais evidente a opressão e desigualdade, uma vez que tanto no feminismo quanto no movimento negro, suas necessidades não são totalmente consideradas e há ainda opressão. O que demonstra a grande importância do feminismo negro, movimento que abrange pautas feministas e do movimento negro, numa intersecção, voltada às necessidades de reivindicação das mulheres negras. Um exemplo que demonstra a necessidade de um movimento específico é o mito da fragilidade feminina. No geral, as mulheres são tidas por nossa sociedade, como seres frágeis e delicados que necessitam de proteção e vigilância masculina constantes. No entanto, à mulher negra, essa condição nunca existiu. Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres
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com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados (CARNEIRO, 2003, p.1).
É preciso focar no olhar que as próprias mulheres têm de si mesmas, e compreender que a luta por igualdade de direitos perpassa, além da equidade de gênero, o combate ao racismo. Fazer uma análise interseccional exige, portanto, que estes elementos sejam considerados. Dito isto, é possível afirmar que a objetificação ou desumanização da mulher negra é preciso ser combatida em todas as esferas. As mulheres negras passaram e passam pela coisificação tanto material quanto simbólica. Avtar Brah afirma que as opressões não ocorrem em âmbito abstrato, mas circunscrevem os corpos subalternizados. Estes processos de desumanização e objetificação marcam os corpos e sujeitos negros comprometendo, inclusive, sua capacidade de enxergar-se como indivíduos que tem ou devem buscar seus lugares no mundo. Este passado histórico se faz presente na memória social. Pelo corpo-memória, que precisa se restabelecer e reconstruir dinamicamente. Este processo, ao bloquear a capacidade de se ver sujeito, bloqueia também as relações sociais que serão estabelecidas (BRAH, apud, BORGES, 2018, p.58-59).
Ainda considerando a desumanização de mulheres e homens negros, é possível perceber que esse processo é reafirmado pelo campo formal do conhecimento quando este refuta o conhecimento tradicional carregado por diversos povos e, mesmo academicamente, invisibiliza o conhecimento produzido por
pessoas negras num processo conhecido como epistemicídio. Nesse sentido, ainda, quando pensadores ignoram que o pensamento interseccional e a concepção do termo se deram por pensadoras negras e que abrangem, unicamente, a experiência desse grupo social, é possível perceber nesse ato, por si só, a tentativa recorrente de apagamento das produções intelectuais negras numa ressignificação do termo que configura mais uma forma de epistemicídio (AKOTIRENE, 2018) Se esse processo é legitimado e reafirmado diversas vezes nos meios de produção do conhecimento, o que inclui a arquitetura e o urbanismo, pode-se dizer que as produções arquitetônicas e das cidades refletem o ideário de uma identidade única, de uma intelectualidade padrão branca: A história hegemônica da urbanização, de autoria da intelectualidade branca e predominantemente masculina, tem invisibilizado a participação negra e indígena na construção das cidades e na formação da nação brasileira. Mais do que uma simples gafe ou uma lacuna, o que se estabelece aqui é uma estratégia constante de desumanização das pessoas e dos povos não brancos. Trata-se de máxima expressão da violência cognitiva: um voraz epistemicídio (MOASSAB, BERTH e HOSHINO, 2016).
Seguindo, portanto, a lógica de que a cidade é composta pelo reflexo de uma intelectualidade padrão, são notáveis as expressões de relações capitalistas, patriarcais e racistas na produção desses espaços, num entrecruzamento que marca, diretamente, o povo negro: 28
No Brasil, podemos afirmar, que é uma marca registrada nos processos de produção das cidades, a perpetuação das relações capitalistas, patriarcais e racistas, e essa característica se expressa de forma significativa na vida dos/as diversos/as sujeitos/as que a ocupam. Desde a dicotomia imposta, que separa o “lar” e a “rua”, reservando às mulheres o espaço de confinamento privado e de violência pública, até o extermínio da juventude negra e periférica como forma de controle social dos centros urbanos (GARCIA, 2017, [s.p]).
Além disso, quando nos voltamos ao ensino de arquitetura e urbanismo no país, é evidente a lacuna existente o que se refere ao repertório constituído por profissionais negras e negros da área, altamente invisibilizado no meio acadêmico: Se em outras áreas do conhecimento estes temas são bastante usuais, há uma imensa lacuna no debate em arquitetura e urbanismo. Temos vindo a demonstrar que é preciso problematizar a ausência de referências arquitetônicas de origem indígena e africana no ensino e na prática profissional em arquitetura e urbanismo no Brasil, cujas consequências têm sido um lento e contínuo “branqueamento arquitetônico” (MOASSAB, 2016; 2015)
Mais uma vez, a análise interseccional mostra-se altamente relevante no que diz respeito ao ensino de arquitetura e urbanismo e, consequentemente, em sua produção, sendo portanto, indissociável das pautas de reinvindicação de cidades melhores para suas usuárias e usuários.
1.3 SOBRE EPISTEMICÍDIO, EMPODERAMENTO E LUGAR DE FALA “Toda mulher negra é uma pensadora” Carla Akotirene no Mulher com a Palavra, 2018 A partir do entendimento de que o conhecimento legitimado é aquele produzido pela parcela detentora dos espaços de poder, e que, portanto, aquele produzido pela população negra nas mais diversas esferas é, recorrentemente, negado ou invisibilizado, cabe-nos conceituar o processo, já citado, conhecido como epistemicídio: Ideologia que nega que pessoas negras possam produzir conhecimento ou deslegitima os saberes delas (as) e sobre o mundo, pela desvalorização, ou negação ou ocultamento das contribuições do Continente Africano ao patrimônio cultural (CARNEIRO, 2005, p. 324)
O epistemicídio deve ser entendido como uma das ferramentas que promovem a manutenção de uma estrutura racista, uma vez que subjuga um povo através da invisibilização da sua contribuição para a ciência, da negação ou inferiorização do conhecimento produzido e detido por esse povo. Para nós, porém, o epistemicídio é, para além da anulação e desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso à educa-
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ção, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou pelo comprometimento da auto-estima pelos processos de discriminação correntes no processo educativo. Isto porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento dos povos dominados sem desqualificá-los também, individual e coletivamente, como sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar o conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte a racionalidade do subjugado ou a seqüestra, mutila a capacidade de aprender etc (CARNEIRO, 2005, p. 97).
Se o epistemicídio, enquanto ferramenta mantenedora do racismo, reafirma a condição de inferiorização do povo negro, faz-se altamente relevante a criação de estratégias que combatam uma forma única de pensar e busquem, certamente, dar visibilidade ao conhecimento constantemente renegado ou subjugado na sociedade, isto é, buscar conhecer e se utilizar do conhecimento produzido por mulheres e homens negros. É imprescindível que se leia autoras negras, respeitando suas produções de conhecimento e se permitindo pensar o mundo por outras lentes e geografias da razão. É um convite para um mundo no qual diferenças não signifiquem desigualdades. Um mundo onde existam outras possibilidades de existência que não sejam marcadas pela violência do silenciamento da negação. Queremos coexistir, de modo a construir novas bases sociais. No fim, nossa busca é pelo alargamento do conceito de humanidade (RIBEIRO, 2018, p.27).
Quando falamos sobre essas estratégias, estamos falando também sobre a garantia de espaço, sobre poder propiciar que mulheres negras ocupem, juntamente de outros grupos sociais, os espaços físicos e políticos na mesma proporção em que existem enquanto quantitativo populacional nas cidades. Ou seja, não estamos nos atendo aqui simplesmente ao espaço físico que, historicamente, é pré-determinado e restringe a liberdade de uso por parte das mulheres. Falamos, ainda, de um espaço que é constituído socialmente, onde a mulher não possui direito à fala, onde é vedado à esta qualquer posição que represente poder . Nesse sentido, faz-se extremamente importante o empoderamento, neologismo português advindo do inglês empowerment que refere-se a dar poder no sentido de instrumentalizar determinado grupo social a fim de alcançar a autonomia. Processo que promove o reconhecimento das desigualdades vivenciadas diariamente e compreensão coletiva da necessidade de reivindicação de mudanças sociais que garantam a equidade. O termo empoderamento se refere a uma gama de atividades, de assertividade individual até a resistência, protesto e mobilização coletivas, que questionam as bases das relações de poder. No caso de indivíduos e grupos cujo acesso aos recursos e poder são determinados por classe, casta, etnicidade e gênero, o empoderamento começa quando eles não apenas reconhecem as forças sistêmicas que os oprimem, como também atuam no sentido de mudar as relações de poder existentes. Portanto, o empoderamento é um processo dirigido para a transformação da natureza e direção das forças sistêmicas que marginalizam as mulheres e
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outros setores excluídos em determinados contextos (SADENBERG, apud, BERTH, p.16).
Atrelado ao processo de empoderamento, está o reconhecimento do lugar de fala. Lugar esse que é, também, social. É o entendimento de que, para além do reconhecimento do lugar social que cada pessoa ocupa, por se tratar de uma relação de opressão, o espaço de reivindicações deve ser protagonizado por aquelas que sofrem diretamente as opressões. Quando, muitas vezes, é apresentada a importância de se pensar políticas públicas para mulheres, comumente ouvimos que as políticas devem ser para todos. Mas quem são esses “todos” ou quantos cabem nesses “todos”? Se mulheres, sobretudo negras, estão num lugar de maior vulnerabilidade social justamente porque essa sociedade produz essas desigualdades, se não se olhar atentamente para elas, se impossibilita o avanço de modo mais profundo. Melhorar o índice de desenvolvimento humano de grupos vulneráveis deveria ser entendido como melhorar o índice de desenvolvimento humanos de uma cidade, de um país. E, para tal, é preciso focar nessa realidade, ou como as feministas negras afirmam há muito: nomear. Se não se nomeia uma realidade, sequer serão pensadas melhorias para uma realidade que segue invisível (RIBEIRO, 2017, p.41).
Falar sobre o entendimento dessa realidade e sobre os lugares sociais que ocupamos é, necessariamente, falar sobre a importância de que outros grupos sociais, para além daqueles que sofrem determinada opressão, reconheçam em si, também, o potencial de reivindicação a partir das posições que ocupam
na sociedade.
1.4 CIDADE TEM COR? SOBRE ESTATÍSTICAS, ESTRATÉGIAS E REIVINDICAÇÃO A definição do que configura a raça negra ainda é muito discutida no Brasil. O termo costuma envolver, para além da tonalidade da pele, fatores sociais e históricos que consideram as condições de vida da maior parte desse grupo social que tem marcado no histórico de seus ancestrais, a passagem pela escravização. Nesse sentido, a definição permite-nos intuir que, tanto pessoas de pele mais retinta, quanto pessoas de pele mais clara, fruto de miscigenação, pertencem à raça negra. Partindo desse elemento, sabemos, segundo o Censo IBGE (2010), que a população negra em Maceió equivale a 62% do
Esquema 3 – esquema sobre raça e cor. Fonte: Elaborado pela autora.
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total de residentes. Número que agrupa pessoas pretas e pardas, nomenclaturas utilizadas pelo IBGE, que veio crescendo de acordo com as atualizações da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) num processo ligado, notadamente, à grande intensificação sobre as discussões que dizem respeito ao racismo e relações étnico-raciais, permitindo que, ao longo do tempo, mais pessoas se auto identifiquem enquanto negras, num percurso de consciência racial. A população total de Maceió é, atualmente, estimada em 932.748 habitantes, dos quais 301.684 são mulheres negras,
Gráfico 2 – Porcentagem de mulheres e homens (entre total de habitantes maceioenses). Gráfico 3 – Porcentagem de mulheres negras (entre população total negra maceioense). Gráfico 4 – Porcentagem de mulheres negras (entre total de mulheres maceioenses). Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010)
194.572 são mulheres não negras, 274.981 são homens negros e 161.511 são homens não negros (IBGE, 2010), cujos percentuais são apresentados a seguir: Seja em Maceió ou no Brasil, negras e negros são a maioria da população. Ainda, dentro deste grupo, mulheres represen-
Gráfico 1 – População de Maceió por raça. Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010) Gráfico 5 – População total de Maceió por gênero/raça. Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010)
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tam os maiores números. Esses dados só reafirmam a importância de levarmos em conta, em todas as ações que refletem sobre a sociedade, a vivência e demandas dessa população que ocupa uma parcela tão significativa da sociedade. Entretanto, se formos falar sobre oportunidades e violências que assolam essa população, infelizmente, não há a mesma proporção. Como mais uma prova do racismo estruturante em nossa sociedade, podemos perceber uma intensa discrepância no que se refere às oportunidades e violências sofridas, num processo histórico de opressão e tentativa de apagamento da existência do povo negro, seja através da invisibilização, descaso ou genocídio. De acordo com o Atlas da Violência (2018): Uma das principais facetas da desigualdade racial no Brasil é a forte concentração de homicídios na população negra. Quando calculadas dentro de grupos populacionais de negros (pretos e pardos) e não negros (brancos, amarelos e indígenas), as taxas de homicídio revelam a magnitude da desigualdade. É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos. Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%. Cabe também comentar que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras (CERQUEIRA, LIMA, et al., 2018).
Já em Alagoas, onde Maceió faz parte do contexto, o panorama de desigualdade ainda é refletido, porém, de maneira
ainda mais intensa em relação às médias nacionais: O caso de Alagoas é especialmente interessante, pois o estado teve a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%) e a menor taxa de homicídios de não negros do Brasil (4,1%). Em uma aproximação possível, é como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registrou uma taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, cuja taxa de homicídios alcançou 60,1 por 100 mil habitantes em 2017 (CERQUEIRA, LIMA, et al., 2018).
Ainda, segundo o mesmo Atlas, a porcentagem de homicídios de mulheres no Estado de Alagoas, cresceu 28% entre 2005 e 2015 (Atlas da Violência, 2017) e 6,3% entre 2015 e 2016 (Atlas da Violência, 2018). As mulheres, portanto, que na população de Maceió, representam 53%, sendo 61% negras, como parcela significativa da população e como umas das principais vítimas de diversos tipos de agressão, juntas a outras minorias sociais, deveriam ser também, um dos principais grupos sociais a ser considerado quando pensamos em políticas públicas que busquem equidade de direitos e oportunidades em todas as esferas. Segundo o Estatuto da Cidade (2004), “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. No entanto, se os espaços reforçam as relações de poder, nos cabe questionar até onde estes direitos têm sido garantidos a todas e todos os habitantes da cidade. 33
Nesse sentido, devemos buscar compreender como as desigualdades de raça e gênero, influem na maneira como mulheres negras usufruem da cidade: O conceito binário mulher/homem ocupa todos os cantos da cidade e reproduz as relações de poder impostas por essa dualidade. Se, na composição de gêneros tal qual a conhecemos, os privilégios são concentrados nas mãos masculinas por livre atuação do sistema vigente, quando falamos no planejamento das cidades essas relações também estão presentes, ainda que negligenciadas (BERTH, 2016, p. 73).
É possível perceber que os espaços refletem a lógica de um sistema patriarcal que reserva às mulheres o ambiente doméstico e, quando muito, espaços públicos destinados às crianças reafirmando a ideia dos papéis que reservam às mulheres no geral, apenas as funções reprodutivas na sociedade. Mesmo com a inserção, formalizada pelo Estado, da mulher no mercado de trabalho, nota-se que existe uma sobrecarga quanto às tarefas, uma vez que esta passa a ser responsável, para além das funções reprodutivas, àquelas produtivas também. Cabe-nos, então, questionar: tem, as cidades, se adaptado a essas mudanças sociais? O quão responsável por piorar uma situação que já é extremamente desigual, é o planejamento urbano? Se, pela lei, todos deveriam ser considerados iguais no sentido de possuir os mesmos direitos, responsabilidades e condições de vida, na prática, o que se tem é uma sociedade onde há retenção de poder nas mãos de uma minoria e, consequen-
temente, o negligenciamento das pautas daqueles grupos que não detém recursos ou ocupam posições de poder, através da inviabilização de direitos básicos. Compreendendo os percalços e especificidades do cotidiano de mulheres negras, é possível refletir de maneira mais objetiva sobre as necessidades de intervenções relevantes que visem reduzir as iniquidades vivenciadas por esse grupo. E, se essas discrepâncias fazem parte da estrutura social, elas estão também refletidas na dinâmica da vida urbana, onde o planejamento tem essencial poder de contribuição na tentativa de mitigar opressões. Nesse contexto, faz-se necessária a criação de estratégias que garantam a mobilidade, o acesso, e a ocupação plena das mulheres à toda a cidade de uma forma que considere a segurança e suas necessidades atuais como partido para estas propostas. Segundo Jane Jacobs, “o principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos” (JACOBS, 2011, p.30). A insegurança, a impossibilidade de percorrer ou estar onde quer que seja em determinados dias e horários e o medo são causados pelo social, no sentido de que o mal que temos medo é causado por outra pessoa e nossas relações, mas são reforçados pelo espaço e seus elementos (PECCINI, 2016, p.65).
Considerar as inseguranças e dinâmicas da vida de mulheres negras mostra-se, portanto, essencial na construção desses 34
espaços. Sendo assim, dado o contexto social brasileiro no qual mulheres e homens negros se inserem, é importante destacar a relevância que tem a população civil organizada na reivindicação por igualdade de direitos e mudanças no cenário social atual, tanto no que se refere à luta antirracista, quanto pela equidade de gênero. Em Maceió, mulheres tem lutado e lutam constantemente por mais espaço, representatividade, garantia de direitos e equidade. Cabe destacar exemplos recentes como a realização do Seminário de Formação Política para Mulheres, ocorrido em 25 de junho de 2018 no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, que debateu o lugar de fala das mulheres na política alagoana, e o Encontro Estadual de Mulheres Negras, ocorrido em 13 de novembro de 2018 no SESC Guaxuma, evento que antecedeu o Encontro Nacional, e contou com a presença de jovens feministas e diversas ativistas importantes para a história de luta e reivindicação de direitos no Estado.
O Encontro Regional de Mulheres Negras foi um momento pessoalmente muito importante. Foi onde tive a oportunidade de me aproximar de mulheres que fizeram e fazem grande diferença na luta por reivindicação de direitos do povo negro no Estado. Na troca constante de experiências entre jovens feministas e grandes ativistas, o evento se construiu de maneira enriquecedora. Através de palestras e grupos de discussão sobre análise de conjuntura, racismo e violência e o bem viver de mulheres negras, o encontro serviu para, não só trazer conhecimento e troca de experiências sobre a temática, mas também para fortalecer as relações de apoio que se fazem tão essenciais nas lutas feminista e antirracista, diariamente travadas. Ter participado da organização do evento foi algo, particularmente, engrandecedor. Aqui registro a importância de ter encontrado Vanda Menezes, ativista fundamental na luta feminista e negra no estado que, sabendo da realização deste trabalho, me convidou para colaborar na organização do evento e, entre conversas e boas indicações, foi essencial em sua construção.
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Figura 1 – flyer do Seminário de Formação Política para as Mulheres. Fonte: BARROS, 2018.
Figura 2 – flyer de divulgação do Encontro Estadual de Mulheres Negras. Fonte: acervo da autora, 2018.
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“O desafio consiste em construir um espaço sem gênero nem ordem patriarcal; portanto, um espaço sem hierarquias, horizontal, um espaço que evidencie as diferenças, e não as desigualdades, um espaço de todos e de todas em igualdade de valoração de olhares, saberes e experiências. O objetivo é ressignificar a construção de nossas cidades a partir da experiência que os homens e as mulheres têm do mundo – duas maneiras de enunciar a realidade.” MUXÍ; MONTANER, 2014, p.198 Figura 3 – Encontro Estadual de Mulheres Negras. Fonte: Acervo da autora, 2018.
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CAP. 2
2. CARACTERIZAÇÃO DE MACEIÓ: UMA PERSPECTIVA INTERSECCIONAL DA CIDADE
2.1 BREVES REFLEXÕES, HISTÓRIAS E RELATOS DE MULHERES NEGRAS EM MACEIÓ Larissa, de 23 anos, estudante de psicologia da Universidade Federal de Alagoas, e uma das entrevistadas, ao ser perguntada sobre o que é ser mulher negra em Maceió, responde: “Normalmente eu saberia responder essa pergunta. Se isso não fosse sobre mim, né. Saberia responder politicamente, historicamente... Mas Alagoas tem tido um outro sentimento pra mim, agora. Eu tenho consciência da história das mulheres negras em Alagoas, mas também sei que isso é uma parte pequena da população, enfim, Alagoas é um estado muito específico, assim, na história do Brasil. A gente teve dois genocídios muito grandes na população negra aqui e eu não lembro de outro estado que tenha tido dois massacres tão próximos que é a destruição da Serra da Barriga1 e o Quebra de Xangô2. Tá que assim, foram gerações depois, mas se for olhar a história do mundo, são dois genocídios muito próximos com a mesma população. E aí, eu faço psicologia, e tenho uma preocupação de como esse trauma e como essa violência, assim, o aviso da violência, é for1 A Serra da Barriga “para cujas matas milhares de negros escravizados rebelados fugiram durante o período de dominação holandesa”. Está situada a cerca de 88km de Maceió, no município União dos Palmares. Foi onde se instalou o “maior, mais duradouro e mais organizado quilombo já implantado nas Américas.” 2 Conhecido como Quebra de Xangô, trata-se do ocorrido entre 1 e 2 de fevereiro de 1912, quando houve, em Maceió, a invasão e destruição de diversos terreiros de religiões afro-brasileiras e a perseguição, espancamento e prisão praticantes, configurando um grande ato de intolerância religiosa.
te pra gente. Então a gente tá sempre com medo em Alagoas. Eu cresci com medo de tudo [...] Eu circulei um bocado no país, também morei em Portugal um tempo. E aí, eu percebi fora e também depois da universidade, que as pessoas vem estudar, que nem todo mundo tem medo do que a gente chama de “meter as caras”, e a gente não “mete as caras”. Digamos que seja assim. A gente só faz uma coisa quando tem muita segurança, ou então, quando as pessoas enlouquecem. Tem uma questão de saúde mental mesmo, assim, das pessoas negras em Maceió.” – Larissa Ângela Maria, meteorologista e professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas, de 73 anos, conta sobre suas experiências enquanto mulher negra vinda do Rio de Janeiro, e atuante no Movimento Negro. Morou em Maceió, pela primeira vez, por 13 anos e agora está há 15 anos na cidade. Ela conta ter começado no movimento negro há mais de 60 anos: “Eu já tenho 63 anos de movimento negro, meu pai era médico e conheceu Abdias Nascimento3, uma amiga da gente era advogada promotora no Rio... eu sou carioca e ela chamou meu pai para ir para as reuniões na casa dela, de Abdias Nascimento, aí nós fomos, né, eu era pequenininha e meu irmão também. Nós fomos para essas reuniões, como a gente era menino criança, né, aí começaram a mandar poesia pra nós estudarmos, lermos, cultura né, aí começamos a estudar, ler... aí faziam uma es3 Nascido em 1914, Abdias do Nascimento foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras.
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pécie de sarau, todo mundo fazia aquele sarau, e começamos a nossa militância. É por isso que eu digo, tenho um artigo que eu fui premiada, eu digo que eu sou exceção à regra porque meu pai era médico, minha mãe era professora e eu conheço toda a minha árvore genealógica, coisa que os meus não conhecem no Brasil.” Algum tempo depois da morte de seu marido, com três filhas, ela veio à cidade de Maceió convidada por amigos meteorologistas que, à época, estavam implantando o curso na universidade: “Bem... primeiro foi uma espécie de uma fuga né, porque fiquei viúva e aí eu trabalhava nas centrais elétricas do sul do Brasil, em Florianópolis, meu marido também trabalhava lá e eu... ele era da engenharia e eu era das operações como meteorologista. Então eu fiquei viúva, aí ficou um ambiente insuportável, quer dizer, todo mundo me assediando, coisa de louco. Eu emagreci cerca de uns 40 quilos, eu fiquei transparente [...] Com 3 crianças pequenas, aí o povo me assediava muito porque eu tava na meteriologia e eles estavam implantando um sistema hidrometeorológico por 3 estados do sul que a companhia trabalhava: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e o único estado que tinha esse sistema era São Paulo, então de 15 em 15 dias eu tinha que ir pra São Paulo, aí eu ia pra não perder o emprego, né. Até que o pessoal de Maceió da minha turma do curso de meteorologia implantaram um curso aqui: “vem pra cá vem pra cá”. Aí eu n sabia o quê que eu fazia: se eu botava a mão na cabeça pra não perder o juízo (risos).
[...] Aí acabei vindo visitar e gostei e botei tudo dentro de um caminhão e vim-me embora. Carro, tudo, tudo, tudo... e vim de avião com as minhas 3 meninas e eles me ajudaram a arranjar escola pra elas, eles me ajudaram em tudo, arranjar a casa, me deram, assim... um tempinho extra pra eu me organizar, né. Era tudo diferente [...] aí cheguei aqui, quando fui no primeiro dia me apresentar, eu fui... tinha um Ford Corcel amarelo, meio amarelado meio bege, com a placa de Santa Catarina que vim na mudança né. Aí cheguei lá, tinham uns rapazes, umas três moças, assim, sentadas na bancada lá de fora e perguntei onde ficava o curso de meteorologia, e me disseram: “´É aqui mesmo”. Eu disse: “Aham. Tá. Obrigada”. “A senhora tá procurando quem?” Eu digo assim: “Professor lima”. Eles dizem: “Aham... tá. Quem é a senhora?”. E eu disse: “Eu sou a professora que veio ministrar a aula de hidrologia”, porque eu trabalhava com hidrologia, era o meu forte, aí eles disseram assim: “A que veio de Santa Catarina? (risos)”. “Sim, é essa mesma, sou eu”. Eles ficaram, assim, passados, porque imaginaram, né, “Santa Catarina... tinha uma loira, alta...”, né, aí veio justamente o contrário. Então foi um embate danado [...] mas consegui superar porque eu sabia muita hidrologia, o pessoal.... (gesticulando) da minha turma aguentou firme a decisão, né, mas aí passou, né... passou não, mas eu fui levando, e então a minha relação... e tentei cada vez mais me aproximar, me firmar no movimento negro daqui, aí trabalhei muito no NEAB4. Fui diretora do NEAB [...] aí trabalhei muito, muito, pro tombamento da Serra. Chamava todos os movimentos do Brasil inteiro, escrevíamos cartas, 4 Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
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postávamos cartas pro Brasil inteiro pra virem comemorar o 20 de Novembro aqui em Alagoas. Olha, era uma insanidade, porque tinha que arranjar hotel, não tinha infraestrutura lá. Hoje tá tudo ótimo, lá na Serra da Barriga, na infraestrutura em União dos Palmares. Eles fechavam tudo, aí não tinha lugar pra comer, mas graças a tudo todos os orixás conseguimos modificar, transformar esse quadro que existia lá. Então, depois que eu comecei a trabalhar na Serra da Barriga, eu fiquei mais encantada ainda. Aí era aqui o meu lugar. [...] Eu vejo que a visão que a população tem da mulher negra, é diferente da mulher branca. Então, se ela é mulher, já é discriminada, e negra, a discriminação continua. A interseccionalidade vai funionar aí. Pobre. Então, embora ela tenha que transitar por toda a cidade, pelos lugares também mais difíceis e mais perigos, né, ela tá mais afeita à violência.” – Ângela
[...] Os dois [racismo e machismo], pra mim, eles acabam se cruzando, sabe... principalmente quando, no caso, a mulher ela é sempre... tem uma questão da invisibilidade da mulher negra, né. Então ela acaba pegando bem mais forte que isso. Mas a cidade, o modo de vivenciar ela, é realmente a exclusão em alguns espaços, acho que pelo olhar... as pessoas se comunicam pelo olhar. Então, às vezes nem é necessário falar alguma coisa, mas você já percebe a maneira que te tratam, a maneira como se você realmente fosse invisível, como se não tivessem te vendo ali. Ou quando você, no caso, mulher, eles desconsideram.” – Pâmela Já a professora Maria Aparecida, formada em filosofia pela Universidade Federal de Alagoas, pesquisadora e coordenadora do núcleo temático Mulher e Cidadania, conta:
Pâmela Nobre, de 25 anos, é moradora de Maceió, vinda da periferia de São Paulo há cerca de três anos, estudante de Pedadogia, e conta sobre sua experiência enquanto mulher negra:
“Eu sou professora, sou Maria Aparecida Batista de Oliveira. Todo mundo me conhece por Cida. Sou de União de Palmares. É... eu comecei a ensinar aos dezesseis anos, desde os dezesseis anos que sou professora e, posteriormente, eu vim pra Maceió. Maceió é uma cidade que me acolheu e eu tenho um encantamento profundo por essa cidade. Eu fiz o curso de filosofia, morei em pensionato e depois na residência universitária [...] Então, Maceió, do tempo que eu cheguei pra cá cresceu muito.... é uma cidade que ainda tem uma disparidade muito grande em relação às classes sociais, né. Nós temos um acentuado de população ainda em situação de extrema vulnerabilidade, que é a população negra. 41
“Querendo ou não, lá em São Paulo, apesar do ritmo ser mais frenético, cê não tem muito de observar as coisas, né. Então tudo você acha que é culpa sua e tenta se enquadrar o máximo possível. E aqui, quando eu vim sentir essa certa liberdade, um pouco, de parar um pouco pra pensar... E acho que o acesso à universidade proporcionou muito isso. Acho que o acesso à universidade foi o caminho, assim, pra essa identificação.
[...] A sociedade continua muito discriminadora, muito racista. E com uma grande dificuldade, né. Porque o brasileiro não aceita ser racista, né. E quando a gente sofre, a gente vê os depoimentos, eu também já sofri racismo dentro da universidade, a universidade é também racista por conta de suas próprias contradições. Mas essas contradições deixam as brechas pra que a gente possa ressignificar os significados dessas contradições. [...] Desde que eu cheguei na universidade... sou feminista, participo efetivamente do movimento feminista e cheguei a ser presidente do Conselho da Mulher por duas vezes, e presidente do sindicato dos docentes da Universidade Federal de Alagoas, por dois mandatos, e no conteúdo da minha práxis, eu desenvolvo pesquisa, né. Desenvolvi pesquisas sobre a vulnerabilidade da população negra na questão de saúde, junto com o professor Jorge Luiz e a professora Ângela também [...]” – Maria Aparecida Vanda Menezes, de 59 anos e moradora do bairro do Jacintinho, formada em psicologia, policial civil e primeira secretária da mulher do país, conta um pouco de sua experiência e as grandes contribuições que trouxe ao estado: “Eu não nasci aqui [Jacintinho]. Eu nasci no bairro que, na época, era o bairro mais populoso. Que era o Poço. Só que com 3 anos eu fui pra Pajuçara, e lá eu fiquei até os 20. Eu passei toda a minha infância e adolescência em frente ao mar. Meu pai era negro, minha mãe branca. Eu era neta de português,
mas também neta de escrava. Meu pai era filho do Ventre Livre, ele nasceu em 1894 num engenho [...] onde ele aprendeu a ler porque tomava conta das meninas da casa grande quando elas iam tomar banho. Então ele tinha uma relação porque já morava dentro da casa, ele habitava a casa dos donos do engenho. E, desde cedo, meu pai me ensinou porque nós tínhamos aquela pele negra, o cabelo encarapinhado, de onde nós viemos, ele sempre se reportou à África, aos povos... que ele era um autodidata. Meu pai não lia, por exemplo, nenhum jornal daqui. Ele só lia - eu me lembro bem que um rapaz negro também que trazia, na porta, sempre na janela do quarto dele, porque antigamente a gente sempre tinha a janela da casa, era uma entradinha que era um bangalô na entrada e o quarto era sempre o primeiro, o quarto dos pais – o diário de Pernambuco, lia folha São Paulo. Então, assim, ele devorava aqueles jornais. Tudo o que eu aprendi muito cedo foi com ele. [...] Eu estudei no Imaculada Conceição, um colégio chiquérrimo na época e, isso eu só fui pensar e descobrir quando entrei no movimento negro aos 18 anos, na Associação Cultural Zumbi que foi que teve uma dinâmica lá “quando foi que você teve sua primeira discriminação racial?” e aí eu lembrei que eu tinha 8 pra 9 anos, eu jogava muito bem queimado [...] e eu tinha uma professora Tereza Lima, que tá viva até hoje, que admirava muito porque eu era muito boa nas matérias e na matéria dela que era uma loucura, matemática, né [...] e a Tereza me prestava atenção, eu que não sabia. Eu me lembro que um dia, o maior sol, perto de meio-dia, a madre superior, a Irmã Coelho, era uma mulher branca, com aquele olhinho de chimbra azul... ela 42
[Tereza] chamou a madre pra mostrar que eu jogava muito bem queimado, pra me botar na seleção da escola e a madre olhou, me chamou – minha mãe alisava meu cabelo, suor pingando... eu era seca, enorme, sempre fui muito grande – e aí, ela disse: “Irmã, olha, é essa a Vanda que eu tinha falado...” e ela: “Ah, tá”. E nunca eu fui chamada pra compor a seleção da escola. [...] Mas eu nem me tocava disso. Só que a Tereza, não sei o que ela ouviu da Irmã, não sei, nunca perguntei, acho que ficou indignada com aquilo e, como eu era inteligente, ela chamou minha mãe [...] disse que me colocasse numa escola particular por um mês, pra eu aprender, que eu tava no terceiro ano, pra eu aprender decimal, que não sei o que... umas coisas lá e fazer admissão. Minha mãe disse “oxente, mas ainda tem o quarto e o quinto ano”. “Faça que ela vai passar”. Ela me colocou na Ana, uma mulher negra, minha vizinha. A Ana me ensinou, minha mãe fez minha inscrição e eu passei na admissão com 9 anos de idade. Aos 10 eu entro já pro primeiro ginásio. Ela me levou lá, na sala da madre, e disse: “Madre, a Vanda não vai mais estudar aqui”. Ela olhou e disse: “Ela perdeu o ano?” Que a gente tinha bolsa, meu pai não pagava. Eu tinha bolsa integral lá. Aí ela disse “não, Irmã. Ela não perdeu o ano não. Muito pelo contrário, ela fez admissão e passou, pulou o quarto e o quinto ano”. Ai a mulher, né, tomou um susto. [...] Terminei psicologia com 23 anos. Entrei no movimento em 1978 ou 79, a Associação Cultural Zumbi se formou porque nós tínhamos um grande amigo que era filho da Laura Dantas, que tem o nome dela hoje no CEPA, era uma professora negra que foi professora dos grandes homens de poder na época. Ele fazia
medicina e foi com os amigos pro Clube Fênix e foi expulso porque era negro. Mesmo os amigos fazendo o maior auê do mundo, os comodoros botaram ele pra fora. [...] O Zezito, que era amigo dele reuniu um monte de mulheres... um monte de homem e só 3 mulheres. Era só eu, Ana e Silvete. Eram 33 pessoas. E formamos a Associação Cultural Zumbi que foi a primeira do estado a tratar dessa questão. Que trabalhava a questão política. A gente ia pra escola tratar a questão do 20 de novembro, desmistificar o 13 de maio... [...] E aí entrou o Brasil inteiro. A gente conseguiu mobilizar pro “Subindo a Serra”. Em agosto de 80 a gente vai com algumas lideranças do país, sobe a Serra, faz a retomada simbólica. Em 81 a gente traz mais de duas mil pessoas. [...] E a Associação foi responsável pela desapropriação, pelo tombamento da Serra, participamos de tudo, e também do NEAB, que o nosso foi o primeiro NEAB do país. [...] E aí a gente começou a participar do Encontro Norte e Nordeste de Negros que tinha todos os anos, um deles foi aqui, foi quando a gente teve uma cisão com os homens negros que estavam porque as mulheres nunca sentavam na mesa, eles não respeitavam nossa trajetória no sentido da militância. E a partir daí a gente começou a se reunir só as mulheres. Nunca deixamos de estar com eles, porque o movimento acontece misto e depois a gente começa a discutir só coisas nossas, porque a gente vê que o machismo existe nos homens negros. Ele é fruto desse sistema patriarcal. [...] 43
Vou pro presídio. Foi o primeiro trabalho que eu tive. Passou 8 anos e fui expulsa, né. Claro que eles não diziam que estavam me expulsando. Eu encontrei lá, a grande maioria, teve épocas da total carceragem de mulheres negras. Diversos crimes. Muitas porque era a mulher do homem que foi assassino, que foi traficante... elas não tinham nada a ver porque estavam presas. [...] e minha relação, assim, eu não cumpria o que eu aprendi na Academia porque eu não tava ali pra julgar e condenar. Elas já tavam julgadas e condenadas. E punidas. Eu tava ali pra, na verdade, guardá-las, deixá-las bem, era o meu papel. E eu cumpria esse papel. Então eu destoava do que, na prática, se fazia, né. Não existiam companheiras violentas, não, na Polícia. Mas elas cumpriam exatamente o que mandava a cartilha e eu não. Por exemplo, eu achava um absurdo que no sábado, era uma coisa assim, “21h tem que fechar, cada uma tem que ir pro seu quarto”, mas tinha um super cine que elas queriam assistir e, pra mim, não custava seu eu tivesse de plantão, que elas ficassem porque estavam ali comigo, inclusive, assistindo. [...] Eu não tinha que não tratá-las como seres humanos porque elas eram presas. Ou que não saber das vidas delas. Ou que não conversar com elas. Manter distância. Porque, na verdade, era isso que se pregava, né [...] E a diretora era uma mulher que dizia que as castas existiriam sempre. Eu nunca me esqueço que ela dizia isso a mim. E eu dizia: “Pois é. E eu sou contra essas castas”. E a gente discutia muito, ela era assistente social e advogada, eu acho também, mas uma mulher branca. Muito tranquila, também não era à favor de nenhuma tortura nem nada, mas eu destoei, porque eu discutia a questão negra, a questão do racismo, a questão da dependência das mulheres,
do empoderamento que elas tinham que ter – que esse nome nem se usava, né – mas que elas precisavam perceber que elas eram seres humanos [...] que elas tinham que se preservar pra não voltar para ali. Elas eram iguais a mim. Na verdade, eu acho que o que incomodava era que eu tratava de forma igual. Eu não via diferença. Diferença é que ela não teve a oportunidade que eu tive. Diferença é que ela não teve a mãe e o pai e a família que eu tive. E por isso tava ali. [...] Elas são iguais a mim. Não tem diferença. Porque a gente aprende é que elas são escória e que, portanto, não tem nada a ver com você, no sentido da vida. De lá, eu saí comadre de algumas, uma fazia minha unha, outra lavava minha roupa... que eu deixava a roupa lá e não trazia pra poder pagar pra ela ter uma grana, porque não tinha quem levasse. Mulheres casadas que tavam presas porque o marido matou alguém e ela tava na hora e ela era cúmplice. Que nunca entrou numa delegacia. Que eram donas de casa. Como tinha também quem fez mil coisas. Mas a relação era de respeito. Durante os oito anos teve uma fuga no meu plantão. E eu fui buscar ela em casa porque eu sabia que ela tava em casa. Porque ela pediu pra diretora pra ir ver a filha que tava muito doente e a diretora não deixou. [...] Aí eu vou pra Delegacia da Mulher. Abriu a delegacia e eu já tava no movimento feminista, entrei no movimento feminista pra fazer delegacia, pra fazer não sei o que... Entrei na UMA, foi a primeira entidade de mulheres daqui, União das Mulheres de Maceió. Aí a tarefa minha era ir pra delegacia. Passei uma semana. Me mandaram pra fora também. Porque era um absurdo como se recebia as mulheres. Era um negócio que eu dizia as44
sim: “ Minha gente, a mulher é ré? Não é vítima, não? Vocês fazem tantas perguntas, constrangem tanto que elas não voltam”. [...] Aí fui pra Delegacia de Menores. Pronto. E lá eu fiquei [...] aí eu fui fazer toda a capacitação dos profissionais para receber as crianças baseada no Estatuto da Criança e do Adolescente. E aí foi muito bom porque eu não era policial lá, eu era da parte de psicologia, e eu recebia aquelas crianças e adolescentes [...] era um absurdo o que os policiais faziam com aquelas crianças. [...] Saí da Delegacia dos Menores, aí fui pro sindicato. Passei 3 anos. Foi outra experiência muito boa. Assumi a presidência do sindicato por 9 meses [...] Quando eu saí do sindicato e fui pra Perícia, nesse intervalo, a gente ficou sem salário por 10 meses. E aí foi uma loucura.”
cretaria da Mulher aqui. Aí a mulherada endoida, começa todo mundo a se mobilizar pra fazer acontecer. Reunião vai, reunião vem... e eu não participei. Quando eu tava em Salvador, o chefe de gabinete me liga pedindo que eu fosse pra uma reunião, aí eu fui... [...] tava lá a Secretária de Saúde e outras mulheres feministas pra gente pensar como seria o modelo da Secretaria, a composição e tal... [...] Aí ele [governador] liga: “Boa noite”. “Boa noite. A que devo a honra do senhor estar ligando pra mim?”. “Eu tô fazendo a secretaria, fiz uma consulta [...] e todo mundo indicou seu nome. Eu quero saber se você quer ser minha secretária”.
Em reuniões posteriores, Vanda foi contratada para trabalhar na secretaria de saúde de 1996 até 2002, onde trabalhou com a prevenção de prostitutas, dentro do programa DST/aids. Ela integrou um comitê de saúde da mulher enquanto coordenadora entre 2000 e 2002, onde houve capacitações com médicos, busca pela humanização dos partos e outras práticas preventivas em saúde.
“Ali a gente já vê o que significa o racismo estrutural. Cheguei lá, aquela sala imensa, antessala do gabinete. Dei bom dia, tinham duas moças. “Por favor, o doutor fulano tá aí? Diga a ela que a Vanda tá aqui”. “A moça de cabeça baixa tava, respondeu que sim”. Aí eu sentei no sofá. Fiquei lá 10, 20, 30 minutos e nada. Ela entrava e ela saía daquela sala e nada [...] como o governador tinha me dito que eu precisava dar esses nomes até meio-dia, e já era quase isso, eu peguei o telefone e liguei. “Eu tô aqui na sua antessala”. Ele chamou a moça, a moça entrou. Aí eu ouvia ele dizendo: “A secretária tá aí, mande ela entrar”. E ela dizendo: “Não...”. “Ela acabou de me ligar. Ela tá na antessala”. Aí ela sai, abre a porta, olha. Só tem eu. Olha. Abre a porta de fora, volta. Aí ela diz: “Como é o seu nome?”. “Vanda. E eu acho 45
“E aí eu sou convidada pra ser Secretária da Mulher. Solange Bentes Jurema, em maio de 2002, é chamada pelo Fernando Henrique pra ser ministra, e ela é nossa aqui. O governador vai, a Genilda [companheira de trabalho] vai e, lá, ela me liga e dizendo que o governador disse ao presidente que ia fazer a Se-
Vanda conta como foi, ao chegar ao gabinete com os nomes solicitados de outras mulheres que ocupariam cargos na secretaria:
que cê tá me procurando”. Sobre a cerimônia de sua posse, Vanda conta: “[...] E, aí, uma hora eu disse: “aqui nesse lugar tem tudo. Toda a minha vida tá aqui. Tem de puta à delegada. Porque tinha as travestis, as prostitutas, pessoal da saúde que trabalhou no DST/aids comigo, pessoal do sindicato, delegados, peritos, movimento negro, movimento de mulher nacional, movimento de mulher daqui, Solange Jurema – ministra, o vice-prefeito [...] minha família inteira, né”. [...] Aí eu me lembro que eu disse, agradeci todo mundo e disse: “Essa sala tá lotada e vocês podem sair que vocês não vão encontrar nenhuma van alugada, porque o que esse governo tá fazendo é reconhecer que existe um movimento e que nós podemos contribuir para o desenvolvimento do nosso estado. Porque, enquanto as mulheres não forem respeitadas como tais, nenhum estado vai pra frente. Nada.” [...] Passei o fim do governo dele, e ele me reconduziu mais 4 anos, passei todo o mandato dele [...] A gente conseguiu fazer publicações anuais, a gente trabalhou com mulheres na política, preparando mulheres pra serem vereadoras e prefeitas, a gente conseguiu que o estado de Alagoas desse um salto qualitativo e quantitativo para o Nordeste porque aqui se teve a maioria de mulheres de toda a História como vereadoras, como prefeitas. A gente trabalhou com todos os municípios. Eu ouvia todas as mulheres. Não teve um município que a gente não tenha ido. A gente fez fóruns regionais. [...] Eu vi 1.984 mulheres. Tanto, que quando teve a primeira Conferência das Mulheres, a gente não precisou fazer. Só fizemos a estadual. Porque eu já tinha acaba-
do de ouvir as mulheres, tudo que elas queriam. Então a gente trabalhou saúde, educação, violência, sexualidade, trabalho e renda. E o resultado dessa escuta, a gente implantou em todo o plano de governo da secretaria. Todo ano a gente trabalhava um mote desse. [...] Participamos da história das cotas. As primeiras meninas da história das cotas, os estágios foram na minha secretaria [...] Ângela foi quem coordenou essas meninas. A gente pintou o sete. Foi bom demais. [...] a secretaria tinha que dar certo. Porque era a primeira. Se não desse certo, como é que ia ter outras?” – Vanda Após o término do mandato, Vanda prestou e segue prestando consultorias e capacitações em diversos locais dentro e fora do estado. Vamos acrescentar à reflexão, alguns trechos da obra “O quarto do despejo” de 1960, escrita por Maria Carolina de Jesus, que trazia em pauta as experiências vividas por ela, enquanto mulher, negra, mãe, catadora de papel e moradora de uma favela em São Paulo. Seu discurso, apesar de um tempo e local diferentes, ainda se faz atual e pertinente, retratando um cotidiano de difíceis condições vivido por muitas pessoas. E, notemos, tanto nas reflexões das mulheres entrevistadas quanto nas informações acerca da população negra apresentadas ao longo da investigação, as semelhanças entre essas vivências. Fui no depósito receber o dinheiro do papel. 55 cruzeiros. Retornei depressa, comprei leite e pão. Preparei Toddy para as crianças, arrumei os leitos, puis feijão no fogo, varri o barraco. Chamei o Senhor Ireno Venancio
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da Silva para fazer um balanço para os meninos. Para ver se eles permanece no quintal para os visinhos não brigar com eles. Dei-lhe 16 cruzeiros. Enquanto ele fazia o balanço, eu fui ensaboar as roupas. Quando retornei, o Senhor Ireno estava terminando o balanço. Fiz alguns reparos e ele terminou. Os meninos deu valor só na hora. Todos queriam balançar ao mesmo tempo! Fechei a porta e fui vender lata. Levei os meninos. O dia está cálido. E eu gosto que eles receba os raios solares. Que suplicio! Carregar a Vera e levar o saco na cabeça. Vendi as latas e os metais. Ganhei 31 cruzeiros. Fiquei contente. Perguntei: - Seu Manoel, o senhor não errou na conta? - Não. Porque? - Porque o saco de latas não pesava tanto para eu ganhar 31 cruzeiros. É a quantia que eu preciso para pagar a luz. Despedi-me e retornei-me. Cheguei em casa, fiz o almoço. Enquanto as panelas fervia eu escrevi um pouco. Dei o almoço as crianças, e fui no Klabin catar papel. Deixei as crianças brincando no quintal. Tinha muito papel. [...] ...Nas favelas, as jovens de 15 anos permanecem até a hora que elas querem. Mescla-se com as meretrizes, contam suas aventuras (...) Há os que trabalham. E há os que levam a vida a torto e a direito. As pessoas de mais idade trabalham, os jovens é que renegam o trabalho. Tem as mães, que catam frutas e legumes nas feiras. Tem as igrejas que dá pão. Tem o São Francisco que todos os meses dá mantimentos, café, sabão etc. ...Elas vai na feira, cata cabeça de peixe, tudo que pode aproveitar. Come qualquer coisa. Tem estomago de cimento armado [...] ...Estou residindo na favela. Mas se Deus me ajudar hei de mudar daqui. Espero que os políticos estingue as favelas. Há os que prevalecem do meio em que vive, demonstram valentia para intimidar os fracos. Há casa que tem cinco filhos e a velha é quem anda o dia inteiro
pedindo esmola. Há as mulheres que os esposos adoece e elas no penado da enfermidade mantem o lar. Os esposos quando vê as esposas manter o lar, não saram nunca mais. [...] ...O que eu aviso aos pretendentes a política, é que o povo não tolera fome. É preciso conhecer a fome para descrevê-la. [...] ...O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo, e nas crianças. [...] 13 DE MAIO Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpático pra mim. É o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos. ...Nas prisões os negros eram os bodes espiatorios. Mas os brancos agora são mais cultos. E não nos trata com despreso. Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz (JESUS, 1960, p.16-27).
É a partir dessas diferentes – e ao mesmo tempo similares – histórias, reflexões e realidades, seja de Maria Carolina de Jesus ou das mulheres entrevistadas, que nos aprofundaremos num diagnóstico urbanístico acerca das condições de vida, nos mais diversos âmbitos, da população negra e, especialmente, das mulheres negras na capital alagoana.
2.2 CARACTERIZAÇÃO ESPACIAL E SOCIOECONÔMICA: UM RETRATO DA POPULAÇÃO NEGRA EM MACEIÓ Os percalços vivenciados pela população negra, por mulheres e, especialmente, por mulheres negras, diz muito sobre a forma como esses grupos ocupam, usufruem da cidade e suas 47
posições sociais. Nesse sentido, percebemos que a territorialidade é, também, racializada, ou seja, é possível associar o perfil populacional de determinadas regiões da cidade às condições de vida nesse território, numa ligação que nos permite, então, compreender como o planejamento pode servir como ferramenta mantenedora de tais condições. Vamos realizar o simples exercício de avaliar as tonalidades dos mapas a seguir. Ainda não nos atentaremos a outras características. O primeiro mapa apresenta a distribuição da população negra (mapa 2), sendo os bairros com tonalidades mais escuras, aqueles que concentram maiores porcentagens de habitantes negras e negros. O segundo mapa, por sua vez, apresenta a distribuição renda média por domicílio (mapa 3). É, visível como as tonalidades se invertem drasticamente. Os bairros onde há menor poder aquisitivo são povoados, majoritariamente, pela população negra que, por sua vez, é composta em sua maioria por mulheres, como explicado no capítulo anterior. Em seguida, comparemos o mesmo mapa de distribuição de renda só que, agora, com o mapa de distribuição da população não negra (mapa 4) na cidade. As duas imagens apresentam posição e variação de tonalidades intensamente semelhantes, demonstrando que os bairros onde há maior poder aquisitivo são os mesmos que concentram uma população, majoritariamente, branca. “Eu presto muita atenção. Há uma segregação? Há. Porque houve uma época em que você, até hoje se você foi pra ponta da Terra, você tem uma população negra ali [...] mas cada dia
elas ficam mais sufocadas pela especulação imobiliária. Porque as castas elas conseguem sobreviver onde elas acharem que devem. [...] o Murilópólis5, ele se isola ali. Ele consegue se manter onde ele quer. A casta é isso. Ela se mantém onde ela resolve se manter e ela se fecha ali. O resto é periferia. Entendeu? Então, assim, qualquer lugar que eles resolvam, eles vão fazer isso [...] Quando eles não tiram você por um motivo, eles tiram por outro. Eles fazem um comércio. É todo dia alguém chegar aqui e me oferecer 2 milhões nessa casa quando eu sei que ela vale 800, 1 milhão [...] você cede. E essa segregação, ela não é percebida por quem é segregado. A maioria, ela não e percebida. Você simplesmente está. Ninguém percebe porque é que esses espaços são feitos lá longe, para os pobres ficarem [...] é a opção que sobra.” – Vanda Consequentemente, podemos perceber que a distribuição da população na cidade enuncia, também, desigualdades.
De tudo que falamos a respeito da segregação, um elemento que atravessou toda a reflexão sem ter sido, no entanto, desenvolvido: a intervenção do Estado na cidade. Quando falamos do crescimento e transformação da cidade-capital, nos referimos à intervenção e investimento do poder público no espaço. Quando falamos em regiões nobres e não-nobres, nos referimos a espaços equipados com o que há de mais moderno em matéria de serviços urbanos e espaços aonde o Estado investe pouquíssimo na implantação destes mesmos equipamentos. [...] Há, em todos os casos, ação do Estado na cidade, produzindo ou gerindo segregação (ROLNIK, 2009, p.52-53).
5 Loteamento situado entre os bairros Barro Duro e Serraria, onde mais de 50% foi identificada como não-negra.
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0-1 1-2 2-3 3-4 4-5
0 - 25 25 - 50 50 - 75 75 - 100
5 - 10 10 - 15 15 - 20 > 20
Mapa 2 - distribuição da população negra em Maceió(%)
Mapa 3 - rendimento familiar em Maceió (em salários mínimos)
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
OBSERVAÇÃO: dos setores censitários marcados em cinza/branco, não foi possível obter dados do IBGE. Mapa 2 - distribuição da população negra em Maceió (%).
Mapa 3 - rendimento familiar em Maceió (em salários mínimos).
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0-1 1-2 2-3 3-4 4-5
0 - 25 25 - 50 50 - 75 75 - 100
5 - 10 10 - 15 15 - 20 > 20
Mapa 4 - distribuição da população não-negra em Maceió(%)
Mapa 3 - rendimento familiar em Maceió (em salários mínimos)
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
OBSERVAÇÃO: dos setores censitários marcados em cinza/branco, não foi possível obter dados do IBGE. Mapa 4 - distribuição da população não-negra em Maceió (%).
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DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA
25% - 50%
50% - 75%
75% - 100%
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO NÃO-NEGRA
0% - 25%
Esquema 43 –-distribuição da população de Maceió de por Maceió raça. Esquema distribuição da população por raça . Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010). Fonte: Elaborado pela autora a partir de dadosdo IBGE (2010).
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Se, a população negra está presente em bairros de menor poder aquisitivo, sugerindo um processo de segregação socioespacial, vale dizer que é sobre ela, também, que incidem as piores condições de vida. Sendo assim, as estratégias de planejamento urbano são grandes responsáveis na tentativa de minimizar essas iniquidades, garantindo o direito à cidade através da promoção de melhoria de habitabilidade, infraestrutura, mobilidade, acesso a equipamentos de saúde, lazer e educação. “Sueli Carneiro fala muito disso. O abandono da população negra. Por que que se deu esse abandono? Porque no dia 14 de maio6, a população negra ficou ao léu. Não tinha nada pra fazer. Tudo era proibido. Eram “marginais”, não tinham profissão. Então isso daí também contribui. Não tinham preparo nenhum. Um ou outro sabia ler. Então isso foi o marco, né [...] A lei mais seca que já se viu na História: “está promulgada a escravidão no Brasil”. Pronto. Acabou. “Cumpra-se” (risos). Assina e pronto. Acabou. Duas linhas.” – Ângela “Essa disparidade, essa categoria populacional, ela está na periferia, né. E por estar na periferia, não existe políticas eficazes e eficientes, políticas públicas, no tratamento das questões. Da água, do esgoto, da geração de emprego e renda. Então a população está determinada pra morrer.” – Maria Aparecida É, então, relevante ressaltar algumas políticas que foram 6 Referindo-se ao dia seguinte à promulgação da lei de abolição da escravidão.
promovidas no âmbito social e que incidiram diretamente sobre os grupos sociais, no contexto aqui relatado, menos favorecidos. Tabela 1 - principais programas sociais Criado em 2004 com o obje vo de transferência de renda do
BOLSA estado para as famílias mais pobres (na condição de miséria) de FAMÍLIA modo que as mesmas vessem alguma renda auxiliar
(MARINHO, LINHARES e CAMPELO, 2011). O Programa de Erradicação do Trabalho Infan l foi criado com obje vo de potencializar os serviços da assistência social, bem como ar cular ações com outras polí cas públicas, favorecendo a criação de uma agenda intersetorial de PETI erradicação do trabalho infan l, ar culando polí cas como saúde, educação, esporte, cultura, lazer, entre outras (MINISTÉRIO DA CIDADANIA, 2015). Criado em novembro de 2003 com o obje vo de levar energia LUZ PARA elétrica a 10 milhões de brasileiros residentes no meio rural até TODOS o ano de 2008, e dessa forma universalizar o acesso a energia a todas as pessoas (GUIMARÃES, 2011). BRASIL Tem como obje vo promover a superação do analfabe smo entre jovens com 15 anos ou mais, adultos e idosos e contribuir ALFABETIZADO para a universalização do ensino fundamental no Brasil E EJA (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2018). Criado com o obje vo conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação PROUNI específica, em ins tuições privadas de ensino superior (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019). Lançado em 2009 como uma tenta va de solução para o MINHA CASA problema do déficit habitacional, bem como a crise de 2008. MINHA VIDA Em caso de divórcio, casas que ainda não estejam, são transferidas para o nome da mulher (CARVALHO e STEPHAN, 2016). O programa tem o obje vo de expandir e democra zar o PRONATEC ingresso dos jovens e adultos de baixa renda a uma educação técnica de qualidade, por meio da oferta de cursos de educação profissional e tecnológica gratuitos (PRONATEC, 2019). Obje vam diminuir a desigualdade num sistema que privilegia COTAS um grupo social em detrimento de outros, através da reserva SOCIAIS E de vagas em concursos e universidades des nadas às RACIAIS populações negra, indígena e, em alguns casos, pessoas com baixa renda (POLITIZE, 2016).
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Na cidade de Maceió, assim como em outras cidades brasileiras, falar sobre a distribuição populacional e segregação socioespacial, está intrinsecamente ligado à sua geomorfologia e como esta guia os processos de ocupação. Através de uma forte relação, desde sua origem, com grandes corpos d’água, que a entornam e delimitam boa parte de seu território, Maceió se estabelece, inicialmente, em consequência de dinâmicas econômicas e portuárias. E sobre essas dinâmicas, uma das entrevistadas, Larissa, apresenta a seguinte reflexão: “[...] tá muito relacionado às águas também. De ser um lugar de muitas águas. Então, todo mundo que mora nas beiras das águas, na beira da praia, na beira da lagoa, na beira do rio, é uma população que tá sempre protegendo essas águas e recebendo muita pressão do capital mesmo, né. Porque é a força da natureza. Você vai ter uma praia que vai ser vendida, tem um rio que vai ser escoado pra fazer uma hidrelétrica, sei lá, vai ter uma lagoa que virou um depósito de lixo, mas que também tem o principal alimento da cidade, né, que é o sururu. Aí, as mulheres de Alagoas têm uma relação muito forte com as águas. Que é bonita por um lado, mas não sei se é consciente.” – Larissa Formada pelas planícies litorânea e lagunar e o tabuleiro7
7 Tabuleiro pode ser caracterizado por um grande platô que, em Maceió, varia de 5 a 120 metros de acima do mar, onde “há uma rica hidrografia e excelente qualidade das águas subterrâneas” (NETO; SANTOS; LIMA apud CARVALHO, 2012, p.12)
que possuem desníveis que constituem as grotas e encostas8, “o processo de urbanização de Maceió molda-se à sua configuração geomorfológica de modo que seus elementos paisagísticos naturais (oceano Atlântico, lagoa Mundaú e o aglomerado de grotas e encostas a nordeste) limitaram o crescimento urbano a esses elementos (CARVALHO, 2012). No processo de expansão da malha urbana, a população com menor poder aquisitivo se acomodou em áreas rejeitadas pelos mais abastados, ou seja, áreas menos valorizadas, seja pela distância do centro, proximidade com cursos d’água onde se faz mais difícil prover infraestrutura, e áreas de risco ambiental, como os fundos de vale (grotas) e encostas. E, nesses espaços, onde encontra-se essa população, majoritariamente negra, que essas relações descritas por Larissa se estabelecem. Sendo assim, nos é importante refletir sobre esses locais e o que eles representam pra quem os ocupa, de maneira positiva e negativa. “É porque tem o lado bom e o lado ruim de ser grota, assim, o lado ruim é porque pra quem mora na parte de cima, na cidade, você é rato de bueiro. Ninguém lhe vê. Mas, se você mora na grota, você tá mais protegido, porque subir todo mun8 as grotas caracterizam-se por calhas naturais de drenagem e as encostas por falésias, ambas são partes do sistema de drenagem das plataformas dos tabuleiros, conformando um complexo de cerca de 60km de ravinas ou grotas íngremes, estreitas e fundas, ainda parcialmente vegetadas [...] protegidas por leis que vedam seu uso com edificações urbanas, elas vêm sendo progressivamente ocupadas por favelas e loteamentos” (FARIA; CAVALCANTI apud CARVALHO, 2012, p.13)
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do consegue, depende da força, né, subir o morro. Mas descer a grota, cê tem que ser leve. Tem que saber escorregar, sabe? Porque a grota... tem grota que tem escada, mas tem grota que não tem escada. [...] esse terreno de Maceió que cai, que faz uma depressão no caminho, é a geografia do nosso movimento, assim, porque Alagoas tem muitos vales, as águas cortam a cidade. E é uma caraterística de Maceió. Porque a gente tem água e tem duas fronteiras com continente em Alagoas. Que é a fronteira norte com Pernambuco e a fronteira oeste com a Bahia. Mas a fronteira sul e a fronteira leste é água. Então isso é uma outra terra, né. Uma terra que as águas têm força de entrar, assim.” – Larissa Em seu relato, ela demonstra nitidamente a invisibilização gerada por parte de quem habita a cidade tida como formal. No entanto, descreve a importância dessa área para a população que a habita. “Pessoal exclui a parte alta da cidade. Eu considero que Maceió são duas cidades dentro de uma. É... a parte alta, que é a parte mais periférica, não tem tanto acesso à parte baixa, que é a parte mais turística, né. Acho que já pra esconder um pouco dessa outra Maceió, dessa outra realidade.” – Pâmela
Mapa 5 - principais composições geomorfológicas de Maceió. Fonte: adaptado por Alexandra Carvalho a partir de LINS (2010)
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No geral, a relação com a geomorfologia, torna a segregação social ainda mais visível em Maceió. Apesar de serem protegidas por lei, grotas e encostas são cada vez mais ocupadas por uma população que vê-se desassistida pelo poder público. Nesse processo, mulheres negras, que são a maior parte da população mais pobre, e sobre as quais incidem diversas cargas de opressão, se mostram como um grupo que necessita de atenção no sentido de pensar políticas públicas e ações que garantam o direito à cidade, infraestrutura básica e condições de moradia de qualidade. Dividido em 5 eixos que, apesar de diferentes, interligam-se a todo o tempo, delineados por uma teia de dinâmicas da vida urbana – infraestrutura local e habitação, mobilidade, saúde, lazer, educação, e emprego e renda – o diagnóstico a seguir apresenta diversos mapas temáticos e trechos de conversas realizadas com o grupo focal de mulheres que habitam a cidade, ativistas, que retratam a realidade desse grupo social a partir da discussão sobre o acesso adequado, ou não, aos cinco itens supracitados, tão essenciais à vida urbana, buscando compreender a relação da mulher negra maceioense com a cidade.
“Lá e cá, do quilombo à favela, os nós de uma teia urbana racialmente hierarquizada denunciam perversas continuidades. Áreas dotadas de melhor infraestrutura e de maior capital político, são as casas-grandes contemporâneas. Enquanto isso, a precariedade das periferias evoca as senzalas de outrora. Não por acaso o hip-hop as vem designando “periafricanias”, pois, nelas, a presença afrodescendente é escancarada. A atitude crítica do hip-hop desvenda, assim, uma territorialidade fragmentada, excludente e segregadora, questiona o lugar da/o negra/o na sociedade e transforma esses territórios em espaços de resistência e esperança: os quilombos do século 21.” BERTH, MOASSAB e HOSHINO (2016) 55
2.2.1 INFRAESTRUTURA LOCAL E HABITAÇÃO Qualificar a infraestrutura local e forma de habitar de determinado grupo social, requer que entendamos o contexto que o levou a ocupar diferentes locais na cidade. Se, o povo negro é marcado pela escravização, os resquícios da abolição tardia, ainda recaem sobre suas vidas e, consequentemente, sobre os espaços que habitam. Desse modo, as dinâmicas atuais e o contexto histórico são indissociáveis para compreensão dessa habitabilidade. Em 1931, Craveiro Costa elaborou um livro que trazia a caracterização do Estado de Alagoas a partir de diversos elementos. Segundo ele, em 1860, a publicação de um recenseamento mostrava que a população de Alagoas consistia em 250.110 habitantes dos quais 44.714 formavam a população escravizada, ou seja, 17,8% do total de habitantes. Em 1872, dezesseis anos antes da abolição da escravidão, a população de escravizados correspondia a 35.741 pessoas, 10,2% da população total (348.009), um número ainda alto, dos quais 49,8% eram mulheres. Se sabemos que essas pessoas, ao fim da escravização, não obtiveram garantias ou assistência relacionadas às condições básicas de vida, cabe-nos questionar para onde foi essa população após esse período e quais impactos incidem, ainda hoje, sobre seus descendentes. Analisando os bairros ocupados, majoritariamente, pela população negra, é notável que, quanto mais às margens do mapa, maior é a porcentagem da população negra moradora 56
MAGALHÃES, 2019
daquele lugar (ver esquema 1). Os bairros que possuem setores censitários com mais de 75% de moradores negras e negros são: Antares, Benedito Bentes, Chã de Bebedouro, Chã da Jaqueira, Cidade Universitária, Clima Bom, Feitosa, Fernão Velho, Garça Torta, Ipioca, Jacarecica, Jacintinho, Levada, Mutange, Ponta Grossa, Prado, Riacho Doce, Rio Novo, Santa Lúcia, São Jorge, Santo Amaro, Tabuleiro do Martins, Trapiche e Vergel do Lago, locais onde podemos observar os menores rendimentos por domicílio (ver mapa 7).
Enquanto, os setores censitários com maior concentração de pessoas não-negras reduzem-se à orla litorânea no bairro da Ponta Verde e ao condomínio Aldebaran, no Jardim Petrópolis, espaços altamente elitizados que concentram as maiores rendas por domicílio:
Mapa 7 - comparação entre maiores concentrações de pessoas não-negras e concentração de renda em Maceió Fonte: elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
Mapa 6 - bairros com setores censitários de Maceió que possuem mais de 75% da população negra Fonte: elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
Nos ateremos agora às informações sobre os locais onde há menor poder aquisitivo. Se falamos de locais onde a renda familiar é relativamente baixa, devemos nos atentar ao fato de que esses bairros possuem, muitas vezes, precariedade ou falta de assistência técnica em suas edificações. Nesse sentido, garantir que haja assistência mínima é essencial para melhoria da qualidade vida. E, ainda, pensando que em muitos casos, mulheres são as responsáveis pelo lar (ver mapa 8), fomentar programas 57
que promovam oficinas de construção civil, por exemplo, com essas mulheres, pode ser uma medida muito eficaz que, além de promover melhorias na habitabilidade, serve como ferramenta de maior autonomia a esse grupo social.
Sobre os locais onde essa população reside, é importante também observar que existem muitos casos em que essas habitações encontram-se em áreas de alto risco ou extremamente precárias, como as encostas e grotas, ambas áreas com alta declividade onde a população de menor poder aquisitivo, muitas vezes reside sob pena de, a qualquer momento, sofrer com possíveis deslizamentos. Sabe-se que: Do ponto de vista sócio-espacial a maioria das cidades brasileiras, em dado momento, experimenta a cisão que origina duas faces: uma formal e teoricamente pautada em conceitos urbanísticos e legais, e outra cidade – a dos economicamente desfavorecidos – que se explicita mais evidentemente na precariedade e na informalidade das favelas. São os assentamentos que ocupam os vazios urbanos, quase sempre em áreas legalmente declaradas “impróprias à edificação”, já que são áreas inundáveis ou com grandes declividades e sem interesse para o mercado imobiliário, quer seja nas periferias ou nas regiões centrais das cidades, desvalorizadas em função de fragilidades ambientais ou da existência de restrições de usos e a ocupação (LIMA, 2009, p.70)
Em Maceió, alguns locais nessas condições fazem parte, segundo a divisão territorial do plano diretor (2006), da macrozona de restrição à ocupação, sendo:
Mapa 8 - mulheres responsáveis por domicílio em Maceió Fonte: elaborado pela autora a partir de dados do IBGE (2010).
I – na planície costeira e flúvio-lagunar: a) áreas de fragilidade ambiental com deficiências de infra-estrutura urbana e baixa intensidade de ocupação urbana; b) áreas de fragilidade ambiental que necessitam de restrição ao uso e à ocupação urbana para se compati-
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bilizarem à capacidade de suporte físico natural; c) áreas em situação de risco ambiental pela proximidade ao complexo cloroquímico do Pontal da Barra; II – no tabuleiro: a) áreas de mananciais ou bacias de recarga cujas condições ambientais exigem controle na ocupação e nas atividades a serem implantadas; b) áreas com restrições legais ou institucionais à ocupação urbana; III – nas encostas, áreas com declividade superior a 17o (dezessete graus) e inferior a 45º (quarenta e cinco graus), (Plano diretor de Maceió, 2006, p.52).
Compõem esta macrozona os bairros: Pontal da Barra, Pescaria, Ipioca e parte dos bairros Bebedouro, Fernão Velho, Rio Novo e Riacho Doce (planície costeira e flúvio-lagunar), os bairros de Pescaria e Ipioca e parte dos bairros de Cidade Universitária, Petrópolis, Santa Lúcia, Jardim Petrópolis, Tabuleiro, Pinheiro, Benedito Bentes, e Riacho Doce. Além disso, há bairros que compõem a macrozona prioritária para implantação de infraestrutura urbana, locais que possuem grande parte de sua população em vulnerabilidade social, para qual, segundo o plano diretor (2006, p.41) “compete ao município de Maceió promover habitação de interesse social”. Os bairros que compõem esta categoria são: § 2o. Os bairros de Ponta Grossa, Vergel do Lago, Levada, Bom Parto, Bebedouro, Mutange e parte do bairro Trapiche e Chã da Jaqueira integram a Macrozona Prioritária para Implantação de Infra-Estrutura Urbana na planície costeira e flúvio-lagunar.
§ 3o. Os bairros de Ouro Preto, Canaã, Santo Amaro, Santos Dumont, Clima Bom, Jacintinho e parte dos bairros de Pinheiro, Farol, Feitosa, Petrópolis, Santa Lúcia, Tabuleiro, Chã da Jaqueira e Rio Novo integram a Macrozona Prioritária para Implantação de Infra-Estrutura Urbana no tabuleiro (Plano diretor de Maceió, 2006, p.51).
Sendo assim, são necessárias ações que articulem demandas geográficas e sociais, garantindo melhoria de qualidade de vida, de infraestrutura e cuidado ambiental que tomem como partido as relações que as pessoas, em especial, as mulheres, dadas as questões adicionais de suas dinâmicas de vida, têm com a cidade, os locais que habitam, e a vizinhança. Quando perguntada sobre a relação com um dos bairros onde morou, Larissa relembra a importante relação de trabalho e de vizinhança da comunidade no Vale do Reginaldo, marcado por uma alta ocupação de um vale inserido na bacia hidrográfica do riacho Reginaldo, permeado, principalmente, pelos bairros Jacintinho, Feitosa e Farol, e passando também entre a Gruta de Lourdes e Barro Duro, “composto por vários aglomerados subnormais no entorno da bacia hidrográfica do Reginaldo, constituindo habitações de infraestrutura precárias, [...] irregularidade no traçado e a ilegalidade fundiária, urbanística e edilícia” (ALAGOAS, 2015, p.35). “Eu disse mais cedo que eu morava no Vale do Reginaldo. Meu primeiro ano foi no Vale do Reginaldo. E o Vale do Reginaldo é um vale que conecta da praia até o Feitosa, a rodoviária, 59
passa lá. Lá a gente tinha comunidade. Os vizinhos eram próximos. Tinham brigas de vizinhos, minha mãe conta [...] Mas ela tirou a gente de lá porque o Reginaldo é um lugar criminalizado. Ela não queria que a gente crescesse nesse lugar. Então, ela levou a gente pro meio do canavial, que é o Graciliano em 1996. Nada. Nem nada nem ninguém. E ela ganhou esse terreno da patroa dela e ela pegou a oportunidade e foi pra lá [...] pra minha mãe que sempre morou com a comunidade perto, isso dá uma sensação de solidão, assim, que é devastadora, né. Mas, esse sacrifício deu um pulo da gente que foi o de estar perto da universidade [...] o Reginaldo tem comunidade. Onde eu moro agora não tem comunidade. Eu moro numa rua. É a minha rua, mas não tem o meu bairro. [...] E aí a diferença de vizinhança é que, os lugares longe das águas, não sustentam famílias. Porque as periferias mais conhecidas de Maceió, criminalmente ou culturalmente também [...] mas nesses lugares que são longe da água, não tem como o ambiente sustentar as pessoas. Porque é da água que a galera tira o sustento. É o sururu, é o peixe. Enfim, é vender lata de refrigerante na praia. Muita coisa acontece na lagoa, assim, perto da água, né. E aí, a cidade alta, não aglomerava a gente antes porque, com as condições que o Estado dava, não dava pra sobreviver. A cidade alta de Maceió foi habitada depois que, por exemplo, no governo do PT, as coisas ficaram mais democráticas, né, entre aspas. Então, o pobre tem direito à casa. Então os conjuntos habitacionais foram sendo feitos na cidade alta. Aí, cê tem vizinho de prédio na cidade alta. Que não é o meu caso, mas a visão de como eu vi desenvolver a região. De lugares que
eu ia brincar dentro do mato quando eu era criança e hoje em dia é um terreno de fazer um condomínio Minha Casa Minha Vida. E aí cê tem um fluxo de carro maior na rua de barro porque o povo tá indo pro condomínio... mas é uma vida tecnológica. As pessoas têm outros empregos. São funcionários públicos, essas coisas assim. E aí cê não tem um solo fértil pra cultura. Essas pessoas estão distantes da raíz, assim, né. Então, a cidade alta, a vida noturna é pior do que de perto da praia. Porque a cultura não consegue fertilizar num prédio.” – Larissa Nesse mesmo sentido, Pâmela relembra um caso ocorrido na cidade que a marcou: “Eu vejo que a maior parte da arquitetura... quando eles fazem esse planejamento, levantamento de urbanismo... um exemplo é quando fizeram aqui a Vila dos Pescadores9, que derrubaram... eu fiquei sabendo da história. A pessoa que fez o plano dos prédios e das novas casas, que sabia que, sim, eles tinham uma demanda por conta da precariedade, por conta das residências daquelas pessoas que moravam na Vila dos Pesca9 Referindo-se ao emblemático caso da Vila dos Pescadores, conhecida também como Favela do Jaraguá, que situava-se à beira da praia no bairro do Jaraguá e teve sua população removida e, parte dela, realocada para outro bairro, o que gerou grande polêmica. ”As mulheres que costumavam conciliar o trabalho com as atividades domésticas foram as que mais sentiram, porque na vila faziam as duas coisas, enquanto que a transferência as afastou do controle do dia a dia da casa. Outro aspecto é o horário de trabalho. Os pescadores saíam muito cedo para o mar, cerca de quatro horas da manhã, e isto implicava perigo de assalto no trajeto, para os que vinham a pé, ou acidente ciclístico, para os que vinham de bicicleta, visto não ter ciclovia entre a comunidade e o novo condomínio.” (PEREIRA, 2015, p.106)
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dores, não pensou em nenhum momento no sustento daquelas pessoas, em como que elas se mantinham em Maceió. Que tipo de trabalho elas exerciam. Então, levaram elas pra bem longe e distante numa área que não dá acesso pra elas continuarem exercendo a profissão e que não deu suporte nenhum de permanência, de outros meios de sobrevivência pra essas pessoas [...] Eles pensam cada vez mais em separar e afastar essas pessoas. Sem que elas tenham como se manter [...] teria como fazer ou pensar em um outro lugar da cidade que desse esse mesmo suporte, mantesse as pessoas ainda próximas das profissões delas, do que elas exercem enquanto vida, sabe? Conscientização. Daria, sabe? Pra não fazer isso [...] E seria questão da gente levantar a renda familiar. O pessoal fala de agricultura familiar, mas seria dar suporte pra essas pessoas permanecerem nesse espaço, mas com qualidade de vida. Não segregando mais. Não separando elas cada vez mais. Fazendo com que elas tivessem mais subsistência pra que elas conseguissem viver, de fato, daquilo, não por falta de opção.” – Pâmela Os relatos acima são importantes para refletirmos sobre como ações que não consideram esses vínculos, sejam de atividades que gerem renda em determinadas áreas da cidade ou entre as pessoas de uma comunidade em si, podem ter efeitos negativos sobre às pessoas. É interessante perceber que, apesar dos diversos problemas de infraestrutura encontrados no local, existe uma relação de afeto intensa que precisa ser notada ao passo que também entendemos a história que decorre dessa ocupação. Porém, apesar de ser extremamente necessário pen-
sarmos sobre essa sensação de pertencimento e relações de trabalho e culturais com o local ao propor intervenções, ainda assim é essencial pensar sobre os possíveis riscos à segurança em algumas ocupações e buscar, de maneira efetiva, mitigar esses problemas, conciliando todas as questões. No entanto, o bom senso de refletir sobre essas dinâmicas, concomitantemente, não acontece, uma vez que habitações de interesse social, por exemplo, costumam ser implantadas em locais distanciados de centralidades, promovendo fragmentação da malha urbana através da inacessibilidade, espraiamento da cidade e desconsideração das relações pessoais com o espaço citadino. Nesse viés, essa população vê-se, mais uma vez, desassistida pelo poder público. Para Maricato (2003): A segregação urbana ou ambiental é uma das faces mais importantes da desigualdade social e parte promotora da mesma. À dificuldade de acesso aos serviços e infra-estrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) somam-se menos oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável (MARICATO, 2003, p.2).
“Eles [programas de moradia] podem ajudar, mas seria nesse mesmo olhar, sabe? De pra onde a gente tá colocando essas pessoas, porque aqui a gente tem uma parte, um conjunto no 61
Eustáquio10, chamado Jardim... não sei. Mas que a maioria dessas casas foi devido a esse programa Minha Casa Minha Vida. Só que lá não tem um hospital, não tem uma escola, não tem tanto acesso às outras coisas. Suporte básico de saúde também, pode-se dizer que não tem. E as escolas são poucas, eu acho, pra atender à demanda daquele lugar, daquele espaço. E principalmente a questão da saúde, assim, tem uma UPA, eu acho, aqui por cima que é a do Biu [Benedito Bentes], que é mais procurada. O posto de saúde não funciona direito. Então, quando eles deslocam essas pessoas pra lá, apesar dela ter a casa, ter o saneamento básico, ter acesso a essas coisas mínimas de vida, outros acabam deixando a desejar, essas outras políticas públicas maiores. Que é acesso à saúde, ao transporte, á educação, à lazer, que não acontece. Eles não dão espaço. Essas coisas não são pensadas.” – Pâmela Infraestrutura adequada é essencial para facilitar e dar qualidade de vida no usufruto da cidade. Se, serviços básicos não são garantidos a 100% da população numa lógica que beneficia, primeiramente, aqueles que detêm maior poder aquisitivo e, portanto, podem pagar por locais dotados de maior infraestrutura, significa que uma série de consequências são sofridas por aqueles que não possuem os mesmos privilégios e ocupam, portanto, locais da cidade mais precarizados.
zes com infraestrutura básica e equipamentos sociais, eles ainda são marcados por precariedades – presentes na má qualidade dos serviços públicos, na escassez de urbanismo, na lista dos artefatos urbanos ainda por fazer ou obter – e por um estigma territorial persistente (ROLNIK, 2015, p.266).
Ao analisar os mapas de infraestrutura básica na cidade de Maceió e sobrepor suas informações, foi possível identificar bairros que sofrem de maneira mais intensa com a precarização desses itens. Articulando com o mapa de mulheres responsáveis pelo domicílio e distribuição da população negra, destacam-se, nesta ordem: Benedito Bentes, Santa Lúcia, Jacintinho, Riacho Doce e Clima Bom (ver mapa 9). Esses bairros possuem a maior quantidade de setores censitários que sofrem com a precarização da infraestrutura básica, maioria de população negra e, também, grande quantidade de mulheres responsáveis pelo domicílio sendo no bairro do Benedito Bentes o maior destaque (ver mapa 8). Nessa lógica, essas mulheres, que possuem diversas jornadas, e tarefas produtivas e reprodutivas, acabam tendo que lidar com a sobrecarga e as dificuldades advindas da falta de infraestrutura.
[...] “periferia” e “favela” são ainda categorias urbanísticas e culturais fortes. Apesar dos investimentos acumulados nesses assentamentos, que contam muitas ve10 Loteamento localizado no bairro Cidade Universitária.
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Benedito Bentes Riacho Doce Clima Bom Santa Lúcia Mapa 10 - locais com menor abastecimento de água por rede distribuidora (0% a 25%)
Mapa 11 - locais com menor iluminação pública (0% a 25%)
Mapa 12 - locais com menor coleta de lixo (0% a 25%)
Mapa 13 - locais com menor esgotamento sanitário (0% a 25%)
Jacintinho
Mapa 9 - bairros de Maceió que possuem setores censitários com piores condições de infraestrutura(de acordo com intensidade de cor) Fonte: Elaborado pela autora a partir do entrecruzamento de dados do IBGE (2010)
Mapa 14 - locais com menor pavimentação (0% a 25%)
Mapa 16 - locais com esgoto a céu aberto (50% a 100%)
Mapa 15 - locais com menor quantidade de calçadas (0% a 25%)
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Mapa 17 - locais com despejo de lixo na rua (50% a 100%)
Fonte: mapas elaborados pela autora a partir de dados do IBGE (2010)
Foram identificadas nesses bairros, lacunas relacionadas ao abastecimento de água, iluminação pública, coleta de lixo, esgotamento sanitário, pavimentação e calçadas. A tabela a seguir apresenta a identificação de problemas relacionados aos itens relacionados em cada um dos bairros supracitados: Tabela 2 – problemas relacionados à infraestrutura
A tabela nos mostra que os bairros Benedito Bentes e Jacintinho concentram a maior quantidade de problemas relacionados à infraestrutura e se destacam por possuir diversos setores censitários mais de 50% dos domicílios com mulheres sendo as responsáveis. Todos esses bairros possuem a maioria de sua população negra (com maioria de setores censitários acima de 50% e 75%). Na prática, as consequências sofridas pelos problemas de
infraestrutura, afetam diretamente o cotidiano de quem ocupa as áreas aqui destacadas. Vemos, nessa malha racializada, como a experiência de viver em um local desassistido pelo poder público, destinado àqueles com menor poder aquisitivo, incide de maneira a prejudicar o acesso à cidade e a vida doméstica em si. Pensando nos elementos de infraestrutura analisados, é possível perceber que, quando não são adequadas, essas condições podem afetar diversas esferas da vida de quem habita determinado local. Em 2016, foi registrado pela PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada) que 25,2% das populações femininas em Alagoas moravam em domicílios sem acesso à água tratada pela rede de distribuição, (BRK AMBIENTAL E INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016). A falta de fornecimento de água potável e esgotamento sanitário, por exemplo, são fatores que se relacionam diretamente com a saúde e, portanto, afetam a fortemente a vida das mulheres negras, maioria nos locais onde não há esse tipo de serviço. Além das possibilidades de doenças e infecções advindas falta de saneamento básico, enquanto cuidadoras do lar e, consequentemente, cuidadoras dos familiares que adoecem, as essas mulheres tem ainda mais chances de terem sua saúde afetada, seja pelas condições de higiene prejudicadas pela falta do saneamento adequado que afetam a forma como ocorrem esses cuidados com um familiar doente, seja por lidar diretamente falta d’água, lixo e outros dejetos nas funções domésticas a elas atribuídas (BRK AMBIENTAL E INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016). A falta de saneamento adequado é muito mais impactante 64
do que se possa imaginar. Tem profunda relação com a dinâmica de mulheres que veem suas rotinas prejudicadas, além do aumento dos riscos à saúde que podem afetar, também, sua relação com emprego e escola. O relatório mulheres & saneamento (2016) destacou que: A carência de saneamento afetou diretamente a vida das mulheres, alterando a forma como elas organizaram o seu tempo entre as atividades e limitando seu potencial de renda na economia. Em sentido amplo, a carência de saneamento básico limitou o bem-estar das mulheres, comprometendo sua saúde, sua educação e suas atividades domésticas e econômicas (BRK AMBIENTAL E INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016, p.44).
Ademais, ressalta-se a importância de considerar a universalização do acesso ao saneamento como um importante fator redutor de desigualdades: Por fim, vale observar que a redução da pobreza não seria o único efeito para as gerações de jovens brasileiras. A universalização traria uma redução do atraso escolar e uma melhora no desempenho das mulheres nos estudos. Esses efeitos também impactariam sobre a produtividade das jovens brasileiras, elevando ainda mais o potencial de renda das mulheres brasileiras no futuro (BRK AMBIENTAL E INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016, p.49).
Quanto aos outros elementos referentes à infraestrutura, é válido destacar a importância de iluminação pública eficaz, tendo em vista a segurança das mulheres que, como já citado, são vítimas de constantes assédios e, por medo da violação de
seus corpos, veem-se obrigadas a alterar trajetos comuns através de desvios e o aumento desses percursos que, através de iluminação pública de qualidade, poderiam garantir, minimamente, a segurança dessas usuárias no sentido de coibir possíveis assédios. Nesses percursos, vale ressaltar que calçadas e pavimentação, adequadas são essenciais na garantia de qualidade de vida, fundamentais também à mobilidade. “Desde muito nova eu fui morar no loteamento Aracauã, que é entre o Village, Graciliano11 e o Benedito Bentes. E aí eu moro lá há 21 anos, mais ou menos. E sempre foi do mesmo jeito, assim. No máximo, mudou que tem energia elétrica agora, mas é de barro, tem três ruas no loteamento, é... não passa ônibus também, né, próximo. Ou a gente pega ônibus no Graciliano ou pega ônibus no Biu [Benedito Bentes]. E aí, tipo assim, só tem casa de um lado da rua e do outro lado, até meus quinze anos, era um canavial. Aí tem um muro bem grande e um canavial, aí você entra no loteamento e eu moro na segunda rua desse loteamento. É uma rua sem saída, escuto os grilos (risos) [...] É bem perigoso. ´[...] Chegou a rede esgoto, eu lembro, eu já era grande quando chegou. Mas, assim, minha casa não tem uma iluminação pública. Meu pai que fez a iluminação da rua.” - Larissa Atreladas à eficiência desses elementos básicos de infraestrutura, outras medidas podem ser tomadas em prol da se11 Aracauã é um desmembramento, Village e Graciliano são loteamentos. Todos localizados no bairro Cidade Universitária.
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gurança das transeuntes, seja através da maior concentração de pessoas nas ruas, bem como a utilização de fachadas ativas, quando o térreo das edificações funciona como comércio, tornando o que, antes poderia ser um portão ou um muro, em um ambiente que naturalmente vai agregar pessoas e ser, também, um ponto de segurança para quem passa, garantindo vigilância natural (JACOBS, 2011). Sobre as habitações em si, é importante pensar que estas, inseridas nos bairros com infraestrutura inadequada, fazem parte da problemática. Observa-se, por exemplo, que a grande maioria das casas nesses bairros precários não são planejadas por profissionais, não obedecem recuos mínimos e, muitas vezes, são extremamente pequenas e, portanto, não conferem as condições adequadas á habitabilidade. Fator que faz com que a rua torne-se uma extensão da casa no sentido de servir como um anexo onde crianças podem brincar, por exemplo, pela falta de espaço interno e/ou ventilação adequada, o que torna necessário pensarmos também em espaços nesses bairros sob as perspectivas dessas crianças. É nesse sentido também que se estabelecem relações de vizinhança que vemos presentes em alguns relatos e nos fragmentos já citados de Maria Carolina de Jesus. “Estava secretaria e tive uma companheira que foi olhar um apartamento para eu sair dessa casa [Jacintinho], eu pensei que ela tinha alugado ou comprado o apartamento para ela e ela disse que não, que era para mim porque era um absurdo: “como era que eu ia continuar como secretaria e criar meu filho
aqui?” E eu disse para ela que eu nunca pensei em sair daqui. [...] a gente tá aqui há 39 anos e todo, quase 90% do meu dinheiro fica aqui nesse bairro, eu só compro as coisas aqui que é com as pessoas que quando vamos ver são todos negros. O meu dinheiro fica aqui e eu vou fortalecer eles [...] É logico, por que que eu vou comprar? Por que que eu vou dar meu dinheiro para eles que me massacram todo o dia, eu não vou, eu não. É homem negro e, se tiver mulher, primeiro elas. E eu tenho telefone delas, eu sei da vida delas, eu dou presente e elas dão presentes a mim, tem toda um relação... Eu ligo e vou só buscar, eu digo como quero e elas têm o maior cuidado de fazer as coisas porque elas são tratadas como pessoas, não é aquela coisa mecânica de comprar e pagar, não, não é assim, entendeu? [...] o vizinho que vendeu a casa agora ele dizia pra mim sempre: “digo: a minha vizinha é secretaria”. Era de um orgulho, entendeu? Eu via a piveta, então isso era muito interessante porque você começa a ter possibilidade de ser espelho para outras. Como você vai exigir se você não é o espelho de outa pessoa? Ela precisa saber que tem possibilidade de mudar isso [...] acho que isso você tem que ter sempre vigilância, para não falhar não dar cartucho aos que já tem demais porque podem me matar e matar os meus, entendeu? Quando a gente perceber esse poder que a gente tem a gente vira o jogo. E não vira o jogo para matá-los, massacrá-los, nada disso, a gente vira o jogo para ser independente deles, para tirar essa coisa de que nós não somos capazes que a gente não tem condições [...] aqui minha porta é aberta, não tem problema não, porque eles me conhecem. Eles não roubam por ética ao vizinho, eles descem. Então tem toda essa coisa, engrenagem que você precisa entender porque a se66
gregação, porque você se apoia. [...] Quando eu vim pra cá a única pessoa que tinha telefone era eu, aqui em casa. Era o telefone de todo mundo. Todo mundo usava o telefone aqui de casa [...] tudo. Era coletivo. Você não vê isso em lugar nenhum, só na periferia. Não é? [...] então a gente que é possível ser solidária. Alguém grita, sai todo mundo na rua. Todo mundo na rua, pra ver o que foi. Bate na porta pra saber o que foi, pra ver se tá tudo bem. Cê não vê isso no apartamento de ninguém. As pessoas apanham, morrem... Então, tem toda uma dinâmica de cooperação que você só vê na periferia. Eu acho muito interessante. Essa cidade precisa ser desse jeito sem a necessidade. Que essa solidariedade precisa permanecer, e eu acredito que ela não permanece porque você não alimenta quando você não precisa. Pra mim, isso é a prática que eu exercito sempre. Eu não preciso, mas eu faço. Porque isso é o que me fortalece, que me faz bem, me mantém viva. Saber entrar no bar e saber o nome da pessoa que me atende. O cara do lixeiro eu sei o nome, o vigia eu sei o nome. Eu bato papo. Eu converso. [...] Cidade sustentável, fantástica, perfeita, é uma cidade onde as pessoas se respeitem, onde as pessoas saibam umas das outras – claro que com toda a ética e limite do que tem que saber – que procure saber do outro, que ajude o outro quando necessário e que tenha toda uma estrutura de estado, não de governo, de estado que propicie o bem estar dessa população, dentro do que ela pode e sabe fazer, também tem isso. Você não pode chegar num quilombo e exigir que elas façam o que a gente faz.
É outra cultura, é outra forma de vida que tem se quer respeitada e potencializada. Porque, se potencializada, elas vão viver porque elas vivem até hoje estavam lá desde a escravidão. São resistentes. Conseguem, né. E é isso também que faz o racismo não nos perder de vista, porque a gente resiste. O tempo inteiro.” - Vanda
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2.2.2 MOBILIDADE A mobilidade é elemento essencial da vida urbana. Analisá-la, requer que entendamos que públicos diferentes têm necessidades diferentes com relação às suas dinâmicas, formas e objetivos ao se deslocar pela cidade. Numa análise interseccional, é facilmente perceptível que, quando nos referimos ao gênero, as iniquidades enxergadas na mobilidade são pautadas, prioritariamente, nas violências e assédios vividos em relação aos seus corpos e, quando falamos em raça, esses deslocamentos são pautados pelo receio do racismo que mata, diariamente, pessoas negras. Sendo assim, as mulheres negras têm, em sua relação com a cidade, o entrecruzamento de diversos receios. “Muitas evitam ocupar certos espaços e de transitar à noite, ou depois de certo horário, sozinha. E isso dificulta porque cria um sistema de pânico, assim. As pessoas têm medo. As mulheres, principalmente, têm medo, de andar sozinha à noite, porque elas sabem que vão ser assediadas. E não é, elas acham... elas vão ser. Se acontecer de encontrar algum outro homem na rua, por ela estar sozinha, dependendo da roupa que ela está vestida, eles acham que se sentem no direito de colocar um medo sobre elas. Só a presença dele já causa isso. Justamente só porque é uma mulher. Então, tem muitas que não saem, dependendo... deixam de usar roupa que elas gostam... deixam de fazer coisas que elas gostam, que elas gostariam de vivenciar. Coisas que gostariam de estudar, lugares que gostariam de ir 68
MAGALHÃES, 2019
pra dançar, por conta do assédio.” – Pâmela Se, pelo viés do gênero, tem-se o aumento da jornada diária pelas diversas tarefas produtivas e reprodutivas desempenhadas pelas mulheres, pelo viés racial, essas mesmas jornadas tornam-se ainda maiores por conta da falta de possibilidades e oportunidades. Se mulheres negras são maioria entre pessoas com menor poder aquisitivo, são elas também que mais são prejudicadas com a ineficiência sistema de transporte coletivo. Além disso, são ainda mais suscetíveis aos medos de violência sexual nesses mesmos espaços. A infraestrutura, tanto urbana como de transportes, age como limitador por não estar adaptada as diferenças e reproduz um sistema homogêneo, pendular e que por vezes não atende as pessoas que não saem no horário de pico. Os meios de transporte inadequados não estão adaptados a conjugar as múltiplas tarefas que incidem sobre as mulheres (PONTES, 2016).
Atrelado às questões de insegurança, falta de infraestrutura e acesso a determinados equipamentos urbanos, os trajetos realizados por mulheres em suas dupla ou tripla jornadas, prolongam-se, guiados por desvios e paradas, questões acentuadas pelo planejamento urbano quando este não considera essas especificidades. Nesse contexto: Os atuais meios de transporte poderiam apresentar autonomia na forma como os indivíduos distribuem seu tempo, para um melhor aproveitamento. No entanto, o tempo da vida urbana é um privilégio que apenas al-
guns grupos sociais mais abastados podem desfrutar, devido ao acesso restrito a seus meios de transporte (geralmente o carro individual) e a proximidade entre suas residências e os equipamentos e serviços mais essenciais, que resultam na redução de tempo e distância de deslocamento (ELVIR, 2017, p.15).
Entendendo a mobilidade urbana como elemento intensificador da segregação espacial, a depender de sua funcionalidade, é válido ressaltar que: A segregação social por classe, na mobilidade urbana, se manifesta nas distintas condições de acessibilidade a determinados pontos no espaço urbano em detrimento da tecnologia dos transportes oferecidos, a infraestrutura de deslocamento de ditos transportes e a proximidade das moradias às áreas de serviço e lazer que determinam a quantidade de tempo gasto pelas pessoas se deslocando de um lugar a outro. Nesse sentido, os transportes têm sido os maiores modeladores do espaço urbano (VILLAÇA apud ELVIR, 2017, p.71).
Portanto, é compreensível a relevância desse quesito como elemento potencializador de qualidade de vida, quando pensando a partir de uma perspectiva interseccional. Partindo disto, sobre a mobilidade através do transporte público, vale ressaltar dois importantes elementos que beneficiam o cotidiano das mulheres usuárias desse modal. O primeiro deles é a faixa azul que designa uma via exclusiva para os ônibus em parte do eixo estruturante da cidade. Essa via se mostra extremamente eficaz no sentido de reduzir o tempo gasto com deslocamento, algo que para as mulheres que desempenham diversas jorna69
das, torna-se fundamental. O segundo é a lei da parada segura, que desde setembro de 2017, permite que a partir das 20h mulheres possam descer do ônibus em locais fora dos pontos de parada, desde dentro do percurso: Art. 1º - Fica criada no transporte coletivo de Maceió a Parada Segura para desembarque de mulheres no horário a partir de 20 horas até o último coletivo, em áreas consideradas de risco a integridade feminina. Art. 2º - Parada Segura é o local, no itinerário do transporte coletivo, sem qualquer desvio de rota, escolhido pela mulher como o mais seguro para desembarcar. Parágrafo Único – O motorista é obrigado a parar o transporte coletivo, seja ônibus, micro-ônibus ou qualquer outro que atue com concessão da Prefeitura, para desembarque de mulher de qualquer idade, no local indicado por ela (NELMA, 2017).
Entretanto, a lei nem sempre é respeitada, por isso, é necessário que cada vez mais mulheres saibam desse direito e cobrem, efetivamente, seu cumprimento, demonstrando a importância de campanhas de divulgação e conscientização, tanto das usuárias quanto dos funcionários. “Mas também tem muito cobrador, muito motorista que não respeita, quando vê que é uma mulher que tá no ponto [...] ele poderia parar fora do ponto, né. Tem uns motoristas que não respeitam. Até quando tá com criança de colo, eles vão parar só no ponto. Eles não param antes ou depois pra uma mãe. Mesmo existindo essa lei da parada, tem motorista que não faz isso. Eles acham que é falta de respeito com eles e com o traba-
lho deles.” – Pâmela Estratégias como a lei da parada segura e a faixa azul, quando efetivas e respeitadas, podem funcionar como medidas redutoras de iniquidades, uma vez que a maneira como a mobilidade é pensada pode, muitas vezes, reforçar as desigualdades. Cidades pensadas somente para quem tem automóveis, por exemplo, no sentido de direcionar os maiores investimentos para esse tipo de deslocamento são, por si só, uma forma de segregação, tendo em vista que, possuir e se deslocar com um transporte particular está ligado ao poder aquisitivo. Sendo assim: Algumas partes da cidade, sobretudo onde estão situados os principais equipamentos públicos e serviços, foram delimitadas para serem acessadas exclusivamente pelo automóvel - meio de transporte que, em certa medida, tem sido responsável pela segregação social em termos de mobilidade (ELVIR, 2017, p.14).
Composta por um eixo estruturante, que parte do entroncamento de duas vias federais, a área urbana de Maceió é disposta em uma malha que possui algumas vias principais sobre as quais a maior parte dos deslocamentos, principalmente entre tabuleiro-planície, são realizados. Essas vias levam os habitantes da “parte alta da cidade” (tabuleiro acima) ao centro e área litorânea, por exemplo, ou no sentido inverso, leva aquelas e aqueles que habitam a “parte baixa” (planície), ao tabuleiro. Nesse contexto, a relação entre as, denominadas pela popula70
ção, “parte alta” e “parte baixa”, se fazem extremamente importantes para compreensão da mobilidade da cidade. Dado o contexto de segregação sócio espacial que o espaço urbano apresenta, é possível relacioná-lo também nessa relação. “Não se conhece a cidade. Então, às vezes vai ter uma oportunidade de emprego essa mulher. Pode ter uma oportunidade vida do outro lado da cidade, mas ela não tem conexão com a cidade, então... falando, assim, das mulheres, né, de Alagoas, que a gente consegue sobreviver.” – Larissa Como pode ser observado no mapa de distribuição de renda (mapa 3), nota-se que a população de menor renda ocupa, em grande parte, o tabuleiro da cidade mais ao norte ou áreas de encosta e grotas às margens deste mesmo tabuleiro. Quando presente na parte baixa da cidade, essa população mais pobre ocupa, em maior parte, a planície lagunar, a sudoeste do mapa, e algumas áreas a nordeste, mais distantes do centro da cidade. Mapa 18 - Principais vias de Maceió Fonte: Maps, 2019. Adaptado pela autora.
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Os principais eixos estruturantes, que compõem as BRs 104 e 316, se interligam através de um importante entroncamento a norte do tabuleiro. Visto que, como estruturantes, esses eixos são formados por vias essenciais para a mobilidade na cidade, podemos refletir sobre os acessos das moradoras dos bairros analisados a esses locais. Tendo em vista a importância desses acessos, tornam-se imprescindíveis linhas de transporte público que partam dessas vias aos bairros mais distanciados, que comportem a demanda de pessoas que realizam cotidianamente esses trajetos e possibilitem às usuárias facilidade de acesso aos equipamentos urbanos, integrando-os, ao máximo, à malha urbana. “[...] A questão do transporte também. Mudar a base de alimentação dela. Querendo ou não, tem aquela questão do cartão que é integração. Só que não acontece a integração. Eu acho que colocar um pouco mais de terminal, em alguns pontos, por exemplo, do Village... aumentar ele. Colocar a questão realmente da integração que pudesse ser feita em qualquer ponto de ônibus. Eu acho que até a qualidade dos motoristas, sabe? É muito péssima aqui. Porque eles dão uma volta enorme, eles não têm um ponto de parada quando chega no outro destino. Eles têm que dar a volta na cidade pra quando chegar no terminal pra ter um descanso. Acho que também isso influencia.” – Pâmela “[...] é muito interessante, assim, você não ter ônibus que
ligam as periferias. Porque periferia que se conhece é periferia que se fortalece.” -- Larissa Além disso, deve-se levar em consideração a grande quantidade de grotas ocupadas na cidade. Apesar da forte conexão entre elas e os, relativamente, fáceis deslocamentos pra quem habita e conhece aquele espaço, de uma grota pra outra, é imprescindível garantir o acesso que se tem, dessas grotas, ao restante da cidade. “[...] Elas [grotas] são à parte da cidade. Porque você consegue se conectar pelas grotas. A cidade tem as vias da cidade, e são essas vias que não tem mobilidade. São as vias que passam os ônibus, as vias que passam os carros. Mas, por dentro das grotas, a cidade se conecta. E as pessoas não usam ônibus, as pessoas não usam carro, as pessoas usam a perna. As pessoas ficam assim “é só você descer a grota do fulano e subir a outra grota que você chega lá”. É assim a comunicação. Então as pessoas ali embaixo saem da grota, por exemplo, do São Jorge, que é próximo do litoral norte, e fazer o sentido adentro da cidade, assim, como se fosse a oeste, cortar, pelo Feitosa. E isso, não necessariamente, passa pela Josefa de Melo ou pela Juca Sampaio, que são as avenidas que passam nesses dois bairros. Se a gente fosse de ônibus do São Jorge até o Feitosa, a gente ia até a Josefa de Melo, ia pegar um ônibus ou indo ou voltando, ou então ia subir até a Juca Sampaio, e ia pro Feitosa. Mas, pelas grotas, você consegue ir no caminho do vale. No caminho que a água vai você vai chegar mais perto da praia e é escuro, né. É sempre um lugar muito escuro, cheio de segredos. Cê não sabe 72
aonde entra... a grota, assim, é um outro universo mesmo. Porque é ela também que sustenta aquilo que é mais bruto, que é mais escravista em Maceió.” – Larissa É notável, na fala de Larissa, a visão que se tem da eficiência da mobilidade nessas grotas. Apesar de todas as dificuldades que o terreno impõe, as conexões acontecem de maneira fluida, como não se vê no restante da cidade, nas vias tidas como formais. Pensando, então, nos trajetos feitos a pé, vamos analisar o mapa de presença de calçadas e a arborização, importantes elementos nesse contexto. Nos deslocamentos a pé, calçadas adequadas e acessíveis fazem toda a diferença, seja conferindo segurança ou permitindo que o percurso seja realizado em menos tempo e com maior facilidade. No caso de mães com carrinhos ou com crianças, a qualidade das calçadas torna-se ainda mais essencial. Dentre os bairros com as piores condições de infraestrutura, Benedito Bentes, Santa Lúcia e Riacho Doce se destacam pela grande falta de calçamento e pavimentação (ver mapas 14 e 15). Ainda, observando os mapas de calçamento e arborização nota-se que no primeiro caso, a maior presença de calçadas concentra-se em locais de maior poder aquisitivo e, consequentemente, melhor infraestrutura, o que impacta diretamente no dia-a-dia de mulheres quando essas são responsáveis por levar os filhos à escola, fazer compras e realizar outras atividades, caminhando, relacionadas ao lar. Sobre a arborização, os índices
mais baixos encontram em locais onde há muitas edificações ou maior adensamento. No entanto, o mapa apresenta resultados que podem considerar, por exemplo, fundo de lotes. Essa arborização não necessariamente tem contribuído nos trajetos a pé. Por isso, faz-se necessário pensar esses dois elementos em conjunto em prol de refletir sobre cidades mais saudáveis às suas habitantes.
Mapa 19 - calçamento em Maceió Fonte: elaborados pela autora a partir de dados do IBGE (2010)
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Eu gosto da manhã, da noite não. Porque pela manhã tem o nascer do sol, eu aprendi a apreciar, né, também. Tem o nascer do sol, tem o barulho dos insetos... essas coisas assim. Mas, depois já fica muito quente, porque não tem... tem árvores, mas não tem árvores que acho que dá aquela respirada no lugar. Tem mato, né, as árvores do mato. - E a calçada? - Que calçada? Não. Não tem calçada (risos). Tem calçamento até a última rua do Graciliano, que é antes desse muro do canavial que eu falei. Ates de chegar aí tem calçamento agora. E depois da minha casa, tem calçamento também, mas na rua não tem. Eu acho que devem der uns 500 metros de pista de barro. E agora tem um pouco mais de movimento porque tem o condomínio do Biu lá. Mas, então, o bom é que tem água potável na torneira. [...] Tem muita lama. Quando chove tem lama, quando faz sol tem lama – Larissa Mapa 20 - arborização em Maceió Fonte: elaborados pela autora a partir de dados do IBGE (2010)
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2.2.3 SAÚDE As questões de saúde que envolvem mulheres negras são muitas. Como previamente citado, elementos que incialmente não aparentam ter nenhuma relação, podem ser intensificadores da problemática. Cabe-nos fazer algumas reflexões: No caso da saúde, a redução das desigualdades sociais é um dos objetivos do Pacto pela Saúde, que considera como causas determinantes e condicionantes de saúde: modos de vida, trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais, entre outros. Nesse sentido, podemos afirmar que o racismo é o principal determinante social em saúde para população negra, já que incide negativamente sobre todos esses fatores que compõem o conceito de saúde. O Ministério da Saúde compreende a situação de iniquidade e vulnerabilidade que afeta a saúde da população negra – precocidade dos óbitos, altas taxas de mortalidade materna e infantil, maior prevalência de doenças crônicas e infecciosas e altos índices de violência – e reconhece que o racismo vivenciado pela população negra incide negativamente nesses indicadores, comprometendo o acesso dessa população aos serviços públicos de saúde, já que a boa qualidade da saúde gera condições para a inserção dos sujeitos nas diferentes esferas da sociedade de maneira digna, promovendo sua autonomia e cidadania (SAÚDE, 2017, p. 23).
Acontece que, no contexto social em que mulheres negras se encontram, esses problemas de saúde incidem de maneira mais profunda sobre elas que, muitas vezes, são responsáveis por atividades domésticas e cuidados de pessoas doentes 75
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na família. Agrega-se a essas questões, o fato dos locais onde a maioria dessas mulheres residem, serem prejudicados com problemas relacionados à infraestrutura. Falta de coleta de lixo, água tratada e lixo despejados nas ruas, por exemplo, podem acarretar no aumento de chances de doenças infecciosas. Além disso, os problemas em calçadas inacessíveis e pavimentação inadequada podem causar outros acidentes. Ainda, sobre a dinâmica cotidiana, é preciso considerar as gestantes. Se as condições de infraestrutura, caminhabilidade e saúde afetam as mulheres intensamente, para as gestantes, é ainda mais grave. Em alguns casos: A falta de recursos das mulheres que vivem em pobreza faz com que muitas trabalhem até os 9 meses de gestação provocando acidentes que colocam em risco a vida da mãe e da criança [...] o fato do transporte público também excluir as mulheres gestantes, principalmente aquelas que vivem em situações de pobreza, pode ser observado nos relatos que colocam estas mulheres a se deslocar nos horários de pico em direção às moradias onde realizam serviços de limpeza. O transporte, por si só, não é um mecanismo que segrega, mas este faz parte de um sistema social de opressão que submete mulheres pobres a trabalhos físicos que colocam em risco sua gestação, (ELVIR, 2017, p.110).
A violência também precisa ser levada em questão. “Estima-se que [a violência] cause mais mortes às mulheres de 15 a 44 anos do que o câncer, a malária, os acidentes de trânsito e a guerra” (MINAYO apud RISCADO, OLIVERA e BRITO, 2010, p. 98). Sobre as mulheres brasileiras:
Um estudo descritivo dos dados de notificação de violência doméstica, sexual e/ou outras violências contra mulheres durante o ano de 2011, em unidades de saúde, calculou a “Razão de Prevalência das variáveis selecionadas por faixa etária (20 a 39 anos e 40 a 59 anos) e a análise segundo o tipo de violência praticada e concluiu que a raça/cor predominante é a parda/preta para a maioria das violências sofridas, exceto para violência psicológica, em que não houve diferença segundo raça/ cor”, (Ministério da Saúde, 2016, p.50).
As contribuições dadas ao estado pelas professoras Aparecida e Ângela, sobre a saúde da população negra, em suas pesquisas, reafirmam a necessidade de entender a violência contra a mulher como um fator emergencial a ser pensado no sentido de buscar soluções e estratégias que busquem erradicar o problema: Nesse contexto, intervenções na área da saúde e da educação que abordem a violência contra a mulher e, em especial, a mulher negra se fazem necessárias, considerando que a desigualdade entre homens e mulheres se constitui em fator de grande vulnerabilidade para as mulheres. Este cenário de desigualdade, no qual a violência é exercida, contribui para o surgimento de diversas enfermidades como as DST/aids, doenças psicológicas, agravamento de outras situações patogênicas além de contribuir para altas taxas de mortalidade (RISCADO, OLIVEIRA e BRITO, 2010, p. 98).
“Desenvolvi pesquisas sobre a vulnerabilidade da população negra na questão de saúde, junto com o professor Jorge Luiz e a professora Ângela também [...] e a gente tratou a questão da mulher, como essa mulher quilombola se sentia e se percebia 76
diante do racismo. O que foi que nós detectamos: que existe uma grande vulnerabilidade para a aquisição das doenças sexualmente transmissíveis, porque não tem política... Notamos nessas comunidades, as mulheres desenvolviam hipertensão, câncer de mama e diabetes. E há uma ineficácia dos serviços de saúde para essa população [...] E uma disse que ia [ao médico], mas o médico não olhava pra ela, não verificou a pressão dela e pra não ser humilhada não ia mais.” – Maria Aparecida Além disso, outra violências recaem sobre essas mulheres. Recaem, também, para além do medo de violação de seus corpos, as violências vividas por homens negros advinda de uma estrutura racista que legitima a violência psicológica, epistêmica e física. Mulheres negras tem que conviver cotidianamente com o medo, também, sobre suas famílias por completo. Nesse sentido, tornam-se pilares familiares que vivem receios constantes relacionados aos seus filhos e companheiros, alvos da legitimação do genocídio negro (GOMES e LABORNE, 2018). “É bem profundo, né... porque são os companheiros, são os filhos, são o parentesco todo que tá relacionado a essas mulheres e que elas estão ali, estão vendo... e elas também são atingidas. É visceral. É um transtorno tremendo.” – Ângela “Tem uma situação de solidão e resiliência que é muito cruel, eu acho, assim, pra como as mulheres negras sentem esse genocídio. Porque é um genocídio pra quem ficar vivo, né.
Então, é um genocídio para nós, mulheres, que ficamos... não é um privilégio ficar viva. [...] E aí, parece que a construção afetiva das mulheres negras alagoanas urbanas, isso é Maceió [...] é uma apatia, entende? É um sentimento coletivo de mulheres negras em Alagoas, de apatia... que flerta com o medo. E isso recai sobre a mulher negra, aquela sensação de, tipo, “eu tô sofrendo, mas eu viva é melhor do eu morta”. Então, se eu me movimento muito, se eu me revolto muito, se eu me apresento muito diferente, eu tenho o risco de morrer, de bala. Por que, se matam um preto, por que é que não matam uma preta? Né? [...]”– Larissa “A juventude negra da cidade de Maceió, ela está morrendo. Eu digo que há um genocídio da juventude negra em Alagoas, especificamente, da cidade de Maceió. [...] O estado de Alagoas, diante de todos os dados, é um estado feminicida. Além disso, essas mulheres, elas não estão aqui no lugar que eu estou. Elas estão na periferia e ainda tendo que suportar a dor da perda dos seus filhos. Porque não existe uma política de acompanhamento para essas mulheres que perdem seus filhos [...] E, também, o maior contingente das mulheres que estão em situação prisional, são as mulheres negras. Então, há uma disparidade muito grande.” – Maria Aparecida Portanto, atrelada à melhoria da infraestrutura urbana, é necessário pensar em centros de apoio que visem a melhoria desses índices sobre a saúde da mulher negra. Espaços com exa77
mes preventivos, atendimento psicológico, apoio pós-trauma e auxílio sobre violência, que lidem, especificamente, com as experiências dessas mulheres, situados nos bairros onde estas são maioria, mostram-se essenciais como estratégia de redução de iniquidades. Para tanto, são necessários também profissionais qualificadas para lidar especificamente com as experiências de mulheres negras, uma vez que os ambientes convencionais de assistência à saúde são, em muitos casos, principais causadores de racismo institucional12, conceito que utilizado para: [...] dar visibilidade a processos de discriminação indireta que ocorrem no seio das instituições, resultantes de mecanismos que operam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos. A essa modalidade de racismo convencionou-se chamar de racismo institucional, em referência às formas como as instituições funcionam, contribuindo para a naturalização e reprodução da desigualdade racial” (LÓPEZ, 2012, p.127).
Nesses casos, o racismo institucional: [...] atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e 12 É “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações” (CRI apud Ministério da Saúde, 2006, p.13).
oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Ele extrapola as relações interpessoais e instaura-se no cotidiano institucional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando, de forma ampla, desigualdades e iniquidades (LÓPEZ, 2012, p.127).
“É o racismo, e depois vem o racismo institucional, né... Que é a forma que elas são discriminadas. Discriminadas pelo médico, pelas enfermeiras. É, os mitos, né, que acham que as mulheres negras são mais resistentes à dor. E por aí vai... a educação também tem influência nessa parte, porque elas vão pra uma consulta, recebem menos tempo de consulta, de atendimento, do que as mulheres brancas. E elas não entendem os procedimentos que são feitos ali. O que é explicado pra elas, o que mandam elas fazerem, elas não entendem. Porque é uma linguagem totalmente diferente e eles não se empenham em falar uma linguagem popular, né. Então a educação tá aí também, batendo... Elas têm menos tempo de consulta porque não entendem, não fazem pergunta e não se relacionam bem com os médicos. Nem com os médicos, nem com as enfermeiras... e por aí vai. Os médicos não têm um atendimento humanizado, vão pros quilombos e é um desastre, né. Então é essa a realidade [...] por isso a disciplina “saúde da população negra”, mas a classe médica vai muito pouco. Muito pouco. Quem vai mais assistir a essas aulas é mais o pessoal de psicologia, nutrição, enfermagem vai muito... mas médicos, um ou dois. E quando vão é uma dor de cabeça.” – Ângela Na prática, o racismo institucional dificulta, de maneira velada ou não, o acesso, por meio de uma discriminação que cos78
tuma ser naturalizada pelos profissionais. De acordo com a PNS/2013, em 2013, havia 146,3 milhões de pessoas de 18 anos ou mais de idade no Brasil, e, destas, 10,6% (15,5 milhões) afirmaram que já se sentiram discriminadas ou tratadas de maneira pior que as outras pessoas no serviço de saúde, por médico ou outro profissional de saúde. Das pessoas que já se sentiram discriminadas no serviço de saúde, destacaram-se: as mulheres (11,6%); as pessoas de cor preta (11,9%) e parda (11,4%), e as pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (11,8%). A pesquisa também investigou os motivos percebidos pelas pessoas que se sentiram discriminadas no serviço de saúde. As pessoas podiam indicar mais de um quesito. Mais da metade da população de 18 anos ou mais de idade que já se sentiu discriminada no serviço de saúde respondeu, como motivos, a falta de dinheiro (53,9%) e a classe social (52,5%). 27 IPEA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Atlas da violência 2016. Brasília, mar. 2016. (Nota Técnica, n. 17). 22 A expressiva maioria das pessoas negras não possui plano de saúde (78,8%), e menor acesso à saúde significa maior exposição a riscos. Pessoas com menores rendimentos, sem acesso à educação e em condições de moradia precárias por falta de acesso a serviços básicos também se mostram mais expostas onde a grande maioria é negra. As diferenças nos indicadores de depressão e tabagismo, segundo a desagregação por educação, são também relevantes, pois indicam que é necessário adaptar políticas (de comunicação, entre outras) para este público mais exposto (SAÚDE, 2017, p. 21-22).
tos que o restante da população. Por isso, nomear o problema e buscar soluções é extremamente importante. O reconhecimento do racismo presente na sociedade brasileira – ainda que muitas vezes de maneira subliminar e dissimulada – e suas implicações, principalmente na forma como essas pessoas acessam e são recebidas no âmbito dos serviços de saúde, ou ainda como vivenciam seus estados de saúde e bem-estar, é um passo fundamental para promover a igualdade racial. Porém, mais que isso, o reconhecimento do racismo como um determinante social da saúde coloca no centro do debate e revela a maturidade das instituições em enfrentar as situações de desigualdade originadas ou determinadas pela raça ou pela cor da pele (Ministério da Saúde, 2016, p. 9).
Sendo assim, é possível intuir que o modelo convencional de atendimento à saúde apesar de, cada vez mais apresentar relatórios de análises sobre esses casos no sentido de buscar melhorias, ainda não é eficiente no tocante às questões de saúde e racismo sobre mulheres negras e é por isso que, é preciso reiterar a necessidade de campanhas sobre a qualificação de profissionais e postos especiais de tratamento nos locais onde há a maior dessa população.
É imprescindível discutirmos sobre essa questão e sobre a forma como esses obstáculos tendem a continuar impedindo que a população negra, como um todo, tenha os mesmos direi79
2.2.4 LAZER Diante do fato de que, as maiores responsáveis pelos papeis reprodutivos são as mulheres, é importante considerar que, enquanto mães, o lazer torna-se uma questão ainda mais necessária. Sendo assim, faz-se essencial a presença de espaços de lazer e entretenimento próximos aos locais de moradia de maneira que, estes sejam de fácil acesso colaborando, consequentemente, com a dinâmica da vida urbana das mulheres. Pensando na necessidade de espaços de lazer para que as crianças que, consequentemente, são ocupados também pelas mães, é válido afirmar: [...] além do poder público historicamente desconhecer e (ou) ignorar as necessidades da mulher, há também uma falta de atenção para com as mudanças na estrutura econômica do país, onde, nas últimas três décadas, as mulheres passaram a ter significativa participação, a qual não foi acompanhada de melhorias no espaço urbano, que possibilitassem sua permanência e deslocamento pela cidade. Desta forma, às mulheres é reservado o papel de turista, em cidades construídas para os homens e urbanizadas de acordo com o deslocamento deles pelas ruas, calçadas, praças etc. Tal situação evidencia um descompasso entre o que é pensado no âmbito do planejamento urbano e o que é de fato necessário para os usuários do espaço urbano; no caso brasileiro, proporcionalmente mais usuários mulheres do que homens, (FERREIRA e SILVA, 2017).
O mapa a seguir apresenta as praças, orlas marítima e lagunar, principais shoppings e o parque municipal. Nele, nota80
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-se que mais ao norte do tabuleiro, há menos opções de lazer e entretenimento, o que gera uma sobrecarga, principalmente nos horários noturnos, no shopping localizado no bairro do Benedito Bentes.
Mapa 21 - localização dos principais pontos de lazer Fonte: Prefeitura de Maceió, 2019. Adaptado pela autora.
As praças, por sua vez, estão presentes em grande quantidade em vários bairros. No entanto, vale atentar para a necessidade de investimento na manutenção desses espaços que, apesar do potencial, muitas vezes tornam-se inutilizados. Os bairros onde foram identificadas poucas ou nenhuma praça, são: Petró-
polis, São Jorge, Serraria, Tabuleiro, Trapiche da Barra e Vergel do Lago, todos com maior parte do bairro ocupada por mais de 50% de pessoas negras. No entanto, apesar de haver uma certa concentração próxima e na planície litorânea, há distribuição de praças em quase toda a malha urbana, exceto pelos bairros supracitados, o que reafirma a importância do poder público investir na revitalização e manutenção dessas áreas, criando pontos atrativos de lazer. Nesse sentido, podemos considerar as praças uma grande potencialidade no que se refere à possibilidade de lazer. Uma vez que estão presentes em diversos bairros da cidade, estas podem funcionar como áreas locais, de fácil acesso, sem que sejam necessários grandes deslocamentos, colaborando positivamente no cotidiano de mães e crianças. Outros pontos de lazer que devem ser ressaltados são o parque municipal que, ultimamente, vem ganhando notoriedade e a orla marítima. No entanto, essas duas áreas, de maneiras diferentes, não são acessíveis à toda a população. No primeiro caso, o parque municipal não possui fácil acesso para quem utiliza o transporte coletivo partindo de diversas áreas da cidade. Porém, podem ser tomadas medidas muito simples de melhoria do sistema de mobilidade a fim de facilitar o acesso, como criar novas linhas com itinerários que percorram o bairro do Bebedouro, onde o parque está situado, partindo, principalmente, dos bairros onde há menos opções de lazer e/ ou através da criação de plataformas de integração em pontos estratégicos na cidade. Quanto à orla marítima, vale ressaltar 81
que, mais do que a melhoria da acessibilidade por meio de transporte eficiente, é importante que sejam mitigadas as diferenças sociais. A segregação socioespacial, a partir da distribuição de renda, faz com que espaços melhor infraestruturados, como já colocado, tornem-se elitizados. É o caso, também da maioria dos shopping centers. “A orla fica muito bonita de dia de domingo, né. Porque é o dia do churrasco na praia das famílias pretas. Então a orla fica linda. Fica muito divertida. Todo mundo fica de boa no domingo [...] É um dia de ter tempo de ser feliz. Eu gosto quando as pessoas ocupam o centro. Aí é desconfortável, na real, porque a gente tem a rua fechada, já aconteceu vários baculejo13 na rua fechada [...] o que que o rolê precisa ser? O rolê precisa ser de graça. Pronto. De pegar um ônibus só. Porque se pegar dois ônibus, já é caro o rolê (risos). E a praia é esse lugar, o centro é esse lugar. O centro nem tanto porque se você for sair de noite não tem como voltar. Mas acontece pra quem gosta de se aventurar no Jaraguá à noite, gosta de uma festa, dançar um funk, rola sim. Eu gosto quando as pessoas pretas ocupam os lugares da cidade. Mas eu também fico preocupada [...] de tempos em tempos, quando a gente começa a se movimentar... Ah, os petos começaram a ir no shopping, rolezinho no shopping, aí já breca. Os pretos começaram a andar na rua fechada, “tá vendendo droga, cancela”[...] aí eu fico preocupada porque essas pessoas em algum momento vão ter que enfrentar o conflito, né? Com o branco. Mas eu acho que o conflito com o branco tem que acontecer [...] tem que dar estratégia pra galera ir pra 13 Revista policial.
essa luta.” – Larissa “É. Justamente isso. Eles tomam políticas pra que essas pessoas não permaneçam. Quando elas começam a ocupar esse espaço que é direito delas, principalmente dia de domingo, a maioria trabalha durante a semana. Durante a semana você não vê muitas pessoas negras, ainda mais porque aqui é cidade turística, né... passeando mesmo. A maior parte tá trabalhando. Então, todo negro é suspeito. Toda pessoa negra é suspeita. Aí esse baculejos faz com que as pessoas não queiram ir, evitem andar sozinhos, evite ficar nesses espaços depois de determinado horário. Geralmente vão mais cedo. E é o pessoal que mora lá por baixo, assim. Acho que nem é tanto o pessoal que mora aqui em cima [...] são poucas as famílias que descem. É muito mais distante, por conta desse acesso.” – Pâmela “E quando você olha, por exemplo, eu sempre dou esse exemplo: no entanto, se nós tivéssemos a consciência, não tem, mas quando a gente quer invadir, a gente invade e também afasta. O exemplo que você pode prestar atenção, basta ir um domingo ou sábado. De manhã cedo, se você vier pro Jacintinho e ficar prestando atenção, o pretume desce o Extra14 totalmente pra trabalhar. Essa hora, o pretume já subiu, tá subindo 17:00, 17:30. Mas sábado nem tanto. Mas domingo... o pretume desce para a praia pra se divertir em frente a McDonalds [...] Ali, o pretume fica ali. Toma conta da melhor parte. Aí você não vê uma 14 Referindo-se à descer para a, já citada, parte baixa da cidade.
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pessoa branca naqueles bares, você não vê uma pessoa branca desfrutando do mesmo espaço da praia. Cê só vê os camelôs. Entendeu? [...] espontaneamente eles se afastam. Então o que eu quero dizer é que, então, você imagine se esse povo, o nosso povo, né, as nossas irmãs e irmãos fizessem isso com consciência? Só falta isso. Entendeu? Só isso. Porque... ninguém entende por que que a Rede de Mulheres Negras, e eu sei que até hoje nem o povo do Palato15 entende, por que a gente só faz reunião lá. Porque é preciso fazer. É preciso. Inclusive porque não é caro. A gente morre de medo achando que é. Tá entendendo? [...] Isso também faz com que eles nos respeitem, eles saibam que nós podemos. E que um dia a gente vai invadir, no sentido bom, vai chegar e não vai ter vaga pra ninguém. Só se for pra nós, né? (risos) Tá entendendo? Então é preciso fazer isso. Você tem que demarcar. E não tem que demarcar só nesse espaço segregado. A gente precisa dizer pra eles que a gente sustenta eles, que a gente cuida deles, que a gente transporta eles. É isso que eles tem que entender pra poder nos respeitar. Ou a gente entender que nós somos importantíssimos e não abaixar a cabeça pra eles.” – Vanda Outros pontos onde sugere-se investimento visando possibilidades de lazer são o centro histórico e a orla lagunar, locais que aparentam não possuir grandes investimentos, porém, do ponto de vista urbanístico, possuem grande potencial. Ainda, é válido retomarmos a questão dos papeis de gênero impostos, no sentido de pontuar como as experiências pes15 Rede de supermercados frequentada, majoritariamente, pela elite da cidade.
soais dessas mulheres, partindo desses papeis, as afetam desde crianças. Observa-se na fala de Larissa, como essa é uma questão marcante. “A gente tem brincadeira que os meninos fazem em Alagoas, que isso é o brincar. O que as meninas fazem, quando são crianças, não é uma coisa que a gente cresce e sente orgulho de dizer que brincou [...] então, desde criança, a gente tem vergonha de ser mulher, porque a gente não pode jogar bola, não pode brincar até mais tarde... porque enquanto meu irmão tá brincando eu tô fazendo alguma coisa em casa [...] as adolescentes não têm um horário de curso ou coisa assim, a galera tem tempo livre, assim, entre aspas [...] e, tipo assim, minha família sempre criticou isso, né... “se procurar o que fazer, acha”. Acha. Você tem que considerar o como é difícil fazer algo que você gosta quando você é mulher. Se você gosta de filme, quantas horas por dia você vai ter tempo pra ver um filme, assim, de boa? Cê não vai ver três filmes... cê vai perder seis horas do seu dia? Se as pessoas comem de três em três horas, prato se lava o dia todo, casa se varre todo dia... então eu acho que, em Maceió, essa experiência de ser mulher, ela é muito cruel, apesar de eu achar que é uma honra, né, ser uma mulher que mora perto das águas.” – Larissa É notável que, ainda há muito o mudar, socialmente, nesse aspecto. No entanto, promover áreas de lazer próximas, são estratégias de planejamento que podem contribuir minimamente para que haja a possibilidade de aproveitar esses espaços, ainda que a mudança necessária seja, profundamente, social. 83
2.2.5 EDUCAÇÃO Sob a ótica da interseccionalidade, percebe-se que a vivência de mulheres negras no que se refere a educação, é diferente, tanto em relação aos homens, quanto outras mulheres. As iniquidades, que se apresentam desde muito cedo, estão presentes também no acesso à educação formal: A escolaridade das mulheres autodeclaradas amarelas e brancas são significativamente maiores que as das mulheres autodeclaradas pretas e pardas. Enquanto as taxas de analfabetismo ficam abaixo de 10% nos dois primeiros grupos, na população negra e parda as taxas eram de 13,2% e 14,4% em 2016. Entre as mulheres autodeclaradas indígenas, a taxa de analfabetismo aproximou-se de 20%. Por outro lado, as frequências de mulheres com curso superior completo são expressivamente maiores nos grupos de mulheres autodeclaradas amarelas (31,5%) e brancas (18,6%) do que as dos grupos de autodeclaradas pretas (7,6%) e pardas (7,3%), ((BRASIL, 2016, p.9).
Além disso, há a questão do abandono escolar que em 2013 chegou a 19,2% no ensino médio, segundo o Perfil Municipal de 2015 (p.12), na rede pública de ensino onde a maioria dos estudantes são de renda mais baixa uma vez que, aqueles que possuem rendas mais altas, na maioria das vezes, optam pelo ensino privado. Fato que, atrelado a todas as questões já colocadas, também prejudica o ingresso de negras e negros no ensino superior: 84
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A adequação dessa faixa etária ao ensino superior também é bastante desigual, dependendo das características de raça/cor. O total de pessoas de cor preta ou parda dessa faixa etária que cursavam o ensino superior, em 2015, era de 12,8%. Esse percentual representa um crescimento significativo em relação a 2005 (7,3% pontos percentuais), mas ainda está abaixo do percentual alcançado pelos jovens estudantes brancos 10 anos antes (17,8%). Um dos fatores responsáveis por agravar a desigualdade de cor ou raça no acesso ao ensino superior é o atraso escolar, o qual afeta mais os estudantes pretos ou pardos em comparação com os estudantes brancos. Em 2015, 53,2% dos estudantes pretos ou pardos de 18 a 24 anos de idade cursavam níveis de ensino anteriores ao ensino superior, como o fundamental e o médio, enquanto apenas 29,1% dos estudantes brancos estavam nessa mesma situação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017, p.12).
“[...] Acho que já vem daquela política da escravatura, assim. Não dá pra gente falar da educação do Brasil, sem gente pontuar, principalmente aqui em Alagoas, sem fazer o recorte histórico das coisas que aconteceram [...] O EJA16 era pra acontecer nos três horários. Só acontece em um. A maioria deles trabalham. As pessoas que são do interior, trabalham nas grandes usinas, trabalham o dia todo, ou á noite. Elas não têm acesso, realmente. Não tem uma política mais pontual pra atender a demanda Alagoas. Isso tem muito reflexo com racismo porque 16 “A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino que garante a um público diferenciado - jovens e adultos (a partir de 15 anos para o ensino fundamental e 18 anos para o ensino médio) - o direito à escolarização básica em igualdade de condições, por meio da formação humana, social, científica e se orienta pela concepção de educação ao longo da vida.” (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DE ALAGOAS)
a maior parte dessas pessoas são negras e de baixa renda. Então não tem investimento nessa área. Eles não fazem investimento na educação pra dar suporte pra essas pessoas, de fato. [...] Até porque eles não vão ter, depois, como estudar depois por conta do trabalho. Aí eu vejo, que, quando conversando mesmo, a maioria dos alunos sente uma exclusão dentro da sala, quando eles vão. Eles não se sentem tão contemplados, porque a escola, de certo modo, acaba abandonando eles, dificultando essa acessibilidade. Por mais que as vezes o professor tente, tem a parte do aluno não se sentir pertencente àquele espaço, não entender o motivo da educação. Eles acabam ficando cada vez mais excluídos e indo pra outros empregos, assim, que acaba demandando mais tempo deles, de esforço de força braçal, do que num trabalho que seria intelectual. Então seria só a questão de não ter acesso pra exercer o trabalho intelectual deles.” – Pâmela É primordial, nesse contexto, fomentar e criar medidas de permanência da população negra no ensino, estratégia elementar na busca pela erradicação da desigualdade social. Nessa lógica, foram criadas políticas afirmativas17 que têm se mostrado substanciais, enquanto medidas paliativas de inserção da população negra na universidade. Na busca por maior inclusão e diminuição de iniquidades, instituiu-se, em 2012, a lei de cotas, 17 Entende-se por ações afirmativas toda política pública ou privada que visa a promover a inclusão social e a garantir a existência de uma sociedade efetivamente pluralista. São exemplos nacionais de ações afirmativas: a garantia do número mínimo de mulheres nos partidos políticos e as políticas de cotas para portadores de necessidades especiais e para afro-descendentes.
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(Lei Nº 12.711, De 29 De Agosto De 2012), que estabelece que: Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita. [...] Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
“[...] eu só vejo a educação. Eu acredito que de forma nenhuma, não existe outra maneira pra você atingir determinadas posições se você não tem educação. Começa da educação familiar e depois a educação, qualquer tipo de família, não posso discriminar ninguém, qualquer tipo de família, mas que seja, que as pessoas sejam unidas [...] então eu vejo a educação familiar e depois vai se alargando essa esfera cada vez maior... e sou a favor das cotas porque eu acredito que a educação é o caminho para você conseguir se expressar, conseguir exigir os
seus direitos e ter uma atitude, ter uma posição. Se você tiver uma educação boa, se você sabe se expressar, se você sabe exigir que as pessoas te tratem... você tem que exigir, você não pode esperar que ninguém: “ai que pretinha bonitinha”. Eu não sou pretinha não.” – Ângela “A gente diz “ah, a universidade enegreceu por conta das cotas”, mas ainda é um número muito pequeno. As políticas públicas existem, mas são ineficazes pra tentar mudar essa lógica. E a lógica permanece. E permanece por conta de não ter sensibilidade dos gestores públicos para tratamento dessa questão. E eu vejo também que, por aí, tem a questão do racismo. Porque o racismo, ele é estruturante. [...] Eu desenvolvi também pesquisa sobre a violência perpetrada contra as mulheres, tendo como lócus as mulheres negras. Aí já desenvolvemos trabalhos na área da saúde, na área da educação. E tive o prazer de participar do grupo que elaborou as cotas para a universidade. Como eu faço parte do grupo temático Mulher e Cidadania, nesse momento histórico, teve um recorte de gênero. Foi a primeira universidade do país que teve o recorte de gênero. Agora, quando as cotas ampliaram que foi pra quem é de escola pública e tinha a carência econômica, aí a gente perdeu o recorte de gênero. Mas foi muito importante, porque eu digo, por mais complexa que seja essa questão, a universidade enegreceu [...] a universidade é outra porque a gente vê a questão do racismo sendo debatida, dialogada, discutida, e eu vejo como um ponto importante, isso, foi a utilização das 86
cotas. E a universidade deu um avanço porque as cotas já estão nos cursos de pós-graduação.” – Maria Aparecida Apesar da lei de cotas ser um grande ganho para a população mais pobre e negra em todo o país, não podemos desconsiderar que ainda há diversos impasses para mulheres negras. “[...] Aí é um pouco mais dificultoso. Porque essas mulheres abandonam, também por, ás vezes, uma questão de sobrevivência da comunidade, assim, pode-se dizer. Elas auxiliam na criação dessas crianças pra que elas tenham acesso. O corpo da mulher negra é sexualizado bem mais cedo. Então essas mulheres acabam se tornando mães cedo. Elas acabam tendo responsabilidades dentro de casa com a alimentação da criança, com cuidado da educação da criança. E muitas dessas também tem essa maternidade negada quando elas tem que virar babá, tomar conta de outras crianças. Pra ter uma renda extra. Vida doméstica. Isso acontece muito. Então acaba se tornando um segundo, um terceiro... às vezes nem existe, assim, o plano... elas só querem aprender a assinar o nome e pra elas já tá bom. Porque o que elas não tiveram elas pretendem dar acesso pras próximas gerações. Só que a histórias acabam se repetindo muitas vezes. Principalmente nessas famílias que essas mulheres não têm esse suporte pra continuar estudando. Aí a história acaba se repetindo [...] fica num ciclo vicioso.” – Pâmela Como forma de contribuir ainda mais para a permanência de mulheres que são mães, é essencial que haja auxilio através de creches e escolas infantis públicas próximas ou dentro dessas
universidades. Disponibilizar creches e escolas em quantidade suficiente para suprir as demandas de cada bairro de maneira que, esses equipamentos sejam de fácil acesso, é uma forma de garantir que as mulheres responsáveis, quase que exclusivamente, pela criação de suas filhas e filhos, possam ter suas jornadas facilitadas em meio a tantas tarefas. O que auxilia também, consideravelmente, as mães estudantes e permite, principalmente, que mulheres negras possam integrar cada vez mais esses diversos espaços formais, até então impossibilitados de tantas maneiras. “[...] Porque isso aí é outra discussão, se a pessoa tinha potência de continuar na escola ou não, mas é que a experiência de estudar pra uma mulher negra é muito dolorosa em Alagoas. Porque ela nunca é privada da cozinha quando ela é adolescente. E não é, tipo assim, fazer faculdade e cuidar de uma casa, porque me mudei ou porque cresci e preciso ajudar em casa. Isso é desde muito cedo. Com dez anos, as mulheres negras chegam atrasada na aula porque tava fazendo almoço. [...] Então, assim, a criança preta em Alagoas e que é mulher tem uma experiência de privação de coisas que é muito, é um tanto exaustiva, assim... cê ser privada de tudo. Todo o tempo a cidade vai te podando pra você não conseguir expandir.” – Larissa Ressalta-se, mais uma vez, a importância de serem fomentadas políticas públicas que oportunizem às mulheres a ocupação de espaços de construção do saber e, consequentemente, os espaços de decisões políticas. 87
Aqui, cabe também destacar a defasagem do ensino no tocante à literatura negra. Vê-se, como uma estratégia de epistemicídio, a invisibilzação do conhecimento produzido por esse grupo social.
Enquanto mulher, negra, estudante de arquitetura e urbanismo, não posso deixar de evidenciar a lacuna que existe no que diz respeito às referências do que é produzido por mulheres e homens negros na área. Não me parece que pouco se sabe. O que me parece é que, de fato, existe uma negação dessa produção que é totalmente apagada por uma visão eurocentrada e patriarcal que guia nosso aprendizado em todas as suas fases, incluindo o ensino superior. Se a universidade é tida como um espaço de construção da ciência, da reflexão e crítica, pergunto: por que é que esse aprendizado é pautado, na maior parte do tempo, em uma única perspectiva? E, ainda, por que é pouco aprendemos sobre culturas que tanto importaram para a construção da sociedade brasileira, tal qual ela é? Nesse sentido, lamento que ainda não haja como eixo do ensino de arquitetura e urbanismo, outros vieses de estudo, como as arquiteturas africana e indígena, históricas e atuais, tão importantes para entendimento da nossa própria história e cultura, das quais também herdamos formas de construir e se relacionar com a cidade.
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2.2.6 EMPREGO E RENDA Tomando como ponto de partida a presença das mulheres no mercado de trabalho, temos que: Apesar das mudanças das últimas décadas, a inserção no mercado de trabalho segue sendo um fator central para a construção de identidade, a definição do padrão de sociabilidade e, sobretudo, para obter recursos que permitam suprir as necessidades básicas de forma autônoma. Para as mulheres, a conquista da autonomia econômica é condição essencial para que se possa projetar uma vida de autonomia plena. Para a população negra, o acesso ao mercado de trabalho é pressuposto para enfrentar uma realidade de pobreza e privação a que historicamente foi relegada, (IPEA, 2011, p.26).
“[...] É muito difícil as meninas arrumarem um emprego que seja massa. Porque Alagoas é um lugar de pouco desemprego, mas os homens conseguem ter a opção dos trabalhos braçais, que não é um privilégio, mas é uma realidade, assim, tipo, quando um cara fica desempregado, ele vai conseguir ser eletricista, ser pedreiro e tal, né, os irmãos... mas quando a gente não consegue um emprego formal, a gente tem poucas opções de gerar essa renda, né, sozinhas, pelo meu corpo. A gente só consegue fazer com outras mulheres fazendo com a gente, e aí, eu acho que essa história de Maceió ter uma concentração de renda muito alta, faz as mulheres serem chefes de família muito cedo, sabe? Assim, uma série de violências na vida que tem a ver com a cidade, e não com o caráter da pessoa ou com a potência da pessoa, sabe?” – Larissa 89
MAGALHÃES, 2019
Dada a distribuição de renda na área urbana de Maceió (ver mapa 3), nota-se que há intensa segregação socioeconômica transpassada, também, para o território. Nos bairros que possuem as maiores concentrações de população com baixa renda nota-se falta de infraestrutura adequada e menos acessos a equipamentos urbanos, num processo de negação do direito à cidade. Sendo assim, é importante pensar em formas que permitam para diminuição de disparidades sociais relacionadas à renda que interferem, diretamente, nas condições de vida de habitantes e, portanto, fazem-se essenciais as oportunidades e condições melhores de emprego e renda. Partindo de uma perspectiva de gênero, ao considerar a presença das mulheres no mercado de trabalho, tem-se que: O aumento do número de mulheres integradas ao mercado de trabalho retrata um fato considerado irreversível, uma vez que a proporção da população feminina na faixa etária dos 15 aos 64 anos, inserida no mercado de trabalho nos países desenvolvidos aumentou significativamente nos últimos anos. Este aumento, entretanto, não significou uma diminuição proporcional dos afazeres domésticos, pois as mulheres ainda continuam dedicando muito tempo a estas atividades. Essa responsabilidade construída culturalmente tem sido utilizada como argumento para a precarização do trabalho feminino, pois a ela somam-se os encargos do trabalho dentro e fora do lar. Segundo Hirata, a crise e a globalização trouxeram a exacerbação de certas formas de desigualdade, as mulheres continuam maciçamente a trabalhar e a cuidar da casa, o que poderá dificultar sua ascensão profissional (OLIVEIRA, GARCIA, et al., 2012, p.742).
É perceptível que as oportunidades dentro do mercado de trabalho são muito impactadas pelos papeis de gênero, que acarretam em sobrecarga às mulheres: Além de chefes do domicílio, mães ou avós que destinam horas ao cuidado de membros das famílias, as mulheres tiveram uma elevada dedicação no mercado de trabalho. Segundo os dados da PNADC de 2016, havia 86,9 milhões de brasileiras com mais de 14 anos de idade. Dessas mulheres, 45,2 milhões faziam parte da força de trabalho (52,0% do total). Desse grupo, 86,9%, ou 39,3 milhões de mulheres, estavam ocupadas e 13,1%, ou 5,9 milhões de mulheres, estavam desocupadas. Dos 41,7 milhões de mulheres que estavam fora da força de trabalho, vale observar que havia 4 milhões de pessoas que potencialmente poderiam pertencer à força de trabalho. Isso significa que a força de trabalho feminina tinha um potencial de aumento de quase 9% sem a necessidade de haver crescimento demográfico., (BRK AMBIENTAL E INSTITUTO TRATA BRASIL,2016, p.12)
Agora, ao nos atermos às questões raciais, diversas disparidades também são visíveis: O rendimento dos trabalhadores de cor preta ou parda, entre 2003 e 2015, teve um acréscimo de 52,6%, enquanto o rendimento dos trabalhadores de cor branca cresceu 25%. Mas a pesquisa registrou, também, que os trabalhadores de cor preta ou parda ganhavam, em média, em 2015, pouco mais da metade (59,2%) do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca. A média anual do rendimento foi de R$ 1.641,00 para os trabalhadores de cor preta ou parda, enquanto a dos trabalhadores de cor branca foi de R$ 2.774,00.
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Em 2015, esta razão era 59,15% e, em 2003, não chegava à metade (48,4%), (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016, p.11).
E, segundo a PNAD 2013, há maior proporção de negros em trabalhos informais (49,6%) comparativamente à população de cor branca (36%), (Ministério da Saúde, 2016, p.17). Em razão das grandes diferenças entre condições de empregos e rendimentos quando se compara mulheres e homens, e pessoas negras e brancas, é possível perceber que, nessa relação, mulheres negras são ainda mais prejudicadas. E, tendo em vista essa relação, é possível perceber que, junto a outros grupos minoritários, mulheres negras ocupam a base da pirâmide social e, essa escalada, só se faz possível se suas particularidades e demandas forem tratadas como prioridades, numa lógica que, portanto, beneficia todos os outros grupos sociais, ocupantes de posições superiores nessa pirâmide . “A sociedade, por conta do racismo, para elas define duas situações: a de empregada doméstica e a de objeto sexual. Então, as mulheres negras, elas padecem de violência racial na sociedade e, também padecem de violência com seus companheiros. Recebem todos os tipos de violência, né. A física, a moral, a sexual, a patrimonial, e a violência psicológica. Porque quando essas outras violências estão se dando, a violência psicológica já vem de muito tempo. Então, as mulheres negras diante de toda essa situação de opressão, são elas as mulheres que sofrem mais desemprego, são as que estão morrendo [...]” – Maria Aparecida
Portanto, levando em consideração a relação das mulheres negras com a cidade e percebendo que, essas ocupam, na maioria das vezes, bairros periféricos e/ou menos infraestruturados, é imprescindível que pensemos estratégias de geração de emprego e renda próximas às suas áreas de residência, por exemplo, facilitando a acessibilidade e colaborando para diminuir a carga de sua rotina através de menores deslocamentos. Nesse viés, vale ainda considerar que, como responsáveis pelo lar, com tarefas reprodutivas agregadas às tarefas produtivas, as mulheres mães necessitam ter suas demandas visíveis: Considerando apenas a população feminina, nota-se que havia fortes diferenciais entre a remuneração de mulheres com e sem filhos ou enteados menores de idade morando em suas residências. Contudo, os diferenciais variaram muito conforme a raça. Nos grupos de mulheres autodeclaradas amarelas, as mulheres com filhos ou enteados morando junto ganhavam mais que aquelas que não tinham filhos ou enteados morando junto. Algo semelhante, mas de menor intensidade, se observou no grupo das mulheres autodeclaradas brancas. Já entre as mulheres autodeclaradas pretas, pardas e indígenas, as maiores remunerações estavam nos grupos de mulheres sem filhos ou enteados morando junto. Esses fatos sugerem que a maternidade tem efeitos diversos sobre as remunerações das mulheres em diferentes grupos, (MINISTÉRIO DA Saúde, 2016, p.41)
Vê-se, portanto, que apesar das mulheres mães, no geral, sofrerem drasticamente com a incidência da opressão de gênero, mulheres não-brancas tem ainda mais dificuldades. 91
Principalmente, mas não somente, quando a mãe é sozinha e não conta como pai ou companheiro, necessita de uma rede de solidariedade para auxiliá-la no cuidado das crianças. Vasconcellos (2001) afirma que o fato de ser mãe faz com que seja necessário que as mulheres se aproximem mais seus trabalhos de suas casas. A pesquisa de Gilbert (2000), demonstra que esta não é uma opção para várias mulheres, assim problematiza-se esta generalização que dificilmente contemplará as classes mais baixas, justamente por restrições de acesso ao mercado de trabalho formal. A autora que pesquisou um bairro de classe baixa nos Estados Unidos, demonstra que as redes de relacionamento são um componente importante na hora de se conseguir um trabalho e que para as mulheres imigrantes o deslocamento costuma ser maior para o emprego, diferentemente das nativas que através de suas redes de parentesco e amizade conseguem trabalhar mais perto de suas casas, evidenciando assim as diferenças entre os grupos de mulheres. Há outras questões que podem incidir sobre esta diferença, como a religião, por exemplo. No mesmo sentido mulheres trabalhadoras de classe média e alta tendem a se locomover menos nas cidades por buscarem empregos em locais mais próximos de suas moradias ou em determinados setores da cidade, como o centro. Em contrapartida as mais pobres não têm escolha e se deslocam de acordo com suas necessidades de manutenção de vida. (SABORIDO, 1999 apud PONTES, 2016)
Refletir sobre a relação com a cidade, portanto, a partir dessa perspectiva, é de extrema relevância para contribuir para uma sociedade mais igualitária. Nesse sentido, considerar essas redes de apoio, criadas espontaneamente, como parte da dinâmica da vida dessas mulheres, também é elementar.
Além disso, é sugerido investir em programas que levem estimulem a produção e os saberes relacionados a cultura e dia-a-dia locais, como um meio eficaz de garantir instrumentalização e autonomia financeira a essas mulheres. Por fim, vale refletir também sobre a importância das centralidades locais como potencializadoras de geração de emprego para a população local, além de facilitar a dinâmica dos habitantes daquele espaço, quando comportam, conjuntamente, comércio, serviços e equipamentos urbanos públicos. Nesse caso, essas áreas, além da possibilidade de geração de renda, contribuem positivamente para a vida urbana das mulheres e suas dinâmicas. “[...] Antes o meu privilégio era exatamente fazer o meu trabalho perto de casa. Porque, como eu disse, eu vim morar na cidade alta e a universidade é na cidade alta. Aí eu fiz o trajeto de entrar na universidade e eu fui uma mulher preta que entrei na minha fase adulta tendo o meu emprego perto de casa. Mas agora as coisas voltaram, assim. Eu moro na cidade alta e trabalho no Centro, faço estágio no Centro. E também sendo uma dessas pessoas que não tem renda, pra fazer esse trajeto em Maceió, eu tenho muito tempo pra pensar. E sentir o que é andar de ônibus em Maceió. A minha proposta seria assim, é simples, pra mim, uma articulação da secretaria de saúde, de infraestrutura, de cultura... assim, sabe? Que consegue desenvolver economias locais nos bairros. Maceió tem vários exemplos de bairros de pessoas que começaram a se movimentar dentro do bairro depois de se frustrar muito tentando trabalhar do ou92
tro lado da cidade. Então, por exemplo, o Graciliano é um bairro que, quando eu fui morar lá perto, era uma cidade-dormitório. As pessoas trabalhavam no centro, como funcionários públicos, a maioria, e voltavam pra casa pra dormir. Muito tempo de serviço público, né, fez as pessoas garantirem uma estabilidade, primeiro. As pessoas se estabilizaram e começaram a investir em abrir seus próprios negócios pra complementar a renda no Graciliano. E aí, cê tem um desenvolvimento da economia, no Graciliano, pela gastronomia. Então você tem muito lugar pra comer no Graciliano. [...] Aí eu acho que cê tem duas estratégias que dá pra fazer de acordo com os dois tipos de periferia que cê tem em Maceió que é, por exemplo, o exemplo de como funciona a economia no Jacintinho e como as mulheres do Jacintinho mandam naquela economia e como funciona a economia do Graciliano e como as mulheres mandam na economia do Graciliano. Porque? O Graciliano não é um bairro criminalizado, mas é um bairro que tem um encontro das pessoas brancas e das pessoas pretas. É um bairro que, assim, tem gente branca, mas tem gente preta que mora. Então ele é uma periferia, entende? Ele é longe do centro, mas não é uma favela, não é uma grota. E aí, vários de nós, hoje em dia, depois de fazer a universidade, vamos traçar uma geração de mulheres negras que não fez faxina. Mas a gente não vai morar na Ponta Verde ainda. O que vai ficar reservado pra gente são as periferias, de sair das favelas e ir pros conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida, alguma coisa assim. E aí, nesses bairros, eu acho que assim, é interessante a estabilidade financeira, assim, das pessoas conseguirem ter emprego. [...] É importante estabilizar os bairros porque, se o Graciliano produz comida e o Jacintinho
produz roupa, esses bairros vão precisar se comunicar. O jacintinho não é uma referência gastronômica. O Graciliano começou a ser, um lugar que cê vai lanchar. Mas você não compra roupa no Graciliano. No Jacintinho cê compra roupa. E nenhum dos dois tá ligado, diretamente, ao centro da cidade. Que as pessoas já entenderam que é impossível chegar no centro da cidade em Maceió. Mas acho que o recado é, assim, os bairros podem ter economias complementares. E aí, se você não quiser investir em rede de ônibus, cê consegue fazer linhas principais entre as periferias. E não fazer linhas da periferia pra orla. [...] E aí, eu sei que tem outros exemplos, mas, é tudo pra dizer que eu acho que o jeito que as mulheres resistem em Maceió é o jeito que os bairros sobrevivem em Maceió. Como as mulheres daquele bairro conseguiram se organizar, diz sobre o que é que aquele bairro está sendo agora. E aí você sente qual bairro tá em transição, que bairro tem a potência de ser, circulando, né, conhecendo as pessoas, e aí eu acho que isso que é gestão de política pública pra mim, numa afroperspectiva.” – Larissa
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PROBLEMAS PARA AS MULHERES NEGRAS:
PARA AS MULHERES NEGRAS:
Racismo; Assédio nas ruas; Sobrecarga de tarefas produ vas e reprodu vas; Sensação de insegurança nos espaços públicos; Inacessibilidade de calçadas para mães com carrinhos de bebês e com crianças; Racismo ins tucional nos equipamentos de saúde e educação; Falta de saneamento adequado como causador de patologias; Insegurança gerada por vazios urbanos; Menor poder aquisi vo;
Universalização do tratamento de água; Universalização de esgotamento sanitário; Universalização da coleta de lixo; Calçadas adequadas; Escolas e creches próximas às residências; Centralidades com integração entre equipamentos urbanos de diversas naturezas; Centros de assistência à saúde e apoio psicológico à mulher; Presença em espaços de decisão e poder.
NA CIDADE: Lixo nas ruas Fragmentação da malha urbana; Ocupações de risco em grotas e encostas; Distância dos bairros analisados do centro da cidade;
NA CIDADE: Áreas de lazer pensadas para crianças, bem planejadas, e próximas às áreas residenciais; Mobilidade eficiente; Conexão entre bairros e suas centralidades;
CARÊNCIAS 94
NCIAS
MULHERES NEGRAS:
AS paradas nos trajetos diários; s maiores;
TENDÊNCIAS
mpo gasto nos deslocamentos; lização de espaços de lazer mais eli zados; PARA AS MULHERES NEGRAS: S NEGATIVAS gresso no ensino superior; Diversas paradas nos trajetos diários; mento do feminismo negro; Percursos maiores; Desvios; Maior tempo gasto nos deslocamentos; Pouca u lização deNA espaços de lazer mais eli zados; CIDADE: o da malha urbana POSITIVAS mento em bairros deingresso menor poder aquisi vo Maior no ensino superior; Fortalecimento do feminismo negro;
NA CIDADE:
Expansão da malha urbana Adensamento em bairros de menor poder aquisi vo
PARA AS MULHERES NEGRAS: Redes de apoio entre mulheres locais; Herança cultural negra; Movimento de mulheres negras; Melhor reflexão sobre as próprias experiências; Vocação comercial específica de cada bairro; Polí cas afirma vas racial e de gênero.
NA CIDADE: Aproveitamento de vazios urbanos; Faixas exclusivas para o transporte cole vo; Conexões entre as grotas; Lei da parada segura nos ônibus.
POTENCIALIDADES OBSERVAÇÕES:
A separação por mulheres negras e cidade, obje va uma melhor compreensão da síntese, porém, todos os itens foram pensados considerando a análise interseccional, bem como os bairros onde há maior população negra.
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CAP. 3
3. REFLEXÕES, DIRETRIZES E EXPECTATIVAS
3.1 REFLEXÕES Pensar a cidade à luz das tantas questões e dinâmicas abordadas, entendendo como raça, gênero e classe, correlacionam-se e impactam de maneira diversa, porém direta, as mulheres que habitam a cidade, é entender também que, a partir da compreensão dessas demandas, é possível atender de maneira efetiva toda a população. Isso porque as mulheres negras, apesar de serem maioria na sociedade, ocupam a base de uma pirâmide social quando esta base se refere ao local do esquecimento, negligenciamento e injustiça social. E é mais do que indispensável, ouvir e priorizar suas demandas a fim de provocar rupturas com o status quo, com o modelo padrão de políticas, dentre elas a gestão da cidade, em todas as suas esferas. Sendo assim, incluir e pensar a partir das demandas de grupos comumente silenciados ou invisibilizados é, na prática, subverter a lógica preexistente e projetar cidades, efetivamente, para todas e todos. Por fim, mais do que propostas em si, o trabalho aqui desenvolvido, buscou trazer reflexões, inquietações e provocações que não costumam ser feitas quando pensamos a cidade. A proposta é que, acima de tudo, essa articulação de informações e análises feitas, possa servir de instrumento capaz de estimular e catalisar novas práticas no desenho das nossas cidades, de uma maneira inclusiva, que considere as semelhanças, mas, prioritariamente, as especificidades de cada grupo social. Só assim, é possível pensar em ações e espaços democráticos, saudáveis e socialmente justos. Nesse sentido, planejar uma cidade saudá-
vel, portanto, é entende-la, antes de tudo, como uma engrenagem na qual todas as dinâmicas que fazem parte da vida urbana necessitam funcionar eficientemente. E para todas as pessoas, garantindo, enfim, o pleno direito à cidade.
3.2 DIRETRIZES A propostas de diretrizes a seguir é estabelecida a partir da síntese do diagnóstico, ou seja, os problemas, carências, tendências e potencialidades da cidade, priorizadas sob uma ótica interseccional, que é distribuída através de três critérios: estratégias, metas e indicadores. As estratégias são as sugestões de diretrizes, entre ações, intervenções e políticas públicas; as metas visam estabelecer objetivos para a implantação dessas diretrizes a curto, médio e longo prazos; e, por fim, os indicadores se apresentam como verificadores e possíveis medidores da eficácia sobre a aplicação dessas diretrizes.
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PLANO DE DIRETRIZES
INFRAESTRUTURA LOCAL E HABITAÇÃO
UTILIZAÇÃO DE VAZIOS URBANOS PARA CONSTRUÇÃO DE HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL CRIAÇÃO DE POSTOS DE AJUDA COM PROFISSIONAIS CAPACITADAS/OS PARA AÇÕES ANTI-ASSÉDIO E ANTIRRACISTAS GARANTIA DE QUALIDADE FÍSICA DE EQUIPAMENTOS URBANOS FORTALECIMENTO DAS UNIDADES DE VIZINHANÇA ATRAVÉS DO INCENTIVO À ECONOMIA LOCAL E IMPLANTAÇÃO DE EQUIPAMENTOS PÚBLICOS
MAIOR ILUMINAÇÃO PÚBLICA CRIAÇÃO DE PONTOS DE ARTICULAÇÃO DE MORADORAS E MORADORES DE BAIRROS MAIOR DIÁLOGO ENTRE PODER PÚBLICO E SOCIEDADE CIVIL
METAS
ESTRATÉGIAS
GARANTIA DE SANEAMENTO BÁSICO
GESTÃO E PROJETOS CONJUNTOS DE SECRETARIAS
EFETIVAÇÃO DE UM ESCRITÓRIO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA
QUANTIDADE DE PROJETOS E OFICINAS REALIZADAS
OFICINAS SOBRE REFORMA NAS COMUNIDADES
QUEDA NA QUANTIDADE DE VAZIOS URBANOS ŃÚMERO DE PROJETOS DE HIS
LEVANTAMENTO DE IMÓVEIS SUB-UTILIZADOS E VAZIOS URBANOS INÍCIO DOS PROJETOS DE REFORMA/HIS IMPLANTAÇÃO DOS POSTOS CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL MANUTENÇÃO CONSTANTE DOS EQUIPAMENTOS INVESTIR NA EXPANSÃO E MELHORIA DAS ÁREAS COM VOCAÇÃO COMERCIAL NOS BAIRROS POSSUIR EQUIPAMENTOS PÚBLICOS A CERCA DE 500M DAS RESIDÊNCIAS
QUANTIDADE DE MULHERES ATENDIDAS PESQUISA DE AVALIAÇÃO DO ATENDIMENTO ESTADO DE CONSERVAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DEMANDA DE CONSUMIDORES NOS BAIRROS CAMINHABILIDADE
SANEAMENTO BÁSICO EM 100% DOS 5 BAIRROS PRIORITÁRIOS
QUANTIDADE DE MORTES POR DOENÇAS INFECCIOSAS
ILUMINAÇÃO PÚBLICA EM 100% DAS VIAS PÚBLICAS
NOTIFICAÇÕES DA POPULAÇÃO SOBRE A ILUMINAÇÃO
IMPLANTAÇÃO DE SEDE DE REPRESENTANTES NOS BAIRROS REUNIÕES E VISITAS CONJUNTAS DE SECRETÁRIOS ÀS SEDES DE REPRESENTANTES
INDICADORES
GARANTIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E OFICINAS DE CAPACITAÇÃO EM PEQUENAS REFORMAS
PESQUISA DE SATISFAÇÃO COM REPRESENTANTES DOS BAIRROS
98
curto prazo
médio prazo
longo prazo
PLANO DE DIRETRIZES MOBILIDADE
ADEQUAÇÃO DE CALÇADAS ÀS NORMAS DE ACESSIBILIDADE
POSSUIR 100% DE RUAS ACESSÍVEIS ARBORIZAR BAIRROS RESIDENCIAIS ARBORIZAR RUAS E ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS
MELHORIA DE ARBORIZAÇÃO IMPLANTAÇÃO DE POSTOS DE SEGURANÇA À MULHER NOS BAIRROS, COM PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS INVESTIMENTO NAS CONEXÕES ENTRE AS GROTAS E OS EIXOS ESTRUTURANTES DA CIDADE EXPANSÃO DA FROTA DE ÔNIBUS MAIOR QUANTIDADE DE LINHAS EM CIRCULAÇÃO E INTEGRAÇÃO EXPANSÃO DE CICLOVIAS
INSTALAÇÃO DE, PELO MENOS, UM POSTO POR BAIRRO EM CONJUNTO COM OS POSTOS DE AJUDA
ATIVIDADE DOS POSTOS E QUALIDADE DO ATENDIMENTO
ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL
FUNCIONAMENTO E ATENDIMENTO À DEMANDA DO MODAL
IMPLANTAÇÃO DE MODAL DE TRANSPORTE ENTRE GROTAS E AVENIDAS PRINCIPAIS EM TODA A CIDADE
PESQUISA DE SATISFAÇÃO DE USUÁRIAS E USUÁRIOS
CRIAÇÃO DE NOVAS LINHAS DE TRANSPORTE
EXISTÊNCIAS E UTILIZAÇÃO DAS CICLOVIAS
CICLOVIAS EM, PELO MENOS, TODOS OS EIXOS ESTRUTURANTES DA CIDADE
INDICADORES
METAS
ESTRATÉGIAS
EXTENSÃO DO HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DO TRANSPORTE PÚBLICO
CAMPANHA DE CONSCIENTIZAÇÃO DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS SOBRE A LEI DA PARADA SEGURA E COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
EXISTÊNCIA DE ÁRVORES AO LONGO DOS PASSEIOS PÚBLICOS
CRIAR SISTEMA DE INTEGRAÇÃO
FISCALIZAÇÃO DA LEI DA PARADA SEGURA
CAPACITAÇÃO DOS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA
RESPEITO ÀS NORMAS DE ACESSIBILIDADE
QUANTIDADE DE NOTIFICAÇÕES SOBRE DESCUMPRIMENTO DA LEI DA PARADA SEGURA
PALESTRAS PARA MOTORISTAS SOBRE A TEMÁTICA VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA EM PONTOS DE ÔNIBUS E DENTRO DO TRANSPORTE
99
curto prazo
médio prazo
longo prazo
PLANO DE DIRETRIZES SAÚDE
CRIAÇÃO DE CENTRO DE APOIO PSICOLÓGICO À MULHER EM CADA BAIRRO COM ATENDIMENTOS HUMANIZADOS, SOB UMA ÓTICA INTERSECCIONAL UNIVERSALIZAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO, PRIORIZANDO OS BAIRROS COM MAIORES PRECARIEDADES
CONTRATAÇÃO APENAS DE FUNCIONÁRIAS MULHERES, PRIORIZANDO MORADORAS PRÓXIMAS
CAMINHABILIDADE DE CASA AO TRABALHO QUANTIDADE DE MULHERES EMPREGADAS DENTRO DE SEUS PRÓPRIOS BAIRROS
CAPACITAÇÃO DAS FUNCIONÁRIAS ATENDER 100% DA CIDADE COM SANEAMENTO BÁSICO, INICIANDO PELOS BAIRROS PRIORITÁRIOS
CAMPANHAS DE CONSCIENTIZAÇÃO COM PROFISSIONAIS DA SAÚDE
QUANTIDADE DE CAPACITAÇÕES REALIZADAS
DESENVOLVER E DIVULGAR CARTILHAS ENTRE PROFISSIONAIS
MAIOR VEICULAÇÃO DE CAMPANHAS SOBRE SAÚDE DA MULHER, COM VISITAS NOS BAIRROS
PORCENTAGEM DE ABRANGÊNCIA DA INFRAESTRUTURA DE SANEAMENTO BÁSICO NA CIDADE
DESENVOLVER PALESTRAS E DIVULGAR CARTILHAS SOBRE CONSCIENTIZAÇÃO DE DIREITOS E AÇÕES PREVENTIVAS RELATIVAS À SAÚDE
PRODUÇÃO DAS CARTILHAS
INDICADORES
METAS
ESTRATÉGIAS
PESQUISAS SOBRE A ATIVIDADE E QUALIDADE DO ATENDIMENTO
IMPLANTAÇÃO DE UM CENTRO POR BAIRRO
CONHECIMENTO DA CARTILHA ENTRE PROFISSIONAIS QUANTIDADE DE PALESTRAS E LOCALIDADES REALIZADAS CONHECIMENTO DA CARTILHA ENTRE HABITANTES
100
curto prazo
médio prazo
longo prazo
PLANO DE DIRETRIZES LAZER
PLANEJAMENTO DE LOCAIS ADEQUADOS PARA PERMANÊNCIA DE CRIANÇAS, PRINCIPALMENTE, EM RUAS DE GRANDE MOVIMENTO
CRIAR CENTROS CULTURAIS DE REFERÊNCIA EM FREQUÊNCIA DE USUÁRIAS/OS DO CENTRO TODOS OS BAIRROS, INICIANDO PELOS BAIRROS CULTURAL E PESQUISA DE SATISFAÇÃO DA PARTE ALTA DA CIDADE QUANTIDADE DE NOVAS ÁRVORES POSSUIR BIBLIOTECA PÚBLICA, ANFITEATRO E PLANTADAS POR REGIÃO QUADRAS DE ESPORTES FISCALIZAÇÃO DE ATENDIMENTO ÀS TER AULAS E OFICINAS ARTÍSTICAS NORMAS
INFRAESTUTURA ADEQUADA DE PRAÇAS E OUTROS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS
POSSUIR ARBORIZAÇÃO ADEQUADA, ACESSIBILIDADE, BANCOS E PARQUINHOS
LINHAS E TRANSPORTES ALTERNATIVOS EM DIAS DE EVENTOS FESTIVOS NA CIDADE, PARTINDO DOS PONTOS DO EVENTO AOS BAIRROS MAIS DISTANTES
DISPONIBILIZAR LINHAS DE ÔNIBUS COM HORÁRIO ESTENDIDO EM FERIADOS E DIAS DE GRANDES EVENTOS NA CIDADE
MANUTENÇÃO DOS ESPAÇOS DE LAZER
CONTRATAR FUNCIONÁRIAS/OS RESPONSÁVEIS PELO CUIDADO DOS ESPAÇOS DE LAZER
FOMENTO ÀS IDEIAS E REALIZAÇÕES DE EVENTOS EM DIVERSAS LOCALIDADES DA CIDADE
EDITAIS DE INVESTIMENTOS EM EVENTOS ORGANIZADOS POR COLETIVOS
QUANTIDADE DE PARQUINHOS CONSTRUÍDOS ORGANIZAÇÃO DE CALENDÁRIO DOS EVENTOS E PARCERIA COM EMPRESAS DE TRANSPORTE
INDICADORES
CAMPANHAS CONTRA TODAS AS FORMAS DE PRECONCEITO, VEICULADAS EM ESPAÇOS DE LAZER PÚBLICOS
METAS
ESTRATÉGIAS
CRIAÇÃO DE CENTROS CULTURAIS E DE ESTUDO EM CADA BAIRRO, COM INCENTIVO ÀS EXPRESSÕES ARTÍSTICAS LOCAIS
NÚMERO DE FUNCIONÁRIAS/OS CONTRATADOS PUBLICAÇÃO E RESULTADOS DOS EDITAIS VISIBILIDADE DAS CAMPANHAS
VEICULAR AS CAMPANHAS DENTRO E FORA DE ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS
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curto prazo
médio prazo
longo prazo
PLANO DE DIRETRIZES EDUCAÇÃO
CONSTRUÇÃO DE ESCOLAS QUE ATENDAM ÀS DEMANDAS LOCAIS, PERMITINDO QUE TODAS E TODOS TENHAM ESCOLAS PRÓXIMAS DE SUAS RESIDÊNCIAS INVESTIMENTO NA MELHORIA E GARANTIA DA QUALIDADE DO ENSINO PÚBLICO CAMPANHAS ESCOLARES DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE COMBATE ÀS VIOLÊNCIAS E DIVERSAS FORMAS DE PRECONCEITO
PROGRAMA DE BOLSAS PARA INCENTIVO AOS ESTUDOS PARA MULHERES MÃES DE BAIXA RENDA
METAS
ESTRATÉGIAS
ESTÍMULO AO ENSINO A PARTIR DE DIVERSAS ÓTICAS, PARA ALÉM, DA EUROCÊNTRICA
RÁPIDO E FÁCIL ACESSO ÀS CRECHES E ESCOLAS
ESCOLAS E CRECHES A UMA DISTÂNCIA CAMINHÁVEL DE CASA
CONSTRUÇÃO DE NOVAS CRECHES E ESCOLAS PRIORIZANDO AS PERIFERIAS
CRECHES E ESCOLAS EM TODAS AS UNIDADES DE VIZINHANÇA
CAPACITAÇÃO CONSTANTE DE PROFESSORES DAS ESCOLAS PÚBLICAS QUANTO ÀS QUESTÕES RACIAIS, DE GÊNERO E OUTRAS QUESTÕES SOCIAIS
NOVAS ABORDAGENS PEDAGÓGICAS QUALIDADE DAS INSTALAÇÕES DAS CRECHES E ESCOLAS
INVESTIMENTO NA MELHORIA E MANUTENÇÃO DA INFRAESTRUTURA ADEQUADA DAS CRECHES E ESCOLAS
ADESÃO AO USO DAS CARTILHAS
AUMENTO DE SENSIBILIDADE INVESTIMENTO EM CARTILHAS ESCOLARES QUE CRÍTICA DAS/DOS ESTUDANTES ENSINEM SOBRE CULTURA, CONTEXTO E HISTÓRIA E DESEMPENHO ESCOLAR DO ESTADO DE ALAGOAS, INCLUINDO ESTUDOS QUANTIDADES DE EXCURSÕES SOBRE SEGREGAÇÃO ESPACIAL, QUESTÕES REALIZADAS INDÍGENAS E AFRO-BRASILEIRAS EXCURSÕES ANUAIS À SERRA DA BARRIGA COM AS/OS ESTUDANTES CRIAÇÃO DE EDITAL LOCAL DE AJUDA DE CUSTO PARA PERMANÊNCIA NOS ESTUDOS
INDICADORES
CRECHES GRATUITAS EM TEMPO INTEGRAL PRÓXIMAS ÀS ESCOLAS E DENTRO DAS UNIDADES DE VIZINHANÇA
PUBLICAÇÃO DO EDITAL E RESULTADOS
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curto prazo
médio prazo
longo prazo
PLANO DE DIRETRIZES EMPREGO E RENDA
INCENTIVOS FISCAIS ÀS MULHERES MICROEMPREENDEDORAS
PROPICIAR MAIS MULHERES A ABRIREM O PRÓPRIO NEGÓCIO
QUANTIDADE DE NOVOS NEGÓCIOS ABERTOS POR MULHERES
EDITAIS DE INVESTIMENTO EM PROJETOS DE COLETIVOS FEMININOS
FORTALECER AS RELAÇÕES ENTRE MULHERES E ESTIMULAR A GERAÇÃO DE IDEIAS
NOVOS PROJETOS CRIADOS POR COLETIVOS
FOMENTO À ECONOMIA LOCAL DOS BAIRROS, ATRAVÉS DA DIVULGAÇÃO DAS VOCAÇÕES COMERCIAIS DOS BAIRROS
DAR VISIBILIDADE ÀS ESPECIFICIDADES COMERCIAIS DE CADA BAIRRO MAIOR INCENTIVO À POPULAÇÃO A EXPLORAR O COMÉRCIO DE SEU BAIRRO
CONSUMO EM PEQUENOS COMÉRCIOS
CRIAÇÃO DE LINHAS DE TRANSPORTE ESPECÍFICAS CONECTANDO AS CENTRALIDADES DOS BAIRROS OCUPADOS PELA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA
PERFIL DE CONSUMO DA COMUNIDADE LOCAL
FORTALECIMENTO COMERCIAL E UNIÃO ENTRE AS PERIFERIAS
COMÉRCIOS COM VOCAÇÕES COMPLEMENTARES ENTRE OS BAIRROS
INDICADORES
METAS
ESTRATÉGIAS
FORTALECIMENTO E GARANTIA DE CONEXÃO DIRETA ENTRE AS CENTRALIDADES DOS BAIRROS
MUDANÇA DA LUCRATIVIDADE DE PEQUENOS COMÉRCIOS E MICROEPREENDORAS/ES
ACESSIBILIDADE ÀS CENTRALIDADES
RELAÇÕES ENTRE AS/OS REPRESENTANTES DESSES BAIRROS
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curto prazo
médio prazo
longo prazo
3.3 EXPECTATIVAS A cidade é uma teia muito complexa. E, ao passo que vamos descobrindo como sanar algumas demandas e encontrando possibilidades para os mais diversos questionamentos, outros tantos desafios se formam. No entanto, nós, arquitetas, arquitetos e urbanistas, podemos ter um importante papel nesse processo de subversão das estruturas de poder. Diferentes demandas sociais existem e nós podemos passar a refletir sobre elas. É inerente a esta profissão, a prática de solução das mais variadas problemáticas. E quando elas são impostas pela história e lógica de ordenamento das cidades, o desafio é ainda maior. A estrutura racista e patriarcal que vivemos é brutal. Não há como não debatermos sobre como as vidas de mulheres negras são impactadas diariamente por isso. E não podemos deixar de pensar no papel da academia como um possível instrumento de revolução enquanto espaço de construção do saber e da reflexão crítica. No entanto, composta por pessoas e, portanto, um reflexo da sociedade, a universidade pode ainda manter essas mesmas estruturas. Não é à toa que casos de racismo também acontecem dentro desse espaço, que trabalhos como o aqui desenvolvido sejam, muitas vezes, desencorajados e que pareça tão difícil encontrar profissionais arquitetas negras, por exemplo. Em tempos onde direitos vêm sendo gradualmente retirados, saber reconhecer a importância de se posicionar é essencial. E quando falamos sobre isso é, no intuito de dizer que, não basta apenas que não façamos parte ou não sejamos coniventes
com aqueles que reproduzem ou agem, inclusive conscientemente, em prol da manutenção da estrutura de poder e hierarquização entre pessoas, dadas por questões étnico-raciais, de gênero, sexualidade, classe social e outras. É preciso, para além disso, que nos posicionemos efetivamente. Que façamos desses espaços que ocupamos, espaços que debatam estratégias para subversão dessas lógicas impostas e que busquem incessantemente por equidade em todos os sentidos até que a realidade social seja como as tantas ideias e expectativas sugeridas e narradas ao longo dessa construção. Enquanto profissionais, portanto, não devemos nos abster. O questionamento colocado aqui é, então, até quando iremos continuar executando os mesmos erros e reproduzindo as mesmas práticas, sem priorizar as necessidades de grupos que, apesar de maioria, são constantemente negligenciados, e quando iremos buscar partir de outras narrativas. Narrativas essas que, pela experiência própria, podem e devem protagonizar suas propostas. É, a partir dessas falas, dessas narrativas, que se torna possível atender demandas e, mais que isso, expectativas. São essas mesmas idealizações que precisam ser, sempre, o ponto de partida para pensar as cidades do futuro.
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“Poxa, eu queria uma cidade que a gente tivesse tempo. Mas que fosse um tempo que a gente faz as pazes com ele, sabe? Que não é o tédio. É tempo. De fazer as coisas que a gente quer fazer. Eu queria uma Maceió que desse isso a gente, assim... que não nos desgastasse com os obstáculos, sabe, assim... sair de casa e ir pro ponto de ônibus, pegar um ônibus e não sei o que... Queria que fosse uma cidade que fluísse [...] acho que tudo ia mudar se a gente tivesse um sistema de transporte que realmente conectasse as pessoas. Porque as pessoas de Maceió têm muitas ideias. A galera sabe muita coisa. A galera da Lagoa sabe umas coisas que cê não imagina, assim... [...] parece outro mundo. E eu sinto que, quando as pessoas em Alagoas estão conectadas, elas fazem revoluções. Então eu queria Maceió pra minha filha que ela fosse pra escola, mas que ela fizesse uma atividade à tarde que ela gostasse, que eu ia ter tempo de fazer o rango dela também. Tempo. Tempo. Eu queria recuperar o tempo das pessoas conversarem, serem saudáveis mesmo. É isso (risos).” – Larissa
“Uma cidade ideal pra minha filha. Olha... eu queria que ela pudesse usar bastante bicicleta, de boa (risos). Se ela tivesse que usar o transporte público, pra não se preocupar com questão do horário. Que ela tivesse acesso às coisas perto, assim, mais básicas, principalmente a saúde, assim. Um hospital que eu soubesse que atenderia em caso de emergência perto... E a escola que tivesse mais suporte, assim, pro bairro, sabe? Que fizesse ela se sentir pertencente. E conseguisse compreender essas demandas deles. Acho que seria essa cidade mais, assim, que eu consigo planejar (risos) nesse momento. Sem preocupar com saneamento básico. A questão da energia também, ter uma casa pra ela que ela conseguisse ter outros meios de energias renováveis, que não dependesse tanto de apenas um lugar. Eu acho que seria isso (risos).” – Pâmela
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“Uma cidade ideal pra todo mundo, né. Porque quando a gente pensa em ideal, a gente pensa em abranger toda a população [...] porque a nossa teoria é essa, a nossa política é essa: a partir do momento que você começar a discutir o racismo, em que você começar a entender o que se passa com uma pessoa negras, então vai haver uma melhor integração entre negros e brancos e as pessoas não vão ser mais racistas [...] enquanto nosso povo não conhecer os fundamentos de ser negro, não vai rolar nenhuma cidade. Eles vão continuar matando negros, continuar achando que a mulher negra é objeto e cada dia tá mais difícil, viu... [...] É preciso que se entenda isso. Que você sendo negro, sendo pardo, você não queira se passar por branco, em hipótese nenhuma e nem branco querer ser negro pra se aproveitar das cotas, né. Os brancos já protagonizaram tudo o que tiveram direito. Tiveram privilégios, né. Todos. Só você ser branco que você já entra em privilégio. Não tem como dizer que não. Então eu vejo dessa forma. Um projeto político, porque precisa ser político, né, que haja... tudo no mundo é político, né.” – Ângela
“Uma cidade ideal pra mim, seria uma cidade, como diziam os gregos, seria uma Callipolis. E o que é uma Callipolis? É uma cidade justa, bonita, solidária. E pra que a gente consiga isso na sociedade brasileira, seria uma sociedade que fosse pautada nos princípios do cuidado, da solidariedade, da responsabilidade e da ética. Ou seja, uma sociedade igualitária. [...] E a gente sonha com uma sociedade igualitária, sem racismo, sem homofobia, sem lesbofobia, sem transfobia. Uma sociedade que todos e todas possam participar, efetivamente, dos processos sociais e políticos dessa sociedade. E que ela seja pautada no bem viver. [...] nós haveremos de resistir. E ir pra luta. Na busca de conservar aqueles direitos que conquistamos e ainda lutar por mais direitos.” – Maria Aparecida
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“Menina, uma cidade ideal é... eu digo que se você precisa saber como vivem as pessoas de uma cidade você tem que olhar para as mulheres, né? Pra mim, uma cidade ideal é onde as mulheres tenham qualidade de vida, tenham acesso ao serviço, acesso à educação, saúde de qualidade pra seus filhos e para ela e que tenha até como passear. Tenham parque, tenham espaço de lazer, tenham acessibilidade de andar com os seus bebês no asfalto, que tenham todos os serviços no sentido amplo, que ela não precise sair do seu bairro, que o mesmo seja estruturado, que tenha saneamento básico que é saúde, né? Que tenha habitação digna e que não precise pensar em habitação fora do padrão. Acesso a água potável de boa qualidade, energia barata, que tenha lazer. Isso porque pensam que pobre não tem direito à lazer, e lazer é teatro, é poder ir ao cinema, é poder ir à praia com segurança e voltar, é ter circo, passear na cidade que tenha muito verde, muita vegetação, muita fartura,
fartura no bom sentido, de que seja boa para os olhos [...] como Caetano diz: “A gente não quer só bebida, a gente quer bebida, comida, diversão e arte”. Aonde a gente possa viver com todo o nosso potencial né. Ter direito a esporte para que os nossos filhos poderem correr na rua sem medo de uma bala perdida, né. E eu acho que isso não é muito e é possível. Tranquilamente possível. [...] Para mim, só é possível sem racismo, sexismo, homofobia... Tudo é possível quando você consegue descolonizar, desconstruir um padrão instituído de forma centenária, quem sabe milenar... de que nós não somos, porque não existe coisa mais cruel saber que para o outro você não é, né? Acho que isso é nos tirar a humanidade. O racismo desumaniza o ser humano, mas eu acho que não é impossível. É urgente, é necessário e é possível fazer.” – Vanda
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