UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
COMO PRÁTICA POLÍTICA: ARQUITETURA
A LUTA PELO DIREITO À MORADIA
Orientadores: Profª. Drª. Débora Sanches Prof. Esp. Guilherme Lemke Motta Prof. Dr. Milton Vilhena Granado Júnior
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Débora Sanches, que todos os dias me inspira através do seu olhar sensível e humano, por sua atuação no campo da habitação social, na defesa do direito à moradia digna e à cidade. Agradeço muito por todas as trocas, incentivo, dedicação e compreensão ao longo de toda essa jornada que foi o Trabalho Final de Graduação e a Iniciação Científica. Gratidão por tudo!
Aos professores que contribuíram com a minha formação, pelos ensinamentos e paciência. Agradeço especialmente, àqueles que me apresentaram vivências acerca dos temas de habitação social, assessoria técnica, sobre os movimentos sociais de moradia e as possibilidades de troca entre a universidade, pessoas e contextos reais. São eles: Débora Sanches, Celso Aparecido Sampaio, Viviane Manzione Rubio, Denise Antonucci, Vólia Regina Costa Kato, Ana Gabriela Godinho Lima, Lizete Maria Rubano e Antonio Aparecido Fabiano Junior.
Agradeço também, aos meus professores do ensino fundamental e médio. Se não fosse o apoio e confiança em mim, eu não teria chegado até aqui.
Aos amigos que conquistei ao longo desses anos, que compartilharam a jornada da graduação em Arquitetura e Urbanismo comigo. Por todas as trocas, risadas e até mesmo as noites viradas regadas a desespero. Nossa pluralidade nos tornou melhores, obrigada!
A Victória Vicente, que foi muito parceira e me acompanhou até o Jardim São Savério, compartilhou
suas vivências e experiências acerca do território. Agradeço a simpatia e disponibilidade sempre!
À Graça Xavier, Paula Pachoal e participantes da Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste, especialmente as famílias do Projeto Dandara. O encontro e partilha de vivências com vocês foi imprescindível na minha formação profissional e pessoal.
Agradeço de todo meu coração ao Bernardo e Natália, que estiveram ao meu lado a todo momento e não mediram esforços em me ajudar, secar minhas lágrimas e incentivar sempre. Bernardo, essa graduação também é sua!
Aos meus pais, Marcos e Marli, que não tiveram condições de fazer uma faculdade, mas sempre me incentivaram e não mediram esforços em me dar o suporte necessário para chegar até aqui. Agradeço especialmente ao meu pai, que não dormiu diversas noites, me ajudando a montar as temidas maquetes!
Também agradeço ao meu irmão, Gabriel, que nos momentos de correria esteve disposto em ajudar!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
A LUTA PELA CASA E PELA TERRA: A DIMENSÃO URBANA DO HABITAR
1.1 A crise habitacional e a expansão urbana da cidade de São Paulo
1.2 Os programas habitacionais e as novas velhas políticas
1.3 O direito à cidade e à moradia digna
ARQUITETURA COMO PRÁTICA POLÍTICA
2.1 Arquitetura para quem?
2.2 O arquiteto e ATHIS: a busca pela efetivação de direitos
OS MOVIMENTOS SOCIAIS DE MORADIA E AS LUTAS COLETIVAS
3.1 O papel político dos movimentos sociais
3.2 Uma nova proposta: a autogestão na habitação
3.3 A comunidade e a assessoria técnica: desenvolvimento de saberes
TERRITÓRIO DE LUTAS
4.1 O Jardim Celeste
4.2 Análise urbana do território
4.3 Projeto Dandara
4.4 Novas possibilidades: proposta projetual
O lar não é um simples objeto ou um edifício, mas uma condição complexa e difusa, que integra memórias e imagens, desejos e medos, o passado e o presente. Um lar também é um conjunto de rituais, ritmos pessoais e rotinas do dia a dia (PALLASMAA, 2017, p.18).
INTRODUÇÃO
O presente trabalho surge a partir das inquietações acerca da formação e atuação dos arquitetos em uma sociedade complexa e repleta de contradições. A problemática urbano e habitacional das cidades brasileiras, fortemente marcadas por questões de desigualdade, são negligenciados pela atuação de grande parte desses profissionais, evidenciando o caráter de naturalização da realidade de vulnerabilidade da ampla maioria da população brasileira.
A partir dessas constatações, torna-se evidente que o modelo é contra os pobres que estão longe de constituírem minoria em nossa sociedade” (MARICATO, 2015, p.63). Logo, a atuação dos movimentos sociais por moradia junto às assessorias técnicas despontam como novas possibilidades de produzir cidades e garantir o direito de acesso à uma moradia digna. Desta forma, atuando na contra-hegemônia, esses agentes se demonstram fundamentais na resistência e luta por direitos, voltando o olhar aos setores populares (FIOROTTO, 2020).
“Arquitetura como prática política” é uma alternativa à lógica mercadológica que se sobressai em relação aos direitos assegurados à população. Se constitui como um espaço democrático, onde a troca de saberes e o trabalho coletivo são tão relevantes quanto o produto final a ser atingido.
Ao longo da minha formação, tive a oportunidade de vivenciar um pouco dessas experiências. Foi possível sair do campo das teorias
apresentadas dentro da grade curricular e conhecer parte da realidade das nossas cidades e de diversas famílias que as vivenciam de formas tão diferentes. Por meio dessas possibilidades de encontro e troca, comecei a questionar a lógica elitista da nossa formação e que tipo de arquiteta eu gostaria de tornar.
Por meio dessa trajetória conheci a Graça Xavier e o Jardim São Savério, e assim, pude desenvolver esse trabalho, pautado em trocas e vivências. Toda a proposta projetual se baseou nos desejos e reivindicações da população acerca das questões urbanas do território e das necessidades habitacionais das famílias. Além disso, toda a discussão abordada foi essencial para fundamentar o trabalho e desenvolver saberes.
HABITAR
A crise habitacional e a expansão urbana da cidade de São Paulo
A problemática habitacional das cidades brasileiras possuem características histórico-estruturais, que perpassam anos de tentativas falhas visando sanar a questão. Maricato (2011, p.95) recorda que “não é por falta de leis que a maioria da população brasileira foi historicamente excluída da propriedade formal da terra, no campo ou na cidade no Brasil”. Ela ainda lembra que, a partir do momento que se institui a Lei de Terras em 1850, diversas leis e outros instrumentos de regulamentação são oficializados, contudo mais de um século e meio depois, a aplicação quase nula desses instrumentos de garantia de direitos ainda é uma realidade a ser enfrentada.
Primeiramente, é imprescindível reconhecer que as questões da propriedade fundiária estão intimamente conectadas às relações de poder e que “o patrimonialismo está ligado à desigualdade social histórica, notável e persistente, que marca cada poro da vida no Brasil.” (MARICATO, 2015, p.27). Desta forma, conclui-se que “a propriedade da terra continua a ser um nó na sociedade brasileira” (MARICATO, 2011, p. 185)
e por consequência, o acesso à moradia digna é afetado, uma vez que se trata de um direito vinculado a uma porção de terra. A partir desse pressuposto, se propõe uma breve análise dos fatores históricos responsáveis por desencadear o atual cenário de crise urbana e habitacional da cidade de São Paulo.
A rápida e desordenada ocupação da cidade de São Paulo no final do século XIX, é resultado dos desdobramentos da economia do café na região, responsável por desencadear a expansão do mercado de trabalho e, portanto, o aumento do número de trabalhadores migrantes e imigrantes. Como consequência, surgem graves problemas urbanos relacionados à saúde pública, como a contaminação da água e do esgoto. (BONDUKI, 2017). É nesse contexto que se consolida a primeira crise habitacional da cidade.
Como afirma Bonduki (2017), os problemas que despertavam preocupação nas autoridades públicas estavam relacionados àqueles que agravavam as condições higiênicas das habitações. Desta forma, os locais de moradia dos trabalhadores, fortemente
marcados por condições de precariedade e vulnerabilidade, era uma delas. Os diferentes modos de habitar a cidade, ainda que de escala reduzida, contrapunham os diferentes modos de vida da elite e dos trabalhadores, resultando nos primeiros indícios de segregação espacial e social.
O problema da habitação popular no final do século XIX é concomitante aos primeiros indícios de segregação espacial. Se a expansão da cidade e a concentração de trabalhadores ocasionaram inúmeros problemas, a segregação social do espaço impedia que os diferentes estratos sociais sofressem da mesma maneira os efeitos da crise urbana, garantindo à elite áreas de uso exclusivo, livres de deterioração, além de uma apropriação diferenciada dos investimentos públicos. (BONDUKI, 2017, p.28)
O problema das graves condições de vida na cidade, obrigou o poder público a assumir um novo papel ainda na Primeiro República e começar a intervir nas questões relacionadas à produção e consumo das habitações. É importante lembrar que o Estado liberal evitava ao máximo intervir na esfera privada (BONDUKI, 2017), contudo:
A (ir)racionalidade da produção capitalista de edifícios, o loteamento indiscriminado e a precariedade dos
serviços de água e esgoto, a cargo de empresas privadas, entre outros, passaram a constituir séria ameaça à saúde pública. Por isso, o controle estatal da produção do espaço urbano não só foi aceito como também reivindicado, ainda que predominasse as concepções liberais. (BONDUKI, 2017, p.35).
Sendo assim, o poder público atuou controlando as condições sanitárias das habitações, mas também visou ações relacionadas à criação de legislação e normas de saneamento, implantação de rede de água e esgoto e urbanização da região central da cidade. Desta forma, o controle sanitário passa a ser entendido como um instrumento de ordem, encontrando forte adesão das classes mais abastadas, que temiam ser atingidas por doenças. Como lembra Paulo Saldiva (INSPER, 2021), o sanitarismo foi, por um lado, um modo de tentar resolver os problemas urbanos da cidade, contudo, sempre através de um viés autoritário, que se mantém até os dias atuais. Configura-se, portanto, o processo de expulsão dos trabalhadores das regiões centrais da cidade de São Paulo. (BONDUKI, 2017).
Como citado anteriormente, até então, a produção habitacional estava concentrada nas mãos da iniciativa privada, condição que se estendeu até a Era Vargas. Durante esse período, as relações de poder social, econômico e político estavam associadas às posses de patrimônios, sob a forma de terras ou
imóveis. (MARICATO, 2015). Contudo, há uma mudança na forma de se pensar sobre a habitação, segundo Bonduki (2017, p.22, grifo do autor):
Se processa nas décadas de 1930 a 1950 uma intensa problematização do tema da habitação, buscando caracterizá-la como um bem específico, que não pode ser produzido e comercializado como qualquer outra mercadoria, [...] uma não mercadoria, mas um serviço público.
Tal problematização pode ser explicitada pelo intenso crescimento populacional da cidade de São Paulo, especialmente a partir da década de 1940, que não é acompanhado pelo aumento do número de oferta de moradias. Tal desequilíbrio é consequência das modificações econômicas pelas quais o país passava, período em que o controle dos aluguéis (Lei do Inquilinato) e as restrições de acesso à financiamentos de incorporação de edifícios acabaram por desestimular a construção de habitação pelo mercado privado, ao mesmo tempo que, as iniciativas estatais eram insuficientes. É nesse contexto que a construção das casas pelos próprios trabalhadores, nas regiões periféricas, começa a se tornar uma prática recorrente.
Sendo assim, as transformações decorrentes da ditadura Vargas, desestimularam os investimentos privados no setor, resultando em duas alternativas: a intervenção estatal na questão da habitação, através
da racionalização e economia na produção das moradias e o autoempreendimento da moradia, construída pelos próprios trabalhadores nas regiões periféricas da cidade. (BONDUKI, 2017).
Neste período o tema da habitação ganha visibilidade ao se tornar parte do novo modelo de desenvolvimento do país, se configurando como fator econômico estratégico para a sua industrialização. Os trabalhadores são submetidos à lógica de que a conquista da moradia digna dependia exclusivamente da sua vontade, e também que a casa própria, mesmo periférica e precária, era mais vantajosa do que os cortiços nas áreas centrais. Configura-se assim o “padrão periférico de crescimento urbano em São Paulo, modelo que viabilizou a solução habitacional baseada no trinômio loteamento periférico - casa própria - autoconstrução.” (BONDUKI, 2017, p.20).
Este modelo de crescimento periférico, significou o aumento do custo de urbanização e implantação de infraestrutura nessas áreas recém ocupadas. “A cidade de crescimento ilimitado é um mal. Quanto maior, mais cara é sua administração per capita.” (MORAIS, 1942, p.113 apud. BONDUKI, 2017, p.102). Desta forma, a segregação espacial dos trabalhadores resultou em uma falsa sensação de barateamento da moradia, que ainda hoje, custa caro às políticas públicas e aos trabalhadores afastados das zonas de centralidade.
Segundo Maricato (2011), a partir de 1970 vai se propagando a consciência de que a autoconstrução
praticadas nas regiões periféricas não é uma escolha, mas uma consequência dos baixos salários dos trabalhadores. Contudo:
Segue-se um período de profunda escassez de recurso e desmonte da ação do Estado central (1985-2003), onde a informalidade e a autoconstrução se tornam, em dimensão e importância, o principal meio de produção do urbano, chegando mesmo a serem reconhecidas como alternativas no aparato legal federativo. (BALBIM, 2022, p.14).
Desta forma, se torna evidente que “As alternativas de habitação, que incluem infraestrutura e serviços urbanos, demandadas pela maior parte da população não são encontráveis nem no mercado, nem nas políticas públicas.” (MARICATO, 2015, p.81) e que apesar de participante do sistema produtivo capitalista, o trabalhador é excluído do mercado habitacional (MARICATO, 2015) e mais do que isso, excluído do acesso à cidade. Caracteriza-se assim, uma lógica opressora que rege as dinâmicas urbanas dos territórios, na qual a maioria da população é tratada como minoria, invisibilizada e excluída da cidade hegemônica. Sendo assim:
As áreas ambientalmente frágeis - beiras de córregos, rios e reservatórios, encostas íngremes, mangues, áreas alagáveis e fundos de vale - que, por
essa condição, merecem legislação específica e não interessam ao mercado legal, são as que “sobram” para a moradia de grande parte da população.
As consequências dessas gigantescas invasões são muitas: poluição dos recursos hídricos e dos mananciais, banalização de mortes por desmoronamentos, enchentes, epidemias etc. (MARICATO, 2015, p.82)
Logo, conclui-se que “A dificuldade de acesso à terra regular para habitação é uma das maiores responsáveis pelo explosivo crescimento de favelas e loteamentos ilegais nas periferias das cidades.” (MARICATO, 2011, p.95). Se faz clara a necessidade de enfrentar a naturalização da realidade de vulnerabilidade de diversas famílias que vivem na irregularidade, em habitações precárias, adensadas e periféricas. O direito à moradia digna e à cidade devem ser garantidos através de políticas públicas eficientes, que com seriedade, se responsabilize a enfrentar o cenário habitacional e urbano das cidades brasileiras. No próximo tópico, serão analisados os programas Minha Casa Minha Vida e Casa Verde e Amarela, com a intenção de entender como o Estado tem respondido à problemática habitacional por meio desses instrumentos. Além disso, busca-se desenvolver um diagnóstico crítico e comparativo entre os programas.
Os programas habitacionais e as novas velhas políticas
A ausência de políticas habitacionais continuadas, a distribuição desigual dos investimentos e serviços públicos, o alto custo da terra urbana e o rentismo vinculado à produção habitacional, geraram cidades segregadas, com periferias distantes e extensas áreas de pobreza e de informalidade habitacional (NUNES; SUGAI, 2021, [Internet]).
Como explicitado anteriormente, a problemática habitacional das cidades brasileiras possui características histórico-estruturais que perpassam anos de tentativas falhas, visando sanar a questão. Posto que o direito à moradia digna é controverso à lógica hegemônica e perversa, que entende a cidade e a moradia como produtos mercadológicos - conforme observado por Ermínia Maricato (2015), as alternativas de enfrentamento são pouco efetivas. Entre 2003 e 2016, “ocorreu a produção de um sistema de desenvolvimento urbano e de HIS associado às lutas históricas pela reforma urbana”
(BALBIM, 2022, p.14). Nesse período destinaram-se recursos para a produção de mercado das pautas que defendem o direito à moradia digna, através da produção social da moradia (BALBIM, 2022). A partir de 2016, aprofunda-se a lógica mercadológica da cidade e da habitação, enfraquecendo esses processos.
Recentemente (2021) lidamos com o desmanche de um programa habitacional federal consolidado, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009 durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como substituto, surge o Programa Casa Verde e Amarela (CVA), regulamentado em janeiro de 2021. Em ambos os programas, percebe-se a associação, ainda de que modos distintos, da política de habitação ao desenvolvimento urbano das cidades - prática já utilizada pelo Banco Nacional da Habitação (BALBIM, 2022, p.19).
Ainda que existissem diversas falhas e pontos a serem reestruturados no programa, e que de modo geral, tenha resultado em baixos impactos no déficit habitacional, abrangia uma ampla gama de pessoas e permitia ações coordenadas por movimentos sociais
de moradia através da autogestão, na modalidade Entidades, uma experiência pioneira de produção social da moradia institucionalizada dentro de uma política pública. (BALBIM, 2022). Dessa forma, é importante recordar que:
Pela primeira vez na história do Brasil, o governo federal reservou subsídios em volume significativo, para que as camadas de mais baixa renda não ficassem de fora da produção habitacional. Mas como a moradia é uma mercadoria especial (porque é vinculada à terra, uma condição não reproduzível), os subsídios incidiram no aumento do preço da terra. (MARICATO, 2015, p.39).
Dentre os programas, é possível analisar diferenças e consonâncias, fato que demonstra a continuação de políticas públicas que não correspondem às reais necessidades consolidadas no território brasileira. Sendo assim, torna-se perceptível “como essas práticas similares, se não anulam, acabam por fragilizar formas mais democráticas e participativas de produção da cidade, contribuindo para perpetuar o modelo de desenvolvimento urbano brasileiro” (BALBIM, 2022, p.26).
Os dois programas surgem por meio de Medida Provisória,
[...] um ato de exceção ao procedimento
legislativo, que em função de seu uso desvirtuado vem sendo, apenas quando interessa a setores específicos, ou seja, de maneira circunstancial, questionado nesses quase quarenta anos da CF/1988 (BALBIM, 2022, p.27).
As similaridades de proposições apresentadas ao legislativo foram gravemente afetadas quando o Programa Casa Verde e Amarela se propôs a revogar práticas programáticas consolidadas no programa anterior, instituindo três novas bases:
Primeiro, mudança da forma de destinação dos imóveis da União. Segundo, transformação profunda da lógica e do objetivo da regularização fundiária. E, terceiro, por meio de “uma jogada de marketing”, a extinção da marca MCMV e o fim do subsídio à produção habitacional necessária para a mais baixa renda. Com a MP do CVA, o MCMV passa automaticamente a se chamar CVA, inclusive tudo aquilo que já havia sido contratado (BALBIM, 2022, p.28)
Diferentemente do que era proposto pelo MCMV-Entidades, uma alternativa à produção hegemônica, que previa uma linha de crédito via ConCidades, por meio da operação de recursos do Fundo de Desenvolvimento Social para a produção de
moradias através dos movimentos sociais organizados, a instituição do CVA acontece em um momento em que a lógica do desenvolvimento das políticas públicas desconsideram a participação e o controle social (BALBIM, 2022). Ou seja, apresenta-se como um regresso das duras lutas empreendidas durantes longos anos pelos movimentos sociais, e também, para a política de Assessoria Técnica para Habitação de Interesse Social.
Outro ponto relevante a se observar está no fato que o novo programa se institui no contexto de pandemia de Covid-19, momento em que as mazelas presentes na sociedade brasileira se tornam evidentes. Contudo, nenhuma medida de enfrentamento da problemática habitacional é tomada nesse período em que a casa se faz sinônimo de segurança.
Dentre as principais diferenças entre os programas está o fato de que o CVA prevê linhas de crédito destinadas à regularização fundiária - “a lógica é a da assimilação da informalidade como oportunidade econômica de expansão do circuito espacial superior da economia urbana” (BALBIM, 2022, p.11). Outro novo aspecto trazido pelo programa CVA, está na política para a destinação de imóveis públicos da União, para fins além do habitacional, rendidos às propostas feitas pelo mercado imobiliário (BALBIM, 2022) . Além disso, novas mudanças aprovadas aumentam as faixas de renda, beneficiando o mercado imobiliário (TIEGHI, 2022), excluindo famílias mais pobres,
que compõem grande parte do déficit habitacional. Portanto, mais uma vez, os ideais mercadológicos e da mais-valia se sobressaem em relação aos direitos daqueles mais pobres e vulneráveis (HARVEY, 2014).
MINHA CASA MINHA VIDA
FAIXA 1,5 FAIXA 1 FAIXA 02FAIXA 03
RENDA DE ATÉ R$ 1.8 MIL
RENDA DE ATÉ R$ 2.6 MIL
RENDA DE ATÉ R$ 4 MIL
RENDA DE ATÉ R$ 7 MIL
Tabela 01. Faixas de renda Programa Minha Casa Minha Vida. Fonte: https://www.gov.br/mdr/pt-br/ultimas-noticias/casa-verde-e-amarela-atualiza-faixas-de-renda-e-reduz-juros-para-financiamento-de-imoveis.
XCASA VERDE E AMARELA
GRUPO 01 GRUPO 02 GRUPO 03
RENDA DE ATÉ
R$ 2.4 MIL
RENDA ENTRE R$ 2.400,01 E R$ 4.4 MIL
RENDA ENTRE
R$ 4.400,01 E R$ 8 MIL
Tabela 02. Faixas de renda Programa Casa Verde e Amarela. Fonte: https://www.gov.br/mdr/pt-br/ultimas-noticias/casa-verde-e-amarela-atualiza-faixas-de-renda-e-reduz-juros-para-financiamento-de-imoveis.
Visto que o CVA não muda estruturalmente em nada a política habitacional, apenas encerra sua produção para a faixa de mais baixa renda e faz ajustes cosméticos na habitação via Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entende-se que suas outras duas inovações possam ser fruto da visão economicista do urbanismo, o aprofundamento da “urbanização do neoliberalismo” (Brenner e Theodor, 2002 apud. BALBIM, 2022, p.34).
Portanto, conclui-se que o novo programa habitacional, não busca soluções para enfrentar a questão do acesso à moradia digna, logo, não configura-se como uma política pública social. Rendido à lógica do mercado, torna-se apenas mais uma medida de baixa efetividade para lidar com uma problemática gigantesca que aflige a maioria das famílias nas cidades brasileiras, ainda mais em um cenário pós-pandêmico.
O direito à cidade e à moradia digna
“É necessário repensar totalmente a complexidade dos sistemas que constituem o urbano” (MONTANER; MUXÍ, 2021, p.64). É a partir dessa reflexão que se coloca em questão as formas pelas quais as cidades se formaram e mais do que isso, seus desdobramentos ao longo do tempo. É extremamente importante compreender a necessidade de se enfrentar a lógica liberal hegemônica que rege as nossas cidades, que replicada por diversas vezes, contribui para o aprofundamento de dinâmicas que reforçam grandes problemáticas presentes na sociedade, como o individualismo e as desigualdades sociais.
[...] nas últimas décadas, por causa da pressão dos processos especulativos, especialmente no fim do século XX e início do XXI, o planejamento urbano perdeu o valor de defesa do público e tendeu a legitimar os direitos da propriedade privada e dos investidores.
Colocou-se a serviço das estratégias neoliberais, dos capitais globais e da financeirização das cidades, acima das
necessidades da coletividade (MONTANER;MUXÍ 2021, p.90).
Se faz claro, portanto, que “o direito à cidade, como ele está constituído agora, está extremamente confinado, restrito na maioria dos casos à pequena elite política e econômica, que está em posição de moldar as cidades cada vez mais ao seu gosto” (HARVEY, 2012, p.87). Desta forma, para subverter a lógica dominante, se faz necessário recuperar a cultura do comum a partir da cidade, o maior bem já criado e transmitido pela sociedade ao longo dos tempos (MONTANER; MUXÍ 2021). Portanto, é necessário legitimar o direito à cidade conforme defendido por David Harvey (2012, p.74), ao lembrar que ele “[...] está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade”, ou seja, recuperar seu sentido de direito democrático e coletivo, afim de criar cidades mais justas.
Historicamente, desde a II Guerra Mundial, temos o início de uma onda de criações de leis acerca dos direitos humanos universais. (MONTANER; MUXÍ, 2014,
p.17). O direito à moradia foi reconhecido pela primeira vez no século XX, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948, como um direito fundamental para a vida dos seres humanos (CARLA, 2017). A partir de então, vários outros tratados internacionais foram assinados reconhecendo a questão, como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos promulgado em 1996. O Brasil é membro da Organização das Nações Unidas (ONU), portanto, teoricamente reconhece esse direito garantido por leis. Contudo, apesar do conhecimento da questão, enfrenta-se grandes dificuldades quanto à sua implementação.
Em âmbito nacional, também encontra-se o direito à moradia descrito na promulgação da Constituição Federal em 1988, mesmo que de forma indireta. Somente em 2000 com a Emenda Constitucional nº26, o direito à moradia é diretamente citado como um direito social (CARLA, 2017).
Entretanto, é fundamental entender que:
[...] o ato de habitar é também um ato simbólico que, imperceptivelmente, organiza todo o mundo do habitante. Não apenas nossos corpos e necessidades físicas, mas também nossas mentes, memórias, sonhos e desejos devem ser acomodados e habitados. Habitar é parte de nosso próprio ser, da nossa identidade (PALLASMAA, 2017. p.08).
Desta forma, por moradia entende-se mais do que um espaço composto por paredes e uma cobertura, deve também significar o acesso a um lar e comunidade seguros para se viver com dignidade. A Lei é clara, define que cabe ao Estado (União, estados e municípios) garantir o acesso a esse direito, através da criação de políticas públicas que enfrentam a problemática habitacional e urbana consolidadas nas cidades brasileiras, entretanto, sua aplicabilidade está rendida à lógica da moradia como uma mercadoria.
Carlos Cazalis define que uma moradia digna deve incluir: Segurança da posse; Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; Custo acessível; Habitabilidade; Não discriminação e priorização de grupos vulneráveis; Localização adequeada e por fim, Adequação cultural. Logo, entende-se que o direito à moradia depreende o direito à cidade, questão afirmada por Juhani Pallasmaa (2017, p.07) ao dizer que “[...] o modo de habitar é o modo básico de alguém se relacionar com o mundo”.
A partir das análises, se torna evidente portanto, que a questão do acesso à moradia está fortemente vinculada ao seu preço, que é consequência da sua localização (MARICATO, 2004), logo, “quando alguém compra uma casa, está comprando também as oportunidades de acesso aos serviços coletivos, equipamentos e infra-estrutura” (MARICATO, 2004, p. 43). Compreende-se assim, a ocupação das áreas periféricas e ambientalmente frágeis da cidade pela
população de baixa renda, visto que são porções do território desinteressantes para o mercado legal, locais que caracterizam a urbanização dos baixos salários (MARICATO, 2015).
Sendo assim, conclui-se que é imprescindível enfrentar a lógica de que “a cidade é um grande negócio e a renda imobiliária, seu motor central” (MARICATO, 2015, p. 23) e assim repensar a máxima que define que “a qualidade da vida urbana tornou-se uma mercadoria para os que têm dinheiro [...]” (HARVEY, 2014, p. 46).
Figura 02. Mobilização por moradia e pelo direito a cidade em 2018. Foto: Katia Passos/Jornalistas Livres. Imagem disponível em: https://mst.org.br/2021/07/16/jornada-de-lutas-mobiliza-maisde-dez-estados-e-exige-fora-bolsonaro/. -da-prefeita-erundina-e-referencia-internacional/.
ARQUITETURA COMO PRÁTICA POLÍTICA
Arquitetura para quem?
Com base em toda discussão levantada até o momento, se faz notória a relação entre a política e a cidade. É importante lembrar que “a palavra ‘política’ deriva do grego polis, isto é, a cidade como agrupação ordenada de cidadãos livres e diferentes que se auto-organizam na política para interagir no mundo” (MONTANER; MUXÍ, 2014, p.15). Contudo, como observado, hoje em dia tal relação se enfraqueceu.
Logo, reconhecer a relação entre a arquitetura e o urbanismo com as questões políticas se torna fundamental. Demonstra-se cada vez mais necessário compreender as dinâmicas que refletem as transformações no cenário das cidades, bem como, assumir as responsabilidades decorrentes das ações que são tomadas dentro desse campo (MONTANER; MUXÍ, 2014).
A responsabilidade dos intelectuais não se reduz a uma tomada de posição moral, mas exige pelo menos três tipos de exercícios de tal responsabilidade: em primeiro lugar, não apenas contribuir para as dinâmicas urbanas perversas
por meio de estudos, publicações e projetos, mas também desenvolver uma atividade crítica permanente; segundo, utilizar seus conhecimentos para entender e explicar os mecanismos e as contradições que geram essas dinâmicas e participar das reações sociais de quem se opõe à elas; e por último, contribuir com a elaboração de propostas transformadoras dos mecanismos perversos e, assim gerar culturas alternativas. (MONTANER; MUXÍ, 2014, p.12).
Como recorda Montaner e Muxí (2014), o urbanismo surgiu como uma disciplina de intervenção sobre o território com a intenção de organizar as dinâmicas que se viriam a se desenvolver nele, mas também, apresentou uma vocação de transformar e melhorar suas questões sociais, focado em construir espaços mais justos e menos desiguais. Contudo, “essa vocação política foi desaparecendo em grande parte do urbanismo atual” (MONTANER; MUXÍ, 2014, p.09) e isso pode ser observado, por exemplo, na lógica que rege
as dinâmicas urbanas das cidades brasileiras, rendidas ao capitalismo especulativo. Encontramos, portanto, um grande impasse onde a “teoria e a prática” se estabelecem de modos extremamente controversos. Contudo, é relevante pensar que desde o final da década de 1960, a arquitetura sofre com uma crise geral onde a produção arquitetônica entra para a sociedade de consumo, e dessa forma, passa a ser encarada de modo racional e padronizado, perdendo, em grande parte, seu caráter artesanal e crítico (MONTANER; MUXÍ., 2014). Entretanto, as primeiras proposições acerca da relação entre arquitetura e sociedade surgem a partir de meados do século XIX, lembrando que “não teria sido possível propor a função social da arquitetura antes da configuração da esfera do social e do estabelecimento dos conflitos de classe” (MONTANER; MUXÍ, 2014, p.42).
A partir do surgimento do movimento moderno, dos conflitos dentro da Bauhaus e da realização dos CIAM, consolidou-se esta dualidade nas teorias e propostas dos arquitetos: por um lado, a primazia da visão social, [....], o arquiteto deve ser um técnico a serviço da sociedade, do trabalho coletivo e da produção em série; por outro lado, a ênfase na sociedade liberal e na figura do arquiteto como criador [...] (MONTANER; MUXÍ, 2014, p.46).
Se estabelece a partir de então, a predominância da segunda posição que configura o caráter tradicional e elitista do papel dos arquitetos dentro da sociedade capitalista. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, “dentre 50 milhões de brasileiros que já fizeram obras de reformas ou construção, 82% não contrataram serviços de profissionais tecnicamente habilitados, arquitetos ou engenheiros.” (CAU/BR, 2022, [Internet]). Ou seja, a maior parte da população ainda constrói de modo irregular, sem qualquer tipo de registro de responsabilidade técnica sobre projeto e execução.
Tal questão é reflexo dessa visão elitizada acerca da profissão, que se demonstra pouquíssimo acessível para comunidades e famílias que compõem a maior parte da população brasileira. Logo, entende-se a necessidade de discutir a popularização da profissão, ainda mais diante do atual cenário urbano e habitacional brasileiro, em que o déficit habitacional foi estimado em 5.876.699 domicílios e cerca de 24 milhões de domicílios apresentaram ao menos um tipo de inadequação (infraestrutura, edilícia e de inadequação fundiária), segundo dados levantados pela Fundação João Pinheiro (2019). Ademais, é importante lembrar que os números apresentados acima certamente estão desatualizados visto o período de crises múltiplas que o país tem enfrentado no contexto pós-pandêmico.
Em entrevista concedida ao Conselho de
Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul, Alis Josefides, arquiteta e urbanista com atuação na questão da habitação social, afirmou: “Arquiteto é visto como artigo de luxo. A falta de entendimento da população em geral, sobre o que o arquiteto faz, é cultural. A quebra desse paradigma somente se dará com a aproximação do arquiteto e urbanista em todas as camadas da sociedade” (CAU/RS, 2017, [Internet]). Ela ainda recorda que a “função social do arquiteto” é muito maior do que construir casas, é preciso pensar em um urbanismo inclusivo, que garanta o direito à cidade e a todas as estruturas que ela possa oferecer (CAU/RS, 2017).
Além disso, é fundamental defender e aplicar a teoria do “urbanismo do comum”. Este se propõe a dar voz às pessoas e comunidades, para que participem ativamente das tomadas de decisões acerca das questões que interferem no seu cotidiano e modos de viver na cidade, ou seja, que elas sejam protagonistas das políticas públicas que vão atendê-las (MONTANER; MUXÍ, 2021). Desta forma, para que a atuação social de fato se faça efetiva, é fundamental o apoio e organização do poder público para lidar com as demandas urbanas.
O comum deve ser interpretado como uma ação constante, uma atividade compartilhada e aberta, um exercício de corresponsabilidade e como um pertence [...] O comum não é uma coisa,
mas relações sociais que comportam uma dinâmica viva de autogoverno da riqueza social (MONTANER; MUXÍ., 2021, p.93).
É justamente a partir dessas questões que se desenvolve o trabalho de Assessoria Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS), próximo tema a ser abordado. As assessorias técnicas visam atuar caminhando na contra-hegemônia, encarando e questionando o real cenário urbano das nossas cidades, com a intenção de propor mudanças significativas nas formas de habitar o território.
Em resumo, a ação política a partir da arquitetura sempre existiu, apesar de haver profissionais que negam essa relação e que fazem política por omissão. Se a política é a organização social de um grupo que se desenvolve em um espaço, o lugar no qual esse espaço é criado será integrador ou segregador, inclusivo ou excludente, estará orientado de acordo com a aspiração à redistribuição da qualidade de vida ou com a perpetuação da exclusão e domínio de poderes. É por isso que a arquitetura é sempre política. (MONTANER; MUXÍ, 2014,p.66-67).
Figura 03. Vista aérea evidenciando o contraste socioespacial entre a favela de Paraisópolis e edifícios de luxo no Morumbi na cidade de São Paulo. Imagem disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-08-04/os-mapas-da-pandemia-revelam-as -desigualdades-na-america-latina.htmlal/.
O arquiteto e ATHIS: a busca pela efetivação de direitos
Com base nas questões anteriormente apresentadas, compreende-se a importância de intervir no cenário de precariedades consolidado nas cidades brasileiras e garantir o direito à habitação e à cidade. Os profissionais arquitetos e urbanistas já não podem negligenciar a realidade das nossas cidades, e também, a necessidade de ampliar seu campo de atuação, chegando às camadas populares através da democratização dos serviços prestados.
O debate sobre a participação social e a moradia digna no Brasil data da década de 1960, no âmbito do contexto de intensificação da urbanização e dos problemas relacionados à habitação. A luta pela Reforma Urbana é um importante marco deste período, cujos princípios são retomados na década de 1980, no período de redemocratização do país. Na década de 1960, Carlos Nelson dos Santos inicia, ainda enquanto estudante, uma importante experiência de projeto participativo na favela Brás
Pina, Rio de Janeiro. Tal experiência inspira outras iniciativas realizadas a partir dos anos de 1980, culminando na formação das primeiras assessorias técnicas. (SANCHES, 2015, p.119)
Historicamente, é relevante recordar o momento de surgimento dos processos participativos vinculados às assessorias técnicas, uma vez que relacionam-se à luta de movimentos sociais e famílias carentes, pela conquista de direitos (SANCHES, 2015). Os projetos eram desenvolvidos através de metodologias participativas, uma abordagem distinta daquela promovida pelo governo, enfrentando a padronização das unidades que já eram entregues prontas. Além disso, os arquitetos também auxiliavam no diálogo entre as comunidades e o poder público, facilitando a comunicação entre os dois lados (SANCHES, 2015).
O final da década de 1970 viu surgir uma série de movimentos populares em luta por direitos, incluindo as populações mais pobres vivendo em assentamentos informais, das periferias e favelas das
cidades, bem como outros setores da sociedade, profissionais da classe média urbana (arquitetos, engenheiros, advogados) que, a partir de suas articulações no campo sindical passaram também a apoiar e integrar esta coalizão. (NUNES; SUGAI, 2021, [Internet]).
Nesse período, primeiramente na cidade de Porto Alegre, dá-se início a atuação em torno da Assistência Técnica para Moradia Econômica (ATME), considerada o embrião para o que viria a ser hoje reconhecido como ATHIS (NUNES; SUGAI, 2021). Já em São Paulo, é formada uma cooperativa de arquitetos que posteriormente viriam a compor o Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo (SANCHES, 2015).
No final dos anos 1980, surgem na cidade de São Paulo os mutirões autogeridos organizados pelas assessorias técnicas e movimentos sociais de moradia (NUNES; SUGAI, 2021). Influenciados pelas experiências uruguaias de construção de ajuda mútua realizadas pela Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua (Fucvam), tais atividades marcaram a origem das assessorias técnicas, junto aos movimentos sociais pelo direito à habitação de interesse social em regime de autogestão, ou seja, com a efetiva participação da população nas tomadas de decisões e em alguns casos, nas obras através de
mutirões (NUNES; SUGAI, 2021).
Conforme afirma Nunes e Sugai (2021), em um primeiro momento, os mutirões eram uma crítica a falta de atuação do governo frente aos crescentes problemas habitacionais, contudo, a partir de certo ponto essa prática passa a ser incorporada pelo Estado, através do programa Funaps Comunitário, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) em São Paulo.
Figura 04. Luiza Erundina participa da solenidade de lançamento do projeto habitacional São Francisco, no Jardim Santo André, em São Mateus, na zona leste. Imagem disponível em: https://www.cedem.unesp.br/#!/noticia/173/habitacao-social-da-prefeita-erundina-e-referencia-internacional/.
A partir de então, instituiu-se um novo campo de trabalho para os arquitetos, atuando junto aos movimentos sociais de moradia. Contudo, é fundamental recordar que ao longo do tempo as diferentes gestões trataram a questão da habitação de modos muito distintos, refletindo no modo como a produção habitacional viria a se desenvolver. Durante a vigência do Programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, a atuação em ATHIS esteve restrita à modalidade Entidades (2009-2016), já no atual programa federal vigente, Casa Verde e Amarela, não há espaço para tais práticas.
Apesar do panorama apresentado até aqui, somente em 2008 foi sancionada a Lei n° 11.888/2008, conhecida como Lei de Assistência Técnica. Tal lei assegura o direito de acesso das famílias de baixa renda - até 3 salários-mínimos - à assistência técnica pública e gratuita para projeto de edificação, reforma, ampliação, regularização fundiária e construção de habitação de interesse social, em todas as suas fases. A assistência técnica pode ser oferecida às famílias ou a grupos organizados que representam-nas, ou seja, admite em seu processo a atuação junto aos movimentos sociais de moradia.
A assessoria técnica, diferentemente do escritório convencional tem como método de trabalho, o apoio técnico com equipe interdisciplinar no processo como um todo, começando pela luta
pelo direito à cidade e à moradia digna, passando pela elaboração do projeto de forma participativa até o acompanhamento no pós-uso, em muitos casos. Desta forma, a apropriação dos moradores é incorporada ao longo de todo o processo. (SANCHES, 2015, p.144).
Demonstra-se assim a relevância da atuação de arquitetos, dentre outros profissionais de diferentes áreas - visto a multidisciplinaridade da questão - no campo de ATHIS. Ainda, Mascia (2020, p.76) afirma que no recente contexto de pandemia “trazer o direito à assistência técnica para todos que não possuem as condições mínimas de moradia também é política de saúde”. Contudo, a assessoria técnica ainda é pouco reconhecida no Brasil e a Lei nº11.888, pouco efetiva, visto a necessidade de serem utilizadas como subsídios para programas habitacionais criados por municípios e estados (SANCHES, 2015).
Desta forma, compreende-se que a lógica dos programas habitacionais vigentes na cidade de São Paulo, mas também em caráter nacional, não prioriza a assessoria técnica como método de trabalho para lidar com os problemas no campo da habitação. Na maior parte das vezes, são as próprias famílias que dentro dos movimentos sociais unem forças e contratam os serviços, fato que demonstra sua baixa efetividade e pouca difusão no campo das políticas públicas, apesar de ser um direito legalmente garantido.
Como consequência a esse cenário de divergências e incertezas, as assessorias técnicas enfrentam grandes dificuldades para se manterem ativas - mesmo aquelas com longos anos de atuação -, apesar do contexto de grave crise habitacional que se constitui nesse período pós-pandêmico. Em São Paulo, mesmo com os diversos problemas, assessorias antigas como Peabiru, Usina e Ambiente Arquitetura, além de outros novos grupos que surgiram mais recentemente, como a FIO, continuam os trabalhos junto aos movimentos sociais de moradia.
Visto as questões expostas, também se faz clara a importância de reconhecer o êxito das experiências desenvolvidas até o momento e de fato, utilizá-las como base para efetivar programas habitacionais que atendam a população através de ATHIS. Tal demanda apenas será alcançada através da união de forças para lutar por políticas públicas que incorporem e viabilizem a assessoria técnica, reconhecendo-a de fato, como um direito das famílias mais pobres e vulneráveis que estão em busca de moradia digna.
Figura 05. Reconhecer cenários e histórias reais para construir coletivamente novas possibilidades. Imagem disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/972598/as-varias-faces-do-at his-assessorias-tecnicas-para-habitacao-de-interesse-social/61 a10b2293dd1269175aa9e8-as-varias-faces-do-athis-assessorias -tecnicas-para-habitacao-de-interesse-social-foto?next_projec
Figura 06 e Figura 07. Mutirão Paulo Freire, projeto desenvolvido pela Assessoria Técnica Usina. Na primeira imagem, vemos o processo de discussão de projeto junto aos futuros moradores; já na segunda, vemos o projeto pronto e ocupado. Imagens disponíveis em: https://www.archdaily.com.br/br/767957/usina-25-anos-mutirao -paulo-freire.
Figura 08 e Figura 09. Conjunto Vila Patrimonial, projeto desenvolvido pela Assessoria Técnica Ambiente Arquitetura. Na primeira imagem, vemos famílias trabalhando na obra; já na segunda, vemos o projeto pronto. Imagens disponíveis em: https://ambientearquitetura.com/trabalhos/conjunto-vila-patri monial-2/.
OS MOVIMENTOS SOCIAIS DE MORADIA E AS LUTAS COLETIVAS
O papel político dos movimentos sociais
Os movimentos sociais de moradia são atores fundamentais na luta por direitos e justiça social, através de ações coletivas e democráticas dão voz àqueles negligenciados pelas políticas públicas. Historicamente, o surgimento dos movimentos sociais está vinculado ao contexto de ampliação das desigualdades sociais e precariedades nas cidades durante o regime militar no país (FIOROTTO, 2020). O processo acelerado de periferização da população pobre, distanciando-os da infraestrutura urbana, obrigou os trabalhadores a percorrerem longos percursos diariamente, privando-os dos momentos de ócio (FIOROTTO, 2020, p.40).
Desta forma, buscava-se dissolver a vida coletiva e ao mesmo tempo, o espaço para o debate e contestação das questões políticas vigentes. Contudo, a população sofria com as péssimas condições de vida, e assim, deu-se início às primeiras mobilizações. Maricato (2015, p.30), reforça que no início dos anos 1980 “a economia apresentava uma queda acentuada, ao mesmo tempo que lutavam contra o governo ditatorial, movimentos sociais e operários elaboravam
plataformas para as mudanças políticas com propostas programáticas”.
A década de 1980 assistiu ainda a abertura democrática, as primeiras eleições livres após duas décadas de ditadura, o surgimento de novos partidos políticos, centrais sindicais e a Promulgação da Constituição Cidadã de 1988. O período dos anos 1970 e 1980 foi marcado pela atuação dos grupos progressistas ligados à Igreja Católica, particularmente por meio das Comunidades Eclesiais de Bases e as Pastorais Sociais [...] (BARBOSA, COMARÚ, 2019, p.19)
De fato, os movimentos populares surgem propondo um novo cenário, voltando o olhar para as regiões periféricas e vulneráveis da cidade. Desta forma, tornavam-se representantes da luta política de diversas famílias, pela conquista de direitos e cidadania nos mais diversos campos, relacionados às “questões de moradia, educação, saúde, trabalho, lazer, dos direitos da criança e do adolescente, entre outros”
(BRANDÃO apud. FIOROTTO, 2020, p. 41). Logo, “como todos os direitos humanos, o direito à moradia é construído cotidianamente através da luta de movimentos sociais” (ONDE…, 2021, [Internet])
Segundo Tanaka (2004, apud. FIOROTTO, 2020), os movimentos sociais são importantes atores de propulsão de mudanças para a sociedade, através da união de indivíduos plurais em torno de uma causa coletiva, reivindicando a melhoria da qualidade de vida. Gohn (1997, p. 251), ainda afirma:
Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política.
Ao olhar especificamente para a questão da moradia, os movimentos passam a se formar quando moradores de favelas, cortiços e loteamentos periféricos autoconstruídos começam a se organizar em associações e sociedades de bairro (BARBOSA; COMARÚ, 2019). Eles reivindicam por melhorias nas questões de infraestrutura urbana, serviços públicos e pelo direito à moradia digna, reconhecido posteriormente na constituição, na Lei Federal do Estatuto da Cidade e em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário (BARBOSA; COMARÚ, 2019). Em 1990, são feitas diversas
experimentações de políticas, programas e projetos locais, muitos deles alavancados pela mobilização dos movimentos populares, como o Programa de Mutirão e Autogestão, anteriormente citado, gerido pela prefeita Luiza Erundina em São Paulo (BARBOSA; COMARÚ, 2019).
Uma vez que “as alternativas de habitação, que incluem infraestrutura e serviços urbanos, demandadas pela maior parte da população não são encontradas nem no mercado, nem nas políticas públicas” (MARICATO, 2015, p. 81), a atuação dos movimentos sociais de moradia se torna imprescindível. Na atual conjuntura de crise pandêmica, não foi diferente, o trabalho empreendido por esses agentes atingiu campos que excedem a questão habitacional, foram responsáveis por atuar através de uma grande rede de solidariedade, dando suporte à diversas famílias em situação de vulnerabilidade (FIOROTTO, 2020).
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Segundo relato feito por Graça Xavier coordenadora da UNMP (União Nacional por Moradia Popular), durante entrevista realizada ao longo do desenvolvimento da pesquisa - as questões passaram por um processo de aprovação do Comitê de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aprovado no parecer 5.352.554 com identificação na Plataforma Brasil pelo CAEE 57036322.1.0000.0084 -, a UMM-SP (União dos Movimentos de Moradia de São Paulo) e a UNMP entregaram cerca de 300 mil cestas básicas desde o começo da pandemia em 2020, um trabalho feito por meio da identificação das regiões e famílias mais necessitadas. Além disso, ela ainda recorda as parcerias feitas com as mulheres dos movimentos para a confecção de máscaras, oferecendo suporte na provisão de recursos para arcar com as contas neste período. Outro aspecto que Graça lembra, está associado às campanhas de informação e conscientização da população acerca da importância de vacinar-se, os movimentos trouxeram os postos de saúde até as comunidades, aproximando-as do acesso a esse direito essencial.
Figura 12. Ato pelo direito à moradia na Avenida Paulista, em São Paulo. Imagem disponível em: https://mst.org.br/2019/10/02/movimentos-de-moradia-convoc am-jornada-nacional-de-luta/
Ainda sobre o direito à moradia, os movimentos constantemente reafirmam a importância da casa, especialmente neste período de crise sanitária. Enquanto se propagava o discurso de “fique em casa” (MARIZ, 2020), eles denunciavam o agravamento da crise habitacional, observada por exemplo, no aumento da possibilidade de despejos (MARINO et al., 2020), seja pela dificuldade em se pagar o aluguel - cujo índice IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) teve um aumento significativo, alcançando 24,52% no mês de novembro de 2020 (COLETIVO ALUGUEL EM CRISE, 2021) ou pelas remoções coordenadas em plena pandemia, obrigando diversas famílias a se submeterem a condições ainda mais cruéis. Logo, em um contexto geral, a mobilização desses atores coletivos se demonstra indispensável. Além de lutar ativamente por questões plurais, os movimentos podem ser considerados verdadeiras escolas de cidadania. São responsáveis por formar agentes de transformação social, que ao reconhecer seus direitos e deveres, reivindicam por questões que perpassam as políticas públicas, ou seja, de fato agem politicamente. Sendo assim, torna-se possível concluir que o direito à moradia, bem como, “o direito à cidade [...] será dado menos por instituições formais, normas legais de política urbana ou de planejamento urbano, e mais pelas lutas sociais” (MARICATO, 2015, p. 97).
Uma nova proposta: a autogestão na habitação
Como abordado anteriormente, os movimentos sociais de moradia emergem no cenário da política habitacional e urbana, protagonizando importantes reivindicações e transformações, atuando de forma propositiva na configuração das nossas cidades. Uma pauta extremamente relevante defendida pelos movimentos de moradia desde o final dos anos de 1980, que se alinha aos ideais defendidos pelas assessorias técnicas para habitação de interesse social, é a proposta de autogestão na produção habitacional.
Temos o direito de intervir e de participar da política de forma ativa, pela gestão coletiva, democrática e participativa na produção habitacional. Neste processo, as ações estão voltadas para a construção de um espaço mais humanizado, mais solidário, ampliando o horizonte de conquistas por meio da luta popular. Por isso defendemos a Autogestão, como princípio e objetivo de luta (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019).
A autogestão é um instrumento de luta e de organização popular que garante o direito das famílias de participar, de fato, do processo de conquista de uma moradia digna. Trata-se de “[...] um modelo organizativo coletivo que possui direção política e está apoiado nos conceitos da participação, da ajuda mútua, do saber popular, solidariedade, justiça social e utopia, como condutores da ação” (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019, p. 12). Difundida por diversos movimentos sociais de moradia em todo o território brasileiro, tem sua base fundamentada nas experiências de produção habitacional por autogestão uruguaio, citadas anteriormente.
Os processos autogestionários são espaços horizontais e participativos, de luta e resistência, onde o desenvolvimento e mobilização dos setores populares são princípios fundamentais. Promove-se discussões acerca dos saberes no campo econômico, social e político, fazendo com que a população reconheça seus direitos. São nos espaços de coletividade e da partilha das responsabilidades, que o sentido de pertencimento é construído, fazendo assim, com que a participação
da comunidade permaneça ativa (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019). Portanto, “é a partir da organização popular, da sua estrutura e de sua representatividade, que o processo autogestionário na produção de moradia ganha forma” (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019, p.24).
Além disso, através dos processos de autogestão enfrenta-se a lógica hegemônica de produção habitacional privada financiada com os recursos públicos, ou seja, da moradia como um produto mercadológico que deve produzir mais-valia. Portanto, se configura como uma alternativa de resistência às políticas que defendem a intervenção mínima do Estado e a lógica das privatizações dos serviços públicos, que favorecem o mercado e apenas visam o lucro (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019).
Através dessa proposta, as famílias se organizam em comissões, que fazem a administração e coordenação das várias frentes de trabalho durante o processo de conquista da moradia, além de participar de tarefas em mutirão (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019). É imprescindível lembrar da responsabilidade e cuidado que os processos participativos requerem, uma vez que recursos públicos estão sendo gerenciados, portanto, a transparência e o compromisso coletivo de aplicação, fiscalização e garantia do acesso às informações financeiras desses recursos são essenciais (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019). Ademais, defende-se a economia solidária, buscando fazer com que os recursos públicos realmente cheguem aos trabalhadores e não favoreçam ainda mais os grandes setores de acumulação do capital. Paul Singer (2002, p.10) define a economia solidária na seguinte afirmação:
Figura 13. Os ganhos com os processos de autogestão. Imagem disponível em: https://autogestao.unmp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/cartilha_autogestao.pdf.
A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade e a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige
mecanismos estatais de redistribuição solidária da renda. Em outras palavras, mesmo que toda atividade econômica fosse organizada em empreendimentos solidários, sempre haveria necessidade de um poder público com a missão de captar parte dos ganhos acima do considerado socialmente necessário para redistribuir essa receita entre os que ganham abaixo do mínimo considerado indispensável.
Outro aspecto importante relacionado à participação popular pode ser observado nas experiências autogestionárias. O número de mulheres se demonstra muito maior do que o de homens nos movimentos populares, muitas vezes são elas que estão trabalhando tanto nas bases quanto na coordenação, assumindo responsabilidades na gestão do movimento. Desta forma, “as mulheres possuem um papel de protagonismo na luta pelo direito à moradia e o direito à cidade na organização dos movimentos sociais” (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019, p. 23).
participação política. Através da autogestão, é possível elaborar projetos sob a perspectiva da mulher, reproduzindo espaços que permitam a recolocação das vivências domésticas pautadas nas conquistas da luta feminista, caracterizando um aspecto de emancipação que se contrapõe ao que é produzido pelo mercado (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR., 2019).
Além disso, a participação das mulheres no canteiro de obras é uma característica marcante. Elas atuam nas mais diversas funções, realizando atividades e ocupando espaços historicamente machistas. Tal característica demonstra o empoderamento dessas mulheres, que nesses espaços de coletividade se propõe a repensar e assumir novos lugares na sociedade.
Ademais, através dos processos participativos entende-se as reais necessidades de cada família envolvida nos projetos, resultando em moradias que atendam aos diferentes perfis familiares. Também, é discutida a concepção dos espaços de uso comum, além da relação do edifício habitacional com o entorno, levantando discussões sobre as questões urbanas da área. Desta forma, é elucidada a necessidade de compreender que moradia não está vinculada somente ao espaço físico da casa, mas também ao lugar em que a casa está inserida, uma vez que é neste local que todas as demais questões relacionadas ao morar irão se desenvolver.
As práticas de autogestão permitem que os movimentos populares detenham o controle de todo o processo da conquista da moradia digna, desde a organização das bases, onde as famílias são captadas e organizadas até a administração da obra e a gestão pós-ocupação. Desta forma, é o movimento que contrato os trabalhadores, prestadores de serviço e a assessoria técnica (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019, p.18).
A dinâmica entre os movimentos sociais de moradia e as assessorias técnicas ultrapassa os limites convencionais de “contratantes e contratados”, é necessário um alinhamento entre as partes, um comprometimento político e a aplicação dos princípios defendidos pela autogestão (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019, p. 14).
Para que os processos de autogestão ocorram, é preciso que estejam fundamentados em uma base denominada “tripé da autogestão”. Esse tripé é composto por três diferentes atores: o Estado, o Movimento Popular e a Assessoria Técnica. A relação e colaboração entre cada uma das partes é fundamental para que todo o processo não seja prejudicado.
Dentro desse sistema organizacional, o Estado é responsável por disponibilizar os recursos monetários, normas e regras para a consolidação do projeto habitacional. O Movimento Popular pressiona o Estado para a conquista dos seus direitos e se associa às Assessorias Técnicas, gerando desta forma, uma relação de parceria na luta pela moradia digna.
Figura 14. Sistema organizacional do tripé da autogestão. Imagem disponível em: https://autogestao.unmp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/cartilha_autogestao.pdf.
Além disso, são as Assessorias que possuem a responsabilidade técnica sobre o projeto desenvolvido. É fundamental lembrar que “nesta dinâmica compartilhada o saber e o fazer não separam os sujeitos do processo, pelo contrário, envolve, soma e multiplica os conhecimentos, transformando-os em algo que só pode ser alcançado se for construído coletivamente” (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019, p. 14).
Os movimentos populares lutam há muitos anos por um marco legal da autogestão. Busca-se desenvolver uma legislação que reconheça os princípios defendidos pela autogestão: protagonismo dos moradores, controle sobre todo o processo, direito à assessoria técnica, à propriedade coletiva e a um processo emancipador, que desenvolva a consciência crítica dos cidadãos (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019). Com essa questão em vista, em 2021 com a retomada das atividades presenciais durante a pandemia de COVID-19, os movimentos fizeram uma caravana até Brasília levando o Projeto de Lei 4216/2021, conhecido como PL da Autogestão, que Institui diretrizes para a produção de moradia por autogestão e cria o Programa Nacional de Moradia por Autogestão.
O PL da Autogestão se propõe a enfrentar o raciocínio perverso do programa habitacional Casa Verde e Amarela, rendido à lógica que configura a
moradia como uma mercadoria, não um direito. Durante entrevista, Graça Xavier lembra com pesar a tragédia com o fim do Programa Minha Casa Minha Vida, uma vez que famílias de baixa renda (até 2 salários-mínimos) eram atendidas por meio de subsídios, e além disso, na modalidade Entidades os recursos eram destinados à projetos vinculados aos movimentos organizados de luta por moradia. Ela afirma que o recente programa, exclui grande parte da população que hoje compõe o déficit habitacional do país, logo se configura como uma grande perda de conquistas significativas feitas pelos movimentos sociais ao longo dos anos.
Por fim, no momento de protocolização do Projeto de Lei, Evaniza Rodrigues lembra que: “Essa é uma luta de muito tempo, que passou pela construção do Fundo Nacional de Habitação Popular, o Estatuto das Cidades e o próprio Ministério das Cidades. Não é uma vitória de uma pessoa só. Que os trabalhadores sejam protagonistas de sua trajetória” (UNMP, 2021, [Internet]). Portanto, a luta em defesa da autogestão continua, até que sua institucionalização seja alcançada!
Figura 15. Protocolização de projeto de lei (PL) que cria o Programa Nacional de Moradia por Autogestão. Imagem disponível em: https://unmp.org.br/2021/10/11/habitacao-social-cau-brasil-ap oia-projeto-de-lei-da-moradia-por-autogestao/.
Figura 16. Bases da Lei de Autogestão. Imagem disponível em: https://leidaautogestaoja.org.br/explorando-conceitos-chave/ o-que-e-a-autogestao/.
A comunidade e a assessoria técnica: desenvolvimento de saberes
Com base nas discussões anteriores, é possível compreender a relação de parceria que se forma entre os movimentos populares e as assessorias técnicas. Tal dinâmica é fundamental no processo de conquista da moradia digna, uma vez que a união de forças entre os dois agentes caminham juntas para a efetivação desse direito. Sendo assim, os processos participativos se configuram como uma característica fundamental, onde a troca de saberes e experiências têm como resultados aspectos que vão além da questão habitacional propriamente dita.
Conquistada por meio de duras lutas dos movimentos sociais, a participação é imprescindível nos processos autogestionários. Trata-se de um instrumento de mobilização e também organização das famílias e dos processos, que resulta em espaços democráticos, onde todas as decisões são tomadas com base no desejo do coletivo (UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR, 2019).
Segundo Lana (2007, apud. SANCHES, 2015), um projeto participativo pode ser definido como aquele em
que o usuário final participa de todas as fases e tomadas de decisão durante o processo projetual, sendo que o arquiteto o auxilia definindo como este se dará. Ela ainda afirma que as funções do usuário ultrapassam a de um mero provedor de um programa de necessidades ou recursos, mas se configura ativa e presente no decorrer de todo desenvolvimento.
A prática do projeto participativo tem várias direções possíveis, mas o fundamento central é que o usuário seja ativo no processo de projeto, opinando nas escolhas programáticas e funcionais, não encerrando com a hierarquia do conhecimento, mas reduzindo-a à um apoio técnico necessário nesse processo, colocando o arquiteto mais próximo à realidade e reduzindo a abstração do trabalho (MARTINO, 2021, [Internet]).
Sanches (2015) ainda lembra que nos projetos participativos de habitação de interesse social, o usuário final é um grupo de indivíduos plurais vinculados a uma associação de moradores, que comumente
contrata uma assessoria técnica para desenvolver o projeto. Cada assessoria técnica possui suas metodologias de trabalho na organização de como se darão os processos participativos, contudo, todas possuem como princípio a constante troca de informações com os futuros moradores em todas as etapas do projeto e acerca de todas as tomadas de decisões.
São nesses espaços de encontro que diferentes experiências e vivências são compartilhadas, subvertendo a lógica dominante das relações entre os profissionais técnicos, os futuros moradores e os métodos de desenvolvimento do projeto. Tal prática abre caminhos para discussões que abarcam novas formas de se produzir arquitetura, de modo acessível e democrático a todos os envolvidos, em espaços onde o desenvolvimento de saberes é também um objetivo final.
A ideia de um “canteiro escola”1, defendida por Rodrigo Lefèvre ao longo do desenvolvimento de seu mestrado, caminha de encontro aos processos autogestionários na produção da moradia, defendido pelos movimentos sociais. “Interessado pelo que o ‘mutirão’ pode representar como valorização da cultura popular e de formação profissional, Rodrigo quer ‘fazer dos construtores e dos usuários, colaboradores’”(ARANTES, 2002, p.130). Arantes (2002, p.132) ainda afirma que:
Em 1981, Rodrigo apresenta sua tese Projeto de um acampamento de obra: uma Utopia, à qual se dedicou durante toda a década de 1970. A tese é a proposta de um ‘canteiro-escola’: a produção de habitações populares pensada como forma de conscientização dos construtores. Na verdade, a tese é uma formulação teórica para o compromisso que assume com uma arquitetura que favoreça o trabalho coletivo, a democratização do conhecimento e a transformação das relações de produção.
1Termo empregado por ErmÍnia Maricato em homenagem póstuma ao trabalho desenvolvido pelo arquiteto Rodrigo Lefèvre.
No campo das utopias - que têm como expressão o “lá” -, um advérbio de lugar que também caracteriza um novo espaço, novas dinâmicas podem ser inseridas. Um local construído de forma coletiva e organizada; que permite novas formas de produção; de uma nova cultura urbana, popular; onde desenvolve-se a educação e conscientização dos indivíduos; lugar de democratização, do alinhamento dos saberes popular e erudito; espaço de liberdade. (ARANTES, 2002). Lefèvre ainda defende que esses espaços poderiam ter se materializado, não fosse os processos histórico-estruturais que configuraram nossas cidades.
Ao definir o migrante como sujeito, o Estado como provedor e a periferia como local de planejamento, Rodrigo está percebendo que o processo vertiginoso de urbanização precisa ser enfrentado rapidamente, antes que a escala do problema comece a invalidar qualquer solução. Sua proposta de canteiro-escola, se fosse generalizada como política pública numa situação de transição2, poderia ter como consequência a construção de um habitat urbano popular muito diferente do que são as atuais periferias das cidades brasileiras (ARANTES, 2002, p,134).
Arantes (2002) afirma que Lefèvre têm a Revolução Cubana como principal referência no
momento de decidir entre uma produção industrializada ou mais artesanal, tendo optado pela última no desenvolvimento de sua tese. Isso se justifica pelo fato de que mesmo com as diversas precariedades, através da autogestão, é possível obter uma troca mais próxima e conscientizadora entre os indivíduos. Ele ainda diz que Paulo Freire também é uma referência fundamental, “[...] a menção ao educador pernambucano, mesmo que poucas vezes feita diretamente, irá definir a vontade do encontro com o povo e a preocupação ‘pedagógica’ do canteiro-escola” (ARANTES, 2002, p.140).
Segundo Lefèvre (apud. ARANTES, 2002), participar dessas experiências de mutirão, que envolvem processos participativos, automaticamente exige dos arquitetos uma nova forma de atuação profissional, que ultrapassa o campo da solidariedade aos trabalhadores no campo ideológico e atinge o espaço da produção, da “mão na massa”. Tal afirmação remonta a característica de alinhamento entre os movimentos sociais de moradia e assessorias técnicas anteriormente abordadas.
Outro ponto relevante, encontra-se no campo das definições das propostas arquitetônicas. Como defendido por Sérgio Ferro em O canteiro e o desenho, “o desenho domina a produção no canteiro de obras, é a mediação entre o trabalhador e seu produto, entre trabalho e capital. Por isso, Sérgio afirma que o canteiro é uma forma heterônoma3, cujo comando vem de fora e 2 Transição do modelo capitalista para o socialista. 3Sujeição a uma lei exterior; ausência de autonomia.
Figura 12. Mulheres trabalhando no mutirão Paulo Freire. Imagem disponível em: http://www.usina-ctah.org.br/mutiraopaulofreire.html.
se materializa no desenho e no capataz”. (ARANTES, 2002, p.113). Logo, é fundamental que se leve em conta técnicas de conhecimento popular e a utilização de elementos tradicionais, democratizando assim, o campo da arquitetura e da participação popular.
Ao inserir o novo canteiro num contexto específico, o da produção de habitação social patrocinada pelo Estado numa sociedade em transição, apoiada por arquitetos ‘paulo-freirianos’, feita de forma participativa e conscientizadora, onde os construtores são também autores e futuros moradores, Rodrigo estabelece um sentido e um desejo de aplicação concreta, dando finalidade e completude à crítica de Sérgio Ferro (ARANTES, 2002, p. 142).
É importante lembrar que, ao longo de sua dissertação, Lefèvre aponta que os processos de autogestão e mutirão não devem ser utilizados como instrumentos de substituição das políticas públicas, que se demonstram ausentes (ARANTES, 2002). Sendo assim, conforme descrito por Arantes (2002), ele faz importantes ressalvas ao lembrar de Francisco de Oliveira e Sérgio Ferro, reconhecendo que tais processos podem colaborar com a reprodução atrasada da força de trabalho, e por isso, ele reconhece o caráter utópico da proposta.
Entretanto, ainda que enfrentando dificuldades
por não se tratar de uma metodologia recorrente, as experiências autogestionárias desenvolvidas até o presente, têm se demonstrado exitosas em vários aspectos. Junto às assessorias técnicas, os movimentos populares têm criado metodologias que organizam todo o processo, respeitando as diferentes características que o compõem, como pode ser observado, por exemplo, na Cartilha de Autogestão em Habitação desenvolvido pela União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Nos dias atuais, trabalhos como o da assessoria técnica Usina CTAH, procuram aplicar as teorias da Arquitetura Nova e de Paulo Freire nas suas práticas, criando um modelo de canteiro anti-hegemônico (MARTINO, 2021) onde as dinâmicas descritas podem ser experienciadas.
TERRITÓRIO DE LUTAS
O Jardim Celeste
O Jardim Celeste está localizado no bairro de São Savério, na região Sudeste da cidade de São Paulo, no distrito do Sacomã.
Trata-se de um território de contrastes, onde é possível encontrar diferentes contextos dentro de uma pequena porção do território, como podemos observar na foto a seguir. Do lado direito, encontram-se unidades habitacionais de interesse social; à esquerda e à frente, uma favela; e ao fundo, edifícios destinados à classe média.
(aproximadamente 25% do total de domicílios). Trata-se de um território na periferia da cidade, fortemente marcado por questões de lutas coletivas, expressos através de processos participativos vinculados à conquista da moradia digna e da regularização fundiária da área. Como defende Montaner e Muxí (2021, p.65), “a moradia constitui o tecido básico da cidade e a base da existência humana, com sua diversidade de tipologias e de morfologias, de situações e de condições sociais. Constitui os espaços da vida cotidiana [...]”.
Figura 19. Subprefeitura do Ipiranga e Distrito do Sacomã. Fonte: GeoSampa, elaborado pelo autor.
Segundo dados do Mapa da Desigualdade de 2021, o distrito é um dos mais populosos da cidade de São Paulo e também, um dos que apresentam o maior número de favelas
Figura 20. Fotografia da rua Paulo Roberto Trivelli (2022). Fonte: autoral.
A Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste é um importante movimento popular de moradia que atua na região. Trata-se de uma entidade que articula 10 movimentos de moradia na região Sudeste, compreendendo os bairros, Jardim Clímax, Pq. Bristol, Água Funda, Vila Mariana, Vila Livieiro, Ipiranga, Jabaquara, Vila Arapuá, Jardim Maristela e Vila Moraes. Filiado à Central de Movimentos e Populares (CMP) e à União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP), sua origem também está vinculada à Pastoral de Favelas da Região Episcopal Ipiranga, a partir de 1980, “com o objetivo de articular, mobilizar os movimentos de moradia, lutar pelo direito à moradia, por reforma urbana e autogestão e assim resgatar a esperança do povo rumo a uma sociedade sem exclusão social e igualitária” (UNMP, 2007, [Internet]).
Inicialmente, o território era uma gleba de com 107.310 m², desapropriada para a construção de 1.076 unidades habitacionais. Através do programa “FUNAPS Comunitário”, criado no ano de 1989 durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992), foram recolhidos recursos para a compra de materiais para a construção dos projetos em regime de mutirão e autogestão. É importante salientar que, ao longo desse período, configurou-se uma nova forma de pensar as políticas habitacionais, que entendia a promoção da participação popular como uma questão fundamental do processo.
Figura 21. Bandeira da Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste. Imagem disponível em: https://www.facebook.com/photo/?fbid=101531844951171&set=a.101531864951169.
Figura 22. Imagem aérea do Jardim Celeste. Imagem disponível em: https://issuu.com/victoria.vicente/docs/habitatico/s/11587990.
Figura 23. Mutirão Jardim Celeste. Imagem disponível: https://issuu.com/victoria.vicente/docs/habitatico/s/11587990 .
Os mutirões aconteciam aos finais de semana e todo o processo foi acompanhado por uma assessoria técnica. Foram realizados cursos com o objetivo de contribuir com as trocas de conhecimentos e para o entendimento das etapas e processos que se seguiriam. Uma questão marcante, está na
Em 1990, formou-se a Associação de Construção por Mutirão Jardim Celeste, composta por membros da Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste e articulações da Pastoral de Favelas da Região Episcopal Ipiranga. Eram moradores de favelas e cortiços próximos a região, além de inquilinos que pagavam aluguel (REGINO, SANCHES e XAVIER, 2020). presença das mulheres, que eram maioria e constituiam a principal força trabalho no canteiro de obras. No território encontramos diferentes abordagens
acerca da conquista da moradia, iniciadas no ano de 1990, são elas: através de mutirões com financiamento público dos materiais de construção (presentes no Jardim Celeste I e II), mutirão com recurso dos próprios moradores (Jardim Celeste IV) e edifícios construídos por empreiteiras. Houve também o repasse de recursos para a construção do Jardim Celeste V, contudo, o valor não foi suficiente e o projeto não foi concluído. Somente em 2003, as obras foram finalizadas totalizando 1076 unidades habitacionais, entre residências unifamiliares e apartamentos. (REGINO, SANCHES e XAVIER, 2020).
Figura 24. Imagem aérea atual do Jardim Celeste. Fonte: Google Earth.
Também foi construído durante o processo, uma área de uso coletivo para os moradores. Nela existiam espaços de convívio, uma creche, cozinha comunitária e quadra de esportes, além da Igreja Nossa Senhora da Moradia. Entretanto, ao longo dos anos, o espaço
começou a ser ocupado por moradias precárias e insalubres, que mesmo após processos de reintegração de posse, voltaram a se edificar. Hoje cerca de 140 famílias moram no local e o sentido coletivo do espaço acabou se perdendo (VASCONCELOS, 2020).
EVOLUÇÃO DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
Figura 28. Ocupação da área de estudo em 2002. Fonte: Datageo.
Figura 29. Ocupação da área de estudo em 2010. Fonte: Datageo.
Figura 30. Ocupação da área de estudo em 2015. Fonte: Datageo.
Figura 31. Ocupação da área de estudo em 2020. Fonte: Datageo.
Nos países capitalistas periféricos, sobretudo, essa invisibilidade é histórica. [...] nesses países, a habitação dos trabalhadores não é problema para o capital e, na maior parte das vezes, nem para o Estado. Por isso, os bairros de moradia dos trabalhadores são construídos por eles mesmos, nos seus horários de descanso (MARICATO, 2015, p. 20).
A atuação do movimento de moradia na região segue na luta para ampliar o número de terrenos e projetos habitacionais, a fim de atender às demandas do território. Como abordado anteriormente, o local pode ser caracterizado pela marcante presença de loteamentos irregulares e favelas, inclusive em áreas de risco, demonstrando a realidade das cidades brasileiras, em que “[...] a maior parte da população urbana constrói suas casas sem o concurso de conhecimento técnico (de engenharia e arquitetura), sem financiamento formal e sem respeito à legislação fundiária, urbanística e edilícia” (MARICATO, 2015, p. 80). Contudo, as demandas alcançam questões que ultrapassam a problemática habitacional, existe o reconhecimento de que é preciso garantir o direito à cidade, e isso inclui serviços de infraestrutura urbana.
Figura 32. Fotografia da ocupação dentro da praça da rua Memorial de Aires, demonstrando os diferentes tipos de construção das moradias no território. Fonte: autoral.
A região que abriga o Jardim Celeste é marcada pela presença de ZEIS 1 (Zonas Especiais de Interesse Social), caracterizada por loteamentos irregulares, favelas e pela predominância de população de baixa renda. Em 2004, foi feito um decreto que determinava a regularização fundiária da área, com o objetivo de garantir segurança jurídica aos moradores do projeto. Contudo, o processo se estendeu até 2016, e só foi conquistado através da parceria e pressão de diversas entidades em torno da causa. E somente recentemente, no segundo semestre de 2022, as famílias conseguiram
retirar as escrituras das suas casas.
Desta forma, é notória a importância da atuação do movimento social no território. Mesmo após tantos anos de formação e atuação da Associação de Moradores da Região Sudeste, foram as suas bravas lutas e resistência que garantiram o acesso à moradia digna a diversas famílias. Além disso, é extremamente importante compreender a importância da atuação das mulheres nesse processo, que mesmo sendo responsáveis pelas próprias famílias, uniam forças e reivindicavam pela melhoria da qualidade de vida de diversas pessoas. Apreende-se, portanto, a partir dessa experiência, que todo o processo coletivo é a base de um processo sociopolítico que incorpora a SOLIDARIEDADE para a conquista da cidadania e direitos, que fortalece o empoderamento das mulheres no método autogestionário por meio de associações comunitárias em convênios com o poder público (REGINO, SANCHES e XAVIER, 2020).
Zoneamento e risco geológ.
Análise urbana do território 4.2
O território é marcado pela presença de ZEIS, especificamente ZEIS 1, caracterizada por loteamentos irregulares, favelas e pela predominância de população de baixa renda. São nessas áreas que se desenvolveu o “padrão periférico de crescimento urbano em São Paulo, modelo que viabilizou a solução habitacional baseada no trinômio loteamento periféricocasa própria - autoconstrução” (BONDUKI, 2017).
Meio físico e habitação da região.
A forte presença de conjuntos habitacionais marcam as conquistas coletivas pelo direito à moradia, alguns deles construídos através de processos participativos e autogestionários. Percebe-se com clareza as diferenças drásticas das “formas de morar” em uma pequena porção do território, destacando a presença de áreas de risco ocupadas.
Uso e ocupação do solo
Mapa 03. Uso e ocupação do solo da região. Fonte: Geosampa.
É importante notar o perfil do uso do solo da região, caracterizado principalmente por usos residenciais. Outra característica que se destaca, está na presença de um tímido comércio local, muitas vezes em áreas irregulares e que não atende às demandas da população local, não existem mercados e padarias no entorno, por exemplo.
Equipamentos urbanos e mobilidade da região.
Também é possível perceber no território um déficit na presença de equipamentos de estímulo à cultura e assistência social, além de espaços livres e públicos de convivência, lugares de ócio. Sobre as questões de mobilidade urbana, percebe-se a ausência de grandes modais de locomoção, que se encontram a mais de 5 quilômetros de distância do bairro, sendo a rede de ônibus e o transporte individual as principais formas de acessar o bairro.
As formas de morar no território.
Mapa 05. As formas de morar no território. Fonte: autoral.
O mapa produzido acima, é uma síntese das investigações feitas no Jardim São Savério, voltando o olhar especialmente para os modos de habitar o território. São diversas as dinâmicas que compõem a vida urbana do local, mas algumas delas se destacam, como a atuação da Associação do Movimentos de Moradia da Região Sudeste e as grandes contradições das formas de morar. O Jardim Celeste de fato é um território de luta, pelas diversas mobilizações e organização coletiva
em prol de direitos que são assegurados, contudo, negligenciados à população; mas é importante lembrar que também se configura como um território de conquistas, expressa nos conjuntos habitacionais construídos através de processos autogestionários e na perpetuação das reivindicações e defesa daquelas famílias que ainda não alcançaram esse direito.
Projeto Dandara
O Projeto Dandara é resultado da associação entre a Assessoria Técnica Ambiente Arquitetura e participantes da Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste (AMMRS). Localizado no distrito do Sacomã - região sudeste de São Paulo -, mais especificamente na Rua Mário Quintana - Jardim São Savério, representa a luta e organização de 50 famílias pelo acesso à moradia digna, através de autogestão e mutirão.
Primeiramente o Dandara era para ser um projeto do Programa Minha Casa Minha Vida-Entidades (MCMV-E), contudo, devido aos cortes orçamentários no campo da habitação desde 2016 não houve mais nenhuma seleção para o programa. O terreno foi conquistado por meio de um chamamento municipal durante a gestão Haddad (2013-2017) e desde então, busca-se a sua viabilização. Dentre os principais problemas encontrados, estava o fato de que as famílias não conseguiam acessar um financiamento público pela inexistência de um programa habitacional que as atendesse.
Segundo relato de Paula Paschoal, em 2019, através de uma resolução aprovada no Conselho Municipal de Habitação (CMH) - uma conquista dos movimentos sociais (em vista que, o Projeto Dandara não era o único que estava nessa situação) - o Secretário da Habitação afirmou que existiam recursos que poderiam ser usados para financiar obras dos
projetos que já estivessem com o Projeto Legal aprovado na prefeitura e o Projeto Executivo finalizado. A partir disso, as famílias bancaram os custos para a elaboração dos Projetos Executivos e as Assessorias se apressaram para deixar tudo pronto, para conseguir a contratação. Entretanto, por ser véspera de ano eleitoral e devido a alguns problemas políticos, o Programa Pode Entrar acabou não saindo.
Ela ainda diz que quando Ricardo Nunes assumiu a prefeitura de São Paulo, em maio de 2021, João Farias volta a assumir a Secretaria de Habitação e então, foi proposta a ideia de colocar o Programa Pode Entrar como uma legislação, aumentando os recursos disponíveis.
Com a aprovação do Programa Pode Entrar em setembro de 2021- uma conquista dos movimentos de moradia na cidade de São Paulo -, as famílias aguardavam pelo edital do programa para enviar a documentação e obter a aprovação do Alvará de Projeto. É importante lembrar que, o programa foi lançado muito cru e apesar da assinatura de diversos projetos, como o Dandara, ainda hoje os documentos estão sendo analisados e aguardando as aprovações para dar início às obras. Portanto, essa aproximação com as famílias e o projeto, proporcionará o entendimento do processo de luta por esse direito, que mesmo assegurado, ainda é negligenciado para a maior parte da população.
Paula Paschoal relata o processo de
aproximação e discussão com as famílias do projeto. Comumente, as assessorias fazem um estudo preliminar, analisando quantas famílias podem ser atendidas com base nas dimensões do terreno e nas leis de zoneamento. Após esse primeiro estudo, as associações fazem a seleção das famílias, com base em critérios definidos por elas, como por exemplo: lista de prioridade e/ou pontuações por participação.
A partir de então, dá-se início ao trabalho social, momentos de encontro e partilha com as famílias (através de assembleias e atividades), sempre deixando claro como está se desenvolvendo todo o processo, através de uma linguagem acessível. São feitas discussões acerca das questões urbanas do local e acerca da definição das unidades habitacionais - buscando fazer as famílias compreenderem a proposta, que por vezes pode ser muito técnica. Nesse projeto, esse processo se deu através do compartilhamento de imagens 3D, discussão da planta em escala 1:1 no chão para entender o espaço. Também foi discutida a questão das vagas, onde tomou-se a decisão de priorizar as áreas livres do térreo como espaços de uso coletivo e lazer.
Atualmente, dentro da organização do calendário de atividades, o Projeto Dandara está na fase de pré-obra, onde são desenvolvidas atividades sociais e itens técnicos do projeto são apresentados para as famílias, gerando diversas discussões com as famílias. Assim, esse calendário vai se evoluindo junto ao
projeto. Abaixo estão descritas algumas ações que aconteceram ainda nesse ano.
No dia 25 de fevereiro de 2022, os participantes do projeto foram até a SEHAB e Licenciamento para pedir a agilização da liberação do Alvará do Projeto para participar do Programa Pode Entrar.
Figura 33.
https://www.facebook.com/photo/?fbid=498825425221809&set=pcb.498826181888400.
Figura
d=498825485221803&set=pcb.498826181888400.
Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste junto às famílias do Projeto Dandara na SEHAB. Imagem disponível em:Ainda esse ano, no mês de abril, foi realizada uma assembleia extraordinária com as famílias do projeto para aprovação das Comissões de Obras e Finanças. Estas comissões são formadas por integrantes da Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste, de São Paulo, vinculada à UMM-SP. Seus membros participam, ativamente, da gestão coletiva e democrática dos recursos para a construção do projeto e da futura moradia. Nesta data, as comissões eleitas aguardavam a continuidade do Programa Pode Entrar, da Prefeitura, para contratar a obra.
Para a formação em Arquitetura e Urbanismo, foi fundamental realizar a pesquisa com as famílias para praticar como se daria parte do processo participativo de projeto e além disso, verificar como é interessante visto que as famílias acompanham tudo o que está acontecendo no projeto. Além disso, foi possível compreender como se dão os processos dentro de qualquer programa de moradia através das entidades, as famílias são pré-definidas antes mesmo de começar os estudos.
Desta forma, a assessoria técnica já consegue quantificar as famílias e verificar as suas necessidades, a associação já seleciona as possíveis famílias para o projeto, pela ordem de pontuação (pelo envolvimento nas ações e cursos do movimento de moradia) normalmente ou outros critérios de prioridade.
O PROGRAMA PODE ENTRAR
A União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM) participou da construção do programa, que possui uma modalidade que permite que os movimentos sociais de moradia possam construir suas habitações por meio de processos autogestionários.
Figura 35 Assembleia do grupo Dandara em 12 de abril de 2022. Imagem disponível em: https://www.facebook.com/umm.sp.1/photos/a.168000230209245/1684820851860501/.
Através do programa são atendidas famílias que se enquadram nesses dois grupos: Grupo 01 - famílias com renda bruta mensal de até 3 salários mínimos, onde o comprometimento da renda para o pagamento da prestação pode alcançar até 15% e o Grupo 02famílias com renda bruta mensal de até 6 salários
4Um subsídio que funciona como uma "entrada" na aquisição do imóvel.
mínimos, para subsídio por meio de Carta de Crédito4.
O Programa Pode Entrar possui quatro modalidades: I. Empreendimentos destinados ao atendimento de beneficiados cadastrados no Município como destinatários de programas habitacionais da SEHAB e COHAB-SP; II. Empreendimentos destinados ao atendimento de famílias removidas involuntariamente por intervenções de obras públicas; III. Empreendimentos em parceria com associações e cooperativas habitacionais habilitadas pela SEHAB ou COHAB-SP, implantados em imóveis públicos ou privados; IV. Empreendimentos ou unidades habitacionais implantados em imóveis privados (SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO - PMSP, 2021, [Internet]).
Como descrito anteriormente, o programa iria priorizar os projetos dos chamamentos dos movimentos realizados entre 2015 e 2016, paralisados após o fim do Programa Minha Casa Minha Vida. Espera-se que através da concretização desse programa, os movimentos sociais de moradia possam retomar sua atuação na luta pela moradia digna.
APROXIMAÇÃO - O BAIRRO E OS MORADORES
(Formulário do Google)
Com o objetivo de criar uma aproximação,
entender os processos e contribuir com a mobilização dessas famílias, foi desenvolvido na disciplina de Atividade 04 - Experimentação, um formulário online com perguntas referentes ao: perfil socioeconômico das famílias; expectativas e demandas para a unidade e o conjunto habitacional; leitura e demandas para o bairro. Foram obtidas 25 respostas, que em tese, correspondem a 50% do número total de famílias participantes do projeto. O levantamento foi fundamental para conhecer as famílias e desenvolver uma proposta projetual (para o TFG) que de fato, atendesse às demandas por elas solicitadas.
As questões passaram por um processo de aprovação do Comitê de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aprovado no parecer 5.352.554 com identificação na Plataforma Brasil pelo CAEE 57036322.1.0000.0084.
A seguir, um resumo com as questões e as respostas.
SOBRE A QUESTÃO HABITACIONAL
Qual a principal dificuldade no processo de conquista da sua moradia? Altos valores Financiamento burocrático O longo tempo de espera
Por que você acha que a autogestão é importante? “Porque o governo não se preocupa com o povo, com
os imóveis e terrenos, o governo beneficia especulação imobiliária”.
“A autogestão é importante, pois todos contribuiremos para a implantação e finalização do projeto”.
“Porque nós mulheres temos que nos unir para termos uma moradia digna e sermos respeitadas. E para o processo de construção de uma Política Habitacional de Autogestão, de luta”.
“Para nos organizarmos e entendermos melhor”.
“Porque nós participaremos de tudo e escolheremos o melhor, e com qualidade”.
“Porque temos que gerenciar o que está sendo feito de perto, em nosso benefício”.
“Porque garante autonomia”
Por meio dessas respostas, evidencia-se as questões histórico-estruturais que marcam o cenário das políticas habitacionais no país. A dificuldade do acesso a uma moradia digna é uma realidade latente, uma vez que esse direito se configura como um produto mercadológico, que poucos possuem recursos financeiros suficientes para alcançar. Sendo assim, percebe-se que as políticas públicas habitacionais são falhas e insuficientes. Através da luta para alcançar esse direito dentro dos movimentos sociais, as famílias de fato defendem a autogestão, uma demanda pela democratização de todo o processo e para a produção de moradias que realmente atendam às
suas necessidades, como explicitado no capítulo anterior.
SOBRE AS FAMÍLIAS Identidade de gênero
QUAL SEU SEXO?
92% 8% Mulheres Homens
Gráfico 1. Identidade de Gênero. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Faixa etária
QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?
28% 40% 24% 8%
31 - 40 41 - 50 51 - 65 65 - mais
Gráfico 2. Faixas-etárias Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
20% 36% 8%
1 filho 12% Não tenho filhos 2 filhos 3 filhos 4 ou mais filhos
Gráfico 3. Número de filhos. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Pessoas com deficiência
TEM FILHOS? QUANTOS? 24% 92% 8% Não Sim
VOCÊ POSSUI ALGUM TIPO DE DEFICIÊNCIA?
Número de filhos Gráfico 4. Pessoas com deficiência. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Dentre as respostas obtidas, apenas duas (8%) foram concedidas por pessoas que se reconhecem como homens, logo se torna nítida a presença de mulheres no projeto, uma característica que é recorrente dentro dos movimentos sociais. Além disso, é possível perceber que as faixas de idade predominantes são de 41-50 anos e 51-65 anos, o que configura um maior de número de pessoas de meia-idade. Ademais, percebe-se que a maior parte das famílias possuem 2 ou mais filhos. Outro ponto fundamental, está na presença de pessoas com deficiência (2 pessoas), portanto, é reforçada a necessidade de pensar em todas as questões de acessibilidade do projeto.
Trabalho
60% 28% Sim, trabalho formal 12% Não Sim, trabalho informal
A grande maioria dos participantes do projeto trabalham, sendo o número de pessoas inseridas dentro do mercado formal superior ao informal. Contudo, é importante notar que em sua maioria, as famílias possuem renda mensal de apenas 1 salário mínimo.
Gráfico 5. Trabalho. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Renda familiar
VOCÊ TRABALHA? 72% 28% 1 Salario Mínimo 2 Salario Mínimo
QUAL SUA RENDA FAMILIAR MENSAL?
Gráfico 6. Renda familiar. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Contato com construção civil
VOCÊ JÁ TEM OU JÁ TEVE CONTATO COM CONSTRUÇ`ÃO CÍVIL?
4% 96% Sim Não
Gráfico 7. Contato com construção civil. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Pensando nos processos de mutirão autogerido, é importante notar que apenas 4% dos participantes do projeto (1 pessoa), já teve contato com alguma atividade vinculada à construção civil.
Configuração da casa
QUAIS ESPAÇOS VOCÊ DESEJA TER NA SUA CASA?
22(88%) 18(72%) 12(48%) 22(88%) 20(80%) 0(0%) 20(80%) 5(20%)
Com base nas respostas, é possível perceber que há uma valorização dos espaços de uso comum da unidade habitacional em vista dos espaços privados. A cozinha é o ambiente de protagonismo para a maioria das famílias, seguido da sala de estar. Além disso, a maior parte das famílias gostaria de ter sua própria lavanderia e pelo menos dois quartos.
SOBRE O BAIRRO Espaços coletivos
VOCÊ GOSTARIA DE TER ESPAÇOS DE USO COLETIVO NO LOCAL ONDE IRÁ MORAR? QUAIS?
Gráfico 8. Configuração da casa. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Espaços de prioridade
QUAL CÔMODO DE CASA VOCÊ GOSTARIA QUE FOSSE MAIS ESPAÇOSO?
Cozinha comunitária Lavanderia comunitária
Gráfico 9. Espaços de prioridade. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
Cozinha Sala de estar Quartos
Gráfico 10. Espaços coletivos. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
A maioria das famílias gostaria de ter espaços coletivos junto ao edifício habitacional, a horta comunitária e áreas de convivência foram as mais requisitadas. Essas escolhas possivelmente são uma consequência da ausência desses espaços de ócio e encontro dentro da atual realidade habitacional e urbana dessas pessoas .
Sala de uso múltiplo Áreas de convivência Horta comunitária Area pra praticar esporte 77
Quais os principais problemas do bairro em que você irá morar?
Muitas famílias sem acesso à moradia digna.
Precariedade na rede de saúde.
Dificuldade de acesso à água. Saneamento básico (esgoto correndo a céu aberto).
Problemas relacionados à mobilidade.
Segurança pública. Educação pública. Iluminação precária. Grande quantidade de lixo nas ruas. Barulho excessivo. Falta de lazer e cultura. Ausência de áreas de lazer.
O que você mais gosta no bairro em que você irá morar?
Espaço coletivo no bairro
O QUE FALTA NO BAIRRO EM QUE VOCÊ IRÁ MORAR?
Escola
Creche UBS
Áreas de lazer Espaços comunitários Espaços culturais Comércio Transporte Não sei responder Padaria
Gráfico 11. Espaços coletivos. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados respondidos no questionário.
5(20%) 5(20%) 9(36%) 19(76%) 7(28%) 15(60%) 3(12%) 6(24%) 1(4%) 1(4%)
Tranquilidade, rua calma.
Proximidade com Jardim Botânico e o Zoológico. Proximidade à escola.
Localização próximo a avenida principal e as linhas de ônibus.
Engajamento e militância de alguns moradores.
Percebe-se por meio das respostas que o bairro Jardim São Savério possui diversos problemas relacionados às questões urbanas e habitacionais. O grande número de famílias vivendo em habitações precárias, muitas vezes até mesmo em áreas de riscocomo na beira do córrego do Ourives -, é um dos mais graves e abarca outros problemas, como a dificuldade de acesso à água, a ausência de saneamento básico, a presença de lixo nas ruas e até mesmo, a questão de segurança pública. Outro ponto extremamente relevante, está na carência de áreas de lazer e cultura no bairro, um dos desejos mais latentes da população local.
Novas possibilidades: propostas projetuais
Figura 37. Contexto urbano da área. Fonte: autoral.
Desenvolveu-se no Trabalho Final de Graduação (TFG) um estudo urbano sobre o Jardim São Savério, voltando o olhar especificamente para um caso real e ainda em andamento da luta de 50 famílias vinculadas à Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste, pela conquista da moradia digna. Busca-se através do projeto, atender às demandas e especificidades das famílias participantes, seja no desenvolvimento das unidades habitacionais, como nas definições dos espaços de uso comum.
Além disso, propõe-se a reestruturação de uma antiga praça, localizada entre as ruas Memorial de Aires e Paulo Roberto Trivelli, atualmente ocupada por uma favela de estrutura muito vulnerável. O objetivo é recuperar o sentido de espaço livre e de uso coletivo para a comunidade e desenvolver um centro comunitário que atenda às demandas da população.
Para tanto, será necessário o reassentamento das famílias que ocupam os espaços destinados ao uso público, para lotes de ZEIS presentes no entorno.
Nas áreas demarcadas em vermelho, moram atualmente cerca de 140 famílias. A ocupação teve início em 2015 e hoje seus moradores estão sujeitos a reintegração de posse a qualquer momento.
A1 4.705m² A2 15.092m²
Quintana não seja mais uma rua sem saída, dessa forma, é proposto um novo desenho para o espaço externo da escola. Desta forma, contempla-se a ideia de que não basta ter moradia se ela não for acompanhada pelo acesso ao direito à cidade.
Além disso, se propõe a conexão urbana entre os projetos, que acontecerá no nível do térreo por meio de um redesenho dos espaços livres, interligando diferentes programas que se completam ao longo do percurso proposto. É importante lembrar que esse percurso irá incorporar a abertura da escola E.E. Dr. Álvaro de Souza Lima, fazendo com que a Rua Mário
RuaMemorialdeAires
RuaMemorialdeAires
HABITAÇÃO SOCIAL Distribuição Programática
HABITAÇÃO SOCIAL
lote - ZEIS 1
lote: 1373,25m²
área construída: 4.244,13m²
T.O.: 496,00m² (25,43%)
área permeável: 515,85m²
“A moradia constitui o tecido básico da cidade e a base da existência humana, com sua diversidade de tipologias e de morfologias, de situações e de condições sociais. Constitui os espaços da vida cotidiana [...]” (MONTANER; MUXÍ, 2021, p.65). A concepção do projeto foi pensada através de uma metodologia participativa, onde os moradores de fato compartilhassem seus desejos e impressões acerca das questões que envolviam a conquista da sua moradia. Para tanto, foram analisadas as respostas obtidas pelo formulário - apresentado no subcapítulo anterior -, alinhando essas expectativas às leis de zoneamento, o decreto Nº 59.885 de 4 de novembro de 2020 (para empreendimentos de HIS, HMP e EZEIS), técnicas construtivas e estratégias de conforto possíveis. Além disso, a escolha da materialidade está vinculada ao fato do edifício ser destinado à habitação de interesse social, bem como de atender à proposição de que o projeto tenha processos participativos através de mutirão, portanto, buscou-se utilizar materiais simples e de fácil acesso. Lembrando que segundo a UNIÃO NACIONAL POR MORADIA POPULAR (2019, p.38):
O trabalho do mutirão está na origem de nossa organização nos processos autogestionários. Naquela época, o mutirão acontecia mais por necessidade do que por opção. Hoje, com recursos em maior volume, o mutirão passa ser mais uma ferramenta de envolvimento, de organização coletiva e apropriação do espaço pelas famílias que participam do movimento.
O térreo do edifício foi projetado pensando em fazer parte dessa nova rede de programas de apoio à comunidade local, portanto, podem ser utilizados tanto pelos moradores do edifício quanto pela vizinhança, somando ao sentido de coletividade do local.
Os espaços comuns projetados nos “vazios” do edifício geram novas visuais e além disso, garantem espaços de extensão da casa, lugares que se configuram como quintais coletivos, nos quais os moradores podem se apropriar de diferentes maneiras. Além disso, a organização das moradias em torno de um pátio central reforça a ideia de coletividade do projeto, marcando a organização das famílias.
As diferentes tipologias visam atender às necessidades e desejos específicos de cada família, priorizar as áreas comuns ou áreas íntimas, ter ou não uma varanda.
Figura 45. Terceiro pavimento - tipo. Fonte: autoral Figura 44. Segundo pavimento. Fonte: 88
Figura 47. Nono pavimento. Fonte: autoral
Figura 46. Oitavo pavimento. Fonte: autoral 89
Figura 49. Caixa d´água. Fonte: autoral Figura 48. Barrilete. Fonte: autoral 90
Tipologia das unidades habitacionais
94
PAVIMENTO
PAVIMENTO
35,50 4°
PAVIMENTO
PAVIMENTO
24,51 5°
PAVIMENTO
30,30 3°
PAVIMENTO
PAVIMENTO
27,43 2°
PAVIMENTO
32,90 1° PAVIMENTO TÉRREO 00 05
35,50
32,90
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
PAVIMENTO
A utilização de blocos cerâmicos de vedação como elementos de composição das fachadas é muito simbólica. Nas áreas periféricas, a presença desse material é extremamente marcante. No projeto, esse elemento assume o papel de um cobogó.
2 PAVIMENTO
E
GUARDA-CORPO DE FERRO H=1,10 ACABAMENTO EM PRETO
PISO EM CONCRETO POLIDO
APARTAMENTOS (3° AO 9° PAV)
PILAR DE CONCRETO ARMADO APARENTE DIÂMETRO DE 60CM
VERGA - BLOCO CANALETA CONCRETADO
ESQUADRIA MAXIM-AR COM VIDRO DUPLO TRANSPARENTE E ESTRUTURA EM ALUMÍNIO COR PRETO, DIMENSÕES 114X120cm (AxL)
ESQUADRIA FIXA COM VIDRO DUPLO TRANSPARENTE E ESTRUTURA EM ALUMÍNIO COR PRETO, DIMENSÕES 70X120cm (AxL)
CONTRA-VERGA - BLOCO CANALETA CONCRETADO TERRA TÉRREO
PINAGADEIRA DE CONCRETO LAJE PLANA DE CONCRETO ARMADO
REBOCO MANTA FILTRANTE PROTEÇÃO MECÂNICA
GUARDA-CORPO DE FERRO H=1,10 ACABAMENTO EM PRETO
PORTA BALCÃO
COBOGÓ EM BLOCOS CERÂMICOS VAZADOS ENVERNIZADOS
ALVENARIA EM BLOCOS CERÂMICOS ESTRUTURAIS
DETALHE - JARDINEIRA
DETALHE JARDINEIRA
Figura 72. Perspectiva geral 01. Fonte: autoral
Figura 73 Perspectiva geral 02. Fonte: autoral
Figura 77. Perspectiva entrada pavimento térreo. Fonte: autoral
CENTRO COMUNITÁRIO
lote: 6.909,84m²
área construída: 983,61m²
A recuperação desse terreno como um espaço de uso comum para a comunidade é um ganho em meio às características do bairro predominantemente residencial e ainda fortemente marcado por questões de vulnerabilidade. A ideia é que a praça junto ao centro comunitário se configure como um local de apoio, trocas e acolhimento, é importante lembrar que se propõe a manutenção do edifício da Igreja Nossa Senhora da Moradia, um ponto marcante para a história do território. Como programa, são propostas salas de uso múltiplo, midiateca, cozinha comunitária e refeitório, além do playground e quadra. Como afirma Montaner e Muxí (2021, p.66), “os equipamentos comunitários reforçam os bairros, e onde há vida de bairro há relação entre as pessoas e segurança”.
Os antigos acessos à praça foram mantidos, apenas revistos conforme a proposta projetual. O novo edifício possui uma volumetria que se insere no terreno de modo a não interferir visualmente no atual cenário urbano, mantendo o gabarito da região baixo.
Os espaços livres projetados, são locais de encontro e vivências, onde diferentes dinâmicas podem acontecer. A entrada do edifício se configura por meio da ideia de um anfiteatro, um espaço onde podem acontecer apresentações, reuniões do movimento
social e reuniões do bairro, por exemplo.
Figura 82. Corte CC. Fonte: autoral
Figura 83. Elevação 01. Fonte: autoral
Figura 84. Elevação 02. Fonte: autoral
Figura 85. Elevação 03. Fonte: autoral
Figura 87. Perspectiva geral 01. Fonte: autoral
Figura 88 Perspectiva geral 02. Fonte: autoral
Figura 88 Perspectiva topo da praça. Fonte: autoral
Figura 90 Perspectiva cobertura centro comunitário. Fonte: autoral
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises abordadas, compreende-se o caráter histórico-estrutural dos problemas urbanísticos e habitacionais das cidades brasileiras. Apesar dos longos anos de estudos e proposições acerca do enfrentamento de tal questão, sua baixa efetividade é evidenciada no atual cenário urbano em que grande parte da população vive mal, em áreas onde as questões de infraestrutura urbana são deficitárias e as habitações precárias. Logo, o direito à moradia digna assegurado pela Constituição Federal Brasileira, dentre outros acordos e tratados, não é garantido.
Desta forma, o acesso à moradia através de programas habitacionais que incorporem a política de Assessoria Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS) pode se constituir como uma alternativa que enfrenta essa lógica. Através do entrelaçamento entre os movimentos populares e as assessorias técnicas, novas possibilidades são formadas, como pode ser observado nas diversas experiências vivenciadas até o atual momento.
Além disso, o direito à cidade também é negligenciado, submetido à lógica mercadológica que domina as políticas públicas e as relações urbanas nas cidades. Demonstra-se essencial, portanto, defender a arquitetura e o urbanismo como temas fundamentais
nas tomadas de decisões que envolvem o campo das políticas públicas.
O projeto proposto buscou subverter e contestar a lógica da produção das nossas cidades, e assim, construir um caminho mais justo que leva em consideração os desejos e necessidades das famílias que irão vivenciá-lo. Através de uma metodologia participativa, foi possível exercitar parte do processo executado pelas assessorias técnicas no desenvolvimento de projetos, e além disso possibilitou experimentar uma troca de conhecimentos e experiências com as famílias.
Portanto, as vivências e aprendizados adquiridos ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foram fundamentais para a construção de uma reflexão sobre o papel do arquiteto e a necessidade de democratizar o acesso a arquitetura.
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tilha_autogestao.pdf. Acesso em: 03 fev. 2022.
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Este anexo foi desenvolvido para demonstrar mais informações sobre a concepção estrutural e as estratégias de conforto térmico adotadas no edifício habitacional e no centro comunitário, bem como, as pesquisas e análises utilizadas para executá-las, além do processo de seu desenvolvimento.
ESTRUTURA
Edifício habitacional
O edifício habitacional possui estrutura mista, composta por alvenaria de blocos cerâmicos estruturais e lajes, vigas e pilares em concreto armado. A necessidade da adoção dessa solução é devida aos vazios e pés-direitos duplos propostos no corpo do edifício. Serão utilizados:
Blocos cerâmicos autoportantes de 4MPa, 6Mpa e 8Mpa, com dimensões de 19x19x39cm e 19x19x19cm, além dos blocos canaletas.
A partir do 3° pavimento, tem-se uma estrutura de transição de concreto armado. As vigas e pilares compõem um sistema de pórticos que recebem a carga da alvenaria autoportante. Serão utlizadas as seguintes dimensões:
Figura 92. Exemplos de blocos autoportantes utilizados. Disponível em: <https://docente.ifrn.edu.br/valtencirgomes/disciplinas/construcao-civil-ii-1/alvenaria-estrutural>.
Vigas 30/150cm Pilares 60cm de diâmetro Laje 10cmCentro comunitário
O centro comunitário possui estrutura de concreto armado, o projeto ainda está em desenvolvimento, mas segue uma modulação que possui vãos máximos de 7 metros. Para pré-dimensionar as estruturas, utilizou-se dos gráficos desenvolvidos por Yopanan, chegando em:
Vigas 20/60cm Pilares 45x45cm
Figura 93. Gráficos dimensionamento de vigas e pilares em concreto . Fonte: Rebello, Yopanan Conrado Pereira. A concepção estrutural e a arquitetura.
CONFORTO AMBIENTAL Edifício habitacional
Será necessário lidar com a incidência solar direta nas unidades habitacionais, portanto, desenvolveu-se um estudo do fechamento do edifício por meio de dados coletados no SOL-AR e AndrewMarsh, além de um experimento feito no laboratório de conforto térmico. O gabarito do entorno do edifício é baixo, portanto, não irá interferir de forma significativa na obstrução do céu em relação ao edifício habitacional. Portanto, o estudo desenvolvido, se demonstra fundamental para definir duas condições: analisar a implantação do edifício e usar ou não os blocos cerâmicos aparentes. 1 2
Figura 94. Pavimento tipo e pontos analisados. Fonte: autoral
1
Fachada Sudeste
O período de proteção necessário, das 9h às 11h40 durante o solstício de verão e das 10h às 10h30 no equinócio.
3 Fachada Noroeste
O período de proteção necessário, das 12h às 18h durante o solstício de verão e das 11h às 18h no equinócio
2 Fachada Nordeste
O período de proteção necessário, das 9h às 12h durante o solstício de verão e das 10h às 13h30 no equinócio.
4 Fachada Sudoeste
O período de proteção necessário, das 12h30 às 18h durante o solstício de verão e das 14h30 às 18h no equinócio.
Figura 95 à 98. Analise das fachadas Fonte: autoral
O gabarito do entorno do edifício é baixo, composto em grande parte por sobrados. Na fachada sudoeste, contudo, há influência de um edifício de 4 pavimentos, como podemos observar ao lado.
Análise SOL-AR Obstrução do céu fachada sudoesteO experimento - uso do bloco cerâmico como elemento de vedação
Os blocos cerâmicos vazados serão utilizados como elementos de vedação e também, composição das fachadas.
Com base nas análises feitas, observou-se no Manual de Conforto Térmico, no Anexo 17, “Tabela 7Dados de Radiação Solar Incidente sobre Planos Verticais e Horizontais. Latitude 23º30’ Sul”, a radiação solar incidentes em todas as fachadas em seu período mais crítico, durante o solstício de verão. Obtendo os seguintes resultados:
SUDOESTE - 12H30 às 18h
Figura 100. Tabela 7 . Fonte: Frota, Anésia Barros; Schi er, Sueli Ramos. Manual de conforto térmico.
O experimento desenvolvido no laboratório de conforto, utilizou uma lâmpada de alta temperatura que simulava a radiação solar direta sobre a fachada do edifício. Durante o período de 1 hora, em intervalos de 5 minutos, foram aferidas as cargas térmicas que o bloco atingia na sua face externa - FE e interna - FI (imediatamente após o revestimento da face externa), demonstrando assim, interferência causada pelo revestimento na transmissão de calor. Confrontou-se duas situações diferentes: 1_bloco cerâmico “cru”, sem revestimentos e na cor original (laranja) x 2_bloco cerâmico revestido com reboco de 2,5cm na cor branca. Com os resultados obtidos, tornou-se clara a maior redução da temperatura interna no bloco que possuía revestimento externo, e de cor branca. Sendo assim, a ideia inicial de utilizar o bloco cerâmico aparente foi deixada de lado, assumindo a solução mais eficiente. Os resultados obtidos são observados na tabela ao lado:
1 Bloco cerâmico “cru”
FE(ºC)
FI(ºC)
Tempo (min) 05 1015 20 25 30 35 4045 50 55 60 45 63 69 73 76 78 7980 8181 828282 25 37 42 46 50 52 5355 565656 5757
Figura 101. Tabela 3 .Análise no bloco cerâmico “cru”. Fonte: autoral.
2 Bloco cerâmico revestido com reboco de 2,5cm na
Tempo (min) 05 1015 20 25 30 35 4045 50 55 60 45 63 69 73 76 78 7980 8181 828282 25 37 42 46 50 52 5355 565656 5757
FE(ºC) FI(ºC)
Figura 102. Tabela 4 .Análise no bloco cerâmico revestido. Fonte: autoral.
Figura 103, Posição dos termômetros no bloco. Fonte: autoral.
Figura 105. Bloco cerâmico revestido. Fonte: autoral. Figura104. Bloco cerâmico “cru”. Fonte: autoral. Situação 01 Situação 02
O experimento - implantação do edifício Influência no edifício existente Situação inicial
Nesse segundo experimento, foi analisada a possibilidade de espelhar a posição inicial do edifício (figura 46) no lote, deixando dessa forma, a torre mais alta voltada para o edifício residencial existente à esquerda (figura 35) . A ideia surge partindo do princípio que dessa forma, a insolação no pátio interno do edifício seria melhor, contudo, também foi analisada a interferência dessa mudança no entorno do edifício. Verificou-se os pontos 1 e 2 no nível térreo, no 5º pavimento e no 8º pavimento, a ferramenta utilizada foi o Andrew Marsh.
Figura 107. Análise da situação inicial no edifício existente. Fonte: Andrew Marsh.
Situação Final
1 2
Figura 106. Posição inicial do edifício. Fonte: autoral.
Figura 108. Análise da situação final no edifício existente. Fonte: Andrew Marsh.
A partir das imagens acima, é possível perceber que quase não haverá alteração da obstrução do céu com o espelhamento do edifício.
Ponto 01
Situação inicial
Ponto 02 Situação inicial
Situação Final
Situação Final
A partir da análise feita acima, é possível perceber que de modo geral, o espelhamento do edifício irá proporcionar períodos mais longos de insolação no pátio interno. Além disso, como analisado anteriormente, não haverá alterações significativas no sombreamento do edifício existente no entorno. Sendo assim, optou-se por assumir o espelhamento do edifício.
Figura 109. Análise do ponto 01 na situação inicial. Fonte: Andrew Marsh. Figura 110. Análise do ponto 01 na situação final. Fonte: Andrew Marsh Figura 111. Análise do ponto 02 na situação inicial. Fonte: Andrew Marsh.Durante a Semana de Integração - uma semana de oficinas organizadas pelos alunos do TFG para discutir os temas dos trabalhos com os alunos dos outros semestres- , os quatro orientandos da professora Débora Sanches: eu, Wingles, Julia e Carolina, organizamos uma oficina chamada “Mulheres e a cidade: visibilidade na luta por direitos e a moradia digna”. Nessa oficina, tivemos o prazer de receber a Graça Xavier que compartilhou conosco suas experiências como mulher vivendo na cidade e dentro do movimento social de moradia.
Além disso, junto aos alunos de diferentes semestres, discutimos diversos temas como: a mulher na cidade, a construção do direito à cidade, a luta dos movimentos sociais de moradia e o direito à moradia digna, bem como, sobre a atuação dos arquitetos no campo de ATHIS. Também vimos alguns documentários, caminhamos até a Ocupação da Rua Augusta 957 e visitamos a Ocupação 9 de Julho.
A Semana de Integração proporcionou experiências e vivências únicas, foi uma troca enriquecedora que abarcou discussões que carreguei ao longo da concepção de todo o TFG. Como resultado das discussões da semana, produzimos um cartaz síntese dos temas abordados.
organizado pela Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste. Nesse encontro, conversei com vários participantes - inclusive algumas pessoas do Projeto Dandara -, e compartilhamos nossas impressões quanto ao tema abordado.
Ao longo do TFG, também tive a oportunidade de participar do encontro de Formação de Novas Lideranças - desigualdade social e a luta por direitos,