FRAGMENTOS DE UMA ALTERNATIVA
«…Je referme le paysage et j’ouvre l’object» Merleau Ponty [fecho a paisagem e abro o objecto]
OBJECTIVOS DA EXPOSIÇÃO Nesta exposição objectivamos mostrar/contar a vida e obra de Ernesto de Sousa, raiando os seus pensamentos, filmes e trabalho fotográfico, baseando-se o seu carácter expositivo numa lógica de influência Alternativa Zero. Desta forma, e partido dos pressupostos que enunciavam e direccionavam a exposição Alternativa Zero, também aqui se privilegia o cariz experimental e vivencial do espectador perante o material exposto, possibilitando-o interpretar e criar o seu próprio ideário acerca da “personalidade” de Ernesto de Sousa, assim como de todo o contexto modernista no qual este se inseria. Como uma Sala Arquivo, que “escondida” na Biblioteca, incita à descoberta, à invasão de um espaço alheio, proibido, apelando à curiosidade indiscreta do espectador, ao seu voyeurismo declarado, sussurrando-lhe o desejo de invadir aquela privacidade e explorar o que encontra defronte a si. Nesta sala despojada, perdida num tempo incerto e atirada ao esquecimento, pretendemos satirizar o que foi a Alternativa Zero em Portugal – um acontecimento de inominável importância no panorama artístico e cultural português, que envolveu esforços, parcerias e, boa vontade de todos os intervenientes, desde críticos a artistas, na qual Ernesto de Sousa desenvolveu um esforço inolvidável e sem o qual esta não se teria realizado, contudo, para muitos não passou de uma Alternativa, perdeu-se na memória dos que nela participaram e num grupo restrito de interessados, sendo que actualmente, os seus vestígios (catálogo e publicações) são apenas encontrados e consultados em salas de arquivo, longe das bancas, longe do público, presos nas garras do esquecimento, habitando na ignorância contemporânea.
ERNESTO DE SOUSA//nota biográfica 1921 – Nasceu a 18 de Abril de 1921, em Lisboa. Frequentou o curso de Físico-Química na Faculdade de Ciências de Lisboa e dedicou-se, desde muito jovem, ao estudo da arte e da fotografia. De espírito aberto, polémico, pioneiro em muitas das coisas a que se dedicou, exerceu uma vasta acção no campo artístico: artes visuais, cinema, teatro, jornalismo, rádio, crítica e encenação. Fez estudos de etnologia e estética, foi artista, comissário de exposições, professor. Escreveu vários livros e textos dispersos em jornais e revistas, interessando-se particularmente pelo mixed-media e pela arte vídeo experimental. Déc.40 – A sua produção fotográfica, com início nos anos 40, inclui levantamentos etnográficos, de escultura medieval, de arte popular, retratos urbanos, etc. Entre os inéditos que fazem parte do seu espólio, contam-se numerosas montagens de fotografias que E.S. “paginava” com reenquadramentos e cortes, segundo um modelo que não era meramente gráfico ou cinematográfico mas antes se aproximava de posteriores sequenciações conceptuais. Nos anos quarenta dedicou-se à divulgação e ao estudo do cinema desenvolvendo uma intensa actividade cineclubista, que teve significativa influência na formação ideológica e cultural de várias gerações. 1947 – Funda o Círculo de Cinema, primeiro cineclube português. 1948 – Sede do Círculo foi assaltada pela PIDE-DGS, que prendeu E.S. e os restantes membros da Direcção. Esta foi a primeira de quatro prisões por motivos políticoculturais. O carácter cultural e cívico desenvolvido por Ernesto de Sousa nesta área estendeu-se a todo o País e foi completado pela revista Plano Focal, onde publicou uma entrevista com Man Ray (1953), e pela revista Imagem-2.a Série, (1956-61), de que foi redactor principal, lutando pelo “cinema novo” em Portugal, e onde entrevistou Bernard Dort, e Chris Marker, entre outros. 1950 – Co-fundador, com Fernando Lopes Graça e outros, do Coro da Academia de Amadores de Música. 1949 a 1952 – viveu em Paris onde frequentou cursos de cinema da Cinemateca, da Sorbonne e do Institut de Hautes Études Cinématographiques, aulas de arte na Ecole du Louvre e fez o Cours d’Initiation aux Arts Plastiques de Jean d’Yvoire, com quem manteve relações de amizade. Foi membro do Cine-Clube do Quartier Latin, onde travou conhecimento com René Bazin e François Truffaut. Estagiou em Marly-le-Roy, onde privou com Alain Resnais, Agnès Varda, com Jean Michel, Presidente da Federação dos CineClubes Franceses e Jean Delmas. Iniciou a sua participação como crítico e teórico do neo-realismo artístico e literário dos anos 40, por entender ser esse o local propício ao magistério da arte
como instrumento de libertação social e individual. Em consequência, esteve sempre em violenta divergência com os seus contemporâneos surrealistas. 1958 a 1962 – Realizou o filme Dom Roberto, uma viragem no cinema português, ponto de partida para o chamado “cinema novo”. Apresentado no Festival de Cannes 1963, foi galardoado com os prémios Jovem Crítica (”La Jeune Critique”) e de “L’ Association du Cinéma pour la Jeunesse”. Participou em estágios e congressos internacionais para o estudo da comunicação e da pedagogia, através dos meios audiovisuais. 1966 a 1969 – Leccionou no Curso de Formação Artística da Sociedade Nacional de Belas Artes as disciplinas Técnicas da Comunicação e Estética do Teatro e do Cinema. Durante este período criou a Oficina Experimental para desenvolvimento de projectos colectivos, de “criação permanente”. 1969 – Participou no 1.o Festival 11 giorni di arte collectiva a Pejo (Itália), onde conheceu Bruno Munari, Sarenco, Verdi, entre outros, e a partir daquela data passou a auto-denominar-se “operador estético”. No mesmo ano, o mixed-media Nós não estamos algures, merece especial destaque. Jorge Peixinho foi seu amigo e autor da música para encenações teatrais e obras mixed-media. Ao longo da sua vida Almada Negreiros foi para Ernesto de Sousa uma referência permanente. A sua obra e personalidade foram ponto de partida para artigos, livros, e o mixed-media Almada, Um Nome de Guerra. Recuperou os painéis deste artista do Cine San Carlos em Madrid, que conseguiu transportar para Portugal numa importante operação no âmbito da defesa do património. Meados anos 60 – Entrou em contacto com o movimento Fluxus: entrevistou Ben Vaultier e foi amigo de Robert Filliou, e de Wolf Vostell. A partir de 1976, foi visita frequente do Museu Vostell, em Malpartida de Cáceres (MVM). Esta relação com Vostell permitiu o alargamento do seu projecto MVM à participação de muitos artistas portugueses. ‘60 a ’80 – divulgou a arte vídeo, o happening, a performance em cursos, artigos e conferências que contribuíram para abrir caminhos à arte portuguesa, entre as quais, Arte portuguesa actual, na Ecole Supérieure d’Arts Visuels, em Genebra, a convite de Chérif Défraoui. 1974 – Foi convidado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) a integrar a Comissão consultiva para a cultura, poucos dias após o 25 de Abril, em que também participavam Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, e outros intelectuais. 1976 – Apresenta Ciclo sobre arte vídeo, no Instituto Alemão de Lisboa, em colaboração com a Videoteca do Neuer Berliner Kunstverein. A convite de Dulce d’Agro, introduz o ciclo Performing Arts, na Galeria Quadrum, em que se exibe uma vasta documentação visual sobre happenings, envolvimentos, performances, events, video e nova fotografia, em colaboração com Gina Pane, Ulrike Rosenbach e Dany Block, entre outros. 1977 – Organizou a exposição Alternativa Zero, que integrou os mais importantes artistas portugueses e ainda o
Ernesto de Sousa nas filmagens de Dom Roberto
LivingTheatre na AZ
Ernesto de Sousa com Wolf Vostell na inauguração do museu Vostell de Malpartida. 30 de outubro de 1976
Ernesto de Sousa na AZ
Living Theatre. Participou activamente nas correntes de mail art. 1978 – Foi sócio fundador da Galeria Diferença, membro da AICA e do IKG (Internationales Künstler Gremium). As casas da Rinchoa (1967-1971) e de Janas (1971-) tornaram-se, muito de acordo com o espírito dos anos 60, locais de encontro de efervescência criativa e interdisciplinar. Por ali passaram portugueses e estrangeiros, nas mais diversas situações. 1987 – A SEC, por iniciativa de Teresa Gouveia, ex-Secretária de Estado da Cultura, organizou a exposição retrospectiva de Ernesto de Sousa, Itinerários. 1998 – elabora o projecto “Aldeia Global”, visando a comunicação e a troca de informações através de uma rede de computadores em conexão. Morre a 6 de Outubro. A Fundação Calouste Gulbenkian - Centro de Arte Moderna dedicou-lhe a exposição Revolution My Body, comissariada por Helena de Freitas e Miguel Wandschneider.
nós não estamos algures-com Jorge Peixinho
Nós não estamos algures
Ernesto de Sousa na AZ
A partir da década de 70, Ernesto de Sousa torna transversais estas duas linguagens fotográficas, a do desejo e a do sincretismo expressivo, muito embora ambas confluam numa clara transformação do social.(...) Emília Tavares, Ernesto de Sousa e a Fotografia, 2006
filmagens de Havia um Homem que Corria, 1968
........ . Destempe ..que a Lira ten rada e a h E n達o do voz enro o u c Cantar a anto, mas de ve quecida, r gente su rda e en que venho durecida .
ALMADA - UM NOME DE GUERRA ( ... ) pretende ser mais do que um filme (...) Porquê Almada Negreiros, num filme destes? Poderíamos responder simplesmente: Por que não? Mas as razões positivas são pelo menos rápidas de enunciar: Almada Negreiros é o mais contínuo contraditório e vivo artista português, que hoje e aqui, e «sem mestre», como gosta de dizer o José-Augusto França, tem resistido ao epigonismo e às classificações fechadas dos géneros artísticos e dos meios artísticos. Eis por que «Almada, Um Nome de Guerra», que pretende ser um filme não-filme, aberto a mais do que um processo, além do processo espectatorial (aberto também), é um filme com o Almada e não um filme sobre o Almada. Diríamos melhor: com o nome do ALMADA porque efectivamente se trata de UM NOME DE GUERRA. (Ernesto de Sousa, Ser Moderno...em Portugal, pp.269)
LUÍS VAZ 73 - ESTRUTURA VISUAL A estrutura visual desta obra é a) aberta, tendendo a constituir-se com «envolvimento», ou seja, em arte-do-espaço; b) coincidente, alternativamente com o poema de Camões e a música de Jorge Peixinho; mas c) autónoma, pela formação semanticamente independente das suas próprias famílias de formas e significações. Trata-se portanto de um trabalho, que para lá de algumas referências-estímulos semânticos, se constrói (...) (Ernesto de Sousa, Ser Moderno...em Portugal, pp.269)
ALTERNATIVA ZERO surge como resposta à necessidade profunda de acabar com aquele duplo isolamento, combatendo a fórmula salon (e as suas falsas aparências democráticas) por uma perspectiva crítica, e uma responsabilidade totalmente assumida. Como no início de uma investigação estrutural foi necessário assumir certos riscos para se conseguir pertinência, nomeadamente na escolha dos autores a convidar para a participação nesta experiência comum. O principal arbítrio neste caso foi a definição dos limites da nossa investigação. O que obriga a uma operação de rigor obstinado. OS LIMITES. Posta de parte toda a ideia de júri (que em geral é uma forma disfarçada do poder, inevitável se...) baseamo-nos em primeiro lugar em duas experiências anteriores.«Do Vazio à Pró-Vocação», em 1972; e «Projectosldeias», em 1974. A partir deste primeiro núcleo, e com alguns cortes impostos por outras condições - adiante explicaremos – sondámos tanto quanto foi possível no sentido de apurar as actividades individuais afirmadas posteriormente a 1974; quer durante a experiência do «Clube Opinião» (1975), quer pelo exercício «emprestado» da nossa actividade crítica. Foi também ponto de partida a atenção descentralizadora, sendo muito importante para isso o trabalho em comum com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (Óbidos, 1972: «Agressão com o nome de J. Beuyus»; Coimbra, 1974: «Aniversário da Arte»; Coimbra, 1976: participação em «Arte na Rua»). (...) (Ernesto de Sousa, Ser moderno…em Portugal, pp.71)
encontro do Guincho, 1969
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Isabel – Alternativa zero in Arte Teoria – revista do mestrado em Teorias da Arte da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Dir. José Fernandes Pereira. Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2001. N.o 8. pp. 72-81. ALTERNATIVA Zero: Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea. Org. de Ernesto de Sousa. Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977. Ernesto de Sousa: revolution my body. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, 1998. Ernesto de Sousa. Acedido a 10 de Dezembro de 2010, através de http:// www.ernestodesousa.com/. FRANÇA, José-Augusto – Alternativa zero in Colóquio das Artes. Dir. José-Augusto França. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977. n.o 31 (Fevereiro), 2.a série, 19.o ano. FRANÇA, José-Augusto – Alternativa zero: folhetim artístico in Diário de Lisboa, 21 de Março, 1977. GONÇALVES, Rui-Mário – Vontade de mudança: cinco décadas de artes plásticas. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 2004. pp. 89-143. Memórias de um século XX: tempos modernos 1970-2000. Ed. Helen Douglas Cooper, et al. Lisboa: Selecções do Reader’s Digest, SA, 2001. pp. 141-146. NOGUEIRA, Isabel – Ernesto de Sousa e a promoção das vanguardas em Portugal. Nu. Coimbra: Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. n.o 24 (Out. 2005), pp. 23-26. NOGUEIRA, Isabel – Alternativa zero (1977): o reafirmar da possibilidade da criação. Coimbra: Centro de Estudos Interdisciplinares do séc. XX da Universidade de Coimbra [CEIS20], 2008. n.o 07. pp. 7-28. PERSPECTIVA: Alternativa Zero. Coord. de João Fernandes e Maria Ramos. Porto: Fundação de Serralves, 1997. SANTOS, Maria Pinto dos – Vanguarda e outras loas: percurso teórico de Ernesto de Sousa. Lisboa, Assírio & Alvim, 2007. SARDO, Delfim – Alternativa zero: quando o zero existia in Arte Ibérica. Dir. José Sousa Machado. Lisboa: Edições Arrábida, 1997. n.o 7 (Agosto/ Setembro). pp. 18-20. SOUSA, Ernesto de – O argumento cinematográfico: como se escreve um filme. Lisboa: Imagem e Som, 1957, vol.I-1. SOUSA, Ernesto de – Alternativa zero: uma criação consciente de situações in Colóquio das Artes. Dir. José-Augusto França. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977. n.o 34 (Outubro), 2.a série, 19.o ano. pp. 45-53. SOUSA, Ernesto de – Ser moderno... em Portugal[antologia de textos do autor]. Org. de Isabel Alves e José Miranda Justo. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.
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