FRATERNIDADE DAS METÁFORAS

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FRATERNIDADE DAS METテ:ORAS entre imagens: cinema e palavra


Capa: Frame do filme Nossa Música(Notre musique - França/Suiça - 2004), direção Jean-Luc Godard. Edição experimental e independente. Organização, edição e texto por Bárbara Mol; 2013| Belo Horizonte Brasil Direitos autorais compartilhados


FRATERNIDADE DAS METÁFORAS

entre imagens: cinema e palavra

Organização Bárbara Mól Belo horizonte 2013




Toda imagem ĂŠ ao mesmo tempo forma e fundo para outra imagem, nascendo do fundo ilimitado de imagens. Raymond Bellour


v




A história do homem sobre a Terra é a história de uma rotura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. Milton Santos






Olhar uma imagem é entrar em contato, a partir do interior de um espaço real que é o do nosso universo cotidiano, com um espaço de natureza bem diferente, o da superfície da imagem . Jacques Aumont



“Por que criar uma obra de arte? ... se sonhar é tão mais doce. - disse Giotto. [Decameron (1970), Pier Paolo Pasolini]


A autonomia da arte contém o imperativo categórico: ‘as coisas tem de mudar’. Hebert Marcuse



FRATERNIDADE DE METÁFORAS entre imagens: cinema e palavra Uma leitura pode trelaçar em outra dar a ver e nos

reforçar imagens e as enarte? A palavra pode nos entrelaçar em familiaridades?

Esta edição experimental apresenta imagens solicitadas por meio da Proposta entre nós, um exercício artístico proposto aos alunos do ateliê III e IV de Desenho da Escola de Belas Artes -UFMG, sob orientação da professora Patrícia Franca. A proposta é um experimento artístico baseado na troca entre nós artistas do ateliê de desenho, entre nós leitores e nossas leituras. Cada aluno selecionaria algum de seus textos preferidos, dos últimos ou de todos os tempos, inclusive autorais. Precisaríamos funcionar em rede, atrair um texto ao outro, para que o sentimento de abandono não nos alcançasse. Portas giratórias poderiam ser imaginadas, assim como alguns portais de livre informação e circulação, aleatoriamente. Uma força magnética agiria sobre nós, nossos signos, algumas palavras e aquilo que elas nos faz ver e dizer, como numa leitura em voz baixa. É importante repeti-las, pois repetir uma leitura, pode ser também redizê-la: Mas parece-me que redizemos as coisas porque é necessário redizê-las aos outros, e que as repetimos por esquecimento ou porque é necessário repeti-las para estarmos certos de conhecê-las1.

Há algo entre os textos atraídos, algo que exala correspondências, que nos solicita e devemos nos tornar acessíveis a ela. É preciso entrar na corrida das nuvens; decepcionar a exigência de conhecimento; renunciar a querer agarrar e dominar os pensamentos; dar-lhes pasto2. Penso na corrida das nuvens em pasto longínquo, insuficientemente largo, algum descampado à margem. O que nos leva a ver por um efeito de percepção desse encadeamento, dos significados e relações, de apropriações literárias e cinematográficas. Encontramos nosso pensamento em um ambiente de indeterminação e o tornamos em imagem por meio de expressão sensível e dos sentimentos. Por meio dos recursos da arte e do regime da estética, elementos visuais (escrita e fotografia) oriundos de distantes temporalidades, desejos e representações.

Pois o regime representativo da arte não é aquele em que a arte tem por tarefa produzir semelhanças. É o regime em que as semelhanças são submetidas à tríplice obrigação que vimos: um modelo de visibilidade da palavra que organiza ao mesmo tempo certa contenção do visível; uma regulagem das relações entre efeitos de saber e efeitos de páthos,


comandada pelo primado da “ação”, que identifica o poema ou o quadro a uma história; um regime de racionalidade próprio à ficção, que subtrai seus atos de palavra aos critérios normais de autenticidade das

palavras

e

rios

intrínsecos

das de

e

utilidade

imagens para submetê-los a critéverossimilhança

e

conveniência3.

Para além de um exercício, esse experimento imageante deu-me pasto suficiente para se agregar ao meu projeto de mestrado em artes. Mesmo que algumas impossibilidades tenham ocorrido no processo da prática coletiva em ateliê, realizo a proposta paralela à minha pesquisa teórica. 4

Entre minhas preferências e afinidades estéticas, dedico-me assim à estabelecer uma familiaridade, as-

trabalho me instigou a continuar a trabalhar com a montagem e a perceber que sempre haverá um “entre nós” capaz de reunir a fraternidade de novas metáforas. [As imagens montadas são apropriações de frames originários do filme Zabriskie Point (USA- 1970), direção Michelangelo Anto- nioni; Fahrenheit 451(Inglaterra -1966), direção

François

sique-França/Suiça

Truffaut -

e

2004),

Nossa

Música(Notre

direção

Jen-Luc

mu-

Godard.

Os fragmentos literários são das obras Entre-imagens: foto, cinema, vídeo, de Raymond Bellour; Técnica Espaço Tempo: Globalização e meio técnico-cientifico informacional, Milton Santos; A imagem, Jacques Aumont; A dimensão estética, Hebert Marcuse.]

arte.

Bárbara Mól

Narrativas ficcionais e documentais principalmente as cenas do cinema reunidas à cenas literárias. Estabeleço uma analogia ocasional, porque existe neste processo algo do acaso e do encontro, ou ainda, do saber-ler e tornar-se acessível; entendo cada vez mais a ideia de Jean-François Lyotard, descrita acima.

Belo Horizonte|2013

sociada

à

memória

imagética, relacionada

à

Assim, da Proposta entre nós foi possível encontrar o que chamo de Fraternidade das Metáforas; este título é um termo do cineasta francês Jen-Luc Godard, cujo

NOTAS: 1COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Belo Horizonte: UFMG, 1996: 49. 2 LYOTARD, Jean-François. Peregrinações: Lei, Forma, Acontecimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2000: 23. 3 RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012: 130. 4 A palavra em francês imagéite não possui tradução em português, seria substantivo abstrato equivalente à palavra imagem, mas diferente de imaginação. Lembro de imageante, pela proximidade com as palavras imago, mágico ou ainda alguma formação composta entre imagem e pensante, imagesante, imageante.



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