Cloro-álcalis: origem, evolução da indústria e valor para a sociedade

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Projeto e execução SP4 Comunicação Corporativa 2018




O VISÍVEL INVISÍVEL


O visível invisível

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Este livro traduz o esforço para dar maior visibilidade ao universo da indústria de cloro-álcalis. Ela é vista e reconhecida como um segmento dos mais importantes na cadeia produtiva da indústria química, mas essa realidade não é tão evidente aos olhos dos consumidores finais. Esses percebem apenas parcialmente em seu cotidiano a presença dos produtos da cadeia de valor do cloreto de sódio (NaCl), quer seja salgema ou sal marinho, e do cloreto de potássio (KCI). Sabe-se, em geral, que, na água potável distribuída e na água tratada das piscinas, as mãos invisíveis do cloro gás ou derivados do cloro, como o hipoclorito de sódio, protegem nossa saúde contra as doenças de veiculação hídrica. No âmbito doméstico, a água sanitária (solução de hipoclorito de sódio ou de cálcio com 2% a 2,5% de cloro ativo), a soda cáustica (NaOH) ou a potassa cáustica (KOH) são visíveis entre os produtos de higiene e limpeza do dia a dia. Entretanto, a maior parte da população talvez não conheça o papel desempenhado pelo cloro e seus derivados na erradicação de epidemias que fustigavam a humanidade quando, antes deles, não havia meios de combatê-las. Pode ser que muitos leitores não tenham atentado tampouco à contribuição que dão, o cloro e seus derivados, ao esforço global para aumentar o acesso da população à água potável e segura para o consumo – um dos grandes desafios colocados para a humanidade. Fora do campo da saúde e da higiene, menos perceptível ainda é o emprego direto ou indireto da soda cáustica, da potassa cáustica e do cloro e de seus derivados na composição de dezenas de milhares de produtos presentes em nosso cotidiano e responsáveis por tornar a vida mais confortável, segura e produtiva. O livro traz, de início, uma série surpreendente de itens e artigos fabricados com a participação dos produtos da indústria de cloro-álcalis. Em seguida, apresenta ao leitor uma visão da questão hídrica e da história que associou o cloro à revolução no tratamento da água e na saúde pública. Por fim, traz um panorama da história da indústria de cloro-álcalis no Brasil e de sua crescente importância para o desenvolvimento econômico e social do país. Tornar mais visível a importância dessa atividade na vida de todos nós foi a forma que a Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor) encontrou, no ano em que a entidade completa os 50 anos de sua fundação, para homenagear as empresas associadas que representa. Alexandre de Castro presidente (2016-2018)

Aníbal do Vale presidente (2018-2020)

associação brasileira da indústria de álcalis, cloro e derivados (abiclor)

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A escassez do fio de origem animal durante a Segunda Guerra Mundial, devido à demanda dos hospitais para uso do material em suturas cirúrgicas, fez o violonista espanhol Andrés Segovia, considerado o pai do violão erudito moderno, se juntar ao fabricante de instrumentos Albert Augustine para criar as primeiras cordas de náilon. O material, cuja produção é obtida a partir do 1,4-diclorobutano, um derivado do cloro, trouxe mais durabilidade e firmeza ao dedilhar das notas musicais.



A aeronave Solar Impulse fez história, em 2016, ao completar a primeira volta ao mundo utilizando exclusivamente a energia procedente do Sol. Esse feito foi possível com a ajuda da química do cloro, presente nas 11 mil células de silício que captam energia solar (o silício é purificado pela química do cloro). Além disso, o cloro também aparece no polímero reforçado com fibra de carbono que reveste a nave.



Depois do PVC (policloreto de vinila), a segunda maior aplicação do cloro no Brasil é para produzir poliuretanos (PU), espumas rígidas e flexíveis utilizadas em colchões, vernizes, colas, assentos e painéis de automóveis, preservativos, calçados e em uma grande variedade de espumas. O PU não contém cloro em sua molécula, mas este é essencial no processo de produção de óxido de propeno, que é matéria-prima do polímero.



Um dos indicadores que melhor reflete a qualidade da saúde da população de um país é o acesso à rede de distribuição de água e de coleta de esgoto. O cloro é parte da solução para melhorar essa relação: as tubulações feitas de PVC (policloreto de vinila), em cuja composição há 57% de cloro, transportam e distribuem água limpa das estações de tratamento para as residências e são usadas para coletar e conduzir o esgoto dos aparelhos sanitários para um destino apropriado.



A placa-mãe, que interliga todos os componentes do computador, deve manter-se isolada da umidade e da fuga de corrente elétrica para garantir a proteção dos dados e dos circuitos do aparelho. O que assegura essa proteção é a resina epóxi, obtida a partir de um derivado clorado, o cloreto de alila. O cloro e o cloreto de alila são produtos intermediários, imprescindíveis para a produção da resina.



Durante a crise do petróleo na década de 1970, a indústria automobilística, para diminuir o peso dos veículos e, assim, reduzir o consumo de combustível, começou a usar o poliéster em componentes automotivos. Por ser leve e resistente a impactos e às altas temperaturas, o material derivado do cloro passou a revestir tanques de gás, painéis interiores e peças do motor.



O colágeno é extraído principalmente de peles e ossos de animais. Os ossos, moídos, são lavados e ficam de molho em ácido clorídrico, à baixa temperatura, em processo controlado, para dissolver o carbonato de cálcio e a hidroxiapatita. O colágeno resultante (osseína) é a matéria-prima para obtenção de gelatina. Ele também pode ser extraído de peles de suínos, que ficam imersas em solução diluída de ácido clorídrico. As peles de bovinos e a osseína são tratadas com álcalis (geralmente cal e soda cáustica) para obter colágeno e gelatina.



A fibra de aramida é um material que pode substituir o aço em diversas aplicações. Não contém cloro em sua molécula, mas o elemento químico é essencial em seu processo de produção. Quando formada em tecidos, a aramida é muito usada em coletes para agentes de segurança e para militares das Forças Armadas, por ser resistente a ponto de deter um projétil e, ao mesmo tempo, leve, sem tolher os movimentos dos usuários.



A maioria dos produtos farmacêuticos contém cloro. A natureza do cloro permite que ele se ligue a outros elementos químicos para formar substâncias que fazem parte ou que resultam em outros produtos. Ele está presente em medicamentos para tratamento de doenças como aids, artrite, câncer, diabetes, doenças do coração, hipertensão, leucemia, malária, meningite, osteoporose, pneumonia, psoríase, úlcera, entre outras.



A fabricação de sabão é uma das atividades industriais mais antigas de que se tem notícia. Os sumérios, os fenícios, os celtas e os romanos usavam sabão para lavar lã. Desde então, a soda cáustica é um componente importante na fabricação de sabão, em cujo processo é preciso acontecer uma reação química, chamada saponificação, que ocorre entre um ácido graxo (presente nas gorduras animais e nos óleos vegetais) e um álcali, como hidróxido de sódio ou de potássio.



Para que o alumínio tome forma, a bauxita, uma rocha encontrada na natureza, é moída e dissolvida em uma solução aquecida de soda cáustica. Depois, essa pasta, formada por terra e composto de alumínio e soda (aluminato de sódio), é filtrada e a solução resultante é reagida com alumina, um óxido hidratado de alumínio. A reação causa separação de todo o alumínio contido na solução na forma de alumina. Esta é separada e posta para secar, até se transformar em um pó branco. A alumina é usada na produção de alumínio metálico por eletrólise.



Os cartões de crédito e de débito, o “dinheiro de plástico”, como é popularmente conhecido, são feitos de plástico de PVC (policloreto de vinila), material que contém cloro em sua composição. São resistentes, podendo durar três anos ou mais. Os cartões de plástico PVC também são utilizados para controlar o acesso em empresas, escolas, bibliotecas e em cartões de ponto eletrônico.



A consistência cremosa do sorvete é obtida graças ao uso de emulsificantes, compostos que deixam a textura do sorvete macia, nem dura demais nem mole demais. Um desses compostos é o sal de sódio da carboximetilcelulose, extraído a partir da reação de celulose (madeira obtida com auxílio da soda cáustica) com o cloreto de metila (agente clorado). O cloro e a soda cáustica, portanto, agem como intermediários nesse processo.



O ingrediente do sabor umami é o glutamato monossódico, usado em residências e em indústrias para realçar o sabor dos alimentos. O glutamato monossódico é resultado da reação entre o ácido glutâmico e a soda cáustica. No entanto, nenhum desses dois elementos está presente como tal no produto final – eles são totalmente consumidos durante o processo de reação que dá origem ao glutamato monossódico.



Os fertilizantes foliares e os defensivos agrícolas, tão importantes para aumentar em larga escala a produtividade agrícola, têm como uma das principais matérias-primas a potassa cáustica. Ela é obtida por meio de um processo de eletrólise que usa cloreto de potássio, um tipo de sal encontrado em minas de grande profundidade, em alguns lugares do mundo.



Os aditivos à base de sal de potássio (lactato de potássio e citrato de potássio) funcionam como conservantes, garantindo o consumo seguro de queijos e embutidos, por exemplo, e, ao mesmo tempo, possibilitando o desenvolvimento da indústria alimentícia. Outro derivado do sal, o carbonato de potássio, é adicionado ao processo de fabricação do chocolate escuro.



O mais versátil dos plásticos, o PVC (policloreto de vinila), derivado do cloro, foi responsável pela popularização dos brinquedos de plástico a partir de 1950. Devido ao custo mais baixo, ele substituiu materiais nobres, como marfim e madeira, e permitiu a produção em escala industrial de bonecas, bolas e outros brinquedos que podem ser apertados e usados sem machucar as crianças.



O velame – as “asas” – dos primeiros paraquedas era confeccionado com seda e algodão. Durante a Segunda Guerra Mundial, em razão de dificuldades para importar a seda japonesa, o governo norte-americano substituiu essas matérias-primas pelo náilon. A fibra sintética se mostrou superior: leve, elástica, resistente ao mofo e mais barata. O 1,4-diclorobutano, derivado do cloro, é um dos estágios na produção do náilon, que, depois de polimerizado, é transformado nas fibras de náilon.



4 O VISÍVEL INVISÍVEL 44 PLANETA TERRA, PLANETA ÁGUA 92 A REVOLUÇÃO DAS ÁGUAS TRATADAS 134 A INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL


208 PROGRAMAS SOCIAIS 222 O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI 246 LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS



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POR: CÉSAR NOGUEIRA


Imagem ampliada de cristal de gelo. Só a partir da teoria dos germes, no século XIX, se levantariam suspeitas de que a água – vital para a existência – também podia conter microrganismos e propagar doenças.


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A ÁGUA DOCE Água. A substância que identificamos com esse nome em nosso cotidiano tem por certo algo a ver com a fórmula que aprendemos na escola – a do tão conhecido H20. Na vida de todo dia, porém, o que chamamos de água é mais do que as duas moléculas de hidrogênio ligadas a uma de oxigênio. Ela é uma mistura de matérias diversas, como sais minerais, gases, proteínas, partículas e substâncias orgânicas minúsculas, que ela mescla graças à sua extraordinária habilidade em dissolver e combinar elementos. A água também é o habitat de diversas formas de vida, desde animais e plantas aquáticos até seres que não têm mais do que uma célula, como os protozoários. É o veículo em que trafegam pela natureza, invisíveis, microrganismos tão primitivos como as bactérias, e outros ainda mais simples, como os vírus, que nem chegam a ser considerados organismos, pois não possuem o equipamento necessário ao seu metabolismo e dependem de células alheias para se reproduzir. Tampouco se consegue aplicar, às variedades de água com que convivemos, a abstrata precisão que a descreve como um líquido incolor ou transparente, insípido e inodoro. As águas das corredeiras que se desprendem das geleiras são azuladas. As do rio Amazonas, matizadas pelos detritos que arrasta, são verdolengas. Também distinguimos diferentes sabores e odores – a água do mar da água doce; a da nascente,

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1. Paolo Matthiae e Nicoló Marchetti. Ebla and Its Landscape: Early State Formation in the Ancient Near East. Abingdon-on-Thames/Nova York: Routledge, 2016.

a do poço, as de fontes minerais, algumas com cheiros próprios. Para além dessas características de aparência e odor, são igualmente águas as que são salobras, poluídas ou contaminadas e não podem ser consumidas, assim como aquelas que são próprias para beber. Estas são as águas limpas, doces, saudáveis, decisivas para a nossa vida. Para nos abastecer de águas limpas, a natureza põe em funcionamento um elaborado processo de reciclagem, purificação e reposição de seus reservatórios. Tanto a evaporação das águas da superfície como a filtragem a que é submetida no subsolo são eficientes sistemas de eliminação de impurezas e de organismos contaminantes. São mecanismos que precisam ser protegidos e preservados, para a manutenção dos estoques de água fresca. As sociedades humanas, por sua vez, concorrem com a natureza e criam seus sistemas de captação, armazenamento e distribuição para atender às necessidades de suas comunidades, de suas tribos, de seus povoados, das cidades e das superpovoadas megalópoles. As pegadas da civilização encontradas pelos arqueólogos mostram que a preocupação com as fontes e a infraestrutura de abastecimento esteve sempre presente em nossa história. Ao menos desde que os caçadores-coletores começaram a virar agricultores. Exemplos dessa gestão dos recursos hídricos aparecem em documentos do Arquivo Real da cidade de Ebla,1 datados do terceiro milênio antes da Era Cristã. Situada na Síria, nas proximidades da atual cidade de Aleppo, Ebla contava com uma extensa rede de poços e cisternas para captar a água do subsolo e das chuvas. Segundo registros cuneiformes em placas de argila (uma coleção de mais de 17 mil documentos encontrados quase intactos), a escavação de poços era um procedimento de tamanha importância que qualquer perfuração tinha de ser informada ao rei. Da Roma antiga nos vem o exemplo grandioso do transporte de água feito por um engenhoso sistema de aquedutos. Os escritos de um funcionário do Império, Sextus Julius Frontinus, designado para supervisionar o sistema em 97 d.C., descrevem com detalhes técnicos os onze maiores aquedutos. O mais longo deles trazia água de uma fonte a 37 quilômetros de distância da cidade, mas tinha a extensão total de 92 quilômetros, provavelmente devido aos contor-


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Aquedutos construídos sob o Império Romano – como o de Segóvia, na Espanha (c. I d.C) – testemunham o esforço dos povos da Antiguidade para prover o abastecimento das cidades com água de boa qualidade.

nos que devia fazer para que a água pudesse fluir, impelida pela força da gravidade. Assim como os da Síria e os de Roma, encontram-se exemplos de sistemas de abastecimento entre praticamente todos os povos. Nos Estados Unidos, no estado do Colorado, o Mesa Verde National Park tem um conjunto de vilas indígenas milenares em que se encontram reservatórios capazes de armazenar quase 100 mil litros de água. Na antiga cidade inca de Machu Picchu, no Peru, vamos encontrar o que para James Salzman, autor de Drinking Water, é “o mais impressionante exemplo de engenharia hidráulica das Américas”. Os incas, diz ele, “enfrentaram o desafio de transportar água de uma fonte distante até

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2. James Salzman, Drinking Water: A History. Nova York: The Overlook Press, 2013.

3. Idem.

4. Octaviano Mello, Dicionário tupi (nheengatu)-português e vice-versa. São Paulo: Folco Masucci, 1967.

sua capital, localizada em uma elevação de mais de 2 mil metros. Canais inclinados distribuíam água pelos terraços cultivados da residência do imperador e, então, através de uma série de dezesseis fontes, iam montanha abaixo até os moradores da cidade”.2 A urbanização e as facilidades trazidas por essas obras de engenharia mais ou menos sofisticadas aperfeiçoaram o suprimento de água e certamente trouxeram mais conforto e segurança para a população em lugares e tempos históricos diversos. Juntamente com as facilidades, porém, começaram a surgir novas dificuldades. A contaminação dos rios, lagos, reservatórios e mananciais próximos de aglomerados humanos trouxe doenças terríveis, que se abateram sobre essas comunidades com tal força que pareciam ser consequência da ira dos deuses. Ao lado da necessidade do abastecimento, impunha-se então o problema da qualidade da água. Os primeiros esboços do que seria uma política de higiene e saúde pública, segundo Salzman, aparecem em textos sagrados das religiões judaico-cristãs como o Antigo Testamento e o Talmude. São recomendações para que os detritos sejam descartados longe das habitações e para que nunca sejam atirados aos poços.3 Entre os ioruba, na África, é proibido banhar-se nas proximidades das fontes de água e estão sujeitos a punições aqueles que desobedecerem a lei. No Brasil, entre os povos indígenas, a preocupação com a qualidade das águas transparece na riqueza da língua tupi. Água se diz y e há derivações para identificá-la de acordo com as fontes de onde procede – tais como ypu (olho-d'água), ypururuca (água que faz estrondo), ytu (cachoeira), ypuã (vertente alta no mato). Há, entretanto, um vocábulo específico – ycatu – para designar a água boa.4 Numa longa jornada através da história, passaram-se milênios até que se chegasse a compreender que muitas das mazelas que afligiam a humanidade eram propagadas pela água ruim. E foram muitas as epidemias suportadas até que surgissem maneiras eficientes de descontaminá-la e torná-la boa. Durante muito tempo, as medidas adotadas erraram o alvo porque se fiavam em ideias que vinham da Antiguidade a respeito da ação dos miasmas e odores malignos. Foi apenas em meados do século XIX que as suspeitas sobre a propagação das epidemias se


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voltaram mais fortemente para a água, sendo logo em seguida confirmadas pela nascente teoria dos germes. Daí, até que fossem encontrados meios de eliminar esses inimigos invisíveis, foram necessários novos avanços na ciência, na cultura e na tecnologia. O microscópio teve de ser inventado para que os seres invisíveis se tornassem reais. E, dentre as principais conquistas, contam-se, nessa ordem, a descoberta do cloro, a comprovação de sua ação sobre os germes, e, depois, a adoção de políticas públicas de uso da cloração para tratamento e desinfecção da água em grandes volumes. Esta última etapa, decisiva, só veio a ocorrer, vencidas muitas resistências, no início do século XX – história que veremos em maior detalhe adiante, na qual se contam os antecedentes e os primeiros anos da revolução no combate aos germes e às epidemias que a descoberta do cloro proporcionaria. O emprego do cloro e de seus derivados na desinfecção e no tratamento da água ganhou lugar entre as realizações da ciência que causaram maior impacto na saúde da população. Ele foi, como veremos, o resultado da persistência de estudiosos em defender suas descobertas e da coragem de alguns gestores públicos em afrontar a ignorância e o preconceito que prevaleciam mesmo nos meios médicos e científicos. O impasse permaneceu até que, por fim, as autoridades e a sociedade da época se convencessem de que, corretamente administrado, em pequenas quantidades, o cloro eliminava os germes da água sem oferecer riscos à saúde das pessoas. A partir das primeiras experiências bem-sucedidas em cidades dos Estados Unidos e da Europa, pouco a pouco esse processo passou a ser adotado em outras localidades. A tecnologia de aplicação do cloro e de seus derivados evoluiu, e hoje o seu uso nos sistemas de tratamento, em maior ou menor grau, praticamente se universalizou. Nos Estados Unidos, a primeira cidade a usar o cloro foi Jersey, no estado de New Jersey, em 1908. “Ele se mostrou tão eficaz em destruir bactérias e vírus potencialmente perigosos que essa prática em pouco tempo se disseminou de maneira ampla”, rememora um artigo recente da centenária revista Scientific American.5 Atualmente, de acordo com a publicação, “98% das estações de tratamento de água nos Estados Unidos usam alguma forma de cloro”. O artigo acrescenta ainda que, segundo a American Water Works

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5. “All’s Well? Is Chlorine the Best Option for Purifying Drinking Water?”, Scientific American. Disponível em: <www. scientificamerican.com/ article/i-was-wonderinghow-toxic-chlorine-is>. Acesso em: 7 fev. 2018.

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Na Índia, mulheres transportam água de poço. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 1,1 bilhão de pessoas em todo o mundo não têm acesso à água tratada e 2,4 bilhões não dispõem de saneamento básico.

Association (AWWA), porta-voz das operadoras de estações de tratamento daquele país, a presença do cloro na água potável teria sido “responsável por 50% do aumento na expectativa de vida dos norte-americanos no último século”. Ainda que seja difícil precisar tais impactos, é fato reconhecido por todos que a cloração representa um ponto de virada nesse terreno. Embora tenha havido muitos avanços, as afecções relacionadas ao consumo de água contaminada ainda são as que afetam em maior extensão a população mundial e estão entre as maiores causadoras de mortes por doença, sobretudo nos países econômica e socialmente mais débeis e entre os seres humanos mais vulneráveis, que são as crianças.


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A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) tem os olhos dirigidos a essa questão e uma série de relatórios muito bem elaborados. O primeiro deles, Water for People, Water for Life, de 2003, traz o retrato estatístico do que qualifica como uma tragédia. Ao mesmo tempo, sublinha que esses números devem despertar o mundo também para outra tragédia, a que “reside no fato de essa carga de doenças ser facilmente evitável”. O relatório afirma que 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água tratada e 2,4 bilhões não dispõem de saneamento básico. E acrescenta que, se essas duas carências fossem supridas nas regiões afetadas, a ocorrência de diarreias infecciosas seria reduzida em cerca de 17% ao ano. Se, além disso, essas regiões pudessem contar com um sistema de distribuição de água bem regulado e saneamento completo, haveria uma queda de 70% ao ano nas ocorrências. Ou seja, as diarreias infecciosas seriam erradicadas num curto espaço de tempo. A propósito das iniciativas necessárias para combater os problemas causados pela água contaminada, com base na “análise de custo-efetividade”, o relatório da Unesco apresenta a seguinte conclusão: 1. A desinfecção da água com tabletes de cloro no ponto de consumo, bem como a proteção dos reservatórios, combinada à educação sobre higiene, propicia o maior benefício para a saúde ao menor custo incremental e 2. A desinfecção da água no ponto de consumo é consistentemente a intervenção com melhor relação custo-efetividade. Acrescente-se a isso que o hábito de lavar as mãos é também altamente efetivo.6 A indicação feita pelo relatório da Unesco parece dar razão ao redator da revista Scientific American quando diz que “muitos consideram a cloração da água como uma das maiores conquistas na história da saúde pública”.7 Resta universalizar os seus benefícios. Antes de avançar sobre a história dessa conquista, tomemos distância para olhar os grandes contornos da questão da água e dos recursos hídricos em nosso planeta.

6. Programa Mundial de Avaliação da Água, Water for People, Water for Life: A Joint Report by the Twenty-three UN Agencies Concerned with Freshwater. Paris: Unesco, 2003. 7. Scientific American, op. cit.

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A água absorve mais a luz vermelha e reflete principalmente a luz azul, o que explica o tom cerúleo da Terra vista do espaço. A imagem da Nasa, captada em 21 de setembro de 2005, permite ver o continente antártico em sua totalidade.


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PÁLIDO PONTO AZUL No dia 14 de fevereiro de 1990, quando se encontrava a 6 bilhões de quilômetros de distância, nas imediações de Saturno, e afastando-se do Sol a uma velocidade de 40 mil milhas por hora, a espaçonave-robô Voyager 1 recebeu dos controladores da missão um comando para que voltasse os seus poderosos telescópios para trás e registrasse imagens da Terra, antes de seguir viagem. A manobra atendia à sugestão de um dos mais ilustres cientistas da equipe da agência aerospacial americana Nasa, a qual – ele próprio revelaria mais tarde – tinha um propósito predeterminado. Carl Sagan sabia que, vista daquela posição, a Terra apareceria muito pequena para que se pudesse extrair alguma informação específica; que nosso planeta seria representado por não mais que um pixel. Por essa razão, no entanto, por sua irrelevância, ele premeditara, tal imagem valeria a pena. Aos olhos de um cientista alienígena, aquele pequeno ponto de luz azulado, difícil de distinguir de tantos outros planetas e sóis distantes, talvez não oferecesse nenhum motivo particular de interesse. Dificilmente ele saberia dizer o porquê daquele tom azulado, cerúleo, que ocorre em parte por causa dos oceanos, em parte por causa do céu. Nem poderia supor as formas que a vida engendrou. “Para nós, no entanto, ela é diferente”, diz Sagan, ao propor uma reflexão sobre a imagem.

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Olhem de novo para o ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas. Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, “superastros”, “líderes supremos”, todos os santos e pecadores da história da nossa espécie, ali – num grão de poeira suspenso num raio de sol. Em seguida, o autor de Cosmos se detém sobre o significado daquele característico tom cerúleo.

8. Carl Sagan, Pálido ponto azul. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

9. “Scientists Discover Clean Water Ice Just Below Mars’ Surface”, Wired. Disponível em: <www. wired.com/story/scientistsdiscover-clean-water-icejust-below-mars-surface>. Acesso em: 17 jan. 2018.

Ele ocorre porque, embora transparente, a água absorve um pouco mais de luz vermelha que de azul. Num copo, esse fenômeno visual é pouco perceptível. Mas quando se trata de dezenas de metros da substância ou mais, a luz vermelha é totalmente absorvida e o que se reflete no espaço é sobretudo o azul. Da mesma forma, o ar parece perfeitamente transparente num pequeno campo de visão. Ainda assim – algo que Leonardo da Vinci era mestre em pintar – quanto mais distante o objeto, mais azul ele parece ser. Por quê? O ar dispersa muito melhor a luz azul do que a vermelha. O matiz azulado, portanto, provém da atmosfera espessa, mas transparente, da Terra e de seus oceanos profundos e líquidos. E o branco? Em um dia normal, a Terra tem quase metade de sua superfície coberta por nuvens brancas de água.8 O azulado e a presença da água definem a nossa identidade cósmica, ainda que o azul e a ocorrência de água não sejam exclusividade de nosso planeta. Netuno, por outras razões, também é azul, e não temos dúvida sobre a existência de água em outras partes do Universo. A ocorrência de grandes reservas de gelo no subsolo de Marte é mesmo tão segura que os cientistas sonham em recorrer a elas no futuro para abastecer e aumentar o alcance das missões espaciais.9 O que confere singularidade ao nosso planeta


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azul, portanto, é o fato de que, até onde se sabe, em lugar algum a água se apresenta em forma líquida como aqui, por força do acaso que colocou nosso planeta a uma distância do Sol em que a temperatura permite esse fenômeno. Não há, assim, outro planeta em que essa matéria líquida tenha presença tão dominante na paisagem. Aqui ela recobre sete décimos da superfície e não espanta que de sua onipresença nos venha a impressão de que a temos em tamanha abundância que seja um recurso inesgotável. Temos de fato um grande reservatório planetário de água, cujo volume é calculado em 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos. Aproximadamente 97,25% desse total, porém, correspondem à água salgada dos oceanos. Ela é vital para a vida marinha e também para a nossa, mas para que possa prestar-se ao consumo e à maior parte das atividades humanas, tem de ser submetida antes a um processo de dessalinização. Diante dos custos energéticos e financeiros exigidos por essa tecnologia, a sua aplicação na atualidade só se justifica em situações de grande estresse hídrico ou onde haja uma razão econômica muito forte. Excluindo-se a água salgada, restam então 2,75% das reservas hídricas, representadas pela água doce. E elas se dividem assim: 2,05% em calotas polares e geleiras, não disponíveis para entrega imediata; pouco mais de 0,001% em vapores da atmosfera e da biosfera; 0,7% no subsolo (0,38% em camadas profundas, entre 750 e 4 mil metros, e 0,30% nas superficiais); e, parcos 0,0015% em rios, lagos e pântanos. Considerando-se as reservas subterrâneas e as superficiais, temos teoricamente um estoque de água doce de 9,7 milhões de quilômetros cúbicos. Para engarrafá-lo, precisaríamos de 9.700.000.000.000.000.000 de vasilhames de um litro. Nas contas mais pragmáticas e modestas feitas pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), com base em dados oficiais sobre os recursos hídricos informados pela quase totalidade dos países, estima-se que haja disponível no mundo algo da ordem de 43.750 quilômetros cúbicos de água doce por ano. São números capazes de impressionar, mesmo sendo uma fração ínfima do todo que corresponde à água doce que tanto nos interessa. No entanto, esses números não respondem à pergunta angustiante sobre se os recursos de que dispomos são suficientes para a nossa existência presente e futura.

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Rocinha, Rio de Janeiro. Explosão demográfica e concentrações urbanas puseram em questão a ideia da água como recurso abundante. O mesmo volume de água disponível para 1 bilhão de pessoas em 1800 terá de saciar mais de 9 bilhões em 2050.

10. “Making Farmers Matter”, The Economist: For Want of a Drink, A Special Report on Water, 22 mai. 2010.

Se quisermos chegar mais próximos de uma resposta, temos de considerar outros aspectos da questão. Um deles é da ordem da Física. Por motivos que a lei da conservação das massas explica, a água presa na atmosfera do planeta é dada, ou seja, não pode diminuir nem aumentar a menos que um meteoro nos traga novas provisões dela. Sendo assim, embora possa, em seu ciclo, assumir diversas formas, o estoque bruto de água disponível hoje é o mesmo que havia mil, 100 mil ou 1 milhão de anos atrás. E será o mesmo no futuro. Em contraste com essa invariabilidade, porém, muita coisa mudou sobre a crosta terrestre. Os dinossauros e várias outras espécies se extinguiram, mas a população de humanos consumidores não para de crescer e se multiplicar. Então, a mesma água que servia a 1 bilhão de pessoas em 1802, hoje tem de saciar 7,6 bilhões de bocas e, em 2050, esse número terá superado os 9 bilhões.10 A situação seria ainda muito confortável na hipótese de que a demanda humana por água doce tivesse crescido de maneira mais ou menos proporcional ao crescimento da população mundial. Se imaginarmos, porém, a diferença entre o que as pessoas consumiam em 1800 e o que elas conso-


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mem hoje, a ilusão se desvanece. Uma análise do período de duzentos anos que se seguiu à Revolução Industrial, entre 1790 e 1990, nos mostra que, enquanto a população global se multiplicou por seis, o Produto Mundial Bruto, a soma de tudo o que se produz no globo, aumentou 33 vezes.11 Como o crescimento continua se acelerando, a pressão pelo uso de recursos tende a continuar se ampliando mais que proporcionalmente. A explosão demográfica, que elevou dramaticamente o número de pessoas a serem saciadas, é ao mesmo tempo causa e consequência de outros fenômenos que afetaram a equação da oferta e da demanda de água. A procriação explosiva, a redução da mortalidade e o aumento da longevidade foram, literalmente, alimentados pela revolução na produção agrícola, a qual, por sua vez, desencadeou uma escalada na extração, no emprego e – infelizmente – também no desperdício de água. Quando, 60 anos atrás, a população mundial girava em cerca de 2,5 bilhões, os receios quanto ao suprimento de água afetavam relativamente pouca gente. Tanto as secas como a fome existiam, como existiram através da história, mas a maior parte da população podia ser alimentada sem a agricultura irrigada. Então, a revolução verde, em uma inspirada combinação de novas variedades, fertilizantes e água, tornou possível um enorme aumento da população. […] As áreas irrigadas duplicaram e a quantidade de água usada nas plantações triplicou. A proporção de pessoas vivendo em países afetados cronicamente pela falta de água, que era de cerca de 8% (500 milhões) na virada do século XXI, deve elevar-se a 45% (4 bilhões) em 2050. E cerca de 1 bilhão de pessoas vão dormir com fome toda noite, em parte devido à falta de água para produzir alimentos.12 Na distribuição entre os três grandes segmentos da economia da água, a agricultura responde em média por 70% do consumo mundial; a indústria, por 22%, e o uso doméstico, por 8%. No Brasil, essas porcentagens são, respectivamente, 68%, 14% e 18%.13 A proporção varia muito de país para país. Os ingleses gastam 3% da água na agricultura; os norte-americanos, 41%; os chineses, 70%, e os indianos chegam perto de 90%. Por fim, embora a agricultura seja a maior usuária

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11. John Williamson e Chris Milner, The World Economy. Nova York: New York University Press, 1991. Citado em: Ulisses Confalonieri et al., “Água e economia”. In: Águas do Brasil: análises estratégicas. São Paulo: Academia Brasileira de Ciências/ Instituto de Botânica, 2010.

12. In: “For Want of a Drink”, The Economist, op. cit.

13. Marcos Vinícius Folegatti et al., “Gestão dos recursos hídricos e agricultura irrigada no Brasil”. In: Águas do Brasil: análises estratégicas, op. cit.

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14. “For Want of a Drink”, op. cit.

15. Kenneth E. Boulding, “The Economics of the Coming Spaceship Earth”. In: Henry Jarret (org.). Environmental Quality in a Growing Economy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1966. Citado em: Ulisses Confalonieri et al., op. cit.

16. Ulisses Confalonieri et al., op. cit.

dos recursos hídricos, os setores doméstico e industrial estão rapidamente aumentando a sua fatia do bolo, a uma velocidade que é o dobro da experimentada na agricultura.14 No artigo “Água e economia”, produzido por pesquisadores da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do Instituto de Botânica de São Paulo, os autores lembram uma imagem usada pelo economista Kenneth Ewart Boulding em seu artigo “The Economics of the Coming Spaceship Earth”,15 publicado em 1966 para alertar sobre a mudança de paradigmas que estava se impondo então, nos albores da era espacial. Embora seja uma imagem típica da cultura norte-americana, ninguém terá dificuldade em estabelecer paralelos com seus próprios tipos nacionais. Segundo Boulding, informam os autores do artigo, a sociedade habituada ao modo de vida simbolizado pelo caubói – a economia da grande planície e da abundância de recursos naturais – tem de se adaptar à Terra das espaçonaves, em que “o entorno natural do sistema econômico não é mais um reservatório ilimitado de matérias-primas e de amenidades ambientais, nem uma fossa na qual se possa, naturalmente, despejar e reciclar os detritos a preço zero”.16 A realidade de oferta limitada, demanda crescente e custos em alta que vai se impondo em relação aos recursos hídricos traz à memória dos economistas um amanhecer de 1973 quando o mundo acordou sobressaltado com a notícia de que o preço do barril de óleo havia triplicado, de 4 para 12 dólares. Depois disso, e da dolorosa recessão econômica que se seguiu, deixamos de pensar no petróleo como aquela fonte de energia barata e aparentemente inesgotável – entendimento este que dirigiu os rumos da economia e da sociedade e, entre outras coisas, povoou o planeta com uma frota de veículos que já ultrapassa a casa do bilhão. Na intenção de forçar uma analogia, alguns dizem que a água é o petróleo do século XXI. Porque, imaginam, a escassez vai começar a cobrar seu preço, o que de fato está acontecendo. No entanto, a comparação é imprecisa. Primeiro, porque do ponto de vista de nossa existência, a água é vital e insubstituível, portanto, o problema é muito mais sério – simples assim. Segundo, porque, diferentemente do que ocorre com o petróleo, a água não deixa de existir como tal ao ser consumida. A água que usamos em casa, na indústria ou na agricultura volta para o sistema, o que é uma grande


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vantagem. O fato de ela retornar, todavia, não significa que ela volte a ficar disponível para o consumo. Uma parte dela entra no ciclo hidrológico por meio de evaporação, e vai circular pela biosfera; outra parte se infiltra no subsolo e vai juntar-se aos aquíferos; e ambas podem ficar inacessíveis por gerações. Quanto àquela água que volta para os rios, lagos e reservatórios, pode se tornar disponível novamente, desde que passe por um processo de tratamento e descontaminação. Daí que, ao lado de medidas para promover o uso racional e sustentável dos recursos hídricos, os sistemas de tratamento da água sejam um fator decisivo para aumentar a disponibilidade de água e afastar ou minimizar o risco de escassez. E, dentro desse sistema, o cloro e seus derivados estão ainda hoje e permanecerão, enquanto não houver substitutos, entre os grandes responsáveis por transformar águas infectadas em águas limpas. Sobre a equiparação que se faz entre água e petróleo, a revista The Economist, em sua edição especial sobre água, de 22 de maio de 2010, faz um reparo oportuno. A mensagem básica, afirma a revista, com o peso de uma publicação que é referência no mundo dos grandes negócios e do pensamento econômico liberal, não é de todo errada. “A água é de fato escassa em muitos lugares, e vai se tornar mais escassa. Colocar a oferta e a demanda em equilíbrio será doloroso, e disputas políticas deverão aumentar em número e intensidade sua capacidade de causar problemas. De fato, manter as práticas atuais equivale a um convite ao desastre.”17

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17. In: “For Want of a Drink”, op. cit.

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No rico estado da Califórnia, nos Estados Unidos, um aqueduto de 700 quilômetros leva 2,5 bilhões de litros de água por dia do norte para o sul do estado.


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RECURSO GLOBAL, USO LOCAL O Brasil está entre os países mais privilegiados pela natureza na distribuição de recursos hídricos. Detém, sozinho, cerca de 12% da água doce do planeta. Como se fosse necessária ainda outra demonstração de generosidade, o rio Amazonas, numa pororoca, descarrega 175 mil metros cúbicos de água doce no oceano Atlântico a cada segundo. São dez Mississipi, para citar apenas o concorrente norte-americano na categoria maiores rios; e nada menos do que um quinto da água que todos os rios do mundo despejam nos oceanos. Toda essa galeria de títulos em nada altera, porém, a vida dos habitantes de Cabrobó, em Pernambuco, de Gilbués, no Piauí, ou de Seridó, entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte. É que, enquanto a região Norte brasileira e a bacia Amazônica podem dispor de mais de dois terços das reservas hídricas nacionais, aquelas localidades padecem de tamanha escassez que carregam o indesejado título de núcleos de desertificação. Contrastes como esse nos colocam diante da constatação, comum também em outras situações da vida, de que a distribuição da água doce não necessariamente coincide com a distribuição da população que dela precisa – e vice-versa. Donde se conclui que, conforme se combinem esses dois mapas, o resultado será a abundância ou a escassez em dada região, a depender ainda da maneira como essa água é usada e se ela é mal ou bem tratada.

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Há inúmeros exemplos de extremos entre disponibilidade e uso, oferta e demanda. Em uma ponta, encontramos os habitantes do Kuwait, que têm de se haver com seus 10 metros cúbicos de água per capita ao ano – muito abaixo do padrão de 1.700 metros cúbicos per capita ao ano, considerado o mínimo para atender às necessidades de saúde e produção em um país. Na outra ponta, a da superabundância, encontra-se o Canadá, com uma média per capita anual de 100 mil metros cúbicos. China e Índia, que abrigam um terço da população mundial, dispõem em seus territórios de apenas 10% da água doce do planeta. O Brasil, ao lado do Canadá, da Colômbia e da Rússia, figura no grupo dos nove países hidrorricos, detentores de cerca de 60% da água doce do planeta. Se, em lugar da divisão político-administrativa do mundo, utilizarmos como referência as pessoas que aí vivem, temos que 1,1 bilhão não têm água suficiente e 2,4 bilhões

O Brasil detém cerca de 12% da água doce do planeta, mas essa abundância não é igualmente distribuída. A Amazônia concentra dois terços das reservas, enquanto boa parte da região Nordeste é afetada pelas secas.


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não têm saneamento. E a perspectiva é de que, em 2050, uma em cada quatro pessoas estará vivendo em países afetados por problemas crônicos ou recorrentes de escassez de água doce.18 Entre eles não estão os países desenvolvidos, cujas crianças, de acordo com os dados da Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente consomem, em média, 30 a 50 vezes mais água do que as crianças dos países pobres ou pouco desenvolvidos. Embora as reservas de água globais sejam grandes o suficiente para nos tingir de azul no cosmos, abundância ou escassez são questões que se definem principalmente no plano local. Em tese, sempre será possível suprir o deficit de uma região apelando para os recursos dos vizinhos. Mas as dificuldades começam pelo fato de que a água, além de ser difícil de embalar, é uma substância pesada – um quilo por litro ou, o que dá no mesmo, uma tonelada por metro cúbico –, e isso torna o seu transporte tão caro como transportar refrigerantes, sucos ou cerveja. É um preço que pode se justificar do ponto de vista do próspero negócio de águas minerais, mas está fora de questão quando se trata de fornecer a água do banho ou da rega da horta. Soluções para obter água de fontes distantes costumam ser complexas, impactantes e custosas. Pode-se desviar água de uma bacia para outra com uma obra como a do Projeto de Transposição do rio São Francisco, que prevê a construção de 700 quilômetros de canais atravessando quatro estados do Nordeste brasileiro. Ou pode-se transportá-la por aquedutos, como aqueles que abasteciam de água fresca as casas, as fontes, os banhos públicos e a magnificência da capital do Império Romano na Antiguidade. Esses aquedutos utilizavam na maior parte do percurso instalações subterrâneas e, nos locais em que era necessário saltar sobre vales e leitos de rios, passavam por elegantes e vistosas estruturas de pedras, construídas em forma de arcos. Foram erguidos ao longo de quase cinco séculos e alguns deles ainda estão em uso. O mesmo não aconteceu com o nosso Aqueduto da Carioca, inaugurado no Rio de Janeiro em 1750, ainda no Brasil Colônia. Ele foi desativado no final do século XIX, em favor de outras formas de abastecimento para a cidade. Sobre os arcos de sua estrutura, que emolduram o bairro boêmio da Lapa, em lugar de água passam os bondes que ligam o centro ao bairro de Santa Teresa.

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18. Programa Mundial de Avaliação da Água, op. cit.

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19. Michael Kimmelman, “Mexico City, Parched and Sinking, Faces a Water Crisis”. The New York Times (Climate), 17 fev. 2017. Disponível em: <www.nytimes.com/ interactive/2017/02/17/ world/americas/mexicocity-sinking.html>. Acesso em: 25 fev. 2018.

Existem também exemplos modernos de aquedutos que fariam inveja aos imperadores romanos. No estado da Califórnia, nos Estados Unidos, um aqueduto de 700 quilômetros leva água do norte para o sul do estado, à razão de 2,5 bilhões de litros por dia. Nova York também supre o consumo de sua população com a ajuda de três sistemas de aquedutos que entregam 6,8 bilhões de litros por dia trazidos de fontes a 190 quilômetros de distância. Soluções dessa magnitude, todavia, são viáveis em poucas circunstâncias – em geral, quando se trata de atender a uma grande população urbana assentada sobre uma economia rica. Para a maioria dos casos, a opção de buscar água nas proximidades é mais factível. Melhor ainda quando é possível retirar água limpa e cristalina do chão sobre o qual se pisa, das ricas reservas guardadas no subsolo. É o que torna a solução dos poços tão popular; há mais de 300 milhões deles espalhados pelo mundo. A impressão de que a água do subsolo é praticamente inextinguível é outra daquelas ideias erradas que tendem a gerar problemas. Combine essa ideia com a oferta de equipamentos motorizados, relativamente baratos e muitas vezes subsidiados pelos governos, e o resultado pode ser um desastre ambiental. Pois bem, isso é o que tem acontecido. Graças ao aperfeiçoamento e à popularização desses equipamentos, extraem-se volumes cada vez maiores de água de camadas cada vez mais profundas do subsolo. Na Cidade do México, a captação em algumas regiões tem sido tão intensa nos últimos anos que a cidade está afundando, de verdade, sob o peso de seus 20 milhões de habitantes instalados sobre um solo onde, no passado remoto, havia um lago. “É um ciclo que, em razão da mudança climática, só piora”, diz uma reportagem do jornal The New York Times.19 “Mais calor e estiagem significam maior evaporação e maior demanda por água, o que aumenta a pressão para a utilização de reservatórios cada vez mais distantes, a custos absurdos, ou para a captação de água em aquíferos cada vez mais profundos, o que acelera o colapso da cidade.” O afundamento avança à velocidade de 5 a 9 polegadas ao ano e os aquíferos em questão, mantido o ritmo de exploração, poderão estar secos dentro de 200 anos. Na Índia, que tem 12 milhões de poços tubulares motorizados espetados em seu chão, o volume de água extraído


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A captação de águas subterrâneas está entre as soluções mais econômicas para suprir a falta de abastecimento. A Organização das Nações Unidas (ONU) ressalta em seus programas a importância do uso do cloro para a desinfecção da água em âmbito público ou doméstico.

tem suplantado a capacidade de reposição dos aquíferos. No estado do Punjab, onde se produz mais da metade do arroz e do trigo na Índia, os habitantes experimentaram um dos efeitos colaterais desagradáveis da superexploração: os poços foram tão fundo e esvaziaram de tal maneira os lençóis freáticos que a água foi contaminada por minerais venenosos, como arsênico e urânio, que ocorrem naturalmente nas profundezas do solo. Em lugar de água potável, os poços passaram a verter água envenenada.20 O Brasil, claro, também tem poços. Todavia, como somos um país razoavelmente bem hidratado por águas superficiais, eles são poucos, muito embora a sua contribuição não seja desprezível e em muitos casos seja vital. Em regiões áridas e semiáridas, a água dos poços é com frequência a única fonte disponível. Como regra, os poços profundos servem ao abastecimento público e a grandes consumidores, como indústrias, propriedades rurais e estabelecimentos comerciais. Cerca de 61% da população beneficia-se em alguma

20. “Making Farmers Matter”, op. cit.

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21. Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas), “Águas subterrâneas, o que são?”. Disponível em: <www. abas.org/educacao.php >. Acesso em: 27 jan. 2018.

medida da água retirada do subsolo – 6% se autoabastecem com águas de poços rasos, 12% com água de nascentes ou fontes e 43% de poços profundos. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseadas no Censo do ano 2000, o número de poços tubulares em operação no Brasil era estimado na época em 300 mil e o número anual de perfurações era de aproximadamente 10 mil. Compare-se isso aos 100 milhões de poços existentes nos Estados Unidos – um terço do total de poços do mundo: eles bombeiam do subsolo cerca de 120 bilhões de metros cúbicos de água por ano e respondem por 70% do abastecimento público e das indústrias do país. Tal como ocorre na China, na Índia e na África do norte, o volume de água retirado nos Estados Unidos supera a capacidade de renovação dos aquíferos.21 A superexploração dos reservatórios subterrâneos põe em risco reservas de água doce que são grandes, mas não são intermináveis e, tampouco, são à prova de deterioração. Esse risco é um efeito negativo, de magnitude considerável, do impacto da ação humana sobre o meio e sobre recursos vitais. A ele se junta outro efeito negativo, com o qual anda de mãos dadas e tem proporções enormes: o desperdício de água. Exemplo maior dessa combinação viciosa são os sistemas de irrigação. Sim, esses sistemas que foram tão eficientes em produzir a bem-vinda revolução verde, são os maiores dilapidadores dos recursos hídricos. Eles consomem a maior parte dos 70% da água usada na agricultura e deixam que até 80% dela se perca devido à evaporação. Pois essa água que evapora, se bem retorne ao ciclo natural, torna-se indisponível para o consumo. Para que se faça uma justa distribuição das responsabilidades, e para que não se crie a ilusão de que a culpa pelos problemas pode ser atribuída a este ou àquele setor ou país, ao fazer a conciliação das contas de oferta e demanda de água, é preciso levar em consideração o peso que joga sobre esse tabuleiro o que alguns economistas denominam “consumo virtual de água”. De acordo com essa visão, se o consumidor inglês, enjoado de comer peixe e fritas, decide comprar um quilo de carne bovina importada, teoricamente ele deveria pôr em sua conta os 15.500 litros de água que foram necessários para produzi-la. Uma camisa de algodão, segundo esse critério, vale 2.900 litros, quase o dobro do


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que é preciso gastar por um quilo de açúcar de cana. Essa distribuição virtual do consumo de água que se faz por intermédio do mercado mundial é uma das consequências práticas da globalização dos mercados. O balanço do consumo, levando em conta esses aspectos, é o que os especialistas chamam “demanda hídrica” e consiste no cálculo do total de água utilizado para produzir os bens e serviços consumidos pelos habitantes de determinado país ou região.22 Entender e incorporar esse conceito significa considerar que os excessos de consumo, em qualquer campo, quase que invariavelmente vão impactar as reservas de água. Adquirir consciência das consequências de nossas decisões é uma forma de superar um sintoma que os autores do artigo “Gestão dos recursos hídricos e agricultura irrigada no Brasil” chamam “cegueira hídrica”. Segundo eles, a cegueira hídrica precisa “ser urgentemente enfrentada, já que sem água não temos vida nem desenvolvimento nem proteção dos habitat naturais dos quais somos dependentes. Se a água estiver contaminada, ela não estará accessível e é imperioso que sua qualidade seja recuperada através de tratamentos adequados”.23 As águas subterrâneas em geral são menos contaminadas do que as águas superficiais, porque são submetidas ao processo de filtragem do solo e porque os estoques ficam protegidos do contato com o exterior. Contudo, tal como a água dos rios ou de outras fontes, o fato de ser natural não lhe confere um selo de pureza e são necessárias medidas adequadas para evitar que ela ponha em risco a saúde de quem a consome. Não é por outra razão que a ONU, em seu programa internacional dirigido à questão da água, coloca tamanha ênfase nas ações sanitárias, que se aplicam tanto ao âmbito público, que requer estações apropriadas, como ao âmbito doméstico, no qual cabe aos próprios usuários esse cuidado. Neste caso, mais do que um problema local, a questão do acesso à água ganha um caráter doméstico, sobre o qual é mais difícil atuar, porque é preciso fazer chegar às pessoas a informação e os meios de agir. Nesse particular, o cloro e seus derivados têm sido importantes aliados – por sua eficácia, pelo baixo custo e também pela facilidade de uso – no esforço para melhorar a qualidade da água e torná-la não apenas disponível, mas apropriada para o consumo.

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22. Marcos Vinícius Folegatti et al., op. cit.

23. Idem.

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UNIPAR CARBOCLORO

Unidade Cubatão (SP) Forno de ácido clorídrico.

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1. Produção de ácido clorídrico. 2. Unidade de tratamento de efluentes da sala de células de mercúrio. 3. Carregamento de carretas com soda cáustica líquida. 4. Sala de células de diafragma. 5. Torre de resfriamento e linha férrea. 6. Rebaixamento de pressão de etileno para a produção de dicloroetano.

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A irrigação é ao mesmo tempo a maior responsável pelo consumo e pelo desperdício de água. Sistemas de irrigação por inundação, como o dos terraços de arroz, estão entre os mais perdulários devido à elevada evaporação.


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USAR SEM PERDER Como a humanidade poderá superar a escassez de água doce no futuro? O acadêmico norte-americano James Salzman, em seu livro Drinking Water, lista algumas hipóteses aventadas entre estudiosos, estrategistas e futurólogos. Estão ali soluções tais como dessalinizar a água do mar, rebocar icebergs da calota polar ou mesmo trazer água de outros planetas. Se abraçar a tempo a ideia de que existem ainda muitas alternativas a explorar, a humanidade poderá se poupar de tamanhos esforços. Entre as opções, não se coloca a de fabricar água, porque não há como fabricá-la. Em compensação, ela tampouco é destruída quando a consumimos. Depois que a usamos, ao contrário do que ocorre com outros recursos naturais, como o petróleo, ela não deixa de existir.24 Mesmo quando circula em nosso organismo, só cumpre um dos passos habituais do ciclo hidrológico, mantendo sua integridade de água. Essa é uma vantagem enorme a ser levada em conta, mas há um porém: ainda que não desapareça fisicamente, a água pode ficar indisponível para nosso uso. Ou porque vai demorar muitíssimo em seu trânsito pela hidrosfera antes de voltar às nossas torneiras, ou porque nós a deixamos em tão mau estado que, mesmo ela se encontrando à mão, somos impossibilitados de usá-la. Há muito a fazer antes que seja preciso buscar água em Marte. Quando nos sentimos ameaçados porque as chuvas

24. No processo industrial, quando usada como matéria-prima, a água incorpora-se ao produto final – como no caso de alguns alimentos, das bebidas e dos produtos de limpeza. Todavia, quando é usada como reagente, por exemplo, no processo de fabricação de ácido sulfúrico ou da obtenção de hidrogênio por eletrólise da água, ela perde sua identidade química. “Essa diferenciação é importante ao se considerar o ciclo da água na natureza: no primeiro caso, a água não é realmente ‘consumida’, ainda que, na maior parte das vezes, sua qualidade diminua; já no segundo caso, o ciclo da água é interrompido devido à sua decomposição química.” Gil Anderi da Silva e Luiz Alexandre Kulay, “Água na indústria”. In: Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Pinto Ferreira Braga Jr., José Galizia Tundisi (orgs.), Águas doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. 4. ed. São Paulo: Escrituras, 2015.

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25. Instituto Trata Brasil, Perdas de água: entraves ao avanço do saneamento básico e riscos de agravamento à escassez hídrica no Brasil. Disponível em: <www.tratabrasil.org. br/datafiles/uploads/ perdas-de-agua/book.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2018. Ver também: Karina Trevisan, “Brasil fica na 20a posição em ranking internacional de perda de água”. G1, 30 mar. 2015. Disponível em: <www.g1.globo.com/ economia/crise-da-agua/ noticia/2015/03/brasil-ficana-20-posicao-em-rankinginternacional-de-perdade-agua.html>. Acesso em: 26 fev. 2018. 26. Dados extraídos de ranking com 43 países elaborado pelo International Benchmarking Network (IBNET), com dados de 2011. In: Karina Trevisan, op. cit.

não vieram, os reservatórios baixaram e a companhia de abastecimento racionou o fornecimento, intuitivamente sabemos o que tem de ser feito. Só abrimos o chuveiro quando necessário, fechamos a torneira ao escovar os dentes, usamos a água da lavadora de roupas para lavar o quintal. Diante da crise hídrica anunciada, que já se manifesta em algumas partes do globo e avança em direção às demais, essa é a atitude que se espera da humanidade. Não apenas no ambiente doméstico, é claro. No domínio público, na gestão da água nas cidades e no controle sobre o uso das bacias hidrológicas, e também nos domínios dos grandes consumidores – agropecuária, indústria e serviços. O primeiro cuidado, em todas essas esferas, haveria de ser o de não desperdiçar a água. Infelizmente, nesse quesito básico, as notícias em sua maioria não são boas. O que se vê no mundo, com algumas exceções entre os países mais desenvolvidos, é que uma parte considerável da água se perde no caminho entre a distribuidora e o consumidor. No Brasil, por exemplo, antes que alguém abra a torneira, cerca de 39% da água, em média, já se perdeu. Escapou pelos vazamentos, rompidos pela pressão da água sobre tubulações velhas, corroídas ou malfeitas.25 Melhor do que o Brasil nessa foto estão a Austrália, com perda de 7%, os Estados Unidos, com 13%, a China, com 22%, e Tonga, com 29%. Em pior situação aparecem a Noruega, com 44%, o Uruguai, com 49%, e o Afeganistão, com 54%.26 A despeito de problemas técnicos, de infraestrutura ou econômico-financeiros que possam explicá-los, esses dados tão negativos revelam que no íntimo desse problema remanesce a cultura que herdamos de um passado de abundância absoluta e custo desprezível pelo consumo de água. Todo o conhecimento que se acumulou sobre o assunto, as campanhas de organizações governamentais e não governamentais e as notícias sobre a crise ainda não se mostraram suficientes para promover uma mudança radical de comportamento. Nem mesmo o interesse econômico diretamente envolvido, pois a água que sai das distribuidoras e se perde pelo caminho simplesmente não pode ser cobrada do consumidor e impacta o resultado dessas companhias. Um levantamento nacional feito pelo Instituto Trata Brasil, com base em dados de 2010, mostra que as perdas de faturamento das distribuidoras estaduais relacionadas à perda


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física de água variam de 19,65%, no Mato Grosso do Sul, a 74,16%, no Amapá! Entre esses extremos estão Minas Gerais, com perdas de receita de 29,15%, São Paulo, com 32,55%, Rio de Janeiro, com 46,95%.27 Esse é um quadro que diz respeito principalmente à água distribuída nas cidades. Sobre as perdas na indústria, diz ele, não se tem informação. Ou, como apontava o professor Aldo Rebouças, “sequer se tem informação sobre as condições de uso e proteção das águas”.28 Sobre a área rural há mais informação, mas o que se vê é que, além do esforço para driblar as surpresas do tempo e aumentar a produtividade, há um grande desafio a ser vencido no campo. Na irrigação, principal destino da água usada na agropecuária (que, por sua vez, é responsável por cerca de 70% do consumo de água em todo o globo), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que haja uma perda de 60% da água por evaporação ou percolação.29 Sem contar o que se perde devido a vazamentos nas válvulas, tubos trincados, canais mal construídos e até buracos de tatu.30 O sistema de irrigação por inundação é o mais perdulário de todos, porque a água percola e evapora em grande volume. Por isso, mesmo em regiões onde se aperfeiçoou bastante essa técnica, o nível de eficiência ainda é baixo. No Rio Grande do Sul, nos anos 1970, os tabuleiros para a plantação de arroz eram cobertos por lâminas de até 50 centímetros de água. O sistema evoluiu e essa lâmina baixou para 10 centímetros e até 2,5 centímetros. Ainda assim, a eficiência desse método está calculada entre 60% e 65% – ou seja, perdas entre 35% e 40%.31 Outros sistemas, considerados mais eficientes, como a irrigação por pivô central, em geral também se mostram grandes desperdiçadores de água quando a evaporação entra na conta. A mudança de paradigmas na questão da água requer uma revolução no comportamento, na cultura, na psicologia, na filosofia que cultivamos durante milhares de anos num ambiente em que as ameaças aos recursos hídricos nem de longe se assemelhavam às que enfrentamos hoje. É preciso rever inclusive o significado de certas palavras. “Irrigação ‘eficiente’”, anota a reportagem da revista The Economist, “é frequentemente usada para descrever sistemas [de irrigação] que resultam em 85% da água desapa-

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27. Instituto Trata Brasil, op. cit.

28. Aldo da Cunha Rebouças, “Água doce no mundo e no Brasil”. In: Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Pinto Ferreira Braga Jr., José Galizia Tundisi (orgs.), op. cit.

29. Idem. 30. Dirceu D’Alkmin Telles e Antônio Félix Domingues, “Água na agricultura e pecuária”. In: Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Pinto Ferreira Braga Jr., José Galizia Tundisi (orgs.), op. cit.

31. Idem.

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32. “For Want of a Drink”, op. cit.

33. Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Pinto Ferreira Braga Jr., José Galizia Tundisi (orgs.), op. cit.

recendo em forma de vapor”.32 Em seu questionamento, a revista ecoa a tese de um especialista em recursos hídricos que trabalhou para o Banco Mundial por mais de 20 anos, o economista Chris Perry. PhD em economia da irrigação, Perry propõe que, ao calcular a eficiência do uso da água na irrigação, se faça a diferenciação entre perdas recuperáveis e irrecuperáveis. Afinal, ainda que alguém use mais água do que o necessário para irrigar uma plantação, o impacto desse desperdício será menor se a água for recuperada logo adiante. O corolário dessa tese é que não basta diminuir o uso, é necessário também diminuir a quantidade de água que se torna irrecuperável. Saber como afinal a água se perde ajuda a prevenir o desperdício. Um bom exemplo de água perdida é aquela que vai parar nos oceanos, pelo fluxo dos rios: nesse imenso reservatório de 1.338 milhão de quilômetros cúbicos de água salgada, ela pode residir por 20 ou 30 mil anos antes de voltar a ser doce.33 Ela ainda pode se perder pela evaporação e pela evapotranspiração das plantas, ou pode descer para aquíferos subterrâneos muito profundos e inacessíveis. Outra forma bastante comum de perder água é pela poluição ou contaminação dos rios ou dos aquíferos. Para isso,

Segundo a Unesco, mais de 80% das águas residuais são despejadas na natureza sem tratamento, o que compromete as fontes de águas limpas e agrava a crescente crise de abastecimento mundial.


PLANETA TERRA, PLANETA ÁGUA

concorrem os agrotóxicos da agricultura, os produtos químicos e metais pesados da indústria e os esgotos das cidades. A boa nova para os consumidores é que a dinâmica de reabastecimento dos reservatórios de água doce nos permite contar com um volume maior do que aquele ali armazenado. Assim, em relação aos rios, por exemplo, a humanidade não dispõe apenas dos 2 mil quilômetros cúbicos de água estocados em suas calhas. Na verdade, considerado o seu fluxo, passam pelos rios cerca de 43 mil quilômetros cúbicos de água por ano. Para Aldo da Cunha Rebouças, “é água doce mais do que suficiente para abastecer a população mundial, cujo consumo total atual é da ordem de 6 mil quilômetros cúbicos por ano: 10% para consumo doméstico, 20% para indústrias e 70% para irrigação”.34 Portanto, respondendo à questão levantada no início desta seção, sim, teoricamente, há água doce suficiente para atender às nossas necessidades, mesmo quando a população chegar a 9 bilhões de seres humanos em 2050. Pode-se dizer, então, que a crise hídrica a que estamos assistindo e que ameaça nosso futuro é, em grande parte, um problema de gestão ou de governança sobre o uso da água. Essa é uma das constatações da Unesco em um relatório intitulado Wastewater: The Untapped Resource [Águas residuais: o recurso inexplorado].35 Segundo o levantamento feito por seu Programa Mundial de Avaliação da Água – WWAP (World Water Assessement Programme), são captados por ano 3.928 quilômetros cúbicos de água doce em todo o mundo. Desse total, 44% são consumidos e 56% são descartados no meio ambiente na forma de efluentes municipais ou industriais ou água drenada na agricultura. O que torna a situação grave não é em si o volume descartado, mas o fato de que essas águas servidas são o veículo de contaminação das águas boas – um problema típico de gestão, ou de respeito, ou ambos. Como explica o relatório: As atividades humanas que usam água em sua maior parte produzem águas residuais. À medida que aumenta a demanda geral por água, aumenta também, de forma contínua, a quantidade de águas residuais produzidas e a poluição gerada por essas em todo o mundo. Em todos os países, com exceção dos mais desenvolvidos, a maioria absoluta das águas residuais é lançada diretamente

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34. Aldo da Cunha Rebouças. “Água no Brasil: abundância, desperdício e escassez”. Bahia: análise & dados, n° 13, edição especial, 2003, p. 341–45.

35. Programa Mundial de Avaliação da Água, Wastewater: The Untapped Resource. The United Nations World Water Development Report 2017. Unesco, 2017. Disponível em: <www.unwater.org/ publications/world-waterdevelopment-report-2017>. Acesso em: 26 fev. 2018.

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no meio ambiente sem tratamento adequado, causando impactos negativos na saúde humana, na produtividade econômica, na qualidade das águas doces e nos ecossistemas. Embora as águas residuais sejam um componente essencial do ciclo de gestão hídrica, a água, depois de ter sido usada, é muitas vezes vista como um fardo a ser descartado ou um incômodo a ser ignorado. Atualmente, os resultados dessa atitude negligente são óbvios. Os impactos imediatos, que incluem a degradação dos ecossistemas aquáticos e as doenças transmitidas por meio da água contaminada, têm implicações de longo alcance sobre o bem-estar das comunidades e os meios de subsistência das pessoas.

36. Carlos Eduardo Morelli Tucci, “Urbanização e recursos hídricos”. In: Águas do Brasil: análises estratégicas, op. cit.

Frente a um conjunto de dados coletados em todo o mundo, o relatório da Unesco propõe que se olhe a questão de outro ângulo: em lugar de tratar as águas residuais como um problema que precisa de solução, que elas sejam olhadas como parte da solução para os desafios que estão colocados. O problema da contaminação da água alheia vem de longa data. Começou quando, pela primeira vez, dois povoados vizinhos tiveram de compartilhar a água de um mesmo rio. Quando o povoado vivia isolado, seus habitantes usavam as regras do bom senso, da experiência e da tradição que mandam captar a água limpa rio acima e descarregá-la, depois de usada, rio abaixo. Quando um novo grupo escolhe se instalar às margens do mesmo rio, o que ficar rio abaixo será impactado pelos despejos do outro. E, porque os que chegam vão procurar um local mais favorável para se instalar, o desenvolvimento ocorre de jusante para montante na bacia e da costa para o interior nas cidades costeiras – como explicam geógrafos e urbanistas.36 Quando há poucos habitantes para muita água, o problema se dilui. Mas, com o passar do tempo, e agora com o superpovoamento de áreas urbanas, com sua descarga imensa de esgotos e efluentes, a situação se inverte e estão dadas as condições para uma calamidade, se nada for feito a respeito. Os romanos, famosos pelo sistema de distribuição de água que construíram na Antiguidade, merecem láureas também pela preocupação que tiveram com as águas servidas. As águas utilizadas nas casas de banho das residências e das fontes públicas eram drenadas para a Cloaca


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O tratamento das águas residuais em estações como a de Hamburgo, na Alemanha, é uma das principais alternativas apontadas pela Unesco para enfrentar a crise hídrica.

Maxima, um sistema de esgotos cujo destino final eram as águas do rio Tibre, à jusante da cidade. A mesma preocupação sanitária não se manteve na Idade Média europeia e só veio a ganhar força novamente a partir de meados do século XIX, quando o problema nas cidades começou a se tornar insuportável. Um marco na história do saneamento, na Europa, foi um episódio ocorrido em Londres que ficou conhecido como “O grande fedor” (The Great Stink). Transformado em esgoto a céu aberto, o rio Tâmisa, no verão de 1858, passou a exalar um mau cheiro sem precedentes. O descontentamento foi tamanho que forçou o Parlamento britânico a votar um projeto de recuperação do rio, incluindo a construção de um sistema de esgotos que impedisse a poluição de suas águas. Da Revolução Industrial em diante, e até nossos dias, o processo de urbanização acelerada, em paralelo com o desenvolvimento da produção industrial e da agricultura irrigada, só fez agravar o problema. Em 1900, 13% da população mundial estavam nas cidades; atualmente, cerca de 50% dela é urbana e se aglomera em apenas 2,8% do território global.37 Assim, as cidades se tornam ao mesmo tempo

37. Idem.

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38. Programa Mundial de Avaliação da Água, Águas residuais: o recurso inexplorado. Resumo executivo. Unesco, 2017.

um local de enorme concentração da demanda e de uma formidável descarga de águas servidas, esgotos e efluentes contaminados. E estão cercadas por cinturões industriais e agropastoris a despejar na natureza seus efluentes. A proposta da Unesco, de promover o reúso das águas residuais, não é uma bala de prata que porá fim à crise hídrica. No entanto, ela acerta um ponto nevrálgico do problema, dado que o reúso envolve uma constelação de ações para proteger, conservar, racionalizar o uso e tratar a água. Sobre essa última ação, em especial, é que se criam as bases para viabilizar o reúso, porque a água tem de ser tratada para se adequar a cada forma de reutilização. O desafio posto, então, é universalizar o seu tratamento. De acordo com o relatório da Unesco, há muito a ser feito. “Em média, os países de renda alta tratam cerca de 70% das águas residuais urbanas e industriais que produzem. Essa proporção cai para 38% nos países de renda média alta e para 28% nos países de renda média baixa. Nos países de renda baixa, apenas 8% dessas águas são submetidas a algum tipo de tratamento. No cômputo global, estima-se que mais de 80% das águas residuais são despejadas na natureza sem tratamento apropriado.”38 Existem diversas modalidades de reutilização das águas, mais proveitosas e inteligentes do que simplesmente jogá-las na natureza como algo descartável. Para cada qual há um nível de exigência específica em relação ao tratamento prévio a ser aplicado. O reúso pode se dar pela recuperação da potabilidade da água para o imediato consumo humano ou, o que é mais comum, por ser menos dispendioso, a sua dissipação em outros reservatórios ou fluxos de água após um tratamento prévio, quando necessário, para que se complete com a ajuda da natureza o processo de reciclagem. Ou ele pode seguir um caminho intermediário, pelo emprego das águas residuais na agricultura, caso em que podem ser dispensados certos cuidados com a aparência estética da água – ela pode estar turva, embora não deva estar infectada por microrganismos ou contaminada por substâncias perigosas, pois pode contaminar os alimentos ou as pessoas que entrarem em contato com ela. O reúso na indústria nem sempre, mas em alguns casos, pode exigir padrão de qualidade e pureza ainda mais elevado do que o requerido para o consumo humano, o que leva algumas


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empresas a implantar sistemas fechados de utilização e circulação da água. Para cada tipo de tratamento, há um circuito de processos, com diferentes tecnologias, visando clarificar e desinfectar a água. O circuito da clarificação pode começar pela ação da gravidade, deixando-se a água repousar até que as impurezas se depositem no fundo do reservatório. Na sequência, podem-se aplicar processos de coagulação e floculação e filtragem. O circuito da desinfecção, fundamental para destruir os germes e prevenir a transmissão de doenças, inclui em geral o processo de cloração, com a adição de cloro à água, na forma sólida, líquida ou pelo uso de gás pressurizado, ou o de cloraminação, uma alternativa que tem sido utilizada crescentemente desde o início do século XXI. Neste último caso, em lugar do cloro, utiliza-se a cloramina, um composto de cloro com amônia, com a qual, segundo a Enciclopédia Britânica, “o efeito desinfetante se prolonga além do que ocorre com o uso isolado do cloro e a proteção da água se estende através do sistema de distribuição”.39 Outras tecnologias, usadas de forma alternativa ou complementar, cada qual com suas vantagens e desvantagens, ou propósitos específicos, incluem o emprego do ozônio, da radiação ultravioleta e de diversas tecnologias de filtragem, como a nanofiltragem por membranas, entre outros. Isso tudo exige investimentos e trabalho. Contudo, uma vez que a atividade humana passou a ter tamanha interferência no processo natural de reposição da água doce, tornou-se imperativa a inclusão desses novos passos no ciclo da água, para minimizar os impactos de nossa ação sobre a sua qualidade e para acelerar, em nosso próprio proveito, a recomposição dos seus reservatórios.

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39. Enciclopédia Britânica, “Water Supply System”. Disponível em: <www. britannica.com/ technology/watersupply-system>. Acesso em: 12 fev. 2018.

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BRASKEM

Unidade Pontal da Barra (Maceió) Sistema de tratamento de salmoura.

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1. Tanque de estocagem de dicloroetano. 2. Sala Única de Controle. 3. Coluna de resfriamento de hidrogênio. 4. Pátio de sal. 5. Fronta de caldeira (lanças de hidrogênio e gás natural). 6. Reator de dicloroetano. 3

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A REVOLUÇÃO DAS ÁGUAS TRATADAS

POR: CÉSAR NOGUEIRA


Não basta ser doce para ser potável. Para evitar a contaminação, a água deve ser tratada. Em San Juan Chamulco, na Guatemala, professor desinfeta a água com a adição de cloro.


A REVOLUÇÃO DAS ÁGUAS TRATADAS

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A ÁGUA POTÁVEL Todas as águas na natureza têm sal, mas cada água tem sal à sua maneira. A água doce, para merecer tal nome, não deve ter mais do que 0,5‰ de sal, segundo as autoridades. Se ultrapassar essa marca, passa a chamar-se “salobra”, e se for além de 30‰, “salina”.40 As águas potáveis são sempre as doces, mas ser doce não é suficiente para ser potável. Há outros requisitos. Não é preciso, para tanto, que ela seja pura com o rigor técnico das águas destiladas. Ela pode conter uma variedade de substâncias inorgânicas que vai do alumínio ao zinco, desde que em quantidades tão ínfimas que não ameacem a saúde humana. O mesmo vale para algumas substâncias orgânicas, mas não vale da mesma maneira para certos microrganismos perigosos, como algumas bactérias, vírus e protozoários. Da presença destes a água deve estar livre. E sobre tudo isso, sobre o que ela pode e não pode conter, especialmente quando destinada ao abastecimento público, existem regulamentações das agências responsáveis em que se listam os limites aceitáveis para cada substância, de acordo com o uso a que se destina a água: consumo humano, dessedentação de animais, irrigação e recreação. Com o objetivo de livrar a água das infecções, da contaminação e, também, para torná-la cristalina e agradável de beber, ela deve ser submetida a uma bateria de tratamentos que incluem processos físicos e

40. Resolução n° 357/2004 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

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41. National Research Council, Drinking Water and Health: Volume 2. Washington: The National Academies Press, 1980. Disponível em: <www. nap.edu/catalog/1904/ drinking-water-and-healthvolume-2>. Acesso em: 13 mar. 2018. 42. Ivanildo Hespanhol, “Água e saneamento básico”. In: Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Pinto Ferreira Braga Jr., José Galizia Tundisi (orgs.), op. cit., p. 263ss. 43. Hespanhol adverte para o fato de que, como regra, o monitoramento tem considerado cada substância individualmente, e que a complexidade da questão aumenta exponencialmente quando se leva em conta a interação entre as várias substâncias na água. A título de exemplo, ele lembra que, tomandose apenas dez compostos, as possibilidades de combinação entre eles chegam a 1.013. O tamanho do problema dá a medida da importância do alerta feito pela Unesco de que o tratamento das águas residuais é uma ação urgente a ser implementada em âmbito global. Ivanildo Hespanhol, op. cit.

químicos, ao fim dos quais a água doce poderá ser considerada também potável. Não seria realista quem pretendesse uma água 100% livre de microrganismos. Primeiro, porque nem todos são perigosos e alguns são mesmo benéficos. Segundo, por razões de ordem prática. O objetivo da desinfecção no abastecimento público de água tem sua economia: é reduzir a presença dos micróbios a um nível que seja suficiente para impedir a transmissão de doenças por agentes patogênicos. É para isso que existem estatísticas e padrões de segurança, regularmente revistos e atualizados. “A esterilização (ou seja, a eliminação de todos os micróbios presentes na água) é impraticável”, pois ainda que fosse alcançada “não poderia ser mantida no sistema de distribuição”, afirma o relatório Drinking Water and Health, do National Research Council, dos Estados Unidos, uma obra que procura expressar o consenso da comunidade científica e médica sobre o assunto.41 Cuidado semelhante é tomado para controlar a presença de outras substâncias potencialmente perigosas na água. É uma tarefa gigantesca, considerando a quantidade de elementos que se pode encontrar dissolvida nos reservatórios. Acredita-se que o conhecimento atual não abarque nem 10% desse universo.42 A complexidade do problema tende a se tornar mais aguda porque a contribuição antropogênica – ou seja, a nossa – tem ampliado significativamente esse universo de possibilidades. A revolução da química após a Segunda Guerra Mundial trouxe para a cena ambiental milhares de compostos orgânicos sintéticos, micropoluentes orgânicos e inorgânicos, cujos efeitos carecem de ser plenamente identificados e cujo monitoramento constitui um desafio ainda a ser enfrentado pelos sistemas de tratamento no século XXI.43 Um marco no processo de regulamentação e monitoramento da presença de contaminantes orgânicos na água foi a aprovação, em 1974, do Safe Drinking Water Act (SDWA) pelo Congresso dos Estados Unidos. A legislação, que respondia em certa medida à emergência de uma nova consciência ambiental a partir dos anos 1960, estabeleceu os padrões a serem observados no tratamento da água potável e se tornou referência mundial para as normas do setor. Desde que foram instituídos, esses parâmetros têm se multiplicado, num esforço regulatório para dar conta ao menos das ameaças potenciais


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mais preocupantes. Eram vinte as substâncias controladas no ano do lançamento do SDWA, hoje elas passam de 130 e estima-se que deverão chegar a duas mil em 2020.44 A preocupação em proteger as reservas e purificar a água remonta à mais longínqua Antiguidade, mas ganhou maior urgência em nossa era. Tem pouco mais de um século a concepção moderna de tratamento da água para abastecimento público. Ela foi gestada no final do século XIX, e implantada no XX, depois que se comprovaram as conexões entre a contaminação da água e as epidemias. A tecnologia, ao longo desse tempo, aperfeiçoou-se, os métodos se sofisticaram, mas os conceitos são em sua essência os mesmos. As formas usuais de tratamento envolvem, em uma etapa, a remoção física de sólidos, também chamada clarificação, por meio da qual se procura reduzir a presença excessiva de substâncias minerais ou orgânicas em suspensão, e também se busca eliminar a turbidez da água, para torná-la cristalina. A outra etapa tem o objetivo de desinfetar a água, livrando-a de patógenos – o que, em geral, é feito por meio de processos químicos. Um dos meios empregados na clarificação, o processo de coagulação, consiste em provocar a aglutinação das partículas presentes na água a fim de tornar mais fácil a sua remoção. Obtém-se essa reação com a adição de elementos coagulantes, como os sulfatos de alumínio ou de ferro, o cloreto de ferro ou o policloreto de alumínio. Esse passo é seguido pelo processo de sedimentação, em que o propósito é fazer com que as partículas, tornadas mais pesadas pela coagulação, se depositem no fundo do tanque levadas pela força da gravidade. Segue-se, então, a remoção dos particulados em suspensão forçando-se a passagem da água por filtros de areia, cascalho ou carvão ativado. Na etapa seguinte, ou desde antes, em combinação com os sistemas de filtragem, realiza-se a desinfecção. Então, adiciona-se o cloro ou um de seus compostos, em forma líquida, sólida ou gasosa, combinado ou não com outros desinfetantes, para destruir microrganismos potencialmente perigosos. O cálculo do cloro a ser adicionado leva em conta o tanto necessário para desinfetar o reservatório e um tanto a mais, chamado de cloro residual, suficiente para assegurar a proteção química da água através das tubulações do sistema de distribuição até os consumidores.45

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44. Ivanildo Hespanhol, op. cit.

45. Water Quality and Health Council, Drinking Water Chlorination: A Review of Disinfection Practices and Issues. Disponível em: <https:// waterandhealth.org/safedrinking-water/wp>. Acesso em: 7 mar. 2018.

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Estação de tratamento de Água Guaraú, em São Paulo. Segundo Ivanildo Hespanhol, a desinfecção “é a operação unitária mais importante no tratamento de águas para abastecimento público".

46. Ivanildo Hespanhol, op. cit.

“Numa perspectiva mundial, o controle da transmissão de doenças infecciosas em sistemas de abastecimento de água, públicos ou privados, é efetuado pela desinfecção com cloro”, afirma Ivanildo Hespanhol, um dos mais reconhecidos especialistas em engenharia sanitária e saúde pública, em seu artigo “Água e saneamento básico”. Segundo ele, o processo de desinfecção “é inquestionavelmente a operação unitária mais importante no tratamento de águas para abastecimento público” e, embora haja diversas técnicas para isso, algumas bastante sofisticadas, “ainda se considera, em nível mundial, a aplicação de cloro e seus produtos como a metodologia de desinfecção mais adequada, tanto dos pontos de vista técnico e econômico-financeiro, como sob o aspecto cultural”. Ainda segundo ele, “os riscos relativos às doenças transmissíveis, de origem hídrica, são elevados quando a cloração não é efetuada, caindo para índices muito baixos quando as concentrações de cloro aplicadas são adequadas. Este é um fato suportado pela experiência auferida durante mais de um século”.46


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Semelhante é o ponto de vista de consenso expresso no já citado relatório do National Research Council americano. A cloração é o método mais utilizado para a desinfecção da água nos Estados Unidos. A adoção quase universal deste método pode ser atribuída à sua conveniência e ao seu desempenho altamente satisfatório como desinfetante, estabelecido por décadas de uso. Ele foi tão bem-sucedido que a erradicação de epidemias de doenças transmitidas pela água é agora praticamente tida como certa.47 O relatório conclui reafirmando que “a cloração é o padrão de desinfecção em relação ao qual os demais são comparados”.48 Entre as formas de desinfecção que eventualmente concorrem ou são combinadas com a cloração, estão a ozonização, a radiação ultravioleta e o uso de peróxido de hidrogênio, entre outras. De maneira geral, é fato estabelecido também que o combate aos microrganismos perigosos, alguns resistentes à cloração, como vírus e protozoários, bem como a eliminação dos contaminantes orgânicos e não orgânicos, não é tarefa para um único produto ou processo. Ao contrário, a desinfecção será resultado de um sistema composto de múltiplas barreiras, envolvendo desde a proteção dos reservatórios e mananciais, o tratamento das águas residuais, as medidas complementares de saneamento, até um sistema seguro de distribuição da água, passando pela filtragem e pela cloração. Nesse cenário de múltiplas frentes, conforme advoga a indústria do cloro em um longo documento sobre as práticas de desinfecção elaborado pelo Water Quality and Health Council, o cloro tem um papel de destaque, pois “oferece uma enorme gama de benefícios que nenhum outro desinfetante isoladamente pode proporcionar”.49 Ao longo do século XX, o tratamento da água estabeleceu uma rede sanitária de proteção que confere segurança aos sistemas de abastecimento. Estes, por sua vez, servem a uma população de bilhões de pessoas, concentradas em pequenos espaços do planeta. Não fosse assim, esses aglomerados urbanos se transformariam em uma imensa cloaca onde a peste grassaria. Olhando-se para determinadas partes do mundo, no entanto, nos defrontamos com o fato de que essa conquista civilizadora não alcançou de todo os

47. National Research Council.

48. Idem.

49. Water Quality and Health Council, op. cit.

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50. “For Want of a Drink”, op. cit.

51. Nellie Bowles, “Unfiltered Fervor: The Rush to Get Off the Water Grid”. The New York Times (Food), 29 dez. 2017. Disponível em: <www.nytimes. com/2017/12/29/dining/ raw-water-unfiltered.html>. Acesso em: 2 abr. 2018.

países pobres ou em desenvolvimento e que continuamos sistematicamente fracassando na tarefa de universalizar o acesso da humanidade à água tratada e saudável. Uma visão panorâmica da questão da água na atualidade ainda nos mostra imagens dramáticas que remetem a um passado em que as epidemias assombravam as pessoas e cobravam da sociedade, mesmo as mais ricas, uma alta taxa em vidas humanas. Basta pensar que a solução para os problemas de saúde relacionados à água, além de todo o mais, requer a eliminação de causas tão elementares como a falta de banheiros, uma situação familiar para mais de 1,2 bilhão de pessoas no mundo, concentradas em sua maioria nos países mais pobres.50 Na outra ponta do espectro econômico, social e cultural, assiste-se também a uma reação aos excessos do desenvolvimento que trazem consigo não os fantasmas do século XIX, mas os do século XXI. Na meca do mundo tecnológico, no vale do Silício, e em algumas outras localidades dos Estados Unidos, empresas startups, com apoio de marketing sofisticado e recursos aportados por investidores profissionais, começam a explorar um novo nicho de mercado: a comercialização de água crua (raw water) ou não processada. A novidade ganhou audiência mundial e acendeu o debate sobre a qualidade da água depois da publicação de uma reportagem do The New York Times, em dezembro de 2017, sobre o modismo a que o jornal chamou “corrida para fugir da água encanada”.51 Os adeptos da raw water, que podem adquirir um garrafão de 2,5 galões do produto por 36,99 dólares na Rainbow Grocery, em San Francisco, alegam que a água encanada e tratada elimina algas e bactérias que seriam saudáveis para o organismo, os probióticos. Expressam, ao mesmo tempo, um receio difuso em relação aos perigos oferecidos pelo excesso de substâncias químicas, cujos efeitos não se sabe quais são e que não estariam sendo eliminadas pelos tratamentos convencionais. Em lugar da água encanada, propõem o consumo do que chamam “água viva”, a água não tratada. Sem fazer pouco do ideal naturalista dos consumidores de água crua, o fato é que a água de fontes naturais, ainda que intocadas, também requer certos cuidados, pois pode estar naturalmente contaminada, como sabem os exploradores e os amantes de esportes da natureza. Mesmo a água


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extraída das neves dos picos gelados, fonte de abastecimento primária dos escaladores, não está a salvo de patógenos perigosos. “A giardíase, infecção causada por uma bactéria presente na água, deve ser uma das principais preocupações para os alpinistas. O cisto da bactéria contaminou muitas fontes de água na natureza, e é preciso apenas um gole da água contaminada para ficar doente”, adverte um dos manuais mais conhecidos e respeitados pelos montanhistas.52 Por outro lado, os temores em relação ao desconhecido tocam um problema real. A enorme descarga de águas residuais no meio ambiente, sem o devido tratamento, afeta de tal forma as águas superficiais de rios e lagos, os aquíferos subterrâneos e os reservatórios, que pode comprometer a capacidade dos sistemas de tratamento. Essa ameaça justifica o tom de alarme com que a diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Irina Bokava, apresenta o World Water Development Report, de 2017: Estima-se que mais de 80% das águas residuais em todo o mundo (mais de 95% em alguns países em desenvolvimento) são despejadas no meio ambiente sem tratamento. As consequências são alarmantes. A poluição da água tem piorado na maioria dos rios em toda a África, Ásia e América Latina. Em 2012, mais de 800 mil mortes em todo o mundo foram causadas por água potável contaminada, instalações inadequadas para lavagem das mãos e serviços impróprios de saneamento. Nos mares e oceanos, as zonas mortas desoxigenadas resultantes da descarga de águas residuais não tratadas estão crescendo rapidamente, afetando cerca de 245 mil km2 de ecossistemas marinhos, impactando a pesca, os meios de subsistência e as cadeias alimentares.53

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52. In: Don Graydon; Mountaineers Society (orgs.), Mountaineering: The Freedom of the Hills. 5. ed. Seattle: Mountaineers, 1992. p. 32. O autor orienta os alpinistas sobre como desinfetar a água: “Diversos métodos de purificação podem tornar a água segura para o consumo ao matar ou filtrar a Giardia lamblia e outros contaminantes. O tratamento químico com comprimidos de iodo ou halazona é eficaz, e os tabletes de hidroperidida de tetraglicina (TGHP) são ainda melhores. Siga as instruções de perto. A quantidade do químico e o tempo necessário aumentam dramaticamente com águas mais frias. Se você completar sua garrafa com águas glaciais, talvez seja necessário colocar a garrafa ao sol ou dentro da sua camisa para elevar-lhe a temperatura. Levar a água ao ponto de ebulição vai matar a Giardia”.

53. Unesco (org.), op. cit.

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Vibrio cholerae: cloro e derivados têm efeito mortal contra bactérias que transmitem cólera, febre tifoide e diarreias. Tais doenças só não foram erradicadas em países e localidades pobres, onde a água ainda carece de tratamento.


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A AÇÃO DO CLORO Transcorrido mais de um século de uso do cloro como desinfetante da água potável, sabe-se que ele é uma arma poderosa contra bactérias e outros microrganismos que fustigaram – e ainda fustigam, aqui e ali – a humanidade. Graças à ação do cloro e seus derivados, doenças relacionadas à água foram erradicadas em diversos países e só persistem onde o atraso, a miséria ou o descuido com o saneamento e a saúde pública também não foram erradicados. Curiosamente, no entanto, apesar de toda a comprovação empírica e do avanço no conhecimento a que assistimos nesse período, a ciência ainda não tem uma explicação cabal sobre como, afinal, o cloro faz para eliminar da água que bebemos, dentre outros, os seguintes patógenos: • Vibrio cholerae, bactéria do tipo gram-negativa, causadora da cólera, que precisa de 12 a 28 horas para causar em sua vítima uma diarreia aguda que a leva à perda rápida e severa de fluidos e sais necessários ao organismo. Nos dois últimos séculos, foi a protagonista de sete epidemias globais, chamadas de pandemias, que mataram milhões de pessoas e trouxeram o pânico à população em diversas partes do globo; • Salmonella enterica, bactéria que se difunde pela água

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e pelos alimentos contaminados. Uma vez instalada no corpo humano, após um período de incubação de 10 a 14 dias, provoca dores de cabeça e dores generalizadas, febre, insônia, inapetência, tosse e diarreia ou constipação intestinal. Depois da segunda semana, o bacilo entra na corrente sanguínea, ataca as paredes do intestino e chega a perfurá-las com úlceras acompanhadas de hemorragias;

54. Enciclopédia Britânica.

55. Scientific American, “How Does Chlorine Added to Drinking Water Kill Bacteria and Other Harmful Organisms? Why Doesn’t it Harm Us?”. Disponível em: <www.scientificamerican. com/article/how-doeschlorine-added-t>. Acesso em: 6 set. 2017.

• Escherichia coli (E. coli), bactéria causadora de doenças gastrointestinais, diarreia e, a depender da variedade da bactéria, da diarreia hemorrágica, que pode ser fatal para o doente.54 O modo como o cloro funciona não está estabelecido a despeito dos esforços dos pesquisadores. Numa retrospectiva dos estudos sobre a ação do desinfetante, a revista Scientific American conta que a maior parte da pesquisa científica, conduzida desde a década de 1940 até a de 1970, esteve limitada ao campo das bactérias e apenas a algumas espécies. Não se chegou a uma conclusão, mas desse trabalho nasceram várias especulações. “Postulou-se que o cloro, que se apresenta na água como hipoclorito e ácido hipocloroso, reagiria com biomoléculas da célula bacteriana e assim destruiria esse organismo.” Trabalhos posteriores conduziram a outra teoria: o efeito mortal da ação do cloro seria resultado de um “ataque múltiplo” a diversos alvos no interior da célula bacteriana. Mais tarde constatou-se que de fato ele não conseguia atingir esses alvos e construiu-se, então, a hipótese atualmente mais aceita segundo a qual o objeto de sua ação é a parede dessas células. “Os defensores desta ideia sugerem que a exposição ao cloro destrói essa parede – alterando-a física, química e bioquimicamente – de tal maneira que impede a célula do microrganismo de desempenhar suas funções vitais.” A revista conclui que, “embora a ruptura da parede celular pareça ser o evento fundamental que leva ao desaparecimento da bactéria, o mecanismo pelo qual o cloro a rompe não foi determinado”.55 O que se sabe pela experiência é que o cloro, esse poderoso elemento, em pequenas concentrações tal como é adicionado à água, é fatal para alguns microrganismos (e, felizmente, não oferece risco aos humanos, pois é neutralizado pelas substâncias presentes em nosso estômago e no trato intestinal).


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A eficiência da ação do cloro, uma vez dissolvido na água, é resultado da quantidade de cloro livre e do tempo de contato que ele mantém com os microrganismos. “O cloro se combina facilmente com produtos químicos dissolvidos em água, microrganismos, pequenos animais, material vegetal, gostos, odores e cores”, explica o geólogo norte-americano Brian Oram, autor do artigo "Chlorination of Drinking Water – Private Well Owner Guide". Esses compostos “usam” o cloro e determinam, assim, a demanda do cloro em determinado sistema de tratamento. O cloro adicionado deve ser suficiente para satisfazer essa demanda e ainda fornecer o bastante para a desinfecção residual. O cloro que não se combina com outros componentes na água é o cloro residual e o ponto de equilíbrio é aquele em que ele permanece disponível para a desinfecção contínua. O tempo de contato ou retenção na cloração corresponde ao período entre a introdução do desinfetante e a utilização da água. Uma longa interação entre o cloro e os microrganismos resulta em um processo de desinfecção eficaz. O tempo de contato varia com a concentração do cloro, o tipo de patógenos presentes, o pH e a temperatura da água.56 Às suas características de potente germicida e à sua ação residual, fundamental para evitar que a água seja novamente infectada quando trafega pelo sistema de distribuição, o cloro acrescenta outras que contribuem para fazer dele praticamente uma unanimidade entre os

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56. Brian Oram, “Chlorination of Drinking Water – Private Well Owner Guide”. Water Research Center (blog). Disponível em: <www. water-research.net/index. php/water-treatment/tools/ chlorination-of-water>. Acesso em: 13 mar. 2018.

Em meados século XIX, antes que fosse estabelecido seu uso como desinfetante da água potável, o cloro, sob a forma de cal, já era utilizado como germicida pelos médicos. Atualmente, emprega-se largamente o hipoclorito de sódio na descontaminação de ambientes e equipamentos hospitalares.

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57. Water Quality and Health Council, op. cit.

responsáveis pelo tratamento em sistemas de abastecimento público de água. São elas: a eliminação de bactérias, limo, fungos e algas que proliferam nos reservatórios, na rede de distribuição e nos tanques de armazenamento de água; a redução de odores e sabores desagradáveis (porque o cloro oxida substâncias secretadas por algas ou pela vegetação em decomposição, que causam mau cheiro); a remoção de compostos químicos que dificultam a desinfecção e, também, a remoção do ferro e do manganês que afetam o sabor da água.57 Não menos importantes são a facilidade de aplicação tanto em grandes sistemas públicos como no âmbito doméstico, e a relação benefício-custo favorável, o que o torna uma solução acessível mesmo para regiões pobres. O cloro não é, por todas as suas qualificações, a solução única e definitiva para todos os problemas da contaminação da água por microrganismos perigosos. Ele tem suas limitações e suas questões. Além de atacar as bactérias, sabe-se que ele age também sobre os vírus, mas a inativação destes exige maior quantidade de cloro do que a usualmente aplicada à desinfecção dos reservatórios, maior tempo de contato e a sua eficácia varia enormemente de acordo com a temperatura e o pH da água. A cloração também não é o processo indicado para combater alguns dos novos patógenos que têm crescentemente preocupado as autoridades da saúde. Dentre estes, contam-se os protozoários parasitas, organismos unicelulares que se instalam em animais e seres humanos e são transmitidos pela água. Eles adquirem formas resistentes conhecidas como cistos, nas quais se incluem a Giardia lamblia e a Entamoeba histolytica, e oocistos. Entre estes está o Cryptosporidium sp, cuja transmissão cresceu dramaticamente nas duas últimas décadas em todo o mundo provavelmente devido à poluição por excretas humanas. Eles são resistentes à cloração normal da água e a sua remoção tem sido feita por meio da filtragem. Entre as questões que envolvem o cloro está a que diz respeito à formação, em determinadas condições, de subprodutos orgânicos potencialmente perigosos no processo de cloração. Em seu artigo “Água e saneamento básico”, o engenheiro sanitário Ivanildo Hespanhol contextualiza o problema técnica e politicamente: Em países nos quais os tomadores de decisão são conscientes dos problemas da saúde pública associados ao


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abastecimento de água, estabeleceu-se o dilema entre prover água microbiologicamente pura e a crescente preocupação com os efeitos dos subprodutos da cloração. Na última edição de suas diretrizes para a qualidade da água potável, publicada em 1989, a Organização Mundial da Saúde relaciona e estabelece valores diretrizes máximos [para] 23 subprodutos da desinfecção com cloro, entre os quais o 2-4-6-triclorofenol, o bromodiclorometano e o clorofórmio, compostos classificados como trihalometanos e comprovadamente carcinogênicos. A concentração dos subprodutos da desinfecção pode ser efetivamente controlada pela eliminação do potencial de formação de trihalometanos pela utilização de sistemas de carvão ativado granular, ou efetuando-se a operação unitária de coagulação pela aplicação de sulfato de alumínio58 associado a polímeros catiônicos de elevado peso molecular, a valores de pH entre 4,5 e 6,5.59 Ele conclui afirmando que os riscos, tanto microbiológicos como os provocados pela formação de subprodutos da cloração, “podem ser reduzidos praticando-se uma cloração controlada, isto é, reduzindo-se as dosagens de cloro aplicadas à água e aumentando-se o tempo de contato, de maneira que o produto dosagem × tempo de contato mantenha-se constante”.60 A questão dos subprodutos é evidentemente importante e a sua ocorrência deve ser controlada. A esse propósito, o já citado artigo do Water Quality and Health Council, entidade norte-americana mantida pela indústria do cloro, alerta para o perigo de que os esforços para a desinfecção da água fiquem ameaçados. “Os riscos para a saúde desses subprodutos nos níveis em que ocorrem na água potável são extremamente pequenos em comparação com os riscos associados à desinfecção inadequada”, diz o artigo, citando literalmente uma advertência do relatório do Programa Internacional de Segurança Química (IPCS 2000). “Assim, é importante que a desinfecção não seja comprometida na tentativa de controle desses subprodutos. Regulamentos recentes da EPA (U.S. Environmental Protection Agency) têm limitado mais os trihalometanos (THM) e outros subprodutos (DBP) na água potável. A maioria dos sistemas de água está obedecendo a esses novos padrões, controlando a quantidade de material orgânico natural antes do processo de desinfecção.”61

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58. Podem ser usados também outros coagulantes, como policloreto de alumínio. 59. Ivanildo Hespanhol, op. cit.

60. Idem.

61. Water Quality and Health Council, op. cit.

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Precursores da revolução sanitária que ocorreria no século XX: Louis Pasteur (1) desenvolveu a teoria dos germes; John Snow (2) relacionou as epidemias de cólera à água contaminada; Robert Koch (3) isolou bactérias em laboratório e Carl Scheele (4) descobriu o cloro.


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FIM DE UMA ERA Foi com simplicidade e evidente franqueza que o químico sueco Carl Wilhelm Scheele dirigiu-se à Real Academia Sueca de Ciências, em 1775, e falou de seu sentimento em relação ao que fazia. “Não me importo com comida, bebida ou moradia. Não me importo nem mesmo com meus negócios, isto é um mero jogo para mim. O pesquisador fica contente quando a descoberta recompensa sua diligência. Então, seu coração se alegra.”62 No ano anterior, seu coração se alegrara quando uma fumaça esverdeada se desprendeu de uma mistura de pirolusita e ácido muriático em sua farmácia, na cidade de Uppsala, perto de Estocolmo. A substância seria batizada de “cloro” 36 anos mais tarde quando o britânico Humphry Davy demonstrou não ser possível decompô-la – o que lhe garantiu então o título de elemento químico. A descoberta de Scheele era a primeira de um encadeamento de eventos que levariam ao uso do cloro como padrão no tratamento da água potável. Isso só aconteceria 134 anos depois, após a experiência da cidade de Jersey, nos Estados Unidos, em 1908, uma disruptura que abriu caminho para a erradicação de doenças como a cólera e a febre tifoide, propagadas pelo consumo de água contaminada. O descobridor do cloro, que se colocava de maneira tão plana diante da Real Academia Sueca, era dotado de inteligência e de vocação que encontraram poucos paralelos

62. Camila Welikson. “Carl Wilhelm Scheele”, s.d. Disponível em: <www. web.ccead.puc-rio.br/ condigital/mvsl/linha%20 tempo/Scheele/pdf_LT/ LT_scheele.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2018.

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63. Enciclopédia Britânica, “Carl Wilhelm Scheele, Swedish Chemist”. Disponível em: <www. britannica.com/biography/ Carl-Wilhelm-Scheele>. Acesso em: 26 mar. 2018.

64. James Riddick Partington, A History of Chemistry, Volume 3. Mansfield: Martino Fine Books. 65. Bruce C. Gibb, “Hard-luck Scheele”. Nature Chemistry, n° 7, 2015. Disponível em: <https://doi. org/10.1038/nchem.2379>. Acesso em: 2 abr. 2018.

na história da pesquisa científica. Trabalhava com equipamentos improvisados e não tinha sequer um forno básico que lhe permitisse aquecer minerais para estudar suas reações.63 Além do cloro, Scheele foi o descobridor do oxigênio e de uma longa lista de substâncias importantes: compostos de manganês, hidróxido de bário, fluoreto de sílicio e ácido fluorídrico, fósforo de ossos, ácido arsênico, ácido molíbdico, ácido túngstico, além de vários ácidos orgânicos, como tartárico, málico, cítrico, oxálico, úrico, prússico (cianídrico) e láctico. Foi ele também que identificou o efeito da luz sobre sais de prata, reação que se tornou o princípio da química da fotografia.64 Quanto ao cloro, Scheele identificou entre suas propriedades a capacidade de agir como alvejante permanente sobre materiais vegetais.65 Scheele acreditava que aquele gás era “ácido desflogisticado de sal”, conforme a teoria do flogístico em vigor na época. Humphry Davy, ao descrever as propriedades do novo elemento, também destacou sua ação alvejante e o batizou com um nome emprestado do grego khlôros, que significa verde pálido. Uma vez descoberto o elemento cloro, a história teria de providenciar outros acontecimentos para levar o enredo ao capítulo que nos interessa, que é o da desinfecção da água e seus benefícios. Primeiro, a ciência teria de ajustar contas com velhas ideias sobre a transmissão de doenças infecciosas por meio dos odores malignos, os miasmas (dando-se de barato que a vertente sobrenatural, que interpretava as doenças como castigos divinos, embora bastante disseminada, não estava situada no campo do conhecimento científico). Só após a elaboração da teoria dos germes, as atenções seriam finalmente dirigidas à água como um dos mais importantes veículos propagadores de moléstias. Depois, seria preciso que alguém descobrisse no cloro o agente que poderia liquidar os tais germes. A teoria dos miasmas começou a cair graças ao trabalho do médico inglês John Snow, personagem de uma investigação médica digna de contos policiais. O cenário desse episódio foram as ruas da cidade de Londres que, por essa época, além do característico fog londrino, eram frequentemente tomadas por mau cheiro tão intenso que esses anos ficaram conhecidos como a época do “Grande Fedor” ou Great Stink. A parte trágica, todavia, coube aos surtos mortíferos de cólera que assolaram a cidade. O primeiro, em 1831,


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Fogo para combater os miasmas: as epidemias marcaram a história do século XIX. Elas se disseminavam com as guerras, a falta de higiene e a sua propagação era atribuída aos odores malignos. Gravura de época mostra o uso de fogo para combater a coléra em Granada, na Espanha.

fez mais de 6 mil vítimas fatais; o segundo, em 1848, mais de 14 mil; e o terceiro, em 1853, outras 10 mil. Snow, que começara sua formação médica aos 14 anos como aprendiz de cirurgião, tinha 35 anos por ocasião do segundo surto e encontrava-se na cidade quando ele eclodiu. Ao contrário da maioria de seus pares, ele não acreditava que a doença se propagasse pelo ar e, em 1849, lançou um estudo – On the Mode of Communication of Cholera – no qual defendia a hipótese de que a contaminação se fazia por um agente capaz de se reproduzir, que era excretado nas fezes humanas e contaminava as pessoas pela ingestão de alimentos ou água infectados. O alerta de Snow não teve a audiência por ele esperada. Quando o terceiro surto de cólera se instalou, aquele médico vegetariano que sempre fervia ou destilava a água que bebia, lançou-se novamente a campo para coletar dados que comprovassem o que dizia. Pôs-se a visitar as residências onde houvera casos de cólera e a anotar, num mapa da cidade, não só a sua localização, mas também – brilhante intuição – a fonte de onde provinha a água que consumiam. Ocorre então, de súbito, próximo de onde ele morava, no

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66. “O célebre estudo epidemiológico de John Snow analisando a epidemia de cólera ocorrida em Londres em 1854 foi a primeira contribuição científica para a compreensão do relacionamento água-doença.” Ivanildo Hespanhol, op. cit.

bairro do Soho, um surto de cólera que levou entre 500 e 700 pessoas à morte em poucas semanas. Snow volta-se para ele e a sua enquete o leva a concluir que a causa provável dessas ocorrências era uma bomba na Broad Street (atual Broadwick Street) cuja água devia estar contaminada. Ele consegue que as autoridades tirem a manopla da bomba para impedir o seu uso e nos dias seguintes os casos de cólera caem drasticamente. Descobriu-se em seguida que um vazamento da linha de esgotos que passava próximo ao poço drenava a casa 41 da mesma rua, onde ocorrera o primeiro caso de cólera. Snow providenciou uma nova edição de seu estudo com os dados que comprovavam a sua tese sobre a relação entre a água e a doença.66 As descobertas convergiriam para outras que viriam por intermédio de Louis Pasteur, na França, e de Robert Koch, na Alemanha. Ainda em meados do século, Pasteur aniquilou com suas experiências o mito da geração espontânea e fundou a teoria dos germes. Koch, contando com a ajuda de microscópios aperfeiçoados pelos avanços da Óptica (como a combinação de lentes com base em cálculos matemáticos e não mais no empirismo puro e simples) pode visualizar e isolar bactérias, entre elas a da cólera, em 1883. O processo de absorção dessas inovações trazidas pela ciência foi alongado pela rigidez conservadora, pelos preconceitos baseados em crenças sobrenaturais e pela ignorância pura e simples. Ao emperrar assim a roda da história, atrasava-se o momento em que a sociedade deixaria para trás a era das epidemias que, no século XIX, prosperara sob o manto da era dos impérios. As primeiras pragas disseminaram-se nos campos de batalha e seguiam a esteira das tropas de Napoleão. Juntamente com soldados e canhões, marchava um cortejo invisível de pulgas, carrapatos, piolhos e outros agentes transmissores de pestes como o tifo. Logo viria a cólera, doença nova cujo meio de propagação era desconhecido e contra a qual não se sabia o que fazer. Sem ter como combatê-la, a sociedade indefesa assistia à sua globalização. As pandemias acompanhavam o desenvolvimento econômico – novas rotas de comércio, novos meios de transporte terrestres e marítimos – e a expansão dos impérios em direção às colônias, sempre seguida de movimentos migratórios, ocupações militares e guerras. O primeiro surto importante da cólera ocorreu em 1817, sendo seguido por outras cinco


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epidemias globais, em 1829, 1852, 1863, 1881 e 1889. Em sua perambulação pelo mundo, o vibrião da cólera atendia a uma lógica geopolítica,67 na expressão utilizada pelo sociólogo e pesquisador da história das epidemias, Luiz Antônio de Castro Santos, e não tardaria a chegar ao Brasil. Em seu artigo “Um século de cólera: itinerário do medo”, Santos descreve os caminhos das primeiras epidemias através das tripulações dos navios, que conduziam o bacilo da cólera e o levaram do golfo de Bengala, sucessivamente, para a Indonésia, a Indochina, a China e, em 1822, ao Japão. Ao mesmo tempo, seguindo outro percurso, a doença cruzou o mar da Arábia e aportou na localidade de Mascate, no golfo Pérsico, em 1821, levada por uma força expedicionária inglesa cujo objetivo declarado era impedir o tráfico de escravos. Depois de infectar a região, propagou-se por meio do tráfico para o continente africano e daí para o Oriente Médio (Iraque, Irã e Síria), para a Turquia e para a Rússia, pelo mar Cáspio.68 A segunda pandemia partiu do delta do rio Ganges, na Índia, e, acompanhando campanhas militares, alcançou a Polônia. Depois, pelo Báltico e pelo mar do Norte, invadiu a Inglaterra, alastrou-se para a Irlanda e por essa via chegou à América do Norte, em 1832. No ano seguinte, atingiu o México.

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67. Luiz Antônio de Castro Santos, “Um século de cólera: itinerário do medo”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 1994. Disponível em: <https://scielosp.org/ scielo.php?pid=S010300005&script=scabstract &tlng=es#ModalArticles>. Acesso em: 2 abr. 2018.

68. William Hardy McNeill, Plagues and Peoples. In: Luiz Antônio de Castro Santos, op. cit.

Em meados do século XIX, Londres sofreu três surtos de cólera, ao mesmo tempo em que um terrível mau cheiro, devido à poluição do rio Tâmisa, infestava a cidade. À época ainda se atribuía aos odores a transmissão da doença.

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Em 1855, a cólera chegaria ao Brasil, trazida pelas tripulações dos navios. A epidemia levou à morte cerca de 200 mil pessoas. Na foto, equipe de médicos do Hospital da Caridade, de Curitiba, no Paraná, criado para combater a doença.

A partir de 1850, segundo Santos, uma nova onda acompanharia a intensificação da navegação a vapor e do transporte ferroviário e chegaria ao Brasil. “Médicos de nomeada no Brasil, como José Pereira Rego, acreditavam que o calor – a proximidade do Equador – defenderia as cidades da infestação pela cólera. [...] As esperanças de imunidade se desfizeram em poucos anos. Em 1855, os portos brasileiros já acusavam os primeiros casos de infecção colérica.” A primeira cidade atingida foi Belém, em 26 de maio de 1855, vítima de um descuido das autoridades. Um navio português em que se registrara um caso fatal de cólera aportou na cidade e não só não lhe impuseram uma quarentena, como permitiram que seguisse viagem, espalhando novos focos da doença pela costa, que atingiriam Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Rio de Janeiro. O interior de São Paulo e Minas Gerais, longe das áreas litorâneas, não foram afetados. Mas a doença desembarcou em Santos e chegou até Porto Alegre. Segundo a literatura, quase 200 mil pessoas pereceram, acometidas pela epidemia, durante 1855-1856. Esta cifra se elevaria consideravelmente se fossem incluídas as


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mortes ocasionadas por surtos de cólera no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pernambuco, em 1862, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro em 1867, as vítimas da Guerra do Paraguai abatidas pelo mal, os casos fatais do aparecimento da doença em Mato Grosso em 1887, na capital paulista e nas localidades do vale do rio Paraíba em 1894.69 Do total de mortos, estima Santos, dois terços eram negros, escravos ou libertos. Nos lugares por onde passara o flagelo, tomavam-se providências que eventualmente minoravam a divulgação da doença, mas não atacavam a sua raiz. Melhoravam-se as condições sanitárias e de higiene, adotavam-se formas de isolamento e quarentenas. No Brasil, o tratamento dos doentes era feito à base da medicina tradicional, com o uso de suadouros, fricção com álcool canforado, gotas de láudano e remédios homeopáticos – não muito diferente do que se tentava em outras partes do mundo afetadas pelas epidemias. No início do século XX, o Brasil seria novamente palco de surtos de cólera até que, tardiamente, aprendesse com os ensinamentos sobre o tratamento de água da cidade de Jersey. E a humanidade ainda assistiria à sétima pandemia da doença, em 1961, iniciar-se na Indonésia e alastrar-se para o Oriente Médio até atingir a África na década de 1970. Esta epidemia global, ao contrário das anteriores, não seria fruto do desconhecimento sobre a doença ou dos meios para combatê-la, mas da desigualdade e da pobreza, das más condições sanitárias e de higiene, questões que continuam desafiando a sociedade atual e, por isso mesmo, são tema constante dos apelos de organizações como a Organização das Nações Unidas (ONU).

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69. Luiz Antônio de Castro Santos, op. cit.

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Estação de tratamento de água e de esgoto em Nova Jersey, Estados Unidos. O uso do cloro na desinfecção da água propiciou uma revolução nos métodos de tratamento e se tornou um padrão mundial. No Brasil, São Paulo foi a primeira cidade a adotar a cloração, em 1926.


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A REVOLUÇÃO EM JERSEY Em seu livro The Chlorine Revolution [A revolução do cloro], Michael John McGuire, engenheiro hidrogeologista e pesquisador, reconstitui o momento histórico que levou a uma reviravolta no tratamento da água destinada ao abastecimento público. Os acontecimentos que culminaram nessa mudança passaram-se em Jersey, nos Estados Unidos, em 1908, e tiveram três personagens principais: um juiz, um médico e um engenheiro. O juiz tinha sobre sua mesa uma reclamação da Jersey City Water Supply Company, que pleiteava o pagamento pela construção do reservatório Boonton e da rede de distribuição de água da cidade. O juiz deu razão à litigante e determinou que o município pagasse pela obra uma soma que nos dias de hoje equivaleria a 175 milhões de dólares. Todavia, ressalvou, o mesmo contrato obrigava a companhia a fornecer água “pura e saudável” aos munícipes, mas não era o que ocorria. Apesar do sistema de tratamento por filtros, a água que chegava às residências era de má qualidade. Na visão do magistrado, tal se devia aos esgotos da cidade que poluíam as águas do rio Rockaway que, por sua vez, contaminavam o reservatório. Em sua sentença determinou então que parte do dinheiro a receber fosse gasto pela companhia na construção da infraestrutura necessária para lançar os esgotos longe das fontes de água potável da cidade.

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A história poderia ter seguido esse curso e, depois de algum tempo, o juiz e os cidadãos de Jersey se veriam frustrados ao descobrir que as bactérias continuavam lá, em grande quantidade, infestando as suas águas. É nesse ponto da narrativa que entra em cena a figura de John Laing Leal. Consultor da companhia de abastecimento, Leal era formado em Medicina e tinha uma queda especial pelas pesquisas em bacteriologia e pelo estudo das doenças transmitidas pela água. Seu pai, John Rose Leal também fora médico e durante alguns anos atuara como cirurgião de um regimento de Voluntários de Nova York na Guerra Civil americana – um conflito em que as doenças infecciosas, principalmente as transmitidas pela água, concorriam com balas e baionetas na caça às vítimas. O próprio pai de Leal caiu doente, foi obrigado a dar baixa e, nos 17 anos seguintes até sua morte, carregou as sequelas da infecção gastrointestinal contraída na guerra. Foi sob a influência desse ambiente que o jovem Leal abraçou a ciência e a saúde pública como vocação e se dedicou a pesquisar e a acompanhar as descobertas que se faziam a respeito. Antes que se apresentasse a celeuma em torno do reservatório de Boonton, ele já travara um embate, como membro do Comitê de Saúde de uma cidade vizinha, para que fossem interditados poços urbanos cujas águas estavam contaminadas e eram causa de seguidos surtos epidêmicos. Pelo relato do autor de A revolução do cloro depreende-se que a companhia de tratamento de águas de Jersey se opunha à ideia de realizar a obra proposta pelo juiz. Por motivos financeiros e técnicos, pois seria um investimento de grande monta e a obra não teria como resultado a desejada eliminação dos patógenos nas águas do Rockaway. Conhecedores das condições ambientais da região, os técnicos – Leal à frente deles – sabiam que o rio recebia esgotos e poluentes de outras cidades e comunidades rurais em diversos trechos de seu curso e fora do alcance da jurisdição da cidade. Para pôr fim à contaminação havia de encontrar outra solução, de preferência menos dispendiosa, e Leal viu aí a deixa para criar algo novo, alicerçado nos conhecimentos da nova ciência e nas pesquisas mais recentes no campo da desinfecção. A proposta de Leal, relata McGuire de maneira intencionalmente crua, consistia em “nada menos do que adicionar


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O sanitarista John Laing Leal (à esq.) propôs o uso do cloro para a desinfecção das águas do reservatório de Boonton (centro), em Jersey, nos Estados Unidos, em 1908. O sistema, implantado com a engenharia de George Warren Fuller (à dir.), marca o início da revolução no tratamento da água para abastecimento público.

‘veneno’ nos reservatórios de água de Jersey para matar as bactérias que duas a três vezes ao ano se apresentavam em grande concentração”. Porque era médico, ele tinha consciência dos riscos e estava habituado com a ideia de que uma mesma substância pode agir como remédio ou como veneno, a depender da dose aplicada. Estava convencido também de que o cloro era esse agente e que poderia ser usado com segurança contra os germes, sem ameaçar a saúde das pessoas, desde que em concentrações mínimas. Sua certeza fundava-se em seus próprios ensaios, feitos em laboratório, e nas diversas experiências que vinham sendo feitas com o uso do cloro como desinfetante mundo afora. Leal estava a par, por exemplo, de que a cal clorada estava sendo usada desde 1902 para tratar a água do reservatório de Middlekerk, uma pequena cidade belga de 2 mil habitantes. Sabia também dos experimentos iniciados em 1905 em Lincoln, na Inglaterra, que consistiam em tratar a água com um preparado de hipoclorito de sódio (com cerca de 10% ou 15% de cloro ativo). É provável também que tenha chegado aos seus ouvidos um episódio curioso ocorrido nessa cidade naquele ano. No intuito de afastar os temores em relação ao tratamento químico, um dos responsáveis pela saúde pública, o doutor Alexander C. Houston, mergulhara uma gaiola com peixinhos dourados nas águas cloradas do reservatório da cidade para que os cidadãos e as autoridades testemunhassem que eles, os peixinhos, se mantinham vivos, sãos e dourados.70 Em lugar de peixinhos dourados, Leal cercou-se de bacteriologistas, epidemiologistas e químicos norte-americanos de reconhecido saber para que acompanhassem a implan-

70. José Capocchi, “Crônica da cloração de águas e esgotos”. Revista D.A.E., mar. 1962. Disponível em: <www.revistadae. com.br/artigos/artigo_ edicao_44_n_633.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2018.

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71. Michael John McGuire, The Chlorine Revolution: The History of Water Disinfection and the Fight to Save Lives. Denver: American Water Works Association, 2013. p. 1-6.

tação do projeto e, no devido momento, atestassem perante o juízo os resultados do tratamento. Num assunto que impactava de tal maneira a vida das pessoas, não haveria lugar para desconfianças. Esse era um aspecto importante da estratégia para garantir o sucesso do plano. Outro, dizia respeito ao projeto em si. Havia que desenhar e executar uma infraestrutura que permitisse adicionar o cloro em quantidades medidas em partes por milhão, de maneira controlada e homogênea a 150 mil metros cúbicos de água distribuídos diariamente. Neste ponto, foi chamado à cena o terceiro personagem importante da história, o engenheiro George Warren Fuller. Aos 39 anos, ele tinha uma combinação rara de especialidades: formara-se em Química no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, mas fora buscar na Europa, que andava à frente dos norte-americanos nessa matéria, os conhecimentos sobre a tecnologia e a engenharia dos sistemas de filtragem lenta, e sobre bacteriologia, no Instituto de Higiene da Universidade de Berlim. O instituto era liderado pelo doutor Robert Koch, o médico que fundara a bacteriologia e fora o responsável por identificar as bactérias da tuberculose e da cólera. Não se tem notícia, no entanto, se Fuller chegou a conhecê-lo pessoalmente. Leal escolheu Fuller porque já o conhecia de outros carnavais. Fora ele o responsável por projetar um engenhoso sistema de adição de sulfato de alumínio ao reservatório de uma outra planta da Jersey Company. Isso significava meio caminho andado em direção ao sistema de cloração pretendido. A aposta deu certo. Todo o arranjo necessário foi feito em tempo recorde, dentro do estreito prazo dado pelo juiz para que a companhia apresentasse uma alternativa à construção do sistema de esgotos. Foram pouco mais de noventa dias até que o sistema entrasse em operação, em 26 de setembro de 1908. “A purificação dos reservatórios de água nunca mais foi a mesma a partir dessa data”, conclui McGuire. “Milhões de vidas foram salvas desde que o doutor John L. Leal iniciou a jornada que desentranharia essa revolução. A parceria entre um médico e um engenheiro trouxe uma mudança permanente no tratamento da água potável, e um caso judicial provocou a revolução que ganharia repercussão mundial.”71 O processo no tribunal de Jersey ainda se arrastou por dois anos, devido às contestações dos que se opunham ao tratamento químico. Em certo momento do julgamento, o promotor James Brinckerhoff Vredenburgh, que representa-


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va a municipalidade de Jersey, inquiria Leal sobre o sistema já instalado: Vredenburgh: Doutor, o senhor pode mencionar em que outros lugares do mundo se fez um experimento semelhante de colocar esse pó de branqueamento na água potável de uma cidade de 200 mil habitantes? Leal: De 200 mil habitantes? Não existe tal experiência no mundo, nunca foi tentado. Vredenburgh: Nunca? Leal: Não sob tais condições ou sob tais circunstâncias, mas [esse sistema] será usado muitas vezes no futuro. Vredenburgh: Jersey é a primeira cidade? Leal: A primeira a lucrar com isso. Vredenburgh: Jersey é a primeira cidade usada para provar se o seu experimento é bom ou ruim? Leal: Não, senhor – para lucrar com isso. A experiência acabou.72 Ao final do processo, a corte se rendeu à solução inovadora idealizada por Leal e Fuller para a Jersey Company. Em sua conclusão, o juiz relator do caso, William Jay Maggie, admitiu que o dispositivo “é capaz de tornar a água fornecida à cidade de Jersey pura e saudável, conforme aos propósitos para os quais é necessária, e que é eficaz na remoção daqueles perigosos germes cuja presença em determinadas épocas foram referidas nos autos”.73 Antes que chegasse ao fim o processo de Jersey, a novidade se espalhara e o sucesso do reservatório Boonton consolidava o uso do cloro como desinfetante de águas públicas. Segundo McGuire, um levantamento realizado em 1914 entre as mais de duas centenas de plantas de tratamento nos Estados Unidos revelou que, dentre a população norte-americana atendida por reservatórios municipais, mais da metade, numa estimativa bastante conservadora, era abastecida com água clorada – nada menos do que 21 milhões de pessoas.74 Em combinação com os sistemas de filtragem, com a melhoria das condições sanitárias e de higiene, entre outros fatores, o novo padrão de tratamento deu uma contribuição decisiva para que as ocorrências de doenças de origem hídrica sofressem um dramático declínio.

72. Idem, p. 228.

73. Idem, p. 248.

74. Idem, p. 257.

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O sucesso da experiência em Jersey fez com que outras cidades norte-americanas logo aderissem ao uso do cloro no tratamento da água para o abastecimento público. Nova York introduziu a cloração em 1911 – na imagem, vista do centro da cidade no início do século XX.

75. Idem, p. 281. 76. Idem, p. 285.

O ano de 1941 é considerado nos Estados Unidos como aquele que marca a vitória do controle sobre as doenças bacterianas transmitidas pela água. Nesse momento, em que cerca de 85% da água para o abastecimento público era submetida à cloração, a taxa de mortes por febre tifoide caíra abaixo de um caso para cada 100 mil habitantes. Do início do século até a sua metade, a expectativa de vida se elevara de 46,5 para 70 anos75 e a mortalidade infantil decaíra de quase cem mortes para cada mil nascidos vivos em 1915 para cerca de 25 em 1955.76 A desinfecção da água com o uso de cloro e derivados, após a bem-sucedida experiência do reservatório de Boonton, se disseminou pelas grandes cidades dentro e fora dos Estados Unidos. Chicago, Nova York, Toronto, Roma aderiram ao sistema em 1911. Em 1916, chegou a vez de Londres. No Brasil, o sistema ainda demoraria uma década para chegar. Antes que isso viesse a acontecer, São Paulo foi vítima de uma epidemia de febre tifoide, no final de 1914. A crônica histórica refere que nas proximidades da tomada de água das “bombas do rio Tietê”, fonte de abastecimento da cidade, vivia em seu barco um barqueiro que contraíra a doença e essa teria sido a origem do surto que tomou conta da parte baixa da cidade.


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Emílio Ribas, o médico infectologista paulista, cujo nome está associado ao combate da febre amarela, apontava a falta de tratamento da água como a causa principal daquela desgraça que assolava a cidade. Apenas em 1922, depois de passar por uma segunda epidemia, a Repartição de Águas e Esgotos de São Paulo concordaria com a adoção do cloro para desinfecção das águas. E, a partir de 1926, toda a água canalizada de São Paulo passou a ser clorada.77 No Rio de Janeiro, a novidade demoraria ainda até 1934. Em 1936, os jornais levantaram em São Paulo a suspeita de que o cloro na água estaria provocando distúrbios gastrointestinais na população. Segundo anotou o engenheiro José Capocchi em seu artigo “Crônica da cloração de águas e esgotos”, essas “ideias bobas”, veiculadas por alguns órgãos da imprensa, levaram o governo estadual a nomear uma comissão de notáveis para investigar o caso. Em sua conclusão, “a Comissão pôde atestar que o tratamento da água fornecida à população, tal como é atualmente feito [...], está de acordo com os métodos universalmente adotados e o sistema de fiscalização e controle está organizado de modo a inspirar toda a confiança no que diz respeito à dosagem prefixada”.78 Os precedentes de Middlekerk e Lincoln não diminuem a importância de Jersey como um marco na história da cloração da água para consumo público. Ela foi a pioneira nos Estados Unidos, a primeira a adotar esse processo de maneira contínua e rotineira, não apenas em momentos de surto epidêmico, e em larga escala. Além disso, deu ao sistema uma configuração que permitia manter absoluto controle sobre o processo. Nem Leal nem Fuller se preocuparam em patentear a tecnologia que criaram. Ao falar sobre o método que desenvolvera, durante um dos seus depoimentos ao juiz, Leal o qualificou como a quarta maior conquista relativa à purificação da água. “Eu creio ser esse método o quarto grande avanço na purificação da água. Devo dizer que a filtração [lenta] com areia foi o primeiro; o conhecimento sobre o que significa filtração de areia marca o segundo grande avanço. Então, a descoberta, ou pelo menos as aplicações práticas da coagulação, com a consequente filtração mecânica rápida, coloco em terceiro lugar; e esse método, que podemos chamar de desinfecção do abastecimento de água, considero o quarto grande avanço”, disse Leal. Em seguida, acrescentou: “E considero o quarto ponto tão importante quanto o resto”.79

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77. José Capocchi, op. cit.

78. Idem.

79. In: Michael John McGuire, op. cit., p. 224.

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Minas de sal no Vietnã. O cloreto de sódio ou sal de cozinha é elemento vital para o organismo tanto quanto a água doce. É também a substância de onde se extraem o cloro e os álcalis, de largo uso na indústria.


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ÁGUA, SAL E CLORO-ÁLCALIS De tanto se dar importância à água doce, há de parecer que o sal é um mal. Injustiça que se comete, pois o sal comum, ou cloreto de sódio, é elemento vital, tal qual a água, para nossa existência. É também um operário na construção da civilização. Dele derivam infinidades de coisas que fazem parte de nossa vida cotidiana. Mas, para o que este livro se pretende, limitemo-nos a dizer que do cloreto de sódio se extraem o cloro e os álcalis soda cáustica e barrilha, substâncias em torno das quais se criou a indústria cuja história é narrada nos próximos capítulos. O cloro é unanimidade quando o assunto é desinfecção da água. Não termina aí, todavia, sua contribuição para a qualidade da água potável. O cloro é também o insumo que a indústria química utiliza na produção de PVC (policloreto de vinila), material de que são feitos, entre muitos outros artigos, os tubos usados para entregar a água encanada ou conduzir os esgotos. São tubos que substituem os antigos canos de ferro ou chumbo e que não enferrujam como os primeiros, nem contaminam a água como os segundos. “Tubos de PVC têm a vantagem de ser inertes, ou seja, não reagem quimicamente com a água que por eles flui ou com o solo no qual eles são enterrados. Isso contribui para garantir que a água mantenha sua qualidade alta desde que sai da estação de tratamento até chegar à

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80. Extraído de “Chlorine Chemistry in the Home”. Disponível em: <https://chlorine. americanchemistry.com/ Science-Center/ChlorineCompound-of-the-MonthLibrary/Chlorine-Chemistryin-the-Home>. Acesso em: 6 fev. 2018.

torneira. Por serem inertes, os tubos de PVC duram mais do que os tubos de metal.”80 Além disso, o cloro entra na composição de defensivos agrícolas e na produção de anticoagulantes, poliuretanos, lubrificantes, entre tantos outros produtos. Depois, do mesmo sal que sai o cloro, se extrai também a soda cáustica. Quando se emprega o cloreto de potássio, além do cloro, se obtém a potassa cáustica. Ambas são soluções alcalinas ou bases, o que significa que são capazes de neutralizar ácidos. Graças a essa propriedade, são utilizadas, por exemplo, para controlar o pH da água, um fator importante em determinados sistemas de produção industrial. Quando misturadas à gordura, tanto a soda como a potassa desencadeiam reação conhecida como saponificação, de onde – o nome diz – se obtém o sabão, o sabonete e também os detergentes. O uso de potassa cáustica produz sabões moles, muito úteis quando se deseja o produto em pasta. Há outros subprodutos que nascem da dupla cloro-álcalis. A partir da composição do cloro e do hidrogênio, temos o ácido clorídrico, com amplas aplicações industriais. E, como resultante da combinação do cloro com a soda, temos o hipoclorito de sódio, muitas vezes utilizado como sucedâneo do cloro na desinfecção da água. O hipoclorito é uma solução rica em cloro ativo, de manuseio mais fácil que o cloro, e, por isso, muito usada na indústria. Em sua versão para uso doméstico, o hipoclorito se apresenta na forma mais diluída conhecida como água sanitária e utilizada como alvejante, bactericida e produto de limpeza. O sal é, em última instância, o elemento primordial de uma lista de benefícios derivados do cloro-álcalis. Ela se estende dos desinfetantes da água e do esgoto, que propiciaram uma revolução na saúde pública e no combate às epidemias associadas à água, até o desenvolvimento de plásticos como o PVC, que causaram uma disruptura e estabeleceram um novo padrão para materiais de construção, com destaque para os componentes usados em sistemas hidráulicos. Passa por inúmeros outros benefícios, entre os quais se incluem produtos de limpeza e de higiene, insumos para a produção de artigos de uso tão extenso quanto o papel e o tecido, e também para a composição de medicamentos, fertilizantes, defensivos e outros produtos químicos.


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O cloro é empregado na produção do PVC (policloreto de vinila). Por não reagirem quimicamente com a água, os tubos de PVC substituíram com grande vantagem os canos de metal usados nos encanamentos.

Para que essas conquistas se viabilizassem, tivemos necessidade do conhecimento produzido por cientistas e pesquisadores como Carl Wilhelm Scheele, John Snow, Louis Pasteur, Robert Koch, John Laing Leal e tantos outros que se dedicaram em seu tempo a buscar as soluções para problemas que afligiam a humanidade ou que o desenvolvimento requeria. Então, esse conhecimento transformou-se em bens pelas mãos da indústria de cloro-álcalis. Tal como em outros países, no Brasil o setor forneceu as substâncias e os insumos que seriam transformados por outras cadeias produtivas em saúde, segurança e bem-estar. A história dessa indústria é o que se conta a seguir.

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Unidade Aracruz (ES) Torres de abatimento de cloro.

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1. Células de cloro-álcalis. 2. Fornos de ácido clorídrico. 3. Linha de hidrogênio. 4. Tubulações de hidrogênio. 5. Funcionário com macacão antiácido, fazendo limpeza em plataforma. 6. Pátio de sal.


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POR: HELOÍSA PEREIRA


As águas salgadas e alcalinas do lago Natron, na Tanzânia, foram importante fonte de carbonato de sódio na Antiguidade. Empregado na fabricação de sabão, esse álcali foi crescentemente substituído pela soda cáustica após o século XVIII.


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DOS ÁLCALIS AO CLORO Os álcalis estão no rol dos produtos mais antigos da Química. Há registros da utilização do carbonato de potássio (K2CO3) para a fertilização do solo desde o século III a.C.,81 quando o composto era obtido a partir das cinzas da madeira. Ao longo do tempo, o carbonato de potássio passou a ser purificado usando-se um método artesanal de lixiviação: as cinzas eram depositadas em potes de ferro, dissolvidas em água quente e purificadas por meio da evaporação. É deste método, já bastante popular no século XVII, que provém o termo “potassa”, derivação do alemão antigo potasschen, ou “pote de cinzas”, que em inglês traduziu-se por pot ash. Suas aplicações também se diversificaram, sendo utilizado na fabricação de sabões e de vidros. O termo “potash” tornou-se o nome do elemento químico potássio nos países latinos e anglófonos. Mas, na Alemanha e na Rússia, por exemplo, este elemento é conhecido como kalium, em alusão ao termo árabe kali (cinzas) – que, em última análise, é também a origem de seu símbolo químico, “K”. Outro composto milenar, o carbonato de sódio (Na2CO3) era utilizado para fabricação de sabões rudimentares desde o antigo Egito, e também tinha importante papel nos rituais de mumificação. Era extraído do vale do Natron, um lago de águas salgadas alcalinas que hoje fica no território da Tanzânia. O termo “natron”,82 derivação latina do termo

81. Marisa Nascimento, Marisa Bezerra de Mello Monte e Francisco Eduardo Lapido Loureiro. "Agrominerais/Potássio". In: Rochas e minerais industriais. São Paulo: Cetem/MCT, 2005, p. 173.

82. Eduardo Motta Alves Peixoto. “Elemento químico: Sódio”. Revista Química Nova na Escola, n° 10, nov. 1999.

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83. David M. Kiefer, “It was all about Alkali”. Today’s Chemist at Work, volume 11, n° 1. jan. 2002.

84. Adélio Alcino Sampaio Castro Machado, “Fabrico industrial do carbonato de sódio no século XIX: exemplos precoces de Química verde e Ecologia industrial". Boletim de Química, n° 113, abr.-jun. 2009.

85. José Eduardo Pessoa Andrade e Janusz Zaporski, “A indústria de cloro-soda”. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, volume 1, n° 2, dez. 1994, p. 183-226.

grego nitron, pode ser traduzido por “salitre” e foi a primeira denominação dada ao elemento químico que conhecemos hoje como sódio. É daí que provém seu símbolo químico, “Na”, utilizado tanto pelos países de línguas latinas como pelos de línguas germânicas ou eslavas. Nestes últimos, o elemento é conhecido ainda hoje como natrium. Até o século XVIII, a forma mais difundida de obtenção de carbonato de sódio era a calcinação da barrilha ou barrilheira (Salsola soda L.), um arbusto típico da região costeira do Mediterrâneo, encontrado próximo à água salgada.83 Sua cinza continha até 25% do composto e a utilização desse processo se difundiu de tal forma que o termo “barrilha” tornou-se sinônimo de carbonato de sódio. Em alguns países do Reino Unido – especialmente na Escócia e nas ilhas Orkney, do mar do Norte –, aproveitavam-se também as algas (kelp) para extrair o carbonato de sódio; elas eram recolhidas nas praias, secas e queimadas. Mas a porcentagem de carbonato de sódio presente nas cinzas era de aproximadamente 15%, inferior àquela obtida com a barrilha. Já no século XVIII, a potassa era um dos principais produtos exportados à Grã-Bretanha pelas colônias norte-americanas. Com a Revolução Industrial, os álcalis passaram a ser o principal insumo da indústria química. Eram matéria-prima essencial para, além da fabricação do vidro e do sabão, o branqueamento de tecidos, de papel, do açúcar e para o preparo de medicamentos e tinturas. Com a demanda crescente, os carbonatos obtidos a partir de fontes vegetais começaram a se mostrar insuficientes; além disso, seu fornecimento era problemático devido às guerras, especialmente em países como França e Inglaterra.84 Em 1783, por ordem do rei Luís XVI, a Academia Francesa de Ciências instituiu um prêmio de 2,4 mil libras francesas (cerca de R$ 35 mil, hoje em dia) a ser atribuído para quem desenvolvesse um processo de fabricação do carbonato de sódio e da soda cáustica a partir do sal de cozinha, o cloreto de sódio (NaCl). O ganhador foi Nicolas Leblanc: em 1791, o médico e químico francês patenteou o primeiro processo para produção do carbonato de sódio por síntese química, em um processo de duas etapas.85 A primeira delas consistia na reação de cloreto de sódio com ácido sulfúrico, produzindo sulfato de sódio e liberando ácido clorídrico. Em seguida, o sulfato de sódio era misturado ao carbonato de cálcio e


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A fabricação do vidro em ilustração da Encyclopédie, de Denis Diderot e Jean D'Alambert, publicada na França no século XVIII. A partir da Revolução Industrial, processos de produção como o do vidro aumentaram a demanda pelos álcalis.

levado à combustão, com auxílio de coque. Nesta etapa, o carbono proveniente do coque era oxidado, tornando-se gás carbônico (CO2) –, e, como resultado, havia uma recombinação dos compostos: o sulfato de sódio tornava-se sulfeto de cálcio e o carbonato de cálcio tornava-se carbonato de sódio. Na verdade, o resultado visível era uma substância negra com carbonato de sódio e sulfeto de cálcio misturados; e ainda era necessária uma lixiviação, uma lavagem para dissolver o carbonato de sódio, e a posterior evaporação da água para obtê-lo na forma sólida. Se o objetivo fosse produzir soda cáustica, ainda era preciso reagir o hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) – que consiste na cal previamente hidratada – com o carbonato de sódio. A primeira etapa dessa reação para produzir carbonato de sódio por síntese química já era conhecida. Ela foi elaborada pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele, que descobriu o cloro em 1774. A inovação de Leblanc estava na segunda etapa, a partir da qual se produzia a barrilha. No mesmo ano em que patenteou seu processo produtivo, com apoio de Luís Filipe II, duque de Orléans e primo do rei, Leblanc instalou uma usina em Saint-Denis, nos arredores de Paris, com capacidade de produção de 100 toneladas de barrilha por ano. Infelizmente, seu empreendimento acabou de maneira trágica. Em decorrência da Revolução Francesa, Luís XVI foi guilhotinado em 1793 e Leblanc nunca recebeu seu prêmio. No mesmo ano, houve a execução do duque de Orléans, seu sócio no projeto industrial. O governo

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O químico francês Nicolas Leblanc, considerado por muitos historiadores o "pai da indústria química", patenteou em 1791 o primeiro processo de fabricação de carbonato de sódio por síntese química.

86. Adélio Alcino Sampaio Castro Machado, op. cit.

revolucionário obrigou o químico a tornar públicos os detalhes de sua invenção para quem os quisesse usar e a fábrica acabou abandonada. Leblanc nunca conseguiu se recuperar financeiramente e suicidou-se em 1806.86 Com a publicação das etapas do processo Leblanc, esse método de produção da barrilha passou a ser adotado por diversas instalações industriais na França, na Inglaterra e, paulatinamente, em outros países europeus. Havia, porém, uma constante preocupação entre fabricantes: como desenvolver métodos mais econômicos e que gerassem menos resíduos? A busca por alternativas conduziu os irmãos Ernest e Alfred Solvay a desenvolver um novo processo de produção da barrilha utilizando a amônia. Sua primeira fábrica foi instalada em 1863, em Couillet, na Bélgica, mas o processo Solvay logo se espalhou por toda a Europa – em especial pela Inglaterra, onde foi introduzido pelo industrial britânico de origem alemã Ludwig Mond, em 1872. Menos complicado e com insumos mais baratos (sal, amônia e carbonato de cálcio), esse processo permitia a recuperação da amônia, reduzindo a emissão de poluentes gasosos. No final do século XIX surgiu um processo ainda mais eficiente, diretamente voltado à produção da soda cáustica: a eletrólise de uma solução de cloreto de sódio. A primeira


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patente relativa à eletrólise da salmoura foi registrada por Charles Watt, na Inglaterra, em 1851, mas não era economicamente viável. O problema foi resolvido por dois outros químicos por volta de 1890: o norte-americano Hamilton Castner e o austríaco Karl Kellner desenvolveram modelos muito parecidos de células eletrolíticas. Castner registrou a patente de sua invenção em 1892; Kellner poderia ter questionado sua patente e transformado a questão em uma longa disputa jurídica, no entanto, em vez de competirem, ambos resolveram unir esforços. Juntos fundaram, em 1895, Castner-Kellner Alkali Company, que construiu plantas industriais empregando o processo eletrolítico por toda a Europa. O surgimento do processo de eletrólise permitiu a produção conjunta de soda cáustica e de cloro – muito embora o cloro ainda tivesse pouco interesse comercial naquela época. No entanto, durante a Primeira Guerra Mundial, essa realidade se transformou, pois o gás cloro e seus derivados começaram a ser utilizados na indústria bélica. Nos anos seguintes, além do branqueamento do algodão, a cloração passou a ser adotada também na indústria de papel e celulose. Posteriormente, o consumo de derivados químicos clorados ganhou força na construção civil, com o PVC (policloreto de vinila); no agronegócio, com os defensivos agrícolas, e na área de saúde pública e desinfecção da água, fazendo com que o processo eletrolítico superasse a produção de soda cáustica via barrilha na década de 1940, e chegasse a representar 98% da produção mundial em 1960.87 O gráfico a seguir ilustra a evolução da produção de cloro entre as décadas de 1930 a 1990. evolução da produção mundial de cloro, 1930-1990 em milhões de toneladas

Fonte: Kirk-Othmer/Ulmann’s Encyclopedia/Euroclor.

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87. José Eduardo Pessoa Andrade e Janusz Zaporski, op. cit.

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PRODUQUÍMICA

Unidade Igarassu (PE) Subestação de energia elétrica.


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1. Sala de eletrólise de membrana. 2. Armazém de sal. 3. Laboratório. 4. Açude. 5. Tanques de água tratada. 6. Eletrolisador de membrana.


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As primeiras fábricas das Indústrias Reunidas F. Matarazzo, fundadas em 1918, produziam sabões, velas, vidro e óleos. A partir de 1948, passariam também a produzir cloro e soda cáustica. Na foto, vista do complexo industrial da Água Branca, em São Paulo.


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OS PRIMEIROS PASSOS DA INDÚSTRIA NO BRASIL Há registros de que os indígenas já produziam potassa no território que se chamaria Brasil muito antes da chegada dos portugueses, extraindo-a da raiz da carnaúba calcinada.88 Em pequena quantidade e para usos restritos, essa produção não tinha qualquer valor ou interesse comercial. No Brasil colonial também havia pouco espaço para a ciência – os raros debates sobre temas como Química ou Botânica aconteciam em associações de intelectuais, geralmente de vida efêmera: a Sociedade Literária do Rio de Janeiro, por exemplo, que existiu de 1786 a 1794, chegou a realizar análise de águas e a discutir métodos de extração da tinta do urucum. A manufatura, por sua vez, resumia-se à fabricação de pólvora, anil e óleo de baleia, e à extração de sal.89 Paulatinamente, alguns produtos químicos, como os carbonatos de sódio e de potássio, passaram a ser produzidos em pequena escala, a partir de fontes vegetais, para uso na fabricação de sabões. No século XVIII, o frei José Mariano da Conceição Veloso realizou estudos sobre as plantas brasileiras das quais se poderia extrair potassa e chegou a discutir técnicas industriais para sua fabricação. Relatou suas conclusões no livro Alographia dos alkalis fixos vegetal ou potassa, mineral ou soda e dos seus nitratos, segundo as melhores memorias estrangeiras, que se tem escripto a este assumpto, publicado

88. Fernando José Luna de Oliveira, "Alographia dos álkalis… de Frei Conceição Veloso: um manual de química industrial para produção da potassa no Brasil colonial". Química Nova, volume 31, n° 8, nov. 2008.

89. Márcia Rosa de Almeida e Angelo da Cunha Pinto, “Uma breve história da química brasileira”. Ciência e Cultura, volume 63, n° 1. São Paulo, jan. 2011.

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90. Flavio Rabelo Versiani e Wilson Suzigan, “O processo brasileiro de industrialização: uma visão geral”. X Congresso Internacional de História Econômica, Louvain, ago. 1990.

em Lisboa, em 1798. Nascido em Minas Gerais, Veloso dedicou-se ao estudo da Botânica no convento de Santo Antônio, no centro da cidade do Rio de Janeiro, onde chegou a lecionar História Natural. Realizou expedições botânicas entre 1779 e 1790, quando se mudou para Portugal. Com a vinda de dom João VI e da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, o interesse pela Química ganhou novo fôlego. Em 1811, aulas de Química passaram a ser ministradas pela recém-inaugurada Academia Real Militar. No ano seguinte, a criação do Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro marcou o início das pesquisas com fins comerciais. Antes da Proclamação da República, todavia, a industrialização nacional andava a passos lentos. O início da produção fabril, com a utilização de equipamentos mecanizados, pode ser facultado ao segmento de tecidos, em especial à fiação e à tecelagem de algodão – até a década de 1920; os demais segmentos, como a indústria de alimentos, calçados e bebidas, ainda eram constituídos, principalmente, de estabelecimentos de pequena escala, utilizando métodos de produção semiartesanais.90 Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as dificuldades de importação fizeram crescer a demanda por produtos nacionais. Além disso, havia uma grande volatilidade das taxas de câmbio, o que tornava imprevisíveis os preços dos produtos importados – dentre os quais estavam os álcalis sódicos, necessários para a fabricação de vidro, tecidos, fármacos, papel e produtos para higiene e limpeza. Incomodados, os empresários brasileiros passam a pressionar o governo em busca de incentivo para a produção de insumos químicos básicos no próprio país. Para contornar o problema, o presidente Venceslau Brás baixou o Decreto n° 12.921, de 16 de março de 1918, criando uma política de incentivo às indústrias de cloro-álcalis: as três primeiras fábricas que se instalassem no Brasil obteriam financiamento a juros subsidiados de até 75% do orçamento previsto para um empreendimento de tal porte. Habilitaram-se onze empresas, das quais três foram selecionadas; mas apenas uma delas deu prosseguimento ao projeto. Antônio Felício dos Santos & Cia, posteriormente renomeada para Companhia Brasileira de Produtos Químicos, instalou-se na localidade de Engenho da Pedra, no bairro de Inhaúma, no Rio de Janeiro, e se propôs fabricar


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cinco toneladas anuais de soda cáustica a partir de 1923. Mas a concorrência internacional se impôs e o empreendimento foi à falência.91 Após a crise do café, na década de 1930, boa parte dos investimentos migrou da produção agrícola para a industrial, iniciando um novo ciclo de expansão. Foi nessa época que um grupo de empresários decidiu se reunir e fundar a Companhia Eletroquímica Fluminense, em 17 de agosto de 1933. O corpo societário contava com 25 acionistas, sendo José Alves da Motta o principal deles. A empresa conseguiu um aporte de capitais da ordem de 1,5 mil contos de réis, com parte do investimento sendo financiada pela Caixa Econômica do Rio de Janeiro. A Companhia Eletroquímica Fluminense tinha capacidade de produção de 230 toneladas anuais de cloro, e fabricava também soda cáustica, cloreto de cal, ácido clorídrico e água sanitária. Foi implantada no bairro de Alcântara, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e entrou em operação em maio de 1936. O químico Wilhelm Lehmann, diretor técnico da empresa alemã de máquinas e equipamentos Krebs & Cia, veio de Berlim a bordo de um dirigível Zeppelin para a instalação do maquinário. No ano seguinte, 1937, outra indústria de cloro-álcalis começaria a operar. A iniciativa de criar a Companhia Nitro Química Brasileira é creditada a Harry Jack Levine, genro de Salomão Klabin, que verificou que, em razão da quebra da bolsa de Nova York, em 1929, e do estado de crise enfrentado nos anos seguintes pela economia norte-americana, diversas indústrias estavam sendo desativadas e seus donos mostravam-se dispostos a vendê-las a preço de ocasião.92 Compartilhou a ideia com Wolf Klabin e Horácio Lafer, importantes empresários e membros da família. Como se tratava de um grande negócio, juntos constituíram sociedade com José Ermírio de Moraes, fundador do Grupo Votorantim, e adquiriram uma fábrica do estado de Virgínia, nos Estados Unidos, que, além de cloro-álcalis, produzia uma fibra sintética conhecida como seda artificial – o rayon. A fábrica foi desmontada nos Estados Unidos e remontada em São Miguel Paulista, bairro da zona leste de São Paulo (SP). Segundo publicação em comemoração aos 70 anos da Nitro Química, ao todo foram transportadas para o Brasil 18 mil toneladas de material, primeiro de navio, até Santos,

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91. Walter Luiz Carneiro de Mattos Pereira, “História e região: inovação e industrialização na economia salineira fluminense”. Revista de História Regional, volume 15, n° 2, inverno 2010.

92. Jacques Marcovitch, Pioneiros e empreendedores: a saga do desenvolvimento do Brasil. Volume 2. São Paulo: Edusp, 2005.

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93. Alexandre Ribeiro, Nitro Química 70 anos. São Paulo: DBA, 2005.

e depois de trem, numa média de dez vagões por dia.93 A produção de cloro e de soda cáustica manteve-se até a década de 1950, quando a empresa passou por uma reformulação tanto em seus processos produtivos (a chegada do náilon impactaria profundamente a produção do rayon) como em sua organização societária, com o Grupo Votorantim assumindo as cotas acionárias de Horácio Lafer. A produção de cloro e de soda cáustica foi descontinuada e a companhia passou, então, a se dedicar a outras especialidades químicas.

Em 1937 começaria a operar a planta de cloro-álcalis da Nitro Química. As suas instalações pertenciam a uma fábrica do estado de Virgínia, nos Estados Unidos, que foram adquiridas e transplantadas para o bairro de São Miguel Paulista, em São Paulo (SP). Na foto, a primeira equipe de funcionários da empresa.

Nos anos 1940, a economia brasileira já sentia os impactos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Mais uma vez a importação de produtos tornava-se imprevisível. Além disso, submarinos alemães e italianos ameaçavam os navios da Marinha mercante brasileira, tentando impedir que o país colaborasse com as forças aliadas. O primeiro navio brasileiro atacado foi o Taubaté, em 1941, que levava uma carga de batatas, lã e vinho para o Egito. Outros 34 navios foram atacados (e 33 afundados) ao longo do conflito. Foi também o conturbado período da guerra que trouxe ao Brasil dois importantes


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empreendimentos no setor de cloro-álcalis: as Indústrias Químicas Eletro Cloro S.A., subsidiárias da companhia belga Solvay S.A., e a Companhia Eletroquímica Pan Americana. O grupo Solvay queria se afastar do centro do conflito mundial e buscava estabelecer um novo polo estratégico em uma região considerada promissora. Após diversos estudos, o local escolhido foi um terreno no sopé da serra do Mar, pertencente ao município de Santo André, no estado de São Paulo. Em 1941, foram fundadas as Indústrias Químicas Eletro Cloro S.A., trazendo conhecimentos técnicos, uma nova filosofia de trabalho e a experiência desenvolvida pelo grupo desde 1863. No livro Solvay do Brasil S.A., publicado em 1991,94 conta-se que “a região era rude, inóspita e quase inacessível. Para construir qualquer coisa parecida com uma fábrica no local era necessário, antes de mais nada, inventar os caminhos para chegar lá. Toda a região ficava mergulhada dentro de uma nuvem de névoa úmida, que chegava a impedir a visão a menos de dois metros. Chovia constantemente”. Apesar disso, a região possuía atrativos. Por ali passava o velho Caminho do Mar, a estrada que chegava ao porto de Santos, além dos trilhos da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. A fábrica também poderia utilizar a energia elétrica gerada pela Usina Henry Borden, da São Paulo Tramway, Light and Power Company, em Cubatão. Na realidade, a própria empresa assumiu a responsabilidade de construir duas linhas de força para seu abastecimento de energia elétrica, cujo custo a Light & Power ressarciu posteriormente com o fornecimento de energia. A fábrica começou a operar em 1948, com capacidade de produção de aproximadamente uma tonelada de cloro por dia, que logo seria ampliada. Naquele longínquo quilômetro 38 da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí também foi estabelecido um núcleo habitacional, a Vila Elclor, que teve como moradores pioneiros desde os funcionários de operação e manutenção até o diretor-geral da empresa, Gaston Verhas, e o inglês William Riding, primeiro diretor de fábrica. Patrizio Cappellini, por sua vez, chegou ao Brasil em 1948, fugindo dos dias difíceis do pós-guerra. O engenheiro químico já atuava na produção de cloro-álcalis na Itália e resolveu investir no setor químico brasileiro. Comprou o lote 1 do recém-criado distrito industrial de Fazenda Botafogo,

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94. Solvay do Brasil S.A.: sua origem; sua história. São Paulo: Solvay do Brasil, 1991.

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95. Giancarlo Livman Frabetti, A metropolização vista do subúrbio: metamorfoses do trabalho e da propriedade privada na trajetória de São Caetano do Sul. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, jun. 2013.

no bairro de Honório Gurgel, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), e fundou a Companhia Eletroquímica Pan Americana. Como diferencial, contava com tecnologia própria para produção do sulfeto de sódio – insumo utilizado para o tratamento do couro, além de ter algumas aplicações específicas na metalurgia e na indústria de papel e celulose. As primeiras visitas ao terreno onde a fábrica foi instalada eram feitas a cavalo, já que ainda não havia estradas até o local. Enfim, em 1951, a planta da fábrica estava pronta e se iniciou a produção de cloro e de soda cáustica – esta última para uso próprio (cativo). Na mesma época, dois empreendimentos brasileiros vieram reforçar o setor de cloro-álcalis: em 1947, as Indústrias Químicas Anhembi S.A. inauguram uma fábrica de cloro, soda cáustica e água sanitária em São Caetano do Sul, município próximo a São Paulo, e, em 1948, as Indústrias Reunidas F. Matarazzo, cujo segmento químico já produzia ácidos desde 1936, começam a produzir também cloro e soda cáustica. A Anhembi foi fundada por José Ignácio de Mesquita Sampaio, por meio da Química Industrial Medicinalis S.A. Entusiasta da indústria química, Mesquita Sampaio logo diversificou a produção e começou, também, a se dedicar a outro projeto, que iniciaria em Cubatão nos anos 1960. As fábricas das Indústrias Reunidas F. Matarazzo formavam um grande complexo, localizado na área atualmente denominada Bairro Fundação, em São Caetano do Sul (SP). O início desse grande projeto industrial data de 1918, quando Francisco Matarazzo comprou a Companhia Fábricas Pamplona e passou a produzir sabão, velas, óleos e vidros em seus galpões. Em 1920, uma fábrica de rayon começou a operar (utilizando soda cáustica importada e, posteriormente, com a inauguração da Companhia Eletroquímica Fluminense, comprando o insumo da produtora nacional). Os próximos passos foram a implantação das fábricas de papel e papelão, de celulose, de cerâmica e, finalmente, das indústrias químicas. Há registros de que o restaurante criado para os funcionários junto à fábrica de rayon fornecia 9 mil refeições diárias para os empregados.95 Na década de 1950, outro grande grupo internacional desembarca no Brasil: a Hoechst S.A. O jornal Correio da Manhã anunciava, em 14 de abril de 1957: “Passou pelo Rio


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Sede das Indústrias Químicas Anhembi S.A., donas das marcas Qboa, Candida e Lysoform, inaugurada em 1947, em São Caetano do Sul, em São Paulo.

o professor Karl Winnacker, presidente da indústria química alemã Farbwerke Hoechst AG. O professor Winnacker aproveitou sua estada no Brasil para conversações sobre a expansão da produção da Hoechst. Seu interesse estava particularmente dirigido, entretanto, à obra Fongra Produtos Químicos S.A., que atualmente monta sua fábrica em Suzano, Estado de São Paulo”. Subsidiária do grupo alemão, a Fongra iniciou atividades nesse mesmo ano, produzindo cloro, soda cáustica, solventes e produtos intermediários para a indústria têxtil. No período de implantação das primeiras indústrias do setor, a produção de cloro no Brasil sofria os reflexos do mercado da soda cáustica – muito influenciado pela importação extremamente competitiva, já que os altos preços de insumos básicos, como sal e energia, oneravam o produto nacional. Ao final de 1955, a produção anual de cloro em território brasileiro havia sido de 28 mil toneladas.96 Essa situação, todavia, estava prestes a se modificar devido à implantação da indústria petroquímica e à expansão de outros setores dinâmicos do mercado de cloro, como a indústria de papel e celulose, e o tratamento da água. O cloro passa a assumir, pouco a pouco, a posição de produto nobre, e a soda cáustica de seu subproduto.

96. Abiclor, O mercado brasileiro de cloro. Rio de Janeiro: Abiclor, 1971.

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A década de 1940 foi marcada no Brasil pela implantação da indústria de base. Foram criadas a Companhia Siderúrgica Nacional (1941), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1943) e a Companhia Nacional de Álcalis (1943). Cartão-postal produzido pelo Departamento de Informação e Propaganda (DIP), sob a ditadura do Estado Novo, exaltava as realizações do governo.


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OS GRANDES EMPREENDIMENTOS A década de 1930 inicia-se sob o efeito da crise econômica nos Estados Unidos e se encerra em meio às vicissitudes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). No Brasil, Getúlio Vargas toma o poder e dá início a um projeto desenvolvimentista. Entre as principais medidas de ajuste econômico estava a nova política cambial: primeiramente, uma desvalorização das taxas de câmbio, seguida pela introdução do controle de importações. A demanda por produtos manufaturados apresentou grande crescimento no período, servindo de estímulo ao empreendedorismo local. Para que os novos negócios surgissem, tornou-se evidente a necessidade de uma política de financiamento adequada às necessidades industriais. Os bancos comerciais não contavam com instrumentos específicos de captação de recursos que permitissem lastrear empréstimos de valores elevados, em médio e longo prazos. O Estado assumiu esse papel, criando, em 1937, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (Creai) do Banco do Brasil. Posteriormente, já no segundo governo Vargas, a política de fomento à economia ganharia um novo instrumento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),97 criado em 1952. Como a implantação de indústrias de base – siderurgia, mineração, álcalis, petroquímica – exigia grandes investimentos, o Estado assumiu também o papel de produtor

97. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) foi criado pela Lei n° 1.628, de 20 de junho de 1952, com o objetivo de estimular o crescimento econômico do Brasil. Em sua primeira fase, investiu principalmente em infraestrutura, mas, aos poucos, o BNDE ampliou suas linhas de fomento à iniciativa privada e à indústria. No início dos anos 1980, com a integração das preocupações sociais à política de desenvolvimento, houve mudanças nas linhas e critérios de financiamento. Essas transformações se refletiram no nome da instituição, que, em 1982, passou a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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direto nesses setores. Surgem a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, a Fábrica Nacional de Motores, em 1943, a Companhia Aços Especiais de Itabira, fundada em 1944, e que passa a ser controlada pelo Banco do Brasil, em 1952, e, nos setores químico e petroquímico, a Companhia Nacional de Álcalis (CNA), em 1943, e a Petrobras, em 1953. A CNA detinha o monopólio sobre a produção, importação e comercialização de barrilha no Brasil. Tinha sede em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, e se vinculava ao Instituto Nacional do Sal. Criada pelo Decreto-lei n° 5.684, de 20 de julho de 1943, deveria se constituir como uma sociedade de economia mista: o Estado assumindo o papel de sócio majoritário e de seu controlador, e as cotas de ações minoritárias sendo assumidas por grupos privados internacionais. Havia grande expectativa por parte do governo brasileiro em relação à participação norte-americana no projeto, a reboque da política de boa vizinhança instituída durante a Segunda Guerra Mundial. A Pittsburgh Plate Glass Company, uma das principais fabricantes de vidros nos Estados Unidos, interessou-se pelo negócio, bem como o Export and Import Bank (EximBank), que proveria um financiamento a juros reduzidos. Porém, após diversas idas e vindas de técnicos brasileiros e norte-americanos para sanar falhas encontradas

A CNA, instalada em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, foi criada por decreto em 1943. Ao lado de Petrobras, CVRD e outras, a CNA era fruto da política desenvolvimentista adotada por Getúlio Vargas.


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Plataforma da Petrobras. A criação da companhia, em 1953, teve grande impacto para os setores químico e petroquímico, dinamizando a cadeia produtiva e impulsionando o surgimento de novas plantas industriais.

no projeto, o investimento foi descartado pelo EximBank.98 O fato é que, desde a fundação da CNA, existiam controvérsias ligadas à ausência de especialistas na direção da empresa – havia um comitê técnico, mas sua atuação era apenas consultiva e os tais conselhos técnicos dificilmente eram seguidos. Boa parte das discussões estava relacionada ao fato de a CNA utilizar o processo Solvay, considerado ultrapassado por especialistas da indústria de cloro-álcalis. O projeto de implantação da CNA ficou parado por anos e só foi retomado em 1950, com o apoio de um consórcio de bancos franceses. As obras começaram em 1953, mas sua inauguração aconteceu apenas em 1960, no governo de Juscelino Kubitschek. A produção inicial era de 100 mil toneladas de barrilha por ano. Resultante de uma campanha popular que começou em 1946, com o histórico slogan “O petróleo é nosso”, a Petrobras foi criada em 3 de outubro de 1953. A estatal, que detinha o monopólio da extração, do refino e da distribuição do petróleo em território nacional, herdou do Conselho Nacional do Petróleo duas refinarias, a de Mataripe, na Bahia, em funcionamento desde 1950, e a de Cubatão, em São Paulo,

98. Walter Luiz Carneiro de Mattos Pereira, "A indústria química de álcalis e o Projeto Cabo Frio”. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro, n° 4, mai. 2014.

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99. Petrobras, Exposição Petrobras em 60 Momentos. Brasília: Agência Petrobras, 2013.

100. Centro de Memória da Eletricidade no Brasil – Eletrobras. Disponível em: <www.portal. memoriadaeletricidade.com. br>. Acesso em: 15 mar. 2018

ainda em construção. Em 10 de maio de 1954 começou a operar, com uma produção de 2.663 barris, equivalente a 1,7% do consumo nacional.99 Sua primeira subsidiária, a Petrobras Química S.A. (Petroquisa), foi constituída em 1967 para articular os setores estatal e privado no estabelecimento de novas plantas industriais. Por meio da Petroquisa, o Estado colocou em prática o “modelo tripartite”, no qual empresas estatais adquiriam sócios privados nacionais e estrangeiros; esse modelo garantiu a implantação de grande parte da indústria petroquímica brasileira, especialmente nos Polos Petroquímicos de São Paulo, de Camaçari, na Bahia, e de Triunfo, no Rio Grande do Sul, que iniciaram suas atividades em 1972, 1978 e 1982, respectivamente. A Petroquisa permitiu que o governo brasileiro estendesse sua influência para toda a cadeia produtiva da indústria química. O projeto desenvolvimentista nacional levou o Estado a investir também em projetos de infraestrutura na área de energia elétrica. Até a década de 1930, a produção de energia atendia principalmente os grandes centros urbanos, com pouca cobertura no interior. Os contratos que regulavam a produção eram realizados no âmbito municipal, havendo disparidade entre os critérios e dispositivos legais adotados em diferentes regiões do país.100 Em 1934, Getúlio Vargas promulga o Código de Águas, assegurando ao poder público o controle sobre as concessionárias de energia elétrica, e, posteriormente, em 1939, cria o Conselho Nacional de Águas e Energia (CNAE), para discutir o suprimento, a regulamentação e a tarifa sobre a energia elétrica. A disparidade entre a capacidade de produção e a demanda, especialmente levando-se em conta a criação das estatais e a expectativa de crescimento econômico, deixou às claras a necessidade de investimentos no setor. Em 1945, para cobrir essa lacuna, foi criada a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). A construção da usina, que aproveitou as quedas-d’água da cachoeira de Paulo Afonso, no sertão baiano, teve início em 1949. A companhia começou a gerar energia somente em 1954. A oferta de energia elétrica a preços competitivos foi fundamental para a implantação de grandes plantas industriais no Nordeste brasileiro ao longo da década seguinte. Insumo fundamental para a produção de cloro e de soda cáustica, a energia elétrica representa, hoje, entre 40% e


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45% do custo total do produto. A energia da Chesf foi fator-chave para a implantação da Companhia Química do Recôncavo (CQR), da Salgema e da Dow Química. A CQR foi inaugurada no ano de 1963, sob a denominação de Companhia Eletroquímica da Bahia. Com instalações em Lobato (BA), subúrbio de Salvador, ela produzia cinco toneladas de cloro por dia. A empresa, idealizada por Roque Perrone, passou, logo no início de seu funcionamento, ao controle do Grupo União e mudou sua razão social para Companhia Química do Recôncavo (CQR). Em 1976, quando a Petroquisa assumiu o controle acionário, sua capacidade de produção ampliou-se para 20 toneladas de cloro por dia. Em 1979, foi transferida para o Polo Petroquímico de Camaçari. A Chesf proveria energia elétrica também para a Salgema Indústrias Químicas Ltda., fundada em 1966, mas cuja história se inicia em 1940, quando o empresário baiano Euvaldo Freitas de Carvalho Luz encontrou resquícios de sal em sondas da Petrobras que ele consertava em sua oficina. Descobriu que havia um leito de sal-gema na região de Mutange, bairro de Maceió, em Alagoas. Duas décadas depois, ele obteve os direitos para exploração da jazida, promoveu estudos geológicos e procurou grupos estrangeiros para a construção de uma fábrica de cloro e de soda cáustica, conquistando o interesse da DuPont em 1969. As divergências entre os grupos acionistas nacionais e estrangeiros, porém, acabaram atrasando as obras e aumentando os custos do

Resquícios de sal nas sondas da Petrobras levaram, nos anos 1940, à descoberta de um leito de sal-gema no subsolo de Mutange, um bairro de Maceió, em Alagoas. Em 1966, ali se instalaria a fábrica de cloro e de soda cáustica da Salgema Indústrias Químicas.

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101. Salgema, Dados e informações sobre a Salgema – Relatório interno, 16 jun. 1977.

projeto – o que gerou a necessidade de novos aportes financeiros. Dessa vez, o apoio viria da Petroquisa, que assumiu o controle do empreendimento em 1974. Relatórios internos contam que “em 23 de fevereiro de 1977, após um período de testes de circulação e pré-operação, iniciou-se a produção comercial pela energização da primeira Casa de Células. Infelizmente, no mesmo dia, houve interrupção no fornecimento de energia ocasionando problemas de ordem técnica nos diafragmas das células, os quais só foram superados por drásticas e difíceis medidas corretivas de emergência. Nova interrupção de energia no dia 28 de fevereiro, quando ainda não havia sido totalmente restabelecido o equilíbrio operacional, veio ocasionar danos irrecuperáveis nos diafragmas de 136 células eletrolíticas, obrigando a sua total substituição, o que foi feito num período recorde de 18 dias”.101 Em março de 1977, iniciou-se a segunda campanha operacional, com a energização da primeira Casa de Células, cujos diafragmas haviam sido substituídos. A partir daí, a produção teve início e somente pequenas paradas de manutenção foram realizadas posteriormente. A capacidade anual de produção era de 229 mil toneladas de cloro e de 250 mil toneladas de soda cáustica. O Polo Industrial de Aratu, no município de Candeias, na Bahia, recebeu outro empreendimento de grande porte: o complexo industrial da Dow Química, inaugurado em 1977. Com capacidade de produção de 270 mil toneladas por ano de cloro, a planta fabricava também soda cáustica, óxido de propeno e propilenoglicol. A energia elétrica, mais uma vez, vinha da Chesf. A Dow Química possuía representação comercial no Brasil desde 1956. Na década de 1960, estudava a possibilidade de instalar uma indústria de cloro e de soda cáustica na América do Sul, mas o projeto inicial recaiu sobre a Argentina, que contava com grandes jazidas de sal. No Brasil, seria construída uma fábrica no município do Guarujá, em São Paulo, para receber e transformar o óxido de propeno – um composto baseado na oxidação do propeno – utilizando-se o cloro que seria produzido no país vizinho. No entanto, o projeto não avançou e a Dow viu a oportunidade de trazê-lo para o Brasil. Eram necessários três fatores para efetivar a implantação da empresa: energia elétrica a preços competitivos,


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Laboratório da Salgema, em Maceió. O início das operações, conturbado por sucessivas quedas de energia que chegaram a danificar equipamentos, deu-se no primeiro trimestre de 1977.

uma jazida de sal e um porto de águas profundas. A cidade de Aratu reunia as condições. O sal viria de Matarandiba, uma ilha pequena ao lado de Itaparica, em frente à baía de Todos-os-Santos, e seria transportado por meio de um duto de cerca de 70 quilômetros até a sede da fábrica. Mas havia o desafio de conseguir as autorizações necessárias para instalar o duto no fundo da baía – tanto de órgãos do governo como de uma empresa que atuava na mineração de calcário a partir das rochas sedimentares (principalmente conchas) no local. Muita negociação foi necessária, mas o “salmouroduto” ficou pronto. Para dar a partida da fábrica também era necessário regularizar o fornecimento de água, que vinha da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), pois a obra estava atrasada. Duas bombas de incêndio da Dow foram emprestadas à Embasa para acelerar o processo – as bombas e toda a tubulação, do recalque até o reservatório. Em menos de um mês a questão estava resolvida. Faltava pouco: o próximo passo era energizar a planta. Duas linhas de energia de 230 quilowatt vinham diretamente da Chesf;

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foram ligados os disjuntores; tudo correu bem, até a hora de desligar – no encerramento dos testes, ocorreu uma sobretensão de mais de 300 kV, o que impediu o desligamento dos equipamentos. Foi necessário entrar em contato com a equipe da Chesf, em Paulo Afonso, onde acontecia a geração de energia, para solicitar o desligamento de toda a linha. Posteriormente, descobriu-se que o problema havia sido causado por uma característica própria daquele tipo de disjuntor e era facilmente contornável. A Dow Química iniciou a produção de cloro e de soda cáustica na planta de Aratu em fevereiro de 1977. Outra importante iniciativa na região Nordeste foi a Companhia Agro-Industrial de Igarassu, que havia sido fundada pelo Grupo Votorantim em 1959 e começou a operar em 1963. Ficava na zona rural do município de Igarassu, em Pernambuco, a 45 quilômetros de Recife, e utilizava a energia produzida pela Companhia de Eletricidade de Pernambuco (Celpe), empresa estatal que resultou da fusão do Departamento de Águas e Esgoto com a Pernambuco Tramways. Mas os cabos daquela região eram voltados às parcas necessidades dos produtores agrícolas: eram de 3,8 quilowatt, e as linhas atendiam também às granjas e ao casario local. Problemas com desligamento da planta devido à queda de energia eram recorrentes. Após muitas negociações, em meados de 1970, a empresa, que era o maior consumidor de energia de Pernambuco, obteve uma linha exclusiva. A primeira planta de fábrica da Companhia Agro-Industrial de Igarassu veio da Alemanha e sua instalação foi realizada com o apoio de um engenheiro italiano, que ficou três anos em Pernambuco. O sal vinha de carreta, do Rio Grande do Norte. Como a fábrica ficava em área rural, de difícil acesso (as estradas de terra viravam lama nos meses de chuva), o galpão estocava sal para até três meses de operação. Para a capacitação dos trabalhadores, a companhia trouxe uma consultoria de São Paulo – foram dois anos de treinamento. Havia funcionários de todos os níveis de escolaridade, e as aulas iam desde a alfabetização até cursos especializados, dependendo das necessidades de cada grupo. Nos anos 1980, 50% do pessoal contava com formação universitária – a companhia custeava a faculdade quando os cursos eram em áreas de seu interesse, como Engenharia Química ou Elétrica.


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Na mesma época em que grandes empreendimentos despontavam no Nordeste, a região Sudeste também viu aumentar sua capacidade produtiva de cloro-álcalis: em 1961, foi fundada a Carbocloro S.A. Indústrias Químicas, em Cubatão, na Baixada Santista. Entre os atrativos do local estavam as malhas ferroviária e rodoviária, além da proximidade com a cidade de São Paulo e com o porto de Santos. A iniciativa veio de José Ignácio de Mesquita Sampaio, fundador da Química Industrial Medicinalis S.A., e das Indústrias Químicas Anhembi S.A., em São Caetano do Sul. A Medicinalis adquiriu o terreno, mas, no final dos anos 1950, a empresa abriu seu capital e alterou sua razão social, passando a chamar-se Sipes do Brasil S.A. – Indústria de Produtos Eletroquímicos e Sintéticos. Em maio de 1960, a Sipes foi dissolvida em favor de uma nova empresa, a Carbocloro. A tecnologia viria da empresa italiana De Nora, e, para adquiri-la, solicitou-se um empréstimo ao Manufacturers Trust. Em 1962, durante a construção da indústria, a política cambial do país foi alterada – o que dificultou o pagamento do empréstimo em dólar. Pressionada a aceitar a abertura do capital da empresa, a Medicinalis abandonou a sociedade. Em 12 de abril de 1964, data de início das operações, a Carbocloro já era uma sociedade anônima integrada pela Diamond Alkali International Co., Brasil Warrant Cia de Comércio e Participação e pelo Grupo De Nora, cabendo a cada um deles um terço do controle acionário. Inaugurada oficialmente em 14 de maio de 1965, a fábrica produzia 50 toneladas de cloro por dia. Em 1966, investiu-se na ampliação da planta e a produção dobrou. Em fins de 1972, a empresa alcançou o volume de 300 toneladas diárias de cloro. A maior parte da produção inicial de cloro era destinada ao saneamento e à purificação da água, mas a empresa também fornecia insumos para outras indústrias, como as de siderurgia, metalurgia, plásticos e de papel e celulose. Conta-se que, em certa ocasião, a fábrica teve problemas elétricos em alguns dos transformadores e precisou interromper a produção – no mesmo dia, a equipe de uma empresa de papel e celulose chegou de helicóptero no local para saber o que estava acontecendo e se poderia ajudar, de alguma forma, a restabelecer a produção, dada a importância do cloro e da soda cáustica para aquela cadeia produtiva.

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UNIPAR INDUPA

Unidade Santo André (SP) CQM (Central de Químicos e Monômero).

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O visĂ­vel invisĂ­vel

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1. CQM (Central de Químicos e Monômero). 2. Detalhe de roda de trator, em armazém de sal. 3. CQM. 4. Equipamento para secagem de ar – Utilidades. 5. Sala de Controle da CQM. 6. Laboratório de produtos e aplicações. 2

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O visĂ­vel invisĂ­vel

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Na década de 1950, o estímulo oficial à fabricação de papel a partir do eucalipto revolucionou o setor e, indiretamente, impulsionou a indústria de cloro-álcalis, em razão do uso da soda cáustica e do cloro na fabricação da celulose.


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PAPEL E CELULOSE: UMA NOVA FRONTEIRA Extremamente dependente tanto da soda cáustica, utilizada no cozimento dos cavacos para a fabricação da celulose, como do cloro, agente de branqueamento largamente utilizado até a década de 1990, a indústria de papel e celulose acabou por contribuir para o aumento da capacidade de produção de cloro e de álcalis no Brasil: diversas fábricas investiram na instalação de uma planta química voltada à produção de insumos para uso cativo. Um empreendimento pioneiro no setor foram as Indústrias Químicas Klabin do Paraná de Celulose S.A., que iniciaram a operação de uma fábrica de cloro e de soda cáustica em 1949, para atender a demanda cativa da produção de celulose na fazenda Monte Alegre, situada no município de Telêmaco Borba, no Paraná. O Grupo Matarazzo também investiu na produção de papel e celulose, com a criação da Companhia Mineira de Papéis, em 1954. Sua sede ficava em Cataguases, Minas Gerais, e havia produção de cloro e de soda cáustica para consumo cativo. Segundo a Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), o país produzia mais de 250 mil toneladas de papel na década de 1950, com destaque para os papéis de embalagem, que correspondiam a 48% do total. A produção de fibras totalizava 121 mil toneladas, das quais 45% de celulose, a maioria fibra longa, e 54% de pastas de alto rendimento.

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102. André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora, A indústria de papel e celulose. Brasília: BNDES, 2011.

103. BNDES, “A participação do Sistema BNDES na evolução do setor de papel e celulose no Brasil”. BNDES, Estudos setoriais de papel e celulose, abr. 1991.

A partir de 1956, o Plano de Metas, elaborado pelo governo brasileiro para promover o desenvolvimento econômico, proporcionou ao setor de papel e celulose maior apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) – um dos principais projetos do banco relacionava-se à fabricação de papel com celulose proveniente do eucalipto, cujo advento constituiu um marco para a indústria nacional. No período compreendido entre 1957 e 1973, a produção de papel aumentou cerca de quatro vezes e a produção de pasta de celulose superou o consumo interno, possibilitando o início das exportações.102 Uma pioneira no uso de eucalipto, a Panamericana Têxtil, de Mogi Guaçu, município próximo a São Paulo, foi adquirida pelo grupo internacional Champion Papel e Celulose em 1961. A nova direção decidiu ampliar a produção e também iniciou a fabricação de cloro e de soda cáustica para consumo cativo, aprimorando seus processos produtivos. Outra iniciativa, porém de curta duração, surgiu no Paraná: a Lutcher S.A. Celulose e Papel, projetada em 1959 e instalada em 1963, no município de Candói, próximo a Guarapuava, no Paraná, encerrou as atividades dois anos depois da inauguração, em 1965. A empresa produzia cloro, soda cáustica e hidrogênio para consumo cativo. Suas instalações foram adquiridas em 1988 pela Trombini Papel e Embalagens, que implantou uma unidade de cloro e de soda cáustica com tecnologia de células de membrana, mas a unidade foi paralisada entre 1995 e 1996. Entre 1974 e 1980, a produção brasileira de celulose cresceu 201%, atingindo 2,9 milhões de toneladas. O vultoso crescimento foi motivado, principalmente, pela entrada em operação de dois importantes projetos financiados pelo BNDE: a Aracruz Celulose S.A. e a Celulose Nipo-Brasileira S.A. (Cenibra), que produziam celulose branqueada de fibra curta (eucalipto) para exportação.103 A Aracruz Florestal, fundada em 1967, era uma empresa de reflorestamento. Contava inicialmente com a participação acionária de dez empresários e da Economia e Engenharia Industrial (Ecotec), proprietária de 21 mil hectares de terras na região de Barra do Riacho, município de Aracruz, no Espírito Santo. No ano seguinte, o grupo idealizou a implantação de uma enorme – para os padrões da época – fábrica de celulose, como forma de explorar economicamente


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Embarque de papel no Porto de Santos. O mercado internacional foi um grande estimulador do crescimento da indústria brasileira de papel e celulose que, em seus primórdios, abrigava também plantas químicas para produção de cloro e soda.

a grande extensão de florestas. Nasceu, assim, em 1968, o projeto da Aracruz Celulose S.A. Em 1978, a construção da fábrica foi finalizada e a operação teve início: a Aracruz produzia celulose, papel e também cloro e soda cáustica para consumo cativo. Foi a primeira indústria brasileira – e uma das primeiras no mundo – a instalar a tecnologia de células de membrana, considerada a opção mais avançada disponível atualmente. Outro grande projeto, voltado sobretudo para a exportação de celulose “Kraft” branqueada de eucalipto, a Cenibra, criada em 1973, era uma joint venture binacional que reunia a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), com 51,48% do capital, e a Japan Brazil Paper and Pulp Resources Development Co. Ltd. (JBP), detentora dos 48,52% restantes.

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Duas grandes indústrias da década de 1970 – Aracruz Celulose e Cenibra – produziam celulose para exportação. A Aracruz também produzia cloro e soda cáustica para seu consumo e foi uma das primeiras empresas a utilizar a tecnologia de células de membrana.

A fábrica ficava localizada em Belo Oriente, em Minas Gerais, e a Cenibra escoava sua produção pelo porto da Portocel, um porto especializado no embarque de celulose, construído em Barra do Riacho, que também era utilizado pela Aracruz Celulose. A produção de cloro e de soda cáustica, também nesse caso, era voltada ao consumo cativo. Um projeto voltado à produção de papel e celulose na região amazônica também surgiu nessa época, gerando muita controvérsia: o Projeto Jari, que deu origem à Companhia Florestal Monte Dourado, foi criado em 1966 – a fábrica, porém, entrou em operação em 1978. Tinha sede no distrito de Monte Dourado, no Pará. Seu idealizador foi o empresário norte-americano Daniel Keith Ludwig, dono da Entrerios Comércio e Administração, subsidiária brasileira da Universe Tankships Inc. Ele sonhava em desenvolver o mais ambicioso projeto de reflorestamento do mundo, associado a uma fábrica de celulose. A escolha da área do rio Jari se devia ao fato de ela estar situada mais próxima dos grandes mercados consumidores do hemisfério Norte e acessível, por meio do rio


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

Amazonas, ao transporte marítimo. Contando com apoio do governo e aportes do BNDE, Ludwig mandou construir uma fábrica de celulose no Japão, na cidade de Kobe, sobre duas plataformas flutuantes, com uma unidade para a produção de celulose e outra para a produção de energia. Havia uma planta química, que produzia cloro e soda cáustica para consumo cativo. No entanto, à medida que as obras de infraestrutura necessárias para a instalação da fábrica avançavam, vários obstáculos foram aparecendo: havia problemas relativos às terras onde eram plantadas as árvores de reflorestamento; as necessidades energéticas do complexo eram superiores àquelas geradas na usina-navio; além disso, havia a premência pela implantação de unidades industriais correlatas, que inviabilizariam economicamente o projeto. Daniel Ludwig optou por se desligar da companhia e encerrar suas atividades no Brasil em 1981. O projeto foi negociado com intermediação governamental em 1982 e, no ano 2000, passou a ser controlado pelo Grupo Orsa. A região Sul do Brasil também contou com um empreendimento de porte: em 1983, a Riocell, localizada na cidade de Guaíba, no Rio Grande do Sul, entrou em operação. Concomitantemente, iniciou a produção de cloro e de soda cáustica para abastecer sua fábrica de celulose. A Riocell resultou da transformação social da Indústria de Celulose Borregaard S.A., e sua unidade industrial tinha capacidade de produzir cerca de 684 toneladas de celulose de fibra curta branqueada para papel por dia. A Bracelpa registra que a produção de celulose no ano de 1985 atingiu 3,4 milhões de toneladas, e a de papel, 4 milhões. Mas, nos anos 1980, a desaceleração das economias brasileira e mundial impactou o setor: a redução de custos, os projetos de modernização e a profissionalização da gestão tornaram-se uma grande preocupação. O período de consolidação da indústria de papel e celulose também foi influenciado por fortes demandas ambientais – algumas delas ligadas ao questionamento do uso de cloro livre na cadeia produtiva, que passou a ser substituído, principalmente, pelo dióxido de cloro. As novas configurações das fábricas levaram algumas das companhias do setor a venderem suas plantas químicas, no intuito de se dedicarem exclusivamente à produção de celulose e de papel.

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Fac-símile da ata de fundação da Abiclor, datada de 3 de julho de 1968.


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

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OS BENEFÍCIOS DA COOPERAÇÃO Conforme a interferência estatal nos rumos da economia se aprofundava, as indústrias de cloro-álcalis começavam a sentir a necessidade de unir forças para assegurar o avanço do setor. Entre as principais pautas coletivas estavam o acesso à energia elétrica, ao sal e à água a preços competitivos. O movimento dos empresários em prol da cooperação teve início nos anos 1960, liderado pela Companhia Eletroquímica Pan Americana, pelas Indústrias Químicas Eletro Cloro e, após sua fundação, pela Carbocloro Indústrias Químicas. Em 3 de fevereiro de 1961, é fundada a Associação Profissional da Indústria Brasileira de Álcalis, primeiro passo para a criação de um sindicato patronal que pudesse representar oficialmente a categoria. Em 13 de janeiro de 1962, é expedida Carta de Reconhecimento do Sindicato Nacional da Indústria de Álcalis – Sinálcalis. A essa altura, outras companhias já haviam se juntado à iniciativa. Nos anos seguintes, as transformações políticas foram sentidas na esfera econômica: o início do regime militar (1964) trouxe com ele novas instâncias de intervenção. As empresas viram-se obrigadas a negociar com órgãos como o Grupo Executivo da Indústria Química (Geiquim), criado em 1965 para planejar e aprovar projetos e concessões de incentivos; com a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), que se tornou responsável pela adminis-

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tração das importações; ou com o Conselho Interministerial de Preços (CIP), instituído pelo Decreto n° 63.196, de 29 de agosto de 1968, órgão por meio do qual o governo federal passou a fixar a política de preços no mercado interno. Para dar conta da nova realidade, a Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor) é criada em 3 de julho de 1968, em uma reunião realizada na avenida Rio Branco, 156, na região central do Rio de Janeiro, a poucas quadras do Theatro Municipal e das sedes de diversas instituições empresariais e governamentais. Estavam presentes os representantes de dez empresas produtoras de cloro-álcalis (algumas já em operação, outras cujas plantas estavam em fase de projeto). Jorge Paes de Carvalho, da Carbocloro S.A. Indústrias Químicas, é aclamado o primeiro presidente da entidade. O primeiro vice-presidente foi Paul Kotlarevsky, das Indústrias Químicas Eletro Cloro S.A. Ermelino Matarazzo, das Indústrias Reunidas F. Matarazzo, assumiu o cargo de segundo vice-presidente. O posto de terceiro vice-presidente coube ao general Edmundo Orlandini, da Companhia Nacional de Álcalis (CNA). A diretoria também contou com Guilherme Monteiro, das Indústrias Químicas Anhembi; Fritz Knauer, da Hoechst do Brasil; Mário Odiniz Nacif, também das Indústrias Químicas Eletro Cloro S.A., e Carlo Cappellini, da Companhia Eletroquímica Pan Americana. Estavam representadas, ainda, a Companhia Eletroquímica Fluminense, a Companhia Agro-Industrial de Igarassu e a Companhia Química do Recôncavo (CQR). A diretoria executiva ficou a cargo de Cécil Dias de Oliveira. O ano de 1968 é marcado por grandes acontecimentos nacionais e internacionais. No mês de abril, o líder do movimento negro norte-americano, agraciado com o prêmio Nobel da Paz em 1964, Martin Luther King, foi assassinado por um jovem segregacionista. Em maio, eclodiram na França diversas manifestações questionando a ordem política, o consumismo e o conservadorismo comportamental; sob lemas como “é proibido proibir”, os protestos evoluíram para uma greve geral e para ocupações de fábricas, aos quais cerca de 10 milhões de trabalhadores aderiram. No Brasil, movimentos políticos, artísticos e comportamentais tomavam as ruas para protestar contra o governo militar. A Tropicália foi, talvez, a iniciativa com maior repercussão, pois


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

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envolvia grandes nomes da música – Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, das artes plásticas, como Hélio Oiticica, e do teatro, com as peças anárquicas de José Celso Martinez Corrêa. É nesse contexto que nasce a Abiclor. Todavia, o setor vinha crescendo de maneira quase constante desde os anos 1950. Entre 1960 e 1969, a taxa média de crescimento anual era de 7,7%. No ano de 1970, a produção de cloro foi de 133 mil toneladas, com utilização de 91% da capacidade instalada. PRODUÇÃO BRASILEIRA DE CLORO, EM 1970

Empresas

Estado

Data da instalação

Capacidade instalada (toneladas)

Produção (toneladas)

Utilização da capacidade instalada (%)

Indústrias Químicas Anhembi S.A.

SP

1947

1.440

1.221

85

Indústrias Químicas Eletro Cloro S.A.

SP

1948

48.500

46.489

96

Indústrias Reunidas F. Matarazzo

SP

1948

15.660

17.337

110

Indústrias Químicas Klabin do Paraná de Celulose S.A.

PR

1949

3.132

3.132

100

Companhia Eletroquímica Pan Americana

RJ

1951

15.660

8.258

52

Companhia Mineira de Papéis

MG

1954

900

900

100

Fongra Produtos Químicos S.A.

SP

1957

4.176

4.315

103

Champion Papel e Celulose

SP

1961

4.350

3.700

85

Companhia Agro-Industrial de Igarassu

PE

1963

12.528

8.177

65

Companhia Química do Recôncavo (CQR)

BA

1963

6.264

5.966

95

Carbocloro S.A. Indústrias Químicas

SP

1964

33.060

33.790

101

Fonte: Abiclor.

Por conta da fixação dos preços de venda do cloro, da soda cáustica e dos derivados clorados pelo Estado, tornou-se necessário coletar dados e elaborar relatórios com a estrutura de custo dos produtos químicos para o Ministé-


À constituição da Abiclor, em 1968, seguiu-se um período de intensa expansão do setor. Entre 1960 e 1969, a indústria de cloro-álcalis cresceu a uma média anual de 7,7%. Atualmente, o setor conta com nove fábricas em sete estados brasileiros.

rio da Fazenda. A Abiclor transformou-se na porta-voz das empresas: realizava levantamentos, organizava dados estatísticos e discutia as planilhas de preços com as instâncias governamentais. Embora muitos esforços fossem realizados para esclarecer o funcionamento do setor junto às autoridades, isso não impediu que a importância da indústria de cloro-álcalis fosse questionada nos anos seguintes, devido à sua alta demanda energética. Respondendo às críticas, e também a título de esclarecimento público sobre o setor, a Abiclor elaborou em 1988 um estudo detalhado sobre as divisas que essa indústria gerava, sobre sua importância estratégica para o


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

desenvolvimento nacional e sobre seu papel na economia do país. Concluiu-se que, em sua estabilidade, o setor de cloro-álcalis gera um fluxo positivo de divisas da ordem de US$ 1 bilhão a cada ano, ao ser confrontado com a alternativa de não existência do mesmo e da consequente necessidade de importação desses insumos industriais. Além disso, outros benefícios mereceram destaque: os empregos diretos e indiretos; a indústria de cloro-álcalis como fator de desenvolvimento regional; o desenvolvimento de profissionais brasileiros com alta qualificação técnica; o fato de o setor representar um quadro de clientes de demanda estável para o setor elétrico e ser também uma substancial fonte de receitas fiscais, seja no âmbito municipal, estadual ou federal. No final da década de 1980, havia treze unidades industriais no Brasil, com uma capacidade anual instalada de 1 milhão de toneladas de soda cáustica e cerca de 800 mil toneladas de cloro.

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Navio-tanque transportando carga química. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), os produtos mais exportados pelo Brasil em 2017 foram as resinas termoplásticas – muitas delas obtidas a partir da química do cloro.


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

O MERCADO GLOBAL No final do século XX, o cenário político-econômico passaria por novas reviravoltas. As sucessivas crises do petróleo abalaram a economia mundial: em 1973, os países árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) aumentaram o preço do barril em 400%, em retaliação ao apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur. Em 1979, houve nova crise política, que culminou na deposição, no Irã, do xá Reza Pahlavi – o que desorganizou a produção desse país e provocou uma alta de preços próxima de 200%. Logo em seguida, travou-se uma guerra entre Irã e Iraque, os dois maiores produtores mundiais de petróleo, trazendo novos aumentos. O Brasil, que ainda estava longe da autossuficiência no setor petrolífero, repassou o ônus do ajuste macroeconômico para a produção industrial: houve redução na política de incentivos; redução da taxa de câmbio, prejudicando a rentabilidade de diversos empreendimentos, e remoção de barreiras não tarifárias às importações, o que inviabilizava a fabricação de diversos produtos em território nacional. A insatisfação com o regime militar crescia com a instabilidade econômica, agravada internamente pela hiperinflação. As pressões econômicas e sociais provocaram a derrocada daquele sistema político em nome da redemocratização do país. Em pouco tempo, a economia de mercado e a globali-

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zação se impuseram e a concorrência internacional provocou uma rearticulação em toda a cadeia. Difundiram-se conceitos como “desestatização”, “integração vertical” e “focalização”. Para se dedicar exclusivamente à produção de celulose e papel, a Aracruz Celulose negociou sua planta eletroquímica com a CXY Chemicals of Canada, em 1999. Devido a uma reorganização internacional do grupo, a empresa passa a atuar sob o nome de Nexen Química do Brasil e, posteriormente, Canexus Química do Brasil. Em 2017, a Chemtrade Brasil Ltda. adquiriu a fábrica e passou a operar a planta eletroquímica de Barra do Riacho, em Aracruz, no Espírito Santo. De origem norte-americana, a Chemtrade fornece produtos químicos e serviços industriais diversificados para clientes de todo o mundo, atuando no tratamento de água e na comercialização de derivados clorados, além de outros compostos. Em 2007, a Produquímica Indústria e Comércio Ltda. adquiriu a planta eletroquímica da Companhia Agro-Industrial de Igarassu e assumiu a produção de cloro e de soda em Pernambuco. Referência no desenvolvimento de soluções para nutrição e fisiologia de plantas e animais, a empresa também atua no setor de tratamento de água, produção de cloro, soda cáustica e insumos químicos para processos industriais. Em 2016, a Produquímica foi incorporada pelo grupo Compass Minerals. Alinhando-se à estratégia global do grupo, as Indústrias Químicas Eletro Cloro passaram a adotar o nome Solvay do Brasil em 1991. Em 1996, o grupo adquiriu participações da Indupa S.A., de origem argentina, e após a integração das empresas formou-se a Solvay Indupa S.A. Em 2016, a companhia foi adquirida pelo Grupo Unipar – a partir de então opera como Unipar Indupa S.A. O Grupo Unipar, que já era acionista da Carbocloro, adquiriu também o restante das cotas acionárias dessa empresa em 2013 e, por meio de uma incorporação, formou a Unipar Carbocloro S.A. A Salgema e a CQR, ambas ligadas à Petroquisa, passaram ao controle do Grupo Odebrecht em decorrência do projeto de desestatização conduzido pelo governo federal. Em 1996, o grupo realizou a fusão dessas duas empresas e de uma terceira, a Companhia Química de Camaçari (do segmento petroquímico), formando a Trikem S.A. Essa é considerada a primeira integração vertical do setor no Brasil.


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

A integração, em 2002, das empresas Trikem S.A., Copene, OPP, Proppet, Nitrocarbono e Polialden – todas controladas pelo Grupo Odebrecht – dá origem a uma nova companhia, a Braskem S.A., que já inicia as atividades como petroquímica líder na América Latina, com treze unidades industriais, escritórios e bases operacionais no Brasil, Estados Unidos e Argentina. Em 2014, a Katrium Indústrias Químicas S.A. assumiu o controle da Companhia Eletroquímica Pan Americana, em Honório Gurgel, bairro localizado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Tornou-se a única produtora de cloro a partir do cloreto de potássio, provendo o mercado nacional de produtos como a potassa cáustica (em escamas e em solução) e o carbonato de potássio. O setor de cloro-álcalis, assim como outros segmentos industriais brasileiros, se fortaleceu com as reestruturações das primeiras décadas do século XXI. Hoje, o Brasil conta com empresas de grande e médio portes, que somam uma capacidade instalada de produção superior a 1,5 milhão de toneladas de cloro por ano. Com a fusão ou a integração de diversas companhias, a Abiclor passou a contar com sete sócios produtores, além de diversos associados que atuam na cadeia produtiva. Em 1998, a Abiclor deu um passo importante rumo à cooperação entre as indústrias de cloro-álcalis instaladas no continente, estabelecendo conversações para a criação da Clorosur (Associação Latino-Americana da Indústria de Cloro, Álcalis e Derivados). A nova entidade representa as principais produtoras de cloro e de soda cáustica da América Latina e do Caribe e tem como objetivos promover e apoiar os fabricantes e consumidores de cloro-álcalis e seus subprodutos, sempre em colaboração com as autoridades e comunidades locais nas áreas de segurança, saúde e meio ambiente.

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O visível invisível

KATRIUM

Unidade Honório Gurgel (RJ) Compressores de hidrogênio na unidade de fabricação de ácido clorídrico.

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1


O visĂ­vel invisĂ­vel

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1. Tanques de armazenamento de água desmineralizada. 2. Estação de tratamento de água. 3. Unidade de fabricação de ácido clorídrico. 4. Estação de tratamento de água. 5. Analista químico de laboratório. 2

3


4

O visĂ­vel invisĂ­vel

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5

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Peixes nadam em aquário abastecido com a água residual do processo de produção de uma das associadas da Abiclor – uma forma de comprovar a qualidade da água que é tratada e devolvida ao rio.


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

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UM FUTURO MAIS VERDE A indústria química – e especialmente o setor de cloro-álcalis, por lidar com produtos perigosos – desenvolveu desde meados do século passado diversas políticas de segurança do trabalho e segurança ambiental. Ainda assim, sempre há espaço para melhorias. A busca por processos de fabricação mais seguros, menos dispendiosos e com maior eficiência energética impulsiona pesquisas desde o advento das células eletrolíticas. As primeiras plantas de cloro e de soda cáustica utilizavam células de mercúrio. Nessas células, compostas de um cátodo de mercúrio e um ânodo de titânio recoberto por metais do grupo da platina ou seus óxidos, como rutênio, é feita a eletrólise da salmoura. Forma-se cloro no ânodo e um amálgama de sódio ou potássio e mercúrio no cátodo fluido. Esse amálgama flui para outro equipamento, que é alimentado com água, no qual ocorre a decomposição do amálgama e se formam hidrogênio e soda cáustica. O mercúrio é recuperado no processo.104 Embora o mercúrio seja um metal considerado perigoso à saúde e ao meio ambiente, a tecnologia de células de mercúrio é considerada segura, já que o metal fica contido no interior do equipamento durante todo o processo. Ainda assim, as controvérsias sobre seu uso levaram os produtores a buscar alternativas, realizando conversões tecnológicas, medida que requer altos investimentos e demanda tempo – alguns anos – entre a avaliação da mudança tecnológica até a decisão de

104. Abiclor, Perfil da indústria de soda-cloro – Relatório interno, jun. 1988.

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105. WCC, Sustainable Commitments and Actions. World Chlorine Council, mar. 2017.

sua implantação e as fases seguintes de construção, partida e operação do novo processo de produção. Essa conversão de tecnologia vem se acelerando no mundo após a ratificação e a promulgação da Convenção de Minamata sobre Mercúrio, cujo texto final foi aprovado pelo Comitê de Negociação Intergovernamental (INC), em Genebra, em janeiro de 2013. A Convenção entrou em vigor no dia 16 de agosto de 2017, após sua ratificação por 50 países. Embora o Brasil a tenha ratificado, em 9 de julho de 2017, até a edição deste livro, ela não havia sido promulgada. A Convenção, em seu anexo B, prevê a eliminação em 2025 do uso da tecnologia de células de mercúrio para produção de cloro-álcalis. A Convenção teve origem após extensiva análise global sobre o mercúrio e seus compostos, quando foram obtidas evidências de impactos adversos dos mesmos para a saúde e o meio ambiente. O mercúrio é utilizado em diversos produtos, como lâmpadas fluorescentes, pilhas, baterias e dispositivos eletroeletrônicos; ele também é usado, de maneira ilegal, em atividades como o garimpo artesanal de ouro – o que dificulta o controle ambiental desse elemento. O setor de cloro-álcalis representa menos de 1% das emissões globais de mercúrio,105 considerando-se as emissões naturais e antropogênicas. Essa tecnologia, que já foi a mais difundida, hoje representa 4% da capacidade produtiva de cloro no mundo. No Brasil, a tecnologia à base de mercúrio representa 14% da capacidade de produção de cloro e as empresas do setor estão firmemente comprometidas com o cumprimento do acordo internacional, bem como com os dispositivos legais que regram a utilização do metal. As alternativas existentes às células de mercúrio são as tecnologias de células de diafragma e células de membrana. No caso das células de diafragma, uma placa metálica perfurada é impregnada a vácuo com um elemento que mantém separados os produtos resultantes da eletrólise da salmoura. Nesse processo, a salmoura entra no compartimento anódico (polo positivo) e flui, através do diafragma, para o compartimento catódico (polo negativo). O cloro é liberado no lado anódico e a soda cáustica, juntamente com o hidrogênio, é produzida no lado catódico. A solução diluída de soda cáustica produzida precisa ser evaporada para se obter o nível de concentração da soda cáustica requerido pelo mercado.


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

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INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS NO MUNDO Plantas e capacidade das células eletrolíticas de mercúrio nos Estados Unidos, Canadá e México; Europa; Rússia; Índia; Brasil, Argentina e Uruguai n0 de plantas

n.0 de plantas Hg

capacidade da planta (1000 toneladas por ano)

capacidade

90

9,000

85

8,500

80 75

8,000 7,500

70

7,000

65

6,500

60

6,000

55

5,500

50

5,000

45

4,500

40

4,000

35

3,500

30

3,000

25

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

2010

2011

2012 2013

2014

2015

2016

Anos

Fonte: WCC, Sustainable Commitments and Actions. World Chlorine Council, mar. 2017.

O crisotila vinha sendo usado mundialmente na impregnação da placa metálica em razão de suas características físico-químicas, mas atualmente está sendo substituído por resinas poliméricas. Seu uso na indústria de cloro-álcalis é considerado seguro, uma vez que ele é empregado sempre na forma úmida e fica contido no interior das células, não oferecendo os riscos normalmente atribuídos pelo seu emprego em outras aplicações. A tecnologia de diafragma representa aproximadamente 60% da capacidade produtiva de cloro no Brasil. A substituição dos diafragmas de crisotila pelos sintéticos ainda está em curso no país; atualmente, 26,3% da capacidade instalada da indústria usa tecnologia de diafragma à base de crisotila, enquanto 35,3% utiliza o diafragma sintético. Devido às controvérsias sobre seu uso, o Brasil caminha em direção ao banimento do emprego de crisotila e o setor de cloro-álcalis acompanha essa tendência, cumprindo todos os dispositivos legais a este respeito. No processo de células de membrana, desenvolvido mais recentemente, o ânodo e o cátodo são separados por uma

2,500

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membrana permeável de troca iônica de cátion. Somente íons sódio e um pouco de água passam através da membrana. O cloro é liberado e a solução cáustica produzida na célula também precisa ser concentrada por meio da evaporação. Nesse caso, o consumo de energia elétrica é menor – cerca de 25% – do que no processo a mercúrio. No Brasil, 24,4% da capacidade produtiva de cloro utiliza essa tecnologia. A evolução tecnológica é uma das áreas nas quais a Abiclor mais exerceu influência ao longo dos anos. Por meio de comissões técnicas, a entidade transformou-se num ambiente propício para a troca de experiências. O clima de competição cedeu espaço à cooperação para que todo o setor pudesse avançar em termos de melhorias técnicas e comprometimento com as questões sociais e ambientais. As indústrias de cloro-álcalis participam ativamente da recuperação de áreas degradadas em torno dos polos industriais onde estão localizadas. Um exemplo é o projeto Vale da Vida, em Cubatão, no qual a Carbocloro teve papel de liderança. Outra frente de atuação da Abiclor é a área de manuseio e transporte do cloro e seus derivados. Desde sua criação, a Abiclor elabora vídeos e manuais de segurança. A Instrução Normativa n° 4, publicada pela entidade em 1989, serviu de base para a criação da norma brasileira regulamentadora NBR 13.295/2015, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que versa sobre o manuseio e o transporte de cloro líquido. A Abiclor também contribuiu para a criação da ABNT NBR 16.310/2014, que regulamenta a expedição, o transporte e o recebimento de soda cáustica. Atualmente, as normas brasileiras relativas ao manuseio e ao transporte de hipoclorito de sódio e de ácido clorídrico estão em desenvolvimento pela ABNT, com o apoio da Abiclor. Em 1998, foi realizada a primeira edição do Encontro de Transporte Seguro de Cloro, promovido com o intuito de disseminar e premiar as boas práticas de prevenção de acidentes. As conversações entre produtores e distribuidores deram origem ao Plano de Auxílio Mútuo Integrado, oficializado em 2007 – uma conquista do setor de cloro-álcalis na área de segurança do transporte. O plano serviu de modelo para outros segmentos da indústria química. Em relação à imagem da indústria, a entidade também teve papel de destaque na defesa do cloro frente às cam-


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

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Eletrolisador de membrana. A Abiclor, por meio de suas comissões técnicas, contribui para a difusão das melhores práticas e para o aprimoramento técnico e tecnológico do setor.

panhas de difamação encampadas nos anos 1990. Grupos ambientalistas fizeram protestos de alcance mundial contra a utilização do cloro e exigiam que a indústria fosse banida até o ano 2000 – o que evidenciava o total desconhecimento que detinham sobre a cadeia produtiva da indústria química. Foram realizados bloqueios na entrada de fábricas e o uso do cloro foi associado a diversos tipos de doenças, sem qualquer fundamentação científica. Se, por um lado, a pressão internacional desgastava a imagem do cloro e de todo o setor de cloro-álcalis, por outro, ela se tornou uma oportunidade de mostrar o que realmente acontecia dentro das fábricas. E também de divulgar os benefícios do cloro nos mais diversos setores. Houve uma mudança de postura em relação à mídia e a Abiclor protagonizou diversas campanhas de esclarecimento à população. No ano de 1992, a entidade mudou-se do Rio de Janeiro para a capital paulista, estabelecendo-se na rua Sabará, no bairro de Higienópolis. As comissões se diversificaram, bem como as frentes de atuação da entidade. Utilizando-se de exemplos bem-sucedidos de suas associadas, a Abiclor

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criou a Semana de Comunicação do Cloro, aproximando as indústrias de cloro-álcalis das escolas e comunidades de entorno, divulgando os benefícios do cloro para a saúde pública. Na primeira delas, em 1998, os estudantes de escolas próximas a todas as fábricas das associadas desenvolveram redações sobre a importância do cloro. Os autores dos melhores textos foram premiados com uma viagem para o parque temático Disney World, em Orlando, na Flórida (EUA). Em 2001, surgiu a revista em quadrinhos Água boa pra beber, desenvolvida em parceria com a Maurício de Sousa Produções. A historinha discute de maneira lúdica a importância da cloração da água. O gibi foi apresentado no Encontro de Engenharia Sanitária e Ambiental, em João Pessoa, na Paraíba, e, posteriormente, distribuído em escolas de todo o país. No ano seguinte, criou-se a campanha intitulada Água + Cloro = Saúde, fruto de uma parceria entre a Abiclor e o Sinproquim (Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos para Fins Industriais e da Petroquímica no Estado de São Paulo). Levada a campo pela família Goldschmidt na expedição Giro pela América, a campanha chegou a alguns países da América do Sul. Os Goldschmidt são uma família de aventureiros, os pais, Peter e Sandra, e duas crianças, Erick e Ingrid, viajaram mais de 90 mil quilômetros em um ônibus adaptado como casa (motor home), divulgando a importância econômica e social do cloro. Em 2002, a Abiclor tornou-se, também, patrocinadora oficial da Olimpíada Brasileira de Química (OBQ), torneio que tem como objetivo identificar e incentivar os estudantes de Ensino Médio que mais se destacam na disciplina. Na área de saúde pública, três projetos se destacaram nos anos recentes. O programa Saúde Começa em Casa, uma parceria entre a Abiclor, o Sinproquim e a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, busca reduzir as reinternações de crianças com doenças crônicas. Atendendo mães e crianças da ala pediátrica, o programa discute temas como a prevenção de infeções, a higienização de alimentos e a desinfecção de ambientes. Em 2009, lançou-se a campanha Piscina Limpa – Mergulhe nessa ideia, que traz informações sobre higiene, tratamento da água e curiosidades. A iniciativa ganhou ainda mais importância quando epidemias de dengue foram identificadas em cidades litorâneas, já que


A INDÚSTRIA De CLORO-ÁLCALIS NO BRASIL

muitos donos de imóveis de veraneio descuidam de suas piscinas após a temporada de férias, criando um ambiente propício para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, o transmissor da doença. Em 2016, a campanha Cloro na Zika, de cunho educativo, volta ao tema do combate ao Aedes aegypti, agora associado à transmissão de mais uma doença, a Zika. A mobilização social foi feita nas mídias digitais (blog, Facebook, Twitter), aumentando o alcance da iniciativa. A campanha continua em curso, renomeada para Cloro no Aedes. Em 2018, a Abiclor completa 50 anos. Sua atuação em prol do fortalecimento do setor de cloro-álcalis no Brasil vem crescendo e se diversificando. Se houve um tempo em que as discussões eram feitas somente entre empresários, técnicos e governos, hoje se torna necessário ampliar o debate e levar informações sobre o setor para toda a sociedade. Apenas com transparência e respeito – aos trabalhadores, ao meio ambiente, às comunidades de entorno e a todos os cidadãos, cuja vida é influenciada pela indústria de cloro-álcalis – é possível planejar um futuro sustentável.

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201



O visível invisível

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DOW BRASIL

Unidade Aratu (BA) Única planta de óxido de propeno na América Latina.

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1


O visĂ­vel invisĂ­vel

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2

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1. Terminal marítimo. 2. Funcionário trabalhando. 3. Mural de comprometimento com a segurança. 4. Painel de controle de operação. 5. Parte do complexo industrial.


4

O visĂ­vel invisĂ­vel

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5



PROGRAMAS SOCIAIS

POR: SUELI CAMPO


Em parceria com a Maurício de Sousa Produções, a Abiclor lançou, em 2001, a revista em quadrinhos Água boa para beber, que discute de maneira lúdica a importância da cloração da água.


programas sociais

INDÚSTRIA E SOCIEDADE Ao mesmo tempo em que contribui com a geração de riquezas para a economia nacional, com o recolhimento de impostos e a geração de empregos diretos e indiretos, a indústria de cloro-álcalis também está atenta ao desenvolvimento social. Tal preocupação se traduz em diversos programas promovidos pela Abiclor, dirigidos principalmente à saúde e à educação. Alguns são voltados à população em geral, como a campanha Cloro no Aedes; outros se dirigem a comunidades ou grupos específicos, como as famílias de crianças atendidas pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A descrição de alguns desses programas e dos resultados obtidos é apresentada a seguir. Responsabilidade social O êxito da Semana de Comunicação do Cloro, em 1998, incentivou a Abiclor a lançar, em 2001, em parceria com a Maurício de Sousa Produções, um gibi da Turma da Mônica sobre a importância da água potável. Na revista em quadrinhos Água boa pra beber, os famosos personagens da Turma da Mônica ensinam aos leitores a importância da cloração da água. Distribuído em escolas de todo o país, até hoje o gibi é usado para sensibilizar os estudantes sobre a qualidade da água.

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A expedição Giro pela América, realizada pela família Goldschmidt, ganhou projeção nacional, em 2002: a família visitou cidades de vários estados brasileiros e alguns países da América Latina viajando num ônibus adaptado como casa.

No ano seguinte, em 2002, a Abiclor colocou na rua a campanha Água + Cloro = Saúde, para divulgar a importância do cloro como agente de saúde e saneamento e, portanto, para melhorar a qualidade de vida da população. Está comprovado cientificamente que o cloro contribui para evitar uma série de doenças, como dengue, Zika, chikungunya, cólera, febre tifoide, diarreia, esquistossomose e febre amarela urbana. A campanha, em parceria com o Sinproquim (Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos para Fins Industriais e da Petroquímica no Estado de São Paulo), ganhou projeção nacional com a participação da família Goldschmidt e o seu projeto Giro pela América, sendo reconhecida como um exemplo de responsabilidade social das indústrias do setor. Viajando em um ônibus adaptado como casa (motor home), pai, mãe e dois filhos adolescentes divulgaram a importância econômica e social do cloro ao longo de sua expedição


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por vários estados brasileiros e por alguns países da América do Sul. Foram visitadas quarenta cidades nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí e Pará. Muitas cidades visitadas tinham locais em que se fazia uso doméstico de água de poço, de cacimba ou recolhida em riachos e cachoeiras. A família “vestiu a camisa” da campanha, aproveitando a estada nas diversas cidades para ministrar palestras e distribuir materiais educativos em escolas, prefeituras e centros comunitários. Com a ajuda deles, foram distribuídas quase 80 toneladas de hipoclorito de sódio. A campanha atingiu mais de 600 mil pessoas, entre população carente, professores e estudantes, autoridades governamentais, ONGs (organizações não governamentais), imprensa e formadores de opinião. Se considerarmos a população indiretamente atingida, que tomou conhecimento da campanha por meio dos meios de comunicação, a campanha alcançou cerca de 3 milhões de pessoas.

a Segurança está no DNA da indústria de cloro-álcalis Nas indústrias de cloro-álcalis, a preocupação com a segurança no transporte e no manuseio dos produtos que compõem a cadeia produtiva faz parte do dia a dia. Os bons resultados comprovam a eficácia dos investimentos em capacitação e treinamento dos colaboradores para garantir a segurança desde a carga até a descarga dos produtos. O índice de acidentes no transporte rodoviário dos produtos da cadeia de cloro-álcalis caiu mais de 80% desde 2006, quando começaram a ser realizados os primeiros exercícios simulados e workshops para conscientizar os agentes envolvidos no manuseio e no transporte das cargas sobre a importância de reduzir os riscos envolvidos nessa atividade e, ao mesmo tempo, capacitar os motoristas para os casos de emergência, garantindo a qualidade e a segurança nos processos das empresas. No transporte, o Indicador de Frequência de Acidentes (por 10 mil viagens), que estava na faixa de 1,46, baixou para 0,25. A melhora dos indicadores reflete uma série de iniciativas desenvolvidas pela Abiclor a partir da década de 1980,

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como a produção de vídeos de treinamento sobre o uso e o manuseio de cilindros de cloro, a elaboração de manuais sobre soda cáustica, cloro, ácido clorídrico e hipoclorito de sódio e a criação da Instrução Normativa n° 4, de 1989, que trata dos serviços de inspeção e testes para cilindros de cloro. Essa instrução virou uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR 13.295: Cloro líquido – Distribuição, manuseio e transporte a granel e em cilindros. A realização dos encontros com transportadores também tem contribuído para reduzir os índices de acidentes. Realizado anualmente desde 1998, o evento reúne os parceiros da cadeia produtiva para discutir e debater as boas práticas e técnicas no transporte, manuseio e distribuição dos produtos. Com os objetivos de valorizar todos os agentes envolvidos – do produtor ao consumidor final, passando pelo distribuidor e pelo transportador – e de incentivar a adoção de boas práticas e boas técnicas no manuseio dos produtos do setor de cloro-álcalis, a Abiclor promove desde 2002 o Prêmio José Tardivo. A premiação é uma homenagem ao ex-dirigente da Associação Brasileira de Transporte e Logística de Produtos Perigosos (ABTLP). O prêmio é dado à transportadora que mais se destacou nas boas práticas de segurança, saúde e meio ambiente no transporte de produtos do setor. Outra conquista importante na área de segurança foi a institucionalização, em 2007, do Plano de Auxílio Mútuo Integrado, o PAM Abiclor, que serve de inspiração para vários outros segmentos da indústria química.

De mãos dadas com a Saúde pública Orientar as famílias de crianças com problemas de saúde gerados ou agravados por condições precárias de saneamento das moradias para reduzir o índice de reinternação por doenças crônicas: esta é a proposta que norteia o campanha Saúde Começa em Casa, uma parceria da Abiclor e do Sinproquim com as equipes médicas e de assistência social da ala pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. O projeto Saúde Começa em Casa destaca o poder de desinfecção da água sanitária (na versão com concentra-


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Uma das ações da campanha Saúde Começa em Casa é a promoção de um evento de confraternização, todo fim de ano, para mães e pais das crianças internadas na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Na foto, mães participam de oficina de customização de bolsas, durante as comemorações de final de ano, em 2013.

ção de cloro ativo na faixa de 2% a 2,5%) na limpeza diária de casas e quintais, ajudando a reduzir os problemas de saúde gerados ou agravados por condições precárias de saneamento. Desde que foi lançado, em 2007, o programa permitiu a redução média de 30% no número de reinternações das crianças atingidas pela campanha e diagnosticadas com diarreia, insuficiência renal crônica e hepática. Os especialistas também observaram uma diminuição da necessidade do uso de antibióticos no tratamento das crianças. As famílias de crianças internadas na Santa Casa para tratamento de doenças crônicas aprendem a cuidar melhor do ambiente em que vivem, a fazer a limpeza e a higienização correta da casa, dos utensílios domésticos e de frutas, verduras e legumes utilizando uma solução de água sanitária, produto de baixo custo e de fácil aquisição que está presente em praticamente todos os lares brasileiros. Durante o período de internação das crianças, as famílias são convidadas a participar de reuniões semanais com assistentes sociais e profissionais de saúde. Nesses encontros, as famílias recebem orientações sobre condu-

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tas de higiene e limpeza e o uso do hipoclorito de sódio no dia a dia. Os participantes das palestras recebem também dois litros de água sanitária, doados por uma das associadas da Abiclor, as Indústrias Químicas Anhembi. Periodicamente, uma equipe da Santa Casa visita os domicílios participantes do programa para conferir as condições de higiene e limpeza das moradias. Todo fim de ano, a Abiclor e o Sinproquim promovem, juntamente com a ala de pediatria da Santa Casa, um evento de confraternização para as mães e os pais das crianças internadas ou que estão em tratamento, proporcionando momentos de alegria, descontração e bem-estar.

Ações educativas no entorno das fábricas Como educar e sensibilizar colaboradores, comunidades de entorno, grupos sociais e estudantes para a importância da cloração da água na saúde humana? Para estabelecer esse diálogo com a sociedade e dar visibilidade ao setor, foi criada a Semana de Comunicação do Cloro. Na primeira edição do evento, em 1998, a Abiclor promoveu concursos e ações educativas voltadas para os filhos dos colaboradores das fábricas. Diante do sucesso da iniciativa, o evento foi ampliado, tendo como alvo os estudantes das escolas públicas municipais e estaduais próximas às fábricas das empresas associadas à Abiclor, nos estados de São Paulo, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A cada edição, a Semana de Comunicação explorava um tema relacionado ao cloro. Na segunda edição da campanha, em 1999, as cinco melhores redações com o tema “Purificação da água: uma das cem maiores realizações do milênio; um dos maiores desafios do século XXI” receberam prêmios, sendo que o primeiro colocado ganhou uma viagem ao parque temático Disney World, nos Estados Unidos, com direito a levar um acompanhante. No ano seguinte, na terceira edição, o prêmio para o primeiro colocado foi uma visita com acompanhante ao parque temático Beto Carreiro World, em Santa Catarina. Numa outra edição, em 2003, a vencedora do concurso


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de redação, cujo tema era “Fome zero e água dez”, ganhou uma viagem para Brasília, onde teve um encontro com o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A iniciativa da Abiclor atraiu atenção da mídia e mobilizou estudantes, escolas e comunidade, cumprindo o objetivo de disseminar informações sobre a importância do cloro para o tratamento da água e o bem-estar da população. As edições da Semana de Comunicação do Cloro atingiram pelo menos 500 mil estudantes.

Uma contribuição à educação Todos os anos, a vida de milhares de estudantes brasileiros assume novos rumos com os incentivos que recebem para estudar Química. Muito mais que uma competição, a Olimpíada Brasileira de Química (OBQ) tem sido a porta de entrada de diversos alunos para o mundo corporativo e acadêmico.

Voltada para alunos de Ensino Médio das redes pública e privada, a Olimpíada Brasileira de Química (OBQ) é um celeiro de talentos e já rendeu ao país muitas medalhas em torneios internacionais de Química.

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Dedicada a estudantes do Ensino Médio das redes pública e privada, a OBQ é o resultado do empenho de professores, coordenadores escolares e patrocinadores, como a Abiclor, que acreditam que o aprendizado da disciplina é fundamental para promover o desenvolvimento sustentado da Química e, em última instância, contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Desde 2002, a Abiclor é copatrocinadora do Programa Nacional Olimpíadas de Química. O apoio da Abiclor à OBQ ajuda a fortalecer e a dar visibilidade ao projeto, na medida em que inspira empresas da indústria química a participarem da iniciativa. A primeira edição da Olimpíada Internacional de Química ocorreu em 1968, na então Tchecoslováquia. Anos mais tarde, em 1986, a iniciativa ganhou adesão do Brasil. Já a Olimpíada Ibero-americana iniciou as competições em 1995, na Argentina, e o Brasil vem participando regularmente. A OBQ se transformou em um grande evento para o calendário escolar e tem sido um celeiro de talentos de Química, projetando inclusive a imagem dos estudantes, dos coordenadores e do país no exterior. Em 2017, os estudantes brasileiros conquistaram o melhor resultado da história da OBQ, trazendo para casa duas medalhas de prata e duas de bronze, superando o desempenho de países com tradição no torneio, como França, Alemanha e Inglaterra. Os alunos que mais se destacam nas etapas estaduais são indicados para integrar as competições internacionais de Química. Muitos dos jovens talentos que participaram dos campeonatos brasileiros e mundiais, chamados carinhosamente de ex-olímpicos, ocupam cargos de direção em indústrias químicas, no Brasil e no exterior, ou atuam na área acadêmica, ajudando no desenvolvimento da pesquisa e na melhoria do modelo de ensino no país.

Na luta contra o mosquito Um surto de dengue, Zika e chikungunya, doenças provocadas pela picada do mosquito Aedes aegypti, se espalhou pelo país em 2015 e 2016. Cerca de 3,2 milhões de pessoas foram infectadas pelo vírus da Zika no período e o número de mortes superou 1,6 mil. Foi uma das piores epidemias da história brasileira. O Zika, um vírus até então desconhecido,


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pode ter ligação com a microcefalia, doença que se caracteriza pela malformação da cabeça e do cérebro de recém-nascidos, prejudicando o seu desenvolvimento mental e físico. O aumento incomum do número de gestantes que tiveram bebês com microcefalia provocou comoção nacional e mobilizou o governo, além de entidades da sociedade civil, como a Abiclor, no combate ao Aedes aegypti. Para vencer a luta contra o mosquito transmissor de Zika, dengue e chikungunya, a Abiclor lançou a campanha Cloro na Zika, em meados de 2016, com o objetivo de informar e sensibilizar a população sobre a eficácia do cloro, componente básico da água sanitária, para eliminar a larva do mosquito. A divulgação da campanha foi baseada em estudos realizados pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), que comprovam a eficácia da água sanitária, na versão com mais baixa concentração de cloro ativo, no combate ao Aedes aegypti. Por meio de ações nas mídias digitais, principalmente no blog da campanha, na página do Facebook e pelo Twitter, a campanha deu dicas de como usar a água sanitária para evitar a proliferação do mosquito, mostrando que a prevenção é o melhor caminho para evitar o Aedes aegypti. Além do foco nas mídias sociais e da distribuição de panfletos educativos em pontos estratégicos da cidade de São Paulo, como os postos de atendimento ao cidadão Poupatempo, e as praias do litoral sul paulista, a campanha foi amplamente divulgada na imprensa regional, nas cidades mais afetadas pelo mosquito.

Logotipo da campanha criada com o objetivo de informar a população sobre a eficácia do cloro para eliminar a larva do mosquito.

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Visualizada por mais de 300 mil pessoas, a campanha contribuiu para o fortalecimento da imagem institucional da Abiclor. Teve repercussão em Brasília, por meio do envolvimento da Frente Parlamentar da Química (FPQ), e nos Estados Unidos e na Europa, onde foi divulgada no site do Conselho Mundial do Cloro (WCC). Com o fim do surto de Zika no país, em 2017, o nome da campanha mudou para Cloro no Aedes, dando assim continuidade ao trabalho de prevenção e combate aos criadouros do mosquito.

Piscina Limpa – Mergulhe nessa ideia Há quase dez anos no ar, a campanha Piscina Limpa – Mergulhe nessa Ideia ensina de forma lúdica e divertida os banhistas a manter bons hábitos de higiene para preservar a qualidade da água. Criada em 2009, a campanha, veiculada no blog e na página do Facebook, é um case de sucesso da Abiclor: recebe uma média de 52 mil acessos por ano, já tendo sido vista por cerca de 500 mil pessoas.

Desde 2009, a Abiclor promove os bons hábitos de higiene para preservar a qualidade da água da piscina por intermédio da campanha Piscina Limpa - Mergulhe nessa Ideia.


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Por meio de postagens no blog, Facebook e Instagram, e de enquetes e concursos educativos, a campanha mostra que manter a água da piscina limpa é responsabilidade de todos, em particular dos banhistas. “Banhista educado ganha prêmio” (2010), “Um dia feliz na piscina” (2014) e “Selfie na piscina” (2015) foram slogans criados pela campanha e que mobilizaram participantes do Brasil todo, ganhando rápida adesão nas mídias sociais. Informações, dicas e curiosidades sobre o universo de piscinas e a importância do cloro para a desinfecção da água estão entre os temas mais abordados. É uma maneira lúdica de divulgar a importância de manter bons hábitos de higiene, como passar na ducha antes de entrar na água e não fazer xixi na piscina, para assim minimizar a transmissão de doenças de veiculação hídrica, como conjuntivites, gastroenterites, micoses e outras infecções, além de reduzir a produção de cloroaminas (reação do cloro com a amônia do suor e da urina), substâncias que causam irritação nos olhos e na pele.

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O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

POR: HELOÍSA PEREIRA


A indústria química é um setor estratégico para o crescimento de um país: ela fornece insumos fundamentais para os demais setores produtivos e gera empregos de alto nível técnico.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

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CRESCER COM A QUÍMICA A indústria química está na base de todas as demais cadeias produtivas. É um setor estratégico para o crescimento de um país: as maiores economias do mundo também são líderes na fabricação de produtos químicos. Uma indústria química vigorosa tem efeito multiplicador, já que alimenta o mercado interno com insumos fundamentais, potencializando o desenvolvimento de diferentes segmentos econômicos, além de gerar empregos de alto nível técnico, receitas fiscais para a União, estados e municípios e ainda vultosas divisas para o país. Por outro lado, um arrefecimento dessa indústria também causa graves desdobramentos: um estudo do American Chemistry Council evidenciou que os prejuízos causados pela falta de competitividade do setor químico se multiplicam seis vezes ao longo da cadeia produtiva. Para um deficit na balança comercial dos Estados Unidos de US$ 8,95 bilhões em 2005, as indústrias a jusante, especialmente as de eletroeletrônicos, têxteis, couro, equipamentos de transporte, petróleo e gás, plásticos e borrachas, tiveram um deficit de US$ 52,9 bilhões, diretamente atribuído ao conteúdo químico de seus produtos.106 O Brasil é atualmente a nona economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 1,7 trilhão em 2016. A indústria química brasileira, por sua vez, ocupa a oitava

106. William Storck, “‘Lost Chemistry’ Hurts U.S. Industry”. Chemical & Engineering News, volume 84, n° 11, mar. 2006.

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posição no ranking mundial, que também considera o faturamento de 2016: o setor faturou US$ 109 bilhões. Na lista dos dez países com maior faturamento no setor químico, além daqueles com economias maduras, destacam-se países emergentes, como Índia, Coreia do Sul e também o Brasil, que têm nesse setor um componente estratégico para o desenvolvimento.

MAIORES ECONOMIAS E MAIORES FATURAMENTOS NO SETOR QUÍMICO (em US$ bilhões)

Países

Faturamento líquido do setor químico2

1o

China

1.907

11.199

2o

Estados Unidos

768

Posição

Países

PIB1

Posição

1o

Estados Unidos

18.624

2

China

o

Japão

4.949

3

Japão

262

4o

3

Alemanha

3.478

4o

Alemanha

236

5o

Reino Unido

2.651

5o

Coreia do Sul

166

6

França

2.465

6

Índia

133

7o

Índia

2.264

7o

França

133

o

8

Itália

1.859

8

Brasil

109

9o

Brasil

1.796

9o

Irlanda

102

10

Canadá

1.536

10

Reino Unido

99

o

o

o

o

o

o

o

1. Referente ao ano de 2016. Fonte: Banco Mundial (https://data.worldbank.org). 2. Referente ao ano de 2016. Fonte: Abiquim, Desempenho da Indústria Química. (relatório publicado em 2017).

A indústria de cloro-álcalis representa o elo inicial da cadeia produtiva da indústria química. A partir de matérias-primas comuns, facilmente encontradas na natureza, como sal e água, produzem-se compostos necessários aos mais diversos ramos de atividade. Mas, uma vez que, pela dissociação eletrolítica, ocorre a produção simultânea de cloro, soda cáustica e hidrogênio, não há flexibilidade operacional para ajustamento das proporções. O rendimento é uma relação constante de 1,13 tonelada de soda cáustica para cada tonelada de cloro, além de 28,17 kg de hidrogênio. Para a instalação de uma fábrica de cloro e de soda cáustica, é necessário que haja mercado interno para ambos os produtos ou condições econômicas que permitam a venda parcial de um dos produtos, a soda cáustica, no mercado externo.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

Em países com economia menos desenvolvida, não há equilíbrio no consumo dos referidos produtos, visto que geralmente não existe uma indústria química e petroquímica suficientemente desenvolvida. Assim, a demanda por soda cáustica tende a aumentar muito em relação à demanda por cloro. Em países desenvolvidos, todavia, o cloro aparece como produto principal. O uso do cloro em larga escala pressupõe a existência de um setor químico maduro, bem como de uma infraestrutura robusta na área de saneamento básico – outro segmento no qual o cloro é fundamental. Pode-se depreender, assim, que a disparidade em termos de oferta e demanda de soda cáustica e cloro tem forte vinculação com o grau de desenvolvimento econômico de um país.107 É por conta dessa vinculação estreita entre o cloro, a indústria química e o desenvolvimento econômico e social de um país que se pode dizer que boas perspectivas para o setor significam boas perspectivas para a sociedade. No entanto, examinando mais detalhadamente os cenários que se descortinam neste século XXI, podem-se verificar algumas tendências que envolvem os rumos da sociedade brasileira e mundial – e que podem provocar grandes impactos na forma como vivemos. Em todos os panoramas futuros, o cloro tem papel fundamental. Assim, ressaltar tais processos de transformação é uma importante missão para que indústrias, governos e sociedade possam se preparar para lidar com os novos desafios econômicos, ambientais, geopolíticos e populacionais que se descortinam.

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107. Abiclor, Oferta e demanda de cloro e soda cáustica. Rio de Janeiro: Abiclor, 1976.

Pessoas em primeiro lugar Entre as principais tendências para as próximas décadas, destacam-se as transformações demográficas e o empoderamento individual. Nos próximos anos, acredita-se que o mundo será mais populoso, a taxa de envelhecimento da população será maior, os fluxos migratórios continuarão intensos, haverá um adensamento das cidades e também um expressivo aumento da classe média.108 Estima-se que a população mundial seja de 8,3 bilhões de pessoas em 2030. O número de habitantes no mundo está crescendo a uma taxa de aproximadamente 1,1% ao ano, mas ela está em declínio: deve se tornar inferior a 1% em

108. Elaine Marcial (org.). Megatendências mundiais 2030: o que entidades e personalidades internacionais pensam sobre o futuro do mundo? Brasília: Ipea, 2015.

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Entre os desafios colocados pelo crescimento populacional está o uso racional de fontes de energia e de recursos naturais, como a água, em nível global. Estima-se que a população mundial chegue a 8,3 bilhões de pessoas em 2030. 109. Organização das Nações Unidas, World Urbanization Prospects: Highlights – 2014 Revision. Nova York: ONU, 2014 (Economic & Social Affairs, n° 352).

110. Organização das Nações Unidas, World Mortality Report 2011. Nova York: ONU, 2012 (Economic & Social Affairs, n° 324).

111. Organização das Nações Unidas, World Population Ageing 2013. Nova York: ONU, 2013 (Economic & Social Affairs, n° 348).

2020 e menor que 0,5% até 2050.109 Após 2062, a população deve estabilizar-se em aproximadamente 10 bilhões de pessoas. A consequência imediata do crescimento demográfico é uma pressão maior nas fontes de energia, água, alimentos, uso da terra e extração mineral. Alguns fatores têm influenciado em grande medida o crescimento populacional: a redução da taxa de natalidade, impulsionada, sobretudo, pelo aumento do nível educacional das mulheres, a redução da mortalidade infantil e o aumento da expectativa de vida. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a fecundidade média mundial, que era de quase cinco filhos por mulher na década de 1950, caiu para dois filhos e meio entre 2005 e 2010.110 Em 2050, a estimativa é que essa taxa chegue a dois filhos por mulher. A redução da mortalidade infantil foi um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pela ONU no ano 2000. De acordo com a organização, o número de mortes caiu de 12,6 milhões, em 1990, para 6,6 milhões, em 2012,111 e continua caindo nos anos recentes. Entre os principais fatores de transformação estão o acesso à água potável e as melhorias na saúde pública, na nutrição das crianças, bem como do nível educacional das mães.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

Porém, com a taxa de natalidade decrescente e o aumento da expectativa de vida, outra tendência que se destaca é o envelhecimento da população. Até 2030, a população mundial de pessoas com mais de 65 anos deve dobrar para 1 bilhão, elevando a proporção de idosos de 8% para 13%.112 No Brasil, desde os anos 1950, verifica-se queda da natalidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a fecundidade média da mulher brasileira era de 5,02 filhos em 1970, taxa que caiu para 4,07, em 1980, e para 1,83, em 2010 – ficando abaixo da média mundial.113 Com a redução da taxa de natalidade e o aumento da expectativa de vida da população, conquistado graças aos múltiplos avanços sociais, a consequência é um progressivo envelhecimento: o Brasil será um dos quatro países com o envelhecimento populacional mais rápido do mundo. O percentual de idosos na população representava 7,4%, em 2013, mas passará a ser de 26,8% em 2060.114 Essa população majoritariamente adulta deve viver em cidades. A urbanização é outra tendência mundial – e o adensamento demográfico das cidades já é uma realidade brasileira: cerca de 85% da população do país vive em áreas urbanas. Considerando-se a média da população mundial, cerca de 55% das pessoas vivem em cidades, contingente que deve chegar a 66% até 2030. O grande desafio de governos e de empresas, nos anos vindouros, será garantir que as cidades, cada vez mais populosas e ocupadas por um volume crescente de adultos e idosos, possam oferecer qualidade de vida à população. E o primeiro passo para solucionar esse problema reside na qualidade das condições básicas de saneamento – setor no qual o Brasil tem muito em que melhorar. Em 2010, mais de 40% dos brasileiros ainda não tinham acesso à água potável de maneira adequada; desses, 33,9% tinham acesso reduzido, intermitente ou recebiam água com tratamento inadequado; os outros 6,8% não recebiam qualquer atendimento nessa área. O deficit na área de coleta e tratamento de esgoto atingia mais de 60% da população, sendo que em 50% dos casos havia coleta, mas os resíduos não eram tratados, e 9,6% se encontravam sem atendimento. Mais de 30% das pessoas careciam ainda de serviços de manejo de resíduos sólidos.

abiclor

112. KPMG International, Future State 2030: the Global Megatrends Shaping Governments. Toronto: KPMG, 2013.

113. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasil 2035: cenários para o desenvolvimento. Brasília: Ipea/Assecor, 2017.

114. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Projeções da população: Brasil e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.

229


componente do saneamento básico no Brasil, em 2010

Atendimento adequado Componente

Deficit Atendimento precário

Sem atendimento

(por 1.000 habitantes)

em %

(por 1.000 habitantes)

em %

(por 1.000 habitantes)

em %

Abastecimento de água

112.497

59,4

64.160

33,9

12.810

6,8

Esgotamento sanitário

75.369

39,7

96.241

50,7

18.180

9,6

Manejo de resíduos sólidos

111.220

58,6

51.690

27,2

26.880

14,2

Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 2011), SNIS (SNSA/MCidades, 2010), PNSB (IBGE, 2008).

115. Abiclor, Impacto do preço de energia na produção e investimento no setor de cloro-álcalis. São Paulo: Abiclor/Fipe, 2014.

Em 2013, o governo brasileiro apresentou o Plano Nacional de Saneamento Básico – um projeto multissetorial liderado pelo Ministério das Cidades. Seu objetivo é universalizar o acesso a serviços de saneamento básico no país até 2033. Como o cloro é o principal agente de desinfecção da água, e também entra na fórmula de agentes floculantes, como policloreto de alumínio e cloreto férrico, importantes no processo de tratamento de água e de esgotos, a oferta adequada de serviços de saneamento básico significa, no mínimo, a quadruplicação da demanda de cloro para uso direto nesse setor. Deve-se levar em conta, ainda, a previsão do crescimento populacional: entre 2012, ano de referência do plano, e 2033, a população brasileira deve saltar de 199 milhões para 225,3 milhões de pessoas. O número de moradias deve aumentar de 63,8 milhões, em 2012, para 88 milhões de moradias em 2033. Apenas para abastecer os 37,7 milhões de lares brasileiros que passarão a ter acesso à água tratada, a produção de água deverá se elevar de 13,5 bilhões de metros cúbicos por ano, em 2012, para 15,3 bilhões em 2033. Além disso, serão necessários cerca de 70 mil quilômetros de redes de distribuição de água em todo país, elevando a extensão da rede de 542,5 mil quilômetros, em 2012, para 613,4 mil quilômetros em 2033. Somam-se a essa conta cerca de 381 mil quilômetros de redes já instaladas que deverão receber manutenção nos próximos 20 anos.115 Haverá, portanto, um expressivo aumento na demanda por 1,2-dicloroetano no


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

mercado interno, derivado do cloro que serve de base para a fabricação do PVC (policloreto de vinila) usado em tubos e conexões. Como a produção de 1,2-dicloroetano representa cerca de 40% do consumo do cloro no Brasil, o impacto no setor será considerável. Os desafios são maiores em relação ao esgotamento sanitário. Até 2033, será necessária a instalação de cerca de 367,6 mil quilômetros de redes de coleta de esgoto em todo país, elevando a extensão da rede de 247,8 mil quilômetros, em 2012, para 615,4 mil quilômetros em 2033. Somando-se a esse número a manutenção da estrutura nos próximos 20 anos – bem como a introdução de 59,1 milhões de moradias relacionadas ao crescimento populacional –, conclui-se que a rede de esgoto passará a receber e a tratar 7,5 bilhões de metros cúbicos por ano a mais em 2033. Além do PVC necessário para a rede de tubulações, o tratamento do esgoto coletado vai consumir volumes expressivos de cloro e de seus derivados. Estimativas da Abiclor apontam que, para dar conta da demanda resultante da universalização do acesso a saneamento básico no Brasil, a indústria de cloro-álcalis precisaria produzir entre 700 mil e 800 mil toneladas de cloro a mais por ano – o que significa praticamente dobrar a capacidade instalada nas próximas décadas. Ainda que o investimento em saneamento básico não tenha atingido os patamares esperados pelo governo desde o início do projeto – o que pode atrasar a universalização de acesso em vinte anos, para 2050116 –, o fato é que essa demanda é urgente e deve se concretizar. E o cloro é fundamental nesse processo.

Moradia Ainda há outra demanda, resultante da urbanização desordenada, que deve causar impactos no setor de cloro-álcalis: o deficit habitacional brasileiro. Em 2015, esse deficit correspondia a cerca de 6,2 milhões de moradias. Os estados brasileiros com maior demanda por habitação são São Paulo (1,306 milhão), Minas Gerais (552 mil), Bahia (451 mil), Rio de Janeiro (468 mil) e Maranhão (388 mil). O deficit habitacional é calculado com a soma de quatro componentes: domicílios precá-

abiclor

116. Confederação Nacional da Indústria, “País só atingirá meta de universalização dos serviços de saneamento em 2054”. São Paulo, 11 jan. 2016.

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117. Fundação João Pinheiro, Deficit habitacional no Brasil 2015: resultados preliminares. Belo Horizonte: FJP, 2017. 118. Ministério das Cidades, “Minha Casa Minha Vida entrega 170 mil moradias em 2017”. Brasília, 29 mar. 2017. Disponível em: <www.brasil.gov.br/ infraestrutura/2017/03/ minha-casa-minha-vidaentrega-170-mil-moradiasem-2017>. Acesso em: 15 mar. 2018.

rios, coabitação familiar, ônus excessivo com aluguel urbano e adensamento excessivo de domicílios alugados.117 O projeto Minha Casa Minha Vida, lançado pelo Governo Federal em 2009, vem tentando reduzir essa carência. Já foram entregues mais de 3 milhões de moradias relacionadas ao programa; em 2017, foram entregues 170 mil habitações.118 O programa impulsionou o setor de construção civil e também as indústrias que lhe fornecem materiais, tais como as de aço, cimento, concreto, metais sanitários, produtos cerâmicos, vidros, tintas e vernizes e materiais plásticos, como o PVC. Além disso, o setor imobiliário continua investindo em novos empreendimentos: somente no terceiro trimestre de 2017 foram lançadas 15.593 unidades residenciais verticais. A maior procura (55% das vendas) é por apartamentos de dois dormitórios. Nos próximos cinco anos, porém, o país deverá ter 16,8 milhões de novos núcleos familiares, 10 milhões com renda entre um e três salários mínimos, estrato social que concentra a maior parte do deficit habitacional. Cerca de 70% do PVC produzido no Brasil é destinada à área de arquitetura e construção. Isso representou a produção de 850 mil toneladas do polímero em 2017. A indústria de construção civil, embora tenha sido afetada pela crise eco-

Estima-se que cerca de 1,2 bilhão de pessoas no mundo careçam de moradia segura. No Brasil, o esforço para reduzir o deficit habitacional deve estimular o crescimento da indústria. Cerca de 70% do PVC produzido no país é destinada à área de arquitetura e construção.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

abiclor

nômica entre 2014 e 2017, espera retomar o crescimento119 – o que provocará um novo aumento na demanda por PVC e, em consequência, pelo cloro. Saúde A qualidade de vida, especialmente para a população idosa, está intimamente ligada ao acesso a serviços de saúde e medicamentos. A química do cloro é usada na fabricação de mais de 90% dos medicamentos que tratam desde o colesterol elevado até as alergias. Entre os derivados do cloro utilizados na indústria farmacêutica destacam-se o ácido clorídrico, o ácido cloroacético, o cloreto de etila, o cloreto de metila, o cloreto de alila, o cloreto de benzoíla, o cloreto férrico, o cloropropanol, a hidrazina e o triclorometano (clorofórmio), este último sendo utilizado na extração e purificação de antibióticos. Além disso, dezenas de princípios ativos devem sua atividade curativa à presença do cloro em suas moléculas.

O cloro nos medicamentos de utilização em larga escala Produto

Aplicação

Produto

Aplicação

Acetaminofen (paracetamol)

Analgésico

Clordiazepóxido (cloropromazina)

Tranquilizante

Alprazolam

Ansiolítico

Clorfeniramina

Anti-histamínico

Cefaclor

Antibiótico

Clorindiona

Anticoagulante

Ciclofosfamida

Antineoplásico

Cloroquina (cloroguanida)

Remédio contra a malária

Cisplatina

Antineoplásico

Clorprenalina

Broncodilatador

Clobenfurol (cloridarol)

Vasodilatador coronário

Clospirazina

Antipsicótico

Clobutinol

Antitussígeno

Doxorrubicina

Antineoplásico

Clometacina

Analgésico

Difenidramina

Anti-histamínico

Clonazepam

Anticonvulsivo

Mitotano

Antineoplásico

Clorafenicol

Antibiótico

Vancomicina

Antibiótico

Fonte: Abiclor

O clorafenicol é um dos produtos mais importantes da antibioticoterapia: tem amplo espectro de atividades contra bactérias aeróbicas e anaeróbicas, microplasmas e outros organismos. A química do cloro é fundamental, também, para

119. Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Indústria da construção: Balanço 2017. São Paulo: CBIC, 2017.

233


120. Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo, Perfil da indústria farmacêutica 2017. São Paulo, dez. 2017.

os tratamentos antitumorais. Sabe-se hoje que o envelhecimento está ligado ao aumento da incidência de câncer devido a alterações fisiológicas relacionadas à idade: a incidência de câncer entre adultos com até 50 anos é de 1 para 30; acima de 70 anos, de 1 para 3, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). A ciclofosfamida, por exemplo, atua como antineoplásico, prevenindo a rejeição de enxertos e tratando doenças autoimunes. É aplicado em quimioterapias – alguns dos males nos quais esse medicamento é utilizado são as leucemias, linfomas, neuroblastomas, retinoblastomas e carcinomas de ovário, endométrio e pulmões. Ela ainda serve como imunomodulador no tratamento de artrites, escleroses, vasculite e lúpus. A cisplatina (cis-diamino dicloro platina), uma interessante molécula, pois contém o metal precioso platina junto com cloro, combate as células tumorais inibindo a duplicação e a transcrição do DNA. Já a doxorrubicina, principal antibiótico antitumoral, é largamente utilizada para o tratamento de leucemias, linfomas e muitos tumores sólidos porque é captada rapidamente pelo corpo. O mitotano, que também contém átomos de cloro, é empregado no tratamento do carcinoma adrenocortical, um tumor maligno raro, tendo alta eficácia. A indústria farmacêutica instalada no país é composta de 492 empresas, das quais 123 multinacionais e 369 laboratórios nacionais.120 Nos últimos anos, o segmento dos medicamentos genéricos – geralmente vendidos a preços reduzidos – vem ganhando cada vez mais espaço no mercado. Em 2017, os genéricos foram responsáveis por 12,92% do faturamento nas vendas de medicamentos nas farmácias, representando 32,05% das unidades vendidas. O Brasil tem potencial para se tornar um polo avançado de pesquisas na área farmacêutica – afinal, conta com a maior biodiversidade do mundo. Mas, para aproveitar essa condição privilegiada, é necessário que exista uma política que privilegie a inovação, incentivando investimentos, o intercâmbio mais intenso entre pesquisadores brasileiros e internacionais e, especialmente, um marco regulatório definido, capaz de proteger adequadamente a propriedade intelectual. Avanços nessa área trazem benefícios para a saúde pública, contribuem para uma melhor qualidade de vida e ajudam a oferecer maior amparo à população idosa.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

abiclor

O aumento da longevidade vem acompanhado por demandas crescentes em termos de qualidade de vida. A química do cloro é uma grande aliada no desenvolvimento de remédios como antibióticos, ansiolíticos e antineoplásicos.

Além dos medicamentos, a área de saúde é caudatária do cloro também para a produção de uma grande variedade de equipamentos médicos. Ele é essencial para a fabricação dos semicondutores utilizados nos instrumentos de manutenção da vida, como marcapassos cardíacos e cerebrais, instrumentos de monitoramento médico, instrumentos de análises clínicas e de diagnósticos. Também é usado na fabricação dos sais de prata dos filmes de raios X. As embalagens estéreis para medicamentos são feitas de PVC e o isolante térmico usado em geladeiras que transportam os órgãos para transplante é feito com poliuretano (PU) – ambos ligados à química do cloro. Bolsas de sangue, lentes de grau, aparelhos de diálise, pontos cirúrgicos, membranas e articulações artificiais, inaladores respiratórios e diversos outros produtos levam cloro em sua fabricação – todos eles terão demanda crescente na medida em que as mudanças demográficas avançarem na sociedade.

Empoderamento individual Nas primeiras décadas do século XXI, observou-se uma melhoria do ensino em todo o mundo. A expectativa é de que 90% da população mundial esteja alfabetizada em 2030 – em 2010, esse percentual era de 84%.121 Avanços sociais e

121. Elaine Marcial, op. cit.

235


122. Elaine Marcial, op. cit., p. 45

123. Global Enterpreneurship Monitor, Empreendedorismo no Brasil 2012. Curitiba: Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade, 2012.

tecnológicos contribuíram para essa nova realidade, bem como o conceito de “educação ao longo da vida”. Tais melhorias potencializaram a capacitação de recursos humanos: no mercado global, os padrões de ensino-aprendizagem vêm se tornando internacionais, com a formação de pessoas capazes de pensar globalmente e de trabalhar em diferentes países. De acordo com o documento Megatendências mundiais 2030, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “espera-se que, até 2030, a capacitação de recursos humanos seja cada vez mais multidisciplinar e continuada, suportada pelas TIC [tecnologias da informação e comunicação] e que associe a ciência básica à aplicada”.122 O aumento do nível educacional proporciona ganhos sociais, como a maior igualdade de gênero e o fortalecimento político e econômico das mulheres – a queda na taxa de natalidade resulta, em grande medida, do empoderamento das mulheres, que conquistaram o aumento de seu nível educacional, uma maior autonomia no planejamento familiar e o fortalecimento de suas posições no mercado de trabalho. De acordo com relatório Empreendedorismo no Brasil 2012, do programa de pesquisa Global Enterpreneurship Monitor,123 a média mundial de novas mulheres empreendedoras é de 37%, com destaque para os índices de Cingapura e da Tailândia (54%) e também da Suíça e da Guatemala (50%). No Brasil, essa taxa é de 49%. O avanço feminino deve con-

Pessoas mais informadas, mais inseridas, mais empoderadas: esses são alguns dos ganhos sociais resultantes do aumento do nível educacional no mundo.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

tinuar acontecendo nas próximas décadas, com mulheres ocupando cada vez mais cargos de liderança e obtendo maior poder de decisão. Outra consequência do aumento do nível educacional é a consolidação da posição da classe média no mundo: pessoas mais informadas, mais inseridas na economia global e com maior poder aquisitivo serão os novos consumidores e também os produtores de tecnologia. O aumento da classe média vem acompanhado da redução do número de pessoas que vivem na extrema pobreza. Em 2010, um bilhão de pessoas viviam nessas condições, mas espera-se que esse número seja reduzido pela metade, pelo menos, até 2030. O Brasil não ficou de fora dos avanços na área de educação. O tempo de estudo da população quase dobrou nos últimos 25 anos: em 1990, os brasileiros permaneciam em média 3,8 anos em sala de aula; em 2004, 6,4 anos; em 2013, a média foi de 7,2 anos de estudo.124 Entre a população jovem, com faixa etária entre 25 e 34 anos, houve também um expressivo crescimento do acesso ao Ensino Superior nos últimos anos, com o número de graduados passando de 8,1% para 15,2%.125 Todavia, menos de 1% deles se forma em Química. Essa realidade precisa ser transformada. A qualificação profissional sempre foi uma importante demanda no setor químico. Os profissionais são treinados para ocupações de longo prazo e recebem salários mais altos do que a média nacional. Conforme estudos da Abiclor, os empregados da indústria de cloro-álcalis receberam, em 2015, o valor médio de R$ 5.876,05 por mês, equivalente a três vezes o salário médio pago por outros setores. O Brasil, de maneira geral, tem poucos cientistas – não só na área de Química, mas também de Física e de Matemática. São cerca de setecentos pesquisadores cientistas por cada milhão de habitantes no Brasil; um número que precisa crescer para que se possa pensar em inovação, geração de valor e desenvolvimento econômico de longo prazo. Países como Espanha, Estados Unidos e Coreia do Sul contam com 3 mil, 4,5 mil e 5,5 mil cientistas por milhão de pessoas respectivamente.126 Acredita-se que até 2035 a intensificação da participação social por meio de organizações comunitárias e científicas, institutos e associações, bem como pelo uso intensivo das mídias sociais para pressionar decisões políticas, pode influenciar governos e empresas a melhorar o aces-

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124. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), A ascensão do sul: o progresso humano num mundo diversificado. Brasília: Pnud, 2013. 125. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, op. cit.

126. Cibele Reschke, “Por que ainda desprezamos os cientistas?”. Você S/A, 13 out. 2013. Disponível em: <www.exame.abril.com.br/ carreira/por-que-aindadesprezamos-os-cientistas>. Acesso em: 15 mar. 2018.

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127. NIC. Global Trends 2030: Alternative Worlds. Washington: National Intelligence Council, dez. 2012.

so a programas de bolsas e financiamentos à pesquisa. A educação, aliada a um conjunto de políticas afirmativas com o intuito de reduzir as desigualdades sociais de caráter econômico, étnico, cultural e de gênero, que o Brasil tem adotado desde o final da década de 1990, tem potencial para colocar o país em uma posição de maior destaque no que diz respeito à produção de conhecimento e inovação no mundo. De acordo com o relatório Global Trends 2030, elaborado pelo National Intelligence Council,127 setor de inteligência do governo norte-americano, o empoderamento individual é talvez a mais importante das megatendências contemporâneas, porque é ao mesmo tempo causa e efeito de todas as outras – o que inclui a expansão da economia global, o rápido crescimento dos países em desenvolvimento e o uso disseminado de novas tecnologias de comunicação e de produção. Por um lado, isso representa um fator-chave para a superação dos desafios globais das próximas décadas; por outro, se governos e mercados não forem capazes de oferecer oportunidades para essa classe média emergente, as consequências podem ser graves, desestabilizando as estruturas sociais hoje existentes.

Um mundo conectado O desenvolvimento científico e tecnológico vem se acelerando nas últimas décadas e acontece de forma multidisciplinar. Áreas como a Química, a Física, a Biologia Molecular, a Informática e as Telecomunicações convergem e se inter-relacionam. Surgiram novos campos de estudos, como a Biotecnologia e a Nanotecnologia. A conectividade e a interatividade estão na ordem do dia em todos os setores da sociedade, possibilitando o acesso ubíquo em alta velocidade a diversos produtos e serviços. O crescimento da população mundial impõe uma série de desafios que vêm sendo solucionados com o apoio da ciência e da tecnologia. Exemplo disso são as cidades inteligentes – uma nova forma de gestão urbana, que alia o uso intensivo de tecnologias de comunicação e informação, georreferenciamento e processamento de dados em tempo real aos processos administrativos e ao fornecimento de serviços públicos aos cidadãos.


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A química do cloro serve de base para a fabricação de equipamentos eletrônicos, cabos e fios: um mundo conectado anda de mãos dadas com o desenvolvimento da indústria química.

Esses projetos agregam três importantes tendências tecnológicas: o Big Data, que consiste no processamento de grandes quantidades de informação; a Internet das Coisas (IoT), que envolve a utilização de equipamentos sensíveis ao contexto (não só computadores, mas semáforos inteligentes, carros inteligentes, casas inteligentes, entre outras iniciativas), e a governança digital, com apoio em ações e cenários construídos por algoritmos, que busca desenvolver ações preventivas e organizar o cotidiano das metrópoles. A química do cloro anda de mãos dadas com o desenvolvimento de tecnologias de comunicação. Seus derivados, como o cloreto de vinila, a diclorofenilsulfona, o cloreto de tereftaloíla e o cloreto de metila, contribuem para o isolamento de circuitos elétricos, a produção de baterias e a produção e o encapsulamento de componentes eletrônicos. O fosgênio é uma das matérias-primas intermediárias para a obtenção de policarbonatos, utilizados na produção de telas sensíveis ao toque (touchscreen). Outro produto que não contém cloro, mas é obtido mediante sua química, o dióxido de titânio, é utilizado na fabricação de semicondutores. Além disso, os clorosilanos, formados pela combinação de cloro e de silício, são a base dos chips para computadores, dos circuitos dos smartphones e também da produção da fibra óptica – essa maravilha tecnológica que permitiu a conexão global em larga escala, em tempo real.

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O cloro e os eletroeletrônicos

cloro

coque

sílica

cloro

cloro

cloreto de antimônio

clorofórmio

tetracloreto de silício

clorodifluorometano

silicone

tetrafluoroetileno

semicondutores

politetrafluoretileno (PTFE)

Microprossessadores

isolamento de fios

smartphones, mouse, impressoras

gabinetes, teclados, CDs, DVDs

resina acrilonitrila butadieno estireno (ABS)

estireno

benzeno

fluoreto de hidrogênio

etileno

butadieno cloreto de alumínio (catalisador) cloro

policarbonato

acrilonitrila

fosgênio monóxido de carbono

bisfenol ácido clorídrico

cloro

cloro


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

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Nanotecnologia A capacidade de manipular um material em escala atômica e molecular vem abrindo possibilidades infinitas de inovação industrial. Do setor farmacêutico ao têxtil, a nanotecnologia está sendo utilizada para criar produtos de maior qualidade e eficiência. Mas é na área de tecnologias da comunicação que algo de notável vem sendo desenvolvido: a possibilidade de armazenar dados em matrizes de átomos, codificados em seu estado de carga, de magnetização ou de posição de rede. Um artigo publicado em 2016 na revista Nature Nanotechnology apresentou uma robusta memória digital utilizando os átomos de cloro.128 Um grupo de cientistas da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, reuniu matrizes de átomos de cloro em uma superfície de cobre de tamanho nanométrico e criou uma estrutura capaz de armazenar até 1 kilobyte (8.000 bits). De acordo com seus criadores, “a memória pode ser lida e reescrita automaticamente por meio de marcadores atômicos e oferece uma densidade de 502 terabits por polegada quadrada, superando as unidades de disco rígido de última geração por três ordens de grandeza. Além disso, as vagas de cloro são estáveis a temperaturas até 77 K, oferecendo o potencial de expansão de montagem atômica em larga escala em direção a condições ambientais”.

128. Alexander F. Otte et al. “A Kilobyte Rewritable Atomic Memory”. Nature Nanotechnology, volume 11, 2016, p. 926-9.

Representação de nanopartículas de dióxido de titânio (TiO2), que são usadas em painéis solares de geração de energia, em câmeras fotográficas, equipamentos ópticos e de realidade aumentada. O cloro é utilizado na transformação e purificação do TiO2.

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Tecnologias de produção

129. Confederação Nacional da Indústria, “Sondagem especial Indústria 4.0”. Indicadores CNI, ano 17, n° 2, abr. 2016.

As inovações tecnológicas também vêm revolucionando as plantas de fábricas. Sensores e sistemas de controle computacionais sofisticados permitem que máquinas sejam operadas com conexão remota, reduzindo a exposição dos trabalhadores ao risco. A realidade aumentada permite a realização de treinamentos, a simulação de ambientes ou contextos e a introdução de interfaces com informações importantes durante a execução de determinada tarefa. De maneira tímida, o Brasil está se inserindo nessa que é chamada a Indústria 4.0. A partir de uma pesquisa realizada com 2.225 empresas de todos os portes no ano de 2016,129 a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apurou que a indústria brasileira ainda está se familiarizando com a digitalização e com os impactos que ela pode ter sobre a competitividade. Entre as empresas consultadas, 42% não identificaram quais tecnologias digitais, em uma lista com dez opções, têm o maior potencial para impulsionar a competitividade em seu segmento. Ainda assim, essas tecnologias estão presentes, principalmente na fase dos processos industriais: 63% das empresas entrevistadas que afirmaram usar ao menos uma tecnologia digital, o fazem na etapa de processos. Outras 47% utilizam novas tecnologias na etapa de desenvolvimento da cadeia produtiva e apenas 33% em novos produtos e em novos negócios. A expressão Indústria 4.0 surgiu devido aos grandes impactos da digitalização na produção e no desenvolvimento de produtos e na forma de se fazer negócio. Essas mudanças, também chamadas de “manufatura avançada”, têm sido consideradas uma quarta revolução industrial. Independentemente do nome que se dê a esse fenômeno, as perspectivas são de que as empresas que não adotarem as tecnologias digitais terão muita dificuldade de se manter competitivas nas próximas décadas.

Recursos para crescer O crescimento populacional e a consolidação da classe média em todo o mundo deverão pressionar, nas próximas


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

décadas, a demanda por recursos naturais, tais como a energia. Esse é um tema transversal: está relacionado a questões sociais e econômicas, à produtividade e à competitividade da indústria e também ao campo da ciência e da tecnologia. Em todos os cantos do mundo intensifica-se a busca por uma matriz energética diversificada, com aumento do peso das energias renováveis. O Brasil possui a matriz energética mais renovável do mundo industrializado, com 45,3% de sua produção proveniente de fontes como recursos hídricos, biomassa e etanol. Ainda assim, para que o país possa crescer, novos investimentos se fazem necessários. Em poucos anos, entre 2001 e 2013, a elevação das tarifas de energia elétrica levou a indústria brasileira de uma posição altamente competitiva para a de pouco competitiva no cenário internacional. A tarifa média de energia elétrica paga pela indústria de cloro-álcalis, por exemplo, cresceu cerca de 110% nesse período.130 Há no país uma expectativa positiva em relação às novas fontes energéticas. Em 2002, o Ministério de Minas e Energia (MME) criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que busca impulsionar a criação de fontes alternativas e renováveis de energia para a produção de eletricidade. Os investimentos levam em conta características e potencialidades regionais e locais, além de buscarem a redução de emissões de gases de efeito estufa. Atualmente, a quantidade de energia produzida pelas 131 usi-

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130. Abiclor, Impacto do preço de energia na produção e investimento no setor de cloro-álcalis. São Paulo: Abiclor/Fipe, 2014.

Parque Eólico de Beberibe, no Ceará. As perspectivas de exploração de fontes de energia alternativas e renováveis criam um horizonte favorável para o desenvolvimento da indústria.

243


131. Sueli Montenegro, “Custo do Proinfa em 2017 será de R$ 3,3 bilhões”. Canal Energia, 13 dez. 2016. Disponível em: <www. canalenergia.com.br/ noticias/35187402/custodo-proinfa-em-2017-sera-der-33-bilhoes>. Acesso em: 15 mar. 2018.

nas participantes do Proinfa é estimada em 11,2 milhões de MWh, divididas entre sessenta pequenas centrais hidrelétricas, 52 usinas eólicas e 19 usinas térmicas a biomassa.131 Mas ainda há o desafio de levar essa energia a preços competitivos para os consumidores residenciais e industriais.

O cloro em todos os lugares A tendência à globalização da economia vem se mostrando irreversível: os países são cada vez mais interdependentes, e as empresas estão cada dia mais expostas à competição internacional. No entanto, a divisão de poder mundial tende a se modificar nas próximas décadas, com a ascensão econômica dos países asiáticos. Os maiores desafios para o crescimento da indústria química brasileira residem justamente aí: fatores macroeconômicos, especialmente o câmbio e as políticas relativas à balança comercial, podem reduzir a capacidade de competição dos produtores nacionais. Ainda assim, a indústria química brasileira vive um momento de grandes possibilidades. Enquanto os altos preços do petróleo pressionam a rentabilidade da indústria química global, o Brasil torna-se autossuficiente na produção de petróleo. As descobertas de gás natural na bacia de Santos, próxima de grandes plantas industriais, é também alvissareira. A posição de destaque no setor agrícola coloca o país em situação privilegiada para explorar os derivados da biomassa. A indústria alcoolquímica já tem uma história consolidada e pode se desenvolver ainda mais nos próximos anos. A biodiversidade brasileira ainda deve nos presentear com matérias-primas para os mais diversos setores industriais – farmacêutico, cosmético, têxtil, alimentício. Em todos os setores produtivos, e na projeção de todos os cenários futuros, a utilização do cloro e de seus derivados é fundamental. A dificuldade de se estabelecer qual é o lugar da indústria de cloro no século XXI não se deve à sua falta de utilidade, mas, pelo contrário, ao fato de que o cloro está em todos os lugares. E o desenvolvimento econômico e social brasileiro caminha de mãos dadas com o crescimento da indústria de cloro-álcalis. O lugar do cloro no Brasil do século XXI depende, em grande medida, do lugar que o Brasil pretende ocupar no futuro do mundo.


O LUGAR DO CLORO NO SÉCULO XXI

abiclor

Imagem da Terra, produzida pela Nasa, em 2011, oferece uma visão das Américas à noite. O crescimento da população mundial e o desenvolvimento econômico colocam em perspectiva uma demanda crescente para os produtos da cadeia de cloro-álcalis.

245



LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS


O PIONEIRISMO Somente no início do século XX é que os ventos da industrialização começariam a soprar em terras brasileiras. A volatilidade das taxas de câmbio foi um dos fatores de incentivo à produção local, já que os preços dos produtos importados se tornavam imprevisíveis. Além disso, após a crise do café, na década de 1930, boa parte dos

COMPANHIA NITRO QUÍMICA BRASILEIRA

1935

investimentos migrou da produção agrícola para a industrial. No entanto, a escassez de materiais como soda cáustica e barrilha tornava instáveis alguns setores, como os de fabricação de vidro, tecidos, papel e produtos para higiene e limpeza. Para contornar o problema, o governo buscou estimular a produção de álcalis com linhas especiais de crédito, isenção de taxas, dentre outras medidas que pudessem tornar o empreendimento mais atrativo. Assim, surgiram as primeiras indústrias de cloro, soda e barrilha.

INDÚSTRIAS QUÍMICAS ELETRO CLORO S.A.,

é instalada em São Miguel Paulista, bairro da zona leste de São Paulo (SP), e começa a operar em 1937. A produção de cloro e de soda é mantida até a década de 1950, quando é descontinuada – a companhia passa a dedicar-se a outras atividades.

subsidiárias da Solvay S.A., instalam-se no município de Santo André (SP). A primeira fábrica é inaugurada sete anos depois, produzindo soda cáustica, cloro e hipoclorito de sódio.

1936

COMPANHIA ELETROQUÍMICA FLUMINENSE é fundada no bairro de Alcântara, no município de São Gonçalo (RJ). A unidade, que começa a operar em 1936, tem capacidade para produzir soda cáustica, cloro líquido, cloreto de cálcio, ácido clorídrico e água sanitária.

1941


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

abiclor

Um dos primeiros anúncios de soda cáustica no Brasil.

COMPANHIA ELETROQUÍMICA PAN AMERICANA inaugura sua fábrica em Honório Gurgel, na capital fluminense. Logo se destaca na produção de cloro e de soda em nível estadual, além de ser a única da América Latina a fabricar sulfeto de sódio por via eletrolítica.

INDÚSTRIAS REUNIDAS F. MATARAZZO, cujo segmento químico já produzia ácidos desde 1936, começam a produzir também cloro e soda cáustica.

1947

INDÚSTRIAS QUÍMICAS ANHEMBI S.A. inauguram sua fábrica de cloro, soda cáustica e água sanitária em São Caetano do Sul (SP).

1948

1949

INDÚSTRIAS QUÍMICAS KLABIN DO PARANÁ DE CELULOSE S.A. iniciam operação de uma fábrica de cloro e de soda cáustica, para atender a demanda cativa da produção de celulose do município de Telêmaco Borba (PR).

1951

1957

FONGRA PRODUTOS QUÍMICOS S.A., braço da Hoechst do Brasil para a produção de cloro e de soda cáustica, instala-se em Suzano (SP).

249


OS GRANDES EMPREENDIMENTOS Desde a década de 1930, os diferentes governos adotaram medidas para direcionar o desenvolvimento industrial brasileiro, com importantes desdobramentos para os setores químico e petroquímico. Durante o Estado Novo (1937-1945), foi instituído o Conselho Nacional do Petróleo, com a consequente nacionalização do setor. Nos anos seguintes, o Estado assumiria o papel de produtor direto, investindo na criação de indústrias estatais. No segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), foi criado um banco de investimentos voltado a projetos de infraestrutura e fomento industrial, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE); posteriormente, surgiu a Petrobras, companhia estatal voltada à prospecção, extração e refino do petróleo,

COMPANHIA NACIONAL DE ÁLCALIS (CNA) começa a operar. Fundada em 1943, a estatal com sede em Arraial do Cabo (RJ) volta-se à produção de barrilha.

1960

cuja influência se estenderia por toda a cadeia da indústria química. No entanto, foi durante os anos de Regime Militar (1964-1985) que a interferência estatal se aprofundou, lançando novos desafios para o setor de cloro-álcalis. Por um lado, houve uma grande expansão, com os primeiros polos industriais tornando-se realidade em diferentes regiões do país, por outro, as empresas foram obrigadas a negociar com órgãos como o Grupo Executivo da Indústria Química (Geiquim), criado para planejar e aprovar projetos e concessões de incentivos; com a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), responsável pela administração das importações; ou com o Conselho Interministerial de Preços (CIP). Para se ajustar à nova realidade, o setor organizou-se e criou a Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor), que ganharia novos associados conforme os segmentos industriais brasileiros se diversificavam.

1961

CHAMPION PAPEL E CELULOSE adquire a Panamericana Têxtil, em Mogi Guaçu (SP), e passa a atuar no mercado brasileiro. Inicia a produção de cloro e de soda cáustica para utilização própria, no processo de fabricação de papel.


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

abiclor

LUTCHER S.A. CELULOSE E PAPEL,

COMPANHIA AGRO-INDUSTRIAL DE IGARASSU inicia a produção de cloro e de soda cáustica no município de Igarassu (PE), atendendo às regiões Norte e Nordeste. A companhia havia sido fundada pelo Grupo Votorantim em 1959.

1963

fábrica de celulose instalada no município de Condói (PR), entra em operação em 1963 e encerra atividades dois anos depois. A empresa produzia cloro, soda cáustica e hidrogênio para consumo cativo. Suas instalações foram adquiridas em 1988 pela Trombini Papel e Embalagens, que implantou uma unidade de cloro e de soda cáustica com tecnologia de células de membrana. A unidade foi paralisada entre 1995 e 1996.

1964

CARBOCLORO S.A. INDÚSTRIAS QUÍMICAS entra em operação em sua planta industrial, com capacidade de produção de 50 toneladas por dia de soda cáustica, além de cloro e de gás hidrogênio. Fundada em 1961, a empresa instala-se em Cubatão (SP), na Baixada Santista.

COMPANHIA QUÍMICA DO RECÔNCAVO (CQR) é fundada em Lobato (BA), subúrbio de Salvador. Chamava-se inicialmente Companhia Eletroquímica da Bahia, mas muda sua razão social no mesmo ano, quando passa a ser controlada pelo Grupo União. É transferida para o Polo Petroquímico de Camaçari em 1979.

1968

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ÁLCALIS, CLORO E DERIVADOS (ABICLOR) é criada em 3 de julho de 1968, na avenida Rio Branco, 156, na região central do Rio de Janeiro (RJ), a poucas quadras do Theatro Municipal e das sedes de diversas instituições empresariais e governamentais. Estavam presentes os representantes das dez empresas produtoras de cloro-álcalis em atuação no país.

Jorge Paes de Carvalho (Carbocloro S.A. Indústrias Químicas) assume a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de julho de 1968 a setembro de 1973.

251


SALGEMA INDÚSTRIAS QUÍMICAS LTDA. DOW QUÍMICA inaugura seu complexo químico no Polo Industrial de Aratu, no município de Candeias (BA), com capacidade de produção de 270 mil toneladas por ano de cloro. Produz também soda cáustica, óxido de propeno e propileno glicol.

1973

CELULOSE NIPO-BRASILEIRA S.A. (CENIBRA) é inaugurada em Belo Oriente (MG). A planta industrial previa a produção de cloro e de soda cáustica para consumo cativo.

Alberto José Shaefer Jr. (Carbocloro S.A. Indústrias Químicas) é eleito presidente da Abiclor para o período de setembro de 1973 a maio de 1978.

entra em operação no município de Marechal Deodoro (AL), nas cercanias de Maceió. A empresa havia surgido em 1966, com o projeto de uma fábrica de cloro e de soda com capacidade anual de produção de 229 mil toneladas de cloro e de 250 mil toneladas de soda cáustica.

1977


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

1978

abiclor

Carlo Cappellini

RIOCELL,

(Companhia Eletroquímica Pan Americana) é eleito para a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de maio 1980 a maio de 1986.

localizada na cidade de Guaíba (RS), inicia produção de cloro e de soda cáustica para abastecer sua fábrica de celulose.

1980

1983

ARACRUZ CELULOSE S.A.,

JARI CELULOSE

Cyrel Wilson Milbourne

fundada em 1968, inicia atividades no município de Aracruz (ES), produzindo cloro e soda cáustica para consumo interno.

é fundada no distrito de Monte Dourado (PA). A planta de cloro e de soda cáustica destinava sua produção ao consumo cativo para a produção de celulose.

(Indústrias Químicas Eletro Cloro) assume a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de maio de 1978 a maio de 1980.

253

Alberto José Shaefer Jr. (Carbocloro S.A. Indústrias Químicas) assume a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de maio de 1986 a maio de 1990.

1986


O MERCADO GLOBAL A partir dos anos 1980, o papel do Estado começou a mudar. Com a segunda crise do petróleo, o ônus do ajuste macroeconômico recaiu sobre a produção industrial: houve redução nos incentivos concedidos à indústria; redução da taxa de câmbio, prejudicando a rentabilidade de diversos empreendimentos; e remoção de barreiras não tarifárias às importações, o que inviabilizava a fabricação de diversos produtos em território nacional. No mesmo período, a redemocratização inaugurou

SOLVAY DO BRASIL S.A. Indústrias Químicas Eletro Cloro adotam o nome mundial do grupo, passando a se chamar Solvay do Brasil S.A.

1990

novos caminhos na política: o Brasil se abriu ao mercado global e a concorrência internacional provocou uma rearticulação em toda a cadeia. Difundiram-se conceitos como “desestatização”, “integração vertical” e “focalização”. A preocupação com o meio ambiente também ganhou força: questionamentos em relação à indústria de cloro-álcalis (e à indústria eletrointensiva de maneira geral) exigiram que o setor abandonasse a postura discreta e assumisse seu lugar de fala nos debates nacionais e internacionais. A Abiclor tornou-se protagonista no papel de educar, informar e formar pessoas conscientes sobre a importância econômica e social desse segmento da indústria química.

Cid Vitor Parigot de Sousa (Companhia Agro-Industrial de Igarassu) é eleito presidente da Abiclor, para o período de maio de 1990 a maio de 1992.

1991


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

abiclor

255

TRIKEM S.A. é criada a partir da fusão de três empresas cujo controle havia sido adquirido pelo Grupo Odebrecht no ano anterior: a Salgema, a Companhia Química de Camaçari (do segmento petroquímico) e sua subsidiária, a Companhia Química do Recôncavo (CQR). Essa é considerada a primeira integração vertical do setor no Brasil.

NOVA SEDE DA ABICLOR A Abiclor muda-se do Rio de Janeiro para São Paulo, onde estavam também as sedes da maioria das empresas produtoras de cloro-álcalis.

1992

1994

1996

Darcio Fabra Navarro

Valdyr Gabriel

SOLVAY INDUPA S.A.

(Dow Química) assume a presidência da Abiclor, para o período de maio de 1992 a maio de 1994.

(Carbocloro S.A. Indústrias Químicas) assume a presidência da Abiclor, para o período de maio de 1994 a maio de 1996.

O Grupo Solvay adquire participação da Indupa S.A., de origem argentina, e realiza a integração das empresas. Forma-se a Solvay Indupa S.A..

Romeu Costa (Trikem S.A.) assume a presidência da Abiclor, para o período de maio de 1996 a maio de 1998.


Por iniciativa da Abiclor, nasce a Clorosur (Associação Latino-Americana da Indústria de Cloro, Álcalis e Derivados), que representa as principais produtoras de cloro e de soda cáustica da América Latina e do Caribe. O objetivo da Clorosur é desenvolver e implantar iniciativas na região para promover e apoiar os fabricantes e consumidores de cloro-álcalis e de seus subprodutos, sempre em colaboração com as autoridades e as comunidades locais nas áreas de segurança, de saúde e do meio ambiente. Conforme previsto em estatuto da entidade latino-americana, o presidente da Clorosur é o presidente da Abiclor.

CXY CHEMICALS OF CANADA adquire a planta eletroquímica da Aracruz Celulose S.A., no distrito de Barra do Riacho, em Aracruz (ES). Passa a atuar sob o nome de Nexen Química do Brasil e, posteriormente, Canexus Química do Brasil.

1998

Antonio de Castro Almeida (Trikem S.A.) é eleito presidente da Abiclor. Ocupa a posição de maio a outubro de 1998.

1999

Realizada a primeira edição do Encontro de Transporte Seguro de Cloro, promovido pela Abiclor, com o intuito de disseminar e premiar as boas práticas de prevenção de acidentes.

Claudio Augusto de Lima Oliveira (Trikem S.A.) assume a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de outubro de 1998 a dezembro de 2000.

Mario Antonio Carneiro Cilento (Carbocloro S.A. Indústrias Químicas) é eleito para a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de dezembro de 2000 a maio de 2004.

2000

A Abiclor realiza a primeira Semana de Comunicação do Cloro, evento que aproxima as indústrias de cloro-álcalis das escolas e comunidades de entorno, divulgando os benefícios do cloro para a saúde pública.


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

Em parceria com a Maurício de Sousa Produções, a Abiclor lança a revista em quadrinhos Água boa pra beber, que discute de maneira lúdica a importância da cloração da água. O gibi foi apresentado durante o Encontro de Engenharia Sanitária e Ambiental, em João Pessoa (PB) e, posteriormente, distribuído em escolas de todo o país.

2001

BRASKEM S.A. surge por meio da integração das empresas Trikem S.A., Copene, OPP, Proppet, Nitrocarbono e Polialden – todas controladas pelo Grupo Odebrecht. A nova companhia inicia as atividades como petroquímica líder na América Latina, com treze unidades industriais, escritórios e bases operacionais no Brasil, Estados Unidos e Argentina.

abiclor

Carlos Alberto Tieghi (Solvay Indupa) assume a presidência da Abiclor, para o período de maio de 2004 a maio de 2006.

2002

A Abiclor, em parceria com o Sinproquim (Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos para Fins Industriais e da Petroquímica no Estado de São Paulo), lança a campanha Água + Cloro = Saúde. A iniciativa contou com o espírito aventureiro da família Goldschmidt: na expedição Giro pela América, ela viajou por alguns países da América do Sul em um ônibus adaptado como casa (motor home), divulgando a importância econômica e social do cloro.

2004

A Abiclor começa a patrocinar a Olimpíada Brasileira de Química (OBQ), torneio que tem como objetivo identificar e incentivar os estudantes do Ensino Médio que mais se destacam na disciplina.

257


Uma parceria entre a Abiclor, o Sinproquim e a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ala pediátrica), e o apoio da indústria de cloro-álcalis, lança o programa Saúde Começa em Casa, com o objetivo de reduzir as reinternações de crianças com doenças crônicas.

2006

Luiz Gonzaga Rapp de Oliveira (Dow Brasil) é eleito para a presidência da Abiclor, para o período de maio de 2006 a maio de 2008.

A Abiclor institucionaliza o Plano de Auxílio Mútuo Integrado, uma conquista do setor de álcalis na área de segurança do transporte. O plano serviu de modelo para outros segmentos da indústria química.

2007

PRODUQUÍMICA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. adquire a planta eletroquímica da Companhia Agro-Industrial de Igarassu e assume a produção de cloro e de soda cáustica em Pernambuco.

2008

Fernando André Butze (Braskem) assume a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de maio de 2008 a fevereiro de 2009.


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

abiclor

Aníbal do Vale (Carbocloro) é eleito para a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de maio de 2010 a maio de 2016.

2009

A Abiclor cria a campanha Piscina Limpa – Mergulhe nessa ideia, que visa educar os usuários, de forma lúdica, sobre a preservação da qualidade da água, com informações sobre higiene, tratamento da água e curiosidades. As informações são veiculadas no blog e na página do Facebook.

2010

2013

Roberto Bischoff

UNIPAR CARBOCLORO S.A.

(Braskem) assume a presidência da Abiclor. Ocupa a posição de fevereiro de 2009 a maio de 2010.

O Grupo Unipar, que já era acionista da Carbocloro, adquire o restante da empresa, que passa a se chamar Unipar Carbocloro S.A.

259


UNIPAR INDUPA S.A. O Grupo Unipar adquire a Solvay Indupa S.A. e, com a integração das duas empresas, cria a Unipar Indupa S.A.

2014

KATRIUM INDÚSTRIAS QUÍMICAS S.A. assume o controle da Companhia Eletroquímica Pan Americana, em Honório Gurgel, na capital fluminense.

Alexandre de Castro (Braskem) é eleito para a presidência da Abiclor, para o período de maio de 2016 a maio de 2018.

2016

PRODUQUÍMICA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. é incorporada pelo grupo Compass Minerals.

A Abiclor lança a campanha Cloro na Zika, de cunho educativo, para difundir a importância da água sanitária no combate ao mosquito Aedes aegypti, por meio de ações nas mídias sociais (blog, Facebook, Twitter) e outros canais. Posteriormente, no mesmo ano, o nome da campanha muda para Cloro no Aedes.

2017

CHEMTRADE BRASIL LTDA., braço do Chemtrade Logistics Income Fund, adquire a Canexus Química do Brasil e passa a operar a planta eletroquímica de Barra do Riacho, em Aracruz (ES).


LINHA DO TEMPO DA INDÚSTRIA DE CLORO-ÁLCALIS

Abiclor completa 50 anos de atuação em prol do fortalecimento do setor de cloro-álcalis no Brasil.

abiclor

UM SETOR CONSOLIDADO

2018

Aníbal do Vale (Grupo Unipar) é eleito para a presidência da Abiclor, para o período de maio de 2018 a maio de 2020.

O setor de cloro-álcalis, assim como outros segmentos industriais brasileiros, se fortaleceu com as reestruturações das primeiras décadas do século XXI. Hoje, o Brasil conta com empresas de grande e médio portes, que somam uma capacidade instalada de produção superior a 1,5 milhão de toneladas de cloro por ano. Com a fusão ou a integração de diversas companhias, a Abiclor passou a contar com sete sócios produtores, além de diversos associados que atuam na cadeia da indústria de cloro-álcalis. Ao longo de sua história, a entidade vem contribuindo para o fortalecimento do setor em território nacional, para a defesa da indústria química e para a construção de uma política de transparência, informando desde dados estatísticos até os impactos sociais e econômicos do uso do cloro nos mais diversos segmentos – atividades essas que continuarão a ser exercidas nos anos vindouros.

261


Os nossos agradecimentos aos patrocinadores deste projeto.

DIAMANTE

OURO

PRATA

BRONZE


PRESIDENTE Aníbal do Vale DIRETOR EXECUTIVO Martim Afonso Penna STAFF Nelson Felipe Jr. Ivaldete Rodrigues de Luna Lucimara Dias Murakami COORDENAÇÃO EDITORIAL SP4 Comunicação Corporativa PROJETO EDITORIAL SP4 Comunicação Corporativa In Tandem Comunicação e Arte DIREÇÃO EXECUTIVA Odete Pacheco EDIÇÃO César Nogueira Odete Pacheco TEXTOS César Nogueira Heloisa Pereira Sueli Campo DIREÇÃO DE ARTE E PROJETO GRÁFICO Kiko Farkas/Máquina Estúdio Felipe Sabatini REVISÃO TÉCNICA William A. Millett PESQUISA HISTÓRICA E ICONOGRÁFICA Bruno Vita Heloisa Pereira Juliana Ribeiro Rodrigo Amaral da Rocha Tonio Gomes Tavares REVISÃO DE TEXTO Adriana Cerello Lívio Lima de Oliveira IMPRESSÃO Ipsis Gráfica e Editora

CRÉDITOS ICONOGRÁFICOS Acervo Abiclor, p. 178; 210; 212; 215; 217; 256-258. Acervo Anhembi, p. 155; 249. Acervo Clóvis Teixeira da Cruz, p. 158. Acervo Histórico do Centro de Memória Braskem, p. 161; 163. Acervo Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, p. 114. Acervo Memória Votorantim, p. 152; 248. Acervo Sabesp, p. 98. Acervo Unipar Carbocloro, p. 251. Acervo Unipar Indupa, p. 248. Alamy, p. 83; 94; 105; 108; 111; 116; 122; 136; 139; 140; 175. Arquivo Estadão, p. 148. Arquivo CPDOC FGV, p. 156. Mário Castello, p. 70; 72-75; 86; 88-91; 128; 130-133; 142; 144-147; 166; 168-171; 182; 188; 190-194; 199; 202; 204-207. NASA Earth Observatory image by Joshua Stevens, using Suomi NPP VIIRS data from Miguel Román, NASA's Goddard Space Flight Center, p. 245. NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio The Blue Marble data is courtesy of Reto Stockli (NASA/ GSFC), p. 54. Pexels, p. 12-19; 22-29; 32-37; 240. Shutterstock, p. 6-11; 20-21; 3031; 38-39; 40-41; 46; 49; 52; 58; 62; 64; 67; 76; 80; 102; 113; 124; 127; 159; 172; 176; 184; 220; 224; 228; 232; 235; 236; 239; 241; 243. Wikimedia, p. 108; 119.

Os nossos agradecimentos a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a produção desta obra inédita, em particular ao engenheiro químico William A. Millett pela revisão técnica. ISBN 978-85-54370-00-8 – Esta é uma publicação da Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor) Av. Chedid Jafet, 222, Bloco C – 4° andar Vila Olímpia, São Paulo, SP 04551-065 (11) 2148-4780 – Copyright © 2018 by Editora Abiclor Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por quaisquer meios, seja eletrônica ou mecânica, seja fotocópia, gravação ou qualquer meio de reprodução, sem a permissão expressa do editor. Venda proibida, distribuição gratuita.


Impresso em julho de 2018 tipografia  GT Walsheim papel  Eurobulk tiragem  1.900 exemplares


PLANETA TERRA, PLANETA ÁGUA

abiclor

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