PROJETO “A GARÇA QUE QUEREMOS” Revisão do Plano Diretor de Maceió
Maceió 2015 1
INTRODUÇÃO
Criado em outubro de 2014 por moradores e frequentadores do bairro da Garça Torta e do Litoral Norte de Maceió, o Movimento Abrace a Garça se propôs, desde o início, a ser um movimento de cidadania ativa, de participação popular e social. Seu propósito principal é o de incentivar a participação popular através de discussões sobre o modelo de crescimento pensado – ou não pensado – para a cidade, especialmente para esta área da capital alagoana, tão carente de infraestrutura. Nesse sentido, visamos apresentar propostas populares as quais julgamos compatíveis com um modelo de cidade não excludente, que oferte condições de urbanização harmonizada à um projeto sustentável, que seja pautado na integração, no respeito à cultura, à história e ao meio ambiente, bem como no estímulo ao desenvolvimento local. A preocupação com o “crescimento” desordenado da cidade de Maceió em direção ao Litoral Norte – fruto do interesse das empresas imobiliárias em “vender” as belezas locais em maior quantidade - surgiu já durante a elaboração do Plano Diretor de Maceió, em 2005, quando alguns dos atuais membros do “Abrace a Garça” estiveram diretamente envolvidos na tentativa de manter o padrão de construções estabelecido para o litoral maceioense, até então elogiado nacionalmente por preservar o acesso e a visibilidade das praias, em contrapartida ao modelo atrasado e fracassado de outras capitais, cujos prédios à beira-mar contribuíram com a progradação marinha, o sombreamento das praias e o aquecimento das cidades, em virtude do bloqueio do vento advindo do mar (maral). Naquela época, o que se esperava, conforme preconizado no Estatuto das Cidades, era a ampla participação de segmentos e a vitória do bom-senso na aprovação dos Parâmetros Urbanísticos para a capital alagoana. No entanto, apesar de claramente apresentar em seus artigos pontos que favorecem a preservação ambiental e a urbanização “positiva” da cidade – em respeito às potencialidades e às características culturais e sociais de Maceió, e, em especial, do Litoral Norte, o então prefeito Cícero Almeida impôs vetos à versão técnica do Plano, a qual preconizava a manutenção de limite para os prédios próximos à praia, abrindo espaço para a verticalização almejada pelo setor imobiliário, mesmo que isso significasse ir de encontro à legislação ambiental e às diretrizes do próprio Plano Diretor, como bem explica o
2
Prof. Dr. Andreas Krell, em seu livro “Desenvolvimento Sustentável às avessas nas praias de Maceió-AL: a liberação de espigões pelo novo Código de Urbanismo e Edificações”. Entendendo que bairros como Guaxuma, Garça Torta e Riacho Doce também devem ser consideradas áreas de interesse turístico – tal como Pescaria e Ipioca – e que tais bairros carregam características históricas e culturais marcantes, o Abrace a Garça acredita ser fundamental e extremamente benéfico à população maceioense e ao setor turístico o desenvolvimento sustentável dessas áreas, respeitando o meio ambiente social, cultural e paisagístico, o que significa, em primeira ordem, políticas públicas pautadas no interesse social, não especulativo. Tais políticas devem visar uma ocupação racional e positiva para as áreas consideradas fundamentais para o turismo e a inclusão social. Nesse sentido, promovemos oficinas junto à comunidade, a fim de descobrir “A Garça Torta que queremos” a partir das potencialidades e problemas apresentados pelos seus moradores. Sabemos o quão difícil é a discussão política em ambientes nos quais é comum a delegação dessas funções de forma representativa, principalmente quando tais processos não são realizados de forma consciente ou livre de interesses imediatos, tão comuns na sociedade individualista em que vivemos. No entanto, conseguimos reunir moradores em cinco localidades: a tradicional balança de pescadores da Garça Torta; a Grota do Andraújo; a Jurubeba, escola estadual Eduardo Almeida e Praça São Pedro. Nessas atividades, ficou claro que os moradores, nativos ou não da região, têm como principal particularidade a relação positiva com o espaço em que vivem, bem como carência de serviços públicos básicos, tais como água, energia, transporte e áreas de lazer. É com base nessas discussões e respaldados pelos mais de 3.700 seguidores de nossa fan page, das mais de três mil assinaturas coletadas no abaixo-assinado online e físico que apresentamos, neste documento com 17 páginas, as propostas abaixo: 1 RECURSOS NATURAIS
1.1 A água Para além do abastecimento de água – apontado nas oficinas como problema central e que será tratado no item saneamento básico – sabemos que a região é abastecida em grande parte
3
por poços e que, sendo permeada por rios e fontes, a região do Litoral Norte representa, ecologicamente, uma importante fonte de reserva desse bem natural. Para iniciar a discussão, é importante deixar claro que entendemos que há uma relação direta entre o crescimento urbano desordenado, individualizado, e a redução/ desaparecimento dos recursos hídricos. Diante das crises de abastecimento de água já vivenciadas no Brasil, decorrentes do mau gerenciamento público desse recurso, tal questão está cada vez mais em pauta. Há uma relação direta entre a taxa de ocupação do solo e seu nível de permeabilidade, o qual permite a formação/manutenção de lençóis freáticos (reserva dos aquíferos). Em Maceió, 68% da população
é
abastecida
por
poços
profundos,
segundo
dados
da
Casal.
(http://casal.al.gov.br/atuacao/abastecimento-de-agua/). O crescimento da cidade de Maceió tem sido feito a partir da aprovação de construções por lotes, ou seja, a cidade não é pensada como um todo: cada prédio construído, árvores derrubadas, solo impermeabilizado. Ao que pese a construção de edificações à beiramar serem negativas do ponto de vista urbanístico, turístico e ambiental, acreditamos que a construção de prédios a fim de atender uma demanda populacional crescente poderia ser positiva se feita na parte alta da cidade, em detrimento dos conjuntos residenciais com vista para o mar, mas apenas se pensada em relação à ocupação do solo e ao fornecimento de estrutura urbana adequada, a fim de garantir o nível de permeabilidade necessária para a manutenção desses recursos. A questão dos recursos hídricos é fundamental, portanto. Apesar de a Constituição brasileira, em seu art. 30, definir que compete à União e aos Estados legislarem de maneira complementar sobre os recursos hídricos superficiais, não restando aos municípios poucas possibilidades quanto a esse gerenciamento, a mesma Constituição atribui quase que completamente aos municípios a incumbência de legislar sobre o uso do solo, por meio de Planos Diretores e políticas de ordenamento territorial. Por isso, o Abrace a Garça defende um plano urbanístico, em que o desenho de Maceió seja feito não a partir de demandas individuais e interesses imediatos, mas em consonância com o que é preconizado pelo atual Plano Diretor, especialmente de forma a evitar a escassez desse bem fundamental à vida humana.
4
Segundo o atual Plano Diretor de Maceió: Art. 27. Constituem-se diretrizes para a gestão do patrimônio natural no território municipal de Maceió: [...] II – preservação das áreas florestadas nas encostas, ao longo dos cursos d’água e de linhas de drenagem natural e dos remanescentes de mangues, várzeas, dunas, mata atlântica e restinga, de acordo com o previsto nas legislações ambientais vigentes; III – recuperação e adequação de áreas ambientalmente frágeis e de preservação permanente, especialmente: a) nascentes e foz dos rios e riachos; [...] Art. 125. São diretrizes específicas para o uso e a ocupação do solo na Área Urbana: I – adequação da legislação urbanística às especificidades locais; [...] III – controle ao adensamento nos bairros onde o potencial de infra-estrutura urbana é insuficiente; IV – restrição à ocupação nas áreas de mananciais, de captação de água para abastecimento da Cidade e de recarga dos aqüíferos de Maceió; V – controle à ocupação nas áreas não servidas por redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário, evitando altas densidades populacionais;
Levando-se em consideração que o Riacho Doce e o Riacho Garça Torta desaguam no mar (foz), que são áreas ambientalmente frágeis, que são abastecidas por poços, que possuem áreas de mangue e restinga, cuja infraestrutura urbana é totalmente insuficiente, entendemos que deve haver um plano de recuperação dos rios existentes, a preservação de suas encostas, controle na ocupação do solo.
1.2 Áreas Verdes Apesar de inexistir no Litoral Norte um espaço público de reserva arbórea, como um parque ou uma praça ampla e repleta de árvores, os moradores do Litoral Norte de Maceió e da Garça Torta, em particular, se orgulham de o bairro possuir quantidade significativa de árvores, mesmo com a expansão de condomínios. Em vídeos produzidos pelas crianças da comunidade (atividade da qual o Abrace a Garça foi parceira), muitas apresentaram a natureza como o que o bairro tinha de melhor. A mesma questão foi levantada nas oficinas como potencialidade do bairro. Sabe-se que Maceió é tida como uma das capitais menos arborizadas do País. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o ideal para uma boa qualidade de vida é de 12 metros quadrados por habitante. Em Maceió, a proporção é de apenas 4 m² por habitante, conforme matéria veiculada no jornal Gazeta de Alagoas, em julho do ano passado1. 1
Ver página: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=246075, acesso em maio de 2015.
5
Essa proporção só não é menor por que ainda temos uma reserva que, infelizmente, ainda não é área de preservação ambiental, e ela se localiza entre o Benedito Bentes e o Litoral Norte da capital alagoana. Caso essa área dê lugar a espaços de moradia tais como os projetos que vêm sendo executados na Garça (derrubada da vegetação original, aterramento de mangues e construções sem qualquer integração com a natureza), é possível que cheguemos a mais uma “honrosa” colocação, a de cidade menos arborizada do País. Se esta área verde for devastada, não só podemos ter consequências ambientais graves, como as causadas pela remoção da vegetação e dos morros para a construção das avenidas Josefa de Melo e Pierre Chalita, como também poluir-se-á ainda mais as nascentes existentes na área e jogar-se-á no lixo a possibilidade de fazer de Maceió uma capital mais agradável de viver e, consequentemente, mais atraente. Afinal, sabemos que Maceió possui pouquíssimas áreas de lazer, apenas um parque (Bebedouro) com reserva ambiental, mas com acesso extremamente complicado. Diante disso, o Abrace a Garça, em consonância com as potencialidades “natureza. tranquilidade, áreas verdes” e com o problema “falta de áreas de lazer”, propõe a construção do Parque Linear do Litoral Norte, preservando fauna e flora locais e agraciando moradores da comunidade, da cidade de Maceió e turistas! Não queremos a reprodução de área urbanizada sem reservas ambientais, uma vez que são estas que garantem a “purificação” do ar e preservam a permeabilidade do solo. A revisão dos parâmetros urbanísticos é necessária para a garantia da preservação dos recursos naturais, conforme consta na Constituição Federal Brasileira: Capítulo VI VI - DO MEIO AMBIENTE (ART. 225) Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-seá, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Esses bens, sendo de USO COMUM, conforme consta no texto magno, devem, portanto, ser de amplo acesso, o que sustenta a nossa defesa por um espaço de reserva ambiental e lazer no Litoral Norte. Do mesmo modo, sugere-se a ampliação do trabalho 6
ambiental para evitar a retirada da vegetação de restinga à beira-mar. De acordo com o atual Plano Diretor de Maceió, temos que: DAS DIRETRIZES GERAIS [...]. Art. 2º. São diretrizes deste Código: I – a compatibilização do uso, da ocupação e do parcelamento do solo: [...] b) às condições do meio físico natural; c) à presença e preservação do patrimônio natural, paisagístico, histórico e cultural; [...] VII – aproveitamento dos fundos de vales e faixas de proteção dos cursos d’água como áreas de uso público de lazer e circulação; (MACEIÓ, 2010)
É importante reforçar que a preservação desses espaços deve se dar com AMPLO acesso para a população, garantindo a circulação livre e incentivando a construção de espaços que permitam prática de esportes (de acordo com a comunidade, praças de skate e quadras poliesportivas) e integração e geração de renda, como espaço para cursos, exposições e outras atividades de educação, saúde e lazer. Nesse sentido, propomos ainda a implantação de um PROGRAMA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL através de parceria entre as escolas públicas e privadas, Institutos de preservação ambiental e a população residente, a CRIAÇÃO DE UM CORREDOR DE FAUNA E FLORA PARA TODO O LITORAL NORTE (que dará suporte à proposta do Parque Linear e cujo estudo deve ser desenvolvido por urbanistas, biólogos e geólogos), bem como a CRIAÇÃO DE UMA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA2 E PROTEÇÃO À BARREIRA DE CORAIS, como algumas experiências já existentes no Brasil e no mundo.
2
INFRAESTRUTURA URBANA
Urbanidade é a qualidade ou a condição de ser urbano, que, por sua vez, é adjetivo que remonta às relações próprias da cidade e dos sujeitos que nela vivem. Não existe apenas um modelo de cidade, mas há a melhor forma de se organizar uma cidade de acordo com as peculiaridades que ela apresenta. Para isso, o poder público é constituído a fim de dotar e gerir a infraestrutura para que ela seja habitável, agradável. Uma cidade favorecida naturalmente, mas sem infraestrutura adequada a seus moradores não pode ser adequada para
2
As Reservas Extrativistas são áreas em que se busca a preservação ambiental a partir da extração dos recursos apenas pelas populações tradicionais, que também são capacitadas para lidar de maneira sustentável com esses recursos.
7
mais ninguém: é um produto que se vende no cartão postal, mas que perde seu valor na constatação de que se trata de exploração sem responsabilidade social. Em tempos de internet, não é difícil encontrar opiniões negativas sobre esgoto nas praias e nas ruas, sujeira, violência e pobreza. Na internet, é possível encontrar, em sites de compartilhamento de informações turísticas, críticas ao Litoral Norte de Maceió justamente pela ausência de infraestrutura: esgoto a céu aberto, visível na própria Rodovia AL 101 Norte, alagamentos, fossas que estouram e problemas com o lixo são comuns nessa área. Ser urbano não é “apenas” saber viver na coletividade da cidade, mas sobretudo ter consciência de que cabe ao poder constituído para tal, dotar o espaço em que se vive da infraestrutura urbana necessária, que garanta a ele saúde, educação, mobilidade, limpeza. Tais problemas foram levantados nas oficinas realizadas pelo Abrace a Garça, nas quais enumeramos os seguintes pontos: 2.1 Mobilidade urbana Muito mais do que duplicação da AL 101 Norte – projeto inviável do ponto de vista financeiro, atrasado do ponto de vista humano e perigoso do ponto de vista ambiental, defendemos a mobilidade a partir de um modelo não individualista, mas coletivo. A maior parte dos moradores dos bairros do Litoral Norte se locomove de ônibus e de bicicleta. Na rodovia, andar a pé ou de bicicleta é um risco de vida, uma vez que não há padronização de calçadas – em certas áreas as construções são coladas na pista – e o acostamento é tomado por terra, água, esgoto e sujeira. Em Garça Torta, a comunidade, em um processo de crescimento local a partir dos clãs familiares que povoaram a região em virtude da pesca, em sua maioria vendeu suas terras a beira-mar por preço baixo, passando a morar entre a rodovia e as falésias. A maior parte das famílias encontra-se nessa área, uma vez que a parte superior do bairro, por onde poderia passar outra estrada, é ocupado por um grande condomínio. Não há, na região, transporte público para a parte alta da cidade, com exceção da linha UFAL/Ipioca, que passa apenas no Barro Duro, Gruta e Tabuleiro. Como não há terminais de integração na cidade, o problema torna-se ainda mais grave. Pensamos que, além da expansão do transporte coletivo, a solução urbana mais viável para a região seria o transporte ferroviário, como já demostrado em inúmeras pesquisas, uma 8
vez que permite a expansão ao redor das estações, onde se desenvolve a estrutura necessária. Ambientalmente, a solução também é a mais aceita. A parte disso, incentivamos a construção de ciclovias como alternativa sustentável e saudável para a cidade e ressaltamos o caso da Grota do Andraújo, localizada entre Guaxuma e Riacho Doce, cuja passagem dá acesso ao Aterro Sanitário. A estrada que liga a comunidade à Rodovia é de terra, ficando intransitável em épocas de chuva. Lá inexiste opção de transporte coletivo. No que diz respeito ao acesso à praia, defendemos a abertura de vias de passagens para pedestres, a fim de garantir o amplo acesso da população aos bens naturais, bem como evitar a privatização do espaço público.
2.2 Saneamento Básico
De acordo com a Lei Federal 11.445, de 5 de janeiro de 2007: Art. 2 o Os serviços públicos de saneamento básico serão prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: I - universalização do acesso; II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; III - abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública à proteção do meio ambiente; IV - disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; V - adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; VI - articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante;
Sabe-se, assim, que o saneamento básico reúne os serviços de: 1 – abastecimento de água potável, o manejo de água pluvial, a coleta e tratamento de esgoto, a limpeza urbana, o gerenciamento de resíduos sólidos e o controle de pragas e qualquer tipo de agente patogênico, visando à saúde das comunidades.
2.2.1 Abastecimento de água A Portaria nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011 do Ministério da Saúde afirma que: 9
Art. 3º - Toda água destinada ao consumo humano, distribuída coletivamente por meio de sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água, deve ser objeto de controle e vigilância da qualidade da água. Art. 4º - Toda água destinada ao consumo humano proveniente de solução alternativa individual de abastecimento de água, independentemente da forma de acesso da população, está sujeita à vigilância da qualidade da água.
Sendo assim, em que pese boa parte do abastecimento de água no Litoral Norte ser proveniente de poços, sejam eles de uso individual ou controlados pela Casal, há a necessidade de garantir não apenas o abastecimento, mas o controle desse bem. De acordo com a empresa, a água da região é salinizada – o caso mais grave é o de Ipioca, uma vez que é de conhecimento público por ser de controle da Casal. Os aqüíferos (reservatório de águas subterrâneas) na cidade de Maceió (AL) têm hoje mais sal que na década de 1970. A concentração desse elemento chegou a 1.800 mg/L e o teor máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 250 mg/L. Se o processo de exploração da água indiscriminada e a ocupação urbana desordenada continuarem, o resultado será: encarecimento do custo da água e o comprometimento no abastecimento, já que o processo de salinização é irreversível. Hoje 75% do abastecimento da cidade são feitos por águas subterrâneas e 25% de águas superficiais. 3 (ROCHA, 2005)
Acontece que como não há esgotamento sanitário nos bairros do Litoral Norte, a população constrói fossas que podem atingir o mesmo lençol freático do qual vem a água que a abastece, gerando consequências graves para a saúde. Como não há proposta de expansão para o abastecimento de água na região, consequentemente, não há possibilidade de expandir a cidade para a região. Há anos o abastecimento de água é considerado o principal problema da população, que sofre com a desordem no abastecimento (apenas para uma pequena parte da população chega água todos os dias: a que é abastecida por poços próprios), chegando a ficar mais de uma semana sem água nas torneiras. 2.2.2 Manejo de água pluvial Um ponto de relevância significativa. Ainda é prática comum na gestão pública municipal considerar a “urbanização” apenas como a execução de obras de pavimentação de ruas e de drenagem das aguas pluviais. Associado à falta de sistema de esgotamento sanitário (rede coletora e estação de tratamento), temos o problema de “línguas sujas” que correm para as praias, os rios e a lagoa Mundaú, poluindo os recursos hídricos e comprometendo os 3
Wilton José Silva da Rocha, autor da tese de doutorado Estudo da Salinização das Águas Subterrâneas na Região de Maceió a partir da Integração de dados Hidrogeológicos, Hidrogeoquímicos e Geoelétricos, defendida em junho de 2005, sob a orientação do professor do Instituto de Geociências José Elói Guimarães Campos da Universidade de Brasília – UNB. Disponível em: http://perfuradores.com.br/index.php?CAT=pocosagua&SPG=noticias&TEMA=Not%EDcia&NID=0000003502 , acesso jul de 2015.
10
ecossistemas marinhos e lagunares. É preciso enfatizar que as tais “línguas sujas” decorrem das ligações clandestinas de esgotos sanitários das unidades habitacionais, estabelecimentos comerciais, hotéis, etc., por toda a parte “urbanizada” da cidade de Maceió. Faz-se necessário, portanto, a mudança de paradigma na gestão municipal: é inaceitável que sejam realizadas obras de pavimentação e drenagem sem antes realizar a – mais que necessária – obra de esgotamento sanitário, entenda-se por isso: rede coletora, estação de tratamento de efluentes e o monitoramento do funcionamento e qualidade do sistema. No caso dos bairros do Litoral Norte as “línguas sujas” já existem mesmo antes de termos o pavimento executado. Portanto, exigimos o estudo da real situação e queremos participar ativamente da elaboração de projetos para o saneamento de todo o Litoral Norte. Não menos importante questionar que os projetos de drenagem de águas pluviais devam ponderar sobre a escassez do recurso hídrico verificada atualmente. Nesse sentido, considerar a retenção das águas pluviais, livres de contaminação e com o devido sistema de tratamento, como um manancial de recurso hídrico, pode ser decisivo no futuro próximo. Haja vista que os estudos indicam a diminuição da vazão dos poços profundos que abastecem 75% da população maceioense, e o quadro tende a se agravar com o avanço da ocupação do solo, e a consequente impermeabilização deste, na área que compreende atualmente os bairros do Tabuleiro dos Martins, Cidade Universitária e adjacências. A negligência do poder público, nas sucessivas gestões municipais, não pode continuar. É preciso que a tomada de decisão leve em consideração o significativo aporte de estudos científicos já realizados sobre as questões de uso e ocupação do solo, taxa de permeabilidade e a recarga dos aquíferos – nosso manancial de recurso hídrico mais importante atualmente. O uso do geoprocessamento trouxe subsídios à investigação dos efeitos da ocupação urbana na área, que vem se intensificando a partir das décadas de 1980/90 com a construção de conjuntos habitacionais de interesse social. Essa ocupação vem comprometendo, principalmente à recarga dos aqüíferos na área, que responde por uma importante parcela na rede de abastecimento de água em Maceió. Com a supressão de vegetação e a impermeabilização do solo, a água não infiltra e tende a escorrer superficialmente, fato que causa enchentes na área e transtornos aos habitantes. Assim, a aplicação do geoprocessamento na análise do ordenamento territorial visa oferece subsídios, principalmente ao planejamento urbano (SILVA, 1993), de áreas complexas dentro do tecido urbano. (SOUZA; CONCEIÇÃO. 2006)
11
Carvalho (2010) mostra os prejuízos do Sistema de Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins, como uma medida paliativa de curto prazo; de alto impacto e investimento financeiro, que prejudicou o ciclo natural da bacia (antes endorréica) por dificultar a infiltração das águas pluviais passando a configurar-se como exorréica. As “lagoas”, que na verdade são tanques de retenção, não solucionou os alagamentos locais e provocou a jusante. O problema dos alagamentos foi apenas camuflado e transferido de lugar. O bairro de Jacarecica atualmente sofre as consequências conforme nos mostra A impermeabilização dos solos promove sensíveis mudanças nas respostas hidrológicas nas áreas urbanas, sendo os principais efeitos o aumento e antecipação da vazão máxima do escoamento superficial e a diminuição da infiltração, ocasionando inundações e alagamentos. O crescimento das metrópoles no Brasil tem acontecido por meio da expansão irregular de periferia com pouca obediência da regulamentação urbana, além da ocupação irregular de áreas públicas por população de baixa renda em áreas inadequadas como encostas e várzeas de inundação. A bacia do rio Jacarecica (25,65 km2), localizada na periferia de Maceió-AL, vem sofrendo ocupação urbana em processo acelerado e de maneira inadequada. Com a transposição de águas pluviais do Projeto de Macrodrenagem do Tabuleiro dos Martins (PMTM), o rio Jacarecica sofre acréscimo de vazão e alteração da qualidade de suas águas.4 (PEPLAU, 2005)
2.2.3 Coleta e tratamento de esgoto A maneira individualista com que vem sendo tratada a questão do esgotamento sanitário no Litoral Norte de Maceió tem sido extremamente negativa para a cidade. As estações de tratamento – individuais – resolvem pontualmente o problema, e apenas para quem pode pagar por ele. A não compreensão da cidade como coletividade parece retornar os tempos medievais, em que a plebe e o povo eram separados pelos muros dos castelos. Mas a cidade é habitação de todos, e o chão que pisamos é o mesmo, a água que consumimos é a mesma, as praias em que nos banhamos é a mesma – ou deveriam. Maceió possui apenas 35,4% de sua população atendida pela rede de esgoto, e a previsão de expansão, com a finalização das obras do PAC 1 – recursos federais – é que chegue apenas a 40%5. No Litoral Norte da cidade não há NENHUM sistema de esgotamento sanitário implantado, por isso tal solução não pode se restringir às construtoras – pois há uma população de baixa renda que já vive no local, sem acesso a saneamento básico, abastecida por poços cuja água aos poucos é contaminada pelo mesmo esgoto jogado em suas fossas. Prova disso é a “língua suja” já existente em Guaxuma, em frente ao residencial Gran Marine.
4
PEPLAU, Guilherme Rocha. Influência da variação da urbanização nas vazões de drenagem na Bacia do Rio Jacarecica em Maceió/AL. Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil. Centro de Tecnologia e Geociencias da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2005. 5 Ver página: http://casal.al.gov.br/atuacao/esgotamento-capital/, acesso em junho de 2015.
12
Com a impermeabilização do solo, o esgoto foi canalizado para o mar. Tal fato contradiz a afirmação do presidente da Ademi em 20056, Felipe Cavalcante, durante o processo de revisão do Plano Diretor para que pudessem modificar as leis e construir prédios de maiores pavimentos no Litoral Norte de Maceió, de que os empreendedores imobiliários estariam “propondo uma parceria entre os setores público e privado, para saneamento do local, beneficiando não só os futuros empreendimentos, como a população hoje existente.” Nesse contexto, propomos o estudo dos reais problemas de esgotos na região e a participação ativa na elaboração dos projetos de saneamento do Litoral Norte. O Movimento Abrace a Garça iniciou o mapeamento das “línguas sujas” que já cortam os núcleos mais adensados no bairro de Garça Torta e identificou a possibilidade do uso de “wetlands”
Área degradada a margem do Riacho Garça Torta, onde identificamos a possibilidade de implantar um sistema wetland construído.
Figura 1. Mapeamento das "linguas sujas" na Garça Torta.
Wetland é o nome dado a um ecossistema natural que fica parcialmente ou até mesmo totalmente inundado durante épocas do ano, como por exemplo: os pântanos; as várzeas de um rio e os manguezais.
6
ALMEIDA, Fátima. Construção Civil espera decisão para investir no Litoral Norte. Gazeta de Alagoas. 29 de maio de 2005.
13
Segundo Salati (2009), as wetlands construídas são ecossistemas artificiais com diferentes tecnologias, utilizando os princípios básicos de modificação da qualidade da água das wetlands naturais. Sendo que os sistemas artificiais diferem principalmente daqueles naturais pelo regime hidrológico controlado; pelo substrato projetado para otimizar a condutividade hidráulica do sistema e a biodiversidade encontrada nos dois sistemas (construídos e naturais). Atualmente a construção de sistemas wetland tem sido empregada em vários países para a recuperação dos recursos hídricos, especialmente na Europa, América e Austrália (DENNY, 1997 apud TONIATO, 2005). No Brasil, esta modalidade de tratamento recebe outros nomes, como áreas alagadas construídas, zona de raízes, leitos cultivados, entre outras denominações, conforme esclarece Toniato (2005). Apesar dos muitos estudos que essa tecnologia de tratamento tem motivado, a grande maioria tem sido realizada em realidades diferentes das encontradas no Brasil. As condições de clima que aqui predominam, podem favorecer esse tipo de tratamento por duas fortes razões: a temperatura média mais alta aumenta a atividade microbiológica; e a maior insolação faz com que as plantas se desenvolvam mais rapidamente e consequentemente aumentam a perda líquida do sistema através da evapotranspiração, reduzindo em muito o volume de esgoto descartado após o tratamento. (TONIATO, 2005)
Outra característica importante nos sistemas wetlands construídos é o uso de plantas estabelecidas em um meio filtrante, que pode ser constituído de vários tipos de solos ou pedras. O uso de plantas contribui para uma composição esteticamente agradável quando comparado a bases de concreto. Mediante o exposto, o Movimento Abrace a Garça propõe a formação de um Grupo de Estudos Aplicados ao Litoral Norte para elaboração e implementação de projetos wetlands nas Areas de Preservação Permanentes da região, a saber: baixo cursos de rios e riachos, entendendo ser essa uma solução de baixo custo de execução e manutenção, mas que pode refletir em aumento considerável da qualidade dos ecossistemas costeiros da área em questão. 2.2.4. Gerenciamento de resíduos sólidos Para reduzirmos os danos do desenvolvimento desordenado da cidade, defendemos não apenas a coleta de resíduos sólidos na região do Litoral Norte, mas todas as comunidades que ocorrem ao longo dos percursos dos rios que desaguam no mar. A coleta dever vir junto com programas de educação ambiental, bem como toda a infraestrutura necessária ao descarte desses resíduos. 14
Instituir um programa de coleta seletiva, que inclua o recolhimento de materiais descartáveis e seu destino a instituições apropriadas, bem como recolhimento periódico de materiais orgânicos, como podas e materiais correlatos, bastantes comuns na região. Um grande problema vivenciado pela população de toda a região é o odor insuportável proveniente do aterro sanitário da cidade. Acreditamos em algum erro técnico no manejo dos resíduos que são enviados ao aterro e exigimos soluções, considerando que o odor pode representar materiais nocivos a saúde da população de maneira geral. 2.3 Abastecimento de Energia A falta de energia é problema constante na região, relatado por todas as comunidades. Atinge toda a população – dos mais ricos aos mais carentes – e tem causado prejuízos a moradores e comerciantes, com a perda de equipamentos eletroeletrônicos e produtos alimentícios. O projeto de expansão imobiliária que desconsidera essa realidade e a inexistência de projetos – por parte dos órgãos responsáveis – para melhoria e expansão dessa rede é, no mínimo, responsável para a efetivação de um cenário de caos em pouco tempo. Precisamos resolver os problemas existentes e expandir a rede de abastecimento de energia, bem como sua capacidade. 2.4 Pavimentação e drenagem das ruas Após a implementação da rede coletora de esgoto, vinculando seu destino ao tratamento correto, bem como obras adequadas visando a drenagem pluvial, precisaríamos assegurar a pavimentação de várias vias da região. Destacando, na Garça Torta, as Ruas São Pedro e o acesso a Grota do Andraújo. A pavimentação de vias como essas sem a devida destinação das águas pluviais e de esgoto irá danificar de modo irreversível o meio ambiente da região, sendo ainda má gestão de dinheiro público, uma vez que demandará, em futuro breve, a quebra do pavimento para a correta instalação da rede de esgoto, necessária por constituir item indispensável a qualquer processo sensato de urbanização. Como falado, não existe coleta de esgoto na região, por vezes “descartado” em terrenos baldios e nas próprias vias. Se esses problemas não forem resolvidos antes da construção de calçamento, o material antes absorvido pela terra das ruas e terrenos irá parar diretamente no mar, prejudicando a vida marinha, a balneabilidade da praia e consequentemente a pesca da região. 15
Portanto, entendemos que todo o planejamento de construção ou reforma de vias devem ser pensado na solução de diversos outros problemas existentes. 3. DESENVOLVIMENTO LOCAL E TURISMO A valorização do potencial produtivo defendido pelo Movimento Abrace a Garça para o Litoral Norte encontra respaldo na legislação vigente do atual Plano Diretor da Cidade, a saber: Art. 9o. São diretrizes para orientar a política e gestão do desenvolvimento econômico: [...] V - incentivo à produção agrícola, periurbana e em hortas comunitárias; VI - articulação dos órgãos e entidades municipais responsáveis pela produção econômica com entidades de apoio às atividades artesanais, pesqueiras, hortifrutigranjeiras e de floricultura tropical, entre outras que possam ser desenvolvidas no Município; VII - estímulo à criação de cooperativas de produção artesanal; VIII - estímulo ao desenvolvimento de atividades peculiares em cada comunidade de baixa renda, levando em conta as origens da população e suas aptidões; IX - incentivo à integração da agricultura de produção comunitária no abastecimento da Cidade, inclusive através do fortalecimento dos mercados e feiras de bairro que comercializam produtos locais. X – incentivos ao desenvolvimento turístico do Litoral Norte;
O potencial turístico pode ser bastante prejudicado se o crescimento continuar regulamentado de forma a permitir a verticalização à beira mar, acabando com o que há de singular e pitoresco na região. Preservar o que existe e cuidar para solucionar os problemas existentes incluindo a população que reside na região é a saída que defendemos. Um grande exemplo é o Turismo de Experiência do Lugar, que torna o ambiente atrativo não apenas por conta de suas praias e demais recursos naturais, mas pela singularidade do local, pelos seus moradores e modo de vida. Essa forma de turismo, em cidades nas quais é aplicada, pode ser intensificada e organizada, uma vez que a Garça Torta e o Litoral Norte de Maceió já atraem turistas de todo o mundo, a fim de construir com o local uma relação não somente de exploração, mas de contribuição com a dinâmica social, cultural e urbana. Na Garça Torta, especialmente, carecemos de espaços públicos qualificados, como praças e áreas verdes, que sirvam de ponto de encontro da população, com quadra poliesportiva, pista de skate e um Centro Comunitário, a fim de agregar as mais diversas atividades do bairro e região. Lembramos que o Litoral Norte tem uma enorme riqueza cultural que eleva a potencialidade desta localidade, e que a valorização humana e social passa pela construção de espaços que priorizem a intensificação destas relações, contribuindo para que a cidade de Maceió continue a ser singularizada pela preservação e valorização desses traços culturais. 16
4. HABITAÇÃO Defendemos, para parte do Litoral Norte ocupada historicamente por comunidades de baixa renda, a habitação de interesse social: adequação de habitações e urbanização dos adensamentos já existentes, construção de novas unidades habitacionais para suprir o déficit atualmente existente nos povoados 5. USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Defendemos a proposta de escalonamento da verticalização, que estabeleça a relação entre o aumento gradual do número de pavimentos mediante ao afastamento da costa litorânea, conforme mostra a ilustração abaixo:
Defendemos ainda a restrição da ocupação do solo de forma a garantir a reserva dos aquíferos, conforme explicado no item 2.2. Saneamento Básico do presente documento. 17