8 Jornal de Leiria 18 de Setembro de 2014
Entrevista Rui Morais O presidente da Banda de Alcobaça acredita que a cidade e a região poderiam beneficiar, a curto prazo, de uma política estratégica de crescimento sustentada no turismo cultural, caso os principais agentes se unissem nesse esforço
“Falta uma estratégia integrada de promoção turística em Alcobaça” Jacinto Silva Duro jacinto.duro@jornaldeleiria.pt A Banda de Alcobaça faz, 95 anos em 2015, e foi responsável pela formação de muitos dos mais conhecidos músicos de Alcobaça... Se somarmos todas as nossas áreas de intervenção, seremos das maiores escolas do País. Em 2013/2013, nos cursos vocacionais, a Academia de Música de Alcobaça (AMA), que é gerida pela Banda de Música de Alcobaça, teve cerca de 600 alunos, sendo que a maioria estudava música. Cobrimos uma área geográfica muito grande e, desde 2008, com o novo regime articulado, apostámos muito numa organização com as escolas de ensino regular. Isso fez com que a academia crescesse e, este ano, prevemos ter um pouco mais de 500 alunos nos cursos oficiais de música e cerca de 50 na dança, sem contar com os cursos livres. Temos ainda protocolos no ensino pré-escolar, sénior e AEC, no 1.º ciclo, o que faz com que, nos últimos anos, tenhamos dado aulas de música, dança e expressão musical e corporal a cerca de cinco mil pessoas por ano. Este ano, o número vai baixar consideravelmente devido a um problema com as AEC, pois, em termos globais, com as saída das AEC dos agrupamentos escolares de Cister e Benedita, ficaremos com menos 1600 alunos. Mesmo assim, continuaremos a ser uma das maiores escolas do País. Que papel deve ser reservado às artes na formação do indivíduo? Ninguém discute que a actividade desportiva é essencial, desde a mais tenra idade. A maior parte dos pais entende que as artes são tão fundamentais como as actividades des-
portivas. Esse é também o nosso projecto e apostámos muito nas AEC e pré-escolar, uma vez que acreditamos que é importante concretizar um projecto integrado de base que depois dê acesso a cursos de artes. Nos últimos anos, com o conceito de escola a tempo inteiro, com o ensino da música e expressões artísticas e com o novo regime de ensino articulado, os Governos também entenderam esta visão. Se considerarmos os números de crianças que estão a aprender artes, veremos que houve um crescimento, apesar da crise. A sociedade está mais mentalizada para que as artes sejam factores de criação de cidadãos mais cultos e conhecedores, independentemente de os alunos, no futuro, não seguirem carreiras na área. Há muito que se sabe que as artes têm impactos positivos importantes ao nível da formação do indivíduo e desempenho intelectual. É verdade. Há estudos científicos que o provam, nomeadamente, a relação entre o estudo da música e a matemática. Claro que, neste âmbito, também se pode falar da criatividade e disciplina. Os alunos que estudam artes, normalmente, apresentam um comportamento mais maduro. A música e a dança funcionam como se fossem alavancas para outras áreas do conhecimento. Quando falávamos com os directores das escolas, no princípio da nossa acção junto dos estabelecimentos de ensino, tínhamos o cuidado de sublinhar que estas áreas não iriam contrariar os bons resultados dos alunos e, regra geral, as turmas passaram a ter melhores resultados e mais rigor. Passados seis anos desde que iniciámos o regime articulado, podemos dizer que, nor-
malmente, aquelas são as melhores turmas da escola. Do ponto de vista empírico, a música parece ajudar os alunos a melhorar os seus níveis de concentração e os resultados na componente vocacional e de estudo normal das disciplinas. O festival Cistermúsica é um dos aspectos mais visíveis do trabalho feito pela Banda de Alcobaça. Este ano, mais uma vez, o evento conseguiu críticas muito positivas da imprensa especializada. Como se consegue organizar um festival desta magnitude numa cidade que fica fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto? O projecto tem componentes pedagógica e artística muito fortes. A Banda de Alcobaça/Academia de Música realiza desde há 12 anos o Cistermúsica – que já existe desde há 21 anos, mas tinha organização da autarquia – e ele tem crescido em quantidade e qualidade de espectáculos. As coisas têm corrido muito bem, não apenas em termos de crítica especializada mas também de afluência do público. Este ano, ao fim de dois anos em que não cobrámos ingressos, reintroduzimos a cobrança de bilhetes e não sentimos grande diferença. Tivemos a esmagadora maioria de concertos e bailados lotados. O público procura os eventos culturais, não obstante a crise? Não tenho dados fidedignos para afirmar isso, mas, em Alcobaça, existe uma programação cultural de qualidade, desde há muitos anos, e de uma forma geral, temos boas médias de espectadores. É evidente que os espectáculos contam com preços muito acessíveis, uma vez que acontecem no Cine-teatro João D'Oliva Monteiro, que é da Câmara. Em 2012 e 2013, o Cistermúsica foi de entrada gratuita e
Em destaque Falta obrigar todos os agentes turísticos, de promoção de eventos culturais, comerciantes e o poder a estarem em ligação...
coincidiu com anos de grave crise. Este ano, ficámos surpreendidos porque, embora a crise não esteja totalmente afastada, tivemos muito público. A AMA não é apenas uma escola é também uma entidade com capacidade de produzir grandes eventos artísticos, pois além do Cistermúsica temos também o Concurso Internacional de Música de Câmara, que acontece de dois em dois anos ou o Gravíssimo. Isto acontece porque , há dois anos, a Banda de Alcobaça ganhou um apoio significativo da Direcção-Geral das Artes, para programas plurianuais com escala nacional e local. Isso garante-nos apoios públicos até 2016. Sendo Alcobaça uma cidade com grande número de turistas, acredita que é possível fazer uma melhor ligação entre o turismo de massas e o cultural? É possível fazer ainda mais no futuro. Neste momento, já temos essa preocupação, no Cistermúsica, mas é possível fazer mais. Muito mais. Falta uma estratégia integrada de pro-
Jornal de Leiria 18 de Setembro de 2014 9 ENTREVISTA COM O APOIO DE:
RICARDO GRAÇA
Mais-valia
Mosteiro é cidade dentro da cidade
moção turística em Alcobaça e da região. Falta obrigar todos os agentes turísticos, de promoção de eventos culturais, comerciantes e o poder a estarem em ligação... de outro modo, iremos depender sempre de voluntarismo e boas vontades. Há muitas outras pessoas que concordam comigo e na necessidade de criar um plano estratégico para o turismo. O turismo é apontado como um dos pilares estratégicos para o crescimento do País. Por isso mesmo, seria interessante atingir de uma forma mais conseguida a ligação entre cultura e turismo. Muito do que fazemos no Cistermúsica entra mais dentro do conceito de turismo cultural do que de simples festival de música e dança. É por isso que, desde há alguns anos, agendámos o evento para Julho, para aproveitar o grande fluxo turístico dos meses de Verão. No entanto, o turismo que vai a Alcobaça, passa muito pouco tempo na cidade. Assim, não beneficiamos do turista anónimo, porque essas pessoas não se demoram.
Perfil O advogado saxofonista Rui Morais, 40 anos, é o presidente da Banda de Alcobaça, desde há 12 anos. É natural de Alcobaça, cidade onde viveu até aos 15 anos, quando foi estudar saxofone, no Conservatório em Lisboa. “Foi a melhor maneira de conciliar os estudos no secundário com a música”, recorda. Nunca deixou de estar ligado à terra natal mesmo quando, anos depois, já na faculdade de Direito, regressava todos os fins-de-semana para ensaiar com a banda. Ao fim de 18 anos a viver em Lisboa, decidiu regressar a Alcobaça. Embora se tenha formado em Direito, ainda frequentou o primeiro ano da licenciatura em saxofone na Escola Superior de Música de Lisboa. Rui Morais não acabou por ser advogado nem músico. A determinado momento, durante
a licenciatura de Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, começou a investir mais tempo na Banda de Alcobaça. Concluiu a licenciatura, fez o estágio e inscreveu-se na Ordem dos Advogados. “Hoje, não 'advogo' muito, embora continue inscrito na Ordem”, admite. A presidência da Banda de Alcobaça, que é proprietária da Academia de Música local, a direcção executiva desta instituição de ensino e a programação cultural que faz para a autarquia ocupam-lhe quase todo o tempo. Actualmente, a Academia de Música de Alcobaça, criada há 12 anos, é um conservatório e escola oficial de música e dança, com cerca de uma centena de professores.
Visitam o mosteiro em timings cristalizados há muito e, a maior parte das vezes, nem sequer dormem na hotelaria da região. Há muito a fazer para que isto se inverta. Por outro lado, há muitos estrangeiros que residem na região e que, talvez pela educação que tiveram, dão muita importância à cultura e são presença assídua nos nossos concertos. Os espectáculos são mesmo apresentados em três ou quatro línguas pelo nosso director artístico, Alexandre Delgado, precisamente por causa dos ingleses, franceses, alemães e holandeses que por cá vivem. O Cistermúsica está inclusivamente a tentar coordenar a realização de eventos com os operadores turísticos privados para que grupos de visitantes possam assistir a espectáculos organizados pela AMA, quando visitam o mosteiro. Queremos que o turismo cultural seja uma das vertentes da nossa estratégia de crescimento nos próximos anos, mas isso implica ter alunos e professores de grande nível para que possamos atender às expectativas.
A ausência de um hotel – como aquele que tem sido falado para o mosteiro – que permita a permanência dos turistas é uma pecha no desenvolvimento da cidade e do concelho? É. Embora seja, apenas, mais uma peça de um puzzle que precisa de encontrar muitas mais partes que possam encaixar num plano estratégico muito mais estruturado e sistematizado para o turismo em Alcobaça e na região. Obviamente, um hotel de qualidade – de luxo ou não – é importante para captar um tipo de turismo que tem interesse pelas actividades culturais. O mosteiro de Alcobaça é gigantesco. É um cidade dentro de uma cidade e aquelas áreas que não têm uso vão-se degradando. No estrangeiro é comum este tipo de monumentos serem a casa de escolas artísticas e o espaço poderia albergar alguns projectos da Academia de Música. Se as áreas que agora estão desocupadas fossem utilizadas poupar-se-ia muito dinheiro ao Erário, em custos de conservação. Recentemente, a Banda de Alcobaça adquiriu o jornal Região de Cister. Era algo que faltava ao universo da Banda? Temos um projecto de comunicação relativamente sólido. Trabalhamos com uma empresa de design, temos uma pessoa dedicada em exclusivo à nossa comunicação, e isto não é comum numa academia de artes. A comunicação e imagem são áreas a que sou muito sensível. É preciso apresentar os nossos cursos e actividades educativas à população e as pessoas têm de entrar em contacto connosco. Foi uma oportunidade que surgiu. A entidade proprietária do Região de Cister pretendia aliená-lo ou fechá-lo. Tivemos a preocupação de manter a marca e manter os postos de trabalho. É uma aposta de risco pois a comunicação não é uma área fácil de trabalhar. Não há muitas empresas dispostas a comprar publicidade regularmente. Por outro lado, seria uma forma de ampliar o alcance daquilo que a AMA faz, num jornal independente, com uma linha editorial rigorosa. Um dos nossos objectivos para o primeiro semestre foi uma aposta clara nos meios digitais, que já concretizámos com um novo site, e, no próximo semestre, vamos apostar num reforço editorial e num novo design gráfico. No início, havia pessoas que não acreditavam na bondade das nossas intenções, mas passados seis meses, de forma geral, as pessoas já perceberam que a Banda não tem qualquer interferência editorial no Região de Cister. Há uma diferença clara entre o que é a Administração e a Direcção do jornal.