A história de joca e juarez

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


SALETE MARIA FANKA SANTOS

A HISTÓRIA DE JOCA E JUAREZ

JUAZEIRO DO NORTE 2001



Juarez era um senhor Devoto do meu padim Trabalhava com ardor Cultivando seu jardim “um dia o cão atentô” E Juarez se apaixonou Por Joca de Manezim! Isso se deu em meados De mil novecentos e seis Naquele tempo veado Era bicho que Deus fez “home não ama ôtro home Senão vira Lobisomem” Disse o padre, certa vez O tal Joca era um rapaz Zabumbeiro de primeira Era um tocador capaz De agradar moça solteira


Mas também ele gamou Por Juarez se apaixonou Quando o viu na ribanceira. O Juarez, que moço bom! Honesto e temente a Deus Tinha mesmo aquele dom De estar junto dos seus Porém Joca despertava Algo que o incomodava Mais profano que os ateus Orava dias a fio Pedindo a Deus proteção Não chiava nem um pio Sobre a sua condição Sentia até arrepio Um sentimento sombrio Domava seu coração


Dizia: “Deus me ilumine Não sei o que há comigo Creio que já imagine Que amo o meu amigo Por favor me examine Preciso que me vacine Me livre deste castigo!” Foi um dia à sacristia Querendo se confessar Mas o pobre não sabia Que o padre ia viajar Falar com os fazendeiros Combinar com os cangaceiros Franco Rabelo expulsar. Pra você vou alembrar: Romão era conselheiro Vivendo a orientar Beatos e bandoleiros.


Apesar da seca forte O milagre fez suporte Que atraía os romeiros. Disse ele: “Meu padim O senhor tá avexado? Mas me dê cá um tempim P’eu lhe contar um babado Sabe Joca Manezim? Despertou algo em mim E por ele estou gamado.” Padim Ciço extasiado Ficou teso, branco e mudo Olhou o seu afilhado Comentando o absurdo “meu filho esqueça disso Largue logo desse viço Saia já desse chafurdo!”


“Isso é a tentação Você precisa rezar Peça logo a Deus perdão Tire moça pra casar Veja Sodoma e Gomorra O castigo contra a zorra Outra vez pode se dar”. "Ademais eu advirto E esclareço a você Em assunto desse tipo Nada posso lhe dizer É tema que não me meto E com o devido respeito Eu não me deixo meter." “Reverendo acredite Meu amor é tão sincero Pela deusa Afrodite Joca é tudo que mais quero


Tenho padecido tanto Por viver esse encanto Pelo homem que eu paquero”. O vigário apressado Disse: “Estou de saída Nesse papo endiabrado Não encontrarás guarida Vá plantar o seu roçado Deixe essa história de lado Que eu já estou de partida” Juarez desapontado Dirigiu-se à Matriz Avistou Joca sentado Ao lado de Meretriz, Uma amiga rapariga Que amava outra amiga Que no circo era atriz.


Disse ele: “Caro Joca Venho do confessionário Procurei sair da toca Contei tudo ao vigário Sobre a nossa condição Nosso amor, nossa paixão É triste nosso calvário. Padim Ciço condenou Esse ‘amor entre iguais’ Ele me aconselhou A trabalhar muito mais Esquecer tal relação Procurar outra união Pois esta não me apraz.” Meretriz falou e disse, Se metendo na questão: “tudo isso é tolice Esse padre é um machão


Pois ordena a Escritura Para cada criatura Amar semelhante irmão.” “O padre tá atrasado Na sua concepção Para casos de viado Tem atualização Que tal fazer um mestrado Homossexualizado Com o São Sebastião?” "Meretriz é isso aí -disse Joca veementeVejo que no Cariri Você lançou a semente Vou falar com este padre Chamar ele de ‘cumadre’ P’rele respeitar a gente."


Enquanto isso na feira Pote, cabaça, quartinha Chinelo, terço, peneira, Cordel, reisado, lapinha Entorno toda cultura P’ruma fé cega e segura Aquele amor não convinha. Envolto neste cenário Joca fitou o Juarez Um sentimento lendário Instalou-se de uma vez E tudo ficou sagrado Como algo consagrado Qual um anjo que se fez Naquela apoteose Tudo, então, se revelou Fez-se a metamorfose Deste proibido amor


Do casulo à borboleta Emanou d’uma trombeta Um som que glorificou. O amor é grande laço O amor é armadilha O amor não tem compasso O amor não segue trilhas O amor não se condena. Todo amor vale a pena Salve quem ama e brilha! O povo de Juazeiro Comentava, maldizendo Foi, então, cada romeiro Procurar o reverendo Para que interviesse E fizesse uma prece P’ro que tava acontecendo.


Acendido o preconceito Foi difícil apagar Apesar do seu conceito Nunca quis discriminar Chamou a população Para ouvir no seu sermão O que tinha a comentar. O sacristão trouxe a vela A beata trouxe o vinho Meretriz sempre tão bela Foi chegando de mansinho Com Floro Bartolomeu Que era um amigo seu A quem falou bem baixinho: “Floro, ouça este pedido Que tenho a lhe fazer O Joca está fudido Juarez pensa em morrer


Suba lá e diga ao padre Que faça sua vontade Deixe o amor acontecer... Além disso é dever Dos que proclamam a fé Nenhum ser desmerecer Seja homem ou mulher O amor é unissex Dura Lex, sede Lex Mais tarde dirá Tom Zé." Assombrado e relutante Floro disse: “tenho medo” Meretriz disse gritante: "Pois contarei seu segredo" Ele disse: "sendo assim Deixe isso para mim Resolvo tudo, tão cedo!"


Pressionado e sem saída Subiu Floro no altar Com sua saia comprida O padre veio de lá A multidão moralista Falsa como uma ametista Ansiosa a esperar. Floro foi ao reverendo Cochichou ao seu ouvido O padre enrubescendo Disse: “atendo ao pedido!” E a missa começou Mas o padre não falou Sobre o tema pretendido. Falava ele de tudo Menos sobre o coito gay Juarez assistia mudo Joca parecia um rei


Sentiam-se justiçados Com Floro e o Padre acuados Meretriz fazia a lei Após o “ide em paz” O povo se recolheu Ao cabaré de Lilás Foi Floro Bartolomeu Meretriz com seu cartaz Joca, Juarez e um rapaz Enfim, o amor se deu. Para época em questão O ocorrido era novo Foi alvo de agitação Entre as pessoas do povo Mas Floro Bartolomeu Com o poder que recebeu Tornou comum como um ovo. FIM



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