ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.
INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.
INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte
SEU BENTINHO DO ASSARÉ
CANTIGAS DE LOUVAÇÃO
Esta história conta tudo Do Patuá do Tomé Das andanças que ele fez Quer a cavalo ou a pé, No Crato e no Quixadá E também no Assaré. Desde o dia em que nasceu Tomé se fez ardiloso, Comia um quilo de doce Mostrando ser bem guloso, Mas era bom pro pai dele Como filho carinhoso. Como diz o Patuá, Ele nasceu bem mirrado, Mas tanto comeu sequilho Que ficou empanturrado, Crescendo quase dois metros, Ficando homem dobrado.
A sua vida começa Nas terras do Riachão E desde cedo foi vítima De cangaceiro e ladrão, Que perseguiam seu pai E faziam confusão. O Riachão era bom, Mas ele de lá se botou Por causa dos cangaceiros. Muita carreira levou Com seu pai e seus irmãos E ninguém por lá deixou. Fugiu num bom caçuá, Num animal trotador, E seu destino era o Crato Terra de muito Doutor, Onde teve infância alegre Entre venturas e dor.
Correu muito pelas ruas Da Boa Vista e da Vala, A do Fogo e a Rua Grande, Ligeiro como uma bala, Bem firme nos seus cambitos Veloz de perder a fala. Foi coroinha de igreja, Foi Sacristão provisório, Entendia do riscado Desde o coro ao consistório E ajudava na missa Com todo seu latinório. Mesmo assim, como criança Era bem vivo e arteiro, Tomava banho de chuva E nas águas do Granjeiro E se corria com medo Ninguém chegava primeiro.
O que criança não faz Nem o diabo faz também, A criança sabe tudo Que a natureza contém, Faz tudo o que adulto faz E ainda vai mais além. Mas muita gente se esquece Da sua infância inglória, Ou então faz que se esquece Ou diz que não tem memória, Mas, quem sabe, tem vergonha De contar a sua história. Tomé, ao contrário, lembra Seus momentos de menino, Sua terra, seus amigos, O som plangente do sino E o calor do sertão Quando o sol está a pino.
Lembra seus banhos de açude, No meio da molecada, Tempo bom que não mais volta, Vida despreocupada, Correria pelos brejos, Quanta alegria passada. As memórias que ele conta Têm o sertão e a cidade, Têm juiz, têm promotor, Têm o bispo, têm o frade Têm as matas, têm as serras, Têm o amor e a saudade. Tomé nos traça um retrato Tão simples quanto fiel. Fala de flores, de abelhas, De seus favos, de seu mel, Fala dos ventos, das aves, Do amargo travo da fiel.
Nem mesmo esquece os folguedos Do tempo da sua infância, Que pinta com grande estilo, Com humor e elegância, Como mestre da palavra Que tem forma e substância. Inteligência abundante, Memória de se invejar, O que diz ninguém contesta, Pois não pode contestar. É escravo da verdade, Com talento de narrar. É um tempo que vai longe, Já passou, não volta mais, São fatos que aconteceram E que perduram, reais, Na lembrança sempre viva De filhos, netos e pais.
Que grande repositório De esquecidos costumes, São cinzas ainda quentes De antigos, sagrados lumes Que ora ainda revivem Em alentados volumes. Herói bem simples, modesto, De modéstia, simples saga, Guarda consigo as lembranças Que nem o tempo apaga, As suas mãos acarinham E sua memória afaga. Por exemplo, o episódio Em que relata saudoso A perda da vocação Para bispo glorioso, Por vias do despertar Do sentimento amoroso.
Ou quando conta a tragédia Da morte da mãe amada, Que ele nunca esqueceu, De oito filhos rodeada, Os olhos tristes, chorosos, Pelo destino levada. Tão pequeno, tão sozinho, O golpe cruel o traga No vendaval desta vida, Tão sombria, tão amarga. Seu sofrimento é tão grande Que a voz se lhe embarga. Mas é preciso seguir Os passos do seu destino E embora órfão e triste, Tão criança, tão menino Estuda as lições da vida, Sempre atento ao seu ensino.
Não deixa de relembrar Tanta escola onde estudou, Nem os mestres que ele teve Nem os caminhos que andou, As lições que aprendeu As roupas novas que usou. Seu livro deve ser lido Por quem gosta do passado E vê na vida um caminho De lições iluminado E acredita que a História Pode explicar nosso fado. O estilo de Tomé, Como o sol, é claro e puro. Seu pensamento é direto, O raciocínio, seguro. A idéia, solta, livre, Não tem prisão, não tem muro.
Quem é culto, ali descobre A Arte, força latente Que se desdobra e flutua, Como escondida e presente, Um raio de luz que emana Da fonte de sua mente. O Patuá é um livro Saído do coração, Por isso, não tem mistério, É claro como o sertão, Não é a mão que recusa, É a mão aperta outra mão. É palavra que ilumina, Sussuro que acalenta, É como a água dos rios Que nas várzeas arrebenta Levando a força da vida À planta exausta, sedenta.
É um confíteor solene De quem abre o coração, Vinho velho, apetitoso, É luz da imaginação, É alma aberta e pura É uma poema, é canção. É um pouco de folclore, Um pouco de tradição, É a areia do rio Que escorre fácil da mão, É um perfume discreto Das rosas do coração. Poema que sobrevive Qual viveiro de lembranças, Nas noites claras de lua, Nas brisas serenas, mansas, Na saudade dos mais velhos, No sorriso das crianças.
Canção que celebra os mitos Que a humanidade criou, Que exalta o poder do Deus Que no Universo pousou Na luta contra o Demônio Que no abismo rolou. É força do testemunho De quem muito trabalhou, Conhece a força da idéia, Muito sofreu, muito amou E nunca deixou no meio Aquilo que começou. É exemplo de ternura Legado à posteridade, É verdade que não teme A força de outra verdade, Na marcha firme e segura Nos rumos da Eternidade.
FIM