Conselhos de um médico engraçado

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


FRANSCISCO EDÉSIO BATISTA

CONSELHOS DE UM MÉDICO ENGRAÇADO



Houve outrora no Icó Um cirurgião famoso, Benquisto na região, Dedicado e caridoso, Era muito competente, Porém muito impaciente Com paciente teimoso. Seu nome: doutor Inácio, Chamado pai da pobreza, Visto fazer caridade Aos pobres da redondeza, Pois deles nada cobrava E muita vez ajudava Dos remédios na despesa. Conseguira seu diploma Na capital de Bahia, Que em termo de faculdade Era a melhor que havia, E de regresso ao sertão, Como um santo capelão Socorria a quem podia.


Fazia parto em mulher, Encanava pé quebrado, Para êle lhe traziam Cego, surdo e aleijado, Às vezes recém-nascido, Além de doido varrido Que já chegava amarrado. Menino que se engasgara, Ancião tuberculoso; Dama sem engravidar, Pai aflito, canceroso; Gente com dedo caindo, Na mão mais nada sentindo, Sem saber se era leproso. Médico recém-formado Recebe um dia um casal, Êle um típico roceiro Tendo à cintura um punhal, Ela pálida, abatida; Mostrando a face sofrida De quem está muito mal.


Antes que o pobre falasse, Explicou muito excitado, Minha mulher vem assim, Já desde o ano passado, Tem uma coisa esquisita, Tudo que come vomita, Eu julgo ser mau-olhado. Pois já foi à rezadeira, Chá de raizes tomou, Fez promessa a São Francisco, Com padre se confessou, E há pouco mais de um mês, Já pela segunda vez Outro menino abortou. O doutor abriu a ficha, A primeira dêste dia, A cada indagação feita, Só êle é quem respondia. Movido por piedade, Disse com simplicidade, Vamos agora Maria.


Se deite aqui nesta cama, Depois tente relaxar, Os braços deixe estendidos, Pra melhor lhe examinar, Enquanto desconfiado; O marido enciumado, Em pé ficava a olhar. Vendo o doutor inquirir A mulher quase defunta, Comprimindo e apertando Barriga; pescoço e junta, Gritou, doutor: alto lá! Acho melhor apalpar, O senhor faz a pergunta. Surgiu também um cliente, Querendo se consultar, Jurando ser indigente, Não podia lhe pagar, Era um tipo atarracado, Tinha um ôlho avermelhado, Manquejava no andar.


Prontamente o auscultou, Tirou a sua pressão, Notou na perna direita Comêço de infecção, E para seu lenitivo, Fez-se logo um curativo, Aplicou-lhe uma injeção. Igualmente deu colírio, Para o problema da vista, Em seguida o preveniu, Procurar um oculista, Pois o achava zanolho, E em matéria de ôlho Não era especialista. O matuto inda queixou-se, Fedendo muito a rapé Acordei hoje bem cedo, Saí sem tomar café, Me sinto muito cansado, Mesmo assim estropiado Três léguas andei a pé.


O outro lhe retrucou, Não tem nada; meu amigo, Deixe de tanta tolice, Você almoça comigo, Depois pode descansar E quando o sol esfriar, Vai pra casa sem perigo. Vendo a mesa muito lauta E grande fome sentindo, Antes do dono sentar-se, Depressa foi se servindo. O que na boca botava, Nem ao menos mastigava, Tudo inteiro ia engolindo. Seis vezes encheu o prato Com pirão de corredor, Bebeu água até fartar, Depois disse pro doutor. − Que casa mais abafada, Vou sair para a calçada, Não aguento o calor!


Inácio franziu a testa E fixou nele o olhar, − Dei-lhe receita e remédio E o trouxe para almoçar, Aqui serviu-se de tudo, Vento agora, seu pançudo, Isto não lhe posso dar. Apareceu-lhe um velhote Lhe suplicando clemência, Sua grande ansiedade Era perda de potência, Pediu um fortificante Que lhe mudasse o semblante, Lhe desse nova aparência. É verdade que nos anos Já vou bem adiantado, Frisou, coçando a cabeça, Com ar triste, amargurado, Completei ontem setenta, Mas tio João com oitenta, Inda se diz um danado.


Êle ouviu a sua história E advertiu sorridente: − Êstes casos, companheiro, Têm muito a ver com a mente, Sua saúde é perfeita E enquanto dava a receita, Alertou ao paciente. É bem comum nesta idade O pesar que está sentindo, Mas coragem, não se entregue, Vá aos poucos reagindo, Tenha fé na medicina, Tome desta vitamina E também saia mentindo. Como clínico atendeu Muito caso complicado, Porém eu vou relatar Talvez o mais engraçado, De rara complexidade, Pela singularidade, Foi também o mais gozado.


Tratou de duas mocinhas Do sítio Carrapateira, Uma com prisão de ventre, A outra com caganeira, Foram três anos seguidos, De meizinha e comprimidos, De luta e muita canseira. Passa a pílula do Mato Duas vezes por semana, Com respeito à diarreia, Dieta só de banana, E sem ter laboratório, Pesquisa no consultório A doença e não se engana. Pacientemente fala Sôbre alimentação, No tocante à higiene, Dá mais recomendação: Primassem pela limpeza, Pratos e colher de mesa Não lavassem sem sabão.


Proibiu nas refeições Todo excesso de gordura, Também desaconselhou Qualquer tipo de fritura. Se quisessem ter saúde, Prolongar a juventude, Comessem fruta e verdura. Quando voltavam pra casa, Seus conselhos não seguiam, Os remédios não tomavam, De quase tudo comiam, Tripa de porco; buchada, Baião de dois; panelada, De bucho inchado gemiam. Novamente retornavam E vinham se receitar: − Uma afirmava, doutor, Não consigo defecar, Enquanto a outra matreira, − Esta minha caganeira Não há jeito de passar.


Cansado destes queixumes, Sem o quadro reverter, Falou sério para as duas, Ouçam o que vou dizer: − Êste drama não me ilude, Já tentei tudo que pude, Nada mais posso fazer. Não adianta regime Com cozido de peru, Nem leite de magnésia, Nem xarope de caju. Para o assunto em questão, Só há uma solução, Vocês trocarem de cú.

FIM



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