ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.
INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.
INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.
COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte
FRA. MA. CARDOSO DE OLIVEIRA
NO TEMPO DA MINHA AVÓ
CRATO 2001
Neste cordel vou narrar Fatos bem interessantes, Contados por minha avó, Todos eles importantes, Para as novas gerações Obterem informações, Como se vivia antes. Conhecida por Sinhá, Seu nome era Isabel, Nunca aprendeu a ler Nenhum tipo de papel, Mas quando dava um relato, Nele não tinha boato, Toda estória era fiel. Nunca frequentou escola, Mais sempre quis estudar, Seu pai é que não deixava, Simplesmente por achar, Que tendo ela estudado, Cartas para o namorado, Haveria de mandar.
Ela com suas amigas Cresciam sem instrução, Todas muito submissas, Nunca davam opinião, Aos pais sempre obedecendo, Tudo que iam aprendendo, Era por imitação. Quando mocinhas ficavam, Chegava a menstruação, As amigas lhes passavam Um verdadeiro sermão, Ficavam “incomodadas” E sem fazer quase nada, Temendo uma reação. As mais velhas explicavam, Todas eram orientadas, A não tomar nenhum banho Se estivessem menstruadas, Muita coisa não comer, Para assim poder manter A saúde preservada.
Perto de um pé de limão Não se devia passar, Laranja ou abacaxi, Nem ver, quanto mais chupar. Carne de porco pra quê? Era certeza morrer Ou bem doente ficar. Se uma moça morria, Depressa era comentada, A causa do triste óbito E por todos confirmada, Essa coitada morreu, Somente porque comeu Qualquer coisa “carregada” Quando chegar o namoro, Era o pai que procurava Um noivo pra sua filha Que muito recomendava. Nunca ficarem sozinhos Ali sempre bem pertinho Alguém com eles estava.
Ao saírem para as festas, Sempre bem acompanhadas, Tinham roupa especial, Muitas anáguas bordadas, Colete e combinação, Depois botavam loção, Saindo bem arrumadas. Muitas casavam bem jovens, Não tinham outra opção, A não ser dana de casa E seguir a tradição. O casal era formado, Jamais sendo orientado Sem nenhuma informação. Sem usar preservativos, Ou anticoncepcionais, Muitos filhos elas tinham, Doze, quinze ou até mais, Sem nada de pré-natal, Com um simples enxoval Que passava pros demais.
Minha avó teve catorze, Mas só dois sobreviveram, Ninguém conseguiu saber De que os outros faleceram, Todos foram receitados, Mas sem terem resultados, Precocemente morreram. Alguém lhe orientou Que pra criança salvar, Tinha que ser necessário O enxoval todo queimar E outro novo fazer, Para o menino não ter Que roupa do irmão usar. Ele fez o que pediram, Porém tudo foi em vão, A criança morreu logo, Tudo foi superstição, Pra ver o filho crescer, E um forte garoto ser, Não mediam esforço não.
Na hora do nascimento, A parteira o pai trazia, Dispondo de uma tesoura E água numa bacia, Com demora ou rapidez, Na presença deles três, A criança então nascia. Com precária assepsia, Sem esterilização A parteira bem depressa, Cortava logo o cordão, Com esse procedimento, Completava o nascimento, Nessa mesma ocasião. E a mãe como ficava? Dava logo de mamar Permanecendo deitada, Não devia se sentar, Tapava bem os ouvidos, Pra zoadas ou alaridos, Nada poder escutar.
Três dias permanecia Deitada sem se bulir, No quarto então se sentava, Mas sem da cama sair, Com oito dias somente, É que era conveniente A porta do quarto abrir. Um cuidado especial, Bem merecia atenção, Em toda casa existia Um chiqueiro com capão, Para durante a dieta, Numa refeição completa Não faltar um bom pirão. Só depois de quinze dias, Podia banho tomar, E mesmo assim era morno, Sem a cabeça lavar, E quando um mês completava Um banho frio tomava, Pro resguardo terminar.
Massas industrializadas, Naquele tempo não tinha, Por isso a mãe preparava Mingau e também papinha, Feitos com muito cuidado, Sempre com leite de gado, Massa de arroz ou farinha. E depois de alimentada, Tinha que se esperar Que a criança arrotasse, Para podê-la deitar; Se assim não procedesse, Temiam que acontecesse O pequeno se engasgar. Como ainda não existia Nenhum tipo de vacina, Muita criança morria Ainda bem pequenina, Mas a mãe se conformava E chorando lamentava, Foi Deus quem deu esta sina.
Se a criança adoecia, Davam logo um atestado, Com certeza é quebranto, Ou então mau-olhado, Foi botado por alguém, Que o sangue ruim tem, É preciso ter cuidado. E chamavam a rezadeira, Para o doente curar Com muita fé e oração E em Deus a confiar, A certeza logo vinha, A criança boazinha Ia outra vez ficar. Depois da terceira vez De na criança rezar, A pequena começava Logo a se recuperar, Ficava alegre, sadia E a mãe com alegria Ia com ela brincar.
E depois de crescidinha, Se tivesse indigestão, Chá de boldo e magnésia Eram a grande solução, Pra tudo tinha purgante, Criança, velho, gestante, Ninguém se livraria não. Sal amargo, Óleo de Ricino, Sempre com chá preparado E tomados em jejum, Trazia bom resultado, Muito ruins pra tomar, Mas bons demais pra deixar Qualquer doente curado. Doenças contagiosas, Toda criança pegava, Sarampo e Catapora Muita gente dizimava, Tuberculose e Papeira, Dava na família inteira, Delas ninguém escapava.
E o tempo foi passando E muita coisa mudou, Mas eu guardo na lembrança O que minha avó contou. Nós vamos continuar. E aos mais novos contar. Fatos que o tempo levou. As futuras gerações, Algumas serão clonadas. Com inovações e técnicas Cada vez mais avançadas, Mesmo com todo aparato, Iremos ouvir de fato Velhas estórias contadas.
FIM