Passagem de lampião nas cacimbas de jardim ce

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


MARIA A. FERRÉR

PASSAGEM DE LAMPIÃO NAS CACIMBAS DE JARDIM-CE

JARDIM 2000



Peço atenção a todos Para um pouco lhes falar Prestem muita atenção E com muita educação Como começou Cacimbas Lugar bom de se morar. Em mil novecentos e quatorze Aqui nesse Nordeste Tinha um cabra da peste Por ser honesto e timbrado “Raimundo Cheque” chamado Conhecedor do agreste. Era vaqueiro afamado Gostava de trabalhar No Pernambuco morava Sem ninguem lhe incomodar Porém um cabra safado Começou lhe invejar.


Seu patrão era Quezado Homem rico do Nordeste Tinha gado com fartura Gostava de passear Na fazenda que morava Alguém deu pra lhe roubar. O invejoso Antonio Xavier Que na pitombeira morava Falou para seu Quezado Raimundo Cheque lhe roubava. Raimundo Cheque disse Isso não vai ficar assim Pego aquele safado E lhe tiro o toucim. Sua mãe lhe deu conselho Vá procurar outro camim Vá falar com Pe. Ciço Pra lhe arrumar um ranchim


Seguiu conselho da mãe Preparou o seu burrim Saiu da pitombeira Pra falar com meu padim. Atravessando a chapada Logo sede lhe bateu Onde acharei um poço Pra matar minha sede? E veja o que sucedeu. Achou um poço d’água Logo perto um ranchim Valei-me que lugar triste Que coisa muito ruim Tomara que Pe. Cícero Não mande isso pra mim. Chegando no Juazeiro Pe. Ciço lhe falou O lugar é aquele Aonde você parou Dizendo que era ruim E para a água apontou.


Disse olhando seu chapéu Só existe três lugares Bom pra se viver de mel: A Chapada do Araripe Que tem água de nascente O outro lugar é o céu. Nas cacimbas só morava Lúcio o primeiro habitante Depois veio Raimundo Cheque Um homem muito constante Com a filha e a mulher Uma família importante Maria Raimunda O seu pai lhe estimava E por admiração Liquinha ele lhe chamava. Apareceu Santo Lourenço Antonio Lourenço e Zé Martim Também Antonio Beato Tinha ali seu ranchim E assim era cacimbas Um paraiso sem fim.


Nesta época os coronéis Eram os donos dos sertões Tinham muito dinheiro Guardava nos seus porões Pra destruir dinheiro Investiam em ladrões O agreste era sofrido Era grande a solidão Viviam com muito medo Da turma de Lampião Tudo aqui plantava Viviam de ilusão Liquinha já mocinha Ajudava sua mãe Foi pra casa de farinha Fazer óleo de piqui Quando escutou um barulho Que chegava logo ali Eram três rapazes brancos Com grandes e lindos chapéus Um foi logo derrubando O chicote aos seus pés


Perguntou-lhe o moço Que faz você aí? − Estou ralando Pra fazer óleo de piqui − Vixe que coisa nogenta Em que se usa isso aqui? Nisto logo apareceram As cinco irmãs de Liquinha Que vinha das Cacimbas Pegar água pra cozinha Os cabras endoidaram Pois eram bem bonitinhas Sairam em disparada Correndo que só trovão Seu Raimundo advertiu É a turma de Lampião Corram se escondam na mata Deus nos livre deste cão


Ouviu-se um toque grotesco Era lampião a tocar Com isso macinilo Que era filho do lugar Irmão de dona Liquinha Estava no poço a se banhar Pegaram o pobre rapaz Fizeram de canguru Primeiro tiraram-lhe a roupa Fizeram ele dançar nu Todos batiam palmas Cantando mulher rendar Tu me ensina a fazer renda Que eu te ensino a namorar O rapaz já quase morto Tonto de tanto dançar A turma de Lampião Resolveu lhe abandonar


No poço que tinha ali Dois bois eles mataram Correram atrás das mulheres Somente uma pegaram Os safados nesta hora Com a pobre eles transaram A pobre Maria Otália Quase que ela morreu Escapou por muita sorte Ou por milagre de Deus Os homens fecharam as portas Eles logo empurraram Cadê as mulheres daqui Onde elas se socaram? Nesta hora o bom Jesus Resolveu botar a mão Pra livrar todo mundo Do turma de Lampião


Na casa de dona Liquinha Tinha um santuário Comprado com o piqui A imagem do Pe. Cicero Estava guardada ali Quando viram a imagem Foi uma coisa esquisita Tiraram do chapéu Todas suas lindas fitas Jogaram em cima do Santo Adeus Maria Bonita Foi um Deus nos acuda Valei me nossa Senhora Na mata tinha tanta gente Até o raiá da aurora Tem gente que se perdeu Não achou-se até agora


Também em Pitombeira Um caso aconteceu Rapaz transou com a moça Logo desapareceu Seu irmão entrou no cangaço Pra vingar o que era seu Pedro Vieira é o moço Do caso que vou contar Fugiu para o Cariri Pra com a moça não casar Neste dia ele estava Nas Cacimbas trabalhando Olhando o seu jardim O cabra já foi gritando Pedro hoje é o seu dia Estou logo lhe avisando Amarraram Pedro Vieira Bateram nele e chutaram Lhe puxaram feito um burro Pro Pernambuco levaram Antes de chegar no Cedro Eles logo lhe mataram


Os pais deste lugar Foram a Pe. Cicero contar Ele disse podem ir Podem também sossegar Pois na comunidade Cacimbas Lampião não passará E assim no Pernambuco Alagoas e Maranhão Veio muita gente boa Nesse meio veio ladrão Nas Cacimbas deu de tudo Até a turma de lampião Do grupo dos Marcelinos Cacimbas não escapou Andou aqui Lua Branca Joaquim Gomes também andô


Veio também Pedro Miranda João e Manuel Toalha Todos foram fuzilados Na cidade de Barbalha A dona Liquinha obrigada Pelo favor que prestou Com 86 anos de idade Essa história me contou Tudo isto é verdade Por isso quis lhe mostrar Como era a cultura E a histórias do lugar

FIM



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