Prece de uma solteirona

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ESTE FOLHETO É PARTE INTEGRANTE DO ACERVO DO BEHETÇOHO EM FORMATO DIGITAL, SUA UTILIZAÇÃO É LIMITADA. DIREITOS AUTORAIS PROTEGIDOS.


INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO O Acervo Eletrônico de Cordéis do Behetçoho é uma iniciativa que pretende dar consequências ao conceito de (com)partilhamento dos artefatos artísticos do universo da oralidade, com o qual Behetçoho e Netlli estão profundamente comprometidos.

INFORMAÇÕES SOBRE A EQUIPE A equipe de trabalho que promoveu este primeiro momento de preparação e disponibilização do Acervo foi coordenada por Bilar Gregório e Ruan Kelvin Santos, sob supervisão de Edson Martins.

COMPOSIÇÃO DA EQUIPE Isabelle S. Parente, Fernanda Lima, Poliana Leandro, Joserlândio Costa, Luís André Araújo, Ayanny P. Costa, Manoel Sebastião Filho, Darlan Andrade e Felipe Xenofonte


BASTINHA

PRECE DE UMA SOLTEIRONA

CRATO 1991



Ah! meu Deus, não é possível Que, desta vez, não me atenda Viver assim é impossível Quero que o Senhor me atenda. Escuta esta minha prece, Vê, se dela, não esquece Por favor, me compreenda! Já rezei pra tanto santo, Juro que foi com fervor; Mas sempre com muito espanto Já bem perto do terror Não estou sendo atendida, Assim tão desiludida Vim apelar pro Senhor! Depois que lhe contar tudo, Você vai me dar razão E vai até ficar mudo Com a minha exposição; Já fiz tanta romaria Dia-e-noite, noite-e-dia Pra sair da solidão!


As vezes eu procurei Recursos n’outro lugar Mas confesso não encontrei Só fiz mesmo foi gastar; Gastei tanto em simpatias E mil outras arrelias Mas sempre levei azar! Folhas de manjericão Para se fazer um chá, Um pouco desta infusão Antes de dormir, tomar O resto pôr na janela Esta simpatia bela Fiz prum marido arrumar! Comprei um metro de fita Branca era a sua cor, Na ponta escrevi aflita O nome do meu amor Depois dei vinte e um nós Desfeitos na dor atroz Porque nada adiantou!


Fita branca não deu certo, Azul, então, eu tentei Qualquer recurso decerto Para mim, era uma lei; No céu na noite estrelada Três vezes, bem devotada O nome dele falei! Lá no céu, pra três estrelas Baixando falei assim: Deus é a quarta, e ao vê-las A solidão vai ter fim; A fita amarrei na perna E com voz bastante terna Pedi um homem pra mim! Peguei até um retrato Do homem que eu mais queria Botei ele num sapato Amarrado numa jia; Nem assim tive sucesso Da medalha, sou reverso Falhou a feitiçaria!


E mais bruxaria fiz Pru meu intuito alcançar Só queria ser feliz, Só queria me casar Num morcego até peguei, Seu olho eu costurei Tudo inútil, outro azar Horrorosa assim demais, Eu mesma sei que não sou Sei até que sou capaz De morrer por um amor, E já muito aconteceu Gente mais feia que eu Há tempos desencalhou! Eu não sou muito exigente, Tambem passei da idade; Só quero um homem decente, Um homem assim de verdade, Nem precisa ser bonito No feio até acredito Encontrar felicidade!


Durante o mês de São João Que é cheio de brincadeira, De tanta adivinhação Em volta de uma fogueira: Fiz o que o povo ensinou, Mas de nada adiantou Pois continuo solteira! Para o santinho querido Meu querido São João, Pedi me desse um marido Não me deixasse na mão; Nas quadrilhas que dansei Nunca fui noiva, pois sei Que, se for, não casa não. E na noite de fogueira Do santo tão festejado Não fiz nenhuma besteira Tudo estava controlado; A experiência junina Pra mim, tambem, foi ferina Não trouxe meu bem-amado!


Enfiei bem enfiada A faca na bananeira, Fiquei a noite acordada E calada a noite inteira; Outra vez desiludida, A bananeira ferida Não trouxe a coisa cereira. Peguei uma vela virgem E toda certeza eu tinha, Não ia sentir vertigem Rezando a Salve-Rainha; No prato de porcelana Esta pobre solteirona Lá nada viu, nada tinha! Até, no espelho, fiz fé Mas de nada adiantou Me São João deu foi no pé No reflexo não mostrou: Não surgiu nenhuma sombra Sem esta sombra, me assombra O triste estado em que estou!


Coloquei uma aliança Em um copo meio d’água Depois, com toda esperança Batendo na minha chaga; Nas batidas que ela desse Essa aliança trouxesse Consolo pra minha mágoa! Ah, meu São João, nem você Consegue ter dó de mim: Sequer pôde me atender Sabendo que estou ruim; Mas valeu a experiência Talvez com fé ou mais crença O meu sofrer tenha fim! Agora pra São Pedro Outro santo tão querido Mesmo negando, sem medo, A Cristo ter conhecido; Algumas chaves peguei No travesseiro botei Pra ver, em sonho, um marido.


Entretanto não vi nada Em São Pedro, outra ilusão: Se ele traiu, deu mancada Em Cristo, o pai, o irmão; Não devia acreditar, Em São Pedro confiar Mais uma decepção! Só faltava Santo Antonio, Que é o santo casador; Não me casou, nem em sonho Oh, que santo enganador! Nas novenas de Barbalha, Todas as noites, sem falha Fui rezar em seu louvor! É meu santinho bendito, Padroeiro de Barbalha Quem sabe aí no infinito Depois dos trinta inda valha... Na terra, não importa a zona Coroa e solteirona É o nome que mais calha!


Santo Antonio não me deu Ouvido, em nada, afinal E outras, ele atendeu E só comigo foi mau; Num fiz tudo nos conforme E com uma força enorme Tambem num peguei no pau? Peguei nele e até sentei Pra ver se eu conseguia Com muita gente apostei Que o pau tinha valia; Fiquei decepcionada, O pau não valeu de nada Continuo para tia. Perdoa, meu Santo Antonio A fracassada mulher Com esperança, suponho De seu pau fez sua fé; Pra sair do caritó Ter uma vida melhor, Sozinha assim não dá pé!


Talvez exista uma arte No pau do santo pegar... Mas, nem que eu morra de enfarte, Juro ainda vou tentar; Pesquisar em quem pegou Se um bom marido arrumou O “jeitim” vai me ensinar! Senhor, você está vendo Onde se pode chagar? E uma moça assim querendo A todo custo casar? Me atenda, Deus, por favor Senão a São Paulo vou Vou um marido arrumar! Como viu, Ó me Senhor, É grande o meu tormento! Me mostre logo um amor, Me arranje um casamento Você que é dono do mundo, É só querer, num segundo, Me tira este sofrimento!


Que o Senhor se compadeça Tenha de mim compaixão Me perdoe, mas não se esqueça Lhe falo com o coração Sei que fiz até besteira A condição de solteira Me fez perder a razão! Encerro aqui eu pedido Fio à espera de alguem Que meu Deus me dê ouvido, Me compreenda tambem; Que o Senhor me socorra E não permita qu’eu morra Solteira, invicta, amém!

FIM



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