Edição 11 - Junho/2016
Educação Cidadania
Conhecimento
Experimentus Edição 11 Junho/2016
EXPEDIENTE UNOCHAPECÓ Av. Senador Atílio Fontana, 591-E, Bairro Efapi - Chapecó-SC (49) 3321-8000 www.unochapeco.edu.br Reitor Prof. Claudio Alcides Jacoski Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão Profª. Silvana Muraro Wildner Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Prof. Márcio da Paixão Rodrigues Vice-Reitor de Administração Prof. José Alexandre de Toni Diretor da Área de Ciências Sociais Aplicadas Prof. Sady Mazzioni Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Vagner Dalbosco Professor Responsável Prof. Franscesco Flavio da Silva Disciplina Prática Laboratorial em Mídia Impressa Produção Quinto período (2016-1/Matriz 1010) Redação Adriana Friedrich, Alessandra Cristina Favretto, Alex Saldanha, Amanda Ferronato, Ana Cláudia Tasca, Angélica Dezem, Cristhielly Scalvi, Cristian Luzzi, Darlei Luan Lotterman, Fabiane Reihmers, Jaqueline Kornfüehrer, Jonas Bianchi, Josiane Teodoro, Isadora Tonini, Karina Ogliari, Kauana Gomes, Lucas Frederizzi, Maria Joana Weber Giareton, Marina Pessalli Favero, Mateus Montemezzo, Mauro M. Biondo, Queren Barrabarra, Rodrigo Kroth, Willian Alves. ACIN JORNALISMO Coordenação Mariangela Torrescasana Projeto gráfico Mauro Mauricio Biondo Finalização Aline Dilkin Impressão: Gráfica Arcus LTDA Tiragem: 300 exemplares (Opiniões expressas em textos assinados não representam a posição do curso ou da universidade)
Editorial A revista Experimentus chega a sua edição de número 11 trazendo na capa uma porta de entrada para uma edificação, que representa a intensão da obra de fornecer acesso aos temas Sociedade, Cultura e Conhecimento. Áreas abrangentes e complexas que não intimidaram os estudantes do (então) quinto período de Jornalismo de 2016. Na verdade, foram eles que deram os direcionamentos e o tom da revista. O objetivo foi o de reunir novas ideias, conteúdos interessantes e exemplos de sucesso para o leitor. Como primeiro produto midiático impresso da turma, a experiência prática gerou muitos desafios no percurso da produção jornalística, indo além da boa escrita ou da simples descrição dos fatos. Desafiados, os estudantes se embrenharam em seus temas à procura de algo construtivo e inovador, consequentemente desenvolvendo suas aptidões pessoais e profissionais. Louvável foi o esforço e emblemático o resultado desta primeira jornada, materializada em uma revista. Que a experiência inspire, tanto o público como os estudantes, e que o jornalismo continue sendo esse processo constante de aprendizado e questionamento, tão importantes para quem consome, como para quem produz. Prof. Franscesco Flavio da Silva
Cultura, tá rolando?
squito: a o mo r t n o c rta A luta em ale família
A janela do organismo
O mundo sem carne: a vida vegetariana
Crescendo com a leitura: histórias que trazem lições para a vida toda
Luz, câmera, experiência
ERA UMA CASA Muito antes de Cabral: a povoação indígena no Oeste Catarinense
Do d e s a desa fio de via fio ja d e traba r ao lhar
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Programa viver: Uma alternativa para a mudança social
Um jetó a traça ria d d e Sa a certe ir mic ler G a: onç a
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Sonhos: Afinal, o que sabemos sobre eles
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Povo Kaingang, história e transformação da identidade cultural
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Uma traçada certeira: A Trajetória de Samicler Gonçalves Por Alessandra Cristina Favretto e Débora Maffissoni
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entado em seu escritório, olhar curioso e a timidez perceptível. É desta forma que a conversa inicia com Samicler Haziel Gonçalves, que descreve um pouco a sua infância. Quando o amor por traços, cores e formas foram ganhando vida e tornando parte do seu dia-a-dia, o desenhista relembra que aos três anos de idade começou a rabiscar nos cantinhos das folhas de um caderno. Complicado era dividir o espaço entre os desenhos e as escritas deste caderno que nem a ele pertencia. Ter acesso aos materiais de desenho não era um desafio muito fácil e tampouco ter contato com um professor que pudesse ensinar as técnicas para qualificar os seus traços. Samicler teve como referência um de seus tios, Alves Campanini, que era pintor e desta forma foi criando gosto e afeto por aquilo que sua imaginação passou a construir.
Samicler Gonçalves
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Samicler foi descobrindo outros caminhos. Além dos gibis com super heróis, começou a tomar gosto por livros infantis. A chegada de seu filho - que atualmente tem dez anos de idade - pode ter sido um dos fatores para ter levado Samicler a conhecer mais o universo infantil. Ele conta que mesmo tendo facilidade para desenhar, o menino despertou interesse pela leitura e tem afinidade com a área automobilística, mas que nas horas livres usa seu tempo para jogar basquete e desenhar, dando incentivo ao pai a novos projetos. O desenhista venceu uma longa batalha contra o câncer, e por isso teve que parar com suas produções por um período. Samicler explica que teve câncer em 2008 e que foi pego de surpresa já que a doença se desenvolveu de forma silenciosa e somente descobriu devido ao desmaio que teve durante uma aula. Entretanto, usou a arte para expressar o que sentia durante o quadro de coma e a vontade de sair desta situação, pois o personagem tenta sair de baixo da terra, da mesma maneira que ele tentava sair da cama do hospital. Porem, compreende esta fase de sua vida como um aspecto positivo: “Mudei muito, melhorei como ser humano e a forma como vejo a vida, me apeguei mais a Deus”, complementa Samicler. Para o futuro, Samicler acredita que inovações são necessárias para qualquer carreira e se espelhando nisso pretende fazer uma animação do personagem Cometa. A partir das novas ferramentas que estão surgindo, o mercado necessita de mudanças e Samicler preferiu manter a curiosidade sobre seu projeto, mas afirma que novidades estão por vir para complementar e, quem sabe aumentar ainda mais a legião de amantes de suas histórias, que agora ganharam movimentos, além de um desenho impresso.
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Seus pais não imaginavam que um simples desenho feito pelo pequenino, iria decidir sua profissão futuramente. Samicler tinha quatro anos quando a família se mudou para a cidade de Chapecó e foi com esta idade que começou a frequentar o jardim de infância. Em uma de suas aulas ficou encantado quando viu que o professor fez um desenho, o qual retratava o rosto de Jesus Cristo. O desenho deixou o garoto fascinado e alimentou ainda mais sua paixão. Atencioso, Samicler aprendeu as técnicas e foi aperfeiçoando seus desenhos e uniu o amor às histórias, criando personagens de “HQ”, as famosas história em quadrinhos, encantando crianças e adultos. “Sempre fui autodidata, ninguém sentava para me ensinar. Era eu e meus desenhos”, ressalta o desenhista. Para que pudesse dar continuidade ao seu trabalho, Samicler lançou o seu primeiro gibi em 1994 e compreendeu que assim poderia ganhar dinheiro com o que mais gostava de fazer e decidiu investir na área. Força Total, era o nome dado para sua primeira história em quadrinhos, que foi uma parceria com mais dois amigos, no qual cada um dava vida a um personagem. “Dark” era o personagem futurista, o qual Samicler retratava neste quadrinho. O personagem mais conhecido foi criado em 1985. Sem condições de investir em páginas coloridas, que geralmente só grandes editoras tinham acesso, a primeira versão do “Cometa” foi lançada em 2004, permitindo que o personagem ganhasse todas as suas cores. Samicler conta que a intenção era criar um super herói que tivesse capa e que voasse, mas foi além disso. Algumas edições do Cometa trouxeram em seu conteúdo, reflexões baseada em situações da sociedade, como conversa entre pais e filhos, violência doméstica e também exploração sexual.
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sonhos: Afinal, o que sabemos sobre eles Existem várias formas de entender os sonhos e pesadelos de acordo com as visões de diferentes teorias Por Josiane Teodoro e Kauana Gomes
ma boa noite de sono é muito importante para o desenvolvimento normal do nosso cérebro, para os processos de memória e aprendizado. Durante esse período também são liberados hormônios necessários para o crescimento e a manutenção da saúde do nosso corpo. Por isso, é imprescindível termos uma noite de sono tranquila, mas nem sempre isso é possível. Muitas vezes os sonhos e pesadelos impedem que isso aconteça.
A atividade cerebral durante o sono REM pode ser maior que a de quando estamos acordados. O sono é dividido em cinco estágios e em uma dessas fases, chamada REM (rapid eye movements ou movimento rápido dos olhos), é quando os sonhos acontecem. O sono REM acontece de cinco a seis vezes por noite, em intervalos de cerca de 90 minutos. Nesses momentos, a musculatura esquelética fica mais relaxada, a pressão arterial e a frequência cardíaca e respiratória são semelhantes e a atividade cerebral se torna mais intensa, formando um grande número de imagens em forma de sonhos. Para a psicóloga Elizangela Felipi, de acordo com a Psicanálise “o sono é um momento onde ocorre um trabalho psíquico intenso, não é um momento que a gente não faz nada, muito pelo contrário”.
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Os sonhos são interpretados de maneiras diferentes por diversas áreas da sociedade. A Psicologia, a Psicanálise, a Parapsicologia e as religiões interpretam os sonhos de maneiras diferentes. A Psicanálise entende esse fenômeno que ocorre enquanto dormimos, com base nas pesquisas de Sigmund Freud, médico neurologista e criador da Psicanálise, como a realização de um desejo inconsciente “reprimido” e que é transmitido com uma linguagem codificada, por meio de imagens e sons que se produzem durante o sono. Ou seja, ele vê os sonhos como um despertar de atos, ideias e sentimentos, transformados em enredos que surgem enquanto dormimos. Elizangela Felipi explica que “é através dos sonhos que a gente conhece a coisa mais profunda do ser humano, porque ali a gente acessa o que é de mais íntimo dele, que é do seu inconsciente.” A vendedora Monalisa Copceski, de 20 anos, possui uma opinião bastante semelhante quando diz que “o sonho é uma forma de realizar um desejo, de fazer uma coisa que, enquanto consciente, não faria.” Ela ainda acrescenta: “Você tem tanta vontade de fazer aquilo que não pode fazer e no sonho você realiza aquela vontade, então é uma forma de prazer, quem sabe…”. O sono é produzido de restos diurnos de coisas que acontecem durante o dia com ações noturnas, ambos se somam e formam o sonho, manifesto ou latente. Conteúdo manifesto é aquilo que foi manifestado pelo sonho, aquilo que depois a consciência consegue lembrar,
Bruno Silva
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e o conteúdo latente é aquilo que foi acionado, aquilo que não vemos e que está escondido. Eles vêm dos pormenores e detalhes casuais que vivenciamos recentemente ou em um passado remoto.
Nem todos os sonhos são bons… Todos já tivemos pelo menos um pesadelo na vida. Eles são sonhos que trazem sensações fortes, sem escapatória, de terror, angústia, medo e ansiedade extrema. Quando eles passam do simples aborrecimento ocasional para o terror de quase todas as noites, atrapalhando a qualidade do sono, podem representar um distúrbio do sono, necessitando de tratamento. Para Renata Pegoraro, estudante de direito, de 21 anos, seus pesadelos são com “coisas que tenho muito medo, então eu acabo sonhando com isso, acordando ofegante, às vezes eu acordo chorando.” Ela afirma que eles geralmente envolvem acidentes de trânsito ou assalto e que vêm de coisas que nunca aconteceram com ela. A Psicanálise vê estes sonhos também como realização de desejos. Elizangela afirma que “dormir é ir para de baixo do mar, é para entrar em contato com tudo aquilo que fica escondido, aquilo que é de nós mesmos, nossas coisas mais primitivas, as nossas questões não resolvidas. O que se tem no sonho é uma tentativa psíquica da resolução de conflitos, traumas e situações que nos
impõem medo ou receio e que não foram resolvidas anteriormente”. Assim como Renata, Josiane Rabaioli, manicure de 23 anos, também percebe esses sonhos como uma realidade. Josiane divide sua experiência relatando que “os sonhos parecem reais. Se eu gritar no sonho eu grito de verdade, se eu chorar, eu choro de verdade. Eu sinto de verdade, é muito real o meu sonho”.
“Às vezes, tenho sonhos que não lembro, ou lembro só uma parte”
Renata Pegoraro
Já a Parapsicologia interpreta os sonhos como veículos de premonição, o que se assemelha mais à visão do espiritismo. Mas Marcos Gargioni, mestre
médium - pai do Candomblé, discorda da totalidade dessa informação quando fala que “os sonhos podem ser premonições, mas para se ter efetivamente é preciso ser médium”. Contrariando a visão da ciência, o espiritismo, por meio de Allan Kardec, codificador do espiritismo, percebe os sonhos como fenômenos de emancipação da alma, que aproveita-se do repouso do corpo para ir aonde quiser, considerando que o espírito continua em plena atividade enquanto o corpo físico dorme. Marcos Gargioni compartilha da mesma opinião dizendo que “os sonhos são como viagens astrais”. A Bíblia possui trechos onde são relatadas mensagens que Deus envia para determinadas pessoas por meio de sonhos, como os de José do Egito e São José. Porém, esse meio não se firmou como um instrumento normal utilizado por Deus. Com base em pesquisas, para os católicos, se Deus quiser e puder usar dos sonhos o fará deixando bem claro o que ele quer transmitir, sem dúvidas ou inquietações. Para o dr. Marcelo Jorge de Souza Leão Andrade, em seu portal Distúrbios do Sono, existem diversas causas comuns para os pesadelos, como: doença com febre, morte de um ente querido, ansiedade ou estresse, reação adversa e efeito colateral de um medicamento, suspensão recente de ingestão de uma droga, consumo de álcool excessivo ou abstinência alcoólica abrupta.
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Angélica Dezem
Povo Kaingang ˜
História e transformaçao da identidade cultural Por Amanda Ferronato e Angélica Dezem
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ocares, pinturas, folhagens. Na mão, o arco e a flecha. Do pulmão ecoam os gritos de guerra de um povo que até hoje traz consigo a luta dos antepassados e que vê na terra o seu lugar. Os Kaingang, que na tradução significa Povo do Mato, são um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil. Sua população se concentra nas Terras Indígenas (TIs), na periferia de centros urbanos ou na zona rural, localizadas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A cidade de Chapecó (SC) foi escolhida por índios provenientes do noroeste do Rio Grande do Sul, para juntarem-se à população descendente deste chão. Após terem se estabelecido na cidade na década de 1990, ganharam visibilidade, mas de forma negativa, sendo alvo de polêmicas e discussões. O desconforto sentido pela população chapecoense com a presença do povo Kaingang desencadeou o processo de remoção do grupo de 212 indígenas para uma área definida como TI. O local escolhido para ser a nova morada das 64 famílias fica há 15km do centro de Chapecó, entre as localidades de Gramadinha e Praia Bonita. Com o semblante leve, seu Augusto Rodrigues, de 68 anos, traz no olhar os reflexos do tempo. Era vice-cacique quando o processo de remoção da tribo começou. Após negociatas com o governo e da escolha do local, em consenso entre as famílias que compunham a tribo, surgiu a Aldeia Condá (aceita a escrita
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“Kondá” também). Motivados em prestar homenagem ao primeiro cacique, Vitorino Condá, o novo território traz em seu nome a história de um homem que lutou para que seu povo tivesse direito à terra junto ao governo brasileiro no período de 1839 a 1844. O pagé da tribo, João Forte, de 95 anos, trata Chapecó como terra tradicional indígena, e diz que a cidade foi erguida “em cima das cinzas do seu povo”. Para eles, a aldeia é uma conquista. Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), de Chapecó, atualmente a aldeia possui 182 famílias, que totaliza 779 pessoas. Todos são ‘índios puros’, e suas características étnicas estão bastante enraizadas. O processo de construção é coletivo, assim como todas as ações tomadas dentro da aldeia. Donos do seu próprio chão, os barracos deram lugar às casas; tem água potável e rede de energia elétrica; saneamento básico, posto de saúde, e escolas com acesso à internet. A semente plantada em 1999 vem se desenvolvendo e seu Augusto afirma que “o plano que foi dado, está se cumprindo”. A língua falada por este povo marca um dos traços mais importantes da sua identidade, demonstrando que, apesar das mudanças impostas no decorrer de sua história, não perderam o que tanto valorizam: as tradições. O português é a segunda língua, aprendido nas escolas da aldeia, que vai até a 9ª série. A maior parte dos professores é indígena e entre as disciplinas ensinadas, existem específicas da cultura Kaingang. Na organização política, figura central é
o cacique, que é eleito pela comunidade e apoiado pelo Conselho Indígena. Seu papel é representar a aldeia, mas não de forma autoritária, já que as decisões são sempre feitas em grupo. As marcas do povo Kaingang não são representadas apenas pela luta, mas pelos desenhos que carregam em seu corpo desde que nascem. As pinturas denominadas Kamé (Sol) e Kairu (Lua) mantêm entre si relações assimétricas. A tradição conta que a origem desse povo surgiu com dois irmãos, de personalidades diferentes, mas que se complementavam; os riscos representam Kamé, e Kairu é representado por pontos. Além do pertencimento do indivíduo a uma dessas metades, o casamento deve ser realizado unindo membros de cada metade. A divisão entre Kamé e Kairu “é o fio vermelho que passa por toda a vida social e religiosa desta nação” como afirma Nimuendajü na obra Etnografia e Indigenismo: Sobre os Kaingang, os OfaiéXavante e os índios do Pará. A cultura é preservada dentro da Aldeia Condá, mas, ainda assim, algumas mudanças acontecem. Para o cacique Constante Rodrigues, sobrinho do seu Augusto, as crianças sentem a vontade e honram a tradição que lhes é passada, mas de forma diferente de seu tempo, se adequando ao que é novo. A subsistência do grupo vem praticamente da produção de artesanato, mas que, pela distância até o centro da cidade e a dificuldade de transporte nem sempre torna suficiente. Alguns não veem no artesanato, por exemplo, o seu ganha pão, e vão para a
Semana Cultural
de som e microfone, com as músicas do momento; na mão, a enxada divide espaço com os smartphones. Entretanto, apropriação do uso de tecnologias não influencia nas práticas da aldeia. O seu Augusto, que observa a passagem de gerações e vê seu neto Esmael Rodrigues, de 17 anos, fazendo uso destes aparelhos, garante que “a cultura não se perde por isso, ela se transforma”.
É na terra que está presente a história desse povo entrelaçada por Kamé e Kairu. É no suor que escorre em seus rostos e nas mãos calejadas pelo trabalho que os índios da Aldeia Condá mantêm acesa a chama da resistência, pois um povo que mantém suas raízes, preserva o futuro de suas gerações, e disso seu Augusto entende e agradece: Hãvãser!
Angélica Dezem
cidade trabalhar em frigoríficos, construções. Mas sempre retornam para a Aldeia. Nascida e criada em aldeia, a vicecacique Márcia Rodrigues, 33 anos, ressalta que nunca cogitou a ideia de sair, pois é fundamental manter a tradição e os costumes do povo Kaingang. A tradição muda de acordo com as decisões da Aldeia. “Nunca tivemos uma mulher cacique, mas nós pretendemos ter”, afirma a sobrinha de seu Augusto. Acadêmica do curso de Pedagogia, ela encontra motivação nos estudos a partir dos avanços e da luta pelos direitos, seus e da sua comunidade. O preconceito ainda está presente na vida desse povo, e a maneira encontrada para combatê-lo é deixar que as pessoas conheçam a cultura deixada por seus ancestrais, como é visto na Semana Cultural. Essa abertura permite também o intercâmbio cultural, fazendo com que práticas de fora se tornem comuns dentro da aldeia. As selfies dominaram a Aldeia Condá; a flauta e a gaita deram espaço para as caixas
No mês de abril é celebrado o Dia do Índio e a data é destinada à luta do povo indígena. Nesse mês, a Aldeia Kondá recebe centenas de visitantes na realização da Semana Cultural, que traz na programação a benção do pajé; pinturas corporais; ritual do batismo e da cura; dança dos guerreiros Kaingang; casamento cultural; brincadeiras e jogos tradicionais dessa etnia e festival de canto. Também acontece a exposição de trabalhos realizados pelos alunos; exposições de comidas típicas e a venda de artesanatos produzidos na Aldeia. Essas atividades culturais reforçam que na Terra Indígena a cultura e a tradição ainda são elementos muito vívidos, e a Semana Cultural atua como meio para a sociedade de fora da Aldeia conhecer os costumes desse povo.
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O MUNDO SEM CARNE: A VIDA VEGETARIANA Por Isadora Tonini e Karina Ogliari
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ormado em gastronomia pela Unochapecó, Cristiano Zauza teve contato com a produção de alimentos assim que entrou no mercado de trabalho. Esse contato influenciou sua decisão na hora de parar de comer carne pela segunda vez – a primeira não foi bem sucedida. Oito meses depois de deixar a carne de lado, Cristiano parou de consumir todos os produtos de origem animal. Atualmente, trabalha como chef vegano. Com Kelen Tonini Costa, designer e vocalista da banda Ministério Samah, foi um pouco diferente. Aos oito anos de idade começou a recusar carne e pratos que levassem carne. Ao longo do tempo, o que era simples gosto pessoal evoluiu para a defesa da causa animal. Atualmente é ovolactovegetariana.
Você provavelmente conhece a dieta vegetariana, mas já ouviu falar de suas extensões? Os vegetarianos podem ser: Da decisão à adaptação Para Cristiano: Depois da primeira tentativa de se tornar vegetariano, Cristiano retornou à dieta por questões de saúde. Ele conta que se sentia melhor e mais saudável sem carne. A nutricionista do Ambulatório de Nutrição da Unochapecó, Micheli Mayara Trentin, explica: “Trocar a dieta normal por uma dieta vegetariana reduz o nível de colesterol no sangue, apresenta menor taxa de mortalidade por doença coronariana, menor índice de obesidade, menor incidência de alcoolismo, uma probabilidade menor para intestino preso, câncer de pulmão, diabetes e outros problemas.”. Além da qualidade de vida, Cristiano se tornou vegano pela causa animal. Por ano, 70 bilhões de animais são
abatidos para consumo humano. Sobre a adaptação, ele conta que foi tranquilo:
“Acredito que a dificuldade de adaptação à dieta na região se dá pela cultura do consumo de carne.” Cristiano não sente falta de alimentos não veganos, muito pelo contrário: “Me sinto bem por não consumi-los”. Kelen tinha apenas oito anos quando decidiu parar de comer carne. Os alimentos que levavam carne não a agradavam. Como era muito pequena, quem precisou se adaptar foi a mãe, que 10
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cozinhava para a família. A dieta não era muito conhecida e apesar de já estar decidida sobre parar de comer carne, levou algum tempo até que os familiares se adaptassem. A questão de gosto se transformou, depois de alguns anos, na luta pela causa animal. Os maus tratos aos animais cometidos por algumas indústrias da pecuária são um tema muito discutido entre vegetarianos. Kelen nunca mais voltou a comer carne. Já são mais de 20 anos seguindo a dieta ovolactovegetariana. “Não sinto falta nenhuma da carne, como os outros produtos de origem animal normalmente”. A designer também enfatiza que a cultura do consumo de carne na região é um dos fatores que leva as pessoas a pensarem que sentiriam falta do alimento no cardápio.
Mudança de dieta e acompanhamento médico Segundo a nutricionista Micheli, não é recomendado que uma mudança de dieta – seja vegetariana ou não – seja feita sem um acompanhamento de um especialista. “Se não houver um bom aporte de calorias, macronutrientes e micronutrientes, o organismo sofre deficiências nutricionais que podem provocar inúmeras doenças metabólicas”, comenta a nutricionista. Ela enfatiza que o vegetariano deve estar atento para que as quantidades de nutrientes consumidos estejam suprindo as necessidades do organismo: “A maioria das pessoas que adere a dieta vegetariana possui deficiência de Vitamina B12 e ferro, por isso o cardápio deve ser calculado para atender a demanda necessária de todos os nutrientes”. Cristiano: não realiza nenhum acompanhamento específico, apenas exames de rotina. Nunca teve nenhum problema após aderir à dieta vegana. Kelen: quando parou de comer carne,
ficou doente e consultou uma nutricionista que a orientou, mas não seguiu todas as recomendações da profissional. Hoje, mais de vinte anos depois, sofre de alguns problemas como o excesso de peso causado pela substituição da proteína pelo carboidrato.
Vegetarianismo e ativismo Os vegetarianos são movidos por motivações diversas e podem ou não ser ativistas, compartilhando ideias e causas em protestos, palestras, páginas da internet, etc. Conheça algumas causas levantadas por vegetarianos: Ambiental: Todos os produtos que consumimos passam por uma cadeia de produção antes de chegarem ao nosso prato. A produção dos alimentos de origem animal é responsável por 18% dos gases que causam o efeito estufa. Mais do que todos os carros do planeta juntos. Animal: Mais de 70 bilhões de animais são abatidos por ano para consumo humano.
A ONU afirmou em 2010 que a redução no consumo de alimentos de origem animal reduziria os impactos ambientais. Econômica: Enquanto 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo, mais de metade dos grãos produzidos mundialmente são consumidos por animais. Saúde: Uma dieta que inclui alimentos de origem animal causa propensão a doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, diabetes, alergias e outros problemas de saúde. A alimentação balanceada e sem o consumo de carne exerce efeitos protetores sobre o nosso organismo. Os benefícios das dietas vegetarianas já foram reconhecidos por instituições como o Instituto Americano de Pesquisas sobre Câncer.
O mundo dominado por carnívoros Você já se perguntou como seria conviver socialmente com pessoas que não seguem a mesma dieta que você e são maioria? Seria fácil encontrar alimentos que não contivessem carne ou produtos de origem animal? As relações mudariam? Cristiano: Como já comeu carne e derivados de animais, considera a convivência com pessoas que não são vegetarianas normal e tranquila. “Se eu levasse para o lado pessoal e tentasse confrontar as ideias seria mais difícil, mas eu não faço isso, respeito a escolha alheia”. Ele destaca que atualmente existem muitas opções sem carne e produtos orgânicos acessíveis na região – se o produto for novidade ainda existe a opção de comprar pela internet.
Kelen: Diferente de Cristiano, Kelen acha incomodo quando confrontada sobre a opção de ser vegetariana: “Eu respeito a escolha de quem não quer deixar de comer carne, mas me irrita um pouco quando não respeitam a minha opção e minha dieta”. Como é mais ativa na causa animal, ela também diz que se sente incomodada com o transporte de animais em caminhões e com a indiferença das pessoas sobre isso. Sobre a acessibilidade dos alimentos, comenta: “Agora os produtos são mais acessíveis e mais variáveis, dá pra ter uma alimentação legal sem carne”.
“Minha vida e interação com outras pessoas não mudou em nada desde que parei de comer carne”. ED .1 1 Junho/2 0 1 6
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PROGRAMA VIVER: UMA ALTERNATIVA PARA A MUDANÇA SOCIAL Por Alex Saldanha e Lucas Frederizzi
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Com o auxílio de parceiros, voluntários e da Fundação Espírita Filho Dom Inácio de Loyola, no ano de 1996, em um terreno cedido pela prefeitura, o programa teve seu início. As primeiras paredes do atual prédio foram erguidas através de doações, promoções, campanhas e eventos. Cercado por problemas sociais, o programa usou da recreação para oportunizar aos participantes uma escolha de vida melhor. Até o ano de 2012, quem administrou legalmente a entidade foi a Fundação Espírita. Elisiani conta que “por exigências legais tivemos que emancipar o Programa. Somos uma entidade nova, mas velha”. No ano seguinte o Programa começou a andar com as próprias pernas, entretanto, o seu caminhar nunca foi só. Quem auxilia no movimento são pessoas que acreditam e apostam na ideia. “Nunca consegui fazer nada sozinha, eu só não desisto do ideal porque acredito nele”, ressalta Elisiani. Até o ano de 2015, o Programa Viver atendeu mais de 1.500 crianças e jovens. Lucas Frederizzi
m uma rua de pedras soltas, uma simples construção se destaca. Neste lugar humilde de Chapecó – Santa Catarina, a maior riqueza é a educação. Ali está instalado há 18 anos o Programa Viver Ações Sociais. Através do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. A entidade, sem fins lucrativos, desmistifica esteriótipos criados e estigmatizados sobre a comunidade carente do bairro. Elisiani Sanches, uma das fundadoras, conta como foi o início do programa: “a gente deixou muita coisa para trás e abraçou o social, porque acreditamos nisso. Ele transforma a vida de muitas pessoas, e precisamos continuar nessa ótica”. No começo, o programa acontecia no segundo piso da sua casa, no bairro Santo Antônio. Ali era servido almoço para 22 crianças. No final do primeiro ano já eram 128 atendidos. O espaço já não comportava mais tantas pessoas, então surgiu a ideia de distribuir as refeições. No final de tudo, 362 pessoas saciavam a fome. Essa ação durou 4 anos.
Para participar do programa o responsável pelo jovem passa por uma entrevista e deve preencher um cadastro informando: vulnerabilidades, frequência escolar, idade (6 a 15 anos) e avaliação técnica da assistência social do programa. 12
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Lucas Frederizzi
Segundo relatório da Polícia Militar, no ano passado em Chapecó, foram registrados 206 ocorrências policiais envolvendo menores de idade. Destes, 267 adolescentes foram apreendidos. Alguns desses jovens possuem até 10 passagens pela polícia. Na região, em 2015, 400 adolescentes e uma criança se envolveram em crimes. O perfil desses jovens mostra que eles estão inseridos em um ambiente de desestruturação familiar e residem em localidades carentes. Em contra partida, o projeto intensifica suas atividades de recreação: de manhã quem participa são jovens, a tarde crianças e à noite adultos, com ensino fundamental, médio e cursos profissionalizantes. Nesses cursos foram formados 21 novos profissionais. Isso soa de forma muito positiva para Elisiani. Ela não vê apenas números, mas sim 21 famílias empoderadas. Ela acredita que existe a necessidade de fortalecer a família e a comunidade, para que os jovens tenham um bom futuro. As atividades proporcionadas pelo projeto são diversas. Vitória Tabaczenski, de 13 anos, participa do projeto há 5 anos e conta como ingressou: “Meu pai veio aqui e viu como era feito o trabalho com as crianças. Gostou, e eu estou aqui até hoje”. As atividades que Vitória participa
são: dança, informática, banda, futebol, vôlei e basquete. Segundo a jovem, o pai a incentiva para que ela continue participando do programa Viver. A estudante descreve o programa como algo positivo e se sente feliz quando está ali,“É a minha segunda casa!”. Taís Paola Lenz frequenta o Programa Viver há 7 anos. Taís começou a participar quando sua mãe percebeu que ela ficava ociosa em casa. Agora, a jovem não consegue ficar sem ir ao programa. “Quando eu não venho, fico mal, prefiro estar no projeto”. A estudante participa do programa todos os dias da semana, frequenta as oficinas de dança, banda e informática. Em pareceria com a Escola Básica Quedas do Palmital, o programa instituiu uma web rádio. A Rádio Escola do Quedas surgiu para fortalecer o vínculo da escola com o projeto. Elisiani conta que ocorriam desentendimentos entre os alunos no final das aulas. Ela se prontificou a auxiliar nessas situações e tomar as devidas providências. Ao fazer isso, percebeu que as brigas eram consequências do meio onde eles estavam inseridos: “as brigas eram resultados de casa, da família e da comunidade que
estavam vivendo”, afirma Elisiani. O resultado da criação da rádio foi muito positiva. Ciro conta que “os mesmos jovens que brigavam ontem, são hoje os locutores”. A realidade educacional desses jovens foi mudada através da oportunidade. Natanaél Feijó, 27 anos, entrou no programa viver aos 13. Lembra que naquela época não havia muitos incentivos para jovens que moravam em localidades carentes: “Muitos dos meus amigos ficavam na rua, eles estavam expostos a tudo que ela oferecia”. Seu primeiro emprego foi de Office Boy, graças ao encaminhamento realizado pelo Viver. Natanaél fez graduação, pósgraduação e mestrado, já deu aula em escola particular e em universidade. Ele ressalta que “é uma porcentagem bem pequena no Brasil que faz mestrado, e para um menino que veio de uma família pobre, de um bairro carente, é algo difícil de fazer”. É de alternativas como esta que as comunidades precisam. Ampliar espaços de recreações e fornecer aos jovens escolhas de vida melhor. “O Programa Viver é altamente transformador, porque ele proporciona e gera oportunidades”, ressalta Elisiani.
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Ana Cláudia Tasca
crescendo com a leitura Histórias que trazem lições para a vida toda Por Ana Cláudia Tasca e Adriana Friedrich
lhos e ouvidos atentos. As expressões faciais mudam a cada frase de Murilo, que do palco do auditório conta a história dos três porquinhos. Ele tem cinco anos, ainda não sabe ler, e conta a história para mais de 150 pessoas. Na plateia, colegas de escola e alguns pais. Murilo olha as figuras do livro e descreve sem esquecer nenhum detalhe. Sua professora, fantasiada de Lobo-Mau, complementa a apresentação do menino que não esconde a alegria em estar ali, compartilhando a história que aprendeu. Murilo mora em Formosa do Sul, no Oeste de Santa Cataria. Para encarar o palco, ele passou dias ouvindo a professora contar a história em sala de aula. Murilo é um dos 150 alunos da Rede Municipal de Ensino que participa do projeto “Vem Vindo História” que incentiva o hábito da leitura. O projeto foi iniciado em 2014 e tem o objetivo de proporcionar às crianças o desenvolvimento criativo, permitindo a livre expressão, favorecendo a valorização da leitura como fonte de prazer e entretenimento através da contação de histórias realizadas pelos próprios alunos. Além de estimular a alfabetização e criar o hábito de ler, o projeto desenvolve a linguagem oral das crianças, ampliando seu vocabulário. Juciliane Gregol Santin é coordenadora pedagógica do Centro de Educação Infantil Municipal (CEIM) Primeiros Passos, uma
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das escolas em que o projeto é realizado. Ela acredita que por meio da leitura, a criança desenvolve a criatividade, a imaginação e adquire cultura, conhecimentos e valores que implicarão diretamente no modo de entender o mundo. “Percebemos que esse trabalho influencia no bom desenvolvimento pedagógico de crianças e adolescentes e que poderá influenciar também na formação intelectual deles quando adultos”, destaca. Esse incentivo praticado na escola pode ser uma maneira de reverter números nacionais em relação à leitura. O brasileiro lê em média 4 livros por ano, o espanhol está em primeiro lugar com média de 10,3,
seguida de Portugal com 8,5. Na Espanha, 58% da população lê no tempo livre, 66%, na Argentina, e a 28%, no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL) em 2011, apontou que 85% dos brasileiros preferem assistir televisão ao invés de ler um livro em seus momentos livres. Já a pesquisa nacional sobre Hábitos Culturais realizada em 2015 pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio) do Rio de Janeiro, aponta que apenas 35% dos brasileiros têm a leitura como um hábito cultural. A pesquisa ainda aponta que o principal motivo do baixo índice de leitura é a falta de tempo. www.fecomercio-rj.org.br
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Décadas dedicadas à alfabetização No momento que a professora aparece na sala de aula “caracterizada de livro” as crianças ficam encantadas e curiosas para saber qual será a história que vem por aí. A contação inicia e todos permanecem atentos. Quando estimulados a ajudar no desenvolvimento da narrativa, os alunos
praticamente embarcam em uma viagem e a cada questionamento da professora eles respondem com muita empolgação. Permanecer realizando a mesma atividade durante longos anos não é uma tarefa fácil. Porém, para quem ama o que faz, isso se tornam algo prazeroso e que traz motivação ao dia a dia. Em Três Palmeiras, norte do Rio Grande Sul, crianças contam há quase quarenta anos com o ensino da professora Eloir Maria Casemiro, que em março deste ano completou 39 anos de atuação com a educação em séries iniciais. Além das atividades realizadas em sala de aula, Eloir também desenvolve o estímulo a leitura durante o período em que as crianças permanecem em casa. Na sala de aula está localizado o “cantinho da leitura”, uma minibiblioteca com muitas opções da literatura infantil disponível para as crianças. A professora também produziu sacolas de pano decoradas que estão disponíveis para que os alunos levem os livros para casa. Através de sua extensa experiência com as crianças, a professora lembra que passou por várias mudanças no método de alfabetização. “Antigamente, não explorávamos tanto aquilo que as crianças sabiam, o ensino era mais superficial e não era trabalhado tanto a interpretação”. Com o passar do tempo as crianças foram ficando mais criativas, explica a professora Eloir. “Elas são muito ativas e aprendem com facilidade, porém é
Enquanto os adultos leem em média 4,2 livros por ano, as crianças e jovens leem 8,5 livros durante o ano. O incentivo vem dos professores. A pesquisa é do instituto Pró-Livro de 2008. necessário oferecer novidades que desperte o interesse dos alunos que estão cada vez mais dispersos na sala de aula” afirma. Apesar da idade a professora não demonstra cansaço. “Todos os dias procuro trazer algo diferente, que desperte a imaginação e o interesse dos alunos, nós professores precisamos ser criativos e além disso demonstrar que somos amigos das crianças”. O resultado é visível e satisfatório, Daniel dos Santos Pacheco Satler, de 7 anos, com muita empolgação diz em voz alta na sala de aula. “Eu gosto muito de ler e levo muitos livros para casa para ler com minha família”. São simples as ações que fazem parte da rotina de muitas crianças, que no momento parecem não significar muito, porém as pesquisas já apontam que o incentivo para a leitura vem da escola. A longo prazo esses projetos, baseados no incentivo a leitura, terão reflexo na vida destes futuros cidadãos.
Ana Cláudia Tasca
Na pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, 45% dos leitores entrevistados afirmam que quem mais influenciou a ler foi um professor ou uma professora e 88% dos leitores entrevistados afirmam que foi muito importante ter ganhado livros na infância e isso contribuiu para o gosto pela leitura. A mãe do menino Murilo, Juliane Scariot, incentiva a participação do filho no projeto. “Ele adora, e sempre que a professora conta uma nova história ele faz questão de nos contar em casa. Isso mostra como a atividade tem mexido com as crianças, além das lições de vida que as histórias transmitem”. Segundo a mãe, Murilo adora um microfone e é comunicativo. Talvez as histórias tenham o ajudado a ter confiança para subir ao palco para ser um contador de histórias. Murilo revela a sua história preferida. “Eu gosto dos três porquinhos porque todos se ajudam e conseguem derrotar o lobo mal, é muito legal”.
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íris: a janela do organismo Já ouviu falar de Iridologia? Se não, essa reportagem vai explicar esse método não muito conhecido na região, mas que surgiu no século 19. Por meio de sinais, cores, pigmentações, estrias, fendas e anéis localizadas na íris que os iridólogos fazem um check-up que identifica o nível de intoxicação do organismo.
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odas as terças e quintas-feiras à noite Maristela Teston tinha hora marcada com as aulas de inglês. Ela é enfermeira há 30 anos no município de Águas de Chapecó, mas o curso era no município de Palmitos, que fica a aproximadamente 21 quilômetros. Uma rotina simples de ir e vir, mas que para Maristela era tortuoso. Às vezes o curso era cancelado devido ao problema sério de saúde que acometia a enfermeira. Maristela sofria da Fibromialgia, uma síndrome em que a pessoa sente dores por todo o corpo durante longos períodos, com sensibilidade nas articulações, nos músculos, tendões e em outros tecidos moles.
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Maristela tinha 18 pontos de desequilíbrio no corpo, que provocavam dores imobilizantes. “Às vezes eu não podia pentear o cabelo, e nem escovar os dentes de tanto que doía. Era dor no pescoço, no ombro, no cotovelo, era simplesmente dor, era a Maria das Dores”. Era remédio para dormir e remédio para depressão, embora ela não se achasse depressiva. “Eu achava algum consolo na medicação, mas chegou ao ponto que nem a medicação adiantava”, conta. Maristela ressalta que já passou pelas mãos de um reumatologista, clínico geral, doutor em medicina esportiva e fisioterapeuta, mas nenhum conseguiu resolver ou amenizar a dor que sentia.
Darlei Lottermann
Por Darlei Luan Lottermann e Jaqueline Kornfüehrer
Maristela Teston detectou a fibromialgia por meio do método
A última cartada
condições de vida que levava. “Me surpreendi em como realmente existe relação entre as minhas condições de vida, patologias, hábitos e a retratação que observei junto com a terapeuta na íris do meu olho”. Jéssica conta que após a terapeuta fazer a análise de tudo que observou, ela propôs uma terapia por meio de suplementos alimentares e chás e produtos naturais, de acordo com a necessidade da paciente. “Sinto melhora no meu quadro de ansiedade e depressão, inclusive retirando por completo a alopatia, ou seja, medicação convencional. Também sinto mais disposição e tenho me alimentado melhor, ganhando peso, pois me encontrava com Índice de Massa Corporal abaixo do mínimo recomendado”, revela. A enfermeira recomenda a iridologia por ser uma ciência que tem fundamentos sólidos e comprovados e pode ajudar muitas pessoas no tratamento de doenças principalmente as crônicas, cujo tratamento convencional mostra pouca eficácia. “O que mais chama a atenção na iridologia é a rápida melhora se você tiver aderência completa ao tratamento e relação direta com suas condições de saúde retratadas exatamente na sua íris”, recomenda. Nanda Cabelos e Cia
Depois de passar por tantos profissionais e não conseguir curar a fibromialgia, Maristela apostou em um método não muito conhecido na região, a Iridologia. “Eu fui buscar a Iridologia, fiz um curso de 12 meses em Curitiba e depois que terminei a primeira coisa que fiz foi ler o meu olho”, conta. A primeira paciente de Maristela foi ela mesma. Na avaliação da própria íris ela identificou os 18 pontos de desequilíbrio no corpo. A enfermeira acrescenta que esse método é como se fosse um check-up, pois tudo que acontece com o corpo é marcado na íris do olho. Essa avaliação acontece por meio de um instrumento chamado Irisdoscópio que permite a análise do nível de saúde do organismo. “É um método preventivo de doenças, que trabalha preventivamente e muitas vezes recuperando a saúde devido a desequilíbrios orgânicos, ou seja, trata o corpo humano como um todo, onde qualquer alteração em uma parte afetará as demais. É um exame indolor, não invasivo e de baixo custo”, explica. Como a Iridologia não trata, mas previne, ela buscou algo além, pois sentiu a necessidade de largar a medicação,
por isso buscou a naturopatia e a cromoterapia, se especializando também nessas duas áreas. Quando questionada se os pacientes saem do consultório com algum tipo de receita, ela comenta que o paciente recebe indicação de complementos alimentares e receitas de chás. “Eu não indico onde comprar, apenas sugiro que elas plantem em casa as ervas, e às vezes, elas até têm na própria casa”, evidencia. Jéssica Alberton também é enfermeira e sofria há oito ano de crises de ansiedade e um quadro de depressão crônico, mas que intercalavam com períodos de melhora. “Os quadros de piora oscilavam de dois em dois anos, com uso de medicação controlada”, comenta. Insatisfeita com aquela situação, Jéssica conheceu a Iridologia por meio de um amigo, que também tinha procurado o método e que em seguida apresentou melhora. “Meu primeiro atendimento consistiu em uma ampla avaliação. Uma entrevista para identificar as causas, acompanhado de exame físico, um histórico de meus hábitos alimentares, atividade física, relações familiares, trabalho e espiritualidade”. Ela revela que se surpreendeu com relação as marcas da íris com as
Jéssica conheceu a Iridologia por meio de um amigo, que também tinha procurado o método
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Procedimentos O exame não é invasivo e nem doloroso. O primeiro passo é tirar uma foto da íris do paciente, com o auxílio de uma câmera fotográfica comum acoplada a um iridoscópio, instrumento dotado de lentes que permitem a observação da íris em seus mínimos detalhes. Em seguida, a imagem é reproduzida na tela do computador por um programa específico que analisa a íris e detecta os problemas. Essa reprodução na tela de um computador facilita a visualização dos sinais e a interpretação dos resultados. Maristela deixa claro que a Iridologia não detecta doenças, mas sim as partes do corpo mais frágeis e que devem receber uma maior atenção do paciente. O Iridólogo avalia os sinais, cores, pigmentações, estrias, fendas e anéis e sua localização na íris com o auxílio do mapa iridológico. Desta forma, é possível fazer uma avaliação da saúde e fragilidades do organismo do indivíduo. Além dessa avaliação do corpo, o iridólogo também observa sinais e padrões que remetem à avaliação emocional e de personalidade de um indivíduo, contribuindo para seu autoconhecimento.
Custos e onde é oferecido A consulta de um iridologista custa em torno de R$150,00 a R$200,00. Maristela informa que a procura pelo serviço só não é maior devido a falta de conhecimento, pois embora os avanços tecnológicos tenham contribuído, e muito para a manutenção e recuperação da saúde dos indivíduos, os métodos as vezes são muito limitados, caros e invasivos. Eles são usados somente para amenizar os sintomas da doença, sem se aprofundar na busca pelas verdadeiras causas dos sintomas.
Cada parte da íris representa uma parte do corpo
O estudo e diagnóstico começou no século 19, com um jovem húngaro, chamado Ignaz von Peczely, que ao socorrer uma coruja com a perna quebrada observou marcas na íris do animal. Quando o menino cresceu tornou-se médico e continuou a observar a íris dos pacientes, descobrindo assim que tudo que acontece no organismo é marcado por meio de vários sinais na íris e criou o primeiro mapa, baseado em suas descobertas. 18
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QUANDO COMEÇOU O ESTUDO?
Muitos médicos desacreditam na Iridologia. Maristela afirma que alguns acham que ele retira o tratamento convencional receitado pelos mesmos, o que a iridóloga nega, pois o objetivo da Iridologia não é tirar medicação do paciente e sim conciliar com uma técnica mais saudável. “Se é possível, e em construção com o médico responsável pelo paciente, pode se fazer o desmame da medicação” comenta a especilista. Maristela também ressalta que o profissional iridologista precisa de toda uma base para atuar, já que tem ligação direta com a saúde das pessoas. “Eu tenho toda uma formação na saúde pública, tenho mestrado, dei aulas em universidades para hoje ser iridologista. Para tudo tem o bom senso”, afirma. Quando questionada sobre os pontos negativos, ela afirma não haver. “Acho que a Iridologia dá um suporte a tudo que imaginar, inclusive para pacientes terminais e cânceres. Eu não vejo nada de negativo” responde Maristela. A reportagem entrou em contato com o curso de medicina da Unochapecó e com três clínicos gerais da região para saber a opinião deles sobre a Iridologia, mas ninguém quis se pronunciar ou não sabiam falar sobre o assunto. Então contatamos o naturopata Alcir Marques, doutor em filosofia terapêutica, terapeuta e iridologista biomolecular. Alcir explica que a Iridologia não faz diagnóstico e sim funciona como um método que ajuda a identificar o nível de intoxicação de um organismo, como são os hábitos do dia a dia do paciente. “Há uma área dentro da Iridologia, chamada Iridossomatologia, que permite identificar através da estrutura da íris do olho a área comportamental da
pessoa, porque ela reage as vezes a uma determinada situação e de determinadas formas, como por exemplo, porque uma criança é mais quieta, enquanto outras são mais agitadas. Essa é uma área muito interessante da Iridologia”, afirma. Segundo Marques, a Iridologia de fato não tem comprovação científica, mas existe uma associação mundial e também nacional de médicos Iridologistas, e que tudo depende do ponto de vista. “A Iridologia é uma ferramenta a mais que as pessoas usam, mas não pode jamais substituir um diagnóstico médico, pois ela é só um complemento que ajuda a observar como está a estrutura da pessoa”, explica. O Conselho Regional de Medicina do Paraná publicou um parecer (Nº 2157/2009 CRM-PR) que diz que a iridologia é uma técnica sem fundamentação científica, não reconhecida pela Medicina, Conselho Federal de Medicina e pelo governo brasileiro. Na justificativa, o parecer apresenta que não há evidência científica de que a iridologia funcione do ponto de vista diagnóstico e terapêutico. Não há relação entre a mesma e física quântica na literatura mundial. Como exemplo, há trabalhos que avaliam as doenças alérgicas e asma, cujo resultados não são controlados e com resultados inconclusivos. Já Maristela contrapõe quando questionada sobre o reconhecimento da Iridologia no Brasil. Segundo ela, desde 1998 a Iridologia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) através do Protocolo 7224/98 em 06/10/1998 às 16hs, como mais um método de diagnóstico não invasivo onde não cura doenças e nem trata pacientes, mas podendo ser utilizada por todos os profissionais capacitados nesta ciência.
Arquivo Pessoal
Iridologia/Charlatanismo
“A iridologia, como método científico de conhecimento humano, não se enquadra nos Artigos 171, 282, 283, 384, 299 do Título VIII Cap. III do Código Penal Brasileiro”, contextualiza. Maristela acrescenta que o Ato de trabalhar como iridólogo está classificado como Ocupação de Forma Livre baseada na Constituição Brasileira Art. 5, XIII (cap. 13). Com uma longa história, a Iridologia é testada pelos pacientes que relatam o método, porém, médicos ainda desconfiam da eficácia, o que polariza o debate em favoráveis e contrários.
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Henrique Zorzi
“Do desafio de viajar ao desafio de trabalhar” Por Fabiane Reihmers e Jonas Bianchi
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aisagens ao longe, sentimento de saudade, e o dia nem começou. Dona Maria Gonçalves, uma senhora de 42 anos, casada, tem dois filhos e mora na cidade de Nova Itaberaba, no Oeste catarinense. Poderia Maria ter horário tranquilo para o almoço? Ou um entardecer “mateando” com a vizinhança assistindo o sol se pôr? Ou jantar com os familiares durante a semana? Poderia Maria. Dona Maria possui semblante de guerreira, rosto enrugado e tom preocupado. Ela acorda seis horas da manhã para uma batalha diária que intensificou-se há três meses, quando dificuldades financeiras duplicaram o turno de trabalho. A partir de então, o banco do ônibus é parada de descanso. A noite mal começa e logo um novo turno de trabalho também. A rotina pesada de dona Maria dura dezessete horas por dia. O desgaste progressivo é constante na vida de Maria. Funcionária de uma empresa frigorífica em Seara, a matriarca deixa sua residência e familiares ao meio dia para viajar até o trabalho. São 160 20
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quilômetros desafiadores, exposta ao cansaço e riscos do trajeto. A empresa buscou trabalhadores da região para suprir a demanda por mão de obra, entretanto, uma busca desnecessária se comparada à mão de obra desempregada no município. Em 2015, Seara registrou 3.223 contratações e 2.656 demissões, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Caged. Segundo a responsável pelo Sistemas Nacional de Emprego – Sine de Chapecó, Diane Rossari Reolon, é difícil mapear as pessoas desempregadas dentro dos municípios. As que não se cadastraram pelo Sine, procuram outras agências para fazer o registro. Entretanto, os dados na cidade são de pessoas que estão trabalhando e com carteira assinada. Mais de 3 mil pessoas se deslocam diariamente para a cidade de Seara para trabalhar na empresa em que dona Maria trabalha. Segundo o responsável pelo setor de RH do frigorífico, Douglas Galuppo, a seleção de pessoas é feita de forma simples. “Não interessa se o indivíduo não possui experiência, se não
completou o ensino médio, desde que se mostre apto à trabalhar, estamos de portas abertas”. A maioria dos candidatos não tem um grau de escolaridade e os que possuíam são poucos e se destacam nos setores ofertados. O transporte é oferecido pela contratante e descontado na folha de pagamento de cada colaborador. No Estado de Santa Catarina destacaram-se dois municípios que estavam entre as 50 cidades do país que mais contrataram no ano passado. As cidades de Nova Veneza e Seara, ambas com população entre 13 e 17 mil habitantes, distribuem empregos e giram a economia local. Existe, contudo, uma efervescência da procura por trabalho que estimula as pessoas a se deslocarem longas distâncias, em outros municípios.
Henrique Zorzi
Os dados coletados sobre Seara apresentam contradições, pois foram criadas 569 novos postos de trabalho, porém, são indivíduos de outros municípios, como dona Maria, que não reside no município. Eles movimentam a economia na cidade em que trabalham e na cidade onde vivem. A responsável pela intermediação de mão de obra, Adriana Cosmann, do Sine de Seara, afirma que as pessoas do município que estão sem emprego, disputam vagas e não alcançam estabilidade de renda. O problema não é a falta de oportunidade de emprego, é a situação particular de cada um. “Se as pessoas procurassem por vagas, com certeza as encontrariam no setor da agroindústria. Mas não é isso que elas procuram”, destaca Adriana. Alguns buscam por emprego, outros não querem determinada vaga, não aceitam se submeter a trabalhos de longa jornada. Procurar em outro município é o recurso utilizado no caso de extrema necessidade e não para indivíduos que têm a condição de permanecer na cidade.
Dona Maria garante que se encontrasse um emprego mais próximo de casa evitaria os riscos do deslocamento e se sentiria mais satisfeita por estar perto da família. Muitos como dona Maria, acreditam na possibilidade de encontrar um emprego na cidade onde moram. Eles sonham com o dia em que não precisarão enfrentar o desafio de viajar e aguentar longas horas de trabalho. Enquanto isso não acontece, eles se esforçam para equilibrar a rotina de viagens, trabalho, família e lazer.
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CEOM
MUITO~ ANTES DE CABRAL
a povoaçao indígena no Oeste Catarinense Por Mateus Montemezzo e Mauro M. Biondo
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á mais de 2.000 anos, quando Jesus Cristo orquestrava os seus primeiros passos na cidade de Nazaré, na capital do distrito Norte de Israel, as terras férteis da região Oeste de Santa Catarina, eram ocupadas pelos primeiros povos sedentários. Até aquele momento, apenas os grupos nômades de caçadorescoletores, datados da Idade da Pedra – cerca de 9.000 anos atrás – haviam pisado naqueles locais. Após esse período, por volta do ano zero, as terras catarinenses começaram a receber a ocupação de um novo grupo, os sedentários Tupis-Guaranis. Estimulados pelo crescente número de habitantes e a necessidade natural de sobrevivência, migraram das regiões amazônicas e se espalharam por diversas regiões do país e também da Argentina e Paraguai. Ao chegar no Oeste catarinense a tarefa de escolher um local de moradia foi árdua. Porém, a escolha contou com um elemento indispensável para a sobrevivência: as águas do Rio Uruguai. “A vida deles era na natureza. Então, a cultura deles era organizada e desenvolvida em torno da natureza”, explica André Luiz Onghero, historiador do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM) da 22
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Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Aproveitando-se desse recurso, os Tupis-Guaranis colocaram em prática o seu conhecimento sobre a agricultura. Mandioca, abóbora e o milho formavam uma parte importante da fonte alimentar. Para as refeições, faziam comidas típicas e derivados desses produtos. Além disso, eram exímios pescadores e nobres coletores de alimentos. A fonte de proteínas era proveniente de mamíferos de porte avantajado, como as antas, os veados, os porcos do mato, além de aves e répteis. O tradicional pinhão e o mel de abelha já faziam parte do banquete desses povos desde aquela época. Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, os indígenas não possuíam um comportamento selvagem ou muito diferente do de hoje. O conhecimento sobre o ambiente, a adaptação aos espaços e as boas relações sociais credenciavam os Tupis-Guaranis como um povo organizado. “Em nenhum momento os povos do passado devem ser considerados menos avançados do que nós. Nas condições que eles tinham, eram extremamente aptos, desenvolvidos”, completa André. Eles viviam em grandes
aldeias e se organizavam com mais de uma família em cada casa. Segundo os relatos dos pesquisadores Pedro Ignacio Schimitz e Suliano Ferrasso, as casas construídas com madeira, chegavam a medir 900 m². A organização sociopolítica das aldeias obedece a uma ordem hierárquica. O cacique, conhecido na língua Tupi-Guarani como “mburovixá”, era o grande líder, responsável por definir punições, resolver conflitos e organizar a caça. A medicina sempre teve espaço privilegiado na cultura Guarani. O Caraí, o curandeiro das aldeias, era o responsável pelos estudos da medicina. “O Caraí é essa figura do curandeiro. Os conhecimentos medicinais dos povos indígenas vêm dessa relação da natureza com espiritualidade. Para eles o mundo natural do sobrenatural não está separado, eles estão o tempo inteiro interagindo”, explica André. Através das pedras, os TupisGuaranis fabricaram ferramentas e utensílios básicos para os afazeres do dia a dia. A condição do rio e do solo da região facilitou o achado de rochas fundamentais para o processo, como o basalto, quartzo, calcedônio, diabásio
Os pais da cerâmica O sedentarismo do povo Tupi-Guarani permitiu que a arte se perpetuasse com força nas aldeias. A cerâmica é a marca registrada desse povo, que pela primeira vez, trouxe a técnica para o Sul do país. “Os Guaranis provavelmente foi o povo que difundiu a cerâmica pelo Brasil. Eles ensinaram outros povos a fazer”, destaca André. O detalhamento, o requinte e os desenhos exóticos nos artefatos, chamam a atenção. Os Guaranis trabalhavam com a cerâmica para fazer utensílios domésticos, como recipientes, tigelas e panelas, e também para construir urnas funerárias, onde os corpos humanos eram sepultados. A produção dos materiais cerâmicos era fruto de um processo trabalhoso, desde a coleta do barro nas barrancas de rios, a retirada de materiais indesejados da mistura, a adição de possíveis cerâmicas quebradas para a produção da pasta, até a produção final da massa. Quando a forma desejada estava pronta, a superfície era alisada nas diferentes formas e tamanhos. Em seguida, era
“Em nenhum momento os povos do passado devem ser considerados menos avançados do que nós. Nas condições que eles tinham, eram extremamente aptos, desenvolvidos”. André Luiz Onghero, historiador do CEOM. deixada na sombra para que a água do processo fosse eliminada. A queima do produto era realizada por fogueiras em altas temperaturas em poucos minutos. As cerâmicas mais rebuscadas recebiam a aplicação de traços. Através da técnica denominada corrugado, os adereços recebiam desenhos feitos com a parte lateral dos dedos. Outra técnica bastante utilizada chama-se inciso, onde instrumentos de ponta aguda são pressionados sobre a superfície cerâmica. Através dos Guaranis, a técnica foi eternizada, e até hoje é utilizada para a produção de azulejos, vasos, lajes, telhas e centenas de outras utilidades.
Arqueologia: um trabalho de descobertas Os restos de materiais das antigas civilizações são comuns de serem encontrados enterrados em lavouras, sobretudo nas regiões localizadas próximas aos rios. Os agricultores do Oeste catarinense relatam acidentes durantes às atividades agrícolas, especialmente no lavramento. “Com o passar do tempo, a natureza vai trabalhando. Passam animais, passam pessoas e mais os trabalhos agrícolas, e ela quebra. A partir desse momento entra terra, que vai alterar o esqueleto, vai mexer nos ossos”, relata André. As crenças dos agricultores, as antigas lendas e a falta de uma visão técnica, também acabaram prejudicando um estudo mais aprofundado sobre o assunto naquela época. Mesmo com uma perda de material relevante, os estudos avançaram. Hoje, a região possui um número elevado de sítios arqueológicos registrados no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): só
no município de Chapecó, são 207 áreas utilizadas para a escavação de novos materiais. Entre o trabalho da arqueologia na região, destacam-se os projetos desenvolvidos pelo CEOM – Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina - da Unochapecó. São seis funcionários e quatro estagiários que atuam nas atividades desenvolvidas pela Instituição. Um convênio com o Ministério das Relações Exterior e a parceria com Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris, na França, espalha o trabalho desenvolvido na região Oeste, para todo o mundo. Durante um processo de escavação de um sítio arqueológico do município de Águas de Chapecó, em 2014, um dos bolsistas do CEOM, encontrou uma urna funerária datada de 500 anos. A descoberta ganhou uma atenção especial pelo bom estado de conservação, e todo o seu estudo foi realizado através de um processo de escavação em laboratório, pioneiro no Estado. É a partir de estudos como esse, que a arqueologia e a história se unem, para comprovar cientificamente uma reconstituição dos fatos. Os trabalhos arqueológicos seguem a todo vapor. Novas descobertas estão por vir, especialmente de vestígios deixados por habitantes da Idade da Pedra. “A escavação (em Águas de Chapecó) prosseguiu e encontramos materiais mais profundos do que aqueles encontrados há 9.000 anos”, revela André. Enquanto novos estudos estão sendo realizados, aguardamos as peças restantes que formam o gigantesco quebra-cabeça da história da região Oeste de Santa Catarina.
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e arenito. Os métodos mais utilizados para a construção dessas ferramentas era o lascamento e o polimento. Com isso, eram confeccionados machados, mão de pilão, afiadores, raspadores, batedores, lascas, entre outros artefatos. Através do barro, fabricavam panelas, onde cozinhavam os seus alimentos. Os enfeites corporais também faziam parte da cultura Guarani. Os ossos de animais serviam para a confecção de colares, das mais variadas formas e tamanhos. Também era utilizado para produzir o Tambetá, pedaço de osso de animal polido, que era perfurado no lábio inferior dos indígenas, servindo como adorno. “Eles fazem um tubinho, furam o lábio e encaixam por dentro”, conta André. Os rostos eram pintados em três cores diferentes: o branco, obtido através da argila, o vermelho, proveniente do Urucum –– uma fruta vermelha, utilizada para fabricar o colorau –– e o preto, oriundo do carvão. As cores também eram utilizadas nas ferramentas e produtos cerâmicos.
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era uma casa Por Maria Joana Weber Giareton
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areci Moreira estendia as roupas no varal da lavanderia, um dia antes da catástrofe natural que mudaria para sempre a vida dela e de centenas de pessoas. Na humilde casa do bairro Tacca de Xanxerê, em uma segunda-feira pela manhã, restava apenas a limpeza dos cômodos. Mareci ligou para o filho Antônio e pediu para que ele levasse o irmão mais novo, Andrei, cortar o cabelo. Mas o filho não acatou a ordem da mãe e continuou os afazeres domésticos e da escola. Ninguém imaginava o que aconteceria em instantes, mas a intuição de mãe não falha. Na terceira vez que ligou e ordenou que os filhos fossem ao cabeleireiro, Mareci salvou a vida deles, sem saber. Antônio e Andrei obedeceram. Formaram-se nuvens escuras no céu e iniciou a chuva, tudo parecia normal, até cair a luz da casa lotérica. Mareci estava na fila, segundos depois a atendente do caixa disse “senhora, pode passar que dá tempo, o sistema ainda não caiu”. Depois de receber os R$ 70,00 do Bolsa Família a diarista percebeu uma movimentação esquisita na cidade. Viaturas da polícia e caminhões do Corpo de Bombeiros correndo de um lado para o outro, pessoas desesperadas, aos gritos de “a cidade está destruída”. Ao passar em frente a uma loja de confecções, ela avistou sua vizinha Dani, que estava aos choros falando no telefone. Após buscar seus filhos no cabeleireiro, ela voltou para a mesma loja de confecções para saber qual o motivo do choro da vizinha. “A Dani precisou ir porque o Bairro Tacca foi destruído”, disse uma das vendedoras da loja. Um filme passou na cabeça da diarista. Imediatamente, Chaiane a outra filha de Mareci, ligou desesperadamente para a mãe: “vem mãe, vem porque está tudo destruído”. 24
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O Recomeço Uma peça pequena, que apesar de pouco espaço, aconchega a todos. É na garagem da casa da filha, que a diarista se acomoda. Mareci e Andrei dividem um sofá cama, já Antônio, dormia no chão. Agora a mãe conseguiu uma cama de ferro e ele dorme um pouco mais confortável. E quem disse que conforto é tudo? A cama de ferro serve também como escrivaninha para Antônio, sentado em cima de uma coberta no chão ele apoia os livros na cama para escrever. Os filhos de Mareci ficaram revoltados com o que aconteceu. Preferiram não ter acompanhamento psicológico e hoje, Andrey se assusta com temporais. Thaís, a filha mais velha, é casada e tem uma filha. Em dias chuvosos ela fica em pânico e procura lugares seguros. Além deles, a calopsita da família também ficou traumatizada. Quando escuta
o barulho da chuva começa a gritar. Após toda a tormenta, veio o sol para Mareci. Ela, foi surpreendida com uma carta vinda da cidade de São Paulo. Através das palavras de afeto de uma menina desconhecida, a diarista encontrou forças para seguir em frente. O Grupo de Escoteiros de Xanxerê, em uma operação solidária, entregou para Mareci roupas, móveis e louças. Enquanto a construção lenta da nova casa não termina, a diarista encontra na fé a proteção para a família e a força para levantar e viver todos os dias.
“Eu não desejo que isso aconteça em lugar nenhum. Nós precisamos se apegar a Deus e ter coragem para enfrentar esses momentos, principalmente para dar força aos nossos filhos”, conclui Mareci.
Tormenta inesquecível Eduarda, órfã de pai há dois anos e filha única de Cleusa Paglia, ainda sofre com a ausência do pai e o pânico causado pelo tornado que atingiu sua casa no ano passado. Naquela tarde, enquanto estudava e aguardava a chegada de seu namorado, Gabriel, seus avós estavam na varanda da casa empenhados na produção de bolacha caseira. Ao perceber que o céu escureceu e a chuva chegaria, Eduarda se preocupou com a demora de Gabriel. Os avós, perceberam a agitação da neta e largaram seus afazeres para acalmar a menina. Ao saírem da varanda, salvaram suas vidas, sem saber. Em questões de segundos, a catástrofe aconteceu. O redemoinho sugou os móveis e o telhado da casa e deixou apenas as paredes de sustentação, que a qualquer momento poderiam cair. A geladeira da vizinha voou e parou no local onde os pais de Cleuza produziam as bolachas. Quando soube, a vendedora foi imediatamente para casa. “Para chegar lá foi complicado. Haviam postes, concretos, telhas, no meio da rua. E no momento que eu vi minha casa...”, as lágrimas caem dos olhos dela e com a voz embargada finaliza, “foi horrível”. O tornado não passou no psicológico. Traumatizada, a filha que agora reside em Pinhalzinho/SC, liga para a mãe quando nuvens escuras surgem no céu. Cleuza conta que sente um aperto no coração cada vez que o tempo fecha. Hoje a vendedora reformou a casa e mudou o cenário das coisas para tentar não lembrar. “A gente tenta esquecer, mas quando eu coloco a cabeça no travesseiro, passa um filme”, diz. É nítida a forte presença do tornado na vida de algumas pessoas. O pânico da chuva e do céu nublado causa diversas reações que necessitam de tratamento psicológico, como explica a psicóloga Talita Zanferari. “Depois de dois meses
após o ocorrido é possível perceber o transtorno traumático. Cada indivíduo apresenta um quadro. Se as pessoas não tiverem acompanhamento é possível que daqui há um tempo isso se manifeste e acabe prejudicando outros fatores”. De acordo com o coordenador de Proteção e Defesa Civil de Xanxerê, João de Borba, é possível acontecer na região. “Não será o último, pois a nossa região é o segundo lugar no mundo com tendência de descarga atmosférica”. Se houver novos tornados, a equipe está preparada
para mapear as equipes, uma faz o levantamento, outra faz o atendimento das vítimas e outra equipe recebe as doações. “É claro que não queremos que ocorra novamente, mas estamos mais preparados agora”, afirmou a secretária de Assistência Social, Luciana Contini. É como dizia o filósofo Aristóteles: “a esperança é o sonho do homem acordado”. Assim vivem as famílias xanxerenses, com a esperança de reconstruir o que foi levado pelo tornado, e a coragem de fazer a cada manhã um novo dia.
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EAU
luz, Câmera, experiência! Em 2012, um grupo de estudantes apaixonados por filmes, séries e zumbis, decidiu pôr em prática uma de suas ideias. Mesmo sem muita experiência ou equipamentos, eles foram responsáveis pela Websérie “Viral”, a primeira a abordar o tema zumbis na América Latina. Assim, surgiu o Experiência Audiovisual Universitária, projeto que reúne estudantes dos cursos de Comunicação da Unochapecó na prática de audiovisuais dos mais diferentes formatos. Por Marina Pessalli Favero e Willian Alves
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ilmes e séries são algumas das paixões mundiais. Diariamente, muitas pessoas reúnem se em frente à televisões, computadores, celulares, ou até mesmo nas grandes telas de um cinema para consumir este tipo de entretenimento. Mas, algumas pessoas são tão apaixonadas por audiovisuais que apenas assistir não as satisfaz. Elas querem fazer parte disso. Esse é o caso dos estudantes que participam do Experiência Audiovisual Universitária (EAU). São, em sua maioria, estudantes dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Produção Audiovisual e Design Visual da Unochapecó, com um anseio em comum: adquirir experiências de atuação profissional na produção de conteúdo no formato de vídeo durante a graduação. A primeira ideia executada pelo EAU surgiu em 2012, a partir de uma conversa cotidiana entre dois estudantes, Julherme Pires e Jayne Conrado. “Na época, nós dois estávamos cursando jornalismo e como nós tínhamos afinidades com a temática zumbi, decidimos realizar um 26
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curta. Depois, em conversas posteriores, veio a ideia de uma websérie”, afirma Julherme. Mais estudantes interessaram-se pela ideia e optaram por auxiliar na elaboração do projeto. Entre atores, produtores e diretores, participaram das produções de “Viral” cerca de 50 pessoas, de forma totalmente voluntária. O resultado foi uma série de oito episódios para o YouTube, que alcançou 18 mil visualizações entre novembro de 2012, e abril de 2016. Além da abrangência pela internet, o projeto conquistou um Prêmio Expocom, no evento de comunicação Intercom Sul, na modalidade “Ficção Seriada”. Na 8º Bienal da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 2013, a série foi exibida ao lado de trabalhos de todo o país. “O Viral é obra que está longe de ser redonda, bem produzida, e jamais chegaria a um público de massa, ou tem um valor artístico denso. O valor está em planejar e executar um grande projeto, o que por si só já é vanguarda na região”, comenta Julherme. Ele afirma que as
maiores dificuldades para a execução da série foram o baixo orçamento - cerca de R$ 1500,00, conquistados através de parcerias com empresas da região - , e o desgaste da equipe. “O mais legal é que no fim da produção, essas dificuldades se transformaram em aprendizado, e isso é o que representa a maior preciosidade do Viral para mim”, relata.
Novos estudantes, novos projetos Primeiro semestre de 2014. Novos estudantes iniciam a graduação, e com eles o gás de produzir um novo curta para o Experiência Audiovisual Universitária. Em uma reunião para compartilhar ideias de argumento, surge o projeto que inicialmente recebeu o nome de Ânima, pensado pelo estudante de Produção Audiovisual, Juliano Backer. O objetivo de Juliano era contar a história de um motoqueiro, que após um acidente, perdese entre a realidade e o subconsciente. Então, um roteiro foi elaborado colaborativamente. Através de uma
Selo EAU de qualidade
Produção Audiovisual, Jakeline Fagundes, e está sendo discutido e avaliado pelos coordenadores dos cursos de Comunicação. De acordo com a coordenadora do curso de Produção Audiovisual, Dafne Pedroso, alguns termos precisaram ser definidos para estabelecer o que é o Projeto. “O EAU é independente, mas conta com o auxílio da Universidade no empréstimo de equipamentos e de espaços, além da orientação de professores. Em contraponto, é necessário um conjunto de regras para que os estudantes tenham compromisso e responsabilidade para entregar os conteúdos. Por isso, a importância do estatuto”, afirma. Ainda de acordo com Dafne, participar do Experiência Audiovisual Universitária é uma atividade extraclasse essencial para a formação dos acadêmicos, já que eles têm a oportunidade de executar ideias de filmes ou séries com o auxílio de outros, “Percebemos que os estudantes que participaram do Projeto continuaram se destacando nas aulas e na vida profissional. A atividade desenvolve proatividade, criatividade, facilidade em desempenhar diversas funções”, complementa.
Viral
votação realizada por todos os membros do EAU, elegeu-se o estudante de Produção Audiovisual, Kelvin Cigognini, como diretor do curta. As gravações iniciaram, mas não de acordo com o esperado pela equipe. “Não conseguimos gravar o roteiro que inicialmente foi proposto. Percebemos que o conteúdo divergia bastante da proposta inicial. Então, optamos por voltar atrás, repensar o que estava feito e refazer, de uma forma que representasse melhor nossos objetivos”, conta Kelvin. O processo foi dividido igualmente entre os participantes e cada um assumiu uma responsabilidade diferente. As gravações iniciaram novamente em junho de 2015, e perduraram até agosto. Agora, o material está em processo de montagem, edição e finalização, ainda sem previsão de estreia. “É complicado trabalhar em equipe. Há conflitos de ideias e de interesses. Em um primeiro momento, foi difícil fazer com que todos entrassem em sintonia, já que esta foi a primeira experiência da maioria dos participantes. Eu mesmo tive dificuldades enormes enquanto diretor”, revela Kelvin. “Esse Projeto acrescentou muito stress na minha vida. Mas foi um stress do bem, né?” brinca. Ele conta que muitas pessoas que trabalhavam no EAU e estavam desgastadas durante as gravações, o procuram para contar que sentem falta do Projeto. “A gente não sabia ao certo o que tava fazendo, nos estressávamos, mas as coisas aconteciam”, lembra o diretor.
A partir da primeira produção, o EAU adquiriu visibilidade e confiança em toda a região. Assim, Julherme optou por lançar o seu Projeto Experimental, o documentário “A Conquista”, com o selo da marca. “O EAU foi importante por nos ofertar meios de produção, pessoal e a distribuição. Pudemos centralizar nossos esforços de produção num único canal, que é o caso do blog do EAU”, conta. O filme foi produzido em parceria com a sua colega, Camila Arruda, em 2013. O projeto, que foi o único documentário lançado através do EAU até agora, recebeu um Prêmio Expocom, em 2014, na categoria “Roteiro de não-ficção”. O curta “Antes dos 20 e tantos”, escrito e dirigido pela produtora audiovisual Sabrina Zimmerman, também foi um projeto paralelo lançado através do EAU. A ideia do roteiro surgiu através de uma disciplina na Pós-Graduação em Cinema e Realização Audiovisual. A produção do filme iniciou em 2013, mas a estreia aconteceu em julho de 2015.
Estatuto EAU O projeto atingiu tal maturidade que está sendo elaborado um conjunto de regras para o grupo e para as produções. O objetivo é garantir que os EAU siga sua missão e visão, assim como as normas e responsabilidades, como a utilização de equipamentos, sejam asseguradas. O Estatuto do Experiência Audiovisual Universitária foi elaborado pela estudante de
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Arquivo Pessoal
cultura, tá rolando? Por Queren Barrabarra e Cristhielly Scalvi
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que seriam das melodias da nossa terra sem os músicos que as embalam em suas cordas, teclas, olhos ou vozes? O que seriam de tantas cores sem as mãos que as tiram do pincel na dança de seus dedos? Imagine você, pra onde iriam tantos poemas sem os sarais à luz de velas dos escritores que os refletem? O cenário cultural de Chapecó reflete os diferentes contextos dos seus produtores. Não há maneiras de sintetizar a arte e a cultura, no entanto, conversando com produtores culturais da cidade, é possível perceber alguns elementos que norteiam os rumos da nossa arte. A economia criativa e os produtos da indústria cultural são barreiras para as novas propostas que nascem e tentam sobreviver. Com um cenário musical comprado e reproduzido diretamente das universidades sertanejas que nunca se formam, a oferta e apelo exagerado de um só gênero musical cala a pluralidade de vozes culturais, que são alternativas aos padrões ditados incessantemente. Existe a homogenização da oferta de música, por exemplo. As casas de shows da cidade possuem uma identidade musical e, consequentemente um
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perfil de público. O que preocupa as novas nascentes musicais é que parece existir um único caminho para trilhar. Há espaço sobrando para um gênero, enquanto outros remam para poder mostrar seu trabalho. Ronei Zanette, do duo Isso É Ócio, fala das carências que existem em relação ao simples fato de poder mostrar a arte: “A nossa cena regional é muito fechada para novas experiências musicais, novos estilos. Para a nossa região é difícil chegar em um bar e fazer a nossa música, porque geralmente as pessoas vão aos lugares para beber, conversar ou bailar (risos). Há poucos lugares específicos para ouvir música. Afinal, ouvir música é diferente de alguém colocar um som ambiente.
“Eu não faço música ambiente, eu quero que você seja o ambiente da minha música.” O duo Isso é Ócio é formado pelo Ronei, 21 anos e Pedro Britto de 23 anos. Ronei conta que eles se conheceram nos luais da vida e as energias se encontraram. Ambos gostavam de Rock and Roll, Cadillacs, Chicletes e
Canivetes. Entre essas referências e paixões musicais do duo também consta o Pouca Vogal, em especial Duca Leindecker. Aos poucos as letras e melodias do duo foram surgindo e o repertório ganhou vida. O duo participou do Edital das Linguagens da Prefeitura Municipal de Chapecó, que foi lançado no final de 2015. O projeto intitulado Isso é Ócio – Foco, Força e Café é o nome do disco que contém 15 faixas. São 10 músicas e 5 poesias. Uma das poesias é do artista Marcio Pazzin, mentor do duo e uma das canções é do velho amigo da dupla Ourides Moreira. O edital possui categorias de diferentes linguagens artísticas, e cada uma delas respectivos valores a serem contemplados pelos projetos inscritos que são avaliados e selecionados. Um dos critérios de avaliação e pontuação julgados pela comissão é a contrapartida social que avalia qual é o propósito social da arte inscrita. No caso do Isso É Ócio, o objetivo é chegar as margens da sociedade e atingir um público que não tenha acesso à música temática, que abordam temas sociais de forma simples e sincera. “Tentamos colocar inocência na
música porque elas são simples”, conta Ronei ao falar sobre o estilo do duo, que não possui bateria nem solos de guitarra exorbitantes. O escritor Guimar Baccin acredita que a burocracia dos projetos culturais é demasiada, por isso decidiu publicar seus livros sem incentivos públicos ou patrocínios. O lançamento de seu último livro, Uma Flor em Outra Estação, levou oito anos para ser publicado. Guiomar conta que tudo foi pensado nos mínimos detalhes, “tanto que depois da impressão do livro eu deixei o mundo com mais árvores do que se não tivesse sido impresso, porque todo o processo de impressão foi pensado de forma sustentável”. Além de poeta, Guiomar fundou o grupo de arte e cultura, o Cosmonautas, que realiza sarais abertos à comunidade e contempla bibliotecas e escolas com cópias gratuitas dos trabalhos do grupo. O que Ronei e Guiomar têm em comum? A luta pela arte. Guiomar acredita que a música e a literatura são dois pilares de sustentação da sociedade, elementos capazes de formar e transformar o mundo em que vivemos.
Políticas Culturais x Público O Brasil é um berço de heranças culturais que mesclam inúmeras origens e tendências, no entanto existem barreiras e circunstâncias que limitam as novas nascentes artísticas. Se por um lado faltam espaços e políticas que fomentem a cultura, do outro falta um olhar sensível do público. Fernando Paludo, da banda John Filme, sente a falta de interesse do público para novas experiências musicais. “As pessoas não gostam das coisas porque elas nem sabem que podem gostar”. O Serviço Social do Comércio (Sesc) promove diversos eventos culturais de forma acessível e qualificada. Toda semana ocorrem eventos como mostras de cinema, apresentações de teatro, dança, música regional e exposições. Mesmo sendo um dos únicos espaços de Chapecó para fomentação da arte local ainda há escassez de público, afinal em algumas ocasiões as pessoas não estão prontas para apreciar elementos culturais que não sejam vendidos pela indústria mundialmente conhecida pela transformação de cultura em mercadoria. Existe uma linha tênue que separa a utopia de viver de arte com a relação do público com os produtos culturais ofertados. Viver da arte ainda é um exercício de fé. O paradoxo nasce a partir da compreensão de que falta espaço para os produtores culturais, e em contraponto faltam almas maleáveis dispostas a conhecer a arte do outro, arte que nos cerca, esperando para ser vista e sentida.
Hoje eu acordei meio poesia, tomei um café meio caminhada, passei um pouco de margarina de energia no pão da vontade e mordi como o leão morde a zebra. Saí da minha casa meio montanha, tomei a rua com jeito de trilha, passei pelo centro, um pouco burguês, mas meio favela e fui até a praça com jeito de praia.
Na praça havia uma estátua meio parada, uma calçada meio pisada, algumas árvores meio verdes e algumas pessoas meio sofridas. Chorei a seco, depois engoli o choro. A vida precisa seguir, nem que seja pelo caminho meio torto. Um dia se chega a algum lugar nem que seja meio morto. Guiomar Baccin
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Prefeitura Municipal de Pinhalzinho
A LUTA CONTRA O MOSQUITO FAMÍLIA EM ALERTA Por Rodrigo Kroth e Cristian Luzzi
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á cerca de três meses a rotina das pessoas em Pinhalzinho mudou. A comunidade vive em estado de guerra contra o mosquito, que o pequeno João Vitor, de 5 anos, já conhece bem. Seus pais, Paulo e Isabela Algayer o protegem ao máximo. A rotina da família teve de se adaptar contra a dengue. Todos os dias, a primeira ação do casal ao acordar é passar repelentes em João. São mais de quatro frascos do produto gastos em três meses. Ao entrar de manhã no banheiro é preciso retirar o plástico da janela. Tudo isso para evitar que o mosquito entre pelas frestas. Por volta das 7h15, Paulo e Isabela levam João Vitor para a creche. O dia amanhece quente, e seus pais o vestem com calça e uma camisa com manga comprida, apesar do verão. Enquanto seus pais vão ao trabalho, João fica a manhã inteira do lado de seu melhor amigo na creche, Lucas. Os dois não se descuidam, mesmo sem muita noção do que realmente está acontecendo. Durante a aula, a professora Caroline mostram alguns desenhos sobre o “bichinho”. Além disso, ela também dá um desenho para que seus alunos possam pintar. “Ele nos trouxe um dia o desenho para casa, e vimos que não somente os pais, mas a 30
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escola também está tentando fazer a sua parte”, disse Isabela. O desenho, além da estrutura física do mosquito, continha quais as doenças ele pode transmitir. A cada semana, os casos aumentam em Pinhalzinho. Segundo o relatório da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive) de Santa Catarina, em seu último levantamento, divulgado no dia 12 de abril, são 1879 casos no município. Isso representa 78,2% do total no Estado, e 8.349,4 casos de dengue por 100 mil habitantes. De acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 16.332 habitantes no município. Em Santa Catarina são 2.204 casos confirmados até a última divulgação. Enquanto os pais trabalham, João fica na creche das 7h às 19h. Chega a noite e é hora do banho. Paulo disse, “acho que tomamos mais banho de repelente que no chuveiro. Eita mosquitinho teimoso”. Isso durante uma roda de chimarrão. João só pode brincar fora de casa acompanhado de alguém, não apenas pela idade. “Esses dias choveu. Ficamos todos em casa. Dois dias depois fomos dar uma volta no parque e estava cheio de água. Viramos o pé e voltamos” explica o pai. Em um momento delicado como esse, famílias se unem para acabar de
vez com o grande inimigo da Capital da Amizade. Como diz a campanha contra a dengue: “um povo unido é mais forte que o mosquito”.
“O que nos preocupa é que a cada semana quando os boletins são divulgados, os casos, em vez de diminuírem, continuam aumentando. Estamos tentando nos prevenir, mas parece que isso não adianta. O medo é grande, mas acho que logo isso vai acabar, aí podemos ficar mais tranquilos”, argumentou Isabela. Os pais do menino João Vitor reclamam também de seus vizinhos. Segundo eles, a equipe do Corpo de Bombeiros encontrou focos de mosquito no quintal da casa
na avenida Brasília. “A escola trabalha com esse tema há vários meses, mas sentimos a necessidade de vir para a rua e conversar com as pessoas da nossa cidade”, disse uma das professoras. Segundo a enfermeira coordenadora de Vigilância Epidemiológica de Pinhalzinho, Ivanete Rauber Althaus, há uma redução considerável no número de casos da dengue no município. “Muito se deve ao trabalho da equipe da forçatarefa, que eliminou muitos criadouros, tratou caixas d’água, piscinas e cisternas com larvas. As pessoas também estão mais cuidadosas, mas os casos ainda continuam altos”, salientou. Quem também está atento à situação é a diretoria da Associação Comercial Industrial de Pinhalzinho (ACIP) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Pinhalzinho. Em reunião realizada neste mês, foi debatido quais as ações serão tomadas para a campanha da dengue. Foi
definido que a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina (FCDL/SC) enviará R$ 2 mil que será utilizado para a compra de bioinseticida, além de iniciar um programa para cuidar dos terrenos baldios. Se esses programas e ações terão resultado, só o futuro dirá. Mas conforme explicou a enfermeira da Vigilância Epidemiológica, os casos diminuíram durante o mês. A verdade é que ninguém esperava tantos casos de dengue no município. O que cada um precisa fazer é se prevenir e se conscientizar de que o problema é mais sério do que parece. Ilustração:Acin Jornalismo
de dois vizinhos. “Isso também nos preocupa, por que não depende só de nós pra acabar com isso, todos devem fazer a sua parte, mas parece que as pessoas não se conscientizam”, respondeu o pai do menino. “Estamos tentando nos precaver. As vezes vemos água parada, aí já retiramos a água do recipiente. Nosso maior cuidado é com nosso filho, até pela idade que ele tem. Sempre alertamos nossos parentes sobre o cuidado, porque eles também tem filhos”, explicou Isabela. A Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) José Theobaldo Utzig, de Pinhalzinho, realiza desde o início do ano letivo, palestras com o tema “Combate à proliferação do mosquito Aedes Aegypti”, além de oficinas de teatro. Também foi realizada pela escola, a entrega de adesivos para conscientização contra a dengue em uma ação realizada
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