Passe a Folha - Edição 54 - 11 de novembro de 2019

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54

A chapa "Cabe na Pauta", junto com a jornalista Renata de Medeiros, durante a Semana Acadêmica de Jornalismo de 2018 (Foto: Arquivo/CAJor)

VAI COMEÇAR A CORRIDA

PELA GESTÃO DO CAJOR

(PAG. 4)

O curso de Jornalismo da Unochapecó pos- funciona a todo o vapor. A cada ano, uma nova começaram para a eleição da nova equipe, sui um Centro Acadêmico, o CAJor. Por al- chapa é eleita para representar os estudantes que irá substituir a chapa "Cabe na Pauta", gum tempo, o C.A esteve inativo, mas agora do curso. No ano de 2019, os preparativos ativa desde o mês de setembro de 2018.

BRUXAS DO SÉCULO XXI

A MENSAGEM

Todas as mulheres abortam, isso é um fato. Com a ascensão da internet e das redes soAgora é preciso pensar: se é pró vida, de que ciais, o raio de alcance do discurso de ódio vida se fala? (PAG. 7) foi ampliado. (PAG. 5)

Foto: Ana Laura Baldo

Foto: Laura Fiori

VALE A PENA? Em tempos atribulados, turbulentos, é difícil pensar em um sentimento profundo como o amor. (PAG. 3)

Foto: Mirella Schuch


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EDITORIAL

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

REPROVAÇÃO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

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ais de três centenas de dias de governo Bolsonaro e pesquisa nacional feita pelo Datafolha em dois de setembro apontou crescimento na reprovação do presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro. Enquanto a reprovação subiu para 38%, a aprovação caiu para 29%. Desde que Jair assumiu o cargo, vem colecionando bolas fora. É tiro para tudo quanto é lado. Não tem quem se salve. Aliás, com exceção de quem o capitão simpatiza. Dentre as ações negativas do governo, estão a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, por conta da divulgação de dados sobre o aumento do desmatamento na floresta amazônica; pedido de demissão do Diretor de Comunicação e Marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim, e retirada de uma propaganda com representatividade de diversidade racial e sexual, ao presidente da instituição; e Extinção do Ministério do Trabalho, que

A REFORMA DE UMA CASA COM CERTEZA SERÁ SEMPRE PARA MODIFICÁ-LA POSITIVAMENTE. A REFORMA DA PREVIDÊNCIA, SEM O MÍNIMO DE DÚVIDAS, NÃO. tinha como uma das premissas fiscalizar e controlar o trabalho escravo e infantil. Uma das principais ações e defendida de forma intensa pelo governo é a proposta da Reforma da Previdência. O texto que retira direitos do trabalhador, foi aprovado em 22 de outubro. Quem vai arcar com as consequências do déficit previdenciário é o cidadão que sobrevive com um salário mínimo ou nem mesmo com uma digna retribuição. O brasileiro, que tem expectativa de vida de pouco mais de 70 anos, poderá aproveitar seus míseros cinco anos de aposentado, se homem, e três anos mais, se

LATINOSCÓPIO

EXPEDIENTE

Por Natália Souza

NÃO SÃO SÓ 30 PESOS

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mulher - caso não seja morta em um mundo onde reina o patriarcado. Para quem não está perto de se aposentar, pode “escolher” o sistema de pontos. Terá que somar sua idade com o tempo de contribuição, que precisará ser no mínimo 30 anos para as mulheres e 35 para os homens. Mas não basta somar. É necessário que a pontuação esteja de acordo com o estabelecido no ano vigente da aposentadoria. O governo dá opções e o sujeito escolhe a menos pior. A reforma de uma casa com certeza será sempre para modificá-la positivamente. A Reforma da Previdência, sem o mínimo de dúvidas, não. A ideia de que o trabalho dignifica o homem é a romantização do capitalismo. A premissa do sistema é a meritocracia, que vende a ilusão do esforço e da dedicação e exclui as singularidades dos indivíduos. O povo trabalha, cansa, sofre mais, e vive menos. O governo? Negocia quanto tempo o humano irá desfrutar do tempo livre que sobra de vida.

crise no Chile parece não ter um fim próximo. Após 20 mortes, 3.535 presos e a demissão de oito ministros o Chile segue registrando protestos. Mesmo com a promessa de reformas sociais e econômicas, o presidente Sebastián Piñera não conseguiu acalmar os ânimos dos chilenos, que protestam desde o anúncio do aumento de 30 pesos no preço da passagem de metrô, no início do mês. Entre as ações tomadas pelo Executivo como forma de apaziguar a população chilena, estava uma renda mínima garantida de 350 mil pesos, o equivalente a

R$ 1.950, além de reduções nas tarifas de energia elétrica e no preço dos medicamentos. Outra promessa foi o reajuste de aposentadorias e pensões. No entanto, a instabilidade segue e Piñera se vê desafiado pelo seu próprio povo. A crescente insatisfação obrigou o líder chileno a cancelar duas importantes reuniões que o país sediaria: o Foro de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), em novembro, e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25), em dezembro, sendo que este último já havia sido recusado pelo Brasil.

DEU A LÓGICA

DESGOSTO

Como já era esperado, Alberto Fernández é o novo presidente da Argentina. Após somente um mandato de Maurício Macri, os argentinos optaram por voltar ao peronismo. O movimento iniciado por Juan Domingo Perón governou o país pela última vez de 2003 a 2015, com Néstor e Cristina Kirchner. Macri deixa um país em grave crise econômica e social; com inflação prevista para fechar na casa dos 55% neste ano, 30% das pessoas vivendo na pobreza e os sem-teto representando quase 10% da população. Bela herança.

Quem não ficou nada feliz com a eleição de Fernández foi Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro deixou de lado qualquer diplomacia com o país vizinho para anunciar que não pretende felicitar o argentino, além de alfinetar o eleitorado portenho, afirmando que “a Argentina escolheu mal”. Infelizmente, Bolsonaro esqueceu a importância da Argentina para o Brasil e para o Mercosul. O país é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, além de ser um dos principais nomes do bloco latino-americano. Só Deus sabe onde esta relação vai parar... Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54

Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó Reitor: Cláudio Alcides Jackoski Pró-reitora de Graduação e Vice-Reitora: Silvana Muraro Wildner Pró-reitor de Pesquisa, Extensão, Inovação e Pós-Graduação: Leonel Piovezana Pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Marcio da Paixão Rodrigues Pró-reitor de Administração: José Alexandre de Toni Servidão Anjo da Guarda, nº 295-D, Bairro Efapi - CEP 89809-900 www.unochapeco.edu.br Telefone: (49) 33218002 jornalismo@unochapeco.edu.br www.instagram.com/jornalismounochapeco Jornal Laboratório do curso de Jornalismo da Unochapecó Elaborado no componente curricular de Planejamento Gráfico em Jornalismo Professor responsável: Alexsandro Stumpf Editor: Angélica Lüersen Redação: Ana Laura Baldo, Laura Fiori, Lucas Liston, Mirella Schuch, Natália Souza e Valeria Cenci Diagramação: Ana Laura Baldo, Laura Fiori, Mirella Schuch e Natália Souza


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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

ENSAIO Por Laura Fiori

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ATÉ QUANDO? Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

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ma breve busca pelo significado da palavra "censura" nos leva facilmente a uma de suas definições: "uma conhecida forma de restrição da liberdade e do conhecimento, normalmente exercida por um regime ditatorial”. O ato de censurar, portanto, pode estar ligado algumas vezes ao modo de agir de um ditador que tira a liberdade de alguém, de alguma coisa. Foi um ato de censura o que aconteceu na 19ª Bienal do Livro, realizada no Rio de Janeiro entre os dias 30 de agosto e 8 de setembro, quando a história em quadrinhos (HQ) “Vingadores: a cruzada das crianças” foi censurada pelo prefeito da cidade, Marcelo Crivella (PRB), no dia 5 de setembro. Ele insistiu que a tal HQ apresentava “conteúdo sexual” proibido para menores. Com algumas folheadas na edição, uma surpresa: o conteúdo “impróprio” nada mais é do que um beijo entre duas pessoas do mesmo sexo. Parece-nos que o prefeito, cujos atos estão longe de se igualar à “maravilhosidade” da cidade que governa, não passa de um preconceituoso sem medo de se apresentar como tal. Afinal, um beijo é um beijo. Não há nada de impróprio ou extremamente sexualizado nisso. Desde a história mais antiga de contos de fadas, beijos entre príncipes e princesas encantam crianças há muitos anos (até mesmo quando este vinha sem consentimento). Até onde se sabe não houve outros episódios de censura na Bienal, mas com uma breve viagem no tempo, encontramos momentos na história em que os livros também foram considerados impróprios para

que fossem lidos, e assim, censurados. Na Alemanha nazista, livros de autores como Albert Einstein e Sigmund Freud foram queimados em praça pública. Assim como na própria ditadura militar brasileira, quando diversos livros foram censurados pelo governo ditatorial. Mas qual o motivo da liberdade perdida nestes casos? O conteúdo desses livros incomodava o governante ditador. E quando o conteúdo incomoda, ele sai de circulação. Quando Crivella censurou a HQ, ele também censurou a comunidade LGBTQI+. Qual é a função de uma prefeitura? Proteger os seus, defender o exercício de sua liberdade? Ou censurá-los como forma de tentar pregar algum tipo de iniciativa homofóbica? Pois é isso o que se percebe: Nada além de preconceito, com ações de um prefeito baseadas em suas próprias crenças, em seu egoísmo. Ações em que o coletivo de diferenças de sua cidade é excluído em prol de um ideal antigo e conservador. Mas para além do prefeito, o que se vê também é o preconceito vindo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), já que foi ele quem aprovou a censura dos materiais. Portanto, não é mistério nem segredo, está aí para que todos vejam: a censura é real e recebe apoio. Estaríamos ingressando para uma possível ditadura? Talvez não como a do passado, mas semelhante quando se trata de privar do povo o poder do conhecimento. De ter acesso ao que bem desejar. Mas censurar o beijo entre dois homens promoveu uma comoção para além da comunidade LGBTQI+. E foi então que

a iniciativa (muito bem-vinda) do youtuber Felipe Neto entrou em ação. Ele comprou 14 mil livros em parceria com suas editoras cuja temática era LGBTQI+ e os distribuiu na Bienal em uma embalagem com dizeres contra a homofobia e o preconceito de todas as formas. Todos os livros foram entregues para uma fila de mais de 14 mil pessoas. A posição inesperada adotada por Felipe nos mostra que um ato de resistência e empatia pode surgir da forma mais inusitada e de quem menos esperamos. Afinal, nossos governantes, nos quais depositamos nossas esperanças, não dão a mínima. Além disso, mesmo com a censura, a HQ de super heróis teve sua venda esgotada antes mesmo que a prefeitura entrasse em ação com sua vistoria digna de comparação a um censor da ditadura. E não ficou só por isso. A Bienal do Livro também entrou com o pedido de uma liminar no dia 6 de setembro, o que fez com que o Supremo Tribunal Federal derrubasse a decisão do TJRJ ainda no mesmo dia. Em episódios como esse percebemos que não estamos muito longe do nosso passado, que nossa sociedade regride a cada nova notícia no jornal. É fato que nunca fomos muito acostumados com a liberdade em nosso país. Talvez seja por isso que ainda nos surpreendemos com iniciativas contrárias às decisões do governo. A passos lentos, ainda é possível perceber a resistência de alguns milhares de cidadãos à censura. Mas, até quando?

CRÔNICA Por Laura Fiori

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m tempos atribulados, turbulentos, é difícil pensar em um sentimento profundo como o amor. O desejo de somar-se a uma pessoa e com ela viver estes dias e enfrentá-los sem medo. Além disso, é ainda mais difícil imaginar um futuro para todo esse amor. Afinal, quando se dá início a um relacionamento, existem perspectivas. Em um primeiro namoro, como o que eu vivi, você inicia sonhos para o futuro a dois sem ao menos pensar na rotina, na quantidade de atividades a cumprir que não envolvem a pessoa amada, ou na família que pode até não gostar da sua escolha “para a vida toda”. Quando a rotina consumiu todo este amor e tudo o que restou foram duas pessoas desconhecidas, que já foram uma só por um tempo, me tornei um pouco cética quanto ao assunto. Quando tudo acabou e o que eu guardei foram memórias de um homem distante, parei de acreditar na possibilidade de um amor nos tempos em que

VALE A PENA? tudo acontece muito depressa, nos tempos em que se ambas as partes não tentam, o amor torna-se insuficiente. Depois de quase três anos vivendo o que eu acreditei ser a descoberta do amor para toda a vida, tudo se esfarelou. Foi então que decidi que aquilo não era mais para mim, que o amor era somente uma construção social e nada mais. Foi quando a rotina me trouxe um velho conhecido que, com palavras bonitas, ressignificou o sentimento que eu havia enterrado. Você já ouviu falar em carma? Pois bem, ele surgiu como um. Foi irresistível ceder ao súbito amor que toma conta de todas as minhas ações. Que me faz sorrir para o nada e pensar sobre um futuro que, até então, não havia me imaginado vivendo. Parece que a história está se repetindo, eu sei. Mas eu já entendo que isso tudo é diferente. Eu sei o que você deve estar pensando, que não passo de uma boba apaixonada. Mas eis minha justificativa: Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54

desta vez, é ele quem colore a minha rotina com flores, abraços e poesia. Em toda a correria ele está lá, me agraciando com sua companhia. Me dizendo que vai ficar tudo bem e que vale a pena amar. Ressignificando cada pensamento ou ação já vividos. Me mostrando que é possível viver um grande amor em meio ao caos da vida acadêmica, do trabalho e das pessoas ansiosas que me cercam. Hoje, em mais um dia repleto de atribulações, me foi perguntado se vale a pena namorar nestes dias tão corridos, em que todos estão sem tempo. Pois bem, depois de toda essa reflexão, acredito que sim. Afinal, o amor pode ser caos, mas também pode ser complemento. Basta encontrar quem aceite travar todas as batalhas, todos os dias ruins e até a mais boba dificuldade. O amor é tão bonito de ser vivido e, em tempos como o nosso, pode ser o que faltava para suportar as situações mais atribuladas.


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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

REPORTAGEM Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

Por Ana Laura Baldo, Laura Fiori, Mirella Schuch e Natália Souza Foto: Arquivo/CAJor

REPRESENTATIVIDADE ESTUDANTIL Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

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Entre os eventos promovidos pelo CAJor, estão o Sarau no Bosque e feiras de livros

onhecer os espaços de representatividade estudantil na universidade é essencial para a construção e vivência acadêmica. Além do Diretório Central dos Estudantes (DCE), que representa todos os estudantes de uma instituição de ensino superior, existem os Centros Acadêmicos (CA’s). São entidades estudantis sem fins lucrativos, regulamentados pela Lei Federal nº 7.395 de 31 de outubro de 1985, que representam os estudantes de um curso de nível superior. O curso de Jornalismo da Unochapecó possui um Centro Acadêmico, o CAJor. Por algum tempo, o C.A. esteve inativo, mas agora funciona a todo o vapor. A cada ano, uma nova chapa é eleita para representar os estudantes do curso. No ano de 2019, os preparativos começaram para a eleição da nova equipe, que irá substituir a chapa "Cabe na Pauta", ativa desde o mês de setembro de 2018. Para que seja eleito um novo grupo, é necessária a formação de uma Comissão Eleitoral, que deve receber as inscrições das chapas concorrentes e homologá-las, assim como divulgar as chapas inscritas (a Comissão tem até três dias para tanto). Em seguida, são estabelecidas as datas de campanha. Por fim, ocorre a eleição por voto direto dos acadêmicos, que devem ser apurados pela Comissão Eleitoral. A chapa eleita tem até 15 dias para tomar posse. O coordenador do curso de Jornalismo, Alexsandro Stumpf, ressalta que a participação dos estudantes no Centro Acadêmico é "a oportunidade de criar meios para discussão de ações que venham a fortalecer o movimento estudantil e potencializar formas de integração no ambiente acadêmico". Além disso, para ele, "incentivar os estudantes de Jornalismo à participação no C.A. é de extrema importância, pois encoraja e empodera o futuro profissional na tomada de decisões para um coletivo de pessoas". Para a estudante do 2º período de Jornalismo da Unochapecó, Angela Bueno, o centro acadêmico representa os alunos dentro, mas também além dos espaços da univer-

sidade. Ela conheceu o CAJor no início do primeiro semestre do ano de 2019, quando os integrantes da entidade visitaram a turma da estudante, que estava iniciando a experiência universitária. A existência do C.A. é importante para a futura jornalista. “O CAJor busca em conjunto soluções para problemas que surgem no curso. Ele é responsável por conversar com alunos e professores para melhorar a convivência e a comunicação. Também organiza eventos para a integração de todos os períodos do curso”, afirma. Rafael Chiamenti Pedroso, colega de turma da Angela, teve conhecimento do CAJor da mesma forma que ela. Ele ressalta que, além de fazer a tomada de decisões a frente do curso, o CAJor integra os períodos de forma a representar cada acadêmico de Jornalismo. “Ele reforça ainda a pluralidade de temas e questões a serem debatidas e angariadas ao curso, como moletons, recepção de calouros, discussões da reitoria, melhoramento do espaço e ideias que consigam engajar o acadêmico dentro do próprio curso”, salienta. O ex-presidente do Centro Acadêmico de Jornalismo, Lucas Liston, estudante do 6º período, aponta a importância do C.A. na comunidade acadêmica. “Quem participa ativamente sabe o quanto é importante um Centro Acadêmico em um curso, por exemplo, na elaboração de semanas acadêmicas, viagens de estudo e aulas integradas. São coisas que proporcionam muitas experiências e que vão auxiliar no futuro”, ressalta. “É uma forma de ouvir os alunos e expressar opinião. Somos o elo de comunicação dos estudantes com a coordenação e a reitoria. Mantemos sempre o diálogo”, ressalta Lucas. Para a próxima gestão, o expresidente afirmou que a equipe que deixa o C.A., se necessário, irá auxiliar a nova gestão. “Pode ter certeza, a gente vai estar sempre auxiliando no que for preciso. Não podemos ficar sem Centro Acadêmico”, salienta. Porém, o CAJor já foi desativado por alguns anos. Foi então que um grupo de

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estudantes, após perceberem a importância da representatividade estudantil, se uniram e formaram a chapa que traria de volta o Centro Acadêmico de Jornalismo. A jornalista Amanda Ferronato foi um dos principais nomes que colaboraram para o retorno do CAJor à atividade. Participando das gestões entre 2014 e 2017, a egressa do curso conta que a iniciativa de retomar as atividades partiu dos seus veteranos, alunos do 6º período. “Acredito que a vontade era coletiva: ter representatividade dentro do curso e poder dar voz aos alunos nas decisões. Por muito tempo, ninguém quis assumir a responsabilidade. Aquele grupo de 2014 acreditava que era o momento de fazer algo, até porque era ano de eleições do DCE e seria o momento ideal para a mobilização dos estudantes”, destaca. Sobre as principais ações do Centro Acadêmico, a jornalista apontou a conquista de uma sala na universidade, juntamente com mobília, para as atividades da entidade; o Sarau no Bosque, evento cultural realizado no início do segundo semestre; a criação de uma ouvidoria e a atuação junto ao DCE, ao Colegiado do curso e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Entretanto, Amanda aponta como o maior feito do CAJor a gestão participativa. “Sempre escutamos os alunos, em todas as atividades. Nós passávamos nas salas de aula para saber as opiniões deles”, recorda. A egressa afirma que vê o Centro Acadêmico como “espaço de resistir, persistir e protagonizar”. “Acredito que o Centro Acadêmico tem a função de representar ideias, reivindicar os direitos e dar voz aos estudantes do curso. A essência do CAJor são os estudantes que, de fato, fazem tudo isso acontecer. É a representatividade diante da coordenação do curso e também da própria reitoria, é o canal que eles tem voz, vez e lugar, e a sua importância é justamente essa, dar visibilidade e autonomia aos estudantes”, completa.


REPORTAGEM

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

Por Lucas Liston, Natália Souza e Valeria Cenci Foto: Laura Fiori

A MENSAGEM Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

Ó

dio. Palavra derivada do latim odiu, é um sentimento humano intenso, que evoca raiva, aversão ou ressentimento. Como emoção, pode ser de curta ou longa duração, direcionada contra certas pessoas, grupos, entidades, objetos, comportamentos, conceitos ou ideias. Aristóteles, ainda na Grécia Antiga, via o ódio como algo distinto da raiva e da ira, descrevendo-o como um desejo de aniquilação de um objeto. Já o psicanalista austríaco Sigmund Freud definia o ódio como um “estado de ego que deseja destruir a fonte de sua infelicidade”, ligando isso a questão da auto-preservação. Muito além do sentimento, o ódio incita o indivíduo a se expressar sobre isso, como uma válvula de escape. Neste contexto, nasce o discurso de ódio, cujo único objetivo é rebaixar uma pessoa ou um grupo com base em atributos como raça, etnia, gênero, orientação sexual, religião, idade, deficiência física ou mental. Ele se encontra no meio de uma trama complexa que envolve a liberdade de expressão, os direitos das minorias bem como os conceitos de dignidade, liberdade e equidade. Com a ascensão da internet e das redes sociais, o raio de alcance do discurso de ódio foi ampliado. É um exemplo vívido de como as tecnologias com potencial transformador trazem oportunidades, mas também desafios, como o equilíbrio entre direitos fundamentais e princípios. De acordo com a SaferNet, no Brasil, já foram denunciados mais de dois milhões de crimes virtuais desde 2006. Somente no último ano, foram 128.332 denúncias, sendo que os mais reportados foram ameaças contra a vida e discriminação. Com a facilidade na identificação dos autores de mensagens de ódio, estes indivíduos passaram a buscar formas mais seguras e anônimas de discutir estas ideias. Assim

nasceram os fóruns de ódio; hospedados na Dark Web, uma especie de rede oculta, eles permitiram que estas mensagens continuassem a ser disseminadas sem que seus autores fossem rastreados.

O FÓRUM

A história dos fóruns de ódio começa no fim dos anos 1990, no Japão. Lá, surgiu o primeiro textboard, um tipo de fórum que funciona sem criação de contas, o 2channel. Em 2001, o japonês Hiroyuki Nishimura criou o Futaba Channel, o primeiro imageboard, que seguia a linha do 2channel, mas com a possibilidade dos usuários utilizarem imagens para ilustrarem seus comentários. Com o Futaba, nasceu também o termo ‘chan’, abreviação de channel (canal em inglês), como forma de denominar esta categoria de fórum. Inspirado pela popularidade dos chans japoneses, o empresário americano Christopher Poole lançou, no final de 2003, o 4chan, o primeiro chan em inglês. O 4chan alcançou alta popularidade e influência, moldando a cultura da internet moderna. Com o sucesso do 4chan, várias pessoas começaram a criar seus próprios fóruns anônimos, voltados para usuários dos seus países. No Brasil, a novidade chegou em 2006, com a criação do BRchan, por um indivíduo conhecido como R. No ano seguinte, foi criado o 55chan, outro importante nome do cenário de chans no Brasil. Ambos os chans são conhecidos pela postura sexista, racista e discriminatória dos seus usuários. Entretanto, os fóruns acima estão disponíveis na chamada surface web. Quem inaugurou a tendência dos chans na Dark Web foi o Dogolachan. Este foi criado por Marcelo Valle Silveira Mello, em meados de 2013, após ter sido banido de vários outros chans. Ele tem um longo histórico de crimes de ódio, sen-

do a primeira pessoa condenada por racismo na internet no Brasil. O Dogolachan é conhecido por reunir homens que destilam seu ódio contra negros, LGBTs e, principalmente, mulheres. A misoginia faz com que elas sejam os principais alvos dos ataques virtuais dos membros do Dogolachan. A professora de literatura Lola Aronovich, autora do blog feminista ‘Escreva Lola, Escreva’, contou em um post que já registrou dez boletins de ocorrência contra Marcelo Valle Silveira Neto e outros membros do grupo que criou o Dogolachan. Além de incontáveis ameaças de morte contra a professora e sua família, o Dogolachan criou, em 2015, um site falso, em nome de Lola, que pregava o aborto de fetos masculinos e a castração e infanticídio de meninos. Mesmo desmentindo a autoria do site, a professora foi atacada por milhares de pessoas, incluindo o cantor Roger, da banda Ultraje a Rigor, e o astrólogo Olavo de Carvalho. Em maio de 2018, Psycl0n, como é conhecido no chan, foi preso em uma operação da Polícia Federal e condenado a 41 anos de reclusão por racismo, incitação ao crime, associação criminosa, divulgação de pedofilia e terrorismo. Apesar da prisão do seu criador, o Dogolachan segue ativo. Hoje, o chan é comandado por um usuário conhecido somente como DPR. Em seu texto sobre fóruns de ódio, o quadrinista americano Dale Beran escreveu para o caderno ‘Ilustrissima’, do jornal Folha de São Paulo, que “[...] é preciso entender esse grupo como pessoas que fracassaram no mundo real e se refugiaram no mundo virtual. São homens sem emprego, sem perspectivas na vida e, por extensão (como eles declamavam), sem namoradas. [...] Em consequência de seu fracasso, o conceito distante e abstrato de mulheres de carne e

O gráfico apresenta a variação no número de denúncias de crimes virtuais ao longo dos anos (Gráfico: Natália Souza) Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54


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REPORTAGEM osso provoca neles sentimentos de humilhação e rejeição”. O perfil apresentado por Beran é muito semelhante ao que o psicólogo Murilo Cavagnoli descreve. O doutor em Psicologia explica que, com a possibilidade dos fóruns, esse sentimento de exclusão se fortalece, criando um ambiente que favorece o ódio pelos diferentes. "A construção identitária é um processo comum da natureza humana, mas ela pode provocar o afastamento com a percepção de ser diferente. Com a constituição de um grupo, são formados pactos identitários mais sólidos, que acabam por naturalizar o conteúdo desses discursos. Isso impede que reflexões éticas sejam feitas, no sentido de refletir como as ações e discursos advindos desses espaços possam impactar na vida de outras pessoas".

O CRIME

O incentivo a prática de crimes é recorrente nos chans. No Dogolachan, por exemplo, frequentemente os usuários debatem sobre as melhores maneiras de sequestrar e estuprar adolescentes, bem como celebram as mortes de mulheres e de indivíduos que fazem parte de grupos minoritários. No entanto, o ódio destilado nos chans já saiu da internet há muito tempo e foi além das palavras agressivas. Em 2011, Anders Behring Breivik detonou uma bomba no centro de Oslo, na Noruega, matando oito pessoas; na sequência, se dirigiu até a ilha de Utøya, onde acontecia um acampamento da Juventude Trabalhadora (braço do Partido dos Trabalhadores Noruegueses) e matou 69 pessoas a tiros. No total, Anders matou 77 pessoas e feriu outras 51 pessoas. No Brasil, também em 2011, o massacre promovido por Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, marcou o bairro carioca do Realengo. No dia 7 de abril, o homem entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira e disparou contra os alunos. Wellington matou 12 jovens, sendo dez meninas, além de ferir outras 23 pessoas. Ao ser encurralado pela polícia, ele cometeu suicídio. Em 2018, na cidade de Toronto, no Canadá, Alek Minassian, de 25 anos, utilizou uma van de aluguel para atropelar pedestres que transitavam na calçada. Após quase um quilômetro, Minassian foi interceptado pela polícia local; ao descer da van, Alek pediu para ser baleado na cabeça, o que não aconteceu. Ele foi detido e será julgado pela

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morte de dez pessoas e pela tentativa de homicídio de 16 pessoas. Porém, o ataque mais recente motivado por crimes de ódio aconteceu em 2019 na cidade de Suzano, em São Paulo. No dia 13 de março, Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, abriram fogo dentro da Escola Estadual Raul Brasil. Oito pessoas foram assassinadas e outras 17 ficaram feridas. Ao final, ambos cometeram suicídio. O ato da dupla foi prontamente comemorado nos chans. O administrador do Dogolachan, conhecido como DPR, publicou prints em que um dos atiradores agradece a ele pelas “orientações”. Na postagem, a pessoa afirma esperar “do fundo dos nossos corações não cometer esse ato em vão”. Em outro momento, o mesmo usuário posta um trecho da música “Pumped Up Kicks”, da banda norte-americana Foster The People, como um sinal de que o massacre aconteceria. Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

A SOLUÇÃO

Sentir segurança em usar as redes sociais, achar que é uma terra sem lei, e que tudo pode ser feito neste ambiente sem pensar nas consequências é uma ilusão. Afinal, o espaço da Web segue um regulamento conhecido como Marco Civil da Internet. É a lei número 12.965/14 que regulamenta a utilização da internet, estabelecendo princípios e garantias que tornam a rede livre e democrática no Brasil, e estabelece regras que devem ser seguidas. Em vigor desde 23 de junho de 2014, ela assegura os direitos e os deveres dos usuários e das empresas provedoras de acesso e serviços online. O Marco Civil é uma forma de proteger os usuários, mas também atua no sentido de coibir a violação da intimidade ou da vida privada de outros usuários, divulgar ou compartilhar mensagens, vídeos ou imagens ofensivas. O advogado Gustavo de Camargo, especialista em direito digital, diz que, se algo for feito no universo online, as implicações legais serão as mesmas, afinal esse ambiente não está isolado do âmbito abrangente da legislação. “Um crime cometido nesta plataforma, será julgado da mesma forma que os cometidos no ambiente offline”, explica. Na internet comum é muito mais fácil de rastrear e geralmente ficam registros, mesmo que prints. Mas na Dark Web é quase

impossível resgatar esses dados, a partir do momento em que são excluídos. Gustavo conta que a fiscalização é muito difícil. “É o grande desafio dos órgãos públicos, o de encontrar meios de chegar nesses ambientes mais restritos” destaca. Lola, uma vítima recorrente destes fóruns, dá nome a uma lei, aprovada em abril de 2018, que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes cibernéticos de misoginia. Os crimes mais comuns na Internet são contra a honra, como a injúria, difamação e calúnia, contra a liberdade pessoal e à falsidade ideológica. Quem sofre um ataque na Web deve denunciar e fazer valer seus direitos. O primeiro passo é reunir as provas do crime, anotar o endereço eletrônico do site onde o delito foi cometido e fazer prints dos comentários que comprovem o crime. Com as provas em mãos, o próximo passo é registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia de Polícia Civil. Em um prazo de 30 dias, os fatos são avaliados, e será definido que tipo de delito foi cometido e apresentada uma denúncia. As redes sociais, presentes na internet convencional, também permitem às vítimas de crimes virtuais a denúncia. Normalmente, é possível fazer isso na própria publicação, clicando em botões de "denunciar essa publicação". Se considerar procedente, a rede social elimina o conteúdo, sem identificar a vítima ao criminoso. Porém, quando se trata dos fóruns, não basta fechá-los ou mesmo “acabar” com a Dark Web. A natureza simplista e anônima dos chans fez desses espaços ambientes perfeitos para que indivíduos com ideais extremistas disseminem as suas crenças. Mas eles já atuavam antes desse tipo de fórum e, certamente, procurarão outros meios caso fiquem impossibilitados de usar as plataformas atuais. Além de entender como tudo isso funciona e as maneiras de denunciar, é fundamental que sejam feitas campanhas de prevenção ao mau uso das redes sociais e no sentido de prevenir a produção de fake news. Além disso, a mídia deve repensar sua forma de tratar sobre os fóruns e massacres em suas coberturas jornalísticas, tomando cuidado ao tratar dos criminosos e das vítimas para que não hajam consequências ainda mais graves.

A Dark Web é uma parte da internet em que são hospedados os fóruns de ódio, como o Dogolachan Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54


REPORTAGEM Por Ana Laura Baldo Foto: Ana Laura Baldo

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

BRUXAS DO SÉCULO XXI Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

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Na América do Sul, o aborto é legalizado somente na Guiana, na Guiana Francesa e no Uruguai

á séculos atrás, a sociedade era moldada pela Igreja Católica, que andava sempre de mãos dadas com a aristocracia das cidades. Nessa época, o homem era o ser mais poderoso. A maternidade e o casamento eram obrigações da mulher e aquela que não seguia o padrão, sofria consequências. Nada se falava sobre os direitos das mulheres, consideradas, por vezes, propriedade dos homens. Ainda naquele tempo, mulheres eram vítimas de estereótipos e pré-conceitos. Aquelas que cultivavam ervas e chás e os utilizavam como forma de cura eram consideradas bruxas. Como punição, eram mandadas para a fogueira, para a forca, jogadas ao mar ainda vivas ou expostas a humilhação na sociedade. Esse imaginário em que a mulher deveria ser submissa ao homem foi mudando ao longo do tempo, mas a pressão que as mulheres sofriam por parte das religiões ainda é latente. Se antes elas eram enviadas à forca, nos dias de hoje o sofrimento é físico e psicológico na busca por direitos que já existiam e foram modificados ou excluídos através do tempo. A Igreja Católica era e é uma das principais causas da criminalização do corpo da mulher, bem como sua vida. O que sempre foi dito pela maioria dos religiosos, é que abortar é o mesmo que assassinar e que o procedimento é pecado. Assim, por milhares de anos, as mulheres ou pessoas com útero foram obrigadas a levarem adiante gestações indesejadas, o que tornou o aborto um tabu. No Brasil, a Bancada Parlamentar Evangélica, ao criar seus projetos, tenta acabar com qualquer garantia dos direitos huma-

nos, sob o argumento destes ferirem a Bíblia Sagrada. A PEC da Vida, como é conhecida, tramita no Senado Federal e criminaliza o aborto, colocando em risco a autonomia da mulher nas situações em que a interrupção já é legalizada no país. Os únicos três cenários em que o procedimento é permitido são em caso de risco de vida a gestante, em caso de gestação resultante de estupro e, como prevê o decreto do Supremo Tribunal Federal de 2012, quando o feto é anencéfalo, ou seja, com subdesenvolvimento do cérebro. Para a cientista social e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Bioética e Saúde Coletiva (Nupebisc), Luana dos Santos, o aborto se tornou um assunto delicado. “O tema mexe diretamente com algumas estruturas e práticas sociais que estão muito enraizadas na sociedade ocidental, em especial, a respeito do papel social da mulher e as moralidades da nossa sociedade”, aponta. Luana ainda ressalta que “mulheres abortam pelas mais variadas razões possíveis, mas talvez a que mais pese seja a de identificar que não há como levar adiante uma gestação indesejada, seja isto por vias de condições socioeconômicas ou psicológicas. Essas variáveis contam muito nessa decisão”. Segundo a integrante do Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH/ UFSC) e conselheira estadual de Direitos da Mulher (Cedim/SC), Morgani Guzzo, o feminismo é um dos movimentos que discutem sobre o aborto na sociedade. “Não só o feminismo, mas vários movimentos de mulheres têm trazido a questão do direito ao próprio corpo, a discussão sobre maternidade compulsória e os papéis que geralmente são ligados à mulher por décadas” aponta. Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54

ESTIGMATIZADAS No Brasil, é comum ouvir que “ricas abortam, pobres morrem” quando abordamos esta questão. Em 2018, a cada dois dias uma mulher foi morta por complicações de aborto ilegal, segundo o Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde (Dantps). Estatísticas como as postuladas pela Pesquisa Nacional do Aborto realizada pela professora Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UNB), revelam que as mulheres que mais sofrem diante da criminalização são as socialmente vulneráveis, ou seja, negras, nortistas e com poucos recursos financeiros. Para Morgani Guzzo, é necessário falar primeiro sobre descriminalização, o que significa que pessoas que realizam abortos ou que sofrem abortos espontâneos não serão criminalizadas judicial ou socialmente. “Hoje em dia, devido aos mitos e ao estigma que envolve a prática, principalmente em sociedades patriarcais e religiosas como a nossa, as mulheres sofrem uma dupla, até tripla condenação", ressalta. A conselheira ainda fala sobre o julgamento que a mulher sofre. “Ninguém se pergunta o que a levou a decidir interromper a gravidez, qual era seu contexto e o sofrimento que ela pode ter passado. Apenas julgam como se ela fosse a encarnação do mal. Até mesmo em casos de abortos clandestinos que resultaram na morte, os comentários a respeito são muito desumanos e cruéis. Portanto, precisamos falar em descriminalizar e desestigmatizar a prática, para começar”, salienta Morgani.


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PERFIL Por Ana Laura Baldo e Mirella Schuch Foto: Mirella Schuch

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RESISTÊNCIA NO CAMPO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Unochapecó . Quarta-feira, 13 de novembro de 2019 . ANO XX . N. 123

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Fátima Cividini é integrante do Movimento de Mulheres Camponesas, que completou 35 anos em 2018

ela construção de uma sociedade com igualdade de direitos e contra o modelo capitalista e patriarcal. Na luta pela preservação e conservação da biodiversidade. Assim define-se o objetivo do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). O movimento surgiu em 1980 na região oeste de Santa Catarina, mas até o ano de 2004 era chamado de Movimento de Mulheres Agricultoras. Percebeu-se que o termo “agricultoras” não integrava todos os segmentos dentro do movimento. Passou-se então a utilizar “camponesas” para abranger, além das agricultoras, as pescadoras, extrativistas, quilombolas, indígenas, sertanejas e caboclas. De olhos sempre atentos, Fátima Cividini conta que há mais de 30 anos atrás entrava no MMC, em Saltinho (SC). Sempre morou no interior e hoje reside na cidade, mas continua nos afazeres do campo. "Eu tinha 25 anos quando entrei no MMC. Na época foi tudo batalhado. A gente conseguiu o auxílio maternidade, auxílio reclusão e auxílio doença. A gente lutou foi muito. As mulheres não tinham direito nem a voto, quem dirá ser votada. A gente conquistou muitos direitos nossos", relata. A camponesa diz que seu marido sempre a apoiou. Conta que ele a incentivou a participar do primeiro encontrão de mulheres, ocorrido em Xanxerê (SC). Uma amiga há havia convidado e seu companheiro lhe disse para não recusar o convite. “Fomos com o carro dela, passamos o dia todo lá e à noite fomos para casa. Eu não parava de contar como gostei, como foi produtivo aquele dia para nós. Devia ter 8.000 mulheres naquele encontrão e dali para frente logo me colocaram na direção municipal. Já faz nove anos que faço oficinas, os encontros no município”, afirma. “Empoderamento para nós camponesas é sermos protagonistas da nossa própria história. Não devemos satisfação à ninguém. Nós temos vez e voz”. Assim Fátima define o empoderamento feminino. Foi através do

movimento que ela e suas amigas puderam ser ouvidas e ter a autonomia para criticar, denunciar e se defender. Fátima diz que existe quem pense que o empoderamento feminino é a mulher ter o poder soberano dentro de casa, mas ela afirma que não se trata disso. "É ter uma igualdade, principalmente nas tarefas, que hoje sobrecarregam a mulher. Tudo é a mulher. Uma criança chora de noite, vai a mulher atender. Uma pessoa idosa adoece, é a mulher que tem que cuidar. Ontem a gente fez o reloginho, para ver quem trabalhava mais. A maioria trabalha em casa desde que levanta para fazer o chimarrão de manhã", desabafa. Aos sete anos de idade, Fátima assumiu os serviços da casa. Eram em oito irmãos. Ela conta que naquela época até os sete dias do bebê, a mulher não saía de casa e ficava dentro do quarto. “Era vaca de leite, galinha, porco. Para você ter uma ideia, o arroz que a gente se alimentava era socado no pilão. Eu sempre comento em casa, eu não tive infância, não tive juventude. Era trabalhar para ajudar a cuidar dos menores”, relembra. Fátima conta que sua família era muito pobre. Casou e morou na roça a vida inteira e era questionada sobre o futuro que teria vivendo no interior. Ela e seu marido sempre pensaram em trabalhar e construir as coisas juntos, relata. “Tenho três filhos. Hoje já estão emancipados, graças a Deus, cada um com o seu trabalho, seis netos e agora faz quatro anos que viemos morar na cidade por motivos políticos do meu marido”, comenta. Com 47 anos de idade, Fátima teve uma crise de coluna muito forte. Fez 10 cirurgias e se aposentou por problemas de saúde. Doente, diz nunca ter deixado de trabalhar, mesmo estando aposentada e sem poder andar, já que ficou quatro meses em cadeira de rodas por conta da coluna. Ela pedia para seu marido comprar tecidos de malha e fazia tapetinhos amarrados para vender às amigas que a visitavam. “Nunca parei de Segunda-feira, 11 de novembro de 2019 . ANO 18 . N. 54

trabalhar para viver de mordomias. Hoje a gente está aposentado e temos a vida mais tranquila. Os piás estão grandes, tem só dois em casa, mas foi roça, trabalho pesado”, expressa. As lutas das mulheres que vivem no campo são diferentes das que vivem na cidade. Segundo Fátima, há camponesas que nunca saíram da roça, nem para fazer compras, pois tiram da agricultura seu sustento. Como monitora no MMC, a camponesa tem acesso às mulheres do campo. Ela diz que buscam trazer estas mulheres para participar do movimento. Por ser espontânea e comunicativa, conta que as companheiras de luta dizem que ela tem “gingado” para trabalhar nas oficinas. “A gente conversa com as mulheres, dá voz para elas falarem, esclarecerem, e dá vez para perguntarem", afirma. Uma das ações do movimento são os quintais produtivos, que consiste no espaço de terra que se tem para produzir alimentos saudáveis. Através disso, Fátima diz que as mulheres se empoderam, pois cada planta serve para alguma coisa e o conhecimento sobre cada uma delas empodera. Ela e outras participantes do movimento levam a mensagem de liberdade para outras mulheres. “O feminismo dá vez e voz para as mulheres. A libertação da mulher é tudo”, ressalta. Fátima salienta que estão convocando mais mulheres para entrarem na luta pela igualdade de direitos. Além disso, diz que o Movimento de Mulheres Camponesas tem parceria com o Movimento de Pequenos Agricultores e com projetos que defendem a vida, pois o MMC defende justamente a vida. A camponesa diz que a situação atual em que vivemos está cada vez mais difícil, mas deixa uma fala de inspiração para enfrentar este momento: “Que a gente busque cada vez mais pessoas para auxiliarmos, porque se for pesado para levar determinada coisa, com mais pessoas se torna mais fácil. Ninguém solta a mão de ninguém”, conclui.


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