Experimentus 9º Edição

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EXPERIMENTUS Edição09 Junho2014

Retratos de Chapecó em tempos de ditadura militar Cultura e resistência

Prefeito eleito, prefeito cassado

A Igreja e o Golpe

Cidade em expansão


Expediente Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó Reitor Odilon Luiz Poli Vice-Reitoria de Ensino, Pesquisa e Extensão Maria Aparecida Lucca Caovilla Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Claudio Alcides Jacoski Vice-Reitor de Administração Antonio Zanin Diretor da Área de Ciências Sociais Aplicadas James Antonio Antonini Comunicação Social - Jornalismo Professor Responsável e Coordenador do Curso Vagner Dalbosco Disciplina Grande Reportagem Coordenadora Acin Jornalismo Aline Dilkin Coordenadora Pedagógica Acin Jornalismo Mariângela Torrescasana Projeto Gráfico e Diagramação Aline Dilkin Juliana Matielo Foto de capa e contracapa Zolett fotografias Redação Alisson Moro Caroline Figueiredo Djoni Vinícios de Moraes Elizabeth Balbinot Everson Chagas Bianchesi Izabel Aparecida Guzzon Jessamine Pereira Kélliana Braghini Mayara Melegari Mirian Cruz Paloma Rodrigues Pricila Lira Priscyla Schulltz Scheila Franz Vanessa Cristiane Presotto Vinicius Farfus




Editorial O ano de 1964 e aqueles que se seguiram, até 1985, mudaram para sempre e de forma abrupta a história política, econômica e social do país. Após o Golpe que depôs o presidente João Goulart sob o argumento de ameaça comunista, o Brasil mergulhou em 21 anos de uma Ditadura Militar que, para alguns, colocou o país no eixo do desenvolvimento econômico e estrutural. Mas, o fato é que as duas décadas representaram um retrocesso, especialmente no âmbito democrático, dos direitos e das liberdades individuais e coletivas, o que inclui a própria liberdade de imprensa. Milhares de pessoas, entre elas jornalistas, foram perseguidas, torturadas, assassinadas e desaparecidas porque ousavam questionar o Regime Militar. Para relembrar os 50 anos do Golpe, o curso de Jornalismo da Unochapecó promoveu uma série de atividades no ano de 2014, entre elas o Seminário de Atualidades, que reuniu pesquisadores, testemunhas

oculares e vítimas da Ditadura Militar; e esta publicação da Revista Experimentus, produzida pelos alunos do 7º período na disciplina de Grande Reportagem. A partir de discussões sobre o contexto do Golpe no Brasil, os estudantes foram então desafiados a resgatar fragmentos do município de Chapecó daquela época. Portanto, essa edição não tem a pretensão de apresentar um apanhado completo e minucioso do Golpe, da Ditadura ou mesmo de Chapecó. Seu propósito foi o de colocar os acadêmicos em contato com fontes humanas e documentais, a fim de apresentar ao leitor alguns retratos de Chapecó aquele período. Trata-se, portanto, de uma atividade pedagógica, em que buscou-se proporcionar, principalmente, um importante momento de aprendizado para os futuros jornalistas.

Boa leitura.


Arquivo CEOM

foto: blogdasmazelas.com.br

Localize-se

A imp

em no Governo reformista, governo deposto

Corra que a polícia vem aí

página 16

página 22

página 28

página

Chapecó é marcada pel expansão agroindustria “Subi nos braços do povo e

desci tangido pela espada dos militares” Arquivo CEOM

página 6


posição da ordem

ome do progresso

a 32

A igreja e o golpe: entre o apoio e a contestação

página 38

página 42

Chapecó ganha obras estruturais

página 52

Pesquisa revela opinião da população de Chapecó sobre o golpe

Calouros, bailes e rock: O lazer de Chapecó em tempos de ditadura Acervo CRC

Arquivo CEOM

la al

página 48

Victorino Zolet

Foto Livro: D. José Gomes, mestre e aprendiz do povo

Arquivo pessoal de Gelcir Stocco

Localize-se


blogdasmazelas.com.br

Governo reformista, governo deposto Entre 31 de março e 1º de abril de 1964, o Brasil vivia um dos maiores abalos de sua história. O golpe dos militares não apenas depôs o então presidente da República João Goulart, mas marcou o início de uma infinidade de injustiças, torturas e milhares de mortes que duraram 21 anos Alisson Moro e Elizabeth Balbinot

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HISTÓRIA “Os militares brasileiros tinham uma formação histórica de participar da política, eles não eram uma força meramente militar”

Licério de Oliveira, cientista político

sua posição e renuncia ao cargo. Naturalmente, quem deveria assumir a presidência do país é o vice-presidente, que estava em viagem à China. - Não queriam dar posse para João Goulart, porque o consideravam comunista – aponta o professor Torres. A pressão dos grupos de oposição em relação a um possível governo comunista foi tão intensa, que a Constituição Federal foi alterada para implantar o sistema político Parlamentarista no Brasil, fragilizando os poderes do presidente da República, conforme explica Torres. - O presidente seria chefe de Estado, mas não seria chefe de governo. O cientista político Licério de Oliveira explica que, com esse sistema, o presidente da República não tinha plenos poderes sobre o país e não poderia decidir determinadas situações. - Jango ficou com as funções de Estado, e o recémnomeado primeiro ministro Tancredo Neves, com as de governo. Oliveira também destaca que Jango foi o primeiro presidente a governar sob imposição do parlamentarismo, pois até aquele momento todos os presidentes tiveram os poderes normais estabelecidos. O professor explica que Jango somente conquistaria plenos poderes dois anos mais tarde, em 1963, graças ao plebiscito ocorrido no ano anterior, em que o parlamentarismo obteve significativa rejeição. - O Presidencialismo recebeu cerca de 80% dos votos no plebiscito. Dessa forma, João Goulart passou a governar sob o sistema Presidencialista.

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O gaúcho João Goulart (PTB) esteve em um dos maiores postos políticos do Brasil pela primeira vez em 1955, como vice-presidente de Juscelino Kubitschek (PSD), numa época em que as votações para presidente e vice eram separadas. Cinco anos mais tarde, apoiado pelo Partido Social Democrático (PSD), Jango, como era conhecido popularmente, foi eleito para o mesmo cargo, desta vez tendo como presidente o matogrossense e exgovernador de São Paulo, Jânio Quadros, apoiado pela União Democrática Nacional (UDN). O legado político de Goulart, entretanto, iniciou bem mais cedo. O cientista político e professor da Unochapecó, Licério de Oliveira, explica que, em 1950, Jango assumiu o desafio de ser ministro do Trabalho durante o governo de Getúlio Vargas. Uma de suas façanhas durante este período foi o aumento do salário mínimo em 100%, o que para o doutorando em história e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Matheus Torres, demonstra a característica do político. - Ela era muito envolvido com os sindicalistas e com postura de negociação. Entendia que o trabalhador tinha que receber melhor. Tal perfil evidenciava as contradições entre o presidente e o vice da República, no início da década de 60. Conservador, o presidente Jânio Quadros era considerado um político de direita. Do outro lado estava o “militante de esquerda” João Goulart. Isto é, as ideologias de ambos não eram somente distintas, mas contrárias. Em agosto de 1961, 10 meses após as eleições que levaram Jânio e Jango ao poder, o presidente desiste de


HISTÓRIA Ameaça comunista? Em 1964, a Guerra Fria alcançava seu auge. O mundo, dividido em comunismo e capitalismo, devido às disputas entre Estados Unidos e União Soviética, pressionava os demais países a tomar posição. As premissas de Jango, as propostas de reforma agrária, de valorização do trabalhador e de apoio aos grupos menos favorecidos foram amplamente usadas para lançar dúvidas sobre a possibilidade do comunismo ganhar força no Brasil. O doutorando em História e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Matheus Torres, afirma que o discurso da ameaça comunista é questionável. - Na época, o Partido Comunista era ilegal, não existiam muitos comunistas e quem o seguia, em geral, eram trabalhistas ou apoiavam as reformas de base sindicalistas. Na região Oeste catarinense, o partido comunista se consolidou somente no início dos anos 80, cinco anos antes do término do regime militar, conforme explica o doutor em História e professor da UFFS, Claiton da Silva. - Eram mecânicos, farmacêuticos, pessoas simples, sem qualquer grande vínculo político ou ideológico.

“O presidente seria chefe de Estado, mas não seria chefe de governo”

Matheus Torres, Mestre em história

A queda de Jango As principais propostas do governo Jango eram as reformas de base. Entre elas, o professor Licério de Oliveira cita a reforma agrária e da legislação trabalhista. - Ele (Jango) tinha o apoio da população e a aversão de empresários e de donos de oligarquias. Isso gera uma séria disputa política entre uma proposta tradicional e uma inovadora, essa última apoiada pela militância política trabalhista, ou seja, a massa de trabalhadores transformada em peso eleitoral. O dia 30 de março de 1964 representou o estopim que, dois dias depois, culminaria no golpe. Após comparecer a um evento da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Política Militar e fazer um forte discurso afirmando a existência de um complô contra o governo, houve uma

revolta dos militares e o início da movimentação de tropas no dia 31. Acuado, Jango partiu para Porto Alegre. O primeiro dia do mês de abril daquele ano amanheceu ao ritmo da “revolução”. A maioria do exército, marinha, polícia, imprensa e segmentos influentes da sociedade civil estavam certos de que tirar o presidente do poder era a melhor saída contra a suposta ameaça comunista. Em 2 de abril, em sessão convocada às pressas, o Congresso Nacional reunia-se e o seu presidente Auro de Moura Andrade declarava vaga a presidência da República. A tão famosa afirmação deixou bem claro: o golpe militar estava consumado. Ele tinha apenas duas horas para deixar o país com a família, pois tropas de Curitiba haviam sido enviadas à capital gaúcha para prendê-lo.


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Segundo Oliveira, os grupos de oposição não admitiam a continuidade daquele processo. - O golpe é articulado pelos empresários paulistas, quem diz isso é o ex-governador paulista Paulo Egídio Martins Os articuladores, conforme o professor, afirmavam não querer o presidente, mas que também não apoiavam a ditadura. - Eles alegam que foram traídos pelos militares. Oliveira também aponta que os militares brasileiros tinham uma formação histórica de participar da política. Eles não eram uma força meramente militar, como nos países europeus. Sua formação era para atuar politicamente. - No conceito democrático os militares não podem ter participação política, pois já possuem o poder militar.

João Goulart participou do governo de Getúlio Vargas no passado, e quando assumiu a presidência, ludicamente o legado de Vargas continua. Os paulistas, que sempre tiveram o poder antes da era Vargas, novamente veem o mesmo poder sendo levado por Jango. Jango, então, enfrentou o dilema: declarar a guerra civil, como queria Leonel Brizola, ou ceder ao golpe. Para evitar um derramamento de sangue, rendeu-se e foi exilado no Uruguai e depois na Argentina. Proibido de pisar em solo brasileiro, o ex-presidente só voltou ao país 12 anos mais tarde. Morto. O ódio, a ganância e a sede em recuperar o poder levam à concretização do golpe, à queda de João Goulart e a 21 anos de ditadura militar no Brasil, que só se encerraram em 1985 após cinco presidentes militares.


HISTÓRIA Medo e horror Entre os rastros da ditadura, nenhum é mais marcante do que as torturas exercidas contra pessoas consideradas contrárias ao regime, que eram perseguidas e presas. Marlene Soccas é uma delas, numa época em que a catarinense estava em São Paulo fazendo especialização e graduação em Odontologia. - Estava realizando os meus sonhos pessoais e os meus sonhos profissionais, quando tudo começou. O dia 10 de maio de 1970 mudou completamente a vida de Marlene. Exatamente às 15 horas daquele domingo, ela foi sequestrada e presa em plena avenida São João, em São Paulo, e levada pelos militares direto para a sala de tortura. - Cheguei na sala de tortura em torno de quatro horas e fui torturada até o dia seguinte, às seis horas, porque era o horário que terminava para aquela equipe. Os relatos de Marlene foram feitos durante o Seminário de Atualidades do curso de Jornalismo da Unochapecó, no dia 16 de maio de 2014. Marlene explicou que largou o consultório em que trabalhava como dentista, a universidade, e juntouse aos revolucionários. - Me juntei a todos aqueles que lutavam. Raciocinei e vi que o Brasil precisava de mais gente do lado de cá, do lado esquerdo, do lado da luta, e eu acabei abandonando tudo. Ela afirma que não quer que ninguém tenha dó dela quando souber tudo o que passou, e lamenta que as torturas tenham sido uma política de Estado naquele período. Marlene relata um diálogo entre o presidente da república Geisel e sua equipe: “Nós temos que prender, torturar sim, pra conseguir as informações, e se for preciso matar, mata-se”. Esta conversa faz parte de um dos 70 rolos de gravações entregues ao jornalista Elio Gaspari, que relatam momentos monstruosos no período da ditadura no Brasil. De acordo com Marlene, a primeira ordem era tirar a roupa. A gente tirava um pouco de roupa pensando que era só o excesso. “Não. Tira tudo. Calçinha, tudo. 12

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Fica pelada” – revela ela, sobre a fala dos militares. A tortura, segundo ela, era dividida em dois momentos: primeiro, os torturadores deixavam todos nus para constrangê-los. Segundo, porque neste momento os órgãos genitais ficavam ao alcance de chutes, pontapés e até mesmo choques elétricos. Marlene destaca que a técnica da “palmatória” era a mais cruel. Uma placa de madeira, com mais ou menos três dedos de grossura, era usada como ferramenta para torturar as mãos. - A gente era obrigado a oferecer uma mão, outra mão, durante várias horas… não era uma, duas, três, quatro…. eram horas e horas. A palmatória não tem arestas cortantes, mas ela estoura as artérias e veias que a gente tem em baixo da pele, de tal maneira que a gente fica com uma hemorragia interna, com manchas roxas e sangue coagulado em baixo da pele. Marlene ainda lembra de detalhes: - Quando começava escorrer um caldinho da mão, era uma água de sangue com soro, uma água rosada, eu acho que eles achavam que era hora de parar e partir pra cima dos pés”.


Foto: www.pbvale.com.br

HISTÓRIA

Sim. Os mesmos atos cometidos contra as mãos, desta vez, seriam praticados contra os pés. - Botavam a gente em pé, em alguma coisa, se apoiava na parede e tinha que apresentar a sola dos pés para que eles fizessem a mesma coisa, a mesma pancadaria. Hoje Marlene reside em Joaçaba e faz parte da Comissão da Verdade, instituída pela presidente Dilma Rousseff em maio de 2012. A dentista aposentada conta que, assim que a Comissão da Verdade foi criada em Brasília, na sua cidade natal, Criciúma, uma comissão municipal foi presidida por ela. - Quero que todos conheçam, que nunca se esqueçam, para que nunca mais aconteça. É isso que nós desejamos: que as futuras gerações jamais passem pelo que nós passamos. Ela ainda comenta não se arrepender de tudo o que viveu e passou. - Foi uma geração que honra o nosso país. Todos nós estávamos pouco se lixando pra vida futura. Nenhum de nós tinha qualquer ilusão de sair vivo daquela experiência e isso era o que menos importava.

Outra marca do regime foram os Atos Institucionais (AI), que são leis decretadas pelos líderes do regime entre 1964 e 1969 sem nenhum tipo de votação de deputados ou senadores que aprovasse a decisão. O AIs como eram conhecidos, e ainda são, fortaleciam e beneficiavam o poder dos líderes militares, facilitavam suas ações e a concretização de seus objetivos, além de alterar os princípios políticos do país e da Constituição federal.

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HISTÓRIA “Andava-se de Jipe pela cidade com metralhadoras na mão para exercer esse poder”

Claiton da Silva, Doutor em história

O golpe em Chapecó O professor Claiton da Silva conta que, em Chapecó, logo nos primeiros dias após o golpe, ocorreu uma sessão extraordinária na Câmara de Vereadores. Na ocasião, dois discursos distintos chamam a atenção. O primeiro, feito pelo vereador do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Sadi José de Marco, é totalmente contrário ao golpe. - Ele critica o que entendia como ilegalidade do golpe, que naquele momento era chamado de revolução. Então, tece uma crítica forte contra este momento Em contraponto, o vereador Rivadávia Scheffer não somente afirma ser favorável ao golpe, mas elogia a chamada revolução, conforme explica o professor. - Na visão dele, o golpe traria a redenção do Brasil, por esse motivo muito chamada de Revolução Redentora. Depois disso, membros do diretório chapecoense do PTB passaram a ser perseguidos pela polícia, e parte deles acabou sendo presa. Entre 10 e 20 chapecoenses foram detidos, número que pode ser ainda maior, segundo o

professor. Entre eles estavam políticos como Sadi de Marco, ex-vereador e ex-prefeito de Chapecó, e Emídio Battistello, ex-vereador. O professor acredita que “poucos membros do PTB não foram presos” na época. Eles eram levados ao Batalhão da Polícia Militar que, na época, ficava próximo à Terminal Rodoviário, onde eram interrogados. O PTB passou, então, a ser sinônimo de terrorismo. Qualquer pessoa ligada ao partido representava ameaça. Na melhor das hipóteses era presa. O PTB passou a ser ligado a possíveis grupos comunistas, além de ser relacionado à idéia de que existiria o Grupo dos 11 aqui na região – revela o professor. Segundo ele, o chamado “Grupo dos 11” seria um tipo de resistência ao regime militar, criado pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Muitas pessoas foram presas e muitas interrogadas por um tempo significativo devido à possibilidade de estarem ligadas a este grupo.

Repressão Simultaneamente, naquele ano, a repressão policial começa a crescer na cidade. Os policiais, através do comando de tenentes e capitães, vigiam de forma severa os cidadãos. Essa prática, conforme Silva, viria a se tornar, mais tarde, um mecanismo para o Serviço Nacional de Informações (SNI). - Andava-se de Jipe pela cidade com metralhadoras na mão para exercer esse poder - explica o professor Claiton da Silva. Segundo ele, um dos militares, Nery Crito Vieira, posicionou-se contra este tipo de repressão, acabou sendo

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acusado de participar do Grupo dos 11 e foi mandado embora de Chapecó. Silva conta que, mais tarde, ao longo dos anos do regime o deputado estadual Paulo Maccarini teve mandato cassado, assim como o ex-prefeito de Chapecó Sadi de Marco, esse último ocorrido em abril de 69. Jenir Destre, em outubro de 69, também perdeu seu mandato. - A partir daí houve a tentativa de intervenção para que não ocorressem eleições em Chapecó, e que o interventor fosse nomeado.


Presidentes da Ditadura Militar no Brasil Ernesto Geisel

Arthur da Costa e Silva

Mandato: 15/03/1974 a 15/03/1979

Mandato: 15/3/1967 a 31/8/1969

- Propôs a abertura política desde que fosse “lenta, gradual e segura” - Aumentou o mandato de presidente de 5 para 6 anos - Criação do senador biônico - Alta da inflação e dívida externa - Restauração do habeas corpus e fim do AI-5

- Ato Institucional nº 5 (AI-5) - Política econômica voltada para o combate da inflação e expansão do comércio exterior. - Investimentos nos setores de transporte e comunicações - Reforma administrativa

Castelo Branco Mandato: 15/04/1964 a 15/03/1967 - Cassações políticas - Fim da eleição direta para presidente, criação do bipartidarismo - Limitação de direitos constitucionais - Suspensão da imunidade parlamentar

Emílio Garrastazu Médici

João Baptista Figueiredo

Mandato: 30/10/1969 a 15/3/1974

Mandato: 15/03/1979 a 15/03/1985

- Repressão política; “Anos de Chumbo” - exílios, tortura, prisões, desaparecimento de pessoas, combate aos movimentos sociais e censura. - “Milagre Econômico” - forte crescimento do PIB - Propaganda patriótica

- Início da transição para o sistema democrático - Restabelecimento do pluripartidarismo - Crise econômica, greves, protestos sociais - Restabelecimento das eleições diretas para governadores dos estados

Fonte e fotos Site suapesquisa.com


Perfil

“Subi nos braços do povo e desci tangido pela espada dos militares” Criticado por levantar-se contra o arbítrio e a prepotência, o então prefeito Sadi de Marco teve seu mandato cassado em 1969 Mirian Cruz e Vinicius Farfus Ninguém sequer imagina, mas o menino que apanhava de freiras e que teve seus maiores ensinamentos nos colégios internos, em momentos sozinho com os joelhos no milho, se tornaria anos depois um marco na história política do Oeste de Santa Catarina. Foi uma infância difícil para Sadi De Marco, que hoje, aos 75 anos, relembra de sua história com um olhar profundo. O motivo? - Eu era bravo – responde ele. O gosto pelos grandes discursos, ele herdou do pai, que na década de 70 seria o candidato a deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Mas, entre uma conversa e outra, o velho De Marco acabou recuando. - Ele ficou com receio - revela Sadi. Filho de pais “ausentes”, hoje advogado atuante em Francisco Beltrão, Sadi de Marco recorre às memórias para tentar explicar o que aconteceu em 1969. De família humilde, Sadi - que nasceu no município de Erechim (RS), conta que aos seis anos foi mandado a um colégio interno junto de um irmão mais velho. - Tinha babá que cuidava dos menores, e nós, os maiores, fomos colocados em internatos”, conta. De certa forma, a distância dos pais acabava refletindo no comportamento do garoto: “eu não era o mais rebelde da turma, mas era um deles. Depois de anos em internatos no estado vizinho, a construção de um prédio no centro da cidade de Chapecó fez com que a família De Marco mudasse de endereço. - Ele tinha um amor estimativo por aquilo tudo que construiu - relembra. 16

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Sadi nunca foi líder de turma, mas sempre apresentou uma tendência a “representar” os colegas dos internatos em que estudava. Quando concluiu o terceiro e o quarto de ano do ginásio, em 1956, foi o orador da turma. Os pequenos discursos eram apenas ensaios, um pequeno esboço das grandes multidões que apoiariam poucos anos depois. Mas a independência e a boa desenvoltura do menino Sadi não se limitava apenas aos internatos. Após a formatura do ginásio, ele teve uma conversa com seu pai e manifestou a vontade de sair da cidade, quando resolveu ir a Porto Alegre. No dia em que Sadi teve a conversa com seu pai, o velho De Marco não escondeu a insegurança em deixá-lo partir: - Vais fazer o que lá, guri? - o questionou. - Ah, pai, eu vou me aventurar – respondeu Sadi, com um sorriso nos olhos. A aventura teve início exatamente no dia 2 de janeiro de 1967, quando ele e um amigo pegaram carona, mas ao chegar próximo ao Porto Goio-En, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o caminhão quebrou. Os dois então tomaram outra carona, e de ônibus foram a Porto Alegre. De lá, dois anos depois Sadi concretizaria o sonho que rascunhava para sua vida desde pequeno: ser contador. No dia da formatura, como já era de praxe nesses vinte e poucos anos, ele também foi o orador da turma. E foi por causa da afinidade com a oratória e os grandes discursos que simpatizou com a advocacia. Em Passo Fundo, formou-se advogado e retornou a Chapecó.


Vida pública

isso era novo. Se as coisas para o vereador Sadi já eram difíceis, para o Sadi prefeito a situação piorou. Ele recorda que algumas lideranças, principalmente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), não aceitaram a ideia de um jovem ter conquistado um espaço tão importante na política e tão cedo. - Os mais antigos sabem, eu era contestado pelas lideranças peessebistas, porque eu tinha uma postura independente, e como diria o filósofo: de uma coluna vertebral que não se curva e não se dobra ao primeiro arremesso da ameaça”, conta Sadi. Tanto para ele quanto para historiadores, como Monica Hass e o professor Claiton, a posição que Sadi conquistou foi fruto de vários outros fatores, e não somente de sua credibilidade política. Entre eles o forte apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), também do então prefeito João Destri (PTB) e do deputado estadual Genir Destri (MDB). Além destes, a candidatura também teve o apoio de Serafim Bertaso, Plínio De Nês e Arnaldo Mendes, que eram na época figuras decisivas do Partido Social Democrático (PSD). Ao assumir a cadeira no Executivo, o moço indômito começava a dar as coordenadas de seu trabalho às 6h da manhã e se estendia inclusive aos finais de semana. - Essa era a forma encontrada pela administração de um jovem que queria conquistar a sede da capital Barriga Verde, que então pertencia a Joaçaba. Vinicius Farfus

Garoto inquieto e de belas palavras, o então recémformado advogado foi orientado pelo seu pai a ingressar na política local. Sem tanto discutir, Sadi aceitou e lançou sua candidatura a vereador aos 24 anos pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). - Naquela época, um então novo advogado se levantava contra o arbítrio e a prepotência para dizer que a nossa administração pública era independente e voltada para os interesses do povo. Assim que Sadi define sua candidatura, hoje aos 75 anos. Pela grande influência política do pai e amigos, Sadi foi eleito em 1963 e participaria dos principais atos políticos como legislador de Chapecó até o ano de 1966. - Sadi não tinha medo, subia na tribuna e falava o que estava errado, não omitia as palavras – conta o professor Claiton Marcio, que pesquisa Sadi de Marco desde 2008. Visto que o garoto havia se tornado uma liderança política forte, o velho De Marco conversava com o filho para apostar na sua candidatura a prefeito. E novamente, para a fúria da oposição, o recém-advogado seria eleito prefeito de Chapecó aos 27 anos. Sadi conta que na época o município tinha em torno de nove mil eleitores e se elegeu com pouco mais de quatro mil e quinhentos votos, tendo como seu opositor o representante do partido UDN, Dorval Cansian. - Nós tínhamos um único plano: era exercer meu mandato. Mas várias foram as resistências, entre elas porque na época o jovem não participava da política, então

Perfil

EXPERIMENTUS Ex-prefeito de Chapecó, Sadi de Marco conta como foram seus primeiros anos na política

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Perfil A repercussão do golpe em Chapecó Na madrugada de 31 de março de 1964 foi tudo planejado. Enquanto as tropas do Exército Brasileiro foram às ruas para depor o governo do então presidente João Goulart (Jango), o então recém eleito vereador pelo PTB, Sadi de Marco, mantinha suas preocupações com a política local, mas sem deixar de pensar no país que começava a viver um regime ditatorial nunca antes visto na história. Segundo historiadores, como Monica Hass, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o golpe foi divulgado pela imprensa, via rádio, por meio do programa “A Voz do Brasil”, e aos poucos os chapecoenses foram se inteirando dos fatos. Ela conta que inicialmente não houve um impacto expressivo na dinâmica política, econômica e social da cidade. Prova disto é que em relatos do então prefeito João Destri (PTB), o golpe de Estado de 1964 não interferiu em sua administração. Mesmo assim, a passos lentos a ditadura foi tomando corpo no Oeste. Na “Grande Chapecó”, assim chamada na época, os primeiros ‘respingos’ do golpe surgiram a partir de 1965, com o Ato Institucional n. 2, que extinguiu os partidos políticos e fechou o Congresso Nacional. E por último, o Ato Institucional n.5, em 1968, que ampliou os poderes do Estado e cerceou a liberdade no país. Este último aumentou a censura dos meios de comunicação e a liberdade de expressão em geral. O professor Claiton da Silva (UFFS) é um dos historiadores que mais se debruçou sobre a história de Sadi, inclusive já publicou dois livros. Segundo ele, os fatos mais expressivos do golpe vieram interferir no mandato do então prefeito eleito Sadi de Marco. - Ele tinha exatos três anos e três meses de mandato, sua candidatura iria até 1970, mas em 1969 teve seus direitos políticos cassados por 10 anos. Emocionado, Sadi relembra o episódio. - Fui chamado de Brizolista e acusado de participar do Grupo dos Onze. O Grupo dos Onze era um movimento comandado por Leonel Brizola para lutar por mudanças na Constituição, o que se chamou de reformas de base, entre elas as reformas agrária, a fiscal e tributária. O grupo nasceu com a “Campanha da Legalidade” – também com Brizola – em um programa de rádio gerado em Porto Alegre que defendeu a posse de João Goulart – vice-presidente eleito, quando Jânio, o presidente, renunciou, em 1961. Na época, os militares não queriam que Jango assumisse 18

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Mandato de Sadi estava previsto para terminar e ano antes teve seus direitos políticos cass

sob a alegação de que ele representava uma “ameaça comunista” ao Brasil. No mundo, vivia-se a Guerra Fria, entre Estados Unidos (capitalista) e União Soviética (comunista), onde estava em jogo a hegemonia política, econômica e militar do planeta. João Goulart e Leonel Brizola, entre muitos outros, tinham fortes raízes populares e eram identificados como comunistas por estimular a organização social dos trabalhadores, em sindicatos, especialmente. E isso não era aceito pela elite política e econômica, nem pelos militares, nem pelos Estados Unidos da América, que despontavam como o modelo de país a ser copiado por todos, especialmente pelo Brasil. Com o golpe de Estado, integrantes do Grupo dos Onze foram perseguidos e presos arbitrariamente, sem mandado ou qualquer documento legal. Apenas por seus nomes constarem em listas do Grupo dos Onze, nos três estados do Sul. Para a professora e historiadora Monica Hass, em Chapecó e no Brasil, o golpe militar espalhou a delação de pretensos comunistas e até de desafetos comuns, que nada tinha a ver com política. Muitos queriam ser “amigos dos militares”. O próprio Poder Judiciário – a lei, na prática – era subordinado aos militares. Os generais mandavam na nação. Muitos aderiram ao golpe por medo, outros por ideologia mesmo, por temer o comunismo, às vezes sem saber se essa ameaça realmente existia. Ou se era um pretexto para barrar a organização dos trabalhadores em sindicatos, para lutar por melhores condições de vida – um direito de todos.


em 1970, um sados

Arquivo CEOM

Cassação mudou a política de Chapecó

- Era tardinha, quase noite, umas 18h do dia 29 de abril de 1969 - lembra-se Sadi. Como de praxe, o então prefeito estava sentado na sala de seu apartamento na Avenida Getúlio Vargas, centro de Chapecó, depois de um dia de trabalho. Preocupado com o que estava ocorrendo no país, Sadi tinha ouvido na cidade que naquele dia seria divulgada a quarta lista de políticos cassados pelo regime. Ele então ligou o rádio no programa “A Voz do Brasil”, quando ouviu seu nome entre os últimos sete prefeitos anunciados. - Na hora foi uma surpresa – conta ele Minutos depois, o então juiz de Direito, Odilon Córdova ligou para Sadi avisando-o que militares de Palmas (PR) estavam na cidade para prendê-lo. Eles achavam que eu era um político jovem que estaria tramando a derrubada de Costa e Silva (presidente) - diz exprefeito, rindo. Mas, como tinha bom relacionamento com Córdova, Sadi revela que o Juiz explicou aos militares com as palavras: “o rapaz é dinâmico é meio rebelde, mas não precisa prendê-lo”. Mesmo não querendo acreditar no anúncio, decepcionado, ele não teve reação alguma. Naquele dia, ele conta que não saiu de casa. - Fiquei com medo do que podia acontecer comigo. Um dia depois de ter sido cassado, em 30 de abril de 1969, Sadi seguiu para a prefeitura para anunciar aos servidores que deixaria o poder. - Falei a eles: continuem trabalhando que eu fui cassado. Ao lembrar-se daquele momento, Sadi não se diz injustiçado, mas entende que na época “quem não andasse à risca o regime, teria seus direitos cerceados”. Mesmo assim, o sentimento que hoje paira sobre o ex-prefeito é de que poderia ter feito muito mais. - Eu não imaginava que seria cassado - suspira ele, enquanto abaixa a cabeça.

Não imaginava por acreditar em seu bom relacionamento tanto com o Poder Legislativo – que na época tinha fortes influências da ARENA, oposição do PTB -, e também com o bom relacionamento com o Judiciário. Sadi teve seus direitos políticos cerceados sob acusação de estar aliado e/ou fazendo parte de atitudes consideradas subversivas ao regime e que nunca foram comprovadas. Tanto é que, diferente do que aconteceu com políticos que foram presos, torturados e alguns inexplicavelmente sumiram, Sadi nunca foi preso, apenas prestou depoimentos nos quarteis de militares. - Eu nunca militei contra o regime, eu criticava aquilo que todo mundo critica em política. Quinze dias depois de ser cassado, Sadi saiu da cidade e foi morar em Francisco Beltrão (PR), onde anos depois assumiria a presidência do Frigorífico Chapecó, deixando um legado forte de uma liderança política reprimida pelo regime. - Eu apenas lutava para que Chapecó crescesse na época. O município que liderava economicamente era Joaçaba, eu relutava para que fosse Chapecó – relembra Sadi. Mesmo 45 anos após sua cassação, o ex-prefeito é convicto em afirmar que nunca participou de nenhum movimento contra o regime. Ele foi interrogado em 1964, mas nunca foi processado. Foi chamado a depor, porque estava sendo acusado de ter atitudes subversivas, mas em seu currículo nada consta para comprovar tais acusações. Foi assim que o então vice-presidente da Câmara de Vereadores da época, Waldomiro dos Santos, assumiu a prefeitura de Chapecó por cinco dia, conforme explica seu filho Claudionor dos Santos. - Ele foi empossado pelo juiz, porque o presidente da Câmara, Rodolfo Hirsch estava viajando. Eu estava em frente a minha casa, quando apareceu lá em casa o Juiz de Direito, Odilon Córdova com uns militares, estavam em três camburões do Exército, até me assustei. Pediram pra eu chamar meu pai que estava tomando banho. Miriam Hirsch tinha apenas dois anos quando seu pai, Rodolfo Hirsch, foi empossado definitivamente como prefeito, após a cassação de Sadi de Marco. - Eu era muito pequena, mas minha mãe sempre contou que eles estavam viajando, ouviram no rádio e o pai disse: vamos embora que eu sou prefeito. EXPERIMENTUS

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Vinicius Farfus

De volta ao Oeste do Estado, Sadi recebe simbolicamente seu mandato

Dificuldades antes mesmo da política No Paraná, as dificuldades pós-cassação Depois de deixar a cidade e ter seus direitos políticos cassados por 10 anos, Sadi então recomeçaria a vida em Francisco Beltrão, no Paraná. Mas, ao ser questionado se foi um dos momentos mais difíceis de sua vida, o advogado franze a testa e, com firmeza, diz que não, mas não esconde que sofreu rejeição. - Houve muita rejeição. Em Beltrão os adeptos da ARENA vinham me procurar para trabalhar, mas se eu tivesse ficado em Chapecó teria sido bem mais difícil. De uma dialética invejável, o advogado criminalista e ainda atuante sente ter sido “meio cidadão” após sua cassação. Sem direito a ter conta em banco e nem direito de exercer o voto, ele incrivelmente não agrega essa situação como um dos momentos mais difíceis. - Foi um negócio muito sério, eu não podia votar, nem ter conta em banco oficial. Eu era um meio cidadão. Isso não foi à parte mais difícil, porque isso você lutando, vence”. Em Beltrão Sadi firmou amizade com as duas correntes políticas, e não teve problemas com relação a isso. Disse que poderia ter voltado à política anos depois, mas preferiu advogar. - Eu não sei falar de política, se tem uma coisa eu domino é essa tal de advocacia.

O moço indômito e prefeito cassado pelo regime também já passou fome, e elege três escolas da vida, as quais se recorda e que jamais tentará apagá-las da memória. Em Porto Alegre, onde passou fome estudando, é uma delas. - Eu era estudante, muitas vezes não tinha o dinheiro pra comer. Chapecó também faz parte da escola da vida de Sadi. Ele revela que, quando prefeito, um dos momentos mais difíceis era na tomada de decisões: - Mesmo com todos os enfrentamentos, pra mim foi uma escola. E por último, outro desafio foi quando assumiu a diretoria do Frigorífico Chapecó, em Beltrão – hoje pertencente à Brasil Foods. - Não tenho um feito importante, mas considero estas três escolas que, pra mim, foram fundamentais para o meu caráter hoje. Mesmo com todas as dificuldades enfrentou, o ex-prefeito não esconde que é feliz e diz que faria tudo novamente, da mesma forma, da mesma maneira. Advogado criminalista de renome, Sadi acredita ter recebido a proteção de Deus ao longo de sua trajetória. Primeiro, por ter tido somente seu mandato cassado; segundo, por ter tido sorte de conseguir reconstruir a vida. - Poderia ter acontecido comigo o que aconteceu com outros. Eles só me tiraram o mandato, mas não me agrediram.


Foto: amosc.org.br

O governo Sadi De Marco Vários foram os feitos do prefeito Sadi em três e anos e três meses de mandato que, segundo ele, mais se trabalhou no município. No meu tempo de prefeito, se trabalhava – conta ele, com firmeza. De voz rouca, porém forte, ele lembra dos tempos de comício e que em seu mandato foram eliminadas todas as enchentes de Chapecó e mais de 40 escolas foram construídas, algumas inclusive com ambientes sociais. Ele conta que foi em seu mandato que mais se construiu calçadas e que foi aberta a hoje Avenida General Osório. - O prefeito Sadi era o que acordava cedo e dormia tarde, visitava o trabalhador se estava satisfeito, verificava se a calçada estava bem colocada. No cinquentenário do município, Sadi conseguiu organizar a primeira feira, - hoje Efapi, a maior expofeira do Oeste catarinense. Também no governo Sadi foi executada a construção de 12 pontes de concreto. Obras emblemáticas, que fazem parte do currículo de Sadi e, que mesmo 45 anos depois, ele lembra-se muito bem. - Eu sou advogado, tudo sempre pra mim foi dentro do espírito da lei. Sempre fui da índole de que político, se trabalha desde cedo, não é favor atender o povo, é obrigação.

Três anos e três meses foi o tempo suficiente para que Sadi conquistasse vários feitos importantes para o município. Entre eles a construção do Parque Tancredo Neves, hoje Efapi

45 anos depois, prefeito outra vez Vinte e nove de abril de 2014. Exatamente 45 anos após sua cassação. Esse dia jamais será apagado da memória do ex-prefeito Sadi de Marco. Nunca um retorno a Chapecó havia sido tão emocionante. Como forma de ‘reparar um erro’, a Câmara de Vereadores do município em ação conjunta da Comissão da Verdade da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) propuseram uma surpresa a Sadi de Marco: a devolução simbólica de seu mandato. Ele havia viajado a noite toda, os olhos estavam cansados, mas o paletó estava impecável. Ao subir os degraus da Casa Legislativa, entre uma pausa e outra para abraçar colegas de tribuna que não via a anos, ele olhava para as paredes como quem tenta reconhecer um local deixado há muito tempo, mas com sentimento exalante de “eu sabia que esse dia iria chegar”. Depois de abraçar os velhos amigos, Sadi então senta-se e, por um minuto, deixa resvalar uma lágrima enquanto assistia um vídeo. Nas imagens, o ex-prefeito magrelo, de óculos escuros, mas sempre no meio do povo,

cumprimentando um a um. A emoção era tanta, mas ao subir na tribuna o velho sentimento de prefeito o incorpora e os bons e invejáveis discursos de quando ainda menino ensaiava voltam a sair de sua garganta. - Subi nos braços do povo, e desci tangido pela espada dos militares. Foi assim, que entre e uma pausa e outra para recuperar o fôlego, discursou por 21 minutos. Um discurso emocionado. Agradeceu aos velhos amigos pelo apoio de sempre e, invejavelmente, agradeceu também a seus opositores à época, mas que hoje todos são amigos. - É uma homenagem nem tão merecida, mas acredito que a devolução deste mandato simbólico possa servir de estímulo a juventude deste município, aos jovens que aqui estudam, que aqui moram, que aqui trabalham, que aqui lutam, que tenham em mente que o sucesso você consegue com atividade e com atividade séria, com garra, com pertinácia é dentro dessa linha de procedimento e de conduta. EXPERIMENTUS

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Segurança nacional

Corra que a polícia vem aí

Arquivo CEOM

Scheila Franz e Vanessa Cristiane Presotto

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Membros da Polícia Militar de Chapecó, chamados na época de guardiões da nossa comunidade EXPERIMENTUS


Arquivo CEOM

Solenidade do novo comandante do II Batalhão da Polícia Militar, em 20 de outubro de 1979

Há 50 anos, Chapecó e todo o Brasil vivenciaram o golpe militar. Em função dos altos índices de criminalidade existentes hoje, um dos grandes questionamentos que a sociedade faz é de como era a segurança na época da Ditadura. Entre 1964 e 1985, foi adotado no Brasil o conceito de Segurança Nacional, em que seriam priorizadas a defesa do Estado e da ordem política e social. Segundo o professor do curso de Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), Idir Canzi, o período militar foi caracterizado pela centralização das decisões no Executivo Federal sob o comando dos chamados Presidentes Militares. - Os chamados Atos Institucionais eram editados a todo tempo para conter manifestações da imprensa livre, manifestações de rua, reivindicações das organizações da sociedade civil e de outras lutas por melhorias socioeconômicas, também de trabalho. Por exemplo: o Ato Institucional 2 obrigava os partidos a se organizarem apenas no sistema bipartido (ARENA e MDB) e concentravam poderes plenos para o poder executivo que podia de pleno direito suspender direitos e garantias de qualquer dimensão. Foi implantada a tortura como prática regular para apuração dos fatos considerados contrários ao regime. Com o término da ditadura militar, veio a constituição

de 1988, que em seu artigo 144 estabeleceu que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Em pesquisa acadêmica apresentada este ano sobre a Constituição de 1988, o acadêmico do curso de Direito da Unochapecó, Valdir Araújo de Souza reforça que a responsabilidade sobre a Segurança Pública não está restrita às instituições: “A Segurança Pública é sim um dever do Estado, é um direito de todos. É uma análise que deve ser feita e compreendida, para que todo e qualquer cidadão possa assumir seu papel de conscientização e de responsabilização em relação à qualidade da segurança e da Ordem Pública”. Em seu relatório, Souza comenta que a polícia manifesta-se como instituição de defesa e segurança, com o grande objetivo de assegurar a ordem pública, o bem estar coletivo da população em geral, o direito de propriedade dos indivíduos. Complementa que a polícia atua com o papel de vigilância para assegurar os direitos da população e que o Estado é detentor do poder de polícia na forma de prevenção, repressão, investigação, punição, dentre outras atribuições, que visam à garantia da segurança pública e para melhor compreensão.

EXPERIMENTUS

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Segurança nacional Segurança ou Repressão? – Quando se tratava de prisão e repressão, os responsáveis eram elementos do 2º Batalhão da Polícia Militar de Chapecó. À frente estavam dois militares do Exército, que na época estiveram em Chapecó. Conforme Damo, na época havia um tenente em Chapecó que foi responsável pela cassação do prefeito José Sadi de Marco e titulado para dar posse ao presidente da Câmara de Vereadores. Também havia outro militar que vigiava e percorria todo o Oeste de Santa Catarina para colher informações e dados. O advogado acredita que a segurança pública não era satisfatória não só em Chapecó, como também em todo o país. Ele cita que não se podia chamar de segurança pública, porque não garantiam nenhuma segurança à sociedade. Pelo contrário, a sociedade dependia do bel prazer de quem mantinha o poder de fazer o que quisesse sem dar nenhum motivo, conforme explica Damo. - Levavam as pessoas para o quartel, não davam nenhuma explicação, não se sabia quanto tempo essas pessoas ficariam presas, nem como eram tratadas, proibindo muitas vezes até visitas. Foi uma situação totalmente descontrolada do poder arbitrário, vamos dizer assim, ultrapassando toda e qualquer noção de razoabilidade e de razão. Ninguém podia

Arquivo CEOM

No período militar, a elite no poder dava as ordens de repressão, e crimes eram promovidos por aqueles que diziam promover a segurança da nação. Em Chapecó as coisas não eram diferentes, pois a ditadura deixou lembranças dolorosas para muita gente. - Foi horripilante, militares saiam nas ruas de metralhadoras e pistolas, dando tiros, sem motivo, só para mostrar prepotência de poder – diz indignado Ferdinando Damo, vereador em Chapecó no ano de 1964. Segundo Damo, hoje advogado, houve muita violência e prisões infundadas. - Eu diria até totalmente ridículas, sem motivo nenhum de se prender determinados elementos, totalmente inofensivos e que não causavam perigo a nada, não exerciam nenhum comando político, não participavam da política. Mas, foram presos porque alguém deve ter mandado, e então vinham os tenentes que comandavam o caso, pegavam a pessoa e jogavam dentro de um jipe, simplesmente agiam dessa forma. Damo relembra que na época quem estava no comando do Serviço Nacional de Informação (SNI), em Chapecó, era a Polícia Militar, e que o chefe do SNI era um militar graduado da Polícia Militar do Estado.

Curso de formação de cabos da Polícia Militar, em 1978, em Chapecó


Arquivo CEOM Arquivo CEOM

contestar o que eles faziam e diziam, porque se contestasse, seria preso de imediato. Segundo Damo, a segurança que os militares exerciam significava executar sobre seu comando aquilo que eles entendiam que era justo, que poderiam fazer. - Na época também sacaram do Poder Judiciário muitos instrumentos. Por exemplo, foi extinto o Habeas Corpus, então a sociedade ficava única e exclusivamente na mão do poder central do golpe militar, ninguém mais podia intervir em função da liberdade. De acordo com o professor do curso de Direito da Unochapecó, Idir Canzi, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo não eram respeitados durante a Ditadura Militar. A suspensão do Habeas Corpus era um exemplo, já que tratava-se de uma ação protetiva da liberdade de ir e vir. Como consequência, a pessoa era presa arbitrariamente pela polícia. Com 75 anos, Damo conta que sofreu muito psicologicamente, já que a qualquer hora poderia ser preso. O fato mais marcante para ele era a violência com que os militares agiam. - Não havia nenhuma substância, nenhum sustentáculo para eles agirem daquela forma na cidade. No país todo, mesmo tendo motivo para dar uma imaginária proteção à sociedade e ao país, de qualquer maneira não seria justificativa agirem com a prepotência que agiram prendendo, matando, sumindo com pessoas sem se saber até hoje sua localização. Damo comenta que a segurança pública nos anos anteriores a 1964 era melhor, principalmente pela existência de mecanismos de defesa do cidadão como é o exemplo do Habeas corpus. Ao mesmo tempo ele levanta algumas preocupações com a segurança pública na atualidade: - Hoje temos falta de segurança pelos movimentos sociais que não são racionalizados. Democracia tem direitos e tem deveres. A cidadania tem direito pra defender, como tem deveres pra cumprir. Então essa união, este encaixe, é o que não existe mais.

Quartel do Corpo de Bombeiros de Chapecó constituiu-se em um do maiores investimentos no setor de Segurança Pública

O novo comandante Paulo Roberto Fagundes de Freitas, em seu discurso

EXPERIMENTUS

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Segurança nacional Lembranças de um pai marcado pela ditadura As marcas da ditadura ficaram gravadas na memória de muitas pessoas na cidade de Chapecó. Um período que deixou lembranças amargas na família de Eliza Pante, com sabor de destruição dos sonhos e da própria família. Seu Adão Eugênio Pante, pai de Eliza, foi um homem extremamente apaixonado pela política desde criança. Pante morou por muitos anos na cidade gaúcha de Farroupilha, onde fundou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Foi por anos presidente do partido e ajudou a articular o PTB no Rio Grande do Sul. Logo após, mudou-se para Chapecó com a missão de estruturar o partido no Oeste de Santa Catarina. Quando Leonel Brizola deflagrou a Campanha da Legalidade para que Jango assumisse o poder, Adão Pante ouvia todas as noites a Rádio Guaíba e articulava grupos em defesa de Jango. A família de Pante nem imaginava que os reflexos do golpe chegariam até Chapecó, pois a cidade era pequena e se ouvia falar somente nos grandes centros. A situação mais delicada daquela época é relatada por Eliza Pante, que tinha apenas sete anos de idade. - No dia 3 de abril, por volta das duas horas da tarde, ouço batidas na porta de minha casa na Rua Benjamin Constant. Abri a porta e me deparei com um bando de militares. Eles me empurraram, me bateram e começaram a gritar “ei menina, cadê teu pai? Cadê teu pai? Onde estão as armas? Onde estão as armas?”. No primeiro quarto, logo após a sala, é que estava o pai de Eliza descansando, quando acordou assustado com um barulho nada normal. - Eles pegaram meu pai, o levaram preso de pijama, não deixaram sequer levar um chinelo de dedo. Eles falavam que meu pai estava indo pra Ilha das Cobras, onde ficavam os presos políticos no Rio de Janeiro. Imagina o desespero de nossa família. Com rancor, Eliza lembra do momento e dos personagens. - Quem prendeu meu pai foi o tenente Belfort, nunca vou esquecer este nome. Ele foi o mais agressivo, um homem truculento, mau, mau! Seu Pante era socialista, mas também era amigo dos adversários partidários. Por isso, sua esposa Yolanda Pante pediu auxílio para o Coronel Bertaso, que não levassem-no para a Ilha 26

EXPERIMENTUS

das Cobras e que ficasse preso em Chapecó, o que foi atendido, segundo Eliza. - Meu pai ficou preso no quartel. Era uma sala sem estrutura alguma, tinha somente colchonete no chão. Ele tomava banho frio, apanhava e sofria muita pressão psicológica. A cidade contava com uma pequena estrutura de segurança publica, os poucos militares que ali estavam para proteger a cidade causavam medo aos cidadãos. A segurança era repressiva, o temor tomava conta da população, não era possível fazer nenhuma manifestação contra o governo militar porque a polícia prendia. No dia 19 de abril aconteceu a cerimônia de casamento de uma filha de Pante e ele foi liberado para assistir a cerimônia, com a condição de que as fotografias fossem feitas na frente da igreja. Em volta do local, um batalhão fazia escolta para que Pante não fugisse. Como em Chapecó Pante era o único preso no quartel, ele recebeu prisão domiciliar porque gerava certa despesa para os militares. O velho nóco, como era chamado, por ser baixinho e italiano, deveria ficar um ano sem sair de dentro de casa, não podia sequer ir no bar da esquina. - Meu pai era terrível, ele tinha a revolta no sangue, não admitia o que tinham feito com ele. Ele ia para o bar e lá fazia seu comício. Os militares queriam prender ele de novo, e nós começamos com aquela luta tudo de novo para que meu pai não fosse levado embora de Chapecó. Foi um ano muito duro – explica Eliza Pante. Já com trauma, a esposa Yolanda Pante não admitia que falassem em política dentro de casa, mas o seu marido não sossegava. Foi ali que o relacionamento do casal começou a desabar. Também perderam a sociedade do hotel que tinham, pois a confiança dos sócios já não existia. Logo após, Yolanda quis a separação. O velho Pante não aceitou a separação de corpos, e ficou por 10 anos morando na mesma casa que a exesposa. - Imagina o clima que tudo isso gerou em nossa vida, foi tudo uma desestrutura emocional e financeira. Meu pai, que sempre foi um homem de muita visão de negócio, começou a perder a vontade, entregava as coisas de mão beijada, fazia negócios mal feitos. Perdeu todo aquele sonho, ou melhor, cortaram o sonho dele, de que um dia teríamos uma sociedade melhor – relata Eliza.


Arquivo CEOM

Imagem publicada no Jornal Folha D’ Oeste, no dia 31 de março de 1970, em alusão ao golpe de 1964


Arquivo CEOM

ECONOMIA

Chapecó é marcada pela expansão agroindustrial A ditadura militar deixou marcas sangrentas na história do país e também afetou Chapecó, que vivenciava um período de crescimento econômico e expansão industrial

Izabel Aparecida Guzzon e Mayara Melegari

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EXPERIMENTUS


Foto: Izabel A. Guzzon

ECONOMIA

O Brasil vinha de um processo de expansão econômica em decorrência da Revolução Industrial brasileira após o ano de 1940, com a criação do Programa de Substituição de Importações (PSI), que iniciou um processo de investimentos em indústrias de base. Além disso, outro fator que colaborou para esse cenário de desenvolvimento está ligado ao advento da segunda Guerra Mundial (1939/1945), quando as nações que dependiam da importação de bens de consumo, como o Brasil, passaram a ter dificuldades em abastecer seus mercados. A consequência gerou a necessidade de implementar a produção para substituir as importações. Para o economista Carlos Martinelli, a ditadura militar que iniciou em 1964 beneficiou a economia brasileira, considerando a sequência de governos populistas em meio a um cenário internacional de bipolarização após a Segunda Guerra Mundial. - Além de estimular o desenvolvimento de uma nova matriz produtiva, também oportunizou ao Brasil a exportação de insumos demandados nos campos de batalhas. Segundo a professora e pesquisadora Rosa Salete Alba, em Chapecó o processo econômico também estava fervoroso naquela época. - As companhias colonizadoras, as madeireiras, os ervateiros e os comerciantes foram os principais agentes no processo de acúmulo de capital em Chapecó, e a produção agropecuária por meio de pequenas propriedades foi fundamental, além de possibilitar o acúmulo de novas riquezas por parte de outros agentes, como os comerciantes. Foi esse acúmulo de capital comercial que deu origem às empresas agroindustriais. Os empresários que chegavam em Chapecó apostaram no potencial de crescimento da cidade, implantando em 1952 a Sociedade Anônima Indústria e Comércio Chapecó, denominada Chapecó Alimentos. - Em 1955 Chapecó tinha aproximadamente quatro mil habitantes e a energia elétrica era distribuída para 600 consumidores por uma companhia privada, onde um dos diretores era o Nelson Varela, que depois construiu mais redes de energia e uma usina em Guatambu. Aí sim novas indústrias se interessaram, o que causou um salto maior no desenvolvimento da cidade – relata o empresário Elírio Cansian, que na época tinha 30 anos. Esses avanços refletiam na implantação de entidades representativas que davam respaldo ao comércio e às indústrias em termos econômicos. Em função disso foi viabilizada a instalação de uma Secretaria de Negócios, que a partir de 1965 passaria a representar o desenvolvimento da região Oeste em âmbito estadual.

Elírio Cansian destaca o grande avanço de Chapecó na década de 1960


ECONOMIA

- Era uma secretaria autônoma e estadual que desenvolveu toda a região, praticamente a parte estrutural das cidades. À sua frente estava Serafim Enoss Bertaso, que através da secretaria, fez com que a Força e Luz (companhia de energia elétrica) fosse vendida para a concessionária Celesc (rede de abastecimento estadual), e assim começamos a ter mais energia - lembra o empresário Elírio Cansian. A presença da Chapecó Alimentos motivou a concorrência agroindustrial do município, fazendo com que outras indústrias como a Sadia também buscasse consolidar sua marca, tanto em Chapecó quanto no Estado. Essa postura dos empresários contribuiu para que o Oeste fosse identificado como uma região de complexos agroindustriais, referência que é mantida nos dias atuais. Naquela mesma época, por volta da década de 1970, os frigoríficos Perdigão, Chapecó Industrial e a Cooperativa Central Oeste Catarinense (Aurora), que prospectavam os mercados de São Paulo e Rio de Janeiro, instalam-se no município. A expansão mercadológica dos frigoríficos, em conjunto com o favorecimento de uma forte política estatal de incentivo à industrialização, necessitava de pessoas para Ano

Urbano

Var. %

1950

9.736

10,08%

20.275

41,08%

96.751

79%

1940

4.128

1960

10.939

1980

55.269

1970 1991 1996

113.988

1998

123.060

2000*

134.592

1997 1999 2006

suprir as demandas de trabalho. Assim, no final da década de 1960 e início de 1970, o número populacional de Chapecó ultrapassava os 18.668 habitantes, que em sua maioria deixavam o campo em busca de emprego e de melhores condições de vida. A referência do aumento populacional também era assinalada em um jornal de circulação na cidade, no qual era identificada como uma das principais metrópoles do Estado, segundo dados divulgados pelo Censo do (IBGE, 1970). Uma década depois da implantação das agroindústrias, aproximadamente em 1980, a população urbana já era de 53.181 habitantes, o que significa que, em menos de 10 anos, triplicou, equivalendo a uma taxa de crescimento de 11% ao ano, considera Rosa Salete Alba ao analisar dados do IBGE. Ainda no período de 1977 a 1981, Chapecó recebia em média 40 famílias migrantes todos os dias. Nesta década, o município teve um acréscimo populacional de 68%, passando de 49.865 para 83.765 habitantes. O gráfico abaixo apresenta o crescimento da população de Chapecó e a variação percentual entre a população urbana e rural do período de 1940 a 2006.

Rural

Var. %

Total

9,31%

40.199

90,69%

44.327

21%

41.150

79%

52.089

66%

86.868 29.590 28.499 83.765

87%

118.548

87,50%

127.821

88,44%

160.855

93%

88%

91,57%

89,92% 59% 34%

96.604 49.865 83.765

21%

123.050

17.026

12,50%

135.371

16.818

11,56%

12.375

7%

26.299 16.823 16.715

13% 12%

8,43%

131.014 139.878 144.536 146.967 172.962

Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010. Disponível em: www.ibge.gov.br. Organizado por Camila Fujita, Rosa S. Alba, Alexandre M. Matiello, Ana L.V.Villela.


ECONOMIA Entre o PIB e a inflação Já em nível nacional, o regime militar posicionava-se para apresentar uma imagem de resolução dos problemas adotando um planejamento econômico que visava o controle da inflação e a restauração do crescimento. Porém, na primeira empreitada, foi controlado apenas o ímpeto inflacionário. Se por um lado a economia havia de fato avançado consideravelmente entre 1956 e 1960, com expansão de quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) e de pouco mais de 60% na produção industrial, por outro os sinais de descontrole macroeconômico eram evidentes. A inflação do PIB, que tinha sido de 11,8% em 1955, acelerou para 25,4% em 1960. Já os pagamentos da dívida externa foram remanejados para serem pagos em cinco anos a partir de 1966, que correspondia a 80% do que venceria em 1961, 70% do que venceria em 1962-1963, 50% em 1964 e 35% em 1965. Para se “armar” contra a situação de crise, umas das estratégias da política econômica do governo militar foi a implantação de planos de desenvolvimento, tendo como grande destaque os Planos Nacionais de Desenvolvimento

Econômico (PND), denominado “Milagre Econômico”, onde a economia crescia em ritmo acelerado com a inflação sob controle. Nesse período a taxa de crescimento do PIB saltou de 9,8% ao ano, em 1968, para 14% ao ano, em 1973. Em contrapartida, a inflação passou de 19,46%, em 1968, para 34,55%, em 1974. - O objetivo era levar o Brasil à condição de economia desenvolvida ao final do século – explica o economista Carlos Martinelli. Na avaliação da professora e pesquisadora Rosa Salete Alba, outras ações prioritárias do governo federal compreendiam o fortalecimento do grande capital nacional e internacional; a descentralização da industrialização do país, através da criação de polos de desenvolvimento no interior do seu território; e grandes investimentos em infraestrutura. Nesse mesmo cenário, Alba considera que o município fazia parte dessa política através da consolidação da agroindústria, recebendo investimentos em sistema viário, facilitando o acesso ao município, o escoamento da produção e incentivos para a implantação das empresas.

A ferro e fogo - Frente a esse período conduzido em regime militar, uma das maiores influências que surgia era a criação de uma geração de pessoas com medo de lutar e se manifestar. A falta de democracia possibilitou que um “bando” de políticos fizesse do Estado uma forma de enriquecimento rápido às custas de benesses pessoais – considera a professora Rosa Alba. Assim como toda situação tem dois lados, a ditadura militar também é apresentada de diferentes pontos de vista. De um lado estão as marcas significativas na história do país, com reflexos na política, educação, cultura e economia que levaram a população a lutar pelos seus ideais. De outro, um massacre que jamais será esquecido pelas marcas sanguentas deixadas na história do país. Para Alba, o Brasil estaria melhor sem a ditadura militar. - O processo de desenvolvimento da democracia e da cidadania do povo brasileiro teria tido maior espaço. Muitas reformas que estavam acontecendo com o governo de João

Goulart estavam trazendo avanços econômicos e sociais significativos para todo o povo brasileiro, seja do campo ou da cidade. Do ponto de vista do economista Carlos Martinelli, ao mesmo tempo em que o país avançou estimulando a educação especializada, o desenvolvimento tecnológico, a expansão energética e de infraestrutura, por outro lado deixou um fardo pesado para os gestores pós-redemocratização. Ele também destaca que, mesmo com a democracia, nossos governantes continuam privilegiando os interesses políticos em detrimento do que é melhor para o país, a exemplo das reformas estruturais como a tributária, trabalhista e previdenciária. - Infelizmente, independente de corrente políticopartidária, a prioridade é a manutenção do poder ao invés de planejar e investir em ações de longo prazo para o desenvolvimento do país. EXPERIMENTUS

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A imposição da ordem em nome do progresso A militarização também estava no sistema de ensino, especialmente no culto à bandeira e nas manifestações de respeito à pátria Caroline Figueiredo e Kélliana Braghini Chapecó, 1964. Um município em desenvolvimento que compreendia na época sete distritos, no momento em que se instaurava a ditadura militar no Brasil: Chapecó, Cordilheira Alta, Figueira, Gôio-en, Guatambú, Itaberaba e Marechal Bormann, conforme dados do IBGE. Com o passar dos anos, a maioria deles desmembrou-se e tornou-se parte do conjunto de cidades que hoje forma a região Oeste de Santa Catarina. Considerada um polo universitário e educacional, atualmente a região possui mais de 20 instituições de ensino superior e aproximadamente 200 escolas de ensino fundamental e médio. 32

EXPERIMENTUS

No período ditatorial, o cenário da educação chapecoense era outro. A cidade era formada basicamente por famílias que tiravam da pequena agricultura sua subsistência. Frequentar a escola não era prioridade. Chegar à faculdade, então, um privilégio de uma considerável minoria. Em geral, filhos homens eram os únicos permitidos a sair de casa em busca de profissionalização, na sua maioria em seminários, já que a formação religiosa era tradicional e uma das poucas oportunidades existentes de ensino superior. A necessidade de mão de obra em casa e as dificuldades estruturais ou financeiras para mandar os filhos para os centros todos


Arquivo pessoal de Pedro da Campo

ENSINO os dias, faziam com que a maioria dos jovens não estudasse, ou desistissem antes de completar o ensino fundamental. Mesmo na educação, a formação do estudante era muito voltada ao trabalho. Conforme o sociólogo Roberto Deitos, não se estimulava o pensamento crítico, mas a ideia de que se deveria trabalhar duro e constituir família para tornar-se um cidadão digno. Neste sentido, foi instituída a disciplina de Técnica para o Trabalho. - A educação era tecnicista, todo o currículo era preparado e centralizado no professor. Ele quem devia formar o aluno para o mercado de trabalho. No Brasil reinava o comando militar, que ditava as regras sociais, educacionais e comportamentais de toda a população. Ai de quem discordasse e descumprisse qualquer decisão vinda de cima. A sociedade estava encurralada, sem poder se manifestar, sem direito de pensar. As instituições de ensino, como formadora de cidadãos, não poderiam passar despercebidas aos olhos fiscalizadores da ditadura. Conforme a professora da Unochapecó, Eli Maria Bellani, estudiosa de fatos históricos de Chapecó e ex-presidente da Unidade Coordenação Regional de Educação (UCRE), as aulas, principalmente em universidades, costumavam ser acompanhadas por oficiais, que prezavam para que se mantivesse a “ordem” no local. Segundo Deitos, as salas tinham portilhas de vidro que eram constantemente observadas pelos chamados “fiscais de corredor”. - Eles fiscalizavam tudo que os professores e alunos diziam em sala de aula. No entanto, de acordo com o historiador Alceu Werlang, a administração chapecoense da época foi favorável ao golpe, e aparentemente não sofreu grandes consequências repressivas. - Em Chapecó não houve maiores resistências ao regime. Fora o PTB do Brizola, aqui não havia esquerda ou sindicatos fortes como em outras regiões do país. A maioria aderiu e apoiou o golpe. Isso é o que diz a história oficial. Algumas mudanças mais pontuais ocorreram nos componentes curriculares da educação básica brasileira, como a oficialização e obrigatoriedade da disciplina de Educação Moral e Cívica. O objetivo era instruir os estudantes em relação aos seus direitos e deveres civis e políticos, além de fortalecer o sentimento de amor e respeito à pátria. As instituições da região também foram submetidas à realização da nova matéria. Além do trabalho desenvolvido em

sala de aula, na formação de cidadãos corretos e que agissem dentro das normas governamentais, eram desenvolvidas atividades externas em datas comemorativas. Através da realização das manifestações cívicas, como desfiles e homenagens aos símbolos nacionais, a escola demonstrava que era um espaço educativo capaz de formar civicamente os cidadãos que teriam o comportamento adequado ao progresso da nação, explica o historiador André Luiz Onghero, em dissertação desenvolvida para o mestrado em História na Universidade Estadual de Campinas. Onghero pesquisou a Moral e o Civismo nos currículos das escolas do Oeste Catarinense a partir de estudos bibliográfico e, principalmente, através das memórias de professores que lecionaram de 1969 a 1993, período em que a disciplina foi instituída obrigatoriamente. O contato com os educadores da época permitiu ao pesquisador perceber que existia nas escolas um clima de apreensão e medo em manifestar opiniões críticas às autoridades e ao governo militar. Ele conclui em sua dissertação que a possibilidade de controle sobre manifestações políticas dos professores ocorria em sigilo através da direção, supervisores e alguns professores que possivelmente atuavam como informantes. O fato é que houve medo, um medo capaz de, em determinados momentos, interferir nos atos dos professores. Ao trabalhar contra a proposta do governo da época, o professor aposentado Jandir Santin, que lecionou a disciplina de Educação Moral e Cívica em 1971, em sua concepção esquerdista, usava as aulas para repassar aos alunos conhecimentos diversos e aquilo que aprendeu na Teologia da Libertação. Assim, apareceram as primeiras censuras, que segundo ele vinham da direção da escola - Eles recebiam recados de gente da polícia e transmitiam para nós. Em 1972, Santin começou a dar aula na Fundeste, onde a orientação era de cautela no conteúdo trabalhado, pois havia policiais à paisana nas salas de aula. Ele acredita que isso ocorria pelo fato das instituições de ensino superior serem formadoras de futuros intelectuais, profissionais com senso crítico, que poderiam pôr em risco o regime. - Neste tempo eu já sabia que a minha ficha estava na Polícia Federal, como alguém que trazia alguns perigos para o regime por conta do tipo de pregação que exercia. EXPERIMENTUS

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ENSINO

Arquivo pessoal de Gelcir Stocco

Repressão implícita

Desfile de 7 de setembro de 1970 da Escola Fábio Estevão de Mattos, na cidade de Planalto Alegre-SC

Diferente da percepção de André, a ex-professora da Escola Reunida Estadual Grêmio da Serraria, em Caxambu do Sul, Nilza Cavalli, não presenciou controle por parte dos militares nas ações dos professores na época. Segundo ela, nunca houve a presença de um oficial nas dependências da escola. Nilza atuou como secretária do Colégio Estadual José Bevilaqua, atual Escola de Educação Básica Adele Faccim Zanuzzo, de Dom José, comunidade do Interior do município de Caxambu do Sul, de 1975 a 1994. Ela explica que os conteúdos eram trabalhados exclusivamente a partir de livros didáticos enviados pelo governo, pouco se elaborava além do que estava neles. - Seguíamos fielmente o que nos era repassado. Nossa escola era tida como uma das melhores da região em questão de disciplina, raramente tínhamos problemas com os alunos – conta, orgulhosa. Para Nilza, a ditadura militar foi vivenciada com naturalidade, não se refletia nem se falava sobre isso, tanto em sala de aula quanto nos corredores escolares. Para ela, não houveram grandes impactos diretos em seu âmbito de convivência. Aposentada, mãe de dois filhos e três netas, Nilza percebe grandes mudanças na educação das novas gerações em relação ao período em que trabalhou na área. A distinção hierárquica era clara. Em primeiro patamar estava o governo, abaixo vinha a escola, a família e, por último, os jovens estudantes. A relação de respeito entre todas as partes, do menor para o maior, existia e era mutuamente executada sem questionamentos. Os mais velhos, cultos e poderosos, deviam ser reverenciados. Mas se não fossem, o que aconteceria? Mesmo não existindo ameaças verbais, Nilza reconhece: o respeito refletia, acima de tudo, o medo de questionar. - Hoje não é mais assim. Se tiver que responder ao professor, ou aos pais, eles respondem. Fazem o que bem entendem. Mesmo vendo essa voz ativa dos estudantes como exagerada, ela admite que a liberdade e domínio das tecnologias e mídias que as crianças e adolescentes de hoje possuem, contribui para a formação crítica e um desenvolvimento intelectual maior, mais rápido e autónomo do que era possível aos cidadãos de 50 anos atrás. - Eles aprendem tudo de uma hora para a outra e não precisam que ninguém ensine – reflete, olhando para as próprias netas. Professora no ano de 1966 em Jaborá, no interior de Joaçaba, Valdira Dacampo, hoje residente em Planalto Alegre, lembra de ouvir boatos, ainda quando estudava, de professores presos pelo Departamento de Ordem Política e


Acervo Ceom\Unochapecó

Fachada da Escola Linha Bento Gonçalvez, na década de 70

Social (DOPS), órgão do governo brasileiro utilizado para controlar movimentos contrários ao regime de poder. Porém, ela afirma que nunca teve conhecimento claro desses casos. O que mais lhe marca a memória da época era a questão dos livros didáticos, que passavam pela fiscalização do governo. Tudo que fosse considerado fora dos padrões militares era proibido. - Existia uma orientação por parte da direção. Nós deveríamos seguir os livros deles e não podíamos de jeito nenhum falar mal do governo. Valdira não lembra de nenhum episódio contestatório, até porque a maioria dos professores da época mal tinham formação. Quem completava o segundo grau já estava habilitado para dar aula. O exercício de reflexão e criticidade não era só reprimido, mas quase inexistente, principalmente em pequenos municípios da região onde a educação, tanto em casa quanto na escola, tinha foco no trabalhar e sustentarse, sem pensar sobre esse processo. Para o ex-professor e atual diretor geral da Secretaria de Desenvolvimento Regional de Chapecó, Gilberto Tomasi, o que mais marcou aquele período e surte influência no contexto educacional até hoje foi a implantação do Avanço Progressivo, em 1971. O modelo educacional não permitia a reprovação do aluno, ou seja, a cada ano todos avançavam de série independente de seu rendimento e aprendizado. Ele considera essa situação um atraso para a educação no Brasil. - Não houve a possibilidade de discussão com a comunidade estudantil sobre as consequências dessa decisão. Os alunos, sem condições críticas de entender a importância que teria o ensino na vida deles, assimilaram muito bem a ideia e os professores não tinham o direito de contestar. Ainda aos 18 anos, Tomasi lecionou para o ensino fundamental na Escola Reunida Julieta Pavan, de Volta Grande, no interior de Caxambu do Sul, que tinha na época aproximadamente 300 estudantes e foi onde teve toda a sua formação estudantil. Ele relembra de um fato que na época lhe abalou bastante. Na primeira participação em uma reunião pedagógica na Escola de Educação Básica Candido Ramos, em Caxambu do Sul, ele foi chamado pela então coordenadora Regional da Educação, Maria Jatir Vents, que disse algo que recorda com desgosto: “E você Gilberto, vê se deixa de ser comunista, deixa de ser MDB”. Situações como essa intimidavam os educadores da

época. - Jamais saiu da minha cabeça a forma violenta como ela falou comigo – revela Tomasi. O sociólogo Robertos Deitos explica que a escola nesse período era utilizada como um dos grandes agentes do regime militar na implementação da ordem e da disciplina na comunidade. - A escola se tornava, naquele momento, um aparelho ideológico de Estado e é, ainda hoje, uma das principais formadoras de opinião, explica Deitos. Quando se tratava de educação, tinha que seguir fielmente a linha do Ministério da Educação (MEC), que naquele momento de ditadura era subordinado ao Estado Maior das Forças Armadas (ENFA), formado por um colegiado de generais da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Estes órgãos eram os responsáveis pela construção das diretrizes educacionais do país. - Se os professores se desvirtuassem das ordens impostas, seus direitos dentro da escola eram cassados. Ou você rezava as orientações do MEC e das Secretarias Estaduais e Municipais, ou você era demitido e, em alguns casos, poderia ser até perseguido e enquadrado, respondendo a processo militar – explica o sociólogo. Através de análise dos livros didáticos de história disponibilizados para as escolas na época da Ditadura Militar, desenvolvida para o mestrado na Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Mariani Aboni Marcelino detectou a necessidade de controle para exercício pleno do poder militar, e a utilização dos livros como instrumento desse domínio. “Era preciso controlar, e uma das formas desse processo era através dos livros didáticos que uniformizavam o ensino dentro das intencionalidades do governo”, relata. Conforme a pesquisadora, a ideologia repressora do governo estava claramente impressa nas páginas dos livros, e a falta de conhecimento histórico, filosófico e sociológico dos educadores da época impedia que se percebesse tal imposição. Ela aponta no estudo que a educação era um meio transmissor para repassar a concepção autoritária da sociedade: “manter a ordem era de grande importância para evitar o caos. Logo o civismo e a moral, com suas concepções de conduta, num plano armado, acalentavam os corações que não sabiam, ou não queriam saber o que se passava”. EXPERIMENTUS

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ENSINO

Ensino Superior

Formatura da 1ª turma de 8ª série da Escola Fábio Estevão de Mattos, em 1977

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EXPERIMENTUS

Em contraponto ao aparente normatismo de alguns locais mais pacatos da região, há quem tenha vivido na pele a sensação de tensão e censura que se fazia presente nos corredores das universidades da região. Um episódio característico da repressão marcou a memória do então estudante de Educação Física na Universidade de Passo Fundo, hoje jornalista formado pela Unochapecó, Gesélio Catalan, em 1975. Conforme Catalan, durante uma prova prática de voleibol, ele e alguns colegas não concordaram com o critério de avaliação. O professor da disciplina era sargento militar. O resultado da contestação foi a convocação dos acadêmicos pelo então reitor da universidade, Bruno Edmundo Markus, cunhado e primo-irmão do General Ernesto Geisel. - Na sala do reitor ele determinou que voltássemos às aulas, ou ele iria cumprir a Constituição. Terminou o encontro com uma tapa encima do livro que continha a Constituição Federal do Brasil – relembra Catalan. Até 1970, os chapecoenses que desejavam cursar uma faculdade precisavam sair do município. Em quatro de julho daquele mesmo ano, uma assembleia geral marcou o início da educação superior em Chapecó, quando nasceu a Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste (Fundeste). Dois anos depois, em 1972, iniciaram as atividades do primeiro curso de graduação: Pedagogia. A Fundeste foi responsável pela constituição da primeira instituição de ensino superior de Chapecó, a Universidade


Arquivo pessoal de Marinês Tonin

do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), que transformou-se em Unochapecó em agosto de 2002. Portanto, mesmo em meio ao pleno exercício do regime militar, a cidade dava seus primeiros passos para a formação superior, que veio a contribuir de forma significativa com o desenvolvimento social e econômico da região com o passar dos anos. O período entre 1964 a 1974 foi o mais crítico do regime linha dura que se instalava no país. As universidades seguiam o modelo educacional oriundo do Acordo MEC/ USAID, imposto por militares, que se tornou público em novembro de 1966. O acordo foi estabelecido entre o Ministério da Educação e a United States Agency for International Development, e teve como objetivo promover a reforma do ensino brasileiro. O programa impunha ao Brasil a contratação do assessoramento norte-americano, além da obrigatoriedade do ensino da Língua Inglesa desde a primeira série do primeiro grau. Essa implantação resultou paulatinamente na exclusão de disciplinas como Filosofia, Sociologia, Latim, Educação Política e Psicologia das grades curriculares dos cursos. - Havia naquela época os ficais pedagógicos. Eles ficavam pelos corredores fiscalizando se os professores estavam cumprindo as ordens. Coincidentemente ou não, é o período em que mais professores e teóricos brasileiros são exilados para outros países – relata o sociólogo Roberto Deitos.

Resquícios na atualidade A sociedade e a educação brasileira ainda sofrem atualmente com os reflexos daquele período, conforme afirma o professor Deitos. Ainda hoje, em algumas escolas, os livros didáticos são seguidos à risca sem que haja uma reflexão em relação ao conteúdo, que na maioria das vezes contam uma história oficial e não necessariamente a verdade dos fatos. - A história contada é romanceada, e é nesse romantismo que perpassa a ideologia através da escrita, a qual ainda revela uma visão positivista. Mas por que os professores continuam seguindo essa linha de pensamento, uma vez que hoje existe a possibilidade de discussão crítica e fundamentada? Deitos explica que isso ocorre porque a formação desses profissionais foi baseada nos preceitos da ditadura militar. Se o período da ditadura ficou marcado pela repressão, Gilberto Tomasi considera o momento liberal e ao mesmo tempo complexo. - Hoje nós estamos vivendo a ditadura do poder. Está tudo muito desigual. A ditadura de quem está no governo e impõe sua força sobre quem não tem essas lideranças. Não é pessoal, mas sim institucional, para se sobrepor aos demais. Acho que estamos precisando de uma democracia mais aberta mais franca, e uma participação mais livre das pessoas, sem usar as instituições para influenciar na decisão que qualquer nível político pode tomar. Foram 21 anos de uma ditadura opressiva e sangrenta. O Brasil viveu na obscuridade sob a repressão dos militares anticomunistas. A educação, ainda que não de maneira clara, sofreu influências de um golpe que marcou a história do país inteiro. Na região Oeste de Santa Catarina, mais precisamente na cidade de Chapecó, a censura educacional era efetivada de tal maneira que os professores não a compreendiam como uma imposição do governo, aparentemente tudo era normal, as diretrizes curriculares sempre vieram de cima, e isso era seguido à risca. O medo de constar nas listas negras do militarismo fazia com que as ordens fossem cumpridas sem maiores questionamentos. Os anos passaram, a ditadura encerrou, os militares deixaram o poder e a democracia foi instalada no país. Todos passaram a ter vez e voz. Mas, será que o Brasil realmente livrou-se das algemas ditatoriais iniciadas em 64, ou a repressão continua intrínseca no dia a dia de uma sociedade que ainda teme calada? São questões importantes, e que ainda merecem ser debatidas.


CULTURA

Calouros, bailes e rock: O lazer de Chapecó em tempos de ditadura Acervo CRC

Everson Chagas Bianchesi

Festa de rock no CRC nos anos 70: visual característico de uma época 38

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Acervo Pessoal

Dar asas à imaginação, até o limite da criatividade humana. Libertar o espírito rebelde, de insatisfação, por meio de ações culturais, usando a antiquíssima sentença: “doa a quem doer”. Pensar, compor e criar eram atividades perigosas e monitoradas no período que compreende 1964 a 1985: a ditadura militar. Durante pouco mais de duas décadas, cantores, atores e demais envolvidos com a cultura popular foram obrigados a usar habilidades quase futebolísticas, driblando censores, políticos e até infiltrados no âmago de seus movimentos. Ir contra a corrente, até não poder desistir, como cantou Chico Buarque no clássico “Roda Viva”, era uma atividade recorrente, mesmo com o apoio estrutural do Estado brasileiro contra qualquer ameaça. Com auxílio dos serviços de inteligência, o aparato militar monitorou lançamentos de músicas, espetáculos e demais atividades culturais, que eram submetidas à avaliação do poder público para sair do papel. “Durante a ditadura militar brasileira, a censura às diversões públicas foi um importante mecanismo de controle utilizado pelo Estado autoritário. Por um lado, elaborando perfis e alertando a polícia política sobre potenciais artistas 'subversivos' e, por outro, tentando impedir a disseminação de obras que questionassem a ordem (fosse esta política, moral ou social)”. É o que revela Cecília Riquino Heredia, historiadora, paulista, mestranda da USP, em seu artigo “Com o veto na ponta do lápis”. O processo de análise das letras da música, em meados de 1970, não era unanimidade. Ainda segundo Cecília, em Brasília os técnicos respondiam a um questionário sobre a letra analisada, composta por perguntas referentes a conteúdo e mensagem da música. Segundo Luciano Guralski, professor da disciplina de história da arte na Unochapecó, quem participava dos movimentos artísticos da época era considerado um perigo em potencial para o Estado. - Alguns artistas participavam de mostras na rua, sem autorização do governo, por isso mesmo já eram considerados subversivos. Não só de músicas que os artistas manifestaram suas cnvicções contrárias à ditadura militar no Brasil. Ainda segundo Luciano, o movimento Pop Art norte-americano, por exemplo, foi apropriado pelos artistas plásticos brasileiros e modificado para atender a uma temática nacionalista. Enquanto os americanos usavamna para criticar o consumismo desenfreado, no Brasil tornou-se instrumento para combater a violência e a censura da época. De acordo com o professor Guralski, algumas ações mostraram-se revolucionárias na época, como a escultura “Tiradentes”, de Cildo Meireles, que usou como subterfugio o herói da Inconfidência Mineira para homenagear os combatentes à ditadura. Ainda no campo das artes plásticas, várias ações eram realizadas e buscavam chamar atenção para o que estava acontecendo no país. - Arthur Barrio jogava trouxas pela cidade para causar tumulto, como se fossem corpos de pessoas que sumiam naquele período.

Último show do Grupo Nozes, em 1982


Acervo CRC

Os tradicionais ‘bailinhos’ eram uma opção na década de 60

Programas de calouros marcaram o rádio chapecoense Anos 60. Época de Beatles e Stones, Woodstock, cabelos compridos, calças bocas de sino e visual característico. No Brasil, Bossa Nova, Jovem Guarda, movimentos de Música Popular Brasileira e a ascensão do Rock marcaram o período. Na região oeste de Santa Catarina predominava a música sertaneja e grupos tradicionais gaúchos. Sob o microfone, a visão de centenas de jovens e adultos ávidos por lazer na maior cidade do oeste catarinense: Chapecó. Sob o palco alguns músicos ansiosos para suas apresentações e com expectativa ainda mais exacerbada quanto à reação do público e ao prêmio que poderiam ganhar. Neste cenário surgiu o programa “Galpão da Querência”, na década de 60, transmitido todos os domingos pela manhã, das 10 ao meio dia, na Rádio Chapecó. Segundo o comunicador da Rádio Chapecó Arlindo Sander, conhecido como Sandrinho, na época o dono da emissora já tinha o objetivo de montar um programa de auditório para a rádio. - A intenção do seu Bohner era ter um programa de auditório, com uma banda da rádio. Toda a quinta a gente ensaiava. Lá, quem se destacava ia para o programa, já quem não dava pra coisa a gente descartava na hora. Nós também cantávamos, fazíamos a abertura e, quando faltava calouro, a gente cantava para preencher o espaço – conta Sandrinho, enquanto espera para anunciar as próximas músicas. No local, um CTG, centenas de pessoas se reuniam no domingo pela manhã. Segundo Sander, havia espaço para abrigar mil pessoas no local. Distribuição de prêmios, por meio de patrocinadores, era uma atividade comum no “Galpão da Querência”. Calçados, roupas de lojas e demais prêmios eram sorteados para o público e para os calouros que se destacavam no programa. O programa teve duração de três anos. Durante o 40

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período, muitos cantores participaram dos programas e são reconhecidos pelos apresentadores atualmente, não como artistas, mas como pessoas com realizações sociais. - De lá saiu gente famosa, cantores e cantoras. Ninguém se tornou profissional, mas hoje são mães de família, tem família formada. Nunca me esqueço, uma das cantoras que mais se destacava era Elisabeth Baraldi – revela Sander. O julgamento do desempenho dos participantes do show de calouros era realizado pelo público presente no local, através de palmas. De acordo com Romeu Roque Hartmann, também apresentador do programa, muitos usavam a tática de levar os amigos consigo para bater mais palmas e ajudar a vencer. Roque e Sandrinho declaram não ter conhecimento sobre censura de cantores e compositores na região. As composições não tinham cunho político e por isso não eram censuradas nem sofriam com o acompanhamento dos militares aos bailes e shows. - A gente fazia umas letras bem bobinhas. Não acho que Chapecó se envolveu com o golpe militar, teve aquele caso com o prefeito cassado, mas com os artistas não tenho conhecimento. Na época também, eu trabalhava o dia todo e não me envolvia com política – afirma Sandrinho. Mesmo com a aglomeração de pessoas no programa dominical, os apresentadores nunca identificaram a presença de militares, mas a orientação era bem clara: política era assunto proibido na emissora, conforme explica Sandrinho. - Censura era total na emissora, mas só na programação. Ninguém se atrevia a falar sobre a ditadura militar. Nós tínhamos uma advertência do diretor da rádio: “vocês não falem em política, senão estarão sujeitos a estar na rua amanhã”. Então pra não perder o emprego a gente não tocava no assunto política.


Opções regionais Arrumar o cabelo. Retirar a roupa mais bonita que abrilhanta seu guarda-roupa. Conhecer novas pessoas. Se divertir com a família, amigos ou simplesmente sair para dançar. A década de 60 não difere de outras épocas nessas atividades, tão corriqueiras até hoje, mas nesse período o que predominou foram opções de lazer escassas. Em meados de 1964, segundo Sandrinho, os ambientes de recreação eram os clubes de dança e os bailes. O Clube Recreativo Chapecoense (CRC) e o Clube Industrial eram os maiores. Além disso, saindo do centro e penetrando nos arredores de Chapecó, encontravam-se os bailões. Muitos jovens chapecoenses, assim como a maioria dos brasileiros, admiravam os grandes cantores da Bossa Nova e Jovem Guarda. Para esse público existia a “Casa do estudante” na cidade, próximo ao colégio São Francisco. – Na Casa do Estudante a juventude se reunia nos domingos à tarde. Era mais uma opção pra turminha da jovem guarda da época – afirma Sandrinho. Além dos clubes, na cidade havia um boliche, atualmente onde é o ginásio de esportes do CRC. Além dos jogos, toda noite bandas se apresentavam no local. De acordo com Sandrinho, muitas bandas vindas do Rio Grande do Sul e Paraná tocavam no local. – Mas era uma opção pra juventude da época. Depois passamos a tocar no Chapecoense aos domingos à noite. E aos domingos nós do restaurante clube chapecoense inventaram de fazer uma boatezinha, onde nós animavamos nos domingos de noite, umas três ou quatro horas de dança. Após o surgimento da dupla “Roque e Sandrinho” surgiu o grupo X5, inspirado no prefixo da rádio Chapecó: ZYX5. No início era um trio, depois o grupo aumentou, com a entrada de José Müller Bohner na guitarra-base; Rogério Wink no contrabaixo; Luís Salvadoretti na bateria; além de Roque no teclado. A banda passou a se chamar “The Jets”. A banda acompanhava os cantores que vinham para a cidade, como na ocasião em que Roberto Leal veio para Chapecó. O visual da banda acompanhou o dos jovens da época. – A gente se apresentava assim: cabeludo, calça boca de sino e era a brilhantina na época. Beatles pra baixo. Na época tinha The Jordans, Rolling Stones, então, a gente copiava dos grandes centros – revela Sandrinho, com certa nostalgia no olhar.

Primeiros Discos Qual a relação entre biologia e música, além do movimento mental e corporal dos humanos ao compor e executar canções? Nos final dos anos 70 isso fez todo o sentido na região oeste de Santa Catarina, já que o primeiro disco independente fora lançado com seu principal single baseado em termos advindos do mundo animal: ectiófago e genicófago. O primeiro disco lançado na região oeste de Santa Catarina foi o álbum “Memórias de um certo louco”, de Ortenilo Azzolini, conhecido artisticamente como Tyto Livi. O disco, de 1977, com quatro músicas, trouxeram composições recheadas de humor, como a faixa que nomeia o disco pioneiro no oeste catarinense: “Por ser acéfalo tornei-me ectiófago. Sou genicófago. É o que me dizem”. Em entrevista para o documentário “Memórias de uma certa escolha”, em 2012, Tyto Livi revela que não teve problemas com a censura da época, já que seu disco fora lançado durante o período da ditadura militar. – Quando fui gravar o disco, o dono da gravadora disse que eu tinha que levar lá pra Polícia Federal. Ficou lá uma semana para os caras ver. O cidadão que me atendeu me disse: “eu vou deferir porque o pessoal não vai entender o que tu falou”. Já o primeiro disco de grupo musical do oeste catarinense foi em 1978, do Grupo Nozes, nome de origem pitoresca, como afirma Carlos Alberto Ficagna (“Billi”), baixista do grupo. – A gente foi tocar em um festival chamado carrossel de atrações. Antes da gente se apresentar nos perguntaram qual era o nome da banda, aí o Tony disse: “A banda é nós”. Então achei que no plural ficava melhor, então ficou banda Nozes. Os primeiros contatos, ensaios e composições da banda aconteceram em Chapecó, no porão da casa de um dos integrantes do grupo chamado Tony, localizado na Avenida Fernando Machado. Uma das dificuldades na época, segundo Carlos, era a financeira. Para juntar dinheiro para gravar o primeiro disco da banda foi preciso vender rifas e tocar em diferentes eventos, quermesses, aniversários e o que mais estivesse à disposição para ter alguma arrecadação. De acordo com Carlos, para o primeiro disco as músicas que integraram o álbum foram as que já estavam prontas, compostas por “Matão”. Além das canções que fizeram parte do disco, outras composições estavam em fase de finalização. A banda se separou em meados dos anos 80, quando Billi recebeu uma oferta de trabalho em outra cidade, desfazendo o grupo Nozes.


Foto Livro: D. José Gomes, mestre e aprendiz do povo

A Igreja e o golpe: entre o apoio e a contestação Relatos revelam a visão de chapecoenses sobre os costumes religiosos e a posição não declarada da Igreja durante o regime militar Djoni Vinícios de Moraes e Priscyla Schulltz

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POLÍTICA E RELIGIÃO

papel fundamental no apoio ao golpe, foi a partir dela que surgiram algumas bases revolucionárias que não aceitavam ter sua liberdade cerceada, conforme explica Camargo. - O avanço das comunidades eclesiais de base, o avanço da teologia da libertação levou, em muitos lugares, as pessoas a se fortalecerem nessa teologia, nesse conjunto de ideias que têm um certo ‘colorido’ marxista, e começaram a se ‘surgir’ contra a falta de liberdade, porque teologicamente, do ponto de vista religioso, é incompatível ser ‘criatura divina’ e não ter liberdade. A liberdade era a condição fundamental para quem é, na linguagem teológica e religiosa, filho de Deus. O papel da Igreja foi reforçado, ainda, pelo fato que os cultos religiosos eram preservados como tal e também pela proteção que a igreja dava para que a sociedade praticasse sua religiosidade. - A igreja católica no Brasil e a igreja protestante foram boa parte da base para a reação contra a ditadura. Ao mesmo tempo que elas foram favoráveis na parte conservadora, a parte não conservadora foi desfavorável e começou a resistência. Os militares podiam chegar em um clube ou na rua, mas eles não podiam entrar em uma igreja e sair matando e prendendo. Então, tinha dentro da igreja um espaço maior para que essa resistência ocorresse – explica o professor aposentado Jandir Santin. Livro: D. José Gomes, mestre e aprendiz do povo

Foi a partir do discurso do então presidente João Goulart em defesa da independência econômica do país e das reformas de base, feito para cerca de 150 mil brasileiros, em 13 de março de 1964 na Central do Brasil, Rio de Janeiro, que os opositores do governo Jango, formados pelas grandes elites e fazendeiros, começaram a se movimentar para a formatação do golpe para depor o presidente. Uma das respostas da sociedade, encabeçada pelos opositores de João Goulart, foi a Marcha da família com Deus pela Liberdade. O movimento organizado pela Campanha da Mulher pela Democracia (Camde) e pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), reuniu diversas organizações que temiam as ações da chamada ameaça comunista. O apoio civil ao golpe que estava prestes a acontecer. — O golpe foi um golpe militar e civil: militar por que teve a ação armada dos militares que tomaram o poder, mas ele também foi civil por que teve apoio de boa parte da classe média brasileira, exatamente a partir da grande marcha para a família. A classe média, que na época era bem mais reduzida que hoje, deu apoio ao golpe, justamente com esse discurso, com esse conjunto de ideias voltadas para a tradição, o conservadorismo e a preservação de valores – afirma o sociólogo e professor César Camargo. Da mesma forma que a Igreja, neste caso Católica, teve

O bispo Dom José e seu discurso em defesa dos pobres, pequenos agricultores e indígenas.


Foto Livro: D. José Gomes, mestre e aprendiz do povo

D. José Gomes (centro) recebeu homenagens e repreensões de João paulo II por seu discurso marcante em favor dos pobres

Os reflexos do golpe e da religiosidade em Chapecó Prestes a completar 70 anos, Santin cuida junto com sua esposa Simone Marcon da livraria Marcelino Chiarello, localizada na casa do casal, no bairro Esplanada, em Chapecó. Quando o golpe militar iniciou, Santin estava com 19 anos e já militava na Juventude Estudantil Católica (JEC) e, apesar de morar os primeiros anos do regime no Paraná, passava as férias com os pais que moravam em Chapecó. Para ele, não houve grandes sinais da presença da ditadura, pelo menos até o ano de 68, devido ao fato da cidade ser de interior: — Eu dividiria as repercussões aqui em Chapecó em três fases. De 64 a 68 praticamente não teve grandes sinais da presença militar e repressão do golpe, mesmo porque era um lugar do interior que tão tinha nenhum movimento de esquerda. Nesse período a própria Igreja, que sempre foi anticomunista, de algum modo estava a favor de que se combatesse o comunismo. No ano de 1964 a Igreja Católica possuía forte influência e detinha quase que a totalidade do povo brasileiro como fiéis. Em Chapecó, da mesma forma, havia a predominância do catolicismo e as igrejas evangélicas ainda iniciavam suas 44

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construções na cidade. Naquele período as igrejas existentes na cidade eram a Católica e as evangélicas, como a Luterana, a Assembleia de Deus, a Metodista, a Batista e, no final da década de 70, a igreja do Evangelho Quadrangular. Conforme Santin, além da Igreja Católica, a Luterana também adotava a Teologia da Libertação, e as demais não se envolviam na questão política, não se posicionando nem a favor nem contra o regime. Porém, para ele, ao não se posicionar a favor dos explorados, por exemplo, já era um uma indicativa do favorecimento de outros, que no caso eram os militares. — Em 68, depois do AI 5, começaram as perseguições aqui. Os primeiros foram filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e com a cassação do prefeito Sadi de Marco é que a população tem conhecimento do regime militar. Nessa época ocorre a vinda do Dom José Gomes para cá, que era bispo de Bagé/RS, e tinha fama de defensor dos pobres, dos trabalhadores, dos sem-terra e dos índios. E justamente nessa época de 68 que ele vem para cá, então começa a ter um certo enfrentamento [da igreja contra os militares].


Revisa O Cruzeiro, de 11 de novembro de 1950.

A partir do AI5 e com as denúncias de tortura é que Dom Paulo Evaristo Arns, atualmente arcebispo emérito de São Paulo, inicia a defesa dos direitos humanos. Em 1968 foi realizada a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Medellín, na Colômbia, onde a Igreja passa a discutir as questões relacionadas aos pobres e a teologia da libertação ganha cada vez mais espaço. Surgem então as Campanhas da Fraternidade e as pastorais como uma forma dos órgãos da Igreja entrarem nas questões sociais. — Algumas campanhas foram bem fortes contra a violência dos militares na violação dos direitos humanos. Os grandes latifundiários e os próprios católicos de direita defendiam e escreviam em colunas dos jornais durante a quaresma na tentativa de neutralizar a pregação da Igreja. Santin comenta, ainda, que por defender os direitos dos pobres, tanto a Igreja Católica em Chapecó como o Bispo Dom José Gomes foram considerados comunistas por parte da burguesia mais conservadora. Diante dessa insatisfação, por volta de 1975, relata ele, a parte conservadora realizou um manifesto contra Dom José, mas que não teve muitos adeptos, devido ao carisma que o resto da população possuía pelo bispo. Além da manifestação houve a ida de uma liderança chapecoense da época ao Núncio Apostólico pedir a transferência do bispo da cidade, e que não obteve resultado. Até o papa teria chamado a atenção do cardeal. — Dom José sofreu repressões do Papa duas vezes. Uma vez em uma visita do papa ao Brasil quando foi saudá-lo recebeu uma repressão, e outra vez quando esteve em Roma. Lá também recebeu uma repressão por toda essa atuação a favor dos pobres, como se fosse uma atuação muito política, segundo o Papa. Atualmente a Igreja Católica também passa por reformulações. A principal delas é objetivada por trazer ainda mais os fiéis para perto da Igreja, a exemplo dos procedimentos de catequese como o Catecumenato Crismal e também a Campanha da Fraternidade. O atual pároco da Diocese de Chapecó, Igor Damo, revela que as Campanhas da Fraternidade são os momentos de discussão da própria Igreja com relação as causas sociais e os problemas enfrentados pela sociedade. Reflexões importantes que trazem para a celebração as dores do povo e fazem o cristão refletir sobre sua própria vida. Duas faces de uma guerra, que mesmo não declarada, censurou e calou a voz de muitas pessoas. A Igreja, de acordo com os chapecoenses entrevistados, teve duas posições fundamentais: tanto de apoio ao golpe, com a Marcha das Famílias; e após a revelação das torturas sofridas pelos opositores do regime, começou a defender a liberdade de expressão e principalmente os pobres, ajudado a modificar a situação do país. Uma história escrita a muitas mãos, muita luta, pregação, e que também teve sangue derramado por ideais, no anseio de um país mais igualitário socialmente.

A torre da igreja matriz de Chapecó, um dos poucos vestígios após a queima em 1950

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POLÍTICA E RELIGIÃO As celebrações como um outro olhar sobre a Igreja

Capa livro: Argos/2012

Durante a década de 60, pouco se sabia sobre o golpe militar, porque os reflexos ainda não eram notados no oeste catarinense. Longe das pressões políticas da época e, principalmente, seguindo as tradições católicas, Salete Lorenzetti, de 61 anos, relembra como eram as práticas religiosas do período. Ela nasceu no dia 04 de julho de 1952, morou boa parte de sua vida no Bairro Engenho Braun, atual Vila Mantelli. Em 1964, tinha apenas 12 anos, e a tradição da família, que era católica, era frequentar a Igreja todo o domingo, não importava a condição do tempo. - Eu lembro que precisávamos atravessar o Lajeado São José, que a gente chamava de Rio dos Índios. Eu tinha uns 10 anos na época. A água vinha até aqui (fala ela, mostrando o joelho) e a gente tinha que tirar os calçados enquanto atravessava. A mãe levava um pano para secar os pés e escondia na capoeira para depois pegar. Salete foi batizada e crismada com cinco anos, porque o bispo vinha para a cidade a cada dois anos, e apenas ele podia sacramentar. Aos oito começou a frequentar a catequese para fazer a primeira comunhão e a duração era de um ano. Ela lembra que Frei João, na época Padre da Paróquia Santo Antônio, ia buscar as crianças que moravam perto da barragem quando chovia para frequentar a catequese. — No dia da comunhão, as mulheres usavam um vestido branco, com véu e grinalda, e os homens uma espécie de terno com gravata. Minha mãe não me acompanhou neste

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dia, apenas uma de minhas irmãs mais velhas, a Dite foi comigo. O meu sapato era grande, enchi de algodão dentro. Minha Irma me fez ir a pé por baixo da ponte, cheguei cansada, com vestido comprido. Lembro que eu queria tirar foto, mas Adite não deixou, me puxou pelos cabelos e me fez ir embora. Não é um dia muito feliz, porque nem a mãe nem o pai me acompanharam – conta. Com alguns gestos manuais, ela relembra este dia marcante na sua vida. — Metade da igreja pra frente era quem passava a comunhão, que enchia, e cada banco tinha uma criança de 10 ou 12 anos, vestidas de anjo, para puxar a fila com as crianças. Tinha um murinho na frente do altar e o primeiro que saia se ajoelhava, e todos se comungavam de joelhos. A Catedral Santo Antônio, já reconstruída após o linchamento, estava cheia de imagens, cada pedaço de altar tinha um santo, e a figura de Jesus estava no centro. Ela conta que a família não costumava falar sobre política, mas seu pai Eugênio Lorenzetti, acompanhado dos vizinhos Angelo Barato e Luiz Franzoni, iam para o centro em reuniões, enquanto os filhos não sabiam nada sobre o golpe. - A gente não se envolvia com política. O pai até tinha algumas reuniões, mas ele nunca falava nada para a gente, porque não éramos diretamente ligados a política.

Segundo a escritora Monica Hass, no livro “O linchamento que muitos querem esquecer”, por volta da meia-noite do dia 4 de outubro de 1950 a Catedral Santo Antonio, feita de madeira, foi incendiada, restando apenas a torre do sino e a cruz de metal que estava retorcida. Romano Ruani, Ivo de Oliveira, Orlando Lima e Armando Lima foram presos, suspeitos de organização e execução do incêndio. Na noite de 17 para 18 de outubro daquele ano cerca de 200 homens invadiram a cadeia onde estavam presos os quatro suspeitos do crime, linchandoos. “Depois de trucidados por tiros, facadas e pauladas, os corpos foram arrastados para o pátio, empilhados e incinerados” (2013, p. 21).


POLÍTICA E RELIGIÃO

1965 – A extinção dos “partidos” Eles também fazem um relato de como era a Igreja na época, principalmente com relação as pregações do então bispo D. Wilson Laus Schmidt. De acordo com eles, existiam poucas religiões conhecidas na época em Chapecó. Como os reflexos do golpe militar chegaram tardiamente ao oeste, naquele ano a presença da polícia nas ruas era pouco notada. — Naquela época os casamentos eram os grandes eventos religiosos. Pouco se falava de política em casa, e nas celebrações também não tinha muita coisa relacionada. Era mais rezar mesmo, fazer penitência e não pecar. Pena que hoje as pessoas não pensam mais assim - relata Lúcia. — Algumas mortes a gente ficava sabendo que aconteciam, mas não lembro bem certo em que ano foi. Até porque a gente nunca foi muito de política, tínhamos muito trabalho e pouco tempo – conta Casemiro. Acervo Pessoal

Um ano depois de instaurado o golpe militar no Brasil, mais precisamente em outubro de 1965, o então presidente Castelo Branco assinou o Ato Institucional número 2, ou AI-2, que ampliou o poder Executivo Federal e estabeleceu eleições indiretas para o presidente da República e a extinção dos partidos políticos. Com as medidas adotadas, tem início então o bipartidarismo, com a criação das agremiações políticas Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). A exemplo de Castelo Branco, mas bem longe das pressões políticas, em 09 de outubro de 1965 Casemiro Schultz, de 22 anos, também extinguiu possíveis “partidos” ao se casar com Lúcia Schultz, de 21 anos, em Chapecó. — Ela era uma moça namoradeira e bonita, sempre bemvestida, precisei me adiantar – revela Casemiro.

Casamento de Casemiro e Lucia Schultz, em outubro de 1965, um ano depois de iniciado o período da ditadura militar Experimentus

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OPINIÃO PÚBLICA

Pesquisa revela opinião de chapecoenses sobre o golpe Estudo realizado em 1993 retratou a opinião popular durante a eclosão do movimento militar Pricila Lira Os reflexos que o golpe de 1964 deixou na região Oeste de Santa Catarina e a percepção da população sobre o movimento foi objeto de preocupação dos acadêmicos do quarto período do curso de História da então Unoesc Chapecó, hoje Unochapecó, no ano de 1993. A pesquisa intitulada “Chapecó em 1964” foi desenvolvida por 19 alunos durante a disciplina de História do Brasil, coordenada pela professora Eli Maria Bellani. - Desenvolver a pesquisa foi uma iniciativa dos alunos. A ideia surgiu durante uma conversa em sala de aula – explica Eli. Dentre os objetivos que levaram os alunos a desenvolver a pesquisa estava a possibilidade de identificar o entendimento da população oestina sobre o movimento

de 64, além de servir futuramente como memória de uma época em que Chapecó tinha apenas cerca de seis mil habitantes e estava em fase da implantação da sua estrutura agroindustrial. Naquele momento a cidade também passava a ter mais influência regional, com a estruturação dos veículos de comunicação, a chegada do telefone e a construção de rodovias ligando a cidade a outros pontos do estado. A professora Eli Bellani justifica a importância da pesquisa 50 anos depois do golpe. - O material que contém na pesquisa é riquíssimo, pois os depoimentos são fortes e possui grande carga de informação, e dificilmente poderiam ser coletados hoje.

O perfil dos chapecoenses em 1993 Para atender aos objetivos da pesquisa, foram aplicados 96 questionários na cidade de Chapecó. Destes, 68,85% são homens; e 31,2% mulheres. A idade da população pesquisada variou de acordo com o sexo dos entrevistados. Com relação à idade, a maioria (55%) dos respondentes tinha mais de 50 anos na época. Perfil dos Entrevistados Idade 31 a 40 anos

Feminina 5,2%

Masculino

Total dos entrevistados

6,2%

11,4%

42,8%

55,3%

41 a 59 anos

13,5%

19,8%

Total

31,2

68,8

Mais 50 anos

12,5%

33,3% 100

O nível de escolaridade dos entrevistados também foi levado em consideração. Em 1993 a escolaridade era dividida por primário, ginásio (ensino fundamental de hoje) e segundo grau, atual ensino médio. A maior parte dos entrevistados (32,3%) estudaram apenas até o primário. Entre os que ocupavam um espaço nos bancos da universidade, as mulheres eram maioria dominante. Quando a pesquisa foi realizada, em 1993, 35,6% dos entrevistados residiam há mais de 40 anos na região Oeste, representando a maioria. Foram estes que conseguiram dar um testemunho mais aprofundado do fato e do reflexo do golpe na região, pois durante a ditadura já residiam no Oeste.


OPINIÃO PÚBLICA O golpe e suas consequências A maioria dos entrevistados no ano de 1993 (58,4%) considerou o Golpe como um fato que não deixou reflexos apenas negativos para a população, enquanto 41,6% foram críticos ao fato. Posição dos Chapecoenses entrevistados sobre o golpe O golpe não deixou reflexos apenas negativos

58,4%

O golpe deixou reflexos apenas negativos

41,6%

Perguntados sobre os motivos que levaram ao Golpe, 81% classificaram que o Brasil vivia um “desgoverno”, como justificou um entrevistado de 50 nos na época: “reinava no país a anarquia promovida pelo governo de João Goulart. A seu mando, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a União Nacional dos estudantes (UNE) promoviam um rosário de greves por todo o país. A inflação […] atingia o patamar de 100% ao ano. O desemprego era crescente”. O medo do comunismo e a oposição às reformas de base foram outras duas razões apontadas pelos entrevistados por ter ocorrido o golpe, como relatou outro entrevistado: “eu morava no Rio de janeiro quando eclodiu o movimento, presenciei tudo. O ônibus em que eu viajava para ir trabalhar foi apedrejado em plena Avenida Brasil. Tive que voltar a pé para casa. Os motivos supostos, é claro, foram baderna e medo de que o comunismo se instalasse no país”. Já outra entrevistada, de 39 anos, disse que os militares

convenceram a população que era necessário o golpe para mandar embora os comunistas. “Eles nos ameaçavam dizendo que se o comunismo fosse instalado no Brasil as pessoas não teriam mais emprego”, justifica. Outra motivação, na avaliação de parte dos entrevistados, seria a insubordinação do militares. Para eles, os militares deram o Golpe para atender aos seus interesses, pois eram contrários aos interesses governamentais. “O golpe foi porque os militares achavam que podiam administrar melhor o Brasil do que os presidentes. Os militares não aceitavam que o Brizola comandasse uma revolução contra eles […]. Os militares caçavam aqueles que não concordavam com a ditadura deles”, afirmou uma moradora de Chapecó. Dentre os que avaliaram o golpe como necessário e útil para o Brasil, um dos entrevistados afirmou que “era melhor a ditadura, vida boa foi naqueles anos, não tinha roubo, nem perseguição, depois estragou-se tudo”. Já para um morador do antigo distrito de Xanxerê, que residia na região há 52 anos, o Golpe foi positivo, pois só confirmou o que já acontecia no país: “os militares já mandavam no país desde a morte de Getúlio Vargas, e achavam que estavam sendo “trouxas” em não governar a nação, já que eram consultados pra qualquer coisa”. Outro ponto levantando em diversos depoimentos era que na época do golpe o civismo era maior, primeiro pelo medo e, segundo, pela forma que a educação era repassada.

Motivos da eclosão de golpe de 1964, na opinião dos entrevistados


OPINIÃO PÚBLICA

Preferência política A pesquisa também levantou as preferências políticas dos respondentes no ano de 1993. Segundo o estudo, 60% não possuíam nenhuma filiação partidária. Dentre os que possuíam filiação, o que detinha o maior número de filiados (13,5%) era o Partido Progressista Reformador (PPR), que surgiu de uma fusão entre o Partido Democrático Social (PDS) com o Partido Democrático Cristão, tendo como sua

maior expressão Paulo Maluf. A maioria dos que não eram filiados a nenhum partido político possuíam simpatia com alguma sigla partidária, especialmente com o PPR, que estava no poder do país. Porém, 72,9% dos entrevistados não quiseram opinar sobre a sua preferência partidária, argumentando que quem é contra o governo sofre represálias ou é esquecido pelo governo.

Preferências partidária

A pesquisa realizada em 1993 retrata, de forma geral, alguns reflexos do momento que o Brasil vivia em 1964 e como parte dos chapecoenses interpretaram tal fato. Além de retratar os medos, revela os reflexos econômicos e sociais que os 21 anos de regime militar deixaram de herança.



INFRAESTRUTURA

Período militar é marcado por obras estruturais em Chapecó Paloma Rodrigues e Jessamine Pereira Chapecó, hoje considerada a capital do oeste de Santa Catarina, sofreu muitas modificações do decorrer dos anos. No período da ditadura militar, os acessos ao município também eram discutidos e planejados pelo governo. Prefeito nos anos de 1966 a 1969, Sadi José de Marco teve seu mandato interrompido após ter sido cassado pelos militares no dia 29 de abril de 1969. Foi em sua administração que o acesso à BR-282 foi viabilizado. De Marco defendia a construção do prolongamento que passasse por Chapecó, e acreditava que sua cassação acabou sendo injusta para a sua carreira política, por ter sido um político ativo, que lutava pelo crescimento do município e da maioria pouco beneficiada. Muitos eram contra a construção do prolongamento, principalmente ativos políticos de Joaçaba e Xanxerê que planejavam fazer com que a rodovia passasse apenas por estas cidades, até sair direto em São Miguel do Oeste. Sadi de Marco, através de seus discursos considerados polêmicos, comentava que a obra ganhou apoio inclusive

do governo militar. O professor de História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Claiton Marcio da Silva, conta que na administração de Sadi Jose de Marco (1966-1969) a ideia que se passava de Chapecó para os visitantes e para as novas gerações da cidade “era uma cidade em que o progresso caminhava a passos largos”. O professor ainda relata sobre uma matéria publicada no jornal “Folha do Oeste”, de 11 de março de 1967, em que o jornal fez um balanço das atividades da administração municipal de 1966, dando ao prefeito o título de “campeão de calçamento”. Para aquisição de máquinas rodoviárias no ano de 1966, foram gastos, segundo a mesma matéria mencionada, 550 milhões de cruzeiros, demonstrando que as atividades estavam voltadas a estruturar o município para o crescimento. O mesmo jornal, de acordo com o professor, em matéria intitulada “Prefeito campeão em calçamento”, tece elogios ao jovem prefeito. Dizia a reportagem: “segundo especialistas (...) em apenas nove meses de gestão já calçou

Avenida Getúlio Vargas já ganhava forma e paisagismo na década de 60 52

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Victorino Zolet

mais de que todos os prefeitos individualmente nos seus quatro anos.” Segundo o professor Claiton, também foram prioridades em 1967 a conclusão de obras do canal Passo dos Índios e demais obras para o “embelezamento” da cidade, a exemplo de canteiros na avenida central com bancos e um chafariz na Praça Coronel Bertaso. As obras da administração municipal, no ano de 1966, renderam ao prefeito municipal a escolha do “Prefeito do ano”, em escolha feita pela Associação Oestina de Imprensa e Radiodifusão (AIRA). Ainda foram mencionadas pela AIRA as obras de conclusão da rodovia Goio-Ên, como destaque rodoviário; a ampliação do aeroporto de Chapecó, enquanto destaque aéreo; e a iluminação a mercúrio da Avenida Getúlio Vargas, que recebeu o título de destaque de urbanismo. De cidade simples e pacata, onde todos se conheciam, Chapecó teve uma significativa transformação. Essa mudança foi significativa na década de 50, mas seu auge foi nos anos 70, com a implantação das agroindústrias na região, como conta Terezinha Maria Barea Pinto, em sua pesquisa de pós-graduação em história realizada no ano de 2006. Através de uma pesquisa feita pelo IBGE, verificou-se que a população aumentou de 44.199 habitantes no final da década de 1960, para 65 mil habitantes em 1975, e 78 mil em 1978. Terezinha afirma que as indústrias começaram a se instalar em Chapecó em 1972, a partir da Sadia Avícola S.A. Além disso, o comercio varejista, a prestação de serviços, sendo em boa parte nas áreas de alimentação e comércio, começavam a se desenvolver. Ela ainda comenta que a limpeza pública deixava a desejar para uma cidade que já se apelidava de “Capital do Oeste”. A iluminação pública atendia 70% das vias públicas, e muitos reclamavam da falta de lâmpadas na cidade. Com o aumento populacional houve uma compreensão de que era necessário uma reforma da cidade, modificando praças e avenidas para atender a demanda por uma nova estética urbana. Começava a crescer o número de indústrias, e as mudanças começaram a ser notadas. Um exemplo citado por Terezinha em sua pesquisa era a praça central, desnivelada e sem melhoramentos, foi substituída e ganhou diversos monumentos. A cidade também foi melhorando com outras praças, como a Emílio Zandavali, localizada na Rua Júlio Cezar, no centro, próximo ao colégio Marista; e a Túlio Fontoura, localizada na Rua Rio de Janeiro, próxima ao Colégio Zélia Scharf. Com o crescente progresso, as ruas que tinham

condições precárias foram substituídas por um sistema viário com calçamento e asfalto. Com o passar dos anos a cidade foi se transformando em um moderno centro regional. Na pesquisa feita por Terezinha, a mesma traz uma parte do “Projeto chapecoense de desenvolvimento”, executado durante o governo de Altair Wagner, que foi de 1973 a 1977, que dizia que “a cidade crescerá fisicamente 50% e será necessário atendê-la com rede de água, rede de escoamento pluvial, rede de esgoto sanitário e ruas pavimentadas. A cidade exigira como polo centralizador do Oeste um aeroporto com capacidade para aeronaves médias e executivas para contato com as principais praças do estado e do país. [...] Dentro dum conceito nacional, a cidade de Chapecó deverá ter 80% de suas ruas pavimentadas”. Atualmente Chapecó conta com o aeroporto Serafin Enoss Bertaso, inaugurado em 18 de março de 1978. Em 1973 é criada pelo governo estadual a CASAN (Companhia de Águas e Saneamento), a qual veio para Chapecó e foi incumbida para tentar solucionar os problemas relacionados ao saneamento e abastecimento de água na cidade. Havia na época uma campanha de erradicação do analfabetismo em Chapecó, o CERRAC. O projeto CERRAC tinha como intenção a alfabetização dos adultos. Esta campanha vinha ao encontro de novas perspectivas pensadas para a cidade. Com a vinda das agroindústrias para a região, as mesmas necessitariam de mão-de-obra com pelo menos o que era considerado básico, pessoas sabendo ler e escrever. Terezinha menciona que o prefeito Altair Wagner apoiava o regime militar, porém ele trouxe muitas contribuições para a cidade, o que influenciou seu desenvolvimento. O espaço urbano remodelado a partir do governo de Altair Wagner seguiu o traçado original do Plano diretor concebido pelo Coronel Bertaso, ainda em 1931, que assim se apresentava: “a empresa Bertaso concebeu um desenho urbano de largas avenidas em xadrez, partindo de uma praça central, da qual saem, por pequenas extensões, quatro avenidas radiais quebrando a penperdicularidade da malha central. Quis o empresário dar-lhe um traçado monumental que fosse propicio ao seu desenvolvimento futuro”. O crescimento das empresas ligadas as agroindústrias, na região oeste, como SAIC, o frigorífico Marafon, Aurora e Sadia, teve grande incentivo devido à grande disponibilidade de matéria prima, mão-de-obra abundante e barata, dentre outros fatores como os incentivos governamentais, doação de terrenos, isenção de impostos e terraplanagem. EXPERIMENTUS

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Novos moradores Com a grande quantidade de pessoas que migravam para Chapecó, a população aglomerava-se em áreas que mais tarde seriam consideradas nobres. O acúmulo de pessoas na década de 70 estava gerando uma inquietação da elite chapecoense. Paulo de Oliveira Gomes, no período em que estava cursando licenciatura em história, baseou seu trabalho final na ação da igreja católica no bairro São Pedro. Na pesquisa ele explica que a população nobre daquela época chamava as inúmeras famílias que surgiram de “intrusos”. Os chamados “intrusos” iam se estabelecendo ao redor, formando cinturões de barracos. Sempre chegavam novos posseiros, eram pessoas pobres, que moravam em barracos nos arredores da cidade. Gomes relata um fato que Ernesto Pasqualli conta sobre a empresa Bertaso, onde a mesma realizava despejos na década de 60 de expropriados. A empresa tinha o objetivo de impedir a proliferação de barracos de lonas pela cidade, assim os “intrusos” eram retirados da região urbana e levados para uma região de terra a cerca de três quilômetros da cidade, aonde mais tarde viria a se tornar o bairro São Pedro. Para a população, os intrusos iriam destruir a imagem do progresso que a cidade estava conquistando. Documentos da Ação Social Diocesana, criada pelo Bispo D. Jose Thurler, dão conta de que em 1965 já eram 82 famílias que habitavam a região do São Pedro. Em 1968 Chapecó reconhecia o local como sendo um loteamento.

Crescimento da cidade resultou na construçã Getúlio V

Desenvolvimento por planos Uma publicação da revista da prefeitura municipal de Chapecó, em Agosto de 1977, trazia um plano para ajudar a melhorar a cidade. Era o chamado Plano Ordinário de Pavimentação. O chamado POP era, segundo o documento, “uma necessidade fundamental para que nossa cidade, além de ter um trânsito ordenado, ter também um crescimento harmonioso. Quando concluído duplicara a rede asfáltica atual. Sua rua irá mudar para melhor, mais bonita, mais limpa, mais segura. Uma contribuição que você pagará a longo prazo.” Sergio Roberto Scheffer publicou, em sua monografia sobre a concepção desenvolvimentista na região oeste, que na visão da população daquela época a região era rica e 54

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Victorino Zolet

Um relato próximo

ão do terminal da família Palmas na avenida Vargas

tinha tudo para dar certo. Faltava apenas os investimentos do governo do estado, que até a década de 60 pouco ou quase nada tinham feito pela região oeste. Foi durante o governo de Celso Ramos (1960-1965) que se criou a Secretaria dos Negócios do Oeste (SNO), em 1963, descentralizada da capital com sede em Chapecó. Com a instalação da SNO e com as ações que o órgão propunha realizar, a região apresentava agora todas as condições necessárias para alcançar seu desenvolvimento e possibilitando a expansão econômica da região. Serafim Enoss Bertaso, filho do Coronel Ernesto Bertaso, foi indicado para ser o primeiro secretário a dirigir a SNO.

Jornalista e radialista, Gesélio Luiz Catalan lembra dos dias de escola na década de 1969. Filho do ex-vereador Nelson Catalan, que fazia parte do poder legislativo na mesma época que Sadi de Marco governava Chapecó, Gesélio afirma que os dias de escola eram muito melhores que os dias atuais. Hoje com quase 60 anos, Catalan conta que a infraestrutura da Escola de Educação Básica Bom Pastor, na época de ditadura militar, era superior à infraestrutura das escolas municipais de hoje. Por telefone, Gesélio descreve a imagem que vê todos os dias da janela da sua sala de trabalho: a velha caixa d’água da escola onde estudou, comparada à imagem que olhava há 50 anos: - A estrutura da escola era muito melhor que a de hoje. Meu trabalho fica praticamente nos fundos da escola. Estou olhando pra essa caixa da janela, e não tenho dúvidas do que estou falando Geselio ainda conta que agradece ao regime militar, pois na época ele aprendeu o que era disciplina dentro do colégio, com as irmãs Franciscanas, e o governo militar lhe ensinou sobre disciplina fora da escola. Atualmente, Chapecó vem modificando a estrutura da cidade com obras estruturais em vários pontos da cidade.



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