A comuna 30

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2013

TRIMESTRAL

ABRIL-JUNHO

Nº30

Lutas do trabalho na Ásia Dossiê organizado por Carlos Santos

Marcuse

e a alienação do PÁG 56 socialismo Por Luis Fazenda

PÁG 04-52

10º ANIVERSÁRIO


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inside

dossiê

dossiê

A luta dos trabalhadores nas “fábricas do mundo”

China em Revolta

dossiê Índia: Operários da Suzuki lincham gestores e 40 vão para o hospital Libcom.org

dossiê

Eli Friedman

Carlos Santos

Propriedade União Democrática Popular-Associação Politica Rua de São Bento, 694 1250-223 Lisboa Correio eletrónico geral@acomuna.net Site www.acomuna.net Registo na ERC nº124204 Diretor Bruno Góis

Design Maria João Barbosa Periodicidade Trimestral

Índia: Quando cem milhões de pessoas fazem Greve Geral de dois dias Carlos Santos

A revolta dos (i)scravos: as revoltas laborais na Foxconn chinesa

Libcom.org

dossiê

Indonésia: Greve geral contra a precariedade, a “escravatura moderna” Carlos Santos

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Participam Adriana Rosa Delgado Alejandro Teitelbaum Ana Cansado Bruno Góis Carlos Guedes Carlos Santos Eli Friedman Fabian Figueiredo Lídia Pereira Luís Fazenda

dossiê

A catástrofe do Bangladesh: uma amostra grátis do capitalismo mundializado Alejandro Teitelbaum

dossiê

Lutas do trabalho na Ásia Oriental, no primeiro semestre de 2013

dossiê

Lutas do trabalho na China, no primeiro trimestre 2013

53 56 61 cultura

Playtime (1967)

Adriana Rosa Delgado

teoria

Marcuse e a alienação do socialismo Luis Fazenda

teoria

Da instrumentalização da utopia

Lídia Pereira


editorial

Porquê a Ásia? Porquê os trabalhadores? 1. Nesta era de grandes transformações, a crise financeira de 2007-2009 foi o embate que fez a terra tremer, e é toda uma nova geografia que se forma ao calor da luta de classes. Aqui afundam continentes, ali emergem países. O vento das grandes mobilizações populares enfrenta as ondas da grande repressão. Do outro lado do Atlântico, os protestos iniciados contra o aumento dos transportes em São Paulo logo se estenderam territorialmente e a causas mais amplas. Dos dois lados do Egeu, o parque de Taksim Gezi, na Turquia, e a estação de televisão ERT, na Grécia, erguem-se em bandeira de uma luta maior dos povos contra o autoritarismo e a austeridade. O tempo é de lutas mais duras, não é de vitórias mais fáceis. Cresce a ânsia antissistémica frente à radicalização da exploração e da opressão, e nem sempre é a esquerda quem ergue a bandeira, muitas caem pelo caminho. Na Hungria avançam o conservadorismo radical e o neonazismo. Na Itália o anti-político Beppe Grillo tem 26%. Na Bulgária é desconvocada a Sofia Pride por medo da violência homofóbica. Enquanto, na Grécia e em França, o crescimento da extrema-direita, representadas pela Aurora Dourada e pela Frente Nacional, só encontra oposição forte na firmeza da Esquerda Radical grega (SYRIZA) e da Frente de Esquerda francesa. É em tempos destes que sentimos que fazemos a nossa própria história, mas não a fazemos como queremos, não nas circunstâncias escolhidas por nós (Marx 1852). É preciso consciência crítica dessas circunstâncias. E quando o centro geopolítico e geoeconómico do mundo gira para o Pacífico, é importante a pergunta: O que sabemos nós sobre as lutas do trabalho na Ásia? 2. O segundo número do décimo aniversário da revista A Comuna pretende contribuir

10º ANIVERSÁRIO

para preencher essa lacuna grave para a esquerda europeia, o desconhecimento generalizado das “Lutas do Trabalho na Ásia”. Neste número, um dossier organizado pelo Carlos Santos leva a saber mais sobre “a luta dos trabalhadores nas fábricas do mundo”, viajando pela “China em revolta”, passando pela “revolta dos (i)scravos” na Foxconn chinesa, assistindo na Índia ao que acontece “quando cem milhões de pessoas fazem Greve Geral de dois dias”, ou quando os “operários da Suzuki lincham gestores”, vendo na Indonésia uma “greve geral contra a precariedade”, e ficando com uma “amostra grátis do capitalismo mundializado” na observação critica da “catástrofe do Bangladesh”. Finalmente à profundidade das abordagens anteriores acresce a panorâmica das “lutas do trabalho na Ásia Oriental, no primeiro semestre de 2013” e das “lutas do trabalho na China, no primeiro trimestre 2013”. Na secção cultural, Adriana Rosa Delgado analisa o filme Playtime de Jacques Tati (1967), obra em que o autor “não olhou a gastos para que o filme fosse a tradução exata do que idealizara” e o urbanismo é usado “para criticar a uniformidade da cidade moderna”. Lídia Pereira discute a “utopia concreta e coletiva” como princípio revolucionário e aborda a temática da “instrumentalização da utopia” destacando a capacidade do sistema capitalista para cooptar a crítica, privando-a do seu caráter emancipatório, “e torna-a uma ferramenta ativa da sua continuidade e manutenção”. Em “Marcuse e a alienação do socialismo”, Luís Fazenda recorda que “a ideia de que o socialismo se podia fazer sem os trabalhadores é uma originalidade de Herbert Marcuse”. Dialogando com a obra do autor, contrapõe aos “arautos da erosão da centralidade do trabalho” a defesa da exploração como categoria económica e a superioridade do contributo de Marx, dado que “em 160 anos não foi descoberta outra teoria coerente para superar o capitalismo na roda sinuosa da história social”. Bruno Góis

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A luta dos trabalhadores nas “fábricas do mundo” Carlos Santos

(...)os trabalhadores da Ásia estão a lutar ativamente e cada vez mais e mais organizadamente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcançaram após a segunda guerra (...) Para este trabalho, partimos com uma pergunta: Perante o atual crescimento económico da Ásia, como estão os trabalhadores desse continente a lutar pelos seus direitos? Ou seja, como estão as lutas pelos direitos no trabalho e pelos direitos sociais na Ásia de hoje? Não tenho pretensão de ter uma ideia completa de resposta à interrogação. No trabalho deste dossier procuramos apenas um pequeno retrato dessas lutas e neste artigo estabelecer alguns traços importantes sobre a situação e evolução das lutas do trabalho naquele continente. Lá como cá No entanto, este trabalho confirmou plenamente o que suspeitava: os trabalhadores da Ásia estão a

lutar ativamente e cada vez mais e mais organizadamente pelos seus direitos sociais, pelas mesmas conquistas, que os trabalhadores norte-americanos e europeus alcançaram após a segunda guerra e que em Portugal só foram alcançadas após a Revolução de Abril. Conquistas e direitos sociais que se encontram hoje na Europa, sob o brutal ataque dos governos europeus de direita e da troika. A luta que travamos atualmente em Portugal e na Europa em defesa do Estado Social, tem parceria na luta que os trabalhadores da Ásia travam pelos seus direitos elementares. Mas o seu combate pelo direito ao trabalho, a melhores condições de vida, a salários reais mais elevados, à liberdade de organização no trabalho e em sindicatos é afinal semelhante, embora em níveis e situações muito difer-

entes, à luta de portugueses, espanhóis e gregos contra o roubo de direitos, contra os ataques às reformas, à segurança social, aos salários. E, por exemplo, as 10 reivindicações da greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na Índia, não permitem qualquer dúvida. China e Índia duplicam PIB em menos de 20 anos O Relatório do Desenvolvimento Humano 20131 assinala a profunda transformação nos países do Sul, a que chamam “a ascensão do Sul”, salientando o rápido crescimento económico de China e Índia nos últimos 20 anos:

“A Grã-Bretanha, onde a Revolução Industrial teve origem, levou 150 anos para duplicar o a comuna 04


dossiê A luta dos trabalhadores nas “fábricas do mundo”

No “velho mundo”, as deslocalizações criaram cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos países do mundo industrial, levaram ao abandono dos campos e à proletarização de milhões de pessoas

produto per capita e os Estados Unidos, que se industrializaram posteriormente, 50 anos. Ambos os países possuíam populações inferiores a 10 milhões de habitantes no início do respetivo processo de industrialização. Em contrapartida, a China e a Índia iniciaram a atual fase de crescimento económico com cerca de mil milhões de habitantes cada, tendo cada um dos países duplicado o seu produto per capita em menos de 20 anos - uma transformação que abrangeu cem vezes mais pessoas do que a Revolução Industrial.” E essa profunda transformação económica acarreta inevitavelmente alterações em todos os âmbitos, nomeadamente nos terrenos social e ambiental, e até geopolíticas. As fábricas do mundo Nos últimos 30 anos, a globalização capitalista levou à transferência de grande parte da produção industrial para a Ásia. Muitas empresas deslocalizaram a sua produção dos Estados Unidos e da

Europa para aquele continente. A China foi o país que mais recebeu novas fábricas, mas a industrialização não ficou por aquele país apenas. A par da China a deslocalização verificou-se também para a Índia, para a Coreia do Sul ou para Taiwan, e depois destes países para a Indonésia, Bangladeche, Camboja e outros países asiáticos. As transnacionais, primeiro motor dessas transferências, procuravam com essa migração duas coisas: em primeiro lugar, mão-de-obra mais barata e, em segundo lugar, novos mercados. Mas essa transferência, foi muito para além desses objetivos, provocando mudanças na geopolítica, na economia e nas finanças mundiais, no ambiente, em todas as sociedades e, inevitavelmente, na vida de muitos e muitos milhões pessoas. No “velho mundo”, as deslocalizações criaram cidades-fantasma, desemprego, endividamento. Nos novos países do mundo industrial, levaram ao abandono dos campos e à proletarização de milhões de pessoas. O salário globalizou-se e desvalorizou-se para

quem vive e trabalha no “velho mundo”. Os novos proletários asiáticos enfrentam problemas semelhantes aos dos proletários europeus de há 200 anos, mas com as caraterísticas do século XXI e daquele continente. Nos últimos dez anos, estas profundas alterações no trabalho levaram a uma urbanização acelerada na Ásia, com todas as consequências positivas, mas também negativas. Por exemplo, entre 2000 e 2012, a população urbana passou no Bangladeche de 23,6% para 28,9%, na Tailândia de 31,1% para 34,4%, na Índia de 27,7% para 31,6%, na Indonésia de 42,0% para 51,5% e na China de 35,9% para 51,9%. Com estas alterações, o chamado “mercado de trabalho” da China tornou-se no maior do mundo, com 795,4 milhões de trabalhadores, segundo os dados mais recentes2 , enquanto o da Índia abrange já 498,4 milhões de pessoas. Estas transformações levaram a que milhões de pessoas saíssem de uma situação de pobreza extrema. De acordo com o Relatório do Desenvolvi-

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dossiê A luta dos trabalhadores nas “fábricas do mundo”

Os novos proletários asiáticos enfrentam problemas semelhantes aos dos proletários europeus de há 200 anos, mas com as caraterísticas do século XXI e daquele continente. mento Humano 2013, já citado, a percentagem de população que vive com menos de 1,25 dólares por dia baixou, nos últimos 20 anos, de 60,2% para 13,1% na China e de 49,4% para 32,7% na Índia. Só na China, entre 1990 e 2008, 510 milhões de pessoas conseguiram sair da situação de pobreza extrema. Quando milhões mudam de perspetivas de futuro No entanto, apesar de arrancados à pobreza extrema, milhões e milhões de pessoas vivem e trabalham em condições dramáticas na Ásia do crescimento acelerado. Se dúvidas pudessem existir, o recente ruir do prédio, onde se albergavam cinco fábricas de confeções no Bangladeche que trabalhavam para grandes marcas mundiais, e as mais de mil pessoas mortas naquele acidente de origem criminosa são a maior denúncia das condições dramáticas em que vive a nova população incorporada no mercado de trabalho mundial.

Não admira, pois, que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladeche tenha sido o aumento da luta para alterar as condições de trabalho e por melhores salários. “Nunca, na História, as condições de vida e as perspetivas de futuro de tantos indivíduos mudaram de forma tão considerável e tão rapidamente”, destaca o relatório do desenvolvimento humano 2013 e essas perspetivas de futuro põem em marcha um movimento imparável de luta por direitos sociais e de combate à exploração. Precarização, migrantes e setor informal A industrialização acelerada que se verifica na Ásia, desde há 30 anos e acentuada progressivamente nas últimas décadas, não passou no entanto apenas por uma incorporação de milhões de pessoas, que abandonaram os campos e vieram trabalhar para as fábricas em busca de melhores condições de vida. Essa mudança de fundo teve também inerente, nos últimos 30 anos, um ataque desenfreado a direitos sociais e do trabalho que muitos povos tinham

conquistado na sequência das lutas contra o colonialismo e pelas independências nacionais. Tal como na Europa ou nos Estados Unidos, as transnacionais e organismos internacionais, como o FMI ou o Banco Mundial, exigiram salários baixos e situações brutais de exploração. E essas exigências encontraram resposta positiva em muitas alterações a legislações nacionais nesses países. Na Índia, foi o setor informal que se desenvolveu, ou seja o mercado laboral “escravo” e quase sem lei, e tanto as transnacionais como os organismos internacionais, assim como inúmeros estudos, pressionam não para a alteração da legislação do setor informal, mas para o combate à chamada “rigidez” no setor organizado da economia. Ou seja, para a retirada de direitos aos trabalhadores que o têm3. Na China, o crescimento acelerado passou por criação de zonas especiais, onde os direitos de trabalho são mínimos, situação agravada pela falta de direitos dos trabalhadores migrantes nas regiões mais desenvolvidas. E é conhecida a pressão das transnacionais contra qualquer alteração favorável

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dossiê A luta dos trabalhadores nas “fábricas do mundo”

Wallerstein: “Estamos a viver uma combinação de pressões cada vez maiores para a austeridade nos 99% de países que têm um sistema capitalista que já não é tão lucrativo.” aos trabalhadores na legislação do trabalho. Noutros países, como a Malásia, são os trabalhadores imigrantes a base do mercado do trabalho sem direitos. A caminho do fim das deslocalizações Num importante artigo publicado em esquerda.net “Fim de linha para as empresas deslocalizadas?”, Immanuel Wallerstein assinala que o tempo das deslocalizações de empresas está a caminho do fim. Como aquele autor refere as deslocalizações sempre foram um importante mecanismo para o funcionamento da economia capitalista. Nos últimos 30 anos, essa deslocalização acelerou-se imenso, em particular para a Ásia, com a globalização e as novas possibilidades da produção com a revolução informática, nas comunicações e nos transportes. O sociólogo refere também que as deslocalizações das empresas em busca de salários mais baixos tinham por base que os custos de trabalho eram mais baixos, porque “a fábrica deslocalizada recruta a sua mão de obra em áreas rurais que antes estavam menos envolvidas na economia de mercado”. E

salienta que o “problema com esta aparente solução maravilhosa sempre foi a falta de durabilidade”, pois após 25 anos “os trabalhadores na nova localização começaram a promover ação sindical e o custo do seu trabalho começou a subir”. No entanto, para um dos casos mais recentes, o Camboja, os trabalhadores começaram a luta muito antes dos 25 anos e as transnacionais duvidam já do benefício que ganham em transferir a produção da China para aquele país. Wallerstein conclui que “isto não são boas notícias para as grandes multinacionais” e refere: “Este é apenas um elemento do que se tornou a crise estrutural do moderno sistema-mundo. Estamos a viver uma combinação de pressões cada vez maiores para a austeridade nos 99% de países que têm um sistema capitalista que já não é tão lucrativo. Esta combinação significa que o capitalismo, como sistema-mundo, está de saída”. Lutas em crescendo Do que acima já dissemos e de que os artigos deste dossier estabelecem um pequeno retrato, as

lutas dos trabalhadores estão a crescer na Ásia. O combate à exploração e o protesto contra as condições miseráveis de trabalho são hoje uma constante dos trabalhadores daquele continente. Mais importante ainda é que tanto na China, como na Índia ou na Indonésia se verifica uma crescente ampliação e unificação de lutas. As greves gerais na Índia e na Indonésia são disso um exemplo. Em todo este movimento verifica-se igualmente um papel decisivo dos sindicatos, órgãos fundamentais da luta dos trabalhadores pelos seus direitos económicos e contra a exploração. A luta pela liberdade de organização sindical é mesmo uma questão chave para os trabalhadores da Ásia atualmente, confrontando-se com proibições e vazios tremendos na legislação do trabalho. Na Índia, o movimento luta pela ratificação das convenções 87 e 98 da OIT, na China os trabalhadores confrontam-se com uma legislação onde a greve não é um direito, nem é proibida, o que permite a atuação arbitrária dos poderes nacional e locais. Onde os trabalhadores não têm liberdade de a comuna 07


dossiê A luta dos trabalhadores nas “fábricas do mundo”

No futuro, o desenvolvimento dos mercados internos dos países asiáticos será decisivo para que a economia desses países se desenvolva [e consequente necessidade do] o aumento dos salários. organização sindical, eles procuram e encontram outras formas de associação. Porém, é flagrante a necessidade de existência de sindicatos livres e de liberdade de associação sindical, assim como a luta por estas reivindicações é essencial para o movimento dos trabalhadores. Este nível de luta, económico e sindical, é um passo que historicamente se tem mostrado essencial na luta contra a exploração. Mas é também um movimento objetivo que tende a ser inevitável, por mais obstáculos que enfrente. As perspetivas de futuro dos trabalhadores da Ásia dependem, no entanto, de muito mais e das respostas ao nível político. Equacionar esta questão vai para além deste trabalho. Contudo, é muito provável que quase todos os países asiáticos estejam confrontados com um desafio essencial. Até agora quase todos aqueles países dependiam para o seu crescimento do desenvolvimento das exportações para os Estados Unidos e a Europa. Com a crise de 2007/8 esta situação alterou-se qualitativamente. No futuro, o desenvolvimento dos mercados internos dos países

asiáticos será decisivo para que a economia desses países se desenvolva. E o desenvolvimento dos mercados internos coloca como absolutamente necessário o aumento dos salários. Os trabalhadores da Índia inscreveram nas 10 reivindicações da sua greve geral a exigência do fim do desinvestimento nas empresas pública estratégicas. A perspetiva de futuro para os trabalhadores asiáticos passa exatamente por reivindicações, como essa, e passa, na minha opinião, pela luta política por uma sociedade não assente na exploração, pela luta pelo socialismo. Carlos Santos 1 Disponível na net em http://hdr.undp.org/ 2 Segundo “The World Factbook”, elaborado pela CIA: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankor der/2095rank.html 3 O artigo “Labour in India” na wikipedia em inglês (http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India#cite_note-44), dá conta destas pressões e aponta um conjunto de artigos, que exemplificam.

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China em Revolta

Representando os trabalhadores chineses como os Outros - enquanto subalternos abjetos ou antagonistas competitivos - este retrato falha redondamente na exposição da realidade do trabalho na China atual.

Artigo de Eli Friedman*

Poucos no Ocidente estão cientes do drama que se desenrola no atual “epicentro da agitação do trabalho global”. Um académico, cujo objeto de estudo é a China, expõe as suas tumultuosas políticas de trabalho e respetivas lições para a Esquerda. A classe operária chinesa interpreta um papel semelhante ao de Janus no imaginário político do neoliberalismo. Por um lado, é concebida como a competitiva vencedora da globalização capitalista, a potência conquistadora cuja ascensão representa a derrota das classes trabalhadoras do mundo desenvolvido. Que esperança há para as lutas dos trabalhadores de Detroit ou Rennes quando o migrante do Sichuan se contenta em trabalhar por uma fração do preço? Ao mesmo tempo, os trabalhadores chineses são representados como as pobres vítimas da globalização, como a consciência pesada dos consumidores do Primeiro Mundo. Na sua labuta, passivos e explorados, sofrem estoicamente pelos nossos iPhones e toalhas de banho. E apenas nós podemos salvá-los, absorvendo a sua torrente de exportações, ou benevolamente promovendo campanhas pelo seu

tratamento humanamente digno às mãos das “nossas” multinacionais. Para algumas das partes da esquerda do mundo desenvolvido, a moral destas narrativas que se opõem é que, nas nossas sociedades, a resistência laboral foi remetida ao caixote do lixo da história. Tal resistência é, antes de mais, perversa e decadente. O que legitima as significativas reivindicações dos mimados trabalhadores do Norte, com os seus “problemas do Primeiro Mundo”, exigindo de um sistema que já tanta abundância lhes oferece, concedida pelos desgraçados da Terra? E, em qualquer dos casos, a resistência contra tão representativa ameaça competitiva será, certamente, fútil. Representando os trabalhadores chineses como os Outros - enquanto subalternos abjetos ou antagonistas competitivos - este retrato falha redondamente na exposição da realidade do trabalho na China atual. Longe de serem vencedores triunfantes, os trabalhadores chineses sofrem as mesmas pesadas pressões competitivas que os trabalhadores ocidentais, frequentemente às mãos dos mesmos capitalistas. Mais importante ainda, é dificilmente o seu estoi-

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dossiê China em revolta

A resistência operária tem sido um sério problema para o Estado e capital chineses e, como nos Estados Unidos em 1930, o governo central viu-se obrigado a aprovar uma série de leis de trabalho. cismo que os distingue de nós. A China é o epicentro da agitação do trabalho global Hoje, a classe operária chinesa está em luta. Em mais de trinta anos do projeto de reforma de mercado do Partido Comunista, a China é, inquestionavelmente, o epicentro da agitação do trabalho global. Apesar de não haver estatísticas oficiais, é certo que milhares, se não mesmo dezenas de milhares de greves têm lugar todos os anos. Todas elas são greves arriscadas - o conceito de greve legal é inexistente na China. Assim, num dia típico, qualquer coisa como meia dúzia a várias dúzias de greves terão, provavelmente, lugar. É da maior importância salientar que os trabalhadores estão a ganhar, com muitos grevistas a conquistar grandes aumentos salariais acima e para além de quaisquer requisitos legais. A resistência operária tem sido um sério problema para o Estado e capital chineses e, como nos Estados Unidos em 1930, o governo central viu-se obrigado a aprovar uma série de leis de trabalho. Os salários mínimos

têm tido aumentos na casa dos dois dígitos em várias cidades do país e muitos trabalhadores estão a receber os pagamentos de seguros sociais pela primeira vez. A agitação laboral tem registado crescimento nas duas últimas décadas, e os últimos dois anos, por si só, representaram um avanço qualitativo na natureza das lutas laborais. Mas se há lições para a esquerda do norte na experiência dos trabalhadores chineses, encontrálas exige um exame das condições únicas que estes trabalhadores enfrentam - condições que hoje são causa tanto para um grande otimismo, como para um grande pessimismo. Catálogo de táticas de resistência laboral Ao longo destas duas décadas de insurgências, um catálogo relativamente coerente de táticas de resistência laboral emergiu. Quando surge uma queixa, o primeiro passo dos trabalhadores é frequentemente o de falar diretamente com as administrações. Estas solicitações são quase sempre ignoradas, especialmente quando se encon-

tram relacionadas com questões salariais. As greves, por outro lado, funcionam. Mas estas nunca são organizadas pelos sindicatos chineses oficiais, que se encontram formalmente subordinados ao Partido Comunista, sendo geralmente controlados pela administração ao nível da empresa. Todas as greves na China são organizadas de forma autónoma e frequentemente em oposição direta ao sindicato oficial, que encoraja os trabalhadores a resolver as suas queixas através dos mecanismos legais. O sistema legal, que compreende mediação do local de trabalho, intermediação e processos judiciais, tenta individualizar o conflito. Este facto, combinado com o conluio entre estado e capital, traduz-se na incapacidade geral do sistema na resolução das queixas dos trabalhadores. Está projetado, em grande medida, para prevenir as greves. Até 2010, o motivo mais comum de greve era o não-pagamento dos salários. A reivindicação nestas greves é clara e direta: paguem-nos os salários a que temos direito. As reivindicações de melhorias acima e para além da lei existente eram raras.

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dossiê China em revolta

Todas as greves na China são organizadas de forma autónoma e frequentemente em oposição direta ao sindicato oficial (...)

Sendo que as violações legais eram e continuam a ser endémicas, tem havido solo fértil para a existência destas lutas defensivas. As greves começam geralmente com os trabalhadores a pousar os seus instrumentos de trabalho e a permanecer dentro da fábrica, ou pelo menos nas suas imediações. Surpreendentemente, os fura-greves são pouco utilizados na China, e por isso os piquetes raramente são usados1 . Quando confrontados com uma administração recalcitrante, ocasionalmente os trabalhadores demarcam-se levando a luta para a rua. Esta tática é dirigida ao governo: afetando a ordem pública, atraem imediatamente a atenção do Estado. Por vezes os trabalhadores marcham até às instalações do governo local ou bloqueiam simplesmente a rua. Tais táticas são arriscadas, uma vez que o governo pode até apoiar os grevistas, mas com igual frequência recorre à violência. Mesmo que seja atingido um compromisso, as manifestações públicas resultarão frequentemente na detenção, espancamento e prisão dos organizadores da greve. Mais arriscado, e ainda comum, é a sabotagem e

destruição de propriedade, a organização de motins, o assassínio dos patrões e confrontos físicos com a polícia. Tais táticas parecem ter uma maior prevalência na resposta a despedimentos em massa ou falências. Uma série de confrontos particularmente intensos teve lugar em finais de 2008 e inícios de 2009, em resposta a despedimentos em massa no sector de processamento de exportações, devido à crise económica ocidental. Como explicarei mais adiante, os trabalhadores poderão estar agora a desenvolver uma consciência antagónica em relação à polícia. Mas o item menos espetacular deste catálogo de resistência constitui o pano de fundo essencial a todos os outros: os migrantes têm vindo a recusar, em número crescente, os maus empregos nas zonas de processamento de exportações no sudeste, aos quais costumavam acorrer em massa. Uma insuficiência na mão-de-obra verificou-se pela primeira vez em 2004, e num país que continua a ter mais de 700 milhões de residentes rurais, muitos assumiram que se trataria de uma casualidade de curto-prazo. Oito anos depois, é clara a ocorrência

de uma mudança estrutural. Os economistas lançaram-se num intenso debate acerca das causas desta insuficiência, debate esse que não recapitularei aqui. Será suficiente dizer que uma grande parte dos fabricantes nas províncias costeiras, tais como Guangdond, Zheijang e Jiangsu, não têm sido capazes de atrair e manter trabalhadores. Independentemente de razões específicas, o ponto a salientar é que esta insuficiência conduziu a um aumento salarial e consolidou o poder dos trabalhadores no mercado - vantagem essa que estes têm vindo a explorar. Ponto de viragem no verão de 2010 Um ponto de viragem foi registado no verão de 2010, marcado por uma importante onda de greves que se iniciou numa fábrica de transmissão da Honda em Nanhai. Desde então, tem havido uma mudança na natureza da resistência laboral, desenvolvimento esse notado por muitos analistas. Ainda mais importante, as reivindicações dos trabalhadores passaram a ser feitas de uma perspetiva mais ofen-

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dossiê China em revolta

Por vezes os trabalhadores marcham até às instalações do governo local ou bloqueiam simplesmente a rua. Tais táticas são arriscadas.

siva. Os trabalhadores têm pedido aumentos salariais acima e para além daquilo a que legalmente têm direito e em muitas greves têm começado a exigir a eleição dos seus representantes sindicais. Não têm sido convocados sindicatos independentes não pertencentes à Federação de Sindicatos da China, uma vez que tal certamente incitaria repressão estatal. Mas a insistência na exigência de eleições representa o germinar de reivindicações políticas, ainda que esta reivindicação seja feita apenas ao nível da empresa. A onda de greves explodiu em Nanhai, onde durante semanas os trabalhadores tinham vindo a queixar-se dos baixos salários, discutindo a ideia de uma paralisação. A 17 de maio de 2010, quase todos desconheciam que um único empregado - o qual vários relatos entretanto apelidaram de Tan Zhiqing, um pseudónimo - convocaria a greve por sua própria iniciativa, premindo, muito simplesmente, o botão de paragem de emergência, desligando ambas as linhas de produção da fábrica. Os trabalhadores saíram da fábrica. Nessa mesma tarde, a administração suplicava-lhes que voltassem

ao trabalho e abrissem negociações. A produção foi, de facto, retomada nesse dia. Mas os trabalhadores haviam formulado a sua reivindicação inicial: um aumento salarial de 800 renminbis por mês, correspondente a um aumento de 50% para os trabalhadores permanentes. Mais exigências se seguiram: a “reorganização” do sindicato oficial da empresa, que na prática não oferecia qualquer apoio à luta dos trabalhadores, bem como a readmissão de dois trabalhadores despedidos. Aquando das negociações, os trabalhadores saíram novamente para a rua, e, após uma semana de greve, todas as fábricas de montagem da Honda na China tinham fechado devido à falta de peças. Entretanto, as notícias da greve de Nanhai começaram a gerar uma onda de agitação que se alastrou aos trabalhadores industriais de todo o país. As manchetes dos jornais chineses contaram a história: “Uma Onda é Maior que a Próxima, a Greve irrompe também na fábrica de Fechaduras da Honda”; “Onda de Greves em Dalian com 70 Mil Participantes, Afetando 73 Empresas, Termina Com

Aumentos Salariais na Ordem dos 34,5%”; “Greves Salariais na Honda São um Choque para o Modelo de Fabrico Barato.” Em cada greve, a principal reivindicação foi a de aumentos salariais, embora em muitos casos tenham sido ouvidas exigências no sentido da reorganização sindical - um desenvolvimento político de grande importância. Uma destas greves de contágio foi especialmente notável pela sua militância e organização. Durante o fim-de-semana de 19 a 20 de junho, um grupo de cerca de duzentos trabalhadores da Denso, uma empresa de peças automóveis detida por particulares japoneses, fornecedora da Toyota, encontrouse secretamente para debater planos de ação. Nesta reunião, delinearam a estratégia dos “três nãos”: durante três dias não haveria trabalho, exigências ou representantes. Estes trabalhadores sabiam que interrompendo a cadeia de abastecimento, a fábrica de montagem da Toyota seria obrigada a fechar numa questão de dias. Comprometendo-se a fazer greve durante três dias sem exigências, previram perdas crescentes para as maiores cadeias de produção, tanto da

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dossiê China em revolta

(...) os migrantes têm vindo a recusar, em número crescente, os maus empregos nas zonas de processamento de exportações no sudeste, aos quais costumavam acorrer em massa. Denso como da Toyota. O seu plano funcionou. Na segunda-feira de manhã, iniciaram a greve saindo da fábrica e impedindo a saída dos camiões da mesma. À tarde, outras seis fábricas na mesma zona industrial tinham fechado e, no dia seguinte, a falta de peças forçou ao encerramento da fábrica de montagem da Toyota. No terceiro dia, tal como haviam planeado, os trabalhadores elegeram vinte e sete representantes e entraram em negociações com a exigência central de um aumento salarial de 800 renminbis. Após três dias de conversações, onde o CEO da Denso, vindo do Japão, esteve envolvido, foi anunciada a conquista do aumento salarial de 800 renminbis. Se o verão de 2010 foi caracterizado pela resistência radical mas relativamente ordeira ao capital, o verão de 2011 gerou duas insurreições massivas contra o Estado. Na mesma semana, em Junho de 2011, enormes motins de trabalhadores agitaram as áreas fabris suburbanas de Chaozhou e Guangszhou, em ambos os casos conduzindo a uma alargada e altamente

direcionada destruição de propriedade. Na cidade de Guxiang, Chaozhou, um trabalhador do Sichuan exigindo a devolução de salários foi brutalmente atacado por mercenários portadores de armas brancas e pelo seu ex-patrão. Reagindo a isto, milhares de outros migrantes começaram a manifestar-se junto das instalações do governo local, muitos dos quais haviam sofrido anos de discriminação e exploração por parte de patrões que trabalhavam em conluio com oficiais. O protesto foi, supostamente, organizado por uma “associação cidadã” de pessoas do Sichuan, vagamente organizada - uma dessas organizações tipo máfia que proliferam em ambientes onde a associação livre não é permitida. Após terem cercado as instalações governamentais, os migrantes rapidamente dirigiram a sua fúria contra os residentes locais, sentindo que estes os haviam discriminado. Após terem incendiado dúzias de carros e saqueado lojas, a polícia armada foi forçada a abafar o motim e dispersar os locais que se haviam organizado em grupos de vigilância. Apenas uma semana mais tarde, uma insurreição

ainda mais surpreendente teve lugar nos subúrbios de Guangzhou em Zengcheng. Uma mulher grávida do Sichuan, apregoando mercadorias na rua, foi abordada pela polícia e violentamente atirada ao chão. Os rumores de que ela teria sofrido um aborto em consequência da altercação começaram a circular imediatamente entre os trabalhadores fabris da zona; a veracidade ou não destes rumores rapidamente se tornou irrelevante. Enraivecidos por outro incidente de agressão policial, os trabalhadores indignados amotinaram-se por toda a parte em Zengcheng durante vários dias, incendiando uma esquadra, enfrentando a polícia de choque, e bloqueando uma autoestrada nacional. Segundo relatos, outros migrantes do Sichuan da área de Guangdong afluíram a Zengcheng para se juntar aos motins. No final, o Exército de Libertação Popular foi convocado para pôr um fim à insurreição, disparando munições reais sob as pessoas que protestavam. Apesar de o governo o negar, é provável que tenha havido vítimas mortais. Em apenas alguns anos, a resistência laboral passou de defensiva a ofensiva. Incidentes

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Um ponto de viragem foi registado no verão de 2010, marcado por uma importante onda de greves que se iniciou numa fábrica de transmissão da Honda em Nanhai.

aparentemente insignificantes desencadearam insurreições em massa, indicativas da cólera generalizada. E a continuada falta de mão-de-obra nas áreas costeiras aponta para mudanças estruturais mais profundas que provocaram, também elas, mudanças na dinâmica das políticas laborais. Tudo isto constitui um sério desafio ao modelo de desenvolvimento baseado nas exportações e repressão salarial que caracterizou a economia política das regiões costeiras do sudeste chinês durante mais de duas décadas. Por volta do fim da onda de greves de 2010, os comentadores dos media Chineses declaravam que a era do trabalho barato tinha chegado ao fim. Embora vitórias tão significativas sejam motivo de otimismo, a despolitização enraizada significa que os trabalhadores não podem extrair muita satisfação das mesmas. Qualquer tentativa de articulação de uma política explícita por parte dos trabalhadores é instantaneamente esmagada efetivamente pela Direita e pelos seus aliados estatais, através da ameaça do espectro do “Senhor do Desgoverno”: querem mesmo regressar ao caos da

Revolução Cultural? Se no Ocidente “não há alternativa”, na China as duas alternativas oficiais são uma tecnocracia capitalista eficiente e sem obstáculos (a fantasia de Singapura) ou uma violência política absoluta, selvagem e profundamente irracional. Como resultado, os trabalhadores submetem-se conscientemente à segregação das lutas políticas e económicas imposta pelo Estado, apresentando as suas reivindicações como económicas, legais e de acordo com a embrutecedora ideologia de “harmonia”. Agir de outra maneira desencadearia uma dura repressão estatal. Talvez os trabalhadores consigam um aumento salarial numa fábrica, seguros sociais noutra. Mas esta espécie de insurgência dispersa, efémera e não-subjetivada falhou na cristalização de formas duradouras de organização contra-hegemónica, capaz de coagir o Estado ou o capital ao nível da classe. O resultado é que, quando o Estado intervém em nome dos trabalhadores - quer através do apoio de reivindicações imediatas durante as negociações da

greve, quer através da aprovação de legislação que vise a melhoria das suas condições materiais - a sua imagem de “leviatã benevolente” é reforçada: agiu de tal maneira não porque os trabalhadores assim o exigiram, mas porque se preocupa com os “grupos frágeis e em desvantagem” (assim são designados os trabalhadores no léxico oficial). No entanto é apenas através da separação ideológica ao nível simbólico entre a causa e o efeito que o Estado é capaz de manter a farsa de que os trabalhadores são, de facto, “fracos”. Dado o relativo sucesso deste projeto, a classe trabalhadora é política, mas é alienada da sua própria atividade política. Migrantes – a nova classe trabalhadora É impossível compreender como é que esta situação se mantém sem entender a posição política e social da atual classe trabalhadora. O trabalhador chinês de hoje em dia está longe dos proletários heróicos e hiper-masculinizados dos cartazes de propaganda da Revolução Cultural. No setor público, os trabalhadores nunca foram realmente “donos da

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Os trabalhadores têm pedido aumentos salariais acima e para além daquilo a que legalmente têm direito e em muitas greves têm começado a exigir a eleição dos seus representantes sindicais. empresa”, como é alegado pelo Estado. Mas eralhes garantido emprego duradouro e a sua unidade de trabalho suportava também o custo de reprodução social, providenciando habitação, educação, assistência médica, pensões e até serviços fúnebres e de casamento. Nos anos 90, o governo central deu início a um esforço massivo de privatização, redução ou cortes da subsidiação de muitas empresas detidas pelo Estado, o que conduziu a importantes deslocações sociais e económicas na zona industrial do nordeste chinês (“Rust Belt”). Embora as condições materiais para os trabalhadores nas empresas ainda detidas pelo Estado continuem a ser melhores em termos relativos, hoje a gestão dessas firmas encontra-se em crescente concordância com a lógica de maximização de lucros. De maior interesse imediato é a nova classe trabalhadora, composta por migrantes rurais que acorreram em massa às cidades do sudeste chinês (“Sun Belt”). Com a transição para o capitalismo iniciada em 1978, os agricultores obtiveram, a princípio, bons resultados, uma vez que o mercado atribuía

preços mais elevados do que o Estado aos bens agrícolas. Porém, em meados dos anos 80, estes ganhos começaram a ser arrasados pela inflação desenfreada, começando a população rural a procurar novas fontes de rendimento. À abertura da China à produção orientada para a exportação nas regiões costeiras do sudeste, correspondeu a transformação destes agricultores em trabalhadores migrantes. Ao mesmo tempo, o Estado descobriu que uma série de instituições herdadas da economia de comando eram úteis ao reforço da acumulação privada. Entre estas, a que mais se destacava era o sistema de registo de residência (hukou), que vinculava os benefícios sociais do indivíduo a um determinado local. O hukou é um instrumento de administração complexo e cada vez mais descentralizado, mas o aspeto a sublinhar é que institucionaliza uma separação geográfica e social entre as atividades produtivas e reprodutivas do trabalhador migrante entre a sua vida profissional e a sua vida doméstica e familiar. Esta separação modelou todos os aspetos das

lutas laborais dos trabalhadores migrantes. Os migrantes jovens vão para as cidades trabalhar em fábricas, restaurantes, locais de construção, para se envolver na delinquência, vender comida nas ruas ou ganhar a vida como trabalhadores sexuais. Porém, o Estado nunca fingiu que estes migrantes são formalmente iguais aos residentes urbanos, ou que são bem-vindos a longo prazo. Os migrantes não têm acesso a nenhum dos serviços públicos a que os residentes urbanos têm direito, incluindo assistência médica, habitação e educação. Necessitam de permissão oficial para estar na cidade, e durante os anos 90, início dos anos 2000, houve várias ocorrências de migrantes detidos, espancados e “deportados” por não terem documentos. Durante pelo menos uma geração, o principal objetivo dos trabalhadores migrantes foi o de ganhar o máximo possível de dinheiro antes de regressar à sua aldeia, com 20 e poucos anos, para casar e constituir família. Outras disposições formais asseguram que os migrantes não sejam capazes de ter uma vida na cidade. O sistema de seguros sociais (incluindo

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O trabalhador chinês de hoje em dia está longe dos proletários heróicos e hiper-masculinizados dos cartazes de propaganda da Revolução Cultural. seguros de saúde, pensões, seguro de desemprego, seguro de maternidade e seguro de acidentes no trabalho) é organizado ao nível municipal. Isto significa que os migrantes que têm a sorte suficiente de possuir um seguro social suportado pela entidade empregadora - uma pequena minoria pagam por um sistema ao qual jamais terão acesso. Se as pensões não são transferíveis, porque é que um migrante exigiria o seu aumento? As reivindicações dos trabalhadores focam-se muito racionalmente, portanto, nas questões salariais mais imediatas. Assim, subjetivamente, os migrantes não se referem a si próprios como “trabalhadores”, nem pensam em si como pertencendo à “classe trabalhadora”. São, isso sim, mingong, ou trabalhadorescamponeses, e dedicam-se a “vender trabalho” (dagong), ao invés de terem uma profissão ou carreira. O carácter temporário desta relação com o trabalho é, talvez, a norma sob o signo do capitalismo neoliberal, mas as taxas de rotação em muitas fábricas chinesas são surpreendentes, excedendo muitas vezes os 100% por ano.

As implicações para a dinâmica da resistência laboral têm sido enormes. Por exemplo, há poucos registos de lutas relacionadas com a duração do dia de trabalho. Porque é que os trabalhadores quereriam passar mais tempo numa cidade que os rejeita? O “equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal” inerente a este tipo de discurso nada significa para um trabalhador migrante de 18 anos labutando numa fábrica suburbana de Shanghai. Na cidade, os migrantes vivem para trabalhar - não no sentido de auto-realização mas no sentido literal. Se um trabalhador assume que está apenas a ganhar dinheiro para eventualmente o levar de volta para casa, há poucas razões (ou oportunidades) para pedir mais tempo na cidade. Outro exemplo: todos os anos, imediatamente antes do Ano Novo Chinês, o número de greves no sector de construção explode. Porquê? Este feriado é a única altura do ano em que a maior parte dos migrantes regressa às suas terras de origem, e é geralmente a única altura em que podem ver os seus familiares, muitas vezes incluindo cônjuges e filhos. Os trabalhadores do sector de construção

são geralmente pagos apenas quando um projeto é terminado, mas o não-pagamento de salários tem sido endémico desde a desregulação da indústria nos anos 80. A ideia de regressar à terra-natal de mãos a abanar é inaceitável para os trabalhadores, uma vez que a única razão pela qual partiram para a cidade foi a promessa de salários marginalmente mais altos. Daí as greves. Por outras palavras, os trabalhadores migrantes não têm tentado ligar as lutas na esfera da produção a lutas relativas a outros aspetos da sua vida ou problemas sociais mais vastos. Encontramse separados da comunidade local e não têm qualquer direito a falar enquanto cidadãos. As reivindicações salariais não se multiplicaram em reivindicações por menos tempo de trabalho, por melhores serviços sociais, ou por direitos políticos. Deslocação das indústrias para a China central e ocidental O capital, entretanto, tem confiado em vários métodos comprovados para melhorar a rentabilidade. No espaço da fábrica, o maior desenvolvimento dos últimos anos será, certamente, sombriamente famil-

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De maior interesse imediato é a nova classe trabalhadora, composta por migrantes rurais que acorreram em massa às cidades do sudeste chinês (...) iar aos trabalhadores americanos, europeus ou japoneses: o crescimento explosivo de vários tipos de trabalho precário, incluindo trabalhadores temporários, estudantes estagiários e, sobretudo, “trabalhadores temporários.” Os trabalhadores temporários são empregados diretamente por uma empresa contratante - muitas das quais são detidas pelas agências de emprego locais - que depois os “enviam” para os locais onde serão postos a trabalhar. Isto tem o efeito óbvio de obscurecer a relação de emprego e melhorar a flexibilidade para o capital. O trabalho temporário constitui agora uma enorme percentagem da força de trabalho (muitas vezes superior a 50% num dado local de trabalho) numa amostra incrivelmente diversa de indústrias, incluindo indústrias de transformação, energia, transportes, operações bancárias, assistência médica, saneamento, e serviços. A tendência emergiu em empresas estrangeiras e internas privadas, empreendimentos conjuntos e empresas detidas pelo estado. No entanto, a grande história dos últimos anos tem sido a da deslocação do capital industrial das

regiões costeiras para a China central e ocidental. Há enormes consequências sociais e políticas que ocorrem deste “ajuste geográfico”, concedendo à classe trabalhadora uma nova e potencialmente transformadora série de possibilidades. A realização ou não destas possibilidades é obviamente uma questão que só poderá ser resolvida na prática. O caso da Foxconn, a maior empregadora privada da China, é instrutivo neste aspeto. A Foxconn mudou-se do seu local de origem na Tailândia para a costeira Shenzhen há mais de uma década, mas na sequência dos suicídios de trabalhadores em 2010 e do continuado escrutínio público do seu ambiente laboral altamente militarizado e alienante, é agora forçada a mudar-se uma vez mais. A empresa encontra-se atualmente no processo de redução da sua força de trabalho em Shenzen, tendo construído novas instalações massivas nas províncias do interior. As duas maiores situam-se nas capitais de província Zhengzhou e Chengdu. Não é difícil compreender o poder de atração que o interior exerce sobre tais companhias. Embora os salários em Shenzhen e outras áreas costeiras

continuem a estar bastante abaixo dos padrões globais (menos de 200 dólares por mês), os salários nas províncias do interior como Henan, Hubei e Sichuan podem atingir quase metade desse valor. Muitos empregadores assumem também, e talvez corretamente, que mais migrantes se encontrarão disponíveis perto da fonte de origem, e um mercado de trabalho menos regulado tem também vantagens políticas imediatas para o capital. Também esta é uma história familiar do capitalismo: o historiador do trabalho Jefferson Cowie identificou um processo de trabalho semelhante na história da “procura de 70 anos por trabalho barato” da industrial de eletrónica RCA - uma procura que levou a companhia de Nova Jérsia para o Indiana, de Indiana para o Tennessee e, finalmente, do Tennessee para o México. Se a região costeira chinesa facultou condições sociais e políticas extremamente favoráveis ao capital transnacional nas duas últimas décadas, as coisas serão diferentes no interior. O antagonismo entre trabalho e capital poderá ser universal, mas o conflito de classes avança no terreno das particu-

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(...) o Estado descobriu que uma série de instituições herdadas da economia de comando eram úteis ao reforço da acumulação privada (...) laridades. Então quais são as particularidades do interior chinês, e porque poderão elas constituir razão para um otimismo cauteloso? Enquanto que os migrantes nas regiões costeiras são necessariamente temporários - e as suas lutas, portanto, efémeras no interior têm a possibilidade de estabelecer uma comunidade resistente e duradoura. Teoricamente, isto significa que há uma maior possibilidade de fundir as lutas nas esferas da produção e da reprodução, algo que não era possível quando estas duas arenas se encontravam geograficamente separadas. Consideremos a problemática do hukou, o registo de residência. As enormes megalópoles do leste para as quais os migrantes acorreram em massa no passado têm restrições muito fortes na obtenção de residência local. Mesmo os trabalhadores em cargos de administração e gestão com graus académicos poderão ter dificuldades em obter um hukou em Pequim. Porém, as cidades mais pequenas no interior colocaram a fasquia muito mais baixa na obtenção de

residência local. Apesar de ser assumidamente especulativo, vale a pena refletir nas mudanças que este fator pode trazer às dinâmicas de resistência laboral. Se antes a suposta trajetória de vida do migrante era a de ir trabalhar para a cidade durante uns anos para ganhar dinheiro antes de regressar a casa e começar uma família, os trabalhadores no interior poderão ter em seu poder uma perspetiva bem diferente. Subitamente já não estão apenas a “trabalhar”, mas também a “viver” num determinado lugar. Isto implica que os migrantes se encontrarão muito mais propensos à instalação permanente nos seus locais de trabalho. Quererão encontrar cônjuges, ter a sua própria habitação, ter filhos, mandá-los para a escola - em suma, dedicar-se à reprodução social. Anteriormente, os empregadores não eram obrigados a pagar aos trabalhadores migrantes um salário que lhes permitisse sobreviver condignamente, não havendo quaisquer pretensões de que isto devesse ser esperado, sendo claro que os trabalhadores regressariam às suas aldeias e aí se instalariam. Mas no interior, os migrantes exigirão muito provav-

elmente tudo aquilo que é necessário à condução de uma vida decente - habitação, assistência médica, educação, e alguma proteção contra os riscos de desemprego e na velhice. Poderão também querer tempo para si próprios e para a sua comunidade, uma exigência que tem estado conspicuamente ausente até hoje. Isto levanta a possibilidade da politização da agitação laboral. Serviços públicos decentes nunca foram uma expectativa realista dos migrantes na costa. Porém, se conseguirem estabelecer direitos de residência no interior, as reivindicações por serviços sociais poderão facilmente generalizar-se, concedendo a oportunidade de escapar ao isolamento das lutas no local de trabalho. As reivindicações de proteção social são, por natureza, mais propensas a ser direcionadas ao estado do que a empregadores individuais, estabelecendo a base simbólica para um confronto passível de generalização. Embora seja fácil romancear a corajosa e por vezes espetacular resistência dos trabalhadores migrantes, a realidade é que a resposta mais

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Os migrantes não têm acesso a nenhum dos serviços públicos a que os residentes urbanos têm direito, incluindo assistência médica, habitação e educação.

frequente às más condições de trabalho tem sido simplesmente a demissão e procura de um novo emprego, ou mesmo o regresso a casa. Também isto se poderá alterar se trabalharem onde vivem. Estas novas condições poderão ser propícias à resistência e luta dos migrantes pela comunidade e na comunidade, ao invés de simplesmente procederem à fuga. A biografia dos trabalhadores no interior poderá também apresentar oportunidades para uma militância reforçada. Muitos destes migrantes têm experiência prévia de trabalho e luta em regiões costeiras. Trabalhadores mais velhos poderão carecer da paixão militante da juventude, mas a sua experiência em lidar com patrões exploradores e os seus aliados estatais poderá ser um recurso de valor inestimável. Finalmente, os trabalhadores terão recursos sociais mais alargados ao seu dispor. Em grandes cidades costeiras, seria pouco provável que conseguissem granjear a simpatia dos residentes locais, um facto tornado dolorosamente claro nos motins de Guxiang. No interior, porém, os trabal-

hadores poderão ter a família e os amigos perto, pessoas que não estão apenas predispostas a tomar o partido do trabalho mas que poderão depender de forma muito direta do aumento dos salários e melhoria dos serviços sociais. Este facto concede a possibilidade de expandir as lutas para além do local de trabalho, incorporando problemas sociais mais alargados. Novas oportunidades para a classe trabalhadora chinesa Poderá haver quem na Esquerda seja acérrimo defensor da resistência permanente em e por si mesma. E a disposição formal de conflitos de classe que tem prevalecido na China tem causado consideráveis ruturas na acumulação de capital. Mas os trabalhadores são alienados da sua própria atividade política. Uma assimetria profunda existe: os trabalhadores resistem intermitentemente e sem qualquer estratégia, enquanto que o Estado e o capital reagem a esta crise de forma autoconsciente e coordenada. Até ver, esta fragmentada e efémera forma de luta

tem sido incapaz de produzir qualquer mossa considerável nas estruturas básicas do partido único e da sua ideologia dominante. E o capital, enquanto tendência universal, tem provado a sua habilidade na subjugação de particularidades de militância vezes sem conta. Se a resistência laboral militante força simplesmente o capital a destruir uma classe trabalhadora e a produzir uma outra (antagonista) em qualquer outro lugar, poderemos realmente considerar isto uma vitória? A nova fronteira da acumulação de capital apresenta à classe trabalhadora chinesa oportunidades para o estabelecimento de formas de organização mais resistentes, capazes de expandir o domínio da luta social e de formular amplas reivindicações políticas. Mas até isso acontecer, permanecerá meio passo atrás do seu - e nosso antagonista histórico. Artigo de Eli Friedman disponível em inglês em jacobinmag.com, publicado em agosto de 2012 —para a revista “A Comuna

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(...) os trabalhadores migrantes encontram-se separados da comunidade local e não têm qualquer direito a falar enquanto cidadãos. *Eli Friedman é Professor Assistente no Departamento de Trabalho Internacional e Comparado da Universidade de Cornell, Estados Unidos. 1 Não é imediatamente percetível porque é que os empregadores raramente recorrem à utilização dos fura-greves. Uma explicação possível é que o governo não apoiaria tal medida, uma vez que poderia aumentar tensões e conduzir a violência ou maiores ruturas sociais. Outro fator poderá ser, muito simplesmente, a curta duração das greves (raramente duram mais do que um ou dois dias), uma vez que os grevistas não têm o apoio institucional de um sindicato e são muitas vezes submetidos a pressões intensas por parte do Estado. O resultado é que talvez haja menos precisão de fura-greves por parte dos empregadores.

Deslocação das indústrias para a China central e ocidental

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Índia: Quando cem milhões de pessoas fazem Greve Geral de dois dias

A 20 e 21 de fevereiro de 2013, mais de cem milhões de trabalhadores paralisaram durante dois dias na Índia na, provavelmente, mais participada greve geral de toda a história das lutas do trabalho. O número exato de trabalhadores que pararam é difícil de calcular, mas foi para além do que esperavam o governo, as associações empresariais e até os próprios líderes sindicais. A greve geral de dois dias foi convocada por todas as centrais sindicais indianas (11) e por federações sindicais de trabalhadores e empregados. Foi a primeira vez que todas as centrais sindicais se juntaram numa greve geral de dois dias, que constituiu a maior paralisação que a Índia viveu desde a independência. 10 reivindicações1 Esta greve geral foi convocada para protestar contra a política do governo chefiado pelo primeiro-ministro Manmohan Singh, do partido do Congresso e da Aliança Progressista Unida (uma coligação dominada pelo partido do Congresso). A greve geral tinha dez reinvindicações, onde se destacavam a exigência de medidas concretas de combate ao aumento do custo de vida e de criação de emprego. Incluíam também a reivindicação do “fim do desinvestimento” nas empresas públicas estratégicas. De salientar, que nestas 10 reivindicações se incluíam também a exigência de pensões de reforma e de segurança social para todos os trabalhadores do setor informal, esmagadoramente maioritário na Índia, assim como o combate à precarização, dominante no país. As centrais sindicais exigem ainda salário mínimo para todas as pessoas que trabalham, com um valor mínimo de 10.000 rupias com indexação. O movimento exige ainda o cumprimento das leis laborais, e o combate à sua violação, a legalização obrigatória dos sindicatos e a ratificação imediata das Convenções 87 e 98 da OIT, relativas à liberdade sindical e à negociação coletiva.

Carlos Santos

Em Sanscrito: Greve

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O mercado laboral na Índia é o segundo maior do mundo, depois do da China, e é composto por cerca de 498,4 milhões de trabalhadores, segundo os dados mais recentes. 500 milhões de trabalhadores O mercado laboral na Índia é o segundo maior do mundo, depois do da China, e é composto por cerca de 498,4 milhões de trabalhadores, segundo os dados mais recentes. Deste elevado montante, mais de 94% dos trabalhadores laboram no setor informal2 , que engloba venda ambulante e o setor agrícola, mas também muitas e cada vez mais empresas, muitas vezes nem sequer registadas, onde a legislação laboral só muito limitadamente se aplica e os trabalhadores pouco direitos têm. É também neste setor que a organização dos trabalhadores é mais difícil e a sindicalização normalmente inexistente. Segundo dados do governo da Índia3 , em 2008 dos quase 500 milhões de trabalhadores apenas 27,5 milhões de pessoas trabalhavam no chamado “setor organizado” da economia, que engloba empresas registadas e o setor público. O montante de trabalhadores do setor público era então de 17,3 milhões de pessoas. Nos últimos 30 anos, também segundo dados do governo indiano4 , o emprego tem crescido sobr-

etudo no setor “desorganizado” ou informal, onde a legislação laboral não se aplica e os trabalhadores, na verdade, quase não têm direitos. Pela primeira vez, todas as centrais sindicais convocaram greve geral de 2 dias Antes da independência da Índia, o movimento sindical estava unificado numa única central sindical. Depois da independência, em agosto de 1947, o movimento sindical sofreu uma grande transformação, em parte pela hegemonia do partido do Congresso. Posteriormente e progressivamente, começou a existir uma proliferação de sindicatos, federações e centrais sindicais, quase todas ligadas aos diferentes partidos. Esta situação quase impediu a ação unida do movimento do trabalho, durante muitos anos. Com o neoliberalismo, a situação começou a alterar-se no combate à queda dos salários reais e ao aumento da precarização. A partir de 1991, enfrentando as políticas neoliberais do governo de Narasimha Rao, começa a assistir-se a mais greves e a um aumento de lutas setoriais. Entre 1991 e 28 de fevereiro de 2012,

existiram 15 greves gerais na Índia5 . Há analistas que consideram6 que a convenção nacional dos sindicatos realizada em setembro de 2009 constituiu um “ponto de viragem” nas lutas do trabalho na Índia e no seu movimento sindical. De salientar a greve geral de um dia em 7 de setembro de 2010, a marcha para o parlamento indiano em 23 de fevereiro de 2011 e sobretudo a greve geral de um dia em 28 de fevereiro de 2012, convocada pelas 11 centrais sindicais e por mais de 5.000 sindicatos. A greve geral de fevereiro passado destaca-se por ter sido a primeira greve geral de dois dias convocada por todas as centrais sindicais, incluindo as próximas do partido do Congresso e do partido Janata de direita. Esta grande ação de protesto e reivindicativa foi decidida na 4ª convenção nacional de trabalhadores da Índia, realizada a 4 de setembro de 2012 em Nova Delhi, e foi preparada por várias ações prévias, nomeadamente a Marcha para o parlamento indiano, que teve lugar em 20 de dezembro de 20127 .

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A greve teve uma elevada participação nos setores do petróleo, das minas, nos portos, em muitos setores da indústria, na banca, nos seguros e na função pública.

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Mais de 10 crores em greve À última hora, na véspera da greve e temendo o impacto da paralisação de dois dias, o primeiroministro, Manmohan Singh, juntou um grupo de ministros para discutir com as centrais sindicais, mas sem apresentar qualquer proposta, pelo que a reunião não teve qualquer efeito. A greve sofreu um forte ataque dos média dominantes, nomeadamente nas televisões. Além do tradicional argumento de que as “as greves não resolvem os problemas”, os trabalhadores e sindicalistas foram acusados de violência, quando foi o patronato, o governo nacional e muitos governos estaduais, assim como a polícia que em diversos casos atacaram ferozmente os grevistas. Houve até o assassinato de um dirigente sindical, em Ambala no estado de Haryana, que foi atropelado por um autocarro do Estado. A greve teve uma elevada participação nos setores do petróleo, das minas, nos portos, em muitos setores da indústria, na banca, nos seguros e na função pública. A participação dos trabalhadores do

setor informal da economia, onde labutam mais de 94% do trabalhadores, foi notável. Segundo o Centro de Sindicatos Indianos9 , a greve teve elevados níveis de adesão nos principais setores da economia da Índia. O setor da banca esteve totalmente paralisado durante dois dias. Os trabalhadores bancários participaram ativamente na greve geral, incluindo os trabalhadores do banco central. A greve foi seguida nos bancos públicos e privados e afetou mesmo as operações realizadas pelas ATM. Em muitas cidades, os trabalhadores realizaram marchas e manifestações muito participadas. O secretário-geral da federação dos empregados bancários de toda a Índia, CH Venkatachalem, disse: “Por causa da greve geral as transações bancárias não se realizaram. Os serviços bancários estiveram totalmente paralisados. Por todo o país, tanto nas capitais como noutros centros, um total de 1,4 crores (14 milhões) de cheques, num montante de cerca de 80.000 crores (800 mil milhões) de rupias não foram processados nas câmaras de compensação durante os dois dias”10 .

O setor dos seguros também esteve parado em todo o país, tendo aderido à greve mais de 2 lakhs11 de trabalhadores do setor público de seguros. Também em muitas cidades estes trabalhadores realizaram ou participaram em manifestações e desfiles. No setor público, pararam mais de 60 lakhs (6 milhões) de funcionários públicos estaduais e professores e 8 lakhs (800 mil) funcionários do governo central. A greve levou ao encerramento de todos os serviços públicos em muitos estados da Índia, assim como no setor dos impostos e nos serviços postais. No setor da defesa, a greve foi seguida por 4 lakhs de trabalhadores civis das fábricas e laboratórios. Nas minas a greve também teve igualmente grande participação. No setor das minas de carvão a greve foi seguida por 75% dos trabalhadores, com elevada participação dos trabalhadores precários. A greve foi um êxito também nas minas dos minérios de ferro. Nos portos, a greve foi um grande êxito nos principais portos do país, atingindo os 100% em a comuna 23


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Paradip, Visakhapatnam, Cochim, Nova Mangalore, Mumbai e no porto Jawaharlal Nehru. Na indústria do ferro e do aço, a greve foi de 100% nas siderurgias de Vizag e Bhadravati e parcial nas outras. A paralisação também foi elevada nos trabalhadores das empresas subcontratadas ligadas ao setor. Na energia, a greve teve elevados níveis de adesão no setor da eletricidade, assim como na indústria do petróleo e do gás natural. Nos transportes rodoviários, a greve foi forte, mas teve de enfrentar ameaças dos governos dos estados e das administrações e uma dura repressão, havendo até um caso de assassinato em Ambala, no estado de Haryana. No transporte ferroviário, a greve foi muito fraca, apesar disso dezenas de comboios pararam em vários pontos do país. Na indústria farmacêutica, a greve teve elevados níveis de adesão, tendo paralisado 1,5 lakhs (150 mil) trabalhadores. Em vários pontos do país os trabalhadores (nomeadamente os trabalhadores “anganwadi”, do sistema de saúde comunitária) realizaram manifestações e bloqueios de estrada. Nalguns casos

enfrentaram uma dura repressão: 500 mulheres trabalhadoras anganwadi foram presas pela polícia no estado de Bihar, no norte da Índia. Na greve geral de dois dias de fevereiro de 2013 na Índia participou grande parte dos trabalhadores do chamado setor organizado da economia, incluindo o setor público, mas teve ainda significativos graus de adesão em setores precários, que constituíram mais de três quartos dos trabalhadores que paralisaram. Cem milhões é um elevado número, mas para uma força de trabalho de mais de 498 milhões de trabalhadores, é ainda uma pequena minoria. Porém, como alguns analistas assinalam12 , põe em relevo “o despertar gradual de um gigante adormecido: a classe trabalhadora da Índia, mostrando o seu enorme poder”. Carlos Santos 1 Trade Union Strike 2013: 'Struggle for Unity, Unity for Struggle, and Struggle and Unity for Progress' http://www.labourfile.org/NewsDetails.aspx?id=155 2 Ver Labour in India, na wikipedia em inglês http://en.wikipedia.org/wiki/Labour_in_India 3 Economic Survey 2010-2011 http://indiabudget.nic.in/ 4 Economic Survey 2012-2013 http://indiabudget.nic.in/es2012-13/echap-02.pdf 5 Ver “Greater than the Might of Armies: The General Strike of

20-21 February 2013” http://www.radicalsocialist.in/articles/national-situation/525-great er-than-the-might-of-armies-the-general-strike-of-20-21-february -2013 6 Ler “When 100 million Indians went on strike” por Sindhu M e n o n http://www.equaltimes.org/opinion/when-100-million-indians-went -on-strike 7 Ver “Trade Union Strike 2013: 'Struggle for Unity, Unity for Struggle, and Struggle and Unity for Progress'”, http://www.labourfile.org/NewsDetails.aspx?id=155 8 Crore unidade de medida usada na Ásia do Sul igual a 10 milhões. 9 Central sindical ligada ao Partido Comunista da Índia (Marxista) - http://www.citucentre.org/ 10 http://www.labourfile.org/NewsDetails.aspx?id=155 11 Lakh unidade de medida usada na Ásia igual a cem mil. 12 Por exemplo, Soma Marik, Sushovan Dhar e Kunal Chattopadhyay (ver http://www.radicalsocialist.in/articles/national-situation/525-great er-than-the-might-of-armies-the-general-strike-of-20-21-february -2013) ou Sindhu Menon (ver http://www.equaltimes.org/opinion/when-100-million-indians-went -on-strike).

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Índia: Operários da Suzuki lincham gestores e 40 vão para o hospital libcom.org

Aquele que é o maior fabricante de automóveis da Índia encerrou uma das suas duas fábricas, após um conflito laboral que acabou por desencadear uma série de revoltas. Estas provocaram, pelo menos, uma morte e dezenas de feridos. A fábrica encerrou os seus portões na noite de quarta-feira, devido a um incêndio de grandes proporções, iniciado pelos trabalhadores. Um cadáver carbonizado encontrado na sala de conferências aguarda ainda identificação. De acordo com um comunicado emitido pela empresa, uma subsidiária da multinacional japonesa Suzuki, cerca de 40 gestores e executivos foram hospitalizados, apresentando uma série de ferimentos. O conflito é o resultado do aumento da inflação, da redução dos salários, do ataque aos direitos adquiri-

dos e do recurso à mão-de-obra temporária, de forma a franquear os regimes jurídicos de trabalho. A situação atingiu o seu limite no dia 18 de Julho, quando um supervisor atacou verbalmente um operário e, sem qualquer processo ou prova de justa causa, decidiu a sua suspensão. Os operários, indignados, decidiram envolver o sindicato. Enquanto este tentava estabelecer negociações, os patrões reuniam centenas de seguranças contratados, os quais trancaram os portões da fábrica e, a pedido da administração, atacaram os trabalhadores com armas. Segundo um delegado do sindicato: “Eles [os seguranças], juntamente com algum pessoal da administração e, mais tarde, alguns agentes da polícia, espancaram uma série de

operários, os quais tiveram que ser hospitalizados devido a ferimentos graves. Os seguranças […] destruíram igualmente propriedade da empresa e incendiaram parte da fábrica. Posteriormente, os portões foram abertos, de modo a expulsar os trabalhadores e impor o lock-out da empresa”. O governo e a polícia não demonstraram qualquer interesse na perseguição dos capangas contratados que iniciaram a violência, optando, antes, pela perseguição aos 3.000 operários, acusados de homicídio (até agora, 91 já foram presos). Os patrões bloquearam o acesso de todos os trabalhadores à fábrica Manesar que, juntamente com a sua unidade congénere, assegura a produção de 40% da frota automóvel indiana. As condições de trabalho na fábrica são horrendas.

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No seguimento da injusta suspensão de um operário, a administração da Suzuki contratou umas centenas de valentões para atacar os trabalhadores. Um carro é produzido em cada 38 segundos. Caso se verifique um segundo de atraso, os trabalhadores sofrem de imediato um corte no salário. Se esse atraso ocorrer à entrada do trabalho, eles perdem o dia de trabalho. Se acontecer ao regressar do intervalo, veem os seus salários reduzidos. Tal tipo de confronto está longe de ser estranho à indústria automóvel indiana. Em 2008, um grupo de operários da Graziano Transmissioni linchou o diretor executivo, tendo esmagado o seu crânio com martelos e barras de metais. A Honda, a Ford, a General Motors e a Hyundai conheceram igualmente, nos últimos anos, uma forte agitação laboral. A indústria automóvel indiana atravessa, no entanto, um elevado crescimento. A Maruti Suzuki obteve mais de 65.000 dólares de lucro por trabalhador. Apesar dos resultados sem precedentes, os operários da indústria viram os seus salários reduzidos em mais de 50% do seu valor ao longo dos últimos dez anos. Já os diretores executivos viram as suas remunerações disparar em flecha. Artigo publicado em http://libcom.org/, em 29 de julho de 2012. Traduzido pelo site http://passapalavra.info

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A revolta dos (i)scravos: as revoltas laborais na Foxconn chinesa libcom.org

Dois gigantescos motins nas fábricas da Foxconn preencheram as manchetes dos jornais no passado mês de setembro e no início de outubro de 2012. A Apple, o seu principal cliente, havia acabado de lançar a última versão do seu principal produto, o iPhone 5. A pressão que se fazia então sentir sobre o trabalho nas fábricas era elevada – um pouco à semelhança da atenção mundial despertada em seu torno. Na noite de 23 de setembro, um motim eclodiu no complexo fabril da Foxconn em Taiyuan, Shanxi1. Dois mil operários participaram no motim, perante o olhar observador de outros tantos milhares, tendo 40 ficado feridos. Os insurretos partiram montras, provocaram incêndios, viraram carros da polícia e destruíram as grades das fábricas. Só já na madru-

gada os cinco mil agentes que foram chamados conseguiram dar a situação por controlada. Não existem quaisquer registos de detenções. No dia seguinte, a Foxconn decretou a paragem da produção em toda a fábrica. A empresa fabrica equipamento e componentes eletrónicos para muitas das principais marcas, como a HP, a Sony ou a Apple. Dos cerca de 1,3 milhões de pessoas empregadas em todo o mundo, 1,1 milhões encontra-se na China. O complexo fabril de Taiyuan produz componentes de liga de magnésio para produtos eletrónicos de consumo, de iluminação incandescente ou de telemóveis, entre outros. O próprio complexo é uma cidade entre muros, com fábricas, dormitórios e lojas, habitada por 79.000 trabalhadores com uma média de 20 anos de idade.

A população é na sua maioria masculina (65%) e oriunda da província local de Shanxi . A direção da Foxconn alega que o motim terá sido desencadeado por conflitos entre trabalhadores de diversas regiões. Um cenário diferente é, contudo, descrito nos testemunhos de trabalhadores. Tudo terá começado após a intervenção de seguranças privados numa disputa que ocorria num dos dormitórios. Face às agressões que se seguiram, os trabalhadores foram à procura de ajuda, isto no preciso momento em que milhares de trabalhadores terminavam o seu turno. Alguns deles acabaram por se envolver na contenda, aproveitando a oportunidade para expressar a sua raiva. A tensão era elevada, fruto dos vários casos de ameaça e violência de seguranças privados sobre trabalhadores

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Na China, os sindicatos oficiais encontram-se filiados no Estado e os sindicatos independentes são proibidos. Os trabalhadores não têm outra alternativa senão organizar-se de forma autónoma. ocorrida no passado. Os métodos praticados por estes guardas fazem parte da estrita gestão paramilitar da Foxconn nos locais de trabalho e dormitórios, incluindo grades, portões, inspeções de segurança, bem como leis e regulamentos adjuvantes. Existem, contudo, mais dados a revelar sobre o motim. A Foxconn necessitava de mais operários para a produção de peças do novo iPhone 5, o que obrigou à transferência de trabalhadores de Shenzhen e Zhengzhou para Taiyuan. A grande maioria, porém, não deseja partir para uma cidade rústica e provinciana como Taiyuan, preferindo permanecer nas cidades maiores da costa. Além disso, estamos a falar de um trabalho não qualificado, repetitivo, feito de tarefas monótonas executadas ao longo de dez a doze horas por dia. A relocalização e transferência de trabalho das regiões costeiras para as interiores, de menores salários, implica a redução dos seus rendimentos. Frequentemente, o valor do salário pago chega mesmo a ser inferior ao prometido. Por conseguinte, muitos trabalhadores não gostam do trabalho fabril, tendo o motim sido

provocado pela sua insatisfação e pelas condições de repressão e de vida a que se encontram sujeitos. O ataque dos seguranças foi apenas o rastilho. Na sexta-feira, dia 5 de Outubro, os trabalhadores da fábrica da Foxconn em Zhengzhou, Henan, iniciaram uma greve em resposta às condições de trabalho impostas pela produção de componentes do iPhone 5. Nos dias anteriores, o enorme número de queixas proferidas por consumidores dos Estados Unidos e doutras partes do mundo – relativos a riscos na tampa traseira do novo telefone – levaram ao aumento dos critérios de qualidade nas fábricas da Foxconn. Aparentemente, sem que qualquer tipo de formação adequada fosse providenciado. A greve rebentou na linha On-site de Controlo de Qualidade, provocada por conflitos entre operários e inspetores de controlo numa das áreas (K), os quais originaram alguns ferimentos e destruição de bens numa sala de inspeção. Mais tarde, inspetores de qualidade foram novamente espancados na área K, tendo alguns dos seus colegas da área L sido fisicamente ameaçados. A administração ignorou as queixas dos inspetores que, por esse motivo,

resolveram entrar em greve. Assim, a produção poderia ficar suspensa. Na sequência da paragem de produção, na qual estiveram envolvidas entre 3.000 a 4.000 pessoas, as linhas de fabrico do iPhone 5 ficaram interrompidas o dia inteiro2 . A Foxconn, por seu lado, nega os relatos afirmando nunca ter ocorrido uma greve. A Foxconn e a Apple já haviam estado sob crescente pressão desde os suicídios de 20 trabalhadores que, ao longo de 2010, se atiraram de diversos edifícios da empresa. A resposta da empresa passou pela instalação de redes de segurança e de grades nas janelas, bem como pelo anúncio de aumentos salariais. No entanto, de acordo com testemunhos de trabalhadores, esses aumentos foram acompanhados de ritmos de trabalho mais elevados e de mais horas extraordinárias não pagas3 . O arrastar dos problemas veio intensificar ainda mais o nível das lutas. Na China, os sindicatos oficiais (FNSC) encontram-se filiados no Estado local (os sindicatos independentes são, por sua vez, proibidos). A secção da FNSC na Foxconn alinha normalmente com a admin-

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istração, ajudando a prevenir ações militantes entre os trabalhadores. Estes não têm outra alternativa senão organizar-se de forma autónoma no espaço de trabalho e nos dormitórios. Antes do motim de Taiyuan e da greve em Zhengzhou, outras lutas haviam tido lugar nas fábricas da Foxconn ao longo do ano. Em Janeiro, 150 trabalhadores em Wuhan ameaçaram o suicídio coletivo, a acontecer caso os seus salários não sofressem aumentos; 1.000 entraram em greve em Yantai, também devido a salários. No mês de Fevereiro, centenas de trabalhadores de Ningbo entraram em greve pelo pagamento de feriados. No mês seguinte, 1.000 trabalhadores de Taiyuan organizaram uma greve por questões salariais. Motivos semelhantes conduziriam a que, um mês depois, a mesma região assistisse a uma greve de 2.000 trabalhadores. Por essa altura, devido às suas condições salariais e de trabalho, 200 trabalhadores de Wuhan ameaçaram suicidar-se em massa, e dezenas de trabalhadores de Shenzhen encenaram a ocupação de um telhado contra a relocalização e a transferência de trabalho. Por fim, em Junho ocorreu um motim que envolveu um milhar de trabalhadores após uma disputa com seguranças privados da empresa. Estes são apenas os casos de lutas na Foxconn verificados em 2012 e relatados pelos meios de comunicação social ou por militantes sindicais4. A nova geração de migrantes que trabalha para a

Foxconn ou noutras fábricas é adversa ao trabalho fabril, desqualificado e monótono, aos baixos salários e à severa gestão. As suas expectativas em relação ao progresso e melhoria das suas vidas acabam por se confrontar com a exploração, enquanto trabalhadores, e a descriminação, enquanto migrantes. Os trabalhadores têm, contudo, acesso a modernos meios de comunicação: o weibo (o twitter chinês), em particular, desempenha um importante papel na partilha de informação. Ou seja, os trabalhadores têm perfeita consciência dos milhões de produtos vendidos e dos lucros obtidos pela Apple, enquanto os seus salários permanecem baixos e as suas condições de trabalho austeras. Os trabalhadores têm igualmente perfeita consciência da sua capacidade de organizar uma greve ou motim. Daí, os operários da Foxconn, aliados a outros trabalhadores migrantes, terem exercido nos últimos anos uma constante pressão pelo aumento dos salários. Ao mesmo tempo, algumas destas fábricas apresentam elevados índices de absentismo. A questão é se, após a exploração ou o abuso, os trabalhadores da Foxconn “vão embora” ou “ficam a lutar”. Parece que a segunda opção anda cada vez mais em voga . Artigo publicado em libcom.org a 12 de novembro de 2012, traduzido por Passa Palavra 1 Citação de um http://www.clb.org.hk/en/node/110137.

funcionário

2 Acessível em http://chinalaborwatch.org/news/new-433.html 3 Para uma versão detalhada ver Pun Ngai, Lu Huilin, Guo Yuhua, Shen Yuan: Wo Zai Fushikang, Beijing 2012. 4 Para consultar relatórios: https://chinastrikes.crowdmap.com/reports. 5 Neste link, pode visionar-se um pequeno filme – “The Truth about the Apple iPad” – que descreve as condições de uma das novas fábricas da Foxconn no interior da China, em Chengdu, Sichuan. “Acordamos antes dos galos, vamo-nos deitar após os cães e comemos pior que porcos”, citando um dos trabalhadores.

local.

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Indonésia: Greve geral contra a precariedade, a “escravatura moderna” Carlos Santos

“Não somos robots que eles tratam como querem”, declarou Ralenti um dos grevistas ao jornal “Jakarta Globe” no dia 3 outubro de 2012. E acrescentou: “Tratem-nos como humanos, deem-nos salários dignos e segurança de saúde”1 . Estas declarações são claras no protesto e nas reivindicações, afinal tão próximas de nós e de muitas situações que os trabalhadores portugueses enfrentam. A Indonésia é um grande país, com mais de 237 milhões de habitantes, pelo censo de 20112 . Segundo o governo indonésio3 , o mercado laboral é composto por 41 milhões de pessoas, 40% das quais (16 milhões) na precariedade. Muito provavelmente estes números são bem inferiores à reali-

dade. Por exemplo, de acordo com as estimativas mais recentes do “The world factbook” da CIA4 o mercado de trabalho indonésio é composto por 118 milhões de pessoas. Apesar do elevado crescimento da economia indonésia, os salários são inferiores aos praticados na Tailândia, na Malásia e na China. Segundo a IndustriALL, enquanto a Indonésia está no 16º lugar mundial em termos de PIB, os seus salários estão no lugar 695 e a população confronta-se com uma elevada subida dos preços da alimentação e dos bens essenciais. Nos últimos anos, as lutas dos trabalhadores indonésios têm-se multiplicado, alcançando muitas vezes significativas vitórias. Greve Geral contra a precariedade, por mel-

hores salários e cuidados de saúde No dia 3 de outubro de 2012, teve lugar uma greve geral dos trabalhadores indonésios6 , com 3 reivindicações: contra os contratos a prazo e pela sua limitação; por aumento de salários e por seguros de saúde. A greve foi seguida por mais de 2 milhões de trabalhadores, segundo os dirigentes sindicais, que referiram que o protesto provou a paralisação de mais de 5.000 fábricas em 12 províncias do país. Segundo a polícia, centenas de milhares de trabalhadores de mais de 700 empresas e 80 parques industriais, não só paralisaram, como se manifestaram nas ruas7 . Em muitas das ações, os trabalhadores protestaram contra a precariedade, chamando-lhe a “escravatura moderna”. Para a

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dossiê Indonésia: Greve geral contra a precariedade, a “escravatura moderna”

(...)enquanto a Indonésia está no 16º lugar mundial em termos de PIB, os seus salários estão no lugar 69 e a população confronta-se com uma elevada subida dos preços da alimentação e dos bens essenciais(...) OCDE, como não podia deixar de ser, a crescente precariedade laboral na Indonésia deve-se não à procura do trabalho escravo pelas transnacionais, mas à “rigidez da legislação laboral”8 . A greve e as manifestações foram altamente participadas em Jakarta e 24 outras cidades, nomeadamente Bogor, Depok, Tangerang, Cilegon, Karawang, Sukabumi, Bandung, Semarang, Surabaya, Sidoarjo, Batam, Medan and Makassar. A greve geral terá provocado uma perda de um bilião de rupias indonésias (cerca de 104 milhões de dólares) à economia do país9. No final da greve geral, o presidente da forte federação sindical dos metalúrgicos, Said Iqbal, declarou: “Isto foi um aviso. Demos ao governo duas semanas para dialogarem com as associações empresariais e sindicais. Então veremos se os resultados são satisfatórios”. Em janeiro passado, a confederação mundial IndustriALL saudou10 os sindicatos e os trabalhadores indonésios pelas suas vitórias na luta contra o “outsourcing” e por melhores salários. Com a luta travada, de que a greve geral foi um

ponto alto, os trabalhadores conquistaram legislação que impõe que quem trabalhe há mais de três anos num posto de trabalho terá um contrato permanente e os contratos a prazo foram limitados a cinco setores: transportes, minas e serviços de limpeza, cantina e segurança. Os trabalhadores conseguiram ainda um aumento do salário mínimo em muitas áreas industriais da Indonésia11 . Em Jakarta, Bekasi, Bogor, Karawang, Sidoarjo, Mojokerto e Batam os salários mínimos tiveram aumentos de 40,2% em média. Os salários continuam a ser baixíssimos, apesar dos elevados aumentos percentuais que conseguiram. Por exemplo, o salário mínimo em Jakarta subiu 46,5%, de cerca de 157 dólares para 230 dólares. A confederação IndustriALL destaca como exemplo de luta não só a greve geral, como as manifestações e marchas realizadas pelos trabalhadores, que terão mobilizado mais de 3 milhões de pessoas e alerta para a importância da “plena implementação” da nova legislação dos contratos a prazo. Os trabalhadores indonésios conseguiram ainda o compromisso governamental para a entrada em

vigor de cuidados de saúde, em janeiro de 2014, e de pensões de reforma em 2015. Ponto de viragem A Greve Geral de 3 de outubro de 2012 poderá ter sido um ponto de viragem na luta social na Indonésia, segundo alguns analistas12. As lutas dos trabalhadores indonésios têm vindo em crescendo desde os anos 90, ainda durante a ditadura de Suharto. Nos anos 90, os trabalhadores dos setores têxtil, confeções e calçado desempenharam o papel principal nessas movimentações. Atualmente, os setores mais ativos têm sido os trabalhadores das grandes fábricas do automóvel, das motas e dos eletrodomésticos. A mobilização é ainda limitada, estando por enquanto centrada nos setores mais concentrados dos trabalhadores industriais, especialmente nos parques industriais, sendo no entanto patente um aumento de combatividade. Nos últimos anos algumas grandes lutas ganharam relevo e marcaram a evolução da situação social na Indonésia. Entre as quais, se destaca a longa greve

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dossiê Indonésia: Greve geral contra a precariedade, a “escravatura moderna”

(...)as lutas dos trabalhadores indonésios têm vindo em crescendo desde os anos 90, ainda durante a ditadura de Suharto. Conselho de Trabalhadores Indonésios (MPBI), agregando 11 das maiores federações sindicais, diz representar 8 milhões de trabalhadores sindicalizados e ser a “voz” de todos os trabalhadores indonésios. dos trabalhadores da mina Freeport de Papua Ocidental por aumentos salariais13. Esta greve prolongou-se durante três meses, em condições muito difíceis e com a morte de 8 pessoas, mas teve grande apoio solidário dos trabalhadores indonésios e terminou com significativa vitória. Igualmente de relevo, a campanha pela segurança social desenvolvida por uma coligação de sindicatos e Ong's que conseguiu em 2011 legislação de proteção da saúde. Ainda de salientar o movimento grevista no início de 2012 com destaque para a sucessão de greves e manifestações, que na zona leste de Jakarta mobilizou mais de 200 mil trabalhadores. Convergência Sindical No seguimento deste movimento de lutas em crescendo o movimento sindical organizou um comício em Jakarta no dia 1 de Maio de 2012, que juntou 60 mil pessoas. Nesse comício foi anunciada a criação do Conselho de Trabalhadores Indonésios (MPBI), agregando 11 das maiores federações sindicais, incluindo a

poderosa federação dos metalúrgicos, e três centrais sindicais: KSBSI, KSPSI e KSPI14. Este conselho diz representar 8 milhões de trabalhadores sindicalizados e ser a “voz” de todos os trabalhadores indonésios. O líder da central sindical KSBSI disse então que “as lutas dos trabalhadores têm estado fragmentadas, por isso criámos este conselho, a maior organização de trabalhadores da Indonésia”. O líder da central sindical KSPSI afirmou: “Se o governo não ouvir a voz do trabalho, tomaremos as ruas”. E foi o que fizeram: o MPBI tem vindo a convocar diversas ações de luta e campanhas. Foi este Conselho que convocou a Greve Geral de 3 de outubro de 2012. Carlos Santos 1 http://www.thejakartaglobe.com/archive/more-than-2-millionworkers-strike-in-indonesia/547954/ 2 Segundo a wikipedia em inglês, referência “Indonesia”: http://en.wikipedia.org/wiki/Indonesia 3 http://www.thejakartaglobe.com/archive/indonesian-workersdemand-an-end-to-outsourcing/548109/ 4 https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/ rankorder/2095rank.html 5 A IndustriALL é uma confederação mundial de sindicatos, criada em Copenhaga em 2012, juntando 3 federações sindicais

internacionais: trabalhadores metalúrgicos; químicos; têxteis e vestuário: http://www.industriall-union.org/ 6 Podem ver-se vídeos sobre esta greve geral no youtube, pesquisando por mogok nasional, dois deles tem os seguintes links: http://www.youtube.com/watch?v=niQ3PCS8lzM e http://www.youtube.com/watch?v=5zJzdooz-bQ 7 http://www.thejakartaglobe.com/archive/more-than-2-millionworkers-strike-in-indonesia/547954/ Ver notícia em: 8 http://www.theglobeandmail.com/report-on-business/international -business/asian-pacific-business/indonesian-general-strike-shuts-f actories/article4584866/?cmpid=rss1. 9 http://www.asianewsnet.net/news-37235.html 10 http://www.industriall-union.org/industriall-inspired-byindonesian-trade-union-victory 11 Na Indonésia o salário mínimo varia nos setores de trabalho e nas regiões. 12 Ver blogue de Max Lane: http://maxlaneonline.com/ 13 Ver vídeo sobre esta greve de westpapuamedia.info em: http://vimeo.com/32762098 14 Ver notícia no Jakarta Post: http://www.thejakartapost.com/news/2012/05/01/workers-uniteunder-new-labor-council.html

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A catástrofe do Bangladesh: uma amostra grátis do capitalismo mundializado

Artigo de Alejandro Teitelbaum, publicado em argenpress.info*

A derrocada de um edifício de oito andares no Bangladesh totalmente inseguro que albergava várias fábricas têxteis onde trabalhavam 3500 pessoas provocou mais de mil mortos. Dias depois, um incêndio noutra fábrica têxtil causou oito mortes e, em novembro de 2012, outro incêndio numa fábrica têxtil, também no Bangladesh, causou 111 mortes. Nos últimos anos, houve no Bangladesh um total de 1700 mortos em acidentes similares. Estes números devem ser postos no contexto dos dois milhões de trabalhadores que, segundo a OIT, morrem a cada ano por causa de doenças e acidentes relacionados com o trabalho em todo mundo. Sem que a morte destes últimos alarme especialmente à opinião pública. Mas a cada vez que ocorre um desastre de dimen-

são catastrófica como o recente em Bangladesh, os meios de comunicação social ocupam-se do tema durante alguns dias, há gente que protesta, as autoridades anunciam «medidas», algumas multinacionais beneficiárias emitem declarações de pesar e até dizem que vão assinar acordos de segurança. Depois, tudo volta à «normalidade». Isto é, tudo fica na mesma. O acordo de 15 de Maio A catástrofe que provocou mais de mil mortos, pela sua repercussão na opinião pública mundial e o consequente risco de uma queda das vendas e dos lucros, requeria uma urgente lavagem de imagem por parte das multinacionais do negócio têxtil. Foi assim que se anunciou com “trompas e clarins”

(“Conseguimos!” proclamaram as federações sindicais IndustriALL Global Union e UNI junto com algumas organizações sindicais nacionais) o “Acordo sobre incêndios e segurança dos edifícios no Bangladesh” (AISEB, Accord on Fire and Building Safety in Bangladesh) entre, por uma parte, a IndustriALL Global Union e a UNI1, e pela outra parte, até ao dia 15 de maio, tinham assumido o compromisso de assiná-lo 39 multinacionais entre as mais importantes da indústria da moda e da distribuição, entre outras: Inditex, H&M, C&A, Carrefour, Primark/Penny, Tesco, PVH (Calvin Klein), Tchibo, Benetton, El Corte Inglés, Mango, Mark & Spencer, Next, Stockmann, N Brown Group, GStar, KIK, Aldi South, Aldi Noth, Helly Hansen, New Look, Mothercare, Loblaws, Sainsbury’s, JBC, WE Europe, Esprit, Rewe, Lidl, Hess

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dossiê A catástrofe do Bangladesh: uma amostra grátis do capitalismo mundializado

A catástrofe que provocou mais de mil mortos, pela sua repercussão na opinião pública mundial e o consequente risco de uma queda das vendas e dos lucros, requeria uma urgente lavagem de imagem por parte das multinacionais do negócio têxtil. Natur, Switcher , A&F. Segundo o Acordo as empresas comprometem-se ao estabelecimento por cinco anos de um programa de prevenção e controle de incêndios e segurança dos edifícios nas fábricas têxteis do Bangladesh, que será formalizado nos 45 dias após a assinatura do acordo e financiado pelas empresas que o subscrevam. Também se prevê a designação de um inspetor de segurança independente, encarregado de verificar o estado das instalações das fábricas. Será responsável por assegurar que uma inspeção inicial de todas as instalações seja feita durante os primeiros dois anos após a assinatura do acordo. Até seis semanas após detetado um problema, difundirá a informação à opinião pública, junto com os planos para resolvê-lo. Enquanto um problema é resolvido, ainda que a produção pare, as fábricas deverão manter os empregos e salários de seus trabalhadores. Por não o fazerem, poderiam perder seus contratos com as multinacionais compradoras. Do mesmo modo, as partes do Acordo comprometer-se-ão a estabelecer mecanismos para

a participação dos trabalhadores e seus sindicatos nos procedimentos estabelecidos no Acordo. Qualquer controvérsia passará primeiro por um esquema de resolução interna, depois por arbitragem e finalmente “poderia” passar para a Justiça. Pode ver-se o texto completo do Acordo (em inglês) no site da IndustriALL Global UnionNT1. Walmart, GAP, Auchan, Nike, Ralph Laurens, Adidas e outras grandes empresas optaram por não assumir esse compromisso. A Walmart (que se destaca pela perseguição aos ativistas sindicais em suas próprias empresas e faz todo o possível para impedir a sindicalização de seu pessoal) explicou, para justificar a sua aversão a assumir o menor compromisso, que em lugar de subscrever o Acordo AISEB, levará a cabo as suas próprias inspeções dos 279 fornecedores "autorizados" com que trabalha no Bangladesh. Assegura que assim obterá melhores resultados. Também informou que a cada trabalhador será dada formação em prevenção e ações contra incêndios. A Walmart diz que não se juntou ao acordo porque as medidas que adotou por conta própria são mais

eficientes. Alega que enquanto os relatórios de AISEB poderão demorar até seis semanas para sair, os seus serão publicados na internet de forma imediata. AISEB poderá demorar 45 dias a decidir que medidas implementar, enquanto a Walmart afirma que já começou a executar as suas. No plano dos factos, o Acordo só compromete as grandes multinacionais a participar com quantias que são para elas irrisórias - 500.000 dólares anuais durante os 5 anos de vigência do Acordo – no estabelecimento de condições de segurança para evitar incêndios e derrocadas dos edifícios onde funcionam as fábricas têxteis dos seus fornecedores. Uma breve análise do acordo 1) O Acordo nem sequer prevê a indemnização das vítimas da derrocada de 24 de abril em Rana Rana Plaza. Que saibamos, só uma empresa (Loblaws do Canadá) tem falado em indemnizar às vítimas. Em novembro de 2012, um incêndio numa fábrica têxtil (Tazreen Fashion) no Bangladesh causou 111 mortos. C&A anunciou que ia indemnizar as vítimas:

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(...) dois milhões de trabalhadores que, segundo a OIT, morrem a cada ano por causa de doenças e acidentes relacionados com o trabalho em todo mundo, sem que a sua morte alarme especialmente a opinião pública. para os meninos que perderam um familiar no incêndio, 50 dólares por mês até que cumpram 18 anos, para o pai ou mãe sobrevivente 15 dólares por mês para a educação da criança e 1200 dólares a cada família dos falecidos no incêndio. Até agora as vítimas não vislumbraram as modestas indemnizações prometidas pela C&A. Porém no Acordo do 15 de maio nem sequer figura a promessa de uma indemnização. O princípio da responsabilidade solidária das empresas multinacionais com as empresas fornecedoras foi ignorado uma vez mais. Há que dizer que este princípio jurídico fundamental, a “responsabilidade solidária”NT2, não vigora a nível internacional porque as reiteradas propostas, desde há mais de 20 anos, de algumas ONGs aos organismos especializados das Nações Unidas para que se adote como norma obrigatória de direito internacional nunca foram atendidas. 2) Também não figura no Acordo que as empresas compradoras se comprometem a aumentar os preços a pagam aos fornecedores, como um meio para aumentar os salários dos trabalhadores.

3) No Acordo não se menciona em absoluto nenhuma forma de promover e/ou garantir os direitos fundamentais dos trabalhadores a constituir sindicatos, a exercer livremente seus direitos e à negociação coletiva. Como é óbvio, a melhoria das condições de trabalho no Bangladesh depende em primeiro lugar da organização e a luta dos trabalhadores deste país. Mas os obstáculos (repressão e leis restritivas) que se lhes opõem são consideráveis. “Quando visitei o Bangladesh, em fevereiro apercebi-me de que de 5.000 fábricas só numa vintena existe um sindicato local registado e que funcione. Como resultado da intimidação e dos problemas de registo, menos do 1 por cento da força de trabalho está sindicada” ( Jyrki Raina, Secretário geral de Industriall Global, na sede deste organismo, 19 de março de 2013). Aminul Islam, sindicalista da Federação de Trabalhadores da Confeção e Industrial de Bangladesh (BGIWF na sigla em inglês) e membro do Centro de Solidariedade com os Trabalhadores de Bangladesh (BCWS), foi encontrado morto, a 5 de abril de 2012.

Fotos da investigação policial, tiradas ao corpo de Islam, sugerem que o sindicalista foi torturado antes de ser assassinadoNT3. 4) O acordo estabelece obrigações sobretudo para os fornecedores. Por exemplo se o edifício não corresponde às condições de segurança e enquanto se procede aos reparos necessários os trabalhadores devem suspender seu trabalho, o dono da fábrica deve manter os postos de trabalho existentes e pagar os salários. O Acordo não estabelece contribuição alguma por parte das multinacionais para o cumprimento desta obrigação, contrariamente a algumas interpretações falsas de dirigentes sindicais triunfalistas. 5) Quanto à obrigatoriedade do Acordo e à possibilidade de exigir seu cumprimento perante um Tribunal com capacidade para impor suas decisões às partes, é válido só para os fornecedores. Diz o Acordo: “Os acordos do protocolo são (i) para apoiar e motivar o empregador para encontrar soluções no interesse dos trabalhadores e do setor e (ii) agilizar os procedimentos legais quando o fornecedor recuse adotar as ações exigidas pela

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No Acordo do 15 de maio nem sequer figura a promessa de uma indemnização. O princípio da responsabilidade solidária das empresas multinacionais com as empresas fornecedoras foi ignorado uma vez mais. legislação nacional”. É falso sustentar que o Acordo é obrigatório ou vinculante, pois só prevê, em caso de conflito entre as partes, a eventual formação de um tribunal arbitral, sem estabelecer com precisão a forma de constitui-lo. Diz o Acordo: “5. Solução de conflitos. Qualquer conflito entre as partes que se de nos termos deste contrato será apresentado e resolvido pelo SC (Steering Comitee), que num prazo de 21 dias deverá decidir por maioria a pedido de qualquer das partes. A decisão do SC pode ser objeto de recurso para um processo de arbitragem final vinculante. Todo laudo arbitral poderá ser executado por um tribunal do país do signatário contra quem se solicita a execução e estará sujeito à Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque)NT4. O processo de arbitragem vinculante inclui mas não está limitado à atribuição dos custos relacionados com a arbitragem e o processo para a seleção do árbitro, reger-se-á pela lei marco UNCITRAL sobre arbitragem comercial internacional de

1985 (com as emendas aprovadas em 2006).” O SC a que se refere o precedente ponto 5 do Acordo é o Steering Comitee (Comité Diretivo) que, segundo o ponto 4 do mesmo, será eleito pelos assinantes do Acordo e será constituído por três representantes das federações sindicais assinantes (IndustriALL Global Union e UNI), três representantes das empresas assinantes (as empresas multinacionais) e um representante (neutro, diz o Acordo) da OIT, eleito por esta última. A oposição firme das empresas multinacionais a celebrar acordos obrigatórios relativos aos direitos humanos em general e laborais em particular tem sido pública e reiteradamente manifestada por estas em diferentes épocas. E os organismos especializados das Nações Unidas vergaram-se perante a resposta negativa por parte do poder económico transnacional. Isto tem-se refletido no conteúdo dos Princípios orientadores para as empresas elaborados por John Ruggie (atualmente assessor de Barrick Gold) e aprovados pelo Conselho de Direitos

Humanos da ONU em junho de 2011NT5. Em setembro de 2012 apresentou-se ao Conselho de Direitos Humanos um Relatório do Secretariado Geral da ONU referido a ditos Princípios Orientadores, em cujo parágrafo 11 se diz que deles “não se deriva nenhuma nova obrigação jurídica”. A única obrigação -se se pode chamar assimestipulada no Acordo de 15 de maio para as empresas multinacionais - financiar os trabalhos necessários para a segurança dos edifícios com 500.000 dólares anuais durante cinco anos- é puro lucro para ditas empresas. Na verdade, por um lado, a um custo mínimo e em suaves prestações procedem a uma lavagem da sua imagem perante a opinião pública, convenientemente divulgada por sindicalistas complacentes com o poder económico transnacional, por algumas ONGs e pelos grandes meios de comunicação social. Lavagem de imagem preventiva de um eventual boicote dos consumidores. E por outro lado, prevenindo os acidentes, as empresas multinacionais garantem a continuidade da produção nas fábricas e a sobrevivência da mão-de-obra mais barata

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A oposição firme das empresas multinacionais a celebrar acordos obrigatórios relativos aos direitos humanos em general e laborais em particular tem sido pública e reiteradamente manifestada. do mundo. As grandes empresas, no cálculo custo-benefício, têm estimado em princípio mais ventajoso fazer um pequeno investimento na segurança dos edifícios, que continuar a fazer vista grossa quando os edifícios entram em colapso ou se incendeiam e morrem centenas de trabalhadores. Efetivamente, em janeiro deste ano, vinte e quatro diretores executivos de multinacionais do comércio de produtos têxteis escreveram ao primeiroministro de Bangladesh, Sheikh Hasina, expressando-lhe a sua preocupação pelo futuro da indústria têxtil de Bangladesh caso não se respondesse à questão da segurança contra incêndios e às causas subjacentes. “Estes problemas podem causar mais danos ao sector”, disseram. (Assim informa Jyrki Raina, Secretário Geral de Industriall Global numa nota publicada o 19 de março de 2013 no site da referida organização sindical). À exigência de um controle externo realmente independente, as empresas multinacionais sempre têm respondido contratando auditorias de grandes

consultoras multinacionais2 ou aceitando o pseudo-controlo de conhecidas ONGs mais ou menos complacentes, cuja função oscila entre o controle e a assessoria (de preferência direta ou indiretamente remunerada) a essas mesmas empresas. “A responsabilidade social das empresas… adapta-se bem ao crescimento das alianças público-privadas e à crescente utilização de ONG como provedoras de serviços em novas formas de filantropia”3. Por exemplo no âmbito da Clean Clothes Campaign (campanha roupas limpas) um grupo de ONG elaborou e publicou em fevereiro de 1998 um projeto de Código de conduta muito completo para o comércio e a indústria de confeção de vestuário de desporto (roupas e calçado). Nenhuma empresa aceitou. 6) Por último, embora frequentemente a empresa local que recebe a encomenda subcontrate sua execução a fábricas onde as condições de trabalho são ainda piores, o Acordo não inclui tais subcontratados, pois quando se refere ao âmbito do Acordo, estabelece que o mesmo cobre a todos os fornecedores que produzem para as empresas

(multinacionais) signatárias do Acordo. E os subcontratados produzem para a empresa local, não para a empresa multinacional que faz o pedido ao fornecedor. No Acordo pode-se ler: “Âmbito: O acordo abrange todos os fornecedores que produzem produtos para as empresas signatárias”. Dito de outro modo, o fundamental do Acordo do 15 de maio responde às preocupações e interesses expressos pelas empresas transnacionais. São eles que devem exclamar CONSEGUIMOS! e não as organizações sindicais e as ONGs defensoras (ou supostas defensoras) dos direitos dos trabalhadores. Um dirigente sindical da região teve o descaramento de declarar: “A minha principal preocupação é que os homens e mulheres que vêm todas as manhãs trabalhar para as fábricas têxteis do Bangladesh voltem vivos à noite para suas casas”. E poderíamos acrescentar nós: e em suas casas recuperem forças comendo tigela de arroz e dormindo para voltar no dia seguinte para a fábrica para continuar sendo sobre-explotados. No entanto, fica por se ver se este Acordo, como se

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Os organismos especializados das Nações Unidas vergaram-se perante a resposta negativa por parte do poder económico transnacional. viu bastante limitado, será implementado assim que o drama for esquecido. Um acérrimo defensor do Acordo, Isidor Boix, Diretor do Departamento de Responsabilidade Social das Empresas (SER/RSC) da FITEQA-CCOO (Federação da Indústria Têxtil, Couro, Químicos e Afins – Comisiones Obreras [Estado Espanhol]) e Coordenador de IndustriALL para a aplicação do acordo-quadro com a Inditex Bangladesh, num artigo titulado intitulado “Em defesa dos direitos do trabalho. Primeiro grande acordo-quadro global”, escreve: “A aplicação do presente Acordo, insisto, não vai ser fácil”. No caso das fábricas têxteis do Bangladesh os interesses económicos em jogo são enormes. A sua produção representou no último ano o 80% do total das exportações do país, um montante de mais de 20 mil milhões de dólares [mais de 15 mil milhões de euros], sendo o segundo exportador de têxteis do mundo após a China. Isto traduz-se num enorme lucro para as empresas multinacionais com grandes marcas de vestuário de moda e gigantes mundiais da venda aos consumidores que compram a produção às fábricas têxteis do Bangladesh.

O Grupo Inditex Por exemplo, o Grupo Inditex (um dos que se comprometeu a assinar o Acordo do 15 de maio) apresenta-se assim: “O Nosso Grupo Inditex é um dos principais revendedores de moda do mundo, com oito formatos comerciais -Zara, Pull & Bear, Massimo Dutti, Bershka,Stradivarius, Oysho, Zara Home e Uterqüe - que contam com 6.009 estabelecimentos em 86 mercados. O Grupo Inditex reúne mais de uma centena de empresas associadas às diferentes atividades no design, fabricação e distribuição têxtil. A singularidade do seu modelo de gestão, baseado na inovação e a flexibilidade, e os lucros atingidos, tornaram a Inditex num dos maiores grupos de distribuição de moda. A nossa forma de entender a moda – design de qualidade e resposta ágil para ajustar às novas exigências de mercado – permitiu-nos expandir internacionalmente a um ritmo acelerado e tem

gerado uma excelente resposta comercial das diferentes cadeias. A primeira loja Zara abriu em 1975 na Corunha (Espanha), lugar onde se iniciou a atividade do Grupo e onde se localiza a sede da empresa. As suas lojas podem agora ser encontradas em locais privilegiados em mais de 400 cidades em cinco continentes.”NT6 Dois mil e trezentos milhões de euros de lucro líquido em 2012, mais 22% que em 2011 Quinze por cento do lucro líquido sobre o total do volume de negócios. Lucro equivalente a quase três anos de salário de todos os trabalhadores da indústria têxtil do Bangladesh. Estes enormes lucros, como os de outros grupos similares, são o resultado da sobre-exploração de milhões de trabalhadores da indústria têxtil nos países chamados periféricos, entre os quais os trabalhadores do Bangladesh são os que estão em piores condições no mundo em matéria de salários e de segurança no trabalho. No Bangladesh, trabalham neste setor mais de dois milhões de pessoas (a grande maioria

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À exigência de um controle externo realmente independente, as empresas multinacionais sempre têm respondido contratando auditorias de grandes consultoras multinacionais ou aceitando o pseudo-controlo de conhecidas ONGs mais ou menos complacentes mulheres jovens) por salários que, regra geral, não superam os 30 a 40 dólares mensais por um trabalho de 10 a 14 horas diárias seis dias por semana. Estima-se que no Bangladesh o salário mínimo para um trabalhador sem família deveria ser de 80 dólares mensais e de 160 para um trabalhador com dependentes. [Artigo 23, 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.NT7 Artigo 3 º da Convenção 131 da OIT: Os elementos a tomar em consideração para determinar o nível dos salários mínimos deverão, da maneira possível e apropriada, tendo em conta a prática e as condições nacionais, abranger: a) As necessidades dos trabalhadores e das respetivas famílias, tendo em atenção o nível geral dos salários no país, o custo de

vida, as prestações de segurança social e os níveis de vida comparados de outros grupos sociais; b) Os fatores de ordem económica, abrangendo as exigências do desenvolvimento económico, a produtividade e o interesse que há em atingir e em manter um alto nível de emprego.NT8] A Inditex e o preço da t-shirt As multinacionais pagam ao fornecedor entre 1 e 2,80 dólares por uma t-shirt. Isso significa um preço médio de 1,50 eurosNT9. E vendem-no ao consumidor final a uns 12 dólares (10 euros). O lucro líquido, por exemplo, no caso da Inditex, após a dedução de todas as despesas (matérias-primas, trabalho, transporte, publicidade, etc) é, como mencionado acima, 15%. No preço final ao consumidor a incidência do custo do trabalho no Bangladesh é aproximadamente do um por cento, isto é uns 12 cêntimos de dólar (10 cêntimos de euro) por peça. Um simples cálculo permite verificar que se, por exemplo, Inditex consentisse em reduzir seu lucro líquido de 15 para 13 por cento, e esta redução

fosse utilizada para aumentar os salários dos trabalhadores, este salário duplicar-se-ia. Mas na realidade ocorre o contrário: as multinacionais pressionam por diferentes formas os fornecedores para que baixem os preços e estes, para tentar manter as suas margens de lucro, mantêm os salários extremamente baixos e não gastam na manutenção dos edifícios onde funcionam as fábricas. Monopsónio: Um dos meios de pressão da empresa multinacional é o monopsónio (situação comercial em que uma empresa é o único comprador de um ou mais fornecedores). O fornecedor deve ceder às exigências do comprador sob a ameaça de perder seu único cliente. Walmart e do Carrefour Sem margem para dúvida, as empresas multinacionais da grande distribuição não só sobre-exploram os trabalhadores dos países mais pobres, como também exploram os trabalhadores de seus próprios países: baixos salários, horários prolongados e

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No Bangladesh, trabalham no setor têxtil mais de dois milhões de pessoas (a grande maioria mulheres jovens) por salários que, regra geral, não superam os 30 a 40 dólares mensais por um trabalho de 10 a 14 horas diárias seis dias por semana. irregulares e instabilidade. E para evitar resistências espiam e perseguem os sindicalistas e não poucas vezes impedem a formação de sindicatos. São os casos do Walmart e do Carrefour, os dois maiores supermercados mundiais. Os funcionários das empresas de segurança que os supermercados contratam costumam ser ferozes também com os clientes. No final de dezembro de 2009, no supermercado Carrefour, no centro de Lyon, quatro seguranças (dois empregados diretamente pelo Carrefour e dois da empresa privada de segurança Byblos) mataram um jovem que tentava furtar uma lata de cerveja. Os advogados do Carrefour (um deles membro da Federação Internacional de Direitos Humanos-FIDH), deram uma versão dos factos destinada a eximir de responsabilidade do Carrefour, falando sobre o "profissionalismo" dos seguranças e culpando a vítima de estar alcoolizado e oferecer uma resistência violenta. Versão que, na investigação do caso, se revelou totalmente falsaNT10. O que ocorre em Bangladesh é só uma amostra – extrema – do que significa para a humanidade o

capitalismo mundializado. Nike Nos outros sectores industriais a situação é semelhante. A Nike, que é um “modelo” nesta matéria, não tem nenhuma fábrica. Toda sua produção é confiada a 736 unidades subcontratadas em 56 países. Em outubro de 2001, essas fábricas subcontratadas empregavam a mais de meio milhão de pessoas: 455 mil em Ásia (dos quais 176 mil na Chinesa e 100 mil na Indonésia) 35 mil na América Latina, 9.500 em África e 55 mil no resto do mundo. Os 20 mil funcionários que a Nike tem nos Estados Unidos ocupam-se das funções financeiras, do design e do marketing. Os salários oscilavam em 2002 entre 60 e 70 euros por mês na China e na Indonésia, para uma jornada de dez horas diárias seis dias por semana. Isto é, um salário de uns 25 cêntimos de euro por hora4. E a Nike não se responsabiliza pela situação dos trabalhadores nesses centros de produção5. Ranking mundial da exploração dos trabal-

hadores Há uma espécie de escala ou “ranking” mundial da exploração dos trabalhadores. Entre os mais explorados estão os do Bangladesh e de outros países asiáticos, africanos e nas empresa NT11 maquiladoras da América Latina e das Caraíbas. E entre os relativamente menos explorados estão os trabalhadores de alguns países europeus e dos Estados Unidos. Com estas cinco variáveis, pelo menos, em relação aos países em desenvolvimento: 1) o grau de exploração varia de acordo com os setores produtivos; 2) a exploração é maior quando se trata de trabalhadores estrangeiros (em Alemanha, por exemplo, não existe salário mínimo nacional e os trabalhadores estrangeiros costumam ter um salário inferior aos trabalhadores alemães); 3) a exploração intensifica-se com os trabalhadores “negros”; 4) também é maior quando as empresas subcontratam a realização de determinados trabalhos: execução de obras (por exemplo na construção de

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A Nike, que é um “modelo” nesta matéria, não tem nenhuma fábrica. Toda sua produção é confiada a 736 unidades subcontratadas em 56 países. No preço final ao consumidor a incidência do custo do trabalho no Bangladesh é aproximadamente do um por cento (...) barcos), serviços de vários tipos, entre eles a limpeza nas centrais nucleares, onde os riscos para a saúde são muito elevados6 e 5) a exploração parece menor uma vez que o aumento do custo da vida se modera pelo facto de os trabalhadores poderem comprar produtos baratos (roupa e outros) provenientes dos países onde a exploração é máxima. Assim, de algum modo, os trabalhadores dos países ricos e intermédios dividem indiretamente com as grandes empresas o resultado da sobre-exploração dos trabalhadores dos países mais pobres. O que às vezes os leva a não reagir de forma mais combativa em frente à estagnação ou à diminuição de seus próprios salários reais. Para tratar de evitar que a opinião pública compreenda tudo isto e tire as devidas conclusões, no caso particular de Bangladesh, como é habitual em situações similares, os grandes meios de comunicação7, os sindicalistas complacentes com o grande capital, algumas ONGs que vendem a fábula da Responsabilidade Social das Empresas e “especialistas” em diferentes matérias confundem as

pessoas fazendo crer que o Acordo já foi assinado pelas grandes empresas multinacionais (13 de maio: Um porta-voz de Inditex disse à AFP que o acordo poderia ser assinado formalmente mais tarde, numa data a ser determinada por IndustriALL) e distorcem a realidade do verdadeiro conteúdo do Acordo do 15 de maio, atribuindo-lhe cláusulas sobre diferentes temas inexistentes no mesmo: como ter melhores condições de trabalho, direitos sindicais, preços justos para pagar ao fornecedor, etc. * Artigo “La catástrofe de Bangladesh. Botón de muestra del capitalismo mundializado” de Alejandro Teitelbaum disponível em castelhano em argenpress.info, publicado em maio de 2013. Traduzido por Bruno Góis para a revista “A Comuna”. Notas 1 – IndustriALL Global Union é uma federação sindical internacional fundada em 2012 a partir da fusão da Federação de Trabalhadores da Indústria Metalúrgica (International Metalworkers' Federation/IMF), da Federação Internacional da Química, da Energia e das Minas (International Federation of Chemical, Energy,

Mine) e da Federação Internacional da Indústria Têxtil, Vestuário e Couro (International Textiles Garment and Leather Workers' Federation, ITGLWF). A UNI Global Union apresenta-se como « a voz de 20 milhões de trabalhadores do sector de serviços do mundo ». 2 – Nos últimos anos, verificou-se uma tendência para que fossem as grandes empresas de consultoria a fizer auditoria e controle das empresas multinacionais, tanto em matéria de gestão económica e financeira (o que não é novo) como em matéria de gestão social, laboral e ambiental, o que constitui uma novidade. A auditoria e controle das grandes empresas constitui um novo mercado (o “mercado do controle”) que gera lucros significativos para aqueles que realizam essas atividades, lucros que aumentam rapidamente de um ano a outro. “Trata-se de um fenómeno que deu origem a uma nova indústria de assessores e de agências que prestam serviços às empresas em matéria de responsabilidade social” (ver a nota 3).Em meados de 2002 os escândalos financeiros envolveram grandes consultoras como Arthur Andersen, que se desintegrou, a PriceWaterhouse Coopers e a outras, que ficaram numa posição delicada. 3 – Dwight W. Justice (Confederación Internacional de Organizaciones Sindicales Libres) – “El concepto de responsabilidad social de las empresas: desafíos y oportunidades para los sindicatos” In: Organización Internacional del Trabajo (Ed) – La responsabilidad social de las empresas: mitos y realidades. Manuales de Educación Obrera 2003/1. Número 130. p.1. (Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_dialogue/@actr av/documents/publication/wcms_117578.pdf >)

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Se a Inditex consentisse em reduzir seu lucro líquido de 15 para 13 por cento, e esta redução fosse utilizada para aumentar os salários dos trabalhadores, este salário duplicar-se-ia. Para tratar de evitar que a opinião pública compreenda tudo isto e tire as devidas conclusões, os grandes meios de comunicação, os sindicalistas complacentes com o grande capital, algumas ONGs que vendem a fábula da Responsabilidade Social das Empresas 4 – “Les petits pas de Nike” in Alternatives Internationales. 3 (juillet-août) 60-61. 5 – Em maio de 2002, o Supremo Tribunal da Califórnia condenou a Nike por enganar a opinião pública com uma campanha publicitária a respeito das condições de trabalho (que apresenta como boas) nas empresas subcontratadas no sudeste da Ásia, incluindo Vietname. O Tribunal defende que a Nike não pode invocar a Primeira Emenda da Constituição de Estados Unidos (liberdade de expressão) para realizar publicidade enganosa (New York Times, 04/05/02, página A4).7 6 – Ver Annie Thébaud-Mony – “Rationalité instrumentale et santé au travail: le cas de l’industrie nucléaire” in La Gazette Nucléaire. 175-176 (junio 1999) e, da mesma autora Travailleur peut nuire gravement à votre santé. Paris : Ed. La Découverte, 2007-2008. 7 – Os meios de comunicação “informaram” poucos dias após a catástrofe de Bangladesh que umas 300 fábricas tinham cessado as atividades por “razões de segurança”. A verdade é que fecharam na sequência dos protestos dos trabalhadores e reabriram três dias depois. Notas do Tradutor NT1 –“Accord on Fire and Building Safety in Bangladesh”, disponível em <http://www.industriallunion.org/sites/default/files/uploads/documents/2013-05-13_-_ accord_on_fire_and_building_safety_in_bangladesh.pdf#overla y-context=>.

NT2: Na legislação portuguesa, este princípio pode ser encontrado na secção IV “Garantias de créditos do trabalhador” do Código de Trabalho, no Artigo 334º “Responsabilidade solidária de sociedade em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo”; o número 4 do Artigo 12º “Presunção de contrato de trabalho” remete para o mesmo princípio no que toca ao pagamento da coima. REPÚBLICA PORTUGUESA – Código de Trabalho. Disponível no site da Comissão para Igualdade no Trabalho e no Emprego em <http://www.cite.gov.pt/pt/legis/CodTrab_indice.html>. NT3 – Link referenciado pelo autor <http://www.ethique-suretiquette.org/Aminul-Islam-assassine,120>. NT4 – Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Data de conclusão 10/06/1958. Local de conclusão. Nova Iorque. (Disponível no site do Gabinete de Documentação e Direito Comparado em <http://www.gddc.pt/siii/docs/rar37-1994.pdf >; Portugal é Estado parte desde 18 de outubro de 1994). NT5 – A/HRC/17/31, Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre as Empresas e os Direitos Humanos. (Disponível em Inglês em <http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Business/A-HRC17-31_AEV.pdf > e em Castelhano em <http://www2.ohchr.or g/SPdocs/Business/A-HRC-1731_sp.doc>)

<http://www.inditex.com/es/quienes_somos/nuestro_grupo> e em Inglês em <http://www.inditex.com/en/who_we_are/our_group>. NT7 – Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em <http://dre.pt/comum/html/legis/dudh.html>. NT8 – Organização Internacional do Trabalho. Convenção n.º 131. Relativa à fixação dos salários mínimos, designadamente no que respeita aos países em vias de desenvolvimento. Disponível em < http://www.dgert.mtss.gov.pt/conteudos%20de%20ambito%20ge ral/oit/legislacao_oit/conv_131_dec_77_81.htm>. – Link referenciado pelo autor: NT9 <http://www.alibaba.com/producttp/137230745/100_cotton_men_T_shirt.html>. NT10 – Link referenciado pelo autor: <http://www.liberation.fr/societe/0101611568-une-mort-endirect-sur-la-videode-carrefour>. NT11 – As maquilas ou empresas maquiladoras, termo originário do México, são empresas que importam materiais sem o pagamento de impostos a fim de proceder à sua transformação, sendo que o produto do trabalho volta ao país de origem das matérias importadas, não sendo comercializado no país onde é produzido.

NT6 – Disponível no site da Inditex em castelhano em

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Lutas do trabalho na Ásia Oriental, no primeiro semestre de 2013

Os dados deste artigo foram retirados do blogue Spartacus (libcom.org/blog/spartacus) do site libcom.org e do site spartacusnews.net.

Nele referenciamos as lutas do trabalho na Ásia Oriental no primeiro trimestre de 2013, incluindo dados muito mais limitados sobre a Índia (faltandonos dados de outros países do sub-continente indiano – Bangladeche, Paquistão, Sri Lanka). As lutas do trabalho na China, pela importância deste país e tendo em conta que existem dados específicos, são apresentados noutro artigo deste dossier de “A Comuna”. Em relação à totalidade do continente asiático não incluímos os países do Médio Oriente e da Ásia Central. Naturalmente, os dados expostos refletem apenas parte da realidade, não incluindo certamente muitas lutas, que tiveram menos reflexo na comunicação social, ou que nem sequer foram noticiadas. Dão, porém, uma imagem das inúmeras movimentações

dos trabalhadores asiáticos no seu combate à exploração e na luta por melhores salários e contra a precariedade, por segurança social, por direitos do trabalho e sindicais. E refletem também as diferenças de estádios ou momentos da luta nos diversos países da Ásia. Para além das lutas do trabalho, são referenciadas outras lutas sociais, nomeada-

mente contra a confiscação de terras, a energia nuclear e as violações de mulheres (Índia). Os dados são apresentados por país, ordenados alfabeticamente, e por data. Cambodja 14 de janeiro – Protesto de trabalhadores pelo

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pagamento de salários em atraso na fábrica de confeções Kingsland do Cambodja, fábrica que fornece de Walmart e H&M 25 de janeiro – Protesto de trabalhadores da restauração em solidariedade com trabalhadores despedidos no templo Ta Prom, em Siem Reap 1 de fevereiro – Continuação do protesto de trabalhadores despedidos exigindo o pagamento dos salários em atraso na fábrica de confeções Kingsland, fornecedora de Walmart e H&M 10 de fevereiro – Novos protestos dos trabalhadores da fábrica Kingsland 13 de fevereiro – Bloqueio de estrada em protesto contra salários em atraso em Takhmao, Kandal 22 de fevereiro – Greve por aumento de salários e contra despedimentos no casino NagaWorld Casino in Phnom Penh 26 de fevereiro – Greve da fome dos trabalhadores da fábrica de confeções Kingsland, fornecedora de Walmart e H&M1 4 de março – Vitória da greve da fome dos trabalhadores da fábrica de confeções Kingsland, fornecedora de Walmart e H&M2 4 de março – Greve dos tradutores do tribunal que julgava os Khmer Vermelhos, a greve durou duas semanas 6 de março – Protesto de trabalhadores da empresa Mfone, que entrou em falência, exigindo o pagamento de salários não pagos - Phnom Penh 8 de março – Protesto contra despejos forçados e

pela libertação de ativistas presos - Phnom Penh 13 de março – Protesto contra o despejo forçado de terras, Boeung Kak Lake em Phnom Penh. Mais de cem pessoas participaram no protesto, ficando feridas 6 pessoas 20 de março – Greve pelo direito de organização sindical e contra a repressão na fábrica E-Garment na província Kandal Province3 Coreia do Sul 25 de janeiro – Greve da fome contra o despedimento de ativistas sindicais em Seul 20 de fevereiro – Greve de motoristas de táxi pelo reconhecimento como trabalhadores de transportes públicos, 50.000 motoristas de táxi manifestaram-se nas ruas de Seul. Filipinas 18 de janeiro – Protesto contra a prisão de ativistas do trabalho em Mendiola, Manila 23 de janeiro – Protesto contra a prisão de ativistas em Bacolod 31 de janeiro – Protesto contra a corrupção na Universidade de Mindanao Sul em North Cotabato, Mindanao 1 de fevereiro – Protesto contra proposta de lei de privatização - Manila 2 de fevereiro – Protesto de produtores de coco Manila 13 de fevereiro – Protesto contra repressão de

ativistas sociais em Manila 14 de fevereiro – Protesto contra a corrupção na Universidade de Mindanao Sul - Cotabato, Mindanao 26 de fevereiro – Protesto das vítimas do tufão exigindo apoio ao Departamento da Segurança Social e Desenvolvimento em Davao, Mindanao 8 de março – Protesto contra o desemprego e o custo de vida em Manila 20 de março – Protesto de estudantes na sequência do suicídio de uma estudante universitária por não conseguir pagar as propinas - Manila 25 de março – Bloqueio da Apex Mining Company Inc por residentes afetados pelo tufão e exigindo apoio - Maco, Compostela Valley Índia 15 de janeiro – Milhares de pessoas manifestamse em Goa contra a violação de uma rapariga de sete anos na casa de banho de uma escola 16 de janeiro – Milhares de pessoas manifestamse em protesto contra a violação e assassinato de uma jovem em Delhi 16 de janeiro – Cadeia humana manifestando-se contra a compra de terras e expulsão dos moradores locais pela multinacional sul-coreana Posco para um projeto siderúrgico na costa de Odisha em Jagatsinghpur. 3 de fevereiro – Polícia carrega sobre manifestantes que protestaram contra o confisco de terras para o projeto siderúrgico da Posco – a comuna 44


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Odisha, Jagatsinghpur 6 de fevereiro – Interrupção do projeto de confisco de terras pelo projeto Posco, na sequência dos confrontos em 3 de fevereiro 20 e 21 de fevereiro – Greve geral de dois dias 2 de março – Três pessoas mortas por bombas artesanais em Odisha, Jagatsinghpur. Segundo as a coligação de associações que organizam os protestos contra o projeto Posco, as bombas terão constituído um ataque de capangas ao serviço da Posco. 2 de março – Centenas de pessoas protestaram contra um ataque sexual a uma rapariga de sete anos. 7 de março – Parado o projeto Posco de aquisição de terras. 11 de março – Protesto contra a energia nuclear em Kudankulam Indonésia 6 de janeiro – Greve por melhores salários e direitos laborais na Unilever em Bekasi. Os grevistas apelaram ao boicote dos produtos da Unilever. 16 de janeiro – Protesto de jornalistas contra despedimento de um colega - Jakarta 17 de janeiro – Protesto de milhares de trabalhadores contra o atraso no aumento do salário mínimo e contra o aumento dos preços do gás e da eletricidade - Jakarta 30 de janeiro – Protesto contra a brutalidade

policial em Palembang, Sumatra Sul 6 de fevereiro – Protesto de milhares de trabalhadores mobilizados pela federação dos metalúrgicos e exigindo aumentos salariais e segurança social - Jakarta 6 de fevereiro – Protesto de condutores de triciclo contra a violenta perseguição policial em Semarang, Central Java 7 de fevereiro – Manifestação de protesto de centenas de trabalhadores contra o atraso no aumento do salário mínimo em Batam, Ilhas Riau 7 de fevereiro – Manifestação de milhares de trabalhadores exigindo segurança social e protestando contra o atraso no aumento do salário mínimo em Jakarta 16 de fevereiro – Greve contra o despedimento de trabalhadores da segurança na PT Tanjungenim Lestari Pulp and Paper 18 de fevereiro – Manifestação de centenas de empregadas domésticas por direitos em Jakarta 19 de fevereiro – Protesto de centenas de trabalhadores contra as propostas de lei sobre organizações de massas e segurança nacional em Jakarta 26 de fevereiro – Protesto de trabalhadores contra o atraso na implementação do aumento do salário mínimo em Jakarta 4 de março – Protesto de trabalhadores da construção contra os salários em atraso em Pekanbaru, Riau 8 de março – Greve pelo direito de organização,

pelo pagamento de horas extraordinárias e contra a precariedade na empresa de telecomunicações chinesa Huawei em Jakarta e Surabaya, Java 8 de março – Protestos contra a violência sobre as mulheres, em várias cidades 10 de março – Greve dos trabalhadores da segurança contra “outsourcing” na PT. Tanjungenim Lestari Pulp and Paper Japão 19 de janeiro – Protesto contra o despedimento de trabalhadores e a repressão sindical em American Apparel 22 de fevereiro – Protesto de mães contra a falta de creches públicas, em Tóquio 9 de março – Milhares de pessoas manifestam-se contra a energia nuclear em Tóquio, na antevéspera do segundo aniversário do tsunami e do desastre da central nuclear de Fukushima Laos 22 de fevereiro – Protesto de moradores exigindo compensação pelo despejo de terras e deslocalização em That Luang Marsh, Vienciana Malásia 13 de janeiro – Dezenas de milhares de pessoas exigem reformas políticas em Kuala Lumpur 17 de janeiro – Protesto de ex-trabalhadores de Sanmin por pagamento de indemnizações em Kucha comuna 45


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ing, Sarawak 28 de janeiro – Protesto de centenas de trabalhadores contra despedimentos em Bintulu, Sarawak 3 de fevereiro – Protesto contra o confisco de terras em Tumpat, Kelantan 13 de fevereiro – Greve por aumentos salariais na fábrica de móveis em Johor 13 de março – Greve de trabalhadores migrantes por aumento do salário mínimo na fábrica têxtil e de poliester em Negri Sembilan e fábrica de móveis em Johor 15 de março – Protesto dos trabalhadores da indústria eletrónica pelo reconhecimento do sindicato em Putrajaya Myanmar (Birmânia) 30 de janeiro – Protesto contra a repressão na mina de cobre Letpadaung em Sagaing Division 13 de fevereiro – Protesto contra a violenta repressão dos ativistas contra a mina de cobre Letpaduang em Monywa, Sagaing Division 25 de fevereiro – Protesto contra confisco de terras em Nyaungshwe, Shan State 26 de fevereiro – Protesto de moradores contra os cortes de eletricidade em Kyaukpadaung, Mandalay 27 de fevereiro – Protesto contra o confisco de terras em Maubin, Irrawady Division 28 de fevereiro – Greve da fome de moradores contra a mina de cobre Letpadaung em Sarlingyi, Sagaing Division

11 de março – Protesto contra mina de carvão em Tenasserim Division 14 de março – Protesto contra o apoio de Aung San Suu Kyi à mina de cobre Letpadaung em Sagaing Division 14 de março – Protesto de agricultores por indemnizações contra os prejuízos nas terras pela instalação de ligações pela Telecom 21 de março – Protesto contra barragem em Karen State 28 de março – Novo protesto contra mina de cobre Letpadaung Mine em Sagaing Division Tailândia 3 de janeiro – 200 trabalhadores protestam contra encerramento da fábrica Vena Garments Co em Saraburi 11 de janeiro – Protesto contra repressão e despedimentos na fábrica Electrolux na Tailândia 19 de janeiro – Greve dos trabalhadores de terra da Thai Airways por aumentos de salários e subsídios no aeroporto Suvarnabhumi em Banguecoque 22 de janeiro – Protesto de cem trabalhadores do Banco de Banquecoque por melhores salários e subsídios e pensões de reforma 26 de janeiro – Protesto contra a barragem no rio Yom em Phrae 29 de janeiro – Manifestação pelo pagamento de horas extraordinárias pela Autoridade portuária da Tailândia

8 de fevereiro – Greve de 5.000 trabalhadores pelo pagamento de horas extraordinárias na fábrica da General Motors em Pluakdaeng, Rayong 9 de fevereiro – Vitória dos trabalhadores da Thai Airways em greve por melhores salários – Banguecoque 12 de fevereiro – Protesto de 500 moradores contra os prejuízos na saúde provocados pela central elétrica a carvão em Krabi 15 de fevereiro – Greve dos trabalhadores pelo pagamento de horas extraordinárias provoca a demissão do diretor-geral da Autoridade portuária da Tailândia 1 de março – Greve de cinco horas dos trabalhadores das bagagens do aeroporto internacional Suvarnabhumi em Banguecoque, exigindo o pagamento de salários em atraso 13 de março – Concentração de trabalhadores da fábrica de eletrónica NXP e da General Motors, junto das embaixadas dos EUA, Austrália e Holanda e do gabinete do primeiro-ministro da Tailândia em Banguecoque, contra as alterações de horários de trabalho e o pagamento de horas extraordinárias 13 de março – Protesto de médicos rurais contra cortes salariais - Banguecoque 15 de março – Greve dos trabalhadores da General Motors pelo pagamento de horas extraordinárias em Pluakdaeng, Rayong 28 de março – Protesto de trabalhadores migrantes birmaneses por aumento de salários, a comuna 46


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contra a confiscação de passaportes e autorizações de trabalho pela fábrica em Rayong Province Taiwan 13 de janeiro – Protesto contra o presidente Ma Ying-jeou em Taipé, junta 100.000 pessoas 19 de janeiro – Milhares de trabalhadores manifestam-se pelos direitos do trabalho e contra a possibilidade das pensões de reforma serem reduzidas - Taipé 24 de janeiro – Manifestação de moradores contra projeto de construção de reservatório de água em Miaoli 3 de fevereiro – Concentração de agricultores e respetivas associações de vários países asiáticos pelo direito à terra - Taipé 4 de fevereiro – 50.000 pessoas participam na manifestação dos trabalhadores das empresas públicas contra o corte de subsídios - Taipé 6 de fevereiro – Protesto de trabalhadores despedidos reivindicando indemnizações, ocupando estação de comboio - Taipé 7 de fevereiro – Protesto de sindicalistas contra cortes na segurança social e nas pensões de reforma 9 de março – 200.000 pessoas manifestam-se contra a energia nuclear em Taipé, Taichung, Kaohsiung and Taitung 13 de março – Protesto de agricultores contra plano dos lagos artificiais Gaoping - Taipé

14 de março – Protesto de moradores contra confisco de terras Tainan - Taipé 15 de março – Protesto contra demolições forçadas Huaguang - Taipé Central 18 de março – Protesto contra a energia nuclear em Taipé 21 de março – Protesto contras demolições forçadas Huaguang - Taipé Central 27 de março – Novo protesto contra demolições forçadas Huaguang - Taipé Central Vietname 31 de janeiro – Protesto contra o confisco de terras no Norte 27 de janeiro – Greve de mais de 3.000 trabalhadores da companhia de processamento de produtos do mar Minh Phu-Hau Giang em Chau Thanh District, Hau Giang Province, por pagamento de subsídio 17 de março – Protesto durante um funeral contra a impunidade das elites locais em Vinh Yen, Vinh Phuc Artigo de Carlos Santos, a partir dos dados publicados pelo blogue Spartacus (libcom.org/blog/spartacus)

elucidativa da vitória, link: http://www.warehouseworkersunited.org/cambodian-workers-win/ 3 – Ver notícia e foto em: http://www.equaltimes.org/news/repression-continues-atcambodian-garment-factory

1 – Ver foto dos trabalhadores empunhando um cartaz onde se pode ler: “Walmart+H$M estaremos em greve da fome até que assumam a vossa responsabilidade”, link: http://www.labornotes.org/2013/02/cambodian-workers-campout-hunger-strike-against-walmart-and-hm 2 – Ver notícia “Trabalhadores cambojanos vencem” e a foto

a comuna 47


dossiê

Lutas do trabalho na China, no primeiro trimestre 2013 Os dados deste artigo foram recolhidos no mapa de lutas do site China Labour Bulletin (http://www.clb.org.hk/en/).

Os dados, como é natural, refletem apenas parte muito pequena da realidade e acontecimentos que foram noticiados na comunicação social ou na blogosfera chinesa. Em muitos casos, nem sequer são referenciados dados sobre o tipo de reivindicação, ou sobre a forma de luta exata. Naturalmente, ressaltam algumas lutas, que podem não ter o peso ou dimensão que aparentam, mas apenas possuem mais visibilidade. No entanto, esta informação, apesar de muito limitada, dá-nos uma ideia da dimensão das lutas de trabalho na China. Todos os dias centenas ou milhares de trabalhadores e trabalhadoras chinesas lutam por seus direitos e contra a exploração, em condições particularmente adversas. Se, em muitos casos, se trata de lutas absolutamente defensivas, como por exemplo a exigência de pagamento de salários em atraso, em muitas encontra-se variadas reivindicações de caráter mais avançado. 1 de janeiro de 2013 – Luta dos motoristas de táxi em Hubei 1 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de limpesa da estação de caminhos de ferro – Shaanxi 4 de janeiro de 2013 – Greve de 2.000 motoristas de táxi de Tianjin e bloqueio da via expresso para o aeroporto 4 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi de Hebei 5 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores da indústria do automóvel contra o cancelamento de férias pagas e os baixos salários 6 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores da limpeza contra os salários em atraso Sichuan 6 de janeiro de 2013 – Protesto de trabalhadores da indústria de lâmpadas contra salários em atraso - Chongqing 6 de janeiro de 2013 – Greve dos professores da escola superior de Hubei por subsídios 6 de janeiro de 2013 – Greve da redação do “Semanário do Sul” contra a censura 7 de janeiro de 2013 – Greve dos professores da escola primário e média de Guizhou por subsídios anuais 7 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de saneamento de Yunnan contra a falta de contrato e por segurança social 7 de janeiro de 2013 – Greve dos motoristas de autocarro de Gansu contra os táxis não licenciados a comuna 48


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7 de janeiro de 2013 – Greve dos professores da escola média de Hubei por melhores salários 8 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de saneamento de Zhejiang contra salários em atraso e por pensões de reforma 8 de janeiro de 2013 – Greve de operários de fábrica têxtil contra salários em atraso – Guangdong 8 de janeiro de 2013 – Greve dos motoristas de táxi contra o aumento de táxis – Gansu 8 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi contra táxis não licenciados – Shaanxi 8 de janeiro de 2013 – Manifestação de motoristas de táxi em frente ao edifício do governo municipal – Henan 8 de janeiro de 2013 – Greve dos professores da escola média contra salários em atraso – Guizhou 9 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de fábrica de eletrónica contra salários em atraso e pelo termo de contratos ilegais 9 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de eletrónica por compensação relacionada com fusão 10 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de saneamento por aumentos de salários – Guangdong 10 de janeiro de 2013 – Protesto de milhares de trabalhadores da indústria da construção contra salários em atraso – Shaanxi 10 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de tipografia por subsídio de antiguidade - Shenzhen 10 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores

de indústria de aparelhos auditivos por melhores salários - Shenzhen 10 de janeiro de 2013 – Greve dos motoristas de autocarro contra a regulamentação governamental – Shaanxi 10 de janeiro de 2013 – Bloqueio de estrada por trabalhadores de limpeza pelo pagamento de salários – Sichuan 11 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores da Foxconn por aumentos de salários - Jiangxi 11 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de fábrica japonesa contra o cancelamento de subsídios – Shenzhen 13 de janeiro de 2013 – Greve dos professores da escola média por aumento de salários – Zhejiang 13 de janeiro de 2013 – Protesto de trabalhadores de fábrica de eletrónica na cantina contra alimentação má – Guangdong 13 de janeiro de 2013 – Greve dos motoristas de autocarro por aumentos de salários – Guangdong 14 de janeiro de 2013 – Protesto de trabalhadores da construção contra salários em atraso – Beijing 15 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores da Jatco (subsidiária da japonesa Nissan) contra baixos subsídios - Guangdong 16 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de empresa de eletrónica de Taiwan por aumentos de salários – Jiangxi 16 de janeiro de 2013 – Trabalhadores da construção ameaçam saltar de prédio contra

salários em atraso – Guangdong 16 de janeiro de 2013 – Greve dos motoristas de autocarro por aumentos de salários – Guangdong 16 de janeiro de 2013 – Greve dos motoristas de autocarro por aumentos de salários – Chongqing 17 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de restaurante (hot pot) contra salários em atraso – Gansu 17 de janeiro de 2013 – Greve de professores da escola média contra salários em atraso – Henan 18 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica japonesa contra a repressão – Hanghai 18 de janeiro de 2013 – Greve de professores da escola média contra o corte de subsídios – Henan 18 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de serviços postais expresso de encomendas contra cortes nos salários 18 de janeiro de 2013 – Greve de professores da escola média contra salários em atraso – Zhejiang 20 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de limpeza por aumentos de salários – Guangdong 21 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi contra os encargos administrativos – Zhejiang 21 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores da Changrui JV por aumentos de salários – Jiangsu 21 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de triciclo contra regulamentação injusta – Jiang 22 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de autocarro devido a elevadas cargas de administração – Yunnan a comuna 49


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22 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi por aumentos de salários – Fujian 22 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores da Foxconn por aumentos de salários e contra o cancelamento de subsídios – Beijing 22 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica da indústria eletrónica Arlec contra o cancelamento de subsídios – Guangdong 23 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi contra revogação de licença – Jilin 23 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de limpeza por aumentos de salários e segurança social – Guangdong 24 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica japonesa por aumentos salariais – Shenzhen 24 de janeiro de 2013 – Protesto de trabalhadores de e-comércio contra fusão – Shanghai 24 de janeiro de 2013 – Protesto de trabalhadores de fábrica de brinquedos contra salários em atraso – Guangdong 24 de janeiro de 2013 – Greve de professores da escola média, contra salários em atraso – Henan 24 de janeiro de 2013 – Greve de professores contra cortes salariais – Shanxi 25 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de material de decoração por aumentos salariais – Jiangsu 26 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de transportes – Anhui 27 de janeiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi

– Sichuan 28 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de material eletrónico contra cancelamento de subsídios – Guangdong 28 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de limpeza – Yangjiang, Guangdong 29 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de limpeza por aumentos salariais – Guangdong 29 de janeiro de 2013 – Greve de fábrica de plástico contra cancelamento de subsídios – Guangdong 30 de janeiro de 2013 – Greve de professores contra salários em atraso – Zhejiang 31 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores da fábrica têxtil Youngor contra cancelamento de subsídios – Chongqing 31 de janeiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica alemã por salário igual para trabalho igual – Shenzhen 31 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores da fábrica de plásticos contra o cancelamento de subsídios – Guangdong 31 de janeiro de 2013 – Greve dos trabalhadores da empresa Citizen contra horas extraordinárias forçadas – Guangdong 31 de janeiro de 2013 – Greve de operários contra salários em atraso – Fujian 1 de fevereiro de 2013 – Greve dos trabalhadores da Siemens contra layoff – Zhejiang 5 de fevereiro de 2013 – Greve de motoristas de táxi contra elevado preço da licença – Zhejiang

5 de fevereiro de 2013 - Greve de trabalhadores da Delphi por salário igual para trabalho igual – Beijing 6 de fevereiro de 2013 – Greve de estudantes internos na Nypro contra horas extra – Shenzhen 6 de fevereiro de 2013 – 200 trabalhadores de confeções bloqueiam estrada exigindo o pagamento de salários em atraso – Henan 8 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de saneamento contra salários em atraso – Guangxi 8 de fevereiro de 2013 – Greve de motoristas de autocarro contra cargas administrativas e não pagamento de subsídios – Hubei 8 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de saneamento por subsídios anuais mais altos – Guizhou 9 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de supermercado contra cancelamento de subsídios – Zhejiang 17 de fevereiro de 2013 – Greve de motoristas de autocarro por salário igual para trabalho igual – Guizhou 17 de fevereiro de 2013 – Protesto de trabalhadores de 361º contra salários em atraso – Sichuan 19 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores da International Paper por melhores salários e subsídios – Guangdong 20 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores da Ferroli (aquecimento de água) pelo pagamento de horas extraordinárias – Guangdong a comuna 50


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22 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de calçado por compensação devido a nova localização da empresa – Zhejiang 22 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de Ashely, setor de alimentação, por melhores salários – Jiangsu 22 de fevereiro de 2013 – Greve de estudantes internos contra cortes no pagamento de salários – Jiangsu 22 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de Tajco por melhores salários – Zhejiang 23 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de lâmpadas por melhores salários – Guangdong 23 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de acessórios de automóveis por melhores salários – Henan 24 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de calçado por folgas durante o Festival das Lanternas – Jiangxi 25 de fevereiro de 2012 – Greve de trabalhadores de limpeza por melhores subsídios – Guangdong 25 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de LED contra layoffs – Jiangzu 25 de fevereiro de 2013 – Protesto de trabalhadores de fábrica de calçado contra salários em atraso – Guangdong 26 de fevereiro de 2013 – Greve dos trabalhadores de fábrica da Nike por aumentos de salários 26 de fevereiro de 2013 – Protesto contra layoffs

em departamento estatal – Hubei 26 de fevereiro de 2013 - Greve de trabalhadores de fábrica de baterias de automóveis contra salários em atraso – Shenzhen 26 de fevereiro de 2013 – Greve de fábrica Forme contra salários em atraso e compensação de deslocalização – Shenzhen 27 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores da fábrica de plásticos Albéa por aumentos de salários – Guangdong 27 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores da fábrica Heinz por compensação por fusão – Sichuan 27 de fevereiro de 2013 – Protesto de trabalhadores da fábrica de eletrónica Ohms por melhores salários e exigindo a demissão do chefe do sindicato – Shenzhen 28 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de LED devido a alegado encerramento da empresa 28 de fevereiro de 2013 – Greve de trabalhadores de segurança pelo pagamento de salários em atraso – Shanghai 1 de março de 2013 – Greve dos trabalhadores de serviços – Fujian 4 de março de 2013 – Protesto de trabalhadores de hotel exigindo segurança social depois da reestruturação do hotel – Jilin 5 de março de 2013 – Greve dos trabalhadores da empresa estatal de energia por aumentos de

salários – Henan 5 de março de 2013 – Greve dos motoristas de táxi contra os táxis não licenciados – Shaanxi 5 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de indústria metalúrgica e pessoal de segurança contra salários em atraso – Guangdong 6 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de bicicletas pelo pagamento de salários em atraso – Guangdong 6 de março de 2013 – Greve de de trabalhadores da empresa estatal agrícola contra cortes salariais – Yunnan 7 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de eletrónica por aumentos salariais – Guangdong 7 de março de 2013 – Greve de trabalhadores da fábrica Nypro por subsídios 7 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de plásticos por maiores aumentos salariais 8 de março de 2013 – Protesto de trabalhadoras em frente ao edifício do governo contra a má conduta da fábrica Mitsumi 8 de março de 2013 – Greve de trabalhadores da fábrica de brinquedos – Shenzhen 11 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de instrumentos musicais por recompensação devido a deslocalização – Shenzhen 12 de março de 2013 – Greve de motoristas de táxi contra a regulação limitada do governo – Guizhou 12 de março de 2013 – Greve de trabalhadores da a comuna 51


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empresa Huadong Aluminium contra a corrupção da gestão e os cortes salariais – Zhejiang 12 de março de 2013 – Greve de motoristas de táxi contra a política governamental de recompra de licenças a um preço muito baixo – Hubei 13 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica de papel pelo pagamento de salários em atraso – Fujian 13 de março de 2013 – Greve de professores da escola média contra cortes nos salários – Liaoning 13 de março de 2013 – Protesto de trabalhadores da Foxconn de Kunshan, Jiangsu contra a exploração 14 de março de 2013 – Greve de vendedores da UA Finance contra o corte de subsídios – Shenzhen 14 de março de 2013 – Greve de trabalhadores da fábrica OSM contra corte de subsídios – Guangdong 15 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica japonesa contra a falta de compensação por antiguidade – Shenzhen 15 de março de 2013 – Greve de professores contra injusto subsídio de reforma – Chongqing 15 de março de 2013 – Greve de fábrica de Hongkong contra cortes salariais – Guangdong 16 de março de 2013 – Greve de operários contra salários em atraso, bloqueando transportes – Guangdong 16 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de empresa joint-venture pelo pagamento de salários em atraso – Fujian 18 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de

fábrica japonesa por aumentos salariais – Guangdong 18 de março de 2013 – Greve de motoristas de autocarro por aumentos salariais e mais férias – Guangdong 18 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica privada contra a gestão – Guangdong 18 de março de 2013 – Greve de motoristas de autocarro por salário igual para trabalho igual – Shenzhen 18 de março de 2013 – Greve de motoristas de transportes logísticos contra nova regulação governamental – Hubei 18 de março de 2013 – Greve de trabalhadores da Honda por melhores salários 19 de março de 2013 – Concentração de centenas de operários – Guangdong 25 de março de 2013 – Protesto de trabalhadores – Liaoning 25 de março de 2013 – Greve de trabalhadores industriais com bloqueio de estrada – Guangdong 25 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de serviços – Sichuan 25 de março de 2013 – Greve de professores – Sichuan 25 de março – Greve de trabalhadores industriais – Anhui 26 de março de 2013 – Trabalhadores reformadores pedem ajuda – Guizhou 26 de março de 2013 – Protesto de professores –

Zhejiang 27 de março de 2013 – Protesto de centenas de operários – Hunan 27 de março de 2013 – Greve de motoristas de táxi – Shanxi 27 de março de 2013 – Greve de motoristas de táxi em Xianyou, Fujian 27 de março de 2013 – Protesto de trabalhadores de jardim de infância – Shaanxi 29 de março de 2013 – Greve de centenas de operários – Guangdong 29 de março de 2013 – Greve de milhares de trabalhadores da indústria naval com bloqueio de estrada – Liaoning 29 de março de 2013 – Greve de trabalhadores de fábrica da indústria eletrónica – Guangzhou 31 de março de 2013 – Greve de motoristas de autocarros contra novo regulamento - Guangdong

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cultura

Playtime (1967) Adriana Rosa Delgado

Idealizado em 1959, filmado entre 1964 e 1967, e finalmente exibido em 1967, PlayTime quase levou o seu realizador, Jacques Tati, à ruína. Tati não olhou a gastos para que o filme fosse a tradução exata do que idealizara, a obra cinematográfica perfeita sobre a qual o realizador tem total controlo. A ausência, quer de uma estrutura narrativa tradicional, quer de um/a verdadeiro/a protagonista, ditou o fracasso nas bilheteiras daquela que o realizador considerava a sua obra-prima, um filme no qual, no seguimento do que fizera nos dois que o

Tati não olhou a gastos para que o filme fosse a tradução exata do que idealizara, a obra cinematográfica perfeita sobre a qual o realizador tem total controlo. precederam, tece uma elaborada crítica à vida moderna, impessoal, uniforme, disfuncional de tão eficiente. Mas comecemos por apresentar Monsieur Hulot. Hulot é o alter-ego de Tati, representado pelo próprio. É um homem pacato, de maneiras cavalheirescas, eternamente incompatível com as novidades da vida moderna, o que leva a que esteja permanentemente na origem de algum acidente. Alto e entroncado, este senhor de aparência inconfundível faz-se sempre acompanhar do seu chapéu, do seu cachimbo e do seu chapéu de chuva. Hulot aparecera já em vários dos filmes de Tati, mas talvez os mais memoráveis sejam As Férias do Sr. Hulot (Les Vacances de Monsieur Hulot), de 1953, e O Meu Tio (Mon Oncle), de 1958, nos quais se começara já a distinguir como tema recorrente o confronto entre homem e máquina. Em particular, é em Mon Oncle que Tati pela primeira vez se debruça mais demoradamente sobre os problemas levantados pela arquitetura moderna. A Villa Arpel, menina dos olhos do cunhado de Hulot, resulta de uma colagem de imagens de revistas de arquitectura da época. Apetrechada de gadgets, a Villa Arpel é uma casa que serve para mostrar aos amigos e exibir a

fortuna, mas onde se torna fastidioso viver. Se em Mon Oncle Tati aborda o habitar, em PlayTime alarga a escala e volta-se para o urbanismo, com o edifício de escritórios como peça central, para criticar a uniformidade da cidade moderna. Nos anos 50 e 60, o boom de reconstrução do pós-guerra ainda estava a todo o vapor em França. Foram as décadas do trinfo do modernismo, com as propostas ortogonais do Estilo Internacional a imporem-se ostensivamente na paisagem urbana francesa. Numa entrevista de 1958 aos Cahiers du Cinema, Tati dizia acerca do assunto: “A uniformidade parece-me desagradável. Hoje em dia, tenho sempre a impressão de estar sentado na mesma cadeira. Quando se está numa cervejaria nos Champs-Elysées, tem-se a impressão de que vão anunciar que o voo 412 vai aterrar. Quando eu era miúdo, ia à charcutaria com a minha avó, havia serragem no chão e a loja cheirava a pimenta e carvalho.” É precisamente com o tema da uniformidade e da ambiguidade da utilização dos espaços que Tati abre o filme, ao filmar um aeroporto de tal modo que durante os primeiros minutos pensamos tratar-se de um hospital. No aeroporto é-nos apresentado um a comuna 53


cultura

Playtime (1967)

Se em Mon Oncle Tati aborda o habitar, em PlayTime alarga a escala e volta-se para o urbanismo, com o edifício de escritórios como peça central, para criticar a uniformidade da cidade moderna. grupo de turistas americanas, e acompanhamo-las numa viagem de autocarro até Paris. Mas esta não é a Paris dos arrondissements, da torre Eiffel e do Arco do Triunfo: esta cidade tanto podia ser Paris, como Amsterdão, como Nova Iorque, como aliás nos confirmam a certo ponto os posters de uma agência de viagens. O filme vai-se desenrolando numa sequência espaços diferentes, através dos quais Tati vai tecendo a sua crítica aos diversos aspetos da vida moderna. O primeiro espaço que visitamos após o aeroporto é um edifício de escritórios. Neste segmento, os principais alvos do olhar crítico do realizador são a artificialidade dos materiais sintéticos e a omnipresença do vidro. O vidro, se é transparente, não deixa de constituir uma barreira espacial, e na visão de Tati a cidade transforma-se num amontoar de aquários que não dão lugar a qualquer expectativa de privacidade. As fileiras de vidros vão criando efeitos enganadores por meio de reflexos, e nesta cidade os habitantes perdem-se, perseguindo miragens. O ambiente estéril destes gigantes de betão,

vidro e aço é reforçado pela engenhosa utilização do som, peça sempre essencial nos filmes de Tati, de quem se disse ser o único realizador que poderia fazer rir a plateia só com o som de um neon a acender. Nesta Tativille, o ronronar ininterrupto dos motores dos carros no exterior contrasta fortemente com o silêncio quase absoluto dos interiores, que admitem apenas o ruído metálico dos geradores e onde as marcas sonoras da presença humana (os passos, as vozes) ecoam, num reforçar do vazio e do caráter desumano dos espaços. Mas nem tudo é cinzento e sóbrio na Paris moderna. No edifício contíguo aos escritórios, descobrimos uma buliçosa exposição de design com o que de mais moderno se conhece para apelar ao consumismo das/os visitantes: um caixote do lixo em forma de coluna jónica, portas que fecham sem qualquer ruído, vassouras com luzes a piscar… Tati elabora aqui uma crítica ao consumismo e a um design mais interessado na forma e na inovação pela inovação do que na real funcionalidade das peças. Com o cair da noite, a atenção do filme volta-se

para a habitação. Uma vez mais, Tati ensaia uma reflexão sobre a privacidade possível em espaços dominados pela presença do vidro e sobre o isolamento dos sujeitos, cujas vidas são dominadas por uma materialismo fútil e onde já se perdeu o contato com a vizinhança. Na cena dos apartamentos, a câmara mantém-se sempre na rua, pelo que todo o som que ouvimos é o do exterior. Tati faz do/a espectador/a voyeur, colocando-o/a de fora a acompanhar as movimentações dentro de dois apartamentos contíguos, onde toda a ação das famílias gira em torno da televisão. Esta sequência de espaços conduz-nos à segunda parte do filme, que descreve a inauguração do restaurante The Royal Garden. O ambiente é elitista e excessivamente formal, o décor torna-se um estorvo de tão moderno. Até este ponto Tati apontou o dedo ao caráter excessivamente mecanicista da vida contemporânea, obcecada com a inovação e a eficiência, e esta segunda parte condensa todas as suas críticas num só espaço. Mas, e é neste ponto que se dá uma viragem na narrativa, Tati deixa aqui uma nota de esperança e de fé na

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cultura

Playtime (1967)

Tati faz do/a espectador/a voyeur, colocando-o/a de fora a acompanhar as movimentações dentro de dois apartamentos contíguos, onde toda a ação das famílias gira em torno da televisão. indomável natureza humana: com o passar da noite, à medida que os espíritos se vão exaltando por ação da música e do álcool, os e as clientes vão-se libertando dos constrangimentos e subvertendo a utilização dos espaços, com Hulot a dar o empurrão final quando, inadvertidamente, arranca parte de um teto falso e assim cria uma zona VIP improvisada. A partir deste ponto o caráter do filme muda completamente. O décor, até este momento de um tom cinzento azulado, começa a adquirir vários apontamentos de cor, seja pelas roupas mais coloridas, seja pelas decorações que começam a surgir nas varandas. Os movimentos das personagens tornam-se mais soltos e na música de fundo faz-se ouvir o som bem francês de um acordeão. O tom torna-se cada vez mais festivo até se transformar numa referência ao ambiente de feira quando, nos últimos minutos, as personagens que conhecemos ao longo do filme ficam presas no pára-arranca de uma rotunda. PlayTime foi filmado em 70mm para que todos os pormenores fossem captados com grande

definição, o que permitiu a Tati compor cenas elaboradas onde em todos os momentos há diversos focos de atenção. Isto faz de PlayTime um filme para ser visto repetidas vezes, não só para que o espectador possa apreciar o detalhe dos cenários, mas também ir seguindo as várias peripécias que ocupam o ecrã, no centro como na periferia, em primeiro plano como em segundo, terceiro, e quantos houver. Adriana Rosa Delgado

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Marcuse e a alienação do socialismo

(...)o marxismo denunciou a exploração como categoria económica e daí extraiu uma teoria social alternativa ao capitalismo, acessível pela revolução e pelo poder dos trabalhadores (...)

Luis Fazenda

"A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores." Esse era o slogan de Marx, aliás muito comum no movimento operário do século XIX. Excetuando, nesse tempo, alguns pequenos grupos, depressa extintos, que idealizaram o socialismo camponês, impôs-se pela evidência social, pela luta de classes realmente existente, que os trabalhadores antagonizavam a burguesia. Mais do que a perceção empírica do conflito entre o capital e o trabalho, o marxismo acrescentou a compreensão de que as mercadorias produzidas para o mercado escondiam trabalho não pago, o lucro. A socialização do excedente, do valor criado, através da "expropriação dos expropriadores", nomeou afinal o socialismo. Enquanto muitos, justamente numa base moral, denunciavam os abusos e a miséria da classe

trabalhadora, o marxismo denunciou a exploração como categoria económica e daí extraiu uma teoria social alternativa ao capitalismo, acessível pela revolução e pelo poder dos trabalhadores. A importância de Marx neste contexto, e na atualidade, é de que em 160 anos não foi descoberta outra teoria coerente para superar o capitalismo na roda sinuosa da história social. Tivesse ela aparecido e Marx não seria mais do que um autor a estudar como Stuart Mill, ou Hegel, cujas filosofias marcaram a modernidade. Ao longo do século XX, houve várias polémicas acerca da representação dos trabalhadores (teorias de partido), ou das alianças sociais dos trabalhadores com outras classes prejudicadas pelo capitalismo. A crítica e rutura de Lenine com os partidos

social-democratas, tidos por assimilados ao parlamentarismo burguês, integrados no corporativismo capitalista e até apoiantes da "sua" burguesia na Guerra de 14/18, levaram à teorização de um partido não apenas revolucionário mas de vanguarda. Esse conceito de destacamento avançado dos trabalhadores transportou-se para a ideia de que era por intermédio do partido que se garantia a hegemonia do proletariado na aliança com os camponeses pobres e os pequenos proprietários urbanos, especialmente comerciantes e artesãos, no assalto ao poder da burguesia. De modo próximo, mas numa aceção mais frentista, Gramsci trouxe a visão do bloco popular que, aliás marcará a futura estratégia dos partidos comunistas sob o capitalismo. Ou aceitaram ou rejeitaram o frentismo social,

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Marcuse e a alienação do socialismo

(...)a ideia de que o socialismo se podia fazer sem os trabalhadores é uma originalidade de Herbert Marcuse (...) Marcuse estava muito empenhado no movimento anti-guerra no Vietname que se desenrolava nos Estados Unidos e esse movimento influenciou significativamente o seu pensamento. mas ficaram até hoje reféns dessa marcação. Agora a ideia de que o socialismo se podia fazer sem os trabalhadores é uma originalidade de Herbert Marcuse. Teoriza essa proposta que pareceria uma coisa contranatura nos anos 60 do século XX. A revolta estudantil do Maio de 68 em Paris amplificou imenso o eco de que os estudantes e intelectuais, quadros técnicos, liderariam a revolução e a fundação do socialismo. Notemos, porém, as circunstâncias em que este berlinense e cidadão do mundo, naturalizado americano, elaborou o seu argumento principal. Marcuse estava muito empenhado no movimento anti-guerra no Vietname que se desenrolava nos Estados Unidos e esse movimento influenciou significativamente o seu pensamento. Nessa campanha pontificou, entre muita gente, Angela Davis, sua aluna, e ícone dos negros e pacifistas. Conheci as ideias de Marcuse numa edição portuguesa de 69, da Moraes, intitulada "O Fim Da Utopia". A tradução usou este título de um dos textos do livro, provavelmente para evitar problemas com a censura, já que a denominação original, em alemão,

era Psicanálise e Política. Pode perceber-se aí o seu entusiasmo pela desobediência civil, que os estudantes praticavam contra a guerra, tornada em meio de desagregação do poder burguês. Talvez com o mesmo calor com que outros no passado tinham defendido a insurreição, a greve geral revolucionária, ou a greve política de massas, ou a guerrilha, tudo sobre os modos da luta pelo poder. A desobediência civil não era nova como proposta, reconheça-se. Anos antes, Gandhi tinha-a popularizado como meio de luta pela independência da Índia mas tinha da desobediência uma compreensão aparentada à resistência passiva. Não era o caso em Marcuse onde se apontavam métodos ativos de confrontação. E quem era o sujeito desta capacidade revolucionária? Leiamos o autor: "A Nova Esquerda, além disso, de modo algum está circunscrita à classe operária como classe revolucionária, com exceção de pequenos grupos. Ela própria não pode ser definida sob o ponto de vista de classe, já que não forma uma classe definível. É constituída por intelectuais, por grupos

de movimentos de direitos de cidadãos, pela juventude, e por outros que, à primeira vista não parecem nada políticos, como os hippies."1 Mais adiante em "O Fim Da Utopia", depois de sugerir a incorporação revolucionária das minorias raciais e nacionais e os seus emblemáticos ghettos, Marcuse considera que a Nova Esquerda "se trata de uma oposição contra uma sociedade democrática e que efetivamente funciona, que normalmente, pelo menos, não trabalha com terror. E é – e nisso estamos completamente de acordo nos Estados Unidos da América do Norte – uma oposição contra a maioria da população, incluindo a classe proletária. É uma oposição contra a pressão sempre constante e sempre presente do sistema, que devido à sua repressiva e destrutiva produtividade degrada tudo desumanamente como se fossem mercadorias cuja compra e venda fosse um modo de vida e até mesmo um conteúdo de vida; oposição contra a hipócrita moralidade e os «valores» do sistema, oposição contra o terror fora da metrópole. Esta oposição contra o sistema tal como foi desencadeada primeiramente pelo movimento dos direitos

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Marcuse e a alienação do socialismo

Marcuse pensava que as conquistas económicas e sociais do proletariado o eliminavam de um papel transformador da luta de classes e por isso, procurava não na estrutura de classes da sociedade, mas nos movimentos sociais outros atores "de classe não definível". do homem e, depois, pela guerra do Vietname"2. Em 1973, num documento, também editado pela Moraes, sugestivamente designado por "Revolução e Reforma", faziam-se duas entrevistas paralelas a Marcuse e a Karl Popper; sem a fama que adquiriu posteriormente, como ex-marxistas promotores dessas duas posições, respetivamente. Curiosamente, HM repete, embora com prevenção, a mesma tese: "(...) é certo que a sociedade neocapitalista apresenta diferenças decisivas em relação a períodos anteriores. Estas diferenças residem principalmente naquilo a que chamei a integração da maioria da classe operária no sistema vigente, integração que, por sua vez, eu gostaria de limitar de qualquer modo, na sua forma mais nítida e expressa, à sociedade dos Estados Unidos da América. Semelhante integração da classe trabalhadora, que por vezes vai até ao ponto de se poder efetivamente designar a classe operária como um pilar do sistema – sobretudo no que diz respeito aos dirigentes dos sindicatos e ao apoio à política externa americana – esta integração – dizia – não é, de modo algum, apenas superficial ou

ideológica"3. Ninguém ignora que os principais sindicatos americanos estão tomados pela mafia ou o chauvinismo popular em relação a colónias, que nós portugueses conhecemos tão bem durante o fascismo. Mas desses factos não deriva a análise feita. Regista-se que a prevenção de Marcuse nesta entrevista, se prende com o impacto do forte movimento operário europeu ocidental de 68 até aos finais de 70, especialmente nos países do sul. Em todo caso, ele assinala a tendência, com característica universal, europeu ou além, embora não numa forma tão extrema como nos EUA. Ei-la "O neocapitalismo conseguiu, de facto, elevar o nível de vida da maior parte da população, em especial devido ao incremento extraordinário da produtividade. A maior parte dos operários, e, de qualquer forma, todos os operários especializados, vivem atualmente muito melhor que há alguns anos atrás. Em grande parte, participam realmente nas comodidades da chamada sociedade de consumo e é perfeitamente compreensível e justificável (e de maior eficácia que a doutrinação através da propaganda ou «brainwashing»), que não estejam dispostos a renunciar a

estas vantagens relativas, para adotarem o «socialismo», como alternativa que constitui, para eles, ou uma utopia, se for considerado na sua pureza total, ou se se apresenta tal como existe, atualmente, na União Soviética e nos seus estados satélites"4. Daqui se conclui que HM pensava que as conquistas económicas e sociais do proletariado o eliminavam de um papel transformador da luta de classes e por isso, procurava não na estrutura de classes da sociedade, mas nos movimentos sociais outros atores "de classe não definível". Os "socialistas críticos" dos dias de hoje quando escrevem copiosamente acerca do socialismo com muitos atores, naturalmente como sempre, mas como uma etapa que sucede à erosão da centralidade do trabalho é a Marcuse que vêm beber, como vários outros o fizeram nas passadas décadas. Recusam-se a aceitar a ideia de que a centralidade do trabalho não é um menu à escolha, não é sequer uma categoria filosófica ou uma opção tática, é uma categoria económica enquanto o capitalismo for o capitalismo. A luta de classes existe porque há extorsão da mais-valia. As outras discriminações do capitalismo,

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Marcuse e a alienação do socialismo

Os "socialistas críticos" dos dias de hoje quando escrevem copiosamente acerca do socialismo com muitos atores, naturalmente como sempre, mas como uma etapa que sucede à erosão da centralidade do trabalho é a Marcuse que vêm beber de género, de etnia, de território, de nacionalidade, de eco-rítmo, de autodeterminação pessoal, todas elas já existiam antes do capitalismo triunfar como modo de produção. Espontaneamente, a luta oriunda dessas outras discriminações combina-se com a contradição entre o trabalho e o capital que é aquela que move a política de todos os agentes da esquerda à direita. O sucesso da luta contra todas as opressões está, aliás, numa combinação sem hierarquias de todas essas causas. A direita, no rescaldo da crise global do capitalismo de 2008, promove uma luta de classes de natureza planetária contra o trabalho, comprimindo salários e pensões, serviços públicos. Lamentavelmente, Marcuse não viveu o suficiente para lhe apresentarmos a troika como expressão máxima da desintegração da classe trabalhadora, de toda ela e não apenas dos trabalhadores da indústria. É claro que a simples conceção de que o socialismo possa existir sem a maioria social da classe trabalhadora parece paródica, mas não é. Alguns inventaram, a partir daqui, um tipo de solução: renunciaram à revolução, declararam o fim do imperialismo, arran-

jaram «uma classe não definível», a «multidão» a quem propuseram inventar novas formas de democracia, governos desde baixo para pacificamente superar a ordem de um império moribundo. Marcuse com pinceladas de Kaustky, nada inovador, portanto. Outros, com escolas diferentes, entenderam que, com mais ou menos desobediência civil, a solução é a revolução de «todos», uma classe não definível, contra o capitalismo agressor da vida e da natureza. Assim uma coisa «sem destino», ecolibertário. Ambas as saídas da equação incompleta de Marcuse insinuam-se nos movimentos sociais na disputa do pensamento progressivo. Uns e outros, referenciam-se, não exclusivamente, é certo, como pós marxistas. E isso tem ainda a ver com Marcuse, e muito. O professor alemão fez parte da chamada Escola de Frankfurt, dos anos 30, onde diversos intelectuais de primeira linha coexistiram numa influência comum, com prospeções vanguardistas de relacionamento de conclusões da psicologia freudiana com o marxismo, ou das análises weberianas sobre a burocracia e o socialismo. Todos esses ensaístas

tinham no entanto a predileção pela análise da alienação do trabalho, pela fetichização da mercadoria, e subestimavam a exploração da força de trabalho, em concreto. É conhecida a especulação à volta dos manuscritos de Marx enquanto jovem, tentando daí depreender um pendor humanista geral que seduzisse melhor os bons espíritos do que a cortante e massificadora luta de classes. A exploração da força de trabalho tem como lado externo dessa relação explorador/explorado a perda do objeto do trabalho a favor de terceiros, esclareceu nesse seu preceito Marx. Transpondo para o cenário social, existe por essa via um desapossamento da personalidade de cada um/a. Essa dimensão do trabalho pareceu a muita gente que igualava todos aqueles que dirigem o produto desse labor para o mercado que os aliena. A classe definível é pois mais difusa. O trabalho é pois foco de exploração e alienação. O socialismo de Marcuse é que foi alienado, não de destino mas de destinatários. A ironia do temário de superar a geografia dos anos 60 por outra modalidade ilustremente

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Marcuse e a alienação do socialismo

a centralidade do trabalho não é um menu à escolha, não é sequer uma categoria filosófica ou uma opção tática, é uma categoria económica enquanto o capitalismo for o capitalismo. A ironia do temário de superar a geografia dos anos 60 por outra modalidade ilustremente desconhecida do socialismo é que os autores da moda nas análises de sociologia política são tributários dos anos 60. desconhecida do socialismo é que os autores da moda nas análises de sociologia política são tributários dos anos 60. Creio que com rigor, embora com distanciamento das conclusões que a vida provou serem erróneas, a meu ver, Marcuse5 merece respeito por ser a fonte do tema da erosão da centralidade de trabalho, a quem não faltam hoje seguidores. Luís Fazenda 1 –Herbert Marcuse – O Fim da Utopia. Lisboa: Moraes, 1969. p. 86. 2 – Opus cit. pag.90 3 – Herbert Marcuse e Karl Popper – Revolução ou Reforma. Moraes,1974. p. 18. 4 – Opus cit. pp. 18 e 19. 5 – Herbert Marcuse – Toward A Critical Theory of Society. New York: Routledge, 2001. (Reúne alguns dos principais textos políticos de Marcuse seguido de um posfácio de Jürgen Habermas).

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Da instrumentalização da utopia Lídia Pereira

“Franz pense à tout et à rien - il ne sait pas si c’est le monde qui est en train de devenir rêve, ou le rêve monde.” Band à part - Jean-Luc Godard A Utopia surge condicionada por determinações históricas, geográficas e culturais, isto é, define-se, maioritariamente, por oposição às condições sociopolíticas e económicas de um determinado tempo, num determinado lugar - é um processo de escapismo, a projeção dos desejos de quem a concebe em estruturas que preencham os seus requisitos de perfeição. Etimologicamente, Utopia significa semlugar, surgindo na impossibilidade de transformação do real através dos instrumentos que nos são oferecidos sistemicamente. Assim entendido, este conceito esvazia-se de conteúdo de uma ação concreta e transformadora do real e não tem consequências políticas.

Poderemos encontrar no filósofo Ernst Bloch, porém, uma conceção de utopia que a leva a ocupar um papel fundamentalmente ativo na transformação revolucionária do real. Esta conceção, erigida sobre bases apocalípticas ateístas e marxistas, projeta no futuro o fim da história da alienação, um futuro concreto e terreno para o qual nos encontramos já, no presente, a caminho - a chamada “pátria”. Aí, segundo Bloch, e em termos marxistas puros, será o significado da história finalmente revelado. Perspetiva diferente tem Marcuse, uma vez que a realização deste mesmo projeto, desta transformação radical do real, é por ele entendida como o fim da utopia, conceito que interpreta no seu sentido restrito como uma aspiração inatingível em contradição direta com as leis da natureza. Se esta transformação é possível, se temos as “forças materiais e intelectuais” necessárias à nossa disposição, então

A Utopia surge condicionada por determinações históricas, geográficas e culturais, isto é, define-se, maioritariamente, por oposição às condições socio-políticas e económicas de um determinado tempo, num determinado lugar

não interessa que encontrem no atual sistema o travão à sua ação transformadora (“o facto de não serem utilizadas na realização desse esforço deve ser atribuído à total mobilização da sociedade existente contra o seu próprio potencial de libertação”) - o projeto de abolição da alienação permanece uma possibilidade e implica um salto histórico, uma mudança qualitativa das necessidades e desejos do ser humano. A perda da compreensão do fenómeno da exploração da classe trabalhadora e consequentemente do papel desta na luta pelo socialismo (ver “Marcuse e alienação do socialismo”, pp. 56-60) tê-lo-ão encaminhado para tal conceção. Para Bloch a mudança social compreende também um salto qualitativo, uma mudança profunda que não se limita a redefinir os contornos institucionais de determinado desenho social, estando em causa a a comuna 61


teoria

Da instrumentalização da utopia

Poderemos encontrar no filósofo Ernst Bloch, porém, uma conceção de utopia que a leva a ocupar um papel fundamentalmente ativo na transformação revolucionária do real. a utopia só se torna um princípio revolucionário a partir do momento em que se torna concreta e coletiva, formulando a alternativa, a possibilidade de emancipação e mudança social, mesmo contra todas as probabilidades oferecidas pelo sistema própria estabilidade das estruturas ontológicas, tais como a noção de tempo linear - apenas assim poderá a realidade tornar-se concretamente outra. Como foi referido, o autor define-nos no presente como a caminho dessa concretização utópica. Propõe o autor uma nova ontologia: o ser humano existe enquanto possibilidade, ou seja, enquanto princípio da esperança personificado - somos simultaneamente aquilo que esperamos vir a ser, a atingir. Como se atinge assim o objetivo político da utopia blochiana? O princípio da esperança compreende duas correntes: a fria, correspondente à análise instrumental da dimensão social, e a quente, correspondente ao princípio do prazer, à expectativa utópica. Sem a corrente fria, o princípio do prazer perde-se no abstracionismo, na falta de concretude. Sem a corrente quente, o cálculo instrumental desliga-se de uma aspiração utópica e torna-se hegemónico, caindo no reformismo. Entre ambas é fundamental atingir um equilíbrio, para que o futuro se projete concretamente no presente. Assim, a utopia só se torna um princípio revolucionário a partir do momento em que se torna concreta e coletiva, formulando a alternativa, a

possibilidade de emancipação e mudança social, mesmo contra todas as probabilidades oferecidas pelo sistema - se as nossas esperanças se canalizam neste sentido e se existimos enquanto esperança, enquanto seres capazes de formular alternativas, então o equilíbrio entre o que somos e o que seremos só será atingido no estágio final da luta que é nosso dever levar a cabo. Só nestes termos poderá a esperança utópica adquirir consequência política. Esta visão utópica do socialismo opõe-se, no entanto, ao socialismo crítico-utópico de Saint Simon, Fourier e Owen, pelo simples facto de ser fundamentalmente revolucionária e politicamente concreta. Numa fase ainda incipiente da luta entre burguesia e proletariado, não se encontrando ainda reunidas as condições materiais para a emancipação deste último, Saint Simon, Fourier e Owen propuseram uma visão do socialismo que visava não a emancipação da classe dominada, mas sim uma melhoria generalizada das condições de vida de toda a sociedade, o que deveria ocorrer quando a perceção da perfeição do socialismo enquanto modelo de organização social se tornasse generali-

zada. Apontando para o futuro, mas não como consequência de uma práxis política revolucionária, o presente reduz-se assim a uma crença vazia. Entre os autores admirados pelos obreiros do maio de 68, encontraremos, precisamente, quer Bloch, quer Marcuse (entre outros), oferecendo a argumentação necessária à luta erigida contra os valores capitalistas de consumo, a automatização e uniformização da sociedade, o despojar da individualidade humana em nome de um autoritarismo hierárquico insuportável. O sociólogo Michael Löwy coloca este movimento na corrente do romantismo revolucionário, isto é, enquanto luta travada em nome dos ideais de um passado pré-capitalista, entendidos não como regressão, mas como projeto concreto para o futuro. Na obra “O novo espírito do capitalismo”, os sociólogos Luc Boltanski e Eve Chiapello dividem esta crítica em duas dimensões: a “crítica social” e a “crítica artística”. A primeira, cujas bases assentam na dimensão da luta laboral, aponta as desigualdades sociais provocadas pelo sistema de exploração capitalista, a criação de uma sociedade egoísta cujo sentido de solidariedade se esgota na

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Da instrumentalização da utopia

Esta visão utópica do socialismo opõe-se, no entanto, ao socialismo crítico-utópico de Saint Simon, Fourier e Owen, pelo simples facto de ser fundamentalmente revolucionária e politicamente concreta. sua individualização. A segunda, que segundo Löwy compreende não só os artistas per se, mas também todos aqueles que veem a sua subjetividade afetada negativamente pelas premissas do sistema económico (como por exemplo os intelectuais, os grupos feministas, os estudantes), centra a sua crítica na formatação do indivíduo pelo sistema capitalista, gerando uma sociedade alienada e consumista, oprimindo a criatividade e a autenticidade - a crítica artística reivindica, assim, uma maior liberdade. Ora esta segunda dimensão sofreu, desde então, um violento enfraquecimento, muito embora, segundo Eve Chiapello, continue a oferecer pontos viáveis de desconstrução crítica do sistema capitalista. Para além das várias alterações ao nível sociocultural do estatuto do artista, o fator que mais contribuiu para o desenrolar deste fenómeno poderá ser caracterizado como uma cooptação das críticas que incorpora pelo sistema capitalista. Ora estas investidas utópicas de carácter revolucionário disputam a hegemonia ideológica capitalista, representando por isso uma força a extinguir para que o projeto de dominação de classe não seja, neste processo, posto em causa. Assim, e

numa brilhante demonstração de flexibilidade, aliando a necessidade ao engenho, o capitalismo instrumentaliza a crítica e torna-a uma ferramenta ativa da sua continuidade e manutenção, despojando-a das suas características emancipatórias. As necessidades de acumulação são assim servidas pela cooptação da crítica artística, ou seja, as mudanças no seio da infraestrutura foram colher às disputas de cariz utópico-revolucionário o conformismo ideológico superestrutural de que necessitavam. E é precisamente esta uma das críticas que Löwy aponta a Boltanski e Chiapello enquanto que estes descrevem a cooptação da crítica artística pelo sistema capitalista como um processo fluido e contínuo, que deve ao seu sucesso a adoção pelo discurso dominante, Löwy aponta um salto ético e político que compreende a perda do ponto principal, isto é, o seu conteúdo anti-capitalista, deixando assim de lado qualquer consequência social. Não deixa de ser verdade, no entanto, esta subversão das reivindicações utópicas e inserção da sua adaptação à linguagem dominante no seio das novas práticas do sistema. Vemos no fenómeno do empreendedorismo um exemplo perfeito deste fenómeno: a glorificação da criativi-

dade, da autonomia e da iniciativa individual, a flexibilidade laboral, a ‘liberdade’ - todos estes inspirados chavões nos são vendidos com um romantismo que apela ao ideal artístico de 68 de desvinculação de um estilo de vida monótono e impessoal. O que isto significa, na realidade, já todos sabemos - a desregulação do mercado de trabalho, a precariedade, o desemprego e a estigmatização de todos os que se encontram nesta situação. Numa irónica reviravolta, as reivindicações utópicas servem agora os interesses da distopia capitalista. Lídia Pereira Pesquisa Adicional: BOLTANSKI, Luc e Chiapello, Eve - “The new spirit of Capitalism”, Int J Polit Cult Soc (2005) 18:161–188. CHIAPELLO, Eve - Chiapello, Eve (2004) 'Evolution and co-optation'. Third Text. 18:6, 585-594. GUNN, Richard - “Ernst Bloch’s ‘The Principle of Hope’”, Edinburgh Review [em linha] Disponível em WWW: <www.richardgunn.com/pdf/2_ernst_bloch.pdf>. LÖWY, Michael - “The revolutionary romanticism of May 68” [em linha] Disponível em WWW: <http://www.europesolidaire.org/spip.php?article4265>.

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