PARA QUANDO A NOITE CHEGAR.. . Edição do autor - ® Adauto Neves
2021
O conteúdo desta obra, inclusive revisão ortográfica, é de responsabilidade exclusiva do autor.
A única coisa que realmente sei... é que quando nasci eu comecei a morrer. Adauto Neves
DEDICATORIA A quem dedico este livro: a meus pais quem proporcionou-me tudo isso e a minha família e meus filhos Alessandra, Rodrigo, Gabriel Barbosa e Gabriel Luís os quais são ouvintes e muitas vezes coadjuvantes de estórias aqui narradas. A muitos amigos que apareceram em minha vida sem laços sanguíneos como anjos da guarda travestido de humanos. A todos estes e àqueles que estão lendo minhas estórias a minha gratidão e meu pedido especial a Deus que os protejam e amparem. Gratidão ao Pai por tudo que vivi, vi e vivenciai. O Autor
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QUANDO A NOITE CHEGAR... Uma estória narrada por quem viveu o dia aguardando a noite chegar para... sob a luz das estrelas narrar as suas lembranças. A noite vai chegando e sob a luz do luar e das estrelas começo a narrar minhas lembranças ... Tudo começou no limiar do ano de 1950, na pacata cidade de *Campo Belo, situado no centro oeste mineiro mais próximo do sul de Minas Gerais.
PRIMEIROS DIAS, MESES E ANO DE VIDA. As visitas aconteciam com frequência na casa de vovó. Tio Antônio estava em Roma terminando seus estudos eclesiástico mas logo foi informado do nascimento de seu sobrinho e escreveu para papai o seguinte: - Fiquei muito feliz com o nascimento do "Adeusinho" e desejo muita saúde a ele e a você todos. - E a Gileite como está passando e você Walter? - Estou aqui em Roma em meus estudos finais e em breve poderei estar retornando ao Brasil ai poderei conhecer esse bebê que já deve estar bem esperto. Estas escritas de meu tio foram lidas e relidas muitas e muitas vezes pela minha mãe que toda orgulhosa mostrava os cartões postais nos quais tio Antônio, o tio padre escrevera no verso. O tempo foi passando e aos poucos, a partir de meus quatro anos aprendi a ler e eu mesmo relia tudo aquilo que já ouvirá antes. Por muitas décadas eu guardei com orgulhos estas relíquias. Não me cansava de contemplar os cartões monocromáticos do Vaticano já amarelados pelo tempo e as escritas no verso dos mesmos, a lápis ainda mantinham legíveis. Mas como muitas coisas... com o tempo se perdem e ficam vivas na memória! Vou me ater agora na narração dos acontecimentos 11
daqueles primeiros dias. Mantenho perfeitamente viva nas minhas lembranças a movimentação na casa de vovó e os cuidados para comigo (até bem exagerados) para não pegar corrente de ar na hora do banho, nas trocas de fraldas... Ah os banhos matinais eram disputados pela minha tia Gabriela e por algumas primas de mamãe que queriam acompanhar e cuidar do banho que era sempre ponderados por mamãe que não se afastava um minuto de seu rebento. Ainda vejo o ambiente à meia luz de onde ficava a bacia de zinco (parece me que em cima de uma mesa) que era utilizada como banheira. Vovó era quem preparava a água para o banho e examinava atentamente a temperatura colocando as mãos n'água. Depois de um bom banho começava os cuidados de talco, pomadas e as roupinhas adequadas para o recém-nascido que naquela época eram bem diferente das de hoje. Havia se um cuidado maior de embalar a criança de forma a ficar bem acomodada e protegidas. Mamãe depois do resguardo já saia comigo no colo toda orgulhosa para visitar parentes que moravam perto e apresentar seu primogênito. Com frequência encontrava a maioria de seus tios e tias na casa da Mãe Vó, minha bisavó materna. Vovó Mulata como era conhecida recebia a todos em sua ampla casa que ficava na praça principal da cidade.
Mamãe falava sempre: - Mãe Vó (como os netos a chamavam) quero que o Adauto cresça logo, não vejo a hora dele estar falando, andando... Mãe Vó com toda sua sabedoria falava: - Gileite não tenha pressa. Aproveite bastante enquanto seu filho está em seus braços; o tempo passa muito depressa. Aproveite enquanto está no seu colo, ao seu lado, não tenha pressa Gileite. Mamãe já havia preparado uma cesta de bambu, com alça, como era a maioria usada naquela época. Logo estava eu a visitar os tios e as amigas de mamãe e de vovó pela cidade. Como a maioria dos parentes e amigos moravam em torno da praça principal que abriga até hoje a Velha Matriz era fácil caminhar carregando a cesta de neném para baixo e para cima. Muitas vezes encontrar tias e primas na praça onde todos se encontram ou se sentam nos bancos de cimento para de baixo das árvores apreciar o tempo passar lentamente.
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Os anos cinquenta... Os anos cinquenta foram anos de muitas criações inovadoras ! Foi no ano de 1950: - Que apareceu a primeira televisão no Brasil deixando as pessoas maravilhadas diante de uma telinha - vendo cenas serem apresentadas ao vivo, de improviso! - Foi um ano Santo declarado pelo Vaticano. - Os primeiros cartões de crédito chegaram ao Brasil, não como os de hoje, mas de papel! - Nos lares brasileiros surgem muitos inventos que vieram ajudar as mulheres nos seus afazeres. - A máquina de lavar automática; - a enceradeira; - a batedeira elétrica; - o rádio portátil a pilha, o maior sucesso em todo o país. Mesmo nos mais longínquos recantos podia se ver alguém com um radinho no ouvido! - O Disco de Vinil, o LP estéreo; - o bambolê, alegrias das meninas; - o robô mecânico sonho de todo menino e quantas outras invenções mais nasceram nestes anos cinquenta! Ah e o mais importante não poderia deixar de falar um nascimento (risos) importante: o ano que cheguei aqui neste Planeta aos 24 de Fevereiro!
De volta para Sao Paulo Os dias foram passando, mamãe mantinha correspondência com papai com frequência narrando a evolução e desenvolvimento do menino. E após alguns meses mamãe precisava voltar junto de seu marido que estava trabalhando em São Paulo e manifestava nas cartas trocadas saudade e vontade de que voltasse log o para junto dele. Mãe e filho estavam prontos para viajar e papai o mais rápido veio buscar esposa e filho e logo estávamos na cidade grande. Estando a criança já bem desenvolvida e esperta mamãe achou um meio de ajudar nas despesas de casa indo trabalhar numa casa portuguesa. O senhorio ... recordo-me bem do nome, senhor Lhantino e a senhora eu não consigo me lembrar. Ainda vejo mamãe junto a pia auxiliando a senhora portuguesa nos afazeres domésticos enquanto eu, na cesta de bambu observava mamãe. E recordo ainda que a senhora portuguesa sempre dizia a mamãe: - Dona Gileite não precisa descascar tão fininha a casca da batata, assim demora muito! Papai trabalhava o dia inteiro e eu só o via a noitinha quando chegava. Ele trabalhava numa mercearia chamada Godinho, ali próximo ao Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. Esta mercearia ainda existe até os dias de hoje. Recordo de certo dia papai levar me até o local do trabalho, nesta mercearia para apresentar 15
Adautinho ao seus colegas. Papai voltava do trabalho enquanto mamãe preparava o jantar sentava-se de frente da mamãe enquanto segurava-me sentado na mesa segurando me firmemente. Ressoa ainda na minha memórias trechos de alguns diálogos entre Meus país: - Walter será que ele pensa? - ah Gileite eu acho que sim... Mamãe falava o tempo todo do que eu havia feito... risos, choros, dengos, e outras coisas comuns no cotidiano de um bebê. Mamãe ouvia atentamente as estórias que papai trazia do trabalho ou que viu nos jornais ou ouvia ... Ela contava também saudosa as notícias que vovó Anita através de carta mandava da cidade natal. Vovó Anita e mamãe trocavam correspondências com frequência ... um costume que perdurou por muitas décadas. Eu ia crescendo e já não necessitava mais da cesta e mamãe deixava me solto a engatinhar pelo chão mas sempre diante de seus olhos. Recordo também de que papai levava-me nos seus braços à feira para a compra de frutas e hortaliças e eu sempre me encantava com o movimento, os sons e o colorido daquele ambiente. O som era parecido com o que eu ouvia na casa que mamãe ia trabalhar. Hoje eu sei... prevalecia o sotaque português nas feiras livres, isso chamava a minha atenção... Também ficava todo feliz ao ver as bexigas
coloridas, algumas de formato de aves ou animais... uma especial me recordo, branca em formato de pato e que papai sempre comprava e eu segurava na haste todo feliz e levava para casa. Ia brincando até estourar e ter que aguardar outro dia para ganhar outra. Nesta época, ainda 1950 de mamãe co0nversar com vizinhas, amigas e principalmente sobre uma tal * Menina Izildinha e eu mesmo sem saber do que se tratava ouvia ela falar sobre... Somente hoje pude inteirar e conhecer a estória de uma menina, um caso de assassinato.... uma menina portuguesa fora martirizada. Este fato eu pude constatar que minhas memórias, minhas lembranças continuam vivas indo buscar dados concretos na internet e encontrei. O que comprovou esta lembrança. Ainda sobre este período de minha mais tenra infância dedicarei ao menos mais um capítulo para narrar mais lembranças.
* Menina Izildinha, o Anjo do Senhor A história da famosa "menina Izildinha", cujo nome era Maria Izilda de Castro Ribeiro, que morreu em 1911, aos 13 anos, vítima de leucemia, é uma das mais conhecidas no interior de São Paulo. A crença de 17
que o corpo da garota permanece intacto, mesmo após 102 anos de sua morte, começou na década de 1950, depois que os restos mortais foram transferidos de Portugal para o Brasil, com a mudança da família para a capital paulista e depois para o interio A menina do cercadinho... Assim que eu fui crescendo mesmo ainda com alguns meses, eu não sabia falar ainda (demorou um pouco) mas ouvia e entendia a maioria das coisas. Gostava de ouvir as estórias que mamãe contava, as infantis e mesmo as que apenas ouvia os adultos contarem entre eles, apenas ouvia! Eu já conseguia engatinhar pela casa e até aventurarme pelo quintal era ainda de terra e que mamãe e as vizinhas do lado mantinham sempre limpos. Não havia muros ou cercas. Havia uma vizinha do lado esquerdo, me lembro bem da localização. Lá havia uma criança, mais ou menos da minha idade ou talvez pouco mais mas que vivia sempre num cercadinho do lado de fora da casa encostado na parede. Parece que não gostava muito de ficar presa, sozinha ou não sabia engatinhar ou a mãe nao gostava que ela ficasse solta! Ela chorava muito o tempo todo e a mãe dela pedia sempre para que deixasse eu lá dentro deste cercadinho com ela. Parecia acalmá-la. Mas eu não gostava nada disso. Até hoje fico a pensar por onde anda aquela menina
do cercadinho?! Como foi sua infância, juventude e como estará hoje? O que faz da vida, muitas e muitas coisas passam pela cabeça!
O HOMEM DO SACO Como já disse o quintal de casa não era murado e nem cercado. Do lado havia um terreno sem casa nenhuma e com uma vegetação rasteira. Eu estava certo dia absorto... brincando sozinho com algum objeto ou brinquedo do qual ou quais não me recordo quando de repente... observo um vulto e logo percebi que era um homem com um saco nas costa vindo em direção a nossa casa por este terreno. Abri a boca a chorar e gritar par4a que minha mãe visse ao meu encontro. Não disse mas na minha cabeça eu imaginei ser o "HOMEM DO SACO" da estória que mamãe contava sempre! Imaginei ele veio me buscar e se mamãe não se apressar ele vai me levar embora e nunca mais verei meus pais. Isso foi o que passou pela minha cabeça naquele dia. Logo, claro, fui pego pela minha mãe nos braços, meu coração parecia saltar e meu choro continuava até que fui acalmando e saindo daquele, acho que o primeiro grande pesadelo quando mamãe sorrindo dizia: _ Não tenha medo, ele está apenas trabalhando 19
pegando coisas para vender! Papelão, garrafas e mais coisas jogadas. Calma dizia ela e leva -me enquanto me afagava. Mas por instantes, que duraram horas, imaginei claramente ser o HOMEM DO SACO o que pegava criancinhas. AS LUZES DA CIDADE Papai nos dias de folga gostava de sair levando eu e mamãe para passear um pouco pelo centro da cidade. Refiro-me centro da cidade porque nas minhas memórias guardo pontos de referência nos quais norteiam minhas reminiscências e me leva a ser fiel possível em minhas narrações e localização física e temporal. Um dos lugares que me suscitam doces e nostálgicas lembranças é a Praça Clovis Beviláqua de onde se avistava um cordão de luzes que se estendiam ao longo de uma avenida, era a visão da Avenida Rangel Pestana que rumava em direção do Brás na época, atravessando, cortando o Parque Dom Pedro sem os viadutos que hoje povoa o referido Parque. Parecia um longos colar brilhante estendido, suspensos que iluminava a escuridão da noite ao meio as casas e prédios. Durante o dia os Parques lembro-me bem deles, era o Jardim da Luz e o Parque, hoje Vale do Anhangabaú onde até hoje permanece os cavalos imponentes jorrando água pela boca ao lado do
Teatro Municipal. Que doces lembranças. Sem falar que eu atento observava os gatos que eram abundantes na praça, as pessoas passeando de braços dados, uma com suas sombrinhas coloridas, homens sob um pano preto, com suas máquinas num tripé de madeira tiravam retrato de pessoas, hoje sei eram os "lambe lambe, profissional que já não existem mais nos dias de hoje. Recordo me certa vez eu estava ao lado de mamãe e vovó observando o movimento enquanto elas conversavam e de repente uma senhora agachou-se e deu me um sorvete falando com jeito carinhoso: - olha menino, peque este sorvete, comprei para você. - mãe, mãe..olha que ganhei! (Mostrando o copinho de sorvete que acaba de ganhar.) - muito obrigada, disse mamãe a aquela senhora que tão gentilmente agradara seu filho. Trocaram sorrisos e aos poucos se afastaram enquanto eu saboreava aquela delicia gelada continuaram a conversar e pouco depois dando as mãos saímos a caminhar. LEMBRANÇAS DO TIO LERICO. Meados de 1950, o mês exato não posso precisar mas sei que estou na terra da garoa, São Paulo dos anos 50 ... do qual ainda posso ouvir aquele sotaque lusitano por todos os lados, as vezes o italiano, o árabe entre outros que se soma a cultura e falácia dos migrantes que para São Paulo vieram atrás do 21
sonho de vencer na vida. Vejo a cidade mais saudável, mais festeira, e andando mais devagar e menos poluída. As estátuas espalhadas pelas praças e avenidas chamam-me a atenção. O emaranhado dos edifícios, os bondes, os ônibus e os carros me enchem de curiosidade. Nos bairros sinto ainda o cheiro peculiar do carvão e querosene! Um cheiro que lembra o fogão a lenha lá do interior de onde a maioria migrou. Mas sinto saudade das montanhas, morros, das matas, das aves, dos córregos de águas límpidas. Na Praça da Sé vejo a Catedral ainda em construção, sem suas torres, a rua Santa Teresa está ali separando a Praça da Sé da Praça Clóvis Beviláqua com seu "glamour" guardando imponente seu cinema e restaurantes. Lá nos fundos da Catedral vejo a construção do Fórum da João Mendes, bondes elétricos circulando imponentes pelos trilhos incrustados nos paralelepípedos que calçam as ruas do centro da velha capital que se renova a cada dia com a chegada de mais imigrantes e a construção de novos edifícios. Depois de cruzar a Praça João Mendes, olho a minha esquerda paro na esquina da Avenida Liberdade e ainda posso ver lá do lado do canteiro de obras do (hoje) Fórum da João Mendes, uma jovem mãe com seu filho no colo apontando para cima, ao meio dos andaimes um dos operários que lá trabalhava como carpinteiro.
- Olha filho, é o tio Lerico que está trabalhando lá em cima! Acena-se para o senhor lá no alto e pouco depois observo-o descendo e já no solo caminhando em direção da mãe com o filho nos braços e por alguns minutos conversam de maneira familiar. Ainda ecoa aos Meus ouvidos partes da conversa: - Tio Lerico, este é o Adauto, o meu menino, o Walter foi me buscar lá em Campo Belo. - Ah... Gileite fico muito feliz de ver você com este menino forte e bonito! Atento a tantas coisas ao seu redor... uma infinidade de sons ... continuaram a conversar... quando de repente os dois se despediram e pouco depois e aquele senhor voltou aos seus afazeres e a jovem mãe com seu filho se foram. De repente, como num passo de mágica aquele cenário todo mudou, estava eu no mesmo lugar mas diante de uma movimentada e nervosa cidade com um trânsito alucinante, centenas de pessoas tentando atravessar entre carros a avenida Liberdade e a movimentada Praça João Mendes. Ai me dei conta de que o tempo passou, meio século depois então percebi que aquela jovem mulher era justamente a minha mãe e a criança nos seus braços era quem agora escreve esta lembrança viva. Obs.: (Corrigindo a História) : Saudoso tio Lerico, cunhado do Vô João, marido tia Anésia que trabalhava como carpinteiro no início da construção do Fórum da João Mendes, 1950.
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* O que contraria informações na Internet de que a referida obra deu-se no ano de 1956.
Olhando o céu azul Costumava ficas sentado no quintal olhando o céu que naquela época dos anos cinqüenta me pareciam mais azuis. Morávamos próximo ao aeroporto de Congonhas, no Jabaquara, de onde costuma ficar horas olhando aqueles aviões chegarem e sair. Pareciam, de longe, de brinquedo. Lembro ainda dos pequenos aviões que sobrevoavas as casas jogando nuvens de papéis no ar, caiam sobre as casas, sobre os terrenos e lá se via dezenas de crianças correndo para pegarem aqueles papéis que acabavam espalhados pelo vento. O que eu não sabia o que era, mamãe dizia apenas -"é propaganda......" E eu contentava com a resposta. De vez em quando via se atraído pelo ronco do motor pequeno avião arriscando-se em manobras perigosas escrevendo alguma coisa no céu azul. Aos poucos fui me familiarizando com o que via, e com que ouvia mamãe lendo para mim. Duas coisas eram muito comum ver no céu naqueles anos cinquenta, que mais me impressionava eram o que se escrevia em fumaça : " C I C A " se a marca é CICA bons
produtos indicam! Outra propaganda era do " B O M B R I L, mil e uma utilidade! Para a criança que mesmo não entendendo o significado daquilo, era algo que muito chamava a atenção! Não tirava a vista até que aquela fumaça ia se dissolvendo até sumir de vez, apagando-se por completo. A VISITA DE VOVÓ Vovó chegou trazendo muitas coisas gostosas e pela primeira vez estava comendo doces saborosos feito por ela visto que quando sai de lá ainda era muito bebê para lembrar de ter comido. coisas assim ... Mamãe passava grande parte do tempo com vovó que trazia muitas estórias lá da fazenda,dos amigos e da família; sempre com olhar atento no menino que brincava tranquilamente. Vovó antes de retornar a Minas seu jeito delicado mas insistente: - Walter quero ir visitar o Parque da Água Branca no domingo antes de ir para casa. Diante do pedido da sogra, pela qual sempre teve muito apreço e no domingo levantava cedo ia comprar pães e leite, enquanto mamãe passava o café e planejava o passeio. O ônibus nos deixava na região central, não me recordo ao certo, acho que na região da Liberdade ou Pça João Mendes. Sei que depois caminhávamos pela Rua Direita onde mamãe mostrava as lojas e 25
prometia trazer a vovó durante a semana. Depois passávamos no ale do Anhangabaú, ao lado do teatro Municipal lugar que até hoje existe o chafariz com os cavalos soltando água pelas bocas. Mamãe gostava de sempre passar admirar a escadaria que circundavam o chafariz levando a praça abaixo. Depois, não me lembro ao certo, pegávamos outro ônibus para nosso destino final o Parque da Água Branca e lá passávamos o restante do dia até o anoitecer. Papai pacientemente acompanhava mamãe e vovó em todos os lugares que elas queriam. Eu gostava de admirar os pequenos animais e pássaros em seus viveiros. Vovó já se entusiasmava mais em visitar os estandes de gados e o viveiro de plantas. Sempre levava alguma muda de alguma espécime nova para a fazenda. Gostava de plantar novas espécies na fazenda que herdara de seu pai, meu bisavô. Acho que a visita de vovó veio a São Paulo com intuito de convencer papai a voltar para Campo Belo pois pouco tempo depois da ida dela percebi mamãe toda feliz dizendo que voltaríamos a morar com vovô na fazenda .... Dos Pintos, ....do Eurico, .... e depois na Fazenda da Mata de onde mais recordação guardo.
A FEIRA DE DOMINGO Era dia de folga de papai. Mamãe me arrumava todo e lá ia para os braços de papai rumo a feira, antes papai ouvia atentamente as recomendações de mamãe. Todo arrumado segurando o filho nos braços desfilava pela feira afora como se estivesse a dizer: _ Olha aqui, este é o Adautinho. Assim passeava pelas bancas, comprava as coisas que mamãe encomendara e não deixava de comprar alguma coisa como um doce, um brinquedinho, dos que são vendidos até hoje em bancas atrativas para chamar a atenção dos pequenos. De volta encontrávamos mamãe ansiosa por saber se estava tudo bem. Geralmente depois paparicar um pouco seu filho, falava: - Walter, coloca ele no cercadinho um pouco e vem me ajudar no preparo do almoço? Assim depois de certificar que o menino estava tranquilo brincando e lá ia ajudar a mulher no preparo do almoço de domingo. 27
O RETORNO Mamãe iria dar à luz e estava ansiosa e este foi o motivo da visita de vovó. Ela veio para cuidar de mamãe e parece ter pressentido que o parto não seria fácil pois mamãe viria a perder a criança. Era uma menina mas nasceu morta para a tristeza de meus país, vovó e família. Apesar de mamãe ter como vizinha uma amiga conterrânea, a Iolanda vovó foi muito importante neste período pós parto mal sucedido. Papai pode assim correr atrás do registro da menina que foi chamada de Maria enquanto vovó cuidava de mamãe. Lembro de ouvir vovó conversando com papai sobre a volta deles para Minas para que mamãe pudesse ter maior cuidados e se recuperar. Depois de algum tempo papai e mamãe começaram a preparar o retorno para a nossa cidade junto de vovó pois mais tarde ela iria para as Terras do Abilio, fazenda da Mata, lugar que vovó foi criada agora iria com a família para lá. Lembro que ouvia meus pais comentarem sobre a viagem e faziam planos da nova vida lá na Fazenda da Mata. Vovó comentara que vô João cederia uma área para papai construir uma casinha, apesar que na sede havia muitos quartos... Mas papai queria um
lugar que pudesse ter mais liberdade e ter suas plantações, seus cultivos próprios e vó Anita prometera isso assim que mudasse era só papai ter paciência! O dia da viagem se aproximava e eu ouvia mamãe conversando com dona Yolanda e falando seus planos. As malas com as poucas coisas que levariam já estavam sendo preparadas. Não havia muita coisa para levar a não ser roupas e alguns objetos pessoais e alguns poucos brinquedos que ganhara entre eles um ursino sobre rodas que ao puxa-lo ela ia batendo um tambor a sua frente! Foi o que mais durou e com o qual mais brinquei e que me recordo. O dia de partida chegou e de repente, quando me dei conta estava nos braços de papai embarcando no trem. O dia estava ainda amanhecendo, os primeiros raios do sol entravam através daquelas janelas semi abertas nos vagões de madeira e davam os primeiros sinais do novo dia quando se ouviu o apito longo da sisuda Maria fumaça. Aos poucos a locomotiva dava sinal de que estava pra sair com o som característico e sufocante do ar expelido pela caldeira..."Schiiiiiiiiii...shiiiiiii uuuuuuuaaa, café com leite, café com pão ....shiiiiaeeee..." lá se ia enquanto o fiscal do trem pedia em voz alta......o bilhete, por favor o bilhete, trecke, treck....e assim passava de banco a banco, de vagão a vagão. Os bancos em pares faziam frente com outro conjunto formando um grupo de quatro lugares. 29
À viagem transcorria tranquilamente e ao som cansado da Maria Fumaça... que parecia pedir sempre " café com pão, café com pão.... o trem de ferro serpenteava por entre matas e riachos, cotando vez e outro casebres vilas e cidades... A tarde se aproximava e ao por do sol o guarda do trem vinha anunciando a chegada a cidade de Cruzeiro onde os passageiros fariam a pernoite para seguirem viagem no dia seguinte ao amanhecer. Lembro que sai nos braços de papai e com mamãe nos acompanhando carregando parte das bagagens fomos para um quarto onde passaríamos a noite, devia ser uma pensão, recordo de sentir um odor característico de banheiros de estação e o lugar era meio escuros com suas lâmpadas fracas, avermelhadas, depois....só percebi quando papai estava já chamando mamãe para ir para a plataforma da estação, pois o trem já estava lá aguardando o embarque para o restante da viagem. Todos subiram nos vagões e acomodaram se em seus lugares. Antes da partida o maquinista acionou demoradamente o apito da locomotiva que dava sinal de pressa para sair. Logo começou a soltar baforadas de fumaças brancas através das rodas de ferro da locomotiva e o chiado característico se fez ouvir, lá estava já se arrastando pelos trilhos ..."café com leite, café com pão, café com pão, é um chiado forte do vapor expelido pela caldeira se fazia sentir e depois disso restava a toada do café com pão, café com pão...enquanto a locomotiva serpenteava pelas planícies, entre vales e montanhas a viagem prosseguiu até o anoitecer quando a velha
locomotiva parou na estação onde desembarcaríamos para depois seguir viagem rumo ao seu destino que ainda a aguardava. Descemos do trem e logo ouvi mamãe dizendo: - olha Walter, papai lá e está acenando para nós ! - Lá está ele. Logo ele veio ao nosso encontro e foi logo me tomando dos braços de papai e todo sorridente caminhamos para a camionete estacionado em frente à estação. A bagagens foram colocadas na carroceria da camionete é assim que entramos na cabine fui para o colo de mamãe e vovô ligou a camionete e logo chegamos na sua casa, aquela casa onde eu nascera. Vovó e tia Gabriela todas sorridentes nos aguardavam no alpendre ... Fomos para a cozinha onde uma mesa farta de quitutes nos aguardava. A alegria por toda a casa transbordava, mamãe contando sobre a viagem e vovó falando de seus planos e da mudança que em breve aconteceria para a fazenda da mata.
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A MUDANÇA Estava prestes a completar dois aninhos, depois de chegarmos de São Paulo ficamos ainda um tempo na Fazenda do Eurico. Era um lugar que da varanda se avistava o movimento de jardineiras, geralmente, uma vez ou outra indo em direção ao Porto dos Mendes, terra dos parentes de papai e outra tomando rumo contrário à Água Limpa, terra do vovô João. Um ou outro carro passava por ali vindo da cidade do mais, não se via nenhum movi,então a não ser dos camaradas indo e voltando lida diária. Geralmente retornavam a sua casa por volta das 15 horas ainda com sol brilhando na colina preste a se esconder por trás as montanhas. Na sede, não havia luz elétrica, usava se lamparinas, dai ao sol se por mamãe esquentava água no fogão a lenha e preparava a bacia de zinco, a mesma que usaram para me dar os primeiros banhos anos atrás. Vez ou outra ficava um pouco com o vô João na varanda que junto com alguns camaradas passavam algumas horas ouvindo algum violeiro tocando e cantando moda caipira. Logo mamãe buscava me para tomar um leite, comer alguma coisa e aos poucos tudo se aquietava e o dia terminava com o som de alguns pássaros e animais noutros. Aos domingos era comum vovó pedir que arrumasse alguns cavalos, encilhasse os para irmos passear
n'alguma fazenda vizinha. Geralmente eu ia na garupa de alguém. Quando era lugar mais distante como Água Limpa, Porto, vovô ia de camionete e o passeio era maior. Almoço na casa de um tio avô ou algum amigo! Às vezes vinha da cidade o tio Dalmo com seu caminhão e íamos todos, inclusive alguns camaradas, para pescar ou nadar às margens do rio Grande lá oras bandas de Boa Esperança. Eram passeios muito animados sempre levavam quitandas ou se passava na casa de alguém. Íamos todos na carroceria do caminhão observando a paisagem e geralmente vovó mostrando para mamãe algum lugar, contando algum caso. Não demorou muito percebi que a mudança para a Mata estava próxima, fui com vovô até a casa do Zé Soares que morava estrada à frente a cerca de duzentos metros e logo ao lado seu cunhado o Nhô e ouvi a conversa que girou em torna mudança. Foi combinada de eles irem na frente juntamente com a família do Antônio Alexandre. O Zé Soares com a família mudaria para uma casa pau a pique localizada pouco depois da sede, poucos metros da tulha. É o Alexandre e família ficariam num barracão situado depois da encruzilhada da estrada dos Maias, abaixo do morro dos Pimentas. O tio Dalmo veio no dia seguinte com seu caminhão e fez a mudança dos camaradas e logo depois foi a mudança nossa para a sede da Fazenda da Mata. Eu estava ansioso para conhecer, estava cheio de ansiedade para conhecer. Eu fui com meus avós na 33
caminhonete enquanto meus país e minha tia Gabriela e tio Toalba foram na frente com o caminhão. Ao chegar, deparei me com aquele casarão, para mim era muito grande! Vovô pegou no colo e mostro me à frente da Fazenda, o curral, o paiol, a tulha e subindo a escada do alpendre que dá para a sala exclamou: - Adarto, (forma peculiar do pessoal daquela época e lugar, me chamar.) - olha só, isto tudo um dia será todo seu! Ouvi aquelas palavras sem entender.... pois a única coisa que eu queria era descer dos braços de vovô e explorar tudo. Vovô colocou me no chão da sala e sai correndo enquanto ele se juntou aos demais para cuidar da acomodação de tudo. Eu me perdi dentro daquela casa, dos corredores, nunca havia visto, estado num lugar assim. Senti me à vontade, corria pra cá e pra lá!, Olhava aquelas janelas enormes, que mais pareciam portas, as vidraças, a cozinha era enorme, o fogão a lenha, o banheiro, a dispensa, a sala de jantar, o quarto de vovô achava imenso, depois havia ligado ao quarto de vovô um quarto que era da tia Gabriela, que ainda era solteira. No corredor havia três portas, uma para o quarto dos meus avós, que junto levava a outro quarto das filhas enquanto solteira. Um dos quartos o de frente ao principal estava sendo utilizado como uma segunda dispensa, depois antes de chegar a sala havia uma porta que dava para um
quarto de hóspedes interligado com outro com porta para a sala. Na sala do outro lado uma outra porta que levava a mais um quarto, o do Toalba, que quando não estava eu que ocupava. Gostava muito deste quarto pois uma das janelas laterais dava para o curral e duas outras janelas para a frente da casa com uma bela vista para os cafezais, o bambuzal e o morro da onça! Era o quarto que sempre disputei, pois ali deixava a janela aberto, ficava vendo o céu estrelado e de manha percebia quando começava a lida no curral e eu levantava correndo para beber leite quentinho que vovô pega a numa caneca para mim! Quando meu tio estava na roça, eu tinha que ir dormir no quarto do corredor, geralmente com meus país.
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A vida na roça A vida na roça é uma aventura a cada minuto é um mundo por descobrir e uma festa o dia todo. A vida parece desabrochar a cada instante. os pássaros parecem buscar incessantemente uma nova atividade e uma nova nota para seus cantos. Meus primeiros anos vivi na cidade e os dias eram enfadonhos e agora de volta a minha terra natal pude ter a certeza que o poeta tinha razão..."que os pássaros que aqui gorjeiam não gorjeiam como os de lá". Nem percebi os dias passarem ...eram tantas as atenções voltadas a mim que nem percebia o tempo passar. Geralmente os finais de semana vovô preparava sua camionete carregando sacos e "balaios" com as coisas que vovó preparava para levar para a cidade geralmente provisão para passar um curto período além dos quitutes, doces e frutas que levava para sua mãe, suas cunhadas, e amigas que sempre encomendava algo que vovó tão bem fazia. Vô João sempre ficava bravo com vovó com o excesso de bagagem. Tinha que acomodar as coisas muito bem para sobrar lugar para mamãe e eu e era sempre assim mas sempre se ajeitava, a viagem não era longa apesar da estrada ser de terra e com buracos. Inicialmente eu gostava pois reencontrava os tios, os primos da cidade e era sempre muito bom acompanhar vovô ou vovó pela cidade pois sempre ganhava alguma coisa, uma bala, um doce ou um carinho apenas.
Mas o som dos sinos da Velha Matriz, a sirene do cinema, da charqueada, a corneta do leiteiro, do sorveteiro, todos estes sons eu aos poucos fui conhecendo e sabia diferencia-los, mas tudo isso não me atraia tanto quanto a saudade e a vontade de voltar para a roça onde, mesmo sozinho, me divertia mais, ficava mais a vontade. Uma outra coisa que me incomodava e fazia eu sentir falta era o leite fresco. Não que vovó não levasse provisão de leite, não, levava sempre uma boa quantidade de leite para passar os dias na cidade porém como não havia geladeira, para não azedar o leite, o mesmo era fervido. Eu não gostava do leite assim mas era sempre forçado a toma-lo mesmo assim! Logo voltávamos para a fazenda e tudo voltava ao normal. Mamãe antes de voltar para a roça ia no fotografo e alugava uma *Kodak com filme 126 mm o mais utilizado por fotógrafos amadores na época e levava para registrar alguns momentos na fazendo porque queria guardar recordações do filho. Desta época lembro dos cuidados que mamãe tinha com a Kodak e a película, algo muito vulnerável e geralmente pedia a papai para colocar e preparar para ela tirar as fotografias. Desta época, eu com dois anos de idade uma destas fotografias lembro perfeitamente mamãe preparando me para tirar uma fotografia. Banhou-me, colocoume uma calça curta escura, com suspensório, uma camisa branca, penteou-me e teceu vários elogios mostrando a vovó que sempre concordava com 37
mamãe e a complementava. A seguir levou me a frente da sede, colocou-me junto um pé de jaboticaba e pediu para não se mexer e procurou achar o melhor angulo para a fotografia. Esta foto tenho até hoje e vai ilustrando o cabeçalho deste capitulo. Uma outra que ficou na minha memória mas não sei onde foi parar a fotografia é uma na qual estou nos braços de tia Gabriela. A tia Gabriela de roupa de banho escuro e eu só de short estamos as margens do açude onde sempre me levava junto para banhar.
CURTO PERÍODO COM TIA CARMÉLIA. Apesar de não saber o que se passava com mamãe lembro que vovó conversava com papai mostrando se preocupação com a saúde dela em decorrência a perda do neném pouco tempo atrás ainda em São Paulo. Logo fomos para a cidade e como vovó já havia vendido a casa da cidade a tia Carmélia cedeu uma casinha que ficava nos fundos do casa onde moravam na cidade. Lembro era uma casinha simples, nem banheira havia, eram dois cômodos apenas. Quarto e cozinha. Eu me lembro que nesse curto período que mamãe estava se tratando fiquei mais com minha tia indo apenas ver a mamãe algumas vezes durante o dia. O que sucedeu nos dias que se seguiram não me lembro bem, apenas que os dias foram tristes com mamãe no quarto o tempo todo recebendo visitas constantes de familiares e conhecidos. Eu era sempre afastado das visitas e até tinha a liberdade maior para ir brincar na praça. Lembro que tia Milica morava na esquina da rua do lado de onde estávamos. É sempre passava pela calçada a esta tia estava na janela e principalmente neste período que lá ficamos ela dizia vem cá menino, come uns bolinhos, entra aí. Me levava na cozinha e sem cerimônias vendo meu acanhamento me enchia as mãos daqueles cheiroso e deliciosos bolinhos bacalhau. 39
Mamãe estava frágil e recebendo os cuidados de papai e suas irmãs. Enquanto isso sem compreender bem o ocorrido passava os dias brincando e revendo uma maior atenção e carinho familiar. Com a melhora de mamãe papai nos deixou na cidade e foi para o Porto e após alguns dias retornou para levar nos para morarmos lá no Porto dos Mendes onde morou seus pais. O casarão estava parcialmente demolido, porém adaptado para uma modesta residência. Da casa lembro me apenas da sala, do quarto, da sala e cozinha. Mas havia sinais de inicio de demolição embora os assoalhos estavam em perfeito estado apenas fechamento com taboas da parte demolida do sobrado estando em uso pelo tempo que lá ficamos.
PORTO DOS MENDES Mamãe já havia se recuperado e papai conversou com ela é minha vó sobre nossa ida para o Porto. Disse que queria tentar a vida lá na sua terra e que depois quando vovô fosse mudar lá para a Mata ele traria mamãe para ajudar na mudança e ficar com a vovó! Pois na verdade a ida lá para a Fazenda da Mata demoraria ainda mais de ano pois estava ainda com os tios. Mudamos para o pacato povoado do Porto onde moravam a maioria da família de papai. Fomos morar numa casa, um sobrado em fase de demolição que pertencera a meu avós paterno. Papai adequou o que restará da moradia e foi o suficiente para residirmos ali por mais de um ano. Afinal o local era próximo aos tios e o lugarejo era pequeno, onde todos conviviam e se conheciam. Ficava aos fundos da igreja e ao lado de cemitério local. A mim que tinha três anos em nada me incomodou morar ao lado do cemitério que na época nem cercado era! Era normal conviver com aquele cenário bucólico de cruzes de madeiras, muitas vezes apodrecendo pela ação do tempo, rodeado por flores silvestres coloridas ladeadas por caminhos de terra batida. Mas na época nunca me atentei aos dizeres e datas dos túmulos a não ser ao assoalha da igreja que com meus país frequentava as orações, novenas semanais e as missas que realizavam 41
mensalmente. Meu tio era sacristão e costumava acompanha lo sempre que estava a cuidar da igreja e ele, mamãe e papai já haviam explicado o porquê daqueles dois nomes cravados no assoalho, em frente ao altar. Eram de meus avós paternos, José e Anna que foram enterrados ali porque foram os principais benfeitores e quem mandou construir a igreja e contavam me a história de que eles haviam morrido cedo contagiados pela febre Amarela, malária muito comum nos anos 20, 30 em regiões ribeirinhas..
LEMBRANÇAS DO RIBEIRÃO Chove, chove chuva... Chuva que cai sem parar Que vem lavar Minh’ alma E espalha sobre meu corpo Chega lembranças daqueles dias Que adormecidas são lembradas E me leva a m'infância passada Do menino de pés no chão que corria. Para os córregos ribeirinhos nadar Nas águas que das encostas desciam. Os peixes n'aguas barrentas se escondiam Do menino que os perseguiam pra casa levar! Pequenos córregos espalhavam pelas várgeas Movimentavam os aguapés mais verdejantes Que procuravam se agrupar todos juntos Formando um belo cenário graças a chuva! O menino da roça medo nunca sentia Mesmo sem ver o tronco da pinguela Que submerso se equilibrando seguia Para outra margem alcançar sem ela.
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AS LUZES DA CIDADE Papai nos dias de folga gostava de sair levando eu e mamãe para passear um pouco pelo centro da cidade. Refiro-me centro da cidade porque nas minhas memórias guardo pontos de referência nos quais norteiam minhas reminiscências e me leva a ser fiel possível em minhas narrações e localização física e temporal. Um dos lugares que me suscitam doces e nostálgicas lembranças é a Praça Clovis Beviláqua de onde se avistava um cordão de luzes que se estendiam ao longo de uma avenida, era a visão da Avenida Rangel Pestana que rumava em direção do Brás na época, atravessando, cortando o Parque Dom Pedro sem os viadutos que hoje povoa o referido Parque. Parecia um longos colar brilhante estendido, suspensos que iluminava a escuridão da noite ao meio as casas e prédios. Durante o dia os Parques lembro-me bem deles, era o Jardim da Luz e o Parque, hoje Vale do Anhangabaú onde até hoje permanece os cavalos imponentes jorrando água pela boca ao lado do Teatro Municipal. Que doces lembranças. Sem falar que eu atento observava os gatos que eram abundantes na praça, as pessoas passeando de braços dados, uma com suas sombrinhas coloridas, homens sob um pano preto, com suas máquinas num tripé de
madeira tiravam retrato de pessoas, hoje sei eram os "lambe lambe, profissional que já não existem mais nos dias de hoje. Recordo me certa vez eu estava ao lado de mamãe e vovó observando o movimento enquanto elas conversavam e de repente uma senhora agachou-se e deu me um sorvete falando com jeito carinhoso: - olha menino, peque este sorvete, comprei para você. - mãe, mãe..olha que ganhei! (Mostrando o copinho de sorvete que acaba de ganhar.) - muito obrigada, disse mamãe a aquela senhora que tão gentilmente agradara seu filho. Trocaram sorrisos e aos poucos se afastaram enquanto eu saboreava aquela delicia gelada continuaram a conversar e pouco depois dando as mãos saímos a caminhar.
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Lembranças do tio Lerico Meados de 1950, o mês exato não posso precisar mas sei que estou na terra da garoa, São Paulo dos anos 50 ... do qual ainda posso ouvir aquele sotaque lusitano por todos os lados, as vezes o italiano, o árabe entre outros que se soma a cultura e falácia dos migrantes que para São Paulo vieram atrás do sonho de vencer na vida. Vejo a cidade mais saudável, mais festeira, e andando mais devagar e menos poluída. As estátuas espalhadas pelas praças e avenidas chamam-me a atenção. O emaranhado dos edifícios, os bondes, os ônibus e os carros me enchem de curiosidade. Nos bairros sinto ainda o cheiro peculiar do carvão e querosene! Um cheiro que lembra o fogão a lenha lá do interior de onde a maioria migrou. Mas sinto saudade das montanhas, morros, das matas, das aves, dos córregos de águas límpidas. Na Praça da Sé vejo a Catedral ainda em construção, sem suas torres, a rua Santa Teresa está ali separando a Praça da Sé da Praça Clóvis Beviláqua com seu "glamour" guardando imponente seu cinema e restaurantes. Lá nos fundos da Catedral vejo a construção do Fórum da João Mendes, bondes elétricos circulando imponentes pelos trilhos incrustados nos paralelepípedos que calçam as ruas do centro da velha capital que se renova a cada dia com a
chegada de mais imigrantes e a construção de novos edifícios. Depois de cruzar a Praça João Mendes, olho a minha esquerda paro na esquina da Avenida Liberdade e ainda posso ver lá do lado do canteiro de obras do (hoje) Fórum da João Mendes, uma jovem mãe com seu filho no colo apontando para cima, ao meio dos andaimes um dos operários que lá trabalhava como carpinteiro. - Olha filho,é o tio Lerico que está trabalhando lá em cima! Acena-se para o senhor lá no alto e pouco depois observo-o descendo e já no solo caminhando em direção da mãe com o filho nos braços e por alguns minutos conversam de maneira familiar. Ainda ecoa aos Meus ouvidos partes da conversa: - Tio Lerico, este é o Adauto, o meu menino, o Walter foi me buscar lá em Campo Belo. - Ah... Gileite fico muito feliz de ver você com este menino forte e bonito! Atento a tantas coisas ao seu redor... uma infinidade de sons ... continuaram a conversar... quando de repente os dois se despediram e pouco depois e aquele senhor voltou aos seus afazeres e a jovem mãe com seu filho se foram. De repente, como num passo de mágica aquele cenário todo mudou, estava eu no mesmo lugar mas diante de uma movimentada e nervosa cidade com um trânsito alucinante, centenas de pessoas tentando atravessar entre carros a avenida Liberdade e a 47
movimentada Praça João Mendes. Ai me dei conta de que o tempo passou, meio século depois então percebi que aquela jovem mulher era justamente a minha mãe e a criança nos seus braços era quem agora escreve esta lembrança viva. Obs.: (Corrigindo a História) : Saudoso tio Lerico, cunhado do Vô João, marido tia Anésia que trabalhava como carpinteiro no início da construção do Fórum da João Mendes, 1950. * O que contraria informações na Internet de que a referida obra deu-se no ano de 1956.
MELHOR AMIGO DO HOMEM - O CÃO Quero deixar aqui registrado a minha concordância com as afirmações de que o cão é o melhor amigo do homem e de que há entre o cão e o homem uma ligação muito maior que podemos imaginar. E de que dos animais, talvez o cão seja aquele que mais sintoniza com a mente humana. O cão assim como o homem é um ser extra sensitivo, o cão por um lado permanece com estes instintos puros, incorruptíveis enquanto o homem pelo contexto em que vive já perdeu ou deixou adormecer boa parcela desta sua capacidade nata. É possuidor de uma sensibilidade inigualável capaz de sentir e pressentir coisas que escapam ao sentido humano. Proponho-me aqui narrar as minhas principais experiência com O Cães, os cachorros, como dizia São Francisco de Assis, “nossos irmãos” (de quatro patas). Sessenta anos já se passaram, mas a lembrança de meu primeiro amiguinho não. Norte era o cão que vivia na fazenda de meus avós. A raça dele não me lembro bem. Apenas me recordo que era um cão robusto, dócil, acho que pode até ter sido um lavrador, ou parecido com esta raça. Sei que era um cão da fazenda acostumado a ajudar meu avô na lida com o gado e nas horas vagas meu companheiro e amigo inseparável. Ele até me deixava montá-lo como se fosse meu cavalinho... Infelizmente o destino nos separou muito antes ainda de meus pais se mudarem da fazenda para a cidade. 49
Ainda me recordo que era costume do Norte ausentar se periodicamente, quase diariamente para ir até a fazenda do tio Orozimbo (não sei o porquê),distante cerca de mais ou menos 5 quilômetros, mas sempre retornava no mesmo dia. Certa vez ao cair da tarde vovó sentiu a ausência do Norte com a chegada da noite. Preocupada vovó comentou com o vovô: - João estou preocupada com o Norte, ele sempre que vai no Orozimbo volta antes do anoitecer! - Verdade Anita, é mesmo, ele sempre volta antes da noite chegar, vou dar uma espiada lá fora e pedir para o Zé Soares e os meninos dar uma procurada. Então vovô saiu fiquei com vovó lá na cozinha, a noite caiu e não ouvi mais falar no assunto e devo ter caído no sono logo. Só no dia seguinte acordei já ouvindo meu avô perguntando para o empregado: - Zé, você e os meninos encontraram o Norte por ai? - “Num sei cumpadi”, mas mandei o Carlinho ir até o Orozimbo, seguir a estrada e sondar o que aconteceu. Eu fiquei a observar o Morro da Onça lá no horizonte (a Leste) imaginando que ele bem poderia saber o que acontecera, pois, em sua imponência toda, ficava sempre a espreitar a todos que passava na estrada a seus pés. O almoço nem estava pronto ainda ouvi o Zé Soares chamando vovô, indo a sua direção lá no paiol. Logo vovô veio em direção à varanda e foi logo chamando vovó. - Anita, Anita! Os meninos do Zé Soares
encontraram o Norte morto lá na estrada, lá no Morro da Onça. Ele devia estar voltando ontem quando foi mordido por um cascavel. Tá lá todo inchado e com o sinal dos dentes da cobra na coxa. - “Ara”, “ara”.. vê se pode João! Ele sempre ia e “vortava”. Como pode tê acontecido ”issu”? Lembro ainda de depois um longo silêncio tomar conta lá da casa. Parece que até os animais lá fora, as vacas, os bezerros, os pássaros... ficaram em silêncio. Eu lembro-me que permaneci onde estava brincando, debaixo da mesa da cozinha, sem palavras, só depois de um bom tempo toquei no assunto e só depois de muitas décadas volto a lembrar do amigo querido. Norte, um cão que sempre ia para o Leste e um dia ele não voltou nunca mais !
RHOSS - FIM TRÁGICO Certa ocasião a minha família havia viajado e eu havia ficado só em casa, pois eu estava trabalhando e não estava de férias. Foi num dia no final da tarde quando voltava do 51
serviço que encontrei o portão de entrada entreaberto. Como sabia não haver ninguém em casa eu logo desconfiei de haver alguém dentro de casa, um ladrão. Entrei pela lateral que levava ao corredor dos fundos onde o cão estava preso e soltei-o imediatamente. Não precisei dizer nada, ele passou a minha frente subiu rapidamente as escadas e logo encontrou a porta da sala arrombada pela qual se adentrou a casa. Percebendo que ele havia encontrado alguém lá no interior da casa eu corri para a casa vizinha para ligar para a polícia. Quando a polícia chegou encontrou apenas o fiel companheiro guardando a casa, postado na porta do quarto diante de vários pertences espalhados pelo carpete do quarto ao meio de filetes de sangue que se espalhava em direção ao terraço. Logo o vizinho dos fundos chegou para avisar a polícia que ali já estava atendendo a ocorrência de que havia visto um indivíduo saltando para o terreno ao lado em fuga. O gatuno saltou cerca de quase quatro metros para fugir do cão policial. Passado alguns anos por motivo de separação ao me mudar confiei a guarda da casa e da família ao fiel amigo canino. A partir daí, nossa convivência passou a ser esporádica quase não o via mais. Pouco tempo depois recebo a notícia de que o Rhoss havia morrido e a ex-mulher pediu para que eu fosse lá retirar o cachorro. Chegando a casa naquele mesmo dia, fiquei estupefato com a cena vista, encontrei o meu amigo
enforcado, dependurado na piscina que ainda estava sendo construída. Proposital ou não, mero acaso ou por algum outro motivo... lá estava o Rhoss dependurado na parede da piscina. Como estava em construção, havia as pontas de ferros em forma de garras na beirada da calçada e como o cão fora amarrado próximo a esta beirada ele deve ter escorregado e seu pescoço ficou preso a uma garra do ferro que certamente pegou a veia arterial levando-o a morte rápida. Nada mais podia fazer a não ser levá-lo a colina e enterrá-lo junto às árvores e assim despedir-me daquele amigo inesquecível.
Rhoss, um policial acuado e acorrentado... Início dos anos oitenta eu acabava de me mudar com a família para uma nova casa. Chegou ao meu 53
conhecimento informação sobre um cachorro policial, um pastor alemão que estava sendo doado. Tratava-se de um animal feroz e que fora rejeitado até pela policia militar por se tratar de um animal já adulto, rebelde e bravo. Eu não hesitei, era tudo que eu queria um pastor alemão. Quanto a sua braveza não me assustava. Procurei a casa que me indicaram e manifestei a vontade de conhecer e levar o cachorro. Fui alertado pelo proprietário que o animal era muito bravo e que ele não se responsabilizava caso eu fosse mordido. Eu afirmei de que isso não era problema, apenas que me deixasse conversar com o cachorro. Aquele senhor convidou-me a entrar em sua casa, abriu a porta do quintal dos fundos e depois que eu entrei ele se afastou deixando-me lá sozinho. Olhei para os lados e logo percebi o cão que rosnava e mostrava-se descontente com minha presença. Percebendo que estava acorrentado junto ao tronco de uma árvore dirigi-me em sua direção lentamente estendendo minhas mãos. Mostrando-se bastante irritado, mostrava seus dentes e toda a sua raiva. Não me deixei ser intimidado e calmamente foi me aproximando e estendendo cada vez mais minhas mãos, até que comecei a tocar sua cabeça. Percebi que ele começou a acalmar, diminuindo sua raiva e silenciando. Em alguns minutos comecei a ouvir um novo tipo de som, um uivado abafado passando a um simples grunhido. Percebi então que acabava de ganhar um amigo e logo me encorajei a soltar a corrente que o prendia
naquele tronco e segurando-o pela coleira levantei e para espanto daquele senhor e dos que estavam na casa sai acompanhado daquele cão que balançava o rabo numa atitude de felicidade, de alegria. Os anos que seguiram foram de muita alegria para ambos. Acabava de mudar para uma casa que estava construindo com uma linda família. Rhoss adotou-me logo como seu dono e mostrava-se muito feliz, como meus filhos eram pequenos resolvi deixar o cão sempre preso e soltá-lo apenas quando estivesse junto em casa e assim fazia. De vez em quando o soltava e abria a porta de meu carro e levava-o comigo até a padaria ou outro lugar como companhia. Éramos dois amigos, nos orgulhávamos um do outro. Isto era visível, estava estampado em ambos.
MEU PAI, MEU ÍCONE. Hoje, regresso a minha mais tenra idade, minha infância e vejo-me nos braços de meu pai. Antes mesmo de aprender as primeiras palavras podia entender e compreender todo carinho e amor que ele dedicava a mim. Aos domingos levava-me nos braços para a feira e sempre me comprava balões coloridos em forma de 55
pato, cataventos coloridos, piões coloridos e outros brinquedos que me chamava atenção. Passava a maior parte de seu tempo de folga em casa a brincar comigo. Aos poucos fui crescendo e aquele carinho paterno também. Quando comecei a entender um pouco a comunicação verbal iniciei logo cedo a fazer perguntas tipo: ..... que é isso? ..... que é aquilo? ......por que isso? ......por que aquilo? Lembro-me que sempre tinha a resposta de tudo. A medida que eu crescia ia mudando o repertório de meus questionamentos mas papai estava ali sempre com suas explicações. Sempre fui mais observador... mas uma criança ainda não possui o senso crítico dai necessidade de perguntar mais. Diante de uma noite estrelada, enluarada indagava sempre sobre os mistérios das estrelas, da lua e do sol! Sempre gostei de observar o céu de dia as nuvens e a noite as estrelas. Gostava muito de ouvir suas estórias e seus causos. De sua infância, de seus pais pouco me falou, mas as vezes escapava algumas passagens de quando criança, mas muito raro. Papai sempre fora muito carinhoso e sempre muito atento a qualquer gemido, soluço ou choro. Sempre
estava ali do lado para observar e dar segurança e amor. Certo dia meu pai levou-me a Mercearia Godinho, onde trabalhava no centro da cidade, no mesmo lugar que hoje ela existe, a rua Líbero Badaró, próximo ao viaduto do Chá todo orgulhoso para mostrar-me aos seus colegas de trabalho. Lembro-me que eu ainda nem sabia andar, mas podia ver e ouvir tudo que se passava em volta. Gostava de ficar observando o movimento dos carros, dos ônibus e os prédios por onde passava. Em casa, nas suas horas de folga, papai costumava pegar-me no colo e brincar muito comigo. A noite antes de dormir gostava de brincar de cavalinho, de saltar na sua barriga. Muitos outros momentos marcantes estão vivos na minha memória, mas serão narrados em episódios a parte em outros contos e crônicas. O tempo passou, cresci, atravessei a infância, a adolescência, a juventude e alcancei a minha maturidade e em todas as fases de minha vida sempre tive e ainda tenho o carinho e a dedicação de papai, como nos velhos tempos. É como se o tempo (mais de meio século) entre nós não tivesse passado e rogo a Deus para que esta graça perdure ainda por muito tempo.
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MINHA IDA PARA O SEMINÁRIO DISTANTE DE CASA AOS 12 ANOS DE IDADE. Lembro-me que desde muito novo alimentava-me de um sonho de ir estudar no seminário e tornar-me um padre como meu tio Antônio! Até os meus dez anos este sonho foi fortalecendo com a influência externa. Além de meus pais sempre terem manifestado esta vontade havia a projeção do tio padre o qual era para mim um modelo.
Depois, já na cidade grande, participando ativamente das atividades paroquiais esta intenção de ir para o seminário fortificou-se mais ainda. Os incentivos vinham por parte da família, dos amigos de meus pais, das freiras e padres da igreja. Até que ao concluir o primeiro ciclo do Ensino Fundamental a minha ida para o interior foi decidida com a visita de um padre lá do seminário que foi visitar meus pais. E então tudo foi acertado para a minha viagem. Marcaram o dia para que eu viajasse e meu pai teve a garantia de que ao desembarcar na distante cidade do interior de Minas Gerais este padre estaria lá a minha espera. Assim chegou o dia decisivo de minha vida, o embarque. Despedi de minha mãe, de meus irmãos e rumei a rodoviária com meu pai que acompanhariame até a saída do ônibus. A sensação era um misto de aventura, medo e ansiedade por aquilo que eu encontraria lá fora. Era a primeira vez que me afastava de meus pais, de meus irmãos, de todos que eu conhecia. Eu ainda ia completar doze anos no mês seguinte. Acenei para meu pai que aguardava, lá na calçada, o ônibus partir e em seguida enxugando as lágrimas que despencaram tentei distrair-me observando a paisagem e ocupando meus pensamentos ... imaginando a minha chegada na nova cidade, o colégio e imaginando como seria minha vida a partir daquele dia. Para onde eu estava indo não havia ninguém conhecido a não ser o padre que esteve em casa combinando a minha ida para lá e que eu havia 59
visto apenas uma vez. Tudo era novidade e desconhecido. Sempre ouvi estórias do seminário, onde meu tio e meu pai estudaram. Após algumas horas de viagem percebi que estávamos chegando ao destino e observando a sinalização na rodovia percebi que estava já na cidade de Itajubá, meu destino final. Ao desembarcar-me encontrei, a minha espera, o padre Tarcísio conforme prometido a meus pais. Após cumprimentos o padre conduziu-me ao seminário que pelo duração do percurso vi que ficava bem próximo a rodoviária, perto do centro da cidade. Era um prédio enorme, sobrado, tendo a sua direita uma capela e a sua esquerda uma vasta área verde, pomar e campo de futebol. De início foi assustador entrar naquele prédio enorme e deserto, para recepcionar-me apenas o padre e dois alunos que também estavam a minha espera para seguir viagem a uma cidade vizinha onde os alunos estavam em período de adaptação aproveitando a última quinzena de férias aos pés das montanhas da Mantiqueira, quase divisa de São Paulo com Minas Gerais. Viajaríamos no dia seguinte, os dois alunos que lá estavam aproveitaram para mostrar-me todas as dependências da escola, antes levaram-me ao dormitório onde coloquei meus pertences no meu armário. Era um longo e espaçoso salão com duas fileiras de
camas junto as janelas, cada qual com seu criado (armário). A noite se aproximava e mal deu tempo para conhecer todas as dependências. O silêncio ali era total e chegava a ser assustador. mas a alegria contagiante dos dois novos colegas animaram-me e logo fomos para o refeitório com dezenas de mesas vazias e ocupamos apenas uma delas para a refeição do jantar. Disseram que sairíamos cedo para Delfim Moreira e portanto devia dormir cedo. A primeira noite apesar do cansaço o sono demorou a vir com tanta coisa passando pela minha cabeça. Logo ao amanhecer um deles veio me acordar. Levantei, escovei os dentes, lavei o rosto e me troquei. Ah, já deixei umas mudas de roupas para levar conforme orientação e fomos tomar o café da manha e logo em seguida fomos para a rodovia. Logo apareceu uma jardineira e ao acenar ela parou e entramos os três. A viagem durou cerca de duas ou três horas, pois a jardineira parava nas fazendas e vilas por onde passava. Entre montanhas apareceu uma pequena cidade cercada de verdes matas e riachos de águas cristalinas, era ali que encontraríamos os alunos juntamente com o padre superior. Era manha, o sol brilhava, o clima era ameno, logo deparamos com grupos de jovens perambulando pela praça e logo aproximaram de mim já dando as boas vindas e em seguida apareceu o padre Antônio Cortês o Superior da escola que veio dar me as boas 61
vindas. A recepção foi calorosa e logo já me senti em casa, enturmado. A pequena cidade era acolhedora e éramos bem vindos ali, todos cumprimentavam os alunos e andávamos a vontade por todo os lados. Segui o exemplo dos demais alunos e fiquei só de calção de banho e camiseta e logo acompanhei um grupo que ia nadar no rio. Que maravilha! Encontramos um riacho transparente e com alguns pontos com maior profundidade onde dava para ver o fundo branco de areia, mas a visão nos enganava, parecia raso e ao mergulhar percebíamos que alguns pontos eram profundos mas límpido. A maioria dos alunos já conhecia o local e assim eu apenas os acompanhava. Depois de nadar, escalar morros, cavalgar, ... a noite chegava e ainda restava atividades de lazer como gincanas, música, canto e várias brincadeiras de grupo. Passamos dias inesquecíveis e muito agradáveis ali e quando aquele encontro de adaptação terminou sentimos saudade mas muito ainda havia para conhecer na cidade. A nossa despedida do lugar foi cheia de pesares, as pessoas acenavam e diziam para que a gente voltasse ali mais vezes. A acolhida havia sido maravilhosa e até parecia que estávamos em meio de nossas famílias, nas nossas cidades de origem. Assim terminou o meu primeiro encontro de adaptação pós férias.
Mais tarde, outras vezes, ali retornei com alguns colegas mas esta primeira vez foi muito marcante e especial. Mais alguns dias no seminário em adaptação e depois de uma semana iniciou-se o ano letivo. Muitas novidades, aventuras e novos conhecimentos vieram a seguir no ano de 1962 em Itajubá, Sul de Minas.
FESTA NA ROÇA Domingo ensolarado, a natureza toda em festa numa daquelas manhãs ensolaradas de inverno lá na fazenda da Mata. Todos se preparavam para algum acontecimento especial. Vovô estava lá na frente do curral acertando os últimos detalhes da montaria dos cavalos. Mamãe disse me que íamos todos ao batizado do filho do Juca Néca, amigo de vovô em sua fazenda que ficava logo abaixo do Morro da Onça. Chegando lá reconheci que era aquela fazenda em que costumávamos ir naquelas festas junina com muitos fogos, fogueira e muitos quitutes. Logo dirigimos para a pequena capela que ficava 63
acima da sede, lá no alto da colina. A capela era pequena e a maioria das pessoas, principalmente os empregados da fazenda ficavam do lado de fora a espiar o que se passava lá dentro. Era um dia festivo, as roupas coloridas das pessoas contrastavam com a linda paisagem iluminada pelos raios do sol naquele belo domingo. Minha família, mamãe, vovó, vovô, tio Toalba e eu ficamos lá bem diante do altar ao lado da família do amigo do meu avô. O padre Godofredo de origem holandesa e ainda arrastando um português enrolado, mas compreensível para a maioria, pois estávamos já habituados com os padres holandeses na cidade. Praticamente não havia padres brasileiros na maioria das paróquias. Com aquela peculiar curiosidade infantil eu observava tudo ao meu redor e notei que o padre conversava com os pais da criança e com meus avós e que havia algo errado. O padre não concordava com alguma coisa, deu para ver que estavam falando de meu tio que seria o padrinho da criança a ser batizada. De repente meu avô acena-me para que eu fosse até ele que se encontrava ao lado da pia batismal e apresentou-me ao padre. Foi ai que ouvi o padre dizer que então eu seria o padrinho daquela criança pois o meu tio não poderia ser por professar outra crença, ser (* )protestante. Eu tinha nesta época aproximadamente seis anos de idade, mal compreendia aquela situação mas fiz o
que mandaram eu fazer. Entregaram-me aquela criança para eu segurar enquanto o padre procedia a cerimônia. O padre era muito severo, lembro-me que ficou nervoso quando percebeu a presença de duas moças aproximando do altar para auxiliá-lo afastou-as imediatamente dizendo: - A mulher não pode tocar nos objetos sagrados e nem no altar. Foi então que um senhor se aproximou e auxiliou o padre durante toda a cerimônia. Os anos passaram e por mais de uma década ainda visitei a fazenda de vovó, mas jamais retornei a fazenda do seu Juca Neca e nunca mais tive notícias de meu "afilhado". Só fui entender o que realmente se passou muito tempo depois. Ao meu ver uma coisa absurda, uma hipocrisia, uma intolerância da igreja ou do padre Godofredo!? Uma criança batizando outra criança sem ao menos saber, compreender o significado de ser "padrinho". E durante toda a minha vida este foi o único afilhado . Nunca mais fui convidado a ser padrinho de nenhuma outra criança! Obs.: Vovó era protestante, ou seja, evangélica como hoje falamos e vovô católico. Era comum nas famílias os filhos homens seguir a mãe, ser educados na religião ou crença da
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progenitora e as filhas mulheres educadas na crença do pai
Meus lugares inesquecíveis. Até aos cinco anos de idade meus lugares prediletos na roça onde morava era explorar os caminhos entre o mandiocal. Uma vasta área em que papai cultivava mandioca e durante uma boa parte do ano as ramas cresciam cerca 1.50m a 2,00 m de altura e algumas até um pouco mais. Os animais deixavam trilhas por baixo daqueles arbustos e em alguns lugares formava-se uma clareira. As trilhas eram caminho com terra batida pela passagem dos animais (galinhas, pássaros, os animais domésticos, alguns animais selvagens como pequenos veados, gatos do mato, jaguatiricas, entre outros. Aquelas trilhas eram cheias de encruzilhadas e sempre dava em alguma clareira lugares agradáveis para se brincar. Muitas vezes eu tinha que me abaixar para passar pois as trilhas em forma de túneis eram baixas mas em boa parte eu podia caminhar quase sempre de pé, mas sempre abaixando a cabeça. Ali eu passava horas brincando, ora observando os pássaros que ali vinham compartilhar daquela suave sombra ora explorando aqueles caminhos já prontos ou até mesmo construindo outros até que meus pais percebendo minha ausência ao redor da casa chamavam por mim. Aos poucos fui perdendo o receio e explorarando o carrego represado que ficava abaixo do mandiocal o 67
qual descia em direção a fazendo de meus avós. Havia dois trechos um antes do açude, mais profundo e grosso e outro que ficava abaixo da casa em que morava e este possuía mais água represada e margeado de bastante árvores e vegetação. Depois do açude a água fluía mais indo alimentar o monjolo, o moinho, a usina elétrica, o carneiro e as vezes ainda tinha outras serventia mais la na sede da fazenda. Alguns trechos possuía a margem limpa e como suas águas eram claras me aventurava entrar onde não fosse profundo. Escondido do vô João e sempre com a anuência da vó Anita que pedia a um empregado, o "Zé da Mãezé" improvisar uma jangada com troncos de bananeiras por sugestão de vovó para que eu pudesse brincar no córrego indo e voltando no trecho navegável cerca de 700 m acima da fazenda. Ali passava boa parte do dia em cima da improvisada jangada que para o meu peso e tamanho era o suficiente para navegar pelo córrego. O Réx, um pequeno cão da fazenda sempre me acompanhava e muitas vezes servia de alerta, seus latidos me avisavam da presença de serpentes as margens. Enquanto a jangada deslizava pelo leito do córrego represado passava por galhos verdes e carregados de amoras das quais aproveitava pra deliciar-me com aquelas frutinhas frescas. As vezes encostava a jangada as margens e saia para ficar na pequena cachoeira ao meio da mata que
ficava aos fundos do pomar. Lá depois de me refrescar com uma água límpida e fria sentava-me numa pedra e ficava a observar os pássaros e outros pequenos animais que por ali buscavam refúgio do sol quente. Não raro encontrava alguma serpente em busca de alimento, geralmente pequenos pássaros ... mas parece que ambos eu e elas tomávamos sempre caminhos opostos e jamais procurávamos qualquer aproximação. O local era exuberante em flora e animais por isso era muito bom estar ali, uma pena que não havia ninguém a compartilhar aqueles momentos. Quando cansava de ali ficar adentrava no vasto pomar em busca de alguma fruta "temporona". Dali ouvia-se toda a lida da fazenda, o som das galinhas cacarejando, de vez em quando um mugido aqui e acolá, ora o canto triste e cansado do carro de boi que chegava carregado com a "panha" do dia. E o estampido seco do monjolo a trabalhar desde o nascer do sol. Mas havia um momento do dia que tudo parecia silenciar, não se ouvia nada nem o vento a roçar os galhos das árvores. - Ah este é o momento do perigo ! (diziam os velhos empregados da fazenda) - Hora da onça tomar água! Parece que toda a bicharada respeitava esta hora, até os pássaros pareciam silenciar em respeito a rainha da mata! Saia pelo pomar entre laranjeiras, macieiras, e outras espécies frutíferas em busca de alguma fruta 69
madura, sempre que encontrava alguma fruta "temporão" eu colhia-a com todo cuidado e corria a presentear mamãe ou vovó que estava lá na cozinha preparando o almoço ou o jantar. - Mãe ! Olha que eu trouxe para a senhora! Quando ela gostava e comia me enchia de alegria e contentamento. Ah, gostava de subir a colina que no seu topo havia uma pedreira em forma de laje e de lá se avistava longe! Fica ali por muito tempo as vezes até o entardecer quando o sol começava a beijar o horizonte e eu ouvia as vozes dos camaradas que já nas suas casas proseavam e alguns pegavam suas violas e se punha a cantar. Lá do alto da pedreira ouvia-se tudo, as vozes misturando-se aos outros sons, os pássaros já se preparando para seus aposentos. E o céu já numa transição de cor começava a mudar suas nuanças. Geralmente não esperava vô João chamar para almoçar ou jantar, pois ele fazia questão que todos estivéssemos junto a mesa na hora das refeições. Acontece que nas minhas andanças pela fazenda as vezes era atraído pelo cheiro da comida lá na casa do Zé Soares, então costumava me aproximar do casebre e logo a "Memba" (mulher do Zé Soares) chamava vem menino, come um pouco! Eu dizia não obrigado, mas ao mesmo tempo caminhando em direção da cozinha. Eu dizia que não poderia comer que mamãe e vovó se zangariam e a Memba logo ia dizendo: - Bobo, come aqui e depois você come lá! É só não
falar! Eu não resistia a esta gula e assim frequentemente eu repetia tal façanha. Gostava muito de subir em árvores e havia muitas árvores frondosa naquela época lá na fazenda da Mata. Aproveitava a ausência de papai e do vovô pois eles não gostavam de me ver arriscando subir nas maiores árvores. Geralmente eu conseguir escalar os mais altos galhos, ah, mas a descida! Ai era uma coisa, eu ficava longo tempo lá no alto com medo de descer e não podia pedir ajuda Mas sempre consegui subir e depois descer. É que os galhos eram grossos e as vezes longos e por ser ainda criança minhas pernas não alcançavam os galhos. Para subir era sempre mais fácil mas a descida era sempre mais preocupante. Alguns lugares eu não me aventurava ir sozinho e aproveitava a vinda dos primos para com eles visitar os lugares que eu conhecia ou desejava ir. Eles na maioria das vezes tinham medo e para encorajá-los eu fingia não ter nenhum medo ou receio, mas na verdade eu também tinha. E assim enfrentávamos novas aventuras. Uma delas foi no Morro da Onça, sempre olhava aquele morro imponente e dizia ainda vou subir lá. Devia ter uns sete anos quando reuni meus primos Dalmilho, Raquel, Jane, Mariete e depois de preparar uma bandeira com um lençol velho de vovó nos arrumou partimos em direção a tão sonhada aventura. 71
Vovó e alguns empregados nos alertou, algo que eu sabia, do perigo de embrenhar-se nas matas do Morro da Onça, refúgio de muitas cobras, principalmente da cascavel que prefere lugares com muitas pedras e a humidade da mata Mas fomos assim mesmo, ora eu não podia demonstrar nenhum medo aos primos da cidade, afinal eu morava ali na fazenda! Conseguimos alcançar o topo do Morro da Onça e de lá desfrutar de uma visão maravilhosa. A leste conseguíamos ver alguns sinais das cidades vizinhas como pontinhos brancos incrustado nas montanhas no horizonte, lá deveria estar primeiro Cana Verde, Perdões e Carmo da Cacheira. A oeste tínhamos a visão da Fazenda da Mata emoldurada com o Morro dos Pimentas aos fundos. Ao Norte podíamos enxergar parte da nossa cidade, Campo Belo e ao Sul vestígios do Rio Grande que serpenteava entre as montanhas em rumo a Serra de Boa Esperança a qual era visível. O Morro da Onça na década de 60 e início de 70 ainda guardava intacta a mata nativa, todo recoberto de verde deixando aparecer só uma laje rochosa no seu topo e em do lado norte, na encosta rompiam algumas enormes pedras. Chegamos a parte superior e logo fomos tratar de deixar nosso marco, a bandeira improvisada com o lençol velho que vovó nos arrumou. Eu me arrisquei a escalar algumas pedras que ficavam mais a extremidade enquanto minhas primas ficaram com o Dalmilho na laje.
Mais tarde em outras férias refiz a mesma aventura e hoje, sinto saudade e vontade de repetir o mesmo. Mas dá uma tristeza, mesmo de longe, ao ver pelo Google Earth que o meu Morro da Onça não é mais o mesmo! Teria envelhecido? Estaria doente? Não, o homem acabou com sua beleza primitiva. Hoje ele ainda está lá mas despido e triste! A leste conseguíamos ver alguns sinais das cidades vizinhas como pontinhos brancos incrustado nas montanhas no horizonte, lá deveria estar primeiro Cana Verde e Perdões. A oeste tínhamos a visão do da Fazenda da Mata tendo como cenário de fundo o Morro dos Pimentas. Ao Norte podíamos enxergar parte da nossa cidade, Campo Belo e ao Sul vestígios do Rio Grande, lá pelos lados do Porto dos Mendes serpenteando pelas montanhas em rumo a Serra de Boa Esperança a qual era visível. O Morro da Onça até o início da década de 60 ainda guardava intacta a mata nativa Todo recoberto de verde mostrando apenas a laje rochosa no seu topo e em todo lado norte, na encosta rompiam algumas enormes pedras. Chegamos a parte superior fomos logo arranjando uma maneira de deixar nosso marco lá no topo, a bandeira improvisada com o lençol velho que vovó nos arrumou. Eu me arrisquei a escalar algumas pedras que ficavam mais a extremidade enquanto minhas primas ficaram com o Dalmilho aguardando na laje. Mais tarde em outras férias refiz a mesma aventura e 73
hoje, sinto saudade e vontade de repetir o mesmo. Sinto uma tristeza imensa, mesmo de longe, ao ver pelo Google Earth que o meu Morro da Onça . - Ele não é mais o mesmo! - Teria ele envelhecido? - Estará doente? - Não, o homem é que acabou com sua beleza primitiva. - Hoje ele ainda está lá ! - Mas despido e triste! Assim como toda a região ao seu redor que antes era só verde, hoje é vegetação rasteira, nem mesmo os lindos cafezais ao pé do morro não existem mais apenas uma pobre pastagem. Ainda na década de sessenta a fazenda da Mata ainda guardava lembranças de uma época mais remota. Havia na colina ao Sul da sede, restos de muralhas de pedra, um pouco mais acima uma tapera, onde só restava alguns alicerces de pedra indicativo de antiga fazenda, e algumas valas. Eram os dois tipos de cercas, obstáculos que faziam para separar propriedade e mesmo dividir os animais. Tanto a muralha de pedras como a vala funcionava como demarcação ou obstáculos para o gado e outros animais maiores. Era um dos lugares que eu gostava de frequentar embora sabia do perigo de cobras nestes locais de pedras ou valas. No verão meu lugar predileto era nos manguesais, havia muita manga, muitas espécies diferentes e com esta abundância os porcos disputavam com os saguis
e até mesmo com os ouriços (Porco Espinho) esta deliciosa fruta tropical. Eu tinha as minhas preferidas, geralmente as mangueiras as quais apenas os saguis frequentavam e cujos galhos eu pudesse escalar e ali ficar saboreando as mais bonitas e doces mangas. Ainda na década 50 saímos da fazenda da Mata e fomos morar no nosso sítio no Porto dos Mendes, mais precisamente no Morro Grande. Lugar isolado, tendo o Porto como o lugar povoado mais próximo, cerca de 8 kilômetros aproximadamente. Mas não havia nenhuma vizinhança ali, eu vivia mais sozinho que na fazenda de vovó. Ali encontrei e explorei muitos lugares ao pé do Morro, a beira de córregos de águas límpidas, goiabeiras e mangueiras por todos os lados. Gostava de frequentar a mata e ficar ali observando a beleza dos pássaros. A noite fica a olhar para as montanhas onde enxergava a luz dos carros que passavam na estrada rumo a Boa Esperança. A caminho do Porto por uma estrada de terra que mal passava um carro de boi apreciava-se frutas silvestres e límpido córregos que buscavam o Rio Grande De manha e a tarde ouvia-se o piar e o cantar da Siriema e das Saracuras, depois os Sabiás entre outros. Era sempre uma linda sinfonia! A tardezinha, mais ao anoitecer lá na encosta da morro vinha o uivado as alcateias que ali se reuniam. Embora em pequeno volume a água era abundante em nosso sítio e papai consegui conduzir uma boa 75
parte da nascente para passar na porta de casa. Fim da década de cincoenta, início da década de sessenta papai vendeu o sitio. Retornei por uns tempos para a fazenda de vovó onde aproveitei mais um pouco meus lugares prediletos já descritos aqui e depois disso meados de 1961 papai levou nos para São Paulo.
CHIQUINHO Vovó gostava de criar filhotes de pássaros em casa para domesticá-los. Cuidava dos filhotes ainda sem penas com papa de fubá e de frutas. Lembro ainda dos filhotes de maritacas, de pássaros pretos e canários da terra que ela criava com todo carinho dentro de casa. Mas de um lembro em especial, um pássaro preto que foi batizado de Chiquinho! Foi pego ainda bem novinho, e tratado com muito carinho e cuidado. Cresceu e acostumou com todas as pessoas da família!
Ele possuía uma gaiola que ficava pendurada na sala, onde ele dormia e ficava. Mas a gaiola estava sempre com a porta aberta para que ele saísse quando quisesse. Ele gostava de voar para o ombro de alguém e pedir carinho, abaixava a cabeça esperando um cafuné! Ah como ele gostava que coçasse a sua cabeça! Estava sempre feliz a cantar e quando queria algo dava aquele piado que todos sabiam interpretar. Costumava voar até alguma árvore próxima, ir até o pomar e depois retornava para a sua gaiola. Cantava um canto alegre e firme e era um encanto, uma euforia só! Incrível, atendia sempre que ouvia seu nome, sabia que ele era o Chiquinho! Acreditem! Certo dia apareceu pela fazenda, de passagem, um caixeiro viajante, um viajante que trazia produtos da cidade grande para vender. Vovó interessou-se pelos tecidos e permitiu que ele entrasse até a sala e mostrasse o que havia de novidade. Logo foi dizendo: - Ah que pássaro lindo! - E ele não foge, com esta portinha aberta? - Não - respondeu vovó – ele foi acostumado a viver em liberdade. Mas algo estranho começou a acontecer! Chiquinho que era um pássaro alegre, calmo e manso começou a demonstrar um comportamento estranho!
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Saltava de poleiro em poleiro e soltando alguns piados tristes! Algo não estava normal todos perceberam. Assim que aquele estranho se foi vovó apressou-se a pedir que eu fosse correndo chamar a Mariana. Como já era de costume quando alguém adoecia mesmo um animal da fazenda Mariana era solicitada para vir benzer. Em pouco tempo cheguei pouco a frente da Mariana que veio já preparada com um galho de arruda e pegando o pássaro no colo passou ao ritual de benzedura aspergindo água com aquele ramo de arruda e balbuciando algumas palavras que não podia entender. Chiquinho estava quase paralisado, sem ação, não era mais aquele pássaro alegre e esperto que conhecíamos! Mariana disse: - “Cumade Nita”, a coisa estava feia, este homem botou um mal olhado muito brabo nele! - Coisa pesada, mas ele vai ficar bom, deixa ele ai na gaiola e vai ver amanha ele vai estar bom de novo! Eu que estava lá de pé encostado na porta observando atento todo o ritual apressei a sair e aproveitar o resto da tardezinha que terminava para brincar, correr lá pelo pomar. Sei que Mariana, uma negra empregada antiga da família ficou ainda um pouco conversando com vovó e vi quando ela passou na estrada e disse: - “Inté Adarto!” Ai disse também o “inté” e continuei a brinca!
Só sei que no dia seguinte ao levantar encontrei o Chiquinho todo serelepe a saltitar e já arriscando algum canto afinando suas cordas vocais.. (Tudo aconteceu na minha infância na fazenda de meus avós, em Minas Gerais, por volta de 1955)
O tronco de Ipê Foto do casarão, o Ipê não aparece ai, esta é visão que se tinha lá debaixo da árvore, junto a porteira Era lindo, robusto, frondoso e estavam enraizadas bem em frente ao casarão, as margens da estrada que trazia os viajantes, os caminhantes, as comitiva que retornavam conduzindo centenas de cabeças de gado. Em seu tronco estava a base de uma porteira que separava as duas pastagens, a do leste que tinha como cenário de fundo o morro da onça e a do oeste, aos fundos da fazenda, a estrada dos Maias que 79
cortava o morro de vegetação rasteira e coberto de algumas pedras em forma de laje cravadas na terra. O velho ipê parecia mais um guardião que ali permanecia desde os tempos de vovó criança, do vovô Abílio abrigando e alegrando as novas gerações com sua imponência, sua beleza. Toda primavera tingia-se de amarelo, exibindo suas abundantes flores amarelas. O solo ficava todo tingido de amarelo mais parecendo um tapete com as flores que caiam diariamente e mesmo assim os seus galhos continuavam vestidos de amarelo ouro. Geralmente vinha da cidade algum tio avô visitar vovó e deixava seu automóvel lá debaixo do Ipê. Todos eles tinham o mesmo modelo, pois na época não havia muitos modelos, eram todos Ford 29, acho eu. Só me lembro bem que eram conhecidos como “furrecas”. Enquanto todos ficavam lá dentro a conversar e ficava lá perto do automóvel observando o contraste do amarelo das flores que caiam sobre o carro preto (todos os modelos eram pretos, não havia outras corres). O pára-brisa parecia mais um espelho que refletia o azul infinito do céu e nuvens que mais pareciam barcos apressados a singrar o mar infinito. Ah como gostava de ficar ali, sempre sozinho, falando comigo mesmo e aproveitando cada minuto a sombra e o frescor das flores. E os pássaros – eram muitas espécies e como brincavam alegres e saltitantes! O João de Barro, ah
este parecia ser o dono daquela árvore, edificou sua moradia de alvenaria no mais alto tronco e de lá era o sentinela efetivo. Eu perdia até a noção do tempo ali junto ao Ipê brincando na relva. Certo dia, estava eu ali absorto em meus pensamentos virando cambalhotas... quando de repente fui surpreendido com papai muito bravo perguntando porque eu não havia atendido ao seu pedido. Fiquei sem palavras não sabia explica-lo que eu não o ouvira realmente, eu não ouvira ele pedir-me para ir ver as horas no velho carrilhão que ficava lá na sala. Só sei que ele ficara muito bravo comigo neste dia. Mas nada podia fazer mais e aos poucos toda aquela magia do lugar devolveu-me a alegria novamente e até hoje sinto saudades do velho Ipê.
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ALMA DE GATO Vovô levou-me nos braços para mostrar a fazenda que havia comprado. Foi lá que vovó fora criada e eu logo de início gostei muito. Vovô todo orgulhoso disse me: - filho, tudo isso agora é seu! Colocou-me no chão e eu comecei a correr e explorar cada canto do casarão. Eu fiquei maravilhado com tudo, com tantos lugares, quartos, salas, varanda, cozinha, fogão a lenha enorme, banheiro com água quente aquecida e havia até uma banheira. As janelas de todos os cômodos mais pareciam portas de tão grandes e todas haviam duas partes a parte com vidros (vidraças) e a outra de madeira maciça. E lá fora, havia um mundo para explorar, pomar, riacho, cachoeira, curral, mangueiral (onde criavam
os porcos soltos), a tulha (armazém de cereais) o paiol (celeiro), nossa havia muita coisa a explorar e eu era praticamente sozinho, pois eu tinha apenas dois aninhos. O tempo foi passando e eu cada vez mais gostando daquela fazenda, a vida lá era uma festa todos os dias, levantar cedo e observar a lida do meu avô, da minha avó e dos camaradas era muito divertido. Eu estava sempre no meio dos adultos e gostava de ouvir estórias! Sempre pedia para um camarada do vovô chamado Osmar para contar as suas estórias, mesmo que fossem repetidas. Havia um pássaro que todos os dias era visto no alto de uma árvore próximo ao curral chamado Alma de Gato. Eu sempre corria para observar aquele pássaro quando ele aparecia por lá mas logo batia asa e desaparecia. Meus olhos brilhavam quando avistava uma Alma de Gato só de imaginar o tesouro, as pedras preciosas e os diamantes que escondia em seu ninho, o qual ninguém consegue encontrar. Osmar e vovó também contava que esta ave é guardiã de um tesouro imenso e que fica muito bem escondido n´alguma serra e que ninguém ainda conseguiu encontrar pois ele é muito esperto e zeloso. Gostava de acordar bem cedo para apreciar a ordenha das vacas, tomar leite quentinho tirado na hora. Vovô já preparava logo uma caneca de 83
alumínio para que eu bebesse o leito logo cedo. Após a ordenha, cada qual saia para seus afazeres e eu corria lá para perto da árvore onde logo que o sol começasse a aquecer traria com seus raios a enigmática Alma de Gato e eu ficava a espiar lá de baixo a ave sorrateira no topo da árvore! Sonhava por descobrir seu esconderijo, mas sempre acabava perdendo-a de vista. Assim passava a maioria dos meus dias de infância enquanto ficava com meus avós. A Alma de Gato já não mais aparece por lá, pois sua árvore fora há muito cortada e meu sonho de encontrar aquele tesouro se perdeu... Hoje quase nada mais é como antes, basta um vôo virtual pelo Google Earth para ver que a Fazenda da Mata já não mais existe, ah que tristeza! A Alma de Gato para longe voou carregando seus tesouros e os sonhos daquela criança.
Lembranças de vovó. Nos anos cinqüenta, lá na roça, não havia energia elétrica, apenas lamparina com querosene ou azeite para iluminar a noite quando necessário. Algumas fazendas, poucas na região, possuíam um gerador movido por uma roda d água, como o da fazenda de meus avós materno. A usina ficava nos fundos da fazenda, cerca de uns seiscentos metros abaixo, era alimentado por água do córrego represado que fora desviado para que passasse no terreiro, do lado da cozinha. Quando mudamos para lá este córrego possuía suas margens irregulares e havia um pequeno volume de
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água represado e muita água escapando pela sua margem esquerda antes de chegar à barragem. Lembro-me de vovó chamar meu pai logo depois de nos acomodar e falar: - Walter eu queria que você acertasse as margens do córrego e a barragem aqui perto do terreiro e arrumasse as caixas de comporta para (¹) moinho, para a (²) usina elétrica e a do (³) carneiro. Vou pedir para os camaradas carregar pedras para você refazer a barragem e calçar as margens, onde esta com vazamento, ta bom!? Papai sempre fora um homem zeloso, não era seu ofício, havia voltado há pouco tempo de São Paulo onde trabalhou vários anos numa Mercearia, mas disse que faria sim e logo começou o serviço. Eu tinha quase dois aninhos e gostava de ficar observando o que papai estava fazendo. Em poucos dias o serviço estava pronto. Ah como papai arrumou tudo bonito, gora sim dava gosto ficar sentado ali nas margens, tomar aquela água límpida e fresca o dia todo. Ouvir o barulho d’água transbordando sob a barragem de pedra. Deitar ali na margem direita do córrego sob a mureta construída pelo papai. Eu passava horas lá observando os pequenos lambaris e
girinos que pareciam não se importar comigo ali e se divertiam naquela água límpida e calma. Havia na margem esquerda três comportas, conforme disse anteriormente, uma para o (¹) moinho, outra para a (²) usina elétrica e outra para o (³) carneiro. Quando a água não estava sendo utilizada por nenhuma destas comportas ela transbordava por cima da barragem de pedra que papai havia refeito cuidadosamente. E a água seguia seu curso córrego abaixo em direção a casa do monjolo e depois vazava grota abaixo recuperando seu curso de origem. Qualquer curso de água sempre me fascinou, principalmente aquele córrego o qual saciava minha sede e mais tarde serviu para sustentar minha primeira jangada, feita de tronco de bananeira, na qual passava muito tempo subindo e descendo seu leito, passando pelas margens sombreadas por galhos verdes repletos de amoras deliciosas. Vez e outra dividiam o espaço com algumas cobras d água ancoradas as margens do córrego. Vovó dizia que cobra d’água não faziam nenhum mal então eu não tinha medo. Quando chegava o anoitecer era a vez dos sapos que vinham em grupo e dispostos para o concerto. Era uma cantoria só ! 87
Lá da cozinha, no “rabo” do fogão me aquecendo e ainda proseando com vovó ficava a ouvir os sapos lá fora numa animação só! O concerto começara o tenor prevalecia sobre os demais, era um som que parecia dizer: “ - joaaaaaão.. cê vaiii ? - vouuuu! - joaaaaaão.. cê vaiii ? - vouuuu! Ah, havia também um sapo que emitia um som que parecia da bigorna, era o sapo ferreiro como chamávamos pois parecia estar sempre batendo com o martelo em sua bigorna. E isto se repetia até a madrugada chegar ao meio de outros sons, coaxo e piado de aves noturnas quando esta orquestra não era quebrada por uma raposa, cachorro do mato a espantar as galinhas no galinheiro na tentativa de roubá-las. Então vovó corria porta a fora em socorro das crias e depois de segura que afugentara os intrusos ela voltava. Reinando a tranqüilidade vovó voltava a beira do fogão, vovô já havia recolhido em seu quarto e nós
ficávamos conversando mais um pouco, geralmente eu como sempre perguntando as coisas para vovó e ela tranquilamente respondendo. De repente ela se afastava ia até o armário que ficava na dispensa pegava uma taça de leite e dizia: - Adarto (*¹)... bebe seu leite com farinha antes de dormir. Pegava a (*²) taça com leite e farinha de milho e com uma colher tomava aquilo com gosto. Depois tomava a bênção e ia dormir. No dia seguinte tudo se repetia!
(¹) moinho – consiste de uma pedra bruta medindo cerca de 1m de diâmetro por uns 20 cm de espessura, com um furo de cerca de de 15 cm de circunferência ao centro. Esta roda de pedra na horizontal sob um bloco plano de pedra girava triturando o milho que era colocado sobre o orifício central. Após moído o grão o mistura fina caia numa caixa que armazenava o produto. A Roda de pedra era movido por um sistema de engrenagem em combinação com a roda d’água.
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(²) usina elétrica = Um pequeno gerado (motor) movimentado por uma roda d’água que gera energia (contínua) elétrica. (³) carneiro = uma esfera metálica com seu bojo oco que ao encher de água movimenta um pino criando um sistema hidráulico de elevar a água até um reservatório. Muito utilizado no interior de Minas e Rio de Janeiro. (*¹) Adarto = é a maneira que vovó me chamava assim como os demais empregados (camaradas) lá da roça.
EU E O PRESIDENTE Hoje relembro com saudade daquele tempo de criança em que na simplicidade vivi grandes momentos que hoje recordo com emoção. Um dos fatos que lembro é o dia que o Presidente Jânio Quadros visitaria minha cidade, Campo Belo – MG. O Ano era 1960, o mês não me recordo, acredito que tenha sido no início do lançamento da Campanha Presidencial. Lembro-me da “vassourinha” que foi seu mote de campanha e do jingle que ecoava o tempo todo pelas ruas da cidade e até mesmo no campo: “varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já 'tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!, e também se dizia "homem do tostão contra o milhão". recordo também dos 91
cartazes com a foto do Jânio estampada por todos os lugares e vassourinha que eu mesmo exibia com orhulho. Mesmo tendo apenas 9 anos gostava de ver meu avô comentar e discutir política com seus amigos fzendeiros principalmente na época de Getúlio Vargas quando mandou cortar os cafezais, lembro-me muito bem do meu avô revoltado com a situação política na época. Havia o tio Cristiano que estava sempre metido com grupos políticos da região, fora até vereador na década de cinquenta e lembro-me bem da rivalidade entre seus opositores. A UDN (União Democrática Nacional) era um partido forte na época. Muitas vezes deparava-me com tio Cristiano reunido com seus aliados e surpreendia-o muitas vezes em discussões efusivas e com frequência falavam da UDN. Recordo certa vez passando em frente ao sobrado onde estava reunido com partidários ao me ver deixou o grupo e veio todo sorridente me ver e me abraçar lá na calçada por onde passava. Os meus tios avós falavam muito sobre Jânio Quadros que seria com certeza o novo presidente do Brasil. Certo dia ouvi a notícia sobre a visita do candidato a presidência em nossa cidade! Fiquei atento a conversa e logo percebi que todos iriam numa carreata esperar o Jânio Quadros no Campo de Aviação que na época fica cerca de doze quilõmetros no lugarejo chamado Santana do Jacaré nome de um afluente do Rio Grande que corta o Município do Porto dos Mendes, onde residia o tio Cristiano e a
família toda por parte de meu pai. Na época costumava ficar o tempo todo na casa da minha bisavó, casa do tio Juarez onde normalmente se reuniam diariamente todos os tios. Não poderia deixar de ouvir os comentários sobre os preparativos da carreata que aconteceria no dia seguinte e logo quis saber se eu poderia ir junto. - Lógico que você pode ir Adauto – respondeu logo a tia Arlete. Fiquei muito feliz e mal podia esperar para acontecimento inédito, ia conhecer o futuro presidente do Brasil e vê-lo chegar de avião no Campo de Aviação. odos os meus tios possuíam um Ford 29 que na época era chamado de “furreca”, igual a este da foto. O tio Renato, o tio Gumercindo e o tio Mário sempre iam na fazenda da vovó e deixavam estacionado debaixo do velho ipê na porteira em frente a sede. Eu gostava de ficar lá na frente do carro olhando o ipê florido através do vidro do parabrisa da “furreca”. Parece que as flores, os galhos e as nuvens formavam um cenário maravilhoso, era como se fosse um filme, uma miragem! Mas voltando a carreata, saimos todos em fila pela estrada de terra rumo ao campo de avição, antes mesmo de sair da cidade todos apontaram para o céu onde o avião do Jânio começava a sobrevoar e o cortejo se apressava ao destino. Podia perceber a cor do avião pintado já com as cores da bandeira nacional, verde e amarelo. Logo chegamos no campo de aviação e vimos o bimotor 93
que trazia o candidato aterrisar naquela pista de terra deixando para trás uma nuvem de poeira. Pouco depois os carros, todos iguais (não haviam muitos modelos diferentes) estavam já a postos para retornar a cidade, ao hotel Maracanã onde o Jânio Quadros ficaria hospedado. Como o Hotel era de meus tios, acompanhei a comitiva até o saguão do hotel e pude estar junto com o ilustre visitante e acompanhar a movimentação mesmo sem se dar conta do assunto. Muitos anos depois, em 1985 me encontro novamente com Jânio Quadros - agora candidato novamente, mas à Prefeitura de São Paulo. Estive juntamente com o Gutierres, amigo pessoal do Jânio, durante uma visita ao Diretório do PDB em Itaquera e lá pude estar com ele e conversar sobre sua visita a minha cidade natal há trinta e cinco anos atrás. Disse-me que recordava sim desta visita de campanha e da cidade. Depois de uma conversa, num gesto de intimidade pega no bolso de minha camisa um maço de cigarro e diz: - Vou pegar um cigarro seu e assim o fez sem cerimônias. Não pude esconder um certo desconforto pois o cigarro que eu tinha no bolso era uma marca comum, dos mais baratos, mas isso não lhe pareceu nenhum problema e continuamos ainda conversando sobre educação e cultura além da necessidade de apoio a sua candidatura, claro.
Depois posamos para algumas fotos e durante o resto de sua campanha pude juntamente com o
Gutierres acompanhá-lo por muitos bairros da Zona Leste. A partir dai, mesmo depois de seu mandato de Prefeito, pude participar de vários encontros com o 95
mesmo. Cheguei a participar também do MRP - Movimento Renovador Político fundado por ele e comandado pelo Dr. Paulo Zing. Eram reuniões um tanto eruditas que se falava ainda de grupos comunistas atuantes no Brasil na década de oitenta e da necessidade de combatê-los e até assumindo discursos bizarros. Lembro-me que nesta época estavm sempre nas comitivas o cantor Moacyr Franco entre outros fiéis seguidores do Ex-Presidente Jânio Quadros. E sinto-me honrado por ter em vários momentos participado de alguns momentos com esta ilustre figura e guardo com carinho e envaidecido de possuir um “bilhetinho” caraterística marcante deste político. Sempre que queria passar alguma mensagem escrevia um “bilhete” ! Assim guardo mais esta recordação de que “eu conheci pessoalmente Jânio da Silva Quadros” .
Mistério na Mata A Fazenda da Mata, ou Fazenda São João fora do meu bisavô Abílio. Vovô João comprou a pelos idos de 1953 e lá passei os mais doces anos da minha infância. Ah quantas estripulias, quantas aventuras lá vivenciei ! Nos primeiros dez anos a fazenda era muito freqüentada ainda pelos irmãos de Vovó, o tio Juarez, Tio Neném, Tio Mário, Tio Júlio, Tio Renato e a própria Vovó Dolores, Mãe Vó como a tratávamos. Os primos Nardinho, Diogo freqüentavam mais a casa. O casarão era estilo colonial, havia muitas dependências e por isso era possível receber muitos hóspedes. Gostava quando minha avó Anita recebia umas amigas do Rio; Era um pessoal da cidade e eu ficava espiando de longe aqueles hábitos diferentes dos que eu conhecia. Mas sentia mesmo a vontade quando nas férias reuníamos os primos lá Dalmilho, Jane, Raquel, Ariete, Denise, Antonio, entre outros. Mas estes citados eram os da minha época que mais compartilhávamos as aventuras e as brincadeiras. Minha irmã Bernadete era novinha e o Pascoal ainda muito criança nem podia acompanhar-nos em todo lugar. Quando iam embora ficava aquela monotonia... não restava outra opção de vez em quando compartilhar algumas brincadeiras com os filhos dos camaradas. 97
No final da tarde chegava da roça acompanhados do pai e de outros funcionários o Carlinhos, o Toninho, e o José, (Zé) mas eram crianças de outro nível, muito simples e chegavam cansados mal podiam brincar. Na fazenda, quando a tarde caia vovô corria para o lado do rádio, as vezes acompanhados por algum empregado e ficavam ouvindo programação de Música Sertaneja para irritação da minha avó que não gostava. Depois hora da novela no Rádio, minha avó e mamãe iam para o lado do Rádio enquanto meu avô se retirava, de vez em quando indo jogar truco lá na sala com os amigos. Mal a noite se firmava todos começavam a retirar-se. Dormíamos cedo, pois a lida no campo iniciava-se cedo antes do nascer do sol. A vida lá na fazenda foi modificando se radicalmente, o movimento, a lida com o cafezal, foi cada vez mais diminuindo. Meu pai levou-nos para um Sítio que herdara lá no Porto dos Mendes, no Morro Grande, meu tio To alba estudava fora, só vinha para a fazenda nas férias. Eu, sempre que podia ia passar uns dias lá e o meu quarto preferido era o do meu tio Toalba, pois ele dava as janelas todas para a frente e para o Curral, podia-se acordar cedo com a movimentação dos retireiros ao trazer as vacas para a ordenha. Certa noite, estávamos só nós três, meus avós e eu. Como não havia companhia me recolhi cedo, ouvia cada badalado do velho carrilhão lá na sala próximo ao meu quarto. Fora isso e algumas vezes o som de
algum pássaro noturno era silêncio total. Podia-se ver as estrelas pela janela que eu sempre deixava aberta para contrariedade de vovó que ia nas pontas do pé e as fechava e eu da mesma forma as abria depois de algum tempo sem fazer ruído. Era uma noite tranquila, meus avós deviam star em sono pesado e eu ainda estava meio acordado pensando e olhando para as estrelas lá no firmamento. De repente - ouvi a trava de madeira ser retira da porta da sala e ser colocada no canto. Como era piso de assoalho, e com o silêncio da noite ouvia se nitidamente o som. Levantei a cabeça, sem sair de minha cama, procurei ver se era meu avô ou minha avó que fora ver algo. Não podia evitar nada a não ser a porta acabando se abrir por total uma das partes. Um silêncio profundo se fez até que ouvi a minha avó lá de seu quarto falar: - menino! O que está fazendo ai ? Por que abriu a porta!? Eu mal pude responder... balbuciando disse lá da minha cama mesmo; - não fui eu, não sai da minha cama! E virei-me do lado obrindo-me e ficando quieto sem se mexer até que o sono veio! Lembro que meu avô se levantou, fechou a porta, colocou aquela trave de madeira e saiu resmungando. Creio que pensara que fora eu fazendo arte. Pude ouvi-lo a caminho de seu quarto; 99
_ Ara.. esse menino !... No dia seguinte, levantei-me, meu avô já havia ido para a roça e encontrei minha vó lá diante do fogão a lenha! Antes mesmo que ela disse algo perguntei-lhe: - Vó, o que foi aquilo ontem? - Não fui eu que abri a porta não! Calmamente ela respondeu acalmando-me. - Não se preocupe menino, deve ter sido papai, ele sempre aparece por aqui. - No final de semana eu vou fazer uma visita lá no "Centro" e ver o que ele queria. ode estar precisando de oração. E assim passou a semana e quando chegamos a cidade foi ela ao centro e contou-me depois que realmente era o Vô Abílio, ele sente saudades e vem sempre visitar a casa. Mas está tudo bem sim com ele! - disse com toda a naturalidade. Acho que por isso nunca me assustei com fatos inexplicáveis. Aceito-os e acredito que: - " entre o céu e a terra há muito mais coisa que nossa vâ filosofia possa conhecer! Obs.: Vô Abílio faleceu no mesmo ano que eu nascera, eu não cheguei a conhecê-lo. Um porta retrato que vovó possui dele me chamava os seus olhos azuis, bem azuis.
Recordações da infância As noites frias e profundas me trazem recordaçoõ es, sensaçoõ es, impressoõ es, de uma fragraâ ncia de infaâ ncia de criança. Noite fria, ceé u estrelado, a lua bailando laé no ceé u de julho. No casaraõ o se via a fumaça branca que subia pela chamineé , as janelas semifechadas deixavam ver a movimentaçaõ o na cozinha em volta do fogaõ o a lenha. Era feé rias de meio do ano, o sossego, a tranquilidade e o sileâ ncio jaé naõ o era como os de todas as noites. Vovoâ e vovoé que normalmente a esta hora jaé estariam dormindo permaneciam ateé mais tarde reunindo os netos em volta do fogaõ o, assando queijo na chapa e a pedido dos netos contando causos. Vovoé sempre preocupada conosco cuidava de preparar algumas quitandas para comermos. Sempre ouvia se ela dizer: menino, come alguma coisa, toma leite! Pegue uma *tigela e come com farinha! A noite avançava e o frio aumentava laé fora! O que fazia que nos mantiveé ssemos todos em frente o braseiro que consumia laé no fogaõ o. Acostumados a deitarem cedo, com pouco meus avoé s se retiravam ao quarto e ficaé vamos por ali ainda, falando mais baixo para naõ o incomodar mas conversando muito, rindo e matutando o que fazer no dia seguinte. 101
Como o ceé u estrelado era muito bonito, apesar do frio, antes de dormir ainda ficaé vamos laé no alpendre ou na janela do quarto observando as estrelas cadentes que eram frequentes e imaginando como seria a vida noutros mundos. De vez em quando ficaé vamos quietos, pensativos soé observando laé em cima o ceé u repleto de estrelas e na escuridaõ o na mata o pisca dos pirilampos e vaga-lumes que invejando as estrelas reluziam o campo e as matas .O sileâ ncio muitas vezes era quebrado por um piado de alguma ave noturna que cortava o espaço em voâ o rasante. Laé no pasto, nalgum tronco a coruja piava ! Vez ou outra ouvia se outras aves noturnas aqui ou acolaé . Muito assunto, muita conversa mantinha nos acordado ateé que exaustos um a um ia se deitar para logo mais ao nascer do sol todos de novo começar a nossa lida! Assim eram nossas feé rias na fazenda e hoje restanos apenas as sensaçoõ es, impressoõ es de uma fragraâ ncia de infaâ ncia, de criança. E a certeza de que fomos muito felizes e aproveitamos o tempo que se foi e jamais voltaraé !
O pequeno polegar O dia em que quase perdi o polegar Era uma criança que desde cedo fui acostumado a ajudar meus pais nos afazeres da casa. Havia hora para trabalhar, estudar e brincar. Nunca fui obrigado a fazer trabalhos pesados, mas sempre tive vontade de ter minhas pequena plantaçaõ o, queria aprender a cultivar a terra e diante de meu pedido papai deixou uma pequena aé rea para eu plantar. Ah como era gratificante depois de algum tempo ver germinar as sementes, crescer o feijaõ o, o arroz, as ramas de batata, mandioca, as hortaliças. Papai plantava de tudo para o nosso sustento e sobrava ateé para vender. Havia um plantio de mandioca que dava para fazer farinha e polvilho. Para facilitar o beneficiamento ele construiu uma engenhoca para ralar a mandioca exigindo-se pouca força devido as rodas e engrenagens da maé quina. Ateé uma criança como eu, de sete, oito anos conseguia mover a manivela do ralador manual. Certo dia, enquanto meus pais cuidavam de outros afazeres pedi para adiantar o serviço indo ralar mandioca. Naõ o precisava de muita força para mover a roldana, o trabalho ia bem. Com a maõ o direita movimentava a manivela e com a esquerda empurrava a mandioca que produzia 103
uma massa alva e espessa. A bacia aos poucos enchia daquela massa, tudo estava indo tranquü ilo e sem cansaço. De repente, o branco tornou-se rubro, mal pude perceber o que havia acontecido. Como de repente aquela massa alva manchava-se de vermelho forte? Foi tudo taõ o raé pido que soé depois de um tempo pude perceber o que havia acontecido. Segurava firmemente a mandioca com minha maõ o esquerda quando de repente acabou se a raiz e foi o meu dedo sem que eu percebesse. Os dentes do cilindro cravaram em meu dedo polegar deixando ranhuras profundas e quase o deslocando. Deixei o local e segurando meu dedo com a maõ o direita e sai correndo gritando por meu pai. - Pai, paieeeeeeee! - O que foi filho? Correu comigo para dentro de casa colocando logo um punhado de sal grosso com aé gua lavando bem o ferimento que continuava sangrar. Tratou de colocar um pano em volta amarrando-o e pegando-me ao colo acalentando-me na tentativa de acalmar-me. Os dias se sucederam e o machucado estava com mau aspecto e ainda doendo muito. Falei com meu pai que o meu dedo polegar estava com mau cheiro, e que o ferimento estava piorando. Foi ai que ele resolveu levar-me ao Porto dos
Mendes onde tio Cristiano possuíéa uma pequena farmaé cia, a ué nica da regiaõ o. Chegando laé tio Cristiano tirou aquele pano que servia de curativo e fez uma assepsia terminando com um bom curativo com gazes e esparadrapo. Receitou-me alguns remeé dios e orientou papai como cuidar e fazer novos curativos. Jaé se passou quase 50 anos e no meu dedo as marcas deste episoé dio do dia que quase perdi meu polegar.
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Morro da Onça.
Esta era a visaõ o que se tinha da janela da sala e do quarto onde eu dormia na Fazenda da Mata. Passei boa parte de minha infaâ ncia observando esta paisagem. Com certeza os melhores dias da minha vida. Ao fundo imponente aparece o Morro da Onça, nome este devido ser muito comum a frequü eâ ncia de onças pintadas e jaguatiricas por laé . Em minha infaâ ncia cheguei a cruzar com algumas Jaguatiricas, mas onças pintadas soé em estoé rias contadas pelo meu avoâ e pelos camaradas da fazenda. De vez e outra ouvia se dizer que alguma cabeça de gado havia sido atacada por uma onça pintada e o temor corria pela redondeza. Esta foto foi tirada na deé cada de setenta, mas posso garantir que antes dos anos sessenta o
cenaé rio era muito mais belo. Onde se veâ as plantaçoõ es outrora era ainda mata virgem, os cafezais se estendiam mais a direita. A mata original era linda e embelezava a paisagem e favorecia a uma rica fauna. Mas atenho-me agora a falar mais precisamente do querido e saudoso Morro da Onça. Com frequü eâ ncia costumava passar a cavalo numa trilha que cortava sua encosta esquerda ou de Jipe com meu tio ou meu avoâ . Era o caminho que levava aà Fazenda do tio Orosimbo que ficava a uns 6 quiloâ metros da fazenda do vovoâ . Costumaé vamos revezar semana sim semana naõ o íéamos passar o domingo laé e as vezes acompanhava meu avoâ em suas idas a negoé cio com o tio Orosimbo. Ao passarmos ao lado do Morro costumava ficar olhando para o seu topo e almejando o dia que eu pudesse subir ateé laé e poder observar os quatro pontos cardeais. Sabia que de laé poderia ter uma bela visaõ o ao Sul das bandas do Rio Grande, do Porto dos Mendes e em destaque se via o Morro de Ponta, local em que meu avoâ morou quando mamaõ e era criança. Eu gostava de ir laé com meus avoé s. Era um lugar pitoresco. Do lado norte, bem distante se via no horizonte o delinear da cidade de Campo Belo esbranquiçada mesclando-se com o ceé u azul salpicado de brancas nuvens. Ao oeste se avistava a Fazenda da mata e ao Leste a Fazenda do vovoâ avistando-se a sede toda imponente ao peé do Morro dos Maias ou dos Pimentas. 107
Enquanto eu vivia meus primeiros anos de vida, minha primeira infaâ ncia, naõ o havia outro meio senaõ o contemplar diariamente a beleza do Morro da Onça e sonhar com o dia que eu pudesse aventurar-me pelas suas matas e atingir a pedreira que cobria seu cume. O tempo naquela eé poca parecia naõ o passar, demorava-se muito para chegar o final de semana, as festas de fim de ano, os aniversaé rios. Eram dias interminaé veis, parecia que o reloé gio era bem preguiçoso. Ao contraé rio de hoje. Soé sei que tudo acabou passando e quando percebi jaé estava morando em Saõ o Paulo e naõ o via a hora de chegar as feé rias de meio do ano e as de final de ano para laé na Fazenda ir matar a saudade. Nos primeiros anos que se sucederam, depois de estar morando em Saõ o Paulo, geralmente combinava com os meus primos para irmos juntos. ÍÍamos eu, minha irmaõ Bernardete, as vezes o Pascoal tambeé m e laé nos reuníéamos com a Raquel, a Juanita, a Jane, a Aríéete, o Dalmo William e a Denise e deixaé vamos vovoâ bem nervoso com nossas aventuras. Os outros primos,
Cida, o Antonio, o Rogelio geralmente naõ o participava de nosso grupo laé na fazenda. Poucas vezes se reuniram a noé s a naõ o ser quando íéamos todos para a cidade. Na fazenda organizaé vamos os dias todos com muita aventura, escaladas de morro, nadar no açude (uma piscina natural adaptada num buraco de onde se retirava terra para fazer tijolos). E loé gico começamos a planejar e executar nossas aventuras no Morro da Onça. A primeira vez que escalamos o Morro da Onça, levamos uma bandeira branca feita com tecido que pegamos laé da vovoé , acho que um velho lençol. Ficamos orgulhosos em deixaé -la tremulando laé no topo de uma aé rvore. Levamos frutas e lanches para passar um bom tempo laé em cima, o dia todo. A subida fui um tanto cansativa, pois tivemos que ir a frente das meninas, eu, Pascoal e Dalmo William abrindo trilha e ajudando-as a passar pelas pedras que haviam no caminho. A encosta era toda ladeada de grandes pedras e vegetaçaõ o rasteira sob as aé rvores. Haviam nos alertado sobre o perigo das Cascaveé is que eram muito comuns naquele morro. Por isso a nossa primeira escalada foi de muito suspense e certo medo. Felizmente nem mesmo encontramos com nenhum tipo de reé ptil para nossa sorte e tranquü ilidade. Ao chegar ao topo, como imaginaé vamos, havia uma grande pedra formando uma laje, em certo declive claro, mas proé pria para organizar um belo 109
piquenique vislumbrando um belo cenaé rio. O dia estava quente, era pleno veraõ o, mas a brisa que soprava laé em cima ajudava a refrescar um pouco o calor que sentíéamos. A aé gua que levamos estava no fim, o que valeu foram as laranjas e mexericas que levamos conosco. Pudemos observar e saborear aquele cenaé rio maravilhoso. Viam-se as estradas, os trilhos que cortavam os campos verdes, as casa dos camaradas, as fazendas ao longe se destacavam das casas dos camaradas que pareciam todas minué sculas. Os trilhos formados pelo gado que contornavam o vale desenhavam linhas sinuosas que serpenteavam todo o morro laé em baixo levando o gado ateé a grota onde iam matar a sua sede. No topo do morro mal podíéamos ouvir algum ruíédo daquelas casinhas laé em baixo na colina, apenas o barulho do vento e o canto dos paé ssaros. Bom seria ter uma casa construíéda laé no topo. Como seria bonito ver o nascer e o por do sol de camarote todos os dias. Observar qualquer pessoa, animal, ou veíéculo que se aproximasse vindo de algum ponto. Laé de cima podia se ter uma visaõ o privilegiada dos quatro quantos, que maravilha. Mas o sol se adiantava e começava a dar sinal de fim de dia. O pessoal laé na fazenda devia estar apreensivo conosco, tíénhamos que apressar nossa descida. Por isso levantamos, com pesar e começamos a descida, mas jaé planejando outro retorno ainda naquelas feé rias.
A volta foi tranquila, ainda deu para parar no peé do morro e apanhar algumas mangas deliciosas e ir saboreando-as enquanto caminhaé vamos. Chegando a fazenda estaé vamos todos felizes a contar a nossa façanha e a descrever a beleza que se veâ laé de cima para mamaõ e e a vovoé que ouviam atentamente e admiradas. A hora do jantar se aproximava e deixamos as meninas irem para o banho primeiro ficando noé s os homens para o final. Outras escaladas foram planejadas e executadas naquelas feé rias e em outras. Sempre foi com a mesma alegria e aventura, mas, a que mais marcou foi a primeira vez que laé estivemos. Esta ficou na memoé ria de todos noé s e ainda posso sentir aquele vento, e parece que ainda estou vendo toda aquela paisagem a minha frente. Tudo parece ter mudado, a Fazenda da Mata onde vivi meus melhores dias da infaâ ncia naõ o eé mais como era, a Fazenda do tio Orosimbo, tambeé m acho que naõ o mais existe, mas o Morro da Onça, este sim, estaé laé do mesmo jeito imponente observando tudo e a todos a seu redor. Apenas sofreu com a derrubada da mata ao seu peé , foi o que pude observar em minha ué ltima vista dele. Ah que saudade sinto de minha terra natal... saudade do Morro da Onça de minha infaâ ncia!
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TRAVESSIA A CAVALO NA BALSA Era final da deé cada de 50, a vida no Morro Grande era demasiadamente pacata, passaé vamos dias sem ver a presença de uma pessoa estranha a famíélia. Na divisa de nosso síétio havia uma estrada, mas dificilmente se via algueé m passar por ela. Algumas vezes se via algum caminhante que ia a direçaõ o do Porto dos Mendes. A estrada, mais adiante, do outro lado do morro que ligava a Cidade e o Porto passava a velha Jardineira pela manhaõ indo para a cidade e a tardezinha ouvia se o ronco do motor cansado voltando. Um dia ou outro ouvia se o ronco do motor de algum caminhaõ o ou a caminhonete “pick up William” de um fazendeiro laé da beira do rio que ia ou voltava da cidade. A noite sim se via, com mais frequü eâ ncia, a luz ao longe, no peé da serra os carros que vinham da Rodovia Fernaõ o Dias em direçaõ o a cidade de Boa Esperança. Do mais naõ o se ouvia nem o barulho de aviaõ o cortando os ceé us. Mas a natureza era proé diga em paé ssaros e grande variedade de outros animais que quebravam a monotonia do lugar com seus cantos e sons especíéficos. Raramente íéamos ao povoado de Ribeiraõ o ou Porto dos Mendes, a naõ o ser quando meu pai precisava comprar alguma coisa na venda ou quando me mandava ir vender hortaliças no povoado - jiloé , tomate, repolho ou outro produto
de nosso síétio. Logo de manha papai preparava duas *caçambas cheias dos produtos a serem vendidos, colocava na sela do cavalo e naõ o esquecia da medida, uma lata de oé leo vazia, para medir o produto. Acontece que eu sempre queria agradar aos fregueses e colocava sempre um pouco mais que a unidade da medida padraõ o (o litro). Quando chegava a casa sempre era questionado pelo resultado da venda que era sempre menos do previsto. Explicava que eu sempre colocava um pouco mais da medida para cativar as pessoas para de outras vezes comprarem de mim e naõ o de outros. Lembro que isso justificava um pouco, mas naõ o agradava totalmente papai. O povoado era pequeno, muita gente possuíéa a sua proé pria horta, o que dificultava a venda, por isso aà s vezes ia ateé o povoado do Sapecado que ficava na outra margem do Rio Grande. Mas papai alertava sempre que eu deveria deixar o cavalo do lado de caé , no Porto para naõ o ter que pagar duas passagens na Balsa. Mas certa vez resolvi ir ao Sapecado a cavalo, era mais coâ modo, tomei a Balsa e embarquei o cavalo tambeé m pagando duas passagens, papai naõ o precisaria saber, o dia parecia estar produtivo jaé havia vendido boa parte e sabia que laé no Sapecado venderia o restante. Naõ o havia o que se preocupar. Mas papai naõ o poderia saber, pois certamente haveria uma boa bronca. Atravessei o rio com o meu cavalo e laé fui eu pelas poucas ruas 113
que havia todo imponente levando meus produtos e oferecendo de casa em casa. Qual naõ o foi a minha surpresa ao passar pela praça, em frente aà Capela vejo surpreso o tio Pedrinho laé aguardando a hora do horaé rio da Balsa para o Porto dos Mendes. Naõ o pude deixar de mostrar meu contentamento ao ver meu tio por laé , mas por outro lado subiu um arrepio de medo do que poderia acontecer se ele se encontrasse com meu pai e falasse que me encontrou no Sapecado e a cavalo! O que tivesse que acontecer aconteceria, nada mais poderia fazer e passei o resto do meu tempo ao lado do meu tio ateé a travessia do rio. Ao final da tarde, jaé a noitinha, cheguei a casa e encontrei papai e mamaõ e aflitos querendo saber como foi o dia e porque chegara taõ o tarde. Contei que havia vendido tudo e que havia encontrado o tio Pedrinho laé no Sapecado e que havíéamos atravessado a Balsa juntos, depois passei para ver a tia e por isso a demora. Nem queria imaginar se o tio Pedrinho viesse a contar-lhe sobre o cavalo. Poreé m sabia que assim que meu pai estivesse com ele isso seria inevitaé vel. A verdade eé que comecei a sofrer antecipadamente. Certo dia meu pai esteve no Porto e quando voltou veio direto ralhar comigo. Ele naõ o costuma bater em mim, nem nos meus irmaõ os, mas soé o modo que falava ralhando era o suficiente para ficar muito triste e ateé chorar. Vez ou outra, em caso mais grave levava-se uma
palmada ou um puxaõ o de orelha. Naõ o mais que isso. Mas atravessar a balsa com o cavalo nunca mais! Voltei mais vezes em busca da freguesia laé para os lados do Sapecado, mas sempre deixando o cavalo amarrado ao bambuzal que fica ao lado da base da Balsa. E jamais esqueci do encontro inesperado com meu tio. Depois de quase cincoenta anos, outro dia destes, falei com meu tio sobre essa passagem, ele sorriu e com sentimento de culpa disse-me: - Uai, você me desculpa então, eu não sabia que você teria problemas.
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Lembranças da velha estrada de ferro - RMV. RUÍM MAÍS VAÍ Rede Mineira Viação (que levava inscrito em seus vagões a sigla R M V ) é o nome da antiga ferrovia mineira que cortava as alterosas levando pessoas, gado, café e minérios. Conhecida pela sua deficiência mas querida pela tradição era carinhosamente chamada de Ruim Mais Vai. Só pra se ter uma idéia, um trajeto que hoje se faz em pouco mais de três horas, levava-se 12 horas com a velha Maria Fumaça que tranqüilamente cortava campos, colinas e montanhas enquanto uma nuvem de fumaça singrava os céus. Até o final da década de cincoenta reinava a Maria Fumaça, no alvorescer dos anos sessenta chegaram imponentes as primeiras locomotivas a diesel. Era comum o embarque e desembarque de gado nos vagões apropriados, de madeira pintadas de vermelha. A Estação Ferroviária era o lugar mais movimentado, à noite passava
o "noturno" que vinha de São Paulo e ia até o norte de Minas. O seu apito era quase um aviso para a cidade adormecer, depois que se ia a cidade acabava de se aquietar e se preparar para o novo dia..
RUIM MAIS VAI Fumaças ao léu Ruim Mais Vai Maculando os céus Ruim Mais Vai Num passo de corcel Ruim Mais Vai 117
Braseiro incandescente Ruim Mais Vai Fagulhas ardentes Ruim Mais Vai Como um corcel Rede Mineira Viação Levando nossa gente Nossa gente, gente !
INCIDENTE BATIZADO Era uma manhaõ ensolarada, a famíélia toda reunida preparava-se para o batizado do meu primeiro irmaõ ozinho. O padre arrumava-se para o a grande cerimoâ nia, o batizado do sobrinho. Moraé vamos bem ao lado da igreja no pequeno vilarejo do Porto dos Mendes da deé cada de cinquü enta. Naquele tempo corria garboso e ainda jovem o Rio Grande em direçaõ o a Serra de Boa Esperança. O mesmo rio que deé cadas antes servia de leito para os poderosos vapores que carregavam o progresso entre Saõ o Paulo, Minas e outros estados do Brasil. Mas voltando aquele domingo, todos jaé na igreja aguardavam o padre Antonio iniciar o esperado batizado do Pascoal e da Neuza, nossa prima. A famíélia tinha mais de um motivo para tanta alegria, aleé m das crianças queridas o celebrante era o padre Antonio, o querido tio Tonho. Estavam todos em volta da Pia Batismal, eu ainda uma criança de quatro anos buscava um espaço para acompanhar aquela, (acho minha primeira) cerimoâ nia religiosa. . Naõ o sabia se prestava mais atençaõ o no meu irmaõ o que chorava a beira da pia batismal ou se admirava as vestimentas brancas e a estola verde que tio Tonho usava. De repente, algo inesperado que aconteceu laé fora quebrou o ritmo daquela cerimoâ nia. A atençaõ o 119
toda se voltou para a rua laé fora. Eu, sem saber o queâ ocorria, corri para a janela a procurava de uma explicaçaõ o. Foi quando eu vi o tio Tonho colocando as maõ os na cabeça de um homem que caiu do caminhaõ o. Na verdade o que ocorreu foi o seguinte, enquanto o batizado estava ocorrendo, um caminhaõ o cheio de jogadores de futebol estava indo em direçaõ o a Balsa para atravessar o Rio Grande e um dos passageiros na euforia do grupo e depois de beber cachaça acabou caindo do caminhaõ o e tio Tonho num íémpeto fraterno correu preparado para aplicar, se necessaé rio, a extrema-unçaõ o Poreé m, nada de mais grave aconteceu aleé m de algum ferimento na cabeça e logo o padre retornou a igreja e a cerimoâ nia continuou o seu ritmo festivo. Terminando a cerimoâ nia religiosa todos se uniram num grande almoço para comemorar os receé m batizados e tambeé m festejar a presença do tio padre em nosso m
O CRUZEIRO Era uma criança humilde, encabulado, tíémido, mas com sede de saber. Lembro-me quando tinha meus cinco anos morava com meus pais na roça, passava maior parte do tempo na fazenda de meus avoé s. Vovoé embora naõ o letrada era uma pessoa culta. Contava que no seu tempo foi alfabetizada e instruíéda em casa. Naõ o frequü entou escola, mas teve professor particular em casa, pois ela era a ué nica mulher da famíélia e teve educaçaõ o a domicíélio. Enquanto cuidava dos afazeres da fazenda, com sua lida entre a cozinha, o monjolo e a administraçaõ o geral sobrava tempo para orientar e incentivar-me na leitura e na audiçaõ o de raé dio. Dizia, - “.Adarto” é muito importante a gente saber ler, saber o que está acontecendo no mundo. Vai ouvir o Repórter Esso para saber o que está acontecendo. Pegue jornal e vê as figuras, leia o que você puder. Sempre trazia da cidade pacotes de jornais e deixava por laé . Sempre que me via desocupado, sem o que fazer mandava que arranjasse um canto na sala, geralmente deitado debaixo da mesa, ficar folheando algum jornal. De vez em quando eu corria a pedir ajuda, explicaçaõ o de algo que me chamava atençaõ o. Mas uma coisa que mais me deixou saudade e ateé 121
sinto aquela sensaçaõ o especial que sentia quando criança laé na roça era a esperada Revista O CRUZEÍRO. Engraçado mas, quando eu era criança o dia de Natal demora muito para chegar assim como nosso aniversaé rio e outras datas como Semana Santa. Ficaé vamos ansiosos e o tempo naõ o passava, demorava-se muito, muito mesmo! Mamaõ e contava que laé na cidade grande Papai Noel comprava presentes e levava a todas as crianças e que havia grandes aé rvores com enfeites, laâ mpadas e bolas coloridas e muita festa nesta eé poca. Eu ficava noites e noites sonhando com o Papai Noel e procurando sua carruagem no meio das estrelas laé no ceé u. Mas naõ o cansava de folhear e admirar cada paé gina da Revista O CRUZEÍRO que mamaõ e trazia da cidade. Havia muitas fotos do Papai Noel, de seu trenoé , de suas renas! A minha imaginaçaõ o ia longe! Nada daquilo acontecia na fazenda, mas eu sonhava com Papai Noel e tinha certeza que ele pelo menos na noite de Natal viria deixar um presentinho para mim. Logo percebi que apesar de acreditar na existeâ ncia de Papai Noel sabia que nossos pais eé que compravam os presentes. Mesmo sabendo disto eu fazia questaõ o de manter o segredo, aquela atmosfera de segredo, suspenso mesmo sabendo antecipadamente o que mamaõ e havia comprado. Na veé spera da noite de natal, conforme orientaçaõ o de mamaõ e, eu sempre
colocava meu sapato na janela e ia dormir e logo de manhaõ corria para ver o resultado, Ah quanta saudade desta eé poca. E da Revista O CRUZEÍRO a lembrança da magia que havia no mundo que vivi quando criança. Lembro do cheiro de suas folhas. Papel cheirando tinta. As cores fortes, as imagens chamativas. As propagandas engraçadas. A caricatura do Amigo da Onça. Ah que saudades de O CRUZEÍRO!
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MORRO DA ÉGUA Era uma daquelas tardes de veraõ o em que as cigarras pareciam estar afinando o som para uma grande orquestra. O sol brilhava e algumas nuvens carregadas despontavam no horizonte, mas grande parte do ceé u mantinha-se azul. Papai disse a mamaõ e que precisava levar a massa de mandioca seca para vovoé fazer a farinha laé na fazenda e que iria mandar-me levar a cavalo. Preparou dois sacos (50 kg), encheu-os da massa de mandioca jaé seca, amarrou os sacos e ajeitouos na garupa da eé gua que estava jaé encilhada e pronta para me levar a fazenda da Mata. Se apressasse iria chegar laé antes do anoitecer, era uma boa caminhada, umas duas ou treâ s leé guas de distaâ ncia (aproximadamente 15 km). Mas como ia carregado, a eé gua naõ o era assim taõ o ligeira, precisava se apressar e papai logo despachou-me recomendando que eu fosse direto com medo que a chuva me pegasse no caminho. Eu tinha apenas oito anos de idade mas sabia me virar e conhecia bem o caminho para a fazenda do vovoâ . Apoé s as recomendaçoõ es de meus pais, tomei a beâ nçaõ o de papai e de mamaõ e e pulei na sela em meio a carga que iria transportar e segui meu caminho. Passei pela fazenda da Beija, depois em frente a venda laé na beira da estrada do Porto e segui em
direçaõ o ao Morro da EÍ gua. Agora entrando numa trilha que cortava o morro em direçaõ o ao Morro da Onça, nenhuma casa, nenhum síétio ou fazenda a naõ o ser depois, laé do outro lado ao terminar a descida do Morro havia sim um Síétio com uma casinha com um curral ao lado bem na beira da estrada, mas ia demorar a chegar laé .Enquanto caminhava lentamente no lombo da eé gua pelas trilhas daquele morro, ia sentindo os dois sacos pendurados na garupa cada qual querendo pender para um ou outro lado. Mas estava bem amarrados, naõ o havia perigo de cair, pensava e aproveitava para olhar uma ou outra fazenda que se avistava ao longe podendo visualizar a silhueta esbranquiçada da sede com seus telhados vermelhos escuros. No caminho cruzava apenas com bandos de anué s espalhafatosos e alguns gavioõ es em busca de presas em seus voâ os rasantes. Laé em cima parece que Saõ o Pedro estava preparar alguma faxina bem pesada. As nuvens se aglomeravam e o ceé u começara a escurecer de repente. Ísso naõ o era bom sinal, a eé gua mostravase sinal de cansaço e naõ o apressava os passos e eu começava a me preocupar pois naõ o havia nenhuma casa ou abrigo a vista. E as chuvas de veraõ o costumam ser fortes e com muitos raios e trovoõ es por estas bandas. O que fazer ? Nada senaõ o continuar o percurso, jaé estava começando a descida do Morro da EÍ gua, voltar agora naõ o dava mais, com um pouco mais de sorte chegaria ainda antes do anoitecer no míénimo na fazenda 125
do tio Orosimbo, assim pensava eu.De repente um trovaõ o esbravejou de tal modo fazendo um grande eco no vale laé em baixo na mata. Outros raios e trovoõ es se sucederam, cada vez mais fortes e de repente veio a chuva que preencheu todos os cantos que minha vista alcançava. O que fazer ? Senti que os sacos de massa de mandioca seca jaé naõ o eram mais secos e certamente o peso duplicaram no lombo do animal. Desci, tomei as reé dias e a dianteira e num grande esforço continuei debaixo daquela chuva a puxar e conduzir a eé gua que antes me transportava. Ficar ali, debaixo daquela chuva, debaixo de aé rvores naõ o era bom, havia muitos raios. Tinha que chegar naquele síétio laé em baixo e pedir auxíélio! A noite antecipou sua vinda, tudo ficou escuro mal podia ver a trilha a minha frente e cada vez mais eu me esforçava para puxar a eé gua que naõ o estava mais suportando o peso, mas naõ o podia fazer nada, eu nem aguü entaria tirar de seu lombo aqueles sacos, cada um do meu tamanho e agora encharcados muito pesados. Conversava com a eé gua, pedindo-lhe calma e que colaborasse para que pudeé ssemos chegar num abrigo. Na medida do possíével ela procurou entender-me e seguiume. Jaé podia avistar uma fraca luz a cerca de uns mil metros, sabia que estava chegando no síétio laé na baixada, ufa que alíévio! Sai da trilha e rumei em direçaõ o daquele síétio, a luz de lamparina agora estava mais forte e podia
ter a certeza de que havia algueé m laé . Abri a porteira do curral e levei minha eé gua para uma cobertura e dirigi-me a porta da sala e chamei: - OÍ de casa? - Tem algueé m ai? - De casa? - Oi, quem eé ? - Nossa, marido tem um menino aqui todo molhado! Fui logo dizendo a dona: - Sou filho do Walter, neto da Anita e do Joaõ o Dolores. - Uai, entra menino, vamos trocar esta roupa molhada. Nisto o marido foi laé no curral retirar os sacos e a sela do lombo da eé gua. A dona tratou de arrumar uma calça e camisa do marido, embora grande, vesti e me aqueceu depois de me secar com uma toalha que ela me deu. Na casa soé havia o casal, jaé era tarde e a dona tratou de arrumar a cama no quarto de hoé spedes e disse para eu ir deitar e seguir viagem no dia seguinte eu agradeci e fui me recolher. No dia seguinte, bem cedinho levantei, vi que o tempo havia melhorado, jaé naõ o chovia mais e o sol estava para nascer. Tomei um gole de cafeé com leite quentinho com uns biscoitos de polvilho. Logo agradeci a pousada, a acolhida e segui minha viagem, um pouco adiante passei pela casa do Osmar, um camarada do tio Orosimbo, logo depois passei pela fazenda do tio Orosimbo que jaé estava na lida laé pelo curral. Sem mesmo descer 127
da eé gua tomei a bençaõ o e segui ao meu destino.Por volta das sete horas da manhaõ , ao cruzar o Morro da Onça o sol jaé brilhava no ceé u agora líémpido ! Jaé podia avistar a fazenda da Mata. A fumaça branca saindo da chamineé denunciava jaé a Voé Anita em sua lida diaé ria. Chegando apeei de minha eé gua, antes mesmo de retirar-lhe a carga subi pelas escadas do alpendre laé da sala e fui direto a cozinha onde surpreendi minha voé que olhou espantada. - Nossa menino, chegou cedo hein? Mal sabia ela o que sucedera na noite anterior. Ai comecei a narrar o que aconteceu e onde busquei abrigo. Ela confessou entaõ o que havia pensado em mim e achava que eu naõ o viria devido ao mal tempo e ficou aliviada por ver me bem e a salvo. Missaõ o cumprida ! A tardezinha, depois de assegurar-me que o tempo naõ o iria piorar retornei ao Morro Grande para naõ o preocupar meus pais. Naquela eé poca naõ o havia como se comunicar, naõ o havia telefone. A volta foi tranquila pelo bom tempo e pelo fato de agora naõ o estar carregando nenhuma carga pesada. E para quem jaé cavalgou deve saber que o animal caminha melhor quando estaé retornando. Cheguei em casa antes do sol se poâ r e encontrei meus pais ansiosos pois meu pai havia tido alguns pressentimentos na noite anterior e inclusive mamaõ e me contara que ele ouvira um grande ruíédo, um estrondo muito forte laé na
encosta do morro e havia ficado muito preocupado comigo. Contei tudo o que havia ocorrido e que apesar do susto, do frio e do medo consegui abrigo e depois seguir viagem com tranquilidade. Hoje, lembro destes fatos com saudade e ateé me orgulho de situaçoõ es que enfrentei apesar da tenra idade naquela eé poca.
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Uma aventura no Quartel Era ano de 1969, havia me inscrito no Serviço Militar no 17º Regimento de Cavalaria que ficava na cidade onde estava, em Pirassununga, interior de Saõ o Paulo. Um dos motivos que me atraiu foi a Cavalaria, sempre gostei de cavalos e por isso achei que ia me dar bem. Realmente, desde os primeiros dias isto foi comprovado. Mas as atividades eram muito diversificadas e os cavalos ocupavam apenas uma parte de nossas tarefas. Recebi o meu cavalo, naõ o era aquele cavalo, mas logo me entendi com ele e por um ano fomos bons amigos. Conheci seus pontos fracos e ele, acredito, os meus tambeé m. Os exercíécios eram coisas faé ceis para mim jaé acostumado com montaria desde criança. Apenas a equitaçaõ o foi novidade. Saltar obstaé culos, trincheiras, etc. Mas logo eu e meu cavalo entramos no ritmo e naõ o houve problemas! Passado alguns meses foi anunciado que o Quartel todo participaria de uma Manobra Militar em conjunto com a Aeronaé utica na Fazenda dos Íngleses! Sabia que seria um exercíécio de guerra! Apesar de tudo fiquei dividido entre a aventura de ir e a de escapar de tal façanha! Foi ai que tive uma ideé ia!
Procurei o meu superior imediato, o Sargento Gregoé rio e Wantuil e comuniquei, como era estudante na Escola Pué blica da cidade naõ o poderia faltar aà semana de provas! (Na verdade naõ o era semana de provas, apenas um pretexto para escapar e ficar na cidade) Apresentei-me ao Sargento, bati contineâ ncia e disse: - Sargento Gregoé rio, eu estou com um problema, naõ o poderei faltar aà s provas da semana! Com olhar severo, olhou-me e disse: - Descansar soldado! - AÀ vontade! - Vou comunicar ao Major e logo trarei a resposta para voceâ . Mesmo assim continue com os preparativos. - Obrigado Sargento, disse eu. Passado algum tempo veio em minha direçaõ o o Sargento Gregoé rio, para o qual me coloquei em contineâ ncia. - Fique a vontade soldado. - O major Lara naõ o lhe dispensou das manobras, poreé m apoé s os exercíécios uma das viaturas o traraé para a cidade e no dia seguinte o levaraé ao campo de treinamento! - Obrigado Sargento - e logo me desfiz da contineâ ncia. Chegou o dia da partida, aà s seis horas o soldado corneteiro toca o toque de alvorada e toda a tropa jaé com suas mochilas corre em direçaõ o ao Rancho para a primeira refeiçaõ o do dia e logo em seguida 131
partir. A viagem foi longa, os pelotoõ es seguidos de seus batedores seguiam em fila indiana trotando pelas colinas e serras verdejantes. Ao atravessar a Rodovia Dutra, uma operaçaõ o foi montada em conjunto com a políécia Rodoviaé ria para a Tropa passar! Armamentos, muniçoõ es e raçoõ es eram carregados por cavalos que seguiam a tropa. A viagem corria tranquü ila ateé o momento que veio um: - Alto Companhia!!! Correu a notíécia alvissareira de que um incidente havia ocorrido com um dos Pelotoõ es. Logo vimos um dos veíéculos de retaguarda passar pela tropa, era um carro de ambulaâ ncia. A notíécia logo veio. - Pessoal um dos cavalos foi atingido por uma mina (de festim)! A exclamaçaõ o ecoou pelas colinas num soé “ ohhhhhh ”. A indagaçaõ o permaneceu no ar. - Quem estaria no cavalo ? - O soldado tambeé m se feriu!? - Foi grave, o que realmente acontecera!? Felizmente o incidente apenas feriu o cavalo que pisou numa das minas espalhadas no trajeto. Foi colocado no caminhaõ o ambulaâ ncia e levado ao Quartel para cuidados meé dicos! - Ufa ! – todos respiraram aliviados! A viagem continuou tranquü ila, aà s vezes ateé
cochilaé vamos em cima dos cavalos visto que estaé vamos marchando todos em fila indiana. Passamos por uma fazenda com imensos laranjais e logo ao me aproximar me estranhei ao ver muitos soldados, dos que estavam aà frente, invadindo o laranjal. Algueé m me encorajou a fazer o mesmo dizendo: - Naõ o se preocupe, todo prejuíézo do laranjal eé ressarcido pelo Exeé rcito. Foi ai que tranquilamente eu desci do meu cavalo, amarrei-o numa aé rvore e me uni aos demais que estavam a saborear doces laranja e outras frutas. Depois de um bom descanso recebemos ordem para entrar em forma e marchar. Passamos por algumas ruíénas de velhas senzalas e fomos comunicados que ali haé poucos dias o Exeé rcito havia desmantelado alguns guerrilheiros de Saõ o Paulo. (Era plena ditadura militar da Revoluçaõ o de 1964). Logo chegamos a Fazenda dos Íngleses. Passamos em frente aà sede e depara com um senhor magro de boneé sentado em sua cadeira de balanço a espreitar a tropa que passava. Apenas alguns oficiais rumaram em direçaõ o a varando onde estava aquele senhor. Parece que para cumprimentaé -lo, pois a fazendo a ele pertencia. Ficamos sabendo depois que aquele senhor de apareâ ncia esquia e tranquü ila fora um oficial do Exeé rcito Britaâ nico. As primeiras atividades foram montar o 133
Acampamento. As barracas eram utilizadas por dois soldados cada uma. AÀ tarde raé pida chegou e antes mesmo de terminarmos as tarefas ouvi o meu nome ser chamado por um dos oficiais! - Soldado 294 favor apresentar-se! - Soldado 294, Neves apresentando! (Corri e coloquei-me aà ordem.) Mas uma dué vida surgiu logo em seguida. Em forma e batendo contineâ ncia parei-me em frente ao oficial perguntando. - Senhor! E como faço com o meu cavalo. Numa raé pida atitude o Tenente olhou para o primeiro soldado a sua frente e pediu que aleé m do seu cuidasse tambeé m do cavalo 132, o meu! Fiquei sem palavras, pois era um de meus amigos e sabia que ele ficaria com responsabilidade dobrada. Mas o que eu poderia fazer. Ordens saõ o ordens! Logo embarquei numa viatura que saiu ainda antes do sol se por e em pouco tempo estava na cidade longe daquele territoé rio de treinamento de guerra. Naõ o pude deixar de lembrar dos colegas que laé no campo estavam a enfrentar uma noite repleta de incidentes. Mas este segredo eu tinha que guardar, naõ o podia mais voltar atraé s. E assim perdurou a situaçaõ o durante toda a manobra na Fazenda dos Íngleses. De dia eu participava dos exercíécios e a noite ia para a
cidade numa viatura do Exeé rcito especialmente destacada para isso! Esta eé uma das doces lembranças que o tempo naõ o apagou.
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Aconteceu no Natal Os Shoppings Center estavam lotados de pessoas em busca de presentes, as luzes encantavam a todos com seus arranjos festivos de Natal. As ruas com um movimento intenso de vai e vem de pessoas e carros apressados. Era já véspera da tão sonhada Noite de Natal. Eu absorto em meus pensamentos dirigia meu carro rumo à casa de minha irmã onde encontraria a família já reunida. O trânsito estava apressado, todos a caminho de suas casas ou indo para encontrar os amigos, os parentes para com eles festejarem. De repente, num cruzamento entre duas avenidas movimentadas o sinal fecha e eu parei meu carro a espera do sinal verde. - Moço! Moço! Surpreendi-me com aquela voz de criança do lado de fora. Deparei-me com uma menininha, cerca de 8 anos, mal trapilha com uma caixa na mão. - Moço, compra uma bala. Compra moço! Eu fora pego de surpresa, um pouco assustado ao meio daquele corre-corre e
respondi de imediato: - Meu amor, eu não tenho dinheiro trocado! - Ah moço compra! Olhei dos lados, apenas aquela garotinha estava ali ao meio dos carros, não havia mais nenhum ambulante, nenhum vendedor de farol. De repente surpreendo-me com a atitude daquela menina. - Moço, pega a metade. Fica com esta metade e eu fico com a outra! Fiquei sem palavras com aquele gesto, com as mãozinhas estendidas sobre o vidro de meu carro entreaberto. Titubeie, mas não poderia fazer tal desfeita com o gesto daquela criatura inocente! - Muito obrigado meu amor. Mal tive tempo de vasculhar o bolso em busca de algum trocado, fui abalado pelas buzinas impacientes dos carros que estavam atrás do meu. Então me dei conta do farol que já estava verde e tinha que prosseguir mas antes olhei para os lados e não vi mais a menina de vestido claro e surrado. Desapareceu... e eu fui obrigado a prosseguir, pois todos estavam pedindo passagem em meio ao trânsito. Mal consegui conter a emoção daqueles 137
instantes atrás! Segui meu trajeto ao encontro dos meus familiares e anos já se passaram, mas a imagem daquele anjo permanece em minhas lembranças! Por onde andará tal criança? Uma simples mortal ou um ser celestial!?
Aconteceu comigo. Final de tarde, veé spera de carnaval e a notíécia que estaríéamos trabalhando normalmente nos treâ s dias da grande festa brasileira.! Mas como era sexta feira, tíénhamos eé que aproveitar maé ximo o final de semana enquanto a proé xima naõ o chegasse! Saíémos todos em direçaõ o ao estacionamento para nos dirigirmos aos nossos lares. Como de costume aà s sextas feiras eu passo pela casa de meu filho Gabriel para levaé -lo para Poaé onde passa sempre o final de semana comigo. O traâ nsito apresentava se moroso e congestionado, muita gente correndo para casa e pegar as rodovias rumo aà s praias ou outro destino qualquer, visto que a maioria das empresas naõ o abrem no Carnaval. Pouco antes de chegar em Saõ o Mateus, onde pegaria o Gabriel percebi que a luz vermelha acusava um super aquecimento do sistema de refrigeraçaõ o do carro. Ísso era grave, havia que se parar para resfriar o motor e verificar as condiçoõ es. _ Mas como e onde parar? - a avenida estava com enorme fluxo de carros e caminhoõ es e naõ o havia sequer um lugar para estacionar, nenhum Posto de Gasolina a vista. A proé xima saíéda, eu sabia, estava a mais de 500 m, naõ o era bom arriscar, mas fazer o queâ ? Naõ o havia 139
outro jeito, segui em frente mantendo-me a direita! Consegui sair da avenida e assim que alcancei a rua transversal parei na porta da primeira casa que eu vi que havia alguem. Desliguei o carro, abri o capoâ e dirigi-me aquela casa! Era uma senhora jaé de idade avançada que estava laé na lida domeé stica, cuidando de alguns vasos de plantas na garagem. Chegando ao portaõ o vi que ela estava jaé entrando dentro da casa. Chamei: _ Senhora, senhora, pode fazer-me um favor? Percebi que mesmo sem nada responder ela mostrara pronta a auxiliar-me, apoé s ter narradolhe o que estava acontecendo com o meu carro. Prontamente ela foi ateé a sala e retornou dizendo: _ Vou abrir lhe o portaõ o ! Percebendo a inoceâ ncia da senhora fui logo dizendo-lhe: _ Naõ o minha senhora, naõ o deve abrir assim o portaõ o, nem me conhece?! _ Eu quero apenas um vasilhame para eu levar a aé gua e colocar no radiador, naõ o precisa abrir o portaõ o. Assim ela concordou e trouxe me a vasilha com a aé gua. Foi necessaé rio mais outro galaõ o que ela prontamente me arrumou Ao teé rmino desta operaçaõ o retornei para agradecer a bondosa senhora e devolver-lhe a
vasilha. _ obrigado! _ Muito obrigado e desculpe-me por ter perturbado a senhora;. Foi quando ela sorrindo-a me disse com tom de voz firme e com um sorriso nos laé bios. _ Naõ o. De modo algum! _ Quem perturba eé o "demo (num tom mais seé rio) _ E voceâ ... naõ o eé um "demo"! Depois de ouvir estar palavras fiquei sem saber o que mais dizer .... virei-me e ainda disse mais uma vez: _ Obrigado, muito obrigado! E ao sair com meu carro dali, com o problema resolvido pude ainda veâ -la pelo retrovisor de peé olhando me serenamente meu carro desaparecer. Assim eé a nossa vida, sempre aparece algo que acaba mexendo com a gente e essas coisas ficam por muito tempo em nossa memoé ria. Principalmente as coisas boas, as pessoas que Deus coloca ao nosso redor para nos ajudar na hora de maior necessidade!
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Gnomos ou Duendes? Uma visita inesperada. Laé fora o ceé u estava azul, o sol brilhando, a metade do quarteiraõ o onde morava ainda era coberta por arbustos e vegetaçaõ o rasteira que estava a anunciar a primavera. Eu havia acabado de chegar e jaé estava na mesa para almoçar. Surpreso observei a minha frente diante da mesa dois seres muito alegres, mas um tanto diferente, um pouco disformes em relaçaõ o aos humanos. Estavam falando entre si e me fitando, eu surpreso fiquei sem açaõ o. Apenas perguntei a mulher que estava laé na pia preparando alguma mistura. - Olha, voceâ estaé vendo? - O queâ ? Naõ o vejo nada, ta doido? - Haé dois homenzinhos a minha frente. - Ímaginaçaõ o sua, naõ o haé ningueé m ai. Neste íénterim percebi que eles ficaram pensativos um olhando para o outro e depois como duas crianças alegres começaram a saltitar e a desmanchar em gargalhadas. Em seguida, dirigiram-se aà porta e sumiram atraveé s do mato ao lado da casa.
Mas realmente eles estavam ali embora visse que eles conversavam entre si eu naõ o os podia ouvir, apenas veâ -los! Alguns anos jaé se passaram desde este encontro poreé m permanece nas minhas lembranças a imagem daqueles dois seres que embora diferente de noé s humanos eram muito semelhantes e transmitiam muita paz e bondade. Naõ o mais os vi em lugar algum, mas a sua presença ainda sinto em alguns lugares que passo ou em minha proé pria casa! Gnomos, Duendes, Fadas, e outros seres elementares existem de verdade!? Depois daquela experieâ ncia eu acredito, eu os vi, eu os sinto! Acredito que haja uma haé outra dimensaõ o paralela a nossa! Muito proé xima, mas que apenas algumas pessoas percebem! Estes seres, embora naõ o os vemos podemos sentir a presença deles muitas vezes bem ao nosso lado, eu... eu os sinto!
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GARELI – QUEM TEVE UMA JAMAIS ESQUECE. 1972 - Gareli Modelo 1971/2, Muito comum na Ítaé lia de faé cil locomoçaõ o e de baixo consumo de combustíével. Íníécio dos anos 70 e Saõ o Paulo naõ o era mais a terra da garoa. Mas uma grande metroé pole onde se podia andar a vontade, dia e noite, sem ser assaltado, sem ser incomodado a naõ o ser que perturbasse a ordem pué blica ou se opusesse ao regime da ditadura militar... a vida era tranquü ila. A cultura estava efervescente, muitos espetaé culos na noite paulistana, teatro, cinema, exposiçoõ es, feiras, etc. Eu acabava de retornar a casa paterna depois de oito anos estudando em coleé gio de padres no interior de Minas e de Saõ o Paulo. Depois de quase uma deé cada recluso em uma escola religiosa e ainda com a experieâ ncia do serviço militar sentia-me a vontade diante desta nova vida. Terminado o ensino meé dio logo tratei de preparar-me para o ensino superior ingressando num curso preparatoé rio. O trabalho, os estudos e a busca de novas experieâ ncias e novos conhecimentos fizeram com que a minha permaneâ ncia em casa restringisse mais para dormir e nos finais de semana. O transporte era o que mais preocupava, era
precaé rio. Os oâ nibus muito lotados e poucas linhas. O metroâ , ora o metro, este ainda estava no projeto. Diante da dificuldade de locomoçaõ o para o serviço, para a escola eu pensava em comprar uma moto ou um carro usado. Comecei a pesquisar os modelos mais simples de motos, ateé de carros, mas meu orçamento naõ o era suficiente para tal. Alguns amigos aventuraram-se na compra de um Gordine, ou Vemaguet (carros populares da deé cada de 60) carros fora de linha de fabricaçaõ o, outros preferiam motos de 50 cc. Acabava de chegar no Brasil, a preço popular, a Gareli Modelo 1971/2, muito comum na Ítaé lia para faé cil locomoçaõ o e de baixo consumo de combustíével. Adquiri a minha Gareli e esta passou ser a minha companheira para o trabalho, escola e ateé para o lazer. Equipei-a com duas maletas de coro na parte traseira nas laterais do assento do carona para eu transportar meus cadernos, livros e outros objetos. Este modelo era novidade no Brasil, acho que comprei um modelo que acabava de ser importada, havia poucas unidades. E isto fazia com que chamasse muita atençaõ o das pessoas que questionavam: Ei!!! Ísto eé uma bicicleta ou uma Moto? 145
Quanto gasta de gasolina? Etc Era muito praé tica e econoâ mica. Seu tanque de combustíével havia capacidade de apenas dois litros de gasolina; o suficiente para rodar dezenas de quiloâ metros sem abastecer. Íncríével! Apenas havia um problema no dia de chuva, a traçaõ o era no pneu traseiro isso fazia com que o motor perdesse um pouco a traçaõ o. Em situaçoõ es normais era a soluçaõ o ideal, naõ o havia traâ nsito ruim para ela. E tambeé m naquela eé poca naõ o havia tantas motos nas ruas como atualmente. Portanto era tranquü ilo transitar por ruas e avenidas de Saõ o Paulo. Trabalhava num Banco Comercial no centro da capital mas o meu serviço era externo e por isso a Gareli muito me auxiliou. Naõ o me preocupava mais com transportes lotados, com o ué ltimo horaé rio de circulaçaõ o de oâ nibus, podia sair e voltar a hora que quisesse. E sempre chegava nos lugares antes de qualquer um, era maravilhoso! Como disse anteriormente o modelo era ineé dito, uma pequena remessa havia sido importada da Ítaé lia o modelo que era ideal para cidades planas sem muitas subidas. Era normal as pessoas o tempo todo fazendo perguntas. Sempre chamava a atençaõ o por onde passava. Era leve, silenciosa e econoâ mica. Esta foi minha companheira por mais de dois anos para o trabalho, a escola e passeios.
Nesta nossa parceria alguns acontecimentos marcantes que relato a seguir: Certa vez voltando para casa pela rua da Mooé ca, por volta das 21 ou 22 horas aconteceu do pneu traseiro de minha Gareli furar e como naõ o havia meios de consertaé -lo ali precisei caminhar empurrando-a em direçaõ o de casa. Era uma caminhada de cerca de seis ou sete quiloâ metros. Caminhava beirando a calçada, mantendo o farol da Gareli aceso. Havia passado diante da Delegacia de Políécia que havia ali na Rua da Mooé ca e poucos metros adiante passou por mim um automoé vel modelo Opala, de vidro fumeâ que apoé s ultrapassar-me encostou-se ao meio fio e dele desceram o motorista e o carona. Dois rapaz com jeito de “playboy”. A primeira coisa que passou pela minha cabeça foi a de “problemas a vista”, achei que queriam confusaõ o e eu sozinho, numa rua deserta, sem movimento, o que podia fazer!? Foi quando um deles se aproximou e veio logo indagando: O que eé isso uma bicicleta ou uma moto? - a pergunta que todos faziam. Ainda um tanto temeroso respondi a pergunta e as demais referente a Gareli que tanta curiosidade despertava. Foi entaõ o que o rapaz perguntou para onde eu estava indo e ao saber que iria para casa em Vila Formosa prontificou-se em acomodar a Gareli no porta mala de seu veíéculo e levar-me ateé a casa de meus pais. Com muita educaçaõ o os dois 147
ocupantes do Opala preto que de iníécio me causou receio ao parar pouco a frente de onde eu estava conseguiram colocar a Gareli, mas a roda dianteira ficou suspensa do lado de fora e era preciso alguem ir dentro do porta mala para segurar a roda para naõ o estragar a pintura do carro. Foi ai que um deles perguntou se eu me importava de ir no porta mala segurando a parte dianteira da “motoca”. Eu disse que naõ o, de modo algum e assim depois de acomodar-me dirigiramse calmamente ao endereço a eles fornecido e em poucos minutos estava eu em casa saõ o e salvo e com a minha Gareli. Agradeci aos desconhecidos meio sem palavras os quais retribuíéram com um sorriso e um “dinada” e foram-se embora. Numa outra ocasiaõ o o mesmo fato ocorreu mas agora na movimenta Radial Leste, a noite; percebendo a avaria daquela “motoca” sendo empurrando por mim um pequeno caminhaõ o baué parou poucos metros a minha frente e ofereceuse para levar-me ateé em casa. E gentilmente deixou-me na esquina da rua de casa. Seriam anjos ou mensageiros dos mesmos!? Acreditem ou naõ o, fatos assim sempre acontecem, pelo menos comigo. Hoje resta-me saudade daquele tempo e ao
lembrar destas situaçoõ es incomuns eu me pergunto por onde andaraé estas pessoas ?
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DEPOIS QUE O ÔNIBUS PASSOU Era iníécio dos anos setenta, eu havia voltava para a capital de Saõ o Paulo depois de um longo períéodo de reclusaõ o num coleé gio de padres (seminaé rio) no interior de Minas Gerais e Saõ o Paulo. AÍ vido do saber eu andava sempre com um livro debaixo do braço para aproveitar ler durante a viagem de oâ nibus e em outras oportunidades. Certa noite retornando para casa percebi que havia passado o ué ltimo oâ nibus e por algum motivo naõ o havia parado ao dar sinal. Era uma eé poca que havia poucas opçoõ es de transporte coletivo, principalmente onde eu me encontrava, no Ípiranga para Vila Formosa. Naõ o havendo mais esperanças de novo transporte comecei a caminhar pelas ruas jaé desertas do Ípiranga rumo a Vila Prudente e depois Vila Formosa onde eu morava com meus pais. Pouco antes da meia noite estava eu jaé cruzando a linha ferroviaé ria sobre o viaduto (Viaduto Pacheco Chaves) que atravessa a Avenida do Estado rumo a Vila Prudente. Eu caminhava absorto pela lateral direita que destinada a pedestres quando de repente percebi um taé xi que parou ao meio fio pouco a minha frente. Percebi que a porta do passageiro se abriu e ouvi a voz do motorista convidando-me a entrar.
Confesso que fiquei surpreso visto naõ o ter solicitado a parada do referido taé xi. O motorista indagou-me: - Vai para que lugar moço ? Entaõ o respondi: - Estou indo para casa. - Moro em Vila Formosa e o ué ltimo oâ nibus passou direto. Mas eu lhe disse que naõ o podia pegar o taé xi pois naõ o havia dinheiro para pagar pela corrida - e mesmo assim ele insistiu mais uma vez: - Entre, eé o meu caminho, eu posso deixaé -lo laé na sua casa. Entaõ o um pouco ressabiado entrei no veíéculo que seguiu o seu destino. Uma indagaçaõ o inquietante ocorria em meus pensamentos. Antes que eu dissesse qualquer coisa o motorista puxou conversa e explicou: - Sabe, eu parei porque vi que voceâ eé estudante. Percebi que voceâ estava com um livro debaixo dos braços e eé muito perigoso um jovem estudante andar por ai a esta hora. A P.E. (Políécia do Exeé rcito) costuma recolher e prender jovens (mesmo adultos) pelas ruas sem nenhum motivo e depois nunca mais se tem notíécias deles. - Eu sei como eé . (disse ele). - Eu conheço muitos casos de pessoas que desapareceram, depois os pais procuram seus filhos e naõ o encontram mais! Depois de ouvir, com atençaõ o, o relato do 151
motorista contei-lhe que eu havia acabado de servir o Exeé rcito no interior e que eu sempre ando por ai sem nenhum receio. Fomos conversando e de repente jaé estaé vamos proé ximo a minha casa. Entaõ o eu agradeci o gentil senhor e disse-lhe que podia deixar-me ali mesmo na avenida proé xima a minha casa. Mas ele insistiu em deixar-me na porta de casa e em seguida seguiu seu destino. Ao entrar em casa, encontrei meus pais e meus irmaõ os jaé adormecidos e soé no dia seguinte eu pude relatar o fato a eles que tambeé m ficaram sensibilizados com a atitude do bom senhor.
FESTA NA ROÇA Domingo ensolarado, a natureza toda em festa numa daquelas manhaõ s ensolaradas de inverno laé na fazenda da Mata. Todos se preparavam para algum acontecimento especial. Vovoâ estava laé na frente do curral acertando os ué ltimos detalhes da montaria dos cavalos. Mamaõ e disse me que íéamos todos ao batizado do filho do Juca Neé ca, amigo de vovoâ em sua fazenda que ficava logo abaixo do Morro da Onça. Chegando laé reconheci que era aquela fazenda em que costumaé vamos ir naquelas festas junina com muitos fogos, fogueira e muitos quitutes. Logo dirigimos para a pequena capela que ficava acima da sede, laé no alto da colina. A capela era pequena e a maioria das pessoas, principalmente os empregados da fazenda ficavam do lado de fora a espiar o que se passava laé dentro. Era um dia festivo, as roupas coloridas das pessoas contrastavam com a linda paisagem iluminada pelos raios do sol naquele belo domingo. Minha famíélia, mamaõ e, vovoé , vovoâ , tio Toalba e eu ficamos laé bem diante do altar ao lado da famíélia do amigo do meu avoâ . O padre Godofredo de origem holandesa e ainda arrastando um portugueâ s enrolado, mas compreensíével para a maioria, pois estaé vamos jaé 153
habituados com os padres holandeses na cidade. Praticamente naõ o havia padres brasileiros na maioria das paroé quias. Com aquela peculiar curiosidade infantil eu observava tudo ao meu redor e notei que o padre conversava com os pais da criança e com meus avoé s e que havia algo errado. O padre naõ o concordava com alguma coisa, deu para ver que estavam falando de meu tio que seria o padrinho da criança a ser batizada. De repente meu avoâ acena-me para que eu fosse ateé ele que se encontrava ao lado da pia batismal e apresentou-me ao padre. Foi ai que ouvi o padre dizer que entaõ o eu seria o padrinho daquela criança pois o meu tio naõ o poderia ser por professar outra crença, ser (* ) protestante. Eu tinha nesta eé poca aproximadamente seis anos de idade, mal compreendia aquela situaçaõ o mas fiz o que mandaram eu fazer. Entregaram-me aquela criança para eu segurar enquanto o padre procedia a cerimoâ nia. O padre era muito severo, lembro-me que ficou nervoso quando percebeu a presença de duas moças aproximando do altar para auxiliaé -lo afastou-as imediatamente dizendo: - A mulher naõ o pode tocar nos objetos sagrados e nem no altar. Foi entaõ o que um senhor se aproximou e auxiliou o padre durante toda a cerimoâ nia. Os anos passaram e por mais de uma deé cada
ainda visitei a fazenda de vovoé , mas jamais retornei a fazenda do seu Juca Neca e nunca mais tive notíécias de meu "afilhado". Soé fui entender o que realmente se passou muito tempo depois. Ao meu ver uma coisa absurda, uma hipocrisia, uma intoleraâ ncia da igreja ou do padre Godofredo!? Uma criança batizando outra criança sem ao menos saber, compreender o significado de ser "padrinho". E durante toda a minha vida este foi o ué nico afilhado . Nunca mais fui convidado a ser padrinho de nenhuma outra criança! Obs.: Vovoé era protestante, ou seja, evangeé lica como hoje falamos e vovoâ catoé lico. Era comum nas famíélias os filhos homens seguir a maõ e, ser educados na religiaõ o ou crença da progenitora e as filhas mulheres educadas na crença do pai.
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A VELHA PRAÇA Na mesma praça que hoje abriga a Velha e a Nova Matriz brincou a geraçaõ o de meu pai e a minha. Durante a semana brincaé vamos afoitos na parte que ia da Velha Matriz a Caixa D'AÍgua. Havia um parquinho pué blico, com balanços, escorregadores, gangorras e gaiolas onde nos divertíéamos muito. Brincava mais com meus primos, primas e alguns amiguinhos que encontrava quando estava na cidade. Mas por ora vou me ater a apenas alguns fatos marcantes que fixaram em minha memoé ria. Quando nos preparaé vamos para ir para a cidade nos finais de semana minha voé falava: - menino, pega umas laranjas, peras, maçaõ s para voceâ vender na cidade e ganhar algum dinheiro para voceâ comprar picoleé s, e ir ao cinema... Seguindo a orientaçaõ o de minha voé , preparava uma cesta com lindas frutas e colocava no Jipe. Chegando a cidade ia (meio sem jeito) de casa em casa oferecendo as frutas que eu apanhara. Normalmente eu as vendia logo e arrecadava algum dinheiro para meu final de semana. Certa vez apoé s percorrer algumas casas, parei na praça para descansar um pouco e fiquei a olhar alguns garotos que brincavam quando um deles aproximou-se de mim e furtou uma maçaõ de minha cesta sem pagar saindo correndo. Senti-me indefeso, pois ele era maior que eu e
ainda estava acompanhado de outros colegas. Olhei num banco da praça e vi um jovem fardado, sabia, era um soldado. Corri em sua direçaõ o e falei do ocorrido. Mostrei o garoto que ainda comia a maçaõ furtada. _ menino, naõ o sou daqui, nada posso fazer respondeu-me o jovem soldado com ar de desinteresse. Desapontado, fui para casa levando o restante das frutas interrompendo a venda. Ah da Velha Matriz muitas lembranças das Semana Santas, das Procissoõ es, do Catecismo, dos padres holandeses... Quando entrava com meus pais nas festas em que as crianças se vestiam de anjos, eu... passando diante da escadaria, na lateral interna da igreja, olhava aquelas criaturas...imaginava que fosse realmente anjos em carne e osso... soé alguns anos mais tarde eu percebi que se tratava de crianças vestidas de anjos prontas para uma representaçaõ o. O casamento da Tia Gabriela foi marcante, aquela festa toda... depois a entrada dos noivos naquele carro preto, brilhando... era acho que o primeiro casamento que eu assistia, fiquei maravilhado! Em 1954, na tarde de 24 de agosto... estava eu, minha maõ e e minha avoé passando diante da Velha Matriz, quando a tia Ritinha, (cunhada da minha Avoé ) interrompeu nossa caminhada chamando: - (tia Ritinha) Anita ! Olha, deu no raé dio agora mataram Getué lio Vargas. 157
- (voé Anita) Nossa, como foi isso? - (mamaõ e) Nossa, meu Deus! - (tia Ritinha) eé ... ainda naõ o sabem como tudo aconteceu, acabaram de encontraé -lo morto com um tiro. 24 de agosto de 1954 (morte de Getué lio Vargas) Eu, com meus quatro anos de idade ... tive uma verdadeira reviravolta em minha cabeça e o medo tomou conta de meus pensamentos. Eu naõ o sabia, naõ o entendia bem... pensava que o crime havia sido cometido ali mesmo na cidade, dai o medo que tomou conta de mim naquela tarde e a imaginaçaõ o tomou asas... Mas o tempo passou... mais tarde entendi aquele momento na Praça quando soube da morte de Getué lio Vargas. Creio que do Planalto que abriga esta grande aé rea verde onde se localiza a Velha e a Nova Matriz eé que se originou o nome da cidade, quando a senhora portuguesa, chamada Catarina Parreira chegou exclamou:- Ah que campos belos !!!Dai veio mais tarde o nome de Campo Belo. Se quiser saber um pouco da histoé ria pode ver documento sobre a Origem de Campo Belo segundo o estoriador Edson Ribeiro. A MAÍOR PRAÇA DO MUNDO
Meu Encontro com Mojica Era iníécio da deé cada de sessenta. Meus pais acabavam de retornar para Saõ o Paulo depois de quase 10 anos em Minas Gerais. Era um garoto da roça, conhecia sim o mundo do campo, os rios, as florestas, os paé ssaros, enfim a natureza! A vida simples e maravilhosa do campo. Filho de famíélia religiosa, catoé lica, logo minha maõ e procurou colocar-me no coleé gio das freiras, o Externato Nossa Senhora do Sagrado Coraçaõ o e logo incentivou-me a ingressar no grupo de coroinhas do Santuaé rio do Sagrado Coraçaõ o, em Vila Formosa, Saõ o Paulo. Meus dias passaram a ser no Externato e na Ígreja sobrando pouco tempo para ficar em casa! Participava ativamente de todas as celebraçoõ es de domingo a domingo. Logo conquistei a confiança e a proteçaõ o da Madre Superiora e do Vigaé rio aleé m da atençaõ o especial do Írmaõ o Afonso que era o responsaé vel pelos coroinhas. Atuava nas apresentaçoõ es religiosa tendo representado o menino Jesus aos doze anos e outras crianças bíéblicas. Certo dia ao chegar, como de costume, antes da missa das sete, o irmaõ o Afonso destacou-me a ajudar a missa de um visitante que estava hospedado na Casa Paroquial. Laé fui eu. Como a 159
missa era em Latim mal percebi a origem do Padre. Apenas sabia que era de outra Ordem, pois usava haé bito de monge e naõ o dos Missionaé rios do Sagrado Coraçaõ o. Foi depois de ter me despedido daquele Monge, dias depois que o Írmaõ o Afonso contou-me quem era o ilustre visitante. Contou-me que ele havia sido um cantor muito famoso na Espanha e que depois do auge de sua carreira ele resolveu abandonar a carreira artíéstica e tornar-se um monge. E que uma de suas mué sicas mais conhecidas era o "Jura-me" ... mal pude conter meu espanto! Jura-me era uma cançaõ o que minha maõ e falava sempre e quando chegamos em Saõ o Paulo ela pediu para o meu pai procurar um disco que tivesse essa mué sica. Corri para casa e quase sem foâ lego... contei para a minha maõ e o ocorrido dias atraé s. Mas o Monge jaé havia partido e ateé hoje soé ficou a lembrança de que "eu conheci Frei Mojica" o autor de Jura-me ! "JOSÉ MOJICA pode ser apontado como um dos grandes artistas latinos do século. Através dos discos, filmes e apresentações pessoais, sua arte de cantor e figura de galã foram levadas a todas as partes do mundo. Depois que se tornou sacerdote-cantor, acrescentaria a essa fama e admiração o respeito pelos seus predicados humanos. Nasceu José Mojica, em 14.9.1896, na cidade de San Miguel, Estado de Jalisco, no México, com um nome extenso: Cresenciano Abel Exaltación de la Santa Cruz de Jesus Mojica Montenegro y Chavarín. Só quando se fez adulto, sua mãe, D. Virgínia Montenegro, contou-lhe que seu pai tinha sido um médico
que noivara com ela e a abandonara por já ser casado e com dois filhos. De um casamento posterior, D. Virgínia teria outro filho, que faleceria bem pequeno. Não seria feliz no casamento, pois o padrasto de José, de nome Francisco e dono de oficina em que fabricava sapatos, demonstrou ser um homem extremamente violento, por causa disso condenado a alguns anos de prisão, não mais voltando ao convívio da família depois de libertado. Mulher tenaz e muito religiosa, D. Virgínia incutia em José os ensinamentos e a fé católicos. Um dia, sentindo o desprezo da gente do local, decide deixar San Miguel para tentar melhor sorte na capital mexicana. Vende por pouco dinheiro as propriedades que ainda possuía e toma com José o trem para a Cidade do México. Era 1906. Na capital matricula-o no Colégio Santa Maria e a seguir numa escola pública. Vivem os dois uma existência bem modesta com alguns episódios desagradáveis, como aquele em que, em suas ausências, ladrões despojam de tudo a casinha em que habitavam. Para que possam sobreviver, trabalha como costureira e utiliza-se das reservas trazidas. José continuaria seus estudos na Escola Nacional de Agricultura, fechada durante os acontecimentos da revolução de 1910. Como estudante deixa-se envolver pela política, tendo corrido sério risco de morte no momento em que os revolucionários chegam à capital. Ao mesmo tempo em que cursa agricultura, estuda piano e pintura. Não lhe passa pela cabeça a idéia de cantar. Confessaria mais tarde que "nunca tive e nem tenho paixão pelo canto. Tinha sim, e tenho, paixão e vocação para a pintura. Fui cantor famoso, mas nunca pude encontrar tempo para pintar. O cultivo da arte é absorvente. Em quaisquer de suas manifestações, o homem é limitado e Deus o leva sempre para onde convém mais." De certa feita em que estudava solfejo no Conservatório, os alunos são convidados a participar dos corais de uma nova companhia de ópera que se estava formando no Teatro Ideal. Quando são perguntados se desejam fazer um teste de voz, levanta a mão apenas por levantar. Ao saber que tinha voz de tenor sente uma estranha
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sensação. Sua mãe fica contra essa ameaça de mudança na direção dos planos traçados para ele, mas José argumenta que era uma oportunidade de ganhar algum dinheiro. A conselho da mãe concorda em tomar lições de canto para ter a certeza de que de fato tinha talento. É o que faz durante certo tempo, até se apresentar na companhia, não mais como pretendente a um lugar no corpo coral, mas como solista de pequenos papéis. Suas qualidade potenciais são reconhecidas pelo célebre maestro mexicano Cuevas, que se oferece para ministrar-lhe aulas. O progresso de Mojica evidencia-se cada vez mais, tanto que passa a primeiro tenor. A escola de Agricultura, que reiniciara as aulas, perdia definitivamente um aluno. Em busca da fama e da fortuna, parte em 1916 para Nova Iorque, integrando um conjunto formado por Carmen Garcia Cornejo, soprano, Angel Esquivel, barítono, e Julio Peimbert, pianista, sendo empresariados por Maria Grever, notável compositora mexicana de futuro renome mundial. O resultado da aventura é desanimador, dada a falta de oportunidades. Mojica termina por lavar pratos durante meses num restaurante. Mesmo assim é ouvido a cantar no trabalho trechos de óperas, com isso vindo a receber aulas de uma senhora chamada Blackman. Quando sua triste e desalentadora situação parecia não ter nenhuma saída, afortunadamente é convidado a se juntar a uma grande companhia de óperas em vias de ser montada em sua pátria. Da noite para o dia vê-se ao lado de nomes célebres da cena lírica mundial. Daí em diante sua ascensão gradativa não teria percalços ou descontinuidade. Terminada a temporada, começa outra com a presença do maior astro do bel-canto mundial, Enrico Caruso, do qual se torna bom companheiro. No final de 1919, volta aos Estados Unidos numa situação bem diferente da primeira vez, pois contratado pela Chicago Opera Company. Além dos rendimentos cada vez maiores no palco, tem a oportunidade de gravar seus primeiros discos na Odeon. Conhece então pessoalmente Thomas Alva Edison, uma das maiores admirações de sua vida, a quem pede uma foto com
dedicatória. Edison conta-lhe que todas as noites antes de dormir ouvia sua gravação de Golondrina Mensajera e o imaginara um cantor de meia-idade, não tão jovem. Mojica por sua vez não se refere ao fato de que, em sua primeira estada nos Estados Unidos, tinha sido recusado pela Odeon americana depois de teste de gravação examinado pelo próprio Edison. A partir desse contato, Mojica vai alternando concertos nos Estados Unidos e México. Enquanto sua carreira profissional ia cada vez melhor, dando-lhe condições de proporcionar toda a assistência e conforto à sua amada mãe, com qual sempre morou, sua alma continuava inquieta na busca da verdade. Vinha procurando explicações em novas filosofias e religiões e tinha períodos de agnosticismo. Por fim, volta à fé católica pelo caminho de uma devoção particular a São Francisco de Assis, o santo dos pobres. Tal decisão se dá quando estava com 27 anos, exatamente numa visita à escola franciscana de Quincy, cidade do Illinois. Em 1929 é convidado pela Fox para trabalhar em Hollywood em filmes falados e cantados em espanhol, pois, além de ter voz, encarnava o tipo ideal do galã latino exigido pelos roteiros melodramáticos. Assim é o astro de O Preço de Um Beijo, em duas versões, um extraordinário sucesso em diversos países de língua espanhola, inclusive a Espanha, embora mais uma vez a crítica de seu país tenha se mostrado contrária, como sempre fazia em relação aos artistas mexicanos que atuavam no cinema americano. No seu caso não aceitavam que, cantor consagrado de óperas, descesse para cantar simples canções populares. Outros filmes se seguiriam, como Príncipe, Rei dos Ciganos, A Cruz e a Espada, As fronteira do Amor, A Canção do Milagre e outros, neste último no papel de um sacerdote católico, numa antecipação do que faria mais tarde. Seus discos então se vendiam como nunca. Muito de seus êxitos são até hoje páginas clássicas. Cada uma de suas apresentações na América Latina, Europa e Norte da África consituia-se em consagração. Nada deste mundo lhe faltava, mas no seu espírito continuava um vazio, que só uma completa dedicação a Deus haveria de preencher. Em 1941
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estava filmando na Argentina, em Buenos Aires, Melodias da América, quando recebe a notícia do falecimento de sua mãe. Decide então entrar para o convento franciscano de Recoleta, na cidade de Cuzco, no Peru, que já conhecia. Dá um último concerto e viaja para o México a fim de distribuir sua fortuna. Em 1942 recolhe-se à clausura e no ano seguinte recebe as ordens menores. Em 1946 ;é ordenado padre, adotando o nome de Frei José Francisco de Guadalupe. Sentindo que ainda poderia com sua arte e fama obter recursos para obras de caridade e divulgar a religião, consegue de seus superiores autorização para apresentar-se cantando músicas profanas. É o que passa a fazer em novas excursões pelo mundo e em filmes, sempre porém vestindo o hábito de frei franciscano. Já tinha visitado o Brasil em 1937 e cantado no Cassino da Urca. Volta em 1942 e 1950, quando participa da inauguração da primeira estação de televisão brasileira, a TV-Tupi de São Paulo. Retorna em 1955 - reza uma missa em intenção da alma de Carmen Miranda - 1964 e 1967. Por causa de problemas circulatórios que afetara sua perna direita, vem a falecer na idade de 78 anos, em 20.9.1974, na cidade de Lima, no Peru. Abel Cardoso Junior. O texto acima não representa a biografia completa do artista, mas sim, partes importantes de sua vida e carreira. "
UM ANJO CANINO - DUQUE Duque, meu novo caõ o, era meu amigo inseparaé vel, estava sempre ao meu lado. Era de fato muito, mas muito ciumento e naõ o admitia nenhuma pessoa se aproximar de mim, principalmente tocar-me. Ísto era com as pessoas de casa, mulher, filhos, vizinhos, com todos. (Atacando minha filha de surpresa) Certa vez minha filha estava em casa, veio visitarme e estaé vamos no corredor conversando enquanto Duque nos espreitava. Ela jaé o conhecia e ele sempre se mostrou amigaé vel. Mas de repente ela num gesto de me abraçar foi atacada pelas costas levando uma mordida na perna. Corri com ela para o pronto-socorro para procedimento meé dico para prevenir algo mais grave. Antes, poreé m, mostrei ao cachorro que naõ o gostei repreendendo-o. Mais tarde tentei castigaé -lo por isso, mas na verdade pensei na sua atitude, no motivo que o levou a agir assim. Para um caõ o isso nada mais foi do que uma atitude para proteger seu dono. Eu procurei manter Duque distante, em algum lugar seguro para que naõ o atacasse ningueé m principalmente quando estava se alimentando, ah... ai ningueé m chegava mesmo proé ximo a ele, somente eu. Afinal instinto eé instinto! Num certo dia, Duque encontrava-se na laje da garagem, de frente para a rua enquanto eu fui ao portaõ o receber o carteiro. Abri o portaõ o, sai 165
ateé a calçada para receber a correspondeâ ncia e entaõ o de repente percebi o vulto do caõ o que saltava em direçaõ o ao carteiro. Mal deu tempo de empurrar o carteiro para o lado e numa tentativa de conter o cachorro abraçaé -lo. Fomos os dois para o chaõ o e o carteiro mal conseguiu adentrar o portaõ o da casa do vizinho e se esconder no de corredor. Para Duque ele estava fazendo o seu papel de guarda, protetor, defensor de seu dono. Para o carteiro um grande susto e o alíévio ser salvo por encontrar o portaõ o aberto e se esconder no corredor da casa vizinha. E para mim o alivio de ter protegido o carteiro e naõ o ter podido proteger-me de levar um tombo e ter meus braços e pernas ralados no asfalto. Dias mais tarde estava eu trabalhando na construçaõ o desta nova casa quando de repente desequilibrei-me caindo de costa nos degraus da escada que levava ao andar inferior. Estava sozinho acompanhado apenas do Duque. Ao cair, bati as costas nos degraus e fiquei momentaneamente sem movimentos e com dificuldade de respirar. Naõ o deu tempo nem de pensar no que fazer. Soé percebi quando o Duque caminhava em minha direçaõ o seguido por dois senhores que trabalhavam na casa ao lado. Disseram entaõ o que a insisteâ ncia do caõ o foi tantas que eles naõ o pensaram duas vezes adentraram ao terreno, a casa onde eu estava e me encontraram. Felizmente naõ o aconteceu nada de mais seé rio aleé m de luxaçaõ o e uma trinca de uma das
veé rtebras. Mas laé estava meu anjo da guarda em forma canina zelando por mim!
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DUQUE - UM NOVO AMIGO Certa vez, recebi o telefonema de um cunhado indagando-me se eu gostaria de ganhar outro caõ o pastor alemaõ o, naõ o titubeei e disse claro que quero. Entaõ o combinamos o dia e aà hora de ir ao local ver e pegar o cachorro. Fui eu e meu cunhado numa perua Kombi em busca do caõ o a ser doado. Encontramos a casa e logo uma senhora veio nos atender e sabendo de nosso interesse pelo caõ o foi logo avisando, o cachorro eé muito bravo, cuidado a gente naõ o se responsabiliza, viu moço. Eu concordei e pedi autorizaçaõ o para ir ateé o quintal da casa, nos fundos. A situaçaõ o eu jaé conhecia, laé estava um lindo caõ o, de apareâ ncia pouco amistosa, nervoso e disposto a mostrar seus fortes dentes. Da mesma forma que eu havia experimentado com o Rhoss, meu caõ o anterior que morrera enforcado, aproximei-me dele e estendi minha maõ o oferecendo um pedaço de paõ o que sua dona havia me dado. O paõ o em minha maõ o naõ o lhe atraiu muito naõ o, pois quanto mais me aproximava mais raivoso latia. A situaçaõ o era a mesma que eu jaé presenciara, preso junto a um tronco de aé rvore com uma forte corrente ao relento devia estar ali haé muito tempo sofrendo. Naõ o desisti e continuei tentando acalmar aquele caõ o apenas estendendo minha maõ o ateé que ele foi
se acalmando, e ateé resolveu comer aquele pedaço de paõ o. Eu pacientemente aguardei por alguns minutos e depois continuei a me aproximar. Foi ai que percebi o animal jaé calmo e permitindo que eu acariciasse sua cabeça. Comecei a afagar seu pescoço e logo me encorajei a soltaé -lo daquele tronco trazendo-o para junto de mim e num gesto convidativo a sair ao que fui correspondido. Diante de todos que se escondiam num canto da casa, com as portas fechadas eu dirigi-me ateé ao veíéculo que estava em frente da casa e entrei e sentei-me no banco traseiro colocando o caõ o sentado ao meu lado o qual quase numa atitude de gratidaõ o respirava ofegante, com a líéngua de fora, ora me olhando ora encarando as pessoas boquiabertas laé fora. Assim nos despedimos de sua jaé ex-dona e seguimos viagem para casa. Acabava de ganhar um novo amigo, o Duque, e a felicidade estava estampada em ambos.
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