O beija-flor que brada as asas da liberdade: femenagem em memória de Andrea Almeida Torres

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Artigo 9 | O beija-flor que brada as asas da liberdade: femenagem em memória de Andrea Almeida Torres Adeildo Vila Nova Heloísa Gonçalves Alexandre Thais Lasevicius

I. Uma professora sambista ou uma sambista professora? Andrea tinha 50 anos e faleceu em 31 de agosto de 2019, em decorrência de complicações hospitalares no trato de intercorrências oriundas de seu delicado quadro de saúde e manutenção de transplante de fígado, que realizou com êxito há 12 anos. Era vice-coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), curso que compunha como docente há nove anos, docente do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Unifesp, coordenadora do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Sociedade Punitiva, Justiça Criminal e Direitos Humanos (GEPEX.dh) e referência na profissão na área de sistema prisionalpenal, criminologia crítica, abolicionismo penal e direitos humanos. O título dessa femenagem1 é alusivo ao que Andrea Almeida Torres acreditava, na maior dialética possível entre a teoria de quem ela era e a práxis que a materializava nesse mundo: o beija-flor, pássaro que representa as cores vívidas, o voo sem grades, com delicadeza e também com uma grandeza mesmo em sua pequenez física; pássaro esse, com sentido e significado, tatuado no peito dessa mulher, consolidando assim a importância de compreender que uma vida contra as prisões é muito mais do que sobre a concretude de um sistema penal-prisional, como já dizia Passetti (2004), é sobre abolir o castigo, as grades e as punições de dentro de si. E, claro, a liberdade, princípio ético-político fundamental da profissão da/o assistente social, categoria que luta pela emancipação humana e política da classe trabalhadora – liberdade esta que só se dá em outra ordem social: algo que Andrea não só acreditava, como também nos ensinava todos os dias, desde sua prática mais singela pelos corredores da Unifesp, campus Baixada Santista, ao ir tomar um café na cantina, até mesmo em suas aulas sobre Ética Profissional, dialogando com a luta intransigente pela defesa dos direitos humanos. 1

Escolhemos utilizar o conceito femenagem por entender as construções patriarcais e de gênero impostas pela palavra homenagem.


Andrea Almeida Torres era uma figura com múltiplas facetas nas quais muitas acabavam convergindo em um só ser: como já diziam alguns dos seus alunos, Andrea era uma multidão. Essa multidão enquanto potência de todas essas expressões, que deixou por aqui muitas sementes que crescem e se multiplicam. Como o girassol que vira sua face em direção ao Sol, nos deixou o legado de que, mesmo sem um “Sol” tão brilhante como era antes da sua ausência física nessa terra, ainda assim temos uns aos outros e nesses dias sem “Sol”, podemos nos voltar coletivamente e perpetuar seus ensinamentos, afetos e esse desejo tão cru, tão autêntico em verdade de viver uma vida sem prisões – sejam elas materiais ou não. Uma potência movida a bons sambas, queridos amigos e pela perspectiva de uma vida libertária simplesmente não se vai em vão. Seus anos de militância que perpetuava mesmo dentro da academia; os anos de estudos dedicados até seus últimos dias no sentido de nos fazer repensar o lugar da prisão na sociedade do capital; a forma como a luta pelos direitos humanos se fazia presente em cada pequeno ato singelo seu, além, é claro, da sua delicadeza e companheirismo ao ensinar, rompendo com a lógica hierárquica presente nos meios acadêmicos, dialogando sempre de igual para igual com seus pares e demonstrando que o inimigo é outro, é maior – inimigo esse que não pode ser vencido enquanto sua própria personificação se perpetuar: o capitalismo. Aquela que era professora, pesquisadora, militante, referência crítica sobre direitos humanos no Serviço Social e uma pioneira no estudo das prisões e da atuação profissional no sistema prisional; mas, antes de tudo, era filha, sobrinha, amiga para todas as horas e que desempenhava representações tão diversas na vida daqueles a quem cercava: como um beija-flor com suas múltiplas cores, até assim esse pássaro que carrega a liberdade em suas asas personifica Andrea Torres: sempre imensidão, potência e uma multidão capaz de abraçar o mundo e fazer dele algo realmente diferente, simplesmente por acreditar na superação e construção de uma sociedade para além dessa que nos encontramos. Como toda história permeada de capítulos originais, aventuras, epopeias, afetos e transgressões, é ímpar relembrar todo o caminho traçado por essa pessoa tão singular em nossas vidas pessoais e profissionais, e parafraseando a música, deixando ao sambista mais novo, o pedido final de não deixar o samba morrer que, sem dúvidas, é a grande lição que Andrea nos ensinou e nos deixou. Assim, cabe a nós, com esta singela femenagem, resgatar momentos importantes da sua trajetória de vida e, como pequenos sambistas que somos, fazer ecoar aos quatro ventos que o princípio da liberdade norteou


a vida de Andrea Almeida Torres até o fim, e aqui estamos desvelando através de um palácio cheio de memórias a materialização da luta de uma mulher que sempre acreditou em uma vida libertária.

II. Uma chave de cadeia

Após essas divagações de afeto na tentativa de aludir ao significado de Andrea Torres, partimos então para a realidade concreta da sua trajetória. Essa que começa bem cedo, na Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo. Andrea sempre contava das suas memórias e histórias de idas às penitenciárias do Estado, sempre com música, teatro e esporte, brincando que chegava até mesmo caracterizada, com ornamentos, maquiagens e fantasias sempre com um objetivo: promover consciência crítica e social, resgatar os relatos de violação de direitos dos presos e causar aquilo que hoje chamamos ironicamente de balbúrdia – só que nas prisões. Andrea relatava que, em uma das rebeliões, houve uma situação em que os próprios presos a protegeram, levantando-a do alto da sua grande estatura de pouco mais de 1,50 metro, tirando-a daquele pavilhão e a deixando em um local seguro. Memórias de militância dessas, como tantas outras que Andrea costumava trazer na sua roda de samba com os amigos, nas aulas expositivas no curso de Serviço Social e no Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Unifesp e em qualquer bom lugar no qual a conversa fluía para os desdobramentos e atravessamentos da conjuntura e da violação dos direitos humanos. Vem à nossa memória afetiva uma das fotos que Andrea costumava deixar na porta de sua geladeira. Uma imagem icônica, no auge dos seus 20 e poucos anos (e como já dizia a música, “eu não desisto assim tão fácil”), na qual estava sentada após uma viagem cansativa de São Paulo para Santos, posando ali no que era a antiga Estação de Trem Sorocabana da cidade de Santos. Lembramos com afeto de que Andrea nos dizia que queria refazer essa lembrança na mesma pose, no mesmo lugar – agora chamado de Estação da Cidadania –, 30 anos depois. Materialização essa infelizmente não concretizada, mas viva na possibilidade do que ela poderia vir a ser, pelo afeto com que Andrea trazia essa e tantas outras lembranças da época de militância em sua juventude.


III. Trajetória acadêmica

Através dessa militância desde cedo na defesa dos direitos humanos para as pessoas privadas de liberdade, Andrea se aproximou do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na graduação, continuou se dedicando aos estudos críticos e pesquisa sobre a atuação profissional do assistente social no sistema prisional, sendo uma das pioneiras no debate da profissão vinculado a essa seara. Realizou, desde o começo dos seus estudos e pesquisas, o debate crítico acerca das funções delegadas pelo Estado Penal Máximo (WACQUANT, 2008) fazendo a crítica perante a atuação profissional diante do exame criminológico; também ao projeto ético-político do Serviço Social perante o avanço desse Estado penal através da criminalização da pobreza e lutando contra o que ela chamava de encarceramento seletivo em massa: uma criminalização que cresce exponencialmente, mas que tem gênero, raça e classe. Ainda na PUC-SP e no começo dessa construção acadêmica e de luta contra a lógica punitivista do Estado materializada no extremo das penas e prisões, Andrea Torres Integrou o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ética e Direitos Humanos da PUCSP (NEPEDH) desde sua formação, quando este ainda era um grupo de pesquisa, em 1998. Teve sua atuação reconhecida pelos membros do próprio núcleo, sendo sua participação fundamental na sua consolidação e no desenvolvimento de suas primeiras pesquisas, conforme sua trajetória acadêmica e profissional faz referência. Também em 1998, ingressou no mestrado em Serviço Social pela PUC-SP, sob a orientação da profa. dra. Maria Lúcia Silva Barroco, continuando suas pesquisas sobre sistema prisional em face ao comprometimento ético-político da profissão, obtendo o título de mestra em 2001 com a dissertação intitulada: Direitos humanos para presos? Desafios e compromisso ético e político do Serviço Social no Sistema Penitenciário. De acordo com a femenagem realizada pelo Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (CRESS-SP), a importância da pesquisadora na construção do núcleo foi fundamental para sua consolidação, sendo levada a participar com outras/os pesquisadoras/es do NEPEDH do Fórum Social Mundial2 em 2001, indo posteriormente 2

O Fórum Social Mundial é um encontro no âmbito anual e internacional que reúne ONGs, movimentos sociais e outros atores civis para discussão e criação de estratégias de enfrentamento contra o neoliberalismo, o imperialismo e as desigualdades sociais.


para Sevilha, na Espanha, dialogando e intensificando suas pesquisas sobre vertentes teóricas na abordagem dos direitos humanos. Seu processo de doutoramento em Serviço Social iniciou-se em 2001, também pela PUC-SP, e dando continuidade à orientação pela profa. dra. Maria Lúcia Silva Barroco, fazendo um paralelo sobre a Atuação profissional na Penitenciária Feminina da Capital Paulista nos anos de 1978-1983, discutindo o encarceramento em massa, o Estado punitivo e a reverberação deste no trabalho do assistente social, obtendo seu título de doutora em 2005. Sua carreira enquanto professora tem início com a jovem Andrea Torres ministrando aulas para o Ensino Fundamental. Mas como docente universitária começa em 2002 na Organização Santamarense de Educação e Cultura (OSEC) – atual Unisa – em São Paulo, no curso de Serviço Social. Em 2003, integra o corpo docente do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP), fazendo parte até 2010. Entra na Faculdade Mauá (Fama) em 2006, compondo o quadro de professores até 2009. Finalmente em 2010, após sua saída da FMU-SP, integra oficialmente como docente universitária de uma universidade pública (e na praia!), no campus recémconstruído da Unifesp, campus Baixada Santista, auxiliando também na construção do curso de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Políticas Sociais (PPGSSPS), ambos na mesma instituição, regulamentado em 2015. Na data de sua partida, também estava exercendo a função de vice-coordenadora do curso de Serviço Social da Unifesp, deixando para trás e como ensinamento – aos sambistas mais novos, diga-se de passagem – suas considerações sobre criminologia crítica, abolicionismo penal, direitos humanos e também suas contribuições para uma práxis crítica dos profissionais que atuam no sistema prisional. Tempos antes do seu falecimento, Andréa estava imbricada em iniciar a escrita de seu livro junto com a psicóloga e parceira de estudos, profa. dra. Adriana Eiko Matsumoto. Preparou inclusive um espaço em sua casa, recém-montada como local permanente de vida, para se dedicar a essa obra. O livro seria sobre criminologia crítica, com vistas a ser uma contribuição para a área sociojurídica. Infelizmente esse desejo não chegou a se materializar. Optamos então nesta breve femenagem trazer de modo sucinto um compêndio de seus escritos e matrizes teóricas.


IV. Seu compromisso com o materialismo histórico dialético

Andrea tinha como matriz teórica para suas análises o marxismo, numa perspectiva lukacsiana, perpassando por uma análise crítica de Michel Foucault, utilizando-se também da criticidade do abolicionismo penal e da criminologia crítica, com referências nacionais – como Edison Passetti, Salo de Carvalho e Vera Malaguti – e internacionais – como Loïc Wacquant –, somente para citar alguns. Ao longo de mais de 20 anos estudando o sistema prisional, a engrenagem penal e os direitos humanos, Andrea estava cada vez mais convencida de que o papel do Estado brasileiro em relação aos sujeitos privados de liberdade era de tortura permanente, pois, embora esse tipo de pena não estivesse tipificada no Código Penal, era prática realizada de modo reiterado pelos processos de esfacelamentos de direitos aos sujeitos presos e outros termos da lei, desde as infindáveis audiências de custódia e o difícil cumprimento da Lei de Execuções Penais (LEP) – que já era falha em si – e por todo o processo que envolve o entrar e sair do sistema prisional brasileiro. Andrea apreciou esse debate para a profissão em seu texto, publicado pela editora Lumen Juris em 2002, intitulado A Lei de Execução Penal e as atribuições do Serviço Social no sistema penitenciário: conservadorismo pela via da crítica à execução penal – doutrina, jurisprudência e projetos legislativos, que traz com a amplitude do debate crítico sobre a LEP.

V. Sua luta em defesa dos direitos humanos Utilizando a arte para suscitar o olhar crítico, em 2011, inicia o projeto Cine.dh – Cinema e Direitos Humanos: Diálogos Interdisciplinares, na Unifesp, campus Baixada Santista, pensando o extramuros da universidade e como ela mesma descreve: “um espaço cultural de reflexão sobre as violações e afirmações dos direitos humanos, através da arte de retratar a vida: o cinema”. Em 2012, começa a Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI-BS), projeto esse do qual, inclusive sua mãe, a sra. Violeta, chegou a fazer parte, pois, para Andrea, a UATI-BS tinha como princípios a gratuidade e a valorização do encontro na universidade entre jovens e idosos.


VI. Sua produção acadêmica e bibliográfica3

As contribuições de Andrea para o Serviço Social, sistema prisional e direitos humanos foram imprescindíveis para apresentar à profissão as relações entre o trabalho profissional, o projeto ético-político e os direitos humanos, tangenciando-os em uma perspectiva crítica para que estes não corroborem com a óptica capitalista e com sua acumulação, mas de modo a coletivizar processos sociais nos quais todos são livres, não somente para consumir, mas para existir. De modo que, em algum momento, numa outra ordem social, nem precisemos cunhar esse termo – direitos humanos –, pois estaremos todos não sob uma égide desigual, mas vivendo numa sociedade igualitária em que não lutaremos por uma emancipação humana para garantir o mínimo, mas para estar sempre em desenvolvimento pleno do ser. Seu texto “O Serviço Social nas prisões: rompendo com a prática conservadora na perspectiva de um novo projeto profissional”, publicado no livro Serviço Social e temas sociojurídicos: debates e experiências, lançado pela editora Lumen Juris em 2014, apresenta direções não conservadoras para sua profissão dentro do sistema prisional. Em 2016, escreve um texto em colaboração com a profa. dra. Priscila Cardoso, no mais recente livro que recupera trajetórias importantes do Serviço Social brasileiro, organizado pela profa. dra. Maria Liduina de Oliveira e Silva, ambas amigas e companheiras de trabalho de Andrea. No livro Serviço Social no Brasil: história de resistências e de ruptura com o conservadorismo, da editora Cortez, seu texto “Rupturas, desafios e luta por emancipação: a ética profissional no Serviço Social brasileiro” traz importante crítica ao processo da luta emancipatória da profissão em meio ao conservadorismo, o que outrora foi o norte do direcionamento profissional. Cada vez mais, Andrea se aproximava e colocava em voga a discussão do encarceramento em massa e a questão racial, trazendo sem medo esse debate, e, em 2012, no Congresso Internacional de Americanistas, em Viena (Áustria) (Derechos humanos, Desigualdad y Democracia en la América), publicou um trabalho junto ao professor Stéfanis Caiaffo: “Xenofobia, criminalização e aprisionamento na América Latina”, colocando em um posicionamento acertado os processos reais de

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Para mais informações acerca da produção intelectual de Andrea Almeida Torres, consultar seu currículo lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/4331449360018075. Acesso em: out. 2022.


encarceramentos que envolvem as questões de raça e classe, reiterado em sua obra em 2017: “Relaciones étnico-raciales, criminalización y violencia política”. Fundamental citar na trajetória acadêmica de Andrea Torres, especialmente na Unifesp, a construção do GEPEX.dh. Um grupo que mais se assemelhava a uma casa, com relações de afeto e construção coletiva entre seus membros, tendo como base discussões críticas acerca do sistema penal-prisional e as implicações da sociedade capitalista na edificação deste. A história desse grupo começou com o nome de Crime e Castigo, tendo como parceiro de trabalho seu grande amigo, Stéfanis Caiaffo, sendo um dos principais e mais saudosos trabalhos que Andrea nos deixa de legado. O grupo, que em 2016 realizou um grande evento na universidade em comemoração aos seus cinco anos, conta com a participação de diversos amigos e aliados que também se pautam através da criminologia crítica e do abolicionismo penal – as duas grandes bases do GEPEX.dh4 – para realização de mesas-redondas, discussão do panorama do sistema prisional e diversas outras temáticas que atravessam diretamente a construção desse complexo estudo. Hoje, com nove anos de existência e sendo coordenado por mestrandos do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Unifesp que eram orientados por Andrea Torres, o grupo permanece na busca pela perpetuação de seu legado intelectual crítico e da luta pela abolição das prisões, desenvolvendo atividades que integram e totalizam o GEPEX.dh através de duas extensões universitárias: o Cine.dh e o programa na Rádio Silva da Unifesp, o Direitos Humanos em Debate. Em uma das atividades abertas do GEPEX.dh, a profa. AAT em sua femenagem –, envolvendo o projeto Cinema e Direitos Humanos em 2017, foram trazidas importantes contribuições sobre o encarceramento feminino, a lei de drogas e sua colaboração para a violação de direitos da população feminina encarcerada, com colaboração de técnicas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), importante organização que tem a intenção de dirimir, mesmo que minimamente, os estragos causados às vidas de pessoas encarceradas. Andrea também vinha se aproximando das discussões relativas à saúde mental, políticas públicas relacionadas aos usuários de substâncias psicoativas, o estigma da 4

Para mais detalhes dos encontros abertos ao público do GEPEX.dh, bem como a gravação destes encontros, seus ex-orientandos atualmente estão organizando um canal no YouTube com essas apresentações a título de divulgação acadêmica e memória das apresentações e falas de Andrea Almeida Torres. Canal do YouTube do GEPEX.dh: https://www.youtube.com/channel/UC6xAoU5muMBVJWV5HsmQcg. Acesso em: out. 2022.


loucura, e em seu programa na rádio Silva, canal de rádio na Unifesp-BS, no programa Direitos Humanos em debate de 2018 e 2019, quando trouxe a discussão da temática: “Saúde mental e direitos humanos nas prisões e manicômios: “retorno” da barbárie?”. Foram muitas as contribuições teóricas dessa mulher, professora, assistente social, sambista, alegre e leve, para o Serviço Social, Direito, Psicologia dentre outras áreas do conhecimento. Que em nós permaneçam a possibilidade de “colocar os óculos críticos” – ensinamento este que ela deu a todos que com ela tiveram as aulas na academia e na vida – para que, a partir dele possamos olhar cada vez mais para os sujeitos numa perspectiva livre, simples e preciosa.

VII. Uma militante intransigente

A trajetória de vida da professora Andrea Torres também foi atravessada pela sua forte e intransigente militância política no âmbito da defesa dos pressupostos e das diretrizes da formação profissional de assistentes sociais na Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e da direção política da profissão, especialmente nos Conselhos Regionais e no Conselho Federal de Serviço Social, órgãos que compõem o conjunto CFESS/CRESS. Na ABEPSS, teve importante atuação junto ao Grupo Temático de Pesquisa – GTP Ética e Direitos Humanos, contribuindo para a elaboração de estudos que dessem conta da inclusão da temática dos direitos humanos nas diretrizes nacionais para a formação profissional de assistentes sociais no Brasil, contribuindo assim para uma formação universalista e que considere a totalidade das expressões da questão social, inclusive no que se refere aos direitos humanos. Com sua participação sempre ativa nos espaços de discussões e de reflexões sobre a profissão, bem como os rumos políticos e administrativos que a categoria devia tomar, contribuiu com a exposição das suas ideias sobre o funcionamento dessas instituições de regulação e regulamentação apontando caminhos que promovessem uma atuação profissional livre das amarras burocráticas e das ações burocratizantes. Trouxe para o interior da categoria, ao lado de outros intelectuais, a discussão sobre o punitivismo e o abolicionismo penal e as lutas acerca do sistema penal-prisional e sua interlocução com o Serviço Social brasileiro. Teve uma relevante atuação na multiplicação de várias etapas do curso Ética em Movimento e participou ativamente


das discussões acerca da ética profissional como membra da Comissão Permanente de Ética, com a qual colaborou como profissional de base até 2017. A convite do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS), como mestranda de Serviço Social e integrando o NEPEDH, participou do curso Ética Profissional, Direitos Humanos e Responsabilidade Social, realizado em Lisboa, em novembro de 2000, com a profa. dra. Lúcia Barroco. Teve sua contribuição reconhecida pelas professoras de Serviço Social Alcina Martins e Maria Rosa Tomé, do Instituto Superior Miguel Torga, de Coimbra, em Portugal:

Ressaltamos os seus contributos significativos para o debate da ética e do projeto ético político no Serviço Social Português. As relações de afetividade que manteve ao longo de anos com colegas portugueses são outras marcas que ficam associadas à alegria que sempre manifestava e às lutas que enfrentou pela sua própria vida e por causas político-profissionais. (ABEPSS, 2019)

Andrea Almeida Torres era uma multidão. Uma potência da multidão, abrigando as mais variadas facetas – de filha à professora, pesquisadora e militante –, sempre comprometida com o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro e o seu posicionamento crítico acerca do trabalho profissional no campo sociojurídico, pela abolição das prisões e a defesa intransigente dos direitos humanos. Tudo isso, diante da premissa de uma vida libertária, tendo a liberdade enquanto princípio fundamental que só se dá em vias da emancipação humana e política pela superação da ordem capitalista. Beija-flor que brada as asas da liberdade, plantando sementes de afeto e crítica por onde passava e depois as colhendo com a delicadeza de quem acredita em um mundo melhor, em outra ordem social. Ela nos deixou não apenas com a saudade que passeia por entre nossas lembranças afetivas através de pequenos detalhes que nos surgem à consciência e automaticamente nos remetem à sua existência tão singular. Muito mais do que isso, Andrea nos deixa seu afeto em legado e aqui mantemos a promessa de não deixar o samba morrer5. Andrea Almeida Torres, presente!

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A canção “Não deixe o samba morrer” foi composta originalmente por Edson Conceição e Aloísio Silva. Gravada pela cantora Alcione em 1975, faixa do seu álbum intitulado A voz do samba. Outros artistas também regravaram essa música.


Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS). Nota de pesar: falecimento da professora e pesquisadora Andréa Almeida Torres. Disponível em: http://www.abepss.org.br/noticias/nota-de-pesar-falecimento-daprofessora-e-pesquisadora-andrea-almeida-torres-332. Acesso em: 12 nov. 2020. CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL-SÃO PAULO (CRESS/SP). Femenagem do CRESS/SP à companheira de luta e de afeto, Andrea Almeida Torres. São Paulo: Conselho Regional de Serviço Social. Disponível em: http://cresssp.org.br/femenagem-do-cresssp-a-companheira-de-luta-e-de-afeto-andrea-almeidatorres/. Acesso em: 10 nov. 2020. PASSETTI, E. (Org). Curso livre de abolicionismo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan Editora, 2004.


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