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BERNARD RANGÉ (Org)

PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA PESQUISA, PRÁTICA, APLICAÇÕES E PROBLEMAS Conseilho editorial Douglas Marcondes Cesar Glauci Estela Sanchez Coordenação editorial Glauci Estela Sanchez

ISBN: 85-87622-26-9 Direitos reservados para a língua portuguesa: EDITORA LIVRO PLENO 2001 Rua Dr. Cândido Gomide, 584 - Jd. Chapadão CEP: 13070-200 - Campinas - SP - Brasil Telefax: (OXX) 19 3243-2275 E-Mail edlivropleno@uol.com.br www.editoralivropleno.com.br Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e vídeo-gráficos. Vedada a memorização e/ou recuperação total ou parcial bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e á sua editoração.


Apresentação A psicoterapia cognitiva vem despontando nos últimos anos como uma das técnicas mais eficazes no tratamento de diversos distúrbios mentais. Com raízes históricas na filosofia grega, essa abordagem foi retomada na década de 60 por Beck, nos seus trabalhos sobre depressão. Os princípios básicos da psicoterapia cognitiva tem também suporte no esquema da Terapia Racional-Emotiva de Ellis, que na década de 50 já afirmava que o conteúdo específico das cognições e/ou crenças do indivíduo influenciam suas emoções e ações. A abordagem comportamental, que se propunha a trabalhar com o esquema S—R (estímulo-resposta), considerando como “caixa-preta” os vetores que pudessem ocorrer entre um e outro, passa a adotar, nas últimas décadas, o esquema S—O— R, levando em conta os processos cognitivos que ocorrerem no indivíduo. Somente nos últimos anos é que surgiu no Brasil um interesse pela abordagem cognitiva. Sabemos da grande influência que a psicanálise sempre teve na formação dos psicoterapeutas no país. Qualquer outra abordagem que fugisse aos cânones da psicanálise era simplemente desconsiderada, ou até mesmo vista de forma hostil e depreciativa. Os terapeutas comportamentais eram vistos como “condicionadores de comportamento”. Com a nova postura de integração dos aspectos cognitivos, essa discriminação contra a terapia comportamental-cognitiva foi abrandada e, finalmente, conseguimos ter no Brasil um livro, assumido por tantos autores de diferentes instituições no país, que busca apresentar essa abordagem de uma forma abrangente. Acompanho a trajetória do organizador deste livro, Professor Bernard Rangé, sempre corajosa e quase solitariamente batalhando pela abordagem comportamental desde a década de 60, quando havia aqui no país a “a caça às bruxas” contra os não-psicanalistas, até recentemente, quando passou a integrar a abordagem cognitiva. Como sua amiga de longa data, fico feliz por vê-lo encontrar essa receptividade no campo “psi”, que lhe permitiu organizar dois livros* sobre este tema, com a contribuição de diversos outros autores. Como psicoterapeuta, especializada em tratamentos integrados de psicoterapia breve com a farmacoterapia, fico satisfeita de poder contar com esse livro que traz subsídios para a integração da técnica ideal de psicoterapia breve com o avanço das técnicas cognitivo-eomportamentais.

Vera Lemgruber Psicóloga e médica psiquiatra, Vice-presidente da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro

* Além deste livro, que a Dra. Vera Lemgruber apresenta, o Professor Bernard Rangé organiza e lança, simultaneamente, Psicoterapia comportanental e cognitiva de transtornos psiquiátricos, também pela Editorial Psy de Campinas. (N. E.).


Introdução A abordagem comportamental em psicologia vem obtendo avanços consideráveis nos últimos anos. De uma aplicação restrita a alguns poucos problemas clínicos ou educacionais manejados por meio de intervenções exclusivamente técnicas calcadas apenas em paradígmas de condicionamento, expandiu-se para ser utilizada com todos os tipos de problemas, psiquiátricos, neuropsicológicos, educacionais, ecológicos, médicos, profissionais etc., com as mais variadas populações, por meio de um sistema que reúne, organicamente, um modelo próprio de compreensão dos fenômenos comportamentais, um conjunto considerável de técnicas e estratégias de interação, atualmente baseadas em muitos paradigmas, inclusive cognitivos, oriundos da psicologia experimental, da psicologia social e das ciências cognitivas. Apenas uma característica não mudou: a adesão comprometida a uma fundamentação científica e experimental rigorosa. A fundação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) permitiu que fosse conhecida toda a riqueza do trabalho na área comportamental no Brasil. Há pesquisadores e especialistas trabalhando em todos os campos imagináveis. cuja contribuição deixa de ser conhecida pelas peculiaridades da psicologia brasileïra, que tem segregado aquelas atividades que escapam ao pensamento dominante. A pequena difusão deste conhecimento, muito significativo para o avanço da psicologia no Brasil e para a população brasileira é, no mínimo, um desperdício. Este livro foi concebido como um instrumento para revelar, àqueles que se dedicam a este campo, o que tem sido pesquisado na área comportamental brasileira e como um suporte para o aprendizado de iniciantes que se interessem por este tipo de trabalho. Presta-se também para difundir, entre professores, cientistas e profissionais não identificados com este tipo de trabalho, uma informação direta, isenta dos costumeiros preconceitos. Procurei, como organizador, abranger a maior área possível de conhecimento sobre as abordagens comportamental e cognitiva. Infelizmente, muitos trabalhos de autores relevantes não puderam estar aqui apresentados. Limites de espaço e custos impuseram também um certo grau de seleção dos tópicos. Decidi, previamente, que este livro contaria apenas com colaboradores brasileiros e que, ao contrário do anterior, a participação de autores estrangeiros se daria apenas em termos de co-autoria, para que se pudesse ter uma idéia da qualidade internacional de nossa produção. É pena, entretanto, que as limitações de pesquisa e difusão desta área do conhecimento impliquem que a maioria das referências ainda sejam de autores estrangeiros. Espero que ele também contribua para mudar, um dia, este panorama. Imaginei oferecer uma idéia dos fundamentos da abordagem comportamental e cognitiva na Parte 1. Considerei que a Parte 2 poderia demonstrar como as psicoterapias comportamental e cognitiva lidam com diferentes populações. A Parte 3 dedica-se a variantes da prática comportamental e cognitiva em diversos contextos de aplicação. Finalmente, considerei necessário que a Parte 4 debatesse alguns problemas envolvidos na transmissão deste conhecimento.


Agradeço aos colaboradores que esmeram-se em contribuir com capítulos da maior qualidade. Não posso deixar de destacar um agradecimento especial a meus pacientes que, provavelmente, sem se dar conta, são fonte permanente, desafios, aprendizado, humildade e muitas alegrias. Orgulho-me de pertencer à Universidade Federal do Rio de Janeiro que oferece condições de reflexão e interação estimulante. O grau de respeito e amizade de meus colegas docentes é incomum e difícil de ser encontrado; o alto nível dos alunos permite comentários valiosos. Quero destacar especialmente a ajuda e a colaboração de Aline Braz de Lima, Aline Maria Bernardo Sucupira, Conceição Reis de Souza, Cristina Fortes Mendes de Oliveira, Djenane Brasil da Conceição, Lisianne Ferreira Rodrigues, Monica Portelia e Natália von Pozer. O incentivo e a confiança inestimáveis de meus grandes amigos e competentes colegas, Dra. Vera Lemgruber e Dr. Jorge Elias Salomão, em muito contribuíram para esta realização. Rogério Gracie superou-se na digitação de grande parte dos textos, cumprindo prazos a custa de apenas grande determinação em conseguir cumpri-los. Agradeço a minha família, bem como a meus pais, o respeito (quase silencioso) que esta tarefa exigiu. Não posso deixar de agradecer também ao admirável esforço e à competência de Lucélia Caravieri Temple, minha revisora predileta entre tudo o que eu publiquei até hoje.

Bernard Rangé Rio de Janeiro, junho de 1995.


Sumário

PARTE 1 INTRODUÇÃO À PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA 1. Análise experimental do comportamento – 10 (15) Ana Cristina Barros da Cunha (UFRJ)

2. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical – 25 (27) Maria Amélia Matos (USP)

3. Psicoterapia comporiamental – 36 (35) Bernard Rangé (UFRJ)

4. História da psicoterapia comportamental – 47 (43) Adriana B. Barcellos e Verônica Bender Haydu (UEL)

5. História da psicoterapia comportamental e cognitiva no Brasil – 65 (55) Bernard Rangé (UFRJ) e Hélio Guillardi (PUCCAMP)

6. Panorama da psicoterapia comportamental no Brasil – 85 (71) Bernard Rangé (UFRJ), Ana Paula Abreu e Lisianne Ferreira Rodrigues

7. Terapia racional-emotivo-comportamental – 96 (79) Luiz Fernando de Lara Campos (USF)

8. Psicoterapia cognitiva – 113 (89) Bernard Rangé (UFRJ)


9. Ética e psicologia comportamental – 139 (109) Marilda Novaes Lipp (PUCCAMP)

PARTE 2 PESQUISA E PRÁTICA NA PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA APLICADA A DIVERSAS POPULAÇÕES 10. Educaç5o precoce para bebês de risco – 154 (121) Leila Regina D’Oliveira de Paula Nunes (UERJ)

11. Intervenção clínica e comportamenral com crianças – 172 (133) Maria Edwiges Ferreira Matos Silvares (USP/SP)

12. Adolescentes e terapia comportamental – 185 (143) Roberto Alves Banaco (PUC/SP)

13. ldosos – 193 (149) Monique Bertrand Cavalcanti (USU)

14. Grupos – 207 (159) Eliane Mary de Oliveira Falcone (UERJ)

15. Casais – 224 (171) Bernard Rangé (UFRJ) e Frank M. Dattilio (Univ. Pennsylvania)

16. Portadores de deficiências e distúrbios de aprendizagem – 258 (193) Rosana Glat (UERJ)


PARTE 3 VARIANTES NA PRÁTICA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA 17. Medicina comportamental – 279 (209) Raquel Rodrigues Kerbauy (USP/SP)

18. Neuropsicologia comportamental – 295 (221) Harald W. Lettner

19. Instituições de saúde – 316 (235) Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazaki e Vera Lucia Adami Raposo do Amaral (PUCCAMP)

20. Instituições escolares – 332 (245) Sérgio Antônio da Silva Leite (UNICAMP)

21. Instituições de trabalho – 348 (257) Maly Delitti e Priscila Derdyk (PVC/SP)

22. Psicologia e odontologia – 356 (263) Liliana Seger Jacob (UNIP/SP)

23. Enfermarias psiquiátricas – 371 (273) Paola Esposito de Morais Almeida (DAY-CARE), Rita de Cassia Duarte Neves Braun (DAY-CARE) e Silvana Xavier de Mendonça (l-IC/FMUSP)

24. Manejo de estresse – 379 (279) Marilda Novaes Lipp (PUCCAMP) e Lúcia Novaes Malagris (UERJ)

25. Psiquiatria e psicofarmacologia – 401 (293) Francisco Lotufo Neto e Luiz Armando de Araújo (HC/FMUSP)


26. Psicobiologia da ansiedade – 412 (301) Antônio Pedro de Melio Cruz (UNESP), H. Zangrossi ir. e Frederico G. Graeff (USP/RP)

27. Análise experimental do comportamento na posição sentada: ergonomia do mobiliário escolar – 428 (313) Francisco de Paula Nunes Sobrinho (UFRJ-COPPE), Aluísio Otávio Vargas Ávila (UFSM), Antonio Renato Pereira Moro (UFSM) e Orion da Silva Mello (UFSM)

28. Separação conjugal: sua influência familiar e o trabalho com grupos de apoio – 441 (323) Carmen Garcia de Almeida Moraes (UEL)

PARTE 4 ENSINO, TREINAMENTO E FORMAÇÃO 29. Ensino treinamento e formação comportamental e cognitiva – 448 (331)

em

psicoterapia

Bernard Rangé (UFRJ), Hélio Guillardi (PUCCAMP), Rachei R. Kerbauy (USP/SP), Yara K. Ingberman (UFPR) e Eliane M. O. Falcone (UERJ)

30. Psicoterapia pessoal na psicoterapia comportamental – 478 (353) Vera Regina Lignelli Otero (Clínica Ortec — Psicologia e PedagogialRP)

31. Supervisão em terapia cognitivo-comportamental – 482 (357) Luiz Fernando de Lara Campos (USF)

Sobre os autores – 495 (365)


PARTE 1 INTRODUÇÃO À PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA 1 Análise experimental do comportamento Ana Cristina Barros da Cunha O homem deve abraçar a Justiça e marchar destemidarnente, tornando-se, assim sustentáculo da comunidade, huluarre contra o PnaI social e construtor de uma sociedade sadia..’ Meishu-Sama A preocupação com o papel tio homem, como responsável pela construção da sociedade, remonta de longa data. A sociedade, em qualquer época ou contexto, busca explicações para compreender a existência de comportamentos que influenciam, positiva ou negativamente, a estrutura social. Estes comportamentos socialmente importantes. tais como crimes, toxicornanias etc.. podem ser investigados e analisados, com a finalidade de elaborar planos de atuação, que proporcionem mudanças de comportamentos, com o objelivo de promover o desenvolvimento da sociedade.

A análise aplicada do comportamento: sua origem e definição Por que as pessoas agem desta ou daquela forma em circunstâncias semelhantes? Por que alguns indivíduos têm comportamentos sociaimenle mais aceitos, enquanto outros se comportam alheios à sociedade? O que faz com que as pessoas mantenham, aumentem ou mudem suas formas de atuar numa determinada situação? Ou ainda, o que determina as formas de se comportar de um sujeito num âmbito social ou psicológico? Essas são algumas das perguntas que fazemos ao estudar o complexo comportamento humano. Muitos fatores contribuem para a compreensão dos mecanismos que produzem as diversas formas de apresentação de um dado comporlamenlo. Uma vez que conhecemos como as pessoas se comportam sob certas condições, podemos decidir em promover ou evitar tais condições (Alberto e Troutman, 1982). Porém, para mudar o comportamento humano devemos, primeiramente. conhecer a dinâmica deste comportamento, isto é, identificar, definir


e analisar o comportamento, assim como as condições em que ele ocorre e suas respectivas consequências num contexto específico. Esta forma de compreender e predizer o comporlamento é chamada Análise Aplicada do Comportamento (Alberto e Troutrnan, 1982). O conceito de Análise Aplicada do Comportamenlo, também concebido como Modificação de Comportamento, teve origem a partir dos trabalhos sobre condicionamento operante em animais, realizados em laboratórios por B. F. Skinner, nas décadas de 30 a 60. Posteriorinente, estes estudos acerca dos procedimentos de modificação do comportamento ampliaram-se para o estudo do comportamento humano em diversas áreas, tais como a Educação, o Desenvolvimento Infantil, o Aconselhamento e a Psicoterapia e com indivíduos com diferentes características: normais, retardados, crianças e adultos psicóticos, delinqüentes juvenis etc. (Reese, 1966), A Análise Aplicada do Comportamento é definida por Baer, Wolf e Risley (1968) como “a ciência que desenvolve técnicas práticas para produzir mudanças em comportamentos socialmente significativos”. Estes autores, em estudo sobre as dimensões do conceito de análise aplicada do comportamento, a definem analisando seus termos isoladamente, O conceito de análise diz respeito a demonstração confiável de eventos. que podem ser responsáveis pela ocorrência ou não do comportamento. Pelo conceito aplicada, entende-se a importância que o comportamento representa para o indivíduo ou para a sociedade. Por fim, o termo A Análise Aplicada do Comportamento — Evidencia-se pelo comportamento observável e mensurável, definido de maneira clara e precisa, que será o objeto de estudo do procedimento. No entanto, segundo estes autores a análise aplicada do comporlamento deve englobar idéias como tecnológico, sistemas conceituais, utilidade e generalidade para ampliar a compreensão do conceito. Em resumo, “uma análise aplicada do comportaniento enfocará obviamente a importância da mudança do comportamento, suas características quantitativas, a manipulação experimental que analisa com clareza o que foi responsável pela mudança, a exata descrição tecnológica de todos os procedimentos que contribuem para a mudança, a utilidade destes procedimentos para fazer mudanças de valor e a generalidade daquela mudança” (Eaer et aL. 1968). Na verdade, ela é um processo de aplicação de princípios do comportamento para o aperfeiçoamento de comportamentos específicos, que ao mesmo tempo verifica se estas mudanças ocorridas são decorrentes, ou não, da aplicação destes princípios, possibilitando procedimentos de investigação rigorosos que servirão para um estudo aprofundado do comportamento.

Elaborando uma definição de comportamento A análise aplicada do comportamento é a tentativa de, a partir (de verificação experimental, estabelecer leis gerais que regulem a ocorrência de comportamentos. Mas o que é o comportamento? Entende-se por comporrainento qualquer ação do individuo que pode ser observada por outra pessoa (Reese. 1966; Glat. 1984). Assim sendo, a descrição científica de um comportamento começa pela observação do próprio comportamento; ele deve ser definido de forma operacional, isto é, deve ser descrito cientificamente em termos observáveis e mensuráveis. Depois da identificação do comportamento, pode-se, então, definir as variáveis que se


relacionam com um comportamento específico. Estabelecendo as relações entre o comportamento e as variáveis que o afetam, podemos predizer e controlar a ocorrência de um comportamento e, conseqüentemente, favorecer a modificação deste comportamento. Antes, porém, de tentar modificar um comportamento devemos conhecer que comportamento é esse a ser modificado (Iluti e Hutt. 1 Q74). Assim, para utilizar de forma procedente as técnicas da modificação do comportamento faz-se necessário uma definição do comportamento que permita a observação clara e precisa por outro observador, a fim de confirmar a definição e as medidas do comportamento em questão (fidedignidade). Para tanto. existem métodos de observação direta de comportamentos que possibilitam uma avaliação fidedigna das fases que compõem uma análise aplicada do comportamento; a fase de unha de base (antes da aplicação das técnicas de modificação do comportamento), a fase da intervenção (o tratamento propriamente dito) e a fase de acompanhamento — folow up (depois da aplicação dos procedimentos de tratamento). A partir de uma observação e registro precisos do comportamento, podemos identificar as condições (antecedentes e conseqüentes) em que ele ocorre e, por conseguinte manipular as variáveis necessárias para modificar (aumentar, diminuir ou extinguir) a probabilidade de ocorrência de uma resposta. Os métodos mais utilizados para observação e registro de comportamentos estão descritos no quadro a seguir.

Tipo de registro

Descrição

Exemplo

Registro frequência evento

de ou

Contar o número de vezes ou a freqüéncia em que o comportamento ocorre. O comportamento é registra- do quando ocorre,

Contar o número de vezes que o cliente acende um cigarro; ou o número de vezes que um aluno pede para ir ao banheiro.

Registro resultados ocorrência

de ou

Observar o resuilado do comportamento (e não o comporlamento em si). O comportamento é registrado depois que ocorreu.

Indicar quantos cigarros o cliente fumou na sessão; ou se o aluno pediu para ir ao banheiro na aula.

Registrar se o comportamento ocor- reu ou não num período de tempo (intervalo curto) da observação.

Observar se o cliente acendeu cigarro em 5 intervalos de lO mm. de uma sessão de 50 mm. de duração; ou se o aluno pediu para ir ao banheiro nos 6 intervalos de 10 mm. durante uma aula de 1 hora.

Registrar se o comportamenlo ocor- reu ou não ao final de um segmento de tempo (maior de o intervalo aci- ma). O comportamento só é observado ao final do intervalo.

De 10cm 10 mm., o professor observa por 2 mm. se o aluno conversa com colegas.

Registro por amostragem de tempo

A escolha do método mais adequado dependerá do tipo de comportamento a ser observado, assim como de recursos disponiveis (número de observadores e


materiais de registro, tais como videoteipe, audioteipe etc.). do número de sujeitos a ser observado, do tempo de ohservação, entre outros. Para facilitar a análise destes comportamentos, podemos utilizar gráficos que possibilitem uma visualização dos resultados das observações em termos da freqüência e variação dos dados obtidos, com o objetivo de descobrir relações funcionais entre mudanças no ambiente e comportamentos socialmente importantes (Glat, 1984). Na análise aplicada do comportamento á fundamental a observação e registro de comportamentos, a fim de se estabelecer o critério do que está se observando. em critério de se o cliente está ansioso durante a sessão pode ser: se ele sua as mãos, se mexe constantemente na cadeira ou ambos. O que importa é ter a definição clara do que está sendo observado, com o objetivo assegurar o sucesso da modificação do comportamento. Diante disso, devemos ter cuidado ao descrever o comportamento com termos que conduzem a interpretações diversas, isto equivale dizer que uma interpretação não pode ser confundida com a descrição do comportarnento. É importante saber com exatidão o que o indivíduo faz na situação a ser analisada. Uso, por exemplo, de adjetivos cuja interpretação é subjetiva não cabe numa descrição do comportamento (Danna o Malos, 1986). Um indivíduo tímido pode ser aquele que não em habilidades sociais de conversação ou não responde às solicitações de um professor em sala de aula. No entanto, este comportamento de não responder ao professor pode também ser rotulado, por um outro observador, como “agressivo”. Assim, se pretendemos entender a que um observador se refere quando chama um individuo de tímido, devemos descrever exatamente o que o sujeito faz na situação de análise. Identificando os princípios básicos. Na análise aplicada do comportamento existem duas classes de comportamentos: o respondente e o operante. O comportamento respondente, entendido também como reflexo, é geralmente involuntário e engloba a ação de componentes físicos do corpo, como glândulas ou músculos. A salivação, o reflexo palmar, os batimentos cardíacos são exemplos de comportamentos respondentes. O cornporlanwnto operante é voluntário e engloba a ação de músculos que estão sob controle espontâneo do indivíduo. Ações como comer, falar, andar, dançar são ilustrações de comportamentos operantes. Não obstante suas especificidades, os comportamentos respondentes e operantes são controlados por eventos (estímulos) do ambiente em que o indivíduo está inserido. Contudo, as relações entre as variáveis do ambiente (estfmulos) e os comportamentos apresentados (respostas) são diferentes. Enquanto o comportamento respondente é sempre controlado pelos estímulos antecedentes à sua apresentação (um estímulo antecedente cheia ou detiagra a resposta), os comportamentos operantes são emitidos espontaneamente e controlados pelos eventos que ocorrem após a sua apresentação (um estímulo contingente é responsável pela manutenção da resposta). No entanto, não significa que um comportamento operante é causado pelos estímulos que o seguem, mas sim que a sua emissão, isto é, a sua probabilidade de ocorrência, dependerá das conseqüências que ele tiver para o sujeito e para o ambiente.


Comportamento respondente: condicionamento clássico

os

princípios

do

Quando saímos de um cinema para um local iluminado, a contração da pupila é automática: não há controle deste movimento, que ocorre inevitavelmente cada vez que o olho estiver em contato com claridade. Este é um exemplo de comportamento respondente. Neste modelo de comportamento, uma resposta específica é produzida por um estímulo de acordo com a estrutura hereditária do organismo, e não por conta da experiência prévia que o organismo tenha do estimulo (Glat, 1984). Estes estímulos que eliciam respostas sem necessidade de aprendizagem ou condicionamento são chamados estimidos incondicionados. Um estimulo incondicionado é aquele que causa uma mesma resposta em todos os organismos de uma mesma espécie, independente da existência ou não de aprendizagem anterior. Isto equivale a dizer que um comportamento respondente é inato: ele é exibido na primeira vez que o estimulo incondicionado é apresentado e continua sendo exibido durante toda a vida do indivíduo. Por exemplo, o movimento de suspender a perna (reflexo patelar) devido a uma batida no joelho de uma criança é o mesmo que o de um adulto. Algumas vezes, estímulos que originalmente são neutros, ou seja, não têm capacidade de efetuar respostas específicas, podem passar a produzir reflexos. E o que vemos quando um estímulo neutro é freqüentemente apresentado emparelhado (simultâneo ou pouco tempo antes) com um estímulo incondicionado. Desta forma, o estímulo anteriormente neutro passa a ser um estimulo condicionado, com o poder de evocar a mesma resposta que antes era produzida somente pelo estímulo incondicionado: é o que denominamos Condicionamento Clássico ou Respondente. Glat (1984) ilustra bem este tipo de processo com o exemplo clássico do condicionamento da salivação: quando um bebê nasce, apenas a comida em sua boca é capaz de produzir salivação; no entanto, no decorrer do desenvolvimenro do indivíduo, ver e sentir o cheiro da comida passam também a produzir salivação, “porque estes estímulos, regularmente, precedem e acompanham o estímulo incondicionado original: comida na boca. Essa é a origem da expressão popular ficar com água na boca’ de olhar ou sentir o cheiro da comida” (p. 79). Após a aquisição de uma resposta, se um estímulo condicionado não for mais apresentando junto como estímulo incondicionado, ele deixará de produzir a resposta condicionada. Quando isto ocorre, o sujeito volta ao estado anterior de condicionamento e a resposta condicionada é enfraquecida, ocorrendo, então, uma Extinção. Pode-se também observar que algumas respostas se extinguem de forma mais rápida, enquanto outras demoram mais para desaparecer; essa característica é chamada resistência à extinção. No entanto, esta extinção pode ser temporária e após algum tempo a resposta condicionada reaparecer; este evento é conhecido como recuperação espontânea. Porém, se o mesmo estímulo condicionado for reexibido após sucessivos períodos de extinção, a recuperação deixa de ocorrer e a resposta condicionada se extingue por completo. Ainda com relação ao processo de condicionamento, é possível dizer que, quando se estabelece um condicionamento, o estímulo condicionado pode ser utilizado como um estímulo incondicionado na instalação de uma resposta condicionada a um terceiro estímulo: é o condicionamento de ordem superior. que é decorrente de um condicionamento original.


Comportamento operante: condicionamento instrumental

os

pressupostos

do

O comportamento operante foi primeiramente investigado por Skinner na elaboração da famosa Caixa de Skinner. Neste experimento, um rato, em estado de privação numa caixa com uma alavanca acionadora de alimento, aprende a exibir uma resposta condicionada, controlada pelas suas conseqüências (o alimento). Este é um exemplo de comportamento operante. Com relação ao comportamento operante, sua freqüência dependerá dos eventos que o seguem, isto é, das conseqüências que aumentam (Reforço) ou que diminuem (Punição) a probabilidade de ocorrência de um comportamento operante. É importante ressaltar que a apresentação de um comportamento respondente depende diretamente da ocorrência de um estímulo eliciador, ou seja, ele raramente ocorre na ausência do estímulo que elicia sua resposta. Assim sendo, a freqüência e a intensidade de um comportamento respondente será diretamente proporciona à freqüência e intensidade do estímulo responsável pela sua evocação. Diferentemente do comportamento operante, a freqüência do respondente não é afetada pelas conseqüências que os acompanham. Uma pessoa que pisa num caco de vidro terá o reflexo de flexão da perna, ainda que este movimento não faça o caco de vidro sair do pé. Autores apontam que a distinção entre comportamento respondente e operante nem sempre é clara (Glat. 1984; Alencar, 1986). Um comportamento pode primeiramente ser produzido por um estímulo antecedente (condicionamento respondente) e também ser controlado pelas suas conseqüências (condicionamento operante). Nós ficamos com “água na boca” ao ver uma deliciosa guloseima e somos reforçados a comê-la toda vez que a vemos. Quando uma resposta é condicionada, outros estímulos, semelhantes ao estímulo condicionador anterior, são capazes de eliciar esta resposta. É o que chamamos de Generalização de Estímulos, A generalização dependerá diretamente da semelhança entre o estímulo original e o novo estímulo. Podemos considerar que, a partir dessa idéia de generalização, o condicionamento não ocorre a um estímulo particular específico, mas sim a uma classe de estímulos. um fenômeno semelhante é o da Generalização de Resposta, em que o sujeito é condicionado a apresentar uma determinada resposta na presença de um determinado estímulo (estímulo condicionado); no entanto, se este estímulo é apresentado e o sujeilo é impedido de apresentar esta resposta, apresentará uma resposta semelhante na presença deste estímulo, o que significa que ele passou a generalizar uma resposta ou uma classe de respostas. Outra questão na definição destas duas classes de comportamento é o fato de que o comportamento operante também pode ser controlado por estímulos antecedentes; uma vez que uma resposta é sempre reforçada na presença de um determinado estimulo, este estímulo passará a aumentar a ocorrência desta resposta. O estímilo antecedente que controla um comportamento operante é chamado Estímulo Discriminativo, O indivíduo aprende a discriminar quais comportamentos serão reforçados mediante um dado estímulo. A discriminação diz respeito ao controle que os estímulos exercem sobre o repertório de respostas de um indivíduo, Na verdade, este é o ponto-chave da análise aplicada do comportamento, pois por meio da análise dos antecedentes, comportamentos e conseqüências, que formam a base do modelo da aprendizagem comportamental, é


que um analista do comportamento poderá prever, controlar e modificar um comportamento. Pelo processo de generalização, um indivíduo responde a uma variedade de estímulos semelhantes ao estímulo original. No entanto. o processo de discriminação de estímulos é complementar, pois o sujeito inibe ou clieia uma resposta a uma classe de estímulos, semelhante àquela associada com o estímulo incondicionado. Para que a discriminação ocorra deve-se ter exposição a mais de um estímulo, sendo apenas um deles seguido de reforço. Depois de algumas tentativas, a resposta condicionada passará a acontecer apenas na presença do estímulo que é seguido de reforço, não ocorrendo na presença dos demais estímulos. Quando um indivíduo é reforçado toda vez que ele discrimina corretamente um estímulo, ele aprende a dar aquela resposta toda vez que aquele estímulo for apresentado, por exemplo, uma resposta de medo de altura será evocada toda vez que o sujeito identificar qualquer evidência de altura. Assim, um analista do comportamento, baseado na identificação das condições específicas de estímulos, poderá desenvolver um tratamento (para o medo de altura, por exemplo) pelo controle sistemático dos estímulos que antecedem e que vêm depois da resposta do cliente. Na análise das particularidades do comportamento operante e do comportamento respondente. Alencar (1986) aponta quatro diferenças quando compara os procedimentos do condicionamento clássico e comportamental (ou operante). Uma primeira diferença reside na análise do papel do reforço. Enquanto no condicionamento clássico, o termo reforço e estímulo incondicionado são sinônimos, no condicionamento instrumental os dois termos não o são, ou seja, no condicionamento operante não sabemos qual estímulo eliciou a resposta operante, mas sim que esta resposta é fortalecida se a reforçamos. Outra diferença reside no comportamento do sujeito no momento da aquisição da resposta. No condicionamento operante, a apresentação do reforço é relacionada à emissão, ou não, da resposta to reforço — conseqüência — é contingente à resposta, enquanto no condicionamento clássico, o reforço (estímulo incondicionado) independe do comportamento emïtido pelo individuo. A terceira diferença diz respeito à relação entre resposta condicionada e o estímulo reforçador: no condicionamento operante; a escolha da resposta condicionada não tem haver com o reforço, ao passo que, no condicionamento respondente o tido de resposta condicionada (salivação, por exemplo) é determinada pelo estímulo incondicionado (alimento). Por fim, a quarta diferença apresentada por Alencar se refere aos diversos tipos de resposta que podem ser evocadas pelas técnicas de condicionamento. Pelo condicionamento clássico, os comportamentos mais facilmente manipulados, as respostas eliciadas por estímulos melhor identificáveis (comportamentos que obedecem às leis do reflexo, tais como salivação, batimentos cardiacos etc.). No condicionarnenlo operante, as respostas mais facilmente condicionáveis são aquelas para as quais não se faz possível a identificação de um estímulo anterior, que produza o comportamento, mas sim suas consequências no ambiente.

Como as conseqüências controlam o comportamento O ser humano tem uma grande propensão a apresentar comportamentos que tenham conseqüências positivas e a evitar comportamentos que tenham conseqüências negativas, por isso, para modificar um comportamento de forma eficaz, é necessário atentar para a manipulação das conseqüências. Este é um principio básico do condicionamento operante: o comportamento é controlado pelas


suas conseqüências. Uma das características mais importante das conseqüências, que influencïa diretamente na modificação do comportamento, é a contingência. Para que uma consequência tenha o poder de modificar um comportamenlo, deve ser contingente a ocorréncia do comportamento, isto é, somente ser apresentada após o comportamento ser emitido. Quando uma conseqüência não é contingente a um comportamento, significa que ela é apresentada independente do que o indivíduo esteja fazendo. Geralmente, a apresentação não contingente da consequência não resulta em nenhuma mudança sistemática de comportamento (Kazdin, 1975). Na análise aplicada do comportamento pode-se identificar duas classes de conseqüências, dependendo do efeito que terá no comportamento. As conseqüências que aumentam a freqüência ou probabilidade de um comportamento ocorrer são chamadas de reforço. enquanto as conseqüências que diminuem a freqüência de um comportamento são chamadas tecnicamente de punição O procedimenlo que utiliza o reforço é chamado de reforçamento, envolve o aumento da ocorrência de unia resposta, quando esta é imediatamente seguida de certas conseqüências. Entendemos conseqüências como eventos contingentes que aumentam a freqüência do comportamento, que são chamadas reforço. Pode-se identificar dois tipos de eventos que aumentam a freqüência de comportamentos: o reforço positivo e o reforço negativo. 1. Reforçamento positivo O “reforçamento posilivo se refere a um aumento na freqüência de uma resposta, que é seguida por um evento favorável (reforço positivo)” (Kazdin, 1975), Os eventos positivos ou favoráveis podem ser entendidos como recompensas; contudo, Kazdin (1975) lembra que é conveniente distinguir o termo reforço positivo de recompensas. Somente se um evento contingente ao comaportamenlo aumentar sua freqüência é então considerado um reforço posilivo. O reforço positivo é definido pelo resultado que produz no comportamento. Algumas vezes, uma recompensa não tem a mesma função de um reforço porque, mesmo sendo apresentada, não é suficiente para aumentar a freqüência de uma resposta. Por exemplo, quando uma empresa entrega prêmios para seus funcionários com o objetivo de aumentar sua produção (recompensa) pode não exercer influencia alguma no comportamento dos ftincionários, como pode, de fato, aumentar sua produção. No último caso, pode-se dizer que a recompensa funcionou como um reforço positivo. De forma ampla, podese pensar que todo e qualquer evento que aumente a freqüência de um comportamento é considerado um reforço positivo. Conludo, o reforçamento é um “fenómeno essencialmente individual” (Glat, 1984). Um evento pode ser visto como positivo e atuar como um reforço para uma determinada pessoa, enquanto para outra não. Existem dois tipos de reforço: o reforço primário ou incondicionado e o reforço secundário ou condicionado. O reforço primário é aquele que não depende de uma aprendizagem anterior para ser considerado pelo individuo como um estimulo reforçador, são geralmente utilizados para satisfazer necessidades básicas do indivfduo, tais como água, comida, sexo etc. Já, os secundários são aqueles que passaram a ser reforçadores por associações prévias com um reforço já estabelecido, cai que o indivíduo aprendeu a reconhecer aquele evento como reforçador quando antes eram neutros, ou seja, não tinham propriedades reforçadoras para o individuo e só passaram a ser interpretados como reforçadores depois do emparelhamento com um reforço já reconhecido. A presença da


mamadeira para um bebê não tem significado nenhum (estimulo neutro), mas logo passa a ser um reforço condicionado quando apresentado junto como leite (reforço primário). Existem, ainda, os reforços sociais, que indicam aspectos reforçadores das interações sociais. Eventos como elogios, atenção, aprovação, reconhecimento são condicionados no desempenho do papel social e por isso são considerados reforços. Outros eventos que funcionem como reforços condicionados podem ser associados a inúmeros outros reforços, passando a ser conhecidos como reforço condicionado generalizado. O dinheiro á um bom exemplo de reforço que se apresenta acompanhado de muitos reforços, tais como reconhecimento, património etc. Esse tipo de reforço tem uma característica singular que é a de anular os efeitos da saciação. Estudos com adolescentes delinquentes utilizam esse tipo de reforço num método chamado economia de fichas (token). Esta técnica obteve bom resultado no manejo de problemas de comportamentos neste tipo de população. O jovem recebe uma ficha a cada apresentação de um comportamento desejável, a qual mais tarde é trocada por um reforço que ele escolher (Kerr e Nelson, 1983). Existem fatores que determinam o quanto um reforço é eficaz para modificar um comportamento, a saber: a contingência. a rapidez, a quantidade e a priivação. Por contingência já discorremos anteriormente, ela é um fator muito importante, pois quando o reforço é apresentado antes e não após o sujeito emitir o comportamento, ele não aprenderá que é necessário emitir tal resposta para adquirir tal reforço e, então, diminuirá a probabilidade de aumentar a freqüência desta resposta. A rapidez é outro fator que determina a eficácia do reforço. Nesta característica, presume-se que quanto mais rápido for a apresentação do reforço maior será a probabilidade de ele aumentar a freqüência da resposta, ou seja, exercer sua função eficazmente. A quantidade de apresentações de um reforço também deve ser suficiente para satisfazer o individuo, a fim de que ele aumente o seu número de respostas. Finalmente, a privação diz respeito à quantidade de tempo que passou desde a última vez que o sujeito recebeu o reforço. Quando um casal de namorados trocam constantemente presentes, o reforço de receber um presente no Dia dos Namorados perde sua eficácia, pois eles já estão saciados. Esses quatro fatores são relevantes para o sucesso ou fracasso de uma análise aplicada do comportamento. Com relação a esta afirmação, Glat (1984) afirma o seguinte: se um professor não der um reforço contingente e imediatamente após o aluno ter emitido o comportamento desejado, ou se ele der pouco retorço de cada vez, ou der um reforço do qual. É necessário atentar para a responsabilidade da pessoa que está utilizando um reforçamento na intenção de modificar comportamentos, pois os reforços não podem ser incompatíveis com o comportamento desejado e nem infringir regras sociais. 2. Reforçamento negativo Entende-se por reforçamento negativo aquele que “se refere a um aumento na freqüência de uma resposta pela retirada de um evento aversivo imediatamente após a reposta ser emitida. A retirada do evento aversivo ou do reforço negativo é contingente na ocorrência da resposta” (Kazdin, 1975). Um estímulo é considerado reforço negativo quando tem a possibilidade de eliciar comportamentos que evitem ou terminem com eventos aversivos - Sentir fome é um fato desagradável, assim quando sentimos fome compramos comida (comportamento) para terminar com um


evento aversivo (a fome); conseqüentemente somos reforçados a repetir este comportamento toda vez que sentimos fome — reforçamento negativo. Assim como o reforço positivo, o reforço negativo é usado também para aumentar a probabilidade de ocorrência de uma resposta que tenha o poder de extinguir ou afastar um evento aversivo. Glat explica que o uso do termo negativo se refere ao tipo de estímulo que cheia a resposta (fome, por exemplo) e não ao efeito no comportamento. No caso de uma criança que faz birra, chora e grita quando quer alguma coisa na rua, por exemplo, o comportamento da criança constituirá um evento aversivo para os pais que tenderão a atender a criança para que ela pare de gritar. Assim, a probabilidade de ocorrência deste comportamento dos pais (atender a criança) aumentará proporcional ao aumento do número de episódios de birra do filho. O reforçamento negativo ocorre em duas situações: por fuga (escape) e por evitação (avoidance). No primeiro, o sujeito termina com o reforço negativo escapando do estimulo aversivo, ou seja, ele emite um comportamento que permite a ele terminar com o evento aversivo (tomar um drinque para não se sentir ansioso). Na outra situação, o sujeito emite uma resposta que é negativamente reforçada pela não ocorrência do evento aversivo, ou seja, ele evita a ocorrência do evento aversivo emitindo um determinado comportamento (não ir a um encontro para não se sentir ansioso). O reforço negativo é comumente confundido com punição, entretanto, o uso do termo negativo diz respeito ao tipo de estímulo utilizado, não ao efeito no comportamento. Um reforço só é considerado negativo se tem como função aumentar a frequência de um comportamento (que termine ou evite um evento aversivo); ao contrário, a punição é utilizada para diminuir a freqüência de um comportamento. Uma diferença básica é que no reforçamento negativo um estimulo aversivo é retirado após a emissão da resposta, enquanto na punição o estímulo aversivo é apresentado para diminuir uma resposta. 3. Punição Por punição entende-se “a apresentação de um evento aversivo ou a retirada de um evento positivo imediaiarnente após uma resposta que diminui a freqüência desta resposta” (Kaz.din, 1975). A punição, tal como o reforço positivo e negativo, é delinida pelo efeito que tem no comportamento e pela sua apresentação contingente e, conseqüente, diminuição da freqüência deste comportamento. Na nossa rotina diária encontramos inúmeros exemplos de puniçâo. As penalidades aplicadas a determinadas infrações, de trânsito, por exemp]o, são ilustrações Cotidianas deste tipo de evento. No entanto, algumas vezes, a punição não consegue cumprir sua função, qual seja: diminuir ou terminar com determinado comportamento. No trânsito, as penalidades que um motorista sofre ao infringir uma regra por vezes não são suficientes para evitar ou diminuir a ocorrência de uma ultrapassagem em alta velocidade ou um atropelamento. A punição pode ser apresentada de duas maneiras: por um estímulo aversivo, contingente ou pela remoção de um evento positivo. Quando um bebê coloca o dedinho numa tomada e leva um choque é um exemplo clássico que ilustra o primeiro caso. No segundo caso, podemos citar quando os pais dizem aos filhos que não ganharão o presente de Natal se não passarem nos exames escolares finais, O quadro abaixo resume a função controladora das conseqüências que deve ser investigada numa análise aplicada do comportamento:


Esquemas de reforçamento, tipos e função Uma modificação do comportamento pressupõe o controle de regras, implícitas e explícitas, que definem uma ordenação da aplicação do reforço e da punição (Glat, 1984). Estas regras determinam a relação entre o aparecimento do comportamento e suas respectivas conseqüências. Estas relações são chamadas contingências, que têm a função de estabelecer as condições nas quais ocorrerá o reforçamento ou a punição. Os esquemas de reforçamento, segundo Kazdin (1975), se referem às regras que determinarão quantas e quais respostas do indivíduo serão reforçadas ou punidas, para fins de modificação do comportamento. Assim sendo, num programa de modificação de comportamentos entende-se que o reforçamento ocorre em um tipo de esquema, que é preestabelecido para assegurar a eficácia do programa. Existem vários tipos de esquemas de reforçamento, dos mais complexos aos mais simples. Um modelo de esquema mais simples é o esquema de reforçamenio contínuo, nele o comportamento do individuo (resposta.) é reforçado cada vez que ocorre. Por exemplo, toda vez que uma criança demonstra um comportamento desejado pelos pais (comer toda a refeição), ela é elogiada. Contudo, autores afirmam que em situações da realidade nem sempre a resposta certa (ou o comportamento desejado) é reforçado, ela às vezes é reforçada e em outras vezes não recebe um reforço contínuo (Glat, 1984; Alencar, 1986). Analisando o efeito do reforço em ambientes naturais, vemos que existem outros esquemas de reforçamento e estes esquemas se baseiam num reforço parcial, que podem ser estabelecidos com base no tempo, no número de respostas ou ambos. Quando uma ocorrência da resposta é reforçada e em outro momento não é reforçada, podendo voltar a ser reforçada, temos então um Esquema de Reforçamnento Intermitente. Se temos um isqueiro que está acabando o gás, mas não nos desfazemos dele porque às vezes ele acende, é um exemplo de reforçamento intermitente. Este modelo de esquema de reforçamento tem dois tipos de apresentação, a saber: Esquema de razão e Esquema de intervalo. No primeiro, o reforço só é exibido após a apresentação de um número determinado de respostas: o adolescente só poderá sair à noite com os amigos (reforço) se passar nas provas (resposta) do período de recuperação na escola; já no esquema de intervalo, o sujeito é reforçado passado um período de tempo determinado: o adolescente só poderá sair de casa para passear (reforço) nos finais de semana (intervalo de tempo). No esquema de intervalo, o número de respostas emitidas não interessa, contanto que o sujeito apresente a resposta desejada ao final do intervalo. Ao contrário, no esquema de razão, o que não é relevante é o tempo, pois o sujeito só receberá o reforço após emitida a reposta desejada. Estes dois tipos de esquema de reforçamento intermitenle possuem variações que serão apresentadas no quadro abaixo:

Aplica o estímtilo

Freqüência do comportamento: aumenta

Freqüência do comportamento: diminui

Reforçamento (estímulo positivo)

Punição (estímulo aversivo)

positivo


Retira o estímulo

Reforçamento (estímulo aversivo)

negativo

Punição (estimulo positivo)

Os esquemas de razão e intervalo variável têm a vantagem de possibilitar uma alta taxa de resposta, pois o sujeito nunca sabe quando o reforço será apresentado: ao passo que nos esquemas fixos, o sujeito pode prever as condições que estão sendo estabelecidas para ocorrer o reforçamento. Uma pessoa que não sabe quando terá avaliações semestrais (intervalo variável) e qual será o conteúdo avaliado (razão variável), terá mais probabilidade de estar sempre estudando para estar preparada para eventuais exames (resposta desejada) do que um aluno que tem as datas das provas (intervalo fixo) e sabe exatamente o que o professor solicitará nas provas (razão fixa) e por isso estudará na véspera do exame. É importante atentar para as diferenças entre esquema de reforço contínuo e intermitente. No primeiro tipo pode ocorrer uma dependência do sujeito pelo reforço contínuo e por isso sua resposta ser facilmente extinguida, quando não apresentado o reforço; assim como o sujeito também pode se sentir saciado do reforço e este perder seu efeito reforçador. Já o esquema de reforçamento intermitente é mais resistente à extinção, pois o sujeito está acostumado que não são todas as respostas que serão reforçadas, fazendo com que mesmo sendo retirado o reforço, etc; poderá durante algum tempo conlinuar emitindo a resposta, vindo mais tarde a extinguir-se se o reforço não for mais apresentado. Diante disso, para fins de análise e modificação do comportamento devemos considerar a vantagem do reforçamento contínuo na produção de uma resposta. Contudo é necessário, depois desta resposta estabelecida, utilizar um reforçamenlo intermitente, para garantir a manutenção da resposta. Isto evitaria a dependência do sujeito no reforço (saciação) e aproximaria a situação de intervenção das condições naturais em que os reforços são dispensados intermitentemente (Glat, 1984). Na intervenção terapêutica com o ser humano, é relevante para o terapeuta considerar as diferentes respostas relacionadas aos diferentes tipos de esquemas de reforçamento que controlam o comportamento do seu cliente, a fim de elaborar um programa de modificação de comportamentos o mais próximo possível das condições naturais do ambiente e, assim, garantir o sucesso do tratamento.

Algumas considerações comportamento

sobre

a

análise

aplicada

do

O campo da análise aplicada do comportamento expandiu-se muito desde os trabalhos de Skinner. Diante disso, foi organizado uma publicação especializada na área, que define trabalhos de pesquisas sobre aplicações de seus princípios à solução de problemas de releváncia social — o Journal of Applied Behavior Analysis. Isto contribui muito para o engajamento de profissionais da área e para a reflexão da análise do comportamento como favorecedor da qualidade de vida humana. Como afirma Wolf (1978) uma ciência aplicada do comportamento humano deve dedicar-se a ajudar as pessoas a tornarem-se mais aptas a avaliar seus reforçadores, ou seja, facilitar o julgamento de questões relevantes para um melhor desenvolvimento biopsicossocial.


Tipos esquemas

de

Esquema razão Esquema intervalo

Fixo

Variável

de

O reforço é dado após a emissão de um número fixo de resposta.

O reforço é oferecido após um número variável de resposta.

de

O reforço é dado após um intervalo tlxo de tempo.

O reforço é dado após um intervalo variável deresposta.

Contudo, estes julgamentos são valores subjetivos que somente a sociedade está qualificada para fazer. Wolf (1978) coloca esta questão da seguinte forma: “Se o objetivo de um analista do comportamento é fazer algo socialmente importante, deve, então, validar seu trabalho de acordo com pelos menos três níveis: 1) 0 signilicado social dos objetivos (Os objetivos comportamentais específicos são os que a sociedade realmente deseja? 2) A adequação social dos procedimentos (Os fins justificam os meios) participantes, consumidores e outros consideram os procedimentos de tratamento aceitáveis; 3) A importância social dos efeitos (Consumidores estão satisfeitos com os resultados? (p. 207). A questão da validade social na análise aplicada do comporlamento foi e é objeto de estudo de inúmeros trabalhos. Estudos a respeito de habilidades sociais de conversação em garotas adolescentes, comportamento de pais e professores ao falar com jovens, entre outros, são alguns dos exemplos de trabalhos que abrem oportunidade para explorar objetivos considerados sociaimente importantes. Com efeito, a análise aplicada do comportamento se apresenta como um efetivo instrumento de investigação do comportamento humano, que fornece elementos objetivos para a atuação em diferentes áreas. Em pesquisa, o experimentador pode especificar as contingências que controIa a probabilidade de ocorrência de um comportamento específico a partir de uma experimentação científica. Na clínica, o terapeuta pode estabelecer os comportamentos que auxiliam seus clientes a conduzir uma vida feliz e produtiva. Contudo, será que estas duas áreas podem ser vistas juntas e complementares na análise aplicada do comportamento? Este é outro tema importante de ser discutido. A análise aplicada do comportamento, que se baseia em pressupostos experimentais, pode ser vista de maneiras diferentes na clínica e na pesquisa? Ou, é possível fazer pesquisa na clínica? Guillardi (Lettner e Rangé, 1988) aponta para a preocupação com uma metodologia científica em clínica, com o objetivo de possibilitar a generalização de dados, a avaliação do comportamento do terapeuta, dos procedimentos utili zados e dos resultados obtidos no processo terapêutico por meio de um delineamento de pesquisa que, apesar de sua complexidade, permite “uma conclusão a respeito da causalidade entre as ações do terapeula (tratamento) e as mudanças na queixa do cliente” (Guillardi, 1988). Assim sendo, podemos utilizar modelos de delineamento de pesquisa, com o objetivo de obter maior controle e generalização dos resultados de um tratamenlo clínico. Sugere-se o delineamento de sujeito com seu próprio controle, com uma metodologia científica capaz de responder às necessidades de uma experimentação controlada num processo clínico, uma vez que ele considera, por meio de medidas repetidas do comportamento do sujeito, avaliar a evolução do processo terapêutico partindo dos progressos individuais de cada sujeilo (Nunes e Nunes, 1987; Guillardi, 1987). O conhecimento dos princípios da análise aplicada do comportamento pode ser revertido para estudos com inúmeras finalidades. No entanto, como psicólogos, educadores e, sobretudo, cidadãos, temos o dever e a responsabilidade de utilizar nosso conhecimento científico em prol da melhoria da qualidade de vida e para o


desenvolvimento máximo do potencial do indivíduo, para que este possa se tornar um agente consciente de transformação social. Afinal, este não é o principal objelivo da Ciência?

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2 Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical* * Versão modificada da conferência apresentada no II Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas, outubro de 1993.

Maria Amélia Matos O Behaviorismo surgiu, no começo deste século, como uma proposta para a Psicologia para tomar como seu objeto de estudo o comportamento, ele próprio, e não como indicador de alguma outra coisa, como indício da existência de um fenômeno que se expressaria pelo ou por meio do comportamento. Surgiu como reação às posições, então dominantes, de que a Psicologia deveria estudar a mente ou a consciência dos homens. Na Idade Média, a Igreja explicava a ação do Homem, o seu comportar-se, pela posse de uma alma. No início deste século os cientistas o faziam pela existência da mente. As faculdades ou capacidades da alma agiriam como pulsões sobre o homem e, assim, impulsionando-o, explicariam também seu comportamento. Objetos e eventos criariam idéias na mente dos homens e estas impressões mentais controlariam seu comportamento, organizandoo ou gerando-o. Na verdade, ambas são posições essencialmente similares, por dualistas e causais: o homem é concebido como tendo duas naturezas, uma divina e uma material, ou uma mental e uma física, e a divina (ou mental, dependendo do século em que nos situemos) determina o modo de ação da material. Contudo, esta é uma posição difícil, conflitante, porque necessita que se demonstre como essas naturezas contatuam, já que estão em planos diferentes. Note-se, além disso, a circularidade do argumento: ao mesmo tempo em que essa alma, mente ou idéias causavam e explicavam o comportamento, esse comportamento era a única evidência da existência dessa alma, e do conteúdo dessa mente. No Mentalismo, o acesso às idéias ou imagens mentais se faria somente por meio da introspecção, que seria então revelada por uma ação, um gesto ou uma palavra. Temos aqui um modelo estritamente causal e mecanicista de ciência: a) o indivíduo passivo recebe impressões do mundo; b) estas impressões são estampadas em sua mente constituindo sua consciência; c) que é então a entidade ou agente responsável por suas ações e/ou o local onde ocorrem os processos responsáveis por suas ações. É preciso destacar que os processos cognitivos, tão falados hoje em dia, são, em suas origens, uma forma de Animismo ou Mentalismo. A cognição é algo a que não temos acesso direto, mas que fica evidente no comportamento lingüístico das pessoas, no seu resolver problemas, no seu lembrar etc. Esquecem-se os cognitivistas que “linguagem” é produto de comportamento verbal; que “solução de problemas” é produto de contingências alternativas, e que “lembrar” é produto de manipulações de estímulos discriminativos (Skinner, 1953 e 1974). O cognitivista recupera o conceito de consciência quando afirma estados disposicionais e/ou


motivacionais que poderiam ser modificados de fora (via “instruções” ou “informações”) ou de dentro (via “autocontrole”), como produto de reestruturações cognitivas alcançadas por trocas verbais. Ou seja, o comportamento verbal do outro é decodificado por mim e meu relato verbal, versão moderna da introspecção, dá acesso ao outro às minhas cognições. Estes estados disposicionais, assim modificados, agiriam então afetando e modificando comportamentos expressos. Atentem para o fato de que não estou negando que existam crenças, sugestões, representações etc. O que afirmo é que estas são formas de se comportar, são classes de respostas; não eventos mediacionais, não causas do comportamento. Aceito consciência como uma metáfora, como um conceito equivalente a repertório comportamental. Mas rejeito consciência como self, como agente decisor, causador, ou mediador do comportamento; rejeito mente e consciência quer como espectadores do mundo, quer como representações desse mundo. De qualquer modo o Behaviorismo surgiu em oposição ao Mentalismo e ao Introspeccionismo. Em fins do século passado a ciência de modo geral começou a colocar uma forte ênfase na obtenção de dados ditos objetivos, em medidas, em definições claras, em demonstração e experimentação. Esta influência se fez sentir na Psicologia, no começo deste século, com a proposta behaviorista de J. B. Watson: “Por que não fazemos daquilo que podemos observar, o corpo de estudo da Psicologia?” (é curioso notar que esta proposta é geralmente atribuída ao “Manifesto behaviorista”, como se este fosse um único documento, enquanto, na verdade, o Manifesto corresponde a várias publicações, das quais se destacam o artigo de 1913 e o livro de 1924). A proposta de Watson incluía: — estudar o comportamento por si mesmo; — opor-se ao Mentalismo e ignorar fenômenos como consciência, sentimentos e estados mentais; — aderir ao evolucionismo biológico e estudar tanto o comportamento humano quanto o animal, considerando este último mais fundamental; — adotar o determinismo materialístico; — usar procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando a introspecção; realizar experimentação controlada; — realizar testes de hipótese, de preferência com grupo de controle; - observar consensualmente; — evitar a tentação de recorrer ao sistema nervoso, mas estudar atentamente a ação dos órgãos periféricos, dos órgãos sensoriais, dos músculos e das glândulas. Além disso, para Watson, todo o comportamento de interesse é comportamento aprendido e as causas do comportamento devem ser buscadas em seus antecedentes imediatos (exigindo uma contigüidade espaço-temporal entre esses antecedentes e o comportamento). Notem que estamos aqui diante de duas vertentes: uma filosófica (expressa nas quatro primeiras frases) e uma metodológica (expressa nas demais), que, por sua vez, refletem a influência de várias tendências sobre o pensamento científico geral da época, influência essa que se iniciou no final do século passado estendendo-se até o começo deste. Dentro destas tendências destacam-se: 1. O Positivismo Social de Auguste Comte. Considerando que a ciência é uma atividade do homem e o homem um ser social, o Positivismo Comteano postula a natureza social do conhecimento científico. Nesse sentido, rejeita a introspecção por íntima e não acessível; e estabelece como critério de verdade o observável consensual, isto é, o observável partilhado e sancionado pelo outro.


2. O Positivismo Lógico no Círculo de Viena. Considerando que eu só tenho acesso às informações que meus sentidos me trazem, o Positivista Lógico conclui que não posso ter informações sobre minha consciência, cuja natureza difere da de meu corpo. Note-se que ele não nega essa consciência, apenas afirma a impossibilidade de estudá-la. (É interessante que esta influência também levou ao idealismo e ao subjetivismo. Ao atïrmar que não tenho acesso à coisa alguma senão minhas sensações, permite a negação do mundo: o mundo não existe, somente minhas impressões dele; portanto só minhas idéias são reais.) 3. O Operacionismo, derivado da influência do Positivismo Lógico sobre a Física. Afirma que, se somente tenho acesso às informações que meus sentidos trazem, então a linguagem pela qual expresso e estruturo essas informações é o elemento mais importante na construção do conhecimento e da ciência. Assim, a definição dos conceitos é fundamental na construção de um sistema de conhecimento, e, definir é descrever as operações envolvidas no processo de medir o conceito. Essa descrição deve ser objetiva e referir-se a termos observáveis. Observação pois, tornou-se um termo e uma operação fundamentais para o Behaviorismo Watsoniano: ela define a categoria “comportamento” seu objeto de estudo. Comportamento é o observável, mas, o observável pelo outro, isto é, o externamente observável. Comportamento, para ser objeto de estudo do behaviorista, deve ocorrer afetando os sentidos do outro, deve poder ser contado e medido pelo outro. Dai dizer-se que, em observação, o que importa é a concordância de observadores (e daí a grande ênfase em um treino rigoroso nos procedimentos de registro e análise, e as longas discussões sobre o cálculo de acordo entre observadores). Esta ênfase no procedimento de medida, na operação de acessamento, levou mais tarde a que se denominasse a aderência às características que acabamos de descrever, de behaviorismo metodológico. Mas o que é comportamento? E é aqui que as coisas começam a apresentar problemas. Comportamento não era visto como mais uma função biológica, isto é, própria do organismo vivo, e que se realiza em seu contato com o ambiente em que vive, como o respirar, o digerir. Dentro de uma Física Newtoniana mecanicista da epoca, todo fenômeno deveria ter uma causa (uma concepção funcionalista falaria em condições), e como Watson rejeitava a mente como causa, se a causa do comportamento não poderia ser a mente, então estas deveriam ser algo externo ao organismo, a saber, o Ambiente. Na verdade Watson não se libertou da concepção dualista de homem. Se para o escolástico o corpo precisa ser animado pela alma e para o mentalista o comportamento é expressão da mente, para Watson é produto da instigação do estímulo. A palavra “estímulo” veio de Pavlov (outra influência sofrida por Watson e os behavioristas que o sucederam) e referia-se tanto à ação de uma fonte de energia sobre o organismo, quanto à operação realizada pelo experimentador em seu laboratório. “Uma parte ou mudança em parte do mundo físico que causava uma mudança no organismo ou parte do organismo, a resposta”, como diriam mais tarde Keller e Schoenfeld (1950). Essa mudança observável no organismo biológico (especialmente no seu sistema muscular e/ou glandular) seria o comportamento. A manipulação experimental por excelência seria a reprodução desse modelo, a operação S — R (onde S operacionaliza o Ambiente; R, o Comportamento; e a flecha, a Ação Desencadeante, ou Causa). Esta seqüência experimental a tal ponto marcou esta posição que o Behaviorismo Metodológico


ficou sendo conhecido como “a Psicologia S — R”, ou, de modo mais caricato, e referindo-se àquilo que mediam e observavam, “a Psicologia da contração muscular e da secreção glandular”. O modelo causal e a posição dualista do Behaviorismo Metodológico foi retido por alguns autores que, não obstante, rejeitaram o Ambiente como o locus da ação causal. Estes autores adotam uma postura conhecida como organocêntrica, pois residindo no organismo as chamadas “forças causais” do comportamento, é ele, o organismo (ou mais propriamente, o Homem) o seu centro de atenções e origem de explicações. “O comportamento é tão somente uma manifestação da ação do Sistema Nervoso Central”; “O comportamento é tão somente uma indicação da ação das Emoções e/ou do Pensamento e/ou da Memória”; “O comportamento é uma expressão do self’, estas são frases comuns entre psiconeurólogos, etólogos, behavioristas cognitivos (sic), e autores que, recusando o nome de behavioristas metodológicos (com o que certamente Watson concordaria), não obstante partilham com eles o que de menos avançado eles apresentam: um modelo causal do comportamento, uma posição dualista, rnecanicista e de dependência unidirecional. Um parêntese, [é importante lembrar que o behaviorista radical, posteriormente, recuperará o ambiente, como instância privilegiada onde o cientista busca variáveis e condições das quais o comportamento é função (vide Skinner, 1969, 1974, 1966, 1981: Matos, Machado, Ferrara, Silva, Hunziker, Andery, Sério, e Figueiredo, 1989). Assim como Darwin se afasta de uma explicação causal e creacionista sobre a origem do homem, adotando uma visão selecionista onde o ambiente tem papel fundamental, assim o modelo de seleção pelas conseqüências de Skinner desnecessita de causas e agentes causais. A seleção natural no nível filogenético responde pelos reflexos e padrões típicos de espécies, bem como pela sensibilidade a contingências; a seleção natural no nível ontogenético e a cultural no nível de práticas sociais respondem por operantes e respondentes modificados. A cadeia causal, unidirecional e mecanicista, é substituída por uma malha de relações de caráter interacionista e histórica. A título de exemplificação e exercício do que dissemos acima, analisemos cinco descrições de meu comportamento, contidas nas frases a seguir: Frase 1. “Eu estou falando.” Frase 2. “Eu escrevi este texto.” Frase 3. “Eu vejo vocês.” Frase 4. “Eu estou com sede.” Frase 5. “Eu estou com dor de dente.” Enquanto falo, vocês podem ver uma série de mudanças que ocorrem em meu organismo (mudanças em minha expressão facial, meus gestos e posturas etc.) e ouvir o produto destas e de outras mudanças, algumas não diretamente observáveis (a passagem de ar pelas minhas cordas vocais, a movimentação destas etc.), isto é, vocês podem ouvir os sons da minha fala. Vocês não viram meu comportamento de escrever este texto, mas se concordarmos sobre um tipo de operação que define o


escrever (“deslocamento de minha mão segurando um objeto por sobre uma superfície deixando nela inscrições”), vocês também concordarão que este produto do “meu escrever” (ou seja, as inscrições neste papel) é sua evidência. Contudo, qual é a evidência consensual da Frase 3? Ninguém vê ou ouve o meu “ver” senão eu mesma; e o meu ver só tem produtos para mim, isto é, aquilo que vejo (Skinner, 1945 e 1957). Alguém poderia alegar que um fisiólogo poderia invadir meu organismo e registrar mudanças químicas na minha retina, e mudanças eletroquímicas no meu sistema nervoso central paralelamente à minha fala da Frase 3. Mas isto não é “ver”! Isto são registros paralelos em outros níveis de funcionamento do meu organismo. No entanto, o behaviorista metodológico aceitaria esta frase como um bom exemplo de descrição do comportamento de ver, tanto quanto aceitaria meu registro de observação da salivação de um cão como evidência desta salivação. Meu registro equivaleria a duas evidências: que vi o cão salivar, e, mais ainda, que o cão scilivou! Este registro seria aceito porque outras pessoas também poderiam relatar ter visto o cão salivar, isto é, a salivação de um cão é observável consensualmente. Mas o que está em pauta aqui não é o “salivar do cão”, e sim o “meu ver” essa salivação. Este é um ponto difícil, já que somente eu posso ver o meu ver (dito em outras palavras quando eu vejo um cão salivando, eu vejo o cão salivando e eu me vejo vendo). Esta contradição não foi resolvida pelo Behaviorismo Metodológico: um comportamento que, em si, não é observável e portanto não poderia ser objeto de estudo do behaviorista metodológico, torna-se, não obstante, fonte de dados para a construção da ciência deste behaviorista. Quanto à Frase 4, ela não se refere a qualquer evidência observável externamente, não implica produtos ou referenciais externos acessíveis ao outro. Neste momento, novamente, o Behaviorismo Metodológico se deixa contaminar pela Fisiologia (versão na qual subsiste até hoje, especialmente nos estudos em Psicofarmacologia e Psicobiologia): “Eu posso invadir o organismo e medir o equilíbrio hídrico dos tecidos, esta medida é um indicador da minha sede.” De novo insisto, esta medida é um indicador do equilíbrio hídrico dos tecidos do meu corpo, não da minha sensação. Não do meu comportamento de sentir (a linguagem é vastamente insuficiente eu deveria dizer simplesmente “do meu sentir”, mas sentir está Iingüisticamente subordinado a estados afetivos ou conteúdos mentais, como sentir emoção, sentir dor, sentir alguma coisa, daí a necessidade de clarificar dizendo “comportamento de sentir”). A propósito do que acabamos de dizer, um novo parêntese: [Diante de um verbo de ação nossa tendência é perguntar pelo agente “Quem corre?”, e a resposta é sempre um nome ou pronome: “Eu corro!” Isto não produz reações contrárias, embora alguém possa resmungar sobre o fato de que correr seja um subproduto da movimentação das pernas sobre um substrato físico. Se pergunto quem lava o carro ou vê o pôr-do-sol, também não há dúvidas quanto às formas possíveis de resposta, e para cada uma delas a língua portuguesa tem uma expressão própria e exclusiva. Igualmente se perguntarmos a alguém: “Quem respira?”, a resposta será: “Eu!”, embora médicos e fisiólogos rejeitem a pergunta como sem sentido cientificamente, “Não há um ‘quem’ que respira!” Respirar é uma função do organismo vivo!” Do mesmo modo, para o digerir não há um “quem”, e só de uma maneira muito restrita pode-se dizer que o estômago digere. Este é um processo que envolve todo o organismo. Mas pensemos agora nas perguntas: “Quem sente dor?” “Quem está alegre?” Jamais as respostas poderiam ser: “Eu alegrem!”, ou “Eu doreio!” Os verbos


a serem conjugados — por imposição nesses casos é “sentir/estar”! Assim como existe um carro para ser lavado e um alimento para ser digerido, eu respondo a estas últimas perguntas como se existisse uma dor para ser sentida, ou urna alegria para ser “estada”. Mas isso é apenas uma dificuldade Iingüística — que não obstante cerceia enormemente minha maneira de pensar — pois na verdade todos sabem que dor é uma sensação, assim como a visão do pôr-do-sol! Dor e alegria são falsos substantivos, na verdade eles só existem como verbos, eu doreio e eu alegreio. sim! Dor e alegria não são coisas do ambiente, são partes, são exemplos do meu comportar-me. Não há uma caixa cheia de dor, a qual eu abro para contemplar e sentir; nem um guarda-roupa do qual eu retire uma blusa de alegria e com a qual visto meu estar. Mas a linguagem insiste que a alegria está lá, eu a experimento como um pedaço de bolo, ela toma conta de mim como um vendaval, ela não é uma forma particular de interação com o ambiente. Com verbos que denotam funções fisiológicas básicas, meu corpo é considerado o agente, ou, para uma audiência mais sofisticada, é o palco onde essas funções ocorrem. Com verbos que denotam funções motoras ou sensoriais, o eu é o agente. Mas, com relação a verbos que denotam funções emocionais ou perceptuais a linguagem me impede de interagir com o ambiente; no máximo eu interajo com a dor, com a alegria, com minha memória, com o conteúdo dos meus pensamentos etc. Notem como o behaviorista metodológico começa a escorregar nas Frases 3 e 4, e a apresentar rachaduras em seu modelo. Ele não tem dúvidas quanto ao seu critério de objetividade nas Frases 1 e 2; os observadores referem-se às mudanças no organismo e/ou ao produto dessas mudanças. Na terceira frase ele titubeia e acabará dizendo que a referência é o objeto sobre o qual incide o comportamento (o visto, no caso). Na quarta frase ele muda seu objeto de estudo, deixando a Psicologia, mas não muda sua insistência num critério social de verdade. Finalmente, quando chega na última frase, seu veredito é “Análise impossível. Referencial não acessível. Fenômeno recusado”. Mas, assim como eu vejo vocês — e este é um comportamento meu não observável por vocês — também é verdade que eu sinto sede e sinto dor de dente. Assim como vocês não podem observar “meu ver vocês”, vocês não podem observar “meu sentir sede”, e também não podem observar “meu sentir dor de dente”. Isto contudo não torna estas sensações menos reais para mim. E é aqui que começa a ficar evidente uma primeira e fundamental diferença entre o Behaviorismo Radical, proposto por Skinner, e aquele praticado pelos behavioristas metodológicos: o eu, não o outro é quem constrói o conhecimento (embora a linguagem com que o faz, Skinner assim o reconhece, seja social e histórica, com o que se evita o idealismo). Influenciado pelo Positivismo Lógico, Skinner aceita que o que existe para um indivíduo, existe, daí ele aceitar e defender uma metodologia do N = 1. Mas, para não cairmos no subjetivismo ou no idealismo, é importante analisarmos as evidências desta existência. E aqui estamos diante de um ponto muito importante (e difícil) que aproxima Skinner e os fenomenólogos: a evidência da existência do mundo (ou de um evento) é a experiência do observador e a tarefa da ciência é analisar esta experiência. Skinner inclui, como essencial, a análise da experiência do cientista, como parte do processo de construção do conhecimento científico. Essa aliás é uma das razões pela qual Skinner atribui tão grande importância ao estudo do comportamento verbal: a análise do comportamento verbal permitiria o estudo das circunstâncias em que a experiência isto é, o trabalho — do cientista se dá, e assim, permitiria seu entendimento e eventual controle. Ora, ocorre que a experiência que alguém tem de


uma situação é um evento privado. E é assim que Skinner aceita estudar a experiência, como um evento comportamental privado. Para Skinner, o estudo de eventos encobertos inclui-se legitimamente dentro do campo de estudos da Psicologia como uma ciência do comportamento (Skinner, 1945 e 1963). Assim ele é radical em dois sentidos: por negar radicalmente (i.e., negar absolutamente) a existência de algo que escapa ao mundo físico, isto é, que não tenha uma existência identificável no espaço e no tempo (como a mente, a consciência, e a cognição): e por radicalmente aceitar (i.e.. aceitar integralmente) todos os fenômenos comportamentais. O behaviorista metodológico não nega a existência da mente, mas nega-lhe status científico ao afirmar que não podemos estudá-la pela sua inacessibilidade. Pelo mesmo argumento, o behaviorista metodológico nega status científico às emoções, às sensações, ao pensamento e aos demais eventos privados. Já o behaviorista radical nega a existência da mente e assemelhados, mas aceita estudar eventos internos. Esta posição de Skinner se insere na tradição do Positivismo Lógico, mas, ao mesmo tempo, se constitui num desvio desta forma de positivismo, talvez por ter sido Skinner mais influenciado por Mach que por Bridgman, e mais por Wittgenstein que por Carnap (Smith, 1986). Já que só temos informação do mundo pelos nossos sentidos, por que excluir as sensações do mundo interno e privilegiar as do mundo externo? Por que o critério de objeto da ciência deveria ser dado pela natureza do sistema sensorial envolvido? (Note-se que aqui Skinner quebra a equação Eventos Internos = Eventos Mentais, típica da Escolástica, do Behaviorismo Metodológico, do Cognitivismo, e, especialmente, do assim chamado “Behaviorismo Cognitivo”.) Nesse sentido Skinner (embora reconhecendo a dificuldade de se ter acesso ao primeiro) não separa mundo interno de mundo externo. E é por essa razão que, para ele, comportamento não são movimentos do corpo, e sim interações OrganismoAmbiente (não esquecendo que Ambiente é tudo aquilo que é externo ao Comportamento, não importando se é um piscar de luz, um desequilíbrio hídrico, um derrame de adrenalina, ou um objeto ausente associado a um evento presente; não importando se sua relação com o comportamento é de contigüidade espaço/temporal, — o que, não obstante, é exigido pelo mecanicismo do behaviorista metodológico para a troca de energias — ou não). É por isso que para Skinner não existe Comportamento (não existe no sentido de “não podemos entender”) sem as circunstâncias em que ocorre; assim como não tem sentido falarmos em “Circunstâncias” sem a especificação do comportamento que elas circunstanciam. Mas por que afinal o behaviorista metodológico rejeita estudar eventos privados se reconhece sua existência? Porque dá importância filosófica à diferença na localização — interna vs. externa — de um evento; porque praticamente equaciona eventos internos com eventos mentais; mas, principalmente, porque rejeita a introspecção (Lelgland, 1992). A introspecção é rejeitada por Watson pelo obscurecimento que produz na distinção entre objeto e método da Psicologia. Como estudar a consciência como objeto, se o único modo de fazê-lo é pelo exercício dessa própria consciência como método? Já Skinner aceita a introspecção, mas rejeita a consciência. Porém, aceita a introspecção não como método, e sim como objeto de estudo: a introspecção é comportamento verbal sob controle de eventos internos, comportamento instalado pela comunidade verbal sob controle de eventos externos. E rejeita a consciência por uma razão de consciência: por ser um


evolucionista não aceita a limitação imposta pela instrospecção ao estudo do comportamento animal. Para o behaviorista metodológico, a evidência de que vejo vocês é que outros os vêem; a evidência de que vocês existem é que outros vêem vocês; e a possibilidade de ver vocês é que vocês estejam presentes no momento de meu ver. A evidência da existência do comportamento e do mundo, a natureza do conhecimento que tenho deles, é a experiência partilhada. Para o behaviorista radical, a evidência de que vejo vocês é meu comportamento diante da circunstância “vocês”. Do mesmo modo, a evidência de que vocês existem também é meu comportamento. E nem é preciso que vocês estejam presentes para que eu reaja ou “veja” vocês, na verdade nem é preciso que vocês existam (ver Skinner, 1945, e especialmente a belíssima análise da metáfora do escorpião negro no segundo epílogo de “Two personal epilogues”. em Verbal behavior). Para o behaviorista metodológico o louco e o mentiroso são associais, por não partilharem das experiências do outro. Para o behaviorista radical o louco se comporta na ausência da coisa vista, tal como eu faço em sonhos, nas minhas rememorações e fantasias. Talvez ele o faça com maior freqüência do que eu, mas ambos o fazemos de acordo com as mesmas leis. Estamos ambos sob o controle de outras contingências que não exclusivamente as do aqui e agora. Mutatis inutantis, o mesmo se aplica ao mentiroso. Mas, atenção! Dizer que estou observando eventos internos não equivale a dizer que estou observando minha mente ou minha consciência. Equivale a dizer que estou observando meu próprio corpo e seu funcionamento. Ao observar meus comportamentos encobertos utilizo os mesmos recursos que utilizo ao observar meus comportamentos manifestos, ou os comportamentos manifestos de outrem, ou a tela de vídeo do meu computador etc. Dizer que tenho dor de dente não é evidência da existência de uma dor de dente; nem é relato da dor de dente; é um comportamento verbal que precisa ser analisado e interpretado à luz das circunstâncias em que ocorre. É uma verbalização que emito na primeira pessoa do singular na presença de determinadas sensações internas; que meu dentista gaúcho emite na segunda pessoa na presença de determinadas condições da minha gengiva e/ou de meu dente: mas que eu também posso emitir na presença de uma tarefa aborrecida que não desejo executar. Analisar estas verbalizações e as condições (antecedentes e conseqüentes) em que elas ocorrem pode ser considerado um modo de começar a estudar minhas sensações, isto é, meus comportamentos encobertos. Nelas, dada a natureza verbal desse comportamento e dadas as condições de sua aquisição, a tarefa não será fácil (Malerbi e Matos, 1992). Estudar eventos privados é uma tarefa que o behaviorista radical considera requisito essencial para entender o comportamento humano. A análise desses eventos não precisa ser colocada sob critérios sociais; para o behaviorista radical basta um observador, o próprio sujeito. Mas seus dados precisam ser replicáveis e seus conceitos devem se ajustar ao mesmo conjunto de leis e princípios utilizados na análise do comportamento em geral (Matos, 1990). Acredito que a concepção de comportamento encoberto, assim como a de comportamento verbal, seja prototípica da posição skinneriana sobre comportamento como uma unidade interativa. Nestas duas concepções, mais que em qualquer outro exemplo, definitivamente não posso


separar Condições Antecedentes – Ações – Condições Conseqüentes. Evento interno pode ser uma mudança no ambiente interno produzida quer por outras mudanças no ambiente interno, quer no externo, quer em ambos, ou pode ser a própria reação a essas mudanças. Algumas vezes posso identificar seu antecedente remoto externo, mas seu antecedente imediato e interno se mescla, irremediavelmente, com o evento comportamental ele próprio. O Behaviorismo Radical exercita-se por meio de uma interpretação de dados obtidos pela investigação sistemática do comportamento (o corpo desta investigação propriamente dita é a Análise Experimental do Comportamento). Esta interpretação volta-se para a descrição de relações funcionais entre Comportamento e Ambiente (isto é, relações entre descrições de ações dos organismos e descrições das condições em que essas ações se dão). Não busca explicações realistas ou de causa-efeito, e sim relações funcionais ou leis que expressem seqüências regulares de eventos, e que eventualmente poderão ser descritas por funções matemáticas. O behaviorista radical rejeita o Mentalismo porque é materialista e evolucionista, em seu naturalismo não há espaço para o dualismo por acreditar que o comportamento é uma função biológica inerente ao organismo vivo, não necessitando de justificativas ulteriores. Acredita que, assim como não invoco a mente para explicar o respirar; assim como não explico a digestão por processos cognitivos; assim como não explico a troca de oxigênio no sangue pela consciência, por que explicaria o correr, ver, sentir etc. por um ou outro? O behaviorista radical propõe que existam dois tipos de transações entre o Organismo e o Ambiente: a) conseqüências seletivas, que ocorrem após um comportamento e modificam a probabilidade futura de ocorrerem comportamentos equivalentes, isto é, da mesma classe; b) contextos que estabelecem a ocasião para o comportamento ser afetado por suas conseqüências (e que portanto ocorreriam antes do comportamento) e que igualmente afetariam a probabilidade futura desse comportamento. Estas duas classes possíveis de interações são denominadas “contingências” e constituem as duas classes conceituais fundamentais para o trabalho de descrição e análise do comportamento. Relações funcionais são estabelecidas na medida em que registramos mudanças na probabilidade de ocorrência dos comportamentos que procuramos entender, em relação a mudanças quer nas conseqüências, quer nos contextos, quer em ambos. Por lidarmos com explicações funcionais e não causais, o importante é coletar informações ao longo do tempo, isto é, informações repetidas do mesmo evento e com os mesmos personagens (o behaviorista metodológico prefere observações pontuais em diferentes sujeitos, ou seja, o estudo em grupo, o que leva à estatística para descrever e/ou anular a variabilidade. Para o behaviorista radical isto é uma heresia já que estou tentando estudar a experiência daquele particular sujeito). Ao coletarmos registros ao longo do tempo, devemos comparar o desempenho do sujeito consigo mesmo, sua história passada é sua linha de base. A interpretação do behaviorista radical é sempre histórica. Contudo, para certas variáveis, em determinados contextos, é possível descrever funções semelhantes para diferentes indivíduos. Isto ocorre, já que indivíduos de uma mesma espécie partilham de um mesmo conjunto de contingências filogenéticas, e indivíduos com histórias passadas semelhantes podem estar partilhando de contingências


ontogenéticas semelhantes, assim como membros de uma mesma comunidade partilham das mesmas contingências culturais. Para o behaviorista radical a mente, as emoções, e o sistema nervoso não seriam os organizadores ou iniciadores do comportar-se. Em vez de recorrer a mecanismos ou entidades subjacentes ao comportamento (ver as emoções de Aristóteles, as faculdades da alma Escolástica, a agressão ou a territorialidade da Etologia, a memória dos neurólogos, a reestruturação cognitiva de Mahoney, o self de Deese, Bandura e tantos outros), o behaviorista radical pergunta-se muito simplesmente: “Como esse organismo existe em seu ambiente?”

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3 Psicoterapia comportamental Bernard Rangé A Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (PCC) está apresentando em nosso país, finalmente, um reconhecimento e um crescimento compatíveis com os que são observados no Exterior. Isto se atesta pela publicação deste volume e de outras publicações que substituem a histórica edição do Manual de fisicoterapia comportamental (Lettner e Rangé, 1988); pela recente constituição de uma Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental; pelos vários congressos, seminários e workshops sobre o assunto; pelos inúmeros artigos publicados em revistas científicas brasileiras; e pelo interesse progressivo de especialistas, professores. profissionais de diversas categorias e pesquisadores sobre este tema, nos últimos anos. Tem obtido reconhecimento, inclusive, por parte de muitos dos seus não seguidores, por ser uma forma de psicoterapia eficaz e eficiente na superação de problemas resistentes a outras formas de intervenção psicoterápicas. A PCC é uma modalidade terapêutica desenvolvida a partir dos princípios de aprendizagem e, posteriormente, da ciência cognitiva, conforme estabelecidos — pela psicologia experimental. Seu objeto de interesse é o comportamento como tal e seus fatores determinantes, como condições ambientais e processos cognitivos específicos, e não supostos processos subjacentes. O termo “comportamento” abrange não só comportamentos manifestos propriamente ditos, como operantes e respondentes, mas também cognições (pensamentos, respostas verbais, imagens, lembranças, interpretações, percepções, avaliações etc.) e sentimentos ou emoções e seus correlatos fisiológicos. Segundo a PCC, os comportamentos que uma pessoa apresenta evidenciam a ação de princípios científicos do comportamento desenvolvidos pela psicologia experimental especialmente no campo da aprendizagem, da psicologia cognitiva e do estudo das emoções, além de conhecimentos gerados nas áreas de psicologia social, psiquiatria, psicologia clínica, desde que experimentalmente validados. Estes princípios estabelecem que o comportamento humano é grandemente determinado por suas relações com o ambiente atual e pela mediação cognitiva. Neste capítulo serão examinados de forma introdutória o modelo cognitivocomportamental, alguns dos princípios que fundamentam sua prática e as características do seu processo terapêutico.

Definição de psicoterapia cognitivo-comportamental Psicoterapia cognitivo-comportamental é uma prática de ajuda psicológica que se baseia em uma ciência e uma filosofia do comportamento caracterizada por uma concepção naturalista e determinista do comportamento humano, pela adesão a um empirismo e a uma metologia experimental como suporte do conhecimento e por uma atitude pragmática quanto aos problemas psicológicos. Entende que uma


psicoterapia precisa oferecer: (1) efetividade, empiricamente demonstrável; (2) otimização entre custo e benefício, reduzindo os custos emocionais, de tempo, de recursos financeiros etc. e maximizando os benefícios e resultados; (3) nenhuma iatrogênese, isto é, garantindo que não existirão efeitos perniciosos decorrentes da intervenção; e (4) manutenção dos resultados, isto é, garantias de que a superação das dificuldades não se diluirá no tempo. Compromete-se com estas premissas, procurando demonstrá-las por meio de estudos experimentais e sistemáticos. Uma marca distintiva da terapia comportamental é a ênfase em medidas. Estas são resultado da observação de pacientes em entrevistas ou por registros diretos dos comportamentos de cada paciente, nas próprias situações em que ocorrem, feitos por ele mesmo, pelo psicólogo ou por outros treinados por ele, ou ainda por meio de instrumentos de medida previamente validados. Estas observações e medidas servem para a avaliação da problemática, para uma formulação complexa, orgânica e significativa da natureza dos problemas e para a avaliação permanente dos progressos e de sua manutenção, mesmo depois da interrupção do processo terapêutico. A mudança do comportamento se baseia em uma análise funcional do(s) comportamento(s) problemático(s) e envolve a especificação explícita das condições sob as quais a mudança ocorrerá, de tal forma que uma avaliação dos resultados possa ser feita a qualquer instante. Evidentemente ela dependerá da qualidade da relação terapêutica que se estabelecer.

Determinações do comportamento: alguns princípios básicos. Algumas vezes o ambiente muda diretamente o organismo por meio de estímulos específicos, que provocam as chamadas respostas incondicionadas. Eventualmente, estes estímulos (incondicionados) ocorrem proximamente outros, que passam a adquirir a capacidade de provocar reações semelhantes, tornando-se estímulos condicionados de comportamentos que passam a ser chamados de respostas condicionadas. O conhecimento sobre a produção e a eliminação de condicionamentos pavlovianos é de grande importância no estudo do comportamento humano, pois este envolve respostas controladas pelo Sistema Nervoso Autônomo, comprometido com a regulação de respostas emocionais, patológicas ou não. Outras vezes, o comportamento é modificado ou mantido por suas conseqüências. Certos acontecimentos ambientais conseqüentes à emissão de comportamentos fortalecem a probabilidade de ocorrência destes comportamentos, isto é, fazem com que ocorram com maior freqüência. Estes acontecimentos são denominados estímulos reforçadores. Outros acontecimentos fazem com que os comportamentos que os produziram diminuam sua freqüência: quando isto ocorre, refere-se a estas ocorrências como situações de punição. Outras vezes, respostas que eliminam ou evitam estímulos punitivos ficam fortalecidas, transformando-se, respectivamente, em respostas de fuga ou respostas de evitação. Em certas ocasiões, um comportamento pode não produzir o efeito que costumava produzir (estímulo reforçador) e, assim, começa a diminuir a sua probabilidade de ocorrência, caracterizando um processo de extinção. Condições antecedentes também podem adquirir controle sobre o comportamento. Estímulos associados com situações de


reforçamento tornam-se discriminativos e indicam momentos apropriados de emissões de comportamento reforçável. Dependendo de como os reforçadores ocorrem, de acordo com os diferentes esquemas de reforçamento, as freqüências e padrões específicos de conduta variam. Assim, por exemplo, procuramos mais as pessoas que nos dão mais atenção ou afeição; mantemos uma profissão quando os resultados são positivos; não comparecemos a filmes de atores e diretores que não nos foram recompensadores; evitamos pessoas desagradáveis, ruas engarrafadas ou barulhentas etc. Comportamentos cooperativos, criativos e de solidariedade comunitária já foram desenvolvidos e fortalecidos por métodos operantes. Por outro lado, comportamentos agressivos a outros indivíduos ou ao ambiente também são provocados por condições de frustração associadas a não-reforçamento. O hábito infantil de chupar o dedo está sob controle de conseqüências reforçadoras, da mesma forma que a birra e a manha. A maior parte de comportamentos infantis e adultos, considerados positivos ou não, também é controlada por métodos operantes. É comum a observação de que crianças e adolescentes, freqüentemente punidos pelos pais, tornam-se mais hostis a eles e a seus valores e tendem a evitálos, para esquivarem-se de novas punições. Nos casos patológicos, como fobias ou obsessões-compulsões, as conseqüências punitivas antecipadas pelos pacientes são de tal magnitude negativa, que os levam a apresentar as suas típicas respostas de evitação. Assim, fóbicos evitam mais lugares fechados, como elevadores ou aviões, ou locais onde possam existir ratos, aranhas ou cobras; obsessivos compulsivos realizam seus rituais porque acreditam que se não o fizerem serão punidos com conseqüências catastróficas (para uma descrição mais detalhada dos princípios comportamentais). O uso de expressões como antecipação, crenças etc, revela outra faceta recente das pesquisas na área: a mediação cognitiva. O modelo cognitivo defende que a ação do ambiente sobre o organismo induz, primeiro, um processamento cognitivo que, dependendo de como ocorra, afetará de modo diferenciado os sentimentos e comportamentos. Segundo esta concepção, dependendo das interpretações específicas e momentâneas que um indivíduo faz de cada situação, o afeto e comportamento que apresenta serão diferentes. O processamento cognitivo envolve esquemas (crenças ou regras de interpretação dos fatos), pensanentos automáticos (interpretações específicas em cada situação), processos imaginários, mnemônicos, de solução de problemas etc.

Histórico O marco inicial do movimento conhecido como “Terapia do Comportamento” é o livro de Joseph Wolpe, Psycotherapy by reciprocal inhibition, lançado em 1958 (Wolpe, 1958). Neste livro, pela primeira vez, foram apresentados de forma sistemática uma formulação e os resultados iniciais da aplicação a problemas variados dos princípios de aprendizagem, desenvolvidos pelas grandes teorias neobehavioristas da década anterior. Seja pelos sucessos clínicos alcançados e observáveis pelos resultados descritos, seja pela demonstração da possibilidade de utilização de conhecimentos adquiridos experimentalmente, o que conduziria a prática terapêutica a um maior grau de segurança e eficácia, o fato é que o livro de Wolpe provocou imediata e


extensa repercussão e defiagrou uma movimentação febril de produção de pesquisas, reflexões, reformulações teóricas e aplicações que resultam numa das mais promissoras áreas de investigação em psicologia clínica desde o lançamento dos Estudos sobre a histeria de Freud em 1895. Desde então, a terapia cognitivo-comportamental já ofereceu alternativas interessantes ao modelo de compreensão dos fenômenos psicológicos e psicopatológicos, aos processos e às técnicas de diagnóstico, às técnicas e abordagens terapêuticas e sobretudo aos resultados, tendo se tornado inclusive na forma terapêutica em mais rápida expansão entre os meios psicológicos e psiquiátricos (Fichter e Wittchem, 1980). Veremos a seguir como isto se produziu, qual a situação atual e quais as perspectivas futuras. É evidente que tal sucesso só pode ser atribuído ao fato de a PCC ter realmente se apresentado como algo novo. Tentativas de derivar tratamentos a partir de princípios de aprendizagem já são antigas. Mary Cover Jones (1924) demonstrou, como se viu, a possibilidade de aplicação de técnicas derivadas de teorias de aprendizagem para tratamento de fobias. Somente muito mais tarde, entretanto, na década de 50, ocorreram novas tentativas, sendo hoje clássico o trabalho de Dollard e MilIer (1950) de integrar a prática da psicoterapia tradicional de orientação psicanalítica com as teorias de métodos da psicologia experimental. Alguns motivos do trabalho de Jones não ter tido maiores conseqüências parecem ter sido, primeiramente, de ter ocorrido como uma tentativa isolada aplicada a um problema muito específico e, em segundo lugar, de ter aparecido em uma época em que o conhecimento sobre os princípios básicos que regulam o comportamento humano ainda eram escassos. Já o trabalho de Dollard e MilIer pecava por ser apenas uma tradução para uma linguagem experimental dos princípios psicanalíticos. No entanto, os dois têm em comum uma característica que talvez seja a mais importante para explicar a sua pouca receptividade: não haveria ainda um clima propício para isso, pois a insatisfação com os métodos tradicionais ainda não era suficiente e a opção de novos paradigmas não estava ainda suficientemente bem elaborada e sistematizada, O fenômeno atual da PCC talvez possa ser compreendido se forem consideradas as idéias de Kuhn (1970) sobre as revoluções científicas. Segundo ele, estas se verificam quando ocorrem simultaneamente duas condições: (a) insatisfação ou inadequação dos paradigmas existentes; (b) emergência de novos paradigmas.

Modelo sociopsicológico No que diz respeito à primeira condição, muitos psiquiatras. e psicólogos sentem-se insatisfeitos com a compreensão dos problemas e com as soluções empregadas na área de saúde mental. Não é difícil apontar os motivos desta insatisfação: (a) incapacidade dos recursos disponíveis para atender à crescente demanda de serviços com conseqüente baixa na qualidade de atendimento e lentificação do progresso técnico-científico; (b) incapacidade em encontrar soluções significativas para pacientes crônicos além da mera assistência da previdência social; (c) dificuldades da psicoterapia tradicional de provar seus efeitos (ver Eysenck, 1966); (d) dificuldades das formas tradicionais de atendimento de evitar injustiças sociais relacionadas com fatores tais como nível socioeconômico, classe social, educação, cultura etc.; (e) insatisfação com o diagnóstico tradicional e suas conseqüências pois além de ser pouco válido e fidedigno (Rosenham, 1973) pode conduzir, e


freqüentemente conduz, a posturas fatalistas e a um imobilismo (Ullmann e Krasner, 1969). Por outro lado, a psicologia experimental tem mostrado grande produtividade, tanto no que concerne às suas técnicas de investigação ou à sua metodologia, quanto no que diz respeito ao desenvolvimento de princípios teóricos que abranjam as observações empíricas nos mais diversos campos da psicologia (social, aprendizagem, psicofisiologia, desenvolvimento, motivação, cognição etc.). Verificou-se também o aparecimento de trabalhos clínico-experimentais em profusão, estabelecendo uma ponte entre a psicologia experimental e a prática clínica. A adesão firme e determinada ao método científico, com suas características de objetividade, rigor e experimentação, conduziu ao desenvolvimento de um modelo alternativo ao modelo psicopatológico vigente. Observações clínicas ou experimentalmente controladas, chamam a atenção para a tendência da comunidade psiquiátrica e psicológica de explicar respostas como chupar dedos, lavar compulsivamente as mãos, alucinar, sentir pânico e todas os outros comportamentos ditos “patológicos”, por traços de personalidade ou por processos considerados “doentios”. Estas “explicações” podem ser adequadamente substituídas por compreensões, mais parcimoniosas, que ressaltem as variáveis ambientais das situações em que ocorrem. Da mesma forma, a tendência observada em abordagens “psicodinâmicas” de postular que um comportamento mal-adaptado seja sintomático de um estado “patológico” subjacente de natureza inconsciente pode ser substituída com vantagem, por explicações baseadas numa análise funcional das variáveis ambientais que afetam o comportamento. Estas alternativas evidenciam os dois modelos conceituais que as sustentam: o modelo médico e o modelo psicossocial. No primeiro, assume-se que, para “curar” o paciente, torna-se necessário primeiramente eliminar a patologia interna subjacente. Isto significa que tratar “apenas dos sintomas”, além de inefetivo, poderia ser também nocivo, pois a causa do mal ainda estaria atuando e faria com que o mesmo sintoma ressurgisse ou fosse substituído por outro talvez ainda mais grave. A primeira crítica ao modelo médico foi feita por Szasz (1960) em um trabalho hoje já clássico. Refinamentos posteriores feitos por Ullmann e Krasner (1969) e Bandura (1969) vieram cristalizar aquela previsão e oferecer uma alternativa mais elaborada, cujas implicações para a prática psicoterápica e psicoprofilática já foram também estabelecidas. Essencialmente o modelo sociopsicológico defende uma identidade entre comportamentos considerados “saudáveis” e “patológicos” no que diz respeito à sua sujeição a leis psicológicas. As conseqüências dessas concepções são inúmeras e pode-se rapidamente apontar algumas. Em primeiro lugar, dirige a atenção e o estudo a processos obscuros, freqüentemente não observáveis, o que se opõe a uma das condições da prática científica: a objetividade. O apelo a forças subjacentes muitas vezes também acaba por conduzir a explicações tautológicas e a um processo de reificação de conceitos que podem ser observadas, por exemplo, quando se explica o comportamento de uma pessoa, que tem as características X, Y e Z, por uma instância hipotética A (mecanismo de defesa, histeria, pulsão de morte, megalomania etc.) e a seguir, como evidência desta instância hipotética, se apontam as características X, Y e Z. Em segundo lugar, o estabelecimento de atributos tais como “saúde” e “doença” implica uma demarcação que até hoje não se conseguiu fazer, e nem se conseguirá, pois é arbitrária, na medida em que apenas se presta


para expressar juízos de valor sobre objetos de estudo científico. Este problema também foi sofrido pela física e por outras disciplinas antes de adquirirem o status de ciência (Lewin, 1969). É preciso considerar também que, ao se fazer juízos de valor como este, podemos estar sendo induzidos a erros éticos mascarados pela falsa noção de que ajudamos pessoas a se libertar dos efeitos maléficos de doenças quando, de fato, decidimos por elas o que acreditamos ser melhor para elas (Szasz, 1960). Em terceiro lugar, abstrai o relativismo de fatores culturais e estabelece níveis e fontes diferentes de causação para fenômenos que são manifestações de um mesmo e único objeto de estudo. Um comportamento não é em si normal ou patológico; esse atributo é resultante de um juízo feito por alguém ou algum grupo social. Não existem pois “leis para comportamentos normais” e “leis para comportamentos anormais”. Já o modelo psicossocial, que fundamenta a abordagem cognitivo-comportamental, sustenta que um comportamento considerado “anormal”, isto é, o “sintoma”, em nada difere dos comportamentos chamados “normais”. Em ambos os casos estão agindo as mesmas leis e princípios causais que podem ser identificados nas relações entre o organismo e o ambiente. A diferença reside apenas no juízo que alguém (parentes, médicos, a própria pessoa) faz acerca do comportamento em questão. A normalidade ou anormalidade torna-se, assim, uma questão social, e não médica. Desta forma, a ação terapêutica é dirigida para alterar as relações entre o comportamento (sintoma) e seus determinantes ambientais ou cognitivos. O modelo psicológico não nega necessariamente a interferência de fatores mediacionais, como os processos cognitivos, mas reconhece o caráter inferencial de sua postulação e estudo e procura então estabelecer firmemente as relações destes com variáveis observáveis. Exige também que tanto a descrição quanto a explicação sejam feitas em termos que permitam uma verificação experimental. A própria terapia é concebida como um aspecto particular do problema geral de aquisição de respostas, o que conduz a um conceito amplo de “laboratório”. Isto implica conduzir cada tratamento como uma investigação experimental, no que diz respeito a medidas e testes e à garantia de poder afirmar, a cada momento, com segurança, de que modo e quanto que as intervenções realizadas são, ou não, responsáveis pelos resultados obtidos. Assim, o modelo psicológico apenas explicita as suposições básicas e os critérios que devem cumprir as conceituações teóricas que sejam postuladas para explicar o comportamento. O modelo psicológico resume os critérios metaempíricos da ciência psicológica, sem que isto implique um pronunciamento a favor de alguma teoria em particular. Há poucas possibilidades para uma eventual “substituição de sintomas”, sob o argumento de que a “causa” não foi manipulada: há, de fato, manejo das causas: apenas estas são concebidas como sendo outras e diferentes daquelas propostas pelas teorias psicodinâmicas. A questão torna-se, então, meramente empírica: deve-se esperar uma quantidade razoável de tempo para se verificar se há ou não tal substituição de sintomas. A longa experiência clínica dos autores, bem como o exame de resultados empíricos e experimentais (histórias de caso e experimentos controlados), indicam que a evidência é esmagadora contra a hipótese de substituição. Os resultados terapêuticos da PCC costumam ser bastante estáveis e resistentes no tempo e, nos poucos casos de reversão, novos acontecimentos específicos podem ser adequadamente hipotetizados como responsáveis.


Outro pressuposto é o de que, assim como o nosso repertório comportamental — seja ele considerado normal ou anormal — é, em sua maior parte, adquirido por um processo de aprendizagem, a mudança também se dará no contexto de uma experiência de aprendizagem. Isto significa que devem ser criadas condições para que possam ser aplicados, de forma cuidadosa e segura, os princípios que determinaram a aquisição e manutenção de nossos comportamentos (por exemplo, condicionamento clássico ou operante, modelação etc.). Portanto, o processo psicoterapêutico será caracterizado, fundamentalmente, pela promoção de uma aquisição das habilidades necessárias a um funcionamento efetivo em cada área da vida. Coerentemente, os objetivos do processo terapêutico devem ser específicos e claramente definidos, de modo a permitir a adequada aplicação daqueles princípios. Se a PCC não conceitua a resposta mal-adaptada como decorrente de um desequilíbrio na “estrutura da personalidade”, obviamente o objetivo não pode ser o de reestruturá-la. Além da condição para o tratamento, esta especificação permite uma avaliação rigorosa do progresso e a verificação se os objetivos propostos foram atingidos. A relação terapêutica se dá num clima de cordialidade, respeito e aceitação. Este clima se estabelece pelo próprio fato de as queixas apresentadas pelo paciente serem compreendidas como seu problema real. Os métodos psicodinâmicos, ao contrário, tendem a ver os distúrbios psicológicos como emanados de um estado ou processo interno, geralmente de natureza “inconsciente”. Visto dessa maneira, isto supostamente leva o paciente a descrevê-lo de forma artificial ou distorcida, em obediência a uma “resistência”, o que torna necessária a intervenção do psicoterapeuta para descobrir os “verdadeiros” motivos da queixa. Mesmo considerando que distorções ou omissões costumam ocorrer durante o tratamento, a atitude do terapeuta cognitivo-comportamental de considerar o manifesto como “o problema” pertinente, mesmo que isso implique a busca de fatores e processos não imediatamente acessíveis (como certas contingências de reforçamento ou certos esquemas), e de discutir francamente a questão, denota uma atitude de respeito à capacidade e à autonomia do paciente. Como a PCC se concentra no aqui-e-agora e dedica pouca importância ao insight histórico relativo ao material infantil, existe sempre a possibilidade da intervenção do terapeuta que, ativamente, escuta, observa e interfere, diretivamente, em benefício do paciente, rompendo até, muitas vezes, as barreiras da sala de atendimento e indo junto com o cliente na direção dos ambientes diretamente relacionados ao(s) seu(s) problema(s), de forma que a mudança possa, de fato, ocorrer.

Processo terapêutico: avaliação O processo de diagnóstico em TC tem características, propriedades, categorias e objetivos peculiares que o distinguem radicalmente dos processos diagnósticos tradicionais, sejam eles psiquiátricos ou psicodinâmicos. As deficiências da nosologia psiquiátrica e do modelo psicodinâmico na compreensão e explicação dos fenômenos desviantes são empiricamente demonstráveis.


A evolução da terapia pode ser subdividida em cinco etapas: avaliação clínica, formulação e discussão, intervenção terapêutica e acompanhamento. Na primeira fase, o paciente é entrevistado em relação a cada problema ou queixa apresentada. Cada dificuldade sua, bem como a totalidade de seus comportamentos na vida, serão objeto de uma análise funcional calcada nas seguintes variáveis: 1. Estímulos: todas as situações, atividades etc. que eliciam ou tornam mais prováveis as respostas; 2. Organismo: todas as variáveis (intervenientes, mediacionais) pessoais. como motivações, predisposições genéticas, bioquímicas, endocrinológicas ou neurofisiológicas; valores morais e religiosos, crenças, regras etc. 3. Respostas: toda resposta abrange três sistemas interligados: a) cognitivo: todos os pensamentos, imagens ou quaisquer outros processos cognitivos que uma pessoa apresenta em relação a uma situação estimuladora externa ou interna; b) autonômico: todas as reações corporais correspondentes à experiência emocional, como reações de taquicardia, sudorese, tensões musculares, tremores etc.; c) comportamental propriamente dito: todos os comportamentos operantes por meio dos quais uma pessoa atua em e modifica o seu ambiente. 4. Conseqüências: qualquer ação é seguida por uma mudança no próprio organismo (cognitiva ou autonômica) e/ou no ambiente. Esta conseqüência tem uma influência sobre as suas cognições, sobre as suas reações emocionais e sobre comportamentos futuros semelhantes. As relações entre estes fatores são estabelecidas quase sempre por meio de uma observação direta do comportamento, que freqüentemente é realizada por mais de um observador de modo a alcançar um índice maior de fidedignidade. Esta observação é precedida pelo estabelecimento de definições claras e operacionais das respostas em questão cujo objetivo é diminuir a probabilidade de erros de avaliação durante a observação. Ao se estabelecer qual ou quais comportamentos devem ser estudados e observados, são fixados também os comportamentos terminais, isto é, aqueles que a pessoa deve estar apresentando ao final do tratamento. Estes também são definidos de forma clara e precisa para que tanto o terapeuta quanto o cliente sejam capazes de averiguar com exatidão se foram atingidos. Fixados os comportamentosproblema e os comportamentos terminais e de posse dos resultados das observações, que indicam as relações funcionais entre os comportamentosproblema e as variáveis que os determinam, pode-se então fazer um planejamento seguro dos passos a serem seguidos de forma a atuar sobre os comportamentosproblema até se conseguir produzir e estabilizar a emissão dos comportamentos terminais. E como as medidas são constantes, é possível a cada instante avaliar o andamento do processo, a validade das hipóteses estabelecidas, bem como a adequação do planejamento como um todo. Assim, nesta formulação está implícito que não só classificam pessoas, e sim respostas, e que os problemas que uma pessoa apresenta podem ser vários,


podendo até acontecer que sejam regidos, cada um por processos diferentes. Conseqüentemente, o tratamento será específico, afetando as variáveis que controlam cada um dos comportamentos-problema.

Processo terapêutico: formulação de caso e experimentação clínica O objetivo da fase de avaliação é conseguir desenvolver uma formulação dos problemas apresentados. Pode-se definir uma formulação como uma hipótese ou “teoria” que relacione todas as queixas do paciente entre si de uma forma lógica e significativa; que busque explicar por que o indivíduo desenvolveu estas dificuldades e o que as mantém; e que possibilite o desenvolvimento de um plano de tratamento. Uma formulação também permite que se fortaleça a aliança terapêutica e a adesão ao tratamento pela compreensão que o paciente tem do que ocorre consigo e pela esperança de mudança que se estabelece a partir dela. Para testar sua formulação, estabelecem-se certos “experimentos clínicos” que vão testar as hipóteses formuladas sobre o caso. Baseado nessas informações, é proposta uma metodologia de mudança baseada no conhecimento já experimentalmente validado, mas específico para cada paciente. A intervenção terapêutica deve prever mudanças mensuráveis, que permitam uma avaliação dos progressos alcançados. Esta abordagem dos fenômenos clínicos é guiada por premissas básicas das quais destacam-se: (1) o trabalho clínico é visto (e praticado) como um empreendimento científico; e (2) é assumido o princípio do determinismo. No enfoque científico do caso único, uma hipótese é criada, experimentalmente testada e então avaliada, tendo por base os resultados do teste experimental. Portanto, o método da ciência (o método experimental) depende da disponibilidade de uma hipótese testável. Um ponto de vista determinista do comportamento supõe que todo o repertório comportamental de um paciente deveria ser passível de compreensão em termos de uma história causal. A atuação clínica seria, portanto, um processo contínuo de testagem de hipóteses e de intervenções delas derivadas. Testam-se hipóteses desde o contato inicial com o paciente, durante o tratamento e até durante o acompanhamento. A efetividade clínica do terapeuta cognitivo-comportamental depende da relação com o cliente. Em essência, o clínico deve desenvolver uma relação na qual o cliente se sinta aceito, compreendido e confortável para fornecer a informação e a cooperação necessárias. Obviamente, o comportamento do clínico vai variar de caso para caso. Mais importante, o clínico usa a relação para continuar testando, reformulando e retestando hipóteses. A grande vantagem desta abordagem apresentada é que o clínico valida as suas hipóteses e suposições sobre o paciente, o que resulta num aumento da probabilidade da eficácia do tratamento.

Aplicações clínicas O campo de atuação da psicoterapia cognitivo-comportamental tornou-se bastante amplo e muito diferente de seus primórdios, na década de 60. A própria mudança do nome é significativa: de um conjunto de técnicas estritamente comportamentais para problemas específicos, que a tornaram conhecida como modificação de comportamento, até a prática atual, que resgata o paciente como uma pessoa


integral com sua ênfase na relação terapêutica como território da mudança. Com a valorização de aspectos cognitivos mediacionais, distanciou-se muito dos modelos estritos de condicionamento e, por isso, ganha a característica de psicoterapia, mas com acento cognitivo-comportamental. Ela é usada, atualmente, no tratamento dos transtornos da ansiedade (transtorno do pânico, agorafobia, TAG, TOC, fobia social, fobias específicas, TEPT); afetivos (depressão maior e distimias); adições (fumo, álcool, drogas); transtornos alimentares (anorexia, bulimia, obesidade); disfunções sexuais (anorgasmia, ejaculação precoce, disfunção erétil e outras): dificuldades interpessoais (timidez, assertividade); retardo mental; autismo: transtornos dissociativos (esquizofrenia); transtornos da personalidade; problemas relacionados ao desenvolvimento e ao envelhecimento, a relações afetivas entre casais, ‘a reabilitação da saúde física e neuropsicológica, à morte etc.

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4 História da psicoterapia comportamental Adriana B. Barcelios e Verônica Bender Haydu A Terapia Comportamental constituiu-se em um movimento formal somente na década de 60 e foi difundida mundialmente na década seguinte. A sua origem está fundamentada em diversas posições teóricas e os métodos psicoterápicos atuais evoluíram a partir de uma variedade de técnicas e procedimentos de intervenção praticados no século passado. Devido ao fato de a Terapia Comportamental ter sua origem em diversas posições teóricas, a sua evolução ao longo dos anos é acompanhada por inúmeras discussões e divergências quanto aos princípios teóricos e metodológicos que a caracterizam. Esta divergência está refletida em parte na terminologia empregada para denominar esta área de atuação profissional, sendo as expressões Modificação do Comportamento e Terapia Comportarnental as mais comumente empregadas. A primeira foi utilizada principalmente por autores que fundamentaram seus estudos no paradigma de condicionamento operante e a segunda para designar estudos baseados no paradigma de condicionamento respondente. Estas duas expressões também foram empregadas de forma distinta em relação ao tipo de situação de intervenção, sendo Modificação do Comportamento usada para identificar procedimentos realizados em situações grupais e institucionais. Terapia Comportamental, por sua vez, foi utilizada principalmente em contexto clínico tradicional, em que a intervenção é feita com pacientes externos individuais. A distinção entre estas duas expressões, no entanto, nunca foi amplamente aceita, verificando-se que a maioria dos autores da área tende a utilizá-las como sinônimas, como foi feito por Ullmann e Krasner (1965). Atualmente, observa-se que há uma tendência para o uso predominante da expressão Terapia Comportamental e é devido a esta tendência que esta expressão será empregada prioritariamente no presente capítulo.

Desenvolvimento da terapia comportamental A análise da origem da Terapia Comportamental deve iniciar, como foi feito por Kazdin (1985), com a descrição do efeito mais abrangente que o desenvolvimento da Filosofia, das Ciências Biológicas e da Física, exerceram na formação da Psicologia como uma ciência natural. Neste sentido, foram decisivos tanto o desenvolvimento de pesquisas e os avanços na elaboração de teorias da Física que possibilitaram uma maior compreensão da matéria física, quanto a evolução das pesquisas em Biologia que tornaram possível o progresso na compreensão da etiologia de determinadas doenças orgânicas e dos procedimentos para o seu tratamento. Além disso, a proposição da teoria de Darwin, com seus conceitos de adaptação dos organismos a seu ambiente e da continuidade das espécies, foi fundamental para a constituição da Psicologia e o subseqüente processo de desenvolvimento da Terapia Comportamental.


De forma mais específica, Kazdin (1985) considera que a atual Terapia Comportamental evoluiu principalmente a partir do desenvolvimento das pesquisas em Fisiologia na Rússia, do surgirnento do Behaviorismo na América e de desenvolvimentos na Psicologia da Aprendizagem. Todo esse progresso científico geral contribuiu para o surgimento dos quatro principais enfoques conceituais dentro da Terapia Comportamental que são a orientação de Condicionamento Respondente, a orientação de Condicionamento Operante, a teoria da Aprendizagem Social e a Modificação de Comportamento Cognitivo. As orientações respondente e operante foram as primeiras a serem elaboradas e surgiram, no início do século XX, a partir dos trabalhos de Pavlov (1903, 1919, 1921) e de Thorndike (1911), respectivarnente. Pavlov estabeleceu os princípios de condicionamento respondente ou clássico e Thorndike a Lei do Efeito. Esses estudos, segundo Queirós (1973), representam mais do que a simples descoberta de princípios e leis. Eles marcaram o início de uma nova atitude na ciência Psicológica que implica restringir a análise do comportamento aos eventos observáveis. Uma outra grande contribuição para o desenvolvimento da Psicologia em geral e a Terapia Comportamental em particular, feita no início do século XX, foi dada por Watson, cujos estudos se fundamentaram no paradigma de condicionamento respondente. Em 1913, Watson publicou “A Psicologia tal como a vê um behaviorista”, artigo que fundou o Behaviorismo e sobre o qual foi sustentada a proposição de que o conceito de hábitos aprendidos poderia explicar a maior parte dos comportamentos humanos. Watson afirmou que a Psicologia, do ponto de vista behaviorista, era puramente objetiva e experimental, deixando de lado a introspecção como objeto de estudo da mesma. A orientação operante originou das pesquisas de Thorndike (1911), mas a popularização e aplicação dos princípios de condicionamento operante a diversas áreas foram realizadas por Skinner cujo nome é freqüentemente citado, segundo Calhoun e Turner (1981), como sinônimo de princípios de condicionamento operante. A análise do desenvolvimento da Terapia Comportamental será feita a seguir em ordem cronológica, por décadas, destacando-se algumas das principais contribuições para o surgimento das quatro orientações acima citadas e que exerceram influência significativa na prática terapêutica brasileira. Serão analisados brevemente os estudos que consideram básica a noção de que a Terapia Comportamental parte do princípio de que os comportamentos são aprendidos. Mesmo o comportamento desajustado se desenvolve por meio de um processo de aprendizagem e é por meio de aprendizado que o indivíduo com problemas adquire comportamentos apropriados e ajustados. 1. Década de 20 Na década de vinte foram realizadas, principalmente, pesquisas baseadas no paradigma respondente, podendo ser encontrados estudos sobre reações emocionais como o medo e trabalhos de aplicação clínica destes princípios no tratamento de maus hábitos e alcoolismo. O estudo clássico sobre condicionamento


respondente é o de Watson e Rayner (1920) os quais condicionaram respostas de medo a um rato branco, em um bebê de onze meses, demonstrando a generalização do medo a outros animais e também a objetos de pelúcia. Destacam-se ainda, nessa época, os estudos de Jones (1924). que demonstrou experimentalmente a extinção do medo de animais em crianças; de Krasnogorsky (1925), que elaborou a técnica de inundação para a superação de neuroses experimentais em crianças, e de Kantorovich (1929), que utilizou procedimentos terapêuticos aversivos para o tratamento do alcoolismo. 2. Década de 30 O Behaviorismo de Watson estendeu-se de 1912 a 1930, tendo como meta fornecer à Psicologia uma base para avançar de maneira mais rápida e segura na produção de conhecimentos e superar a estagnação gerada pelo método introspectivo nessa ciência. No entanto, este objetivo não foi completamente atingido, pois no começo da década de 30 havia muita pesquisa experimental, mas poucos princípios preditivos. Tais fatos impulsionaram o emergir de urna nova postura dentro do Behaviorisrno. De acordo com esta nova postura, o objetivismo foi proposto no plano conceitual, envolvendo uma elaboração teórica rigorosa. A obra de HulI (1935), The conflicting psychologies of learning — a way out, representa uma grande contribuição neste sentido. Assim, nessa época, a análise das variáveis intervenientes ou de determinantes internos do comportamento foi introduzida na orientação operante, evento que antecedeu o surgirnento da terapia Comportarnental Cognitiva, em anos subseqüentes. A Psicologia da Aprendizagem começou a ter cada vez mais relevância na explicação da aquisição do comportamento, surgindo entre as diversas outras teorias da aprendizagem, a teoria da Aprendizagem Contígua (Guthrie, 1935), que propõe ser a aprendizagem determinada pelo emparelhamento entre o estímulo e a resposta. Nessa época destacam-se ainda os estudos de Thorndike (1932), que demonstraram a importância das consequências no controle do comportamento e que contribuíram para a elaboração do paradigma de condicionamento operante desenvolvido por Skinner (1935, 1937). Corno foi citado anteriormente, Skinner passou a ser o principal representante desta orientação e os princípios de condicionamento operante foram considerados como sendo aqueles que explicam a maior parte dos comportamentos humanos e animais. Em 1938, Skinner contribuiu para formalizar a distinção entre a metodologia de Pavlov e a de Thorndike, introduzindo a terminologia atualmente utilizada para identificar os princípios de condicionamento respondente e de condicionamento operante. De modo geral a proposição dos princípios de condicionamento operante foi muito significativa para a evolução da Terapia Comportamental, no entanto, na década de 30, ainda predominaram os estudos envolvendo o paradigma respondente. Como exemplos deste último tipo de estudo podem ser citados os trabalhos de Dunlap (1932), que explorou as possibilidades terapêuticas de uma técnica chamada “prática negativa”, a qual consistiu em eliciar repetidamente hábitos motores indesejáveis; Guthrie (1935) criou uma técnica precursora da dessensibilização sistemática; e Mowrer e Mowrer (1938), que propuseram técnicas de tratamento de crianças com enurese.


3. Década de 40 De maneira inequívoca, as características gerais da postura behaviorista mudaram novamente a partir de meados da década de 40. O comportamento passou a ser explicado, também, por meio dos conceitos de instinto, de percepção e de pensamento. Pesquisas a respeito das bases fisiológicas do comportamento foram desenvolvidas, em especial do sistema nervoso, e os estudiosos recorreram, em maior grau, às formulações teóricas. Guthrie (1942), em sua obra Conditioning: a theory of learning ia ter,ns ofstimulus, response, and association, definiu o estímulo em termos perceptuais, levando em consideração o significado deste para o organismo e tentou avançar em relação à definição da resposta considerada como sendo um movimento no espaço. Foram assim caracterizadas as bases para o surgimento de urna nova postura behaviorista, a qual emergiu a partir da década de 50, como precursora da atual Terapia Comportamental Cognitiva. Por outro lado, Skinner (1945) desenvolveu sua filosofia da Ciência do Comportamento, denominando-a Behaviorismo Radical, nome pela qual a posição deste autor é conhecida até hoje. Para Skinner, o Behaviorismo Watsoniano não alcançou seu potencial porque nunca conseguiu explicar de maneira adequada o comportamento verbal. Entre os trabalhos mais relevantes realizados na década de 40, de acordo com a orientação respondente, deve ser destacado o de Salter (1941), que elaborou técnicas de auto-hipnose para o autocontrole, o tratamento da gagueira, o roer unhas e a insônia, baseando-se nos trabalhos de Pavlov sobre excitação e inibição. Em 1949, Salter publicou o livro, Conditioned reflex ofpersonality, no qual apresentou a base conceitual de suas técnicas. A importância do trabalho de Salter está relacionada ao fato de terem sido elaboradas técnicas de modificação do comportamento que se assemelham às práticas contemporâneas de treinamento assertivo, dessensibilização sistemática, autocontrole, ensaio comportamental e tratamento baseado na imaginação (Kazdin, 1985). Outro estudo importante, que investigou os processos de condicionamento respondente, foi realizado por Masserman (1943), que em suas pesquisas experimentais com gatos, questionou a posição dos fisiólogos quanto às bases orgânicas das neuroses. Os resultados de seu estudo mostraram que a aprendizagem tem um papel fundamental na aquisição dos comportamentos desajustados. Este trabalho teve grande importância para a prática clínica da época, por ter mudado totalmente o enfoque do tratamento das neuroses. Dentro de uma linha de pesquisa de caráter mais fisiológico deve ser citada a contribuição do estudo de Sherrington (1947) que descobriu o princípio da inibição recíproca utilizado amplamente na prática clínica. As pesquisas de orientação operante, dessa época, foram na sua maioria desenvolvidas com organismos infra-humanos, destacando-se entre elas o estudo de Estes e Skinner (1941) sobre ansiedade condicionada. Nesse experimento a ansiedade foi registrada pela observação das alterações que o emparelhamento do tipo respondente provocou no comportamento operante, mantido por reforçamento naquela situação. Um dos primeiros estudos experimentais com seres humanos foi o de Fuiler (1949), que consistiu em modelar movimentos do braço direito de um adulto profundamente retardado, que praticamente não se movimentava.


4. Década de 50 Nessa década foram feitas importantes contribuições para o desenvolvimento da Terapia Comportamental, originadas de estudos realizados em diferentes países, os quais começaram de forma independente, mas que exerceram influências recíprocas subseqüentes. Um dos acontecimentos mais decisivos para a formação da Terapia Comportamental foi o trabalho de Wolpe (1952), na África do Sul. Wolpe estava interessado na Psicologia da Aprendizagem como uma possível fonte para o desenvolvimento de técnicas de tratamento clínico. Segundo Kazdin (1985), suas investigações foram baseadas no princípio do condicionamento respondente de Pavlov (1919, 1921), na teoria de aprendizagem de HuIl (1935), no estudo de condicionamento de Watson e Rayner (1920) e na pesquisa de Sherrington (1947) sobre inibição recíproca. Este trabalho culminou com o desenvolvimento da técnica de dessensibilização sistemática (Wolpe, 1958). Em relação ao desenvolvimento da Terapia Comportamental na Inglaterra distinguem-se os trabalhos de Eysenck e Shapiro. Em 1952, Eysenck publicou o livro The effects of psychotherapy: an evaluation, no qual criticou as práticas psiquiátricas e psicológicas tradicionais, afirmando não haver evidência científica de que as melhoras obtidas pelos clientes eram determinadas pela terapia, uma vez que estas poderiam ocorrer sem um tratamento formal, pela simples passagem do tempo. Eysenck acreditava que o psicólogo deveria ser um pesquisador e apoiar-se, principalmente, nos princípios da Psicologia Geral em sua prática clínica. Shapiro (1952) desenvolveu seu trabalho psicoterápico com procedimentos próprios da pesquisa experimental, manipulando de maneira sistemática a variável independente (causas do comportamento) para produzir mudanças na variável dependente (comportamento anormal). Considerava que o paciente poderia servir como seu próprio controle, isto é, que a intervenção terapêutica deveria ser abordada como um estudo de caso único. Shapiro sustentava que o psicólogo clínico devia ser responsável pela formulação de suas próprias hipóteses a respeito de um determinado paciente sem necessitar, obrigatoriamente, recorrer a uma bateria de testes para formular tais hipóteses. Na América foi destacado, nesse período, o trabalho de Dollard e MilIer (1950), que elaboraram um modelo teórico do comportamento anormal, deduziram deste modelo métodos de tratamento e aplicaram tais métodos a estudos de anormalidades específicas. Nesta obra, Dollard e Miller traduziram os conceitos psicanalíticos à linguagem própria da Terapia Comportamental, o que entretanto, não contribuiu de forma marcante para a elaboração de técnicas terapêuticas. Nessa época, o paradigma de condicionamento operante passou a exercer grande influência na orientação dos estudos e das intervenções psicoterápicas. Keller e Shoenfeld (1950; ver também tradução brasileira de 1973) e Skinner (1953) publicaram duas obras que representam importantes contribuições para a análise experimental do comportamento e para a aplicação dos princípios básicos do comportamento em diversos contextos da vida diária, embora não tenham incluído técnicas de modificação do comportamento. Skinner (1953) dedicou, no entanto, um tópico à psicoterapia, no qual é sugerido que as contingências de reforço estabelecidas pelo terapeuta são os principais eventos ambientais responsáveis por qualquer mudança comportamental apresentada pelo cliente.


Ainda na década de 50, destaca-se a publicação de Skinner (1957), Comportamento verbal, na qual foram definidas as unidades funcionais do comportamento verbal e as variáveis das quais este comportamento é uma função. Skinner afirmou que o reforçamento do comportamento verbal é mediado pelo ouvinte, enfatizando o papel da comunidade na modelagem e manutenção deste tipo de comportamento. A análise do comportamento verbal como um operante suscitou pesquisas sobre condicionamento verbal que investigaram a influência do experimentador sobre as verbalizações do sujeito, sendo que alguns destes estudos foram conduzidos em situações que lembravam a psicoterapia (por exemplo, Krasner, 1955, 1958). Tais estudos demonstram a importância do condicionamento verbal operante para a interação entre terapeuta e cliente e contribuíram para a aplicação dos princípios da aprendizagem à análise do comportamento verbal em situações terapêuticas. Um evento historicamente relevante, nessa época, foi a publicação, em 1958, do primeiro exemplar de The Journal ofthe Experimental Analysis of Behavior, periódico que até hoje se caracteriza como sendo um dos principais veículos de divulgação da produção científica da área. Nesse primeiro volume Flanagan, Goldiamond e Azrin (1958) apresentaram um estudo de caráter clínico que objetivou estabelecer o controle operante da gagueira. 5. Década de 60 O contraste entre a aplicação diversificada dos estudos fundamentados no paradigma operante e a aplicação mais restrita daqueles baseados no paradigma respondente começou a tornar-se cada vez mais evidente nessa década. A orientação respondente foi direcionada cada vez mais para intervenções em situações clínicas com pacientes externos, enfocando os comportamentos neuróticos e a utilização de técnicas que procuram reduzir a ansiedade dos pacientes. As obras relevantes desta postura são as de Eysenck (1960a e b) e Wolpe (1966). Eysenck (l960a) apresentou uma série de estudos de caso que utilizaram variações dos procedimentos de condicionamento respondente. Eysenck (1960b) demonstrou que as reações neuróticas de humanos e de animais não são facilmente elimináveis pela eliciação repetida das mesmas e propôs técnicas de intervenção, usando a inibição recíproca e o contracondicionamento gradativo da ansiedade. Wolpe (1966) aplicou a dessensibilização sistemática a pacientes fóbicos. Por outro lado, a orientação operante tendeu a diversificar sua área de atuação, baseada no pressuposto de que o comportamento dos organismos é função direta do ambiente e que o melhor lugar para modificar o comportamento-problema é o próprio ambiente em que ele ocorre (Queirós, 1973). Esta característica da orientação operante pode ser constatada a partir das inúmeras publicações de intervenção em uma variedade de contextos (ver, por exemplo, Ulrich, Stachinick e Mabry, 1966, ver também tradução mexicana de 1973). Dois estudos que se tornaram representativos deste tipo de atuação foram os de Ayllon e Azrin (1968), que trabalharam na implantação de um sistema de reforçamento com fichas para pacientes psiquiátricos hospitalizados. Duas obras que não podem deixar de ser citadas devido ao grande impacto que as mesmas produziram na atuação dos terapeutas comportamentais foram as de Ullmann e Krasner (1965, 1969). A primeira reuniu uma coletânea de estudos de


caso realizados por diversos autores tanto de orientação respondente como operante, em procedimentos de intervenção clínica com adultos e crianças, como por exemplo, em casos de fobias, problemas sexuais, gagueira e birras infantis. Na segunda obra foi reenfatizado o pressuposto de que o comportamento anormal é aprendido por suas conseqüências, da mesma maneira que o comportamento normal. Uma outra grande contribuição para o desenvolvimento da Terapia Comportamental foi a publicação do primeiro número de The Journal of Applied Behavior Analysis, em 1968. O título deste periódico introduziu uma nova expressão (Análise do Comportamento Aplicada) que foi utilizada, mais especificamente, para denominar a orientação operante caracterizada pela aplicação diversificada do paradigma operante a diversos contextos. 6. Década de 70 De acordo com Martin e Pear (1983), nos anos 70, a Terapia Comportamental foi consagrada como um movimento mundial. Contribuições significativas para o desenvolvimento da Terapia Comportamental foram realizadas na Austrália e em diversos países da América e da Europa, como, por exemplo, pesquisas sobre treino para a aquisição de comportamento social por parte de crianças pequenas, autocontrole (tabagismo, obesidade, alcoolismo), terapia sexual, avaliação comportamental de crianças portadoras de deficiências e muitas outras. Também nessa década os terapeutas comportamentais, de orientação operante, começaram a interessar-se pela avaliação sistemática e o desenvolvimento de métodos para melhorar diversas áreas importantes para a sociedade como: integração social, controle da poluição ambiental, utilização de transportes coletivos, problemas na indústria, planejamento ambiental, funcionamento governamental, reforma penitenciária, teoria econômica e política de empregos. E cada vez mais foi documentada a presença de terapeutas comportamentais em áreas tais como medicina, psicologia comunitária, psicologia organizacional, lazer e educação física. Em relação à aplicação de técnicas baseadas no paradigma respondente, foi observado que, nessa década, passou-se a considerar a dessensibílização sistemática como uma das técnicas-padrão, utilizadas para o tratamento de fobias. Não obstante, foram realizados diversos estudos experimentais cujos resultados levaram ao questionamento da fundamentação teórica proposta inicialmente para a técnica elaborada por Wolpe (1966), tendo sido alteradas partes do procedimento original. Apesar de avanços significativos terem sido realizados na proposição de princípios comportamentais e na aplicação de tais princípios nos processos terapêuticos, a prática da Terapia Comportamental sofreu muitas críticas devido ao seu marcado tecnicismo e por suas deficiências em lidar com os comportamentos humanos complexos, como as cognições. Numa tentativa de lidar com esses conteúdos emergiram, nessa década, a teoria da Aprendizagem Social de Bandura (1977) e a Modificação de Comportamento Cognitiva, defendida por Ellis (1 974) e Beck (1979, ver também tradução brasileira de 1982), entre outros. Esta última utiliza técnicas fundamentadas em princípios comportamentais, porém, atribui status causal dos comportamentos aos processos mediacionais cognitivos os quais passam a explicar os comportamentos. Por outro lado, a teoria da Aprendizagem Social postula a


explicação causal do comportamento na interação do ambiente externo com os processos mediacionais do indivíduo, como auto-eficácia percebida, modelagem abstrata etc. Segundo Voughan (1989), o avanço da Terapia Comportamental Cognitiva levou os pesquisadores da área operante a desenvolverem um número maior de pesquisas com seres humanos e contribuiu para que Skinner (1966) desenvolvesse o conceito de Comportamento Governado por Regras. Voughan destacou, no entanto, que esta evolução foi, além disso, conseqüência da maturidade da própria Ciência do Comportamento. A influência marcante das duas orientações cognitivistas sobre a prática da terapia comportamental é evidenciada nas publicações dos manuais desta área, entre os quais se destacam as seguintes obras: Prática da terapia coínportainental, de Wolpe (1973, ver também tradução brasileira de 1986), Behavior therapy, de Yates (1970, ver também tradução mexicana de 1973), e Behavior therapy, de Rimm e Masters (1979, ver também tradução brasileira de 1983). Nessas três obras são apresentadas revisões históricas do surgimento da Terapia Comportamental e, de maneira consideravelmente completa, a fundamentação teórica desta abordagem terapêutica. Esses livros incluem capítulos que descrevem e fundamentam um conjunto de técnicas terapêuticas aplicadas a comportamentosproblema específicos como enurese, fobias, alcoolismo, obesidade e outros. Um amadurecimento mais acentuado é observado, em termos de sistematização da Terapia Comportamental, com base nos resultados de sucessivas aplicações. Além disso, há uma tendência por parte dos autores ou organizadores, com exceção de Wolpe (1973), a incluírem propostas de análise de alguns comportamentosproblema, a partir de uma postura cognitivista. 7. Década de 80 Na década de 80 foi publicada uma obra muito importante para a Terapia Comportamental no Brasil, organizada por Lettner e Rangé (1987) e intitulada Manual de psicoterapia comportainental. Esta obra também foi organizada da mesma forma que as de Wolpe (1973), Yates (19970) e a de Rimm e Masters (1978), publicadas na década anterior. A análise desse material bibliográfico permite constatar que a influência da abordagem cognitiva é muito marcante. Esta postura é, no entanto, muito criticada por diversos autores (por exemplo, Sidman, 1986; Skinner, 1977; Zettle e Hayes, 1982), que argumentam ser desnecessário apelar para conceitos cognitivos ao se analisar o comportamento humano nos diversos contextos incluindo o clínico. De acordo com esta posição foram publicados nas décadas de 80 e 90 diversos trabalhos que apresentam propostas de intervenção terapêutica baseadas no Behaviorismo Radical e na análise do comportamento verbal. Entre essas publicações podem ser destacadas, o artigo de Hayes (1987) intitulado “A contextual approach to therapeutic change” e o de Kohlemberg e T’Sai (1987), “Functional analitic psichotherapy”. Hayes (1987) enfatizou em seu trabalho os aspectos da natureza e das causas do comportamento, baseando-se em princípios fundamentais do Behaviorismo Radical como o contextualismo, o monismo e o funcionalismo. A proposta deste autor apóiase fortemente nas decorrências do conceito de Comportamento Governado por Regras, o qual implica controle por estímulos de natureza verbal. Hayes definiu os estímulos verbais como estímulos que possuem propriedades eliciadoras,


estabelecedoras, reforçadoras ou discriminativas devido a sua participação em quadros relacionais. Para compreender os fenômenos clínicos adultos é necessário, segundo Hayes, entender por que as regras têm efeitos tão marcantes e generalizados sobre a influência que o ambiente exerce sobre o comportamento humano. Hayes afirma que uma modificação do controle exercido por regras sobre outras classes de comportamento pode envolver a alteração das contingências que implicam controle verbal, sem ter que primeiro mudar as próprias regras. Só recentemente os terapeutas comportamentais passaram a considerar a mudança comportamental em clínica como determinada, em grande parte, pela relação entre o cliente e o terapeuta. O trabalho de Kohlemberg e T’Sai (1987) reflete esta preocupação, propondo estabelecer um relacionamento genuíno e significativo, que implica um envolvimento emocional profundo entre terapeuta e cliente. Esta abordagem terapêutica tem fornecido uma linguagem que esclarece a interação entre o comportamento de um indivíduo e o ambiente natural, sendo seus procedimentos baseados no esquema conceitual desenvolvido por Skinner (1945, 1953, 1957, 1974). Este enfoque terapêutico enfatiza a análise funcional dos comportamentos clinicamente relevantes que ocorrem em sessão, com os quais o terapeuta vai trabalhar e aplicar o princípio de reforçamento natural para a aquisição, manutenção e generalização de comportamentos dos clientes. As obras de Hayes (1987) e de Kohlemberg e T’Sai (1987) caracterizam tendências contemporâneas marcantes dentro da Terapia Comportamental, mas não as únicas. A orientação mais tecnicista dentro da mesma, característica da década de 70, convive com estes novos enfoques terapêuticos.

Status atual da terapia comportamental Ao discutir o que é Terapia Comportamental, hoje, implica considerar os caminhos que representam a orientação de Condicionamento Respondente e a orientação de Condicionamento Operante. No caso de tomar a expressão Terapia Comportamental em sentido mais amplo, podem ser considerados um terceiro e quarto caminhos que são o da teoria de Aprendizagem Social, Modificação do Comportamento Cognitivista. De acordo com Sant’Anna e Gongora (1987), o status da Terapia Comportamental nas décadas de 70 e 80 sustentava-se na perspectiva monista, posição esta que não implica a exclusão de variáveis orgânicas como determinantes do comportamento. O comportamento anormal é aprendido e explicado segundo os mesmos princípios do comportamento normal que é assim classificado pelo julgamento social. O terapeuta interage com o cliente considerando-o como uma pessoa normal, que é tanto produto como produtor de contingências e isso determina a direção da modificação de seu comportamento e de sua identidade. O procedimento metodológico adotado consiste em avaliar primeiro, devido aos objetivos terapêuticos, os comportamentos-problema. A avaliação e a intervenção são processos imbricados, sendo realizados durante toda a terapia. Quando o cliente aprende a aplicar a Análise Funcional do Comportamento às contingências ambientais determinantes de suas queixas, são conseguidos resultados terapêuticos mais duradouros e generalizados. A Terapia Comportamental é considerada como sendo limitada se comparada às contingências naturais, por esse motivo deve auxiliar aqueles indivíduos que realmente precisam dela e somente em um determinado período de suas vidas.


Essas características definidoras do status da Terapia Comportamental podem ser consideradas como sendo válidas até hoje. A Terapia Comportamental evoluiu com as contribuições dadas pelas abordagens terapêuticas de Hayes (1987) e de Kohlemberg e T’Sai (1987) e continua evoluindo a partir do trabalho destes e de outros autores, como os de Rosenfarb (1992), Foliete, Bach e Follete (1993) e Sant’Anna (1994). Rosenfarb (1992), assim como Kohlemberg e T’Sai (1987), aplica princípios de aprendizagem à análise dos processos que fazem com que as mudanças terapêuticas sejam produzidas pela própria relação terapêutica, que é identificada por Rosenfarb como um processo de modelagem em que o terapeuta modifica seu próprio comportamento interpessoal em razão do comportamento do cliente. As conseqüências da interação com o terapeuta são usadas para modelar novas respostas do cliente, tanto verbais como não-verbais. O autor afirma que o terapeuta usa de reforçadores naturais quando seu comportamento está sob o controle do comportamento do cliente e não sob o controle de contingências fora da relação, sendo que o uso de reforçadores naturais como o reforçamento social dentro da relação terapêutica ajuda a assegurar que as mudanças feitas dentro da relação terapêutica se generalizarão ao ambiente natural. Foliete, Bach e Follette (1993) propõem a redefinição do conceito de saúde mental assim como a elaboração de um sistema alternativo ao Diagnostic and Statistic Manual (DSM JíÍ-R). Os autores sustentam que a avaliação dos resultados da interação terapêutica deveria discriminar entre as pessoas e seu comportamento, analisando cada elemento da contingência de três termos e não deveria equipararse à avaliação do comportamento patológico. Para Follete et ai. (1993), indivíduos psicologicamente saudáveis parecem ser aqueles cujo comportamento está sob o controle das contingências em vez de estarem excessivamente sob o controle de regras e que, simplesmente, aceita sua história de vida, não se comportando como se ela fosse também o seu futuro. Para os autores, os indivíduos psicologicamente saudáveis apresentam equilíbrio entre sua suscetibilidade aos reforços de curto e de longo prazo e procuram mudar o meio ambiente quando este não os favorece. O papel que a história de vida tem na questão do controle e da previsão dos comportamentos-problema do cliente também foi examinado por Sant’Anna (1994). Para este autor, as contingências atuais controlam e determinam a probabilidade do comportamento que é resultado do contexto histórico e é explicado pelo mesmo. Porém, tal história individual não está na pessoa que se comporta e não indica os aspectos em que a intervenção clínica deve ser feita, pois a história de reforçamento de uma pessoa não pode ser modificada. A intervenção clínica contribui com a história a partir do momento presente mudando as contingênclas do momento para que este contexto produza agora a mudança de comportamento desejada. O terapeuta trabalha com o momento presente, tendo em vista o futuro do cliente, o que implica o conceito de previsão. Kohlemberg, T’Sai e Dougher (1993) avançaram na análise dos comportamentos clinicamente relevantes que ocorrem em sessão e estão desenvolvendo o que denominam de Análise do Comportamento Clínico. Estes autores começaram a analisar a interação verbal que ocorre na sessão de acordo com os princípios de formação de classes de equivalência. Hayes e Wilson (1993) enfatizaram que a mudança na forma de analisar as relações verbais, que ocorrem na situação clínica, implica um grande avanço para a área clínica e essa parece ser a tendência atual.


Quadro 1. Acontecimentos históricos na evolução da terania comportamental. Técnicas Lei do Efeito Extensão dos Extensão dos Mais aplicações: Economia Diversas obras sobre Publicação do precursoras das (Thorndike, 1931, princípios princípios de fichas com psicóticos Terapia Comportamen- Manual de técnicas atuais de 1932, 1933) experimentais experimentais (Ayllon e Azrin, 1965 e tal: psicoterapia modelagem, de operantes a operantes a 1968) Prdtica da terapia comportamental treinamento em Distinção entre diferentes áreas da diferentes áreas rornportamenlal (Lettner e Rangó, auto-instrução, de aprendizagem vida social humana, da Análise Condicionamento verbal (Wolpe, 1970) 1987) economia de operante e por meio da análise Funcional do (lsaacs, Tomas e Behavior lhe rojo Onentação fichas etc. respondente funcional do Comportamento Goldiamond. 1960; Richard. (Rimm e Masters, Progressos na área Operante (Skinner, 1938) comportamento (Skinner, 1953) Digmarn e Homer, 1960) 1979) do Comportamento Terapia Comportamen- Verbal Alguns estudos e Aplicação de tal consagrada como (comportamento aplicações, pacientes procedimentos movimento mundial governado por profundamente operantes a regras retardados (Fulíer, pacientes psicó- Pesquisas sobre 1949) ticos internos autocontrole (tabagisAbordagens (Lindsley e mo, obesidade, terapêuticas não Skinner 1953) alcolismo), terapia tecnicistas sexual (Hayes, 1987; Journal o] lhe Kohlemberg e ExperinienlalTrabalhos em: integra- T’Sai, 1987) Analvsi.s o] ção social, controle da Behas’ior (1958) população ambiental, sobre pesquisa teoria econômica, fun básic operante cionamento governa atjlicad mental. educ. física etc.

Onenta ção Respo ndeste

Fim do século passado começo do século XX

Década de 20

Década de 30

Década de 40

Década de 50

Década de 60

Década de 70

Técnicas precursoras das atuais técnicas de inundaçã o, de terapia aversiva etc. Desenvol vimento da fisiologia na Rússia

Condicion amento experime ntal de medos infantis (Watson e Rayner, 1920) Descondi cionamento de medos infantis (Jones, 1924) Procedim

Prática negativ a’ (Dunlap , 1932) Teoria da Aprendi zagem por Contigüi dade Outhrie (1935) Tratam ento de criança

Pesquisa s sobre neurose experime ntal Princípios de Extinção! Inibição (Salter, 1949) Técnicas precursor as do Treiname nto Assertivo,

Obra de Dollard e MilIer (1950) Desenvol vimento da Dessensi bilização Sistemáti ca com base no Princípio da Inibição Recíproca (Wolpe,

Mais aplicaçõe s dc dessensib ilização, treinamento de assertivid ade e terapia aversiva a uma variedade de problema s neuróticos

Muitos livros e pablicaçÕ es adicionais Muita pesquisa adicional Continua s aplicação de dessensi bilização sistemátic a para o tratament

Déca da de 80 até os noss os dias

Conti nua a tend ência da déca da anter ior


Surgitrten to do Behaviori smo de Watson nos EUA (1913)

Evento s históric os que influen ciaram am as as aborda gens

Surgimen to da Psicologi a Experime ntal (1913) Insatisfaç ão com a Psiquiatri a e a Psicologi a tradiciona is

Conclusões

entos terapêutic os aversivos para o tratament o do alcoolism o (Kantorivi ch. 1929)

s com enurese (Mowrer e Mowrer, 1938)

Dessensi bilização Sistemáti ca, Autocontr ole, Ensaio Comporta mental e “Imaginaç ão” Inibição recíproca (Sherringt on, 1947)

Teoria da aprendiza - gem de HuIl (1943) Integraçã o da Orientaçao Responde nte e da Orientaçã o Operante

1952) Estudo de casos individuai s (Shapiro)

clássicos Centros Universitá rios de treinamen to Revista Behcis’ior Research and Therapv (Eysenck, 1963) Behavior therapv and lhe neurosi.s: estudo de casos em que eram aplicados variações dos procedim entos de condicion amento responde nte e de inibição recíproca (Eysenck, 1960) Case .udie,s in hehas’ior modificati on (UlImam e Krasner, 1965) A psycho)og ical approach lo abnormal belusvior (UlImam e Krasner, 1969)

o das fobias clínicas

Emergên cia da Terapia Comporta mental Cogttitïva e da Teoria da Aprendtz agem Social


Um panorama das contingências que propiciam o surgimento e a progressiva constituição da Terapia Comportamental em um movimento mundial foi apresentado. Este panorama está sumariamente representado no Quadro 1. Neste momento cabe, porém, a ressalva de que este panorama abrange os eventos históricos mais relevantes a esta questão que influenciaram a postura terapêutica praticada no Brasil. Não se pretendeu nem houve condições de esgotar o enorme número de obras publicadas acerca da Terapia Comportamental em todo o mundo. A Terapia Comportamental percorreu um longo caminho e abrem-se caminhos promissores à sua frente. No entanto, para que ela possa avançar mais rapidamente e com maior segurança é necessário partir de uma posição teórica firme para poder explicar o comportamento do cliente assim como analisar por que as técnicas empregadas funcionam. Ao longo dos últimos 20 anos houve considerável avanço na área do comportamento verbal, por meio da pesquisa sobre o seguimento e a formulação de regras e da pesquisa acerca do responder relacional, como a equivalência de estímulos. Estes dados não foram inteiramente incorporados ao referencial teórico da Análise do Comportamento porque as pesquisas nessa área são muito recentes. No entanto, parece inevitável que os resultados dessas pesquisas terão como conseqüência importantes mudanças teóricas, em geral, e a proposição de alterações das intervenções na Terapia Comportamental, em particular. No caso da Terapia Comportamental, o avanço nas pesquisas possibilitarão o tratamento dos fenómenos cognitivos a partir da perspectiva da Análise do Comportamento. Uma das críticas mais freqüentes à Terapia Comportamental é a de que ela só é eficaz para tratar com problemas comportamentais considerados graves como, por exemplo, os de pacientes portadores de deficiências profundas. Esta crítica já não pode mais ser feita, pois, mesmo que a Terapia Comportamental permita intervir em casos como esses, os princípios de análise do comportamento, principalmente os que se referem ao comportamento verbal, possibilitam realizar análises e progressos significativos no processo terapêutico de problema comuns na clínica psicológica com pacientes externos. Problemas estes de natureza simples ou complexos, públicos ou privados.

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5 História da psicoterapia comportamental e cognitiva no Brasil Bernard Rangé e Hélio Guiliardi Este capitulo é especialmente dedicado a bred S. Keller e a Octavio Soares Leite. Os autores agradecem a colaboração de Ana Paula Abreu e Lisianne Ferreira Rodrigues.

Este trabalho pretende reconstruir a história da implantação de estudos, pesquisas, treinamento e prática em Análise Experimental do Comportamento (AEC) e Análise Aplicada do Comportamento (AAC), Terapia Comportamental (TC) e Terapia Cognitiva (TCog) no Brasil. Remonta aos primórdios da implantação de um curso de Psicologia Experimental no Curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Percorre o seu desenvolvimento no Estado de São Paulo, na cidade do Rio de Janeiro e sua difusão para outras regiões do país.

O nascimento da clínica comportamental em São Paulo 1. Antes do começo Em 1958 foi instituído o Curso de Psicologia, dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. A Diretora do Curso era a Professora Anita Cabral que se inclinava para a Psicologia da Gestalt, imprimindo a mesma orientação a todos os cursos ali oferecidos. Acompanhando tendências internacionais da evolução da psicologia, propôs uma nova disciplina no currículo: Psicologia Experimental. Sua proposta foi aprovada pelo Professor Sawaya, na época Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Talvez, naquele momento, ninguém poderia supor o impacto que isto teria no desenvolvimento da psicologia no Brasil. Não se sabe muito bem por que foi tomada a decisão de se convidar um professor norte-americano e, menos ainda, a razão de o convite ter sido dirigido a um behaviorista! Soube-se depois que não apenas tinha sido convidado um behaviorista, mas simplesmente havia sido convidado um behaviorista extraordinário! O convite chegou ao Professor Fred S. Keller, da Columbia University, por intermédio de uma ex-aluna sua de anos anteriores, Myrtes Rodrigues do Prado. Estranhando esta origem inusitada de convites internacionais, o Professor Keller respondeu delicadamente mostrando um vago interesse pela América do Sul e solicitando mais detalhes. Adiante, no mesmo ano chegou um convite formal do Dr. Sawaya, ainda pouco preciso, entretanto. Depois de esclarecimentos ainda vagos, decidiu-se pela vinda ao Brasil, eivado de um certo romantismo, reconhecido por ele mesmo, como descrito nas seguintes linhas:


Muito repentinamente, recebi um convite para o Brasil. Veio de Myrthes Rodrigues do Prado, uma estudante da Universidade de São Paulo. Myrthes havia sido uma aluna minha em Colúmbia, vários anos atrás... Escreveu-me para perguntar-me se eu consideraria vir para São Paulo como um professor visitante. Eu estava certo de que Myrthes, apenas uma estudante, tinha pouco direito a ficar fazendo convites para professores, mas mesmo assim eu fiquei lisonjeado por sua carta. Escrevi uma resposta agradável, expressando interesse na América do Sul e desejo de mais informações. Deixei então o assunto de lado, a não ser por dar uma olhada no mapa para descobrir onde seria o Brasil e por falar brevemente com meu colega, Otto Klineberg, que uma vez havia estado lá. Isto foi em maio de 1959. Em dezembro, recebi outra carta de minha ex-aluna e, alguns dias depois, um cabograma do Dr. Paulo Sawaya, o conhecido fisiólogo, que era então Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade de São Paulo. Ele me oferecia uma cadeira em Psicologia Experimental. Concluí que Myrthes, apesar de ser uma moça jovem, devia ter muito poder. Respondi ao telegrama do Dr. Sawaya com outro, novamente expressando interesse mas requerendo mais informação. Ele me respondeu com urna carta que não explicava muito mas contava como estava feliz em saber que eu iria. Sugeria-me também que além de ensinar havia problemas psicológicos prementes dentro da Universidade que eu poderia facilmente resolver quando chegasse. Se eu fosse um pouco menos romântico ou um pouco mais perceptivo eu teria podido ler nas entrelinhas e ter ficado em casa. Muitas coisas aconteceram no ano seguinte. Tive que convencer meu gerente de que não estava louco; tivemos que alugar nossa casa; tive que pedir urna licença da universidade; tentar conseguir urna bolsa-auxílio. Tomamos todas as vacinas e compramos todo tipo de roupa que poderiam ser lavadas em qualquer riacho de uma selva. Eu e mais três estudantes, tomamos um curso de verão de português, com um engenheiro de Lisboa, em Colúmbia. O único curso que encontrei que pudesse me preparar para falar com 80 milhões de “bons vizinhos” no Brasil, foi o Berlitz. (Mais tarde descobri que este tão pouco me preparou.). Para finalizar, o Departamento de Estado me falou sobre “choque cultural” e coisas do tipo, dando exemplos tirados de situações ocorridas na Indonésia e um ou dois exemplos do Chile e Peru. Por fim, em uma noite fria do mês de março de 1961, nós levantamos vôo do aeroporto ldlewild e pousamos no Rio de Janeiro com idéias erradas e 40 quilos de excesso de bagagem. Passados cinco dias, depois de uma orientação oficial (adquirida na praia de Copacabana), nós chegamos a São Paulo” (Keller, 1973). Na época, a Professora Carolina Bori era professora assistente na USP. Seu envolvimento na AEC foi muito importante e fez com que o movimento se solidificasse. A Dra. Carolina foi a representante da psicologia escolhida para receber o Professor S. Keller no aeroporto. Keller então a convidou para jantar, junto com sua esposa, a fim de que ela lhe falasse um pouco sobre o grupo com o qual iria trabalhar, O Dr. Keller captou hesitação na sua voz: “Nós encontramos com o Dr. Sawaya, que havia acabado de deixar o cargo de diretor da faculdade. Ele estava acompanhado pelo seu sucessor, Dr. Mário Guimarães Ferri, e pela Dra. Carolina Martucelli Bori. A Dra. Carolina foi jantar conosco naquele dia e tentou esclarecer, sem sucesso, a situação acadêmica e política que imperava no momento. Ficou óbvio que teria muito o que aprender no ano seguinte. De fato: dentre as coisas que aconteceram, tive um encontro com a


Dra. Anita Cabral e um grupo de assistentes e co-trabalhadores de psicologia que trabalhavam com ela na Universidade. A minha vinda a São Paulo não havia sido idéia dela, de fato, seus planos eram totalmente diferentes. Mas eu não sabia disso até então. Assim que as formalidades foram cumpridas e ela estava sentada em sua mesa de reuniões, foi direto ao ponto: “Espero que você nos traga algo novo, algo que ainda não conheçamos” (Keller. 1973). A influência da Psicologia da Gestalt no Brasil era tanta que a maioria das pessoas confundia os nomes de Keller e Kohler. Não há dúvidas de que, em um curso de psicologia no qual os estudantes tinham que ler Kohler, Katz, Kretch-Crutchfield, Weirtheimer, Woodworth, Schlosberg, Lewin, Anastasi; onde a ênfase era dada à leitura; a formação científica se restringia a leitura e discussão sobre os experimentos; e as experiências práticas não iam além de eventuais medidas de latência e avaliações do limiar; havia novas informações a serem transmitïdas. Uma nova luz começou a brilhar onde antes só havia Gestalt. O impacto causado pela vinda do Professor Keller ao Brasil pode ser avaliado por um comentário feito alguns anos depois sobre o que o ano de 1961 representou para a psicologia brasileira: nesta data, o período a. K. (antes de Keller) terminou e deu-se início ao período d. K. (depois de Keller). Quando o Professor Keller chegou, ainda não havia nada preparado. O curso de psicologia era ministrado no centro da cidade e não havia salas disponíveis, O Dr. Sawaya lhe ofereceu uma sala do departamento de fisiologia dentro do campus da Universidade de São Paulo. Naquela época, os cursos ministrados ali eram muito poucos e chegar ao prédio de fisiologia era uma aventura: os estudantes tinham que andar longas distâncias em campo aberto. Apesar de tudo os móveis eram apropriados. Este foi o primeiro curso de psicologia experimental ministrado no campus da USP. Conseguiu-se também uma sala para instalar o laboratório. Ao menos tínhamos espaço para começar o trabalho. Mas espaço físico não era suficiente: o Professor Keller precisava de pessoal para ajudá-lo. O diretor da faculdade autorizou a contratação de dois assistentes. A Dra. Carolina sugeriu o nome do Professor Rodolfo Azzi, que ensinava em São José do Rio Preto, O Professor Rodolfo talvez fosse a única pessoa familiarizada com o trabalho do Professor Keller naquela época. Ele já havia inclusive conduzido experimentos com ratos em São José. Keller (1973) escreveu sobre ele: “Rodolfo foi meu primeiro assistente e sua presença foi responsável pela diferença entre sucesso e fracasso no meu trabalho em São Paulo. Seus conselhos e advertências me livraram da humilhação e do desastre várias vezes. Sua experiência em lecionar e sua consciência de meus problemas me ajudaram a superar a dificuldade de compreensão entre eu e meus alunos. Sua paciência e bom humor foram testados várias vezes mas eles nunca falharam.” A outra pessoa sugerida pela Dra. Carolina foi Maria Amélia Matos que, na época, era ainda aluna do quarto ano de psicologia. Por outro lado, o diretor recomendou Maria Inês Rocha e Silva, que era da mesma sala que Maria Amélia e que, por questões pessoais, ela não aceitou o cargo. Assim, Maria Amélia e Professor Rodolfo se tornaram os assistentes do Dr. Keller. Por questões administrativas, Maria Amélia não foi contratada naquele ano (1961), tendo sido admitida oficialmente apenas em 1962. Apesar de ainda não ter um contrato, Rodolfo e Maria


Amélia começaram a trabalhar imediatamente com o Professor Keller que já havia começado a desenvolver uma série de atividades. Dra. Dora, que era uma amiga de Maria Inês, se interessou e passou a fazer parte do grupo. A partir daí, o Professor Keller começou a treinar o grupo de uma forma intensa e peculiar. A Dra. Carolina, apesar de seus compromissos administrativos, também se submeteu ao treinamento, o que lhe demandou um grande esforço, que, segundo ela, valeu a pena. Quando a Dra. Carolina ficou sabendo da vinda do Professor Kcller ao Brasil, procurou manter-se a par das suas publicações (No Brasil não existia nenhum material de leitura nesta área). O único trabalho que encontrou foi o clássico The Phanton Plateau (Keller, 1958). Afortunadamente, entre os 40 quilos de excesso de bagagem do Professor Keller, havia várias separatas e alguns livros (Kellcr e Shoenfeld, 1950; Holland e 5km- ner, 1961). Inicialmente, os livros foram traduzidos, tendo o Professor Rodolfo se encarregado do Holland Skinner, que foi mimeografado para o primeiro curso. O resto do material foi lido em inglês pelos alunos. Já existiam portanto condições suficientes para se dar início ao curso, apesar das caixas experimentais do laboratório ainda não estarem prontas. O equipamento do laboratório merece ser descrito separadamente. Antes de chegar ao Brasil, o Professor Keller conseguiu que lhe fosse concedido encomendar caixas de condicionamento (Grason-Staddler) e um mínimo de equipamento experimental para montar um laboratório e permitir o mínimo de controle experimental. No entanto este equipamento demorou muito a chegar e ele queria que os estudantes também tivessem acesso a equipamentos experimentais. O fato de a psicologia experimental estar alocada no departamento de fisiologia foi uma feliz coincidência que acelerou a montagem dos equipamentos. Havia gaiolas pequenas e grandes empilhadas. As grandes foram reservadas imediatamente para os animais (ratos), O primeiro vivário de psicologia do Brasil iria ser montado em uma das mesas do laboratório. As gaiolas pequenas foram usadas na construção de caixas de condicionamento operante. Como barras, foram utilizados cabides para pendurar membros de sapos. Havia uma chapa de metal presa à gaiola por um arame. Quando a barra tocava na chapa de metal, um som era emitido. Colocou-se água em um tonel do qual o experimentador fazia emergir uma espécie de colher de vidro com um cabo mais comprido colocando-a depois dentro da gaiola, de modo que assim o rato pudesse lamber a água. O primeiro laboratório operacional no Brasil foi portanto desenvolvido com esse material rústico pelos professores Rodolfo e Carolina e seus estudantes, Maria Amélia, Dora e Maria Inês. As gaiolas eram muito eficientes mas os exercícios de laboratório não podiam ser desenvolvidos individualmente: enquanto um experimentador manipulava as contingências de reforçamento, o outro tinha que ir registrando os resultados (Carolina trabalhava com Maria Amélia e Dora com Maria Inês; Rodolfo já havia feito o treinamento antes). A Dra. Maria Amélia se referiu ao seu contato com o laboratório da AEC com as palavras seguintes: “E não importava quem conduzia as experiências, uma simples estudante como eu ou uma doutora como a Dra. Carolina, pois os resultados eram sempre os mesmos. Os dados aos quais chegávamos eram os mesmos expostos por outras pessoas. Daí adquiri conhecimento suficiente para conduzir experimentos que ainda não haviam sido desenvolvidos. Não havia limite: a tecnologia era fácil de ser assimilada; eram necessários apenas um mínimo de conhecimento teórico e uma linguagem


operacional... não precisávamos mais esperar o aprendizado, pois éramos capazes de produzir nosso próprio aprendizado.” O Professor Ketler ficou impressionado com a eficiência de seus colaboradores e sugeriu que eles fossem fazer o doutorado nos EUA. Instruir corretamente os técnicos brasileiros era uma preocupação constante do Professor Keller. Assim eles seriam capazes de dar continuidade ao trabalho que ele estava iniciando. Por motivos pessoais, o Professor Rodolfo não pôde ir para os EUA. De qualquer forma, Maria Amélia, Dora e Maria Inês aceitaram a sugestão e partiram para lá no ano seguinte. O curso oferecido no ano de 1961 era direcionado a estudantes do terceiro ano, mas era permitida a presença de estudantes do quarto ano também. Os professores lsaías Pessoti e Geraldina Porto Witter, que ensinavam no curso de Pedagogia em Rio Claro junto com a Dra. Carolina, também fizeram o curso, por sugestão da própria Professora Carolina. O resultado foi o desenvolvimento da AEC em Rio Claro no curso de Pedagogia, que montou o primeiro laboratório de AEC do Brasil, com caixas industrializadas, do qual participava Luis de Oliveira. Antes de voltar aos EUA o Professor Keller preparou dois estudos para serem publicados (Azzi, Fix, Rocha e Silva, e Keller, 1964; Azzi, Rocha e Silva, Bori, Fix e Keller, 1963) além disso, convenceu a USP a convidar outro professor americano behaviorista, para dar continuidade ao programa. Simultaneamente, o Professor Keller convenceu o Professor John Gilmour (“Gil”) Sherman, um aluno e cotrabalhador seu que estava se formando na Universidade de Colúmbia, a ir para São Paulo no ano seguinte. O Professor KeIler escreveu o seguinte sobre ele: “Seria difícil encontrar alguém melhor do que Gilmour para construir um laboratório e consolidar a teoria na USP. ‘Gil’, como todos o chamavam, foi eficiente desde o começo e se ambientou rapidamente ao Brasil. Suas aulas eram populares, seu laboratório prosperava, ele se dava bem com todos os colegas, e sua fluência em português progredia excepcionalmente” (Keller, 1973). O Professor Keller sempre se preocupou em treinar novas pessoas. O sucesso da AEC no Brasil dependia da eficiência dos técnicos brasileiros. Ele acreditava que o desenvolvimento atingido por estes deveria ser levado a outras áreas científicas. Dessa forma, ele conheceu Dona Mauzi, mãe de Maria Inês, que trabalhava na universidade desde 1935, no departamento de biologia. A maior preocupação de Dona Mauzi era a educação. Em 1962, o Professor Keller a convidou para trabalhar no IBR com o Dr. Ferster. Em 1968 ela voltou ao Brasil. O relato seguinte, publicado pela Dra. Carolina (1974), dá uma idéia do que o Professor Keller previu: “Havia um clima de insatisfação com a forma como as matérias da área científica eram ensinadas no Brasil que podia ser percebido de diversas maneiras: desde encontros informais e discussões de simpósios até a necessidade de inovação metodológica. Foi nesse contexto que o departamento de Física da USP pediu que fosse ministrado um curso sobre os princípios básicos do comportamento. O curso foi aceito e ministrado por Dona Mauzi que usou os princípios de Ferster como modelo, e desde então tem sido oferecido a estudantes de física e engenharia. Um jovem que fez este curso, o Professor Lida, da escola politécnica da USP, decidiu,


em 1970, montar um curso de Engenharia Humana, baseado no modelo de Ferster... Desde então o Professor Lida se tornou responsável pela orientação de vários cursos de engenharia, tanto da graduação quanto da pós-graduação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e agora todos os cursos aplicam o seu procedimento. Um aspecto interessante a ser mencionado foi o progresso alcançado tanto pelo Professor Keller quanto pelo Professor Sherman no que se refere à língua portuguesa. A dificuldade inicial fez com que Gil escrevesse uma piada sobre o assunto: “Nenhum de nós disse isso antes: tendo acabado de voltar do Brasil orgulhoso da minha fluência no português, que levei uma década para adquirir, eu me perguntei o quanto que a nossa ênfase nas aulas práticas se deu pelo fato de que tanto Keller quanto eu falávamos apenas algumas palavras da língua do país no qual iríamos lecionar.” 2. A expansão O laboratório recebeu um novo impulso com a chegada de Gil ao Brasil. Foi contratada uma firma, especializada em equipamentos ortopédicos, que já possuía experiência em equipamentos de psicologia. Até aí, uma versão improvisada da caixa operante foi montada. Foram feitas novas tentativas de desenvolver novos equipamentos, como alguns modelos de registros cumulativos. Ao mesmo tempo, o Professor Rodolfo se interessou em conduzir uma pesquisa relativa à programação de livros didáticos, quando se deu o primeiro teste com a tradução que ele fez do Holland-Skinner (1961). Maria Amélia testou esse material na escola de enfermagem e a Professora Carolina em Rio Claro junto com o Professor lsaías e a Professora Geraldina. Rodolfo tinha pensado em uma pesquisa ambiciosa que nunca se tornou realidade pois seus colaboradores partiram para os EUA, enquanto o próprio Professor Rodolfo, assoberbado de trabalho, não teve tempo para terminar a condução da pesquisa. Dr. Kerr, um geneticista conhecido do departamento geral de biologia, que desenvolvia pesquisas com abelhas, conheceu o Dr. lsaías em Rio Claro, O Dr. Kerr queria conduzir um experimento no qual fosse possível se comparar a inteligência das abelhas em diferentes estágios de evolução. Esse foi o passo inicial utilizado pelo Dr. Isaías para ampliar a tecnologia operacional para o estudo do comportamento das abelhas. Foi nesta época que ele preparou seus equipamentos para trabalhar com abelhas. Conseguiu inclusive adaptar a alavanca de respostas para treinamento de discriminação de cores desencadeando fuga e evitação. As duas divisões da esquerda eram utilizadas para o treinamento de simples discriminação de cores com abelhas. Não havia nenhum componente operacional, a abelha tinha apenas que pousar em um dos discos coloridos e achar a solução de açúcar disposta no S+. A divisão da direita era utilizada para o treinamento de discriminação da luz, havia duas alavancas dispostas uma na frente da outra. Este trabalho teve início em 1963, e teve continuidade por muitos anos, com algumas interrupções. Ele permitiu ao Dr. lsaías conseguir seu doutorado na USP, em 1969, com a primeira tese do Brasil relativa a condicionamento operante. Em 1972, Dr. Isaías foi para a Itália e introduziu a EAB lá. Foi assim que um professor brasileiro começou a exportar metodologia e tecnologias operantes. Ficou estabelecida uma tradição de qualidade na formação de novas gerações de analistas experimentais do comportamento como Luis Otávio Seixas Queiroz, João Claudio Todorov e Alvaro Duran.


3. Brasília A influência destes iniciadores espalhou-se para a recém-fundada Universidade de Brasília. Desde 1959 a Professora Carolina sabia dos planos de Governo Federal de criar uma (verdadeiramente) nova (em todos os sentidos) universidade, em Brasília. Inicialmente hesitante, depois de um convite do ilustre “visionário” Professor Darcy Ribeiro, na época, Reitor da Universidade de Brasília (UnB), dada a tarefa monstruosa que teria pela frente, acabou aceitando o desafio depois de ter tido a garantia de “alguma ajuda” do Professor Keller. Depois de uma reação inicial de incredulidade ao tomarem conhecimento da proposta, Rodolfo e Gil Sherman passaram para um estado de júbilo. Os motivos: primeiro, os recursos financeiros abundantes; segundo, a inexistência de qualquer tipo de regra ou confinamento para os métodos que se quisesse utilizar. A idéia era, de fato, criar uma nova universidade, radicalmente diferente da tradição latino-americana. Rodolfo, Carolina e Gil partiram para os EUA para discutir planos com os professores Keiler, Ferster e muitos outros líderes do behaviorismo radical. De fato, aos poucos, foi surgindo um plano inteiramente novo de curso baseado nas idéias do Professor Charles B. Ferster. Na volta, os contatos e os preparativos incessantes. Novos membros se juntaram ao projeto: João Claudio, Luis de Oliveira, Mano Guidi. Em janeiro de 1964 Keiler volta ao Brasil para se juntar ao grupo. Em março, estoura o golpe militar: João Goulart deposto, Darcy afastado da UnB. A primeira reação foi a de abandonar o projeto. Instado pelo novo Reitor, que insistia na manutenção do projeto, aceitaram continuar. Entretanto, depois de um semestre de curso, no início de 1965, o sonho acabou: por via da demissão de inúmeros professores da UnB, houve uma renúncia da grande maioria dos outros professores da Universidade. 4. A volta de Brasília A Professora Carolina voltou para a USP, juntamente com Mano Guidi, para tentar desenvolver um programa de pós-graduação em Psicologia Experimental. Rodolfo Azzi não pôde retornar às suas atividades universitárias. Maria Amélia e Dora voltaram adiante para compor o quadro, enquanto Maria Inês ficou nos EUA. Para a Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto foram os professores lsaías Pessoti (de volta da itália), Thereza Mettel (que retornava de seu doutorado em Winsconsin). Luis de Oliveira (vindo de Brasília) e João Claudio Todorov (voltando do Arizona com seu Ph.D.). Deste grupo, acabou surgindo a Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, hoje Sociedade Brasileira de Psicologia, a mais influente associação científica brasileira na área de psicologia. Lá a Professora Thereza Mettel ofereceu o primeiro curso de Modificação de Comportamento, em nível de pós-graduação, no Brasil. Quase ao mesmo tempo, encorajados pela Professora Carolina, um grupo de professores da PUC/SP — Maria do Carmo Guedes, Luis Otávio de Seixas Queiroz, Hélio Guillardi, José Ernesto Bolonha — dedicou- se a desenvolver um programa de treinamento em modificação do comportamento, tendo sido convidado para dirigi-lo o Professor Gary Martin. Em pouco tempo, o curso se mostrou um sucesso, com muitos alunos seguindo para os EUA, para fazer doutorado, enquanto outros seguiram para montar suas clínicas. Um deles, foi Luis Otávio que, em 1966, mudou-se para Campinas para ensinar no curso de Psicologia recém-fundado pela PUCCAMP e fundar a primeira, em seus


moldes no Brasil, Clínica de Modificação do Comportamento. A Professora Rachei Kerbauy, anteriormente aluna de Sherman, começou a trabalhar na Faculdade Sedes Sapientiae, levando para lá a AEC e AAC com soluções simples e produtivas que permitiram o desenvolvimento deste trabalho naquela escola: gaiolas de papelão para pombos, um manual de laboratório (adaptado da Dr. Ellen Reese) etc. A fusão da Sedes com a São Bento conduziu à PUC/SP e a Professora Rachel assim recorda este período: “Nosso trabalho havia já se desenvolvido e o curso pôde ocorrer só em 1969 na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sedes Sajientiae. Ao lado das opções de clínica, escolar, organizacional (trabalho) que eram tradicionais nos cursos de Psicologia, abrimos a opção experimental, que se dedicava à formação em pesquisa básica e aplicada especificamente à modificação do comportamento. Para completar o elenco de disciplinas, o Professor Amo Engelmann, que ministrava percepção na USP e o Professor Walter Cunha, que lecionava psicologia comparativa e animal, iriam aceitar como alunos ouvintes aqueles que indicássemos como tendo feito essa opção e seus créditos seriam atribuídos no Curso do Sedes. Como se vê, nós do Sedes, sabíamos pedir a colaboração de colegas de outras instituições. Alguns eram nossos amigos, outros desconhecidos aos quais recorríamos, e todos eles colaboraram. A opção em Psicologia Experimental se desenvolveu cm progressão geométrica. Das quatro alunas que iniciaram, algumas continuavam a colaborar sem contratos, outras deram novas direções em suas vidas, atuando em escolas e clínicas psicológicas, ou completando seus estudos fora do país ou na pós-graduação da USP, na qual eu também fazia pós-graduação e começava a ensinar.” Pouco depois, “resolvemos montar, então, um treino em modificação do comportamento com cursos teóricos e supervisão. Vieram auxiliar nosso trabalho pessoas por nós convidadas em troca de complementação de créditos para obter o registro de psicólogos. Posteriormente, outros contratos foram conseguidos, pouco antes da fusão do Sedes com a São Bento e a sua transformação em PUC. Suponho que esses contratos foram autorizados como reconhecimento pelo nosso trabalho, para que tivéssemos um grupo, ao ingressarmos na nova Universidade e para que participássemos da fusão, sem o que perderíamos muito do que havíamos construído.” O Curso de Modificação de Comportamento era nosso, pois foi bastante discutido pelo grupo, com participação muito ativa em relação às idéias e à formulação de cursos e programas. Contava com três professores contratados, sendo que os demais vieram atuar mais adiante, desempenhando suas funções como supervisores ou ministrando aulas eventuais. Considero esse curso muito bem organizado e inovador em alguns aspectos. Recebemos duas turmas da PUC que se matricularam, mesmo tendo que fazer um ano a mais em busca de formação. Formavam um grupo crítico, entusiasmado, bastante forte em pesquisa básica e com um nível verbal muito elaborado. Esse grupo havia feito sua graduação com a equipe da São Bento. Do curso, constavam as seguintes matérias: “Diálogo com outros profissionais”, em que os alunos aprendiam a transformar suas informações de modo a permitir passar e colher informações com profissionais de áreas afins; “Trabalhos em Instituições”, em que se destacou o grupo que trabalhou na Cristiano Viana, uma instituição de triagem de menores; “Curso sobre delinquentes” ministrado por Michael Mahoney, graças ao auxílio da FAPESP e ao acordo com a Coordenadoria do Estado de São Paulo, que designou profissionais para frequentar o curso. Este tinha como enfoque a Learning House, casas em que crianças delinquentes viviam com um casal contratado para atuar como “pais”. É importante destacar, que Mahoney e sua esposa, haviam sido um “dos pais” de uma dessas casas. Além disso, Mahoney era


professor da Universidade da Pensilvânia nos EUA. Também ministrou, a nosso pedido, um curso sobre “modificação cognitiva do comportamento”. Posteriormente, em seu livro de 1974, Cognition and behavior inodification, relata esse fato nas primeiras palavras do prefácio: “In the summer of 1973 1 was invited to give a series of lectures to a small group of experimental psychologists in São Paulo, Brazil. Among my topics was ‘cognitive behavior modification’, ‘the conceptual and empirical analysis of private events’. Since 1 was entering a culture dominated by animal research, 1 took great pains to prepare and document my defense of cognitive symbolic processes as legitimate and critical for in the experimental analysis of human behavior. These efforts were generously rewarded. My hosts were not only receptive but warmely enthusiastic. It was their request for a tangible summary of my remarks that constituted the inicial stimulus for this manuscript” (Mahoney, 1974). Mahoney foi informado de que os alunos liam Skinner, artigos do JABA (Journal ofApplied Behavior Analysis) e JEAB (Journal of Experimental Analysis of Behavior) e de que ambos os grupos haviam feito laboratório com ratos e, no caso do Sedes, com pombos também. Na realidade, é necessário compreender esse relato no contexto do ano de 1973 e no quadro da Análise Experimental e da Modificação de Comportamento daquela época: “Naquele momento, havia somente Luis Otávio de Seixas Queiroz trabalhando e formando gente em Campinas, mas ainda sem a especialização experimental existente no Sedes, que era a opção de quarto ano de psicologia. Ainda do programa constava um curso sobre terapia de crianças e de adultos. O curso sobre crianças foi montado com base em problemas comportamentais, levantados a partir dos mais frequentes descritos nos prontuários do Sedes. Entre eles, incluíam-se: birra, enurese, desobediência, medo e fobia escolar. Cada grupo da classe estudava um dos temas, levantava uma bibliografia e apresentava cópias para os demais grupos. Os trabalhos eram iniciados com as leituras, obrigatórias, para toda a classe. Variávamos as atividades de verificação de leitura, com discussão em pequenos grupos, em que formulávamos perguntas que eram trocadas e respondidas pelos outros grupos, por exemplo. A criatividade de Eliana Audi e Sandra Curi, o companheirismo da equipe e as discussões técnicas foram imprescindíveis para a formulação desse curso. É inesquecível no passado de um professor o quanto seus alunos trabalhavam e se esmeravam. Ainda lembro de cada um dos componentes desse grupo. Dele saíram profissionais que continuam estudando e desempenhando com brilhantismo seu trabalho. Com alguns desses alunos, mantenho contato até hoje. Outros, a vida e as nossas peculiaridades nos fizeram perder o contato, mas, nem por isso, esse período de convívio foi menos reforçador. Se o Sedes tivesse continuado, muitas das críticas e discussões, feitas por essas pessoas durante o curso, teriam contribuído para um trabalho posterior. Havia ainda o curso sobre autocontrole, em que cada aluno fazia um programa para modificação de seu próprio comportamento, com observações e registros de linha de base e posterior modificação e registro dos resultados. Essa forma de trabalhar, iniciada em 1973 continua até hoje em meus cursos de graduação e pós-graduação. Por último, mas não de menor importância, existia o treino de para profissionais, que enfatizava o trabalho com o mediador, bastante empregado em escolas e com pais e mães. A bibliografia desses cursos era bastante atualizada e os tópicos que tivemos


de cobrir para ensinar procedimentos, fundamentá-los e enquadrá-los dentro de procedimentos de modificação de comportamento, nos levaram a refletir. Explica-se assim a solicitação do curso de Mahoney, pois trabalharíamos especialmente com adultos, com os coveraflts, ou seja, com os comportamentos encobertos, como se denominavam na época. Procedimentos para alterar esses comportamentos nos conduziam à leitura de revistas americanas, bem como à leitura de autores que se distribuem hoje em diversas terapias comportamentais surgidas nos anos 70 e que se caracterizavam por serem baseadas na aprendizagem, terem um objetivo específico e serem avaliadas empiricamente. Geralmente, esses procedimentos eram originados em laboratórios de pesquisa de psicólogos experimentais ou sociais. Mostrando-se eficazes no contexto de pesquisa, passavam a ser aplicadas em situação natural. Este curso foi o primeiro sobre modificação de comportamento no Brasil e pretendia formar o modificador de comportamento buscando lidar com a relação entre modificações no ambiente e no comportamento individual em uma variedade de situações sociais, desde familiares até as econômicas e políticas. Supúnhamos que o aluno atuaria em inúmeras situações, a partir das análises que aprendia a fazer no curso.” Quanto ao atendimento de pacientes e à supervisão, “a parte prática, de atendimento e supervisão foi realizada em grupos de terapeutas: quatro alunos e um profissional atendiam os pacientes. Esperava-se garantir segurança no atendimento para o terapeuta estudante e atendimento de alto padrão para o paciente. Também seria possível participar de mais casos e aprender a trabalhar em colaboração. Cada sessão era planejada com antecedência, em suas linhas gerais, e os papéis distribuídos entre os membros do grupo: um cobrava a tarefa e discutia as dificuldades encontradas ao realizá-la, no início da sessão (este havia passado a tarefa na sessão anterior) outro explicava os conceitos novos e fazia a sessão propriamente dita. A nova tarefa era explicada por outro terapeuta e um outro observava o terapeuta e o cliente. Na realidade todos aqueles que não estavam atuando no momento eram observadores. Os papéis eram trocados para que todos desempenhassem as várias atividades. O profissional presente atuava em qualquer momento que julgasse necessário. Logo após a sessão, esta era discutida e a próxima planejada, bem como as leituras necessárias para fundamentar a atuação seguinte. Uma regra era que, ao fazer críticas ao trabalho da sessão, não seria permitido falar de defeitos, se não fosse também apresentado um bom desempenho (Isto porque havia, sido constatado que sem um controle rígido, só existiam críticas negativas. O repertório de reforçar positivamente era estranhamente ausente. Considerávamos que a punição, pela crítica destrutiva, não seria a melhor forma de ensinar). Dessa forma, como descrito acima, garantia-se um bom atendimento, com poucos supervisores. A vantagem do grupo era grande no caso de problemas de comportamento social, e também facilitava generalização. É preciso considerar que gravações em vídeo ainda não existiam, embora circuitos internos de TV, sim. Eu já havia utilizado no serviço de M. Zazzo, durante uma bolsa de estudos na França. No Sedes, ele ainda não existia, mas sim um sistema de espelho unidirecional, em várias salas. O som era ouvido através dos furos normais do eucatex. O inconveniente era que qualquer ruído no


cubículo de observação, poderia ser ouvido pelo paciente. Utilizamos muitas vezes essas salas, especialmente nos primeiros atendimentos deste terapeuta, com finalidade de analisar o desempenho e a interação nas sessões. Era o aprender a fazer ‘clínica comportamental’. Esperava-se que o número de terapeutas seria reduzido no segundo ano e assim por diante até que cada um chegasse ao atendimento individual.” Nesses anos, posteriores ao curso específico de treinamento de terapeutas comportamentais, “temos realizado supervisão clínica tradicional: discute-se o caso apresentado, investiga-se o padrão de comportamento do cliente e apresenta-se sugestões de desenvolvimento do caso e possibilidades de intervenção. Geralmente, para profissionais, o esperado é uma discussão geral do caso e, mais raramente, cada sessão sendo apresentada em detalhes. No caso de supervisão para psiquiatras, geralmente a solicitação é também do ensino de técnicas a serem empregadas. Quanto aos psicólogos, a preocupação mais atual é com o padrão de comportamento, o processo de interagir com o mundo daquele paciente específico e como e quando apresentar as análises que o psicólogo já fez e que ele considera necessário que o paciente conheça. Ultimamente, tenho enfatizado na supervisão os comportamentos apresentados na sessão e a interação terapeuta-cliente. Está aqui inserido o problema de como seria a modelagem de novos comportamentos e de como as regras são modificadas e outras construídas.” Em 1971, realizou-se a II Reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto. O grupo da PUC/RJ (com exceção, obviamente, de Minam Valias Oliveira Lima e Marília Graciano, que eram oniginais de São Paulo) entrava em contato pela primeira vez com a produção científica paulista da área. Maravilhados, assistimos aos trabalhos experimentais de João Claudio Todorov, de Isaías Pessoti, aos trabalhos clínicos de Thereza Mettel, que chamaram a atenção entre tantos outros de igual qualidade. Parecia que um novo universo tinha se criado bem ali na nossa frente. O grupo ficou tão empolgado que a primeira providência, na volta ao Rio, foi conseguir um convite para cursos intensivos de AEC e de AAC no Rio, o que foi conseguido. Acabaram realizando-se em março de 1972. Em 1972, nova incursão a Ribeirão, desta vez depois da vinda de João Claudio e Thereza Mettel ao Rio. O princípio do reforçamento inevitavelmente havia viporado e este comportamento havia se tornado um operante de alta freqüência, não só para os cariocas, como para todos os psicólogos brasileiros que fizeram de Ribeirão a sua Meca.

O nascimento da clinica com portamental no Rio de Janeiro Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a evolução se deu a partir uma dupla vertente. De um lado, havia o interesse do médico (e futuro psicólogo) Geraldo da Costa Lanna nos escritos de Hans Eysenck. Por outro, quase ao mesmo tempo, o saudoso Professor Otávio Leite difundia na Universidade Federal e na Pontifícia Universidade Católica, ambas do Rio de Janeiro, ensinamentos sobre “condutoterapia”, tendo aglutinado, mais tarde nesta última, um grupo de interessados, do qual fizeram parte Minam Valias de Oliveira Lima, ex-aluna de Wolpe, e Bernard Rangé, na época, estudante da graduação. Note-se a nítida inclinação mais clínica que este dois grupos apresentavam.


1. O início A primeira pessoa que começou de fato a trabalhar com psicoterapia comportamental no Rio de Janeiro (e, provavelmente, no Brasil) foi Geraldo da Costa Lanna. Segundo suas palavras: “Falava-se muito em comportamento o Otávio Soares Leite, o Ued Maluf... Então, em 1966, eu li um artigo de Hans Eysenck que foi traduzido e publicado pelo Ued Maluf num boletim do Instituto de Psicologia da UFRJ. Esse artigo me deixou muito encantado. Ele falava muito mais numa psicologia científica, numa psicoterapia baseada em estudos de laboratório, em pesquisas, bastante diferente daquela que existia até então, baseada em superego, id etc. Assim, bastante entusiasmado por esse artigo, procurei por livros e os encomendei. Eram mais ou menos uns quatro. Estes livros falavam sobre o que era condutoterapia, o conceito de ciência, de condutoterapia, qual era o embasamento, aprendizagem (que eu já tinha conhecimento, porque tinha feito cursos de aprendizagem com o Otávio Soares Leite) etc. Então, conversando com o grupo, que foi o primeiro grupo oficial (Fernanda Cerqueira, José Maria, Araguary Chalar Silva, João Alberto Legey e eu), saiu a idéia de montarmos uma clínica. Anteriormente, eu já estava testando as idéias em meus pacientes particulares (já era médico psiquiatra), embora ainda sem muito conhecimento. Comecei a usar a inibição recíproca’ do Wolpe que eu tive conhecimento algum tempo depois de ter sido publicado. Este grupo se constituiu a partir do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O José Maria, a Fernanda e eu, éramos da segunda turma de psicologia; o João Alberto era da primeira turma e o Araguary, da terceira turma.” Lanna defende uma antecedência do Rio de Janeiro, na clínica, em relação a outros locais no Brasil: “Entretanto, suponho que até 1966 não tinha existido no Brasil ninguém que tivesse feito terapia desse jeito. Não era do meu conhecimento. Acho que em São Paulo não havia ninguém, em Minas também não. Tenho a impressão de que todo mundo que começou aqui no Brasil começou depois de 1970, quando nós já tínhamos alguns anos de experiência. Acho que o núcleo inicial no Estado de São Paulo foi em Campinas, com o Hélio. Só após isso se expandiu para a capital. Tenho a impressão de que São Paulo, em termos de clínica, é muito posterior a Campinas e muito mais, ao Bernard, que em 1970 já trabalhava com isso. Se tiver 20 anos que em São Paulo se faz psicoterapia comportamental é muito. Campinas deve ter uns 25; e nós já estamos com trinta e poucos anos, levando a sério, formando alunos. O campeonato do mundo de futebol na Inglaterra foi em 1966. Foi quando o João Alberto esteve com o Eysenck. Ele levou para mostrar para o Eysenck, no mínimo, alguns anos de prática nossa.” 2. O nascimento da CORPSI Houve um episódio interessante. Eu ia ter que fazer uma última prova na faculdade para me formar e essa prova era de Psicoterapia. Se eu não me engano, era o Professor (Miguel) Chalub que estava na cadeira, embora ela fosse do Professor (Eustáquio) Portella. Então, insatisfeito, comentei com o grupo que teria que estudar novamente aquilo tudo que não me interessava, o Araguary disse então que eu


deveria ir lá e falar de uma coisa nova, sendo que, se o professor não aceitasse, ele teria que dizer o motivo. Conseqüentemente, peguei todos os livros que eu tinha na época (eram uns 14 livros), fui e fiz a prova sobre neurose, mas falando tudo em termos comportamentais. Daí o professor disse que não saberia nem o que dizer, nem a nota que iria me dar pois não conhecia nada sobre o assunto. Eu disse: “Você não conhece, mas tem 14 livros publicados a respeito disto. É uma terapia que está sendo utilizada na Inglaterra, nos EUA. Você não pode desconhecer isso, sendo um professor. Ou você diz que eu estou errado e me dá zero, ou você pega os livros, lê e veja se o que eu falei está correto, e me dá nota dez.” Ele resolveu me dar nota dez. Saindo desta “briga”, nós (o grupo) fomos tomar uma cerveja para comemorar a vitória da Condutoterapia. Foi quando nasceu a idéia de montarmos a Clínica. Então fizemos um brainstorin para escolher o nome da Clínica. Decidimos que seria CORPSI — Centro de Orientação Psicológica. Parece que foi a primeira clínica comportamental constituída na América Latina. Alugamos uma sala que pertencia ao João Alberto, em Copacabana, para montá-la. Eu assumi a responsabilidade da clínica até os outros se formarem. 3. Condutoterapia na Universidade Gama Filho Mais tarde fui convidado para lecionar condutoterapia na Universidade Gama Filho. Eu já trabalhara com o Otávio num laboratório que tínhamos montado. Construímos gaiola para ratos etc. Passamos, então a fazer experimentos sobre o comportamento sexual dos ratos, sobre timidez. Com as aulas na Gama Filho, eu peguei uma boa turma, sendo que um dos alunos era excepcional. Era o Pio da Rocha. Fui professor durante um ano, como professor conferencista, ajudado pela Fernanda, pelo Araguary e pelo João Alberto. O José Maria, nessa época, já havia voltado para a Argentina. O Pio foi um dos alunos que solicitava muito e que quando se formou, acabou com uma turma de cinco ou seis, montando uma clínica de condutoterapia no Meier. Isso deve ter sido em 1970. Também havia sido convidado para lecionar Personalidade na mesma Universidade. Da turma, muitos alunos se entusiasmaram. Como nós estávamos crescendo muito, chamei alguns deles, os melhores, para trabalharem como assistentes na clínica. Essa turma foi conosco para a Lagoa e lá, eu recebi um pedido de Eliane Falcone e de sua colega, Denise Torós, para estagiarem no CORPSI. A Eliane se mostrou extremamente esforçada e ficou até o fim do estágio. Nessa época, eu ministrei um curso para o pessoal da própria clínica: Gélio (Albuquerque), Pio, (Carlos) Eduardo (Britto), Eliane, Denise etc. Fizemos então, um grupo de estudo na clínica. Nós estudávamos e trabalhávamos. No início, atendíamos muito poucos pacientes e, à medida que o sucesso da terapia ocorria, o número de pacientes aumentava significativamente. Então. em 1966 a clfnica já estava montada. Após dois ou três anos, o CORPSI havia mudado para a Lagoa, para uma casa maior devido ao grande número de consultas. 4. Fortalecimento do grupo da PUC/RJ O fortalecimento teórico e experimental do grupo da PUC/RJ se deu com a vinda de João Claudio Todorov e Thereza Mettel que ministraram cursos intensivos e definitivamente marcantes de AEC e AAC. Esta última supervisionou por dois anos os membros do recém-fundado Centro de Estudos em Modificação do Comportamento — Cemoc (Minam, Bernard, Claudia M. Rêgo. Vanessa P. Leite), contratados pela PUC para desenvolver este núcleo pioneiro de investigações,


ensino e treinamento. Transferiu-se para a PUC/RJ, onde permaneceu durante alguns anos antes de seguir para a UnB. Deixou como marco a seriedade e o carisma que lhe são marcantes e uma quantidade de dissertações de mestrado, entre as quais a de Bernard Rangé. A PUC/RJ, desde de 1969. já tinha seu laboratório de AEC (comprado em segunda mão da UnB) e um grupo de pesquisa em terapia comportamental (Octávio, Minam, Marília Graciano, Claudia Rego, Bernard) que testava a técnica de dessensibilização sistemática de Wolpe. Em 1971, os três novos membros do Cemoc foram contratados estabelecendo-se os cursos de Behaviorismo e Terapia Comportamental (juntamente com o da Gama Filho, um dos primeiros do Brasil), que se somavam aos de Psicologia Experimental e de Aprendizagem Humana. Isto contrabalançava um pouco o peso excessivo da inclinação pela psicanálise que era e ainda é a tônica da PUC/RJ. 5. A visita de Wolpe e a aproximação entre os dois grupos Em 1974, Joseph Wolpe veio ao Brasil, a convite de Minam Valias. Vibrou no Maracanã, já que, fanático por futebol, nunca conseguia assistir nos EUA, e deu palestras na PUC/RJ que permitiram a aproximação dos dois grupos. Bernard telefonou para a CORPSI comunicando a vinda de Wolpe e convidou a todos para participar das palestras. Nas palavras de Lanna: “Foi nessa época que eu ouvi falar pela primeira vez no Bernard (Rangé) (mais ou menos em 74). Isso porque o Wolpe, tinha sido convidado pela PUC, para uma série de conferências. Foi assim, que eu ouvi falar que tinha alguém fazendo Terapia Comportamental, e que era o Bernard, isto é, o nosso grupo era muito mais ligado ao Instituto de Psicologia e à Gama Filho. Isto então, me causou certa estranheza, já que a PUC era essencialmente psicanalítica. Foi também a primeira vez que eu conversei com o Wolpe. Ele ficou superentusiasmado, queria ver a clínica, foi até lá, ficou um dia praticamente inteiro, observando, vendo papeleta, o que eu fazia etc. Então me convidou para ir até a Filadélfia. Bom, depois desse episódio, o Wolpe entusiasmou a gente muito mais. Aliás, o Bernard me trouxe um abraço dele, quando esteve lá, recentemente. Ele não esqueceu da clínica e do trabalho que nós fazíamos lá. Inclusive ele tinha feito uma observação muito curiosa. Ele disse que fazíamos um trabalho demasiadamente acadêmico, quer dizer, muito preciso em termos de anotação, registro, utilização de gravador, utilização de projeção, psicogalvanômetro etc. Nós mesmos tínhamos bolado toda uma aparelhagem auxiliados pelo pessoal do Instituto de Física. O pessoal de lá construiu os aparelhos, inclusive contadores de respostas eletrônicos, projetor ligado a contador etc. Encontrei com o Wolpe, posteniormente em 1980, no Congresso Mundial de Psicologia em Paris, e nessa ocasião ele ainda veio me perguntar se continuávamos ‘acadêmicos’ ou se já havíamos nos tornado mais ‘clínicos’. ‘Ciência, deixa para o cientista, nós somos clínicos’, brincou comigo.” 6. A estada de Sylvia Duncan Em 1977 foi contratada para PUC/RJ a Professora Sylvia Duncan, ex-aluna de Beech na Inglaterra. Por esta época, Minam Valias e Marília Graciano já haviam mudado para São Paulo e Claudia Rego e Vanessa Leite afastaram-se da área comportamental. Bernard trabalhava sozinho na área. Não conseguia sequer lecionar sua especialidade, dadas as condições financeiras difíceis pela qual


passava a PUC/RJ: podia lecionar apenas matérias obrigatórias (História da Psicologia e Behaviorismo). O Serviço de Psicologia Aplicada da PUC/RJ trabalhava em equipes de dois psicólogos, de forma que durante certo tempo havia uma equipe comportamental psicanalítica. A chegada de Sylvia, com sua competência e simpatia, foi um estímulo para a reintensificação de pesquisas e do ensino. Trazia conhecimentos experimentados pessoalmente (e não apenas lidos ou ouvidos em minicursos) na prática da terapia comportamental na Inglaterra. Foram desenvolvidos trabalhos sobre obesidade e introduzido o curso de Terapia Comportamental infantil, além de ser constituída uma equipe de atendimento e supervisão em Terapia Comportamental. Infelizmente, sua estadia foi pequena: em 1979 já estava voltando para Londres (e Bernard retornando à sua solidão). Geraldo Lanna por sua vez, lecionava particularmente e na Universidade Gama Filho e, por suas mãos, formaram-se levas de atuantes terapeutas comportamentais cariocas. 7. O catalisador Lettner O movimento da terapia comportamental ganhou renovada vibração com vinda para o Brasil de Harald W. Lettner (“Harry”) em 1981. Foi contratado por Bernard Rangé, nesta época Diretor do Departamento de Psicologia da PUC/RJ, para ensinar seus conhecimentos adquiridos na Áustria, em seu doutorado, em Munique, em pósdoutoramento, e em Londres, em outro pós-doutorado com Victor Meyer. Novamente Bernard experimentou um alívio da solidão e novo ânimo com a vinda de Harry. Lanna assim descreveu seu encontro com Harry: “Em 1981 apareceu o Harald Lettner. Ele apareceu lá no consultório, não sei quem levou, mas ele apareceu por lá. Um austríaco, um tipo meio estranho, meio hippie, brinco, pulseininha. Ele ficou batendo papo comigo e disse que tinha feito um curso na Inglaterra com o Vic Meyer e lá tinha feito um pós-doutorado em condutoterapia. Trabalhou lá na clínica, tendo contribuído bastante com os conhecimentos que aprendeu com o Vic Meyer. Trouxe o próprio Vic Meyer, por duas vezes, para o Brasil. Uma vez, foi para a PUC. outra foi particularmente.” Uma das primeiras iniciativas da nova dupla da PUC foi tentar editar uma obra em português sobre terapia comportamental, com a participação de inúmeros colaboradores brasileiros e uma quantidade de autores estrangeiros para os capítulos em que não conhecíamos especialistas brasileiros. Harry tinha uma enorme facilidade de contato e uma energia inesgotável no que se referia ao trabalho e à afirmação da terapia comportamental. Havia feito inúmeros contatos no Rio e aproximado os dois grupos, outros tantos em São Paulo e Campinas. Bernard também tinha um conhecimento anterior de muitos colegas em São Paulo. Havia uma base para se tentar uma obra como aquela. Os temas que faltassem poderiam ser preenchidos com os amigos que Harry havia feito em seus périplos pelo mundo. Assim nasceu o Manual de psicoterapia comportamental. Foi necessário esperar cinco anos para que todos enviassem seus capítulos. Mais dois para que a editora processasse a publicação (a editora que inicialmente havia se interessado em publicá-lo desistiu com a demora e foi necessário encontrar outra que se interessasse). Foi difícil, mas valeu muito a pena! Esta obra acabou tornando-se a obra básica de referência no Brasil para treinamento em terapia comportamental e talvez tenha sido a base, pela aproximação que gerou entre colegas brasileiros, para


a fundação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). 8. Difusão e aproximação A difusão com outros novos interessados no Rio e em outros estados foi progredindo. Diz Lanna: “Eu dei esse curso na clínica, a Eliane se agregou, o Pio se agregou, o Gélio se formou e começou a trabalhar no CORPSI, e a Lígia também. Então, aconteceu que o Araguary saiu do grupo inicial. Nessa altura ficaram a Fernanda, o João Alberto e eu. O Araguary foi lecionar na Gama Filho, depois especializou-se nos EUA com Masters e Johnson (fez um estágio e um doutorado em sexologia). O Pio, por ligações que tinha em Niterói, montou um grupo lá, que andou desenvolvendo bem. A Eliane Falcone, o Gélio, a Lígia e a Regina Lúcia ficaram comigo. Posteriormente convenci a Eliane Falcone a fazer um estágio com ele em Londres, e ela foi. Antes disso ela havia feito o mestrado com o Lettner, na PUC. Quando voltou, montou uma clínica em associação com a Denise Torós, sendo que depois elas se desligaram. Houve também vários grupos no Brasil que estudaram conosco. Um deles era da Paraíba (Marcos Rogério de Souza Costa). Este grupo, teve conhecimento do que o Hélio (Guillardi) fazia em Campinas e veio a nos conhecer num congresso no Rio. Veio para o nosso grupo, depois dos estudos com o Hélio e fez um estágio comigo, com o Harald, ficando muito ligado a nós. Harald começou a ir a Campinas para levar sua experiência para lá. Um grupo foi para Poços de Caldas, outro para o Amazonas, um outro foi para o Paraná. Veio também um rapaz que era médico em Sergipe, o Carrera. Ele me pediu para fazer um estágio no CORPSI. Era anestesista, mas estava meio enjoado daquilo e queria uma coisa nova, queria psicologia. No entanto tudo que já tinha visto sobre isso não prestava; ficou sabendo do meu nome e veio fazer um curso. Então, estagiou durante um ano na clínica e, posteriormente fundou um grupo em Aracaju e outro na Bahia também.” Infelizmente, Harry foi embora do Brasil. Mas a semente da aproximação havia vingado. Bernard e Eliane iniciaram um movimento de contato com os mais conhecidos colegas do Rio, visando trocar idéias, experiências, organizar grupos de estudo e facilitar a indicação de pacientes, conhecendo-se melhor o perfil de cada um. Aos poucos, no Rio, a terapia comportamental foi se difundindo nas diversas universidades. Bernard já lecionava na PUC desde 1971. Lanna, antes disso, já havia lecionado na Universidade Gama Filho, tendo sido sucedido por Araguary Chalar Silva, que montou um belo programa de pós-graduação lato sensu em Sexualidade Humana (tristemente, pouco depois de haver conseguido transformá-lo em programa de mestrado, em 1994, faleceu precocemente, quase sem ter podido acompanhar o crescimento de sua obra). Eliane Falcone foi aprovada em concurso para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Flávia Guimarães, também ex-aluna de graduação de Octávio na UFRJ e com mestrado em etologia na Holanda, e Vera Socci, oriunda de São Paulo, com doutorado na USP, começaram a estruturar o trabalho na Universidade Federal Fluminense (UFF). Pio da Rocha começou a lecionar na Faculdade Celso Lisboa e na Faculdade Maria Thereza (Niterói). Na Universidade Santa Úrsula, onde Flávia Guimarães já havia lecionado, a área está atualmente representada por Monique Bertrand Cavalcanti. Bernard


deixou a PUC depois de 22 anos, transferindo-se para a UFRJ, sendo substituído por Helene Shinohara, graduada em São Paulo e pós-graduada na PUC/RJ.

Terapia cognitiva Aos poucos, com a difusão da terapia cognitiva no Exterior, a tradução do livro de Beck e colaboradores (Terapia cognitiva da depressão) para o português, esta prática começou a disseminar-se no Brasil e começou a se repetir aqui o que se observa no resto do mundo: o surgimento de uma abordagem cognitivocomportamental. A aceitação progressiva desta orientação no meio psiquiátrico começa a se manifestar pelos sucessivos convites para apresentações em congressos da categoria. A publicação de artigos que definem suas características, processo, fundamentos, aplicações aumenta a repercussão. Progressivamente, grupos começam a se constituir no Rio, em São Paulo (apesar da forte tradição skinneriana), em Porto Alegre (o reduto mais psicanalítico do Brasil pela influência argentina) etc. e, aos poucos a terapia comportamental brasileira vai mudando. Esta talvez seja uma das mais interessantes observações a se fazer nos próximos anos sobre o impacto da terapia cognitiva no Brasil e a evolução deste impacto.

O nascimento da ABPMC Os contatos iniciais decorrentes da aproximação dos terapeutas comportamentais cariocas germinaram aproximações com paulistas de Ribeirão Preto (Ricardo Gorayeb, Vera Otero), de Campinas (Hélio Guiliardi). de São Paulo (Rachei Kerbauy). instituições internacionais (p. ex., Latini Dies, Associação de Terapia Comportamental do Países de Língua Latina) tentavam fazer contato com entidades correspondentes no Brasil e não as havia. A ABAC havia parado de funcionar. Aos poucos foi surgindo a idéia de uma Associação Brasileira de Psicoterapia Comportamental que congregasse todos os interessados na área no Brasil, que estabelecesse canais de comunicação com entidades, que promovesse encontro científicos que contribuíssem para a troca de informações e o aperfeiçoamento profissional, que incentivasse a publicação de obras em português etc. Em circulares, esta idéia progrediu e culminou com um encontro na Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia de 1991, em Ribeirão Preto. Nesta reunião, a idéia foi apresentada e foi recomendado que o grupo do Rio, mais adiantado nesta estruturação, procurasse implementar a idéia. Tal foi feito: em 4 de novembro de 1991, foi fundada a ABPMC, tendo sido eleitos Bernard Rangé (1 Presidente) e Geraldo da Costa Lanna (1° Vice- Presidente). A ABPMC levantou um mapa da distribuição dos interessados na área no Brasil, aproximou-os, fazendo-se conhecer mutuamente por meio da realização de três congressos nacionais e um internacional, incentivou a edição de livros e traduções e permitiu a organização de um novo e mais ambicioso livro, desta vez totalmente brasileiro. Presidida em seu primeiro mandato por Bernard Rangé e a seguir, pelo outro autor deste trabalho, Hélio Guiliardi, está atualmente envolvida em estreitar seus laços internacionais, inicialmente latino-americanos, por intermédio da ALAMOC, e depois mundiais, por intermédio da AABT e da EABCT. Uma grande alegria foi a participação de nada menos do que Fred Keller, aos 91 anos de idade, diante de uma interessada platéia de 600 pessoas. Imagino que nossa admiração


somente pudesse se comparar a uma certo sentimento de orgulho daquele que, em primeiro lugar, falou nossa linguagem no Brasil, há já trinta e cinco anos.

Homenagens Muitos são aqueles que merecem ser especialmente lembrados. É claro que, em primeiro lugar, aqueles que. em São Paulo e no Rio, foram responsáveis diretos deste resultado e que são os epigrafados neste capítulo: Fred Keller e Octávio Soares Leite. “Gil” Sherman, que continuou com brilhantismo a obra de Keller, não pode ser esquecido. Gary Martin que iniciou o treinamento em AAC no Brasil só pode ser louvado pela brilhante descendência que deixou. Não só em AEC como em qualquer outra área da psicologia brasileira, não há como deixar de destacar a eminente Professora Carolina Martuceili Bori, Rodolfo Azzi, Maria Amélia Matos, lsaías Pessoti, João Claudio Todorov, Thereza Mettel, Rachei Kerbauy, Maria do Carmo Guedes, Maria Inês da Rocha, Luis de Oliveira, Geraldina Porto Witter, Edwiges (Vivi) Silvares fizeram tanto pelo desenvolvimento de uma psicologia científica brasileira que apenas citar seus nomes chega quase a urna injustiça. Geraldo da Costa Lanna, Luis Otávio de Seixas Queiroz e Darcy Corrazza foram marcos, na medida em que instituíram as primeiras clínicas de Terapia Comportamental (ou Condutoterapia, como prefere o Lanna), no Rio, e de Análise Aplicada do Comportamento, em Campinas e São Paulo, conduzindo-as com rigor e qualidade. Mi- riam Valias Oliveira Lima, que venceu aqui, lá e acolá tem que ser lembrada. Os “estrangeiros” Sylvia Duncan e Harald Lettner deixaram uma marca histórica, profissional e afetiva, indelével.

1958. Fundação do Curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia da USP. 1959. Contatos com Fred Keller para sua vinda ao Brasil. 1960. Chegada do Professor Fred KeIler a São Paulo e início de seus cursos e atividades em laboratório, com a participação da Professora Carolina Bori, Professor Rodolfo Azzi e das alunas Maria Amélia Mattos e Maria Inês Rocha. 1961. Inclusão no grupo dos professores lsaías Pessotti e Geraldina Porto Witter e início de atividades de laboratório em Rio Claro, no curso de Pedagogia. 1962. Vinda do Professor Gil Sherman. 1962. Contatos para a constituição curso de psicologia da UnB. 1964. Início da atividades do curso de psicologia da UnB. 1965. Desbaratamento da estrutura da UnB. 1966. Tradução do artigo de Eysenck por Ued Maluf. Foi constituída a primeira clínica do Rio de Janeiro, a CORPSI.


1969. Início do curso da Professora Rachei Kerbauy na Sedes Sapientiae. 1969. Octávio Leite monta seu grupo de interessados na PUC/RJ. 1970. 1 Reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto. 1972. E fundado o Centro de Estudos em Modificação do Comportamento e é lecionada a primeira disciplina de Terapia Comportamental na PUC/RJ. 1972. Professores João Claudio Todorov e Thereza Mettel vêm lecionar AEC e AAC na PUC/RJ. 1973. Curso de Michael Mahoney em São Paulo. 1973. João Claudio Todorov vai para a UnB. 1974. Professora Thereza Mettel passa a fazer parte do corpo docente da PUC-RJ. 1974. Visita de Wolpe; primeiro encontro entre Geraldo Lanna e Bernard Rangé. 1977. Thereza Mettel vai para a UnB. 1977. Chegada de Sylvia Duncan na PUC/RJ. 1979. Volta de Sylvia Duncan para a Inglaterra. 1981. Chegada de Harald Lettner ao Brasil. 1982. Primeira visita de Victor Meyer ao Brasil. 1984. Primeiro contato do Rio com Hélio Guiliardi. 1988. Publicação do Manual de psicoterapia coinportainental, de Lettner e Rangé (Orgs.). 1989. Primeiras reuniões de todos os interessados no Rio visando aproximação. 1990. Aproximações com grupos de São Paulo, Campinas, Ribeirão, visando constituição de uma Associação Brasileira de Psicoterapia Comportamental. 1991. Fundação, por delegação, pelo grupo do Rio, da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). 1991. Curso de Terapia Cognitiva, ministrado por Bernard Rangé, no Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Maceió. 1992. Publicação de uma série de artigos sobre Terapia Cognitiva no Jornal Brasileiro de Psiquiatria.


1992. A ABPMC é reconhecida internacionalmente como a entidade oficial brasileira na área cognitivocomportamental pela ALAMOC (Associação Latino-Americana de Modificação do Comportamento), pela EABCT (European Association for Behavioral and Cognitive Therapies) e pela AABT (Association for Advancement of Behavior Therapy) e credenciada como futura sede (provisória) do VI Congresso Mundial de Terapia Comportamental e ao IV Cogresso Mundial de Terapia Cognitiva. 1992. Primeira Reunião Anual da ABPMC no Rio de Janeiro, em novembro. 1992. Primeira representação brasileira no Comitê Internacional (AABT, EABCT e outras associações internacionais). 1993. Primeiro Congresso Internacional de Terapia Cognitivo-Comportamental. no Rio, em promoção conjunta da ABPMC, ALAMOC e Asociación Espaiiola de Terapia Conductal). 1993. Segunda Reunião Anual da ABPMC em Campinas. 1994. Hélio Guillardi é eleito o segundo Presidente da ABPMC. 1994. Primeira representação brasileira em Congresso da ALAMOC, La Paz, Bolívia. 1994. Terceira Reunião Anual da ABPMC em Campinas com a Presença de Fred Keller. 1995. Publicados os livros, Psicoterapia comportainental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas e Psicoterapia comportamental e cognitiva de transtornos psiquiátricos, as primeiras publicações abrangentes nessa área no Brasil contando apenas com colaboradores principais brasileiros, ou que se “tornaram brasileiros” pela dedicação ao trabalho aqui realizado.

Referências Azzi. Rocha e Silva, Bori, Fiz e Keller (1963). Azzi. Fix. Rocha e Silva e Kefler (1964). Keller, F. 5. (1973). Keller, F. S. (1978).


6 Panorama da psicoterapia comportamental no Brasil Bernard Rangé, Ana Paula Abreu e Lisianne Ferreira Rodrigues Depois de sua introdução no Brasil, no início da década de 60, em São Paulo, a abordagem comportamental desenvolveu-se numérica e geograficarnente dilerenciada em inúmeros interesses, mas ainda encontra resistências e dificuldades para sua plena assimilação na psicologia brasileira. Este capítulo revela alguns aspectos da situação desta abordagem no Brasil. Primeiramente, há poucos comportamentalistas em meio de muitos psicólogos de outras orientações, em geral inseridos em um ambiente de preconceito e desconfiança. Por que isso? Roberto da Matta escreveu alguns livros e trabalhos interessantes sobre a cultura brasileira e a brasilidade. Mostrou, por exemplo, como mantemos e somos criados em uma cultura calcada em três tipos de festas que nos orientam. Por um lado, as festas místicas, como as romarias a Aparecida e a Juazeiro de Padre Cícero, as festas do Divino, as procissões, as festas de revejilon no dia 31 de dezembro e outras práticas da cultura sincrética afro-brasileira. Por outro lado, as festas mágicas, como demonstrado pela inversão mágica das relações sociais de poder que é observada durante o carnaval. E, por fim, um lado autoritário e hierarquizado, manifesto nas paradas militares e em diversos exemplos de inclinações sociais de nosso dia-a-dia. Aroldo Rodrigues, nosso conhecido e reconhecido psicólogo social, tambérn estudou características psicológicas brasileiras, especialmente as cognitivas, encontrando resultados semelhantes; grandes doses de misticismo, magia, irracionalidade, otimismo, de supremacia da fé sobre a razão e os fatos empíricos etc. Assim um dos primeiros problemas, talvez o fundamento dos outros, pelos quais a prática das psicoterapias cognitiva e comportamental passa no Brasil, parece decorrer das influências culturais nas quais nos formamos. A orientação cognitivocomportamental é fundamentalmente racional, empirista, positivista, determinista, naturalista, pragmática e ïsso se choca frontalmente com a ideologia dos que chegam às nossas universidades para serem nossos alunos. Deparamo-nos com uma inclinação dos nossos alunos em “acreditar” em forças, digamos, “ocultas” ou “misteriosas”, como o inconsciente, a libido, a energia orgânica, as tendências atualizantes etc. do que nas evidências irrefutáveis sobre determinantes ambientais do comportamento. Foi usado propositalmente o termo “acreditar”, pois parece se tratar de artigo de fé. Quantas vezes professores de análise experimental do comportamento ouvem: “Como você pode não acreditar no inconsciente?” Não adiantam tentativas de esclarecimento de que não se trata de uma questão de crença mas de valor heurístico do conceito e das implicações metodológicas referentes às possibilidades de verificação e refutação. É como se estes conceitos deixassem de ser constructos e passassem a referir existentes reais, inquestionáveis, por princípio. Assim como para muitos, “tem que existir um Deus”,


“tem que existir um inconsciente”. As evidências sobre outros determinantes são minimizadas por meio de todo tipo de recurso emocional-cognitivo: “isso é coisa de rato, gente é diferente” ou “tudo bem, reconheço a evidência que você está querendo me mostrar mais isso é sem importância diante da grandeza e complexidade do ser humano”. Portanto, justifica-se, por princípio, que o “artigo de fé” se mantenha. Não se questiona aqui a legitimidade científica daqueles conceitos, mas a forma com que são aceitos e processados em nossa cultura discente universitária. Talvez seja uma forma que, culturalmente, encontramos de nos eximir de responsabilidades por nosso mundo, nosso país, nossos semelhantes ou nós próprios. Ao responsabilizar algo de “intra” de nós (ou mesmo “dentro”) sobre a qual não temos ou não podemos ter acesso ou poder direto, entregamos o nosso destino ao destino, como reflexo de uma sociedade acostumada a um paternalismo autoritário histórico. Em resumo, mesmo tendo sido afirmado de uma forma talvez confusa, o primeiro problema que a terapia cognitivo-comportamental enfrenta é o de lidar com problemas culturais (a) mágicos e místicos e (b) embebidos numa subcultura psicanalítica (não no sentido de inferior, mas no de subconjunto cultural maior) que dificultam e até mesmo inviabilizam a possibilidade de uma linguagem comum, quase como se fossem lituanos e ianomamis procurando se entender. Os psicólogos experimentais de orientação comportamental também ajudam pouco. O excessivo apelo a experimento com animais, a defesa ardorosa da inconsistência de noções tabus como liberdade, dignidade, mundo interior, consciência etc., sem um relativo cuidado de apresentar todo o referencial teórico, empírico, epistemológico em que foram concebidas, cria reactâncias muitas vezes irreparáveis. A firme adesão ao determinismo ambiental gera temores e suspeitas de manipulação de outros em benefício de certas camadas sociais sobre outras, lembranças do período autoritário, fascismo etc. De modo algum se está aqui defendendo uma estratégia mercadológica de mudança nas posições epistemológicas, metodológicas e teóricas para que o nosso produto se torne mais palatável ao consumo. Mas precisamos reconhecer um certo abismo cultural e procurar pontes que o superem, para que as nossas mensagens possam ser mais bem compreendidas. Outra questão é a da formação. Onde obtê-la? Nossa legislação faz com que nossos cursos de graduação sejam profissionalizantes e, no caso da psicologia especificamente, generalistas. Um psicólogo, segundo a lei é um profissional habilitado a trabalhar em escolas, empresas e em aconselhamento; nossos cursos têm que atender à lei e ao currículo mínimo. A formação tende, portanto, a ser generalista, apesar de não pluralista. Isto conduz para formações especializadas em nível de pós-graduação lato sensu. Quantas universidades oferecem cursos de formação em psicoterapia comportamental neste nível? Em geral, o que acontece é que a formação é feita ou a partir de um ou dois cursos sobre análise experimental do comportamento (às vezes complementada com alguns esparsos estudos individuais), ou se dá no quadro de formações oferecidas individualmente por profissionais mais (mas nem sempre) experientes em clínicas ou consultórios. Mesmo que o treinamento em análise experimental do comportamento tenha sido sólido, isso não é o suficiente. Psicoterapia é algo diferente: depende do estabelecimento de uma relação de características específicas para cuja


capacitação são necessários conhecimentos teóricos e muita prática supervisionada que complementem uma adequada capacidade de análise do comportamento. Quando há só análise funcional pode-se conseguir modificação do comportamento, mas não um processo psicoterápico. Pode até ocorrer, em decorrência, um progresso inicial, mas em pouco tempo pode ocorrer ou a estagnação do processo, ou a regressão, ou o abandono da terapia. É quando surge o que os colegas psicanalistas chamaram a atenção há muito tempo: resistência. Mesmo deixando de lado as conotações que o conceito tem naquela abordagem e as críticas conceituais e metodológicas que a ele podem ser feitas, algo deste teor se manifesta e é necessário saber lidar com este problema. Quantos cursos sistemáticos permitem isso’? Caindo num aspecto mais terra-a-terra: quantos cursos são oferecidos em nossos cursos universitários para a capacitação em psicoterapia comportamental em proporção a outras capacitações? Quantos supervisores existem em nossos SPAs disponíveis para supervisionar o trabalho clínico na área? Quantos existem em outras abordagens? As respostas são lamentáveis (ver adiante). Ora, este quadro acaba contribuindo para a constituição de um círculo vicioso: quanto mais a oferta se dá para apenas outras abordagens, mais profissionais e professores trabalharão dentro daqueles enfoques, mais disseminados serão aqueles pensamentos, mais os novos alunos virão com a visão que a psicologia é aquilo que já está em suas cabeças, mais dificuldades serão encontradas para transmitir nossa mensagem sem atitudes defensivas ou preconceituosas. Admita-se que exista um ou mais bons cursos de formação. E a bibliografia? Ou é praticamente inexistente em português ou até ultrapassada. Quase não se edita mais livros sobre outros assuntos que não sejam as questões psicanalíticas, já que o mercado consumidor é grande e as editoras vão trabalhar, obviamente no regime de mercado. Mesmo textos de psicologia básica, são raras as novas edições. Se forem buscadas soluções nas obras estrangeiras, o quadro também não melhora. Quantos alunos estão capacitados a ler de forma aproveitável um texto em inglês? Mesmo que haja um número razoável, quantos têm poder aquisitivo para adquirir livros e revistas necessários? As próprias universidades, em estado falimentar, não têm verba suficiente para atender à demanda bibliográfica dos cursos, quanto mais seus professores com seus salários de professores. Mais ainda os recém-formados em um mercado de trabalho saturado. Alguns entraves à importação de livros e revistas diminuíram: agora, com um cartão de crédito, pode-se comprar em qualquer livraria ou editora internacional o que se quer. Mas é preciso saldo bancário para ter o cartão e para pagar a fatura quando ela chegar. Os psicólogos comportamentais também têm pesquisado pouco, escrito pouco, difundindo pouco seus trabalhos. E verdade que há toda espécie de dificuldades; falta de recursos para a pesquisa, falta de infra-estrutura, falta de pessoal qualificado, falta de equipes de pesquisa etc. Também não há um movimento unido para defender interesses comuns da área comportamental. A questão da supervisão clínica é outro problema. A insuficiência de profissionais em psicoterapia cognitivocomportamental é o início da dificuldade. Apesar de muitos excelentes profissionais, freqüentemente a formação de outros muitos é deficiente. Esta “bola de neve” não gera “apenas” novos profissionais inadequadamente capacitados: a atuação destes contribui para uma deformação de nossa imagem profissional. Falei acima que pouca pesquisa é feita na área da psicoterapia cognitivo-comportamental. A marca dos especialistas nessa área é a de bons clínicos com sólida formação científica, isto


é, imbuídos dos princípios epistemológicos, metodológicos, teóricos e experimentais que norteiam a atividade científica. Em geral, o que se pode observar na prática da psicoterapia cognitivocomportamental é que uma parte significativa dos profissionais usa técnicas comportamentais como “pacotes”: aprendemos que para tratar fobias o recomendado é utilizar dessensibilização; que para tratar compulsões recomenda-se exposição e prevenção de respostas; e assim por diante, tal como para dor de cabeça toma-se um aspirina. É necessário manter uma atualização, fortalecer as habilidades clínicas e fazer progredir o conhecimento. Por exemplo: muitas técnicas incluem registros e tarefas que, freqüentemente, os pacientes resistem a cumpri-las: por quê? como precisa se estruturar a relação terapêutica para que ela esteja culturalmente ajustada e favoreça a emissão de comportamentos propiciadores de resultados positivos? O distanciamento da atividade de pesquisa conduz à ritualização e isso não é conveniente, pois afronta, até mesmo, a nossa identidade. Outra fonte de dificuldades é o isolamento a que esta área tem sido condenada tanto no nível nacional como no internacional. Há uma quase inexistência de canais de comunicação estáveis, tais como revistas que circulem com regularidade e com especificidades de assuntos. A difusão ampla de computadores e do sistema lnternet está apenas chegando entre nós. As distâncias em nosso país são enormes e os custos altíssimos. A deficiência de verbas que fomentem esta atividade de contatos na área é lamentável. Com todas estas dificuldades, alguns ainda conseguem uma formação adequada e uma atualização e aperfeiçoamento satisfatórios. Mas para onde podem se dirigir para aplicar o conhecimento adquirido? Há quase que exclusivamente duas vias: a via acadêmica, limitada em vagas e recursos, e a via particular, de início penoso, progressão lenta e rentabilidade duvidosa em relação ao investimento. O acesso ao trabalho em áreas até carentes como a educacional e a área de saúde, física e mental, é difícil pela crônica falta de recursos e pelo domínio de outras abordagens nestes setores, de forma que quando há concursos, por exemplo, o conhecimento requerido é distante de nossa formação e que coloca nossos candidatos em desvantagem. Se não conseguem ser aprovados e mostrar o seu trabalho, esta abordagem não se torna mais conhecida, o ingresso por concurso mantém o mesmo tipo de conteúdo programático e mantém-se o círculo vicioso. Há necessidade de fazer também um mea-culpa. Há muitas divisões internas que são tratadas como intransponíveis. Uma discussão entre um psicobiólogo e um analista experimental do comportamento pode ser tão feroz, cada um na defesa de suas posições, quanto um nacionalista e um neoliberal se digladiando. Algumas vezes, usar o termo “cognitivo” é quase uma heresia em certas audiências behavioristas radicais. Será que as diferenças entre os diversos paradigmas que têm sido utilizadas para compreender o nosso objeto de estudo são tão intransponíveis que não nos permitem conversar, trocar, aprender uns com os outros? Acrescente-se a isto os bairrismos, os cidadismos, os estadismos, os regionalismos e os “universidadismos”. Tem havido também considerável grau de preconceito e desconfiança entre nós.

Situação da área comportamental no Brasil Apesar de ser espantoso que haja cursos de graduação em que nenhuma disciplina se dedique a esta área do conhecimento (6%), pelo menos a grande maioria dedica alguma disciplina a um conteúdo relacionado à abordagem comportamental: em


81% dos cursos encontra-se de uma (o mais comum) a até pelo menos quatro disciplinas dedicadas também a temas desta abordagem. Apenas 12% dos cursos oferecem um número maior do que quatro disciplinas sobre o assunto (ver Quadro1). Na maior parte dos cursos, a abordagem comportamental é estudada como parte de cursos de Psicologia Geral e Experimental. Em apenas 50% dos cursos há oferta específica e obrigatória de Análise Experimental do Comportamento ou de Análise Aplicada do Comportamento ou de Terapia Comportamental. Há eletivas que discutem a perspectiva comportamental em 56% dos cursos (ver Quadro 2). A abordagem cognitiva, por sua vez, somente não é utilizada em 10% dos cursos que oferecem algum treinamento na área comportamental. Em 75% dos cursos é utilizada em conjunto com a perspectiva comportamental. Os pesquisadores mais estudados e influentes são, pela ordem, Skinner, Bandura, Wolpe, Beck, Seligman, Ellis, Sidman, Eysenck, Barlow e Kohlenberg (ver Quadro 3). Na pós-graduação a situação é mais negativa: 25% dos cursos pós-graduados não se referem à abordagem comportamental e, se cerca de 70% dos cursos universitários de psicologia não oferecem estudos pós-graduados, a possibilidade de treinamento sério e institucionalizado na área comportamental reduz-se a 5% dos cursos de pósgraduação (ver Quadro 1). A quase impossibili dade de formação apropriada em nível de pós-graduação reduz a competitividade de profissionais comportamentais no mercado de trabalho, além de, por não contribuir para uma adequada formação, isto acaba resultando em ameaças à imagem profissional desta perspectiva no Brasil. O menor número de especialistas também contribui para uma menor difusão deste conhecimento e, portanto, para uma perpetuação do quadro. Se forem comparados os créditos oferecidos às diferentes abordagens poderemos compreender uma parte da razão da situação acima descrita. Enquanto são oferecidos, em média, para cada curso, cerca de 42 créditos em psicanálise, apenas 1/4 destes é oferecido a outras abordagens, inclusive a comportamental (ver Quadro 4). Os cursos são, portanto, dominados pelo pensamento psicanalítico, reduzindo a possibilidade de contato com outras orientações. Isto contribui para fortalecer o treinamento e a disseminação da abordagem psicanalítica, perpetuando este círculo vicioso, em que mais profissionais trabalham em psicanálise, mais professores procuram trabalho na universidade com esta formação, mais cursos sejam destinados a professores com esta formação e, conseqüentemente, mais alunos sejam formados na mesma perspectiva. O ensino da abordagem comportamental dirige mais de dois terços de sua energia para treinar clínicos, restando um terço para treinamento na área educacional. O treinamento em áreas prioritárias como trabalho e justiça é praticamente desprezível. A oferta de estágios não acompanha a oferta de disciplinas na área clínica, pois somente 50% dos estágios são em clínica. Isto, entretanto, não aumenta a oferta de estágio em outras áreas de aplicação (ver Quadro 5). Há uma média de 1,5 supervisores na área comportamental nos cursos de psicologia, para cerca de 9 estagiários, uma proporção de 1:6. Trata-se de uma proporção elevada que contribui para formações menos cuidadosas, ainda mais considerando que em 50% dos casos a supervisão é em grupo e que o número de horas semanais dedicadas à supervisão é de cerca de oito horas. O número médio de atendimentos por ano na área comportamental é baixo (11) já que corresponde a pouco mais de um caso por aluno.


São atendidos, nas clínicas universitárias, mais adultos do que crianças, adolescentes ou idosos, sendo que na grande maioria dos cursos o atendimento é individual (70%). Grupos, casais e famílias equivalem-se constituindo os outros 30%. Os problemas mais freqüentemente atendidos são ansiedade e depressão. Desordens sexuais e problemas de aprendizagem são também bastante freqüentes (ver Quadro 6). Quadro 1. Disciplinas oferecidas na área comportamental em cursos de psicologia no Brasil. GRADUAÇÃO: nenhuma 6,25% uma a quatro 81,20% mais de quatro 12,50% PÓS-GRADUAÇÃO: nenhuma 25% uma a quatro 0% mais de quatro 6,25% sem pós-graduação 68,75% Quadro 2. Tipos de disciplinas oferecidas em cursos de graduação. Análise experimental do comportamento: 50% dos cursos Psicologia geral e experimental: em 56% dos cursos Psicoterapia comportamental ou análise aplicada do comportamento: em 50% dos cursos Eletivas: 56% dos cursos Quadro 3. Pesquisadores mais freqüentemente citados como referência de estudo. (Número de citações em cursos de graduação e pós-graduação) B. F. Skinne

90%

Albert Bandura

80%

Joseph Wolp

75%

Aaron T. Beck

60%

Martin Seligman

50%

Albert Ellis

50%

Murray Sidman

40%

Hans Eysenck

35%


Stephen Hayes

35%

David Barlow

25%

Robert Kohlenberg

5%

Outros

15%

Quadro 4. Números de créditos oferecidos em diferentes abordagens em psicologia. Comportamental 10 Existencial-humanista 13 Gestaltista 08 Psicanalítica 42 Corporal 05 Quadro 5. Distribuição de disciplinas e estágios na área comportamental segundo áreas profissionais da psicologia. Disciplinas Estágios Clínica 75% — Educação 30% 10% Trabalho 5% 5% Justiça — — Outras 45% 10%

Quadro 6. Características dos estágios na área comportamental. ESTÁGIOS Número médio de supervisores = 1,5 Número médio de estagiários = 9 Horas de supervisão semanal 8 Tipo de supervisão grupo = 50% individual = 15% Número médio de atendimentos por ano e por curso = 11 POPULAÇÃO ATENDIDA


crianças = 30% dos cursos adolescentes = 50% dos cursos adultos = 60% dos cursos idosos = 25% dos cursos TIPO DE ATENDIMENTO individual = 70% grupo = 15% casal = 10% faniília= 10% institucional = 20% PROBLEMAS MAIS FREQÜENTEMENTE TRATADOS desordens da ansiedade1 = 50% desordens afetivas 50% desordens da personalidade 25% desordens alimentares 10% desordens sexuais = 40% desordens psicóticas = 5% desordens médicas2 = 40% outras = 15% Pânico = 25% Fobia social = 20% DAG = 5% DOC = 0.2% Enxaquecas, hipertensão, alcoolismo e abuso de drogas. Problemas conjugais, profissionais, insatisfações inespecíficas. Apenas 45% dos cursos universitários brasileiros realizam pesquisas na área comportamental, das quais apenas 40% são projetos patrocinados por instituições governamentais. Dos cursos que desenvolvem pesquisas, cerca de 7 professores e 15 alunos, em média, para cada curso, estão envolvidos na atividade (ver Quadro 7). Quadro 7. Situação da pesquisa na área comportamental. PESQUISAS NA ÁREA COMPORTAMENTAL Sim = 45% dos cursos Não = 55% dos cursos


NÚMERO E TITULAÇÃO DE PESQUISADORES ENVOLVIDOS Quanto às principais dificuldades apontadas pelos que trabalham como professores na área comportamental estão (não há ordenação das citações): (1) a existência ou a precariedade de laboratórios; (2) o preconceito contra a abordagem por parte de outros professores e alunos; (3) a insuficiência de oferta de estágios e formação prática na área; (4) a grande lacuna de material bibliográfico, especialmente em língua portuguesa; (5) o intercâmbio deficiente seja em nível nacional seja internacional; e, finalmente, (6) a defasagem curricular. Há considerável insatisfação com recursos institucionais, bibliografia, carga horária de disciplinas e com o tratamento diferenciado com outras abordagens (ver Quadro 8). Por outro lado, o grau de satisfação pessoal com o trabalho na área comportamental é muito expressivo: 50% dos que responderam consideram-se otimamente satisfeitos e 35% consideram-se satisfeitos, totalizando quase 85% de satisfação. Quadro 8. Nível de satisfação dos que atuam na área comportamental. PRINCIPAIS DIFICULDADES IDENTIFICADAS Falta de estágios = 45% Laboratórios = 55% Bibliografia disponível = 40% Intercâmbio deficiente = 40% Preconceito = 45% Defasagem curricular = 15% GRAU DE SATISFAÇÃO PESSOAL COM O TRABALHO Pessoalmente = 50% otimamente Infra-estrutura = 50% pouco/regular Recursos = 50% nada/pouco Bibliografia = 50% nadalpouco CARGA HORÁRIA DE DISCIPLINAS 30% pouco satisfeitos 30% regular 30% bom 10% ótimo APOIO DE COLEGAS 50% pouco 50% bom ou ótimo TRATAMENTO EQUIVALENTE A OUTRAS ABORDAGENS


50% nada ou pouco 45% regular 5% ótimo

Observou-se um número insuficiente de disciplinas dedicadas à formação de especialistas em análise experimental ou aplicada do comportamento ao que é oferecido em outras abordagens. Este panorama dificulta a disseminação do behaviorismo e perpetua um preconceito. Some-se a isto a enorme dificuldade de edição de obras na área comportamental, contra aquela que se observa em outras áreas. Como um aluno de graduação poderá se interessar por outras perspectivas que não as dominantes? Depois de formados, o acesso é quase exclusivo à formação psicanalítica, seja em termos universitários, seja em sociedades científicas. A pós-graduação é quase totalmente dominada pelo pensamento psicanalítico. Assim, o acesso à docência universitária quase fica restrito aos que trabalham nesta perspectiva, perpetuando o mesmo panorama. É muito pequeno o número de supervisores oferecidos nas instituições de ensino. A possibilidade de treinamento prático fica, portanto, muito restrita. A carga de alunos por supervisor é elevada, o que contribui, provavelmente, para diminuir a qualidade deste treinamento. Mesmo com um número de horas médio razoável de supervisão semanal, o número de casos (um por ano em média) não permite uma formação ampla e variada. Há uma baixíssima produção na área comportamental em nosso país. Se nem o ensino nem a prática permitem contato aprofundado com a abordagem comportamental, como encarar o futuro? Há sinais de transformação, entretanto, os próprios alunos têm mostrado insatisfação com a oferta quase discriminatória de disciplinas e pressionam por mais abertura. A adoção conjunta da perspectiva cognitiva parece favorecer uma maior aceitação da perspectiva comportamental. A competição editorial nas áreas costumeiras é acirradíssima, o que tem feito editores buscarem outras linhas de edição. Muitos graduados têm se dirigido para formação pós-graduada dentro e fora do país e, ao retornarem à vida acadêmica, estarão em condições de competir melhor por vagas no meio universitário. É de se ressaltar a intensidade da satisfação pessoal dos que trabalham na perspectiva comportamental. Graduado Mestres = 6 por curso Doutores = 8 por curso Alunos = 6 por curso IS por curso PROJETOS PATROCINADOS


Sim = 40% Não = 60%

Conclusões Também recentemente, foi fundada a Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). Sua constituição decorreu deste quadro pouco estimulante, descrito acima. Espera-se que ela seja um pólo de união de esforços em benefício da psicoterapia cognitivo-comportamental da análise experimental do comportamento, da terapia cognitiva, da medicina comportamental, da modificação do comportamento em seus diferentes contextos de aplicação. Já tem promovido uma maior interação dos interessados nas áreas acima mencionadas por meio de simpósios, workshops, congressos, boletins e. espera-se que futuramente, por uma revista científica e clínica. Ela tem incentivado a circulação de livros e revistas entre os sócios de modo a preencher um pouco a lacuna de bibliografia. Tem buscado sensibilizar editores para as possibilidades não avaliadas de lucro comercial por meio da edição de textos nacionais ou traduzidos, de boa qualidade, dentro desta área. Um forte e determinado apoio à ABPMC poderá justificar estas edições, a promoção de eventos etc. Espera-se que ela possa desenvolver campanhas de esclarecimento ao alunado, aos profissionais das áreas acadêmica, de saúde, de educação etc, e ao público em geral quanto à nossa identidade, objetivos, métodos, resultados, de modo a combater o preconceito e a desconfiança. Espera-se que, dos contatos mais freqüentes com associações congêneres nacionais e internacionais se possa alcançar um nível mais satisfatório de atualização, competência e reconhecimento social. Outro aspecto positivo é que, como a situação da área cognitivo-comportamental ainda é incipiente, muito há por fazer e desbravar. O horizonte é enorme e as perspectivas são amplas. Há muito desconhecimento de nossas potencialidades. Mesmo entre aqueles que já aceitam a psicoterapia cognitivo-comportamental, muitos ainda pensam que ela consiste, fundamentalmente, de uma terapia de fobias. Sabe-se que ela é muito mais que isto. O conhecimento e a eficácia da terapia cognitivo-comportamental progrediu muito mais rapidamente que outras correntes. A maior parte, entretanto, ainda é desconhecida pelos colegas de outras orientações. Apesar de existirem poucos comportamentalistas proporcionalmente a outras correntes — uma publicação recente do CPF (1989, 1994) situou a orientação comportamental em torno de 6,5% do total das inclinações teóricas, contra 44%, por exemplo, daqueles primordialmente interessados em psicanálise — isto pode ser uma vantagem. Primeiro, porque o número não é tão pequeno: isto equivale a mais ou menos cinco mil psicólogos orientados primordialmente para abordagens comportamentais. Segundo, porque a concorrência nesta área é menor, enquanto a de outras está saturada. Se houver uma congregação deste continente, ele será mais forte e poderá fazer muitas conquistas e realizações significativas para seus interessados e para a população brasileira.


7 Terapia racional-emotivo-comportamental Luiz Fernando de Lara Campos Neste trabalho será utilizada a sigla em inglês, REBT, proposta por Ellis em 1993.

Introdução A Terapia racional-emotivo-comportamental pode ser considerada a primeira forma de psicoterapia cognitiva a ser delineada, de forma que todos os métodos psicoterápicos de base cognitiva são direta ou indiretamente dela derivados (Rangé, 1992; Foa e Steketee, 1987). A REBT está incluída na Terapia Comportamental em razão da objetividade com a qual se desenvolve em termos da modificação de padrões de comportamentos desadaptados (Ellis, 1993; Freemam, 1990; Ellis, 1973), assim como pelo caráter empírico em sua investigação clínica, além da utilização de técnicas puramente comportamentais como a dessensibilização sistemática, por exemplo. São numerosos os escritos que relatam a não-diferença entre a Terapia Comportamental e a Terapia Cognitiva (Beck e Freemam, 1993; Freemam, 1990; Rimme Master, 1983: Lazarus, 1971), de tal modo que as consideraremos como sinônimos neste capítulo. Desta forma, torna-se imperativo para o terapeuta comportamental conhecer as diversas abordagens cognitivas, principalmente a REBT, em razão de sua aplicabilidade e eficácia experimentalmente comprovadas (Rimm e Master, 1983), assim como pela posição de Lazarus (1971), que indica esta tendência como o futuro da Psicologia. A. Ellis e A. T. Beck propuseram métodos psicoterápicos de caráter cognitivo no início dos anos 60, mas o devido respaldo teórico só surgiu a partir da Teoria da Aprendizagem Social de A. Bandura (Zarb, 1992). O número de estudos experimentais ou não que validam a REBT (Rimm e Master, 1983) são mais significativos que os relatos que indicam a sua restrição ou ineficácia (Gossette e O’Brien, 1992, 1993).

Histórico A Terapia Racional-Emotiva foi fundada em 1955, por um então psicanalista norteamericano chamado AIbert Ellis, após a concretização de uma ampla pesquisa intitulada “O caso de liberação sexual”, que começara a ser desenvolvida em 1940 (Ellis e Dryden, 1987). A vida pessoal do criador, suas estratégias pessoais e dificuldades quando adolescente serviram de referência para a criação de um novo método terapêutico (Ellis, 1962; EIlis, 1992c). Apesar de sua formação psicanalítica,


Ellis partiu para a criação de uma nova forma de atuação terapêutica baseando-se em sua experiência com casais e distúrbios sexuais, tendo como base a psicoterapia psicanalítica e eclética. Cansado dos inúmeros insucessos psicoterápicos e com a demora dos primeiros resultados, a busca de uma nova forma de atuação iniciou-se pelo resgate de uma posição humanista, principalmente na obra de Kant (Ellis e Dryden, 1987; Ellis, 1973). Kant escreveu sobre o poder e limitações das cognições e idéias sobre o comportamento humano, sendo que suas idéias foram desenvolvidas nestes tópicos principalmente por Spinoza e Schopenhauer, que em suas teses reforçaram a visão kantiana (Ellis e Dryden, 1987). A influência filosófica contou ainda com Popper, Reichenbach e Russel, filósofos da Ciência, que produziram vários estudos que ajudaram Ellis na concepção de natureza de mundo que atua como ponto de referência da REBT. A prática da REBT pode ser considerada um reflexo da metodologia científica, contrapondo-se a dogmas e absolutismos da cultura humana (Ellis e Dryden, 1987; Ellis, 1973) que Popper denominaria de pseudociência psicanalítica (Eynseck, 1993). Desta forma a REBT deve ser definida como uma posição terapêutica de ênfase humanista-existencial embasada em um empirismo rigoroso (Ellis, 1978). Um ponto importante na concepção de ser humano contida na REBT é a influência da filosofia cristã em termos do valor humano. Como origem do mundo psicológico, Ellis nunca descartou a influência do meio ambiente na formação e manutenção deste mundo, que para ele é basicamente cognitivo. Corroborava, assim, com a visão filosófico-metodológica behaviorista skinneriana de que a “psique” é fruto de um processo de aprendizagem (Ellis, 1962). Alfred Adler foi um dos importantes influenciadores da REBT, pois foi o primeiro psicólogo a se preocupar com os sentimentos de inferioridade existentes na ansiedade do homem (Ellis, 1962), indicando que o homem, ao contrário dos outros animais, possui a característica de avaliar o mundo em que vive. O uso e influência de técnicas comportamentais, cognitivas e emotivas são parte do processo terapêutico da REBT, podendo ser considerada como a primeira forma de atuação clínica de caráter comportamental-cognitivo, como já fora afirmado anteriormente (Ellis e Dryden, 1987; Ellis, 1973; Ellis, 1962). O nome original da linha proposta por Albert Ellis foi Terapia Racional-Emotiva até 1993. quando seu criador alterou o nome da abordagem para Terapia RacionalEmotiva-Comportamental em razão do forte caráter comportamentalista do processo terapêutico na REBT.

Conceitos teóricos A REBT pressupõe que a causa dos problemas humanos estão nas idéias irracionais que levam o ser humano a um estado de desadaptação de seu meio ambiente (Gorayeb e Rangé, 1988). O “ABC” da REBT O “ABC” na Terapia Racional-Emotiva representa a compreensão sobre a base do funcionamento cognitivo do ser humano, onde “A” seria o evento ativador; B” o pensamento pessoal sobre o evento ativador (interpretação) e “C” a consequência demonstrada pelo


sentimento pessoal e comportamento (Ellis, 1962). A REBT escreve que os distúrbios da personalidade começam com a pessoa determinando altos objetivos (metas) para si próprio, em um tipo de meio ambiente que possui um ponto de criação de eventos e atividades que acabam por ajudar a arquivar ou bloquear o acesso às metas estipuladas. O ABC de Ellis representa a primeira tentativa de compreensão sobre o funcionamento cognitivo do ser humano. “A” Eventos ativadores. A experiência ativante “A” é caracterizada por algum evento externo real, ao qual o indivíduo foi exposto, e que ativam pensamentos específicos sobre o próprio evento. Os eventos ativadores se baseiam em nossos sentimentos, pensamentos ou comportamentos ocorridos em eventos passados ou atuais para ativarem cadeias de pensamentos específicos. Pensamentos, cognições ou idéias. O “B”, originário de belief (crença, em inglês), são cadeias de pensamentos e autoverbalizações que são ativadas pelos eventos ocorridos em “A”. Este elo possui várias formas diferentes de se estruturar, uma vez que os seres humanos possuem tipos e formas de pensar igualmente diferentes. Na REBT, os componentes cognitivos são divididos em termos da sua racionalidade ou irracionalidade. Ellis (1973) acredita que de algum modo, os seres humanos possuem uma tendência natural à irracionalidade, fato este que acaba por limitar a possibilidade do homem de ser naturalmente feliz. O aparelho cognitivo é composto por crenças (regras para ação) e demonstram os gostos e/ou não-gostos do indivíduo. Os Pontos Positivos Preferenciais, por exemplo, se referem às crenças (cognições) ou aos valores positivos que não sejam absolutos: “prefiro pessoas que gostem de mim.” Estes tipos de pensamento são considerados racionais na REBT. Quando estes se referem a crenças ou valores positivos do indivíduo que denotam posições absolutas ou dogmáticas, são considerados irracionais: “minha vida deverá ser completamente maravilhosa Sempre”.Já os Pontos Negativos Preferenciais são cognições relativas e não absolutas que se referem a aspectos que a própria pessoa percebe como negativo: “eu prefiro pessoas que não me desaprovem.” Ao contrário, quando os pontos negativos refletem cognições absolutas e dogmáticas, são consideradas cognições irracionais: “ninguém pode me desaprovar.” As crenças irracionais identificadas por ElIis (1973) são: 1. Uma pessoa deve ser estimada ou aprovada por todas as pessoas virtualmente importantes em sua vida. 2. Uma pessoa deve ser plenamente competente, adequada e realizada sob todos os aspectos possíveis, para que possa se considerar digna de valor. 3. Certas pessoas são más, perigosas ou desprezíveis, e deveriam ser censuradas e punidas por suas maldades. 4. É horrível e catastrófico quando as coisas não acontecem exatamente do modo como a pessoa gostaria muito que acontecessem. 5. A infelicidade humana é causada por razões externas, e as pessoas têm pouca ou nenhuma capacidade de controlar seus sofrimentos e preocupações.


6. Se alguma coisa é, ou poderá vir a ser, perigosa ou apavorante, o indivíduo deve ficar tremendamente preocupado e pensar persistentemente na possibilidade desta coisa acontecer. 7. É mais fácil evitar do que enfrentar certas dificuldades e responsabilidades pessoais na vida. 8. Uma pessoa é dependente das outras e precisa de alguém mais forte do que ela para poder confiar e apoiar-se. 9. O passado de uma pessoa é o determinante pessoal de seu comportamento atual, e pelo fato de alguma coisa haver afetado seriamente a vida da pessoa, deverá influenciar indefinidamente sobre ela. 10. Uma pessoa deve ficar extremamente preocupada com os problemas de outras pessoas. 11. Existe sempre uma solução correta, precisa e perfeita para os problemas humanos, e é uma catástrofe quando a solução exata não é encontrada. É importante ressaltar que o número de crenças irracionais é limitado (Ellis, 1978), tendo sido identificadas estas 11 a partir de um rol inicial de mais de 40 crenças irracionais prováveis. Outro ponto de igual relevância é o fato de que estas crenças foram identificadas em outra realidade sociocultural, mais precisamente nos Estados Unidos da América, não se conhecendo nenhum estudo de adaptação das mesmas à realidade brasileira, fato que indica ao prático um extremo cuidado na sua utilização.

Conseqüência aos eventos ativadores “A” e pensamento “B”. As conseqüências cognitivas, afetivas e comportamentais seguem as interações entre “A” e “8”, podendo-se afirmar que, matematicamente, “A” versus “B” = “C”. Entretanto, esta relação não é tão simples como parece. As conseqüências “C” sejam afetivas, motoras ou emocionais são elos fundamentais para o cliente. Quando “C” consiste em distúrbios afetivo-emocionais (ansiedade, depressão etc.), “B” pode ser QUASE sempre o causador destes distúrbios, pois é a interpretação de “A” (“B”) que é o gerador de “C”. Outro ponto importante é o fato de não ser usual “A” contribuir diretamente para a relação com “C”, mas tal situação pode ocorrer ainda que em intensidades diversificadas. Ao finalizar o esquema básico de funcionamento da REBT, é importante salientar que quando o indivíduo está em psicoterapia, aparecem mais dois momentos que caracterizam a própria intervenção racional-emotiva. O primeiro momento “D”, quando as intervenções do terapeuta são iniciadas, é caracterizado pelo debate e pelo esforço que o terapeuta faz para que o cliente examine de forma crítica e científica seus pensamentos em termos de crenças racionais e irracionais detectadas em “B”. Este é o momento em que o cliente passa a perceber seu modo de funcionamento cognitivo e detecta as bases de sua irracionalidade.


O seguinte estágio “E” caracteriza-se pela mudança no sistema de crenças do cliente e as conseqüentes mudanças em seus pensamentos irracionais. O estabelecimento de bases lógicas para o pensamento e a conseqüente aprendizagem de estratégias cognitivas para o questionamento de seu próprio pensar garantem uma continuidade no processo de mudança, evitando remissões espontâneas da problemática. Deste modo, o cliente está apto a tentar novos padrões comportamentais adequados ao meio ambiente a partir de um sistema cognitivo racional e embasado na crítica e cientificidade das idéias.

A natureza dos distúrbios psicológicos e da saúde 1. Distúrbios psicológicos A teoria racional-emotivo-comportamental postula que o coração gerador dos distúrbios psicológicos é a tendência que o ser humano possui para perceber sua realidade de forma absoluta e parcial, por meio da percepção seletiva (Ellis, 1962). Estas cognições absolutas, de caráter religioso (pois são dogmáticas), acabam por colocar em grande evidência a base filosófica parcial que leva aos distúrbios comportamentais e emocionais humanos. Tais cognições são do tipo “vão para’, “tenho que”, “mostram que” etc. Estas cognições são irracionais dentro da REBT, e demonstram que usualmente (mas não sempre) são fortes bloqueadores do desenvolvimento das pessoas no caminho para atingirem seus objetivos e metas. Desta forma, as cognições acabam por criar altas expectativas, que não são passíveis de serem atingidas, gerando distúrbios emocionais a partir da dicotomia existente entre o que se espera e o que se consegue (Ellis e Bernard, 1985). As distorções cognitivas levam a distúrbios psicológicos, que podem aparecer da seguinte forma: — racionalização na busca de explicações sobre o nosso fracasso; — apressando conclusões sobre os eventos; — crenças na fortuna como realização de todos os objetivos e metas; — enfocando apenas o lado negativo dos eventos; — desqualificando o lado positivo quando estes são contrários às nossas expectativas; — atingir tudo ou não ter nada; — minimização dos eventos contrários às nossas expectativas; — ressonância emocional; — redução e supergeneralização; — personalização;


— consumo; e — perfeccionismo. 2. Saúde psicológica A saúde psicológica surge ao contrário do distúrbio, por meio do conhecimento que os seres humanos possuem sobre a variedade de desejos, vontades, preferências etc., mas estas cognições não devem assumir condição absoluta e dogmática (eu tenho que...), uma vez que esta posição é o primeiro indicador de um distúrbio comportamental ou emocional. Tal situação ocorre segundo Gorayeb e Rangé (1988) em razão do fato de que as neuroses são fruto das crenças irracionais do indivíduo e, dependendo de qual seja, um tipo específico de distúrbio se desenvolverá. Entretanto, todos nós experimentamos sentimentos (emoções) diante de desejos. Classificamos a resposta emocional como positiva quando o desejo é realizado, e de negativa quando não é concretizado. As emoções negativas levam o indivíduo a acreditar que, ao fortalecer o sistema motivacional, a pessoa irá superar as barreiras e conseqüentemente alcançar a realização de seu desejo. Isto, entretanto, nem sempre ocorre. A REBT propõe, a partir de sua posição filosófica, que as pessoas devem ter a capacidade de traçar formas alternativas para alcançar suas metas e elaborar novos objetivos quando não for possível concretizar as antigas metas. A saúde psicológica decorre de um pensamento empírico, ao mesmo tempo que o distúrbio psicológico é compreendido como termo alternativo para devoção religiosa, absolutismo, pensamento mágico, dogmatismo e anticientificismo (Ellis. 1992a; Ellis, 1978). Desta forma, Ellis (Ellis e Dryden, 1987) definiu os treze critérios fundamentais para que ocorra a saúde mental; 1. Auto-interesse; 2. Interesse social; 3. Autodireção; 4. Alta tolerância à frustração; 5. Flexibilidade; 6. Aceitação da incerteza; 7. Procura de alternativas criativas para os problemas; 8. Pensamento científico; 9. Auto-aceitação; 10. Aceitação dos fatores de risco;


11. Hedonismo: 12. Não-autopiedade; 13. Auto-responsabilidade para assumir o próprio distúrbio emocional. Distinção entre emoções negativas apropriadas e desapropriadas As emoções (“C”) são definidas na REBT como respostas decorrentes dos pensamentos (“B”) formulados pelo sujeito sobre o(s) evento(s) ativador(es) (“A”), encontrando-se, assim, nos padrões comportamentais e cognitivos do sujeito. As emoções consideradas apropriadas são frustração, aborrecimento, irritação, remorso, tristeza, pesar e infelicidade, enquanto as desapropriadas são raiva, ansiedade, depressão, desprezo, desespero, culpa e ressentimento (Cramer e Fong, 1991; Lazarus, 1980). Vale lembrar que a emoção na REBT sempre irá possuir um componente visceral, orgânico (Ellis, 1978) e que esta é causada pelos processos cognitivos que ocorrem simultaneamente e interacionalmente com os estados afetivos.

O papel da cognição e a interação dos processos psicológicos Cognições, emoções e comportamentos podem demonstrar condições de ocorrências dos distúrbios psicológicos, sendo fortes indicadores destes (EIlis, 1992b; ElIis e Dryden, 1987; EIlis, 1973; Ellis, 1972; Beck et ai.. 1979). Com esta visão interacionista entre comportamento, pensamento, emoção e cognição a REBT pretende demonstrar o papel especial das cognições nos processos psicológicos humanos, que acabam por assumir um papel de alta significância na mediação e escolha de respostas ao meio ambiente. Um dos pontos principais da REBT é permitir a distinção entre os pensamentos (ou crenças) racionais e irracionais (EIlis, 1962). Pensamentos racionais são observados por meio de “desejos”, “preferências”, “gostos” e “não-gostos”. Os sentimentos positivos são experienciados com a satisfação de desejos realizados, o que gera prazer. Os sentimentos negativos surgem, ao contrário, pela não-satisfação ou frustração, gerando desprazer (Ellis e Dryden,l987). O pensamento racional gera comportamentos funcionais e adequados enquanto os pensamentos irracionais geram padrões comportamentais inadequados, desadaptados e não funcionais. Aspectos verbais como “dever”, “precisar”, “sempre” são indicadores de mediações irracionais que o terapeuta deve observar no relato verbal de seus clientes. A REBT denomina este tipo de pensamento de “Musturbatório”, originário do verbo must, em inglês, que significa “dever”, sendo um sinal vigoroso da irracionalidade a presença do “eu deveria” no relato do cliente. Entretanto, ao mudar estes pensamentos e as crenças irracionais inerentes a eles, o ser humano tende a mudar seu comportamento (Ellis, 1962; Beck ei ai., 1979). Esta capacidade de mudança parece ser inerente ao Homem. 1. O processo terapêutico


Na REBT, o ser humano estabelece para sua vida metas e objetivos que acabam por determinar sua forma de pensar e de viver socialmente, o que é considerado como a “filosofia” do indivíduo. Esta “filosofia” é autoreforçadora, ou seja, favorece a manutenção de si mesma e acaba por levar a “capacidade racional” do Ser Humano a agir de forma irracional. A percepção do indivíduo torna-se seletiva no sentido de perceber apenas o que for confirmatório da sua própria filosofia (Ellis, 1973). O conceito central passa a ser o que é “racional” e o que é “irracional”. Vale ressaltar que o conceito de “racional” não está definido e acordado no meio científico, sendo um constructo relativo por si só (Ellis e Bernard, 1985). Desta forma, a idéia de racionalidade é algo que só pode ser definido a partir dos parâmetros do meio ambiente. Na hipótese central da REBT, nenhum ser humano acredita na existência desta “filosofia”, fato este que leva o indivíduo à dependência de seu sistema cognitivo, com um aumento dos distúrbios emocionais decorrentes do aspecto “irracional” da sua interpretação do mundo (Ellis e Dryden. 1987). A existência de limites humanos é enfatizada como ponto central de ação e critério para o direcionamento do processo terapêutico. 2. A prática básica da REBT A REBT é uma forma ativa e direta de terapia na qual os terapeutas são ativos para direcionar seus clientes durante a identificação de seus conceitos filosóficos (crenças), que constituem a base para seus problemas. A característica do processo terapêutico na REBT é basear-se em um modelo educacional de atuação, em que o terapeuta ensina o cliente a compreender-se melhor e a modificar seu próprio comportamento (Ellis, 1978). Caracteriza-se como uma abordagem diretiva, em que a base fundamental é a empatia e a aceitação incondicional do cliente pelo terapeuta. Em relação à sua práxis, a REBT observa, principalmente, o comportamento verbal do cliente em interação com o terapeuta, podendo, entretanto, adotar outras técnicas como o registro de pensamentos disfuncionais (Zettle e Hayes, 1992). Ao contrário do que se pensa, os terapeutas de um modo geral, apresentam em suas vidas particulares os mesmos sentimentos e crenças que as outras pessoas, não existindo nada que os tornem diferenciados em relação à condição de seus clientes (Ellis e Dryden, 1987). Esta semelhança pode ser observada pelo terapeuta por meio da sua relação com o cliente, que serve de alternativa para elucidar dúvidas tanto do cliente como do próprio terapeuta. O terapeuta é definido, antes de mais nada, como um ser humano, sujeito às mesmas vicissitudes dos demais, possuindo, apenas, treinamento específico para auxiliar outros indivíduos. 3. Condições terapêuticas Os terapeutas que utilizam a REBT como guia de seu trabalho clínico devem aceitar incondicionalmente seus clientes como seres humanos falíveis, que demonstram atos inadequados, mas nunca essencialmente bons ou maus. O tipo de empatia proposta pela REBT é filosófica, e não afetiva como na abordagem rogeriana (Ellis, 1962). Os terapeutas podem utilizar de auto-revelação quando julgarem apropriado,


objetivando sempre uma possível melhora e/ou compreensão do cliente. Com os critérios acima atendidos, o risco da empatia fracassar por uma percepção inadequada do cliente quanto à sua aceitação incondicional por parte do terapeuta são reduzidos, mesmo com clientes que possuam baixa tolerância à frustração. 4. Induzindo o cliente: o processo de mudança cognitiva Quando um cliente procura um terapeuta, ele não deseja, por via de regra, identificar a linha teórica do profissional, mas sim obter informações sobre o método terapêutico a ser utilizado. A ênfase do cliente se direciona para a parte prática do processo terapêutico, e não para o embasamento conceitual, embora em algumas abordagens isto seja de difícil separação (Ellis e Dryden, 1987). Este momento é uma boa oportunidade para explorar as expectativas do cliente sobre o processo terapêutico e a sua finalidade. A indução envolve mostrar ao cliente que a REBT é um processo ativador e direcionado em termos de terapia, sendo orientado pela discussão com os clientes sobre os prováveis problemas presentes e futuros, atingindo os elementos essenciais para o cliente operacionalizar a mudança desejada (Ellis e Dryden, 1987; Ellis e Bernard, 1985; Ellis, 1973; Ellis, 1962). 5. Avaliação da problemática do cliente Para avaliar o grau e tipo de distúrbio emocional e cognitivo que o cliente apresenta (Ellis e Dryden, 1987), o terapeuta deve: 1. Determinar o quanto é sério o problema e quais as técnicas a serem utilizadas; 2. Qual será a “resistência” ou dificuldade que o cliente irá apresentar durante o processo terapêutico; 3. Qual tipo de conduta terapêutica é mais adequada e séria no tratamento a ser executado; e 4. Qual o tipo de deficiência que o cliente possui e qual tipo de treinamento irá eliminar o déficit apresentado. Para atingir os critérios acima, o terapeuta deve utilizar preferencialmente a avaliação comportamental-cognitiva, podendo utilizar com o devido cuidado qualquer outra forma de avaliação. As vantagens da avaliação comportamental-cognitiva são inúmeras, mas se destacam por: a) permitir ao cliente ir ‘trabalhando” sua problemática durante a fase de avaliação; b) facilitar, pela reação às técnicas de avaliação, quais serão as intervenções terapêuticas mais adequadas; c) fornecer um padrão exato da auto-imagem do cliente;


d) eliminar as dificuldades das avaliações mais tradicionais (testes) que visam mais os sintomas e dinamismos que as causas dos problemas; e) os clientes tendem a procurar sabotar o diagnóstico, pois o que eles desejam é a psicoterapia. Na REBT, o processo terapêutico começa pelo diagnóstico. Na REBT (Ellis, 1973) avalia-se o cliente nos níveis cognitivo, emocional e comportamental, de forma que os pensamentos, sentimentos e comportamentos irracionais são detectados. Auxilia ainda, o cliente a reconhecer e descrever seus pensamentos racionais e irracionais (inadequados) como ansiedade, depressão etc., e claramente diferenciá-los de seus sentimentos negativos apropriados (desapontamento, frustração etc.). Ao mesmo tempo, os clientes são levados a conhecer e delinear seus comportamentos com uma ênfase na idiossincrasia deste e não na sua difusão. Um ponto importante (Ellis e Dryden, 1987) é perguntar ao cliente como, quando e por que os eventos são ativadores (“A”), com a noção da primeira experiência com estes sentimentos negativos. Os pensamentos irracionais que irão acompanhar estes eventos (“B”) são reconhecidos (assim como os racionais) e são discutidos com o cliente, revendo suas generalizações indevidas e checando o autoconceito do cliente. Para evitar a auto-sabotagem do processo por parte do cliente, a atitude do terapeuta na REBT deve ser a de estar sempre com a mente aberta e crítica, caracterizando uma atitude experimental em torno de seu cliente (Ellis e l3ernard, 1985; Ellis, 1973). A relação entre as emoções negativas adequadas e inadequadas deve ser absolutamente clara para o cliente e dentro do natural ambiente. A conceitualização de cada estado emocional deve ser precisa e compreensível para o cliente, com o terapeuta ajudando-o a conceituá-las. Para isto, o uso de técnicas de GestaltTerapia, Psicodrama e RoIe-play são adequadas e muitas vezes uma importante ferramenta auxiliar no curso da psicoterapia (Ellis e Dryden, 1987). A associação entre pensamentos irracionais e sentimentos irracionais é básica para o desajustamento do indivíduo; Distinguir entre os problemas primários e secundários ajuda o cliente, pois muitas vezes este não sabe diferenciar e identificar o foco de seu problema. Em termos de ansiedade, por exemplo, o problema está no fato de o sujeito acreditar que ele é ansioso, demonstrando uma característica de sua “personalidade”; O insight intelectual não é importante e suficiente para desencadear o processo de mudança. Se não for reestruturado o aspecto emocional, por meio da associação entre a razão e a emoção, não se ativará o processo de mudança. 6. Esquema básico do processo terapêutico: debate racional-emotivo 7. Principais aspectos psicoterápicos A REBT é um tipo de psicoterapia indicada para os clientes que desejam uma mudança rápida e eficaz, não apresentando contra-indicações. Dryden (1990) relata a eficácia da REBT com paciente com crises de raiva e cólera, com especial relato sobre tratamento terapêutico proposto. Ellis e Bernard (1990)


indicam a utilidade da REBT com problemas relacionados ao amor, casamento, divórcio e separação, além de indicar estratégias específicas para o tratamento de problemas femininos, sexualidade, homossexualidade, abuso de drogas. Neste mesmo trabalho, os autores abordam os aspectos ligados a religiosidade e educação e relatam um programa especial para a preparação de atletas, enquanto Foa e Steketee (1987) indicam a validade para o tratamento de fobias e obsessõescompulsões. Entretanto, Gossette e O’Brien (1993) indicam uma baixa validade da REBT com crianças. O uso da REBT em estratégias de grupo é citado por Ellis (1992d) e por Ellis e Dryden (1987), onde o leitor pode encontrar subsídios suficientes para sua aplicação. As estratégias, no caso de pacientes com problemas de alcoolismo, fobias, psicose, transtornos do tipo borderline, são encontradas nos escritos de Ellis datado de 1973. 8. Premissas de tratamento na Terapia RacionalEmotiva-Comportamental As principais suposições que norteiam o tratamento ria Terapia Racional-Emotiva (Ellis e Dryden, 1987) são: O esquema básico no processo terapêutico pode ser dividido em etapas. Vale ressaltar que a REBT é um processo terapêutico essencialmente verbal. 1. Distúrbios comportameptais e emocionais possuem, por via de regra, antecedentes cognitivos; 2. Passo 1: O terapeuta busca o sentimento gerado na situação “A” O cliente infere causas/efeitos sobre “A”. O terapeuta avalia a relevância da inferência no passo anterior(2). O cliente infere causas/efeitos sobre o passo 2. O terapeuta avalia a relevância da interferência sobre o passo anterior (4). Passo 3: Passo 4: Passo 5: As pessoas têm a medida de sua autodeterminação. Não são escravos de suas bases biológicas; As pessoas podem implementar algo para melhorar ou maximizar sua liberdade para ativar e mudar seus pensamentos irracionais; O uso de técnicas comportamentais são requeridas para um auxílio mais imediato ao cliente, como as tarefas para casa, bblioterapia, dessensibilização sistemática, entre outras. Passo 6: O cliente infere causas/efeitos sobre o passo 4. Passo 7: O terapeuta avalia a relevância da inferência sobre o passo anterior (5). 9. Indicações terapêuticas Demais passos: seguem esta mesma estratégia até chegar ao pensamento/crença irracional, reestruturando-o.


10. Indicações para leitura O número de material específico sobre a REBT, traduzido, é pouco e insuficiente, destacando-se o trabalho de Ellis (1978) e Rimm e Master (1983). Entretanto, ao terapeuta iniciante na REBT, e que possa trabalhar com material bibliográfico em inglês, recomendamos a procura de textos gerais, que podem fornecer uma base para a atuação correta, como os livros de Ellis e Dryden (1987) e Dryden (1990).

Caso clínico O relato de caso que se segue é relativo a um cliente do autor cujo processo baseou-se inteiramente na REBT. Por razões éticas, o nome verdadeiro e as demais informações que permitam identificar o cliente estão alteradas. Carlos, 32 anos, advogado, funcionário público, solteiro, apresentava como queixa principal fortes crises de ansiedade diante de situações na qual o cliente era obrigado a tomar decisões ou não possuía o controle sobre os acontecimentos. Seu relacionamento familiar limitava-se a contatos ocasionais conflitivos com sua irmã e seus pais, embora morasse com estes, os quais evitava sistematicamente. Relatava ser urna pessoa muito insegura e medrosa, reconhecendo, porém, algumas de suas qualidades. Possui uma inteligência acima da média, tendo inclusive trocado correspondência (e poesias) com vários escritores e poetas brasileiros de renome. Tinha como um de seus principais hábitos, a leitura, principalmente de livros de filosofia e psicologia. O processo de diagnóstico foi baseado nas entrevistas iniciais (cinco ao todo) , no Inventário de Crenças Irracionais e no Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais (Rangé, 1992). Durante a fase diagnóstica, duas crenças irracionais foram identificadas como elementos centrais na “filosofia” do cliente: “Existe sempre uma solução correta, precisa e perfeita para os problemas humanos, e é uma catástrofe quando a solução correta não é encontrada” e “uma pessoa deve ser plenamente competente, adequada e realizada sob todos os aspectos possíveis para que se possa considerar digna de valor”. Estas duas crenças irracionais básicas, seu treinamento na lógica jurídica e sua inteligência privilegiada produziam um padrão comportamental de extremo perfeccionismo e rigidez consigo mesmo, uma vez que “sempre existe o certo e o errado” (sic). Seu relacionamento familiar era difícil, pois os valores sociais e políticos do cliente refletiam posições de esquerda, ligadas ao Partido dos Trabalhadores, enquanto seus pais e irmã postulavam o estilo capitalista ao extremo. Deste conflito surge o comportamento de fuga e/ou esquiva de contatos sociais com a família. No nível afetivo, não mantinha nenhum relacionamento satisfatório, pois “só me relacionarei com a mulher certa” (sic). No momento em que Carlos procurou a terapia sentia-se ameaçado, pois o cargo que ocupava no momento era de confiança e a administração pública estava passando para outra corrente política, cuja base ideológica era antagônica à do cliente. Ao mesmo tempo que sentia a pressão característica do cargo, o cliente desejava continuar nele, pois sentia-se satisfeito e reconhecido pelo seu trabalho.


No trecho abaixo, segue-se a transcrição de parte de uma das sessões na fase intermediária do processo: Carlos (visivelmente abatido e ofegante): Estou muito ansioso! Acho que me meti numa grande encrenca! Terapeuta: Não estou entendendo. Tente me explicar o que realmente está acontecendo. Carlos: Eu estava parado no trânsito, quando um homem foi atravessar a rua pelo meio dos carros e bateu no espelho retrovisor do meu carro. Terapeuta: O que você pensou a respeito? Carlos: Pensei no que ele vai fazer agora! Terapeuta: Como assim? Carlos: Ele vai me processar, foi um caso de atropelamento passivo com omissão de socorro! Meu Deus! E se ele se machucou? Posso parar na cadeia, perder a carteira de habilitação! Terapeuta: E o que você pode fazer agora? Carlos: Não sei. Não consigo decidir. Não sei se vou até a delegacia me apresentar, se procuro o hospital ou contrato um advogado para já preparar a defesa. Terapeuta: Eu gostaria, ainda, de esclarecer dois pontos. O primeiro é relativo ao aspecto legal: Existe “atropelamento passivo”? E o segundo se refere à sua forma de pensar. Existe este tipo de atropelamento? Carlos: Não sou especialista em trânsito, mas não me lembro deste tipo de infração. Terapeuta: Então por que tanta ansiedade? Não estará ligada à sua forma de significar o que aconteceu? Carlos: Talvez, mas eu preciso saber o que eu faço nestas situações. Terapeuta: Como você está se sentindo agora? Carlos: Nervoso. Muito ansioso, pois gostaria de responder o que você gostaria de ouvir. Terapeuta: O que é que eu gostaria? Será que você sabe o que eu gostaria? Será que o importante é sempre a solução correta para as necessidades dos outros? Carlos: Lógico! Os outros sempre sabem o que fazer. Por que eu não posso saber também?


Terapeuta: Será que os outros sempre sabem o que fazer, ou você é que acredita nesta hipótese? Carlos: Como assim? Terapeuta: Muitas vezes eu não sei o que fazer, e acredito que a maioria das pessoas também não sabem tudo. O que você parece não perceber é como você funciona quando está diante de uma dúvida. Carlos: Não tinha pensado nisto. Sempre achei que as pessoas sabiam encontrar facilmente as soluções corretas. Terapeuta (interrompendo): Isto! E o que você faz diante de uma dúvida? Carlos: Fico pensando em todas as alternativas possíveis. Só que nunca consigo me decidir, pois existem sempre muitas opções e quando percebo estou muito nervoso por não conseguir encontrar a solução certa. Terapeuta: E será que as pessoas têm que sempre acertar? Será que você sempre tem que ser o perfeito? O que nunca erra? Carlos: Acho que sim! As pessoas acertam! Eu, infelizmente, já errei antes e isto foi terrível. O que as pessoas pensariam de mim se errar novamente? Terapeuta: Sim, eu sei que muitas vezes errar nos traz problemas e que estes nos magoam, mas você conhece alguém que nunca errou? Carlos: Realmente não. Terapeuta: As pessoas, Carlos, muitas vezes acreditam em idéias erradas, e que acabam por prejudicá-las na sua relação com o mundo. No seu caso, você acredita que sempre existe uma solução correta, e que só será competente se a encontrar! Esta forma de pensar é o que chamamos de pensamentos irracionais, pois te induzem a uma forma de pensamento que mais te atrapalha do que ajuda. Carlos: Você está com a razão! Eu sempre penso em tudo, em todas as saídas, mas nunca decido! Terapeuta: Sim, pois por lógica a situação é uma, e na realidade a situação é bem diferente! Carlos: E como! (rindo) Terapeuta: Uma das características mais comuns ao ser humano é errar, ou você não conhece o ditado “Errar é humano”? Carlos: Conheço, mas acho que nunca percebi seu significado.


Terapeuta: Acho que agora você pode tentar pensar diferente, ser mias maleável consigo próprio e encontrar as suas soluções, sejam elas certas ou erradas para os outros. No exemplo, podemos perceber como o cliente foi levado a perceber seu funcionamento, seu modo de pensar e como este atinge diretamente suas ações no mundo. A racionalidade de seu sistema de crenças e seu pensamento foi questionada a partir de um teste de realidade (conhecer alguém que nunca errou), e pela auto-revelação do terapeuta, demonstrando ao cliente a dificuldade de se conceber uma solução única a um problema usando lógica pura. O processo de Carlos durou cerca de 6 meses, em um total de 32 sessões, sendo que o follow-up que foi realizado pelo período de dois anos não detectou nenhum tipo de problemática que pudesse ser relacionada com o quadro inicial. Vale ressaltar que o cliente possuía apenas as duas crenças irracionais aqui relatadas, mas existem clientes que apresentam entre quatro e sete crenças irracionais, fato este que torna o processo mais demorado.

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8 Psicoterapia cognitiva Bernard Rangé Os últimos anos têm testemunhado um desenvolvimento vertiginoso de uma abordagem psicoterapêutica denominada Psicoterapia Cognitiva (TC) (Beck et ai.. 1979; Beck et ai., 1985; Beck e Freeman, 1990). Baseia-se no modelo cognitivo segundo o qual afeto e comportamento são determinados pelo modo como um indivíduo estrutura o mundo. Suas cognições (eventos verbais ou pictóricos do sistema consciente) mediam as relações entre os impulsos aferentes do mundo externo e as reações (sentimentos e comportamento). O modelo esquemático é o seguinte: Acontecimentos ambientais - Processamento cognitivo – afetos e comportamentos

Distingue-se da psicanálise e da psiquiatria biológica na medida em que estes entendem que a ação de um indivíduo está baseada em um determinismo fora do seu controle, enquanto a terapia cognitiva (TC) supõe que a origem da ação encontra-se na consciência, logo sob seu poder. Em relação ao behaviorismo, representa uma evolução na vertente metodológica desta escola psicológica. Historicamente, a TC teve como precursora a terapia racional-emotiva (Ellis, 1962), mas foi Aaron T. Beck que lhe deu os contornos atuais. Originalmente um psicanalista, Beck percebeu, em seus atendimentos, certas características no processamento cognitivo de seus pacientes deprimidos e a relação destas como sintomas por eles apresentados. Pouco a pouco foi desenvolvendo um modelo teórico e uma prática correspondente, e submetendo-os a verificações experimentais que as validaram. Na mesma época, as terapias comportamentais também começaram a valorizar progressivamente os aspectos cognitivos (Bandura, 1969; Mahoney, 1973) com o conseqüente desenvolvimento de uma abordagem cognitivocomportamental (Hawton e cols., 1989). Há uma forte tendência desta abordagem se estabelecer como a principal vertente terapêutica tendo em vista o fato de que a terapia cognitiva também utiliza procedimentos comportamentais, o que faz com que a efetividade destes procedimentos aumente ainda mais e ganhe disseminação crescente.

Funcionamento cognitivo As interpretações que um indivíduo faz do mundo estruturam-se progressivamente, durante seu desenvolvimento, formando regras ou esquemas. Estes esquemas orientam, organizam, selecionam suas novas interpretações e ajudam a estabelecer critérios de avaliação de eficácia ou adequação de sua ação no mundo. Numa analogia, pode-se dizer que funcionam tal como as regras gramaticais na regulação do comportamento verbal.


Esquemas são espécies de “fórmulas” que uma pessoa tem a seu dispor para lidar com situações regulares de maneira a evitar todo o complexo processamento que existe quando uma situação é nova. Orientam e ajudam a uma pessoa a selecionar os detalhes relevantes do ambiente e a evocar dados arquivados na memória também relevantes para sua interpretação. Os esquemas podem se organizar em compostos mais complexos chamados constelações cognitivas que se manifestam por meio de prontidões (sets) cognitivas, entendidas como estados de ativação cognitiva, que preparam um indivíduo para um certo tipo de atividade cognitiva específica (detecção de perigo, apreciação estética etc.). Todos estes fatores determinam a espécie e a amplitude das reações emocionais e comportamentais. Em condições normais, um estado de prontidão cognitiva varia de acordo com mudanças na estimulação. Se houver uma persistência dele por meio de diversas situações, ou se está evidenciando uma tendenciosidade que denuncia a ativação de um modo. A noção de modo corresponde ao conceito utilizado em eletrônica que define modos de funcionamento de equipamentos (p. ex.: modo rádio FM, modo rádio AM, modo gravador. modo CD em um equipamento de som). Um modo ativado significa que o indivíduo fica funcionando apenas naquela função (em looping) durante um certo período de tempo. Há modos negativistas, narcisistas, vulneráveis, eróticos etc. A ativação de um modo estimula a ativação de esquemas correspondentes e de determinados sets cognitivos; ambos farão disparar pensamentos automáticos, que são verbalizações (ou imagens) encobertas, específicas, discretas, telegrátïcas. reflexas, autônomas e idiossincráticas sentidas como plausíveis e razoáveis. Os pensamentos automáticos vão provocar as emoções correspondentes e, por meio deles, pode-se vir a descobrir os esquemas que os geraram. A análise dos pensamentos automáticos e de seus esquemas geradores tornará possível descobrir os tipos de distorções cognitivas que sustentam as patologias com que nos defrontamos. Cada patologia tende a funcionar com tipos específicos de distorções cognitivas. Resumidamente, pode-se dizer que qualquer emoção depende da avaliação que um indivíduo faz de uma situação. A percepção de um copo de água pode envolver uma avaliação positiva ou neutra, conforme a sede, ou de perigo, se houver possibilidade de que ela esteja contaminada; uma emoção de alegria, indiferença ou medo corresponderá a cada uma das percepções. A idéia de contaminação pode ocorrer diante de evidências incontestáveis sobre a qualidade da água (claramente suja) ou, mesmo na ausência destas evidências, da ativação de pensamentos automáticos relacionados a perigo (“posso me contaminar”). Estes pensamentos automáticos denunciam a existência de um esquema idiossincrático (“se não tiver cuidado sempre, posso me dar mal”) e a ativação de um modo (no caso, de vulneribilidade). A reação de medo em conseqüência a um evento sobre o qual não haja evidências de perigo sugere a existência de distorções no processamento cognitivo que podem requerer uma intervenção reparadora.

A noção de domínio pessoal Um dos esquemas mais fundamentais de um indivíduo é o de domínio pessoal (Beck, 1979). É constituído pelo conjunto de objetos tangíveis ou não que são


relevantes para uma pessoa. No centro do domínio está seu conceito de si mesma, seus atributos físicos e características pessoais, suas metas e valores. Aninhados em torno do centro há objetos animados ou inanimados nos quais há investimentos e incluem, tipicamente, sua família, amigos, bens materiais e posses. Os outros componentes de seu domínio variam em grau de abstração: escola, trabalho, grupo social, nacionalidade e valores intangíveis como liberdade, justiça ou moralidade. A natureza da resposta emocional perturbada ou não — depende da pessoa perceber os eventos como adicionando (alegria/euforia), subtraindo (tristeza/depressão), ameaçando (medo/pânico) ou invadindo/coagindo (raiva/hostilidade) seu domínio. A seguir, no Quadro 1, alguns exemplos de tipos de eventos que podem levar a várias emoções. Quadro 1 - Eventos que afetam o domínio pessoal (Beck, 1977). Tristeza (decorrente de urna avaliação realista ou não de que algo de valor foi perdido) a) perda de objeto tangível ou de fonte de gratificação ou de valorização (morte de parente, perda do emprego); b) perda de um objeto intangível (auto-estima diminuída por fracasso em exame); c) reversão no valor de um ativo (descoberta de falta grave de cônjuge); d) fantasia de perda futura como ocorrendo já (antecipar convictamente uma demissão); e) perda hipotética (não houve morte de um filho no acidente mas poderia haver); A pseudoperda (percepção incorreta de um evento como perda: “ele não me ama mais” quando isto é falso). Alegria (decorrente da percepção ou expectativa de ganho) a) expansão do domínio por incorporação de algo novo de algum valor (amor, bens, metas); b) antecipação de expansão (vou viajar para o Exterior daqui a uma semana); c) aumento em auto-avaliação (relacionar a conquista de algo com a própria ação); Medo (decorrente de urna avaliação de ameaça iminente) a) ameaça de injúria física, doença etc. (exames médicos ruins, ameaça real de seqüestro); b) ameaça de rejeição social (idéia de fracasso, justificada ou não, em um exame futuro); c) ameaça de desastre econômico (anúncio de plano econômico lesivo; avaliação falsa das próprias capacidades administrativas); d) ameaça de perda de objeto tangível ou intangível valioso (doença grave do marido). Raiva (decorrente de uma avaliação de injustiça, opressão, invasão etc.) a) ataque deliberado (físico, verbal, coerção, privação, oposição, invasão) ao domínio:


b) frustração por restrição/impedimento deliberado ou não de direitos; c) ataque à auto-estima por ação não-deliberada; d) ataques hipotéticos (violação de regras mesmo quando não há dano).

Definição e princípios A TC é uma abordagem ativa, diretiva e estruturada usada no tratamento de uma variedade de problemas psiquiátricos, fundamentada no modelo cognitivo e caracterizada pela aplicação de uma variedade de procedimentos clínicos como introspecção, insight, teste de realidade e aprendizagem visando aperfeiçoar discriminações e corrigir concepções equivocadas que se supõe basearem comportamentos, sentimentos e atitudes perturbadas. Dependendo do tipo de problema do paciente, Beck também caracteriza a TC como um procedimento terapêutico de prazo limitado (transtornos da ansiedade, depressão) ou de longo prazo (transtornos da personalidade). No entanto, há muitos clínicos que a utilizam sem a característica de prazo limitado mesmo para desordens do Eixo 1. Uma sólida relação terapêutica é uma condição necessária para uma TC efetiva. Atributos como empatia, interesse genuíno, calor humano, autenticidade devem estar presentes em todo terapeuta cognitivo. O processo psicoterapêutico é visto como um esforço colaborativo entre terapeuta e paciente em que, em conjunto, estabelecem os objetivos da terapia e de cada sessão, o prazo e a duração do contrato terapêutico, os “sintomas-alvo” a serem atacados, as tarefas para as sessões subseqüentes etc. Cabe ao paciente realizar as tarefas e exercitar as habilidades que estiver adquirindo, ficando clara assim a participação ativa do paciente em seu processo de mudança. A TC usa primariamente um método socrático. De torma alguma ela pode ser persuasiva. Transcorre fundamentalmente em torno de perguntas que o terapeuta faz para o paciente de modo que este possa questionar os fundamentos de seus pensamentos automáticos e que, reconhecendo a ausência destes, possa modificálos. Estes questionamentos giram em torno, basicamente, de uma busca de evidências que sustentam (ou não) as crenças e pensamentos automáticos, bem como sobre outras alternativas possíveis de interpretar a situação. A falta ou insuficiência de evidências justificáveis e a concepção de outras interpretações tende a abalar a confiança numa crença, tornando-a uma hipótese entre outras sujeita a verificação. Assim a TC visa ajudar o paciente a processar as informações de um modo semelhante ao que um cientista usa em seu trabalho e que o próprio paciente também usa quando envolvido em situações não prejudicadas por um processamento falho como, por exemplo, quando investiga as razões de um vazamento de água, ou uma falha elétrica ou um tremor na direção de um veículo. Daqui se depreende que a TC também se utiliza de um método indutivo, na medida em que toma as evidências dos dados como instrumento de avaliação da credibilidade das hipóteses. A TC é orientada para o problema, não para a personalidade. E estruturada e diretiva para atingir seus objetivos de mudança na situação problemática específica. Para isso, se baseia em um modelo educacional com o objetivo de ensinar ao


paciente recursos e habilidades para lidar sozinho com novas situações com as quais se defronte no futuro. O trabalho de casa é considerado um aspecto central da TC, uma vez que o trabalho desenvolvido nas sessões é limitado no tempo, e que o tempo fora das sessões pode ser eficientemente utilizado para novas experiências e exercícios corretivos de suas crenças disfuncionais. A resistência em realizá-los deve ser examinada nas sessões, de modo a detectar os possíveis fatores que estimulem esta evitação.

Processo terapêutico Parte da sintomatologia de um paciente pode ser atribuída à incompreensão do que lhe acontece. É fundamental que, seja como elemento de aliança terapêutica, seja como por respeito a seus direitos como cidadão e paciente, seja como já parte do processo de mudança, uma explicação detalhada da lógica da TC e da compreensão possível, até o momento, da problemática trazida pelo paciente. Este passo inicial é importante para um certo grau de alívio do sofrimento do paciente em conseqüência de ter se sentido compreendido; é importante também para que, por meio deste alívio, haja um correspondente aumento da esperança de resolução de seus problemas; também o é para o estabelecimento de uma aliança terapêutica produtiva, para o compromisso com um contrato de trabalho firmado em bases de cooperação mútua; e, finalmente, para o entendimento do que se pretende fazer, do que se espera do paciente e como isso se insere no processo e resultado. Já se viu que o enfoque da TC se baseia na idéia de que pensamentos geram os afetos e os comportamentos que constituem a queixa do paciente. A detecção desses pensamentos durante a sessão, quando estão “quentes” e “vivos”, é crucial para uma adequada demonstração das distorções cognitivas em ocorrência. Mas é importante que, desta experiência, o paciente aprenda a detectar por si mesmo os pensamentos disfuncionais, como um primeiro passo para aprender a manejá-los. Para isso, são usados os Registros Diários de Pensamentos Disfuncionais (RDPD), nos quais, tomando-se os afetos como marcadores de uma ocasião apropriada para uma entrada, são registrados os eventos situacionais (dia, hora, situação), emocionais (sentimentos, reações corporais) e cognitivos (pensamentos e imagens) relevantes (ver Figura 1). As sessões seguintes envolverão, seguramente, uma análise e discussão detalhada dos RDPDs. segunda 7:00-8:00 8:00-9:00 9:00-10:00 10:00-11:00 11:00-12:00 12:00-13:00 13:00-14:00

terça

quarta

quinta

sexta

sábado

domingo


14:00-15:00 15:00-16:00 16:00-17:00 17:00-18:00 18:00-19:00 19:00-20:00 20:00-21:00 21:00-22:00 22:00-23:00 23:00-24:00

Figura 1. Registro diário de pensamentos disfuncionais (RDPD) (Beck eta!., 1979). Observação: assinalar a intensidade do sentimento 0 a 10), o grau de convicção do pensamento (0 a 10).

A análise dos RDPDs, juntamente com as entrevistas, permitirá o estabelecimento em conjunto dos “sintomas-alvo” (desânimo, tristeza, ansiedade, falta de concentração, evitações, ideações suicidas etc.), dependendo do quadro apresentado pelo paciente e de suas necessidades mais imediatas. A alteração das cognições que sustentam estes sintomas-alvo é passo seguinte, logicamente necessário dentro do modelo. Uma vez que o paciente tenha adquirido uma compreensão da lógica do processo, a detectar os pensamentos disfuncionais e a fazer reestruturações de suas cognições, é chegado o momento de generalizar o tratamento para fora do contexto terapêutico. A aprendizagem realizada pelo paciente de como questionar e reestruturar suas crenças disfuncionais poderá ser realizada por ele próprio em seu dia-a-dia e registrada nos RDPDs para posterior análise. Dependendo da problemática o tratamento poderá (quase sempre) incluir o uso de procedimentos comportamentais. O Plano Semanal de Atividades Diárias (PAD), a prescrição de tarefas graduadas, a auto-exposição a determinadas situações, a prevenção de respostas podem ser recomendadas como técnicas auxiliares para combate de determinados sintomas-alvo e para testes da realidade imprescindíveis na modificação de crenças distorcidas (ver Figura 2). As técnicas terapêuticas destinam-se a identificar, testar na realidade e, com isso, corrigir concepções errôneas. Isto ajuda o paciente a pensar de forma mais objetiva e realista. Elas envolvem ensinar ao paciente a observar e controlar seus pensamentos automáticos depois que ele reconheça os vínculos entre cognições, afetos e comportamento; examinar evidências pró e contra seus pensamentos automáticos; substituir as cognições automáticas tendenciosas por outras mais orientadas para a realidade; e aprender a identificar e alterar as crenças (esquemas) disfuncionais que sustentam e geram os pensamentos automáticos.


dia! hora

situaçao

sentimentos

pensamentos

Resposta racional

Figura 2. Programa semanal de atividades diárias (PAD) (Beck et ai.,1979).

Aplicações clínicas Procuraremos agora demonstrar a aplicação da TC no campo de alguns transtornos como os da ansiedade, da depressão e os de personalidade, tendo em vista a alta incidência destes problemas na população (Myers et ai., 1984) e a eficácia do tratamento cognitivo-comportamental nestas áreas (Beck e cois., 1979; Beck, Emery e Greenberg, 1985; Beck e Freeman, 1990).

1. Transtornos da ansiedade A abordagem cognitiva concebe que as reações emocionais são determinadas pelas avaliações que um indivíduo faz de seu ambiente e de si próprio em relação àquele. Entende que são formadas sucessivas avaliações e reavaliações que precisam o grau exato da ameaça que uma determinada situação representa para o indivíduo. Qualquer evento dispara uma avaliação inicial que fornece uma primeira impressão sobre como ele pode afetar os interesses vitais (domínio pessoal, ver acima) da pessoa. Uma segunda avaliação se segue, quando então a primeira poderá ser confirmada ou revertida. Na medida em que esta segunda avaliação confirme uma ameaça profunda ao domínio (ameaça à sobrevivência, à individualidade, ao funcionamento, às ligações interpessoais, à saúde, ao patrimônio, aos valores etc.) surge uma reação de emergência. A característica principal desta reação é seu aspecto egocêntrico, também se apresentando como global, absoluta e arbitrária (Beck, Emery e Greenberg, 1985). Num quadro de pânico, por exemplo, a segunda avaliação envolve freqüentemente a idéia de morte iminente, o que ilustra as características acima descritas. Esta avaliação inclui não apenas estimativas quanto à ameaça da situação em si como também dos recursos da pessoa para lidar com o perigo. Avaliações que indicam efeitos extremamente dramáticos de uma situação e um autoconceito diminuído conduzem a reações intensas de ansiedade. Estas por sua vez podem afetar uma capacidade até bem estabelecida de manejar uma situação pela interferência de reações primitivas de defesa (ansiedade, luta-ou-fuga). Como muitas vezes a fuga é impossível a interferência cresce até atingir proporções paroxísmicas. O cerne das desordens de ansiedade é o conceito de vulnerabilidade (Beck, Emery e Geenberg, 1985) que pode ser definido como a percepção que uma pessoa tem de si mesmo quando submetida a perigos internos ou externos sobre os quais seus recursos para controlá-los estão faltando ou sendo insuficientes para poder lhe fornecer um senso de segurança. Nos transtornos de ansiedade (pânico com ou sem agorafobia, TAG, TOC, fobia social, fobia simples, TEPT) o senso de vulnerabilidade está grandemente aumentado pela operação de certos processos cognitivos disfuncionais (minimização de recursos pessoais, abstração seletiva com foco em suas fraquezas, catastrofização, hipergeneralização, memórias ou projeção futura seletivas etc.) (ver Quadro 2).


O conceito de modo se revela aqui com um significado especial. Normalmente, as situações se alteram com as correspondentes alternâncias nos modos. Nos casos patológicos, os modos tendem a funcionar em looping. Assim, se um fóbico social for exposto a uma situação social ameaçadora, seus pensamentos automáticos, catastróficos e ruminativos — que indicam a ativação do modo vulnerabilidade — disparam e persistem, com consequente aumento no nível da ansiedade, o que, por sua vez, ativa mais o modo com seus pensamentos automáticos, e assim por diante. Um doente do pânico, que identifica erroneamente um conjunto de sinais de seu corpo como uma iminência de ataque cardíaco e morte, exibe também a ativação do modo de vulnerabilidade. O contexto, a falta de habilidades específicas para determinadas situações, a experiência anterior, a interferência da ansiedade no desempenho eficaz, as previsões catastróficas, cada uma, algumas ou todas poderão contribuir para a intensificação de suas reações.

2. Transtorno do pânico e agorafobia O modelo cognitivo do pânico (Clark, 1986) se apóia na idéia de espiral (ver Figura 3). Supõe que um estímulo qualquer pode disparar uma avaliação inicial de perigo que produz, em conseqüência, ansiedade; uma segunda avaliação é realizada sobre a própria reação de ansiedade, de modo distorcido e catastrófico, o que conduz a uma intensificação das reações que compõem a ansiedade (taquicardia, sudorese, vertigem, tonteira, tremores etc.) o que por sua vez, conduz a interpretações ainda mais catastróficas, e assim por diante. A ocorrência de hiperventilação tem sido admitida como um fator preponderante nesta intensificação Garssen e cois., 1983). O quadro se manifesta nos três níveis de respostas (Lang, 1968): cognitivo (idéias de morte iminente, desmaio, loucura, perda do controle), autonômico (sinais corporais acima descritos) e comportamentais (fuga, evitação, busca de amparo). A experiência é tão assustadora que pode desenvolver-se um medo do medo (Goldstein e Chambless, 1978), que poderá precipitar o desenvolvimento de um quadro de agorafobia. Uma espécie de radar fica ativado para monitorar qualquer variação em seu ambiente interno tornando o indivíduo altamente sensibilizado a estas variações. Se alguma coisa ocorrer, uma nova crise poderá surgir em decorrência de novas interpretações catastróficas.

SEQÜÊNCIA DE EVENTOS EM UM ATAQUE DE PÂNICO ESTÍMULO (interno ou externo) INTERPRETAÇÕES DE SENSAÇÕES COMO CATASTRÓFICAS APREENSÃO SENSAÇÕES CORPORAIS Figura 3. Modelo cognitivo do transtorno do pânico (Clark, 1986).


3. Fobia social Nos estados de ansiedade relacionados à avaliação, as situações sociais são percebidas como ameaçadoras porque representam possibilidades de “desmascaramento” do indivíduo pois ele tende a ou se ver de uma maneira muito negativa ou a estabelecer níveis de desempenho extremamente elevados, o que facilita sentir-se sempre na iminência de que seja descoberto em suas deficiências. Tende a ver os outros como procurando por suas fraquezas, deficiências etc., especialmente quando eles estão em posição de superioridade na hierarquia social. Como se vê vulnerável, a sua tendência natural é de autoproteção e retração. Isto alivia sua ansiedade e reforça seu movimento defensivo, mas impede que constate sua capacidade de desempenhos efetivos que pudessem modificar sua autoimagem. A tendência — já que nestas fobias, ao contrário das outras, não há possibilidade de evitação permanente dos objetivos fóbicos — é desenvolver padrões de atuação perfeccionistas como “garantia” contra erros, mas que, na verdade, apenas contribuem para aumentar sua ansiedade. Suas distorções cognitivas costumam girar em torno de fantasias de incapacidade, extrema autoexigência e perfeccionismo, conseqüências catastróficas para seus erros, intolerância com qualquer sinal de possível desvio quanto a normas imaginadas de desempenho etc. As situações sociais que possam representar oportunidades de evidenciar suas falhas produzirão sinais de ansiedade progressivamente crescentes conforme se aproximem no tempo. Quadro 2. Estratégia A.C.A.L.M.E.-S.E. (adaptada de Beck, Emery e Greenberg (1985) pelo autor. Para lidar com sua ansiedade, lembre-se de: A.C.A.L.M.E.-S.E. A chave para lidar com um estado de ansiedade é aceitá-lo totalmente. Permanecer no presente e aceitar sua ansiedade fazem-na desaparecer. Para lidar com sucesso com sua ansiedade você pode utilizar a estratégia “ACALME-SE.”, de oito passos. Usando-a você estará apto(a) a aceitar a sua ansiedade até que ela desapareça. 1. Aceite a sua ansiedade. Um dicionário define aceitar como dar “consentimento em receber”. Concorde em receber a sua ansiedade. Mesmo que lhe pareça absurso no momento, aceite as sensações em seu corpo assim como você aceitaria em sua casa um hóspede inesperado e desconhecido. Decida estar com sua experiência. Substitua seu medo, sua raiva e sua rejeição por aceitação. Não lute contra ela. Resistindo você estará prolongando e intensificando o seu desconforto. Em vez disso, flua com ela. 2. Contemple as coisas em sua volta. Não fique olhando para dentro de você, observando tudo e cada coisa que você sente. Deixe acontecer com o seu corpo o que ele quiser, sem julgamento: nem bom nem mau. Olhe em volta de você, observando cada detalhe da situação em que você está. Descreva-os minuciosamente para você, como um meio de afastar-se de sua observação interna. Procure ser um só, você e seu lado observador: deixe-se dissolver em pura observação. Lembre-se: você não é sua ansiedade. Quanto mais você puder separar-se de sua experiência interna e ligar-se nos acontecimento externos, melhor você se sentirá. Esteja com ansiedade, mas não seja ela; seja apenas observador. 3. Aja com sua ansiedade. Normalize a situação. Aja como se você não estivesse ansioso(a), isto é, funcione com ela. Diminua o ritmo, a velocidade com que você faz as suas coisas, mas mantenha-se ativo(a)! Não se desespere, interrompendo tudo para fugir. Se você fugir, a sua ansiedade vai diminuir mas o seu medo vai aumentar, donde na próxima vez a sua ansiedade vai ser pior. Se você ficar onde está — e continuar fazendo as suas coisas — tanto a sua ansiedade quanto o seu medo vão diminuir. Continue agindo, bem devagar!


4. Libere o ar de seus pulmões, bem devagar! Respire bem devagar, calmamente, inspirando pouco ar pelo nariz e expirando longa e suavemente pela boca. Conte até três, devagarzinho, na inspiração e até seis, na expiração. Faça o ar ir para o seu abdômen, estufando-o ao inspirar e deixando-o encolher-se ao expirar. Não encha os pulmões. Ao exalar, não sopre: apenas deixe o ar sair lentamente por sua boca. Procure descobrir o ritmo ideal de sua respiração, nesse estilo e nesse ritmo, e você descobrirá como isso é agradável. 5. Mantenha os passos anteriores. Repita cada um, passo a passo. Continue a: (1) aceitar sua ansiedade; (2) contemplar; (3) agir com ela e (4) respirar calma e suavemente até que ela diminua e atinja um nível confortável. E ela irá, se você continuar repetindo esses quatro passos: aceitar, contemplar, agir e respirar. 6. Examine agora seus pensamentos. Você deve estar antecipando coisas catastróficas. Você sabe que elas não acontecem. Você já passou por isso muitas vezes e sabe que nunca aconteceu nada do que você pensou que aconteceria. Examine o que você está dizendo para você mesmo(a) e reflita racionalmente para ver se o que você pensa é verdade ou não: você tem provas sobre se o que você pensa é verdade? Há outras maneiras de você entender o que está lhe acontecendo? Lembre-se: você está apenas ansioso(a): isto pode ser desagradável, mas não é perigoso. Você está pensando que está em perigo, mas você tem provas reais e definitivas disso? 7. Sorria, você conseguiu! Você merece todo o seu crédito e todo o seu reconhecimento. Você conseguiu, sozinho(a) e com seus próprios recursos, tranqüilizar-se e superar este momento. Não é uma vitória pois não havia um inimigo, apenas um visitante de hábitos estranhos que você passou a compreendê-lo e aceitá-lo melhor. Você agora saberá como lidar com visitantes estranhos. 8. Espere o melhor. Livre-se do pensamento mágico de que você terá se livrado definitivamente de sua ansiedade, para sempre. Ela é necessária para você viver e continuar vivo(a). Você precisa dela e ela ocorrerá sempre que você estiver em perigo ou que você pensar que está em perigo. Donde é natural que ela ocorra. O que pode estar errado é o que você está pensando a partir dela. Em vez de se considerar livre dela, surpreenda-se pelo jeito como você a maneja, como você acabou de fazer agora. Esperando a ocorrência de ansiedade no futuro, você estará em uma boa posição para lidar com ela novamente. Enriqueça sua memória com esta experiência, entre outras importantes da sua vida. Você se tornou uma pessoa diferente agora: mais realista, mais conhecedora de suas capacidades, mais segura, mais confiante. Esta experiência vale um lugar de destaque em seu álbum de recordações.

Tratamento cognitivo dos transtornos da ansiedade O processo terapêutico envolve: a) estabelecimento de uma forte relação de aliança terapêutica. Se esta aliança é fundamental para qualquer tratamento, psicoterápico ou não, nos quadros ansiosos ela se torna ainda mais necessária, haja vista a idéia de ameaça sempre presente nestes quadros, o autoconceito diminuído nestes pacientes e suas características de dependência (aliás, cuidados devem ser tomados quanto a esse aspecto de forma a que a aliança não trabalhe a favor da dependência). A aliança se estabelece a partir de sinais do terapeuta de aceitação, empatia, interesse genuíno, calor humano e de compreensão da problemática. b) informação detalhada ao paciente do modelo cognitivo-comportamental de seu problema, de forma a ajudá-lo a compreender mais realisticamente suas dificuldades, a começar a desmistificar suas interpretações catastróficas e a obter uma sensação de maior domínio e controle sobre o problema. Apenas esta explicação já pode produzir um considerável alívio no paciente e induzir seu envolvimento cooperativo, fundamental para o processo terapêutico. A explicação


também pode envolver alguns exercícios (hiperventilação provocada, ideações catastrofizantes, idealmente acompanhadas por um monitor de biofeedback para verificação das relações entre eventos, cognições e ansiedade), de maneira que o paciente possa comprovar a veracidade do que lhe está sendo informado. Deixa-se claro que o tratamento envolverá intervenções nos três níveis de resposta: cognitivo (por meio de métodos cognitivos), autonômico (por meio de técnicas respiratórias e de relaxamento muscular progressivo) e comportamental (por meio de exposição gradual e prevenção de respostas de fuga/evitação). Discute-se também a eventualidade do uso de medicação. c) aprender a identificar pensamentos automáticos catastróficos e a questioná-los para buscar evidências que os sustentem ou não, para descobrir outras alternativas e para descatastrofizar suas projeções futuras. A aquisição da capacidade de detecção dos pensamentos automáticos permite a introdução dos registros desses pensamentos fora das sessões para posterior análise em sessões futuras. d) treino de relaxamento muscular progressivo (Jacobson, 1938) e de técnicas de respiração diafragmática que são procedimentos inibidores da ansiedade (Wolpe, 1958). Eventualmente estes procedimentos podem não ser utilizados uma vez que a ênfase é na aceitação de suas sensações corporais baseada no entendimento por parte do paciente que elas são naturais. e) solicitação de preenchimento dos Registros Diários de Pensamentos Disfuncionais (RDPD) (ver Figura 1). Esses registros são extremamente importantes pois será sobre ele que o processo de reestruturação cognitiva se dará pelo exame dos pensamentos registrados quanto a sua veracidade e adequação. Progressivamente o paciente vai adquirindo a capacidade de, sozinho e independentemente, questionar ele mesmo seus pensamentos como mecanismo de reestruturação cognitiva de forma a poder prescindir da intervenção de um terapeuta. f) quando o paciente estiver dominando satisfatoriamente seus novos recursos para enfrentar situações ansiogênicas, inicia-se a fase de exposição voluntária e gradual, na realidade, com ou sem a presença do terapeuta. Estes testes são importantes porque permitem a detecção dos pensamentos automáticos no instante de sua ocorrência, o que facilita muito a sua contestação. Permitem também que o paciente possa verificar sua capacidade de enfrentar vitoriosamente a situação, o que tende a fazê-lo inverter o balanço entre o grau das ameaças e seus recursos pessoais para enfrentá-las, fortalecendo assim sua auto-eficácia (Bandura, 1977), sua autoconfiança e sua auto-estima. Aos poucos, estes ensaios permitem retirar o paciente dos modos negativistas e de vulnerabilidade, promovendo uma alternância mais equilibrada entre os diversos modos. g) uso da estratégia “ACALME-SE.” (adaptada pelo autor a partir de Beck, Emery e Greenberg, 1985) como um instrumento de manejo da ansiedade (ver Quadro 2). h) grande importância é dada à análise da situação existencial do paciente já que é nela que se encontra a fonte dos conflitos que são subjacentes às suas dificuldades. Crises de pânico, por exemplo, costumam consistir em punições terríveis, mas mesmo assim ainda mais brandas que aquelas imaginadas que ocorreriam se sua


liberdade não estivesse sendo assim por elas restringida. Em vários transtornos da ansiedade, é quase certa a presença de estados depressivos (Maser e Cloninger, 1990), o que exige a utilização de métodos antidepressivos (Rangé. 1988) que. por seus efeitos, também contribuem para a superação do quadro ansioso. 1. Pura reestruturações cognitivas: A meta fundamental é tornar o paciente mais consciente de seus processos de pensamento para permitir a correção de erros lógicos ou de conteúdo por meio de perguntas que o conduzam a constatar seus erros. Um estilo persuasivo deve ser firmemente evitado pelo terapeuta. A inquirição, basicamente, resume-se a três grandes perguntas: a) Quais são as evidências? Respostas a esta pergunta implicarão: (1) uma análise da lógica deficiente; (2) um uso da técnica das três colunas (registro de dados de situações, interpretações do paciente e avaliação do tipo de erro cognitivo envolvido nas interpretações; (ver Figuras 3 e 4); (3) um fornecimento de informações e (4) teste das hipóteses (pensamentos automáticos) na realidade por meio de exercícios e ensaios programados antecipadamente nas sessões; b) Há outras interpretações possíveis desta situação? Respostas a esta pergunta implicarão: (1) uma produção de interpretações alternativas; (2) um descentramento/distanciamento do paciente em relação a si próprio e ao problema; (3) um enfraquecimento da convicção do paciente em seus pensamentos automáticos pela mera constatação da possibilidade de interpretações alternativas; (4) aumentos na perspectiva de se encarar a situação e (5) uma reatribuição das relações de causalidade; c) E se acontecer o pior que você imagina? Respostas a esta pergunta (1) descatastrofização das conseqüências imaginadas pela descoberta efeitos imaginados raramente conduzem a algo mais do que estabelecimento de planos de adaptação para situações que envolvem de perigo potencial.

implicarão: de que os nada; (2) algum tipo

Torna-se muito necessário lidar também com representações icônicas dos pacientes já que estas podem ser uma das principais fontes de sua ansiedade. Isto pode ser alcançado por meio de: (1) repetição da imagem para produção de habituação; (2) desligamento ou distração, por meio de envolvimento em outra atividade; (3) projeção no tempo, visando descatastrofização; (4) intenção paradoxal, como uma alternativa à anterior; (5) indução de mudanças na imagem como se o paciente fosse um cineasta que cria e varia suas imagens; (6) uso de metáforas e muitos outros procedimentos. 2. Para lidar com o componente afetivo: O passo mais fundamental é o de aceitação dos sentimentos. Disso depende, é claro, uma reestruturação cognitiva no sentido de desmistificar as fantasias do paciente quanto às situações temidas. O exercício em sessões, por intermédio da produção de cognições ansiogênicas ou de hiperventilação, é um meio muito produtivo nesta direção. Isto ajuda também a reduzir a ansiedade sobre a própria


ansiedade. Reestruturações também precisam ser dirigidas para reduzir a vergonha quanto à ansiedade. Importante ainda é uma compreensão da sua natureza e função em nossa vida. Algumas estratégias úteis para ajudar o paciente a superá-la incluem ajudá-lo a conseguir a agir tão normalmente quanto possível. Técnicas respiratórias e de relaxamento são muito eficientes e são recomendadas. A busca de evidências de que são seus pensamentos, e não as coisas propriamente ditas, que produzem sua ansiedade deve ser incessantemente perseguida por meio da demonstração de erros de processamento tais como raciocínio seqüencial, emocional ou analógico. 3. Para lidar com o componente comportamental: Um dos aspectos mais importantes é conseguir a adesão do paciente ao tratamento e motivá-lo para os testes na realidade que precisará fazer de modo a que suas cognições possam modificar-se. Isto é necessário para que o paciente abandone seus mecanismos de auto-proteção, tais como evitação de determinadas situações e busca de amparo. A aproximação gradual é uma condição fundamental para o sucesso e, para isso, é necessária a construção de hierarquias de situações ansiogênicas que orientem a auto-exposição. Os passos serão realizados pelo paciente fora das sessões (com ou sem a ajuda de outros significativos, inclusive, o próprio terapeuta, no início do processo), como trabalho de casa. O contrato sobre o trabalho de casa precisa ser feito com muita ênfase e comprometimento de modo a destacar a sua importância. Ensaios comportamentais devem ser realizados nas sessões para preparar adequadamente o paciente para a auto-exposição e como forma de dessensibilização. É importante detalhar os pensamentos que costumam interferir negativamente com o desempenho de tarefas necessárias e ao paciente e ao processo da terapia para que possam ser modificados, senão a probabilidade de evitação aumentará na ocasião do desempenho. Um bom auxílio é a técnica “como se” que consiste em ajudar ao paciente a se comportar “como se” não sentisse nenhuma ansiedade, por meio da descrição antecipada e precisa de cada passo do que terá que fazer, de forma a torná-lo mais ligado na tarefa do que em si. Técnicas de desenvolvimento de sua assertividade também são desejáveis.

4. Depressão Uma justificativa para a escolha da depressão como ilustração de uma utilização de procedimentos cognitivos baseia-se na grande incidência deste problema na população (Regier e cols.) e na demonstrada efetividade da técnica cognitiva em seu tratamento (Beck e cols.).

Modelo cognitivo da depressão O modelo cognitivo da depressão envolve três pressupostos conceituais: a) tríade cognitiva: consiste num conjunto de três padrões cognitivos negativos. O primeiro envolve uma visão negativa que o paciente tem de si: percebe-se como inadequado, feio, errado, defeituoso, doente, sem valor ou importância, fracassado e tende a atribuir essas características a defeitos de sua natureza física, psicológica ou ética. Se sua natureza é má ou inadequada entende que não poderá ser


valorizado ou amado por ninguém, nem ser feliz. O segundo envolve uma visão negativa do mundo à sua volta e das experiências que ele lhe provoca. O mundo é encarado como incapaz de lhe propiciar experiências positivas, como superexigente, frustrante, falso e cheio de obstáculos insuperáveis ou de solicitações absurdas e inatingíveis. O terceiro componente da tríade envolve uma visão negativa do futuro. São feitas antecipações de que as dificuldades e os sofrimentos presentes serão intermináveis e que esforços em alcançar objetivos específicos serão inevitavelmente fracassados. b) esquemas e modos depressogênicos: o funcionamento cognitivo está principalmente baseado na ativação de esquemas, que são estruturas cognitivas responsáveis pela seleção e organização das experiências de um indivíduo (Beck e cols., 1979, 1985). São padrões estáveis que formam a base da regularidade das interpretações, seja para situações conhecidas ou para situações novas. Os esquemas são os responsáveis pelo acento, tom ou cor pessoal ou idiossincrático que cada indivíduo manifesta em suas interpretações dos eventos que presencia. Como se viu, os esquemas ativados regularmente podem exibir certas tendenciosidades que denunciam a ativação de um modo, em que o aparelho cognitivo funciona de forma predominantemente fixa em um certo estilo. Quando um modo está ligado, mais facilmente certos esquemas serão ativados, o que significa que, mais certamente, as interpretações do indivíduo tenderão a ser consistentes entre si e mais independentes da estimulação externa. Quando uma pessoa está deprimida, suas conceituações sobre uma situação são distorcidas para conformarem-se aos esquemas disfuncionais predominantes. Quanto mais ativo o modo, mais facilmente são evocados por qualquer estímulo. Se ela passa a funcionar em um modo negativista, qualquer estímulo ou experiência é processado pelo prisma negativo, gerando pensamentos negativistas, perseverativos e ruminativos, em looping. Assim a organização cognitiva deprimida torna-se autônoma e chega a tornar-se independente da estimulação externa. c) pensamentos automáticos e processamento falho das informações: a ativação de um modo negativista gera a ativação de esquemas depressogênicos. Estes, por sua vez, disparam pensamentos automáticos negativos que contêm vários tipos de erros sistemáticos de interpretação dos fatos pelo deprimido e preservam as crenças disfuncionais do paciente na validade de seus conceitos negativistas. Vários tipos de erros de processamento ou distorções cognitivas podem ser encontrados em pacientes deprimidos tais como: pensamento dicotômico, abstração seletiva, inferência arbitrária, hipergeneralização, personalização etc. (ver Quadro 3). Quadro 3. Distorções cognitivas 1. Pensamento dicotômico: é a tendência de interpretar todas as experiências em termos de categorias opostas e polarizadas (preto/branco, tudo/nada, sempre/nunca, perfeição/fracasso, absoluta segurança/perigo total). Ex.: “um sinal imprevisto do meu corpo significa perigo iminente”; ou “se eu não me sair sempre bem (no trabalho etc.), isto significa que sou um fracasso”. 2. Abstração seletiva: é a tendência a focalizar apenas um detalhe retirado de um contexto, ignorando muitos aspectos também importantes, e conceber a totalidade da experiência com base no fragmento. Ex.: “sou impotente” (após uma falha erétil).


3. Inferência arbitrária: é a tendência a chegar a uma conclusão (ou regra) na ausência de provas suficientes, ou por meio de um raciocínio lógico falho. Ex.: “não sou atraente para as mulheres” (depois de algumas tentativas de corte infrutíferas). 4. Hipergeneralização: é a tendência a ver um evento negativo único como parte de um padrão interminável de perigos ou sofrimentos. Ex.: “se eu senti medo aqui, vou sentir sempre de novo”; ou “tudo sempre dá errado para mim” (depois de bater com o carro). 5. Desqualificação do positivo: é a tendência a recitar experiências ou fatos positivos por Insistir que “não contam”, por qualquer motivo. Ex.: “sou burra e doente” (mesmo tendo passado em dois vestibulares); ou “não perdi o controle ainda” (desconsiderando que nunca aconteceu nada durante inúmeros ataques de pânico). 6. Erro oracular: é a tendência a antecipar que “as coisas vão dar errado” de qualquer maneira, sem base para essa afirmação. Ex.: “eu sei que vou ser rejeitada”. 7. Raciocínio emocional: é a tendência a tomar as próprias emoções como provas de uma “verdade”. Ex.: “se sinto pânico é porque essa situação é muito perigosa”. 8. Rotulação: é a tendência a descrever erros ou medos por características estáveis do comportamento, por rótulos pessoais. Ex.: “eu sou um fracasso” em vez de “falhei nisso”. 9. Tirania dos “deveria”: é a tendência a dirigir a própria vida em termos de “deverias” e “não deverias”, por avaliações de “certo” ou “errado”, em vez de dirigi-la por seus desejos. Ex.: “eu deveria estudar mais” em vez de “eu quero (ou não quero) estudar mais”. 10. Personalização: é a tendência a se ver como causador de fatos ruins, sem o ser, de fato. Ex.: “se algo acontecer ao meu casamento, a culpa é só minha”. 11. Leitura mental: é a tendência a antecipar negativamente, sem provas, o que as pessoas vão pensar sobre você. Ex.: “se entrar em pânico aqui todos vão pensar que sou doente”.

O modelo cognitivo da depressão entende que os demais sintomas da síndrome são conseqüências da ativação dos padrões negativistas da tríade, dos esquemas e modos e dos pensamentos automáticos. Uma pessoa pensar que está (ou é) horrorosa produz o mesmo efeito, por exemplo, tristeza) que uma deformação real. Seu pessimismo e desamparo em relação ao futuro determinam sua apatia, desânimo, paralisia ou fuga/evitação de muitas situações. Quem se percebe assim necessariamente ficará dependente, pois só com a ajuda dos outros poderá escapar do fracasso e da humilhação decorrente de suas tentativas. A ideação suicida tornase compreensível se tudo parece perdido, agora e para sempre, e se esta pessoa se sente um fardo para todos. Seus sintomas físicos também decorrem desta visão negativa: perda de apetite alimentar e sexual, perturbações no sono etc. (Beck e cois., 1979).

Tratamento cognitivo da depressão O primeiro passo consiste na explicação da lógica do tratamento para o paciente obter sua adesão. O estabelecimento de uma forte aliança é fundamental, com os devidos cuidados para não haver um incentivo para a dependência. Um contrato para um trabalho cooperativo para alcançar as metas propostas deve ser estabelecido. As técnicas terapêuticas destinam-se a identificar, testar na realidade e corrigir conceitos distorcidos e crenças disfuncionais e, com isso, ajudar o paciente a


pensar mais objetiva e realisticamente. Envolvem (a) incentivos a um aumento e uma diversificação na atividade geral (principalmente prazerosa) do indivíduo; (b) observar e controlar pensamentos automáticos; (c) perceber os vínculos, entre cognições e os afetos e comportamentos depressivos decorrentes; (d) examinar evidências favoráveis ou contrárias a seus pensamentos automáticos; (e) substituir as cognições automáticas tendenciosas por outras mais orientadas para o real e; (f) aprender a identificar e alterar crenças disfuncionais que fundamentam os pensamentos automáticos negativos.

Técnicas comportamentais: A análise experimental do comportamento demonstrou que um estado depressivo se relaciona com o nível de reforçamento que uma pessoa obtém pela emissão de seus comportamentos (Ferster, 1973). Seja porque uma parte considerável de seu repertório comportamental entrou em extinção (isto é, deixou de produzir os reforçadores que anteriormente produzia), seja porque estes reforçadores perderam seu valor como reforçadores (Costello, 1972), seja porque ela os considera incontroláveis (Seligman, 1975) o fato é que se observa uma acentuada diminuição na freqüência de respostas do indivíduo. Isto ocasiona uma mais acentuada diminuição da probabilidade de reforçamento, gerando um círculo vicioso. A solução passa, então, por um incentivo à emissão de atividades reforçadoras, de forma gradual e de modo que seja possível se recuperar o nível anterior de reforçamento eficaz. A terapia cognitiva faz amplo uso de técnicas comportamentais com este fim, principalmente quando o nível de depressão é tão intenso de maneira a dificultar a utilização de técnicas mais especificamente cognitivas (ver Figura 4). Este repertório de procedimentos inclui (a) o planejamento de atividades; (b) a prescrição de tarefas graduadas e (c) avaliações de mestria e prazer. Figura 4. Uso relativo das técnicas cognitivas e comportamentais.

O Planejamento (usualmente semanal) de Atividades Diárias consiste em desenvolver junto com o cliente um programa diário de atividades que aumente o seu nível de ação, a probabilidade de reforçamento e a possibilidade de refutação de suas crenças negativas. Avaliações de mestria (nível de competência com que uma atividade é realizada) e de prazer (quantidade de prazer obtido em sua realização) são imprescindíveis para a contestação das idéias de que não adianta fazer ou tentar nada pois tudo sairá errado ou mal feito e não haverá nenhum prazer. Dificilmente uma atividade, qualquer que seja, poderá ser mais desprazerosa do que ficar parado, ruminando coisas tristes e chorando. Assim, isto deve começar, juntamente com a análise que se fará na sessão terapêutica, a recuperar o nível normal de atividade e algum prazer na sua realização, o que servirá como incentivo para a sua manutenção e crescimento (ver Figura 2). A prescrição de tarefas graduadas pretende ajudar ao paciente a recuperar seu nível normal de atividade, levando em conta sua presente dificuldade. Isto implica começar por baixo para garantir sucesso na realização, senão a crença será confirmada. As principais características da técnica incluem (a) a definição de um problema; (b) a formulação de um projeto; (c) a observação do desempenho; (d) a discussão dos resultados, com atenção especial para desmerecimento e ceticismo, reforço pelo alcance dos objetivos e por avaliações mais realistas e (e) o


planejamento de novas tarefas mais complexas. Além disso, as técnicas comportamentais podem também envolver o uso de ensaios cognitivos (imaginação de cada etapa sucessiva da execução total de uma tarefa para que o paciente preste atenção nos detalhes essenciais e aprenda a neutralizar a apatia e a dispersão) e o uso de treinos de assertividade (Lewinsohn, 1975) para ajudá-lo a expressar emoções de forma apropriada e contribuir para o fortalecimento de sua auto-estima.

Técnicas cognitivas: Destinam-se a identificar, a testar na realidade e a corrigir conceitos distorcidos e crenças, de modo a permitir que o paciente possa lidar consigo mesmo e com o mundo de uma forma mais objetiva. O primeiro método consiste em utilizar a própria disforia do paciente como um demarcador ou indício para detectar a presença de pensamentos automáticos. Podem ser utilizados também métodos de amostragem de períodos do dia ou de identificação de “períodos críticos” em que eles mais provavelmente ocorrem. Assim, se o paciente sentir-se triste ou desanimado poderá tomar seu sentimento como indicador da presença de pensamentos negativos e procurar identificá-los; ou poderá observar seus pensamentos logo ao acordar, por exemplo, uma vez que este horário costuma ser mais difícil para deprimidos. É importantíssimo utilizar as oportunidades de expressão de pensamentos negativos durante a própria sessão já que, ali, estão ocorrendo “ao vivo” e “fervendo”, o que facilita sua identificação e análise. Este também permite ao paciente uma ajuda para aprender a identificá-los fora da sessão, para posterior discussão ou para seu próprio combate, uma vez que já tenha aprendido a fazê-lo.

grau de intensidade dos sintomas tempo O segundo momento envolve a análise dos pensamentos automáticos para verificar se não há evidências de distorções como as listadas no Quadro 3. Se houver, descobrir qual o tipo e procurar questioná-las para obter interpretações mais realistas. As duas perguntas básicas em torno das quais muitas variações são possíveis, são: “qual é a evidência que existe para o seu pensamento?” e “há outras maneiras de se ver a situação?”. As respostas ao questionamento socrático sobre essas perguntas irão provocar reestruturações nas cognições do paciente. Quando um paciente consegue reconhecer inconsistências em seu pensamento e vislumbrar outras interpretações ele começa a estar em condições de, sozinho e ativamente, reconceituar seus problemas e suas experiências. A visão de alternativas costuma levar a uma mudança no afeto do paciente, uma vez que sua situação deixa de ser vista como desesperada. Esta é, segundo Beck, a pedra angular no solucionamento efetivo de seus problemas. O meio mais satisfatório e comumente empregado para produzir os dados necessários à mudança acima é o Registro Diário dos Pensamentos Disfuncionais (RDPD). Consiste na anotação de todos os pensamentos disfuncionais associados com seus estados de disforia para posterior análise ou para o próprio paciente tentar reestruturá-los (ver Figura 1).


O enfoque dos sintomas-alvo: O quadro de depressão se caracteriza por uma série de sintomas que a terapia cognitiva entende que, no plano psicológico, sejam disparados pelos pensamentos disfuncionais. O efeito destes sintomas no indivíduo chega a ser dramático e, por isso, torna-se importante a sua superação para obter algum alívio para o paciente e até para a sua permanência e adesão ao tratamento. Precisam ser atacados, objetivamente, por meio de sua delimitação específica, de modo a poderem ser tratados. Envolvem sintomas afetivos (tristeza, culpa, vergonha, raiva, ansiedade), sintomas motivacionais (desânimo, dependência), sintomas cognitivos (indecisão, autocrítica, falta de concentração), sintomas comportamentais (passividade, evitação, inércia, déficits em habilidades sociais) e sintomas fisiológicos (insônia, perda de apetites). Para cada um é preciso desenvolver uma estratégia específica de ataque que, dadas as limitações de espaço não serão aqui examinadas (ver Beck e cois., 1979). Modificação dos pressupostos depressogênicos: À medida que a terapia progride e os sintomas abrandam, um novo foco se torna necessário: a identificação dos esquemas que predispõem o indivíduo à depressão. Trata-se de regras gerais ou fórmulas que cada indivíduo desenvolve para lidar com o mundo, organizar suas percepções, orientar seus objetivos, avaliar seus comportamentos etc. (esquemas). Em pacientes deprimidos, estas crenças apresentam-se muito distorcidas, o que favorece o desenvolvimento de seu quadro depressivo. Elas precisam ser modificadas porque senão continuarão como motrizes geradoras de pensamentos automáticos negativistas mediadores dos sintomas depressivos. A Figura 5 representa um exemplo de relação entre pressuposições e suas conseqüências. Para identificar as pressuposições básicas de um paciente, Beck recomenda a utilização de um método indutivo: (a) reconhecimento e relato dos pensamentos automáticos; (b) identificação dos temas geralmente presentes e (e) formulação das regras gerais. Apenas quando estas regras forem modificadas é que se pode considerar que o paciente esteja em condições de alta.

5. Transtornos da personalidade O esquema é o conceito-chave nos esforços de Beck, Freeman e seus colaboradores (1990) para dar conta dos transtornos de personalidade. Ao contrário dos transtornos do Eixo 1, em que apenas alguns esquemas serão ativados (como um esquema relacionado a perigo durante episódios de pânico), a premissa aqui é de que os esquemas típicos dos transtornos de personalidade operam numa base mais contínua. Apesar de que cada pessoa terá seus esquemas únicos e idiossincráticos. Beck e Freeman identificam o conteúdo típico de certos esquemas característicos de cada transtorno (com exceção dos transtornos borderline e esquizotípico por serem mais complexos e variáveis) bem como seus autoconceitos, visões de outros e estratégias típicas superdesenvolvidas (ver Quadro 4). Suposição primária - se eu for bom e dedicado todos gostarão de mim e não sofrerei nada de mal.


Suposição secundária Pensamentos automáticos se algo de ruim acontece é culpa minha porque não sou suficientemente bom decepcionei todos com o meu fracasso profissional; minha esposa é infeliz por minha causa; a vida é injusta pois apesar de tentar ser bom o mal me ocorre; por mais que tente tudo sempre dá errado; viu: apesar de fiel fui traído! Afeto - é por que não sou bom! Tristeza/depressão - é porque o que vale é a lei de Gerson! raiva/depressão Figura 5. Pressuposições depressogênicas.

Young (1990) também ressalta estes esquemas mais básicos, os quais chama de Esquemas Desadaptativos Precoces (EDP), definindo-os como “temas extremamente estáveis e duradouros (no que respeita a si mesmo e às relações com outros) que se desenvolvem durante a infância e que são elaborados durante a vida do indivíduo... (que) servem como referencial para o processamento de experiências posteriores” (p. 9). Segundo ele, são desadaptativos e parecem resultar de experiências inadequadas com agentes socializadores iniciais, gerando afeto interferente, padrões autoderrotistas, prejuízo a outros, tudo em intensidade muito alta. São tão centrais ao senso de self de cada um que são muito difíceis de mudar, O caráter inflexível destes esquemas é mantido por distorções cognitivas e comportamentos autoderrotistas, num processo circular, originando comportamentos e sendo mantidos por seus resultados. Em vez de identificar esquemas associados aos transtornos definidos no DSM-III-R, Young preferiu agrupá-los sob as categorias de autonomia, desconectividade, indesabilidade e auto-expressão restrita (ver Quadro 5). Quadro 5. Esquemas desadaptativos precoces (Young, 1987). AUTONOMIA VALOR 1. Dependência. A crença de ser incapaz de funcionar por si próprio e de necessitar do apoio constante de outros. 2. Subjugação. A idéia de que se deva sacrificar voluntária ou involuntariamente suas próprias necessidades para satisfazer as de outros, acompanhada de uma incapacidade em reconhecer as próprias necessidades. 3. Vulnerabilidade aferidas e doenças. O medo de que o desastre (natural, criminal, médico, financeiro) está para acontecer a qualquer momento. 4. Medo de perder o autocontrole. O medo de perder involuntariamente o controle sobre os próprios comportamentos, impulsos, emoções, mente, corpo etc. LIGAÇÃO 5. Privação emocional. A expectativa de que as próprias necessidades de colo, empatia, afeição e cuidado nunca serão adquadamente atendidas por outros.


6. Perda/abandono. O medo de perder iminentemente outros significantes e então ficar emocionalmente isolado para sempre. 7. Desconfiança. A expectativa de que outros vão propositalmente ferir, abusar, mentir, enganar, manipular ou tirar vantagem. 8. Isolamento social/alienação. O sentimento de estar isolado do resto do mundo, ser diferente das outras pessoas e não-pertencente a qualquer grupo ou comunidade. 9. Deformação/inabilidade. O sentimento de ser internamente defeituoso ou imperfeito ou de ser fundamentalmente não-amável para outros significantes. 10. indesejabilidade social. A crença de ser externamente indesejável para outros (p. ex.: feio, sexualmente indesejável, sem status, sem habilidades de conversação, chato). 11. Incompetência/fracasso. A crença de não conseguir se desempenhar competentemente em áreas de realização (escola, profissão, amor), em responsabilidades diárias suas ou para outros, ou em tomada de decisões. 12. Culpa/punição. A crença de ser moral ou eticamente mau, irresponsável e merecedor de críticas duras e punições. 13. Vergonha/embaraço. Sentimentos recorrentes de vergonha por crer que suas inadequações (como reveladas nos esquema 9, 10, 11, 12) são totalmente inaceitáveis para os outros quando são expostas a alguém. PADRÕES E LIMITES 14. Padrões elevados. O impulso inabrandável para alcançar níveis extremamente elevados de expectativas sobre si às expensas de felicidade, prazer. saúde, senso de realização ou relações satisfatórias. 15. Falta de limites. A insistência de poder fazer, dizer ou ter o que se queira imediatamente. Desapreço pelo que outros consideram razoável; pelo que é realizável; pelo tempo ou paciência requeridos; pelo custo para outros, ou dificuldades com autodisciplina.

Alguns dos esquemas mais típicos e básicos de cada transtorno podem ser observados abaixo: 1. Anti-social: “O melhor negócio é levar vantagem em tudo.” 2. Dependente: “Eu sou fraco e carente.” 3. Esquizóide: “Eu preciso de espaço: relacionamentos são sufocantes.” 4. Evitativo: “Eu não sou amável e desejável.” 5. Histriônico: “Eu devo ser o centro das atenções e impressionar todos.” 6. Narcisista: “Eu sou tão especial e supenor que mereço tratamentos especiais e privilégios.” 7. Obsessivo-compulsivo: “Ordem e detalhes são essenciais; defeitos e erros são intoleráveis.”


8. Paranóide: “É preciso estar em guarda o tempo todo.” 9. Passivo-agressivo: “Não quero conselhos; sei errar sozinho.” Há situações típicas que denunciam a ocorrência de transtornos de personalidade: (1) a cronicidade do problema, pelo que o paciente mostra ou por relatos de outros; (2) a terapia parece estar “patinando”, isto é, não evoluindo depois de um início positivo; (3) sinais de resistência ao processo terapêutico; (4) o paciente não tem consciência do efeito de seu comportamento nos outros; (5) falta de motivação para o tratamento; (6) o paciente vê seus problemas como centrais; (7) a terapia é uma série de “incêndios” que precisam ser apagados a toda hora; (8) grande quantidade de outras tentativas de terapia. Diferentemente do tratamento dos transtornos do Eixo 1, como alguns dos examinados neste capítulo, em que, primeiro, são identificados os pensamentos automáticos para que possam ser então questionados e refutados, e só depois serem atacados os esquemas disfuncionais inferidos a partir dos pensamentos automáticos, o tratamento dos transtornos da personalidade são dirigidos desde o início para os esquemas disfuncionais. A importância da boa qualidade da relação terapêutica é maior ainda e o terapeuta deve tentar se tornar familiarizado com vida do paciente como um todo, apresentando-se próximo e caloroso, e assumindo um papel de conselheiro, sugerindo ao paciente comportamentos interpessoais preferíveis e debatendo sobre outros assuntos da vida. São tratamentos de longo prazo e difíceis, em que ocorrem resistências e problemas especiais, pois os problemas destes pacientes decorrem do seu jeito de ser, de suas estratégias básicas de ação na vida, que eles tomam como adequadas, já que são eles mesmos. Entendem que o seu jeito é o certo e o preferível. A busca de lembranças infantis é importante, já que é nesse período que começaram a se estruturar seus esquemas. Dadas as características destes pacientes, eles tendem a despertar sentimentos variados no terapeuta (frustração, raiva, desafio, competição, proteção, atração etc.) que podem interferir negativamente na terapia. Portanto, os terapeutas precisam monitorar mais ainda seus próprios sentimentos e usá-los terapeuticamente. Pretzer e Fleming (1989) e Beck e Freeman e colaboradores (1990) sugerem algumas diretrizes para a condução do tratamento destes pacientes, ainda requerendo verificação empírica: 1. As intervenções são mais efetivas quando baseadas em formulações de caso individuais; 2. É importante que terapeutas e clientes trabalhem colaborativamente para alcançar metas claramente identificadas e significativas; 3. É importante focalizar a atenção na relação terapêutica mais do que usualmente; 4. É recomendável não induzir excessivamente auto-revelações dos pacientes; 5. As intervenções que aumentem o senso de auto-eficácia tendem a reduzir a intensidade dos sintomas e facilitam outras intervenções;


6. Não é recomendado usar basicamente intervenções verbais; 7. O terapeuta deve procurar primeiro identificar e tratar os medos dos pacientes antes de tentar produzir as mudanças; 8. O terapeuta deve prever problemas de adesão ao tratamento e de resistência; 9. Não se deve assumir que o paciente funcione em um ambiente razoável e funcional; 10. O terapeuta deve estar sempre atento a suas reações emocionais durante todo o curso do tratamento; 11. O terapeuta deve ser realista quanto à duração da terapia, às suas metas e aos padrões de auto- avaliação. Para Young (1990) o foco do tratamento é a mudança dos EDPs. Isto é feito pela identificação. rotulaão e contestação dos esquemas. Muita ênfase é dada à recordação de material infantil e à refabricação de cenas, em que o paciente pode então agir e sentir como quiser, usando isto então como guia para sua ação postenor. Há forte ênfase no papel educacional do terapeuta e na reestruturação dos comportamentos em relações interpessoais.

Conclusões A TC deve ser utilizada apenas com pacientes cujos quadros já tenham tido comprovação de sucesso. Têm sido tratados problemas tão variados quanto: depressão maior (Beck e cois., 1979), transtornos da ansiedade (Beck et ai., 1985), casais com dificuldades conjugais (Padevsky e Dattilio, 1990), pessoas com transtornos da personalidade (Beck e Freeman, 1990), hipocondríacos (Warwick e Salkovskis, 1989), pessoas com desordens alimentares (Channon e Wardle, 1989; Fairburn e Cooper, 1989), problemas de abuso de álcool (Beck e cois., 1993), portadores de disfunções sexuais (Hawton e cols., 1989), pacientes suicidas (Beck e cols., 1979) etc, e ainda pacientes que não possam ou não queiram tomar medicamentos. Não há obstáculos para o uso complementar de medicamentos apesar de que este uso tende a facilitar atribuições externas (aos medicamentos) em detrimento de atribuições internas (à aquisição de recursos pessoais), o que tende a vulnerabilizar os pacientes a recidivas. Uma relação terapêutica distingue-se de outras relações interpessoais. O estabelecimento de uma boa relação terapêutica e de trabalho é fundamental para o sucesso de qualquer intervenção terapêutica, inclusive, como se viu, na TC. Uma exagerada submissão ao método, uma inconstância no seu uso, uma excessiva cautela, prejudicam a relação terapêutica e a evolução satisfatória da terapia. Igualmente, qualquer aspecto de didatismo exagerado ou persuasão serão contraproducentes. Deprimidos e ansiosos tendem a estabelecer relações dependentes, o que descaracteriza o processo e a estrutura da TC. Uma superficialidade no exame dos significados de uma experiência precisa ser substituída por uma ênfase contínua em auto-exploração. A TC maximiza seus


resultados quanto mais os problemas são trabalhados enquanto estão “fervendo”, isto é, quando ocorrem na própria sessão; donde a necessidade de recriá-los ou até mesmo provocá-los nas sessões. Como já se viu, cuidados devem ser tomados com insights intelectuais apenas e com resistências a fazer as tarefas de casa. O êxito da TC, em grande parte, se deve à utilização de técnicas comportamentais, uma vez que a psicoterapia comportamental elaborou um conjunto formidável de conhecimentos sobre princípios que regulam a ação dos indivíduos já adequadamente transformados em técnicas altamente eficazes de mudança comportamental (Lettner e Rangé. 1988). A TC tem se mostrado efetiva no tratamento de inúmeros problemas. Estabeleceuse como uma das correntes psicoterapêuticas dominantes no mundo moderno principalmente a partir dos trabalhos de Beck com depressão e ansiedade (Bcck e cols., 1979, 1985). Trata-se de um procedimento breve, efetivo dentro de seus limites, objetivo, sistemático, de aprendizado relativamente simples. verificável e que, por tudo isso, pode ser de grande utilidade no tratamento deste mal tão freqüente e numa realidade como a brasileira em que os custos de um atendimento psicoterápico de longa duração os tornam inviáveis para a maioria da população e para as características de nosso sistema nacional de saúde. Muitos problemas ainda restam a ser examinados como a utilização com certas populações (de baixa renda, com nível educacional inferior, com características culturais diferentes daquelas para a qual foi desenvolvida etc.). São desafios que, dadas as características brasileiras, os tornam extremamente atraentes em nossa realidade, tanto para a pesquisa quanto para a prática, já que as nossas necessidades e a possibilidade de um atendimento de curto prazo efetivo são exigências prementes do sistema de saúde brasileiro.

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9 Ética e psicologia comportamental Marilda Novaes Lipp As profissões que lidam com a vida do ser humano, em suas implicações físicas e psicológicas cada vez mais sentem a necessidade de um código de ética forte (Turri, 1988; Pereira, 1991; Custer, 1994; Lee. 1994) que delimite o exercício da profissão e que proteja o usuário destes serviços. Porém além de um código suficientemente abrangente para cobrir os inúmeros conflitos que surgem, e específico suficientemente para oferecer diretrizes em momentos mais complicados, aparece também a necessidade de se fornecer aos profissionais maiores esclarecimentos quanto às normas já existentes. Francisco (1991) revela, por exemplo, que um grande número das denúncias encaminhadas aos conselhos regionais e de psicologia e ao CFP indicaram a falta de compreensão dos princípios abordados pelo Código de Ética dos Psicólogos. Não parece suficiente somente se possuir um código adequado mas também que se possibilite uma reflexão sobre como este código pode ser vivenciado e integrado ao cotidiano da ação profissional. Na área da psicologia, o cuidado com as questões éticas tem sido acentuado pois é importante levar em conta o potencial do impacto da ação terapêutica nos valores, ideais e estilo de vida dos pacientes. Embora este tópico seja controvertido e seja comum se afirmar que o terapeuta deve sempre respeitar os valores e características do paciente, estudos revelam que ao fim da terapia é comum se verificar uma convergência dos valores do paciente para aqueles do terapeuta (Hamblin, Beutler, Scogin e Corbishley, 1993). Se isto é verdadeiro, então, dentre todas as outras razões mais óbvias para se oferecer normas de condutas, certamente necessidade existe de se oferecer diretrizes aos pscólogos, principalmente aos com menos experiência, quanto a como evitar excessos e como garantir a autonomia do modo de pensar de sua clientela. Esta, por certo, é somente uma das razões, e uma razão muito pouco reconhecida. A preocupação constante com o respeito pela individualidade, valores culturais e religiosos do paciente tem gerado um número grande de publicações internacionais. Por exemplo, já em 1974 Lorion publicou um trabalho de pesquisa em que as variáveis paciente-terapeuta, em casos de o paciente ser de classe socio econômico cultural muito baixa, foram enfocadas. Em 1982 o livro de McGoldrick, Pearce e Giordano revelou as dificuldades e as peculiaridades que devem ser levadas em consideração ao se fazer terapia familiar com pessoas de outras culturas. Em 1985 surge o trabalho de Root com diretrizes para a terapia com pacientes de origem asiática e em 1988 Comas-Diaz e Griffith sugeriram diretrizes para avaliação de saúde mental levando em conta os aspectos transculturais dos casos. Schaie (1993) publicou um trabalho que se constitui de diretrizes para pesquisadores e clínicos no que se refere ao atendimento psicológico de populações de culturas diferentes dentro de um mesmo país. Além disto, recentemente a revista American Psychologist (1993a) tornou público um conjunto de diretrizes para nortear as avaliações de casos de custódia de crianças cujos pais estão se divorciando e, em


abril de 1994. Haldeman escreveu um artigo controvertido sobre a ética de se fazer terapia para mudar a orientação sexual de homossexuais. No Brasil, a não ser as publicações do CRP, que são excelentes para o esclarecimento e especificação de normas éticas, não se encontram muitos artigos, dentro das publicações em psicologia, que abordem o importante tema da ética do psicólogo clínico explicitamente. Por exemplo, duas publicações brasileiras, muito interessantes, cuja leitura interessa a todos (A formação profissional do psicoterapeuta, de Cardoso (1985) e Ser terapeuta, organizado por Porchat e Barros (1985) não contêm capítulos explícitos sobre ética, embora este assunto esteja naturalmente implícito em vários momentos destes livros. Nos Estados Unidos, a conduta ética do psicólogo clínico é extremamente supervisionada, a ponto de, antes de se obter o registro de psicólogo (que só pode ser atribuído após dois anos de prática supervisionada depois de formado) é necessário um atestado de idoneidade ética do indivíduo, concedido por três psicólogos já registrados. Lá, também, se um membro da American Psychological Association (APA) é julgado culpado de ação não ética, não só ele perde o registro e fica proibido de clinicar, mas também é expulso da APA, a qual envia no fim do ano, para todos os seus associados, uma lista dos membros expulsos e a razão da expulsão. Há de se convir que mesmo com todos os cursos sobre ética e exigências de conhecimento dos códigos, alguns psicólogos na sua condição de ser humano, também têm certas dúvidas em momentos mais difíceis e às vezes cometem erros e transgridem as normas sem reconhecerem que o estão fazendo. Por isto, torna-se importante publicar diretrizes que possibilitem ao psicoterapeuta uma atuação mais adequada em casos mais complexos e menos claros. Esta preocupação se manifestou, por exemplo, quando o Departamento de Assuntos Referentes a Grupos Étnicos Minoritários da APA publicou em 1991 (American Psychologist, 1993b) um conjunto de diretrizes para psicólogos que atendem grupos minoritários, caracterizados na publicação em pauta como “índios, negros de descendência africana, hispânicos/latinos, asiáticos, judeus e grupos religiosos do tipo Menonite, Amish etc. A publicação é interessantíssima, e deve ser lida por todos interessados nas implicações das diversidades culturais do nosso país, pois direciona os terapeutas americanos a respeitarem de todos os modos possíveis a cultura e os valores destes grupos, inclusive normas familiares, crenças e fatores políticos. Um outro exemplo do cuidado especial que está se dando internacionalmente à necessidade de diretrizes que norteiem a ação do psicólogo em casos especiais é dado por Custer (1994). Custer expôs as principais idéias discutidas por vários psicólogos durante o Congresso da APA em Los Angeles, mostrando haver congruência quanto a como os princípios éticos feitos explícitos por meio de códigos ou de diretrizes podem ser de imensa valia para direcionar a ação dos terapeutas em situações mais complicadas. As aplicações éticas discutidas dizem respeito, dentre outras áreas, a: — abuso físico de crianças, em que o terapeuta é eticamente obrigado a relatar o problema para a autoridade competente imediatamente após tomar conhecimento do fato;


— abuso de pessoas idosas, acima de 65 anos de idade. Neste caso o abuso pode ser físico ou mental e deve ser relatado dentro de 36 horas do ocorrido; — casos em que o paciente declare que vai assassinar alguém, a obrigação ética do terapeuta é de avisar a pessoa em perigo; — casos de internação não voluntária, em que o terapeuta deve manter registro de todas as interações com o paciente a fim de que, se for acusado de arbitrariedade, ele possa apresentar os registros; — situações de conduta sexual inadequada por parte do paciente, em que convites ou sugestões ou tentativas de sedução estão presentes. Neste caso o terapeuta deve ter muita sensibilidade e cuidado para lidar com a ação, tomando nota de todas as interações ocorridas e ações por ele tomadas. É aconselhável que discuta o caso com outro psicólogo, mantendo a identidade do paciente em sigilo. Às vezes é recomendado que o paciente seja encaminhado para outro terapeuta porém isto só deve ser feito após uma tentativa de se resolver o problema, a fim de não caber a queixa de que o terapeuta abandonou o pacien te; — casos de pacientes violentos ou agressivos, em que o terapeuta deve aprender técnicas de restrição, não violentas, do paciente e atender estas pessoas somente quando mais alguém estiver por perto. Não impedir que um paciente cometa uma violência ou se machuque é tão antiético como uma ação violenta por parte do terapeuta; — casos em que o paciente morre e se torna a atenção do público. O terapeuta não pode falar com jornalistas sobre a terapia de uma pessoa mesmo depois de morta.

Ética na terapia com portamental A história da Humanidade mostra que ela foi construída pelo uso do poder e do controle. Desde o início, os povos mais poderosos têm utilizado reforço e punição, dos mais variados tipos, para controlar o comportamento dos grupos menos poderosos e mais destituídos. O exercício do poder, nestes moldes, resultou sempre em aumentos dos bens disponíveis aos grupos controladores e. conseqüentemente, na manutenção ou até no aumento do poder de tais grupos e enfraquecimento dos menos poderosos. Periodicamente, este aumento contínuo do poder e dos bens dos grupos minoritários foi revertido pelas guerras e rebeliões, quando, então, muitas vezes uma inversão de quem detinha o poder ocorreu. Uma vez ocorrida a inversão e mudança de em que mãos os bens e o poder se encontram, um novo processo sempre se inicia com os novos poderosos controlando a distribuição de reforços e punição, até que mais uma vez o poder mude de mãos. Vê-se, então, que o uso do reforço e punição tem sido feito desde sempre para direcionar a Humanidade. Em inúmeras situações este uso tem sido feito para dominar e abusar dos direitos de certos grupos e povos. Martin e Pear (1978) sugerem que talvez esta tradição histórica, aliada à história pessoal de cada um que muitas vezes envolve abuso do poder por parte de outros para benefício próprio e contra pessoas de algum modo menos favorecidas, leve as


pessoas a reagirem negativamente a qualquer tentativa mais franca e objetiva de controle do comportamento. É consideravelmente mais fácil, de um modo geral, exercer controle do comportamento de alguém por meios mais suaves e indiretos, levando a pessoa a pensar que está se autodeterminando, do que por meio da prática objetiva e franca, quando a pessoa pode se sentir, às vezes, controlada, O domínio dos meios mais indiretos não deve ser subestimado, pois é mais difícil de ser identificado e, portanto, não há como o indivíduo, que está sendo controlado, se opor ou se libertar daquilo que ele não percebeu. Na maioria das vezes, esta pessoa, que está sendo totalmente controlada por meios indiretos, sente-se orgulhosa de sua autodeterminação e livre-arbítrio e critica tentativas científicas de mudanças comportamentais planejadas. É esta, provavelmente, a maior razão pela qual os princípios de modificação de comportamento, que deram origem à terapia comportamental, são temidos e criticados, pois eles se originam nos estudos das leis naturais que controlam o comportamento. A terapia comportamental específica e enfaticamente professa que não só o comportamento humano é passível de ser modificado e controlado, mas também que é desejável que isto ocorra. Esta proposição leva a oposições filosóficas de pessoas que preferem ignorar as leis naturais do comportamento humano que operam no universo através dos milênios, quer sejam elas codificadas dentro da rubrica de “terapia comportamental” quer sejam elas deixadas não identificadas a terem seu efeito incisivo no mundo. A terapia comportamental sofre críticas de dois tipos; as puramente filosóficas e as que se referem à sua metodologia. Algumas das objeções mais comumente mencionadas quando a terapia comportamental é discutida se referem a; (1) o controle do comportamento humano e suas implicações para o livre-arbítrio; (2) a escolha de objetivos e de comportamentos-alvo ou metas, a serem trabalhados; (3) o conceito de chantagem, manipulação do comportamento e aspectos mecanicistas e impessoais.

O livre-arbítrio A objeção à terapia comportamental, no que se refere ao desrespeito ao livrearbítrio, é filosófica e, talvez, seja a que mais cause impacto nas pessoas que desconhecem alguns conceitos fundamentais desta terapia e que temem o controle comportamental. A doutrina do livre-arbítrio professa que a pessoa pode proceder a escolha e moldar seu destino independentemente de sua herança genética e da influência exercida pelo seu meio ambiente. O argumento usado é que o comportamento humano é livre ou, pelo menos, não totalmente determinado, portanto, é inútil tentar controlá-lo, pois a pessoa pode sempre ter livre-arbítrio para agir diferentemente. O que tem mantido esta crítica é o fato de que ela nunca pode ser provada como errada, pois existe sempre a possibilidade de, em casos dados como exemplo, o comportamento fugir às previsões feitas. Isto, naturalmente, ocorre até mesmo nas ciências exatas e mais ainda, na psicologia, pois é quase impossível, em dado momento, reconhecer todas as variáveis que estão em ação. Filosoficamente é interessante estudar se o comportamento humano é, de fato, completamente controlável por variáveis ambientais aliadas à genética, porém na prática o que se verifica é que um bom controle sobre o comportamento é atingível e desejável em situações as mais


variadas que podem gerar mudanças positivas na vida do ser humano e da sociedade. É fácil se verificar como uma afirmação contra o controle do comportamento e a favor da autodeterminação torna-se fascinante, com a rápida conclusão de que toda tentativa de controle é antiética. Garry e Pear (1978) argumentam que toda profissão de ajuda (educação, psicologia, psiquiatria) só podem atingir seus objetivos se os profissionais envolvidos exercerem controle sobre o comportamento. O objetivo dos professores, por exemplo, é moldar o comportamento dos alunos para que eles se beneficiem do que o ambiente oferece, inclusive por meio da aprendizagem da leitura. O objetivo do psicólogo ou do psiquiatra é mudar o comportamento do paciente para que ele passe a funcionar mais apropriadamente do que antes da ajuda terapêutica. No entanto, a maioria dos profissionais não admitem que eles controlam o comportamento dos pacientes. Preferem afirmar que estão simplesmente ajudando-os a alcançar controle sobre seu próprio comportamento. Na realidade, mesmo quando a escolha da mudança é governada, aparentemente, só pelos valores e crenças do paciente, necessário se torna lembrar que estas crenças e valores formam o ambiente interno da pessoa (Lipp, 1984) o qual foi moldado por contingências externas, ocorridas durante o desenvolvimento do ser humano. Assim sendo, o livre-arbítrio não é livre, pois depende da história de condicionamento, de reforço e punição do indivíduo através dos anos, aliada à herança genética por ele trazida. Mesmo nas terapias que professam crescimento interior, auto-atualização e insights, controle da situação sempre existe por parte do terapeuta, até mesmo quando o terapeuta seleciona certas verbalizações para serem interpretadas. Como O’Leary e Wilson (1975) mencionam que a questão de relevância não é se o comportamento do paciente deve ser ou não controlado, pois isto é inquestionável, mas sim se o terapeuta compreende que ele está exercendo este controle. Enquanto na terapia comportamental as metas terapêuticas são explicitadas, nas terapias psicodinâmicas é o insight que é valorizado. Insight este que é certamente influenciado pelo sistema de valores e orientação teórica do terapeuta. O método sutil utilizado nas terapias psicodinâmicas provavelmente resulta em uma manipulação bem maior do que o método direto e explícito utilizado pelos terapeutas comportamen tais. A noção de um homem passivo perante as contingências ambientais é sempre mencionada quando se critica a terapia comportamental, porém, como Bandura já mencionou em 1973, o ambiente que molda as contingências existe devido ao comportamento. Assim sendo, o comportamento cria o ambiente que então vem a influenciar o comportamento em um processo de interação contínua. É importante pensar que o indivíduo que procura uma terapia já está sendo controlado pelo reforçamento não planejado de comportamentos inadequados. Reforçamento este que deu origem ou serviu para manter o problema emocional da pessoa. A terapia comportamental age, assim, no sentido de oferecer ao ser humano mais poder sobre o seu próprio comportamento e, conseqüentemente, aumenta o seu livre-arbítrio. Deste modo pode-se garantir que a terapia comportamental contribui para aumentar a liberdade pessoal e produzir maior bem-estar ao ser humano. Considere-se, por exemplo, dentre inúmeras que poderiam ser mencionadas, situações de fobia, em que a pessoa se priva de determinadas atividades devido às suas limitações, como o caso verídico de Walter, um


engenheiro, professor universitário que desenvolveu uma fobia à sala de aula. Este professor procurara uma terapia de base analítica e há seis meses se encontrava em processo terapêutico sem grandes mudanças em seu estado. Quando nos procurou encontrava-se ainda afastado de suas atividades de docência, situação esta que não poderia perdurar por muito tempo mais. Uma terapia comportamental baseada em dessensibilização sistemática foi implementada e dentro de quatro sessões Walter se encontrava pronto para retornar à sala de aula. A satisfação e o senso de auto-realização experimentados por este paciente bem atesta a favor de uma intervenção mais direta e explícita e demonstra como a terapia comportamental contribui para um aumento do poder e da capacidade de escolha da pessoa. Não se pode esquecer também como a terapia comportamental contribui para o desenvolvimento de uma maior autodeterminação quando ela é usada no tratamento de psicóticos e de pessoas portadoras de deficiência mental. Como Hardy e CulI (1974) mencionam, exceto por pacientes mais prejudicados, muitas vezes hospitalizados, que têm a maioria das suas escolhas já feitas pelas instituições, as pessoas, em geral, concordam com os objetivos de programas comportamentais, pois elas querem melhorar.

A escolha de objetivos e metas terapêuticas: quem a faz? A crítica da terapia comportamental como mecanicista e maquiavélica reflete somente a extrema relutância de determinadas pessoas realmente estudarem o processo psicoterápico de abordagem comportamental. Quando este estudo ocorre, tal visão é destruída, pois fica claro que os alvos ou metas terapêuticas na abordagem comportamental de modo algum são impostos arbitrariamente a pessoas indefesas. Todo objetivo terapêutico é discutido com o paciente e é ele, e somente ele, quem determina em que direção e o quanto ele deseja mudar. No caso de pessoas incapacitadas, como deficientes mentais e psicóticos, tal decisão é tomada pelas pessoas responsáveis de comum acordo com o terapeuta. Este pode até discordar e resolver que seus próprios princípios não lhe permitem trabalhar para a concretização dos objetivos do paciente, porém nunca ele poderá sobrepor seus próprios objetivos aos do cliente. Certamente, o psicólogo exerce influência sobre a escolha que o paciente faz porque isto é parte intrínseca do processo psicoterápico, uma vez que raramente a pessoa procura terapia sabendo com precisão qual o seu problema e para onde ela quer caminhar. Contrário ao que muitos críticos alegam, não cabe ao psicólogo comportamental o estabelecimento de objetivos, mas sim auxiliar o paciente a ser mais específico em sua queixa que, na grande maioria das vezes, é muito geral, a fim de que objetivos possam ser formulados. A escolha de metas terapêuticas é questão de valores pessoais e o psicólogo comportamental respeita sempre as decisões do paciente, embora ele deva mostrar o seu ponto de vista quando necessário. Compete a ele abrir um leque de opções para o indivíduo, auxiliando-o a produzir várias possibilidades de ação, analisando as conseqüências positivas e negativas de cada uma e, então, aceitar a decisão do paciente. Logicamente o terapeuta não pode se despir de seus próprios valores durante este processo, por isto em casos em que julgue necessário ele deve explicitar quais são eles a fim de que o paciente saiba que poderá haver um viés nas opiniões fornecidas. Nos casos de pessoas institucionalizadas, uma comissão de direitos humanos, ou de ética, assiste na formulação das metas terapêuticas. No caso de


crianças, as metas terapêuticas são sempre formuladas conjuntamente com os pais, os quais auxiliam no tratamento dos filhos. Adicionalmente, é importante lembrar que a terapia comportamental baseia-se em princípios, técnicas e procedimentos sobre como produzir mudanças, ela não estipula a priori “quem” “deve mudar “qual” comportamento, “por quê” e ”quando” (O’LearyeWilson, 1975). Estas decisões são tomadas pelo cliente. Ao terapeuta compete identificar pessoas e estímulos ambientais que estejam mantendo o problema e fornecer os meios, sugerindo técnicas e procedimentos a serem utilizados para que os objetivos do paciente sejam alcançados. O terapeuta comportamental diferencia entre seus conhecimentos científicos quanto à administração de contingências e seu sistema de valores pessoais.

Chantagem e aspectos mecanicistas /impessoais Muitas vezes a crítica ética não se refere ao controle do comportamento exatamente, mas ao modo como a terapia comportamental é conduzida. Argumenta-se que não é ético planejar o controle do comportamento por meio da dispensa calculada de reforços socioafetivos e que o terapeuta comportamental é frio e distante em suas interações. Embora se encontrem terapeutas comportamentais frios e distantes também se encontram analistas assim. Tais características pertencem mais ao âmbito pessoal do que ao da terapia comportamental. O terapeuta trabalhando na abordagem comportamental em geral é amigável e genuinamente interessado na pessoa do paciente. O controle planejado do comportamento humano não é mecânico nem impessoal dentro da terapia comportamental, na realidade, ele é visto como uma vantagem, pois é a falta de um plano de administração de contingências que pode levar ao desencadeamento de comportamentos-problema, reforçados inadvertidamente. A crítica do método na terapia comportamental prevalece na terapia infantil quando se questiona: (1) o reforço não poderia enfraquecer a criança diante do mundo?; (2) quando objetos materiais, ou vantagens, são usados como reforços, a criança na vida adulta não valorizará somente coisas materiais?; (3) Por que reforçar a criança por algo que ela deveria estar fazendo espontaneamcnte?; (4) o uso do reforço não se constitui em chantagem emocional?; (5) o método mecanicista comportamental não colide com uma moral verdadeira?; (6) é certo usar amor e demonstrações de prazer só nos momentos em que a criança faz o que queremos? e (7) será que o método comportamerital não serve somente aos interesses dos pais e professores que, então, se livram da obrigação de genuinamente entenderem as crianças com problemas? Algumas destas questões éticas foram levantadas 20 anos atrás por Krumboltz e Krumboltz e, ainda hoje, elas são formuladas repetidamente por muitos pais e profissionais de outras abordagens. Não há dúvida de que o método comportamental é extremamente eficaz na modificação de comportamentos e que potencialmente ele possa ser usado de modo antiético mas não é o método comportamental que deve ser temido e sim o modo como ele é usado, para quê, com quem e em que circunstâncias. Justamente porque os princípios comportamentais são tão poderosos, eles podem sim ser usados para fins de obtenção de poder e de manipulação, como também podem ser


utilizados para melhoria da qualidade de vida dos seres humanos, aliviando seus problemas e promovendo uma maior integração na sociedade. A fim de evitar os abusos associados a qualquer técnica ou procedimento que dêem resultados e promover o uso adequado dos princípios da aprendizagem na situação terapêutica, necessário se torna estabelecer normas e limites, bem como oferecer diretrizes éticas para os que praticam a terapia comportamental. A necessidade de se estabelecer normas éticas que possam nortear o exercício da terapia comportamental no Brasil tem sido discutida há mais de uma década (Lipp, 1980, 1984). Esta é uma proposta bastante controvertida, pois do ponto de vista de alguns comportamentalistas isto significaria a submissão voluntária a mais um conjunto de normas. Muitos argumentam que a terapia comportamental é terapia como qualquer outra e que, portanto, não necessita de diretrizes próprias. A ênfase é sempre na manutenção de mais liberdade e autonomia para tomar decisões quanto a quem deve ser tratado e por meio de que procedimentos ou, mais especificamente, com que técnicas. Este argumento foi também muito invocado nos Estados Unidos na década de 60, um pouco antes de profissionais de outras áreas (médicos, administradores e comissões de direitos humanos) assumirem a liderança e se reservarem o direito de aprovarem ou não, por exemplo, o tratamento comportamental realizado em instituições, tais como hospitais, presídios, escolas etc. Note-se que quando outros tipos de terapia são usados não há a necessidade de planos psicoterápicos ou relação de técnicas serem pré-aprovados. Nos Estados Unidos, o que se passa no consultório de um terapeuta não comportamental dentro de um presídio não se fica conhecendo, porém quando este terapeuta é comportamentalista, dentro de certos limites, a instituição deseja saber que plano terapêutico será utilizado. E assim é em hospitais, instituições para deficientes mentais etc. Tivessem os comportamentalistas, naquela época, menos receio de se autolimitarem e mais coragem para defenderem um território claramente definido, talvez hoje nossos colegas americanos não necessitassem atender às restrições/recomendações de agentes externos. Por que esta diferença entre a terapia comportamental e as outras? Em todas as terapias os direitos humanos dos pacientes devem necessariamente ter prioridade máxima e a conduta do terapeuta deve seguir os mais altos padrões, mas na terapia comportamental esta necessidade é ainda maior porque ela envolve, por parte do terapeuta, intervenções mais objetivas, diretas e norteadoras. Contrário ao que é valorizado em outras abordagens. Intervenções diretas e objetivas podem ser avaliadas de acordo com critérios objetivos e, portanto, são mais passíveis do excrutínio externo. Teoricamente, existe considerável acordo quanto a que princípios éticos, claros e precisos devam ser estabelecidos e respeitados no trabalho psicológico, mas em situações práticas, mais complicadas, o psicólogo está preparado para uma atuação ética correta. Esta questão não é só de interesse para a prática clínica, mas também representa uma constante preocupação para o professor universitário, que tem a responsabilidade de transmitir conhecimentos e de fomentar a formação do psicólogo clínico. Logicamente todo o curso de graduação em psicologia inclui estudos sobre ética, mas muitas vezes a dúvida quanto a se esses ensinamentos


estão sendo absorvidos e integrados suficientemente no âmago do terapeuta novo permanece na mente do professor que se sente responsável pela formação do psicólogo. Questionar este terapeuta simplesmente sobre o Código de Ética não é válido, pois o conhecimento teórico não garante uma prática compatível. Necessário se torna avaliar como o terapeuta atua na prática em momentos mais difíceis. Com o intuito de avaliar o preparo ético do psicólogo que trabalha em uma abordagem comportamental, analisou-se as respostas dadas por 16 psicólogos clínicos, que estavam se candidatando ao ingresso em um programa de mestrado, a uma pergunta prática sobre conduta ética. A questão formulada foi respondida sigilosamente por escrito pelos participantes. A questão foi precedida das instruções seguintes: “Os Códigos de Ética fornecem diretrizes sobre alguns tópicos de óbvia relevância para o exercício de cada profissão, mas não há norma tão abrangente que possa fornecer diretrizes sobre tudo. A ética torna-se, assim, em certos momentos, passível da interpretação e valores de cada um. Na situação que se segue, dê sua opinião no que se refere à ética.” “Você está atendendo um adolescente de 15 anos que revela estar usando cocaína com freqüência e quem a fornece é um amigo da família. Quando o contrato terapêutico foi estabelecido com ele, ficou determinado que tudo que ele dissesse seria confidencial. Os pais concordaram. Qual atitude você tomaria?” A análise das respostas fornecidas revelou que 50% dos respondentes não contariam à família e os outros 50% o fariam. Dentre os que preservariam o sigilo terapêutico, três tentariam convencer o paciente a ele mesmo contar aos pais, dois usariam técnicas de indução para levar os pais a perceberem o uso da droga sem que o terapeuta o dissesse claramente e três assumiriam a responsabilidade de trabalhar com o adolescente a fim de promover uma recuperação clínica. Os terapeutas que se pronunciaram a favor do sigilo deram respostas fundamentadas na importância da relação terapeuta-paciente, na ética do sigilo, no fato de que uma quebra do mesmo seria interpretada como uma traição por parte de um adulto, o que talvez levasse o adolescente a ter mais problemas ainda. “Se o próprio psicólogo trair a confiança de uma pessoa em idade já tão difícil, como ele vai confiar em mais alguém?” e “Esse adolescente já deve estar achando que ninguém é de confiança, já que é um ‘amigo’ da família quem lhe dá a droga, se o psicólogo contar ele vai achar que todo mundo trai todo mundo” foram exemplos de respostas dadas por estes profissionais. Dentre os que contariam, as respostas incluíram tentar convencer o cliente e, se ele não concordasse, contar assim mesmo, contactar o CRP com a idéia de ter respaldo para contar aos pais e até informar a Polícia o nome do cliente e do fornecedor da cocaína. Este psicólogo afirmou: “Romperia o sigilo por se tratar de comportamento criminoso.., informaria ao cliente que não poderia manter sigilo e comunicaria à família e à Delegacia de Polícia. Ao cliente deixaria claro que faria o acompanhamento psicoterápico durante o período que ele estivesse respondendo as questões penais...” Sem dúvida, a situação clínica apresentada é difícil, porém é possível que ocorra no consultório de qualquer psicoterapeuta comportamental ou não. As dúvidas


aumentam em situações assim complexas, porém o que se notou foi uma diversificação de respostas muito grande. Muitos dos respondentes pareceram na realidade. não saber como proceder o que denota o quanto a ética na psicologia necessita ainda ser debatida e ensinada nos cursos de psicologia. Esta dificuldade dos psicólogos menos experientes de terem diretrizes já interiorizadas quanto a como agirem em momentos difíceis, poderia ser em parte também sanada por meio de supervisão com terapeutas mais experientes, porém nenhum dos entrevistados mencionou este recurso como uma possibilidade. A situação relatada é preocupante já que 50% dos psicólogos informariam à família e os outros 50% não o fariam. O fato de um psicólogo clínico ter afirmado que comunicaria à Polícia o nome do cliente de 15 anos que estava experimentando a cocaína preocupa, pois se esta fosse uma prática instituída muitos pacientes extremamente necessitados de um acompanhamento psicoterápico, teriam medo de consultar um psicólogo e mais ainda, mesmo que forçados pelos pais a irem, não se arriscariam a fazer comentários sobre este tipo de assunto com o psicólogo, que se esperaria ser uma das pessoas mais qualificada para ajudá-lo. Além disto, pais que desconfiam que seus filhos possam estar se utilizando do uso indevido de drogas, ou cometendo outros comportamentos que infringem a lei, hesitariam em procurar ajuda terapêutica para seus filhos se soubessem do risco do psicólogo informar a Polícia sobre o fato. A situação acima descrita não se referia especificamente a terapia comportamental, mas existem situações em que mais diretamente se necessita de diretrizes que sirvam de referencial para o psicólogo clínico. As diretrizes éticas funcionam não só para garantir os direitos humanos dos pacientes, evitando os abusos de poder e de controle, mas também são extremamente úteis na proteção do terapeuta. Com um campo de ação tornado explícito e normas de trabalho bem definidas o terapeuta comportamental sabe melhor como agir e corre menos risco de ser, injustamente o objeto de críticas maldosas. A literatura brasileira é escassa em artigos sobre ética no trabalho comportamental embora seja riquíssima em artigos escritos por profissionais de outras abordagens e, naturalmente, filósofos (Drawin, 85; Morais, 1992; Carvalho, 1993; Chauí, 1994). Considerando-se esta dificuldade, apresenta-se a seguir algumas sugestões sobre ética especificamente direcionadas para a área comportamental. Logicamente estas sugestões não são feitas com a intenção de substituir normas do Código de Ética ou da Lei. Em primeiro lugar o psicólogo deve seguir o Código e as leis vigentes no país. Se ele não concorda com elas ele deve lutar pela sua modificação, porém até que isto ocorra elas não podem ser desconsideradas. As sugestões abaixo representam um adendo ao que já é estabelecido em nosso meio.

Sugestões de comportamental

diretrizes

éticas

para

o

terapeuta

1. No que se refere à atitude Contrário ao que os críticos mencionam, o terapeuta deve manter uma atitude cordial quanto ao paciente (porém não de amigo pessoal), tendo em vista que ele é um ser humano semelhante a ele e que qualquer superioridade técnica do terapeuta


é algo muito específico que não necessariamente transcende a relação terapêutica. O paciente pode ter inúmeras áreas em que ele seja superior ao terapeuta. O terapeuta, por outro lado, possui um conhecimento altamente avançado da área psicológica e está mais bem qualificado para uma atuação dentro dela. O poder do terapeuta existe sim e ele deve ter consciência de sua extensão, porém é um poder altamente efêmero no que se refere a pessoa do terapeuta. Após a terapia o paciente se desvincula e só resta o poder do que foi absorvido e interiorizado. Portanto, é fundamental que o terapeuta tenha, no mínimo, apreço pelo paciente e respeito à sua individualidade. Está claro que a atitude não deve ser a de “amigos”, pois a tônica da relação tem que ser colocada no terapêutico e não no social. Independente da competência técnica, o vínculo terapêutico é fortalecido pelo interesse do profissional pela pessoa que sofre. É fundamental que haja autenticidade no interesse do terapeuta para que um bom resultado possa ocorrer. Na relação terapêutica todo ato do profissional tem influência sobre o paciente e poderá ser benéfico ou maléfico para o mesmo. A responsabilidade do terapeuta é grande e, ao mesmo tempo, de difícil controle por se tratar de algo tão pouco palpável. Na medida em que o profissional percebe o paciente como um ser humano semelhante a ele, a relação de poder é mais administrável, e uma prática ética responsável é, mais facilmente, alcançada. O terapeuta deve também ter uma noção clara do seu sistema de valores e saber que, mesmo involuntariamente, existe uma convergência dos valores do paciente para aqueles do terapeuta. Portanto, ele deve manter uma atitude de grande respeito e tomar extremo cuidado com a adequação, para o cliente, dos valores que ele está transmitindo. A abordagem comportamental não utiliza o modelo médico em que o comportamento é visto como sintoma de uma doença ou patologia, mas sim o modelo de aprendizagem, em que se conceitua o problema como o resultado da interação de predisposições genéticas e contingências ambientais. Deste modo o relacionamento existente na díade terapeuta-cliente não é o de médico e paciente, mas sim o de professor e aluno. Este aprende a identificar os eventos, internos ou externos, que controlam seu comportamento e assume um papel ativo na busca pela solução para o problema. Cabe ao terapeuta ajudá-lo nesta jornada. 2. Quanto ao terapeuta Conhecimento teórico e prático de alto nível na área comportamental é indispensável. O terapeuta recém formado com as dúvidas normais do estágio inicial da carreira, não deve hesitar em procurar uma supervisão que lhe dê segurança no que está realizando. Ninguém completa sua instrução para terapeuta com um diploma, a aquisição de conhecimentos nunca finda. É preciso continuar sempre na busca de novas idéias. A literatura brasileira nem sempre oferece tudo o que se necessita, portanto, familiaridade com a literatura estrangeira, além da nacional, mais precisamente com os trabalhos americanos, é importante para profissionais da área comportamental. Não basta ao terapeuta saber os procedimentos e técnicas comportamentais. Ele necessita entender bem todas as implicações do uso de cada uma delas para o presente e o futuro da pessoa, no contexto da família e da sociedade.


No que toca a aspectos pessoais, o terapeuta deve estar emocionalmente bem para fazer um trabalho adequado. Ele precisa pelo menos entender as contingências que o mantêm e ser capaz de identificar suas áreas de dificuldades pessoais. É recomendado que ele faça terapia a fim de entender como o processo terapêutico é vivenciado. Quando o terapeuta sentir que seus problemas pessoais poderiam atrapalhar o tratamento de um paciente ele deve encaminhá-lo. Do mesmo modo que ele também deve encaminhar o paciente que tenha objetivos terapêuticos que contrariem os seus próprios valores a ponto de interferir na terapia. 3. Quanto ao estabelecimento de metas As metas terapêuticas devem refletir os valores e escolha do paciente. Cautela deve ser tomada para que os interesses de outras pessoas envolvidas não sobrepujem os do paciente. É muito comum que parentes (pais e cônjuges principalmente) tentem influenciar o terapeuta quanto ao plano terapêutico. A não ser em casos de crianças, psicóticos, excepcionais ou de outros pacientes considerados incapazes de se autodeterminarem, o plano terapêutico deve sempre resultar de um esforço comum da díade terapeuta-paciente, em que este tem primazia. Logicamente compete ao terapeuta avaliar as metas desejadas pelo paciente e verificar se elas são alcançáveis. Se o terapeuta não concordar, eticamente, com o planejado, ele deve comunicar tal fato ao cliente. Caso não seja possível mudar as metas inadequadas para outras mais compatíveis, o terapeuta deve encaminhar o caso e dar ao paciente o direito de encontrar outro profissional que o possa auxiliar. No caso de crianças, os pais ou responsáveis têm que ser incluídos, porém cuidado deve ser tomado para que as metas terapêuticas não violem os direitos da criança e beneficiem os adultos somente. Quando o terapeuta se deparar com uma situação como esca, ele deve primeiro tentar sensibilizar os responsáveis da necessidade de se estabelecer metas mais ajustadas. Caso ele não tenha sucesso, recomenda-se que ele tente engajar a participação de outro adulto da família, com a permissão dos pais. Se isto também não for possível, melhor é que ele encaminhe o caso para outro terapeuta que talvez tenha mais sucesso na sensibilização dos responsáveis pela criança, pois há direitos desta que os pais não podem infringir. Um dos outros cuidados a serem tomados ao se formular um plano terapêutico comportarnental é o que se refere a escolha de comportamentos-alvo que tenham a possibilidade de serem mantidos por meio de reforçamento no ambiente natural da pessoa. 4. Quanto a técnicas e procedimentos escolhidos Na escolha da técnica deve-se considerar: (1) a eficácia da mesma. (2) se ela se baseia em princípios teóricos estabelecidos, (3) a relação vantagens-desvantagens, (4) as implicações a longo prazo, (5) a possibilidade de a mesma ser incorporada na rotina da pessoa, (6) a coerência com as normas culturais e (7) a aceitação do paciente e do seu meio ao uso da técnica. A utilização de técnicas aversivas é sempre um tópico difícil de se considerar. Por técnicas aversivas está se referindo a qualquer contingência que não seja agraciável para a pessoa tratada, corno por exemplo, colocar urna criança em time-out. retirada de fichas ou pontos, castigo, retirada de privilégios e extinção, dentre outras.


Nestes casos, necessário se torna questionar: (1) as técnicas serão realmente mais eficazes neste caso do que o seriam técnicas positivas?: (2) trata-se de técnica desumana ou abusiva?; (3) os fins justificam os meios, ou seja o comportamento a ser eliminado é ainda mais indesejável do que ela? Quando técnicas aversivas jurem utilizadas, elas devem: (a) ser operacionalmente definidas, (b) ser explicadas e aceitas pelo paciente, ou seu responsável e (e) o terapeuta deve estar convencido de que o comportamento que se está tentando eliminar gera conseqüências mais negativas do que a técnica aversiva a ser implementada. As técnicas aversivas às vezes necessitam ser usadas por serem as mais indicadas, como no caso de comportamentos autodestrutivos e perigosos. Quando, após todas as considerações éticas, se decidir pela sua utilização, o terapeuta deve ter a tranqüilidade de implementá-las. Ele precisa considerar que um grande número de comportamentos são moldados por contingências negativas que ocorrem no ambiente natural. Por exemplo, o cumprimento da lei envolve conseqüências negativas na forma de custo de resposta (multas), tilne-out (encarceramento) e punição (crítica social, penas), portanto, técnicas aversivas, como um meio de controlar o comportamento humano, são utilizadas regularmente na sociedade, independentemente da terapia comportamental. Porém, quando elas forem utilizadas de modo planejado e dentro do contexto terapêutico, compete ao terapeuta se certificar de que não há abuso e de que elas são utilizadas como um estágio intermediário. A eliminação de um comportamento-problema nunca é o objetivo final. Este deve ser sempre o expandir o repertório do paciente com novos comportamentos mais adequados e menos nocivos, de preferência, que sejam incompatíveis com o comportamento eliminado. No caso de déficits comportamentais, antes de se instituir um procedimento para aumentar o repertório do paciente, é indispensável que se faça uma avaliação do repertório atual, a fim de se veritjcar se os pré-requisitos estão presentes, do contrário, o procedimento não terá chance de ser bem-sucedido, além de levar o paciente a experimentar a sensação de fracasso, que talvez agrave sua condição. 5. Quanto ao resultado da terapia e à generalização Todo caso clínico necessita ser documentado e sistematicamente avaliado, O registro de linha de base é essencial para que se possa avaliar o processo psicoterápico e o resultado da terapia. Muitas vezes é impossível conseguir que o cliente faça o registro conforme se gostaria, neste caso a linha de base pode ser constituída das próprias verbalizações ocorridas na sessão. Durante o decorrer do processo, avaliações devem ser realizadas e com base nelas os objetivos podem ser reformulados, técnicas podem ser substituídas e o tratamento deve ser adaptado à realidade do momento. Os resultados devem ser analisados com base nos dados coletados no início do tratamento, durante o registro de linha de base. Ao fim da terapia, essencial se torna rever a pasta do cliente, discutir com ele as metas alcançadas e programar a generalização dos efeitos para o dia-a-dia. Não basta que o terapeuta verifique só o progresso que foi alcançado ao término da terapia — generalização não ocorre automaticamente na maioria do casos. Ela deve ser programada ao mesmo tempo que o terapeuta planeja a sua saída da vida do paciente.


Sem dúvida, a terapia comportamental faz uso da aplicação de princípios poderosos e eficazes que tanto podem ser utilizados de modo antiético, envolvendo abuso de poder e controle inadequado das pessoas envolvidas, como também podem ser utilizados de modo apropriado para promover o bem-estar e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos e da humanidade. Cabe a nós, membros da comunidade de terapeutas comportamentais, normatizar a ética desta abordagem a fim de não só proteger os direitos humanos dos pacientes, mas também resguardar a pessoa do terapeuta e a imagem da terapia comportamental.

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PARTE 2 PESQUISA E PRÁTICA NA PSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA APLICADA A DIVERSAS POPULAÇÕES 10 Educação precoce para bebês de risco Leila Regina D’Oliveira de Paula Nunes A prevenção da excepcionalidade tem sido arrolada na literatura científica e nos planos governamentais como uma das metas da Saúde e da Educação Especial. A percentagem de indivíduos portadores de deficiência mental, por exemplo, é estimada em torno de 5% da população brasileira, segundo a Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE, 1986). Este valor é subestimado, na opinião de Krynski (1983) que aponta para o índice de 10% da população. Há evidências de que mais da metade destes casos poderiam ser evitados, se ações preventivas tivessem sido implementadas a contento. Segundo a Política Nacional de Prevenção das Deficiências, apresentada pela CORDE em 1992, a prevenção se constitui em “um ato ou efeito de evitação. Implica ações antecipadas destinadas a impedir a ocorrência de fatos ou fenômenos prejudiciais à vida e à saúde, e, no caso da ocorrência desses fatos e fenômenos, evitar a progressão de seus efeitos” (CORDE, 1992, p. 7). Neste trabalho, será tratada a questão da prevenção da excepcionalidade. Mais detalhadamente, será caracterizada uma das modalidades mais conhecidas da ação preventiva, que são os programas de educação precoce. A questão de prevenção está associada ao conceito de risco e este, por sua vez, envolve a noção de probabilidade. Risco para excepcionalidade implica que, a partir da constatação empírica de certas correlações. crianças portadoras de determinados atributos biológico e/ou sob o efeito de determinadas variáveis ambientais têm maior probabilidade de apresentar distúrbio ou atraso em seu desenvolvimento quando comparadas com outras que não sofreram os efeitos de tais variáveis. Estas variáveis são denominadas fatores de risco (Ramey e Finkelstein, 1981). A constatação da presença dos fatores de risco e conseqüente identificação da população de risco podem ser realizadas antes, durante e após o nascimento. Tjossen e Lorenzo (1974) propuseram a seguinte classificação destas crianças: a)


bebês de alto risco biológico, com danos peri ou pós-natais; b) bebês de alto risco psicossocial, com experiências limitadas e/ou traumáticas; e) bebês de risco estabelecido, por evidente anormalidade como as anomalias genéticas, por exemplo. Os fatores biológicos de risco têm diversas origens. Elas variam desde anomalias cromossomiais (Síndrome de Down) e erros inatos do metabolismo (fenilcetonúria), passando por infecções viróticas (rubéola) e desnutrição profunda da mãe até traumatismos no parto (lesão cerebral) e exposição à radiação e a outros elementos químicos como mercúrio e álcool (Robinson e Robinson, 1976; Krynski, 1979; Kopp e Kaler, 1989; Nunes, 1993). Os fatores psicossociais associados à excepcionalidade, especialmente ao atraso no desenvolvimento cognitivo e socioemocional, envolvem variáveis demográficas e processuais. As variáveis demográficas incluem: tipo de ocupação dos pais, baixo nível intelectual e de escolaridade da mãe, doença mental crônica da mãe, ordem de nascimento da criança, grande número de irmãos e desorganização familiar. Dentre as variáveis processuais estão: rigidez de atitudes dos pais, crenças e valores da mãe quanto ao desenvolvimento da criança, nível de ansiedade da mãe, organização inadequada do ambiente físico e temporal do lar, baixa complexidade da linguagem falada, práticas educativas autoritárias, carência de apoio familiar, sentimento de falta de controle dos eventos da vida por parte dos pais (locus de controle externo), eventos estressantes da vida e redução das interações afetivas positivas da mãe com a criança durante a primeira infância (Ramey e Finkelstein, 1981; Sarneroff e Fiese, 1990; Nunes, 1993). Com base nestes dados e naqueles revelados por Meichiori, Souza e Botomé (1991) em um dos poucos estudos epidemiológicos sobre retardamento mental realizados no Brasil, podemos concluir que crianças oriundas das camadas economicamente mais carentes, cujos pais exibem baixo nível de escolaridade, sofrem de maior risco para a excepcionalidade. Ao considerar os efeitos dos fatores de risco, é mister se observar alguns pontos. Primeiro, o peso de cada fator na instalação da condição de excepcionalidade é extremamente variável, ou seja, há fatores mais ou menos fortemente associados à condição excepcional. Segundo, a maioria dos fatores de risco observados isoladarnente podem não possuir validade preditiva. Terceiro, o conceito de risco é, como já dito anteriormente, probabilístico, isto é, a existência de determinados atributos aumenta a chance de seu portador exibir a condição excepcional, não estabelecendo, entretanto, total e inequivocamente o prognóstico. Quarto, excetuando-se os casos extremos de disfunção biológica, é a quantidade mais do que a natureza dos fatores de risco que melhor prediz a condição de excepcionalidade (Sameroff e Fiese, 1990). Quinto, há contínua interação, ao longo do tempo, entre fatores biológicos e ambientais no desenvolvimento da criança. Isto implica que condições ambientais tanto podem atenuar quanto agravar os efeitos dos fatores biológicos de risco (Nunes, 1993). A ação preventiva dos atrasos e distúrbios do desenvolvimento pode ser conduzida em três níveis. Na prevenção primária, o objetivo da intervenção é reduzir a incidência de determinadas condições de excepcionalidade na população por meio da identificação, remoção ou redução dos efeitos de fatores de risco que produzem tais condições. A prevenção primária assume urna forma mais genérica quando as


instituições da sociedade promovem melhores condições de saúde, educação, traba lho e moradia para toda a população. De forma mais restrita, a ação preventiva primária focaliza determinados segmentos da população considerados mais vulneráveis, como as famílias que vivem em condições de extrema pobreza. Programas educativos sobre saúde e desenvolvimento humano e de controle do meio ambiente (antipoluição), instalação de centros de diagnóstico precoce, serviços para crianças adotivas e lares substitutos e programas educacionais para crianças que apresentem risco psicossocial e que freqüentem creches e pré-escolas são alguns exemplos de ações preventivas primárias. A prevenção secundária está baseada na constatação de que a condição de excepcionalidade já se manifestou. Seu objetivo é então o de reduzir sua duração e/ou sua severidade. Sob a perspectiva da saúde pública o foco da ação secundária é o de reduzir a prevalência de determinada condição de excepcionalidade na população. Exemplos de ações preventivas secundárias são os centros de diagnóstico, tratamento e educação de crianças pequenas de alto risco e risco comprovado, os programas de educação da comunidade sobre a excepcionalidade e os programas de formação de recursos humanos para atuar com esta populaçãoalvo (Krynski, 1979). Na prevenção terciária, parte-se do pressuposto de que a redução no número de indivíduos portadores de deficiências não é provável nem mesmo possível. Procurase então reduzir as seqüelas ou efeitos associados à excepcionalidade. Ações que visem minimizar a necessidade de institucionalização, maximizar o potencial de vida independente, reduzir a ocorrência de comportamentos autolesivos e estereotipados e de posturas corporais inadequadas, auxiliar a família a elaborar situações de conflito e de estresse emocional são algumas formas da ação preventiva terciária (Simeonsson, 1991). Os serviços de estimulação precoce constituem uma das modalidades da ação preventiva. Eles visam proporcionar à criança de risco e à criança portadora de deficiência as experiências necessárias, a partir de seu nascimento, que garantam o desenvolvimento máximo de seu potencial (Bralic, [-labubsier e Lira, 1979). Os programas de educação precoce têm proliferado nos Estados Unidos desde a metade da década de 60, e no Brasil foram introduzidos em 1973, pelo Projeto MINIPLAN-APAE (LeLaurin, 1985; Pérez-Ramos e PérezRamos, 1992). Estes programas apresentam diversas modalidades e podem ser instalados em hospitais (unidades de atendimento às mães e recém-nascidos de risco (ex.: prematuros), centros de saúde, creches, pré-escolas regulares, escolas da rede regular de ensino e instituições de educação especial como as escolas especiais da rede pública, as APAEs, as escolas mantidas pela Sociedade Pestalozzi, o Instituto Benjamin Constant (deficientes visuais), o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) dentre outras. Os serviços de educação precoce variam também quanto a constituição da equipe de avaliação e atendimento. Uma equipe completa é composta por médico, psicólogo, educador especial, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, assistente social e enfermeiro. Entretanto, são raros os serviços que podem contar com o trabalho constante e sistemático de todos estes profissionais. O mais comum é a presença do educador fisioterapeuta e do psicólogo. Estas equipes trabalham,


em geral, dentro de um modelo de assistência multidisciplinar no qual a criança é atendida separadamente por cada profissional, o qual periodicamente troca informações com os demais sobre o caso. Um modelo que se contrapõe a este e que vem sendo preconizado na literatura internacional é o chamado modelo transdisciplinar. Nesta abordagem, é mantida a representação multidisciplinar, mas são redimensionados os papéis e responsabilidades dos membros da equipe, na medida em que se incentiva a abertura dos limites do conhecimento próprio de cada especialidade. Um membro da equipe é escolhido para assumir diferentes papéis profissionais sob a supervisão dos demais especialistas. A escolha deste profissional deve levar em conta sua disponibilidade em trabalhar efetivamente com a criança e sua família e sua capacidade em integrar as recomendações dos especialistas sob a forma de atividades significativas que promovam o desenvolvimento das diferentes áreas (motora, cognitiva, social etc.). Sob esta perspectiva, o educador assume, por exemplo, a tarefa de posicionar um bebê portador de deficiência física na realização das atividades de vida diária, a partir das instruções apresentadas pelo fisioterapeuta, ou ensinar aos pais desta criança estratégias para aumentar suas vocalizações, seguindo as recomendações do fonoaudiólogo (Connor, Williamson e Siepp, 1978). O elemento essencial neste modelo é a elaboração conjunta de um plano individualizado de atendimento, no qual são indicados os objetivos a curto e longo prazo, as estratégias, os materiais, as situações de ensino e de avaliação e os agentes responsáveis pela implementação do plano. Não há igualmente um consenso quanto aos presupostos teóricos dos programas de estimulação precoce. Com efeito, conforme assinala Dunst (1986), a maioria destes programas, especialmente aqueles dirigidos às crianças de risco biológico, têm sido concebidos e implementados de forma ateórica. Constata-se assim que, em que pese o volume crescente de pesquisas sobre o desenvolvimento na primeira infância nas últimas três décadas, a disseminação deste conhecimento tem sido falha, impedindo assim que os resultados destas investigações científicas possam fundamentar e orientar a ação pedagógica nos serviços de estimulação precoce. Em uma tentativa de superar este gap entre pesquisa e aplicação, serão apresentados alguns princípios norteadores da ação psicopedagógica, que têm como base o enfoque desenvolvimentista de Piaget e a abordagem comportamental. Primeiramente, há que se considerar o processo de maturação dos padrões normais de comportamento que estão inseridos nas capacidades físicas e neurológicas das crianças pequenas. Além disso, esta ação deve enfatizar a necessidade de ambientes apropriados nos quais os processos de aprendizagem e desenvolvimento sejam favorecidos. Neste sentido, a abordagem desenvolvimentista preconiza a organização do ambiente que facilite a exploração do mesmo pela criança, favorecendo assim a ocorrência dos subprocessos de assimilação e acomodação, descritos por Piaget. Em decorrência destes subprocessos da adaptação, a criança exibe uma seqüência cronológica de comportamentos ao longo dos seus primeiros anos. Se por um lado, a abordagem desenvolvimentista auxilia no estabelecimento dos objetivos educacionais a curto e longo prazo, fundamentando-se nas tarefas evolutivas, por outro, a abordagem comportamental oferece uma estrutura geral de organização das atividades de ensino, de acordo com os princípios de aprendizagem. Em consonância com estas duas perspectivas, em toda ação pedagógica, o educador que intervém precocemente de início propicia a criança de


risco ou à criança portadora de deficiência as mesmas oportunidades oferecidas à criança normal para a aprendizagem autodirigida. Em seguida, reconhecendo as limitações físicas, sensoriais e/ou mentais destas crianças, o educador passa a utilizar, quando necessário, estratégias mais diretivas fundamentadas na abordagem comportamental (Alberto, Briggs e Goldstein, 1983). O modelo teórico da educação precoce preconizado aqui indica dois tipos de processos de aprendizagem que ocorrem na primeira infância; a) aprendizagem iniciada pela criança — referindo-se às etapas do desenvolvimento cognitivo de acordo com Piaget; b) aprendizagem facilitada pelo adulto — referindo-se às estratégias de reestruturação do ambiente de aprendizagem conduzidas pelo educador. Piaget elaborou a mais detalhada e integrada estrutura teórica em desenvolvimento humano, tendo como premissa básica a de que a criança é um agente ativo de seu próprio desenvolvimento e de sua própria aprendizagem. Sua teoria oferece um quadro de referência consistente para conceber a seqüência das transformações de comportamentos reflexos em comportamentos intencionais que ocorrem nos dois primeiros anos de vida. Neste período, denominado de sensório-motor, o bebê constrói gradativamente o conhecimento de si próprio e do ambiente na e por meio da sua contínua interação com o ambiente físico e social em um extenso processo de adaptação e progressiva conquista deste ambiente. A adaptação é o resultado dos processos de assimilação, acomodação e equilibração. A assimilação envolve mudanças impostas pelo sujeito ao objeto para que este faça parte de suas estruturas cognitivas. Em uma analogia com as estruturas orgânicas, Piaget diz: “Um coelho quando come couve, não se torna uma couve, ele transforma a couve em coelho; de igual modo o conhecimento não é uma cópia, mas uma integração dentro de uma estrutura (cognitiva). É isso a assimilação” (Castro. 1986, p. 16). Em outras palavras, novos objetos ou eventos são transformados de forma a serem assimilados aos comportamentos já existentes no repertório da criança. Um bebê, por exemplo, que já estabeleceu o esquema de agarrar por meio de sua experiência com alguns brinquedos, irá agarrar o chocalho e depois a colher colocados ao seu alcance pela primeira vez. Desta forma estes dois objetos serão incorporados ou assimilados ao padrão ou esquema de agarrar. Embora estes objetos possam ser também assimilados respectivamente a outras ações como sacudir (e assim ser concebido objeto de fazer som) e mexer (e assim ser concebido como instrumento de alimentação) a amplitude do conceito de ambos está restrita à função de objetos para serem agarrados. O processo complementar da assimilação é a acomodação, a qual envolve as mudanças que ocorrem no interior da própria estrutura cognitiva para poder assimilar o objeto. No exemplo citado acima, se em vez de um objeto pequeno, que o bebê está habituado a agarrar, lhe for oferecido um urso grande, um desequilíbrio será instalado na interação do bebê com o urso, e permanecerá até que o bebê acomode seu esquema de agarrar à característica do urso (tamanho grande), alterando este esquema, seja estendendo mais os dedos, seja usando as duas mãos para então assimilar este novo objeto. Portanto, a equilibração dos processos de assimilação e acomodação mantém as infinitas possibilidades de interação entre o sujeito e o ambiente. Equilibração ou auto-regulação significa uma propriedade intrínseca e


constitutiva da vida orgânica e mental. “Essa propriedade, de um modo geral, consiste numa compensação às perturbações exteriores, por meio das atividades do sujeito, que constituem respostas a essas perturbações (Castro, 1986. p. 21). O processo de adaptação opera de forma lenta e gradual, de modo que cada elemento (objeto), para ser assimilado à estrutura cognitiva do sujeito, não pode ser muito diferente dos já assimilados anteriormente. A assimilação de elementos muito diversos exigiria acomodações bruscas que a estrutura cognitiva não estaria pronta para realizar. Exemplo: Uma argola pode ser facilmente assimilada aos esquemas motores de agarrar, bater e atirar de um bebê de 10 meses, mas nunca a um esquema (estrutura) de classificação, considerando a argola como um exemplo de círculo. O desenvolvimento cognitivo, portanto, envolve um processo pelo qual as estruturas mentais se constroem progressivamente a medida que constrói e organiza a realidade exterior. Esta evolução segue um movimento espiral no qual cada estrutura substitui as anteriores englobando e integrando, porém, muitas de suas características. Piaget propôs que o desenvolvimento da criança normal nos dois primeiros anos de vida, ou seja. no período sensório-motor, ocorre em uma seqüência de seis estágios. Esta mesma seqüência de comportamentos é encontrada igualmente no desenvolvimento dos bebês portadores de diferentes deficiências (mental, física, sensorial) ainda que os mesmos emerjam em ritmo mais lento (Dunst, 1980). O desenvolvimento cognitivo no período sensório-motor abrange sete diferentes domínios, a saber: a) permanência do objeto, b) meios e fins, e) imitação vocal, d) imitação gestual, e) causalidade, f) relações espaciais e g) esquemas. A permanência do objeto envolve a habilidade de a criança compreender que o objeto existe mesmo quando fora de seu (da criança) campo perceptual. Esta habilidade se inicia quando o bebê fixa visualmente um objeto (ou pessoa) e depois se mostra capaz de seguir o curso de seu deslocamento, desaparecimento e reaparecimento. Posteriormente, o bebê procura por um objeto que ele viu ser escondido e mais tarde consegue encontrar o objeto que foi escondido e deslocado fora de suas vistas. Meios e fins se refere à habilidade do bebê em intencionalmente resolver problemas usando objetos e/ou pessoas. Ele mostra gradativa capacidade em separar os meios (procedimento) dos fins (objetivo) na solução do problema. Esta habilidade varia desde a simples resposta reflexa a um estímulo externo, até a utilização de uma varinha para retirar um objeto pequeno de dentro de um tubo opaco ou a instigação do adulto por meio de toque e vocalização para que ele repita determinada ação interessante. Imitação vocal e imitação gestual envolvem a capacidade de o bebê imitar inicialmente um modelo que apresenta sons ou gestos que ele (bebê) já produz espontaneamente e depois ser capaz de reproduzir sons ou gestos novos, ou seja, que não façam parte de seu repertório. No caso da imitação vocal, o bebê imita, no início, vocalizações e balbucios, depois palavras conhecidas e então palavras novas. Em imitação gestual, o bebê imita gestos simples, depois gestos compostos de duas ações e posteriormente gestos invisíveis, ou seja, ações que ele próprio não se vê realizando (ex.: colocar um boné na cabeça).


Causalidade refere-se ao reconhecimento pela criança das causas de eventos interessantes, particularmente aqueles produzidos por pessoas. Inicialmente o bebê não demonstra nenhuma consciência das relações de causalidade, mas logo estabelece relações de causalidade mágica, quando sistematicamente mexe seus pés e vocaliza toda vez em que o movimento e o som do carrossel musical são interrompidos. Mais tarde, ele será capaz de entregar o brinquedo mecânico ao adulto para que este o reative, ou mesmo rodar intencionalmente a manivela da caixa de surpresa para que suma novamente o palhaço. Relações espaciais envolve a capacidade de o bebê reconhecer a posição de um objeto no espaço e depois a localização de um objeto em relação a outro. No início, o bebê não parece estar consciente das relações espaciais nem mesmo que o objeto que estimula simultaneamente sua visão, seu tato, sua audição seja concebido como o mesmo objeto. Parece haver, para a criança muito pequena, tantos espaços quantos forem os órgâos do sentido. Aos poucos, ela começa a seguir objetos visualmente e/ou a localizá-los pelo som. Posteriormente o bebê gira objetos procurando seu lado funcional (ex.: a parte brilhante de um espelho) e, ao final do sexto estágio, é capaz de dar a volta ao redor de uma barreira em vez de atravessá-la para recuperar um objeto. Esquemas envolve a capacidade de a criança desempenhar várias ações com diversos objetos. Tais comportamentos são às vezes considerados como comportamentos exploratórios ou jogos. No começo a criança produz repetidamente movimentos agradáveis como sugar os objetos, depois repete determinadas ações familiares com todos os objetos com os quais tem contato, como bater ou sacudir. Daí passa a manipular diferentes objetos de diferentes maneiras (ex.: sacode o chocalho e empurra o trem). Inicia depois o uso conjunto de dois objetos (ex.: mexer a colher na xícara) e passa então a fazer uso social dos mesmos (ex.: pentear-se com o pente) e a usá-los simbolicamente (ex.: uma caixa é usada como um carro e o papel picado funciona como a comidinha da boneca). O educador que atua precocemente, dentro desta perspectiva desenvolvimentista, deve inicialmente ser profundo conhecedor desta seqüência de comportamentos que a criança normal exibe nos dois primeiros anos, pois tal seqüência se constituirá no fio condutor de sua ação pedagógica com as crianças de risco ou as crianças portadoras de deficiência. Ainda dentro desta visão, sua função será a de selecionar e organizar situações envolvendo pessoas e determinados objetos de modo a facilitar a exploração ativa deste ambiente pelo bebê. Os objetos e as atividades selecionados deverão prover experiências sensoriais e serem responsivos às ações do bebê (ex.: se o bebê apertar o botão o móbile será ativado proporcionando um “espetáculo de cores e sons”). Da mesma forma que o educador oferece oportunidades para manter esquemas já existentes no repertório da criança, esta deverá ser igualmente exposta a experiências relativamente novas e desafiadoras que instalarão desequilíbrios, os quais, por sua vez, exigirão constante acomodação desses esquemas e gradativa coordenação dos mesmos com outros esquemas formando-se assim procedimentos complexos para solucionar problemas. Até agora, a aprendizagem iniciada pela criança foi apresentada e identificada com a visão piagetiana do sujeito como ser ativo e principal agente de seu próprio desenvolvimento e aprendizagem. O que ocorre porém quando deficiências do sujeito restringem sua capacidade de iniciar a exploração de seu ambiente e


portanto de apresentar aprendizagem autodirigida? A espasticidade de uma criança portadora de paralisia cerebral poderá reduzir ou mesmo impedir a mobilidade e a manipulação de objetos. O bebê portador de déficit sensorial, auditivo ou visual, terá um número limitado de canais para interagir com o ambiente. Os padrões ritualísticos exibidos pela criança autista poderão inibir o processo de acomodação dos comportamentos existentes, enquanto o bebê portador de severo atraso no desenvolvimento muito provavelmente mostrará habilidades limitadas para criar alternativas na solução de problemas. As limitações destes sujeitos indicam a necessidade do que denominou-se aqui de aprendizagem facilitada pelo adulto. A aprendizagem facilitada pelo adulto implica novas atribuições do educador precoce. Além de prover um ambiente rico em estímulos, favorecendo sempre que possível sua exploração livre pela criança, caberá ao educador: (1) intensificar certas dimensões relevantes destes estímulos; (2) ensinar à criança um repertório de comportamentos adaptativos e (3) estabelecer conseqüências adequadas para estas respostas do sujeito. O que se exige do educador, portanto, é que ele promova o arranjo planejado e sistemático das condições antecedentes e conseqüentes dos comportamentos da criança, fundamentado em procedimentos de ensino consagrados pelo paradigma operante. A literatura científica sobre o uso de estratégias operantes na instalação e/ou manutenção de certas respostas em bebês normais, iniciada na década de 60, tem revelado que crianças de menos de três meses de idade mostram-se extremamente sensíveis às conseqüências que seu próprio comportamento produzem no ambiente. Lipsitt (1963), por exemplo, demonstrou que soluções doces e amargas afetavam a taxa do comportamento de sugar enquanto Brackbill (1958) controlou o choro e o sorriso em bebês por meio de reforçamento diferencial. Papousek (1961, 1967) eliciou a resposta de virar a cabeça em bebês a partir de um estímulo auditivo, por meio do condicionamento clássico, pareando este estímulo condicionado com o estímulo tátil (incondicionado). Depois, por meio de condicionamento operante, colocou esta resposta de virar a cabeça sob o controle de um estímulo conseqüente — oferta de leite, transformando o estímulo auditivo, que antes funcionara como estímulo condicionado, em estímulo discriminativo. Uma análise crítica de estudos experimentais sobre condicionamento vocal em bebês (Poulson e Nunes, 1988) mostrou que, apesar de problemas metodológicos detectados em alguns desses experimentos, dados válidos e fidedignos encontrados em dois estudos revelaram que a freqüência de vocalizações de bebês normais de dois a três meses de idade é aumentada quando esta resposta é reforçada contingentemente por estímulos sociais como contato visual, vocalização, carícias e oferta de brinquedo pela mãe. Este mesmo resultado foi obtido em outro experimento conduzido por Poulson (1988) com bebês entre três e oito meses de idade portadores de Síndrome de Down. Além do reforçamento contingente, outros procedimentos como prompts ou dicas e modelação têm sido usados consistentemente para promover a aprendizagem de bebês em estudos experimentais. A imitação vocal generalizada foi instalada em bebês normais entre 9 e 13 meses de idade por Poulson, Kymissis, Reeve, Andreatos e Reeve (1991) por meio dos procedimentos de modelação, prompts e reforçamento social contingente. Estes mesmos procedimentos foram igualmente utilizados com sucesso para instalar imitação generalizada de gestos com ou sem o


uso de objetos em bebês de risco, entre 9 e 12 meses de idade, filhos de mães adolescentes (Nunes, 1985). Cinco fatores podem ser apontados como limitadores do processo de aprendizagem das crianças de risco e/ou portadoras de deficiência: (1) privação de experiências sensoriais; (2) inadequação na apresentação de reforçadores e/ou nos esquemas de reforçamento; (3) falta de iniciativa da criança nas interações com objetos e/ou pessoas; (4) dificuldade da criança em fazer acomodações ou modificações em seus comportamentos para responder a novos estímulos e situações; (5) dificuldades da criança em manter e generalizar o que foi aprendido. (1) A exploração física do ambiente torna-se muitas vezes restrita pelas próprias condições da criança (paralisia cerebral, deficiência visual severa). De forma a reduzir os efeitos desta privação, a ação precoce do educador deve trazer o ambiente próximo ao bebê, selecionando e apresentando diversas atividades de estimulação sensorial. Fazendo o bebê usar seus órgãos dos sentidos, ajuda a torná-lo consciente e responsivo a este ambiente. Experiências táteis com objetos de diferentes texturas e temperaturas (urso de pelúcia, água morna, escova de cabelo, vibradores), apresentação de brinquedos com vários padrões sonoros e/ou visuais, e de objetos com odores diversos e promoção de movimentos corporais para estimulação do aparelho vestibular são alguns exemplos de atividades de estimulação sensorial. Estas atividades, consideradas como parte integrante do currículo do programa de educação precoce devem ser monitoradas para avaliar o progresso da criança. As reações desta, seja de esquiva seja de aproximação aos diversos estímulos, servirão como elementos importantes para avaliar a eficácia do programa. (2) Muitas vezes o bebê de risco ou o portador de deficiência não percebem a relação entre seu próprio comportamento e suas conseqüências no ambiente, seja porque estas conseqüências são inadequadas, apresentadas com atraso ou mesmo fornecidas esporadicamente. Estudos conduzidos por Weisberg (1963) e Ramey e Watson (1972) revelaram que reforçadores sociais, como a voz humana e carícias, são mais efetivos com bebês do que reforçadores não sociais. Estes dados parecem confirmar a hipótese levantada por Sameroff e Cavanaugh (1979) de que a aprendizagem em bebês é facilitada quando a resposta e o reforçador são da mesma modalidade. Neste sentido, o melhor reforçador para a vocalização do bebê é a própria voz do adulto. Outro dado indicado por pesquisas é o de que a apresentação imediata de conseqüências agradáveis são mais efetivas na aquisição inicial e rápida do comportamento de bebês (Siqueland e Lipsitt, 1966). Um outro aspecto revelado nas pesquisas é o de que mais motivador do que o reforçador propriamente dito é o esquema de reforçamento usado com bebês. Bower (1974), revendo uma série de experimentos com bebês, concluiu que os mais bemsucedidos ou não utilizaram o esquema contínuo (CRF) ou o substituíram rapidaniente por esquemas mais complexos. Analisando o estudo conduzido por Papousek (1969), por exemplo, Bower observou que após um breve período de tempo, crianças de dois a três meses aprenderam, por meio de CRF, a virar a cabeça para o lado esquerdo para acender uma lâmpada. Porém quando esta contingência (lado esquerdo — luz acesa) permaneceu por muito tempo, a freqüência da resposta do bebê decaiu. Uma mudança na contingência (lado direito luz acesa) provocou então uma série de viradas de cabeça para a esquerda,


seguida por alta taxa de viradas à direita. Da mesma forma, se a mesma contingência continuasse por longo tempo, a freqüência de respostas para a direita tenderia a decair. Quando novamente as contingências foram alteradas, e a luz só se acendia após a seqüência “virar para a esquerda — virar para a direita”, o bebê, após algumas tentativas mal-sucedidas, logo aprendeu a nova regra, exibindo alta taxa de respostas seqüenciais (esquerda-direita). O experimento continuou, exigindo seqüências cada vez mais complexas e indicando que a cada mudança nas contingências, seguia-se um aumento significativo na taxa de respostas. A partir destes dados, Bower concluiu que o que mantém o bebê respondendo não é propriamente o reforçador em si, mas o prazer em testar hipóteses e tentar diferentes seqüências de movimentos de modo a descobrir qual delas está funcionando no momento. (3) A falta de iniciativa dos bebês de risco e dos portadores de deficiência nas interações com pessoas e objetos é freqüentemente reportada pela família e/ou pela escola. Esta passividade, percebida por alguns pais como um traço positivo (“Ele não dá trabalho nenhum, está sempre quietinho!”), torna o bebê pouco atraente para as pessoas que o rodeiam, dificultando assim interações freqüentes e afetivas tão relevantes para todos. Com isto, se instala um círculo vicioso no qual o bebê não é estimulado porque se mostra passivo e continua a sê-lo porque não é estimulado! Esta falta de iniciativa da criança pode ser modificada pelo uso de procedimentos de ajuda e de esvanecimento. Isto se dá quando o adulto sinaliza de diferentes formas para o bebê que aquele é o momento de emitir determinada resposta. Digamos que a professora queira ensinar Marquinhos a fazer o gesto de adeus com as mãos quando a mãe se despede dele na porta da escola. A professora inicia o ensino dando uma pequena ajuda dizendo: “Olha, Marquinhos, a mamãe já vai embora!” Se esta não funcionar, ela pode oferecer um modelo, demonstrando para a criança como acenar a mão. Se ainda assim Marquinhos não responder, a professora fornecerá ajuda física, parcial ou total, segurando e movimentando o antebraço ou a própria mão do menino. Assim que Marquinhos se mostrar capaz de fazê-lo com ajuda física, esta deverá ser retirada gradativamente e substituída por outra dica como a modelação e o mando verbal até que o gesto de despedida seja controlado pela simples visão da mãe sorrir e se afastar. (4) Todo desenvolvimento pressupõe contínuas acomodações do repertório da criança às exigências do ambiente físico e social. As crianças de risco e as portadoras de deficiência são, com maior ou menor dificuldade e em diferentes ritmos, também capazes de realizar tais modificações desde que recebam a assistência necessária. A utilização sistemática dos procedimentos de ajuda, reforçamento, encadeamento e modelagem tem se mostrado efetiva no ensino de crianças pequenas. Para tanto, é preciso inicialmente identificar em cada área do desenvolvimento — motora, social, linguagem etc. — o repertório da criança, ou seja, aquilo que ela é capaz de fazer independentemente. A aplicação de escalas de desenvolvimento (Uzgiris e Hunt, 1975) ou de inventários de comportamentos como o Portage (Biuma, Shearer, Frohman e I-lilliard, 1976), dentre outros, servem para identificar este repertório, ou seja, para estabelecer o “nível de entrada” da criança em qualquer programa de ensino. A partir daí, e considerando igualmente as exigências que cada microssistema (família, escola etc.) faz da criança, o educador estabelece, juntamente com a equipe, da qual os pais devem fazer parte, os objetivos a curto, médio e longo prazo a serem alcançados. Se sabemos que


Sabrina é capaz de imitar poucos gestos simples e dela é exigido tanto em casa quanto na creche que se alimente sozinha, este poderia ser um objetivo a curto prazo do programa de ensino. Identificam-se, então, as partes ou passos que compõem o comportamento de comer com a colher e se ensina cada passo, por meio de demonstração ou ajuda física, de forma sucessiva, de modo que cada passo represente um estímulo discriminativo para o próximo passo (encadeamento). Sabrina, ao desempenhar esta tarefa com diminuição gradativa do nível de ajuda requerido (esvanecimento), será reforçada sucessivamente por aproximações cada vez maiores ao comportamento final esperado (modelagem). (5) Um dos grandes desafios para qualquer educador especial é garantir, por meio de seus procedimentos de ensino, que seu aluno vá usar o que aprendeu na escola em outros locais e situações quando estiver interagindo com diferentes pessoas e objetos. A esta habilidade damos o nome de generalização da aprendizagem. Generalização engloba dois aspectos complementares: de estímulo e de resposta. Generalização de estímulo refere-se à emissão de um mesmo comportamento na presença de diversos estímulos diferentes mas pertencentes à mesma categoria. Se Léo fala “cavalo” para solicitar o brinquedo de madeira que a professora tem nas mãos, para nomear o animal que ele mesmo modelou com a massa plástica ou para se referir a uma figura em seu livro de histórias, isto significa que Léo respondeu da mesma forma diante de três estímulos distintos e relacionados que fazem parte da mesma classe de estímulo. Generalização de resposta, por outro lado, implica a produção de respostas topograficamente diferentes diante de um mesmo estímulo. Quando diante de um caminhão, Renato olha a mãe e depois o brinquedo ou aponta para o brinquedo, ou ainda fala “caminhão” podemos dizer que ele apresentou generalização de resposta. Na presença de um mesmo estímulo (ou classe de estímulos), Renato emitiu respostas distintas mas pertencentes a uma mesma classe de resposta, porque possuem a mesma função (Nunes, 1994). Em um estudo clássico, Stokes e Baer (1977) descreveram técnicas programadoras de generalização da aprendizagem. Cinco dessas técnicas, aplicadas ao ensino da linguagem oral, área quase sempre comprometida no desenvolvimento das crianças de risco e portadoras de deficiência, serão apresentadas a seguir (Nunes, 1992): A primeira delas, utilização de exemplares múltiplos, visa tornar a criança capaz de exibir, por exemplo, uma resposta verbal treinada sob a forma de exemplares diferentes, mas relacionados com a mesma resposta, quando interage com diferentes pessoas em diferentes ambientes. Exemplares diferentes, mas relacionados à resposta verbal treinada, podem envolver na área da linguagem: funções comunicativas, vocabulário e classes de estímulos. Se o objetivo for, por exemplo, fazer Aninha emitir uma palavra com diferentes funções comunicativas como solicitar objeto, responder a perguntas e iniciar interação, a situação de ensino poderá ser assim delineada. A primeira função é desenvolvida quando alguns brinquedos contidos em uma caixa são colocados à vista de Aninha mas fora de seu alcance. Ela é então instigada pela professora a dizer o nome do brinquedo desejado. Aninha verbaliza “bola” e recebe o objeto solicitado. A segunda função, a de responder a perguntas, é ensinada quando a professora aponta para a bola e pergunta a Aninha: “O que é isso?” Finalmente, Aninha poderá usar a palavra “bola” juntamente com o gesto de jogar para iniciar interação com o Joca que está de posse do brinquedo.


Diferentes classes linguísticas, semânticas e sintáticas podem ser o objeto de treinamento para generalização. Se a professora estiver ensinando a Vicente a classe semântica “agente-ação”, ela deve incluir exemplos como “eu vou”, “você joga” e “Vicente come”. Se o objetivo do ensino de Carlos for a emissão de sentenças com substantivo e adjetivo, a professora poderá colocar um certo número de brinquedos de tamanhos e cores diferentes de modo a favorecer que Carlos, ao solicitá-los, tenha que especificar seus atributos — “carro grande”, “boneco vermelho”. Finalmente, a técnica de exemplares múltiplos pode igualmente ser dirigida à classe de estímulos. Para ensinar Sônia a usar o substantivo “biscoito”, diferentes tipos de biscoitos apreciados por ela como crackers, maizena e amanteigados deverão ser apresentados. A segunda técnica favorecedora de generalização é a do uso de estímulos comuns. Ela envolve a identificação dos estímulos relevantes ou dicas que estão presentes no ambiente natural da criança (o lar ou a creche) e conseqüente introdução desses estímulos no ambiente de ensino de forma a favorecer a semelhança entre as situações de ensino e de generalização. A programação de estímulos comuns pode ser dirigida a respostas, pessoas e ambientes. Se esta programação estiver sendo implementada com o objetivo de favorecer a generalização de respostas de comunicação de Mariana, faz-se necessário verificar como a menina se comunica em seu ambiente natural, que formas e funções comunicativas usa, que objetos são encontrados neste ambiente e se o comportamento de seus familiares está dando a Mariana oportunidade de usar a linguagem. Se se constata, por exemplo, que Mariana, tanto em casa quanto na creche, mostra-se capaz de solicitar certos brinquedos apontando para os mesmos e balbuciando, a situação de ensino deve favorecer esta função de solicitação, que já se encontra em seu repertório, objetivando, porém, a emissão verbal do nome desses objetos. Os estímulos a serem apresentados na situação de ensino deverão ser objetos reais muito semelhantes àqueles encontrados em sua casa e não figuras e desenhos destes objetos. Se, por outro lado, o objetivo do ensino for tornar Mariana capaz de usar linguagem com diferentes pessoas, a programação de estímulos comuns recomenda a colaboração de seus pais, irmãos, colegas, professores e atendentes da creche na implementação desse programa, desde que devidamente orientados pelo educador. Para garantir a generalização do uso da linguagem em diferentes locais, as situações de ensino deverão simular sempre que possível os demais ambientes naturais. Se o objetivo do programa instrucional é tornar Mariana capaz de solicitar verbalmente os alimentos que deseja comer no almoço, o treinamento deverá ser conduzido no refeitório da escola e não na carteira da sala de aula. A terceira técnica facilitadora de generalização reIere-se à programação de conseqüências naturais, a qual preconiza a utilização de conseqüências intrinsecamente relacionadas ao estímulo e à resposta. Se ensinarmos Laura a pedir verbalmente a boneca à professora, a conseqüência natural é dar o que está sendo solicitado e não oferecer pedaços de fruta. Se o objetivo do ensino de Marcelo é desenvolver nele habilidades de conversação, sua iniciativa de interação verbalizando “Carro caiu” poderá ser conseqüenciada com uma pergunta relacionada ao tema introduzido como “Onde ele está?” Responder a Marcelo com um elogio do tipo “Muito bem que você falou” não se constitui na conseqüência que a maioria das pessoas normalmente usa quando interage com o menino. Além disso,


este elogio interrompe o fluxo natural da conversação, introduzindo outro tema precocemente. A técnica do treinamento flexível sugere a variação sistemática dos estímulos relevantes e dos estímulos irrelevantes na situação de ensino. A aplicação desta técnica, envolvendo variações de estímulos apresentados e de respostas verbais exigidas, permite que a criança responda de forma semelhante a uma variedade de condições estimuladoras diferentes e de diversas formas a condições estimuladoras semelhantes. Três procedimentos básicos são usados neste treinamento flexível: ensino concorrente de várias respostas, variações das dicas verbais e não-verbais e variação de respostas. O ensino concorrente de várias respostas permite que a criança atente para as dimensões relevantes do estímulo ao emitir suas respostas. Se Júlio estiver sendo ensinado somente a verbalizar “grande” quando for descrever um atributo do brinquedo solicitado, é bastante provável que ocorra supergeneralização e ele passe a dizer que todos os brinquedos são grandes. Entretanto, se as palavras “grande” e “pequeno” forem ensinadas concorrentemente, Júlio provavelmente responderá mais à dimensão específica do estímulo (tamanho) do que a conseqüência de sua solicitação (acesso ao brinquedo). Variar dicas verbais e não-verbais, a segunda estratégia do treinarnento flexível, permite à criança responder de forma semelhante a diferentes dicas. Quando indaga Joana sobre os brinquedos de sua preferência, durante a sessão livre, a professora formula a pergunta de diferentes formas: “O que você quer?”, “Mostre com o que você quer brincar agora”, “Diga o nome do brinquedo”. Ensinar respostas variadas à criança diante da mesma situação evita que ela responda de forma estereotipada. Assim, na hora do lanche, Rodrigo deverá ser capaz de pedir o copo de leite dizendo “Quero o leite”, “Me dá o leite”, “Passa o copo de leite” etc. Finalmente, a técnica das contingências indiscrimináveis preconiza o arranjo de esquemas de reforçamento de tal forma que seja difícil para a criança discriminar entre respostas reforçadas e respostas não reforçadas. Para tanto, são programados o atraso gradativo no reforçamento e o uso de esquemas de reforçamento intermitente. Se nas fases iniciais do ensino, é imprescindível que o reforço seja oferecido tão logo a resposta correta seja emitida, nas fases subseqüentes, é recomendável que haja uma pequena pausa entre a resposta e a conseqüência. No início, a professora entregava a Sandra o palhaço assim que a menina o solicitava verbalmente. Mais tarde, diante de um pedido semelhante, a professora, envolvida em atender a outra criança do grupo, levou algum tempo para fornecer-lhe o chapéu. O uso de esquema intermitente, por sua vez, deve ser precedido pelo esquema de reforçamento contínuo. Gradativamente este esquema vai sendo substituído pelo esquema intermitente. A professora, que inicialmente elogiava Vicente toda vez que ele nomeava corretamente cada figura de seu livrinho de histórias, agora só o elogia após três ou quatro nomeações corretas. Em uma tentativa de sumariar as diretrizes da ação psicopedagógica junto a bebês de risco e bebês portadores de deficiência, visando promover o pleno desenvolvimento de suas habilidades sensório-motoras, Bailey e Wolery (1984) recomendam:


1. Ensino vertical e horizontal. Esta expressão significa que o educador deve enfatizar tanto o domínio pelo bebê de habilidades progressivamente mais avançadas, de acordo com a seqüência do desenvolvimento normal (ensino vertical), quanto a utilização dessas habilidades em inúmeras situações (ensino horizontal). Se Bruno de um ano e meio já se mostra capaz de recuperar seu gatinho de borracha escondido embaixo de uma fralda (noção de objeto permanente), devem ser dadas a ele oportunidades de encontrar uma pazinha enterrada na areia, de pegar o sabonete que “sumiu” na água do banho ou mesmo de encontrar o pacote de seu biscoito favorito que o caixa do supermercado, insensível aos seus apelos, fez desaparecer na imensa sacola de plástico. Neste caso, utilizando exemplares múltiplos de diferentes objetos que desaparecem sob diversos anteparos, é favorecida a generalização da aprendizagem. A falha em programar este ensino horizontal poderá resultar, segundo Dunst (1981), em aquisição de comportamentos isolados, não funcionais e não adaptativos. Uma outra implicação importante do ensino horizontal refere-se às oportunidades de se ensinar várias habilidades sensório-motoras ao mesmo tempo na mesma atividade. Brincando na praia com Susana, portadora de Síndrome de Down, D. Teresa ensinou-a a usar o ancinho de plástico para aproximar de si o sapato da boneca (meios e fins). Daí, quando este ficou enterrado na areia, Susana cavou um buraco para recuperá-lo (noção de objeto permanente). Observando a mãe calçar o sapato na boneca, Susana quase calçou sua própria sandália (imitação gestual) verbalizando “pati” quando tentava acompanhar D. Teresa cantando “Um sapatinho eu vou...” (imitação vocal). Depois disso, a menina se divertiu colocando todos os palitos de sorvete dentro de seu baldinho e despejando-os em seguida (relações espaciais e esquemas). 2. Ensino funcional. É fundamental que o educador ao fazer seu planejamento, considere se aqueles comportamentos que ele pretende ensinar são funcionais nos diferentes ambientes naturais da criança, isto é, se tais respostas são esperadas e reforçadas nestes locais e situações. Se isto não ocorre, o professor deve tentar modificar estes ambientes ou simplesmente não instalar aqueles comportamentos. Quando observou que Lara de 11 meses, filha de uma mãe de 14 anos, não engatinhava e não explorava os brinquedos oferecidos na creche, a professora Cláudia chamou Renata, a mãe jovem, e constatou que, em casa, o bebê permanecia grande parte do dia em seu berço sem nenhum brinquedo. Nesta conversa, a educadora mostrou a extrema importância de colocar Lara no chão de sua casa e incentivá-la a se locomover para pegar objetos distantes, da mesma forma que ela fazia com a menina na creche. Um outro aspecto do ensino funcional é a escolha das situações de aprendizagem. É mais adequado ensinar João o conceito de copo quando ele estiver bebendo suco na hora do lanche no refeitório do que na sala de aula. 3. Estimulação contingente e consistente. A recente literatura sobre desenvolvimento de bebês de risco têm mostrado que mais importante que a quantidade de estimulação oferecida é a contingência e a consistência da mesma. Isto implica tornar as interações adulto-criança mais sintônicas, sincrônicas e recíprocas. O adulto deve oferecer um novo estímulo quando percebe, pelos diversos sinais emitidos pela criança (direção do olhar, postura corporal, movimento das mãos), que esta se mostra interessada em assimilá-lo. Deve dar o tempo necessário para a


criança responder à nova situação e conseqüenciar adequada e imediatamente tal resposta. Observar os sinais do bebê, ajustar suas próprias respostas em virtude das respostas deste, tornando o ambiente físico e social responsivo de forma consistente e preditível ao comportamento da criança são habilidades que todo educador que atua nessa idade necessita desenvolver. 4. Adaptação de atividades às condições deficientes da criança. Ainda que o curso do desenvolvimento da criança de risco e da portadora de deficiência siga a mesma seqüência apresentada pelas consideradas normais, certas deficiências sensoriais e físicas podem impedir o progresso nas habilidades sensório-motoras. Desta forma, são recomendadas certas adaptações tanto no método de apresentação das situações-problema quanto na consideração de respostas alternativas e equivalentes emitidas pela criança. Se queremos favorecer o desenvolvimento da noção de objeto permanente em Eunice, uma menina de dois anos com cegueira congênita, os estímulos visuais deverão ser substituídos por auditivos e/ou táteis. Em vez de apresentar-lhe uma boneca e escondê-la sob um lenço, a professora Solange faz soar uma caixinha de música perto de Eunice que a manuseia por algum tempo. Quando a caixinha é retirada de suas mãos e a música é interrompida, a menina demonstra a aquisição desta noção esticando suas mãos na direção da caixinha na tentativa de recuperá-la. Quando esta professora quis testar se Fábio, um menino portador de paralisia cerebral, era capaz de seguir um brinquedo luminoso que se deslocava horizontalmente, ela considerou como adequada a resposta de Fábio em tentar movimentar a cabeça e vocalizar alguns sons toda vez que o objeto saía de seu campo visual. 5. Avaliação e registro do desempenho da criança. A avaliação contínua do comportamento do aluno seja em situações informais seja em resposta a instrumentos padronizados de avaliação faz parte do bom ensino. O registro de observação do desempenho de cada criança, ao longo do ano em diferentes situações, favorece não somente a demonstração clara dos progressos obtidos, como também o contínuo aperfeiçoamento dos procedimentos de ensino. Os dados acurados da performance da criança podem indicar que os objetivos traçados foram apropriados e/ou que as técnicas de ensino foram efetivas, mas, por outro lado, revelar falhas ou inadequações nos mesmos favorecendo a tomada de decisões a cerca das modificações necessárias.

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11 Intervenção clínica e comportamental com crianças Maria Edwiges Ferreira Matos Silvares

Introdução À medida que os estudiosos do comportamento se deram conta de que a criança não é um adulto em miniatura (Harris, 1984, e Harris, Alessandri e Nathan, 1991), em virtude tanto de suas peculiaridades de reação, distintas das do adulto, como de sua instabilidade comportamental fruto da sua contínua passagem pelas etapas do desenvolvimento, psicólogos clínicos puderam também se aperceber das diferença entre os distúrbios psicológicos adultos e infantis e conseqüentemente considerar a importância de se: 1. buscar novas formas de conceituação de distúrbio psicológico infantil de modo a nela, incluir, além dos costumeiros determinantes pessoais e intrapsíquicos, outros determinantes, tais como, os ecológicos, ambientais, culturais, sociais e históricos; 2. delinear novas formas de intervenção psicológica infantil mais adequadas à nova concepção de distúrbio e particularidades de reação infantil relacionadas às idades das crianças; 3. demonstrar a efetividade dessas novas e diferentes formas de atuação psicológica visando o bem-estar infantil, demonstração esta aparentemente ignorada como apontaram diversas revisões relativas à pesquisa sobre intervenção clínica (Levitt, 1957) bem como estudos epidemiológicos (Shepherd, Opeheimer e Mitchel, 1966) associados ao tema. É nosso propósito, no presente capítulo, primeiramente esclarecer a concepção de distúrbio psicológico infantil da abordagem comportamental para, depois, mostrar como, com base nessa concepção e nos pontos acima delineados, se tem trabalhado com crianças, clinicamente, na abordagem comportamental, dentro e fora do Brasil, sem termos a pretensão de sermos exaustivos em nossa seleção dos trabalhos comentados.

A definição comportamental de distúrbio psicológico Um dos autores que explicitamente definiu distúrbio psicológico infantil em abordagem comportamental foi Ross (1974), segundo o qual, “diz-se que há presença de um distúrbio psicológico quando uma criança revela comportamento que se afasta de uma norma social arbitrária e relativa, porque


ocorre com uma freqüência ou intensidade que os adultos significativos de seu meio julgam ser muito alta ou muito baixa” (p. 156). Partilhamos da concepção de distúrbio psicológico infantil de Ross (1974), como também de sua idéia de que os comportamentos relevantes, para se dizer que a criança apresenta um distúrbio psicológico, foram adquiridos de acordo com os mesmos princípios de desenvolvimento e aprendizagem, aplicáveis a todas as formas de comportamento e que, para alterá-los, é preciso atuar na direção oposta ao de sua aquisição, norteados, porém, pelos mesmos. Segundo a concepção de distúrbio psicológico antes referida, o encaminhamento de uma criança a uma clínica psicológica é determinado principalmente pela intersecção de seu comportamento com o meio onde este se manifesta e não pela forma que possa assumir ou por expressão de uma doença mental. Uma vez que reconhecemos a existência de vários fatores (organísmicos, externos ambientais etc.) como determinantes dos distúrbios infantis, aceitamos também que, antes de se processar a intervenção terapêutica, deve-se proceder cuidadosamente outro tipo de intervenção: a avaliativa. A razão da avaliação comportamental é obter urna apreciação concreta de tais determinantes, de modo a possibilitar a programação de uma estratégia de mudança bem como dar condições de se promover a avaliação da efetividade do programa de intervenção. Decorrentemente, a avaliação psicológica, além de ser contínua, merece maiores cuidados, ou seja, é feita com a utilização de instrumentos múltiplos para poder se aquilatar a procedência do encaminhamento, a maneira de se intervir futuramente e a forma de se julgar a eficácia da intervenção empreendida. Considerando-se que o meio onde a criança está inserida é tão importante na concepção comportamental de distúrbio psicológico, pode-se antecipar o que os dados da literatura demonstram (Webster-Sttraton, 1991). Isto é. a intervenção será tanto mais efetiva quanto maior for a alteração nos elementos negativos que atuam sobre a criança (familiares, institucionais, ecológicos etc.) Conseqüentemente, se a família e/ou escola apoiarem o trabalho do psicólogo numa intervenção psicológica infantil, esta, além de ser mais eficaz poderá também ser mais efetiva, isto é, alcançar mudanças mais duradouras.

As diferentes formas de intervenção clínica e comportamental com crianças 1. O modelo triádico As considerações prévias parecem nos levar ao modelo triádico, também algumas vezes chamado de manejo de contingências, o qual, como veremos imediatamente a seguir, no contexto da terapia comportamental infantil, tem alcançado sua maior expressão. “Esse modelo é assim denominado por oposição estrutural ao modelo tradicional — o diádico, no qual as alterações comportamentais desejadas são instituídas no contexto clínico, a partir da interação de duas pessoas, apenas: o cliente e o terapeuta. No modelo triádico, como o próprio nome faz antever, há. pelo menos.


três pessoas envolvidas no processo terapêutico, ou seja. há, além do terapeuta e do cliente, uma outra pessoa — o mediador — que atua sob orientação do clínico (consultor/psicólogo), no sentido da obtenção de mudanças comportamentais no cliente” (Silvares. 1994). O modelo triádico sempre teve muita aceitação entre os terapeutas comportamentais infantis, em virtude de seus pressupostos básicos. Recapitulando-se dois desses pressupostos podemos entender, de forma concreta e melhor, as afirmativas acima. O primeiro deles afirma que para mudanças comportamentais positivas ocorrerem os comportamentos inadequados não devem ser reforçados enquanto os adequados, sim. O segundo considera que as operações ambientais, promotoras das mudanças comportamentais, devem ser realizadas por quem disponha dos reforçadores (os mediadores). No caso de crianças com problemas em casa, os mediadores com alta probabilidade são os pais da criança com dificuldades psicológicas. Assim, os pais, mediadores ideais, foram, dentro do modelo triádico, concebidos como os que deveriam receber a orientação psicológica no sentido da mudança dos padrões comportamentais de seus filhos. Para que tal mudança fosse possível, é claro, também a interação paifilho deveria ser alterada e era nesse sentido que a intervenção terapêutica se dava. 1.1. Os trabalhos pioneiros dentro do modelo triádico Um dos mais antigos relatos da literatura, usando os pais como mediadores, é o registrado por Williams (1959), o qual orientou os pais de uma criança com dificuldades de sono, isto é, um menino em idade pré-escolar que não conseguia dormir sozinho. O comportamento de ficar acordado horas a fio, tendo os pais ao lado foi eliminado em curto prazo pelos próprios pais, usando o procedimento de extinção. Isto é, os pais foram orientados pelo terapeuta a após levar a criança para o quarto e contarem a ela uma estória a deixarem sozinha, fecharem a porta do quarto e não voltarem mesmo que a criança chorasse muito. Quando sua tia, desavisada dos procedimentos, deu atenção ao choro da criança na hora de colocála na cama, seu comportamento retornou ao ponto inicial mas foi eliminado após a retomada de procedimentos. No levantamento não exaustivo por nós empreendido, encontramos como primeiro trabalho brasileiro tendo pais como mediadores o de Methel, Rubiano e Maestrello (1975) no qual a mãe foi orientada no sentido de eliminar, também por extinção, comportamentos inadequados de uma criança com distúrbios psicossomáticos mobilizadores da atenção materna e a reforçar comportamentos de interação adequada entre a criança e sua irmã. Os efeitos da terapia foram obtidos a partir de relatos da mãe e de observações e gravações das interações entre as crianças e delas com a mãe. 1.2. O modelo triádico dentro de outros contextos além do familiar Um a parte se faz necessário no presente momento a título de esclarecimento. A superestrutura do modelo triádico não o ata necessariamente a família ou aos familiares de uma criança com distúrbio psicológico. Como iniciamos falando de crianças com problemas em casa, o modelo triádico a princípio assumiu esse


formato: psicólogo/a (consultor) mediadores (pais) e cliente/criança (alvo). O que no modelo é obrigatório não é a presença de pais mas sim de um assessor (em geral, o psicólogo) que orienta mediadores, isto é, estão incluídos na intervenção clínica mais elementos além do terapeuta e de um cliente Como esse modelo surgiu baseado em trabalhos de laboratório, não há nele características de uma tradição de consultório. Assim, podem ser encontrados na literatura relatos de trabalhos feitos com crianças cujo local principal de desenvolvimento da intervenção não foi o consultório, mas a escola, e não a casa da criança, como no caso relatado por Williams. Isto entretanto não é surpreendente em vista da própria definição de mediadores: os que dispõem dos reforçadores e são orientados pelo consultor a manejar as contingências ambientais (Tharp e Wetzel, 1969). No Brasil, um dos mais antigos e destacados relatos de mediadores manejando contingências ambientais para obter alterações de comportamento infantil teve, na escola, o ambiente principal de atuação. Mejias, ilustrou em seu livro pioneiro, de 1973, Modficação de comportamento em situação escolar, inúmeras situações em que um consultor (a própria Mejias) orientou professoras a alterarem as condições ambientais de maneira a obter um comportamento mais adequado da criança problemática. Antes mesmo de dar tais exemplos, a referida autora, em 1968, já havia demonstrado como colegas de crianças problemáticas podiam também exercer as funções de mediadores (Mejias, 1969). Mais recentemente temos o relato de Dei Prette e Dei Prette (1984) os quais puderam orientar enfermeiras em um hospital a manejarem as contingências de maneira a eliminar o vômito psicogênico de uma criança ali admitida por causa do baixo peso, fruto de seu vomitar excessivo Já tivemos, entretanto, em outras ocasiões (Silvares, 1981 e 1993), a oportunidade de relatar casos atendidos por nós e por outros clínicos da área (e.g.) Bandeira e Mello (1991); Brandão (1989) e Conte (1989) quando os mediadores eram pais preocupados com o comportamento de seus filhos. Os dois primeiros trabalhos voltaram-se para o auxílio a uma criança deficiente mental e os nossos e o de Conte para o auxílio a crianças normais do ponto de vista intelectual mas com distúrbios de comportamento diversos. É grande, na literatura internacional, o número de tais relatos usando diferentes tipos de mediadores e diversas formas de intervenção. Provavelmente porém, se considerarmos todos os relatos envolvendo mediadores já descritos até hoje, o maior número será relativo a pais que se inscrevem em programas nos quais aprendem, como os orientados por Williams (1969), a lidar melhor com o comportamento inadequado de seus próprios filhos e como foram bem-sucedidos no controle deste comportamento, após tal treino. Essa forma de intervir clinicamente por sinal, é derivada de uma tradição operante cujo expoente máximo representativo é Skinner o qual, aliás, nunca atuou clinicamente mas deu inúmeras sugestões para os terapeutas o fazerem a partir dos princípios de aprendizagem por ele formulados. Ainda dentro desta seção relativa ao modelo triádico e à tradição operante merece ser lembrado o nome de um clínico comportamental brasileiro bastante conhecido. Escolhemos, para comentar, ilustrando sua ação clínica, um de seus trabalhos pioneiros, em conjunto com colaboradores (Guiliardi, Betini e Camargo (1977). Nele, a professora foi orientada


pelo autor e colegas a auxiliar um menino que freqüentava a primeira série a se acelerar na execução das atividades escolares e conseqüentemente eliminar seus problemas de disciplina. Para tanto o procedimento consistiu em ensinar a professora a reforçar diferencialmente, em sessões diárias realizadas na própria escola da criança, desempenhos acadêmicos cada vez mais acelerados para o aluno. O que mais chama atenção nos trabalhos de Guillardi e colaboradores, bem como na maioria dos trabalhos antes comentados, é a preocupação com a objetividade da mudança comportamental obtida e com a demonstração efetiva de sua relação causal com o processo de intervenção. Estas preocupações, é conveniente lembrar, foram mencionadas na abertura do presente trabalho, como características da abordagem comportamental. 2. O paradigma respondente dentro da terapia comportamental infantil Embora o atendimento em consultório pareça ser uma tradição herdada de Freud, há, na abordagem comportamental, desde seu surgimento, alguns clínicos que optam pela atuação exclusiva em consultório, diferentemente dos clínicos que optam pelo modelo triádico, como já vimos. Isto parece ocorrer especialmente com os seguidores de Wolpe, um nome pioneiro e representativo de outra tradição da abordagem comportarnental; a respondente (A título de curiosidade é bom lembrar que Wolpe é psiquiatra e inicialmente tinha orientação dinâmica e não comportamental). Independente porém do local onde se dá a atuação clínica, se no consultório, ou fora dele, no primeiro tipo de trabalho — o operante — a ênfase da atuação clínica recai em alteração de contingências de resposta. Já, no segundo o respondente — o foco recai em contingências de estímulo, sendo o princípio do contracondicionamento a base da prática clínica, atualizada principalmente por meio do procedimento de dessensibilização sistemática. Confrontando os trabalhos antes descritos com os que iremos expor a seguir, o leitor, esperamos, chegará à compreensão desta distinção, mais acadêmica do que prática, mas aqui mantida pelos propósitos do presente capítulo; dar uma breve porém abrangente visão do trabalho comportamental com crianças. Um dos mais antigos trabalhos relatados na literatura de contracondicionamento foi realizado em 1924. Nele, Mary Cover-Jones (apud Wolpe, 1973) eliminou o medo de animais peludos de uma criança por meio do procedimento de dessensibilização ao vivo. Segundo o relato pioneiro, a criança era trazida para o consultório na hora de seu lanche pois o procedimento de intervenção consistiu em alimentá-la enquanto paralelamente, a terapeuta ia, sucessiva e gradativamente, aproximando-a da visão do animal temido (um rato) até que a proximidade permitisse que o animal fosse tocado enquanto a criança comia. A interpretação teórica dada ao caso foi a de que a resposta de comer inibiu reciprocamente (contracondicionou) a resposta de medo a animais peludos. Igualmente pioneiro e conhecido na história de contracondicionamento, com interpretação similar ao anterior, são os relatos de Lazarus e Abramovitz (1962), os quais eliminaram a intensa fobia de cães de um menino de 14 anos, o medo de


escuro de um menino de 10 anos e o medo de ir a escola de uma menina de 8 anos de idade, usando sempre, em consultório, sem exposição ao vivo do objeto temido. Nos casos mencionados a fantasia emotiva favorável era utilizada como resposta a ser contraposta aos estímulos gradativamente eliciadores de medo cada vez mais intensos apresentados também imaginariamente. O contracondicionamento, entretanto, não precisa necessariamente ser realizado no consultório, com imagens ou respostas motoras; pode ser feito ao vivo com auxílio do próprio terapeuta ou de familiares da criança orientados pelo terapeuta. Nestas condições o trabalho clínico assume características do modelo triádico. Bentler (1962), na mesma ocasião do relato de Lazarus e Abramovitz (1962), descreveu a eliminação de uma fobia por água de uma criança de aproximadamente dois anos. Assim, a mãe foi responsável pelo contracondicionamento do medo a respostas de aproximação da água, durante os momentos de banho na própria casa da criança. Da mesma forma, mais modernamente, quando se tem um trabalho com crianças enuréticas usando-se o sistema de alarme de urina (e.g., Geffken e Johnson. 1989) o paradigma que orienta o trabalho é o respondente. Para a intervenção ser bemsucedida, no entanto, necessita-se, do auxílio dos pais para orientar a criança no uso adequado dos procedimentos de controle de urina, o que faz com que o trabalho assuma características do modelo triádico o qual nasceu norteado pelo paradigma operante. No Brasil, são raros os trabalhos que podem ser chamados de respondentes. Um trabalho (Loureiro e Pavan, 1982), auto-intitulado de dessensibilização sistemática, do início da década de 80, realizado com o objetivo de eliminar a fobia por água de uma criança deficiente mental de três anos e meio, poderia aqui ser lembrado. Neste caso brasileiro, a criança estava institucionalizada mas segundo o padrão no qual há uma pessoa que assu me o papel de mãe substituta, a qual cuida e atende crianças institucionalizadas. No caso relatado, a mãe substituta recebeu orientação no sentido de eliminar o choro, esperneio, gritos e resmungos da criança na hora do banho, alterando as condições ambientais que os favoreciam e a reforçar comportamentos incompatíveis com os comportamentos inadequados, antes mencionados. (Embora o caso seja descrito como de dessensibilização sistemática, não encontramos, nele, a descrição de nenhuma resposta inibidora da ansiedade para caracterizar o princípio do contracondicionamento, fazendo com que seja questionável se de fato seria um procedimento de dessensibilização sistemática). 3. A preocupação com premissas esquecidas da abordagem comportamental e o tratamento terapêutico da criança e de seus familiares Por tudo que até agora foi exposto fica evidente o Importante papel dos pais na intervenção clínica e comportamental infantil. Trabalhar com os pais ou seus substitutos objetivando-se alterar os comportamentos infantis, aliás, é o esperado quando se acredita que o comportamento de uma criança — anormal ou não — é resultado da intersecção do organismo infantil com variáveis históricas e ambientais relativas à criança. Esta afirmativa, como já vimos, é a premissa primeira da abordagem comportamental. Como a sua premissa segunda reside no reconhecimento de que as contingências ambiental-familiares são o que mantém o


comportamento, intervir sobre os pais é mais esperado ainda. Isto, principalmente quando se acredita serem eles (os pais), por estarem a maior parte do tempo com as crianças e serem seus responsáveis, que têm condições de alterar as contingências controladoras desses comportamentos, visto disporem, quase sempre, dos reforçadores envolvidos com as referidas contingências (premissa terceira da abordagem comportamental) Também já vimos que como os terapeutas comportamentais geralmente têm aceito as premissas acima, não é de se estranhar que, ao tentarem auxiliar uma criança emocionalmente desajustada, tais profissionais buscassem a alteração dessas contingências atuando diretamente sobre a família. Outro ponto além da lógica acima, diretamente ligado às premissas anteriores, não visto anteriormente, porém, tem permitido a inclusão dos familiares no tratamento do distúrbio infantil. Conforme já apontado por vários autores, entre eles Silvares (1989): a utilização dos pais como mediadores da intervenção terapêutica de seus filhos é uma forma encontrada para contornar dificuldades com a generalização (manutenção de ganhos derivados da atuação psicológica e extensão dos ganhos de um ambiente para outros). A lógica do modelo acima delineado é inquestionável mas a experiência clínica e os dados empíricos têm apontado dificuldades inesperadas para o mesmo. Quando se propõe que a família esteja envolvida com o trabalho de intervenção terapêutica para a criança, muitas vezes ignora-se que o distúrbio infantil em si pode ser, e na maioria das vezes o é, extremamente reforçador para todos os elementos da família. Conseqüentemente, apenas o treino de pais pode não ser suficiente para ajudar a criança a superar suas dificuldades (Harris, 1984). Por outro lado, tem sido similarmente grande também o reconhecimento de que nem todas as famílias são bem-sucedidas com esse treino (Silvares, 1993). Esse último ponto nos reporta a mais uma das premissas da abordagem comportamental, muitas vezes negligenciada, segundo a qual a criança com problemas psicológicos está tentando resolver um problema no meio onde está inserida, e não criar, ali, um problema (premissa quatro da abordagem comportamental). Essa premissa, embora julgada de muita pertinência, têm, com já dissemos, sua veiculação na área menos amiúde do que poderia se desejar. A veracidade de tais colocações pode ser reconhecida na apreciação de Franks (1984) sobre a demora de “um quarto de século” para a aceitação mais corrente da noção do modelo de solução de problema, proposta por Senn, em 1959, (apud Franks, 1984) e que forneceu as bases para Herbert afirmar sabiamente que “a ‘criança-problema’ está invariavelmente tentando solucionar um problema em vez de criar um. Seus métodos são grosseiros e sua concepção do problema pode ser incompleta, mas até que o médico tenha pacientemente procurado e, de forma simpatética descoberto o que a criança está tentando fazer... ele não estará em condições de lhe oferecer ajuda” (Hebert, 1981, p. 5, apud Franks, 1984). Um relato de caso por nós atendido sobre uma criança cujo comportamento inseguro parecia ser funcional para manutenção do sistema de relações familiares, o qual se encontrava deteriorado, ilustra esse ponto. Nessas condições, o mero treino de pais não pareceu ser suficiente no processo de auxilio terapêutico da criança. Julgou-se mais procedente trabalhar simultaneamente com a criança e com as relações conjugais de seus pais.


As colocações anteriores não devem veicular a idéia de assumirmos que toda criança com problemas psicológicos provenha necessariamente de um lar onde o conflito conjugal é uma constante. A literatura psicológica já demonstrou a improcedência de se assumir temas maritais como inevitavelmente importantes para se trabalhar psicologicamente com a criança (Oltmanns, Broderick e O’Leary, 1977). Por outro lado, não se pode ignorar possibilidade de conflito marital quando se promove avaliação comportamental infantil (Harris, 1984) e, uma vez concretizado o conflito, este deve receber a devida atenção. Assim, quando ocorre de serem identificadas dificuldades de relacionamento nos pais de uma criança encaminhada para atendimento, essas dificuldades deverão ser vencidas, paralelamente, à superação das apresentadas pela criança a qual, por vezes, com seu comportamento tenta resolver a situação conflituosa de seus pais. Na medida em que a terapia da criança supõe esse cuidado adicional com o relacionamento de seus pais, o processo terapêutico implicará um envolvimento ainda maior da família que o suposto treino de pais sempre exigiu, tal como sugerido por Harris (et al 1991) e antes já referido. Tal envolvimento porém exige uma disponibilidade de tempo e motivação, nem sempre existente por parte dos pais das crianças com distúrbios psicológicos, tal como nossa experiência e a literatura confirmam (Harris etai., 1991). Além disso, é também sabido que apesar do treino de pais se apresentar como uma forma de intervenção criada para superar as dificuldades com generalização, estas nem sempre são vencidas e os ganhos terapêuticos, além de não se estenderem para outros ambientes que o lar infantil, também não dão mostras de estabilidade temporal. Esses três pontos, entre outros, é que talvez tenham contribuído para se dar uma outra direção, além das descritas até agora, ao trabalho da terapia comportamental infantil a qual não implica o envolvimento tão intenso da família quando se promove a terapia comportamental de uma criança. 4. A abordagem cognitiva de Meichenbaum Sem ferir as premissas colocadas anteriormente neste trabalho, porém sem lhes dar a ênfase costumeira, o terapeuta comportamental, nesse caso, focaliza principalmente o comportamento da criança como cliente. Tomando o comportamento da criança como seu ponto de partida, o terapeuta o caracteriza ou como um excesso ou como déficit no repertório social e/ou intelectual dela. Como tal irá merecer o uso direto de estratégias interventivas com a própria criança, visando o desenvolvimento dela em áreas específicas. Tal déficit ou excesso poderiam até serem vistos como decorrência da falta (intencional ou não) de habilidades dos pais, mas a forma de superação das dificuldades não estaria centrada no comportamento dos pais e sim no da criança. Essa parece ser a racional do trabalho do treino auto-instrucional de Meichenbaum (1979) e de outros seguidores, cujos esforços no sentido de obtenção de autocontrole em crianças têm sido reconhecidos pela literatura comportamental. Nela, o cliente, independente da idade, tem uma participação ativa no processo terapêutico durante toda intervenção. Em outras palavras, as alterações de contingências se dão por intermédio de quem é o objeto delas.


Voltemos ao caso da criança insegura antes relatado para ilustrar a quarta premissa da abordagem comportamental lembrando que ela constantemente dizia “não consigo”. A intervenção do psicólogo, de acordo com a estratégia que acabamos de introduzir, poderia se concentrar no uso de recursos psicológicos que levassem à supressão das afirmativas do tipo “Não consigo” (de “profecia autodestruidora”), visto que a emissão delas bloqueia todas as ações infantis de independência e segurança futuras. Paralelamente, os pais poderiam ser instruídos a incentivarem em casa todas as ações independentes da criança e a não realizarem tarefas por ela quando ela diz que não consegue. Assim, a intervenção clínica se voltaria principalmente para a criança e a família entraria como apoio à ação promovida pelo psicólogo. (Esse foi o procedimento levado a efeito por nós no caso da criança insegura por nós atendida. Paralelamente, entretanto, os pais passaram por terapia conjugal). De acordo com a estratégia de Meichenbaum a criança é quem é o alvo primário da atenção do psicólogo, já na primeira (modelo triádico), a atuação sobre ela, em geral, é secundária, pois a família é quem é o alvo primário da atenção psicológica. A proposta de Meichenbaum partilha com a tradição respondente o fato de o atendimento, em geral, ser feito em consultório, mas desta diverge pelo fato de operar muito mais com a relação entre respostas do que entre estímulos. Em essência, o que Meichenbaum (1979) propôs originalmente, e recebeu maiores elaborações por seus seguidores, foi uma forma de trabalho na qual se procura, por meio de verbalizações sobre o comportamento, feitas pelo próprio emissor do comportamento, a partir do modelo do terapeuta, alterar o comportamento negativo na direção mais positiva. Assim uma criança impulsiva é treinada pelo terapeuta a agir mais refiexivamente por meio de verbalizações que faz ao longo do treino, verbalizações estas inicialmente audíveis e posteriormente interiorizadas. Segundo o autor da proposta (Meichenbaum, 1979), o agir impulsivo ou outro qualquer inadequado se dá pelo agir sem pensar, ou seja pela falta de verbalização encoberta correta ou por verbalização encoberta inadequada. Tais verbalizações, quando corretas, podem ser vistas como saídas para o comportamento correto. Durante o processo de aprendizagem do processo “pensar antes de agir”, a criança estaria passando por esse processo de discriminação. A aprendizagem, do “pensar antes de agir”, segundo Meichenbaum (1979), supõe no mínimo cinco etapas: a) o terapeuta executa uma tarefa enquanto descreve em voz alta sua ação (modelação cognitiva); b) o cliente executa a mesma tarefa seguindo orientação do terapeuta (orientação externa, descoberta); c) o cliente executa a tarefa dando a si mesmo orientação descoberta, isto é, verbalizando o que deve ser feito em voz alta (auto-orientação descoberta); d) o cliente sussurra as instruções para si mesmo enquanto age (esvanecimento da auto-orientação descoberta); e) o cliente desempenha a tarefa orientando-se via fala privada (auto-instrução encoberta).


Essa abordagem, provavelmente por questões de tradição, tem recebido muito pouca atenção por parte dos clínicos brasileiros. Não fomos capazes de encontrar um só trabalho clínico orientado exclusivamente por essa concepção. Merece ser registrado, entretanto, um único trabalho pioneiro de cunho mais experimental, realizado em 1979, com a orientação da Professora Raquel Kerbauy, no qual se buscou avaliar o peso de algumas variáveis na definição da criança impulsiva e não alterar o comportamento de crianças consideradas impulsivas (Alakija, 1979). 5. O movimento unificador de junção de formas de intervenção diversas Parece estar claro não serem as estratégias até agora relatadas mutuamente exclusivas do ponto de vista conceitual. Do ponto de vista prático, entretanto, o mesmo não ocorre, isto é, os psicólogos parecem optar por uma ou outra dessas três formas de intervenção sem que suas razões sejam precisamente definidas. Webster-Stratton (1991), além de reconhecer claramente o ponto acima, recentemente, explicitou a maneira como diferentes concepções etiológicas dos distúrbios infantis estão subjacentes a formas diversas de intervenção numa abordagem comportamental com a criança com distúrbios de conduta, por exemplo. No ver da autora, o trabalho com pais de crianças com distúrbios de conduta, em geral, parte do modelo desenvolvimentista dos distúrbios infantis de Patterson (1986 e Patterson etal., 1989). Dito de outra maneira, o trabalho parte do pressuposto de que os pais dessas crianças são portadores de déficits em habilidades sociais indispensáveis para o controle de seus filhos. Assim, o treino de pais é feito no sentido de equipá-lo com novas habilidades a fim de que possam melhor exercer seu papel com seus filhos. Ainda segundo Webster-Stratton (1992), dentro desse modelo, uma criança que constantemente agride e incomoda os colegas, por exemplo, o faz porque esse comportamento foi reforçado em casa por terem a criança e os pais caído na “armadilha do reforçamento negativo”. Nessa armadilha há uma escalada crescente no processo coercivo mútuo, sendo os pais reforçados por seu comportamento de esquiva e a criança reforçada por seu comportamento coercivo e exigente. Em estudos mais recentes, Whaler (e.g., 1981) parece ter conseguido demonstrar que além disso, em geral, a criança que passou por esse processo em casa torna-se agressiva na escola por cair na “armadilha do reforçamento positivo”. A referida autora, a despeito de aceitar que raciocínios fundamentados empiricamente levam a uma abordagem no tratamento dos distúrbios infantis que implicam o treïno de pais no lidar mais adequadamente com suas crianças, reconhece as dificuldades inerentes ao trabalho com famílias antes aqui já apontadas. Nessa medida sugere para superar as dificuldades uma abordagem de contorno unificadora, a qual supõe a junção de duas formas de trabalho: a de manejo de contingências e a de treino auto-instrucional. O trabalho de Kendal e Braswell (1992) ilustra a proposta de Webster-Stratton. Os autores, especialistas no tratamento de crianças hiperativas com déficit de atenção, combinam técnicas cognitivas de Meichenbaum com técnicas comportamentais de sistema de fichas para tornar seus clientes infantis mais reflexivos e conseqüentemente terem melhor desempenho acadêmico.


No Brasil, não pudemos encontrar um esforço propriamente igual ao sugerido por Webster-Stratton (1992) mas a intervenção relatada por Silvares, Baliarine, Casselatto e Dios (1993) parece encontrar semelhanças. Nele, a autora e seus colaboradores puderam implementar um pacote interventivo, segundo o qual as crianças encaminhadas ao projeto de atendimento psicológico foram ensinadas, em sessões grupais de terapia, a se planejarem antes de agir, seguindo, em certa medida, a proposta de Meichenbaum. Paralelamente, entretanto, as professoras das crianças atendidas eram também instruídas, pela autora, a mudarem seu padrão de interação com todas as crianças (dando-lhes feedback sobre o desempenho adequado e inadequado) e a terem maior controle de classe. Para tanto as professoras analisaram, em conjunto com a autora e colaboradores, o próprio comportamento delas e de seus alunos, observando os videoteipes realizados durante as atividades escolares. Embora o trabalho ainda se encontre em desenvolvimento, já se puderam observar ganhos para as crianças encaminhadas o que torna promissor o caminho seguido. As razões que levaram a autora a não se restringir apenas à orientação das professoras residiu no fato de as crianças encaminhadas para atendimento serem vistas tanto por suas mestras, como pelos seus pais e pelos próprios observadores da situação escolar como diferentes (ou mais agitadas ou mais passivas) em relação às demais crianças não encaminhadas para o atendimento psicológico. Julgou-se, acertadamente, esperamos, ser o treino “autoinstrucional” infantil, associado à orientação das professoras mais efetivo do que qualquer uma dessas intervenções isoladamente. A validade desta importante hipótese será objeto de atenção da autora durante o decorrer do trabalho ora em andamento.

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12 Adolescentes e terapia comportamental Roberto Alves Banaco São comumente consideradas adolescentes pessoas que encontram-se na faixa etária que vai mais ou menos dos 12 aos 20 anos. Quando se referem a eles, leigos e especialistas lembram-se de que a adolescência é um período de grandes transformações, tanto físicas quanto psicológicas; que a rapidez dessas transformações assusta e incomoda a todos os que estão envolvidos com o adolescente e a ele próprio; que é impossível sequer conversar com o adolescente por sua inconstância, indolência, agressividade, insegurança etc. Tudo aquilo que vem do adolescente é complicado e irritante. Várias teorias psicológicas tentaram explicar o porquê dessas dificuldades tão grandes. Baseadas numa tradição cultural e científica de procurar dentro das pessoas as causas dos comportamentos delas, essas teorias descrevem o adolescente como uma pessoa “em conflito” causado pelas mudanças hormonais e fisiológicas. Também descrevem ser a adolescência um período de inseguranças que passariam com a idade adulta, como se fossem estas (as inseguranças), características normais da idade alcançada pelo ser humano, nessa fase. E é lá dentro do adolescente que se tem procurado localizar os conflitos, as inseguranças, os anseios, enfim, os defeitos. Quem partilha de uma postura comportamentalista, no entanto, não fica satisfeito com essas explicações. Pois acredita que um conflito deve estar no ambiente, antes de estar “no interior” de uma pessoa. Que inseguranças são fruto de um ambiente extremamente punitivo que não propicia aumento e adequação do repertório comportamental. Que muitos dos comportamentos problemáticos apresentados por adolescentes devem ser comportamentos de esquiva, e se está ocorrendo esquiva, deve haver algum agente punidor no ambiente. Enfim, que o problema está na relação do adolescente com o seu mundo. E é nessa relação que temos que buscar as causas dos comportamentos problemáticos (se as estivermos procurando). A partir destas premissas será apresentada uma proposta para a terapia comportamental de adolescentes.

O trabalho clínico 1. Estabelecimento do vínculo terapêutico A primeira preocupação que um terapeuta comportamental deve ter diz respeito à relação com seu cliente. Se nós, behavioristas, acreditamos naquilo que pregamos, a primeira providência que temos que tomar é que a sessão seja reforçadora para aumentar a chance do adolescente vir à terapia — o que não acontecerá se a sessão for aversiva ou indiferente para ele. Observando a grande maioria dos casos de adolescentes que vêm ao consultório, podemos dizer que em geral a motivação para que eles venham para a sessão é dos pais — e não deles. Partindo do princípio


de que um ser humano deve estar motivado para emitir um comportamento, portanto, existe uma baixa probabilidade de que o adolescente queira inicialmente comparecer aos encontros com o terapeuta. É portanto essencial que o analista do comportamento aumente essa motivação, o que pode ser feito de várias formas. Uma delas é dada pelo próprio contato terapêutico. Nele devem ficar claras algumas contingências que dizem respeito ao comportamento do terapeuta. A primeira dessas contingências é deixar claro tanto para o adolescente quanto para as pessoas responsáveis por eles (e em geral as “donas” da queixa inicial) que se encara a todos aqueles que estão envolvidos com o adolescente como clientes, já que se acredita que, (a) se o comportamento problemático ocorre é porque “alguém” ou “algo” estão mantendo esse comportamento — portanto, para mudar essa situação deve-se mudar a relação comportamento-manutenção e (b) promovendo mudanças em seu (do adolescente) repertório, mudar-se-á não apenas o comportamento dele mas também os comportamentos dessas pessoas envolvidas. Esta colocação inicial tem um efeito benéfico (no sentido de começar a aumentar a probabilidade de o adolescente voltar à sessão) porque começa a tirar a carga punitiva das relações até então estabelecidas com adultos que atribuem somente a ele a culpa dos problemas. Deve ficar claro ainda no contrato inicial que reuniões com familiares, profissionais da escola que o adolescente freqüenta ou com outras pessoas significativas ocorrerão durante o processo terapêutico. Mas, a segunda forma de tornar a sessão terapêutica reforçadora diz respeito ao sigilo das informações obtidas nas sessões. Embora todos sejam encarados como “clientes”, o contrato de sigilo é feito apenas com o adolescente que de uma certa forma foi “escolhido” para sofrer o processo terapêutico. Enquanto estivermos nos utilizando do modelo de atendimento de gabinete esbarraremos nesta característica de precisarmos de informações adicionais que não apenas as descrições dos clientes. Pois bem, o sigilo das informações dadas pelo adolescente ao terapeuta é total, mas ele tem o direito de saber toda e qualquer informação que as outras pessoas derem sobre ele. Ou seja, o sigilo é unilateral (se encararmos adolescente x família e escola). Isto aproxima mais ainda o adolescente do psicoterapeuta, pois, em geral, é um tipo de relação que ele não tem em seu ambiente — alguém que “esteja realmente” do seu lado. Por fim, no contrato deve ficar claro que as sessões terão melhores resultados para todos se ocorrerem em clima de transparência (Delitti, 1988) entre cliente-terapeuta. Ou seja, o analista se propõe a expressar para o cliente tudo aquilo que sentir a seu respeito, esperando que esta relação seja correspondida pelo adolescente. As vantagens dessa forma de conduzir a terapia são muitas. Para citar apenas algumas delas, pode-se lembrar que em geral o adolescente sente-se “enganado” por todos, pois informações lhe são negadas acerca de sentimentos que desperta nas pessoas, já que esses sentimentos são revelados apenas quando ocorrem explosões de raiva, mágoa e ressentimento por parte das outras pessoas. Pior ainda, são expressos para ele somente os sentimentos negativos. A transparência do terapeuta servirá portanto para (a) sinalizar para o adolescente, de uma maneira firme, adequada socialmente, coerente e consistente aos sentimentos que ele desperta nos outros com seus comportamentos; (b) ser modelo de expressão de sentimentos socialmente aceita; (c) ser modelo de assertividade em relações extrasessão; (d) dar a percepção ao adolescente de que ele também é capaz de provocar bons sentimentos (já que estes também devem ser expressos pelo terapeuta).


Obviamente isto deve ser introduzido aos poucos nas sessões e inicialmente pelos sentimentos bons que o adolescente provoca — lembre-se de que no início deve-se tornar a sessão reforçadora para que o cliente compareça a ela! Um pouco de reforçamento contínuo é necessário antes de se introduzir uma intermitência de reforçadores e/ou introdução de métodos aversivos para manter comportamentos. Os resultados desse contrato (e de sua consecução) são extremamente reforçadores para o comportamento do cliente. Quando este percebe claramente, por meio dos comportamentos do terapeuta, que apresenta tanto comportamentos indesejáveis quanto desejáveis começa a acreditar que não é tão inadequado quanto pensava — melhor ainda, que pode “escolher” o que quer provocar nos outros, que tem controle sobre o mundo a sua volta. Quando o terapeuta se toma parte de seu (do adolescente) ambiente e é consistente naquilo que sinaliza, dá ao cliente “consciência” sobre seus comportamentos e suas conseqüências, aumentando a “confiança” que ele tem nas relações que estabelece. Quando o cliente aprende, por meio de modelo do terapeuta, “o que fazer” em determinadas situações problemáticas ou associadas a grandes brigas e desentendimentos, fica menos ansioso — aumenta-se seu repertório comportamental para essas situações. 2. Adequação da linguagem e conhecimento de valores Uma coisa é certa: o adolescente não precisa de um terceiro adulto igual ao seu pai e à sua mãe. Julgamentos morais, exigências de posturas físicas, apontamentos de inadequações desprovidos de uma análise funcional, conselhos, reprimendas etc. só reproduzirão na relação terapêutica as relações que o adolescente já tem fora dela — e como se sabe, esse tipo de relação não foi capaz de resolver os problemas comportamentais que ele apresenta. Para aumentar a empatia e tornar o trabalho mais produtivo é necessário que o terapeuta conheça a linguagem e os valores sociais dos grupos aos quais o adolescente pertence. Isto pode ser aprendido pelo terapeuta por meio do próprio adolescente que sentirá enorme prazer em ensinar-lhe alguma coisa. Também gostará de perceber que o estilo de vida que adotou é importante para alguém. Terá a melhor das “boas vontades” em contar-lhe o que significam determinadas palavras que utiliza, ou como avalia determinados comportamentos próprios e de outras pessoas (e aqui obtém-se a informação a respeito dos valores sociais que ele assume). Nem sempre esses valores são os mesmos que assumimos e corre-se o risco de expressarmos estranheza, desagrado ou medo em relação aos comportamentos descritos por eles. Mas desde que o uso da transparência já esteja estabelecido na relação e que esses sentimentos não sejam muito intensos (Banaco, 1993), a expressão das diferenças entre o profissional e o adolescente deve ser apenas discutida em termos de: (a) o que ela teria a ver com o processo terapêutico do cliente e (b) como essas diferenças resistiriam a uma análise funcional dentro do ambiente do adolescente. Por exemplo, pode-se, depois de ter expressado por intermédio da face uma reprovação social de um comportamento qualquer descrito pelo adolescente, proceder-se a uma análise funcional desse comportamento inicialmente reprovado e chegar-se à conclusão de que ele é adaptativo no ambiente do cliente! Depois de revelar essa análise para ele e verificar todas as conseqüências que têm grande probabilidade de advir desse comportamento a


curto, médio e longo prazos, nada mais deve ser feito pelo terapeuta. A escolha da resposta a ser emitida deve ser do próprio cliente. Esta talvez seja uma das maiores dificuldades que enfrentamos como psicoterapeutas, revelada no trabalho com adolescentes: perceber que os valores sociais que assumimos não são mais funcionais para um conjunto de pessoas que está crescendo. Acredito que daí venha a maior parte dos conflitos dos adolescentes: regras sociais (derivadas de contingências às quais foram submetidas as gerações antigas) que não descrevem mais as contingências atuais nas quais eles estão inseridos. Estar pronto para observar as mudanças sociais e/ou ambientais e estar atento para a avaliação do que é adaptativo ou não nessas novas condições é um comportamento que devemos ter durante toda a nossa atuação profissional. Parodiando alguém a respeito desse aspecto, o problema reside no fato de que nós estaremos envelhecendo sempre, mas os adolescentes terão sempre a mesma idade! 3. Fornecimento de informações Muitas vezes o problema do adolescente é estar inserido num ambiente extremamente pobre seja econômica, cultural ou psicologicamente falando. A terapia pode servir para que o adolescente obtenha informações sobre os aspectos ambientais de que necessita para comportar-se melhor. Essa obtenção de informações pode também ser usada inicialmente como reforço para o comparecimento às sessões. Quando o terapeuta detém (e fornece) as informações que o adolescente tanto procura em sua vida e não acha, torna-se necessariamente reforçador. À medida que o trabalho vai sendo desenvolvido, no entanto, o terapeuta deve ensinar ao seu cliente como buscar a informação de que necessita. Isto pode ser feito por meio da análise funcional do problema apresentado e do levantamento do repertório necessário para a resolução desse problema. Da diferença entre o repertório comportamental do cliente para o repertório necessário para a solução do problema planeja-se as respostas que o cliente deve desenvolver para viver de uma maneira mais adequada. Gradativamente o terapeuta vai se retirando desse processo, “cobrando” do cliente que ele desenvolva todas as habilidades de solução dos problemas — da análise funcional à busca de respostas alternativas — em cada oportunidade em que um novo aspecto da vida dele for enfocado pela terapia. 4. Análise funcional das contingências nas quais o adolescente está inserido Como ficou sugerido até agora, é necessário que o terapeuta “ensine” ao adolescente a olhar para os problemas que ele traz com uma “lente de cor behaviorista”. Obviamente, desde o primeiro item do contrato descrito acima, uma visão de homem e dos problemas humanos diferente daquela que o cliente está acostumado a ter começa a esboçar-se. Quando o cliente coloca em prática as conclusões alcançadas por meio da análise funcional. adquire conhecimento das relações de contingência que mantém ou modificam os comportamentos seus próprios ou das outras pessoas. Isto dá a ele um maior controle sobre os aspectos de sua vida que até então não entendia e causava-lhe tanto transtorno. À medida que o adolescente vai adquirindo as habilidades de proceder à análise funcional e de buscar repertório mais adequado a necessidade do terapeuta vai diminuindo. E naturalmente planeja-se a “alta”.


Os problemas mais comuns Este é um item delicado para se discorrer. Como sabemos, os comportamentos são multideterminados e podem ter também várias funções diferentes em cada ambiente. Portanto, discorrer sobre comportamentos-problema sem a localização dentro de um repertório e em relação a um determinado ambiente resulta numa análise sempre incompleta e muitas vezes incorreta. Este também é o motivo pelo qual behavioristas radicais evitam rotular problemas e sugerir determinados procedimentos para determinados rótulos. Sem uma análise funcional das contingências envolvidas na manutenção do comportamento que “resolveu-se” chamar de problema corre-se o risco de fazer um trabalho errado, causando prejuízos não somente para o cliente como para o próprio terapeuta e para a área de estudo. Talvez seja por isso que na literatura da psicoterapia comportamental skinneriana fala-se tão pouco de problemas humanos que atingem grande parte da população sob a ótica teórica, preferindo os autores relatarem casos clínicos de clientes únicos: porque nestes últimos é possível proceder-se a uma análise funcional com grande parte dos elementos principais, inclusive definindo melhor as combinações de repertórios com as contingências. No entanto, segue-se abaixo um esboço de relações mais freqüentemente encontradas entre os comportamentos-queixa de adolescente mais comumente levados para os consultórios e algumas contingências que os mantêm. Vale ressaltar que são esboços de relações. Para cada novo caso atendido podem ser encontradas relações completamente diferentes das listadas aqui. O objetivo de incluí-las é apenas o de nortear o terapeuta em suas hipóteses a respeito de problemas que poderá enfrentar, além de exemplificar, ainda que toscamente, o que seria uma análise funcional. 1. Adição a drogas Talvez o maior problema que os pais temem que ocorra com seus filhos na adolescência. O medo maior e a fantasia de como o problema se instala é relatado por eles mais ou menos da seguinte forma: Alguém (meio indeterminado mas podem ser colegas da escola, do bairro, enfim, alguém interessado em que o adolescente se vicie) seduz e oferece a droga. Se a criança não aceita existem outros meios de coerção como gozação, intimidação etc., até que ela experimente. Experimentando ela gosta e passa a usar — só que aí a droga não é mais oferecida, agora deve ser comprada. Depois disso, as drogas mais leves passam a não fazer mais os efeitos desejados e as crianças passariam para drogas mais fortes, mais caras, passando o viciado a ter que dispor de mais dinheiro e então fica a um passo da marginalidade. Pode não ser uma descrição de todo incorreta. Mas a criança aprende desde cedo, em nossa cultura, operantemente ou por meio de aprendizagem por observação, a alterar seus estados internos. O uso do álcool, de drogas que tiram a dor, que induzem o sono, que tiram o mesmo sono em outras oportunidades etc., mostram que o controle de estados internos usando drogas é possível e desejável. Muitas vezes pessoas significativas no ambiente do adolescente são dependentes de


ansiolíticos, antidepressivos e outras drogas (que podem ser até alimentos — o que importa é o mecanismo: estou triste, como um bombom e me sinto melhor). Paralelamente, muitas regras sociais são aprendidas não porque descrevam contingências experimentadas pelas crianças, mas porque os adultos que as descrevem têm um poder de autoridade sobre elas: as crianças sempre respeitaram essas regras para evitarem punição. O agente punidor estava sempre presente no ambiente da criança. Quando esta cresce e se torna adolescente, o agente punidor não está mais presente o tempo todo, o que sabemos, tem um efeito sobre o comportamento punido: ele “aparece” e testa a contingência. Uma dessas regras é a de que as drogas são ruins. Que são avassaladoras, que viciam etc. Quando entrevisto clientes usuários de drogas em geral obtenho o dado de que eles experimentaram drogas pela primeira vez simplesmente por curiosidade (várias regras sociais vinham sendo testadas e não sustentavam as contingências que descreviam) e por oportunidade. Uma vez experimentada (em geral as crianças já conhecem o álcool no convívio familiar e têm o primeiro contato então com maconha), a droga tem novos efeitos sobre seus estados internos. O adolescente aprende uma relação consumo-sensação. A partir daí quando quer ou precisa “repetir” essa sensação volta a usar a mesma droga. E a “coisa terrível” que deveria acontecer — se a regra fosse verdadeira — não acontece: é mais uma delas que não sustenta a contingência. Deve ser lembrado aqui um outro problema no controle comportamental: a imediaticidade do estímulo. É claro que a longo prazo a utilização de drogas causa vários danos. Mas isso ocorre a longo prazo e o efeito reforçador da droga é imediato. Portanto, a ascendência da conseqüência imediata e operante sobre uma outra descrita por regra e que vem a longo prazo é inevitável. O trabalho que pode ser sugerido nesses casos é o de dar todas as informações a respeito de drogas (seus efeitos biológicos, clínicos, comportamentais) em várias fases do consumo, sinalizando para o cliente em que ponto do gradiente (desde a ingestão primeira até o efeito a longo prazo) ele se encontra. Esta é uma tentativa de tornar o próprio efeito experimentado como sinalizador das conseqüências ligadas ao abuso. Além disso, se a droga tiver a função de “aliviar sintomas” ansiógenos, depressivos, ou quaisquer outros, demonstrar, pelo decorrer da história de vida que ela não tem o poder de resolver o problema — mas que a terapia, por meio da análise funcional, tem. Passa-se então a discutir qual é o problema que causa essas sensações aliviadas pela droga e esta passa a ser um problema adjacente durante algum tempo. Depois, caso ela não tenha sido eliminada, procede-se a uma nova análise funcional do seu uso. 2. Problemas de ordem sexual Seguido de perto pelo problema de adição às drogas, o segundo problema mais freqüentemente trazido ao consultório é o descobrimento da vida sexual dos filhos. Seja pelo fato de uma gravidez indesejável (e nesses casos os problemas podem ser mais complicados por decisões que esbarram em questões morais tais como casamento sem amor, ou aborto), ou a descoberta de um episódio ou prática homossexual, os pais costumam forçar a vinda de seus filhos para a terapia. Em geral esses pais esperam que as decisões sejam tomadas no sentido daquilo que querem que os fjlhos sigam.


Da mesma forma que descrito no contrato inicial, as decisões devem partir do cliente, lembrando-se, no entanto, que ele, adolescente, é o dono de sua vida, mas os pais são os responsáveis civilmente pelos seus comportamentos. A eles caberá responder socialmente por tudo aquilo que o adolescente fizer. Ao terapeuta cabe descrever e prever o que acontecerá: possivelmente uma pressão econômica e/ou emocional para que o adolescente adote a conduta que os pais querem ou suportam. No caso deste problema a variabilidade pode ser tanta em termos de regras morais e contingências que não caberiam em um único capítulo de um livro — quanto mais em um item dentro de um capítulo. Novamente ressalta-se que o início do problema pode ser localizado em nossa cultura que, neste caso, tem sexualizado cada vez mais as relações infantis, ensinando regras de conduta sexual muito cedo na vida das crianças. Vale lembrar que há bem poucos anos uma apresentadora de programa infantil cantava em seu hit musical que ia encontrar o rapaz por quem se sentia apaixonada, largando tudo (“a escola pode esperar”), mas não o conhecia direito (“mas nem lembro o seu nome”) (Vou de táxi - Angélica). 3. Dificuldades na escolha profissional e independência dos pais Este, como os outros problemas apresentados até agora, não é de exclusividade de adolescentes. Em uma sociedade na qual todo o sistema educacional está decadente e em um sistema econômico instável como esse sob o qual vivemos, fica desacreditado qualquer futuro profissional. Os adolescentes têm dificuldades em escolher uma carreira não apenas por falta de informação de toda a gama de profissões disponíveis, mas também por falta de conhecimentos básicos para a quase totalidade delas, por perceberem que teriam que dedicar-se muito mais do que se dedicaram até agora em sua formação educacional e — muitas vezes — por não precisarem se preocupar com isso no momento. De fato, a grande maioria dos adolescentes que podem pagar nossos serviços profissionais também não têm sobre si uma pressão para que decidam rapidamente por uma carreira ou por outra. Além disso, não estão inseridos no mercado de trabalho, o que os deixa desinformados sobre o que cada profissão exigirá de si. As escolhas profissionais recaem por critérios espúrios (assim como ser médico porque o pai já tem um consultório montado), incapazes de mantê-los sequer na universidade. Nada do que estudam é reforçador — aliás, saber, aprender não é reforçador para eles. Pior ainda, sabem que quando tiverem uma profissão terão que trabalhar e perder vários outros reforçadores como surfar, jogar video game, namorar o dia todo, passear de carro (sem carteira de habilitação), dormir tarde etc., ou seja, perderão tudo aquilo que os pais com a melhor das intenções propiciam a eles. Nesse contexto fica muito difícil conseguir uma discussão séria a respeito da escolha profissional.

Resumo Como foi apontado anteriormente, o objetivo deste capítulo foi descrever algumas características do trabalho clínico com adolescentes sob a ótica do behaviorismo radical. Aspectos da relação terapêutica, colocação dos problemas e busca de


soluções foram esboçados, assim como a descrição bem pouco detalhada dos três problemas mais freqüentemente trazidos por pessoas dessa faixa etária. Muitos aspectos importantes foram deixados de lado por ausência de espaço e por não ser este o objetivo do capítulo. O que deve ser reenfatizado é que as análises feitas aqui são esboços de relações. O objetivo de incluí-las foi “apenas o de nortear o terapeuta em suas hipóteses a respeito de problemas que poderá enfrentar, além de exemplificar, ainda que toscamente, o que seria uma análise funcional”.

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13 Idosos Monique Bertrand Cavalcanti Os progressos da medicina provocaram um envelhecimento populacional como decorrência do aumento da longevidade. Paralelamente, nas últimas décadas, vêm ocorrendo uma queda vertiginosa nas taxas de natalidade, o que transforma o Brasil em um país de velhos. De acordo com as estimativas, em torno de 6% de nossa população hoje tem 65 anos de idade ou mais, sendo que há expectativas de, em meados do próximo século, essa taxa se elevar a 15%. A possibilidade de viver um maior número de anos, em si, não é tão atraente, uma vez que ainda são necessários muitos esforços científicos para a melhoria da qualidade dos últimos anos de vida. A velhice se constitui em um período de grandes crises biopsicossociais, que muitas vezes levam o indivíduo a solicitar ajuda psicológica bem como de outros profissionais da área de saúde. Neste capítulo abordaremos as principais características dessa fase da vida e como a terapia cognitivo-comportamental pode ser de utilidade no enfrentamento das dificuldades inerentes ao envelhecimento.

Aspectos biopsicossociais da velhice O psicoterapeuta que se propõe a trabalhar com a terceira idade deve informar-se largamente sobre os diversos aspectos do envelhecimento, com o cuidado de não cair na tentação das generalizações fáceis. Discorrer sobre os aspectos biopsicossociais da velhice, ainda que de forma bastante sintética, pode ser útil no sentido de fornecer subsídios que sirvam de referencial para compreender as questões que permeiam a terceira idade. Entretanto, o terapeuta cognitivocomportamental deverá estar atento para a singularidade com que cada um vivência ou responde aos estímulos comuns a essa fase da vida. Alguns autores que enfatizam a importância das diferenças individuais na idade avançada são: Allport (1966); Soloman (1958), Petrie (1967), Saies (1971) e Baker (1977, 1981), estes citados na obra de Mishara (1985); Thomae (1982); Léger. Tessier e Mouty (1994). O conceito de velhice adotado pela autora confere uma perspectiva desenvolvimentista para o estudo do tema, pois entende a velhice como um processo que se inicia com o nascimento. Esse é um enfoque gerontológico que se respalda no fato de os indícios do envelhecimento variarem em cada órgão, parte e sistema do corpo nas pessoas e de uma pessoa para outra (Goldman e Goldman, 1977 e Haddad, 1986). Contudo, a falta de objetividade dessa conceitualização não se ajusta às necessidades das pesquisas em delimitar a população alvo de seus estudos. Assim continua-se adotando, de modo geral, no meio científico, o critério cronológico dos 65 anos de idade como um marco da velhice. Esse critério operacional é utilizado pela Organização Mundial de Saúde, por vários sistemas de aposentadoria, pelos estatísticos que documentam a geriatria, além de servir de


parâmetro mínimo para a aceitação em muitas instituições de amparo à velhice e para a elaboração de algumas leis que beneficiam os idosos. De fato, observamos que, no que diz respeito a alguns aspectos orgânicos, estéticos e sociais, os 65 anos representam um momento em que uma série de mudanças que vêm ocorrendo ao longo da vida tornam-se evidentes, talvez por sua ação conjunta. Simone de Beauvoir (1976) sabiamente mencionou que a consciência da velhice emerge no sujeito a partir da atitude que o seu semelhante tem para com ele. A sociedade, por conseguinte, por meio de suas atitudes preconceituosas, denuncia o envelhecimento de cada indivíduo. Existe uma palavra inglesa específica para designar a estigmatização do idoso: agism, cuja tradução poderia ser “ancianismo”. O ancianismo é como o racismo, na medida em que é um conjunto difundido de estereótipos e preconceitos que realçam as diferenças entre uma maioria e um grupo minoritário. Ocorre que nesse caso, conforme ressaltou Brink (1983), o grupo majoritário discriminador gradualmente passa para o grupo minoritário discriminado. O agism está muito presente em nossa sociedade, em que invariavelmente a velhice é associada a qualificações pejorativas. As pessoas crescem assimilando esses preconceitos, logo não surpreende o fato de que se sintam tristes com a idéia de estarem velhas. Que auto-imagem pode ter um(a) idoso(a) que passou toda a vida associando à velhice os piores adjetivos? A velhice é “construída” cognitivamente no decorrer da vida, sem que as pessoas percebam, a partir de suas vivências e da seleção e assimilação dos valores que o meio ambiente tenta lhes impor a esse respeito. São idéias como, por exemplo: — Velhice é a época da regressão; — É o período no qual as funções se tornam mais lentas; — O idoso não tem condições de trabalhar; — O idoso não tem vida sexual; — O idoso é um ser dependente de outros, tornando-se um peso para estes. Ou então, generalizam-se para os idosos sadios comportamentos inadequados que fazem parte do repertório comportamental daqueles idosos que sofrem de distúrbios mentais: falar coisas sem nexo, agressividade gratuita, agir sem pudor e quaisquer outras coisas características da falta de saúde mental. Essa é a velhice que se aprende socialmente. Assim, o que se espera é a apologia da falta: falta de saúde, falta de trabalho, falta de atividades, falta de companhia, falta de desejo e até mesmo falta de senso crítico. Devido às pressões sociais sofridas, muitas pessoas tal qual Peter Pan, o menino que não queria crescer, lutam desesperadamente para se manterem jovens, vivendo em conflito permanente com o ciclo natural da vida. Na verdade, essas pessoas temem o estereótipo da velhice, que pressupõe o idoso como um ser sem qualificações dignas de admiração e respeito.


Mas os indivíduos não são atingidos igualmente pelos preconceitos sociais. É preciso sempre levar em conta as idiossincrasias de cada um. Do ponto de vista biológico, estima-se que a maioria dos idosos conviva com males crônicos como diabetes, cardiopatias, afecções reumáticas, osteoporose (quanto maior a idade, maior a incidência dessas doenças), ainda que se encontrem alguns indivíduos com perfeitas condições de saúde. Contudo, o uso de medicamentos adequados sob orientação de médicos responsáveis pelo acompanhamento do quadro clínico permite, na maioria dos casos, que se leve uma vida normal. Por outro lado, dependendo da situação, os progressos da medicina podem representar o prolongamento de uma existência meramente vegetativa ou próxima dessas condições. Nessas circunstâncias, uma atitude de desânimo e desejo de morte é freqüente e até mesmo esperada, não podendo ser, a rigor, considerada desadaptativa. Cabe ao terapeuta a função de pesquisar. estimular e reforçar positivamente as mínimas potencialidades do indivíduo, objetivando amenizar o seu sofrimento, além de utilizar todos os recursos para reduzir a ansiedade presente nessas situações. Esses recursos incluem as técnicas de relaxamento, as reatribuições cognitivas — quando o indivíduo julga a fragilidade de sua saúde como uma espécie de punição a suas ações passadas — e uma atitude empática diante das dificuldades enfrentadas pelo doente. Nos casos menos graves, as técnicas de reestruturação cognitiva, nos moldes de Beck (1982, 1993), Lazarus (1979, 1980), Ellis (1962), de modo geral, funcionam bem para modificar a relação do indivíduo com seus problemas de saúde, que na maioria das vezes não são tão limitadores ou humilhantes quanto ele acredita. Em termos de perdas sensoriais, recursos mecânicos como óculos, aparelhos para surdez não podem ser esquecidos e os recursos cirúrgicos devem ser estimulados sempre que não houver contra-indicações, independentemente do quão avançada seja a idade do sujeito, pois a qualidade de vida deve ser perseguida sempre. O ser humano é por excelência um ser biopsicossocial, de forma que é preciso uma análise funcional para compreender como se dá essa dinâmica em cada um. As variações de saúde estão ligadas aos acontecimentos da vida do idoso, ou melhor, à maneira particular de como ele vivencia esses acontecimentos. A aposentadoria pode ser um fator de crise, pois o trabalho muitas vezes representa uma realização pessoal, elevando a auto-estima do sujeito devido ao reconhecimento social e à auto-imagem positiva originada a partir de um bom desempenho profissional. Além disso a aposentadoria, em nosso país, é uma ameaça a independência tjnanceira, já que na maioria dos casos, ocorre uma diminuição da renda. O trabalho representa também uma forma de ocupar o tempo e estabelecer contatos com outras pessoas. Novas atividades geradoras de prazer podem atenuar ou mesmo resolver essa questão. A participação nas associações de bairro ou atividades profissionais voluntárias podem ser opções interessantes de atividades. Paralelamente à mudança do status profissional, manifestam-se alterações no ambiente familiar. O(s) pai(s) deixa(m) de ser o principal provedor, os filhos tornamse independentes financeiramente e nos valores que permeiam suas vidas, tomando suas decisões de forma autônoma; e a tendência é que gradativamente eles passem a se tornar os cuidadores de seus pais. As rápidas transformações do mundo, o ritmo vertiginoso dos acontecimentos, as mudanças de valores e costumes podem levar os idosos a sentirem-se incapazes, estúpidos e ignorantes por terem


dificuldades em se adaptar e compreender tantas novidades. Para tanto, sentem necessidade de ajuda dos mais jovens, o que pode levar a um sentimento de menos-valia. Manter-se atualizado, exercitando as capacidades cognitivas, é uma boa forma de minimizar ou mesmo controlar os efeitos alienantes que o progresso pode gerar nos mais velhos. A velhice não implica déficit intelectual. Estudos indicam que a memória de curto prazo e a rapidez de decisão na realização de tarefas específicas declinam nas pessoas idosas, mas que a principal causa dessas mudanças pode ser a falta de prática e técnicas apropriadas de treinamento para combatê-las (Hardy e Heyes, 1980). A viuvez, as perdas de pessoas queridas podem levar ao isolamento e à depressão quando não há um amparo por parte do círculo familiar que resta. Aprender a viver sem o cônjuge, após anos de vida em comum, exige muito em termos de adaptação. Mesmo nas relações conturbadas, com muita freqüência de brigas, a sensação de perda pode ser muito profunda, como resultado da privação de um adversário estimulante (Brink, 1983). A presença e o carinho de parentes e amigos proporcionam um grande alívio nesses momentos difíceis. Nessas circunstâncias, a terapia incentiva os contatos com as pessoas e segue a proposta de Beck (1982) para tratamento da depressão, além de orientar a família no que diz respeito ao suporte que ela pode oferecer ao idoso. Em nossa sociedade, principalmente nas classes média e alta, é comum após a viuvez o cônjuge, por desejo próprio ou dos familiares, passar a viver em uma instituição. Quando por escolha do próprio indivíduo, normalmente ele busca o estabelecimento de novas relações com pessoas de sua faixa etária, como forma de combater a solidão. Ou então sente-se incapaz de tomar conta sozinho de sua casa e sem ter com quem contar, busca a instituição. Quando a decisão parte da família, reflete uma falta de disponibilidade da mesma em mudar sua rotina para receber o idoso em sua casa. Pode haver uma impossibilidade real, como falta de espaço físico ou ainda, nos casos em que o idoso é doente, não ter ninguém que possa tomar conta dele no ambiente familiar, uma vez que todos trabalhem ou estudem. Nas famílias mais pobres, os mais velhos são muito úteis para olhar as crianças e realizar tarefas domésticas, pois nessas famílias não existe a figura da empregada; ou seja, qualquer colaboração é sempre bem-vinda. Caso não seja viável economicamente manter o idoso em casa, ele é levado para instituição pública ou filantrópica. Nas situações em que ocorre a institucionalização por livre escolha, as maiores dificuldades são: adaptação ao novo espaço físico e às regras e aos costumes do local que muitas vezes vão de encontro a hábitos antigos. Sendo a institucionalização “compulsória” ou “induzida”, soma-se o sentimento de abandono e rejeição por parte dos familiares. Com freqüência os relacionamentos conturbados entre pais e filhos vêm de longa data e a atitude dos filhos nesse momento delicado decorre de eventos passados que devem ser investigados pelo psicólogo (quando a instituição conta com esse profissional), que pode ajudar na administração desses conflitos. Tentar refazer a vida ao lado de novos companheiros ou simplesmente mudando de hábitos e costumes, também pode trazer problemas familiares. Quanto mais avançada a idade do idoso, mesmo este em perfeito estado de saúde mental, mais a


família se sente no direito de conduzir a sua vida. As disputas envolvendo o patrimônio são freqüentes, ficando as necessidades afetivas e sexuais do idoso em último plano. Algumas pessoas acreditam mesmo que a existência de desejo e o exercício da sexualidade na terceira idade sejam anormais, mas vários estudos demonstraram que o padrão de comportamento sexual no idoso segue as tendências das fases anteriores de sua vida, com algumas alterações relativas às suas novas condições físicas (Butier e Lewis, 1985). Nas circunstâncias acima, o idoso é manipulado pela família e fica dividido entre seguir suas vontades ou atender ao desejo dos familiares, temendo as reações que possam surgir caso ele opte por uma atitude de confronto. A terapia pode ajudar revelando as manipulações familiares; trabalhando cognitivamente seus medos e bloqueios para a ação; treinando novas habilidades como, por exemplo, o comportamento assertivo. Resumindo, como fatores responsáveis direta ou indiretamente pelas dificuldades enfrentadas pelas pessoas ao envelhecer, podemos citar: as pressões e preconceitos sociais, os problemas de saúde e a queda no rendimento físico, a aposentadoria, a mudança do status familiar e a saída dos filhos de casa, a viuvez e perda de pessoas queridas, a institucionalização contra a vontade e a perda de autonomia, seja por dependência afetiva ou financeira.

Referencial teórico Durante muito tempo acreditou-se que a psicoterapia não seria viável para os idosos. Talvez essa crença tenha se originado nas afirmações de Freud, que postulava que a psicanálise não poderia ser realizada com os mais velhos, pois as personalidades envelhecidas estariam repletas de material inconsciente a um ponto tal que o tratamento não poderia ser terapeuticamente proveitoso. Entretanto, atualmente, mesmo os terapeutas de orientação psicanalítica, acreditam na validade da psicoterapia geriátrica, desde que com variações do modelo ortodoxo freudiano (Léger, Tessier e Mouty, 1994). A pesquisa de Strupp, Fox e Lessler (apud Brink, 1983) sobre cura terapêutica, já em 1969 apontou o grupo dos idosos como sendo o de maior representatividade nos êxitos terapêuticos. Em 1979, Brink em sua obra Geriatric psychotherapy (traduzida para o português em 1983), propôs um modelo de atendimento, em que um dos pilares teóricos era a terapia comportamental com suas técnicas de modificação do comportamento: “Toda a finalidade da terapia behaviorista pode ser incorporada ao modelo de treinamento, Isto é um importante saldo positivo, devido à comprovada eficácia desse tipo de terapia” (Brink, 1983, p. 138). Segundo ele são aconselháveis o uso das seguintes técnicas de modificação do comportamento no atendimento psicológico geriátrico: reforço positivo, modelagem, relaxamento, treinamento afirmativo, dessensibilização sistemática e interrupção do pensamento. Não acha adequadas a terapia aversiva e a inundação emocional. Sugere também a estimulação tátil como beijos e abraços, desde que criteriosamente, uma vez que experimentos com animais idosos e pessoas idosas asiladas demonstraram que a estimulação tátil pode melhorar o desempenho.


Brink considerava a proposta da psicoterapia diferente da proposta da modificação de comportamento, considerando o uso combinado dos dois tratamentos possível e desejável, a partir da divulgação dos estudos de Lazarus (1971), um dos principais precursores do que hoje designamos terapia cognitivo-comportamental. Desde o final da década de 50 alguns pesquisadores dedicaram-se ao estudo experimental das diferenças individuais nos idosos e suas possíveis implicações: Petrie, Collins e Soloman (1958); Petrie (1967); Mishara e Baker (1977, 1981). Esses pesquisadores basearam-se na premissa de que existiam características individuais fundamentais no comportamento, no modo de vida e principalmente na maneira de perceber os estímulos do meio ambiente, o que os levou a realizar uma pesquisa sobre as diferenças individuais na modulação da intensidade do estímulo (MIS), nas pessoas idosas. A hipótese era que alguns sujeitos seriam “redutores”, ou seja, eles perceberiam um estímulo externo como sendo relativamente menos intenso do que era na realidade. Em contrapartida, outros sujeitos seriam “amplifïcadores” e, por sua vez, perceberiam um estímulo externo como sendo relativamente mais intenso do que era na realidade. Para a verificação da hipótese, criaram uma situação experimental em que os sujeitos eram submetidos a estímulos que provocavam dor e os resultados obtidos confirmaram que os “redutores” toleravam melhor a dor que os “amplificadores”. Assim, em situações que ofereçam estimulação externa pequena, espera-se que os sujeitos “amplificadores” sejam bem-sucedidos, já que eles percebem a estimulação externa maior do que é na realidade. Ao contrário, os “redutores” toleram mal situações de privação de estímulo, na medida em que percebem a estimulação externa ainda menor do que se apresenta de fato. Estudos sobre privação sensorial demonstraram essas tendências (Petrie, Collins e Soloman, 1958 e Saies, 1971). No dia-a-dia, os “redutores” necessitam de mais estimulação para compensar o estado de privação de estímulos em que subjetivamente se encontram. Um outro trabalho realizado por Mishara e Baker, em 1981, com pessoas idosas, verificou que, tanto entre as ativas como entre as que eram pensionistas de um asilo, as diferenças individuais de modulação da intensidade do estímujo estavam relacionadas de forma significativa ao engajamento social e à percepção de dificuldades. Esses pesquisadores acreditam que a teoria da MIS possa ser útil à gerontologia na medida em que evidencia as diferenças nas reações entre os idosos, submetidos às mesmas variáveis ambientais. Entre outras coisas, a linha de investigação e os resultados obtidos reforçam a importância da subjetividade do processo perceptivo na conduta adotada por um indivíduo. Outra contribuição teórica importante consiste no modelo cognitivo da.personalidade adulta de Thomae (1982). Thomae compartilha com as idéias difundidas pela escola da psicologia cognitiva de que os comportamentos sejam largamente determinados pela percepção que as pessoas têm do mundo. Ou seja, os indivíduos se comportam de um modo ou de outro devido às suas crenças, seus valores e suas expectativas. Partindo dessa premissa, Thomae desenvolveu sua própria concepção de um modelo cognitivo da personalidade, na tentativa de explicar a dinâmica da personalidade da pessoa idosa. De acordo com ele, qualquer acontecimento que represente uma mudança no ambiente pode ser percebido positivamente ou negativamente como, por exemplo, assumir o papel de avós ou aposentar-se. É a


motivação do sujeito, suas preocupações e suas expectativas do momento que vão determinar sua percepção; sendo que é a percepção do acontecimento mais do que o acontecimento em si, a responsável pelo comportamento, manifesto ou não, que o sujeito adotará. Thomae destaca ainda o fato de o idoso estar inserido em um meio social preconceituoso, em que impera uma visão negativa e estereotipada da velhice, o que pode levá-lo a incorporar em sua auto-imagem essa visão depreciativa. Conseqüentemente, sua motivação e suas expectativas, variáveis importantes na determinação dos comportamentos, são fortemente abaladas com o prejuízo da auto-imagem, dificultando uma vivência tranqüila e prazerosa da idade avançada. O nível de suscetibilidade a esse tipo de pressão social varia de pessoa para pessoa, conforme ela valorize mais ou menos as referências externas ou internas (o reforço do ambiente ou o auto-reforço). O modelo cognitivo da personalidade proposto por Thomae corrobora com as premissas teóricas da terapia cognitivo-comportamental ao valorizar a percepção dos fatos mais do que os fatos em si. Com isso, ele quer dizer que um mesmo evento, em um ambiente comum, é percebido distintamente por diferentes pessoas, levando- as a diferentes comportamentos. Mais especificamente, cada indivíduo tem a sua percepção das situações relacionadas à velhice, e essa diferença de percepção faz com que tenham comportamentos diferentes, quando submetidos aos mesmos estímulos. Por outro lado, sua ênfase nas influências ambientais no prejuízo da auto-imagem indicam que, embora ele considere as diferenças individuais e a variedade de respostas a um mesmo estímulo, de modo geral ele acredita que haverá uma grande dificuldade para o idoso no enfrentamento dos preconceitos sociais, sendo que haverá maior facilidade para alguns em superar os conflitos gerados nessas contingências. Em termos de teorias psicoterápicas que servem de respaldo para as práticas clínicas a serem aplicadas, encontramos nas propostas de trabalho de Lazarus (1979, 1980), Beck (1982,1993), Ellis (1962), Meichenbaum (1979), Bandura (1977, 1979), o material teórico necessário para uma terapêutica eficiente. Adotamos uma abordagem que chamamos terapia cognitivo-comportamental porque, embora utilizemos os conhecimentos sobre aprendizagem, tão bem desenvolvidos por Pavlov, Skinner e Watson e as técnicas psicoterápicas que se originaram a partir deles, a ênfase de nossas intervenções se dá nos aspectos cognitivos do indivíduo. A terapia comportamental se propõe a tratar o indivíduo em três níveis complementares; cognitivo, autonômico e motor. Mas, devido à sua própria metodologia experimental e um certo radicalismo atribuído ao rigor científico necessário para a construção de uma ciência, naturalmente desenvolveram-se várias técnicas de atuação eficaz nos níveis autonômico e motor, em detrimento de uma maior exploração dos aspectos mais subjetivos e portanto menos verificáveis experimentalmente: as cognições e as emoções (comportamentos encobertos). Os autores, acima citados, cujas teorias psicoterápicas utilizamos, dedicaram-se a pesquisar o papel das cognições na formação, manutenção e modificação dos comportamentos. Por compartilharem dessa ênfase nos aspectos cognitivos em


suas teorias, eles são conhecidos como terapeutas cognitivos e fazem questão de se diferenciarem dos behavioristas. No entanto, todos se utilizam das técnicas da terapia comportamental, quando indicadas. Consideramos que não houve uma negação dos conhecimentos anteriores e sim uma expansão desses conhecimentos a partir de uma maior flexibilidade com o conceito de rigor científico. Essa postura mais aberta ganha sentido, força e atualidade, uma vez que o paradigma da ciência vem mudando e a física quântica toma o lugar da física newtoniana que, na época do surgimento do behaviorismo, servia de parâmetro para o pensamento científico. A nomenclatura “terapia cognitivo-comportamental” nos parece adequada para expressar a idéia de “terapia comportamental com ênfase nas cognições”, entretanto, é possível que outros terapeutas prefiram ser conhecidos como “terapeutas cognitivos”, já que colocam em prática teorias psicoterápicas apresentadas por terapeutas que assim se intitulam. Há ainda os que pensam que o mais correto é serem reconhecidos como “terapeutas comportamentais”, pois consideram o termo “cognitivo-comportamental” redundante, na medida em que, teoricamente, a terapia comportamental abrange a atuação no nível cognitivo; sendo que “terapia cognitiva” estaria inadequado se o terapeuta também utilizasse em sua prática as consagradas técnicas de modificação do comportamento. No decorrer do livro informações mais detalhadas sobre a terapia cognitiva são fornecidas, de forma que neste capítulo abordarei o mínimo necessário para a compreensão do trabalho que realizamos com os idosos. Para os autores que adotamos, o afeto e o comportamento de um indivíduo são largamente determinados pelo modo como ele estrutura o mundo, ou seja, suas cognições. Estas cognições se formam a partir da apreensão, decodificação e assimilação de significados que são fornecidos por meio da relação do indivíduo com o meio ambiente. Os resultados das pesquisas experimentais de Lazarus (1982) indicam que uma avaliação cognitiva invariavelmente precede qualquer reação afetiva, sendo que uma avaliação cognitiva não envolve necessariamente um processo consciente (apud Eysenck e Keane, 1994, p. 411). A questão da relação terapêutica também foi explorada por Lazarus que a considerava uma variável de extrema importância para o sucesso de uma terapia. De acordo com ele o terapeuta deveria ter flexibilidade e versatilidade para adaptarse às particularidades de cada cliente, ou seja, algumas técnicas podem ser mais facilitadoras e eficazes para uns do que para outros e mesmo a atitude do terapeuta pode variar, por exemplo, de mais caloroso para mais distante, devido às características do cliente. A dedicação e a honestidade são fundamentais e o terapeuta deve avaliar seu poder de reforçamento com o cliente. É comum um terapeuta muito jovem encontrar resistências em um cliente idoso em se tratar com ele. Isso se deve a preconceitos que podem ser trabalhados, questionando-se a validade empírica dos mesmos, bem como a lógica das cognições envolvendo idade e competência. Contudo pode ser necessário, após esses esforços, encaminhar o cliente para um terapeuta mais velho. Ellis (1962) premissa de decorrem de às situações

e Beck (1982) desenvolveram teorias psicoterápicas baseadas na que o sofrimento e os comportamentos desadaptativos dos indivíduos pensamentos irracionais (Ellis) ou distorções cognitivas (Beck) relativas às quais eles estão expostos. Em termos gerais, para Ellis, a tarefa do


terapeuta é tríplice. Ele primeiro determina os eventos externos precipitantes: segundo, ele determina os padrões específicos de pensamento que constituem a resposta interna a esses eventos e dão surgimento a emoções negativas. Terceiro, ele ajuda o cliente a alterar estes padrões de pensamento, que ou são empiricamente falsos ou são de natureza tal que não podem ser verificados empiricamente. Para Beck, em síntese, a terapia consiste em experiências de aprendizagem altamente específicas, destinadas a ensinar ao paciente as seguintes operações: (1) observar e controlar seus pensamentos negativos automáticos (cognições): (2) reconhecer os vínculos entre a cognição, o afeto e o comportamento; (3) examinar as evidências a favor e contra seus pensamentos automáticos distorcidos; (4) substituir as cognições tendenciosas por interpretações mais orientadas para o real; (5) aprender a identificar e alterar as crenças disfuncionais que o predispõe a distorcer suas experiências. Beck desenvolveu uma teoria psicoterápica da depressão, leitura obrigatória para quem deseja trabalhar com idosos, pois a queixa que mais freqüentemente os leva ao consultório — seja por conta própria ou por conta da família — é um estado depressivo caracterizado por tristeza, falta de motivação, distúrbios do sono, inapetência, desejo de morrer. O deprimido tem uma visão negativista de si mesmo, das situações às quais é exposto e do futuro, além de manifestar um processamento falho de informações que “preservam a crença na validade de seus conceitos negativistas, a despeito da presença de evidência contraditória” (Beck, 1982, p. 27).

Meichenbaum (1979) enfocava o aspecto do autocontrole do comportamento verbal observável e do comportamento motor a partir de verbalizações implícitas facilitadoras. Ele desenvolveu uma técnica que consistia em treinamento de autoinstrução, com a participação de uma pessoa como modelo, que pode ser o terapeuta, envolvendo cinco etapas: 1. O modelo desempenha uma tarefa enquanto fala consigo mesmo em voz alta. 2. O cliente desempenha a mesma tarefa com a orientação do modelo. 3. O cliente desempenha a tarefa enquanto fornece a si mesmo instruções em voz alta. 4. O cliente sussurra instruções para si mesmo enquanto desempenha a tarefa. 5. O cliente realiza a tarefa empregando auto-instruções encobertas (internalizadas). No treinamento de auto-instrução, o modelo, ao falar para si próprio, fornece uma série de mediadores, entre eles: definição da situação estimuladora, focalização da atenção na resposta, auto-reforçamento, auto-avaliação e correção de erros. A aprendizagem de comportamentos por observação de um modelo bem-sucedido em uma ação foi amplamente pesquisada por Bandura (1979). Enquanto Meichenbaum explorou a utilização de modelos para o treino de auto-instrução, objetivando a aprendizagem de autocontrole por comportamento verbal encoberto


(fala internalizada), Bandura verificou outras potencialidades terapêuticas dessa técnica que ele chamou de “modelação”. Por meio da “modelação”, pode-se chegar à desinibição de comportamentos e respostas emocionais adaptativas que o indivíduo evita por medo, ‘a inibição de comportamentos ou respostas emocionais desadaptativas, além de facilitar a expressão de respostas já aprendidas. Outra contribuição importante de Bandura consiste em sua “ teoria da auto-eficácia”. A teoria da auto-eficácia parte do pressuposto de que os comportamentos defensivos desadaptativos decorrem de uma descrença do sujeito em sua capacidade e habilidade de desempenho, o que caracteriza uma baixa expectativa de eficácia. Logo, os procedimentos psicológicos visariam criar e fortalecer expectativas de auto-eficácia, reduzindo os comportamentos defensivos desadaptativos. Quanto maior a expectativa de auto-eficácia, maior é o enfrentamento e a persistência em situações difíceis. Dessa forma o sujeito se expõe com mais freqüência às situações; a repetição leva ao aprimoramento, aumentando a frequência de obtenção de reforços e conseqüentemente o senso de eficácia também se torna maior. As fontes de auto-eficácia são: o bom desempenho, a aprendizagem por modelação, a persuasão verbal e a estimulação emocional. A terapia pode criar e fortalecer as expectativas de auto-eflcácia por meio dessas quatro fontes, fornecendo subsídios para aumentar a probabilidade de enfrentamento de situações em que o sujeito possa obter reforço. Para tanto são úteis as técnicas de relaxamento, as técnicas de reestruturação cognitiva e a modelação. No idoso, de modo geral, a expectativa de auto-eficácia é muito pequena pois as pressões sociais são muito fortes no que tange às incapacidades atribuídas à terceira idade. Às vezes o sujeito possui um referencial de desempenho completamente irrealista para a sua idade, e compara suas habilidades atuais às de quando era um jovem adulto. Os comportamentos defensivos desadaptativos como evitação e fuga acabam reforçando uma autoimagem negativa no idoso, que leva a manutenção dos comportamentos defensivos em um círculo vicioso que precisa ser interrompido pelo terapeuta. Essas abordagens somadas à modelagem de comportamentos nos moldes skinnerianos, à dessensibilização sistemática e ao treino afirmativo caracterizam o acervo teórico e técnico de que nos utilizamos para o tratamento psicológico geriátrico. A seguir desenvolveremos aspectos mais específicos dessa prática clínica.

Características da terapia cognitivo-comportamental geriátrica 1. Local de atendimento O atendimento pode ser feito no consultório ou a domicílio. O atendimento domiciliar é indicado: quando o cliente se encontra impossibilitado de ausentar-se de sua residência ou o seu translado envolva contingências muito estressantes, como depender de ajuda de terceiro pouco confiável e pouco colaborativo ou, ainda, sendo o indivíduo portador de um defeito físico grave, ter que passar por um ritual muito cansativo para ir à consulta.


O consultório deverá estar situado em andar térreo ou edifício que disponha de elevadores de fácil acesso. As portas devem ter largura suficiente para a passagem de cadeiras-de-rodas, pois algumas pessoas muito idosas são portadoras de paralisias (com freqüência decorrentes de acidente vascular cerebral) e outras fazem uso desse recurso por não terem força muscular suficiente para percorrerem maiores distâncias. 2. Objetivos do tratamento A direção do tratamento é fornecida pelo cliente como decorrência da queixa que o estiver levando a buscar ajuda profissional, entretanto poderíamos levantar alguns objetivos mais gerais da terapia, sendo que esses irão variar dependendo da análise funcional de cada caso: a) Ajudar o cliente a superar as influências dos preconceitos sociais em sua autoimagem e em suas expectativas de auto-eficácia. b) Fornecer subsídios para que o cliente possa lidar melhor com seus problemas de saúde, agudos ou crônicos, caso os tenha. c) Orientar e facilitar a mudança de comportamentos desadaptativos por outros mais adequados, no sentido de proporcionar um maior bem-estar para o cliente em todas as áreas de sua vida: relacionamento familiar e com os amigos, relacionamento amoroso, vivência da sexualidade, atividades exercidas. 3. Metodologia a) Entrevista inicial: a entrevista inicial costuma levar uma hora e trinta minutos, pois os cinqüenta minutos habituais costumam ser insuficientes para se investigar a queixa do cliente, estabelecer uma relação terapêutica promissora (que permita o cliente sentir-se acolhido o suficiente para se expor sem maiores constrangimentos), aliviar um pouco a ansiedade do idoso e despertar suas esperanças em relação à terapia, além de estabelecer o contrato de trabalho. Na entrevista inicial o terapeuta deve procurar avaliar as condições mentais do cliente, fazendo perguntas que indiquem se o mesmo possui senso de localização espaço-temporal perfeito, se a memória e o raciocínio lógico estão ou não alterados. Caso haja alguma alteração, pensar na possibilidade de uma avaliação neurológica e analisar os possíveis limites que possam ser criados para a terapia. Deve avaliar também se ele enxerga bem e sua capacidade auditiva, pois qualquer déficit pode exigir uma pequena adaptação do terapeuta quanto ao volume de sua voz ou o local onde vai sentar-se, que deverá ser bem visível para o idoso. Quando o idoso enxerga muito mal ou não enxerga, o contato físico — como segurar a mão dele — ou estar perto o suficiente para que ele possa tocá-lo, se assim o desejar, é aconselhável. Nem sempre é o idoso que procura a terapia. Muitas vezes são familiares, que preocupados com o ente querido e achando-o abalado, deprimido, ou mesmo esquisito, procuram o psicólogo. Nesses casos, faz-se uma entrevista prévia com a pessoa que procurou ajuda e solicita-se que o idoso em questão entre em contato, reforçando-se a importância da iniciativa do próprio em receber atendimento psicológico.


b) Formulação de caso: Após a entrevista inicial seguem-se algumas consultas em que o terapeuta vai procurar reunir dados suficientes, que lhe permitam levantar uma hipótese das variáveis que levaram ao surgimento da queixa do idoso e as variáveis que o mantêm na situação que ele deseja modificar. Em outras palavras: Quais as distorções cognitivas que levam o cliente a sentir-se mal e comportar-se desadaptativamente? O que na história do cliente, em sua dinâmica de personalidade e nas variáveis do ambiente favoreceu o surgimento e favorece a manutenção dessas distorções cognitivas e comportamentos desadaptativos? Uma vez que o terapeuta formule uma hipótese inicial que lhe responda essas perguntas, ele deverá optar por uma estratégia de tratamento que lhe pareça promissora diante das particularidades do indivíduo e do caso que se apresenta. Embora alguns terapeutas façam uma entrevista de devolução em que apresentam formalmente a sua formulação do caso. nossa postura consiste em não demarcar para o cliente essa etapa e fornecer-lhe o feedback de nossa compreensão do caso gradativamente, ao longo dos primeiros encontros. Para tanto, desde a entrevista inicial fornecemos pequenos feedbacks sobre o conteúdo de suas colocações em seu aspecto mais óbvio, pois é uma forma de aliviar a ansiedade do cliente, motiválo a participar ativamente de seu processo de terapia e estabelecer uma relação de troca, em que a figura do terapeuta não fique dotada de excesso de poder. Quando os dados são suficientes para o fechamento de uma hipótese inicial de trabalho, então fazemos uma síntese integradora com o cliente de tudo o que já foi captado e colocado sobre seu problema e explicamos em linguagem acessível a lógica da terapia cognitivo-comportamental. Então propomos as técnicas de tratamento, que podem incluir atividades para casa. c) Processo terapêutico e alta: O processo terapêutico do idoso pouco difere do adulto mais jovem. As particularidades estão nos temas relacionados às crises biopsicossociais às quais está submetido e, com alguma freqüência, à fragilidade física que faz, por exemplo, com que um simples resfriado seja motivo de maiores atenções para um sujeito que está perto dos oitenta anos. Esse tipo de problemas físicos e outros como: mau funcionamento dos intestinos, enxaquecas e alterações na pressão arterial que causam mal-estar, levam a uma alta incidência de cancelamento das consultas agendadas e conseqüentes substituições de horários. O terapeuta há de ter compreensão para com essas situações bem como flexibilidade suficiente para que o andamento da terapia não fique prejudicado. O cliente com problemas de memória deve ser estimulado a escrever e colocar em lugar visível seu horário de terapia ou, quando tem ajuda de outras pessoas, solicitar que o lembrem. Considerando nossa experiência em atendimento psicoterápico à terceira idade podemos afirmar que a maioria dos clientes se mostrou engajada e bastante responsável em relação ao tratamento. As técnicas mencionadas: reestruturação cognitiva, modelagem, modelação, treino afirmativo, relaxamento, dessensibilização sistemática, reforço positivo se mostraram eficazes. As tarefas para casa que podem incluir leituras indicadas e outras atividades de modo geral são cumpridas e bemaceitas. A alta ocorre quando cliente e terapeuta julgam que o motivo da queixa foi superado e os objetivos do tratamento foram atingidos. Quanto mais específica a queixa mais rápida é a alta. Os quadros depressivos, de transtornos de personalidade e de


demência senil em desenvolvimento requerem um tratamento mais longo e freqüentemente o uso de medicamentos com acompanhamento psiquiátrico ou neurológico. 4. Orientação familiar A orientação familiar pode ocorrer em duas circunstâncias distintas. Uma delas consiste em chamar a família no decorrer do processo terapêutico do idoso e solicitar sua colaboração no cotidiano do cliente ou, mais especificamente, na realização das tarefas de casa. Nesses casos, o terapeuta explica a relevância para o tratamento que o auxilio da família possa ter. Uma família muito crítica e pouco reforçadora atrapalha o desenvolvimento do cliente; outras vezes, o excesso de preocupação leva a família a adotar uma atitude superprotetora. Em ambas as situações os sentimentos de incapacidade do cliente são reforçados, ou seja, seu senso de auto-eficácia se reduz progressivamente na medida em que os comportamentos defensivos vão se instalando mais saudavelmente. Para que essas entrevistas se realizem é preciso que haja a concordância do cliente. Outra circunstância em que se dá a orientação familiar é quando o idoso não tem condições psíquicas (transtornos sérios de personalidade) ou mentais (demência senil em processo de desenvolvimento) para assumir a responsabilidade sozinho pelo tratamento, então, a família assume em conjunto com o idoso. Nesses casos, é freqüente o acompanhamento de outros profissionais, como o neurologista e o psiquiatra, além de auxiliares de enfermagem que convivem com ele; de modo que a participação da família é importante para centralizar as informações, colaborando para um esforço integrado de ajuda ao cliente. Além desse aspecto, existem as conseqüências que esses quadros geram na família, pois cuidar de um idoso nessas condições é emocionalmente e fisicamente desgastante, o que gera sentimentos ambivalentes em relação ao cliente, constituindo-se o estado dele uma fonte de conflitos familiares. A orientação do terapeuta pode ser requisitada também no sentido de ajudar na resolução desses conflitos.

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14 Grupos Eliane Mary de Oliveira Falcone Supõe-se que a primeira aplicação da psicoterapia cognitivo-comportametal em grupo ocorreu em 1955, quando Ellis adotou a terapia racional-emotiva individual à situação de grupo (Wessler, 1991). Os princípios cognitivo-comportamentais e suas técnicas aplicadas a grupos têm despertado o interesse de profissionais de saúde mental (Sundel e Sundel, 1985), possivelmente devido ao alto custo dos serviços individuais e pela valorização das psicoterapias breves (Budmafl, 1981, em Sundel e Sundel. 1985). Diversas são as formas de terapia cognitivo-comportamental em grupo que se apresentam atualmente. Algumas enfatizam o problema específico (grupos de fóbicos sociais, de agorafóbicos, de obesos, de dependentes químicos etc.), outras enfocam a técnica específica (treinamento em habilidades sociais) e outras se propõem a trabalhar com grupos heterogêneos, utilizando técnicas variadas para problemas variados (Flowers e Schwartz, 1985). O presente capítulo trata do treinamento de habilidades sociais em grupo, em que serão apresentadas as características básicas deste tipo de intervenção, os seus critérios de avaliação e os seus recursos terapêuticos. Finalmente, algumas considerações teóricas serão feitas quanto ao estudo das habilidades sociais.

Princípios básicos A conduta socialmente habilidosa é definida como “o conjunto de condutas emitidas por um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos deste indivíduo, de um modo adequado à situação, respeitando estas condutas nos outros e que geralmente resolve os problemas imediatos da situação, minimizando a probabilidade de problemas futuros” (Coballo, 1986, em Cobalio, 1991, p. 407). As classes de respostas que compõem o constructo de habilidades sociais incluem (Cobailo, 1991, p. 408): iniciar e manter conversações; falar em público; expressar amor, agrado e afeto; defender os próprios direitos; pedir favores; recusar pedidos; dar e receber ordens; expressar opiniões pessoais. inclusive discordando; expressar desagrado ou enfado; desculpar-se ou admitir desconhecimento; pedir mudanças no comportamento de outra pessoa e lidar com críticas. Muitos autores têm atribuído às dificuldades sociais e interpessoais a origem de diversos problemas clínicos (Lennard e Bernsteifl, 1960; Berne, 1966, em Argyle, 1974; Chaney, O’Leary e Marlatt, 1978: Lewinsohn et ai., 1980; Emelkamp e Van der Heyden, 1980; Curran, 1977; Barnard, Flesher e Steinbrook, 1966, em Mackay, 1988). De acordo com Vinogradov e Yalom (1992), o tratamento psiquiátrico deveria ser dirigido para a correção das distorções interpessoais, possibilitando a participação colaborativa do indivíduo com outros e a obtenção de satisfações interpessoais no contexto de relacionamentos realistas e mutuamente gratificantes.


Entretanto, os problemas de performance social não se restringem à clientela psiquiátrica e são considerados comuns em grande parte da humanidade (Coilins e Collins, 1992). Deste modo, o treinamento em habilidades sociais (THS) pode ser útil, aão apenas para solucionar problemas clínicos, mas também para melhorar a qualidade das relações interpessoais, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Alguns autores (por ex.: Upper e Ross, 1977; Trower, Bryant e Argyle, 1978; Sausbury, 1979, em Hazel ei ai., 1985; Rose e LeCroy, 1985) têm apontado algumas vantagens dos procedimentos realizados em grupo para o desenvolvimento de habilidades sociais. As vantagens mais citadas na literatura são: a) Na situação de grupo, os clientes vivenciam experiências mais semelhantes às do seu dia-adia e com isso generalizam mais rapidamente os seus ganhos. b) Ocorrência de maior variedade de ensaios comportamentais com um número maior de pessoas. Esta maior variedade de ensaios permite que o indivíduo reduza a ansiedade nos confrontos interpessoais, além de aumentar as suas habilidades. c) Maior quantidade de feedback efetivo dos desempenhos, provendo mais reforço social. O feedback dos membros do grupo tende a ser mais eficaz do que o do terapeuta na terapia individual. d) Maior experiência com um maior número de situações-problema e mais suporte para a solução destes problemas. e) Maior disponibilidade de modelos múltiplos, enriquecendo o repertório de respostas positivas de interação. Os membros do grupo são modelos mais eficazes. Todas as práticas terapêuticas realizadas em grupo visam ajudar as pessoas a interagirem melhor umas com as outras e conseqüentemente a aumentarem a satisfação nas relações sociais. Portanto, o que vai caracterizar o THS, diferindo-o dessas outras práticas terapêuticas, é o seu aspecto sistemático. Collins e Collins (1992, pp. 3 e 4) citam três características do THS que o distingue dos outros grupos tradicionais: — Identificação precisa das situações nas quais a dificuldade é experienciada e das habilidades que devem ser praticadas. — Ensaio do fragmento do comportamento em questão, com feedback incluindo comentários, discussões e sugestões para qualquer modificação. — A possibilidade de uma mudança no modo como os participantes se comportam, ou pelo menos um aumento no leque de opções que eles têm para comportamento futuro. O THS baseia-se em dois princípios básicos que norteiam a sua prática. O primeiro princípio diz que as habilidades sociais são apreendidas e o segundo, que as habilidades sociais podem ser desenvolvidas em situação de grupo.

1º Princípio: As habilidades sociais são apreendidas


Collins e Coilins (1992) afirmam que o modo como as pessoas se comportam umas com as outras não é o resultado direto de suas necessidades e emoções, mas em vez disso, é profundamente influenciado por experiências passadas. Vinogradov e Yalom (1992) também consideram que um substancial complemento dos relacionamentos interpessoais é crucial para o desenvolvimento psicológico humano normal. Segundo esses autores, a personalidade e os padrões de comportamento podem ser vistos como o resultado das interações iniciais com outros seres humanos significativos. A aprendizagem social começa na mais tenra infância, quando ocorrem as primeiras descobertas. Para ilustrar esta afirmação, Collins e Collins (1992) citam o sorriso do bebê, que provoca no pai ou na mãe uma resposta calorosa (um beijo, um afago ou um contato ocular aumentado). Com o tempo, escores de pedaços muito pequenos de comportamento como estes são aprendidos e se integram, formando um padrão que pode ajudar ou impedir relações com outras pessoas no futuro. Embora cada criança tire proveito de uma dada série de experiências, de acordo com suas predisposições, alguns fatores ambientais podem ser identificados como favorecedores ou não do desenvolvimento de habilidades sociais (Collins e Collins, 1992, pp. 12 e 13): a) Presença de modelos apropriados: crianças cujos pais se apresentam como modelos ativos e sociáveis e que recebem os vizinhos de modo cordial, tendem a desenvolver mais habilidades sociais do que aquelas cujos pais são depressivos, falham em seus esforços para contatos sociais e não são muito responsivos aos filhos. b) Contato social variado e freqüente: crianças que convivem com muitas crianças e adultos em ambientes variados (em sua própria casa, na casa dos outros, na escola, nos clubes, grupos de jogos etc.), desenvolvem mais habilidades sociais, do mesmo modo que o isolamento impede este desenvolvimento, c) Encorajamento, aprovação e reforçamento social: crianças cujos pais estão sempre apontando as suas falhas tornam-se inibidas e mostram uma tendência a se retraírem nas interações sociais, ou podem tentar se proteger por meio de um estilo agressivo de auto-apresentação. As dificuldades de interação não são resultantes exclusivamente da educação dos pais. As pessoas precisam continuar mantendo contatos sociais. Na medida em que os costumes sociais mudam durante a vida de uma pessoa, cada indivíduo deve continuar aprendendo para se manter socialmente habilidoso. Isto significa que as habilidades sociais podem também se perder pela falta de uso, após longos períodos de isolamento (Caballo, 1991).

2° Princípio: As habilidades sociais podem ser desenvolvidas em situação de grupo A identificação dos fatores da história do indivíduo que contribuíram para o desenvolvimento do comportamento social presente não é suficiente para promover mudança. Para isso, serão necessárias novas experiências de aprendizagem que


favoreçam o desenvolvimento de novos padrões de comportamento (Collins e Coilins, 1992). Yelloly (1972, em Collins e Coilins, 1992) conceitua três sentidos diferentes de insight. O primeiro deles significa um “entendimento profundo”. O segundo, refere-se ao sentido psicanalítico, que afirma ser indispensável para o indivíduo entender porque ele se comporta daquela maneira, sem o que este não será capaz de mudar o seu comportamento e de conseguir mais satisfação em suas interações com os outros. O terceiro, de especial relevância para o THS, refere-se ao insight cognitivo, que significa tomar consciência das próprias emoções, do papel destas no próprio comportamento e do efeito que este último pode causar nos outros. Refere-se à solução de problemas no aqui-e-agora e é visto como um prérequisito essencial para o trabalho efetivo de habilidades sociais (Collins e Coilins, 1992). É importante salientar que o insight, por si só, não é suficiente para capacitar alguém a praticar habilidades que nunca foram aprendidas. No THS, o que se torna realmente necessária é a oportunidade para aprender. Experienciar o desafio das situações difíceis por meio de simulação, em um ambiente relativamente seguro, compreendido por um grupo sustentador, para depois tentar enfrentar esses desafios na vida diária, é o que constitui a proposição central do THS (Collins e Collins, 1992).

Fatores curativos do tratamento em grupo Treinar habilidades sociais em grupo envolve conhecer certos fatores terapêuticos específicos deste tipo de intervenção que são importantes agentes de mudança. A partir de pesquisas visando entender como funciona a psicoterapia de grupo, Yalom (1992, pp. 17 à 35) desenvolveu, empiricamente, uma lista de 11 mecanismos terapêuticos que operam na psicoterapia de grupo. Estes mecanismos são relacionados a seguir: 1. Instalação de esperança Consiste na observação direta de membros do grupo que apresentam melhora evidente e que oferecem grandes esperanças quanto à melhora dos outros membros. (Ex.: grupos de alcoólatras anônimos, que usam o testemunho de exaditos ou de alcoólatras em recuperação para inspirarem esperança nos novos membros). 2. Universalidade Em um ambiente terapêutico grupal, especialmente no estágio inicial, os pacientes costumam experimentar alívio ao perceberem que não estão sozinhos com os seus problemas. Esta constatação estimula a auto-revelação franca e aberta. 3. Oferecimento de informações Ocorre em um grupo sempre que um terapeuta dá instrução didática acerca do funcionamento físico ou mental, ou sempre que o aconselhamento ou orientação


direta sobre problemas de vida são oferecidos pelo líder ou por outros membros do grupo. 4. Altruísmo A experiência de ser útil a outros membros do grupo pode ser surpreendentemente gratificante para o paciente que acabou de ingressar no grupo. O fator terapêutico do altruísmo aumenta a auto-estima e desvia a atenção daqueles indivíduos que costumam mergulhar em uma mórbida auto-absorção. 5. Desenvolvimento das técnicas de socialização O aprendizado social opera em todos os grupos de psicoterapia, embora a natureza das habilidades ensinadas e a explicitação do processo variem imensamente, dependendo do tipo de grupo. 6. Comportamento imitativo Na terapia de grupo, os membros beneficiam-se da observação da terapia de um outro paciente com problemas similares (aprendizagem por substituição). 7. Catarse Quando o membro do grupo é capaz de expressar emoções fortes e profundas e ainda assim ser aceito pelos outros, este questionará a sua crença intima de que é basicamente repugnante, inaceitável ou incapaz de ser amado. Para que ocorra a mudança, o paciente deve primeiro vivenciar intensamente algo no setting do grupo e depois passar pela catarse que acompanha a forte experiência emocional. A seguir, este deve integrar o evento catártico, por meio da compreensão do significado deste, primeiro, no contexto do grupo e, a seguir. no contexto de sua vida fora do grupo. 8. Reedição corretiva do grupo familiar primário Os pacientes costumam interagir com os líderes ou outros membros de forma semelhante às suas interações familiares carregadas de experiências insatisfatórias. Um paciente de caráter dependente pode atribuir ao líder um conhecimento e poder irreais. Um indivíduo rebelde e desafiador pode considerar o terapeuta como alguém que bloqueia a autonomia no grupo ou que tira a individualidade dos membros. O paciente competitivo pode rivalizar com os outros membros pela atenção do terapeuta ou talvez buscar aliados em um esforço para derrotá-lo. Estes tipos de conflitos familiares precoces não apenas são reencenados, mas são recapitulados de forma corretiva. O líder deve explorar e desafiar os papéis fixos no grupo e, continuamente, encorajar os inembros a testarem novos comportamentos. 9. Fatores existenciais Um enfoque existencial ao entendimento dos problemas do paciente postula que a luta suprema do ser humano dá-se com os pressupostos de nossa existência: morte, isolamento, liberdade e falta de significado. Ao perceber que existe um limite


para a orientação e apoio que podem receber de outros, o paciente pode descobrir que o maior responsável pela autonomia do grupo e pela condução de sua vida é ele próprio. Aprende que, embora se possa estar próximo a outros, existe, ainda assim, uma solidão inerente à existência que não pode ser evitada. A aceitação dessas questões permite o enfrentamento de limitações com maior humildade e coragem. Na psicoterapia de grupo, o relacionamento franco e confiável entre os membros — o simples encontro íntimo tem um valor intrínseco, já que oferece presença e o “estar com alguém” diante das duras realidades existenciais. 10. Coesão Refere-se à atração que os membros do grupo têm entre si e pelo próprio grupo. Os membros de um grupo coeso aceitam-se uns aos outros, oferece apoio e estão inclinados a formarem relacionamentos significativos dentro do grupo. Grupos coesos atingem melhores resultados terapêuticos. A coesão na psicoterapia de grupo é um fator terapêutico análogo ‘a aliança entre terapeuta e paciente na psicoterapia individual. Os pacientes, sob condições de coesão do grupo, estão mais inclinados a se expressar e a explorar seus próprios comportamentos. a se conscientizar, integrando os aspectos até então inaceitáveis de si mesmos e se relacionando de modo mais profundo com os outros. 11. Aprendizagem interpessoal Para que seja possível compreender e definir o uso da aprendizagem interpessoal na terapia de grupo, quatro conceitos devem ser examinados: a) Importância dos relacionamentos interpessoais: contribui não apenas para o desenvolvimento da personalidade, mas também para a gênese da psicopatologia. As interações inter-pessoais podem ser usadas na terapia, tanto para entender quanto para tratar as perturbações psicológicas. b) Experiências emocionais corretivas: consistem no fato de o paciente experienciar as suas emoções e descobrir que suas reações são inapropriadas. O setting de grupo oferece um número muito maior de oportunidades para a gênese das experiências emocionais corretivas. c) O grupo como um microcosmo social: Após um período de tempo, cada membro do grupo começa a interagir com os outros do mesmo modo como interage com pessoas de fora do grupo. Os pacientes criam no grupo o mesmo tipo de mundo interpessoal no qual habitam exteriormente ao grupo. Neste momento, o grupo transforma-se em uma experiência de laboratório na qual as qualidades e fraquezas pessoais vão se revelando. Os membros, um a um, começam a demonstrar seus problemas interpessoais específicos ante os olhos de todos do grupo e perpetuam suas distorçóes sob o escrutínio coletivo dos companheiros. A livre interação grupal permite desenvolver o microcosmo social de cada um dos membros daquele grupo. d) Aprendizagem por meio do comportamento no microcosmo social: Consiste no processo em que são corrigidas as interações interpessoais distorcidas. O grupo torna-se um microcosmo social à medida que cada membro exibe sua patologia


interpessoal e em que o feedback permite que cada membro experiencie, identifique e mude seu comportamento interpessoal mal adaptado.

Etapas do THS em grupo Vários terapeutas cognitivos e comportamentais de grupo (por ex.: Cohn e Mayerson, 1985: Sundel e SundeI, 1985; Belfer e Levendusky, 1985; Flowers e Schwartz, 1985) utilizam-se dos fatores terapêuticos ou curativos apontados por Yalom, que se integram facilmente aos modelos de aprendizagem cognitiva e comportamental. As etapas do THS em grupo apresentadas a seguir levam em consideração os fatores curativos para otimização de seus resultados. 1ª Etapa: Avaliação das dificuldades de cada membro do grupo A avaliação das habilidades sociais de cada componente do grupo permite a identificação dos déficits individuais, que servirão para a estruturação das estratégias mais apropriadas ao desenvolvimento de habilidades dos membros daquele grupo específico. Além disso, contribui para a formação de uma linha de base dos déficits de cada indivíduo. A primeira estratégia de avaliação das habilidades sociais consiste de uma entrevista clínica, quando uma análise funcional deverá alcançar os seguintes objetivos: a) determinar em que contextos específicos ocorre o comportamento problemático; b) determinar quais são as competências comportamentais específicas necessárias para se ter um comportamento eficaz em cada situação; c) determinar se o cliente possui ou não tais competências; d) examinar os antecedentes e conseqüentes do comportamento hábil e inábil em cada contexto; e) determinar que procedimentos de avaliação adicionais serão necessários para completar a avaliação comportamental (Becker e Heimberg, pp. 407 e 408). Como um procedimento complementar à entrevista clínica, pode ser utilizado o jogo de papéis, em que o comportamento do cliente é observado enquanto este atua uma situação de interação social artificial. Solicita-se previamente ao indivíduo que atue naquela situação da mesma maneira que atuaria, caso ela fosse verdadeira. Becker e Heimberg (1990) citam dois tipos de jogos de papéis. O primeiro, chamado de jogo de papéis de respostas simples, consiste em descrever uma situação de estímulo, enquanto o assistente experimental ou um gravador registra a resposta do cliente. O problema com este tipo de avaliação é que alguns indivíduos podem ser assertivos em uma primeira estimulação, porém desmoronam diante de uma resposta resistente. Além disso, os estudos realizados para validar este método não têm sido bem-sucedidos (Becker e Heimberg, 1990). O segundo tipo corresponde ao jogo de papéis de resposta múltipla, em que o interlocutor torna a estimular o cliente após a


sua primeira resposta. Na medida em que aumenta o número de estímulos e respostas, mais a situação do jogo de papéis se assemelha à da vida real. A avaliação do comportamento do cliente na situação de jogo de papéis pode ser feita em nível molecular, ou seja, na identificação dos componentes comportamentais específicos (latência de resposta, duração da resposta, volume da voz, entonação, contato ocular etc.). Os jogos de papéis de resposta múltipla incluem a persistência (número de respostas dadas pelo sujeito diante dos estímulos). Com relação à avaliação do contato ocular, os sujeitos que nunca fitam a pessoa com quem estão dialogando são considerados inábeis. Por outro lado, aqueles que nunca deixam de fitar o interlocutor, precisam corrigir sua conduta (Becker e Heimberg, 1990). Os indivíduos que desviam o olhar enquanto falam e mantêm o contato ocular enquanto escutam a outra pessoa, são considerados mais hábeis (Duncau e Fiske, 1977, em Becker e Heimberg, 1990). Embora certos estudos tenham demonstrado que os sujeitos tendem a se comportar de forma mais hábil durante as situações de jogo de papéis do que em interações naturais, Becker e Heimberg (1990) argumentam que este dado pode significar que a pessoa demonstra uma habilidade que existe em seu repertório comportamental, o que não invalida a avaliação pelo jogo de papéis, mas significa que a pessoa manifesta uma dificuldade diferente do déficit em habilidade, ou seja, sofre de uma inibição cognitiva, de uma habilidade de percepção pobre, baixas expectativas de ganho etc. Neste caso, a diferença entre a conduta real e a do jogo de papéis pode ser uma ajuda e não um entrave no processo de avaliação. A utilização de inventários de assertividade também fornece medidas de habilidades sociais. Em estudo realizado por Becker e Heimberg (1990), foi encontrado que a Escala de Assertividade de Rathus (1973). o Inventário de Resolução de Conflitos (McFall e Liliesand, 1971) e a Escala de Auto-expressão para Universitários (Galassi, De Lo, Galiasi e Bastien, 1974) possuem informação sobre a sua validade e que o Inventário de Resolução de Conflitos é o que apresenta melhores resultados em todas as áreas, especialmente quanto à sensibilidade diante das diferenças entre grupo de tratamento e grupo controle (Becker e Heimberg, 1990, p. 418). Finalmente, um recurso recomendável para avaliação de habilidades sociais referese à auto-observação, que constitui o único registro prático da freqüência com que se produzem os acontecimentos comportamentais no ambiente natural (Becker e Heimberg, 1990). Nestas circunstâncias, o indivíduo registra a ocorrência do fato, bem como algumas de suas características, tais como (Becker e Heimberg, 1990, p. 419): a) dia e hora em que ocorreu; b) lugar da interação; e) tipo de interação; d) natureza da relação com a pessoa com quem se está interagindo; e) presença ou não de outras pessoas; f) ocorrência de outros tipos de atividades; g) presença de ansiedade ou satisfação experimentada durante a interação; h) cognições antes e durante a interação etc. Alguns autores (Royce e Arkowitz, 1978; Twentyman e McFall, 1975, em Becker e Heimberg, 1990), comprovaram a existência de correlação significativa entre pontuações derivadas de um registro de autoobservação e pontuações na Escala de Estresse e Evitação Social, em apreciações de companheiros e em percepções de observadores sobre ansiedade durante interação social com jogos de papéis. Embora sejam necessárias mais avaliações deste recurso, este parece ser válido como medida de habilidades sociais.


2ª Etapa: Preparação dos clientes para o THS em grupo Os clientes que iniciam um processo de terapia de grupo geralmente sentem-se ansiosos por causa de suas expectativas com relação a se exporem aos outros, a serem rejeitados, hostilizados, ignorados etc. (Cohn e Mayerson, 1985). Estas expectativas tendem a aumentar quando o indivíduo está confuso com o que o grupo espera dele. Alguns estudos (Baekeland e Lundwall, 1975: Frank. 1974. em Cohn e Mayerson, 1985) têm demonstrado que, quando o cliente não entende a análise racional do processo terapêutico, ele tende a se afastar do tratamento. Tal dificuldade pode prejudicar a coesão grupaI. Deste modo, a preparação dos membros para a terapia de grupo virá favorecer o engajamento dos mesmos no processo, promovendo a intensificação do efeito do tratamento. Os clientes devem, portanto, ser informados sobre: a) a análise racional da terapia (o que o trabalho busca alcançar, qual a sua base lógica e por que os resultados são esperados); b) expectativas do papel do cliente para o seu melhor aproveitamento e para o sucesso da terapia. Segue abaixo uma relação de comportamentos apropriados dos clientes, para melhor aproveitamento das sessões de grupo (Adaptação de Cohn e Mayerson, 1985, pp. 78 e 79): 1. Prestar atenção nos outros membros quando eles estão conversando sobre os seus problemas e repartir informação pessoal com eles. 2. O enfoque da terapia é no aqui e agora e não em histórias passadas. 3. O comparecimento às sessões constitui uma condição para o tratamento. A freqüência demonstra uma confiança para mudar e é fundamental na obtenção de metas. 4. As discussões de grupo relacionadas aos problemas dos clientes são consideradas confidenciais dentro do grupo. 5. Embora a sociabilidade dos componentes fora do grupo seja estimulada, é importante que os assuntos do grupo sejam discutidos apenas durante as sessões. 6. Não ingerir ansiolíticos, bebida alcoólica ou qualquer droga que tenha o efeito de reduzir ansiedade antes da sessão de grupo. 7. Procurar se libertar dos próprios rótulos (“...eu não consigo...”), buscando experimentar situações novas no grupo. 8. Ao se perceber ansioso diante de algum exercício no grupo, comunicar este sentimento, per mitindo que os Outros membros possam ajudar na superação desta dificuldade. A orientação dada aos clientes deve ser feita individualmente e depois repetida na primeira sessão, podendo também ser apresentada por escrito. 3ª Etapa: Intervenção em grupo


A literatura tem fornecido algumas sugestões de exercícios realizados em grupo, com o objetivo de desenvolver habilidades sociais (Alberti e Ernons, 1983; Caballo, 1991; Falcone, 1989; Lange e Jakubowski, 1976; Rose e LeCroy, 1985). O leitor interessado poderá consultar esse material contendo explicação detalhada sobre como aplicar as técnicas de THS em grupo. Cabem aqui alguns comentários importantes sobre o comportamento do líder na situação de grupo, para que as técnicas possam ser realizadas mais eficazmente. O líder desempenha um papel importante na coesao grupal e o modo como ele estabelece a sua comunicação com os membros influencia no funcionamento do grupo. De acordo com Belfer e Levendusky (1985), o estilo desempenhado por alguns terapeutas comportamentais de grupo de especialista-professor-treinador inibe a expressão de afeto por parte dos membros, que se tornam fragilizados ao perceberem o terapeuta como extremamente poderoso. Deste modo, o papel do líder deve variar de acordo com as situações de grupo. Na medida em que os membros precisam enfrentar dificulclades, ele funciona como um especialista, encorajando, mostrando o quando é importante correr riscos etc. Em outros momentos, o líder estimula os componentes do grupo a participarem ativamente das sessões, no sentido de analisarem e buscarem soluções para os problemas dos colegas. O terapeuta de grupo deve construir um sistema social terapêutico por meio do estabelecimento de normas terapêuticas. A atitude do líder deve favorecer a que o grupo seja o seu próprio agente de mudança, assumindo as responsabilidades pelo que acontece dentro do grupo. Um meio de viabilizar a responsabilidade assuinida pelo grupo é pedir que todos avaliem a efetividade da sessão, comentando o que foi de maior ajuda (Yalom, Z975, em Belfer e Levendusky, 1985). As normas grupais variam de acordo com as necessidades clínicas de cada grupo. Outras atribuições do líder, tais como encorajar o comparecimento dos membros, enfatizar que os outros componentes necessitam da presença daquele que taltou etc., são de grande ajuda na valorização do grupo (Belfer e Levendusky, 1985). A participação de um co-terapeuta nos grupos de tratamento é mais vantajosa do que a presença de apenas um terapeuta. Enquanto um terapeuta coordena o grupo, o outro observa os comportamentos verbais e não-verbais dos membros do grupo. Os papéis dos lideres são trocados periodicamente para que ambos tenham a chance de coordenar e observar o processo grupal. 4ª Etapa: Avaliação dos resultados A avaliação dos efeitos do THS em grupo pode ser feita por meio dos mesmos recursos utilizados na primeira etapa, com o objetivo de verificar mudança. Além disso, os resultados também podem ser observados no decorrer das sessões. De acordo com observações feitas em sessões de grupos de THS, a autora encontrou algumas mudanças comuns em todos os grupos, que serão especificadas a seguir: a) O grupo vai se tornando mais independente e ativo quanto à escolha dos exercícios. b) Os confrontos interpessoais ocorrem naturalmente entre os membros e são resolvidos com a ajuda dos colegas.


c) O nível de participação se torna mais equilibrado entre os membros. d) As pessoas se mostram mais firmes e confiantes em suas colocações. e) Ocorrem relatos mais freqüentes e espontâneos de experiências bem-sucedidas fora do grupo e do reconhecimento de familiares, amigos, colegas etc., de mudança evidente.

Limitações do THS em grupo Embora os métodos de tratamento em grupo envolvendo o treino de habilidades sociais mostrem-se razoavelmente eficazes, definir claramente as habilidades sociais, bem como medi-las e identificar os seus componentes mais específicos não têm sido uma tarefa fácil. Alguns autores apontam dificuldades em criar métodos objetivos para classificar habilidades sociais com a finalidade de melhorar as relações interpessoais, por meio do treino de habilidades apropriadas para determinado indivíduo em uma situação social específica (Argyle, 1974; Arkowitz et ai., 1975; Moscovici, 1981, 1985; Hazel et ai., 1985; Walen, 1985; Cabalio, 1991). A ausência de uma definição adequada do que vem a ser habilidade social constitui uma razão destas dificuldades (Bellack, 1983, em Walen, 1985; Hazel et ai., 1985). Outra razão se refere aos julgamentos que levam um indivíduo a ser considerado socialmente competente ou habilitado. Embora este termo esteja relacionado a um conjunto de comportamentos de uma pessoa, os efeitos deste conjunto serão sentidos e julgados por outra pessoa (Hazel et ai., 1985; Cabalio, 1991) e este julgamento sofrerá influências culturais e pessoais (Argyle, 1974; Walen, 1985). Dificuldades nesta área parecem impedir a criação de uma metodologia capaz de medir e desenvolver, de forma mais eficaz, a competência social dos indivíduos. A ausência de uma definição adequada de habilidade social parece estar relacionada a dois aspectos encontrados na literatura: o primeiro se refere a uma tendência por parte de alguns autores a conceitualizar a habilidade social como sinônimo de assertividade e o segundo aspecto refere-se à falta de clareza na aplicação do conceito de habilidade social, quanto à sua generalidade e especificidade.

Habilidade social e assertividade Alberti e Emrnons (1983, p. 18) definem comportamento assertivo, como aquele que “torna a pessoa capaz de agir em seus próprios interesses, a se afirmar sem ansiedade indevida, a expressar sentimentos sinceros sem constrangimento ou a exercitar seus próprios direitos, sem negar os alheios”. Esta definição é compatível com a de Lange e Jakubowski (1976, p. 7), em que asserção envolve “defender os direitos pessoais e expressar pensamentos, sentimentos e crenças de forma honesta, direta e apropriada, sem violar os direitos da outra pessoa”. Estes autores apontam a mensagem básica da asserção como: “Isto é o que eu penso. Isto é o que eu sinto. Isto é como eu vejo a situação.” Esta mensagem expressa como “o indivíduo é” e é dita “sem dominar, humilhar ou degradar a outra pessoa”. Considerando-se a definição de “conduta socialmente habilidosa” feita por Caballo e citada no início deste capítulo, pode-se verificar que não existe distinção entre esta e


as definições de Lange e Jakubowski, bem como as de Alberti e Emmons. Todas elas se referem à defesa dos próprios direitos, sentimentos e desejos. CabaIlo (1991, p. 404) chega a afirmar que as condutas assertiva e socialmente habilidosa são sinônimas. Entretanto, outros autores têm apontado alguns comportamentos socialmente habilidosos que não se encaixariam dentro da definição de assertividade. Argyle (1974) cita a sensibilidade perceptiva (percepção exata acerca das reações dos outros, fazendo discriminações mais sutis e penetrantes entre as pessoas), a capacidade empática (facilidade em se sentir na mesma situação que está sendo vivenciada por outra pessoa), a capacidade reforçadora (facilidade para provocar nos outros sentimentos positivos) e equilíbrio emocional (agir de forma emocionalmente equilibrada diante de confrontos sociais) como habilidades ou competência social encontradas nas pessoas mais populares. Moscovici (1981) aponta flexibilidade comportarnental (capacidade de agir adequadamente com diferentes tipos de pessoas e em diferentes situações) como habilidade ou competência social. Experiência pessoal de treinamento assertivo em grupo realizado pela autora tem sugerido que a assertividade é apenas um tipo de habilidade entre várias outras necessárias a uma interação social satisfatória. Alguns indivíduos parecem lidar assertivamente diante de situações sociais variadas: sabem fazer valer os seus direitos, expressar afeto, sentimentos de desagrado etc.. mas costumam se ocupar tanto em se fazer respeitar que não manifestam uma curiosidade pela outra pessoa, característica comumente encontrada em sujeitos empáticos e reforçadores. Isto, algumas vezes, cria problemas de interação. Considerar a assertividade como sinônimo de habilidades sociais acaba gerando definições contraditórias e pouco abrangentes. MacKay (1988) sustenta que a habilidade social compreende um repertório mais amplo de respostas, sendo o treinamento assertivo mais restrito e inserido no programa de desenvolvimento de habilidades interpessoais.

Generalidade e especificidade do conceito de habilidade social O conceito de habilidade social tem sido aplicado na literatura de forma pouco clara quanto à sua generalidade e à sua especificidade. Em alguns momentos esta terminologia parece tratar de comportamentos mais específicos, tais como: manter conversa informal, mostrar interesse por outra pessoa (Argyle, 1974); ouvir de modo gratificante, apresentar fatos de forma interessante (MacKay, 1988); expressar afeto, pedir favores, recusar pedidos, discordar (Cabailo. 1991); cumprimentar os outros, ser cooperativo (Rose e LeCroy, 1985) etc. Em outros momentos, as habilidades sociais são abordadas dentro de um sentido mais genérico, como o de um constructo teórico. Deste modo, a capacidade empática, a sensibilidade perceptiva e o equilíbrio emocional são considerados também por Argyle (1974) como habilidades ou como indicativos de competência interpessoal. Outros autores (Arkowiti et ai., 1975; Rose e LeCroy, 1985; Hazel eta!., 1985) também se referem à habilidade e à competência social como sinônimos.


A ausência de definições operacionais que caracterizem os termos competência social ou interpessoal e habilidades sociais de uma forma mais clara parece prejudicar o avanço deste campo de estudo. Ao mesmo tempo em que alguns autores admitem ser possível dividir as habilidades sociais em subabilidades e estudá-las em mínimos detalhes (MacKay. 1988; Rose e LeCroy, 1985; Hazel eta!., 1985), os termos competência social ou interpessoal são utilizados de forma pouco definida: ora aparecem com um sentido de uma dimensão subjacente às habilidades sociais, ora são referidos como sinônimos destas habilidades (para uma revisão destes conceitos, ver Argyle, 1974; Moscovici. 1981 e 985). A impossibilidade de se estabelecer medidas de déficit de habilidades sociais e a dificuldade de se criar técnicas mais específicas para estes déficits parecem ser conseqüências da carência de um procedimento metodológico que defina operacionalmente os termos habilidade e competência social, de acordo com diferentes níveis de especificidade. A partir destas constatações, foi elaborada pela autora a proposta de um modelo fatorial de competência social com o objetivo de prover um estudo operacional neste sentido (Falcone, 1989).

O modelo fatorial de Competência Social Parece incomum encontrarmos pessoas bem-sucedidas em todas as áreas de relacionamento (profissional, afetivo, sexual e social). Argyle (1974) afirma que alguns indivíduos obtêm êxito em suas interações com grupos (proferindo palestras, liderando etc.), mas manifestam dificuldades em relacionamentos mais íntimos. Em nossas interações sociais nós observamos pessoas que possuem um grande círculo de amigos por serem empáticas flexíveis e reforçadoras, mas que, por outro lado, não sabem dizer “não” ou expressar desagrado. Outros indivíduos considerados assertivos manifestam os seus sentimentos apropriadamente, mas não conseguem agir de forma flexível e empática. Todas essas considerações sugerem que, por várias razões, alguns indivíduos desenvolvem habilidades que os capacitam a interagir com sucesso em certas áreas ou circunstâncias de seus relacionamentos, mantendo-se deficientes em outras habilidades, que os levarão a ter problemas em outras áreas ou circunstâncias sociais. Assim, profissionais brilhantes e bem-sucedidos podem fracassar nos seus relacionamentos afetivos e pessoas empáticas e reforçadoras podem estabelecer vínculos afetivos sólidos e perder boas oportunidades profissionais por não conseguirem fazer valer os seus direitos. Alguns indivíduos podem também apresentar uma variedade considerável de habilidades sociais, conseguindo sucesso em todas as áreas de relacionamento. Se isto for verdadeiro, então é possível inferir a existência de uma competência social subjacente a várias habilidades sociais. A afirmação, por parte de alguns autores, de que é possível dividir as habilidades sociais em subabilidades (fVlacKay, 1988; Rose e LeCroy, 1985; 1-fazei et ai., 1985) acrescida das conclusões tiradas no parágrafo acima nos remete a uma constatação de que deve existir um fator subjacente a um conjunto de habilidades sociais. Este fator poderia ser chamado de competência social e cada habilidade poderia ser constituída de um conjunto de comportamentos sociais. Tais comportamentos


poderiam ainda ser desmembrados em nível mais específico. Estas elaborações culminaram na proposta de um modelo fatorial de competência social, baseado no pensamento fatorial, tal como Eysenck (1966) utilizou na elaboração da teoria da personalidade. Em um nível mais geral encontra-se a Competência Social (CS), que corresponde ao conjunto de habilidades que torna o indivíduo capacitado a lidar com circunstâncias sociais gerais. Isto significa que uma pessoa com um alto nível de competência social deverá apresentar habilidades em todas ou quase todas as circunstâncias sociais relacionadas à sua vida profissional, afetiva, sexual e social. A competência social corresponde a uma dimensão ou fator geral, sendo, portanto, um constructo teórico. Habilidade Social (HS) situa-se numa escala menor de generalidade e compreende o conjunto de comportamentos sociais gerais que torna um indivíduo capacitado a lidar com circunstâncias sociais específicas. Neste caso, uma pessoa poderá apresentar habilidades em sua vida profissional, porém carecer de outras habilidades na área social ou afetiva. A habilidade social é também um constructo e inclui a sensibilidade perceptiva, a capacidade empática, a capacidade reforçadora, a capacidade de auto-apresentação positiva, a flexibilidade comportamental, a assertividade e o equilíbrio emocional. NIVEL DE HABILIDADE NIVEL DE COMPORTAMENTO SOCIAL GERAL NÍVEL DE COMPORTAMENTO SOCIAL ESPECIFICO Figura 1. Modelo fatorial de Competência Social (Falcone, 1989).

No proximo nível, o do Comportamento Social Geral (CSG) corresponde ao conjunto de comportamentos sociais específicos, verbais e não-verbais, que atinge um objetivo geral. Mostrar interesse pela conversa de alguém, mostrar admiração pelas qualidades de uma pessoa etc. constituem exemplos de CSG, que já pode ser diretamente observado e manipulado, sendo, portanto, uma variável dependente. O Comportamento Social Especifïco (CSE) abrange todos os comportamentos sociais que atingem um objetivo específico. As respostas relacionadas a este fator compreendem: olhar o outro com atenção, elogiar, escutar atentamente, fazer comentários sobre o que a outra pessoa está falando etc. A Figura 1 ilustra o modelo fatorial de Competência Social, com seus diferentes níveis de especificidade. Existem algumas razões que justificam a importância do modelo fatorial de Competência Social (CS), caso seja possível validá-lo. A primeira delas refere-se à possibilidade de se quantificar a CS de um indivíduo a partir da medida de cada uma das habilidades (HS) que compõem o conjunto. Deste modo, aquelas habilidades que estiverem em déficit serão identificadas e desenvolvidas, por meio de treinamento apropriado, gerando um aumento da CS. Em nível prático, o modelo oferece vantagens, tais como:


a) possibilita ao terapeuta identificar problemas interpessoais mais específicos de seu paciente e desenvolver habilidades apropriadas para solucioná-los. b) permite a criação e refinamento de técnicas mais específicas para o desenvolvimento de cada habilidade um déficit. c) abrange o conhecimento de déficits de habilidades relacionados a vários tipos de problemas interpessoais, desde aqueles característicos das fobias sociais até os mais encontrados entre delinqüentes. d) o desenvolvimento de habilidades em déficit proporciona o aumento da capacidade profissional, especialmente nas funções que dependem de interação social. e) em nível preventivo, este modelo tornará o treinamento de habilidades sociais em crianças mais efetivo. f) promove um trabalho de desenvolvimento interpessoal mais completo. O modelo fatorial de Competência Social encontra-se ainda em uma fase teórica, sendo necessárias muitas pesquisas para a sua utilização na prática de terapia de grupo. Espera-se que este possa contribuir para o estudo do desenvolvimento interpessoal.

Conclusões Este capítulo procurou enfocar o treinamento de habilidades sociais em grupo com suas características básicas que o diferencia das outras psicoterapias de grupo mais tradicionais. Fatores importantes para o sucesso do tratamento realizado em grupo também foram apontados. Finalmente, algumas limitações do THS em grupo foram identificadas, culminando na proposta de um modelo fatorial de Competência Social, O referido modelo mostra que as habilidades sociais constituem um repertório mais amplo de comportamentos, onde está inserida a assertividade, não devendo esta última ser considerada como sinônimo de habilidades sociais. Isto implica que o treinamento de habilidades sociais deve também se propor a desenvolver outras habilidades diferentes da assertividade.

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15 Casais Bernard Rangé e Frank M. Dattilio Três enfoques serão abordados neste capítulo: um comportamental, em sua vertente de aprendizagem social, conforme originalmente desenvolvida por Albert Bandura (1969, 1977 e 1984) e depois aplicada por Neil Jacobson ao tratamento de casais; um cognitivo, na vertente de terapia cognitiva que vem sendo desenvolvida por Aaron T. Beck (1977) e seus seguidores, entre eles o co-autor deste trabalho (F. Dattilio); e a ditima, uma vertente integrativa dos aspectos comportamentais, cognitívos e afetivos, como a que vem sendo desenvolvida por Bernard Guerney, Jr. (1977). Em comum, entre as três, há uma ênfase no papel do ambiente social atual, no aqui-e-agora, como objeto e foco de interesse e uma concordância quanto ao papel desagregador de determinados padrões de comportamento que prejudicam o bemestar subjetivo do casal. Há concordância entre as três também quanto ao fato que isto exige a adoção de estratégias de aprendizagem de habilidades específicas de interação conjugal para que aquele bem-estar seja alcançado. Cada uma diverge na ênfase que é dada a cada componente de desequilíbrio (cognitivo, afetivo, comportamental), a cada estratégia ou técnica específica de mudança, mas o modelo geral é comum e é elemento de diferença com outras abordagens terapêuticas de casais, com a sistêmica e a psicanalítica.

Neil S. Jacobson: modelo de aprendizagem social-cognitiva Por cerca de 15 anos, Jacobson e seus colegas têm desenvolvido um esforço de aplicação de uma perspectiva comportamental aos problemas conjugais, baseada numa visão de aprendizagem social como definida por Bandura (Jacobson e Margolin, 1979). Versões mais estritamente comportamentais iniciais evoluíram, de acordo com o Zeitgeist em psicologia, para uma versão que incluísse também, conforme os dados mais recentes de pesquisa, outro papel importante de variáveis cognitivas (Wood e Jacobson, 1994). Dados empíricos progressivamente demonstraram que modelos não mediacionais, apesar de mais parcimoniosos, foram se revelando insuficientes para dar conta da variação no grau de satisfação conjugal (Jacobson e Moore, 1981) e que procedimentos comportamentais comuns não eram sempre agentes efetivos de mudança (Jacobson et ai., 1984). Inúmeros pesquisadores têm sido seus interlocutores, destacando-se: Richard B. Stuart, Gerald R. Patterson e Robert L. Weiss, K. Daniel O’Leary, Gayla Margolin, Jonh Gottman, Donald H. Baucom, Paul Emmelkaml e muitos outros. Seu modelo atual se baseia em realçar os processos de determinação ambiental, social e cognitiva nos desajustes conjugais. Por exemplo, a estabilidade conjugal e o grau de satisfação no casamento são vistos como determinados pela frequência relativa de trocas positivas e negativas no casal (Jacobson e Moore, 1981) e que, além de haver variação na quantidade de trocas reforçadoras e punitivas, casais


desajustados e não desajustados se diferenciam pelos padrões de trocas reforçadoras e punitivas. Assim, casais problemáticos são altamente recíprocos e reativos em seus padrões de interação de comportamento negativos: quando um pune, com quase certeza o outro irá agir reciprocamente e de forma imediatamente reativa, conduzindo, inevitavelmente, a escaladas de agressividade em círculos viciosos (Schapp, 1984: Jacobson etal., 1982). Por outro lado, as pesquisas cognitivas destacaram o papel de atribuições causais na produção, manutenção e exacerbação dos problemas conjugais (Jacobson ei ai., 1985). Assim, cada membro de um casal desajustado tende a atribuir a seus parceiros a fonte das dificuldades do casal. Ressaltam também fatores que aumentam o impacto negativo das interações e que minam o impacto de comportamento positivo pela negação de seu valor. Por exemplo: se um marido está circunstancialmente atarefado por compromissos assumidos (até mesmo) anteriormente a seu relacionamento conjugal, este fato pode ser atribuído por sua mulher a que “ele é assim mesmo”. Como a atribuição é feita a uma (suposta) característica estável da personalidade do marido, a implicação é que “nada adianta ser tentado”, donde as consequências podem envolver, para ela, distanciamento ou depressão; e, para ele, profunda revolta com correspondente comportamento agressivo pelo sentimento de injustiça. A escalada torna-se quase inevitável. Além de aspectos estritamente funcionais e hedonistas, Jacobson passou a valorizar também aspectos topográficos das interações conjugais, tais como as características do repertório de habilidades de comunicação no casal. Suas observações experimentais e clínicas acompanharam, provavelmente, a unanimidade das abordagens atuais de terapia conjugal, cognitivo-comportamentais ou não, que realçam o valor deste treinamento em terapia conjugal. Os objetivos de sua modalidade de terapia conjugal seriam então: (1) aumentar a taxa de intercâmbios positivos em relação a negativos, tendo em vista os resultados experimentais que demonstraram a importância deste fator no ajuste conjugal; (2) desenvolver as habilidades necessárias, cognitivas e comportamentais, para manter uma relação íntima por um longo tempo; (3) reduzir a erosão da capacidade de reforçamento, considerando a tendência das pessoas de, em relações duradouras, diminuírem ou perderem a capacidade de agradar umas às outras. Em resumo, se anteriormente havia uma valorização do aspecto funcional do intercâmbio comportamental, pela ênfase no papel do ambiente social, hoje sua abordagem também enfatiza as variáveis cognitivas de Interpretação dos acontecimentos e as variações de repertórios de habilidades sociais de interação diádica. Apesar de que qualquer intervenção psicoterápica deva ressaltar os aspectos idiossincráticos de cada paciente ou casal, o que implica não tentar se estabelecer qualquer tipo de padrão predeterminado rígido de atuação podem ser destacados algumas características estruturais mais ou menos invariantes no processo terapêutico, com exceção para casais tipicamente em crise aguda. Como tendência geral, os passos seguem a seguinte seqüência: (1) uma criteriosa avaliação; (2) uma sessão de devolução, quando são apresentados uma formulação dos problemas, uma avaliação dos recursos do casal e um plano de tratamento para discussão entre o casal e o terapeuta; (3) uma fase de instigação de trocas positivas; (4) uma etapa (às vezes desnecessária) de aquisição de habilidades de comunicação interpessoal.


A fase de avaliação é claramente separada do processo de mudança propriamente dito e costuma envolver, além de entrevistas em conjunto e individuais com cada membro do casal, o uso de alguns questionários. registros de dados, feitos em casa pelo casal, mais uma avaliação sistemática dos seus padrões de comunicação. As principais áreas de interesse são aquelas tidas como relevantes nesta abordagem: habilidades de comunicação e de solução de problemas; padrões e freqüência de intercâmbio comportamental positivos e negativos: áreas de deficiência de habilidades; processos atribucionais e cognitivos, como interpretações e crenças, entre outros. Apesar de ser deixado claro que não há expectativas de mudança nesta fase, estas costumam ocorrer pois a investigação chama necessariamente a atenção do casal para aspectos positivos da relação que são os principais objetivos da terapia. É preciso ressaltar que, segundo Jacobson, a avaliação também se justifica pela possibilidade de uma decisão de que a melhor indicação possa não ser uma terapia de casal, mas outras alternativas, como terapia individual para um dos membros ou ambos. As fases de instigação de interações positivas e de aquisição de habilidades serão examinadas juntamente com as técnicas específicas utilizadas no tratamento. Em geral, o processo terapêutico dura 20 sessões semanais (tempo limitado), é altamente estruturado e acompanhado de sessões mais espaçadas de seguimento (para generalização e manutenção) e de sessões de reforço”, a cada seis meses. A suposição é a de que este modelo, que desenfatiza um término formal, seja benéfico para estimular relações de longa duração, na medida em que o estabelecimento de uma relação contínua com o terapeuta serve de modelo para a própria relação do casal.

Estratégias e técnicas 1. Intercâmbios comportanentais. Casais problemáticos, usual e compreensivamente, selecionam mais os aspectos negativos da interação do que os positivos. Isto fortalece o desgaste da relação, uma vez que faz parecer que ela tem mais daqueles do que destes aspectos. Numa primeira fase, é importantíssimo que o casal possa aumentar a freqüência de interações positivas. Isto permite resgatar a esperança de vida em comum satisfatória, desgastada pela idéia de que o comportamento do outro é o único responsável pela situação. Neste momento, toda a atenção é dada ao incremento destas trocas positivas, mesmo que problemas mais agudos, dolorosos e crônicos de seu relacionamento sejam deixados de lado, momentaneamente. Apesar de ser freqüente a queixa de casais quanto à artificialidade deste empreendimento, é introduzida a idéia de que a satisfação conjugal exige uma vigilância permanente e que certas medidas simples, mas de efeito positivo imediato, são mais necessárias do que outras mais ambiciosas e de grande impacto, pois ainda são precoces para a base que o casal oferece. Assim, esta fase não ataca áreas principais de conflito mas sim questões que têm um menor custo de resposta e oferecem uma possibilidade de melhores reultados, em termos de satisfação imediata. Esta fase assenta-se principalmente no trabalho de casa como um meio para melhorar a qualidade da relação. Desde o começo do tratamento os casais


aprendem que este é um fator muito mais importante para o resulado da terapia do que uma sessão semanal com o terapeuta. Inicialmente, se requer que cada um se focalize buscando descobrir de que modo cada um pode estar contribuindo para os problemas do casal e o que cada um pode fazer para melhorar a qualidade da relação por meio de mudanças nos próprios comportamentos. Assim, pela ênfase em que cada um evite responsabilizar o outro e busque em seu próprio comportamento fatores de mudança, o terapeuta pode interromper um antigo padrão de “esperar primeiro a mudança dele(a)”. A tarefa é insistir no garimpo de comportamentos do repertório de cada um que poderiam conduzir a uma melhora na satisfação do casal. Como cada um tem a oportunidade de formular suas hipóteses sobre o que seria melhor e escolher quais comportamentos ele(a) acredita que seriam mais positivos para o outro, isto diminui a reactância a estas instruções. A idéia é que o foco fique sobre momentos bons e positivos que cada um pode oferecer, deixando para o freezer aqueles aspectos insatisfatórios e negativos. 2. Treino em comunicação e solução de problemas. Outras táticas são necessárias, uma vez que instigar trocas positivas podem não afetar os aspectos essenciais das dificuldades do casal. Entre estes, parece haver um consenso entre todas as linhas de terapia conjugal que a dificuldade de comunicação e de solução de problemas é o principal. A diferença aqui é o fato de que, nesta abordagem, o tratamento desta questão é feito de forma diretivamente educacional e envolve instruções didáticas, exercícios práticos em casa e feedback do terapeuta. Há evidências de que apenas o conjunto total destes passos produz resultados (Anderson. 1980), não havendo primazia de nenhum deles sobre qualquer outro. O primeiro passo requer treinos em habilidades de recepção e expressão. As primeiras incluem capacidades de ouvir com atenção, de refletir sentimentos e de parafrasear, enquanto as segundas envolvem habilidades de falar sucintamente, de falar sobre seus sentimentos (mais do que acusar o outro) e de fazer solicitações construtivas de mudança comportamental. A maior parte dos casais apresenta dificuldades de ouvir atentamente o outro e de indicar a ele que está sendo ouvido com atenção. Dadas as intolerâncias adquiridas após longo período de “conversas” improdutivas, o contato visual e os sinais de atenção costumam estar ausentes, o que acaba por sugerir desinteresse e desrespeito ao falante: a concentração e a disposição para um sincero entendimento estão enfraquecidas, o que introduz ruídos e distorções na comunicação. Para superar estas deficiências, cada um é treinado em ouvir fazendo contato visual direto e a fazer sinais corporais que reforcem o comportamento verbal do outro (p. ex., mexer com a cabeça; “hum-hums”). Além disso, uma boa dose de atenção é (lada à capacidade de parafrasear, isto é, a que cada um, após uma expressão verbal do primeiro, espelhe o que foi dito, procurando resumir o conteúdo e refletir o sentimento básico presente. As habilidades expressivas são ensinadas depois das anteriores. Inicialmente, cada cônjuge é solicitado e treinado a ser assertivo, no sentido mais amplo de expressar


sentimentos de forma pessoal, direta, honesta e adequada, e não apenas exigir direitos, no significado que o termo passou a ter nos anos 70. Isto significa expressar os aspectos mais subjetivos da realidade na perspectiva de cada um. Representa preferir afirmações como “Eu me sinto amedrontada quando você grita” em vez de “Você é um grosso porque grita sempre comigo”; ou “Eu me sinto violado em meu direito de ficar só, quando tento acalmar minha raiva e você não me deixa, querendo conversar, de qualquer maneira, naquele momento” do que “Você é uma tirana. torturadora, autoritária e desumana porque não respeita os mínimos direitos de uma pessoa”. As primeiras permitem que o parceiro compreenda o que se passa com outro, seus sentimentos e suas necessidades; as segundas levam o parceiro a uma atitude defensiva, fechada e contra-agressiva. Além de mudanças comportamentais, isto conduz também a mudanças cognitivas no sentido em que aquilo que é visto como “fato objetivo e verdadeiro” passa a ser concebido como a percepção que cada um tem de cada situação, apenas. A aquisição destas habilidades expressivas também se volta para aprender a fazer solicitações construtivas de mudança sem as típicas generalizações e rotulações que estabilizam a personalidade de cada um e que marcam os relacionamentos desajustados. Os exemplos acima mostram claramente esta tendência, comum em casais problemáticos. Em vez disso, o casal é ensinado a fazer solicitações do tipo: “se você fizer X (bem definido) neste tipo Y de situação, eu me sentiria Z (descrever sentimentos)”. Além disso, cada cônjuge é ensinado a ser sucinto, breve e preciso, em respeito ao outro e objetivando o bem-estar subjetivo do casal. Há uma tendência de, entre casais, ou existir uma fala excessiva, detalhista, viscosa (em geral, feminina, sem preconceitos ou clichês), ou existir uma fala monossilábica, impessoal e dogmática (em geral, masculina, idem). Os problemas e sentimentos relativos precisam ser apresentados de um modo que cultive a atenção do outro e não o contrário. Jacobson enfatiza a necessidade de promover o igualitarismo no casal. Observou dois padrões de dominância em casais: a dominação pela fala e a dominação pela escuta. No primeiro, mais comuns em maridos, o falante está mais preocupado com detalhes de sua vida com pouco ou nenhum interesse pela do parceiro; e no segundo, mais comuns em esposas, o ouvinte domina a conversa pela falta de interesse no que o outro está dizendo e pela retenção de informações sobre sua vida. O treino em comunicação procura eliminar estes padrões de dominação conclamando o dominante a parafrasear tudo o que é dito ou ouvido com contato visual e outros sinais de interesse e importância ao outro. Uma vez que os cônjuges já tenham dominado as habilidades expressivas e receptivas, inicia-se a etapa de ensinar a solucionar problemas. Esta etapa é dividida em duas fases: a fase de identificação e a fase de resolução. Na primeira, são ensinados a apenas identificar possíveis áreas de conflito, sem qualquer esforço em gerar soluções. Se soluções forem geradas precocemente, há uma possibilidade de o problema errado estar sendo discutido. Por outro lado, se continuarem a discutir qual é o problema, não vão conseguir chegar a soluções efetivas. Para identificar problemas, Jacobson sugere certas diretrizes: (1) a identificação deve ser precedida por expressões de reconhecimento positivo sobre o outro; (2) os problemas devem ser definidos comportamentalmente, sem adjetivos humilhantes ou rotulações negativas; (3) a definição deve incluir expressões assertivas de sentimentos.


A fase de solução envolve três etapas: (1) brainstorlning (quando qualquer possível solução é apresentada sem qualquer tipo de censura); (2) estabelecimento dos elementos de um contrato; e (3) contrato (usualmente escrito). A primeira pode ser exemplificada abaixo, em que um casal tenta apresentar soluções para um adequado funcionamento da casa, sobre o qual há divergências: 1. João poderia lazer uma lista com as responsabilidades de cada um. 2. Maria poderia concordar em fazer as compras no mercado. 3. João poderia ser responsável por acompanhar os deveres escolares dos filhos. 4. João e Maria poderiam viver separados e Maria encarregar-se do funcionamento da casa. 5. Maria poderia reconhecer a incompetência de João com os filhos e deixar tudo para lá. 6. João e Maria poderiam identificar os comportamentos desejáveis e indesejáveis dos fflhos e, em conjunto e de comum acordo, recompensálos e puni-los. 7. João e Maria definem um limite para as despesas e Maria se encarrega de gerenciá-las. A segunda etapa será dedicada à discussão de cada proposta, à eliminação das consideradas improdutivas ou custosas e à manutenção daquelas consideradas viáveis. Será seguida pela terceira etapa, em que um contrato formal será estabelecido. O acordo, estabelecido em bases de teste para ser renegociado formalmente depois de avaliado, deve especificar os comportamentos a serem modificados, as situações em que ocorrem e as condições que imaximizem a probabilidade do acordo ser seguido. Jacobson chama a atenção para um conjunto de novas estratégias que estão sendo testadas para lidar com questões recorrentes em terapia conjugal. A primeira questão é a de como lidar com escaladas de afeto negativo, para a qual sugere urna estratégia de exploração: o terapeuta tenta provocá-las nas sessões, trazendo um tema recorrente de brigas que não tenha sido resolvido para ser debatido em sua presença que, em vez de lentar impedi-las, procura provocar urna detecção dos pensamentos e sentimentos que são disparados durante a discussão, uma elaboração dos significados que aquela questão tem para cada um e urna expressão dos afetos não manifestos associados. A partir daí o terapeuta solicita que cada um examine as alternativas de comportamento na situação, dados os sentimentos e pensamentos levantados. Estes passos permitem que cada um descubra que podem elaborar suas posições e que há alternativas disponíveis para seus sentimentos e pensamentos. A segunda se refere à incorporação de focos específicos em questões individuais (como alcoolismo, obsessões-compulsões, agorafobia, depressão etc.) ou mais específicas (como disfunções sexuais) que tragam problemas para a relação. Para cada tipo de problema, Jacobsori sugere um tratamento integrado à terapia do casal,


fazendo com que o terapeuta de casal deva ser menos especialista em problemas conjugais “estritos”. Urna terceira estratégia dirige-se a questões mais conceituais como término da terapia, em que propõe um acompanhamento de médio prazo e a busca de soluções para problemas temáticos como contratos molares do tipo intimidade versus autonomia (em que um quer mais autonomia e outro quer mais intimidade), ou de estilos de comunicação diferentes entre homens e mulheres (homens tendem a conversar ‘fazendo relatórios” e mulheres tendem a conversar “fazendo relação”), que costumam permear os relacionamentos conjugais. Para estas questões sugere mais observação sistemática que produza dados suficientes para uma decisão abalizada das estratégias mais eficazes.

Variáveis do terapeuta Apesar de reconhecer que cada caso é um caso sempre diferente, Jacobson procurou desenvolver um conjunto sistemático de intervenções que, por sua estruturação submetida à verificação, minimize a possibilidade de participação de variáveis estranhas ao processo, como diferenças individuais entre terapeutas. No entanto, chama a atenção para cinco habilidades terapêuticas importantes. 1. Habilidades de estruturação. O tempo deve ser usado de forma eficiente para garantir resultados em curto prazo que reforcem o empenho do terapeuta e do casal na mudança. A diretividade é necessária para induzir a colaboração positiva entre o casal. Esta capacidade de organizar a atividade é essencial para garantir a efetividade da terapia. Muita habilidade é necessária para redirecionar a tendência de casais em ficar revolvendo as mesmas questões e sempre insistir para que o terapeuta delas participe (“para solucioná-las”), até que aprendam a fazer isso sem ajuda. Um exemplo desta diretividade é o estabelecimento, negociado a três, de uma agenda para cada sessão. Uma vez fechada, cabe ao terapeuta mantê-la para não se perder o rumo do trabalho. A mesma habilidade é requerida para manter o projeto de trabalho entre as sessões, quando é comum aparecerem novas questões que “exigem solução imediata”. Isto não quer dizer rigidez, nem que não surjam novas questões importantes entre as sessões que requeiram atenção. 2. Habilidades de instigação. Estas habilidades incluem três classes de comportamento: (1) induzir colaboração; (2) conseguir adesão em tarefas para casa; e (3) promover generalização e manutenção do tratamento. A primeira pode ser conseguida por meio de uma conceituação convincente de seus problemas, de um plano de tratamento confiável e logicamente decorrente da conceituação e da capacidade do terapeuta em conseguir mudanças significativas a curto prazo. A segunda é, talvez, das mais problemáticas, seja em termos de terapia individual seja em terapia conjugal. Melhor do que entender a não-adesão como “resistência inconsciente” é descrevê-la como resultado de que as conseqüências aversivas da mudança são imediatas e os benefícios são mais incertos e duradouros. Além disso, o custo da mudança pode ser alto, em relação aos benefícios que cada um obtém. Qualquer mudança também expõe pessoas a um mundo desconhecido que, por isso mesmo, se revela ameaçador. Freqüentemente, é observável que pessoas preferem um conhecido ruim do que um desconhecido aparentemente mais atraente, pelo


simples fato de não poderem “controlá-lo” (Miller, 1979). Para lidar com este problema, Jacobson enumera um conjunto de sugestões: (1) eliciar compromissos explícitos de adesão; (2) antecipar e repudiar desculpas pela não-realização das tarefas; (3) exagerar a aversividade da tarefa; (4) oferecer descrições escritas precisas das tarefas; (5) telefonar durante a semana para acompanhar a realização delas; (6) não reforçar qualquer não-cumprimento das tarefas (como continuar o trabalho de qualquer modo, mesmo que as tarefas não tenham sido cumpridas). Para este último caso sugere que a agenda para o dia subseqüente seja adiada até a realização da tarefa e que o tempo, naquela sessão, seja unicamente usado para sua realização, na ausência do terapeuta. Para promover a generalização e a manutenção das habilidades recém-adquiridas e a autonomia do casal em resolver sozinho seus problemas, a estratégia recomendada é a de esvanecimento, por meio de aumento gradual do intervalo entre as sessões, substituindo estas por sessões de “terapia em casa” em que os casais discutem suas questões com base nas habilidades adquiridas, sem a presença do terapeuta. E recomendável que o terapeuta restrinja progressivamente suas intervenções de modo a que o casal tenha mais oportunidades de, por si só, conceituar o problema e buscar soluções. 3. Habilidades de ensino. Um terapeuta que apenas provoque mudanças positivas imediatas não está cumprindo adequadamente seu papel. É necessário que ele também ensine o que é necessário ser feito em termos de resolução de novos problemas. Para isso é importante que ele incentive a participação ativa do casal no processo, promovendo uma atitude mais engajada do que passiva. Isto se dá pela condução, pelo casal, da maior parte do trabalho de problematização, proposição e solução. 4. Habilidades de indução de expectativas positivas. Cônjuges precisam ter esperanças de sucesso e estar preparados para as dificuldades que sempre ocorrem durante uma terapia e para as crises que surgem, inevitavelmente, em relacionamentos. O terapeuta tem que se encarregar disso e de criar condições para que a terapia progrida, senão ela pára. Entre estas condições estão lembretes para quebrar estados de euforia e avisos sobre recidivas, ao mesmo tempo em que instila entusiasmo e leveza, mesmo nos momentos mais difíceis. Neste momento, lembra Jacobson, nada como algum humor. 5. Habilidades de amparo emocional. Uma terapia muito estruturada e diretiva pode favorecer uma excessiva tecnicalidade e superordenação. Uma boa dose de equilíbrio é necessária para escapar desta armadilha e permitir que haja ainda suficiente liberdade de expressão por parte do casal. A busca de feedhack sobre o estado emocional do casal deve ser quase permanente além da necessidade de atenção a qualquer sinal verbal ou não-verbal do casal que possa sugerir reação à diretividade e à sua liberdade de expressão.

Terapia cognitiva Frank M. Dattilio


Ainda que a cognição tenha sido durante décadas um centro de interesse da psicoterapia, mais recentemente o seu crescimento e evolução têm se acelerado como resultado dos estudos sistemáticos conduzidos por Aaron T. Beck e outros, a partir dos anos 50. Inicialmente, Beck tentou validar a teoria de Freud sobre a depressão como causada pela “raiva dirigida contra o próprio indivíduo”, mas em vez de raiva retrofletida no conteúdo dos pensamentos e sonhos dos pacientes, descobriu cognições negativas associadas à depressão. Como resultado de numerosas observações clínicas e testes experimentais, foi desenvolvido o modelo cognitivo da depressão (Beck eta!., 1979). Desde então, a terapia cognitiva tem sido aplicada a muitas outras áreas, incluindo os transtornos de personalidade (Beck e Freeman, 1991), as perturbações dos estados-limite da personalidade (borderline) (Pretzer, 1983), os estados paranóidcs (Colby, Faught e Parkinson, 1990), as perturbações da ansiedade (Beck, 1976, Beck e Emery, 1979, Beck, Emery e Greenherg. 1985, Dattilio e Berchick, 1992, Dattilio, 1990, Dattilio, 1987), a disfunção sexual (Fox e Emery, 1981), a anorexia nervosa (Garner e Bemis, 1982), o consumo excessivo de substâncias (Beck e Emery, 1979; Beck ei aI., 1993) e, recentemente, a disfunção conjugal (Beck, 1988, Dattilio e Padesky, 1990, Dattilio, l989a, l989h, Epstein, 1982, Schlesinger e Epstein, 1986).

Filosofia da terapia cognitiva A terapia cognitiva baseia-se numa teoria específica da psicopatologia. Inclui-se neste sistema um conjunto de princípios e técnicas terapêuticas, juntamente com um corpo de conhecimentos derivado principalmente de investigações empíricas (Beck, et ai., 1985). A sua estrutura teórica alicerça-se na psicologia cognitiva, na teoria do processamento da informação e na psicologia social. O processo terapêutico é ativo, com uma abordagem limitada no tempo. que tem sido usada favoravelmente no tratamento de um vasto conjunto de perturbações. A terapia cognitiva baseia-se na proposta teórica de que o modo como os indivíduos pensam e percebem tem um grande impacto no modo como sentem e se comportam. Assim, se eles interpretam uma situação como sendo perigosa, sentem-se ansiosos e com uma necessidade urgente de fugir. Os seus pensamentos, sejam eles verbais ou imagéticos, decorrem das crenças, atitudes e pressupostos que são desenvolvidos precocemente na vida de um indivíduo. A expressão “Terapia Cognitiva” deriva da descoberta de que as perturbações psicológicas decorrem freqüentemente de erros específicos e habituais de pensamento. “Cognitivo” tem origem no termo latino para pensamento, referindo-se à maneira como as pessoas fazem julgamentos e tomam decisões, assim como suas interpretações, corretas ou incorretas, das ações dos outros. Na terapia, é colocada ênfase na investigação e modificação, quer das estruturas cognitivas dos indivíduos, incluindo o conceito de idéias conscientes, imagens e memórias, quer dos processos cognitivos tais como a atenção, o raciocínio, a recuperação e as expectativas (Harrison e Beck, 1982). A terapia cognitiva considera os indivíduos como sendo moldados pelas estruturas ou processos cognitivos desenvolvidos desde cedo na vida. Os problemas psicológicos são compreendidos como decorrendo de processos comuns, tais como uma aprendizagem defeituosa, uma realização de inferências incorretas com base


em informação inadequada ou incorreta e uma ausência de discriminação adequada entre imaginação e realidade (Kovacs e Beck, 1979). Desde cedo na vida, fundamentados em pressupostos errados, os indivíduos podem formular regras ou padrões excessivamente rígidos e absolutos. Tais padrões derivam daquilo que Beck denominou “esquemas” ou “padrões complexos de pensamento”, os quais determinam o modo como os fatos serão percebidos e conceituados. Estes esquemas ou padrões de pensamento são empregados com freqüência, mesmo na ausência de dados ambientais, podendo funcionar como um tipo de “molde procrusteano”, que modela os dados recebidos de modo a ajustá-los e a reforçar as noções preconcebidas (Beck e Emery, 1979). Esta distorção de experiência é mantida por intermédio da ação de erros característicos no processamento da informação. Argumenta-se, também, que vários gêneros de pensamento falacioso contribuem para os ciclos de feedback que fundamentam as perturbações psicológicas. Por exemplo, erros sistemáticos de raciocínio, denominados “distorções cognitivas”, estão presentes durante períodos de sofrimento psicológico. Estes erros incluem alguns dos seguintes: 1. Inferência arbitrária. São tiradas conclusões na ausência de evidência substancial que as apóie. Por exemplo, um homem cuja mulher vem do trabalho e chega a casa com meia hora de atraso conclui: “Ela deve ter um caso com alguém.” 2. Abstração selectiva. A informação é tomada fora do seu contexto e certos detalhes são realçados, enquanto outra informação é ignorada. Por exemplo, uma mulher cujo marido não responde ao seu primeiro cumprimento do dia conclui: “Ele deve estar outra vez zangado comigo.” 3. Hipergeneralização. Um ou dois incidentes isolados são admitidos como representações de situações similares em toda a parte, relacionadas ou não relacionadas. Por exemplo, depois de ter sido rejeitado para um primeiro encontro romântico, um jovem conclui: “Todas as mulheres são iguais; eu serei sempre rejeitado.” 4. Ampliação e minimização. Um acontecimento ou circunstância é percebido por uma ótica mais ou menos favorável do que aquela que é apropriada. Por exemplo, a descoberta de que o talão de cheques foi cancelado enfurece o marido, que declara à sua esposa: “Estamos financeiramente condenados.” 5. Personaliza ção. Acontecimentos externos são atribuídos a si próprio na ausência de evidência suficiente para exprimir uma conclusão. Por exemplo, uma mulher descobre o seu marido passando a ferro uma camisa que já estava passada e presume: “Ele não está satisfeito com o modo como eu trato da sua roupa.” 6. Pensamento dicotômico. As experiências são codificadas em termos de oubranco-ou-preto, como um sucesso absoluto ou um fracasso total. Por exemplo, após solicitar a opinião da esposa acerca da coloração do papel de parede na sala, esta questiona as linhas de junção, e o marido pensa consigo mesmo: “Não consigo fazer nada certo.”


7. Rotulação correta e incorreta. A identidade de um indivíduo é representada com base em imperfeições e erros feitos no passado, sendo estes usados para definir a própria pessoa. Por exemplo, numa seqüência de erros contínuos na preparação das refeições, um dos cônjuges afirma: “Eu não presto para nada”, por oposição ao reconhecimento dos seus erros como sendo humanos. A teoria dos sistemas aplicada às famílias envolve um grupo diversificado de paradigmas e práticas que utilizam conceitos sistemáticos, tal como a totalidade, a causalidade circular, a homeostase, o feedback positivo e negativo, e os padrões de interação familiar. A teoria dos sistemas também pode ser usada para explicar os conflitos conjugais. A teoria dos sistemas pode considerar duas pessoas que estão em conflito como comunicando-se inconsistentemente e, conseqüentemente, isolando-se a si próprias uma em relação à outra. As contradições entre níveis de mensagens são vistas como a origem de padrões disfuncionais de interação. As teorias sistêmicas são vastas e diversas, mas colocam geralmente uma forte ênfase na origem da disfunção no âmbito de um contexto interpessoal. As respectivas estratégias terapêuticas incluem técnicas como a reformulação do problema de um casal mediante o uso de tarefas paradoxais, ou a mudança dos pontos de vista e experiências subjetivas dos cônjuges, mediante a reclassificação ou reformulação. Tais abordagens são freqüentemente eficazes com casais interessados na redução do sintoma. As abordagens cognitivas às disfunções dos casais diferem das abordagens sistemáticas tradicionais, na medida em que enfocam mais especificarnente os estilos de pensamento habitual, as crenças fundamentais acerca de relacionamentos e a natureza das interações em curso entre os membros do casal.

Conceitos da terapia cognitiva de casais A Terapia Cognitiva Conjugal (TCC) centra a sua atenção nas cognições, as quais são vistas como componentes da discórdia no relacionamento e como contribuindo para a insatisfação subjetiva de cada uma das partes com o relacionamento (Schlesinger e Epstein, 1986). A abordagem da TCC dirige-se à raiz da dificuldade do relacionamento mediante o enfoque dos problemas, ocultos ou óbvios, do aqui-eagora, em vez de se debruçar sobre os traurnas dos primeiros anos da infância. Uma esposa, por exemplo, pode exibir uma raiva explosiva dirigida ao marido. À medida que é descoberta a natureza autoderrotista dos comportamentos da esposa pode ser compreendido que a sua raiva tem outro significado. Existe uma sensação de vulnerabilidade subjacente à sua ira e à passagem ao ato explosivo. A sua raiva pode ser um modo de compensar uma sensação de desamparo. Por conseguinte, a terapia tem que se direcionar no sentido de alcançar algo além da sua raiva e permitir o surgimento dos seus medos fundamentais. A terapia conjugal cognitiva lida com estas questões utilizando-se de técnicas discutidas nesta seção. Ellis (1977) também descreveu disfunções conjugais com fundamento cognitivo. Ele propõe que uma disfunção conjugal ocorre quando os cônjuges mantêm expectativas irrealistas acerca do casamento e adotam então, avaliações extremamente negativas. Isto conduz a que as suas expectativas se transformam em pensamentos disfuncionais. Ele descreveu duas formas de


pensamento disfuncional: expectativas Há três objetivos principais na TCC:

irrealistas

e

avaliações

falaciosas.

a) a modificação de expectativas irrealistas nos relacionamentos; b) a correção de atribuições incorretas nas interações dos casais; c) o uso de procedimentos de auto-instrução para diminuir a interação destrutiva. Uma das preocupações primárias do terapeuta cognitivo na terapia conjugal são os esquemas do casal (Beck et ai., 1986). Em terapia de casais, esquemas são crenças sobre os relacionamentos em geral e, mais especificamente, acerca do seu próprio relacionamento. As crenças básicas sobre relacionamentos e sobre a natureza da interação do casal são aprendidas precocemente na vida, com base em fontes primárias, tais corno os pais e os meios de comunicação de massa e geram expectativas que se desenvolvem a partir das primeiras experiências de namoro. Estes esquemas ou crenças disfuncionais a respeito dos relacionamentos, muitas vezes não estão claramente articulados na mente de um indivíduo, podendo apenas existir conceitos meramente vagos acerca de como as coisas devem ser (Beck, 1988). Todavia, estas crenças podem ser descobertas a partir da lógica e dos temas dos pensamentos automáticos de cada um. O terapeuta cognitivo que trabalhe com casais deve, igualmente, centrar a sua atenção nas expectativas de cada membro sobre a natureza de uma relação íntima. Adicionalmente, as incorreções ou distorções nas avaliações que um cônjuge adota em relação àquelas expectativas são igualmente importantes. Por exemplo, um marido que vê a sua esposa como sendo impulsiva com o dinheiro, por essa razão, espera que ela reprima o seu prazer de ver vitrines e apenas faça compras quando estiver necessitada de roupa ou de outros itens. No que diz respeito aos pensamentos automáticos, o terapeuta cognitivo assume que as expectativas irrealistas acerca dos relacionamentos podem deteriorar a satisfação do casal e eliciar respostas disfuncionais. Por exemplo, muitos casais entram num relacionamento com a crença de que o amor ocorre espontaneamente entre duas pessoas e continua a existir para sempre desse modo sem necessidade de qualquer esforço. Em reultado disso, os casais podem sentir uma diminuição deste amor no momento em que chegam à conclusão de que é necessário algum esforço. Isto também pode conduzir a atribuições incorretas, tais como. “provavelmente, desde o início, nós nunca estivemos bem um com o outro” etc. Epstein e Eidelson (1981) descobriram que a adesão a crenças irrealistas, especificamente com respeito dos relacionamentos íntimos, era preditiva do nível de perturbação dos relacionamentos. Por conseguinte, o conteúdo cognitivo é extremamente importante na consideração das respostas disfuncionais nos conflitos dos casais. As distorções cognitivas dos cônjuges podem ser evidenciadas pelos pensamentos automáticos que apresentam e podem ser descobertas por meio de um questionamento sistemático ou socrático a respeito do signiticado que a pessoa atribui a um acontecimento específico. Os pensamentos automáticos acerca das interações que têm um com o outro regularmente incluem inferências acerca das


causas de acontecimentos agradáveis e desagradáveis que ocorrem entre eles. Na sua obra, Love is liever enough, Beck (1988) descreveu várias distorções sistemáticas no processainento de informações que contribuem para os pensamentos automáticos dos cônjuges. Por exemplo, o pensamento, “ele me bota sempre para baixo”, é muito provavelmente um exemplo de hipergeneralização e não uma consideração correta do comportamento invariante de um cônjuge. Dando outro exemplo, na ausência de provas concretas, o pensamento, “ele pensa que eu sou uma idiota”, será uma inferência arbitrária.

Avaliação A avaliação na TCC consiste em três passos: uma entrevista conjunta, uma entrevista individual e questionários aplicados ao casal. A entrevista inicial de casais para a terapia conjugal, ocorre com ambos presentes. Durante esta sessão, a atenção é centrada na obtenção de informações sobre o passado, ao modo como o casal se conheceu, sobre o período de tempo em que tem estado casados, se existiram outros casamentos ou relacionamentos importantes, crianças de relações anteriores etc. Esta informação permite que o terapeuta formule uma conceituação preliminar de como os cônjuges vêem o seu relacionamento e a causa dos seus conflitos. Por esta razão, é importante que seja o terapeuta a fazer diretamente a admissão. Isto é realizado por meio de uma entrevista-padrão, juntamente com vários questionários escritos e outros questionários concebidos para avaliar (e posteriormente mudar) atitudes e crenças acerca do relacionamento, para identificar pensamentos disfuncionais, para identificar problemas na comunicação, para identificar comportamentos agradáveis e desagradáveis, etc. Esta abordagem também auxilia o casal a iniciar o reconhecimento da área específica dos seus problemas de relacionamento. É dada atenção particular a áreas como expectativas irrealistas, comunicação inadequada e interpretações enviesadas ou distorcidas. É importante ter presente que, ainda que as situações ou acontecimentos passados sejam importantes no esquema global dos sistemas conjugais, não é essencial o terapeuta ter um conhecimento detalhado da razão que levou os membros do casal a escolherem-se um ao outro no início ou por que tiveram problemas anteriores de relacionamento. Os terapeutas cognitivos estão mais interessados em informações necessárias para desenvolver uma orientação que facilite uma interação mais harmoniosa. Esta informação é coletada mais especificamente nas sessões de entrevista seguintes. Durante as sessões individuais seguintes o terapeuta começa a enfocar mais o que atraiu cada um em relação ao outro. Se forem necessárias, mais sessões individuais serão propostas. Adicionalmente, é dada ênfase a alguns dos pensamentos automáticos específicos que o cônjuge tem sobre os problemas no relacionamento. Isto também leva a que sejam expostas as crenças subjacentes. Na avaliação dos pensamentos automáticos, por exemplo, o terapeuta pode fazer referência a um ou vários dos questionários anteriormente aplicados e começar a enfocar os itens que melhor representam alguns dos pensamentos que cada um dos cônjuges tem em relação ao outro. Por exemplo, se um cônjuge assinalou a crença de que “o meu


esposo(a) é incapaz de mudar”, o terapeuta deve começar a questionar socraticamente o cônjuge sobre os seus pensamentos automáticos relativos àquela afirmação, de um modo similar ao seguinte: Terapeuta: John, eu vejo que no Questionário de crenças sobre mudança (Beliefs about change questionnaire), no tópico “Crenças pessimistas”, você colocou uma cruz na afirmação. “O meu cônjuge é incapaz de mudar”. Quais são os seus pensamentos acerca desta afirmação? Marido: Bem, veja, foi uma decisão mútua vir aqui para um aconselhamento; no entanto, eu realmente não acredito que a minha mulher seja capaz de mudar o seu rumo, ainda que ela possa se mostrar motivada para fazer isso quando está na sua presença. Terapeuta: Então o seu pensamento é que ainda que ela pareça motivada, é pouco provável que venha a mudar. Marido: Sim, é quase urna perda de tempo. Terapeuta: Mais alguma coisa acerca disto? Marido: Sim, eu também penso que vou ficar numa posição em que vou ter que gastar uma grande quantidade de energia para fazer o casamento funcionar e depois serei eu a fazer o papel de bobo quando a gente acabar se separando. Terapeuta: Nesse caso, acredita que continuar na terapia conjugal só levará a que você faça um papel de bobo? Marido: Sim, acredito, e por isso estou relutante em acreditar nela quando diz que quer tentar. Terapeuta: Qual é a sua convicção acerca da mudança? Marido: Bem, se quer saber a verdade, eu sinto verdadeiramente que as pessoas basicamente continuam aquilo que são e são impermeáveis à mudança, mesmo que possam dizer que querem mudar. Eu acredito no velho ditado: “Um leopardo nunca muda as suas manchas.” Terapeuta: Sei... Então a sua crença fundamental é que buscar a mudança é inútil. Por isso, nada pode melhorar o relacionamento de vocês. Mediante o uso do questionamento socrático, acima demonstrado, o terapeuta é capaz de apontar a suposição fundamental que conduz aos pensamentos automáticos sobre o relacionamento e a mudança. A chave para se chegar às crenças ou suposições fundamentais é continuar a investigar os pensamentos automáticos de cada um. Uma vez que tenha sido reunida informação suficiente a partir de cada um, o terapeuta é capaz de construir uma conceituação sólida do modo como cada membro do casal vê a si, o outro e o relacionamento; e pode, então, começar a ajudar cada cônjuge a desafiar os seus pensamentos automáticos. Por várias razões, este procedimento é levado a cabo com ambos os cônjuges


durante as suas entrevistas individuais. Primeiro, porque dá ao terapeuta a oportunidade de passar algum tempo em privacidade com cada cônjuge e dar atenção somente a um deles. Segundo. também serve para reduzir qualquer tipo de inibição que possa ocorrer pelo fato de estarem presentes ambos os cônjuges. É essencial que o terapeuta chegue ao núcleo dos pensamentos e crenças de cada cônjuge acerca da situação presente. A presença do outro membro do casal pode impedir que seja averiguada toda a informação exata que é necessária. No seguimento das entrevistas individuais, o casal é visto novamente em conjunto. Nesta sessão conjunta, o terapeuta revê os pensamentos de cada cônjuge e as crenças e preocupações a respeito do processo terapêutico. Dependendo do casal, o número de sessões necessárias para que isto seja cumprido pode variar.

Questionários O uso de questionários e inventários permite poupar tempo da terapia e eliciar informações que podem ser omitidas durante as entrevistas, O questionário geralmente administrado em primeiro lugar é o “Marital attitudes questionnaire— revised” (“Questionário de atitudes conjugais—revisado”) que foi derivado do “Marital attitude survey” (“Inventário de atitudes conjugais”) de Pretzer, Fleming e Epstein (1983). Este instrumento contém 74 afirmações, concebidas para determinar o modo como cada cônjuge vê as dificuldades na relação. Isto é importante, uma vez que a visão que cada esposo tem do relacionamento sugere freqüentemente ao terapeuta quais os pensamentos disfuncionais que levam ao conflito. Em seguida, é administrado o “Beliefs about change questionnaire” (“Questionário de crenças sobre mudança”) desenvolvido por Beck (1988). Com este instrumento, cada membro do casal assinala separadamente afirmações sobre “crenças pessimistas”, “crenças autojustificadas”, “argumentos de reciprocidade”, e “problemas com o meu (minha) esposo(a)”. Além dos questionários descritos acima, há uma variedade de outros, também desenvolvidos por Beck (1989), que podem ser administrados para auxiliar a reunir informação adicional sobre o relacionamento. Incluem o “Problems in the partnership” (“Problemas no relacionamento”), concebido para melhor determinar pontos de atrito e fragilidade; o “Expressions of love” (“Expressões do amor”), um auxiliar na identificação dos modos como os cônjuges mostram entre si afeto e carinho; e o “Problems in style of communication” (“Problemas no estilo de comunicação”), que identifica os comportamentos que podem causar problemas na comunicação. Os questionários também podem ser administrados a intervalos variáveis ao longo do decorrer do tratamento. Isto pode ajudar o terapeuta a monitorar os progressos no tratamento.

Estratégias e técnicas 1. Educar os casais sobre o modelo cognitivo. Uma vez concluída a avaliação inicial, o terapeuta vê os dois membros do casal em conjunto e os instrui sobre o modelo cognitivo do relacionamento interpessoal. Isto pode ser feito com uma apresentação


didática dos princípios da terapia cognitiva (TC) e do modo como esta aborda as relações de casal, além de leituras simultâneas sobre a TC, tais como Love is never enough, por Aaron T. Beck (1988) ou Feeling good, por David Burns (1980). O terapeuta também pode optar pelo uso de qualquer leitura adicional que possa promover a compreensão dos conceitos cognitivos por ambos os cônjuges. Segue-se uma versão sumária da explanação do terapeuta: “A terapia cognitiva com casais envolve auxiliar os membros do casal a tomarem consciência dos pensamentos disfuncionais que praticam na sua relação, os quais levam a conflitos nas suas interações. As expectativas que os membros do casal trazem para a relação, a propósito da sua intimidade e dos seus papéis, serão o foco específico da terapia. Relacionamentos problemáticos geralmente acontecem quando um ou ambos os cônjuges possuem crenças irracionais ou expectativas irrealistas sobre eles mesmos e o relacionamento. Como resultado, os casais fazem geralmente atribuições negativas acerca dos comportamentos um do outro, o que conduz a opiniões generalizadas um do outro feitas sob uma ótica exclusivamente negativa. Os membros do casal tendem, então, a dar mais atenção aos comportamentos negativos um do outro, não notando as suas ações positivas. Isto os atira para uma espiral contínua de interação conflituosa, até estarem constantemente discutindo ou a ignorarem-se completamente. A terapia cognitiva com casais usa um conjunto de princípios e técnicas concebidas para alterar e expandir as perspectivas dos cônjuges na interpretação que fazem dos significados e causas dos seus comportamentos. É por meio destas técnicas que os casais aprendem a corrigir as suas interações menos corretas e melhorar o seu relacionamento.” Usando isto como introdução explanatória, o casal aumenta o seu conhecimento para poder remeter-se às leituras prescritas. Periodicamente, ao longo das sessões seguintes o terapeuta deve discutir a compreensão que o casal tem do modelo e reforçar a teoria por trás da mudança. 2. identificação das distorções negativas. O tratamento é dirigido para a mudança das distorções específicas do casal acerca do relacionamento. Presumindo que as questões surgidas para discussão foram claramente estabelecidas durante as três sessões iniciais, o terapeuta pode centrar-se nas distorções cognitivas usando os termos previamente descritos. O passo inicial implica que o casal reconheça e corrija os seus pensamentos automáticos, de viva voz, durante a sessão. Isto pode ocorrer durante a discussão de um tópico específico, como no exemplo seguinte, retirado de uma quarta sessão de tratamento: Terapeuta: 0K., vamos começar agora discutindo a questão que ambos afirmaram ter lhes criado mais problemas durante esta última semana. Esposa: Bem, veja, nós fomos convidados para este casamento, de um parente nosso, e a minha irmã ofereceu-se para me emprestar um dos seus vestidos de noite que eu sempre admirei, por isso eu aceitei a oferta. Mas quando o meu marido soube disto, explodiu comigo e começou a gritar como um doido, dizendo que isto era um insulto para ele e que eu o faria parecer um idiota. Eu fiquei completamente confusa!


Terapeuta: (para o marido) Pode dar a sua versão, descrevendo-a em detalhes, para que eu possa compreender melhor a situação? Marido: Sim. Veja, nós temos um rendimento razoavelmente suficiente, mas é freqüente as finanças ficarem muito apertadas. Esposa: (interpõe) Sim, e você fica sempre me insultando por causa disso, também! Marido: Está bem. De qualquer modo, o dinheiro é justinho e eu estou sempre ouvindo sobre o modo como a irmã da minha mulher e o marido dela estão indo tão bem no negócio deles. Provavelmente estão tendo um rendimento várias vezes superior ao nosso. E, então, vai daí, ela pede um vestido emprestado à irmã dela e me obriga a fazer um papel de bobo por não ter meios para lhe comprar um vestido que seja seu. Terapeuta: Então, o seu pensamento automático é que como ela pediu este vestido emprestado à irmã, faz parecer quê você não pode comprar um para ela? Esposo: Exatamente (Nota: O terapeuta usa agora a técnica conhecida por “Seta descendente” para alcançar pensamentos automáticos adicionais.) Terapeuta: Bem, por exemplo, vamos supor que as suas afirmações sejam verdadeiras e que este incidente o fez passar por bobo. Marido: Bem, na minha cabeça, é o que isso faz. Terapeuta: 0K., e depois então? O que é que isso quer dizer? Marido: Bem, quer dizer que não tenho valor porque não posso providenciar uma vida decente à minha esposa. Terapeuta: E então... Esposo: E então... eu não mereço tê-la — ela deve arranjar alguém melhor. Terapeuta: E isto significa o quê? Marido: Que a família dela pode encorajá-la a me deixar. Terapeuta: E depois o quê? Esposo: Eu perderei a melhor coisa que me aconteceu. Terapeuta: Portanto, você na realidade interpretou o fato de sua esposa ter pedido o vestido emprestado como uma ameaça de que podia perdê-la? Marido: Sim, eu acho que nunca mencionei isso efetivamente, mas sim, é verdade.


Terapeuta: E assim, uma das crenças profundas que você mantém é que não é suficientemente bom para a sua esposa. (dirigindo-se para a esposa) E quais são os seus pensamentos automáticos acerca do que o seu marido disse? Esposa: (começa a chorar) Meu Deus, isso está longe de ser verdade. Ele é suficientemente bom para mim. Eu nunca quis outra pessoa, por muito rica ou abastada que ela fosse. Terapeuta: (para ambos) 0K., vêem agora como os pensamentos se tornam distorcidos e afetam o modo como vocês interagem um com o outro? Ele (o marido) comporta-se de acordo com o pressuposto de que não é suficientemente bom para satisfazer algumas das suas necessidades e interpretou como uma confirmação disso o fato de você ter pedido o vestido emprestado da sua irmã. E isto o fez ficar zangado. Aqui o terapeuta usou uma série de técnicas, tais como a “Seta descendente”, para revelar pensamentos automáticos, e também para relacionar as emoções aos pensamentos automáticos. “Isso me faz passar por bobo” “Não tenho valor porque não posso providenciar uma vida decente à minha mulher” “Eu não a mereço” “Ela devia ter alguém melhor” “A família dela pode encorajá-la a me deixar” “Eu perderei a melhor coisa que jamais me aconteceu” “Eu não sou suficientemente bom” Figura 1. Pensamentos automáticos do marido usando a técnica da “Seta descendente”.

A Figura 1 descreve graficamente a técnica da “Seta descendente”. Em alguns casos, em que os pensamentos automáticos não são tão facilmente extraídos como neste cenário, pode ser proveitoso o uso de imagens para ajudar a identificar os pensamentos automáticos. Por exemplo, o terapeuta pode lazer com que um ou ambos os membros do casal fechem os olhos e recordem uma situação, levandoos a procurar nas suas memórias aquilo que realmente ocorreu. Exercícios específicos podem até tornar-se detalhados ao ponto de os colocar a descrever o que vestiam ou em que divisões da casa se encontravam. Tudo isso tem provado a sua eficácia na estimulação dos casais para que recordem os seus pensamentos automáticos. Chegado a este ponto, o terapeuta pode querer que ambos os membros do casal anotem os seus pensamentos automáticos como um meio auxiliar na sua identificação, Isto pode ser feito diretamente na sessão. O seguinte formato da Figura 2 pode ser útil para os casais identificarem individualmente os seus pensamentos.


O uso de “técnicas de reencenação” também pode ajudar os casais a identificar os seus pensamentos automáticos. De maneira muito idêntica à técnica imagética é pedido aos casais que reencenem realmente ou representem para o terapeuta aquilo que ocorreu, tal como uma briga ou discussão, de modo que este possa vivenciar o seu impacto completo e que o casal possa identificar os seus pensamentos. É claro que é importante o terapeuta colocar limites no decorrer deste processo, para que seja evitada a reocorrência de quaisquer comportamentos destrutivos. Uma vez revelados os seus pensamentos automáticos, os membros do casal são instruídos para desafiar ou questionar os seus pensamentos, pesando a evidência real que existe para os apoiar. Podem ser usadas as seguintes linhas de orientação: 1. Quais são as provas existentes a favor da minha interpretação? 2. Que provas existem contrárias à minha interpretação? 3. Decorre, logicamente. das ações do meu esposo(a) que ele(a) tem a intenção que eu lhe estou atribuindo? 4. Poderá haver uma explicação alternativa para o seu comportamento? Assim, por exemplo, no cenário que temos seguido, o marido da senhora que obteve o vestido emprestado da irmã pode colocar a si mesmo as seguintes questões: 1. O fato de a minha mulher ter pedido o vestido emprestado à sua irmã implica que ela tinha a intenção de me botar para baixo? 2. Existem outras alternativas que expliquem que ela possa ter pedido o vestido emprestado, em vez de me pedir o dinheiro para comprá-lo? 3. Ainda que ela tenha se dirigido à irmã, significa isso que me verão como um fracasso’? Figura 2. Registro de pensamentos automáticos do marido.

Uma vez que tenham sido identificados os pensamentos e que cada membro do casal tenha questionado ou ponderado com sucesso a evidência, é chegado o momento de ambos começarem a escrever respostas racionais aos seus pensamentos automáticos. Esta técnica pode ser mais bem usada se nos remetermos para o “Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais” (RDPD) (“Daily Record of Disfunctional Thoughts”, desenvolvido por Beck eta!., 1979), como exemplificado na Figura 3. Situação relevante

Emoção (ansioso, triste

Pensamentos automáticos

etc.) 1.

A esposa pe-

1. Irritação 1. Ela foi, pelas mi-


diu empresta-

nhas costas, me d

o vestido

lhorar a súa pró d

sua irmã.

pria imagem. 2. Zangado 2. Agora, todos na família irão pen sa que nem te mo meios para lhe comprar uma roupa nova. Eu vou parecer um fracasso comple to.

Figura 3. Registro dos pensamentos automáticos e das Emoção

Pensamento automático

Zangado.

1. Ao pedir aquele vestido emprestado, ela

perturbado

está fazendo com que eu pareça um bobo. A família dela pensará que não temos meios para comprálo, 2. Eu pareço um completo fracasso.

3. Eu não sou suficientemente bom para a minha mulher.

res

postas racionais do marido. Resposta racional

1.

Só por ela ter pedido emprestado, isso não significa que não podemos com- prá-lo. Ela e a sua irmã têm pedido em- prestado as coisas uma da outra durante quase toda a vida delas.

2.

Mesmo que não pudéssemos comprar um tal vestido, isso não significa, de modo algum, que eu pareça um fracassado.

3.

A minha mulher me ama. Ela casou comigo quando eu não tinha absolutamente nada. Na verdade, eu devo ser suficientemente bom para ela.

3. O teste das previsões. Uma vez que os membros do casal tenham feito ajustamentos nos seus modos de pensar, contrabalançando-os com respostas racionais, é chegado o momento de fazer ensaios testando as suas previsões. Isto é feito levando cada membro do casal a prosseguir realmente com aquilo previsto num pensamento automático. Por exemplo, na situação referida, pediu-se ao marido que falasse com a irmã da sua esposa, numa tentativa de perceber se ela achava que a família pensaria o pior dele. O objetivo disto é coligir informações que dêem substância aos seus pensamentos e crenças. O seu medo de rejeição diminuiu quando ele considerou mais objetivamente a previsão de que os seus cunhados “terão uma opinião negativa sobre ele”. Foi importante, por exemplo, que o esposo vivenciasse realmente um processo corretivo para que ele efetivamente reforçasse uma mudança na sua linha de pensamento. Isto também auxiliou a comunicação com a família dela. 4. Reformulação. A maioria dos clínicos pode testemunhar o fato de que, freqüentemente, quando começam a tratar casais, os seus membros mantêm opiniões negativas ou indesejáveis um do outro. Eles se vêem um ao outro de uma forma desfavorável (p. ex.: “ele é mesmo uma besta egoísta” ou “ela tem um coração


de pedra”), que por sua vez, influencia o modo como o membro atacado vê o companheiro(a). Conseqüentemente, até os traços positivos podem eventualmente ser olhados com desdém. Reformular envolve reconsiderar, de uma perspectiva mais positiva, as qualidades negativas ou indesejáveis. Freqüentemente, no decurso do tratamento virá à tona que as “qualidades negativas” apontadas foram até, numa certa época, aquilo que atraiu cada um para o outro. Contudo, no momento em que o aconselhamento começa, estas qualidades estão tendendo a afastá-los. Na situação anterior, da mulher que pediu o vestido emprestado à sua irmã, houve uma época em que o seu marido viu tais comportamentos como muito econômicos. A partir do exame das recordações deste sobre os seus primeiros tempos de casamento, descobriu-se que uma das qualidades mais positivas da sua esposa era ela ser capaz de poupar dinheiro fazendo trocas ou negócios. No entanto, esses mesmos comportamentos estavam agora a provocar o conflito. No trabalho com o lado alternativo das suas respostas negativas, a abordagem consiste simplesmente em fazer o casal registrar os seus pensamentos usando o seguinte formato (ver Figura 4). Por exemplo, a análise da esposa pelo marido. Figura 4. Reformulação dos pensamentos do marido em relação à esposa.

Pensamento! Situação

Opinião negativa

A minha mulher pediu o vestido emprestado à irmã para ir ao casamento

1.

Distorção

Ela fez isso in tencionalmente 1. Leitura de por trás das minhas costas. pensamento

A família dela vai pensar que 2. eu nunca vou ter meios para 2. Hipergeneralização sustentar a minha mulher. 3.

Eles vão pen- sar que eu sou 3. Catastrofização um verdadeiro fracasso.

Figura 5. Reformulação dos pensamentos da esposa em relação ao marido.

Em seguida (Figura 5), repare-se na opinião da esposa relativa ao marido. Semelhantes alterações mínimas, servem como poderosos instrumentos na inversão do ciclo vicioso do conflito. Estes exercícios devem ser usados diariamente pelos casais em tantas situações quantas forem possíveis. Esta prática permite aos casais incorporar explicações alternativas em suas rotinas diárias. 5. Classificação das distorções. Como foi destacado previamente na seção sobre a identificação dos pensamentos automáticos, é essencial classificar as distorções do modo de pensar. Um dos tipos mais freqüentes de distorções envolve a polarização,


o pensamento de “tudo-ou-nada” ou “preto-ou-branco”. Por exemplo, se uma esposa ultimamente é menos conversadora do que é habitual, o seu cônjuge pode concluir que ela está se afastando e não o quer para nada. Com este tipo de pensamento polarizado, qualquer outra coisa que não o comportamento mais desejado é identificado como totalmente indesejável: “Ela nunca quer falar comigo.” Ser capaz de identificar tais pensamentos e classificar a distorção é uma virtude crucial na correção dos pensamentos disfuncionais. Outro exercício encoraja Os casais a registrarem os seus pensamentos negativos acerca um do outro. classificando em seguida as distorções contidas nas afirmações pensadas. Por exemplo (Figura 6): Figura 6. Classificação das distorções em pensamentos automáticos.

Opinião negativa

Lado alternativo

Ela está me fazendo bastante boa em poupar dinheiro, uma vez que sabe que, passar um papel de de qualquer modo, irá usar aquele vestido apenas uma vez. bobo,

Opinião negativa

Lado alternativo

Ele é desagradável.

Na realidade ele apenas está preocupado em ser aceito pela minha família, uma coisa que ele sempre quis.

Uma vez que os casais tenham aprendido a classificar as suas distorções, eles adquirem um maior conhecimento do modo como enviesam as coisas nas suas próprias mentes. Tais distorções são particularmente prováveis durante situações com carga emocional ou quando um ou ambos os cônjuges estão sob algum outro tipo de estresse. 6. Treino em comunicação e resolução de problemas. Uma parte extremamente importante da terapia cognitiva com casais é o processo de treino dos casais, quer na comunicação, quer na resolução de problemas. Foi demonstrado anteriormente o modo como as atitudes e crenças negativas de um pelo outro inibem os casais de interagirem produtivamente. Adicionalmente, outros obstáculos básicos à comunicação, tais como interrupções, escutas demasiado passivas e conversas circulares, podem igualmente contribuir para a disfunção conjugal. Freqüentemente, o treino de comunicação básica ensina os casais a conversar novamente. Por meio da revisão das competências básicas de fala e escuta, um terapeuta pode mostrar ao casal muitas das mesmas competências que ele ou ela usa em aconselhamento. A seguir, exemplos-chave adaptados de Beck (1988): ESCUTAR. Muitos casais escutam-se um ao outro, mas apenas no sentido estritamente comportamental. Eles não ouvem realmente o que o outro está dizendo. Boas competências de escuta envolvem uma compreensão clara daquilo que está sendo dito. Aqui, o terapeuta pode querer instruir os cônjuges em como escutar e ouvir o que está sendo dito, mediante o seguimento de alguinas diretrizes:


a) Escutar atentamente. Manter um bom contato visual com o seu cônjuge e dar-lhe a entender que o está ouvindo. b) Não interromper. É difícil uma pessoa ouvir quando ela própria está falando. c) Clarificar aquilo que ouve. No fim de uma afirmação ou de uma frase; resuma ou clarifique com o seu cônjuge a sua compreensão daquilo que está sendo dito. Isto irá ajudá-lo(a) a captar a mensagem correta. Se não compreender algo, é também importante que admita isso. d) Reflita sobre aquilo que ouve. Isto é diferente da clarificação. Refletir envolve mostrar ao seu cônjuge que está ciente de ou compreende aquilo que ele ou ela sente. Na essência, é como se você segurasse um espelho de modo que o seu cônjuge possa ver o que ele ou ela está dizendo. (“Refletir” é aqui usado no sentido mais literal de “espelhar” ou “reenviar” aquilo que se ouve e não no sentido de meditar sobre algo). FALAR. Quando falar para seu cônjuge, tente identificar empaticamente as necessidades do seu ouvinte, de modo que ele ou ela possa entender a sua mensagem. As seguintes diretrizes são úteis para quando se tiver algo a expressar: a) Fale atentamente. Assim como ouve atentamente. também deve-se falar do mesmo modo, mantendo um contato visual direto e apropriado e procurando sinais corporais (faciais ou de postura) que indiquem que o seu cônjuge está escutando. b) Formule questões significativas. Uma maneira de tornar uma conversa curta (e improdutiva) é fazer perguntas (fechadas) que podem ser respondidas com um “sim” ou um “não”. Em vez disso, tente fazer perguntas (abertas) que conduzam a mais que uma resposta do seu cônjuge e o(a) ajude a compreendê-lo(a) melhor. c) Não fale em ex. Seja preciso e evite arrastar o discurso com afirmações que “aumentem” uma história ou reação. Isto dará ao seu cônjuge uma possibilidade de clarificar e refletir sobre aquilo que ele ou ela ouve de você. d) Aceite o silêncio. Por vezes, uma das melhores maneiras de realçar um aspecto importante consiste em fazer uma pausa ou usar um período de silêncio no fim de uma fala. Isto permite que você e o seu ouvinte meditem sobre o que está sendo dito. e) Não questione com o objetivo de pôr ô prova. Evite disparar questões para o seu cônjuge quando estiver tentando saber algo durante uma conversação. O uso de tato e diplomacia expressa respeito e pode servir, adiante, como um meio melhor de ficar sabendo aquilo que se pretende. Ao final, ambos os cônjuges devem tentar sempre resumir a sua conversação para que não restem pontas soltas e para que ambos tenham uma compreensão clara do que está sendo discutido. Um resumo também permite ao casal estabelecer uma direção para um futuro construtivo.


7. Competências de solução de problemas. O primeiro passo na aquisição de competências de solução de problemas é a promoção da comunicação básica. Uma vez que isto tenha ocorrido, um casal pode começar a delinear certos planos para abordar os problemas difíceis do seu relacionamento. As competências que eles empregam devem apoiar-se numa base segura de comunicação efetiva.

Decurso da terapia O decurso e freqüência das sessões de terapia conjugal dependem da natureza e gravidade dos conflitos do casal, assim como de sua disposição para resolvê-los. Tipicamente, haverá de 12 a 15 sessões de TCC, mas algumas situações requerem mais. Inicialmente as sessões devem ser conduzidas pelo menos uma vez por semana, dado que, geralmente, são distribuídos aos casais trabalhos para casa, devendo eles terem tempo para cumprir as tarefas e praticar os exercícios designados. A medida que o tempo passa e o casal começa a avançar, as sessões são geralmente espaçadas quinzenalmente ou até com menos freqüência, dependendo da avaliação que o terapeuta faz do relacionamento. Eventualmente, as sessões devem ser reduzidas para visitas mensais durante três meses, com um seguimento de sessões de reforço conforme as necessidades. As sessões de reforço consistem geralmente na revisão de princípios básicos da terapia cognitiva com casais e no reforço de técnicas que o casal tenha aprendido. As sessões de reforço também podem lidar com uma situação específica de crise e tratá-la por meio do modelo. É importante para os casais testemunhar as mudanças individuais que cada um tem que fazer para desenvolver um relacionamento bem sucedido. Por essa razão, a maioria das sessões de TCC é conjunta. No entanto, podem ser utilizadas sessões individuais para reunir informação adicional e observar o modo como um indivíduo interage quando não está na presença do cônjuge. Periodicamente, ao longo do curso de tratamento, podem ser agendadas sessões individuais de uma pessoa ou para fortalecer a técnica do seu cônjuge. Porém, para a maior parte do tratamento dá-se preferência a sessões conjuntas. Isto também evita discussões ou malentendidos entre os cônjuges sobre aquilo que ocorreu durante as suas sessões individuais com o terapeuta.

Enriquecimento de relações Bernard Guerney Jr. Em concordância com as posições acima descritas, Guerney (1977) também defende que uma terapia conjugal não alcança suas potencialidades a não ser que capacite o casal com as habilidades que irão lhe permitir interagir de forma harmoniosa, amorosa, suportiva e com compaixão. Acredita que, para isso, a terapia conjugal precisa aderir a um modelo holístico, orientado por um modelo educacional, que se volte para o estabelecimento de metas positivas em vez de apenas cuidar de remover dores, crises e frustrações.


Os fundamentos teóricos da Terapia de Enriquecimento de Relações (TER) são ecléticos. Retira da área psicodinâmica as noções de inconsciente, de mecanismos de defesa, de insight e de catarse, rejeitando as idéias de que mecanismos de defesa atuam para nos proteger de fantasias e traumas infantis e de que os métodos de promoção de catarse devam incluir informação histórica, associação livre, interpretação de sonhos e de transferência. Da escola humanista retira a noção de que mecanismos de defesa operam para proteger o autoconceito de indivíduo, além da contribuição rogeriana sobre as condições básicas para uma aliança terapêutica: empatia, aceitação, interesse genuíno, rejeitando que estas são suficientes para a mudança terapêutica. Da área comportamental, retira sua lógica principal e sua metodologia, explicitadas na idéia de aprendizagem de habilidades que se dá, basicamente, por meio de modelação e reforçamento, rejeitando a noção de que estes fatores apenas sejam suficientes para fazer uma relação funcionar satisfatoriamente. Da escola interpessoal de Sullivan retira a noção de que nos treinamos uns aos outros para sermos o que somos e que desenvolvemos “reflexos interpessoais recíprocos” apresentados sem consciência que precisam ser trazidos para o domínio de escolha consciente de cada um, rejeitando que isto seja suficiente para compreender todas nossas dificuldades e meios de mudança. Os objetivos da TER são ensinar aos cônjuges as habilidades de que necessitam para fortalecer o amor: cuidar, dar, compreender, confiar, compartilhar, ser honesto, aberto, compassivo e harmonioso. Para decidir sobre o final da terapia são usados critérios para avaliar a pertinência do término que servem para especificar de modo claro estes objetivos: (1) se há ainda algum conflito crítico não resolvido; (2) se as habilidades do casal são suficientes para resolver conflitos remanescentes e conflitos menos sérios que possam ocorrer no futuro; (3) se estas habilidades foram incorporadas em seu dia-adia; (4) se o casal reserva tempo para uso regular das habilidades; e (5) se houve generalização no sentido de (IUC o casal não usa apenas as habilidades para resolver conflitos mas também para enriquecer a relação.

Estratégias e técnicas Para conseguir as mudanças objetivadas por um casal, Guerney acredita que seja necessário e suficiente mencionar um conjunto de nove habilidades: 1. Habilidades expressivas. Estas habilidades capacitam as pessoas a compreender melhor suas próprias necessidades e desejos, a expressá-las de modo a que não incite ansiedade, hostilidade, defesa e sim respeito. compreensão e cooperação. Capacitam-nas também a lidar com conflitos de forma assertiva, instantânea e positis a de acordo com seus próprios objetivos e desejos. 2. Habilidades empáticas, Estas habilidades capacitam as pessoas a compreender melhor as necessidades e sentimentos dos outros e a eliciar comportamentos de confiança de forma mais aberta, honesta, íntima e freqüente. 3. Habilidades de discussão/negociação. Estas hahilidades permitem às pessoas preservar urna atmosfera emocionat positiva centrada nos tópicos específicos de


conflito, desviando-se das escaladas comuns nestas sinações e de afastamentos perniciosos do tema central em questão. 4. Habilidades de solução de problemas e conflilos. Estas habilidades capacitam as pessoas a desenvolver (e também a ajudar seus cônjuges a desenvolver) soluções criativas e duradouras de problemas em que as necessidades de ambos, mesmo que de forma incompleta para cada um sejam satisfeitas. 5. Habilidades de mudança pessoal. Estas habilidades ensinam as pessoas como mudar, de maneira rápida e consistente, suas próprias atitudes, sentimentos, avaliações e comportamentos de modo a capacitá-las a implementar acordos estabelecidos. 6. Habilidades de ajuda para o outro mudar. Estas habilidades permitem que um cônjuge ajude o outro a conseguir aprender as habilidades acima que ele próprio já adquiriu. 7. Habilidades de generalização e transferência. Estas habilidades capacitam as pessoas para usar as habilidades, já adquiridas, no dia-a-dia. 8. Habilidades (de ensino supervisionado - facilitauvo). Estas habilidades capacitam uma pessoa a treinar outros nestas habilidades de modo a melhorar outros relacionamentos e, conseqüentemente, seu bem-estar pessoal. 9. Habilidades de manutenção. Estas habilidades capacitam uma pessoa a continuar usando as habilidades adquiridas no futuro para a prevenção e solução de problemas e enriquecimento de suas relações. O processo de treino requer atenção a um conjunto de aspectos. Em primeiro lugar, é necessário cuidar da motivação do casal para a mudança, o que geralmente envolve uma explicação sobre a lógica do tratamento, as linhas gerais de cada habilidade e importância delas para alcançar as metas. Para verificar o nível do desempenho em cada habilidade, é recomendável fazer um uso regular de gravações em vídeo ou áudio ou de dramatizações porque é comum os casais não detectarem os aspectos principais de cada habilidade. Estas providências permitem ressaltá-los com mais facilidade, pois facilitam a supervisão da prática de cada habilidade, palavra por palavra, gesto por gesto, durante a sessão. Quando uma alta competência for demonstrada para cada uma, passar tarefas para praticar em casa cada habilidade, uma a uma, supervisionando os relatos (preferivelmente gravados ou escritos de forma minuciosa) sobre os exercícios. Muita ênfase é necessária na prescrição de tarefas de generalização. Exercícios com novos temas que surjam durante a semana ajudam o casal a usar suas habilidades espontaneamente no diaa-dia e os preparam para o futuro. Por isso, é necessário supervisionar detalhadamente o uso espontâneo de cada habilidade para garantir que as habilidades se submetam a um esquema de manutenção delas para o futuro. Cada sessão costuma se desenvolver com a seguinte seqüência: (1) revisão das tarefas; (2) questionamento e avaliação de problemas já previamente discutidos; (3) incentivo a compartilhar sentimentos positivos sobre atitudes e comportamentos de cada um; (4) revisão dos temas escolhidos pelo casal (ou acrescentados pelo terapeuta) corno os mais importantes a serem enfrentados no momento; (5) treinar e


supervisionar as habilidades necessárias para resolver um dos temas; (6) trabalhar para a solução de um dos temas dentro da sessão por meio do exercício das habilidades treinadas; e (7) prescrever novas tarefas para casa. O papel do terapeuta costuma incluir, em primeiro lugar, urna explicação detalhada das diretrizes sobre cada habilidade e sua posterior demonstração via modelação. Em segundo, motivar o casal para a realização das tarefas e uso das habilidades. Com freqüência, substitui um cônjuge em dramatizações quando ele(a) não esteja mostrando estar totalmente preparado para desempenhar uma certa habilidade de modo satisfatório, O reforçamento verbal e não-verbal para o correto seguimento das diretrizes sobre cada habilidade é constante, assim como apresentar respostas empáticas quando há incapacidade ou resistência de um cônjuge em seguir os procedimentos da terapia etc. Eis algumas das definições das atividades mais comuns que o processo envolve: Estruturação. São afirmações que explicam as linhas gerais dos modos e procedimentos da TER, ou relembram aos membros do casal essas diretrizes. Demonstração de respostas apropriadas. São também usadas para explicar diretrizes, só que aqui sob a forma de ilustração por meio de dramatização ou gravações em áudio ou vídeo. Modelação de respostas. É semelhante a anterior, apenas com a diferença de que são utilizadas durante uma interação em andamento na sessão (ver ao lado). Encorajamento/sinalização. São pistas ou sugestões para o paciente seguir diretrizes e fazer um tipo particular de resposta ou apenas refinar alguma já feita. Diferem das de estruturação no sentido em que não são dirigidas para consertar um erro ou lembrar um aspecto dos modos e procedimentos; diferem das de modelação no sentido em que são abertas, isto é, não tentam provocar nenhuma resposta especificamente definida, como dizer algo de certo modo. Dublagem. São tentativas de o terapeuta falar pelo paciente quando ele não está capacitado ou querendo falar por ele mesmo. Difere da modelação no sentido de que o terapeuta assume o papel do paciente. Não é esperado que este repita ou reproduza as afirmações feitas pelo terapeuta. Intervenções variadas. São tipos de atividade do terapeuta que ocorrem quando: (1) o paciente não está querendo seguir os procedimentos. Aí, o terapeuta responde empaticamente e depois “estrutura” (ver acima). Pede então feedback para se assegurar de que o problema foi superado. Se ainda não tiver acontecido isso, recomeça; (2) quando o paciente não está capaz de, no momento, seguir os procedimentos, por excessiva raiva, dor etc. Depois de agir empaticamente e verificar que o paciente recuperou-se, o terapeuta volta-se para fazer uma estruturação, para voltar à rotina da TER. Administração. Dizem respeito a enquadrar algum aspecto regular de qualquer terapia: retomar um tema interrompido em outra sessão, abrir a janela, conseguir água etc.


Segue abaixo uma transcrição, em parte real, em parte recriada, para ilustrar um grande número de respostas apropriadas que ocorrem durante sessões de terapia com casais (entre parênteses há a descrição do tipo de processo ocorrido): Terapeuta: Antes de sermos interrompidos, Maria, você estava no Modo Expressivo e você estava falando sobre não sentir muito sintonizada com o modo como João está se sentindo nestes dias. O que você acha da gente partir daí? (Estruturação/Direção) Maria: 0K. João, eu já vi você excitado e otimista assim antes, quando você largou a bebida outras vezes. Desculpe-me eu não estar tão entusiasmada como você, mas é que eu estou mais numa posição de esperar-para-ver. (Expressivo) Terapeuta: Bom. (Reforçamento Verbal) João: Você pensa que será como das outras vezes — eu fico longe da birita por um tempo e aí, bingo, eu volto logo. (Empático) Terapeuta: Ótimo! (Reforçamento Verbal). Vamos ver os sentimentos subjacentes também. (Estruturação) Junte isso: Você tem medo de confiar em mim. Porque você joga as suas esperanças lá para cima e vai machucar você mais ainda se eu voltar a beber. (Modelação, para o Falante Empático) João: Você está com medo de confiar em mim. Você não quer se machucar tanto, de novo. Terapeuta: (balançando a cabeça com vigor) (Reforçamento Não-Verbal para o Falante Empático) Maria: É verdade. Eu também não sei dizer direito o que mudou de verdade. Você não está bebendo e isso mudou; mas, fora isso, nós parecemos estar na mesma, quer dizer, a relação. (Expressivo) João: Ora, essas coisas levam tempo... (Modo Errado) Terapeuta: Você precisa (Encorajamento/Sinalização)

mostrar

uma

Resposta

Empática,

João.

João: Tá. Você... ahn... sente... ahn... (pausa)... Você se sente deprimida sobre a possibilidade de mudar o que há entre nós (Empático). Eu quero trocar. (Requisição para Troca de Modo) Maria: 0K. Vá em frente. (Aprovação para Troca de Modo) João: Eu sei que as coisas foram difíceis para você no passado, mas você não parece se dar conta de que eu estou diferente agora... Terapeuta: Seja subjetivo. Ela pode não concordar que você tenha mudado. (Estruturação) “Eu tenho certeza de que estou diferente agora.” (Modelação de uma Afirmação Expressiva).


João: (para o terapeuta) 0K., desculpe. (então, para a mulher) Eu estou completamente confiante que eu mudei agora. Eu... Terapeuta: Bom. (Reforçamento Verbal) João: ... não acho que a gente precise ficar olhando para trás. Eu não quero fazer isso. Terapeuta: Muito bem, João! (Reforçamento Verbal) Você poderia acrescentar como isto faz você se sentir quando ela fica olhando para trás? (Encorajamento/Sinalização) João: Eu me sinto arrastado para isso. Algumas vezes... Terapeuta: Muito bem! (Reforçamento Verbal) João: 0K. Eu acho que eu preciso deixar isso para trás. E eu quero que você também faça isso porque eu vejo que você fica mal quando fala do passado. (Expressivo) Terapeuta: Bom. (Reforçarnento Verbal) Você manteve a percepção dos sentimentos dela. (Estruturação) Que tal ser mais específico sobre a sua própria Mensagem Interpessoal e dizer a ela por que é importante para você que ela não fale do passado; o que você sente quando ela fala do passado. (Estruturação, Encorajamento, Sinalização) João: (para Maria) Quando você fica para baixo, isso faz tudo ficar mais difícil para mim. Eu me sinto como se estivesse carregando você e eu ao mesmo tempo. Eu fico sobrecarregado. (Expressivo) Maria: Você não se sente forte o suficiente para carregar nós dois. (Empático) Eu queria trocar. (Requisição para Trocar de Modo) João: O.K. (Permissão para Trocar de Modo) Maria: Eu quero berrar! Eu sinto que eu carreguei você pelos últimos quatro anos e, agora, quando eu quero um pouco de apoio, você diz que está sobrecarregado! João: (depois de uma pausa) Você pensa que eu sou ingrato, que eu não estou querendo te dar apoio, mesmo você tendo grudado em mim quando eu precisei de você. Maria: Claro! Eu quero que você segure as pontas um pouco. Eu acho que eu tenho o direito de me recuperar, por um tempo. Estou cansada de ficar para baixo e deprimida. Eu preciso de algum espaço para respirar e me aliviar da carga de segurar você junto. Você não consegue, você não pode avaliar o quanto o passado me custou, e tudo por conta direta de você. (Expressivo) Terapeuta: Maria, vamos rever um pouco isso tudo. Tem muita coisa do que você disse que o João poderia discordar; por isso, você precisa torná-lo mais subjetivo.


Você sente que ficou carregando ele; você não pensa que ele reconhece isso, que ele aprecia isso, ou o preço que você pagou. (Modelação de uma Afirmação Expressiva) Fique subjetiva. (Estruturação) E eu acho que você está experimentando um bocado de ressentimento — um senso de injustiça. Você quer vê-lo mostrar para você mais a compreensão e o apoio que você sente que deu a ele. Seu amor e apoio significam um bocado para você. Será que essa afirmação seria acurada? “Eu quero ver você mostrar que você me ama e vai me apoiar assim como eu mostrei meu amor e apoio por você. Sentir o seu amor e experimentar o seu apoio é extremamente importante para mim.” (Modelação de uma Afirmação Expressiva) Você se sente pronta já para revelar o sentimento positivo subjacente desse jeito? (Estruturação) Maria: (chorando) Eu mostrei para você o meu amor. Eu amo você de verdade. Eu acho que você me ama. Eu quero que você mostre mais o seu amor. E eu não estou sentindo nem um pouco dele agora. Eu quero senti-lo. E eu me sinto com direito a isso. Não me adianta nada que o seu comportamento supostamente expresse isso se me mostrar este tipo de apoio não for parte dele. (Expressivo) Terapeuta: Ótimo, Maria! (Reforçamento Verbal)

Conclusões Há semelhanças claras entre as propostas de Guerney Jr. e as de Jacobson, com diferenças entre o maior grau de estruturação do primeiro. Também existem entre as duas e a de Dattilio, sendo que este destaca mais os aspectos mais estritamente cognitivos. Na verdade, por via de suas pesquisas sistemáticas, Jacobson foi elaborando mudanças de um modelo mais estritamente comportamental para outro que incorporasse aspectos cognitivos, aproximando-se da perspectiva desenvolvida sob a influência de Beck, Dattilio e outros, e aspectos afetivos, como vinham sendo elaborados por Guerney Jr. Dattilio também lança mão de treino de habilidades de comunicação, absorvendo de forma integradora a evolução no campo da terapia de casais. E tanto Guerney Jr. quanto Jacobson passaram a ressaltar também as variáveis cognitivas nos processos conjugais. Parece que o campo da terapia de casais caminha para a afirmação de um modelo comum, integrativo, estruturado que tende a se tornar generalizado na prática cognitivo-comportamental com problemas conjugais.

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16 Portadores de deficiências e distúrbios de aprendizagem Rosana GIat

A construção social da deficiência A Bíblia nos diz (e a Declaração dos Direitos Humanos reitera) que todos os homens foram criados iguais, à imagem e à semelhança de Deus. Entretanto, não é bem isso que a evolução da raça humana no planeta tem demonstrado. Ao contrário, desde que os primeiros homens surgiram na face da Terra, tem persistido o processo que Darwin denominou de seleção natural — sobrevivência do mais dotado — em que apenas os mais fortes e mais capazes de lidar eficientemente com o meio ambiente sobrevivem, enquanto os mais fracos, menos dotados e menos eficientes (ou seja, os deficientes) perecem. Nos primórdios da humanidade esse processo selecionava basicamente considerando a capacidade física de maneira geral: a força, a agilidade, a destreza, o raciocínio concreto etc. Com o desenvolvimento da civilização e os avanços tecnológicos e científicos (principalmente relacionados à medicina e à saúde) tornouse possível para a sociedade cuidar de maneira mais sistemática de seus membros menos capazes. As probabilidades de sobrevivência desses seres fracos ou deficientes que morriam precocemente — de morte natural ou sacrificados (às vezes voluntariamente) pelo bem da comunidade — foram então, aumentado cada vez mais. A Síndrome de Down (mongolismo) é um exernpio. Essa condição, além da deficiência mental, causa problemas de visão, pulmão e coração (aproximadamente 1/3 das crianças com Síndrome de Down apresenta quadro de cardiopatia congênita). Até há algumas décadas, era raro encontrar-se uma pessoa com Síndrome de Down já idosa, já que geralmente elas morriam cedo, devido a essas complicações paralelas. Hoje, no entanto, a expectativa de vida dos portadores da Síndrome de Down é de apenas 6% abaixo da média (Baroff, 1974). Esse cuidado com os mais fracos, apesar de ideologicamente incentivado pela mentalidade cristã, implica um alto custo ao grupo social. Pessoas deficientes, em geral, são indivíduos que não produzem (principalmente porque eles são “educados” para serem inúteis e dependentes) e que, conseqüentemente, oneram física, econômica e emocionaimente os demais, se tornando um “peso” para a sociedade. “Ele é uma cruz que eu carrego!” é um discurso típico de familiares de deficientes. Em contrapartida, por não contribuírem com o sistema, esses indivíduos também não têm direito ao status de cidadão pleno (apesar de que esse direito é hoje “garantido” pela Constituição da maioria dos países). Dito de outra forma, embora as


pessoas deficientes sejam dependentes e não tenham as mesmas obrigações que os demais cidadãos, elas não têm também os mesmos privilégios, sendo afastadas total ou parcialmente do convívio social. Recapitulando, sob o ponto de vista da evolução filogenética, pode-se dizer que o processo de seleção natural, com o passar dos tempos, tomou uma nova forma: de seleção natural física, passou a ser uma seleção “natural” social. Em outras palavras, devido ao progresso material da civilização, formou-se um enorme contingente de indivíduos que consegue sobreviver fisicamente, mas por não ter as condições básicas de lidar independentemente com o ambiente, não sobrevive socialmente. Embora nas últimas décadas tenha havido uma luta incessante em prol da integração dos portadores de deficiências (Cardoso. 1992; Glat, 1988, 1991), o isolamento social em que essas pessoas (assim corno outros grupos de desviantes) vivem tem, como vimos, raízes históricas profundas, se estendendo desde o início da vida humana sobre a Terra. E não podia ser diferente. Qualquer grupo social (incluindo entre os animais) sempre atua no sentido da coesão, simetria e estabilidade. Para isso, o grupo desenvolve um conjunto de critérios ou regras determinando os atributos e condutas a serem seguidos por seus membros. Aqueles que não podem se conformar com essa norma, não são reconhecidos e aceitos como membros efetivos do corpo social. Em outras palavras, os indivíduos desviantes, que por alguma razão não conseguem se adaptar à cultura vigente em sua comunidade não sobrevivendo, portanto, à “seleção social” — são considerados anormais (fora da norma) e, conseqüentemente, são estigmatizados, marginalizados e isolados (Glat, 1989; Goffman, 1982). Mesmo que hoje em dia, no mundo “civilizado”, as pessoas portadoras de deficiências não pereçam, nem sejam exterminadas (embora ocasionalmente isso volte a acontecer, como, por exemplo, na Alemanha nazista), pode-se dizer que socialmente elas são exterminadas. Pois, como já comentamos, apesar de excluídas das responsabilidades sociais, também o são dos privilégios, vantagens e oportunidades, inclusive afetivas. Nesses indivíduos se forma uma contradição entre sua maneira de ser e o que é considerado normal ou natural na comunidade onde vivem. Ou seja, existe uma dicotomia entre quem eles são e (para efeitos de aceitação social) quem eles deveriam ser” (Glat, 1989, p. 16). O grande drama dessas pessoas marginalizadas, que afeta sobremaneira os portadores de deficiências, é que o estigma funciona como um rótulo. Em outras palavras, a partir do momento em que um indivíduo é identificado como desviante ou anormal — por exemplo, homossexual, negro, retardado ou cego tudo o que ele faz ou é, passa a ser interpretado em razão dos atributos estereotipados do estigma (Glat, 1988, 1989. 1991; Goffman, 1982). E como esse estereótipo é por natureza depreciativo, todas as suas potencialidades são subestimadas, e ele passa a ser visto apenas como um exemplo do estigma: “negro correndo, é ladrão”: “ele não faz nada direito porque é retardado”: “coitado do ceguinho, ele é um infeliz”. “Esse rótulo tem uma dupla função: ao mesmo tempo que serve de ingresso numerado, indicando qual o lugar onde ele tem direito de sentar no teatro da Vida, determina também o script que o indivíduo terá que representar como ator nesse


teatro! Assim, a pessoa estigmatizada não só passa a agir segundo os padrões esperados pelo papel, como os outros atores também contracenam com ele como pessoa estigmatizada, reforçando ainda mais esse papel” (Glat, 1991, p. 9). Portanto, ao se analisar a questão da deficiência um aspecto tem de ficar claro, o rótulo de deficiente é outorgado a um indivíduo, não apenas por causa de suas características orgânicas, mas sobretudo pelo seu comportamento, ou pelo papel social que ele representa. E esse rótulo que é vitalício e generalizante limita as suas oportunidades tanto sociais quanto educacionais, determinando de antemão o tipo de vida que ele terá: uma vida marginalizada e “excepcional”. Ou seja, o diagnóstico de deficiente, mais do que um prognóstico médico, traz consigo um prognóstico psicossocial.

Atendimento ao deficiente: modelo médico versus educacional Na medida em que a sociedade se propõe a cuidar ou a encontrar um espaço (à margem, naturalmente!) para seus membros desviantes, é necessário encarregar um outro grupo de pessoas com a tarefa de lidar com esses “infelizes”. São os especialistas, ou usando a terminologia de Goffman (1982), os “informados”. O termo “representar” abrange tanto o sentido ativo de “atuar”, quanto o passivo de “simbolizar”. A função desses especialistas (sejam eles feiticeiros, padres, médicos, psicólogos, educadores ou policiais) é a de identificar os indivíduos anormais, e organizar a sua vida para que causem o mínimo possível de distúrbio à estabilidade social (Glat, 1989; Omote, 1980). Diga-se de passagem, que o treinamento e, conseqüentemente, a forma de atuação desses profissionais, refletem sempre a ideologia vigente e os interesses da sociedade à qual eles pertencem (Uliman e Krasner, 1969). Em relação à educação dos portadores de deficiência, nos últimos 50 anos, vários modelos de avaliação e atendimento têm sido propostos e implementados (Glat, 1985, 1989; Kadlek e Glat, 1989; Williams, 1981), variando em um contínuo organicista-ambientalista, dependendo se a ênfase está na constituição físicopsicológica do indivíduo ou no meio ambiente. As primeiras tentativas de se prestar a essa clientela um atendimento além de custodial, partiram de um modelo médico, que considera a deficiência como um problema de natureza orgânica, intrínseca ao indivíduo. Nesse tipo de enfoque a preocupação primordial é de identificar a causa interna do problema, seja ela neurológica ou psicológica, para, a partir daí, tentar reconstruir, recuperar ou compensar a falha. Esse modelo também é conhecido como enfoque clínico, terapêutico ou “centrado na criança”. No outro extremo do contínuo encontra-se o modelo comportamental (modificação de comportamento, análise aplicada do comportamento, terapia comportamental etc.). Esse modelo, ao contrário do descrito acima, se baseia em um enfoque educacional. Isso não significa que se minimize a existência de problemas intrínsecos da pessoa que causam ou afetam o seu comportamento e suas habilidades. Entretanto, se enfatiza a falha do meio (escola, família, comunidade etc.) em oferecer condições que promovam a aprendizagem e o crescimento. Contrastando com o enfoque clínico, a preocupação fundamental aqui é a de


trabalhar diretamente sobre os comportamentos observáveis do indivíduo, tentando aumentar o seu repertório de comportamentos adequados e diminuir e/ou modificar os comportamentos inadequados, que o caracterizam como deficiente. Em outras palavras, procura-se transformar a sua forma “deficiente” ou “anormal” de atuar no meio ambiente físico e social, visando diminuir ou neutralizar os efeitos negativos do estigma. Não se trata, como dizem os críticos, de “moldar” ou “condicionar” o indivíduo ao sistema; mas sim, de lhe dar as condições básicas para usufruir desse sistema, tendo acesso a uma vida independente e satisfatória como qualquer um. E, isso só é possível, na medida em que ele preencha os requisitos mínimos de um comportamento socialmente aceitável e produtivo. O modelo comportamental não considera a deficiência como uma “doença, mas sim como um estado de vida, urna condição à qual o indivíduo tem que se adaptar, mas que (independentemente da causa) pode ser até certo ponto transformada” (Glat, 1985, p. 91). Parte-se do princípio de que, dadas as condições apropriadas, o deficiente, por mais lesado que seja, pode aprender. Conseqüentemente, se o aluno ou cliente não apresentar progresso, a causa do fracasso não deve ser atribuída apenas à sua “patologia”. Faz-se necessário uma cuidadosa avaliação dos métodos de tratamento ou ensino utilizados. A função do educador ou do terapeuta, então, é analisar a situação de ensino (no sentido amplo do termo), identificando e criando contingências que favoreçam a aprendizagem (Glat, 1985; Williams, 1981). Um dos aspectos em que a dicotomia entre o enfoque terapêutico e o educacional se faz mais marcante é no tocante à avaliação de crianças para determinar se são ou não portadores de alguma deficiência ou distúrbio de aprendizagem. “Uma vez que o que se pretende encontrar é diferente — disfunção orgânica (incluindo categorias como dificuldade de percepção, atraso psicomotor etc.) ou falha específica no repertório de comportamentos — é óbvio que o processo e os objetivos da avaliação serão também diferentes” (Glat, 1985, p. 91). Tradicionalmente a avaliação de crianças encaminhadas para clínicas ou escolas especializadas é feita basicamente por meio de testes padronizados (Stanford-Binet, WISC, Bender-Gestalt, Rorschach e outros). Esses testes, apesar de bastante difundidos no mundo todo, têm sido alvo de severas críticas nas últimas décadas. Já foi amplamente demonstrado, por exemplo, que testes de personalidade e inteligência são culturalmente tendenciosos não se aplicando a grupos minoritários e de outras línguas ou culturas com a mesma fidedignidade. Além disso, testes formais padronizados não são bons indicadores de desempenho futuro, apenas fornecendo informações gerais a respeito das áreas de dificuldade da criança (Glat, 1985; Kadlec e Glat, 1989). Conheço, por exemplo, vários casos de pessoas classificadas com o mesmo grau de deficiência mental (medido pelo QI), mas que apresentam um desempenho acadêmico e social tão diferente, que na prática não podem ser consideradas como pertencentes à mesma categoria. Esse tipo de problema não ocorre apenas em relação aos testes psicológicos ou de inteligência. É bastante comum também encontrar-se pessoas cujo audiograma acusa o mesmo grau de perda auditiva, mas que têm um desenvolvimento lingüístico-cognitivo totalmente diferente. Situações similares podem ser apontadas em todas as áreas de deficiência.


Em suma, testes padronizados permitem a classificação ou identificação de crianças que se desviam (ou teriam uma alta probabilidade de se desviar) da população “normal”. São o instrumento mais adequado, portanto, para efeitos de triagem. Porém, como o tipo de informação que é obtida por meio desses testes não se refere à atuação real do indivíduo, de uma maneira geral, são de pouca utilidade para o professor ou terapeuta em seu planejamento educacional. Outro problema em relação à avaliação clínica formal é que o desempenho da criança na testagem pode ser influenciado por sua história de aprendizagem: que tipo de experiências ela teve, o que lhe foi ensinado, como ela lida com situações de teste etc. Além disso, o resultado é geralmente considerado como indicativo do patamar máximo de desenvolvimento que ela pode alcançar, limitando assim o que lhe será ensinado. Uma criança classificada como deficiente mental leve ou ‘educável’ geralmente é encanhinhada para uma classe especial, visando uma futura alfabetização. Enquanto isso, aquela classificada como deficiente mental severo ou ‘treinável’ vai para uma oficina protegida ou é colocada nas chamadas classes de ‘prontidão’, e ninguém mais (a não ser seus pais, e às vezes nem eles) espera que talvez ela possa também aprender a ler e a escrever” (Glat, 1985, p. 91). No entanto, esse tipo de prognóstico não tem a menor fundamentação científica, refletindo apenas as expectativas estereotipadas do estigma. Como lembra Murray Sidman (pioneiro na aplicação da análise do comportamento no ensino do deficiente), não existe, até o momento, nenhum método de avaliação que possa dizer com fidedignidade qual é o potencial máximo de aprendizagem de uma criança, seja ela deficiente ou não. Antes de prosseguir, considero pertinente fazer um pequeno esclarecimento. Ao apontar as dificuldades em se trabalhar com os portadores de deficiências a partir do chamado “modelo médico”, não se pretendeu, de forma alguma, minimizar a necessidade da avaliação e do tratamento clínico, nem muito menos subestimar a importância dos especialistas da área médica (psiquiatria, neurologia, fisioterapia, fonoaudiologia etc.) para a elaboração de uma proposta global de atendimento ao excepcional. O modelo médico é, obviamente, o mais indicado para o diagnóstico e o tratamento das doenças e das condições deficitárias do organismo, de maneira geral. Grande parte das pessoas portadoras de deficiências tem complicações de ordem orgânica que só podem ser avaliadas e cuidadas (curadas ou controladas) por meios médicos. Distúrbios neurológicos têm que ser medicados e monitorizados constantemente; perdas sensoriais têm que ser cuidadosamente medidas para indicação de prótese ou outros aparelhos de apoio; e a estimulação precoce ou reabilitação fisioterápica é essencial para o desenvolvimento psicomotor. O trabalho com o deficiente para ser bem-sucedido exige uma visão interdisciplinar, de preferência com uma equipe coesa composta de especialistas das diversas áreas. Só assim as necessidades individuais de cada caso poderão ser atendidas. As críticas aqui apresentadas referem-se especificamente à suposta aplicação do modelo médico para fins psicoeducacionais. Nesse aspecto, esse modelo, de fato, não satisfaz. Pois, como já discutido, não é apenas a existência de um déficit no organismo — mesmo sensorial — que determina se uma pessoa será considerada ou diagnosticada como excepcional. De acordo com Ferreira (1993),


“a diferença ou deficiência que transforma o diferente em excepcional tem a ver com os processos de autonomia e independência pessoal e, principalmente, produtividade. Assim, destacam-se itens que se relacionam com as demandas específicas de adequação às normas sociais em termos de interação social, de atuação escolar, de adaptação ao mercado de trabalho” (p. 14, grifo nosso). Os comportamentos adaptativos, socialmente desejados, que faltam no repertório dos portadores de deficiências variam de indivíduo para indivíduo. Podem ser habilidades acadêmicas ou pré-acadêmicas (ler, escrever, discriminar cores, contar), atividades de vida diária (vestir-se, alimentar-se, ter controle de urina e esfíncter), sociais (saber manter uma conversa, namorar, fazer compras, andar sozinho na rua) ou profissionais (ter um trabalho ou ocupação). Vale a pena ressaltar mais uma vez, que mesmo nos casos em que existe um diagnóstico clínico preciso por exemplo, paralisia cerebral devido à anoxia durante o parto, cegueira causada por glaucoma, Síndrome de Down etc., é difícil determinar até que ponto as deficiências observadas são causadas diretamente pela condição orgânica em si, ou se são o resultado de uma falha no sistema de atendimento prestado a essa pessoa (Glat, 1985). Este ponto, que representa justamente a cisão entre o modelo médico e o educacional, tem sido enfatizado pelos “behavioristas” há mais de duas décadas (Bijou, Birnbrauer, Kiddo e Tague, 1966; Hallahan e Kauffman, 1976; Skinner, 1972; Sidman. 1970; Thompson e Grahowski, 1972, e outros). Nas palavras de Sidman 985), “pessoas estão sofrendo as conseqüências de concepções errôneas sobre a sua capacidade para aprender e sobre como devemos ensinar-lhes. Essas concepções fazem com que nós, que não temos deficiências óbvias, sejamos ensinados menos do que somos capazes de aprender; aos que são deficientes, em geral, absolutamente nada lhes é ensinado...” (p. 1) Entretanto, a experiência tem demonstrado que é possível se obter mudanças rápidas e significativas no comportamento ou nível de funcionamento (inclusive cognitivo) de pessoas portadoras de deficiências independente da etiologia — pela reestruturação do ambiente físico-social e pela modificação dos métodos de ensino e interação utilizados.

Princípios básicos do modelo comportamental para o ensino do deficiente. O modelo comportamental é também conhecido na área de Educação Especial, como Modelo Diagnóstico Prescritivo, e tem sido amplamente utilizado para ensinar crianças portadoras de deficiências ou com problemas de aprendizagem de maneira geral. Um dos pressupostos básicos desse modelo é a interdependência entre avaliação e intervenção. Usando, outra vez, uma expressão de Sidman, “testamos, ensinando” (1985, p. 14). Como o próprio nome indica, o diagnóstico é feito para prescrever uma estratégia de atuação. Essa estratégia, por sua vez, é desenvolvida não a partir das supostas


“características típicas” da síndrome ou deficiência pela qual a criança foi classificada, e sim de suas competências e dificuldades específicas (Glat, 1985). O objetivo da avaliação no modelo diagnóstico prescritivo é, portanto, de servir como uma linha de base a partir da qual será desenvolvido o programa de intervenção. Não se pretende classificar a criança em relação a uma norma, comparando-a com as crianças ditas “normais”; logo, o uso de testes padronizados é dispensado. A criança (ou o adulto, se for o caso) é sempre comparada com ela mesma por meio da observação direta do seu comportamento e de testes de desempenho — conhecidos como testes de critério. Esse tipo de teste é utilizado para detectar as dificuldades específicas encontradas pela criança nas atividades que ela realiza (ou deveria realizar) diariamente. É um teste individualizado, que avalia a criança considerando os objetivos que se almeja alcançar. “Em vez de nos fornecer um diagnóstico, classificação ou indicação paga de suas áreas gerais de dificuldade, o teste de critério nos diz exatamente o que a criança pode ou não pode fazer em um dado momento” (Glat, 1985, p. 95). Para a aplicação de testes de critério não é necessário ter treinamento clínico especializado. Ao contrário, esses testes são realizados preferencialmente nas condições rotineiras quando será executada a instrução: pela professora na sala de aula ou em casa pelos pais. A sua elaboração é também bastante simples; os itens do teste podem, por exemplo, ser retirados dos próprios livros de matemática ou de leitura utilizados na escola. Testes de critério, conforme discutido acima, são simples de elaborar e aplicar. Entretanto, para que tenham validade é necessário que os objetivos instrucionais — que servirão de parâmetro para avaliação da criança durante o processo de aprendizagem — sejam descritos em termos observáveis e mensuráveis. O treinamento de pais de crianças deficientes em técnicas de modificação de comportamento para atuarem com seus filhos de maneira mais eficaz já é uma prática bastante difundida (Ferreira, 1984; Gardner e Cole, 1984; Leigh e Ellis, 1993; Matos e Williams. 1984). A orientação aos pais é considerada um dos fatores essenciais para o sucesso de qualquer intervenção. Esse ponto é crucial não só em termos de avaliação. Pode-se dizer até que o sucesso de um programa de intervenção depende, em primeira instância, de uma clara definição dos objetivos que se almeja alcançar. Objetivos gerais e subjetivos como “trabalhar o esquema corporal”, “aumentar discriminação auditiva” ou “desenvolver sociabilidade”, tão comuns nas propostas terapêuticas ou educacionais, são na realidade de pouca serventia por não especificar concretamente o que se pretende medir e, subseqüentemente, ensinar. A consequência desse enfoque pode ser observada na maioria das nossas classes ou escolas especiais onde os alunos ficam anos a fio “desenvolvendo” a linguagem, a percepção viso-motora e outras habilidades consideradas pré-requisitos para o ensino de conteúdos acadêmicos ou vocacionais! E o que é pior, quando algum pai menos tímido, insatisfeito com o pouco progresso de seu filho, questiona a eficácia do atendimento, ainda é considerado pelo profissional como “ansioso”. Afinal, como ele pode esperar que seu filho aprenda rápido se ele é deficiente!


Para evitar esse tipo de impasse, os objetivos traçados devem especificar exatamente que comportamento ou resposta se quer que o aluno seja capaz de emitir, sob que condições ela deverá ser emitida e qual será o padrão de rendimento esperado (Glat, 1985; Kadlek e Glat, 1989). Esse procedimento não só permite ao professor elaborar concretamente seu planejamento educacional, quanto possibilita ao aluno — e a seus pais saber o que se pretende atingir com esse planejamento, e acompanhar o desenvolvimento do mesmo. Além da elaboração de objetivos claros e precisos, outro pré-requisito para aprendizagem é controlar a atenção do aluno para os estímulos relevantes da tarefa ou do material de instrução. À primeira vista essa colocação pode parecer óbvia, entretanto, uma das queixas mais comuns apresentada por professores de crianças portadoras de deficiências, e principalmente de distúrbios de aprendizagem, é que o aluno não aprende porque é “distraído”, “é desatento”, “hiperativo”, ou, usando uma terminologia mais sofisticada, tem um “déficit da atenção”. De fato, se o aluno não “prestar atenção” — ver, ouvir, sentir — ao material ou às instruções apresentadas, ele não poderá (independente de ter ou não qualquer disfunção neurológica) aprender. Para facilitar o controle da atenção do aluno, Holland (1960), aconselha reduzir ao máximo os estímulos não-essenciais, e apresentar apenas aqueles que o aluno deve discriminar para poder responder corretamente. Outro procedimento recomendado é solicitar que o aluno emita uma resposta ou comportamento observável — tal como repetir ou explicar as instruções, apontar, imitar, fazer um gesto etc. — que indique que ele está atento. Foi experimentalmente demonstrado que a emissão desse tipo de resposta facilita significativamente a aprendizagem (Solot, não publicado; Glat, Gould, Stoddard e Sidman, no prelo). A falta de “motivação” para aprender é outra razão freqüentemente apresentada pelos professores para justificar o seu fracasso em ensinar. Essa atitude, que é um reflexo do modelo “centrado na criança”, necessita ser analisada com cuidado. Antes de mais nada, os alunos, de maneira geral, ficam desmotivados, quando as aulas são desinteressantes e os conteúdos desvinculados de sua realidade cotidiana. Além disso, a grande maioria das crianças portadoras de deficiências ou problemas de aprendizagem, tem uma longa história de fracasso escolar. Por isso, a situação de ensino, principalmente do ensino formal acadêmico, lhes é por natureza punitiva. Como a tendência básica do organismo é evitar situações ou eventos aversivos, não é de se espantar que esses alunos não aprendam! Distúrbios de aprendizagem, segundo Kirk e Gallagher (1991) se referem a um grupo heterogêneo de crianças que tem capacidade intelectual ou inteligência dentro da média, e apesar de não possuírem deficiências sensoriais ou distúrbio emocional, não apresentam ritmo de desenvolvimento ou aprendizagem normal. Esse rótulo incorpora condições anteriormente denominadas de lesões ou disfunção cerebral mínima, dislexia, afasia do desenvolvimento, deficiência de percepção etc. Essas crianças geralmente apresentam distúrbios de atenção, impulsividade, hiperatividade, além de problemas perceptomotores, de memória, de linguagem e outras dificuldades acadêmicas específicas (Hallahan e Kauffman, 1982). Crianças com distúrbios de aprendizagem devem continuar freqüentando o sistema regular de ensino (embora freqüentemente sejam encaminhadas para a Educação Especial), porém necessitam de auxílio pedagógico especializado.


É importante não confundir essas crianças, que de fato têm uma possível disfunção neurológica, com os alunos que não conseguem se sair bem na escola devido a problemas de ordem social e de falhas do sistema de ensino. Esse segundo grupo representa o enorme contingente do chamado “fracasso escolar”, que está assumindo proporções assustadoras no ensino público do Brasil. O modelo comportamental nos ensina que a maneira mais eficaz de “motivar” um aluno e acelerar o seu ritmo de aprendizagem, é por meio da distribuição de reforço positivo contingente à emissão do comportamento ou resposta desejada. Não vamos aqui nos aprofundar em uma análise do princípio de reforçamento, nem nas vantagens de sua aplicação sistemática. Isso já foi mais do que provado, tanto em condições experimentalmente controladas, quanto na prática de professores, terapeutas e pais no mundo todo há vários anos. Muitos psicólogos e educadores, porém, seguindo o antigo ditado que diz que “se os fatos negam minha teoria, danem-se os fatos”, continuam criticando o modelo comportamental por se propor a motivar a aprendizagem pelo uso de reforço. Entretanto, não se trata de uma opção teórico-filosófica e sim de um fato: nosso comportamento é controlado por suas conseqüências, quer estejamos conscientes disso ou não. Toda a estrutura escolar, por exemplo, é baseada no sistema de reforço e punição (infelizmente mais punição e reforço negativo do que reforço positivo!). O que são notas, elogios da professora, anotações na caderneta, “ficar” sem recreio? Qual é a criança que estuda, faz os deveres, presta atenção e se comporta em classe pelo simples prazer de aprender? Pode-se argumentar, porém que esses eventos são conseqüências “naturais” da situação de ensino, enquanto muitos programas de modificação de comportamento se apóiam basicamente no uso de reforços “artificiais” como comestíveis, dinheiro, fichas etc. Esse ponto não pode ser negado. É claro, que o reforço deve ser o mais “natural” possível, inclusive para facilitar a manutenção e generalização do comportamento. Não há “behaviorista”, por mais radical que seja, que prefira reforçar o aluno com uma bala, por exemplo, se puder conseguir a mesma resposta apropriada com o uso de um elogio! Entretanto, na prática, nem sempre existem na situação de ensino eventos que sejam “naturalmente reforçadores” a ponto de propiciarem uma mudança de comportamento ou a facilitarem aprendizagem. Isso é verdadeiro, principalmente, no caso de crianças pequenas e/ou com nível de desenvolvimento social mais baixo. Assim, durante a fase de aquisição de um novo comportamento ou habilidade, recomenda-se que o reforço seja o mais imediato, freqüente e maior (concreto) possível. Seja “rápido e generoso”! O reforço será mais eficaz e conseqüentemente a aprendizagem acelerada, se o aluno for reforçado cada vez que emitir o comportamento desejável ou a resposta certa. Quando o novo comportamento estiver estabelecido, porém, gradativamente o reforço pode ser apresentado mais intermitentemente e substituído por eventos mais “naturais” (Bigelow, 1974; Glat, 1985; Kadlek e Glat, 1989, e outros). Outra crítica, freqüentemente feita ao modelo comportamental, é de que se trata de um enfoque rígido, “mecanicista”, cujo objetivo é controlar ou moldar a criança Essa questão já foi abordada em um trabalho anterior (Kadlec e Glat, 1989):


“Quando sistematicamente manipulamos as conseqüências de um comportamento, não estamos tentando simplesmente motivar, controlar ou programar a criança. Antes de tudo, estamos procurando estabelecer um meio de comunicação... Reforçar uma criança por um comportamento apropriado ou por uma resposta correta é a nossa forma de dizer (seja verbalmente ou por meio de reforços tangíveis) que ela está certa” (p. 136). De fato, para a maioria das crianças com deficiências severas, dificuldades de comunicação ou problemas de comportamento, o reforço é o primeiro passo para o estabelecimento de uma relação de confiança e prazer com o professor. Sem isso, por mais eficaz que seja o método de ensino, não haverá aprendizagem. Para muitos alunos a atenção da professora é o melhor reforço que existe. Como lembra Gauderer (1989), “a criança aprende em última instância porque ama a sua professora e quer agradála ou recompensá-la por essa sensação de amor que tem por ela... o x do problema... está no fato de a professora se fazer amada por essa criança” (p. 12, grifo do autor). Algumas crianças, no entanto, têm muita dificuldade em aceitar a aproximação da professora ou de outras pessoas, fora do círculo familiar. Esse tipo de problema é bastante freqüente em crianças autistas e com deficiência mental severa (além das pequenininhas, é claro). Para elas elogios, reconhecimento, carinho, atenção e outros reforços sociais não têm efeito, tornando muito difícil ensinar-lhes qualquer coisa. Muitas teorias e enfoques terapêuticos têm sido tentados com essas crianças, a maioria com pouco sucesso em proporção ao esforço desprendido. Mas é perfeitamente possível estabelecer contato social com crianças autistas (Brown, 1985; Wing, 1985) e/ou severamente deficientes bastando para isso descobrir que eventos ou coisas podem servir de reforço positivo para elas. Às vezes custamos um pouco para descobrir o que funcionará; precisamos tentar várias conseqüências até encontrar algo pelo qual ela cooperará. Entretanto, como se diz popularmente, “todo mundo tem seu preço”. Não há criança por mais apática, ensimesmada ou deficiente que seja (a não ser, talvez, em estado de coma ou similar) que não possa ser reforçada. No uso sistemático de reforço, porém, é necessário se levar em consideração dois pontos básicos. Primeiro, não se pode dizer de antemão se a conseqüência planejada agirá ou não como um reforço positivo. Em outras palavras, se um evento for apresentado contingente a um comportamento e esse comportamento não for alterado, o evento, mesmo que aparentemente favorável para o sujeito, não pode ser considerado um reforço (Kadlec e Glat, 1989; Kazdin, 1975). Segundo, reforço é sempre individual. Ou seja, o que funciona para uma criança não funcionará necessariamente para outra. Isso é especialmente pertinente em relação aos portadores de deficiências: quanto menor for o nível de funcionamento ou adaptação social de um indivíduo, mais idiossincrático será o seu sistema de reforço. Uma das minhas primeiras experiências com modificação de comportamento foi em um programa intensivo para crianças autistas e com deficiência mental severa no Stockton State Hospital, na Califórnia. Algumas dessas crianças eram tão retraídas e ensimesmadas, que nada do que oferecíamos do nosso “menu de reforços”,


inclusive balas e outros comestíveis, lhes atraía. Um dia, por acaso, descobri que um dos meninos mais prejudicados, Jimmy, gostava de mexer na trança do meu cabelo. Apesar de aparentemente não suportar nenhum contato físico, esse menino passou a se aproximar de mim, pois eu o deixava brincar com a minha trança. Assim, pude utilizar esse evento — brincar com a trança — como reforço positivo, e aumentar gradativamente seu contato comigo. Foi possível então lhe ensinar diversas tarefas lúdicas (Dahkoeter, Solot e Lutzker, 1976), que mais tarde serviram de reforço para aprendizagem de atividades de vida diária e pré-acadêmicas. Um tipo de reforço utilizado em diversos programas de modificação de comportamento é o chamado sistema de tokens ou fichas. Esse procedimento, originalmente desenvolvido por Ayllon e Azrin (1968), consiste em dar para a criança uma ficha, cartão ou certo número de pontos, contingente ao comportamento desejado. Esses tokens são mais tarde trocados por pequenos prêmios de sua escolha como balas, biscoitos, figurinhas, lembrancinhas, brinquedinhos etc. Esse sistema é bastante eficaz principalmente no trabalho em grupo. O token, por ser um reforço generalizado, possibilita reforçar todas as crianças com freqüência e rapidez, o que não seria possível se o professor tivesse que dar uma coisa diferente para cada aluno. Além disso, a variedade de prêmios que podem ser trocados pelos tnkens evita a saciação e aumenta a possibilidade de que pelo menos um dos itens será reforçador para cada criança. O sistema de tokens é freqüentemente usado para facilitar a estruturação da rotina de sala de aula principalmente com crianças portadoras de hiperatividade e distúrbios de aprendizagem (Hallahan e Kauffman, 1982). Cria-se na sala de aula um espaço (o recreio) onde os prêmios a serem trocados pelos tokens estarão disponíveis. Ao obter um determinado número de tokens (de acordo com seu programa individual) o aluno ganha acesso à área do reforço. Essas crianças geralmente apresentam sérios problemas de atenção que dificultam a aprendizagem. Portanto, o programa consiste em reforçar os alunos por executarem uma série de atividades altamente estruturadas formando uma hierarquia de habilidades de atenção. Uma vez que o aluno se torne relativamente bem-sucedido em prestar atenção e em concluir a tarefa designada, ele passa para um nível mais avançado na hierarquia (Hewett e Forness, 1974). O reforço, como já comentamos, é a nossa maneira de dizer à criança que ela está certa. Porém, reforço por si só não é suficiente para se estabelecer um novo comportamento ou ensinar uma nova habilidade. Pois, como iremos reforçar um comportamento que nunca ocorre? “E preciso que tenhamos também um programa de ensino adequado, caso contrário, a criança não saberá o que fazer para receber o reforço” (Kadlec e Glat, 1989, p. 135). Os procedimentos de ensino utilizados em programas de modificação de comportamento, de maneira geral, são baseados no princípio de aprendizagem por etapas ou análise de tarefa. Análise de tarefa, que foi o “ovo de Colombo” da Educação Especial (Glat. 1985. p. 98), possibilitou o ensino das mais variadas tarefas ou habilidades para crianças que, devido às suas deficiências cognitivas e/ou sensoriais, não aprendiam pelos métodos tradicionais. Pode-se dizer que um dos indicativos que urna pessoa está socializada, ou integrada, é quando os eventos que são reforçadores para a maior parte da população se tornam reforçadores para ela.


De acordo com esse método, a tarefa, ou o comportamento desejado, é dividido em pequenos passos, começando pelo mais simples ou o que o aluno já sabe fazer — para que ele seja bem-sucedido, e conseqüentemente reforçado (motivado) desde o início. Aos poucos então vão sendo ensinadas as outras etapas, uma de cada vez.

Procedimentos de ensino Existem diversos procedimentos de ensino envolvendo a análise de tarefa. Entre eles talvez o mais difundido seja a modelagem (shaping), também denominada “reforço diferencial de aproximações sucessivas”. Essa técnica, que foi desenvolvida originalmente por Skinner a partir de seus primeiros experimentos com animais (Skinner, 1938, 1968), consiste em “gradativamente modificar o requerimento ou definição do que constitui a resposta certa ou comportamento adequado” (Kadlec e Glat, 1989, p. 137). Ou seja, seleciona-se algum aspecto do comportamento do sujeito ou qualquer resposta que, de alguma forma, se assemelhe ao comportamento desejado. Esse comportamento é então reforçado até que esteja ocorrendo com maior freqüência. Gradativamente vai se exigindo comportamentos mais e mais parecidos com o objetivo final do programa. A modelagem, tem sido amplamente utilizada para ensinar a crianças e adultos portadores de deficiências os mais diversos comportamentos, incluindo atividades de vida diária (se vestir, comer sozinho, fazer cama, dar laço no sapato), comportamentos sociais, imitação, jogos, uso de óculos e prótese auditiva etc. (Kadlek e Glat, 1989; Sidman, 1970, 1985; Thompson e Grabowski, 1972, e outros). O programa de Hewett e Fomes (1974). para desenvolver atenção em crianças hiperativas descrito anteriormente, é um exemplo de modelagem. Outra aplicação interessante de modelagem é no treinamento de crianças com deficiência auditiva ou dificuldade de linguagem para imitar sons ou repetir palavras. Inicialmente reforçamos qualquer som que a criança emita, mesmo diferente do modelo. Depois passamos a reforçar sons que se aproximam mais e mais do modelo até a criança conseguir imitar a professora (Kadlek e Glat, 1989). . Existe um outro procedimento também chamado em português de “modelagem” (social modeling) desenvolvido por Bandura (1971), envolvendo aprendizagem por meio da observação e imitação do comportamento de um modelo, modelo que é reforçado. Procedimento semelhante pode ser usado para ensinar imitação de gestos ou execução de movimentos corporais. Vale a pena observar que todas essas habilidades podem ser trabalhadas como atividades lúdicas, adaptando-se jogos do tipo “macaco manda”, “telefone sem fio” e outros. A reabilitação e/ou fisioterapia com crianças com deficiências físicas ou múltiplas também é facilitada utilizando-se modelagem. O terapeuta começa o programa reforçando a criança pela execução de movimentos simples como sustentação de cabeça ou de um membro, por exemplo, por um pequeno período de tempo. Gradativamente, então, vai aumentando a complexidade do movimento ou o tempo de sustentação independente (Hallahan e Kauffman, 1982; Utlcy, Holvoet e Barnes, 1977). A maioria dos nossos comportamentos, porém, não ocorrem como unidades isoladas, mas sim em uma seqüência ou ordem fixa composta de vários pequenos comportamentos. No dia-a-dia realizamos essas seqüências de comportamentos de


maneira tão automática que não nos damos conta de sua complexidade. Para uma pessoa deficiente, no entanto, uma ação simples, como abrir uma porta, vestir uma roupa ou montar um quebra-cabeça, pode ser um frustrante desafio. Essas cadeias de comportamento (behavioral chains) podem ser facilmente dominadas seguindo-se gradativamente a seqüência, ensinando um comportamento novo de cada vez. “Assim que completar cada pequeno passo, a criança vai se encontrar sempre na posição de fazer o que já aprendeu anteriormente, e será capaz de terminar o resto da seqüência corretamente... A maioria das crianças (mesmo as não deficientes) aprenderá mais rapidamente dessa forma, e porque elas errarão menos, menos desistirão” (Sidman, 1985, p. 4). As chamadas “atividades de vida diária” (AVD) geralmente se incluem nessa categoria. Lavar as mãos, por exemplo, pode ser dividida em uma cadeia de 10 comportamentos distintos: 1) abrir a torneira; 2) molhar as mãos: 3) pegar o sabonete; 4) passar o sabonete nas mãos; 5) colocar o sabonete de volta no lugar; 6) enxaguar as mãos: 7) fechar a torneira; 8) pegar a toalha; 9) enxugar as mãos; 10) colocar a toalha no lugar (Kadlec e Glat, 1989, p. 139). Dependendo da dificuldade encontrada pelo aluno, cada etapa dessas pode ainda ser dividida em vários comportamentos. Por exemplo, a primeira etapa “abrir a torneira” pode ser quebrada em três subetapas: 1 a) colocar a mão sobre a torneira: 1 b) girar a torneira; 1 c) tirar a mão da torneira e assim por diante. Uma forma ainda mais eficaz de ensinar esse tipo de tarefa é de trás para frente. Esse procedimento se chama cadeia ou seqüência inversa (hack-chaining) e consiste em ensinar o último passo da seqüência primeiro — no exemplo acima: colocar a toalha no lugar (é claro que com as mãos já lavadas), e trabalhar assim até o começo da tarefa. Sidman (1985) nos dá um bom exemplo do uso de seqüência inversa para ensinar crianças deficientes a dar laço no sapato: “O professor começaria dando um laço no sapato quase que completamente. e pedindo à criança para completar a tarefa, somente apertando os laços finais. Esse comportamento simples produzirá reforço imediato e substancial para a criança, não somente por meio da reação do professor (“Fantástico! Você deu laço no seu sapato!”) mas principalmente pelo fato de a criança ter completado o trabalho sozinha. Aí o professor desamarraria o sapato e daria um laço novamente, mas desta vez não tão completamente quanto da primeira vez. A criança precisará agora puxar um laço por meio do outro. Quando ela fizer isso imediatamente estará na posição de fazer o que já aprendeu antes — apertar os laços — e novamente produzir os reforçadores previstos” (p. 4). Esse método, apesar de parecer estranho à primeira vista, facilita ainda mais a aprendizagem, pois na seqüência normal a resposta que é imediatamente seguida de reforço muda constantemente, na medida em que novos passos são aprendidos, o que pode causar uma certa confusão ou insegurança no aluno. Na seqüência inversa, por outro lado, o aluno sempre sabe quando será reforçado, já que a resposta imediatamente seguida do reforço é sempre a mesma” (Kadlec e Glat, 1989, pp. 139-140).


Além disso, o aluno é sempre reforçado por terminar a tarefa, facilitando a generalização, já que a própria realização correta da tarefa é um reforço “natural”. Esse é o caso de montar um quebra-cabeça, por exemplo, outra atividade que se presta muito bem ao uso de cadeia inversa. O professor apresenta o quebra-cabeça quase todo montado e solicita à criança que coloque apenas a última peça que falta — completando a tarefa, o que vai lhe dar enorme satisfação. Depois, duas peças têm que ser colocadas, e assim por diante, de trás para frente, até a criança ser capaz de montar todo o quebra-cabeça sozinha (Bigelow, 1974). Nesses programas descritos, o comportamento do aluno era gradativamente modificado até se chegar ao objetivo final. Existe, no entanto, um outro grupo de procedimentos, também baseados na aprendizagem por etapas, nos quais a resposta do aluno permanece a mesma, mas se modifica a condição em que o comportamento ocorre. Esses procedimentos envolvem o processo de controle de estímulos, já que não se atua diretamente no comportamento, mas sim manipulam-se os estímulos (materiais, instruções etc.) que o controlam. A forma mais conhecida de controle de estímulos denomina-se esvanecimento (fading), que como outras técnicas de modificação de comportamento, também foi desenvolvida a partir de estudos com animais (Terrace, 1963). Esvanecimento tem sido utilizado com enorme sucesso para o ensino de crianças e adultos deficientes ou com problemas de aprendizagem nas mais diversas situações acadêmicas, sociais e de reabilitação. O treinamento de discriminação auditiva com crianças surdas é uma delas. Começa-se reforçando a criança por perceber a diferença entre som e silêncio e, aos poucos, vai-se diminuindo a intensidade dos sons e/ou a diferença de freqüência dos mesmos. Esse programa permite ajudar a criança a desenvolver ou recuperar seus resíduos auditivos, e é pré-requisito para o desenvolvimento da linguagem oral (Couto, 1988). Procedimento similar pode ser utilizado, por exemplo, para ensinar pessoas cegas a escrever seu nome numa linha (como terá que ocorrer quando eles assinarem um cheque ou outro documento). Inicia-se o programa usando uma folha de papel especial em que as linhas estão em relevo: com esse apoio, o aluno pode manter sua escrita na linha pelo tato. Gradativamente ele passa a trabalhar com folhas cujas linhas têm relevos cada vez menos pronunciados, até ser capaz de escrever ou assinar seu nome em linha reta em uma folha normal. Nas aulas de educação física para crianças com dificuldades motoras ou problemas de psicomotricidade (que são freqüentes em todos os tipos de deficiências) esvanecimento também é extremamente útil. Para se ensinar jogar basquete, por exemplo, o professor pode começar com uma bola pequena e/ou uma cesta grande, e gradativamente transformar os materiais para suas dimensões regulares (Sliney e Geelen, 1977). Grande parte das atividades acadêmicas, ou pré-acadêmicas podem ser ensinadas por esse método, sobrepondo-se um estímulo novo ou desconhecido sobre outro que a criança já conhece, e depois retirando-se o estímulo conhecido que serve de apoio. Assim, para ensinar uma criança a escrever seu nome, podemos inicialmente deixá-la copiar por cima de letras grossas e gradativamente ir apagando as linhas. Algumas das práticas pedagógicas tradicionais podem ser adaptadas em programas de esvanecimento para crianças com dificuldades de aprendizagem. O


“jogo dos pontinhos” é um exemplo. Transforma-se as letras do nome da criança, ou qualquer outra coisa que queremos que ela aprenda, em um conjunto de pontinhos numerados que são, no decorrer do programa, retirados gradativamente. Controle de estímulos se aplica também a situações não formais de aprendizagem. Em uma ocasião fomos capazes de estabelecer um esquema de alimentação normal em um paciente severamente retardado, que estava hospitalizado por se recusar a comer alimentos sólidos. Isso foi alcançado reforçando o paciente ao término das refeições, sendo que gradativamente aumentamos a consistência e a quantidade de comida que lhe era servida (Solot, Geelen, Lerner e Medaugh, 1978). Uma das grandes dificuldades em trabalhar com crianças deficientes é que grande parte delas tem compreensão verbal limitada e não consegue entender instruções, mesmo as mais simples. Isso é particularmente problemático com crianças surdas e com deficiência mental. Além disso, como já mencionado, muitas dessas crianças não conseguem imitar (no caso dos deficientes visuais, isso é impossível) dificultando sobremaneira a aprendizagem de vários comportamentos. Uma técnica bastante simples, mas extremamente eficaz para se trabalhar com esse tipo de aluno, é a chamada ajuda física (physical guidance). Como o próprio nome diz, a princípio o instrutor segura as mãos da criança e executa o movimento com ela. A ajuda física é aos poucos esvanecida até ser eliminada por completo. “... para se ensinar a levar uma colher à boca, por exemplo, o instrutor inicialmente segura firmemente a mão da criança levando a colher até a boca, e em outras tentativas vai aos poucos transformando em um leve toque, até que a criança execute a ação sozinha” (Kadlec e Glat, 1989, p. 141). Em minha opinião, a combinação de ajuda física e esvanecimento é a maneira mais eficaz para se ensinar qualquer atividade motora, mesmo para aqueles que conseguem seguir instruções verbais. E, com portadores de deficiência visual, sua utilidade é incontestável.

Terapia comportamental-cognitiva com alunos excepcionais Apesar do sucesso irrefrutável de modificação de comportamento com crianças portadoras de deficiências, muitos profissionais relutam, por diversas razões, em utilizar essas técnicas de maneira sistemática, sobretudo nas áreas acadêmicas. Uma das críticas mais comuns (e de uma certa forma substanciada) é que essas técnicas, por serem extremamente diretivas e específicas, podem impedir que crianças excepcionais “aprendam como aprender” (Sabatino, Milier e Schmit, 1981, citado por Harris, 1988). Segundo esses autores, o ensino fica restrito a um treinamento de habilidades e tarefas específicas, e não se trabalha o aspecto mais fundamental para o desenvolvimento cognitivo e acadêmico desses alunos, que é “aprender a pensar” Como alternativa, tem sido proposto o modelo de atendimento conhecido como modificação de comportamento cognitiva ou terapia comnportamental cognitiva. Os procedimentos comportamentais-cognitivos são bastante variados, dependendo, em parte, da preferência metodológica do profissional e também da clientela à qual o


programa se destina. Harris (1988) aponta alguns componentes básicos presentes em programas para crianças e jovens com problemas de aprendizagem. “... esses alunos aprendem como controlar seu próprio comportamento por meio de processos como auto-instrução, automonitoramento, auto-avaliação e auto-reforço... Verbalizações, inicialmente em voz alta e depois silenciosa, são utilizadas para guiar o aluno através de uma análise de tarefa composta por várias etapas destinada a produzir um comportamento (de estudo) mais eficiente... Imitação do modelo do professor é um método comum e eficaz para ensinar o aluno a verbalizar as diferentes etapas do programa” (p. 223). O principal objetivo desses programas não é, portanto, ensinar comportamentos ou tarefas determinadas, mas sim ensinar aos alunos a observar suas falhas no processo de pensamento/aprendizagem e a se monitorizar. O enfoque cognitivocomportamental tem sido utilizado com relativo sucesso com crianças hiperativas e com distúrbios de aprendizagem principalmente para aprender procedimentos que lhes auxiliem a prestar atenção nas aulas ou nas tarefas (Harris, 1988). Embora, a aplicação desse método com deficientes mentais severos necessite ser fundamentada por mais pesquisas, esse enfoque é bastante promissor, aumentando o leque de alternativas de trabalho com crianças excepcionais.

Aprendizagem sem erros Independente de suas características específicas os programas de intervenção que seguem o modelo comportamental (pelo menos, os bem-sucedidos) têm como preocupação básica promover uma aprendiza geni “sem erros”. Como pode ser verificado pelos exemplos apresentados, as situações e os materiais de ensino são sempre adaptados visando facilitar a atuação correta (e possível de ser reforçada) do aluno durante todo o desenrolar do programa. Embora a prática tradicional seja a de que “aprendemos pelos nossos erros”, tem sido há muito tempo demonstrado que erros dificultam a aprendizagem, além de provocarem sérias reações emocionais. Já foi, inclusive, experimentalmente provado (Sidman, 1985; Sidman e Stoddard, 1966) que quando um sujeito (deficiente ou não) começa a encontrar grandes obstáculos para a aprendizagem de um novo comportamento, ele passa a cometer erros até em tarefas nas quais já havia sido previamente bem-sucedido. Além disso, qualquer professor constata em seu dia-a-dia que freqüentemente os alunos ficam irritados, nervosos, desistem de trabalhar e até desenvolvem problemas de conduta, se o exercício ou atividade for difícil demais e eles errarem muito. Crianças com problemas de aprendizagem, de modo geral, como já discutido, devido à sua história de fracasso escolar, são ainda mais afetadas em seu rendimento por esse fator. A experiência mostra que é perfeitamente possível se ensinar “sem erros” até mesmo alunos deficientes, desde que o professor seja criativo e o programa flexível. Nesse aspecto também é importante não se subestimar as diferenças individuais: um procedimento que deu certo com uma criança, não será necessariamente eficaz com outra.


Justamente por isso a avaliação tem que ser um processo contínuo, acompanhando passo a passo a intervenção. Dessa forma, é o desempenho do aluno que indica a validade ou as falhas do programa. “Se o aluno não está aprendendo, é sinal de que algo precisa ser modificado no programa: podemos estar progredindo muito rapidamente e ele não ter tempo suficiente para absorver o que está sendo ensinado, os passos da análise de tarefa podem estar muito grandes, as técnicas e materiais utilizados não serem adequados, faltarem os pré-requisitos, ou o reforço ser insuficiente” (Glat, 1985, p. 98). Nas palavras de James Holland (1960), “erros indicam deficiências não do aluno, mas sim do programa”.

Considerações finais O objetivo deste trabalho foi apresentar os princípios básicos do modelo comportamental de atuação pedagógica com pessoas portadoras de deficiências e distúrbios de aprendizagem, assim como exemplificar algumas de suas aplicações em Educação Especial. Permeando essa discussão está a visão da deficiência como um fenômeno socialmente construído, e a experiência de que é possível ensinar a essas pessoas formas mais adaptativas de lidar com o meio ambiente para compensar as suas dificuldades cognitivas, físicas e/ou sensoriais. O espaço, infelizmente, não permitiu um aprofundamento do tema, principalmente no que diz respeito às especificidades de atendimento à essa população tão heterogênea, que constitui as chamadas crianças “excepcionais”. Ou, usando uma nomenclatura mais atual, os portadores de “necessidades educativas especiais”. Além disso, devido ao tratamento global que foi dado ao texto, é possível que alguns pontos tenham ficado obscuros, trazendo talvez mal-entendidos principalmente aos leitores pouco familiarizados com a área. Gostaria, portanto, antes de encerrar, traçar alguns breves comentários à guisa de esclarecimento. Antes de mais nada, é preciso ficar bastante claro que tudo o que foi dito e proposto se aplica a qualquer indivíduo, não apenas àqueles considerados excepcionais. Pessoas portadoras de deficiências não constituem uma raça à parte de seres humanos, e portanto não têm um processo de aprendizagem e cognição qualitativamente diferente dos demais. A diferença talvez seja que nós — os “normais” — aprendemos apesar de nossos erros, e eles — devido à sua situação mais precária — necessitam de uma metodologia de ensino científica e sistemática. Segundo, por força de hábito, foi usada freqüentemente no texto a expressão “crianças portadoras de deficiências ou problemas de aprendizagem”. Isso não significa, entretanto, que o ensino de adultos deva ser negligenciado. Os mesmos métodos e técnicas se adaptam perfeitamente para jovens e adultos embora, é claro, os objetivos a serem alcançados sejam, em parte, diferentes. Muito menos há aqui qualquer implicação de que o deficiente seja uma “eterna criança”. Infelizmente, essa visão estereotipada sobre o deficiente ainda prevalece em muitas escolas e clínicas especializadas. Causa bastante inquietação verificar que mesmo em serviços considerados “de boa qualidade”, a idade cronológica dos


indivíduos não é levada em consideração na organização das turmas, no planejamento curricular e, mais grave ainda, nem na postura dos profissionais. Finalmente, como a Educação Especial representou o pano de fundo dessa discussão, também se priorizou as figuras do “aluno” e do ‘professor”, em detrimento do “paciente” e do “terapeuta”. Não se pretendeu, no entanto, restringir a atuação pedagógica apenas no nível escolar, mas sim enfatizar o enfoque educaciotal no sentido amplo do termo. Pode-se dizer que a educação do portador de defiiéncias é “especial”. não tanto por se valer de métodos, recursos ou professores especiais, mas sobretudo por sua abrangência. O deficiente não necessita de “tratamento”, mas sim de aprender uma nova forma de atuar no mundo que lhe permita, apesar de sua diferença, conquistar um espaço de valor no seio da sociedade. Auxiliá-lo nessa tarefa é a função prioritária de todos nós — seus “professores”.

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PARTE 3 VARIANTES NA PRÁTICA COMPORTAMENTAL E COGNITIVA 17 Medicina COMPORTAMENTAL Rachei Rodrigue S Kerbauy Nos países mais industrializados e ricos houve uma diminuição de mortes causadas por doenças infecciosas como pneumonia, tuberculose e gastroenterites provavelmente por hábitos de higiene, água tratada e vacinas. A varíola é considerada extinta. No Brasil essas doenças também diminuíram. A expectativa de vida do homem adulto é hoje maior, mas as doenças infecciosas foram substituídas por doenças cardiovasculares, câncer, em que fatores comportamentais aparecem em sua etiologia e nesse sentido são “doenças do estilo de vida”. Pomerleau e Brady (1979) embora reconheçam a necessidade de uma definição da área, afirmam que “o campo é definido por aquilo que se faz, se as condições mudam a definição de medicina comportamental precisará ser modificada”. Nesse caso, a área tem temas que abrangem a manipulação de comportamentos que são problemas (enurese), treinamento de comportamentos específicos de pessoas que trabalham na área (treinar para prática eficaz), adesão ao tratamento (principalmente medicação, no caso de hipertensão e diabetes), manipulação de comportamentos que previnem doenças (comer, beber). Há que se estudar o emprego de medidas comportamentais objetivas para verificar o efeito de intervenções medicamentosas, estudos epidemiológicos associando fatores que permitam verificar, por exemplo, quanto o estilo de vida ou o comportamento individual contribuem para doenças e, ainda, o estudo das relações entre variáveis comportamentais e fisiológicas como medidas de biofeedback. por exemplo. Nesta área de pesquisa e atuação, continuam a ser problemas metodológicos, as medidas de comportamento como auto-relato, a falta de planejamentos experimentais, resultados conflitantes sem análise adequada das fontes de dados, falta de dados sobre generalidade e manutenção do comportamento. Há ainda o fato de que, no tratamento de problemas comportamentais, emprega-se, quando se utiliza terapia comportamemtal, procedimentos de efeito poderoso que podem impedir a identificação de variáveis responsáveis pelo problema. Faltam, como diz Fucqua (1980) e Shull e Fuqua (1993), pesquisas analíticas que permitam identificar e compreender os fatores responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção do


comportamento. Essa estratégia de pesquisa analítica foi a contribuição da psicologia behaviorista e portanto precisa ser continuada. Ao analisar a área de estudo que prioriza as relações comportamento e saúde, observo que é vasta e conseqüentemente difícil de ser analisada como um todo. O desafio seria mostrar que a análise de comportamento tem oferecido e a oferecer para solucionar alguns problemas atuais e, no caso específico aqueles relacionados com a saúde física. A escolha, se não exaustiva, é grande: a) definir a área a partir da referência bibliográfica encontrada, b) relatar exemplos de pesquisa sobre diversos assuntos tais como: doenças crônicas e degenerativas: diabetes, problemas coronarianos; ou então fatores de risco como: obesidade, fumo, vida sedentária ou ainda descrever programas de reabilitação física ou análise experimental aplicada a distúrbios neurológicos como doença de Alzheimer e dano cerebral; c) apresentar procedimentos para reduzir comportamentos como a enurese noturna ou o bruxismo ou ainda a gagueira; d) mostrar programas para atingir a comunidade e diminuir a ingestão de bebidas ou como o bem-humorado título de Fucqua para a utilização de camisinhas: “Desculpe-me, onde está sua camisinha?Uma avaliação das contingências naturais envolvidas em comprar um suprimento de sexo seguro”, que foi apresentado no Congresso da Association for Behavior Analysis (ABA) em 1993 (p. 92), em uma sessão de CBM, que é a sigla para Behavioral Clinical Interventions, Behavioral Medicine and Family Interventions. Com muito material disponível preferi, no entanto, escolher um roteiro de trabalho de um pesquisador que foi presidente da ABA no período 1984 — 1986 e que considero um modelo a ser seguido pela seqüência e resultados de seu trabalho. Vejamos pois as etapas realizadas por H. S. Pennypacker tentando detectar as análises feitas por ele, de meu ponto de vista, e que o conduziram na direção escolhida. Começaremos pelas premissas. Para entrar no mercado de tecnologia válida, ou seja, com resultados positivos, pensou que deveria se resguardar tomando cuidados e para tal usou seu repertório de analista de comportamento e se beneficiou das análises culturais de um antropólogo. Harris (198]) Esta análise mostra que: a) as culturas incorporam os conhecimentos em relação ao benefício que esse conhecimento traz para ela; b) conseqüentemente para que a análise de comportamento (AC) seja adotada é preciso beneficiar a cultura. Podemos comentar com os conhecimentos da economia da informação que mudou a essência do capitalismo, de uma forma, que nem Marx ou Keynes vislumbrou. A globalização da economia é efeito e não causa da globalização da informação. Portanto a cultura incorporou; c) os termos empregados por outras abordagens, em vez de ridicularizados, precisam ser analisados para especificar as contingências e realmente esclarecer o problema básico. Aproveito para enfatizar ser necessário olhar o que as pessoas de outras concepções teóricas realmente fazem e não suas concepções ou interpretações dos fatos; d) muitos analistas de comportamento produziram resultados em áreas como educação, doença mental e física sem produzir o resultado de modificar as instituições.


Partindo do princípio de que se o analista de comportamento construiu uma tecnologia ele precisa garantir sua utilização de forma adequada, para que o resultado seja o esperado, Pennypacker analisou os meios para consegui-lo. Assumindo como prioridade absoluta a transparência da tecnologia, se preparou para analisar, identificar e converter em seu benefício as contingências que operam na cultura. A partir do princípio de que vivia em uma sociedade capitalista, e sem discutir os méritos filosóficos desse estado de coisas, tendo encontrado dados antropológicos que mostravam que a cultura maximiza a densidade de reforço para seus membros individuais, procurou também entender as leis do mercado. Essa compreensão era importante porque, ao escolher uma mercadoria, entre várias alternativas, uma é selecionada porque apresenta maior benefício e evita perda de dinheiro. Embora essa análise não seja importante aqui, é conveniente acrescentar que aos ingredientes da economia clássica aceitos — terra, trabalho e capital considerou terra as inovações da área, o desenvolvimento de uma pesquisa e sua aplicação para resolver um problema de saúde, trabalho e capital. São o próprio trabalho e planejamento realizados pelo pesquisador. Com essas premissas bem definidas, um grupo da Flórida procurou desenvolver uma tecnologia para ensinar o auto-exame da mama e auxiliar na detecção do câncer. No período de 1976 à 1983. desenvolveram um programa e fizeram apresentações técnicas sobre o assunto. O programa MAMACARE é um procedimento individual derivado de análise psicofísica e comportamental para detectar um pequeno tumor em uma mama artificial. Compreende quatro elementos: 1. modelos de mama empregados para estabelecer a discriminação tátil entre o tecido normal e formações nodulares; 2. técnica de apalpação e procura, para exame com a ponta dos dedos; 3. treinamento com técnica de medida precisa, para modelar a habilidade, até atingir o nível máximo, e provê documentação da proficiência da aprendizagem; 4. fornecimento de um kit para levar para casa, contendo um modelo adaptado ao tecido da mama do usuário em relação a firmeza e nódulos. Esse modelo provê reforço para o desempenho correto das apalpações e habilidade de procurar, e contribui para a manutenção. Este exemplo concreto, resumido, mostra como intervenções comportamentais têm efeitos colaterais e que estes precisam ser previstos e incorporados em um planejamento minucioso, Iniciando um trabalho, com estudos simplificados de laboratório para estabelecer o menor tamanho, discriminável pelo tato, em um seio de silicone, posteriormente o programa incorporou esse procedimento no treinamento da habilidade de discriminar. O problema dos pesquisadores foi a aplicação de um programa em condições naturais e avaliação dos resultados, pela prevenção precoce, em uma região onde os resultados apareceriam em números. Este exemplo foi inserido no início deste estudo porque o considero um modelo para aqueles que trabalham na área de saúde e possivelmente o sonho de vários profissionais. Estamos vivendo em urna época em que o conhecimento é


transformado em produto. Entre ox]s serviços mais necessários está o treinamento de pessoal, o ensino em todos os níveis, a pesquisa básica, a pesquisa de ponta, a produção e difusão do conhecimento. Nessa corrida a relação entre comportamento e saúde tem ficado muito em relato de experiências ou reflexão, como também ocorre com a psicologia clínica.

Um pouco de história e de definição A Psicologia, em seu desenvolvimento como ciência, tem várias áreas de atuação entre elas a Psicologia da Saúde, assim definida por Matarazzo (1982): “E um conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais da disciplina da Psicologia para promoção e manutenção da saúde, a prevenção e tratamento de doenças, a identificação da etiologia e diagnóstico dos correlatos de saúde, doença e funções relacionadas, e a análise e aprimoramento do sistema e regulamentação da saúde.” Essa área se distingue da Psicologia Clínica por compreender o comportamento no contexto da saúde e doença. Embora seja importante distinguir saúde mental e física, a psicologia da saúde focaliza principalmente os aspectos físicos da saúde e doença e os modelos empregados em saúde mental sempre são os mais indicados. Historicamente, a psicologia da saúde começou com um grupo de trabalho em 1970 na American Psychological Association (APA) e tornou-se uma divisão em 1979, com aproximadamente cem membros. Em 1992, contava com 800 membros. Também em 1978, foi definido pelos participantes da Yale Conference o campo de Medicina Comportamental que procurava integrar as ciências comportamentais e biomédicas. Houve a seguir, no mesmo ano, uma redefinição pela Academy of Behavioral Medicine Research, com ênfase na integração das ciências médicas e comportamentais. A definição é de Schwartz e Weiss (1978): “Medicina Comportamental é um campo interdisciplinar preocupado com o desenvolvimento e integração dos conhecimentos e técnicas das ciências comportamentais e biomédicas, relevantes para a compreensão da saúde e doença e a aplicação desse conhecimento e dessas técnicas a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação.” O importante nessa definição é conceituar mais que uma simples disciplina, é ser uma concepção que procura enfatizar o processo de vários profissionais se organizarem para esclarecer problemas comuns de saúde e doença. Também a ênfase era a produção de conhecimento por meio de pesquisas. Não é objetivo deste trabalho enumerar problemas decorrentes das diferenças entre disciplinas como a terminologia, o conhecimento, difícil de ser totalmente dominado, e os problemas de comunicação existentes. Todos podem ter soluções com colaboração e treinamento. Nos remetemos aqui, a conceituação de psicologia da saúde, medicina comportamental, psicologia hospitalar. Kerbauy (1987) discute esses termos e propõe uma denominação que esclareça o estudo da relação comportamento e saúde e que caracterize a pesquisa e não somente a área como profissão ou local de atuação. Essas denominações separam profissionais e multiplicam congressos,


favorecem o repetir procedimentos sem uma avaliação acurada. O problema na atuação, em uma área de psicologia aplicada, é: o estudo dos processos psicológicos e comportamentais na saúde, na doença, na assistência à saúde e como implementar o desenvolvimento de ações necessárias. Portanto, o objeto do trabalho é tanto a pessoa sadia quanto a doente, tanto o paciente como a regulamentação ou administração de condições e recursos. O campo de atuação e pesquisa se distinguirá dos demais pelos seus métodos, modelos teóricos e resultados constatados. O tema dependerá da necessidade da população e contexto específico. Nesse sentido poderia ensinar a população a utilizar os recursos de saúde existentes, a assumir sua responsabilidade como consumidora de benefícios em relação à saúde, a procurar as informações de que necessita e, assim, poderemos continuar, em uma listagem infinita. Um trabalho de Gianotti, realizado no hospital Dante Pazzanezzi, em São Paulo, na década de 70, ilustra a necessidade de estudos. A pesquisadora, em observações assistemáticas e de diálogo com médicos da instituição, levantou a hipótese de que muitas das queixas sobre dores e sintomas de doenças cardíacas poderiam ter outras explicações. Construiu um protocolo de entrevista clínica com questões previstas, mas dando oportunidade a esclarecimentos, e iniciou uma coleta de dados sistemática. Após a entrevista, os dados foram organizados em um protocolo, que classificavam os dados e permitia análise. Encontrou que muitas pessoas com queixas de dores estavam passando por uma fase de problemas familiares, emocionais e estresse. Suas conclusões permitiram que as consultas para esse tipo de paciente fossem mais detalhadas e os médicos evitassem internações desnecessárias. Outras formas de intervenção eram necessárias. A denominação atual,.., ou nem tanto..., desse tipo de comportamento é “somatização”, rótulo que permite pouca contestação, quando inexistem análises comportamentais. Esse distúrbio é caracterizado por um padrão de comportamento no qual a angústia e a aflição são relatadas como queixas de sintomas físicos vagos ou gerais como: dor, gastrite, fadiga, sem uma causa orgânica. Essas pessoas, segundo pesquisas, têm mais dias de incapacitação, mais queixas físicas, interações sociais reduzidas e disfuncionais. Também Smith, Monsir e Ray, (1986) mostraram que custam ao hospital nove vezes mais do que a média dos pacientes. Temos encontrado que a interação social que o hospital propicia em termos de atenção do pessoal de saúde, encontros em sala de espera com outros pacientes, satisfaz a privação social e de afeto que pode existir. Pesquisas de Kantor, Von Korff, Lipscomb, Russo, Wagner e Polk (1990) salientam a atenção dos médicos como fator de manutenção da “somatização”. As pesquisas desse distúrbio são mais numerosas em termos de descrição de características da população e poucas existem sobre tratamento. Nota-se nesse distúrbio de queixas físicas sem causa orgânica uma deficiência de aprendizagem. A pessoa não aprendeu a discriminar a diferença entre físico e emocional e nomear adequadamente. Pode mesmo ter acontecido que em sua condição de vida era mais aceito o relato de dor física e muito pouco ensinado e aceito o relato de emoção. Portanto, o relato de estados internos e sua nomeação não foram adequadamente ensinados. Também, a análise das condições nas quais aparece esse padrão de comportamento de queixar-se é deficitária, o que provoca


um círculo vicioso e o paciente julga-se incompreendido e frustrado, quando não medicado ou internado, e com isto seu estresse é maior e os sintomas relatados mais numerosos. Ainda, seu relato, se assemelha ao da pessoa deprimida, pois torna-se acrescido de desamparo e fadiga. Estamos, portanto, diante de um problema apresentado tanto por paciente de hospitais e postos de saúde como de consultórios. No hospital, a explicação simples é que encontra-se afastado da família. mas faltam estudos para estudar o padrão de comportamento e as contingências que o mantêm. Podemos deduzir que as tentativas para desenvolver maneiras de intervir eficazmente são resultantes de uma pressão continuada para empregar bem os recursos de saúde disponíveis e também produzir conhecimento sobre como se processam as modificações psicológicas. Na discussão de modelos teóricos, nota-se a busca dos pontos críticos de intervenção; se a informação e as crenças são os elementos essenciais, ou, se o que o indivíduo faz é que torna eficiente o treinamento. As sessões enfocarão um fator mais do que o outro. A respeito dos modelos experimentais nos ambientes naturais e na manutenção do comportamento, os analistas de comportamento, na última década, estão aumentando os estudos do comportamento verbal. Uma indagação é o que acontece se as pessoas forem treinadas a descrever acuradamente as contingências de reforçamento. Neste caso, as perguntas podem ser se elas derivariam regras apropriadas, se verificariam continuamente se as regras são congruentes com a situação vivenciada. No trabalho em área de saúde, seria importante verificar se na pouca manutenção de comportamentos preventivos, estamos diante de derivação de regras inadequadas ou de falta de treino da habilidade específica. Os desafios metodológicos do diagnóstico do comportamento verbal, do repertório de seguir instruções, incluem, certamente, análise das relações funcionais com variáveis independentes e outros comportamentos. As definições de psicologia da saúde e da medicina comportamental, baseadas tanto nos conceitos de psicologia social quanto das descobertas comportamentais, traziam novas idéias em relação às teorias psicodinâmicas. Como idéias novas se propagam quando há necessidade de inovações, a idéia de buscar explicações para doenças no estilo de vida e ambiente e poder relacionar com fisiopatologia de várias doenças se desenvolveu. Incluiu os fatores comportamentais tanto na etiologia como na patogenia das doenças. Alguns fatores favorecem essa maneira de trabalhar com os princípios de aprendizagem: 1. a descoberta, por meio de estudos epidemiológicos, de que alguns comportamentos “fatores de risco” estão relacionados com doenças físicas como câncer e doenças coronárias; 2. a demonstração, em pesquisas, de que tratamentos comportamentais são eficazes para várias doenças; 3. o emprego de procedimentos comportamentais em prevenção e tratamento, por várias clínicas de renome, principalmente nos Estados Unidos.


No entanto, parece muito fácil falar em mudar o estilo de vida uma vez que doenças são causadas por ele. Algumas idéias são desconhecidas ou aceitas sem crítica e base na realidade, com conseqüências no tratamento do doente. Vejamos algumas: 1. receber uma informação ou instrução faz o comportamento mudar; 2. enfatizar a racionalidade humana; 3. assumir que o comportamento pode ser determinado sem a influência dos fatores ambientais (sociais e econômicos) do momento; 4. desconhecer a necessidade de que após a construção de programas para fazer intervenções baseadas em métodos eficazes e análises de comportamento, há exigência de mudanças até econômicas e políticas para implantação eficaz; 5. desconhecer quanto a identificação de uma crença ou regra garantirá ou não a ocorrência do comportamento. Basear-se em crenças e intenções quando o objetivo a ser modificado é o comportamento. Os resultados de trabalhos de rotina e de pesquisa mostram que essas premissas não garantem resultados e que há necessidade de estudar maneiras de proceder, com análises minuciosas. Nota-se que a análise de crenças e intenções, nos modelos de psicologia social como de Fishbein e Azjen, o modelo de crenças sobre saúde e o modelo de aprendizagem social e auto-eficácia de Bandura são bastante empregados na área de saúde. Atualmente, têm aparecido críticas e reflexões, pela tendência de descrever intenções e não comportamentos. Defesas também existem. Um simpósio recente, e publicado, tendo como editor convidado, Marks (1994) é um exemplo de como as pessoas que atuam estão questionando seu trabalho e propondo alternativas para melhorar. Uma das discussões interessantes é de Weinstein (1988), que tem como argumento principal o valor de predição que esses modelos possuem quando se examina os estágios ou processo. O autor sugere que, dependendo do estágio do processo, fatores diferentes impulsionam a pessoa a prosseguir. No início, informações sobre o risco do comportamento e a gravidade da doença serão cruciais. No final, informações sobre o risco pessoal são mais relevantes. Um outro modelo transteórico, que está sendo empregado para vários distúrbios, e que se iniciou com pesquisa acurada do comportamento de fumar é o de Prochaska e colaboradores (1983). É um modelo utilizado com pessoas e populações e permite prever os estágios e retornar aos anteriores quando se observa os comportamentos que estão sendo emitidos. As pessoas iniciam mudanças em uma fase de pré-contemplação; quando sabem da existência do problema, podem até falar sobre ele mas sem procurar solucioná-lo ou adotar uma prática de saúde. No estágio seguinte, de contemplação, a pessoa não emite comportamentos, no momento, mas está considerando a adoção de uma prática de saúde. No estágio da ação é quando se inicia um novo comportamento, ou seja, uma prática de saúde começa a ser empregada. Na manutenção a mudança é sustentada ao longo do tempo, as práticas escolhidas continuam a ser empregadas. Na recaída, é quando depois da ação e as vezes da manutenção, há um retorno à pré-contemplação ou contemplação. O importante, durante esse processo, é detectar em qual fase a


pessoa se encontra e planejar procedimentos para que ultrapasse essa fase e atinja o objetivo esperado. Também, considero uma das causas da aceitação desse modelo, o fato de para cada fase estarem definidas claramente as ações executadas pela pessoa. No caso do Brasil, além de outros problemas, é necessário construir maneiras de diagnosticar rapidamente distúrbios relatados nas consultas. No trabalho em hospitais esse ponto é crucial. Há pessoas que procedem de regiões distantes, permanecem curtos períodos no hospital ou na cidade, e necessitam voltar ao local de origem com conhecimentos e habilidades específicas, pois o acompanhamento posterior é quase inexistente.

Doenças cardiovasculares e o comportamento Selecionamos apenas uma das doenças para fazer comentários. Destacaremos algumas variáveis, que têm sido apontadas na literatura como tendo efeitos sobre as doenças cardiovasculares. Não encerram a discussão, necessitam ser esclarecidas e, provavelmente, cada uma delas tem importância diferente, para cada indivíduo específico. Embora existam explicações fisiológicas para o aparecimento do artenoma e se possa enumerar fatores de risco como altos níveis de colesterol e pressão do sangue, fumar cigarros, há sempre a busca de fatores de riscos adicionais. Essa preocupação com fatores de risco possibilitou o reconhecimento das características comportamentais e psicossociais como fator de risco. E a contribuição das teorias comportamentais como salientamos. Os eventos estressantes e apoio social parecem desempenhar um papel na precipitação dos eventos clínicos cardíacos e, especialmente, o Padrão de Comportamento Tipo A, fator de risco reconhecido. 1. O padrão de comportamento Tipo A. (TABP: Type A Behavior Pattern). É considerado fator de risco coronariano desde a década de 70. Ele consiste de comportamentos aceitos e encorajados socialmente como competitividade, “envolvimento na luta incessante para realizar mais coisas em menos tempo”, urgência de tempo, ambição. Os cardiologistas, Friedman e Rosennman, não propiciaram uma análise tradicional do fenômeno que observaram, mas simplesmente, deram um retrato descritivo. Desenvolveram ainda uma entrevista estressante de 15 minutos, para eliciar os comportamentos do padrão Tipo A exatamente pelo termo não ter um conceito anterior e descreveram o padrão Tipo B como o oposto. Pesquisas posteriores foram isolando componentes que apresentavam maior risco como: urgência de tempo e impaciência, hostilidade e raiva. Pesquisas descrevem ainda que os indivíduos Tipo A têm uma imperatividade fisiológica e psicológica a desafios. Provavelmente esses indivíduos Tipo A têm mais reações a estímulos que produzem raiva ou então uma tendência para rotular estímulos como de “produtores” de raiva. Nossos dados sugerem ainda que seus objetivos são pouco definidos e especialmente a maneira de atingi-los, por isso, apenas emitem comportamentos desnecessários a realização de seus objetivos e muitas vezes perdem-se no caminho não verificando resultados de seus esforços.


Em nosso meio, Braga (1989) fez um estudo, sua tese de mestrado, para alterar o TABP com 10 sujeitos. O programa constou de seis sessões e entrevistas iniciais. Explicava o que era o TABP salientando a urgência de tempo. Os sujeitos deveriam observar a maneira de pensar o desempenhar atividades diárias. O registro de comportamento existiu em todas as sessões e as situações trazidas eram analisadas. Foram sugeridas atividades descontraídas e maneiras de alterar a urgência de tempo e aprender relaxamento. Após esse repertório enfocou-se a raiva e hostilidade e as situações que a desencadeavam mostrando a possibilidade de alteração. Enfatizava-se ainda como lidar com a dificuldade de dar amor e aceitar afeto. Os resultados são promissores, em termos de alterações constatados nos registro e relatos, mesmo com sujeitos de pouca escolaridade. A importância de estudar o TABP no Brasil é que, além de fazer prevenção terciária em indivíduos que já sofreram o enfarto do miocárdio, há a prevenção secundária para prevenir episódios cardíacos nos Tipo A já diagnosticados e prevenção primária para evitar esse padrão de comportamento tanto em crianças como em adolescentes. A competitividade e urgência de tempo, tão praticadas por executivos, podem ser contrastadas com o Japão que tem uma sociedade industrializada e produtiva mas encoraja colaboração. Essa mudança de filosofia está aberta à investigação. É importante salientar que para alterar o TABP há necessidade de treinar as pessoas a usar auto-afirmações mais positivas e ficar de “cabeça fria” adquirindo o comportamento de se autocontrolar. O mesmo acontece com os treinamentos de habilidade sociais de expressar sentimentos e intenções que são maneiras alternativas de lidar com sua hostilidade e competitividade e também precisam ser treinados. Grupos pequenos, de até oito pessoas, costumam ser eficazes para esse treinamento, quando o programa é bem construído e orientado. 2. O apoio familiar e apoio social. Geralmente o paciente que se recupera de infarto do miocárdio ou da revascularização coronária apresenta quatro problemas principais: medo de morrer e retorno da doença, receio de não poder reassumir suas atividades e o efeito da doença em sua atividade sexual. Cada um desses problemas diminui com o tempo e esclarecimento e principalmente pela constatação de que não acontecem, seja por experiência pessoal seja por conversas com conhecidos e familiares. Quanto ao trabalho, é freqüente a diminuição do período de atividade, o aumento de intervalos durante o dia e, às vezes, até a mudança de ramo, especialmente no caso de ocupações manuais. A literatura quanto a atividade sexual mostra que o problema é mais psicológico e de natureza interpessoal do que propriamente física. Em um estudo de Friedman, (1977) ele mostra que a atividade sexual diminuía por: diminuição do desejo, depressão, ansiedade, decisão da companheira e medo de morrer. Dados semelhantes são relatados por Kerbauy e Braga (1987). Esses problemas apontados dependem para sua resolução de suporte social e tratamento psicológico. A família teria como função dar condições favoráveis, o que não significa ser superprotetora ou esconder conflitos existentes. Um grupo de amigos e família que continuem atividades normais e aumentem as atividades de lazer e especialmente “conversem” sobre assuntos diversos parece o mais adequado. Até mesmo conversar sobre os problemas sem dramaticidade parece ser um bom caminho e especialmente um ambiente aprovador e pouco aversivo. Na


realidade um ambiente que encoraje, fortaleça as crenças positivas e as maneiras de enfrentar (coping) situações é o ideal para cardíacos ou... para todas as pessoas. 3. Aspectos psicológicos dos procedimentos médicos. Quando um paciente é submetido a um procedimento médico (cirurgia, cateterismo), há um conjunto de técnicas possíveis: a) informação sobre as sensações esperada antes e depois do procedimento, b) aprendizagem de relaxamento, e) aprender técnicas de enfrentamento. No entanto há poucos estudos na literatura internacional medindo a preparação do paciente e os resultados. Será que conhecer sobre as fases pós-cirurgia diminui a Internação? Diminui a dor e o desconforto? Diminui a depressão? Aumenta o “estar bem”? Como são realizados esses programas? Uma publicação de Lewin, Robertson, Cay, lrving e Campbell (1992) mostra que, após infarto do miocárdio, os pacientes que utilizavam um manual de instruções fornecido na alta tiveram menos reinternações. Esse manual depende do trabalho de identificar concepções errôneas e do desenvolvimento de métodos para lidar com essas concepções, lidar com ansiedade, fazer exercícios e dieta alimentar. O grupo que recebeu e o que não recebeu o manual, e que teve contato com enfermeiras tiveram resultados diferentes medidos por questionários de depressão e ansiedade. Considero uma medida importante saber da ‘felicidade” do grupo que voltou aos seus hábitos pouco saudáveis. 4. Depressão e negação da doença. A depressão é considerada como um grande problema na convalescença e reabilitação de cardíacos. Considero que lidar com a realidade de mudar o estilo de vida (alimentação, exercício) especialmente após o período de hospitalização, e reassumir suas atividades depende de características pessoais e de como compreendem as informações fornecidas pelos médicos e profissionais de saúde. Isto seria uma justificativa para manuais e/ou equipes interdisciplinares. Desamparo e restrição de atividade podem estar relacionados com ansiedade e emoções fortes muitas vezes por compreensão fantasiosa de seu estado. Informações adequadas e intervenção psicológica podem diminuir esse problema. A negação da doença é encontrada: a) nos protestos por estar internado; b) insistência em retornar às atividades normais; e) reclamações constantes.., sobre tudo e... todos, É freqüente, ainda, que ao término desse período, após poucos dias, apareça a depressão. A negação da doença é uma pista para que seja bem preparada a manutenção do tratamento necessário, pois este paciente é um forte candidato à não-adesão ao tratamento. Concluindo, gostaríamos de salientar que os efeitos de doenças coronarianas são difíceis de predizer, no nível individual. São múltiplos os fatores e os processos envolvidos. Com adultos, é necessário avaliar o que ele diz e o que faz e os efeitos desses comportamentos em seu repertório pessoal, e sua motivação para viver bem, com boa qualidade de vida. Aqueles que praticam a medicina moderna, com procedimentos e medicamentos tão eficazes, devem lembrar que a psicologia muito mais nova, não tem compêndios com informações detalhadas sobre seus procedimentos como é o caso do uso de medicamentos, com indicação, dosagem, por exemplo. Mas o estudo do comportamento humano possui conhecimentos que permitem identificar os efeitos colaterais de muitos procedimentos clínicos, em


indivíduos específicos e procura documentar e intervir para facilitar as relações do homem com o meio em que vive.

Pesquisas realizadas no Laboratório de Saúde e Comportamento do Departamento de Psicologia Experimental da USP Como forma de relato, escolhemos apresentar as pesquisas em linhas gerais, com ênfase no procedimento empregado e somente aquelas que estudam a relação comportamento e saúde com o enfoque deste capftulo. Não serão relatadas aqui as pesquisas de análise da situação clínica que focalizam a relação terapêutica. Teses de mestrado estão em andamento, sobre vários aspectos da tomada de decisão do terapeuta, durante a sessão, procurando descobrir parâmetros por meio da análise do comportamento verbal. Procurarei relatar as pesquisas que desenvolvemos, com orientações de mestrado e doutorado e alunos de graduação, na área de saúde. O laboratório possui três linhas de pesquisa: discriminação de sintomas, adesão a tratamento e, ambas permeadas, por viver bem: um estilo de vida, o que hoje está sendo denominado de qualidade de vida. A discriminação de sintomas físicos é um indicador do estado fisiopatológico e, como conseqüência, um sinal para o paciente agir. No entanto, como essa discriminação exige um repertório complexo, com aprendizagem de comportamentos verbais e análise de situações, e especialmente detectar os eventos privados, físicos, e saber nomeá-los, quando ocorrem, se constitui a dificuldade maior nas doenças crônicas e especialmente na prevenção. A simples constatação de que existe uma relação sintoma-doença, para um dado paciente. com uma determinada doença, não garante uma manutenção estável dessa relação no tempo, e menos ainda, uma análise precisa das condições (dor de cabeça por deixar de ingerir medicação para hipertensão, ou por tensão muscular). Portanto, é importante distinguir quais os sintomas identificados pelo paciente e quais as regras que estabelecem a respeito da relação sintoma-doença. Há ainda que considerar a vasta literatura e conhecimento leigo da relação humor e fatores emocionais e determinadas doenças; e o acesso que o paciente tem a elas. Dentro dessa visão geral, acima resumida, há teses defendidas e em andamento, como; discriminação de sintomas em crianças com diabetes, discriminação de sintomas em pacientes hipertensos. Também nessa linha de discriminação de sintomas, nomeação e análise das condições em que aparecem e ações realizadas, há um trabalho sobre doença de chagas, em fase de publicação. Na realidade foi esse trabalho inicial que desencadeou a linha de pesquisa e algumas maneiras de medir os sintomas e as contingências. O interessante é que embora essa doença esteja com incidência diminuída, no Brasil, 80% das 20 pessoas entrevistadas, portadoras do tripanosoma cruzi, mas nas quais a doença não se manifestou, confundem os sintomas que apresentam e relatam ansiedade. Somente três portadores haviam lido sobre a doença, 70% tinham familiares com a doença e todos explicavam como supunham ter contraído o protozoário. Todos os


portadores faziam exames regularmente, estavam em um programa de pesquisa, para verificar sua condição fisiopatológica, em um hospital da rede estadual. Uma das explicações para a manutenção dos exames pode ser a gratuidade e o receio de perder essa condição caso faltem no dia da avaliação, embora não fosse feita essa ameaça. Foram realizadas pesquisas sobre o conceito de saúde, com dados coletados via entrevista ou questionários, com perguntas abertas e fechadas. As questões procuram levantar os comportamentos, as condições em que ocorrem e o que as pessoas fazem. O conceito de saúde física é bastante claro para todos os níveis de escolaridade, e o de saúde mental para 80% dos entrevistados atingindo 100% entre estudantes da 2 série do 2 grau. Infelizmente os resultados foram somente apresentados na SBPC de 1992 e estão no momento sendo organizados como um trabalho único para ser submetido à publicação. Foi interessante constatar, pelo destaque não esperado, o sucesso de uma campanha sobre soro caseiro veiculada na televisão, com o ator Lima Duarte. Nos postos de saúde e nas favelas todos os entrevistados conheciam e usavam, quando necessário. Outro fator interessante é que as pessoas não mentiam ao responder o questionário, mostrando o que faziam, o que achavam importante, e o que não praticam apesar de considerar importante. Embora sem observação do comportamento, como o protocolo apresentava colunas para assinalar, as pessoas assinalavam diferencialmente. Ainda, no conjunto de trabalhos com doenças crônicas desenvolvidos, e que estudam parâmetros para discriminação de sintomas e adesão a tratamento, com diabéticos, cardíacos, hipertensos, por meio de uma análise funcional, observa-se que os problemas recaem em: 1) informações mal compreendidas ou desconhecidas sobre a doença e os comportamentos necessários; 2) ignorância sobre as dietas alimentares e não-seguimento, às vezes, por pressão familiar, às vezes por discussão sobre o modismo e validade das mesmas e às vezes por razões econômicas; 3) remédios não ingeridos por conceitos sobre quantidade de medicamentos e ambivalência entre alopatia e homeopatia ou mesmo negligência, chegando mesmo a não ir buscar o medicamento gratuito, e falta de planejamento diário. Ocorreram poucos relatos sobre o fator econômico, pois no momento de coleta havia distribuição gratuita; 4) ignorância dos sintomas da doença ou da adequação desses sintomas nos diversos estágios da doença, ou ainda repetição de sintomas conhecidos sem analisá-los e verificar em quais condições aparecem e se são peculiares a si próprio, (parece que na maior parte das doenças são idiossincráticos); 5) adiamento em marcar consultas médicas, por razões mais de conceitos e hábitos de procrastinação de tarefa, que econômicos: 6) considerar o tratamento de pouca eficácia ou de efeito duvidoso. Geralmente a metodologia de pesquisa é a seguinte: relato livre seguido de entrevista estruturada com perguntas abertas e fechadas. Também, conforme a pesquisa, a apresentação de material visual escrito ou imagens, que exigem respostas de identificação, comparação etc. Todas as entrevistas são gravadas e transcritas. Nessas pesquisas o problema maior tem sido os instrumentos de medida, uma vez que as escalas existentes, na maioria das vezes, não são adequadas para a população de baixa escolaridade com a qual trabalhamos.


Também, há preferência por dados de observação, e embora faça registros e análise do comportamento em determinadas doenças (emprego de fita por diabéticos, medida de pressão para hipertensos, por exemplo) nem sempre isto é possível. Outra série de pesquisas são sobre o levantamento de condições oferecidas pela comunidade para ações preventivas nos níveis primário e secundário. Esse levantamento tem por objetivo descrever as ações de prevenção realizadas e ou propostas para um determinado assunto. Em sua tese de doutorado, Sonia Regina Fiorim Enumo desenvolveu um trabalho sobre ações de prevenção nos períodos pré, peri e neonatal, na região de Campinas, para prevenção de deficiência mental, com várias apresentações em congresso, e artigos submetidos à publicação. Procuramos identificar as ações realizadas e seus efeitos, bem como critérios de avaliação e identificação das variáveis envolvidas na proposição e execução de ações de prevenção. De modo geral, supernos que esse tipo de estudo permite conhecer de uma maneira sistemática a realidade local, uma vez que existe uma política de saúde e uma responsabilidade nos níveis federal, estadual e municipal e também algumas entidades particulares que atuam (conforme o assunto estudado) sem fins lucrativos. Consideramos que esse procedimento metodológico é o passo inicial para posterior elaboração de um programa de prevenção, que deveria se adequar às condições locais. A metodologia é trabalhosa pois exige contato com vários tipos de informantes. O informante é o responsável pelos órgãos oficiais que prestam serviços no nível de atenção primária e o responsável pelos outros atendimentos, como o hospitalar, por exemplo. Considera-se também que, dependendo do problema estudado, há necessidade de comparecer às escolas para observação ou informação (campanha anticárie, uso de flúor, escovação dentária, higiene para prevenção de cólera). Como forma de coleta de dados emprega-se entrevistas gravadas, que obedecem a uma sistemática: apresentação da pesquisadora e do projeto, exposição do procedimento de entrevista (roteiro de questões, gravação, duração aproximada e entrevista propriamente dita). Procede-se também a coleta do material escrito disponível e solicita-se autorização para fotocopiar. Como resultados analisados podemos ter: 1) níveis de prevenção e atuação real da instituição: 2) tipo de prevenção em cada nível de prestação de serviço; 3) motivos para a realização da prevenção ou não, nos níveis primário e secundário e concepções de prevenção e suas relações com a implementação de medidas; 4) como são avaliados os efeitos das medidas de prevenção, quando existem: e 5) dificuldades encontradas com a implementação de medidas de prevenção. Pretende-se com esse tipo de trabalho, dentro dos próximos anos, ter propostas alternativas ou sugestões para o aprimoramento das existentes bem como escolher problemas de pesquisa realmente fundamentais para prevenção a curto e longo prazos. Pesquisa de levantamento de dados tem o inconveniente de precisar ser ágil, urna vez que os resultados se alteram rapidamente, quer por mudanças esperadas no desenvolvimento de um serviço, quer por influências políticas (eleições, política do governo): quer pela própria reatividade decorrente da coleta de dados (o entrevistado reflete sobre as informações fornecidas). Os pesquisadores que se engajam nesse tipo de trabalho precisam ter tempo disponível a curto prazo e expor seus dados nas várias etapas bem como enfatizar a metodologia empregada. Há


ainda necessidade de especial cuidado do pesquisador no sentido de, na medida do possível, colocar seus dados independente de concepções políticas, para que não se tornem índices de preferências pessoais. Um exemplo pessoal sobre essa problemática é uma pesquisa realizada com uma orientada, e apresentada na SPRP, 1991, sobre merenda escolar. Além de entrevistar as merendeiras, foram observadas as crianças na fila de merenda, registradas suas verbalizações sobre a mesma, contadas as repetições e também os restos bem como as verbalizações das merendeiras durante a distribuição da merenda. Nossos resultados confirmam uma observação não sistemática anterior, de que o ingerir a merenda não estava relacionado a fome mas sim a outras variáveis como preferência alimentar, informações sobre a merenda do dia, outras atividades concorrentes como com brincar no recreio etc. Discutimos os dados analisando, entre outras coisas, a necessidade da merenda fazer parte de um programa de instalação de hábitos alimentares saudáveis e complementado pelas informações das aulas de ciências e outras matérias. Como podemos facilmente verificar, esse dado é polêmico e colide com concepções políticas, trabalho de inúmeras pessoas e lucro envolvido na distribuição da merenda escolar e ainda pode variar dependendo da região do país ou da oferta de trabalho. Pesquisando ainda sobre viver bem e hábitos saudáveis, há pesquisas sobre esporte com análise do relato verbal registrado e gravado pelos sujeitos em situações diversas. A tese de mestrado em andamento procura identificar o que mantém o treino para competição e como são descritas as condições relatadas pelos sujeitos. Outros trabalhos investigam a manutenção do comportamento de andar nos parques, tanto para sujeitos normais como para pessoas com doenças específicas Além dos esportes, essa linha de pesquisa sobre prevenção e hábitos saudáveis tem como objetivo o estilo de vida, a qualidade de vida, com pesquisas com fumantes, obesos e idosos. Pode ser investigação de comportamentos e condições em que ocorrem e conseqüências ou intervenções curtas. No laboratório, o fato mais relevante é a procura de desenvolver grupos de discussão de textos indispensáveis ao trabalho do pesquisador e psicólogo e a noção de que pesquisa se faz em grupos e não em pessoas isoladas. O problema tem sido as apresentações em congresso, com resumo publicado, mas poucas publicações em revistas.

Conclusão A denominação psicologia da saúde enfatiza o trabalho prático. A medicina comportamental enfatiza a área de pesquisa. Estudos científicos que empreguem métodos quantitativos e qualitativos para adaptar e avaliar intervenções, em vários locais, são necessários. Como existe, contudo, uma insatisfação entre profissionais, por considerar que não correspondem à sua realidade, as pesquisas precisam ser traduzidas em ações práticas. Por essa razão foi citado o conjunto de trabalhos de Pennypacker e colaboradores, no início deste capítulo. Os comportamentalistas são comprometidos com pesquisa. desde sua origem e em suas várias correntes de pensamentos. Na realidade seu trabalho se fundamenta em sólidos dados obtidos em laboratório. Muitas das técnicas empregadas têm estudos


comparativos provando sua eficácia. Mesmo com obstáculos, a pergunta sobre quais contingências mantêm o pesquisador pesquisando e o psicólogo analisando seu trabalho procurando sistematizá-lo é sempre atual e necessária. Concluindo diríamos que, como o psicólogo trabalha em interação, a indagação sobre quais as contingências que regem o trabalho do profissional em cada sessão e quais as regras que definem seu conhecimento e habilidade precisam ser continuamente auto-administradas.

Referências Braga, T. M. S. Padrão de Comportamento Tipo A (TABP): identificação e modificação de alguns componentes em indivíduos com infarto do miocárdio. Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1989. Orientadora Rachei Rodrigues Kerbauy. Braga, T. M. 5. e Kerbauy, R. R. Alimentação saudável e merenda escolar: um estudo preliminar. 1991. Resumos da XXI Reunião Anual de Psicologia da SPRP, 1991, 169. Enumo, 5. R. F. Prevenção de deficiência mental: uma proposta metodológica para identificação e análise de ações preventivas. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 1993. Orientadora Rachel Rodrigues Kerbauy. Friedman, M., Rosenman. R. H. Association of specific overt behavior pattern with blood and cardiovascular findings. Journal os Arnerican Medical Association (JAMA), 1959, 169: 1286-1296. Friedeman, M., Ulmer, R. N. Trearing Type A Behavior and your heart. Nova lorque: Knoff, 1984. Kanton, W., Lind, E.; von Korff, M.: Russo, J.; Lipscomb, P.; e Bush, T. (1991). Soinatization: a spectrum of severity. American Journal ofPsychiatry, 148, 34-40. Kerbauy, R. R. e Braga, T. M. S. Relação entre comportamento e enfarte do miocárdio. Boletim de Psicologia, 1985, 35(84), 13-18. Kerbauy, R. R. e colaboradores. Resumos da 43 R. A. da SBPC. 1991, pp. 861, 866, 885, 863, 849. Lewin, B.; Robertson. 1. H.. Cay, E. L.. Irving, J. B. e Campbell. M. A self-help post MI rehabilitation package the manual: effects on psychological adjustment hospitalisation and GP consultation. Lancet, 1992, 339, 1036- 1040. Marks, D. F. Special issue on health psychology. The Psychologist. 1994, 113-13!. Matarazzo, J. D. Behavioral health’s chalienge to academic, scientific and professional psychology. A,nerican Pschologi.st, 1982, 37, 1, 1-14.


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18 Neuropsicologia comportamental Haratd W. Lettner Psicólogos regularmente avaliam e tratam pacientes com desordens psiquiátricas — muitas das quais apresentadas neste livro. Porém, com freqüência, transtornos psiquiátricos coexistem com transtornos neurológicos, e muitos transtornos neurológicos apresentam clássicos sintomas psiquiátricos. Embora neuropsicólogos e psiquiatras estejam tipicamente treinados no diagnóstico diferencial entre estes dois tipos de transtornos, a maior parte dos psicólogos, que são freqüentemente menos interessados nas funções cerebrais, recebem muito pouco ou nenhum treinamento para avaliar a possibilidade da existência de um transtorno cerebral e muito menos para diagnosticar de qual deles se trata neste paciente específico. Capacidades mentais tais como memória, percepção, imagens mentais, linguagem e pensamento provadamente têm estruturas complexas subjacentes. Neurocientistas cognitivos (neuropsicólogos) contribuem para a nossa compreensão destas estruturas por meio do delineamento dos processos componentes e da especificação das suas interações (Kosslyn e Koenig, 1992). A interpretação neuropsicológica, em relação a outros resultados neurológicos, é um exercício circular que meramente duplica os diagnósticos originais já estabelecidos. Embora a testagem neuropsicológica seja distintamente relevante para o diagnóstico neurológico e possa servir em muitos casos para identificar a condição neurológica provavelmente presente, o seu objetivo principal é o de descrever transtornos relacionados ao cérebro que caiam dentro do domínio neuropsicológico (e no neurológico). A valiação neuropsicológica descreve detalhadamente as manifestações comportamentais de danos ou transtornos cerebrais, incluindo aspectos superiores das funções cerebrais. Neste sentido, a testagem e a interpretação neuropsicológca representam um aspecto tremendamente importante na avaliação de funções cerebrais danificadas e normais (Reitan e Wolfson, 1985). Ambas, a neurologia e a neuropsicologia, preocupam-se com funções cerebrais e complementam uma a outra em termos das manifestações relacionadas ao cérebro as quais cada uma enfatiza. O relacionamento entre neuropsicologia e psicologia diz respeito ao grau de ênfase em manifestações comportamentais relacionadas com o cérebro. Procedimentos de avaliação em neuropsicologia, documentados por pesquisas cuidadosas, têm relacionamento e dependência conhecidos com funções cerebrais, enquanto na psicologia em geral o comportamento em si é estudado sem preocupação imediata com suas bases biológicas. O relacionamento entre essas áreas diz respeito à ênfase sobreposta em comportamento em vez de um foco comum em funções cerebrais. Este capítulo, obviamente, não consegue e nem pretende transmitir conhecimentos aprofundados e perícia em avaliação neurológica ou neuropsicológica — para isto, cursos especializados e anos de experiência sob supervisão de um especialista são necessários. Além disso, conhecimento amplo e aprofundado em neuroanatomia e


neuropatologia (p. ex.: Hom e Reitan, 1982; Machado, 1983; Hom e Reitan, 1984; Reitan e Wolfson, 1985; Reitan e Wolfson, 1986; Kosslyn e Koenig, 1992; Joseph, 1990) é um pré-requisito fundamental. Neste capítulo apenas chamaremos atenção para uma área de fundamental importância — tão pouco conhecida entre psicólogos — apresentando alguns de seus princípios básicos. Mencionaremos, de início, as tradicionais categorias neurodiagnósticas; em seguida, será discutida a relevância do exame do estado mental; serão apresentados métodos para a inferência de dano cerebral, o modelo mais aceito para o funcionamento neuropsicológico, os métodos de avaliação e testagem, como também as possibilidades de tratamento ou reabilitação; no final, um estudo de um caso será apresentado.

Categorias neurodiagnósticas Somente podemos mencionar, e muito resumidamente, alguns dos diagnósticos mais freqüentemente encontrados. Para uma revisão detalhada o leitor deve consultar livros de neuroanatomia e neuropatologia como os acima mencionados. 1. Tumores cerebrais Pacientes com tumores cerebrais, nos seus estados iniciais, não são infreqüentes na prática clínica geral. Os primeiros sinais de um tumor são freqüentemente psicológicos e muitas vezes imitam os sintomas de depressão e/ou ansiedade. Depressão e retardamento motor são freqüentemente encontrados acompanhando danos cerebrais, e ansiedade, um fenômeno predominante nos tumores no ou em volta do terceiro ventrículo (HalI, 1980). Adicionalmente, sintomas mentais vagos freqüentemente são as queixas iniciais de pacientes com lesões cerebrais (Berg, Franzen e Wedding, 1987). Tumores no sistema límbico podem imitar sintomas de esquizofrenia e depressão psicótica (Berg, Franzen e Wedding, 1987). Estes exemplos mostram claramente a importância de um diagnóstico diferencial bem feito. Dores de cabeça são a queixa mais comum de pacientes com tumores cerebrais e estão presentes em cerca de 60% dos casos (Reitan e Wolfson, 1985a). Qualquer história de vômito eruptivo em adultos aumenta a probabilidade de doença orgânica, especialmente se o vômito for precipitado por náusea e quando as dores de cabeça do paciente melhoram depois de ter vomitado; relatos de sensibilidade aumentada a remédios, drogas ou álcool devem alertar o clínico para a possibilidade de um tumor cerebral (Berg, Franzen e Wedding, 1987). Embora os sintomas variam de acordo com o tipo de lesão, sua localização e rapidez de crescimento, pelo menos 50% dos casos com tumores cerebrais apresentam sintomas psiquiátricos. 2. Transtornos vasculares O sangue fornece ao cérebro oxigênio e glicose e retira calor e resíduos metabólicos; a perturbação do fluxo regular de sangue para certas áreas do cérebro por mais do que poucos minutos resulta quase sempre em dano do tecido neuronal alimentado pelos vasos danificados.


Acidentes vasculares cerebrais (AVC), também chamados derrames, representam um problema de saúde pública de proporções enormes. Nos Estados Unidos aproximadamente 250.000 pessoas sofrem infartes por ano; destes, 10% morrem imediatamente e 20% a 40% morrem nos meses seguintes. Dos sobreviventes, 10% permanecem totalmente incapacitados e têm que ser institucionalizados, 40% precisam de assistência regular, 40% têm leves defeitos neurológicos persistentes e somente 10% se recuperam completamente (Wiederholt, 1982). A maioria dos derrames cerebrais acontece na área da artéria cerebral média. Esta região serve para áreas principais motoras e sensoriais, sendo responsável pela paralisia e pelos déficits sensoriais que freqüentemente acompanham um derrame. Um derrame na artéria cerebral média bem provavelmente produz fraqueza contralateral (sendo o braço e a face mais fracos do que a perna), perda sensorial contralateral, hemianopsia homônima e demência. No caso de envolvimento do hemisfério dominante, afasia expressiva é provavelmente o resultado. Derrames na artéria cerebral anterior são mais raros do que infartes na artéria cerebral média e podem produzir fraqueza contralateral na perna (deixando o braço intacto), perda sensorial contralateral, demência, incontinência urinária e um transtorno afetivo. Infartes na artéria cerebral posterior também são relativamente raros mas produzem fenômenos clínicos interessantes. Déficits de memória são freqüentemente presentes, especialmente com envolvimento do lobo temporal. Cortes contralaterais do campo visual ocorrem com danos no córtex calcariano. Alexia sem agrafia comum quando o dano está no lobo occipital dominante junto ao corpo caloso posterior. Infartes cerebrais posteriores bilaterais freqüentemente resultam em cegueira cortical com negação pessoal da incapacidade. Enquanto psicólogos tipicamente não encontram pacientes com hemorragia cerebral, pelo menos não no seu estado agudo, eles encontram sim pacientes que têm ataques isquêmicos transientes (AITs). AITs são reduções temporárias do fornecimento de sangue para o cérebro, que, por definição, não podem durar mais do que 24 horas. Eles não resultam na morte de tecido neuronal, mas produzem sinais clínicos e predispõem o paciente para o desenvolvimento de transtornos cerebrais mais graves (Olson, Brumback, Gascon e Christoferson, 1981). Os sintomas de AITs variam, dependendo de serem a artéria carótida ou o sistema vértebro-basilar envolvidos. Em geral, sintomas incluem vertigem, disartria, ataxia, vômito, dores de cabeça, distúrbios visuais, perda motora e sensorial, agrafia e confusão (Lezak, 1983). Diversas manifestações psiquiátricas também ocorrem freqüentemente, diretamente como resultado do dano cerebral ou como resposta emocional secundária aos déficits sofridos. Uma conseqüência freqüente de derrames é a circulação diminuída do líquido cérebro-espinhal (LCE). Isto pode produzir uma hidrocefalia de pressão normal, caracterizado pela tríade clássica de sinais clínicos: demência, transtorno do passo e incontinência urinária. Qualquer paciente que apresenta estes sintomas deve ser transferido imediatamente para uma avaliação neurológica. 3. Demências


O paciente com uma doença demencial está, no sentido mais real e horrível da palavra, perdendo sua mente. O termo demência refere-se a uma síndrome na qual há perda da função cerebral causado por doença cerebral difusa. As demências são caracterizadas por início insidioso (encoberto), disfunção que se localiza primariamente nos hemisférios cerebrais, eventualmente mudanças patológicas demonstráveis nos tecidos cerebrais, e a presença de perda de memória como queixa primordial inicial. As causas principais das demências são variadas e incluem doenças degenerativas do sistema nervoso central, transtornos vasculares, doenças metabólicas, endócrinas e nutricionais, lesões intracranianas que ocupam espaço, traumas cranianos, epilepsia, infecções, tóxicos e drogas, entre outros (ver Berg, Franzen e Wedding, 1987). A Doença de Alzheimer, uma das demências, não está claramente entendida em termos de sua patofisiologia: o cérebro dos pacientes, na autópsia, mostra numerosas placas senis, entrelaçamento neurofibrilar e corpos de Flirano. Também há degeneração significativa de células nervosas. Embora haja um pequeno aumento de perda neuronal (aproximadamente 5% por ano maior do que se esperaria dos efeitos normais de envelhecimento), a atrofia dramática ocasionalmente observada em tomografias computadorizadas parece mais ser secundária ao encolhimento dos neurônios e perda de espinhos dendríticos do que simples perda de neurônios (Wolf, 1980). Tomografias computadorizadas freqüentemente falham em mostrar uma patologia cerebral nos pacientes com doença de Alzheimer no seu estado inicial, até nos casos com demência clara, enquanto medidas funcionais (como a performance em testes neuropsicológicos) oferecem uma avaliação bem melhor do que a tomografia do grau de dano cerebral, e dão melhores indícios da duração de vida que resta. Wells e Duncan (1980) delinearam três estágios característicos de progresso desta demência: No estágio inicial, há múltiplos sintomas vagos que têm alta probabilidade de serem diagnosticados como funcionais. Queixas de fraqueza, insônia, constipação e vertigem são comuns, como também depressão e irritabilidade. Déficits de memória são especialmente comuns e representam freqüentemente a queixa principal. É rara para a avaliação médico-neurológica do paciente ser positiva nesta fase inicial da doença: porém, déficits cognitivos se tornam tipicamente aparentes na testagem neuropsicológica. Na fase média do processo demencial, as dificuldades do paciente com orientação, memória, julgamento e solução de problemas se tornam aparentes até em um exame rudimentar do estado mental. O humor tende a ser indiferente ou lábil, e há tipicamente uma preocupação diminuída com aparência e higiene pessoal. Há mudanças claras de personalidade e comportamento. Reflexos primitivos podem emergir e o psicólogo deve testar sistematicamente para observar a presença de reflexos anormais. Na última fase das demências, o psicólogo tem pouco para contribuir. Esta fase é caracterizada por apatia profunda e distúrbio de personalidade, com prejuízo de todas as habilidades mentais, motoras e sensoriais. O paciente tipicamente se torna incontinente de urina e fezes. A massa e peso cerebral são diminuídos e freqüentemente há afasia geral. Sintomas psiquiátricos, como por exemplo, depressão e/ou ansiedade, ocorrem normalmente nas duas primeiras fases das demências. 4. Traumatismo craniano


Traumatismo craniano é a causa principal de dano cerebral em crianças e adultos jovens. Uma área de importância crítica na neuropsicologia, porque a avaliação detalhada psicométrica freqüentemente revela déficits nos pacientes com traumatismos cranianos quando todos os outros testes neurodiagnósticos foram negativos. O psicólogo tem que ser sensível para as seqüelas médicas que podem resultar de um trauma e tem que entender basicamente a estrutura do cérebro e do crânio para poder chegar a algum entendimento real da natureza do ferimento (ver, por exemplo, Reitan e Wolfson, 1985, 1986, 1988). Tradicionalmente, os traumatismos cranianos são classificados como concussões, contusões e traumatismos cranianos abertos. Strub e Black (1981) definem concussões como um impedimento agudo do funcionamento cerebral secundário a um ferimento da cabeça por impacto, no qual as seguintes características normalmente estão presentes: amnésia, perda de consciência e recuperação completa. Com concussões repetidas, há dano permanente provável. Isto pode facilmente ser observado nos lutadores de boxe mais idosos, e inclui fala disártrica, lentidão do pensamento, labilidade emocional, paranóia fraca e dificuldade com controle de impulsos. Contusões são ferimentos traumáticos mais sérios no qual o cérebro é realmente ferido, tipicamente por meio do seu impacto com o crânio. A contusão pode resultar de sangramento direto no lugar do impacto ou do rompimento de vasos sangüíneos conectantes do cérebro e das meninges. Os efeitos comportamentais de uma contusão duram mais tempo do que de uma concussão, e os resultados neuropsicológicos tendem a ser mais focalizados. Traumatismos cranianos abertos e lacerações cerebrais ocorrem mais freqüentemente em época de guerra. Eles produzem lesões focalizadas, mas o edema e sangramento resultantes podem causar danos difusos e déficits comportamentais múltiplos. Pacientes com traumatismos cranianos abertos tipicamente obtêm melhora rapidamente e a maioria dos sobreviventes volta ao trabalho. A combinação de ferimento frontotemporal e QI pré-mórbido baixo são os melhores indicadores para a inabilidade de continuar a trabalhar após um ferinitnto (Lezak, 1983). Porém, se o ferimento cortar uma artéria cerebral principal, defeitos pronunciados e morte eventual são os resultados mais prováveis. A maioria dos traumatismos cranianos fechados produz déficits que afetam os dois hemisférios. Déficits motores e sensoriais tendem a ser menos pronunciados do que com transtornos vasculares. Ferimentos do lobo frontal são comuns e resultam em perda de inibição e controle comportamental, e em habilidade prejudicada no processamento simultâneo e no processamento de estímulos complexos. Habilidades de memória são freqüentemente danificadas, medidas tradicionais de habilidades intelectuais globais freqüentemente são insensíveis para os efeitos de traumatismos cranianos, porque o empecilho que resulta de traumatismos cranianos não é de inteligência mas de atenção, memória e uma gama ampla de habilidades de processamento de informação (Bond, 1986). 5. Transtornos da epilepsia


Epilepsia não é uma doença independente em si, mas mais um sintoma complexo característico para uma variedade de transtornos que alteram o funcionamento do cérebro. Pode ser definida como uma descarga paroxísmica incontrolada, recorrente de neurônios cerebrais, de tal forma que interfere com a atividade normal do cérebro. Uma descarga neuronal mais freqüente é a conseqüência de traumatismo craniano (Lishinan, 1978). Uma variedade de outros transtornos podem insultar tecido neuronal, incluindo trauma de parto, transtornos infecciosos como meningite, tóxicos, como por exemplo, mercúrio, mudanças vasculares, perturbações metabólicas ou nutricionais como desequilíbrio de eletrólitos e acqua, ou deficiência de vitaminas, neoplasma, e doenças degenerativas como esclerose múltipla. A desordem é chamada epilepsia idiopática quando nenhuma causa identificável das descargas parece estar presente. Cerca de 75% dos transtornos de epilepsia começam antes de o paciente alcançar a idade de 20 anos. O começo de descargas neuronais em um paciente acima de 35 anos, sem causalidade clara, sempre leva suspeita de lesão cerebral, e este paciente necessita de avaliação neurológica imediata (Berg, Franzen e Wedding, 1987). Descargas parciais com sintomas complexos são de interesse muito maior para o psicólogo e são mais prováveis de serem avaliadas e tratadas por ele. Este tipo de epilepsia é o mais comum e sua primeira ocorrência é tipicamente por volta do início da adolescência. Apesar de sua origem ser localizada, os sintomas são complexos e variados. Há um período prodrômico que pode ser caracterizado por sensações de desastre iminente. Durante o evento ictal próprio o paciente experimenta um estado de consciência alterado e poderá alucinar. Sensações de déjà vu (nas quais experiências novas parecem familiares) e jamais vu (nas quais lugares ou situações familiares parecem ser estranhos ou irreais) são comuns. Enquanto estiver tendo uma descarga, o paciente pode se movimentar pelo ambiente ou interagir com outras pessoas; mas a pessoa tendo estas descargas parciais complexas não se envolve em atividades de forma estruturada, seqüencial e com objetivo. Após uma descarga o paciente fica tipicamente confuso e deprimido e há uma amnésia total para os eventos do período ictal. Descargas generalizadas são bilateralmente simétricas e envolvem ambos os hemisférios cerebrais. Sua origem esta localizada no fundo do cérebro e estas descargas resultam em perda de consciência por um ou dois minutos. Nas epilepsias de ausência (pequeno mal) há um período curto (5 a 15 segundos) de perda de consciência sem perda do tônus muscular. Esta descarga está acompanhada de um olhar fixo e um piscar ocasional dos olhos. Alterações diversas no funcionamento psíquico estão freqüentemente presentes.

O exame do estado mental O exame do estado mental (EEM) pode ser um método poderoso no repertório do clínico. O objetivo do EEM é de obter informações que podem ser utilizadas na formulação inicial dos problemas do paciente. A quantidade e qualidade das informações derivadas do EEM e sua utilidade para chegar a um diagnóstico confiável dependem em grande parte do nível de habilidade clínica do profissional. O EEM não pode substituir uma avaliação neuropsicológica ou neurológica completa. Se sinais de envolvimento orgânico são encontrados, o paciente tem que ser


encaminhado para um especialista (neuropsicólogo, neuropsiquiatra, neurologista) para uma avaliação completa. Há vários tipos de pacientes com os quais é importante fazer o EEM. Estes incluem clientes com lesões documentadas ou suspeitas do sistema nervoso central, pacientes que sofreram uma mudança repentina do estado emocional ou comportamental ou ainda das habilidades mentais, clientes que apresentam sintomas psiquiátricos e pessoas que o clínico suspeita de funcionamento cognitivo deficitário. Para ajudar o clínico a organizar as informações obtidas, seus pensamentos e observações e os procedimentos usados, o EEM pode ser feito de forma hierárquica. Começar pelos níveis mais simples e gradualmente subindo para os níveis mais complexos pode ajudar no processo da avaliação: a) o nível de consciência é a primeira área de funções do cérebro a ser avaliada. Strub e Black (1985) propuseram um tipo de classificação do nível de consciência que usamos como exemplo, O coma representa um estado no qual o paciente continua sendo inconsciente independentemente da estimulação ambiental (incluindo dor). No estupor, o paciente também está inconsciente, mas responde momentaneamente para estimulação persistente e não obtém consciência. Na letargia o paciente responde para estimulação mas só brevemente, em seguida voltando para inconsciência ou sono. O paciente alerto é capaz de responder para a estimulação ambiental e de interagir com o clínico. Obviamente, há razões bastante variadas para a maneira com a qual o paciente responde à estimulação do clínico. b) Orientação é o termo utilizado para descrever a exatidão da percepção e do entendimento que o paciente tem dos eventos ao seu redor e é freqüentemente composto de orientação para a pessoa, o lugar e a época. Para a maioria dos pacientes, estas podem ser colocadas num contínuo de dificuldade e seriedade, sendo a falta de orientação para a pessoa a condição mais séria e a desorientação para a época a menos séria. Uma pessoa completamente desorientada não sabe quem ela é, onde ela está e em que época (ano, dia, hora etc.) ela se encontra. c) A capacidade de atenção só pode ser avaliada se o paciente não estiver inconsciente. Atenção pode ser definida como a habilidade de focalizar os seus mecanismos de percepção (visual, auditivo e táctil) num estímulo específico e de ativamente processar a informação. Como esses são eventos internos, só podemos avaliar a atenção por meio de suas manifestações comportamentais. Déficits unilaterais são quase sempre indicações de lesões do córtex cerebral, enquanto uma redução generalizada da atenção tem etiologia muito mais variada. Déficits de atenção resultam em danos na percepção e no processamento da informação recebida ou, nos casos mais graves, até em um impedimento de ambos tornando a pessoa incapaz de funcionar. d) Simplificando uma área relativamente complexa, a linguagem pode ser subdividida em funções receptivas e expressivas. Habilidades receptivas de linguagem incluem a capacidade de perceber e compreender linguagem nas modalidades auditiva/falada e visual/escrita. Habilida de expressivas de linguagem também envolve as modalidades falada e escrita. Seguindo a estrutura hierárquica


do EEM, a avaliação da linguagem começa pelas funções mais simples e progride para níveis mais complexos. Como exemplos de déficits nesta área podemos menciona afasia receptiva (inabilidade de entender linguagem falada ou escrita), afasia expressiva (inabilidade de conseguir se expressar na fala ou escrita), alexia (inabilidade de ler), agrafia (inabilidade de escrever), apraxia de soletrar (inabilidade de soletrar), disartria (dificuldade com a pronúncia correta das palavras) etc. e) Déficits de memória são uma queixa bem comum em pacientes com problemas psicológicos como ansiedade e depressão e também em paciente com problemas neurológicos. Memória é um construto multidimensional e pacientes podem experimentar déficits em tipos diferentes de memória. As funções de memória podem ser subdivididas baseado no conteúdo (memória verbal, lógica, visual, espacial, musical e táctil) e na duração (memória imediata, de cur t prazo e de longo prazo). Quando o paciente não consegue se lembrar de informação previamente recebida, sua eficiência cognitiva e comportamento está reduzida; quanto maior o problema de memória, menor a eficiência. f) Habilidades construcionais requerem uma com binação complexa de habilidades córtico-comportamentais e disfunções em qualquer uma delas pode resultar em desempenho prejudicado numa tarefa construcional. Por causa desta complexidade, diminuição das habilidades construcionais pode ser um primeiro sinal de uma desordem degenerativa do cérebro ou até de alcoolismo especialmente quando outras funções, particularmente as habilidades verbais estão intactas. Habilidades construcionais têm papel importante na nossa interação com o ambiente e danos nelas incluem dispraxia construciona (por exemplo, a inabilidade de reconhecer que uma escada não é uma série de linha no chão), fragmentação perceptiva (por exemplo a inabilidade de reconhecer objetos no nosso ambiente) etc. g) Funções cognitivas mais altas são atividades do cérebro que requerem uma integração entre diferentes áreas de habilidades, a manipulação simbólica de informação, solução abstrata de problemas, planejamento e juízo. Há muitas áreas de habilidades córtico-comportamentais que estão envolvidas no desempenho bemsucedido destas tarefas. Por causa desta complexidade, o desempenho destas habilidades pode ser prejudicado já nos estados iniciais de uma demência progressiva, em indivíduos com transtornos metabólicos, infecções viróticas, ou transtornos psiquiátricos especialmente nos transtornos de pensamento. O paciente com danos nestas habilidades tem dificuldade de fazer sentido dos eventos ao seu redor, de julgar situações de forma adequada, de solucionar problemas, de se adaptar a situações novas, de selecionar comportamentos apropriados etc. h) Também existem outras funções complexas (como por exemplo, a orientação para a direita ou esquerda, agnosia de dedos etc.) que são avaliadas numa testagem neuropsicológica detalhada mas que têm pouca relevância num EEM.

Métodos neuropsicológicos para inferir dano cerebral


De acordo com Ralph Reitan (1993), os métodos de inferir dano cerebral dos resultados de um exame neuropsicológico podem ser basicamente classificados em quatro categorias: 1. Nível de desempenho (Como o desempenho do indivíduo se compara com o de outras pessoas?); 2. Ocorrência de déficits específicos — sinais patognomônicos (O sujeito cometeu certos tipos de erros que quase exclusivamente só ocorrem com pessoas com danos cerebrais?); 3. Padrões e correlaçóes entre resultados dos testes (O sujeito mostra uma variabilidade específica entre os resultados em testes diferentes que seguem um certo padrão em relação a funções conhecidas dos dois hemisférios ou de áreas dentro dos hemisférios?); 4. Diferenças no funcionamento motor e sensório-perceptivo adequado nos dois lados do corpo (As comparações de desempenhos motor e sensório-perceptivos idênticos nos dois lados do corpo (levando em consideração a lateralidade handedness do indivíduo revelam disparidades lateralizadas que vão além dos limites esperados em sujeitos com funcionamento cerebral normal ?). A interpretação dos resultados de uma avaliação neuropsicológica é baseada no uso conjunto destes métodos. A Halstead-Reitan Neuropsychological Test Battery (Reitan e Wolfson, 1985) foi desenvolvida para permitir exatamente isto com normas padronizadas e estandardizadas. As funções nas quais um indivíduo precisa ser eficiente no seu comportamento diário são relacionadas com as funções de processamento central do cérebro. Reitan e Wolfson (1988b) desenvolveram um modelo do funcionamento neuropsicológico (Figura 1) que pode servir como uma estrutura conceitual para entender os correlatos comportamentais de funções cerebrais e os testes que medem estas funções. O ciclo de respostas neuropsicológicas necessita primeiro de um input do ambiente externo para o cérebro por meio de uma ou mais das funções sensoriais. Áreas sensoriais primárias são localizadas em cada hemisfério cerebral, indicando que este nível de processamento central está amplamente representado no córtex cerebral e envolve particularmente áreas temporais, parietais e occipitais. Quando informação chega ao cérebro, o primeiro passo no processamento cerebral é a fase de “registro” que representa o nível de alerta, atenção, concentração contínua e a habilidade de comparar a informação que está chegando com experiências anteriores (memória imediata, de curto prazo, de longo prazo e remota). Na avaliação deste nível de funcionamento, o neuropsicólogo está preocupado em responder a perguntas como: “Em que nível o indivíduo é capaz de prestar atenção para uma certa tarefa?”; “Ele consegue usar experiências passadas (memória) bem o suficiente para chegar a conclusões razoáveis para um certo problema?”; “A pessoa é capaz de compreender e seguir instruções simples?” Se o cérebro de um indivíduo não está capaz de registrar informação nova, de relacionar esta com experiências passadas (memória) e de verificar a relevância dela, este indivíduo está quase com certeza severamente incapacitado. Após esta


fase inicial, o cérebro tende a processar (não exclusivamente) informação verbal no hemisfério esquerdo e informação visual-espacial no hemisfério direito. O hemisfério esquerdo é particularmente envolvido nas funções da fala e da linguagem ou do uso de símbolos da linguagem para o objetivo de comunicação. Estas habilidades podem ser prejudicadas em relação a funções receptivas ou expressivas ou ambas, em níveis bem simples e até em níveis bem complexos. As funções do hemisfério direito incluem as habilidades espaciais (primariamente mediadas pelo sistema visual, mas também pelas funções tácteis e auditivas) das quais novamente existem aspectos receptivos e expressivos. Estas funções não estão relacionadas com habilidades artísticas mas sim com distorções específicas das configurações espaciais envolvidas. Comparações dos desempenhos nos dois lados do corpo, utilizando tarefas motoras e sensório-perceptuais, providenciam uma quantidade grande de informações sobre cada hemisfério cerebral e, mais especificamente, sobre áreas dentro de cada hemisfério. Obviamente tem que se ter determinado a desteridade anteriormente para poder avaliar as diferenças entre os dois lados do corpo porque a mão preferida de um indivíduo está aproximadamente 10% melhor do que a não preferida. O nível mais alto do processamento central está representado por abstração, raciocínio, formação de conceitos e análise lógica. A generalidade e importância da abstração e do raciocínio pode ser demonstrada biologicamente pelo fato de que estas habilidades estão distribuídas pelo córtex em vez de serem limitadas a uma área específica. Déficits no nível mais alto do processamento central têm implicações profundas no funcionamento neuropsicológico adequado. Pessoas com tais incapacidades perderam uma quantidade grande da sua habilidade de se beneficiar de suas experiências de forma lógica e organizada que faça sentido. Freqüentemente, pessoas com este tipo de déficit estão sendo erradamente perce bidas como tendo sofrido uma “mudança de personalidade” quando na realidade elas sofreram um dano nas habilidades do nível mais elevado do processamento central. Figura 1. Funcionamento neuropsicológico (Reitan Wolfson, 1988b).

output formação de conceitos raciocínio análise lógica habilidades de linguagem habilidades visual-espaciais


atenção concentração memória input

Testes neuropsicológicos Há uma variedade grande de testes para avaliar funções diversas do cérebro como também vários métodos para conduzir uma testagem (Wedding, Horton e Webster, 1986; Reitan e Wolfson, 1985; Lezak, 1983 etc.). Neste capítulo apresentaremos, muito resumidamente, apenas as duas baterias de testes mais completas e mais freqüentemente usadas: a Halstead-Reitan Neuropsychological Test Battery e a Luria-Nebraska Neuropsychological Battery. Qualquer bateria de testes a ser usada para avaliar relações entre cérebro e comportamento tem que ter pelo menos três componentes: 1) medidas da variedade completa das funções psicológicas/comportamentais subservidas pelo cérebro; 2) estratégias de medição que permitem a aplicação dos resultados para sujeitos individuais; e 3) validação das medidas por meio de pesquisas formais sobre sua aplicabilidade clínica. Halstead-Reitan Neuropsychological Test Battery Esta bateria tem os seguintes componentes, e uma descrição detalhada como também as instruções para sua aplicação, contagem e interpretação podem ser encontradas em Reitan e Wolfson, 1985: Cate gory Test Tactual Performance Test Rhythm Test Speech-sounds Perception Test Finger Osciliation Test Wechsler Adult Intelligence Scale Trai! Making Test, Part A e B Grip Strength Aphasia Screening Test Sensory-perceptual Examina tion Tactile Form Recognition Lateral Dominance Examination Halstead impairment Index Neuropsychological Deficit Scale. Normalmente, o primeiro passo na interpretação desta bateria é analisar os resultados da Wechsler Adult Inteiligence Scale na tentativa de determinar as habilidades intelectuais anteriores do indivíduo. Os subtestes mais úteis neste sentido são Information, Comprehension, Similarities e Vocabulary. Se os escores nestes subtestes forem baixos, eles não podem ser utilizados como contraste para escores baixos nos testes neuropsicológicos (sensitivos ao cérebro). Se eles forem relativamente bons, podemos presumir que a pessoa desenvolveu estas habilidades normalmente. O próximo passo na interpretação é rever os escores nas quatro medidas mais sensíveis desta bateria: Halstead lmpairment Index, the Category Test, Parte B do Trai!Making Test e o componente de Localização do Tactual Performance Test. Se o desempenho nestes testes for baixo e os Wechler escores sugerem desenvolvimento relativamente normal, podemos presumir que a pessoa sofreu


deficit neuropsicológico resultante de dano cerebral; inferências sobre o grau da intensidade do dano podem também ser tiradas. Porém, cada uma destas medidas é um indicador geral e não tem significância para a localização do dano cerebral embora danos focais (independente da localização) e danos generalizados podem ter efeito pronunciado sobre estes indicadores. O terceiro passo na interpretação é a avaliação das medidas relacionadas à lateralização e à localização do dano cerebral. Os métodos de inferências utilizados neste sentido dizem respeito a padrões e relações entre resultados, a ocorrência de sinais específicos de dano cerebral e comparações dos desempenhos nos dois lados do corpo. Os testes mais úteis neste sentido incluem (1) a Wechsler Adult Inteiligence Scale (escores verbais vs. escores de performance; déficits seletivos em subtestes individuais em relação a escores melhores em outros subtestes); (2) desempenho desviante em uma mão em comparação à outra no Tactual Performance Test; (3) discrepâncias entre as duas mãos na velocidade no Finger Oscillation Test; (4) a presença de disfasia; (5) evidências para dispraxia construcional; (6) déficits lateralizados na Sensory-perceptual Examination (estimulação bilateral simultânea auditiva, visual e táctil; reconhecimento túctil dos dedos; e finger-tip number writing); e (7) a presença de déficits específicos nos campos visuais. O próximo passo na interpretação é de identificar o prognóstico da lesão cerebral. Alguns danos cerebrais são progressivos, outros são relativamente estáveis, e ainda outros podem ter recuperação espontânea. A abordagem básica é de fazer comparações de certos testes com outros, levando em consideração o grau com o qual os testes indicam dano focalizado. Em pessoas com condições estáveis, freqüentemente os resultados do Speech-Sounds Perception Test e do Seashore Rhythm Test estão relativamente bons em comparação aos resultados de outros testes mais sensitivos ao cérebro (p. ex., Category Test). A Parte B do Trail-Making Test também é útil nesse sentido: os resultados neste teste freqüentemente são relativamente bons em pessoas que estão na fase de recuperação. O passo final na interpretação neuropsicológica envolve a compilação de todos os dados (na Neuropsychological Deficit Scale e no Summary Sheet da bateria) e tirar inferências sobre o tipo de lesão ou desordem neurológica que devem estar presentes. Em muitos casos não é só possível diferenciar entre categorias de lesões (como tumores intrínsecos, lesões vasculares, trauma cerebral etc.) mas até diferenciar dentro das categorias (p. ex., tumores intrínsecos que crescem rapidamente vs. os que crescem lentamente). The Luria-Nebraska Neuropsychological Battery Esta bateria consiste de 269 itens que são contados e interpretados nas seguintes escalas. Uma descrição detalhada como também as instruções para sua aplicação, contagem e interpretação podem ser encontradas em Golden, Hammeke, Purish e Moses, 1894: Escalas clínicas: Motora


Ritmo Táctil Visual Linguagem receptiva Linguagem expressiva Escrever Ler Aritmética Memória Processos intelectuais Escalas clínicas adicionais: Patognomônica Hemisfério esquerdo Hemisfério direito Escalas separadas de localização para os hemisférios direito e esquerdo: frontal sensório-motora parietal-occipital temporal Escalas fatoriais: 30 escalas fatoriais para a verificação de hipóteses Moses, Golden, Anel e Gustavson (1983) e Golden, Hammeke, Purisch e Moses (1984) apresentaram estratégias de interpretação que permitem ao clínico fazer algumas afirmações relativamente acuradas sobre o status neuropsicológico do paciente. São apresentadas aqui somente as instruções básicas de forma muito resumida. A classificação do paciente como tendo dano cerebral ou não é basicamente feita por meio da comparação dos desempenhos em cada escala com o esperado em pessoas da mesma idade e com o mesmo nível de educação. Uma


fórmula regressiva foi desenvolvida para predizer um T-score médio (ou linha de base) do desempenho do paciente. Adicionando 10 pontos de T-score (um desviopadrão) se estabelece um nível crítico; qualquer T-score acima deste é considerado anormal. Às vezes é necessário reajustar este valor crítico para levar em conta condições especiais do paciente. Uma vez tendo estabelecido o nível crítico, a determinação da probabilidade de dano cerebral se torna relativamente simples. Em geral, dano cerebral é indicado quando três ou mais escores das 11 escalas clínicas e a escala Pathognomic estão acima do nível crítico. Também, um perfil no qual a diferença entre o T-score mais alto e o mais baixo é maior do que 30 pode ser considerado como indicativo para dano cerebral. Suporte para a hipótese inicial sobre o estado do cérebro do paciente pode vir do exame das escalas de localização. Aqui, duas ou mais escalas elevadas acima do nível crítico sugere dano cerebral. Também uma diferença de 30 ou mais pontos entre a escala mais alta e a mais baixa indica dano cerebral. Se ambas, as escalas clínicas e as de localização, sugerem a presença de dano cerebral, a probabilidade de que o paciente realmente tem dano cerebral é aumentada. Na análise das escalas clínicas pouca ênfase é dada à interpretação das elevações de cada uma delas porque o conteúdo de cada uma é muito heterogêneo e um déficit pode ser atribuído a várias áreas do cérebro. Porém, quando vistas em relação a outras escalas, as elevações em escalas individuais permitem formular hipóteses sobre o status neuropsicológico do paciente. Após a geração de hipóteses iniciais tiradas destas comparações entre as escalas clínicas, pode-se avançar para um exame mais global do perfil sumário. Lewis, Golden, Moses et ai. (1979) e Golden, Moses, Fishburne et ai. (1981) descreveram perfis sumários de pacientes com lesões localizadas nas áreas frontal, temporal, sensório-motora ou parietal-occipital dos hemisférios direito ou esquerdo respectivamente. A comparação do perfil do paciente com estes perfis serve para confirmar as hipóteses de localização. As escalas de localização podem servir para gerar ou confirmar hipóteses sobre o tipo de lesão cerebral. As oito escalas são bem sensíveis para danos em diferentes áreas do cérebro, mas, como nas escalas clínicas, suas elevações são consideradas somente dentro do contexto das relações com outras escalas. Exatidão na localização é mais bem obtida quando as duas escalas de localização com escores mais altos são utilizadas. Quando estas escalas representam áreas próximas do cérebro, uma lesão sobreposta é provável. Se as três escalas mais elevadas estão dentro de cinco pontos uma com a outra, este perfil deve ser usado. Se estas três escalas estão consistentes com uma única lesão grande, este deve ser o lugar mais provável da disfunção. Se estas três escalas mais elevadas têm uma disparidade grande de localização, uma desordem subcortical ou difusa tem que ser considerada. Padrões de (1981) em examinador encontrados

perfis das escalas fatoriais foram examinados por McKay e Golden pacientes com lesões localizadas. Estes perfis providenciam ao informações a respeito de padrões de déficits freqüentemente em áreas localizadas de disfunção. Esta informação adicional pode ser


útil para confirmar hipóteses anteriormente desenvolvidas. A análise de todas as escalas leva a uma hipótese que é o produto de muitas revisões e modificações da hipótese inicial. No final, hipóteses a respeito do tipo de lesão são testadas numa análise de itens individuais. Consistência nos padrões de respostas para os itens isolados serve para confirmar a hipótese desenvolvida. Inconsistência, por outro lado, necessita de revisão da hipótese e novamente de verificação de sua consistência nos padrões de itens. Uma hipótese integrada também considera informações qualitativas. Estes dados têm a ver com a maneira com a qual o paciente se desempenhou num item e não com o escore obtido. Esta informação é obtida na testagem dos limites das habilidades do paciente. Finalmente, fatores históricos do paciente também são levados em conta.

Tratamento e reabilitação de pessoas com danos cerebrais Concomitantemente com os avanços médicos e tecnológicos em facilitar a sobrevivência de indivíduos com danos cerebrais há um número dramaticamente aumentado deles. O problema do manejo e da reabilitação de indivíduos com danos cerebrais necessita de consideração e atenção especial do profissional. O tratamento comportamental consiste na aplicação de procedimentos da terapia comportamental-cognitiva nos problemas de pessoas cujo cérebro está organicamente danificado e é baseado nos resultados da avaliação neuropsicológica. Esta perspectiva ajuda o terapeuta a discriminar acuradamente as origens dos comportamentos inapropriados do paciente como também suas respostas emocionais. Além do mais, um plano de tratamento bem elaborado tem que levar em conta as habilidades cerebrais intactas e as danificadas, principalmente no que diz respeito a memória e habilidades cognitivas mais altas. Os comportamentos problemáticos são analisados dentro do mesmo esquema funcional explicado no capítulo sobre avaliação comportamental. A formulação final dos problemas de um paciente deve incluir os danos orgânicos, os relacionamentos entre estes danos e o comportamento como também as interligações entre antecedentes, comportamento (cognitivo, autonômico e motor) e conseqüências neste indivíduo específico. Os procedimentos de intervenção selecionados para cada caso dependem da identificação correta destas variáveis. O modo de comunicação com o paciente, as tarefas terapêuticas e o processo do manejo terapêutico dependem, por exemplo, da lateralidade (ou outros fatores de localização ou generalidade) do dano cerebral já que os dois hemisférios têm muitas funções distintamente diferentes. Dado o número crescente de pacientes sobreviventes com danos cerebrais, o retreinamento cognitivo destes pacientes se tornou cada vez mais importante para melhorar a qualidade de vida dos mesmos e de suas famílias. Muitos programas específicos têm sido desenvolvidos nos últimos anos para o treinamento de crianças e adultos mas sem organização em torno de uma conceituação teórica e funcional. A Halstead-Reitan Neuropsychological Test Battery providencia uma solução para este problema por meio da identificação das funções neuropsicológicas deficientes em


cada indivíduo dentro de um modelo das relações entre o cérebro e o comportamento (Reitan e Wolfson, l988b). Em outras palavras, a bateria de Halstead-Reitan fornece uma formulação operacional dos problemas baseada em um programa idiossincrático de tratamento pode ser desenvolvido. Esta abordagem permite o desenvolvimento de tipos específicos de treinamento dependendo das necessidades de cada indivíduo. Como mencionado anteriormente, as funções verbais e de linguagem estão normalmente relacionadas com a integridade do hemisfério cerebral esquerdo; as habilidades visual-espaciais e construtivas dependem do status do hemisfério direito. Porém, as habilidades não especializadas que dependem do funcionamento geral do cérebro foram relativamente negligenciadas nos diversos programas de retreinamento. Mas, porque elas envolvem todo o tecido cerebral e não só localizações específicas pode-se argumentar que estas habilidades que caracterizam o funcionamento geral do cérebro sejam mais importantes do que as localizadas. Levando em consideração esta importância das habilidades gerais e seu papel central na reabilitação cerebral, Reitan desenvolveu o REHABIT (Reitan e Wolfson, l988b), um programa de retreinamento cognitivo que contém cinco caminhos: 1. Track A contém equipamento e procedimentos delineados especificamente para desenvolver habilidades de linguagem expressiva e receptiva, habilidades de fala e habilidades acadêmicas relacionadas. 2. Track B também está especializado em material verbal e Iingüfstico mas, deliberadamente, inclui um elemento de raciocínio abstrato, análise lógica e organização. 3. Track C inclui várias tarefas que não dependem do conteúdo específico mas muito mais de raciocínio, organização, planejamento e abstração. 4. Track D também enfatiza abstração mas o seu conteúdo focaliza material que necessita de o indivíduo utilizar habilidades visual-espaciais e construcionais. 5. Track E especializa em tarefas e materiais que necessitam que o sujeito exercite aspectos fundamentais das habilidades visual-espaciais e construcionais. Independentemente do conteúdo do material de treinamento usado para cada sujeito individual, o máximo de esforço é feito para enfatizar as funções neuropsicológicas básicas de atenção, concentração e memória. Em muitos casos é necessário fornecer treinamento em cada um dos cinco caminhos. Em outros casos, uma área tem que ser mais enfatizada do que as outras. A decisão sobre o programa individual depende da formulação derivada dos resultados da testagem neuropsicológica. Terapia de família freqüentemente se torna necessária já que dano cerebral freqüentemente resulta em mudanças fundamentais flo estilo de vida não só do paciente como também de sua família. As alterações cognitivas, emocionais e


comportarnentais decorrentes de dano cerebral geram, de certo modo, uma crise familiar que necessita de reorganização a adaptação (Rosenthal e Geckler, 1986). De acordo com estes autores, os déficits cognitivos e comportamentais que afetam o funcionamento da família freqüentemente incluem déficits cognitivos, transtornos de comunicação, regressão emocional, comportamento impulsivo, retraimento social, comportamento social inapropriado, depressão e a inabilidade de assumir o papel anterior dentro da família e na vida em geral, entre outros. Muitas vezes urna intervenção o mais cedo possível é necessária para preservar uma unidade familiar saudável. A necessidade desta intervenção, novamente, é determinada por meio da formulação do problema de cada paciente como um indivíduo dentro de sua estrutura social. As intervenções freqüentemente incluem, mas não necessariamente estão limitadas, a educação da família e do paciente, aconselhamento da família, terapia de família e grupos ou organizações de suporte.

Apresentação de um caso como ilustração Para uma revisão detalhada de casos variados, o leitor deve consultar, por exemplo, Reitan e Wolfson (1985). O caso aqui apresentado de forma resumida foi tirado de Lettner, O’Doherty e HutchinsOfl, (em impressão) e faz parte de uma pesquisa com casos complexos num hospital psiquiátrico: “Senhora D, uma mulher de 72 anos, se aposentou de seu trabalho como enfermeira diplomada com 62 anos, o que resultou em isolamento social. Ela foi encaminhada para o hospital psiquiátrico pelo seu médico de família com diagnose de esquizofrenia que foi resistente ao tratamento com neurolépticos. Na admissão para o hospital ela estava experimentando três tipos diferentes de anormalidades perceptuais: a) Alucinações - Ela estava vendo ursos panda nas árvores ao redor da sua casa de campo. Estes ursos eram bem nítidos e bonitos. Pouco tempo após ter começado a ver os ursos ela viu pequenas pessoas montadas em cima dos ursos e nas folhas das árvores. Elas conseguiam se comunicar com ela sem fazer nenhum som mas, por exemplo, mostrando os bebês recém-nascidos para ela os quais ela subseqüentemente podia observar crescendo e se desenvolvendo numa base diária. Estas imagens começaram há quatro anos e ela tinha insight completo e reagia para elas com interesse e prazer. b) Ilusões - De vez em quando ela via mensagens que foram deixadas para ela ‘pelo técnico de filmes chamado Cy que diziam respeito a perigos potenciais fora da casa dela. Estas mensagens foram escritas por meio de arranjos de folhas nas árvores ou do vôo de pássaros. A Sra. D teve insight bem limitado a respeito destas imagens e a reação emocional flutuava entre medo e conforto. c) Alucinações - Ela também via figuras assombradas, distintamente diferente das pequenas pessoas e dos ursos, e ela descreveu elas como sendo más, perigosas, tentando matar as pessoas (incluindo ela mesma) usando cachorros que elas


treinaram para atacar e comer as pessoas. Ela não teve nenhum insight a respeito destas imagens e reagia emocionalmente com medo muito intenso.” As ilusões b) e as alucinações c) começaram imediatamente após a cirurgia de cataratas no olho esquerdo e foi esta reação paranóica que a levou ao médico e finalmente ao hospital psiquiátrico. A história médica dela revelou períodos curtos de alucinações com idéias paranóicas após anestesias anteriores, e também desta vez elas desapareceram dentro da primeira semana no hospital psiquiátrico e seu estado mental melhorou significativamente; somente as alucinações a) permaneceram. Neste ponto ela foi testada neuropsicologicamente. Na época da testagem as medicações dela foram: Levothyroxine Sodium 0.1 mg lx/dia; Pindolol 10 mg 2x/dia; Furosemide 40 mg 2x/dia; Potassium Chloride 8mgEq lxldia; Cabramazepine 200 mg cada 12 horas; Quinine Sulfate 300 mg na hora de deitar. O exame médico indicou catarata no olho esquerdo, extração de catarata no olho direito, mas déficit severo persistente da acuidade visual, insuficiência vascular periférica, hipertensão, dois hiperplacementos, aneurisma da aorta como também uma história de episódios psicóticos de curta duração após anestesias. O EEG e a tomografia computadorizada sem contraste revelaram resultados normais. Os resultados de laboratório revelaram anormalidades para BUN 10.5 (3.0-7.0), Magnesium 1.01 (0.60-1.00), SGOT (AST) 67 (até 35), TSH (ultra-sensitivo) 0.3 (0.55), MPV 12.6 fi (7.4-10.4), EOS 0.6% (1.0-6.0), e MONO 0.9 10 e 91L (0.2-0.8). O exame neuropsicológico revelou inteligência e memória acima da média e funcionamento normal do cérebro com a exceção da percepção e organização visual que foram severamente incapacitadas como também apraxia construcional, o que, além dos déficits periféricos de visão, foi indicativo para um acidente cerebrovascular na área de interconexão entre os lobos parietal e occipital que deve ter ocorrido uns quatro anos atrás quando começaram as alucinações com os ursos. A combinação de danos periféricos do sistema perceptivo visual em conjunto com danos no córtex visual e construtivo pode produzir alucinações visuais que são bem nítidas e coloridas e que nunca são acompanhadas por alucinações auditivas. A maioria destes casos tem insight completo e reage emocionalmente de forma positiva. O paradigma de explicação destes fenômenos mais aceito é o de fenômeno de liberação cortical ou de auto-estimulação do sistema visual incapacitado. O seguinte diagnóstico foi feito baseado no DSM III-R: — Eixo 1: Charles Bonnet Syndrome, código: 298.90 — Alucinose orgânica, transiente, secundária à anestesia, código: 293.81 — Eixo II: sem diagnóstico, código: V71.09 — Eixo III: hipertensão — doença vascular periférica — cataratas em ambos os olhos — hipotireoidismo


— osteoartrite — acidente vascular cerebral — Eixo IV: código: 1, aposentadoria gerando isolamento social — Eixo V: código: 30. O seguinte plano de tratamento foi feito: 1. alta do hospital psiquiátrico; 2. encaminhamento para um oftalmologista para correção dos déficits visuais periféricos; 3. tratamento comportamental/cognitivo para restabelecer a autoconfiança; 4. assistência psicossocial para facilitar integração social; e 5. retirada da carteira de motorista.

Conclusões Neste capítulo tentamos apresentar a neuropsicologia de forma bem resumida mas com a esperança de despertar interesse pelo menos em alguns dos leitores. A literatura a respeito deste assunto é vasta e a especialidade da neuropsicologia está bem aceita e neuropsicólogos são muito procurados (pelo menos nos EUA). Além do mais, é uma área fascinante de trabalho e pesquisa para o psicólogo.

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19 Instituições de saúde Maria Cristina de O. S. Miyazaki e Vera L. A. Raposo do Amaral Para discutir Terapia Comportamentai em Instituições de saúde é necessário definir Medicina Comportamental e Psicologia da Saúde, termos que aparecem na literatura freqüentemente associados e algumas vezes como sinônimos, trazendo confusão na conceituação dessas duas disciplinas do conhecimento em psicologia. Fazer uma distinção entre estes termos, procurando evidenciar as especificações e características de cada um deles é de fundamental importância para o desenvolvimento das áreas de estudo, de elaboração de questões de pesquisa e de metodologias específicas de investigação. Torna-se também importante traçar esta distinção tomando como ponto de referência a história do desenvolvimento destas duas áreas ou disciplinas. O termo Medicina Comportamental apareceu na lileratura pela primeira vez em um livro intitulado Biofredback: medicina comportamental (Birk, 1973). Como afirma Blanchard (1982), este título implicava ser o biofeedback sinônimo de Medicina Comportamental. Evidentemente, biofeedback é apenas uma pequena seção de um campo muito mais amplo. Blanchard (1982) estabeleceu três grandes conjuntos de eventos que ocorreram simultaneamente no começo dos anos 70 e que foram responsáveis pelo estabelecimento do campo da Medicina Comportamental, tal como é hoje definido. O primeiro conjunto de eventos ocorreu no final dos anos 70, quando psicólogos clínicos de orientação comportamcntal começaram a aplicar suas tecnologias aparentemente poderosas aos problemas mais intimamente relacionados à medicina, como obesidade e tabagismo. Parece ter sido a condição de confiabilidade dos resultados, tanto das pesquisas quanto das práticas clínicas, a principal responsável pelo aumento do interesse e aceitação dos tratamentos psicológicos pela comunidade médica. O segundo conjunto de eventos refere-se à aplicação do biofeedback como urna tecnologia que provocava mudanças demonstráveis e confiáveis nas respostas fisiológicas. O terceiro conjunto de eventos foi mais longo e se estendeu do final dos anos 60 até os anos 70. As patologias infecciosas, que até então eram as maiores responsáveis pelas mortes, conseguiram ser debeladas em conseqüência do grande avanço das pesquisas em farmacologia. Entretanto, doenças corno câncer e moléstias cardiovasculares começaram a aparecer como as principais responsáveis pelos óbitos dos adultos, somadas ao conjunto de patologias crônicas que deveriam ser mais “apropriadamente conduzidas” do que “propriamente curadas” (Costa Jr. e Vandenbos, 1990; Hammonds e Scheirer, 1984). Portanto, é a partir daí que parece ter sido criada a necessidade, dentro desse conjunto de problemas médicos, de uma disciplina ligada a urna tecnologia do comportamento que pudesse fornecer ferramentas auxiliares no controle dessas patologias. Desta forma, emergia o campo da Medicina Comportamental.


O termo Medicina Comportamental recebeu sua definição formal na Conferência Yale de Medicina Comportamental. ocorrida na Universidade de Yale, EUA, em 1977. Schwartz e Weiss (1978) publicaram a seguinte definição que parece ter sido consensualmente aceita: “Medicina Comportamental é o campo relativo ao desenvolvimento do conhecimento e técnicas da ciência do comportamento relevantes à compreensão da s3úde física e da doença e a aplicação destes conhecimentos e destas técnicas à prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação” (p. 4). Acrescentaram, também, que as psicoses, neuroses e abuso de substâncias só deveriam ser incluídos neste campo quando contribuíssem para as desordens físicas em si. Esta definição trouxe alguma polémica na área. Enquanto Agras (1982) identificava Medicina Comportamental como a categoria mais ampla das interações comportamento e saúde, incluindo todas as demais, Matarazzo (1982) discordava, argumentando que o termo Medicina Comportamental não havia sido suficientemente enfático em sua definição no que diz respeito aos papéis de prevenção e manutenção de saúde. Matarazzo (1980) propôs o termo Psicologia da Saúde, que definiu como: “Psicologia da Saúde é o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais específicas da psicologia à promoção e à manutenção da saúde, à prevenção e ao tratamento das doenças, à identificação da etiologia e ao diagnóstico relacionados à saúde, à doença e às disfunções relacionadas, e a análise do desenvolvimento do sistema de atenção à saúde e formação de políticas de saúde” (p. 815). A diferença entre estes termos repousa na ênfase que a Psicologia da Saúde coloca nas estratégias de intervenção baseadas nos modelos educacionais e não nos modelos médicos, e na ênfase dada à promoção das mudanças de comportamentos relacionados à saúde. Como resultado da aglutinação desses interesses, em 1976, uma força-tarefa em pesquisa na área da saúde, criada pela APA, apontou que o número de psicólogos envolvidos em atividades na área era “anêmico” (APA Task Force. 1976). Assim, foi sugerido que psicólogos trabalhassem em questões de pesquisa envolvendo saúde, tais como falta de adesão a tratamentos, diferenças individuais no desenvolvimento e recuperação das doenças e manutenção da saúde. A força-tarefa solicitou, então, um lugar para este grupo de pesquisadores e em 1978 foi criada na APA a divisão 38, Divisão de Psicologia da Saúde (Klippel e Deioy, 1984). Donker (1991), considerando o aspecto profissional dos psicólogos da área, afirmou que o psicólogo clínico pode ser considerado como o especialista na área de Medicina Comportamental e Psicologia da Saúde, querendo com isto dizer que considera o psicólogo clínico o especialista do campo do comportamento humano indicado para tentar compreender e interferir nos comportamentos que contribuem, em grande parte, para as chamadas “enfermidades modernas”. Por exemplo, fumar e comer em excesso, ambos comportamentos, têm contribuído decisivamente para as enfermidades cardiovasculares e para o câncer, os principais inimigos da saúde pública no mundo ocidental. Donker sugeriu ainda um diagrama interessante e compreensível para integrar as várias disciplinas que compõem o campo interdisciplinar da Medicina Comportamental e Psicologia da Saúde, colocando-as nas duas extremidades de um continuum integrador, onde de um lado estão as disciplinas da psicologia, a ciência do comportamento humano aplicada à saúde e aos problemas a ela relacionados, e de outro estão as disciplinas da medicina, das ciências do substrato biológico e anatômico e da Medicina Preventiva.


Surge, então, com a Psicologia da Saúde, um caminho para a compreensão da interdisciplinaridade que emerge nessa área da psicologia, desde a investigação básica até as aplicações clínicas. Na verdade, a mais remota parentalidade desta área é a Medicina Psicossomática, que, de acordo com Donker (1991), nunca cumpriu suas promessas, devido principalmente a uma falta de estratégias efetivas de investigação e intervenção. Além disto, esta área, como tradição médica, sugere a separação corpo-psique, que tem sido repudiada dentro dos modelos psicológicos mais recentes. Com relação ao desenvolvimento destas duas áreas no Brasil, Amaral e Yoshida (1993) relatam a demanda crescente por profissionais de psicologia na área médica, apontando para a necessidade de investigações sistemáticas que venham responder às importantes questões que este novo campo tem suscitado em nosso meio, assim como a necessidade de definição de competências que visem a constituição de um curriculum de formação e especialização de profissionais da área. Em 1989, um grupo de profissionais da área de Psicologia da Saúde, composto por pesquisadores de vários cursos de pós-graduação de universidades brasileiras, reuniu-se no II Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPPEPP) e relatou, em um documento, considerações acerca da definição do campo da Psicologia da Saúde: “A definição de Matarazzo (1982) parece incompleta, uma vez que valoriza principalmente os momentos de atuação do psicólogo na área da saúde sem contudo ressaltar a integração dos fatores genéticos, comportamentais e psicossociais que exercem influência na promoção da saúde. É importante ressaltar que qualquer definição que passe a ser utilizada reflita uma fundamentação teóricometodológica da psicologia, que a diferencie do modelo médico e clínico, constituindo-se neste sentido uma área claramente delimitada.” Esta recomendação refletia também a preocupação em abranger, dentro do campo da Psicologia da Saúde, diferentes modelos teóricos, de investigação e de atuação. Além disso, não se pode obter uma definição mais aceitável que a proposta por Matarazzo (1982). Portanto, a recomendação acima parece esclarecer que Medicina Comportamental pode ser tratada como a área da Psicologia da Saúde que trata da aplicação do modelo advindo das ciências do comportamento aos problemas de saúde e doença. Com a criação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) em 1991, este termo foi incorporado à psicologia no Brasil. Desde então, os profissionais e pesquisadores da área passaram a ter seu fórum de debate e aglutinação profissional. A ABPMC passou a subscrever seu Newsletter, como veículo de divulgação de eventos questões e debates de temas de interesse. Isto demonstra a primeira grande tentativa de congregar profissionais e pesquisadores da área no país.

Alguns indicadores históricos na formação e evolução do campo A história dos psicólogos em instituições de saúde data do início desteséculo. Em 1911 a Associação Americana de Psicologia (APA) convocou uma reunião para


discutir o papel da psicologia na educação médica e, em 1912, J. B. Watson propôs um curso de psicologia para alunos de medicina com o objetivo de “humanizar” o atendimento médico. A maioria das escolas médicas não acataram a proposta e a discussão foi retomada pela APA novamente em 1928 e 1950. Nos anos 40, as escolas médicas discutiam fatores psicológicos associados às doenças por meio de aulas ministradas basicamente por psiquiatras. Na década de 50, cerca de metade das escolas médicas americanas contavam com psicólogos, a maioria clínicos, desenvolvendo basicamente atividades docentes, alguns realizando atendimento psicológico como testagem e psicoterapia para pacientes com problemas emocionais, e poucos desenvolvendo pesquisas e trabalhando com outras especialidades médicas além da psiquiatria. Na década de 60, a ciência comportamental passou a fazer parte do currículo médico da maioria das faculdades e, nos anos 70, todas as escolas médicas americanas, exceto duas, contavam com psicólogos. Em 1976 cada escola médica americana contava com uma média de 20 psicólogos e, à medida que esses profissionais começaram a ser solicitados por outras áreas (ex.: pediatria, clínica médica, cirurgia) e os dados acumulados de pesquisas começaram a dar credibilidade acadêmica à área, sua participação em contextos médicos começou a expandir-se. Apesar desse avanço, a maioria dos psicólogos não possuía, dentro das escolas médicas, os mesmos privilégios de seus colegas médicos (ex.: direito a voto em departamentos). Atualmente, é possível dizer que um longo caminho foi percorrido e o psicólogo em instituições de saúde é muito mais que um consultor ou administrador de testes (Brannon e Feist, 1992). Uma pesquisa realizada há cerca de dez anos nos Estados Unidos indicou que 44.580 psicólogos com doutorado e 23.568 com outros títulos prestavam serviços na área de saúde e saúde mental (APA, 1986). Os papéis e responsabilidades dos psicólogos que atuam em hospitais naquele país, bem como orientações e discussão sobre aspectos legais envolvidos nesse tipo de trabalho, estão descritos em um manual elaborado pela APA (1985). Na Espanha, a Psicologia da Saúde surgiu nos anos 70, devido ao crescente interesse pelo enfoque comportamental naquele país. Entretanto, só nos anos 80 tornou-se um campo diferenciado e reconhecido da psicologia, com o aparecimento, em 1988, da primeira associação profissional dedicada exclusivamente à psicologia da saúde (Rodríguez-Marin, 1994). No Brasil, é provável que os primeiros psicólogos da saúde tenham iniciado seu trabalho na década de 50, nos estados de São Paulo (USP de São Paulo e Ribeirão Preto) e Bahia1. Neder (1991) relata a história do início das atividades do psicólogo no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Gorayeb (1985) conta um pouco da história da psicologia no Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto. Lamosa (1987) realizou uma pesquisa que fornece um quadro geral dos psicólogos que atuavam em hospitais no Brasil entre os anos de 84/85, perfazendo um total de 254 profissionais trabalhando em 124 hospitais. Diversos psicólogos comportamentais fazem parte dessa amostra e têm relatado suas experiências na saúde, abrangendo assistência, ensino e pesquisa (Gorayeb, 1

Cruz, E. M. T. N. (1995), comunicação pessoal.


1984: Gorayeb, 1985: Amaral e Yoshida, 1993; Domingos, 1993; Miyazaki, 1993; Miyazaki, 1994; Silvares e Miyazaki. 1994). Uma análise das dissertações e teses apresentadas a algumas universidades do Estado de São Paulo pode servir como amostra das pesquisas que vêm sendo realizadas na saúde dentro do modelo comportamental. Entre 1986 e 1994, das teses de doutorado e dissertações de mestrado relacionadas à área da saúde defendidas no Instituto de Psicologia da USP, 35% podem ser enquadradas dentro do modelo comportamental. Do total de dissertações de mestrado, defendidas no Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUCCAMP, entre os anos de 1976 e 1993 (n:l86), 20,96% foram estudos que podem ser classificados dentro da área da Psicologia da Saúde. Destes, 12.9% foram realizados dentro do enfoque comportamental e 8,06% no enfoque analítico. É interessante notar que, no Brasil, grande parcela dos psicólogos que atuam na saúde denominam sua especialidade Psicologia Hospitalar, apesar de críticas já terem sido feitas nesse sentido. Talvez o fato de que os primeiros relatos acerca do trabalho do psicólogo ligado à área da saúde tenham sido dentro do ambiente hospitalar possa ter gerado a denominação da área como Psicologia Hospitalar. Na verdade, o psicólogo da saúde tem atuado em vários ambientes além do hospital, como centros de saúde, centros comunitários, prontos-socorros, ambulatórios e universidades, entre outros. Assim, o psicólogo da saúde deve ser detjnido como o profissional que lida com os problemas associados ao continuum saúde/doença, sem especificação do ambiente no qual atua.

Pressupostos de um modelo comportamental de saúde Para a psicologia, é interessante ter um modelo capaz de descrever especificamente o papel dos fatores psicológicos na regulação do estado de saúde. O organismo é um todo estruturado com base em sua herança e experiência individual em um meio que lhe é característico. Os modelos médicos e socioculturais de saúde e doença têm enfatizado dimensões diferentes. O primeiro adota uma versão modificada do modelo “demonológico”, em que o corpo é possuído por agentes externos e visto como uma fortaleza que deve resistir aos ataques externos. O segundo enfatiza a correlação entre saúde e condições práticas de vida (alimentação, condições de higiene, socioeconômicas etc.). A forma como estes modelos transformam seus achados de pesquisa em práticas efetivas de prevenção, tratamento e reabilitação depende de como são feitas as generalizações empíricas dentro dos diferentes níveis destes estudos. Torna-se, portanto, complexo achar um eixo vinculador. Este eixo poderia ser o comportamento humano, concebido como práticas individuais de um organismo biológico em um meio regulado pelas relações socioculturais. lfiesta (1990) propõe alguns pressupostos de um modelo psicológico de saúde em que enfatiza: “(1) a descrição psicológica do continuum saúde-doença deve corresponder à dimensão individual das variáveis que ocorrem na interação entre os fatores biológicos do organismo e suas relações socioculturais; (2) quando um modelo psicológico é analisado, os fatores biológicos e socioculturais não correspondem a como foram elaborados em suas disciplinas originais. Os fatores interativos


modificam a análise: (3) os fatores biológicos se apresentam como a principal condição da existência do indivíduo: (4) os fatores socioculturais se apresentam como as formas particulares que caracterizam um indivíduo em sua inter-relação com as situações de seu meio com base em sua história pessoal” (p. 19). * Cyrillo. P. 1., mesa redonda, “Ensino e formação em psicologia hospitalar”, 11 Congresso de Psicologia Hospitalar, São Paulo, 9 a 12 de outubro de 1994.

Os pressupostos acima afirmam que a saúde, como um conceito integrador de duas dimensões diferentes, ou seja, a social entendida como o bem-estar do indivíduo e a biológica entendida como ausência de doença, só pode ser concebida na prática por meio da vinculação com conceitos acerca da atividade humana individual, como relação de um sistema biológico com um ambiente de natureza sociocultural. Portanto, a prevenção, tratamento e reabilitação, implicam a participação do comportamento do indivíduo. Esta é a dimensão psicológica da saúde. Para lõesta (1990) são três os fatores fundamentais de um modelo psicológico da saúde, O primeiro refere-se a como o comportamento regula os estados biológicos, na medida em que regula o contato do organismo com as variáveis funcionais do meio ambiente, O segundo refere-se às competências que definem a efetividade do indivíduo para interagir com a diversidade de situações que direta ou indiretamente afetam a saúde, O terceiro refere-se a como os indivíduos se comportam em seu contato inicial com situações que podem afetar potencialmente sua condição biológica. Isto leva a condiçóes complexas nas quais os indivíduos podem prevenir doenças, provocá-las, tratá-las ou reabilitar-se. O modelo psicológico não deve eliminar os modelos biológicos e socioculturais, mas deve constituir-se em um modelo de interface, indispensável para relacionar variáveis de níveis extremamente complexos. O modelo psicológico visa descrever modalidades e momentos em que é possível afetar o continuwn saúde-doença por meio do comportamento do indivíduo. lõesta (1990) propõe uma representação esquemática do modelo comportamental de saúde. O modelo pressupõe duas categorias de análise. De um lado localiza os processos e de outro os resultados e a interação entre os primeiros e os segundos. Nos processos, o autor vincula os estilos interativos e histórias de competências à modelagem biológica por contingências e as competências situacionais substitutivas ou não. Estes processos estão relacionados aos resultados que são a vulnerabilidade biológica e os comportamentos operantes preventivos ou de risco. Estes conduzem às patologias biológicas e/ou a comportamenlos associados às patologias biológicas. Por história interativa do indivíduo entende-se que a história psicológica de um indivíduo é a história de suas interações, isto é, como o indivíduo se comportou no passado em situações semelhantes e as relações presentes nestas interações. Portanto, a história passada não é uma causa à distância nem uma memória que se acessa automaticamente. A história se constitui na disposição de um indivíduo para comportar-se na situação presente, em um dado momento, com base em suas formas ou modos de interação anteriores, funcionalmente pertinenles a urna dada situação (Ifiesta, 1990).


A história passada é pois uma probabilidade de que urna determinada forma de comportamento ocorra em uma dada situação, que contém elementos semelhantes aos das situações passadas. A história passada pode ser analisada sob dois conjuntos de aspectos, os estilos interativos e a disponibilidade de competências funcionais. A vulnerabilidade biológica refere-se à interação de urna série de condições orgânicas que aumentam o risco do indivíduo desenvolver uma doença crônica ou aguda, na presença de certos fatores desencadeantes ou de contágio direto. Os comportamentos instrumentais consistem em comportamentos que, direta ou indiretamente, aumentam ou diminuem a probabilidade de um indivíduo contrair uma doença. A associação de comportamentos instrumentais de risco e elevado grau de vulnerabilidade biológica conduz inevitavelmente a patologias biológicas. Mesmo quando se trata de patologias puramente biológicas, os aspectos relacionados ao comportamento individual são de extrema importância no que se refere, por exemplo, a fatores de seguimento e adesão ao tratamento, comportamentos necessários à reabilitação nos casos de patologias congênitas ou crônicodegenerativas. Finalmente, deve-se considerar os aspectos comportamentais que aparecem associados às diversas patologias e que constituem problemas em si mesmos. Para lõesta (1990), portanto, pode-se identificar basicamente três tipos de problemas psicológicos relacionados à doença biológica: 1) condições psicológicas, como predisposições ou propensão comportamental, derivadas de contingências biológicas; 2) comportamentos normalmente associados às doenças biológicas que ocorrem na ausência de doença, como conseqüência dos efeitos puramente instrumentais em nível social; 3) comportamentos que surgem em reação e como conseqüência de uma doença biológica. A psicologia já dispõe de um conjunto de pesquisas acerca destes três aspectos relacionados às diferentes patologias crônicas ou agudas. Uma breve revisão da contribuição da psicologia, no que diz respeito às suas práticas e aos resultados de suas investigações relacionadas a algumas patologias específicas, será feita a seguir. Aids Com a mesma intensidade com que se dedicaram às pesquisas sobre comportamentos associados às cardiopatias na década de 80, promovendo importante desenvolvimento do conhecimento na área, a década de 90 parece ter centrado o interesse dos psicólogos da saúde sobre o Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV) e a Síndrome da lmunodeficiência Adquirida (Aids) (Anderson et ai., 1991; Chesney, 1993). Diversos aspectos justificam o desenvolvimento de estudos sobre HIV e Aids por parte dos psicólogos da saúde. A Organização Mundial de Saúde prevê que cerca de 30 a 40 milhões de adultos e crianças estarão infectados no mundo todo até o ano 2000 (Mann, 1991). No Brasil, entre os anos de 1980 e 1994, foram notificados 58.595 casos de Aids. Nas cidades onde a incidência de


casos é maior, isso significa cerca de 262 casos para cada 100.000 habitantes (Ministério da Saúde, 1994). Apesar do curso da doença ser bem conhecido, não existe ainda vacina para prevenir infecção, e modificar comportamentos de risco torna-se a única estratégia disponível para prevenir a doença (Levi, 1987). Dada a escassez de recursos biológicos, a “Psicologia da Saúde tem papel fundamental no combate a essa epidemia, por meio do fornecimento de intervenções comportamentais para prevenir a transmissão do HIV e de estratégias cognitivo-comportamentais para atender indivíduos infectados que devem enfrentar a doença” (Chesney, 1993, p. 259). Esforços relacionados à prevenção da Aids têm sido realizados em nível internacional pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1988; 1989). Avaliações da eficácia das campanhas de informação sobre formas de contágio têm mostrado resultados variados. Um programa para prevenir o contágio pelo HIV, para ser bemsucedido, deve auxiliar as pessoas a modificar comportamentos de risco e manter, de forma altamente consistente, o comportamento de prevenção, o que constitui enorme desafio para as ciências do comportamento (Kelly et ai., 1993). Após serem expostos a campanhas informativas sobre a doença, homossexuais americanos aparentemente modificaram substancialmente seu comportamento sexual (Stall, Coates e Hoff, 1988), embora o resultado dessas campanhas com usuários de drogas endovenosas tenha sido menos satisfatório (Des Jarlais e Friedman, 1988) e heterossexuais não monogâmicos dos sexos masculino e feminino não se considerem em risco para serem infectados pelo HIV nem tenham mudado seus padrões de comportamento (Siegel e Gibson, apud Wukfert e Wan, 1993; Bernardes da Rosa e! ai., 1994). Pesquisas têm fornecido dados descritivos que auxiliam na compreensão psicológica dos comportamentos de risco, como identificação de fatores que favorecem mudança de comportamento. Wukfert e Wan (1993), em uma pesquisa sobre uso de preservativos em estudantes universitários americanos, concluíram que a prática de sexo seguro não estava relacionada ao conhecimento do risco de ser infectado, mas a certas crenças e expectativas em relação ao uso do preservativo. Dados desse tipo ilustram a necessidade de pesquisas que forneçam subsídios para o delineamento de programas preventivos, adequados à população-alvo. Outros estudos sobre comportamento preventivo podem ser citados, como os de Goldman e Harlow, 1993; Helweg-Larsen e Collins, 1994; Hobfoll etai., 1994; Carvalhal etai., 1987. Des Jarlais e Friedman (1988) discutem três princípios básicos, que devem ser considerados em programas preventivos com usuários de drogas endovenosas. O primeiro está relacionado à necessidade de informações, uma vez que o hábito anterior de compartilhar seringas, uma fonte potencial de reforçamento social, pode levar à morte; o segundo provém de estudos mostrando que informações sobre Aids são necessárias mas não suficientes para modificar comportamentos de risco, isto é, deve haver disponibilidade de meios para modificação do comportamento de risco (ex.: acesso a seringas descartáveis); o terceiro, baseado no modelo comportamental e na recidiva para utilização de drogas, ainda deve ser mais bem investigado e ressalta a importância da manutenção de reforços para os novos comportamentos de prevenção (ex.: a redução do medo de ser infectado pelo HIV, pela não-utilização de drogas ou pelo uso de seringas descartáveis, pode atuar como uma forma de auto-reforço cognitivo).


Huete (1991) também destaca a importância de modificar comportamentos de risco e ressalta que programas de prevenção devem considerar aspectos culturais do grupo, pressões sociais, lideranças, escalas de valores e reforços da comunidade. Um exemplo da eficácia de intervenção que considerou estes aspectos é a mudança dos comportamentos de risco em homossexuais de São Francisco, EUA, apresentados na Conferência Internacional de Aids em 1990. Entretanto, para que a aquisição das novas habilidades de prevenção sejam mantidas, algumas atividades podem ser programadas: formação de grupos de auto-ajuda, repetição dos grupos de informação/formação, treinamento de agentes de saúde da própria comunidade, treinamento de pessoas que têm contato com grupos que apresentam comportamentos de risco (ex.: professores) e distribuição sistemática de material educativo. Outro aspecto focalizado nos estudos psicológicos sobre HIV e Aids é o impacto da notificação de um resultado soropositivo, onde o indivíduo deve conviver com o diagnóstico de urna doença crônica ainda incurável, com perspectiva de morte prematura, de debilidade física, perda financeira e dor. Além disso, um resultado soropositivo para HIV pode significar discriminação social e perda de importantes fontes de suporte social. A forma como um resultado soropositivo é enfrentado depende de inúmeros fatores, como suporte social, estilo anterior para enfrentar situações adversas, presença concomitante de outros estressores, extensão da sintomatologia clínica e expectativa anterior em relação ao resultado do exame (Kelly et ai., 1993). Calvo (1990) descreve detalhadamente um programa de intervenção para pacientes HIV positivos, desde o momento do recebimento do resultado até o acompanhamento posterior do paciente. Estratégias como esclarecimento acerca do diagnóstico e tratamento são utilizadas no momento do diagnóstico. Intervenções posteriores dependem da forma como cada indivíduo enfrenta o problema. A maioria reage com ansiedade e depressão e estratégias como relaxamento, técnicas de respiração, visualização e controle de pensamentos distorcidos são utilizadas. Atendimento aos familiares e cuidadores do paciente constituem também um recurso bastante utilizado (Anderson et ai., 1991). Algumas investigações têm correlacionado Aids e problemas psicológicos, enquanto outras têm sugerido que não é propriamente a patologia que gera problemas psicológicos mas sim que indivíduos contaminados apresentam, muitas vezes antes da patologia, comportamentos considerados desviantes (Gala et ai., 1993; Fleishman e Fogel, 1994). Estratégias de enfrentamento positivas e negativas diante da doença e a forma como estas afetam o curso da patologia (Aldwin, 1994; Fleishman e Fogel, 1994), bem como o desenvolvimento de estratégias de intervenção em momentos de crise (Dattilio e Freeman,l994) têm sido também objeto de estudo da Psicologia da Saúde e podem contribuir para o atendimento de pacientes soropositivos ou que já desenvolveram a doença. O atendimento em grupos que promovem estratégias de enfrentamento relacionadas ao problema pode também reduzir o sofrimento psicológico associado ao diagnóstico e à doença (Fleishman e Fogel, 1994). Câncer


O câncer está hoje incluído entre uma das quatro primeiras causas de morte no Brasil, ao lado das doenças do aparelho circulatório, causas externas, doenças infecciosas e parasitárias e afecções do período perinatal. O aumento do risco para desenvolver câncer está re lacionado ao aumento da expectativa de vida, industrialização, urbanização e mudanças no estilo de vida. Entre os anos de 1976 e 1985, os tipos mais freqüentes de lesões malignas para o sexo masculino no Brasil foram as de pele, estômago e próstata, e para o sexo feminino as de pele, colo de útero e mama. Entre 1979/1980, a taxa de incidência de câncer no Brasil, no estado de São Paulo foi, por 100.000 habitantes, 318,6 para os homens e 277,3 para as mulheres. Existe uma variação em relação a essa freqüência entre as diferentes regiões do país: as regiões mais desenvolvidas acusam maior percentagem de câncer de mama, enquanto nas menos desenvolvidas predomina o câncer cérvicouterino. Em termos de mortalidade, existe variação entre os diferentes tipos de câncer. O câncer de pele, por exemplo, tem baixa letalidade, enquanto o de estômago, por ser diagnosticado tardiamente no Brasil, mostra uma taxa de mortalidade equivalente à incidência (Ministério da Saúde, 1993). Em termos de fatores de risco, 80% a 90% dos cânceres estão associados a fatores ambientais, incluindo o meio em geral, ambiente ocupacional, ambiente de consumo e ambiente cultural (estilo e hábitos de vida) (Deila Porta, 1983). Fatores psicossociais ligados ao câncer têm sido investigados há muitos anos. Alguns autores têm relacionado um estilo passivo de personalidade ao desenvolvimento e progressão do câncer (Dattore, Shontz e Coyne, 1980) e, em geral, estudos associando fatores psicossociais e câncer têm se centrado em dois aspectos: depressão e dificuldade nos relacionamentos interpessoais. Entretanto, para que os dados a esse respeito sejam conclusivos, um maior número de pesquisas na área ainda é necessário (Taylor e Aspinwall, 1990). Como argumenta Eysenck (apud Brannon e Feist, 1992), uma complexa interação entre fatores genéticos, estresse, comportamento e personalidade parece associada ao aparecimento do câncer. A prevalência do câncer encontra-se estreitamente associada à prática de hábitos pouco saudáveis (ex.: hábitos alimentares inadequados, tabagismo) e ausência ou reduzida freqüência de hábitos saudáveis (ex.: exercícios físicos). Cerca de 25% das mortes por câncer nos Estados Unidos e aproximadamente 350.000 mortes prematuras por infarto poderiam ser anualmente evitadas pela modificação de um comportamento de risco: fumar (Taylor e Aspinwall, 1990). Nesse sentido, psicólogos têm estado intensamente envolvidos, elaborando programas e pesquisando sobre a modificação de comportamentos de risco (Labbadia et ai., 1994). Alguns aspectos aumentam a probabilidade do indivíduo realizar práticas que favorecem a saúde ou modificar hábitos pouco saudáveis, como severa ameaça à saúde, vulnerabilidade pessoal ou grande probabilidade de desenvolver uma doença, crença na própria capacidade de responder de forma a modificar a ameaça (autoeficácia), o fato das respostas serem realmente eficazes em superar a doença (eficácia da resposta) e intenção em engajar-se em determinado comportamento. Esses aspectos favorecem a identificação de práticas comportamentais, inclusive crenças, que devem ser modificadas. Princípios da teoria da aprendizagem social e terapia cognitivo-comportamental têm sido utilizados em programas cujo objetivo é modificar comportamentos pouco saudáveis e que aumentam o risco para patologias como o câncer. A maioria desses programas utiliza estratégias como auto-


observação, condicionamento clássico, condicionamento operante, contrato de contingências, modificação de cognições, entre outras (Taylor e Aspinwall, 1990). Brannon e Feist (1992) descrevem alguns programas bem-sucedidos para modificar o hábito de fumar nos Estados Unidos e Labbadia et ai. (1994) desenvolveram programa semelhante em um hospital brasileiro. Além do trabalho preventivo em relação ao câncer, psicólogos têm também atuado com pacientes que já têm um diagnóstico da doença. Como toda doença crônica, um diagnóstico de câncer envolve ameaças e mudanças no estilo de vida, criando uma situação de estresse para pacientes e familiares. O câncer é normalmente visto como uma doença fatal, associada a dor, incapacidade e desfiguramento. A adaptação à doença e forma como o paciente a enfrenta dependem de vários fatores, como idade, grau de incapacidade física, dor, mudanças na aparência e tipo de tratamento necessário, que pode envolver cirurgia, quimio e radioterapia (Sarafino. 1994). Dados de pesquisas sugerem que a melhor forma de atendimento a pacientes com diagnóstico recente de câncer é o modelo de intervenção em crises (Andersen, 1992). Dattilio e Freeman (1994) descrevem detalhadamente a aplicação da terapia cognitivo-comportamental para intervenções em crise em uma variedade de problemas, inclusive para pacientes com doenças orgânicas. Para pacientes com câncer, os componentes dos programas de intervenção psicológica envolvem contexto de apoio, informações sobre a doença e tratamento, desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, estratégias cognitivas de enfrentamento e relaxamento. Grupos de auto-ajuda e apoio por parte de pessoas significativas também têm efeitos positivos sobre o paciente. Na realidade, os mecanismos para lidar com a doença parecem ser semelhantes àqueles necessários para lidar com outros estressores: adquirir conhecimentos a respeito do estressor, utilizar estados cognitivos positivos, estratégias comportamentais ativas e, com a redução do estresse, uma avaliação mais realística da situação pode aumentar a sensação de controle e auto-eficácia (Andersen, 1992). De modo geral, é necessário compreender o impacto da doença crônica e tratamento sobre o paciente, desenvolvendo estratégias que procurem aumentar sua qualidade de vida.

Conclusão Um longo caminho foi percorrido pelos psicólogos desde que Watson propôs sua participação no ensino a acadêmicos de medicina. A definição da área, a proposta de modelos comportamentais da saúde, os resultados de pesquisas e o número de profissionais envolvidos nesse trabalho confirmam o importante papel do psicólogo na saúde. Entretanto, a história da psicologia da saúde no Brasil ainda está em seu início. Um dos aspectos mais importantes para a evolução da área foi abordado por Guillardi (1987) e vem sendo discutido nas reuniões da ABPMC: a formação de terapeutas comportamentais. Só a existência de profissionais com uma formação adequada, inclusive no que se refere a treinamento científico, pode garantir a evolução e credibilidade da terapia comportamental e sua utilização na saúde. Sem dúvida um longo caminho foi percorrido. Mas há muito ainda a ser feito.

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20 Instituições escolares Sérgio Antônio da Silva Leite A Educação tem sido, tradicionalmente, uma das áreas de atuação para uma parcela considerável dos psicólogos brasileiros. De acordo com pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia (1988), a escola é apontada como área principal de atuação por 11,7% dos profissionais, precedida pela clínica (55,3%) e organiiações (19,2%). Recentemente, dados de levantamento realizado pelo mesmo Conselho (1992) demonstram que, para os psicólogos assalariados (52% da categoria), a Educação continua sendo a terceira área de atuação, precedida pelas mesmas duas áreas citadas anteriormente, No entanto, no presente trabalho defende-se a idéia de que, para discutir a questão da atuação do psicólogo na Educação, é necessário que se estabeleçam os marcos teóricos sobre o papel da escola em nossa sociedade, sem o que fica impossível uma análise crítica da atuação dos diversos profissionais da área, bem corno as perspectivas para os mesmos. Isto certamente acarreta implicações práticas para a ação dos educadores. Por exemplo: a concepção de que a escola tem pouca participação no processo de transformação social, implicará um engajamento político-social dos profissionais, em que a ação transformadora certamente não priorizará o espaço intra-escolar. Por outro lado, entendendo-se que a escola tem um papel fundamental no desenvolvimento do processo social, o espaço intraescolar passará a ser considerado como um locus prioritário para a atuação dos profissionais comprometidos com as idéias transformadoras ou revolucionárias.

Sobre o papel da escola Ao se analisar a literatura disponível, percebe-se que a interpretação sobre as relações entre o processo de Educação formal e a sociedade capitalista não é coesa entre os vários autores, ou seja, a concepção de escola e suas funções na nossa sociedade caracteriza-se pela pluralidade ideológica e, ao se analisar uma determinada concepção, percebe-se também que a mesma não se apresenta de forma estática, sofrendo constantes transformações, seja devido a dados de pesquisa, seja devido às diferentes características socioeconômicas que uma sociedade apresenta nos seus diversos momentos históricos. Como Werneck (1982), Ideologia aqui será “considerada como um fenômeno característico da estrutura do pensamento que expressa o modo pelo qual se entende o relacionamento vivido pelos homens e que, portanto, se manifesta em todo relacionamento social, em toda comunicação dos homens entre si... Poderia tornar-se consciente... e seria, em suma, a característica do relacionamento social comum, que faz com que toda a interpretação dos fatos seja feita segundo um ponto de vista” (p. 60). Sua importância para a análise dos processos e fenômenos humanos é básica: sendo entendida como o conjunto de representações e valores introjetados a partir das relações sociais — fenômeno tipicamente humano — situase, portanto, como um dos determinantes do comportamento. Além disto, pode


dissimular e ocultar as reais condições da situação social, o que pode ser superado pelo desenvolvimento e exercício da consciência crítica. Em nosso meio, vários autores realizaram trabalhos de identificação e análise das diversas interpretações sobre o papel da escola na sociedade capitalista. Patto (1984), citando Gouveia (1976), concorda que tais interpretações podem ser agrupadas em duas grandes concepções opostas: a) uma, considera os resultados do processo educacional humanamente positivos e politicamente neutros, sendo a escola considerada uma instituição para a socialização dos jovens, possibilitando acesso ao conhecimento científico de preparação para o trabalho: b) no outro extremo, encontram-se as concepções que denunciam o papel ideologizante da escola, a qual, por meio de mecanismos sutis, impõe aos jovens uma concepção de homem e de mundo compatível com a manutenção da sociedade de classes, servindo, portanto, aos interesses dos setores dominantes. Durkheim e o funcionalismo seriam os representantes principais do primeiro grupo, enquanto os marxistas, defensores do materialismo histórico, seriam do segundo. Um outro excelente exemplo da diversidade das diferentes concepções sobre o papel da escola é encontrado no trabalho de Freitag (1977), demonstrando que, em termos gerais, a política educacional tem sido, em grande parte, reflexo da realidade observada nas esferas econômica, social e política. Ao esboçar o seu quadro teórico no capítulo 1, a autora esclarece a natureza ideológica da ação educacional ao afirmar que quase todos os autores concordam em dois pontos: “1) a educação sempre expressa uma doutrina pedagógica a qual, implícita ou explicitamente, se baseia em uma filosofia de vida, concepção de homem e sociedade; 2) numa realidade social concreta, o processo educacional se dá por meio de instituições específicas (família, igreja, escola, comunidade) que se tornam porta-vozes de uma determinada doutrina pedagógica” (p. 7). É possível também, nesse trabalho de Freitag, agrupar as concepções de escolas consideradas semelhantes quanto à sua natureza. Uma delas seria a concepção idealista-liberal, em que a escola é interpretada como um instrumento de democratização e integração, na medida em que, sendo de boa qualidade, poderia garantir urna condição de igualdade de oportunidades para todos os indivíduos. Tal concepção, embasada nas idéias de Durkheim, Parsons, Dewey e Mannheim, entre outros, mostrou-se inviável na medida em que o próprio desenvolvimento do capitalismo demonstrou que não é possível a existência de igualdade de oportunidades sem que, de fato, exista igualdade de condições. Além disso, nesta concepção, a Educação passa a ser entendida como um processo de contínua reprodução das estruturas supostarnente democráticas, quando na realidade perpetuam-se as desigualdades socioeconômicas, sendo estas, intencional e erronearnente, interpretadas pelos setores dominantes, como naturais, função das inevitáveis diferenças individuais. Nega-se assim, a possibilidade de urna dimensão inovadora e emancipatória para a Educação, reduzindo-a a um mero instrumento de manutenção do status quo. Sua principal função seria atuar como mecanismo de ajustamento do indivíduo à sociedade. Entretanto, as concepções descritas por Freitag que causam maior interesse são as chamadas crítico-reprodutivistas, que têm dominado o cenário acadêmico-escolar nas últimas décadas, representadas por autores como Establet, Baudelot, Passeron


e Bourdieu, além de Althusser e Grarnsci, que interpretam a escola como um aparelho ideológico do Estado, por meio do qual os setores dominantes tentam exercer seu poder hegemônico. Neste sentido, o sistema educacional é visto como um instrumento de transmissão da ideologia dominante, subjacente ao sistema capitalista, que tem por função levar os cidadãos a aceitarem passivarnente as formas de produção, organização e reprodução econômica. Concretamente, na escola isto se realiza por meio dos objetivos e conteúdos transmitidos (daí o planejamento curricular estar sob o controle do Estado) e das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos docentes (cuja formação também está sob o controle do Estado). Para efeito de análise, podem-se identificar dois subgrupos nesse grande conjunto de teorias crítico-reprodutivistas. Um deles, mais fiel às concepções marxistas, interpreta a escola como um aparelho do Estado, submetida ao controle direto do mesmo. Nesta perspectiva, o sistema educacional transformar-se-á somente a partir do momento em que os setores progressistas e/ou populares assumirem o controle efetivo do Estado. Como conseqüência desta concepção, a possível ação política transformadora intra-escolar não é priorizada, embora sua importância não seja totalmente negada. Num segundo grupo, encontram-se as concepções modernamente influenciadas pelas idéias de Gramsci. que identifica, de um lado, a existência da sociedade política, representada pelo Estado e todos os seus instrumentos legais, persuasivos e repressores e, de outro, a sociedade civil, caracterizada pela pluralidade ideológica, formada pelo conjunto de instituições civis como a Igreja, os partidos políticos, os meios de comunicação, os sindicatos etc. e a escola. Nesta concepção, a sociedade política, pela ação direta ou indireta dos grupos dominantes, tenta exercer o controle ideológico sobre a sociedade civil buscando o máximo de influência sobre as instituições. Porém, a consecução dessa tarefa dependerá da existência das contra-ideologias, antepondo-se à dominante, pela ação organizada de setores sociais, atuando dentro das instituições. Assim, o confronto ideológico e, portanto, a luta pelo controle da sociedade. dar-se-á efetivamente nas instituições da sociedade civil; como conseqüência, a ação de grupos progressistas comprometidos com os setores populares nas instituições civis, passa a ser fundamental para o processo de transformações sociais.

Para além das concepções reprodutivistas Recentemente, as concepções crítico-reprodutivistas têm sido revistas e ampliadas, devido principalmente aos novos estudos e pesquisas que estão ajudando a perceber, de forma mais clara o papel da escola, principalmente para os setores mais pobres da população. Tais estudos, se por um lado não negam a ação ideologizante da escola, têm demonstrado, por outro lado, que a mesma tem um papel muito importante para as populações marginalizadas, representando talvez, uma das poucas oportunidades que esses setores teriam para o desenvolvimento de algumas condições fundamentais para a formação da cidadania. Como exemplo, pode-se citar a pesquisa de Freitag (1986), em que a autora estudou as relações entre a escolarização e o desenvolvimento das estruturas lógica, lingüística e moral, tomando-se como referência a teoria de Piaget. Em seu procedimento, que não cabe


aqui detalhar, avaliou o desempenho dessas três estruturas, em crianças e jovens, com e sem escolarização (oito anos no ensino de primeiro grau), selecionando sujeito de três níveis sociais (classes A, B e C), em diferentes idades. Dentre os vários resultados relatados, os que aqui interessam são os seguintes: a) a escolarização (oito anos) favorece plenamente o atingimento dos níveis mais altos nas escalas psicogenéticas de linguagem, moralidade e pensamento lógico: b) os jovens sem escolaridade, comparados com os seus pares no final da oitava série, demonstraram defasagens de seis a oito anos, nas três classes sociais; c) os dados indicam que oito anos de escolarização “apagam” as diferenças de desempenho cognitivo, moral e lingüístico observadas no início da escolarização, certamente devido às diferenças de origem socio-econõmica. Ou seja, a distribuição dos alunos no final da oitava série é homogênea, independente da classe social de origem. Um resultado interessante é que não há correlação entre notas escolares e os níveis de competência, isto é, o fato de os alunos demonstrarem desenvolvimento nessas estruturas não implica que obtenham notas melhores, o que sugere ou que o currículo não está adaptado aos diferentes níveis de desenvolvimento, ou que existem outros fatores intra-escolares que interferem no processo. Diante desses resultados, a autora conclui que a escola tem um efeito democratizante sobre o desenvolvimento psicogenético e sociolingüístico, independente dos conteúdos que desenvolve. Tenta explicar tal efeito devido, provavelmente às relações sociais proporcionadas pela escola, ou seja, as relações informais que os jovens experienciam dentro da escola, principalmente com os seus pares, seriam de fundamental importância para o desenvolvimento daquelas estruturas avaliadas. Uma outra conclusão, esta mais relacionada com o tema aqui analisado, é que tais resultados levam necessariamente à revisão das concepções reprodutivistas sobre a escola: esta, apesar de continuar sendo considerada um mecanismo de seletividade e reprodução de classes sociais, seria, contraditória e simultaneamente, uma instituição social que funcionaria, no nível da formação das estruturas da consciência, como instrumento democratizante, de acordo com a autora. Em outras palavras, significa que jovens com oito anos de escolarização apresentariam, independente da origem social, estruturas cognitivas que os possibilitariam assimilar e processar adequadamente as experiências externas. Delineia-se, portanto, uma nova contradição: se por um lado a escola tem transmitido uma ideologia hegemônica, no interesse das classes dominantes, por outro, a escolarização pode desenvolver o repertório básico que é fundamental para a formação da cidadania e talvez para a própria superação da condição de alienação (as estruturas lógica, linguística e moral são consideradas fundamentais para o desenvolvimento do comportamento crítico). Obviamente, isto não significa que se está defendendo a escola tal qual se apresenta hoje, mas reconhecendo uma conseqüência da escolarização que até então não estava claramente delineada. Além disto, poder-se-ia supor que o papel da escola poderia ser positivamente potencializado se estivesse planejada de acordo com as características e necessidades da população atendida. No mesmo sentido, estudos como o citado sugerem que, se a origem social é um codeterminante do desenvolvimento cognitivo, pode-se supor que tal processo não é irreversível, ou seja, a escolarização pode atuar principalmente para as classes


marginalizadas, como mecanismo de reequilibração dessa defasagem. Outra possível conclusão geral é que o processo de reprodução de classes, atribuído ao sistema escolar, ocorre concretamente pelas relações de acesso/não-acesso e permanêncialnão-permanência. Daí as implicações que se seguem: tão importante quanto a oferta de escolas, é a necessidade de se assegurar a permanência das crianças durante oito anos considerados como básicos, ou seja, não basta que exista a escola; para que ela cumpra sua função social é preciso que os alunos possam freqüentá-la durante, no mínimo, esse período. Tal necessidade é maior quanto mais carente for a origem social do aluno. No entanto, reconhecer a superação da concepção crítico-reprodutivista pode ser um passo importante mas ainda não suficiente para que possibilite, posteriormente, analisar a questão da atuação do psicólogo no contexto escolar. É necessário esboçar com mais clareza a concepção de escola subjacente ao presente trabalho. Neste sentido, resgata-se a idéia de que a função prioritária da escola é a de transmissão do conhecimento sistematizado, a toda a população, necessário para o exercício da cidadania, de forma crítica e consciente. Em Saviani (1991) encontra-se a fundamentação desta concepção aparentemente simples. Segundo o autor, a Educação é um fenômeno próprio dos seres humanos, o que significa que a compreensão de sua natureza implica a compreensão da própria natureza humana. Sendo o trabalho a atividade diferenciadora do homem em relação aos outros animais, a Educação coloca-se como uma “exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho” (p. 19). Obviamente, situa-se como “trabalho não material”, envolvendo produção de idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes e habilidades. Portanto, ainda segundo Saviani, “o objeto da Educação diz respeito, de um lado à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana, para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitante, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo” (p. 21). Portanto, “a escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado” (p. 22) e não qualquer tipo de saber; trata-se do saber elaborado e não simplesmente do saber espontâneo e fragmentado. Obviamente existe aqui uma questão implícita relacionada com a natureza da escolha desses objetivos e conteúdos sistematizados, o que foge do âmbito do presente trabalho. No entanto, deve-se reafirmar o exercício da cidadania, no seu sentido amplo e humanizador, como o critério mais relevante para a identificação do saber sistematizado a ser transmitido pela escola. Neste sentido, concorda-se com Lawton (1975) quando afirma que planejar currículo é selecionar da cultura de uma sociedade certos aspectos da vida (conhecimentos, habilidades, atitudes, valores etc.) que, por serem julgados fundamentais, devem ser transmitidos sistematicamente às novas gerações, por meio das instituições sociais, dentre elas a escola. Note-se que tais conteúdos são julgados fundamentais, o que significa que tal escolha é de natureza ideológica e não técnica, ou seja, depende basicamente da visão de homem e de mundo de quem escolhe, seja um indivíduo, grupos ou instituições.

O desafio secular: a construção de uma escola democrática


Diante do exposto, é inevitável a colocação da seguinte questão: se a escola tem um papel fundamental, mesmo na situação em que se encontra, por que não se tem garantido Educação formal básica para toda a população? A análise da literatura e dos dados oficiais sobre o sistema educacional brasileiro demonstra que ainda há um longo caminho a ser percorrido na construção de uma escola democrática. Mas o que seria uma escola democrática? Quais suas características? Neste sentido, serão apontadas três dimensões consideradas relevantes para uma escola democrática, sem, obviamente, a intenção de esgotar o assunto. 1. Dimensão quantitativa. Um sistema educacional democrático deve atender, pelo menos, duas condições: a) o Estado deve fornecer escola pública e gratuita para toda a população, independente da existência do ensino particular; b) o sistema educacional deve planejar as condições para que os alunos efetivamente permaneçam na escola até o final do 2 grau, ou, pelo menos, até o final do ensino de 1 e 2 grau. Porém, quando se analisa a situação atual do ensino público brasileiro sob esta dimensão, depara-se com um quadro pouco animador. De acordo com a Fundação IBGE, o ensino público ainda apresenta o conhecido “funil educacional”: os dados do PNAD de 1992 demonstram que de 1.000 alunos que ingressam na primeira série do 1 grau, apenas 22% terminam a oitava série, sendo que o principal ponto de estrangulamento do sistema ainda situa-se na passagem para a segunda série (em alguns estados, do Ciclo Básico para a terceira série), com taxas de fracasso escolar — repetência e evasão — em torno de 50%; o segundo momento de estrangulamento, situa-se na passagem da quinta para a sexta série, o que demonstra que, na realidade, ainda existe a velha dicotomia entre o ensino primário e o ginásio; a média de escolaridade nacional do jovem brasileiro é de quatro anos e cinco meses, sendo um ano e seis meses no Nordeste rural e cinco anos e seis meses na região Sudeste. Apenas esses dados são suficientes para demonstrar a dramaticidade da situação. 2. Dimensão qualitativa. Por outro lado, não basta existir a escola; é necessário que ela cumpra uma função realmente relevante, ou seja, que os conhecimentos por ela transmitidos sejam efetivamente funcionais para o exercício da cidadania. Embora isto possa parecer óbvio, uma análise mais cuidadosa dos conteúdos transmitidos pela escola demonstra que existem problemas ainda não resolvidos. Historicamente, o sistema educacional brasileiro sempre atendeu aos interesses das minorias economicamente privilegiadas na medida em que desenvolveu conteúdos basicamente visando o vestibular. Isto é mais claramente observado nos conteúdos desenvolvidos da quinta série em diante. Tal dado se deve, provavelmente, porque até há cerca de 40 anos, o ensino público atendia basicamente a população da classe média para cima, que visava a universidade; quanto aos setores mais pobres, simplesmente não iam à escola. A partir dos anos 50, com a chamada “democratização do ensino”, a rede pública passou a atender os setores populares enquanto os mais privilegiados passaram a ser atendidos por parte do ensino particular. Com isto, nova dicotomia educacional instala-se: escola pública (de baixa qualidade) para os pobres e escola particular para os mais abastados. A questão qualitativa torna-se crucial na medida em que a escola pública ainda mantém uma proposta pedagógica de 40 anos atrás, sem se dar conta de que apenas 6% da população escolar chega à universidade, dos quais apenas 3% se


formam. Isto acaba tendo sérias implicações: grande parte dos conteúdos desenvolvidos não são funcionais para o exercício da cidadania, o que torna o ensino desmotivante, burocrático e anacrônico. Uma coisa é desenvolver programas de ensino de Biologia, Língua Portuguesa, Física etc. para o vestibular; outra coisa é identificar, em cada área de conhecimento, quais os conteúdos relevantes para a vida dos cidadãos, que não serão biólogos, físicos, literatos etc. Obviamente, muitos conteúdos serão comuns, mas os critérios de escolha são bem diferentes nas duas situações. Neste trabalho, defende-se a idéia de que a escola democrática deve desenvolver um saber sistematizado relevante e funcional para a vida de todos os cidadãos de nossa sociedade. 3. Dimensão das relações internas democráticas. Diz respeito à estrutura e ao funcionamento da escola, envolvendo as relações internas. Quando se observa, atualmente, uma escola pública ou particular funcionado geralmente uma das características que se destaca é o trabalho solitário e individual dos docentes. Por inúmeras razões, a sala de aula transformou-se em feudo particular onde o professor trabalha isolado e sem considerar (geralmente por desconhecer) o processo geral a que o aluno está sendo submetido. Obviamente, tal modelo de organização não é aleatório. Na realidade, inspirou-se nas formas de organização que caracterizaram a indústria capitalista na primeira metade deste século, de acordo com as idéias de Taylor e Ford, e que deram origem, por exemplo, à linha de produção das fábricas. O princípio é bastante conhecido: se cada trabalhador cumprir bem a sua função parcial, então o produto final será de boa qualidade, ou seja, o todo é igual à soma das partes. No entanto, tal modelo acabou gerando um alto grau de alienação nos trabalhadores, com conseqüências funestas para a própria produção, entre outros problemas. Por outro lado, as conseqüências negativas deste modelo de organização aplicado na escola são notórias: criou enormes dificuldades para o desenvolvimento de propostas pedagógicas nas escolas, na medida em que levou os educadores a perderem a visão de que Educação implica uma ação coletiva, e como tal deve ser planejada e desenvolvida. Reconhece-se que, atualmente, um dos maiores desafios que se colocam para a construção de uma escola democrática é o resgate do trabalho coletivo na organização escolar, condição fundamental para o desenvolvimento de qualquer projeto ou proposta pedagógica. Uma reorganização nesse nível implica uma efetiva e necessária revisão das relações de poder dentro da instituição. O princípio subjacente é conhecido: todos os educadores têm o direito e o dever de participar dos níveis de decisão que afetam o seu trabalho pedagógico. Isto é condição para o estabelecimento de compromissos entre os educadores e as propostas pedagógicas. A identificação dessas dimensões básicas ajuda a clarificar os desafios atuais para a construção de uma escola democrática. Na literatura, tais problemas são analisados sob o rótulo de fracasso escolar. Estudos e pesquisas desta área têm sido desenvolvidos na tentativa de identificar os principais fatores envolvidos, O leitor encontrará vários textos com uma síntese dos mesmos, entre eles Brandão, Baeta e Rocha (1983), Leite (1988) e Patto (1990). Observa-se nesta literatura, para etèito de análise, uma tendência para agrupar os fatores identificados como responsáveis pelo fracasso escolar em dois grandes conjuntos: os fatores extra e os intra-escolares. No primeiro situam-se as políticas educacionais historicamente desastrosas para os setores populares, além das variáveis relacionadas com as condições de vida, conseqüência de uma secular política econômica de concentração de riqueza, que acaba impedindo, por exemplo,


uma criança de freqüentar regularmente uma escola durante oito anos, na medida em que existe uma necessidade maior que a faz tornar-se um membro economicamente ativo, o mais cedo possível. No segundo grupo. há uma série de determinantes identificados, a maioria relacionada com o confronto existente entre os atuais objetivos e práticas escolares e a população atendida. Envolve desde currículos e programas inadequados, falta de condições de trabalho dos educadores, carência de recursos humanos e materiais, práticas pedagógicas ineficientes sistema de avaliação que na realidade atua como sistema de discriminação dos mais pobres, má formação docente e ausência de um processo de reciclagem constante, até organização centralizada e um funcionamento institucional altamente burocratizado. Um aspecto fundamental a ser analisado neste quadro relaciona-se a como, historicamente, os educadores e população em geral têm explicado o fenômeno do fracasso escolar. MelIo (1983) e Leite (1984), em pesquisas realizadas, demonstram que há várias décadas evidencia-se a tendência de “culpar a vítima” por meio de explicações como falta de capacidade, baixo nível de inteligência. subnutrição, desinteresse, problemas emocionais etc. Desnecessário rebater tais argumentos, o que já foi suficientemente realizado pela literatura da área. Além disto, como relembra Patto (1990), “no decorrer dos anos 70, uma das características distintivas da pesquisa do fracasso escolar foi a investigação crescente da participação do próprio sistema escolar na produção do fracasso, através da atenção ao que se convencionou chamar de fatores intra-escolares e suas relações com a seletividade social operada na escola” (p. 118). Apesar desse progresso na explicação do fenômeno, persiste ainda nas práticas escolares a tendência de colocar no aluno a responsabilidade pelo fracasso. Aliás, Kramer (1981) já indicava, no início dos anos 80, uma mudança nas interpretações tradicionais do fracasso escolar de um determinismo biológico (“não aprende porque tem problema neurológico”) para um determinismo sociológico (“não aprende porque é pobre”). Como interpretar tal tendência? Na realidade não se pode considerá-la como um mero desconhecimento da realidade ou dos estudos recentes sobre a questão. A tendência de individualizar o fracasso escolar, situando as causas no aluno, representa uma reprodução na escola, da própria ideologia subjacente ao sistema capitalista, no caso o liberalismo. No final dos anos 70, Cunha (1978) já apontava para este caminho, descrevendo os princípios do liberalismo, em que se destaca o individualismo: “princípio que considera o indivíduo como sujeito que deve ser respeitado por possuir aptidões e talentos próprios, atualizados ou em potencial (p. 28)... Com este princípio, a doutrina liberal não só aceita a sociedade de classes, como fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade” (p. 29). Assim, de acordo com o pensamento liberal vigente, o sucesso ou o fracasso social e econômico é devido basicamente ao indivíduo e, uma vez que uns apresentam mais talento e potencial que outros, é de se esperar que estes não demonstrem o sucesso daqueles ou, simplesmente, fracassem. Segundo o autor, a partir deste primeiro, seguem-se os demais princípios do liberalismo: da liberdade (principalmente econômica, com a mínima interferência do Estado), da propriedade direito ao acúmulo de bens), da igualdade (de direitos. não a econômica) e da democracia (todos têm o mesmo direito de participar do governo). Análise detalhada do modo capitalista de pensar a


escola, pode ser também encontrada nos dois primeiros capítulos do recente trabalho de Patto (1990). Em síntese, a construção de uma escola democrática implica, hoje, opções políticas e esforço social em vários níveis. Assim, o enfrentamento dos fatores extraescolares exige a superação dos principais problemas socio-econômícos que afetam toda a população e dependerá fundamentalmente da capacidade organizativa dos setores sociais comprometidos com uma sociedade mais justa e fraterna. O fracasso escolar, na realidade, situa-se como um subproduto de uma política injusta de distribuição da riqueza, assim como a mortalidade infantil, menor abandonado, desemprego, criminalidade etc. Por outro lado, a identificação dos fatores intra-escolares, também responsáveis pelo fracasso escolar, exige que medidas imediatas sejam assumidas no sentido de efetivamente democratizar o sistema educacional. Aqui, é fundamental o engajamento dos educadores comprometidos com uma sociedade mais justa e, portanto, com uma escola democrática, pública e de boa qualidade. Tais desafios colocam-se para todos os profissionais que atuam ou pretendem atuar na escola. Neste contexto, coloca-se também o psicólogo, independente da orientação teórica que apresente.

O psicólogo na Educação: avaliação crítica Observando-se os dados sobre a atuação profissional dos psicólogos nas diversas áreas citadas no início deste trabalho, poder-se-ia supor que a Educação já seria um campo de atuação bem estruturado para os psicólogos brasileiros. No entanto, a mesma pesquisa do CFP (1988) demonstra que, dos profissionais que aí iniciam suas carreiras (primeiro emprego), 50,2% saem, buscando melhores empregos (26,2%), melhores condições de trabalho (24,1%), melhores salários (21,3%) ou simplesmente buscam outra área (10,6%). Dirigem-se para a clínica (56,7%), docência (20%) ou organizações (12,7%). Ainda tomando-se como base o primeiro emprego, apenas 38,5% continuam exercendo alguma atividade como psicólogo escolar, dos quais 60% terminam realizando a famosa “dobradinha” com outra área. Em outras tem sido muito mais uma área de passagem para a maioria dos profissionais que se inserem no mercado, ou seja, caracteriza-se como um trampolim para as “áreas mais nobres”. Resta ainda analisar o que fazem os psicólogos escolares. A pesquisa identificou 16 diferentes atividades, apresentadas em seguida na ordem decrescente de freqüência das citações: 1) orientação psicopedagógica; 2) orientação de pais (ambos citados por 40% dos psicólogos escolares); 3) atendimento a distúrbios de aprendizagem (em torno de 30%); 4) aconselhamento psicológico; 5) aplicação de testes; 6) psicodiagnóstico (todos citados por 20% a 30% dos profissionais); 7) reeducação psicomotora; 8) acompanhamento de pessoal; 9) planejamento de projetos; 10) avaliação curricular; 11) orientação sexual; 12) orientação vocacional; 13) treinamento de paraprofissionais; 14) psicoterapia individual; 15) treinamento; 16) assistência materno-infantil (todas citadas por 10% a 20% dos psicólogos). Ressalte-se que das 16 atividades citadas, 10 são também desenvolvidas pelos


psicólogos clínicos, sendo que as sete atividades mais freqüentes do rol acima podem ser consideradas típicas daquela área (clínica). As possíveis atividades típicas da área educacional restringem-se à avaliação curricular, assistência infantomaternal e planejamento de projetos educacionais (cada uma citada por 15% dos psicólogos entrevistados). Se, de um lado, poder-se-ia justificar este quadro afirmando que há atividades, que pela sua natureza, podem ser úteis para os psicólogos, independente da área de atuação, por outro, pode-se concluir que há poucas atividades específicas que caracterizam o exercício do psicólogo escolar; isto ainda sem considerar se tais atividades são desenvolvidas com um caráter educacional. Para se entender tal situação, é necessário recorrer um pouco à história da profissão nos centros mais avançados e em nosso meio. A atuação profissional do psicólogo na área da Educação surge na esteira da implantação da moderna sociedade industrial capitalista, quando as mudanças nas formas de produção (centradas na empresa) passam a exigir trabalhadores que apresentem determinadas “aptidões e traços de personalidade”, como condição de eficiência. Historicamente, o laboratório de psicometria de Galton, no final do século passado, tem sido apontado como o marco inicial da atual psicologia escolar. Ali eram estudadas questões relacionadas com as chamadas diferenças individuais e o desenvolvimento da inteligência e da personalidade. Os conhecidos testes psicológicos surgiram na época como instrumentos necessários palavras, os dados demonstram que a psicologia escolar para a mensuração e análise daqueles objetos de estudo. No mesmo sentido, Binet e Simon, no início deste século, desenvolveram seu famoso teste, visando detectar na população em idade escolar, por solicitação do governo francês, as crianças que deveriam receber tratamento diferenciado devido a algum problema psicológico. Patto (1984), discorrendo sobre o advento da Psicologia, afirma que ela “nasce com a marca de uma demanda: a de prover conceitos e instrumentos científicos de medida que garantam a adaptação dos indivíduos à nova ordem social. Assentada sobre a nova ênfase dos psicólogos experimentais no fenômeno psíquico, a ciência recém-inaugurada deixa clara sua finalidade de adaptação, levada a cabo através da seleção e da orientação no trabalho e na escola” (p. 96). Sobre o trabalho de Binet, a mesma autora aponta que o referido cientista “não podia supor que estava lançando as bases de um procedimento que seria a principal atividade dos psicólogos durante todo o século: classificar os indivíduos, sobretudo crianças em idade pré-escolar e escolar primária, num outro sentido do termo classiflcação: para justificar sua distribuição em classes sociais” (p. 97). Foi assim, portanto, que a psicologia escolar nasceu: de mãos dadas com a psicometria, desenvolvendo um conjunto de atividades em que se destacam a avaliação da prontidão ou de repertórios básicos, organização de classes, diagnóstico e encaminhamento de crianças com problemas/distúrbios de aprendizagem. Porém, subjacente a essas práticas, identifica-se a verdadeira finalidade do trabalho: adaptação do aluno à escola que, por princípio, é assumida como adequada. Obviamente, muitas outras atividades também têm sido desenvolvidas dentro desta perspectiva adaptativa, independente da orientação teórica do psicólogo.


Deve-se ressaltar que tal tipo de atuação desenvolveu-se fortemente impregnada pelo chamado modelo médico, ou seja, um conjunto de concepções teóricas que priorizam os fatores internos ou subjacentes como os principais determinantes do comportamento, minimizando o papel dos fatores ambientais, principalmente os mediatos, de natureza socioeconómico-cultural. Pelas suas características, as práticas baseadas no modelo médico voltaram-se mais para as chamadas patologias, considerando-se como tais os desvios comportamentais, a partir de um conceito de normalidade filogeneticamente determinado. Além disto, tal niodelo auxiliou a construção e o fortalecimento de toda a nosologia clássica desenvolvida pela psiquiatria tradicional. Como conseqüência, tais concepções muito contribuíram para a atuação profissional dos psicólogos em termos remediativos, buscando prioritariamente no indivíduo as causas dos chamados problemas psicológicos. No Brasil, a inserção dos profissionais da Psicologia na área da Educação, foi fortemente influenciada por essas práticas e teorias importadas dos centros mais avançados, impregnadas pelas idéias do modelo médico, o que colaborou com a formação da imagem do psicólogo como um profissional especializado em tratar de crianças-problema. Tal orientação basicamente clínica (desenvolvida nos consultórios), com ênfase no diagnóstico e tratamento dos distúrbios, ainda é observada nas atividades dos psicólogos, seja individualmente nas instituições, seja por meio dos chamados serviços de Psicologia das redes de ensino. Mais recentemente, a partir dos anos 60, tem se observado uma variação nessa tendência clínica, mais direcionada para os processos de ensino e aprendizagem, com aplicação de princípios da psicologia da aprendizagem, desenvolvimento e motivação humana, visando aumentar a eficiência da escola. Atividades como diagnóstico educacional, recuperação, orientação etc, tornaram-se comuns. Porém, deve-se ressaltar que freqüentemente a mesma finalidade subjacente é observada, qual seja, adaptar o aluno à instituição escolar sem uma visão crítica sobre a mesma, ou seja, esta ainda é considerada como inalterável. Deve-se ressaltar que essa orientação acrítica, eminentemente adaptativa, influenciou (e ainda influencia) a atuação da maioria dos psicólogos que atua na Educação, independente da orientação teórica dos mesmos. Psicólogos considerados neobehavioristas também têm sido alvo de severas críticas pelos mesmos motivos, com relação às suas práticas educacionais. Patto (1984), analisando a proposta de Witter, sugerindo ao psicólogo escolar as funções de consultor, especialista, ergonomista, modificador de comportamento e pesquisador, reafirma a dominância da ideologia adaptacionista e a indiferença da autora diante das questões da ideologia e do poder, com seu “... eloqüente silêncio diante dos problemas relativos às classes sociais” (p. 105). Como conseqüência imediata, ressalta a acriticidade com a qual a questão de “comportamento inadequado”. tão analisado pelos behavioristas, é abordada. Aspectos centrais, como “o que é comportamento inadequado’? inadequado por quê? para quem?”, raramente são discutidos, sendo a ênfase colocada nos procedimentos de controle dos mesmos. Ainda citando Patto, constata-se em grande parte dos psicólogos comportamentais a “crença inabalável da psicologia escolar como solução para todos os males do ensino, dos distúrbios de aprendizagem e de ajustamento escolar e social... É a psicologização da escola levada ao extremo; uma vez efetivada, passa a ocultar a natureza social e política de uma ampla gama de problemas sobre os quais incide, com todo o poder que sua cientificidade lhe


outorga” (p. 109). No geral, também os psicólogos comportamentais não têm indagado criticamente sobre as relações entre escola e sociedade, sobre a função política dos conteúdos veiculados pelos programas escolares, sobre a metodologia comumente utilizada e sobre as normas de funcionamento do sistema escolar, embora haja uma constante preocupação com a questão ética. Uma agravante de todo esse quadro é que os modelos curriculares das faculdades de Psicologia, desde o início, desenvolveram-se sob forte influência dessas concepções e, o que é pior, continuam a formar, com raras exceções, profissionais com essas características que, por falta de mercado na área clínica, acabam trabalhando também em instituições educacionais, sem, no entanto, a mínima preparação para tal. Estudos desenvolvidos pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (1982) têm demonstrado que, em média, apenas 7% da carga horária curricular dos cursos de psicologia, é direcionada para a Educação, incluindo disciplinas teóricas e os estágios, enquanto o mesmo índice para a clínica é de 25%. Levantamentos recentes têm confirmado tal tendência. Neste ponto, deve-se questionar os motivos pelos quais esse modelo tradicional, tão duramente criticado, ainda tem dominado as práticas dos psicólogos brasileiros que atuam na Educação. Coerentemente com os argumentos apresentados neste trabalho, entende-se que a questão é de natureza basicamente ideológica. A atuação profissional baseada no modelo médico com ênfase adaptativa teve sucesso provavelmente por estar muito próxima da ideologia liberal, subjacente ao capitalismo, cujo núcleo, como já foi exposto, é o individualismo. Nesta perspectiva, as instituições são poupadas, sendo que a origem dos problemas passa a ser buscada essencialmente nos indivíduos, seja por meio dos fatores intrínsecos (emocionais, motivacionais etc.) ou seja, por razões de relação inadequada do indivíduo com seu ambiente (inadaptação às condições ambientais, falta de repertório etc.). Obviamente, não se está negando a existência desses fatores, mas é insustentável, hoje, interpretá-los como as únicas ou principais causas, por exemplo, das dificuldades escolares. Tais concepções liberais já foram amplamente criticadas nas suas características básicas (visão de homem, de mundo, papel do Estado etc.), por diversas áreas de conhecimento, tornando-se mais clara, por exemplo, a concepção de que, numa sociedade de classes como a nossa, o processo de ascensão social (e por que não dizer, o sucesso escolar) é muito mais determinado pela origem socioeconômica do indivíduo, do que por fatores intrínsecos (inteligência, potencial etc.). Da mesma forma, a própria ciência psicológica tem desmistificado grande parte das crenças do modelo médico, por meio de pesquisas e teorias demonstrando que o ambiente (condições concretas de vida) tem um papel muito mais importante do que se supunha, na gênese e desenvolvimento dos chamados problemas psicológicos. No caso da psicologia escolar, a crítica tem sido semelhante: não é possível explicar, por exemplo, as dificuldades de aprendizagem por meio basicamente de fatores intrínsecos ou centrados nas crianças. Atualmente, estudos mais recentes têm demonstrado que, na sua grande maioria, tais dificuldades relacionam-se mais com problemas de planejamento e organização escolar, tais como objetivos e conteúdos mal selecionados, práticas inadequadas, processos de discriminação interna como o sistema de avaliação tradicional, currículos não funcionais para a população, profissionais despreparados, condições de trabalho inadequadas,


excessiva burocratização etc., e um Estado que, historicamente, não tem considerado o ensino público como prioridade.

Perspectivas para a ação do psicólogo na Educação Para iniciar tal discussão, uma questão preliminar deve ser esclarecida. É necessário compreender que o psicólogo é um profissional da saúde, entendida aqui na sua concepção mais ampla (posição corroborada pela Organização Internacional do Trabalho). Na realidade, o conceito de saúde, tal como o conceito de vida, não se define com precisão, embora ambos estejam intimamente relacionados. Capra (1982) defende que o conceito de saúde tem se alterado historicamente e entre diferentes culturas, devido às diversas concepções sobre as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente. No entanto, continua o autor, um “amplo conceito de saúde necessário à nova transformação cultural, que inclua dimensões individuais, sociais e ecológicas, exige uma visão sistêmica de organismo vivo e, correspondentemente, uma visão sistêmica de saúde” (p. 117). Neste sentido, a definição de saúde apresentada pela Organização Mundial de Saúde pode ser útil como ponto de partida: a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de enfermidades. Na mesma direção, Andery (1980), defendendo um modelo psicossocial, relaciona saúde com satisfação adequada, por parte do ambiente, das necessidades físicas, psicossociais e socioculturais. Assim, como profissional da saúde, a atuação do psicólogo pode ocorrer em diversas instituições que se relacionam diretamente com a saúde física e/ou mental e também em outras instituições que estejam envolvidas com o bem-estar humano. Dessa forma, abre-se a possibilidade de atuação do psicólogo na empresa, em diversos tipos de instituições sociais e na Educação. Nesta perspectiva, a atuação do psicólogo na escola, coerente com essa concepção moderna de saúde, implica o seu engajamento, junto com os demais profissionais da área, no sentido de garantir que a instituição cumpra a sua função social prevista. Esta é a razão pela qual é imprescindível, como já foi exposto neste trabalho, a existência de um mínimo de clareza sobre o papel da escola, consensualizado pelo grupo que atua concretamente nessa instituição. Em termos mais concretos, defende-se a idéia de que, atualmente, o grande desafio que se coloca para os profissionais que atuam na Educação, como já foi exposto, é a democratização da escola, nas suas dimensões quantitativa, qualitativa e das relações internas. O mesmo desafio coloca-se também para o psicólogo: somente o engajamento nesse esforço coletivo poderá justificar a sua presença na área educacional. Além disto, é importante assinalar que, para a escola desempenhar adequadamente a sua função, é necessária a colaboração de diversas áreas de conhecimento, inclusive a da Psicologia. Assim, delineia-se a grande perspectiva de atuação para o psicólogo: a democratização do saber psicológico, ou seja, possibilitar aos educadores, principalmente aos professores, acesso aos conhecimentos psicológicos acumulados, considerados funcionais para a tarefa maior da escola: a transmissão do saber sistematizado. Neste sentido, é inegável que a Psicologia apresenta um acúmulo de conhecimentos importantes para auxiliar a escola a cumprir sua função social. Várias conseqüências inevitáveis podem ser identificadas a partir das propostas apresentadas. Em primeiro lugar, a atuação do psicólogo só


terá relevância se for prioritariamente desenvolvida em termos interdisciplinares, atuando com outros profissionais da área, principalmente o professor; a ênfase no atendimento direto ao usuário, no caso o aluno com problemas, segundo o modelo tradicional, coloca-se como incompatível com a presente proposta. Uma segunda conseqüência é que o conhecimento psicológico deverá ser direcionado prioritariamente para auxiliar as ações de planejamento educacional, lembrando que isto é um desafio inerente à própria democratização da Educação; isto envolve a contínua revisão crítica dos objetivos, conteúdos e práticas educacionais, além da estrutura e funcionamento da instituição. E óbvio que tais diretrizes implicam, necessariamente, a superação dos modelos teóricos tradicionais, que caracterizaram a atuação do psicólogo na Educação segundo a influência clínica. Requer deste profissional uma formação também educacional, incluindo um mínimo de visão crítica sobre a Educação formal, conhecimento histórico das políticas e do pensamento pedagógico, enfim, o conhecimento básico que o permita desenvolver uma visão clara sobre o processo de Educação. Neste sentido, uma questão ainda merece destaque, relacionada com as relações entre a Psicologia e a Educação. Freqüentemente psicólogos e pesquisadores da área acabam extrapolando os limites da teoria psicológica, ampliando seus domínios muito além de suas possibilidades, ocorrendo o que alguns autores chamam de “psicologização” da Educação. Silva (1993) em recente trabalho, analisa criticamente o modismo psicológico atualmente observado na Educação, representado pela teoria construtivista. Segundo o autor “o problema surge quando o construtivismo pretende se erigir numa perspectiva global de Educação, ou, ainda mais grave, numa teoria social da Educação, sem os conceitos, constructos e instrumentais para tal, isto é, sem as bases de uma teoria social” (p. 8), ou seja, uma teoria psicológica não substitui as perspectivas política, histórica e sociológica da Educação. Em termos mais concretos, a Psicologia Construtivista pode dar uma contribuição inestimável no esclarecimento sobre como se aprende, porém as práticas de sala de aula não se derivam direta e linearmente da teoria. Da mesma forma, a escolha sobre o que deve ser ensinado não é de natureza psicológica. Ainda citando Silva, “uma Psicologia não é uma Pedagogia, nem urna teoria educacional. A Psicologia pesquisa o indivíduo. A Pedagogia diz respeito a como formar e controlar o indivíduo no contexto de uma rede institucional de relações sociais” (p. 6). Assim, psicologizar o ensino formal significa reduzi-lo e despolitizá-lo, como aliás vem ocorrendo na área de Alfabetização, por influência de alguns construtivistas, para os quais o processo “deixa de ser uma questão social, política e cultural, para se tornar um problema de aprendizagem solucionável através da escolha de métodos que levem em conta uma melhor compreensão da gênese da leitura e da escrita” (Silva, 1993, p. 5). Obviamente, esta crítica feita à atual postura dos construtivistas pode ser generalizada a toda tentativa de psicologização do trabalho educacional, sempre que um determinado grupo de teóricos pressuponha que sua teoria psicológica possa dar conta de processos educacionais, de natureza fundamentalmente político-ideológica. Tal conflito é freqüentemente observado nas atividades de escolha de objetivos e conteúdos educacionais. Não cabe à teoria psicológica ditá-los. Esta é uma decisão que, na essência, reflete determinada visão de homem e de mundo, ou seja, é de natureza ideológica e como tal deve ser


assumida. Isto não reduz a importância do saber psicológico para o processo educacional; ao contrário, clareia suas relações com a Educação, evitando conflitos inúteis e desgastantes. Finalmente, questiona-se se o psicólogo brasileiro é ou será o profissional mais indicado para desempenhar a função aqui sugerida — democratização do saber psicológico na área da Educação. Embora tal colocação possa parecer redundante, deve-se relembrar que uma profissão não se faz por força de lei, ou seja, o reconhecimento de uma profissão parece ser, em grande parte, função da importância social da ação dos seus profissionais. No caso da atuação do psicólogo na Educação, devem-se considerar as grandes implicações aqui identificadas, em contrapartida com sua formação tradicionalmente conservadora. Neste sentido, considera-se que esta questão novamente extrapola os limites da teoria psicológica, na medida em que sua consecução dependerá basicamente da vontade política desses profissionais e de sua conseqüente capacidade de reciclagem e engajamento com as grandes questões que afetam a população brasileira, no caso o processo formal de Educação. Este parece ser o grande desafio para todos os psicólogos que atuam ou pretendem atuar na Educação, independente de sua orientação teórica.

Referências Andery, Alberto Abib. Subsídios conceituais para um programa de saúde mental: um enfoque psicossocial. Cadernos da PUC — Psicologia, 4, São Paulo: EDUC e Cortez, março, 1980. Brandão, Z.; Baeta, A. B. e Rocha, A. D. C. Evasão e repetência no Brasil: a escola em questão. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983. Capra, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Ed. Cultrix, 1982. Conselho Federal de Psicologia. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: EDICON, 1988. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Análise dos currículos dos cursos de Psicologia. São Paulo, 1982. Cunha, Luis Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: L. Francisco Alves, 1978. Freitag, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. São Paulo: EDART, 1977. Freitag, Bárbara. Sociedade e consciência — um estudo piagetiano na favela e na escola. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1986. Gouveia, Aparecida J. A escola, objeto de controvérsia. Cadernos de Pesquisa, 16, 1976, 15-19


Kramer, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil. A arte do disfarce. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981. Lawton, Denis. Class, culture and the curriculum. Londres: Routledge e Kegan Paul, 1975. Leite, Sérgio A. S. Alfabetização: uma proposta para a escola pública. Cadernos de Pesquisa, 52, 1985, 25-32. Leite, Sérgio A. 5. Alfabetização e fracasso escolar. São Paulo: Edicon, 1988. Mello, Guiomar N. Magistério de primeiro grau: da competência ao compromisso político. São Paulo: Cortez, 1983. Patto, Maria Helena 5. Psicologia e ideologia — uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. Patto, Maria Helena 5. A produção do fracasso escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. Saviani, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1991. Silva, Tomaz Tadeu. Desconstruindo o construtivismo pedagógico. Educação e Realidade. Porto Alegre, 18(2): 3- 10, jul./dez., 1993. Werneck, Vera Rudge. A ideologia na educação — um estudo sobre a interferência da ideologia no processo educativo. Petrópolis: Vozes, 1982.


21 Instituições de trabalho MaIy Delitti e Priscila Derdyk A aplicação da análise do comportamento ao ambiente empresarial é um recurso vital para o sucesso na atual conjuntura de globalização dos mercados. Mudança é a palavra de ordem em qualquer instituição que queira se adaptar e sohreviver às crescentes demandas da sociedade pós-industrial. Os principais desafios da nova era residem no potencial humano, na capacidade de converter esse potencial em realizações. Os recursos financeiros são hoje abundantes, a tecnologia, embora vital, está disponível para quem pretende implantá-la. O grande diferencial competitivo reside na administração dos recursos por intermédio do homem. Um novo mundo vem lenta e imperceptivelmente mudando a realidade de todos nós. Um mundo mais competitivo, sem barreiras comerciais, um mundo que exige eficiência e qualidade na prestação de serviços. Dentro deste novo contexto, as novas organizações, sejam elas industriais.,comerciais ou institucionais, estão sofrendo um grande processo de transformação. A divisão de tarefas, estruturação hierárquica e a relação de poder vêm se modificando para uma estrutura mais sistêmica. O todo em vez das partes. A missão em vez de sistemas. Isto exige um homem mais global. No futuro, cada elemento da nova organização será um businessmnan. Isto exige novos comportamentos, um repertório mais amplo e flexível. Transformar as organizações significa mudar os ambienles, mudar os comportamentos. Comportamento é a unidade básica de análise do behaviorismo, a relação que se estabelece entre a ação do indivíduo e as condições ambientais. Neste sentido, o importante não é a ação em si, mas sua função dentro de um determinado contexto, dentro das contingências do momento. Contingência denota uma relação. Segundo Skinner, “uma formulação adequada da interação entre um organismo e seu ambiente precisa especificar três coisas: a) a ocasião na qual a resposta ocorre; b) a própria resposta; e) as conseqüências.” A inter-relação entre os três elementos (ocasião, resposta e conseqüência) estabelece a contingência comportamental básica. O processo de compreender comportamentos complexos identificando as contingências é chamado de Análise Funcional. A Análise do Comportamento propõe que um comportamento, para ser modificado, precisa ser analisado sob dois aspectos complementares: o que vem antes e o que vem depois do mesmo. Quando se procura modificar comportamentos alterando os antecedentes, estamos falando de controle de estímulos (estímulos discriminativos


ou sinalizadores) e quando alteramos as conseqüências, referimo-nos aos conceitos de reforçamento e punição, ou conseqüências positivas ou negativas.

Antecedentes comportamentais Antecedente é qualquer pessoa, lugar, coisa, comportamento (aberto ou encoberto) que ocorra antes de um comportamento e que sinalize a ocasião em que se este comportamento ocorrer será seguido de reforçamento ou punição. Nas empresas, o local de trabalho é planejado para sinalizar os comportamentos desejados ou corretos. Por exemplo, os objetivos, regras, descrições de função, padrões da empresa, todos estes sinais são utilizados para comunicar o que é esperado dos funcionários. Na realidade, todas as condições que se criam para melhorar o trabalho são antecedentes. O ambiente físico, condições de iluminação e temperatura, condições materiais como móveis e equipamentos adequados aumentam a probabilidade de que o comportamento esperado ocorra, embora não garantam tal ocorrência. As empresas investem muito tempo e dinheiro em um tipo específico de antecedentes, que são o conjunto de regras que compõem o treinamento e o controle educacional dos funcionários. Seminários, tapes, programas de computador, worksliops, palestras... enfim, todo o tipo de instrução e informação são planejadas para sinalizar e descrever o comportamento correto ou esperado. O comportamento de outra pessoa também pode ser um antecedente quando se utiliza o processo de modelação. O comportamento de um modelo, seja o chefe, o supervisor ou um colega, influencia o comportamento de um indivíduo, desde que seja avaliado ou considerado como reforçador. Ao pensarmos no manejo dos antecedentes na situação de uma empresa, devemos apontar duas características ou aspectos básicos: 1. Os antecedentes comunicam informação. A função primária de um antecedente é comunicar informação sobre o comportamento e suas conseqüências. Isto é, os antecedentes precisam explicitar o que, quando e como um comportamento deve ser emitido. 2. Os antecedentes têm uma função sobre o comportamento porque são associados às conseqüências. Quanto menos consistentemente um antecedente for assocíado às conseqüências. menos eficaz será seu valor de sinalização (e controle) sobre o comportamento. Quando um indivíduo aprende a discriminar que elementos ou estímulos de seu ambiente predizem as conseqüências desejadas, diz-se que este é um estímulo discriminativo (SD). As regras, que são um tipo poderoso de antecedentes são estímulos discriminativos verbais. “Faça o maior silêncio”, “Crie você a solução”, “Não interrompa a reunião”, “Mantenha os arquivos organizados”, “Use o equipamento de segurança”. Estas regras são comportamentos verbais (escritos ou falados) que funcionam como SDs, sinais de que comportamentos serão reforçados se forem emitidos.


Vale a pena enfatizar que o que determina se um fato, coisa, pessoa ou comportamento é um antecedente ou um estímulo discriminativo é a sua função em uma dada contingência comportamental. Nas empresas são necessários muitos critérios, de maneira que os antecedentes sejam realmente eficazes na sinalização e controle dos comportamentos desejados. Se isso não ocorrer, o indivíduo não saberá como se comportar e, portanto, não emitirá o comportamento adequado. Ao se escolher condições de controle de estímulo é importante que se considere três classes de antecedentes que são muito eficazes: 1. Estímulos que descrevem expectativas e comportamentos desejados de maneira clara e operacional, por exemplo, descrições de tarefas, prioridades e critérios de desempenho. 2. Estímulos que têm uma história clara de estarem associados a conseqüências, por exemplo, o relógio de ponto, sinais de incêndio, sirene de entrada e saída do setor de produção. 3. Os comportamentos que ocorrem imediatamente antes do comportamento desejado, por exemplo, a solicitação ou pedido verbal de alguém, etc. Para resumir, é importante que se planeje com critério, a escolha dos antecedentes. No entanto, mesmo que bem escolhidos, eles não serão eficazes se se opuserem a uma história prévia de reforçamento ou se entrarem em conflito com outras fontes de reforçamerno. Além disso, alguns estudos indicam que, sob certas circunstâncias, mesmo sem identificar os antecedentes, é possível modificar o comportamento e produzir um desempenho diferente e estável por meio do manejo das conseqüências.

Conseqüências comportamentais Conseqüências comportamentais são eventos que se seguem a determinados comportamentos e alteram a probabilidade de ocorrência desses comportamentos no futuro. As conseqüências são os instrumentos mais poderosos que os empresários têm para melhorar ou aumentar o desempenho de seus funcionários. Problemas de baixa qualidade, queda de produtividade, custos altos, competição inadequada, baixa cooperação etc. só têm uma única solução: o manejo adequado das conseqüências após uma análise funcional correta. Há quatro razões básicas que explicam por que alguém não emite o comportamento esperado no trabalho: a) o indivíduo não sabe o que fazer; b) o indivíduo não sabe corno fazer; c) há obstáculos no ambiente que desencorajam ou impedem que o indivíduo emita o comportamento; d) o indivíduo não quer emitir o comportamento.


As três primeiras razões (não saber o que fazer, não saber como fazer ou obstáculos amhientais) dizem respeito ao manejo dos antecedentes a que já nos referimos. No entanto, quando alguém não emïte um comportamento esperado porque não quer fazê-lo, estamos falando de conseqüências. O comportamento que alguém emite sempre tem uma função, uma razão de existir, isto é, se um comportamento continua a ser emitido é porque existem conseqüências que o mantêm, por mais estranho que possa parecer. Por exemplo, o comportamento de um operário de chegar atrasado ou faltar muito pode parecer só trazer conseqüências desagradáveis (punições), como repreensivo, desconto do salário etc. No entanto, uma análise funcional mais detalhada pode revelar que aquele indivíduo com suas faltas ou atrasos se livra (refarçamento negativo) de urna situação muito mais aversiva como executar uma tarefa desagradável ou encontrar um supervisor agressivo. É oportuno lembrar que um comportamento freqüentemente tem mais que uma conseqüência, algumas delas em nível encoberto e/ou provenientes do próprio indivíduo, e sempre haverá urna escolha entre as conseqüências mais agradáveis (ou menos aversivas) no momento. Um outro aspecto a considerar é que as conseqüências têm maior impacto sobre o comportamento quando são imediatas. Reforçamento (positivo ou negativo), punição ou extinção atrasados no tempo ou não contingentes costumam não ser eficazes e, freqüentemente, são associados a outros comportamentos que não o comportamento—aIvo. Além disso, o que é uma conseqüência para uma pessoa pode ser um antecedente para outra. Por exempIo quando vemos alguém emitindo um comportamento e sendo reforçado por isso, tal fato pode aumentar a probabilidade de que nos comportemos de maneira semelhante. Ou seja, o reforçamento recebido por alguém passa a sinalizar uma contingência para o meu próprio comportamento. Por último, as conseqüências do meu próprio comportamento podem funcionar como antecedentes para outros comportamentos adicionais (encadeamento). Escapa ao objetivo deste capítulo fazer uma análise ou descrição conceitual dos princípios de Análise do Comportamento, uma vez que tais conceitos são extensamente descritos por inúmeros autores: Skinner (1953), Keller (1966), Ferster (1977), Milienson (1975) etc., inclusive o capítulo 1 deste livro. Entretanto, apenas para resumir, podemos considerar que existem dois tipos de conseqüências: as conseqüências que aumentam a probabilidade de ocorrência do comportamento e as conseqüências que diminuem a probabilidade de ocorrência. 1. Conseqüências que aumentam a probabilidade de ocorrência do comportamento O grande interesse dos profissionais que trabalham em empresas é aumentar a probabilidade de ocorrência, a freqüência e a intensidade de determinados comportainentos considerados adequados ou desejáveis no ambiente de trabalho. Inúmeros programas de treino em comunicação, melhora das relações de equipe, incremento da cooperação etc. são planejados com o fim específico de aumentar determinados comportamentos dos indivíduos. Estes programas freqüentemente trabalham com os princípios de retorçamento positivo (uma conseqüência que aumenta a probabilidade de ocorrência do comportamento que a precedeu) ou


reforçamento negativo (a retirada de um estímulo aversivo aumenta a probabilidade de ocorrência do comportamento que a eliminou ou evitou). 2. Conseqüências que diminuem a probabilidade de ocorrência do comportamento Quando um comportamento é seguido por uma conseqüência desagradável, a probabilidade de ocorrência futura deste comportamento diminui. O funcionário que recebe uma advertência por não ter utilizado equipamento de segurança ou que é descontado em seu salário por uma falta são exemplos simples do uso de punição na situação do trabalho. Por outro lado, há situações em que as pessoas emitem um comportamento e não têm nenhum reforçamento positivo. Isto leva a urna diminuição na probabilidade de ocorrência deste comportamento. A extinção é definida como a retirada ou nãoliberação do reforçamento positivo e leva à diminuição ou eliminação do comportamento anteriormente reforçado. Um dos exemplos mais comuns do uso da extinção é o da retirada da atenção (reforço social) que alguém obtém com determinado comportamento. Um problema que ocorre freqüentemente nas empresas é que o comportamento produtivo, adequado, é ignorado pelos supervisores ou chefes envolvidos em lidar com comportamentos inadequados. Assim, o comportamento desejado é ignorado e vai caindo até níveis bem pouco desejáveis. Quando passa a ser inadequado, chama a atenção dos chefes e assim instala-se um comportamento indesejado devido ao manejo inadequado das conseqüências. Para concluir, ainda que todas as conseqüências sejam úteis, o uso do reforçamento positivo é o meio mais eficaz (e menos danoso em termos de substratos emocionais) para obtenção e manutenção de comportamentos desejados. A punição e extinção enfraquecem o comportamento mas levam a conseqüências desagradáveis como estresse e ansiedade indesejáveis na situação de trabalho. Por outro lado, os reforçadores positivos são muitos e facilmente disponíveis nas empresas. Atenção, prêmios, aceitação e reconhecimento social, folgas ou férias são exemplos de reforços positivos freqüentemente utilizados nas instituições de trabalho. Como vimos, a Análise do Comportamento Organizacional é vital para a implementação de reformas em direção às tendências do mundo moderno. O domínio das técnicas de Análise do Comportamento é um valioso recurso para o profissional de RH, dirigentes, administradores e homens de negócio que estão envolvidos neste grande processo de mudança e transformação da nossa sociedade. As vantagens do domínio desta tecnologia comportamental residem no fato de que as mudanças desejadas podem ser planejadas e executadas com grande previsibilidade. Observamos que a necessidade de mudança nem sempre é seguida por uma transformação na direção correta. Muitas vezes, elas ocorrem de uma forma caótica, levando a resultados destrutivos ou com desperdício de recursos. Portanto, se o mudar é necessário, que o sucesso não fique à deriva. O sucesso pode ser fruto de um trabalho metódico, bem planejado e reforçador para todos que dele participam.


Estratégias de mudança no comportamento organizacional Uma série de estratégias de modificação do comportamento organizacional foram desenvolvidas. Como um dos primeiros passos. está a identificação dos eventos comportamentais em que os supervisores são treinados a detectar os problemas dos empregados em termos de eventos comportamentais observáveis e mensuráveis. Construtos como atitudes ou valores são definidos de forma a poderem ser observados e medidos. Isto é dificil, já que as pessoas referem-se aos problemas dos empregados como tendo “atitudes negativas” ou estando “desmotivados”. Após este primeiro passo, os supervisores são ensinados a medir a freqüência de ocorrência dos comportamentos e perceber o momento em que eles ocorrem. Uma vez que não é possível fazer o registro de cada ocorrência, pode-se ensinar, por exemplo, o método de amostragem em que é observada a ocorrência de um comportamento duas vezes por dia, por exemplo, em uma base randômica. Assim, ao observar vários subordinados dessa forma, o supervisor terá uma visão geral ou uma linha de base da freqüência e circunstâncias em que o comportamento ocorre. Além disso, mostra-se como observar os eventos que ocorrem imediatamente antes do comportamento em questão (antecedentes) e os que ocorrem após (conseqüentes). Quando se observa o que vem antes e o que vem depois, faz-se a análise funcional descobrindo-se o que propicia a ocasião para aquele comportamento e que tipo de coisas são reforçadoras ou mantêm o comportamento. Após analisarem funcionalmente os comportamentos. os supervisores podem desenvolver estratégias para aumentar comportamentos desejáveis e/ou diminuir ou eliminar os comportamentos indesejáveis. Ou seja, planeja-se reforçamento ou extinção dos comportamentos adequados. Outro passo é ensinar aos supervisores as vantagens do uso do reforçamento positivo em relação à punição. Estamos muito acostumados a utilizar a punição como forma de mudar os comportamentos. Porém, é necessário saber que embora a punição realmente suprima comportamentos, não os faz permanentemente, além de criar ressentimentos contra quem as emprega. Neste sentido, é importante estabelecer um programa de reforçamento positivo e manter um registro sobre esses procedimentos e seus resultados. A seguir, deve ser enfatizada a importância de se utilizar o uso de reforçamento imediatamente após a emissão dos comportamentos. Deve ficar bem claro para o supervisor e os trabalhadores a relação se-então, ou seja, se emitido o comportamento produtivo, então, e somente então, o supervisor deverá reforçar. A isto chamamos ser contingente. E mais: quanto mais próximo o reforçamento está do comportamento desejado, mais fortemente se instalará este comportamento. Por último, é importante lembrar que, manter registros desses procedimentos permite ao supervisor não só verificar as mudanças ocorridas passo a passo no comportamento de seus subordinados, como também a mudança de seu próprio comportamento. Isto é conseguido pela comparação da taxa dos comportamentos que ocorreram antes da estratégia de intervenção com a taxa dos que ocorreram depois da mesma. Dentro do planejamento estratégico, os Programas de Qualidade Total que se alastraram no país nos últimos anos indicam a necessidade que as instituições têm de se ancorar em programas de mudança bem definidos ‘ direcionados para as


tendências do futuro. Controle de Qualidade Total é um sistema administrativo que envolve todas as dimensões que afetam a satisfação das necessidades das pessoas e, por conseguinte, a sobrevivência da empresa. Estas dimensões sao: a) qualidade, ligada à satisfação do cliente interno ou externo; b) custo, envolvendo não só o custo final do produto ou serviço, mas também o custo intermediário; c) entrega, em que são consideradas as condições de entrega dos produtos e serviços; d) moral em que se mede o nível médio de satisfação (decorrente da taxa de reforçamento) das pessoas; e) segurança dos empregados e usuários dos produtos e serviços. Se o objetivo é atingir a qualidade total, deve-se medir os resultados para saber se esse objetivo foi alcançado ou não. Neste sentido, novamente fica evidente a adequação do modelo de Análise Funcional do Comportamento. Neste modelo, como já vimos, é indispensável a identificação dos comportamentos-alvo, planejamento de contingências específicas e mensuração posterior para avaliar o efeito dos procedimentos utilizados. Em última análise, o que se espera é a excelência empresarial e ela envolve os comportamentos organizacionais e individuais. Portanto, o nível de desempenho de cada elemento da organização poderá contribuir, mais ou menos, com os resultados da mesma. Assim sendo, como podemos integrar a tecnologia comportamental às estruturas organizacionais e empresariais? Em primeiro lugar, é necessário partir da visão da empresa que é uma projeção do que se espera que a instituição seja no futuro. Ao se fazer a projeção do que se espera que a empresa venha a ser, novamente estamos falando do levantamento do que seja reforçador, quer em termos econômicos, quer pessoais e organizacionais. A partir deste levantamento, será estabelecido um plano estratégico em que cada passo do processo comportamental é identificado, os antecedentes bem definidos e as conseqüências bem escolhidas. Com a clareza de objetivos e planejamento estratégico operacional bem definido, qualquer programa poderá ser implantado e avaliado a posteriori. Uma palavra final diz respeito à necessidade de se converter objetivos em resultados. Isto só é possível a partir do momento em que os objetivos são definidos operacionalmente. isto é, de maneira descritiva, com linguagem objetiva e passível de mensuração e avaliação. A gestão empresarial baseada em fatos e dados é crucial para o bom desenvolvimento do trabalho. Sempre que possível, as metas devem ser quantificadas e qualificadas, o sistema de controle dos resultados deve ser implementado e, periodicamente, divulgado para toda a empresa. Com esses instrumentos em mãos, é possível planejar as contingências do ambiente de trabalho, selecionar as pessoas com repertório mais próximo aos comportamentos


organizacionais esperados ou treinar os comportamentos necessários. Neste sentido, é que há uma grande necessidade do levantamento completo do potencial humano da empresa e um trabalho de capacitação e requalificação deste potencial em nível de treinamento para garantir que os procedimentos serão executados conforme o planejamento previsto. Em resumo, a aplicação da Análise do Comportamento nas empresas é um campo amplo e extremamente importante. Pode-se planejar desde treinamento de habilidades específicas, como melhoria da comunicação, incremento e melhoria da cooperação, compreensão e uso adequado da competição, até a formação de equipes e aumento de comportamentos adequados entre os vários membros da equipe. Com conhecimento e aplicação adequada dos princípios de Análise do Comportamento pode-se planejar um ambiente adequado, onde a excelência de desempenho leve à conseqüente excelência em produtos e serviços, o que propiciará um ambiente mais reforçador para todos.

Referências Ferster, C. B., Culbertson, S. e Boren, M. P. Princípios do comportanlento. São Paulo: Hucitec, 1977. Keller, F. 5. e Schoenfeld. W. S. Princípios de psicologia. São Paulo: Herder, 1966. Milienson, J. R. Princípios de análise cio comportamento. Brasília: Coordenada. 1975. Skinner, B. F. Science and hunan behavior. Nova lorque: Macmillan, 1953.


22 Psicologia e odontologia Liliana Seger Jacob A finalidade deste capítulo é evidenciar a inter-relação entre a Odontologia e a Psicologia. O trabalho multidisciplinar tem sido bastante difundido e atualmente sua importância é cada vez maior. Conhecemos a cada dia mais técnicas de terapia comportamental-cognitiva que nos auxiliam em diversos aspectos na clínica, a tecnologia que nos brinda com aparelhos cada vez melhores e que nos leva a dar um suporte ao paciente. Porém, de que adiantaria esse instrumental se não tivéssemos a capacidade de ouvir, entender e analisar os problemas de nossos pacientes. As áreas de atuação dos psicólogos vêm se desenvolvendo cada dia mais, se ampliando e propiciando o surgimento de um dos mais frutíferos avanços da psicologia clínica, que é a medicina comportamental/psicoloma da saúde. Conceitualmente a medicina comportamental nada mais é do que um amplo campo de integração de conhecimentos que procedem de diversas disciplinas, dentre as quais cabe ressaltar as biomédicas (anatomia, fisiologia, endocrinologia, epidemiologia, neurologia, psiquiatria etc.) por um lado, e as psicossociais (aprendizagem, terapia e modificação do comportamento, psicologia comunitária, sociologia e antropologia etc.) por outro. Esses conhecimentos se dirigem a promover e manter a saúde, a prevenção, o diagnóstico tratamento e a reabilitação da doença. A característica fundamental que define a medicina comportamental é a interdisciplinaridade: conjunto integrado de conhecimentos biopsicossociais para a resolução de problemas práticos no amplo campo da saúde e da doença. No entanto, se não é nova, a idéia se nos apresenta como um novo estilo de trabalho e pesquisa caracterizado pela busca e aplicação de conhecimento interdisciplinar ao extenso campo da saúde humana, sendo seu ingrediente essencial esta integração de conhecimento empírico procedente dos esforços interdisciplinares de pesquisas (Gentry, 1984). Existem várias definições de medicina comportamental, porém todas ressaltam três características básicas: 1. Sua natureza interdisciplinar ou a integração do conhecimento relacionado com a saúde e a doença, o que supõe o reconhecimento explícito da gênese multifatorial das mesmas. 2. Seu interesse pela investigação dos fatores comportamentais que contribuem para a promoção geral da saúde e ao desenvolvimento, prevenção e tratamento da doença, isto é, o reconhecimento formal da natureza recíproca das relações entre os aspectos biofísicos e psicossociais.


3. A aplicação de estratégias comportamentais para a avaliação e o controle ou modificação deste tipo de fatores, ou a convicção da necessidade de ampliar estratégias convencionais de atuação do tipo biomédico. Para finalizar, uma quarta característica importante é que, embora não apareça em todas as definições, mas na maioria delas, é o seu duplo caráter, tanto básico, quanto aplicado (Agras, 1982: MilIer, 1983). Portanto, deve-se ressaltar a evidência de que a saúde ou a doença, de qualquer tipo que seja, dependerão, em sua gênese e manutenção, tanto de variáveis internas ou procedentes do próprio organismo, como de variáveis externas ao sujeito, relacionadas com seu ambiente. Ainda que ambos os tipos de variáveis sejam sempre importantes, o grau de sua participação será diferente em cada tipo de processo, transtornos ou doenças. As variáveis relevantes, interdependentes e multideterminantes do transtorno são tantas e tão diversas que seria impossível listá-las. Desde o organismo, ou variáveis internas do sujeito, o conjunto inclui variáveis orgãnicas, somáticas ou biofísicas (genéticas, anatomotisiológicas, bioquímicas, endócrinas, imunológicas etc.) que são básicas na cura e no adoecer, contribuindo no processo ou estruturalmente no funcionalmento As variáveis comportamentais ou psicológicas (percepções, pensamentos, expectativas, motivações, sentimentos, hábitos, comportamentos de risco, habilidades ou recursos, respostas à doença etc.) também contribuemn poderosamente nos processos de cura e adoecer. Devemos citar ainda as variáveis externas ou ambientais, características do ambiente físico (geográticas, climáticas etc.) e os aspectos sociodemográficos e psicossociais (sexo, raça, status socioeconômico, religião. relações familiares, interações sociais etc.). Entre estas variáveis. as mais significativas são aquelas relativas aos estímulos ambientais estressantes, ao suporte social, e aos comportamentos das pessoas significativas próximas ao sujeito. Em relação aos estímulos ambientais sinalizamos as percepções do sujeito na determinação das respostas e estados de estresse e seu impacto na saúde (citado no decorrer deste capítulo). Com relação ao suporte social. definido como a proteção que o sujeito tem de sua rede social e as conseqüências positivas derivadas das suas relações sociais, pelo seu papel protetor ou amortecedor do impacto dos estímulos estressantes. Finalmente, os comportamentos das pessoas significativas para o sujeito, por seu papel potencializador, inibidor ou regulador dos próprios comportamentos, especialmente os relacionados à doença e ao papel de doente. Portanto, temos claro que o mecanismo “gerador’ de doenças vai muito além das variáveis biofísicas, associando-se os fatores socioculturais, ambientais e com portamentais no gerar, precipitar, exacerbar e manter doença física, especialmente a crônica. Deve-se ressaltar ainda, que esses fatores também estão implicados na prevenção dada a importância que os fatores comportamentais têm, no gerar o problema, a intervenção precoce sobre estes (facilitando estratégias de enfrentamento ao estresse, mudando estilos de vida. eliminando comportamentos de risco etc,).


A contribuição das diversas variáveis implicadas na geração da doença é muito diferente para cada tipo de transtorno. Entremos finalmente nas doenças odontológicas e as inter-relações desta área com os problemas que são iniciados, agravados ou perpetuados por aspectos psicológicos. A Psicologia aplicada à Odontologia não é uma especialidade odontológica, nem um ramo da psicologia. É uma atitude geral que postula uma visão integrada do homem, na sua unidade corpo-mente considerando seu ambiente físico e seu meio sociocultural. Para que se possa estabelecer uma relação odontólogo-paciente satisfatória, o primeiro necessita saber o que pode ocorrer ao corpo do indivíduo quando seu estado emocional está alterado e o que pode ocorrer ao estado emocional e ao comportamento do indivíduo quando seu corpo adoece os fatores psicossomáticos e os somatopsíquicos. Deve-se ter uma noção clara de que o homem é um ser biopsicossocial e que qualquer alteração em uma dessas unidades alterará as outras. Já é notório o fato de que não há, nem pode haver, uma separação entre psique e soma, o que um experimenta o outro exprime. Portanto, para que se obtenha um completo tratamento, é necessário conhecer que alterações no nível do corpo e dos processos mentais ocorrem, em termos fisiológicos ou funcionais, simultaneamente. Tanto o cirurgião-dentista quanto o psicólogo necessitam saber se os fatores emocionais estão modilicando a doença e influindo no paciente e de que forma e em que extensão. Deve-se ressaltar que um trabalho é feito pelo odontólogo e outro pelo psicólogo, porém, é um trabalho paralelo e concomitante. O cirurgião-dentista avaliará o paciente focalizando no seu diagnóstico a sintomatologia física e seus componentes psicológicos. Conhecendo quais os distúrbios psicológicos que podem agravar certas doenças e suas possíveis implicações, tanto no tratamento quanto no próprio paciente, o odontólogo deverá saber quando e como encaminhar esse paciente ao psicólogo para um tratamento integrado. Já o psicólogo deverá possuir conhecimentos e noções básicas de Odontologia. As noções básicas compreendem anatomia, fisiologia do aparelho estomatognático e o conhecimento das doenças que têm um comprometimento emocional; sua etiologia, manifestações clinicas e evolução. A Psicologia aplicada a Odontologia se aplica em todas as especialidades odontológicas que abarcam desde o clínico geral até os especialistas em suas respectivas áreas de atuação; Odontopediatria-ortodontia; pacientes com hábitos inadequados (sucção do polegar, onicofagia, sucção de língua, lábios, bochechas), medos, fobias, dificuldades do uso de aparelhos etc. Periodontia; pacientes portadores de doenças periodontais como a Guna (gengivites). que se submeterão cirurgia periodontal e Motivação à Higiene Oral. Disfunção da A TM (articulação temporomandibular); Pacientes com hábitos orais Como bruxismo ou briquismo, estresse e distresse, tensão muscular nas regiões de cabeça e pescoço, doenças psicossomáticas e dor crônica.


Cirurgia oral; prognatismos, somatopsíquicos etc.

retroprognatismos,

tumores

faciais,

aspectos

Reabilitação do paciente portador de fissuras lábiopalatais; Pacientes com deformidades buco-faciais. Prótese; Pacientes com dificuldades de adaptação ou aceitação a próteses, efeitos emocionais da perda dos dentes etc. Geriatria; Características da 3ª idade. implantodontia; Possibilidades impossibilidades diante da cirurgia e todas suas implicações emocionais.

ou

Pacientes especiais; deficientes auditivos, visuais, físicos, mentais, autistas, paralíticos cerebrais, pacientes sindrómicos, gestantes, ou seja, todos os pacientes que requerem cuidados e tratamentos especiais. Em cada uma destas especialidades, encontram-se diversos tipos de atuação do psicólogo; Exemplo 1 Em um paciente com GUNA (Gengivite ÚlceroNecrosante Aguda), que é uma doença periodontal, o psicólogo deverá saber que esta afecção é agravada quando o paciente se encontra sob estresse e o odontóloco deverá saber se nesse paciente o estresse está agravando a afecção. Cita-se como fator etiológico uma má higiene oral, ou seja uma inadequada higienização dos denes associada a uma queda da resistência do organismo e o fator estresse. O fator psicológico na etiologia da Guna tem sido apontado por diversos autores. Moufton sinalizou que a característica mais importante foi uma aparente precipitação da infecção por uma aguda ansiedade vinda de situações de vida ou conflitos a respeito de dependência ou necessidades sexuais. Em outros estudos, investigou os fatores emocionais na doença penodontal e nos pacientes portadores de Guna e encontrou que todos tinham sérios problemas de adaptação emocional em suas respectivas situações de vida. Alguns autores afirmam que o estresse é o fator etiológico principal da Guna, outros afirmam exatamente o inverso, relegando o estresse a um segundo plano. Acredita-se não ser necessário uma conclusão absoluta, de quem é o “mais” ou o “menos” responsável pelo aparecimento da Guna e sim, é importante saber que existe o componente emocional, e este deve ser tratado, bem como avaliado seu grau (freqüência, intensidade e duração) em cada paciente. Exemplo 2 Em uma paciente com disfunção da ATM (Articulação Temporomandibular). o psicólogo deverá saber o que é ATM, disfunção da ATM, sua etiologia, sinais e sintomas, músculos envolvidos nessa região. Essa disfunção será detalhada adiante. Exempio 3


Já em um paciente com queixa de sucção do polegar, o psicólogo deverá saber que este hábito interfere nos maxilares e na posição dos dentes, podendo causar problemas de oclusão etc. Exemplo 4 No caso de próteses deve-se ter uma noção sobre o que é uma prótese fixa, removível, parcial ou total. Como se pode discutir com tim paciente resistente à prótese se não se sabe o que é’? É importante salientar novamente que esse mesmo tipo de conhecimento é requerido quando um psicólogo se dedica em alguma área de psicologia da saúde. Os conhecimentos de diversas especialidades devem estar integrados para que seja possível um trabalho muitidisciplinar. Um outro aspecto que deve ser ressaltado é que o tratamento efetuado pelo psicólogo com os pacientes odontológicos não consiste em uma psicoterapia propriamente dita, em que são analisadas todas as situações trazidas pelo paciente. Neste caso, o paciente não veio procurá-lo com essa finalidade. Ele veio para ser atendido por um profissional que não é um odontólogo, mas que irá atuar paralelamente a este. Em segundo lugar, o paciente quer saber qual é a relação entre o “seu problema” e o psicólogo. Nem sempre esta relação está clara. Deve-se esclarecê-la usando dos conhecimentos de Odontologia e Psicologia, aos quais nos referimos anteriormente, para se poder estabelecer as relações entre a sintomatologia física e os componentes emocionais agravantes. Acredita-se ser de vital importância, esclarecer que a psicoterapia consiste numa Terapia Breve denominada de TCD ou seja Terapia Centrada na Disfunção. Na TCD a prioridade está no componente emocional que está agravando a sintomatologia física, muitas vezes causando-a. Uma vez que o paciente tenha aprendido a lidar com as situações que lhe trazem estresse, ou seja, quando tiver eliminado a queixa, o tratamento estará concluído. Quando o aspecto psicológico não intervir mais negativamente com o soma, provavelmente o paciente aprendeu a “lidar” com suas cognições. Entretanto isto não signiIca que o paciente estará apto a lidar com todas as áreas de sua vida, mas que estará apto quanto ao problema da disfunção (queixa principal). Caso o paciente sinta necessidade de prosseguir a psicoterapia abrangendo outras áreas, o psicólogo deve comunicar ao odontólogo, avisando-o que quanto ao problema da disfunção, hábito ou qualquer que tenha sido o motivo do encaminhamento, seu trabalho terminou e em seguida, caso o paciente opte por prosseguir o trabalho psicoterapêutico, poderá fazê-lo com este ou outro psicólogo. De um modo geral, os pacientes que optam por prosseguir, permanecem com o mesmo profissional. Como descrito anteriormente, a área de trabalho é bastante extensa, porém o estresse é o denominador comum a quase todas. O estresse tem seus efeitos no profissional (dentista e psicólogo), equipe e paciente. A cada consulta, novas atuações do odontólogo são necessárias, acrescendo a isto que esses pacientes dependendo de seu estado de saúde médico-odontológica, acabam exigindo que o cirurgião-dentista se adapte a cada nova sessão. Essa adaptação implica observar o estado físico e emocional do paciente, planejar a intervenção e manejar as habilidades específicas deste paciente para esta situação. Neste aspecto o


psicólogo também intervirá, ajudando o dentista a reconhecer comportamentos inadequados, bem como utilizará técnicas comportamentais para readequar esse paciente ao tratamento em questão. Muito se tem escrito e pesquisado a respeito do estresse e de seus efeitos no comportamento e no organismo. De uma maneira geral, o simples fato de falarmos em dentistas, já é capaz de provocar uma série de reações de ansiedade nas pessoas. É fato que não se pode generalizar atuações em nenhum paciente e menos ainda em pacientes com histórias e experiências tão diversas. As relações entre o estresse e as doenças não são simples, existindo notáveis diferenças entre os indivíduos em sua resposta a situações estressantes. Por isso, teremos que considerar como fundamentais os fatores de predisposição, que tornarão os sujeitos mais ou menos vulneráveis, as capacidades, as habilidades ou os recursos do indivíduo para enfrentar as situações estressantes e o suporte social do sujeito. Como foi descrito anteriormente, o estresse torna- se um denominador comum na maioria dos problemas odontológicos. Obviamente em áreas como odontopediatria e outras, fatores como ansiedade, medos e fobias são inúmeros, porém neste capítulo nos ateremos ao estresse. Para maiores informações sobre outros aspectos remeter-se à bibliografia adicional.

Definição de estresse O estresse é definido como uma resposta não específica do organismo a qualquer mudança ambiental. O organismo tenta adaptar-se, elaborar um comportamento na presença de uma situação, diante da qual seus padrões habituais de referência encontram-se superados; de modo que, o seu repertório pessoal de respostas comportamentais se revela insuficiente. Quando o organismo não obtém sucesso nessa adaptação, rompe-se o equilíbrio, a estabilidade orgânica, chamada de homeostase. Alguns fatores contribuem para romper esse equilíbrio — são os chamados eventos estressores. Torna-se importante ressaltar que entre esses eventos, existem alguns comuns a uma grande maioria de pessoas e outros muito particulares. Não há portanto uma única origem ou causa de estresse, não há uma única cura ou resposta. Para Hans Selye (1936), o estresse se caracteriza pela alteração fisiológica que se processa no organismo quando este se encontra em uma situação que requeira dele uma reação mais forte que aquela que corresponde à sua atividade orgânica normal. Em 1911, Cannon já chamava o estado de equilíbrio funcional de homeostase. Voltando a Selye, ele definiu a reação de estresse como a Síndrome de Adaptação Geral (SAG) e descreveu a reação de alarme primeira fase: o organismo mobiliza-se por inteiro para reagir ao estressor, o corpo todo prepara-se para a ação de luta ou fuga, por meio de reações bioquímicas. As glândulas endócrinas liberam substâncias incluindo adrenalina, provocando taquicardia, taquipnéia. maior oxigenação do sangue, os músculos tensionam-se. a circulação periférica aumenta, os processos


digestivos interrompem-se e o corpo mantém-se em equilíbrio para enfrentar a situação ou fugir. Portanto, diante de uma situação ameaçadora ou vista como tal pelo indivíduo, o organismo se prepara para agir, há o mecanismo de luta ou fuga. Na fase de resistência, uma vez que agimos (luta OU fuga), o organismo repara o dano feito pelo estresse e volta à sua situação de prontidão relaxada ou fase refratária. Porém, quando a situação persiste e o estressor não desaparece, mantém-se a fase de alarme, o organismo altera seus índices normais de atividade orgânica e concentra o processo de reação interna em um determinado órgão — temos então o SAL — Síndrome de Adaptação Local, ocorrendo, portanto. a fase de exaustão que provoca o Distresse, ou seja, o estresse maléfico para o organismo, desenvolvendo-se neste estágio as patologias (úlceras, infarto, guna etc.). Sabe-se que, até um certo nível, o estresse é essencial para o desempenho humano, para a preservação da sida. Conforme sua magnitude, ele pode provocar reações extremamente valiosas para o indivíduo. Esse esIresse, quando se torna um desafio estimulante, recebe o nome de Eustresse, ou seja, estresse benéfico (por exemplo, urna motivação que aumente um desempenho). Deve-se lembrar que. sob estresse. ocorre um gasto de energia no organismo, independente de ser um distresse ou Custresse. A resposta de estresse consiste na produção de esteróides do córtex adrenal e a produção de adrenalina pela medula adrenal e nervos simpáticos. Caso a produção dessas substâncias continue por um período prolongado, ocorrem várias complicações médicas como: diminuição do sistema imunológico, elevação da pressão arterial, elevação do colesterol, elevação da glicose, elevação dos batimentos cardíacos e irritação das paredes do estômago e trato intestinal. No entanto, se durante o distresse se produzir um relaxamento, este cancelará os efeitos da resposta de estresse. O relaxamento se caracleri/a pela desativação do córtex adrenal e do sistema nervoso simpático. Como resposta, ocorre um decréscimo dos batimentos cardíacos, uma diminuição da pressão arterial e os níveis de colesterol são reduzidos em comparação aos eleitos na resposta de estresse. As respostas do indivíduo ao estresse ocorrem, portanto, em três níveis: fisiológicos, psicológicos e sociais causando mudanças no sistema nervoso autônomo, hormonal, imunológico e neurorregulador. As reações ligadas ao sistema nervoso autônomo, são: taquicardia, aumento da pressão arterial, taquipnéia etc. No nível hormonal, temos aumento na secreção adrenocortical (ex.: cortisol), estimulação no ACTH (hormônio adrenocorticotrópico), hormônios da medula-adrenal (ex.: catecolaminas, especialmente adrenalina e noradrenalina), estimulação da atividade do nervo simpático, etc. O que determina a resposta de estresse de uma pessoa é a forma que ela percebe os estressores, ou seja, suas cognições. O que a pessoa pensa, sente, seus valores, crenças e atitudes influenciam na sua resposta física e comportamental ao estresse. Por exemplo, deve-se avaliar se a situação é vista como ameaçadora, desafiante ou estimulante. Sabe-se que de modo geral, quando o paciente entra em um consultório dentário, este sofre um considerável estresse. Esse estresse agrava seu


medo e aumenta a percepção da dor. Se um paciente é temeroso e estiver sob condições de estresse (um final de relacionamento amoroso, uma crise no trabalho, por exemplo), seu medo do dentista aumenta e vem acompanhado de pouca cooperação durante o procedimento. Se o dentista está com problemas, certamente sua tolerância para com as situações também está diminuída. Portanto, vamos descrever algumas características do estresse. Resposta de estresse, inclui fatores psicológicos e fisiológicos. Fatores psicológicos ira depressão hipersensibilidade emotiva Fatores fisiológicos ansiedade pânico angústia insônia alienação dificuldades interpessoais dúvidas quanto a si próprio preocupação excessiva inabilidade em se concentrar em outros assuntos que não o estressor inabilidade em relaxar tédio aumento de sudorese taquicardia taquipnéia hiperacidez estomacal


tensão muscular bruxismo hiperatividade náuseas anorexia alterações no sistema imunológico Se recordarmos a percepção do estresse é o que o torna positivo ou negativo. A forma como a pessoa percebe os estressores determina sua resposta particular de esresse. Vários fatores podem determinar a resistência ao estressor: a saúde individual (nutricional, exercícios), fatores genéticos, tipo de personalidade, suporte social, fatores de persistência, experiências anteriores com estressores e capacidade de manejo do estresse.

Estágios do estresse O primeiro estágio ocorre quando o estressor aparece. Aqui, a resposta de estresse promove uma energia positiva: o eustresse, que é quando ocorre uma melhora da performance e das habilidades. No estágio 2, certos sinais do distresse aparecem, demonstrando que o estressor não foi bem “trabalhado”. A energia complementar é utilizada e aparece o cansaço. Dores de cabeça e tensão muscular estão geralmente presentes. Se a pessoa tem dificuldade para relaxar, freqüentemente aparecem os distúrbios do sono. No estágio 3 do estresse. aparecem os efeitos cognitivos do distresse, A pessoa fica irritada e ansiosa. Sentimentos negativos aumentam e causam uma atitude mental pessimista. No trabalho, a pessoa passa a ter dificuldade de concentração e seu rendimento diminui. Os medos começam a causar preocupações. No estágio 4, o nível de adrenalina está presente e o estoque de energia corporal vai rapidamente diminuindo, com manifestações físicas como: tremores, taquicardias, sudorese e distúrbios estomacais. Caso esse período se mantenha, pode ocorrer o pânico e uma “explosão” nervosa. Basicamente, a reserva de energia está esgotada e a pessoa emocionalmente exaurida, podendo terminar com um infarto e óbito. Além desses 4 estágios do estresse, 5 grupos de efeitos são identificados: fisiológicos. comportamentais, psicológicos, cognitivos e organizacionais. Os efeitos fïsiológicos são: aumento do colesterol e glicose, irritação estomacal e intestinal, hipertensão arterial. taquicardia, taquipnéia, tensão muscular, aumento da produção de esteróides, apertar ou ranger dos dentes, insônia ou dormir demais etc.


Os efeitos comportalnentais mostram como a pessoa reage durante o distresse: impulsividade, propensão a acidentes, hipersensibilidade emotiva (gargalhadas nervosas, explosões de raiva), bebe ou fuma em excesso, mudanças em seus hábitos alimentares etc. Os efeitos psicológicos do distresse podem tornar a pessoa irritável, com sentimentos de culpa, raiva ou ansiedade. Em pacientes com medo, os efeitos sinérgicos aumentam o medo. Pode ocorrer baixas de auto-estima, depressão e sentimentos de solidão. Os efeitos cognitivos podem ser vistos quando a pessoa está muito sensível a críticas construtivas. Os efeitos organizacionais são sentidos com quedas na produção, aumento de acidentes de trabalho etc. Existe uma série de fatores na Odontologia capazes de promover respostas de estresse, mas conforme já visto, a forma como cada indivíduo, em particular, “percebe” essas respostas é que determina sua resposta em particular. De maneira geral, muitos fatores estressores são derivados do atendimento odontológico. Os fatores ambientais do cirurgião-dentista podem ser as pressões econômicas e financeiras, pressão com o tempo, demandas no trabalho, trabalho com pacientes ansiosos e pouco cooperativos, infringir dor, limitação visual do campo operatório, barulhos do equipamento, radiação, exposição a doenças, efeitos do trabalho prolongado em determinada posição física, repetição do trabalho, passar o dia todo confinado em um consultório, competição profissional etc. Já no paciente, também ocorrem alguns dos fatores citados acima. Os fatores emocionais, o comportamento dos pacientes, da equipe de trabalho (assistentes, recepcionista etc.), também interferem no ambiente de trabalho, atitudes públicas negativas etc. Os fatores interpessoais e intrapsíquicos, ou seja, a forma pessoal como avaliamos as sïtuações, os pensamentos. valores e crenças são cruciais para o desenvolvimento maior ou menor de respostas de estresse. Todos os fatores citados não são estressores para todas as pessoas: o que muda é a avaliação individual destes para cada um. Basicamente, uma forma. para avaliar o paciente com respeito ao estresse seria perceber suas respostas tIsiológicas, psicológicas e sociais no contexto odontológico. Por exemplo, um paciente que, ao sentar na cadeira odontológica, apresenta sinais de taquicardia, sudorese excessiva, sialorréia, tremor, tensão muscular, está mostrando que a situação está sendo vivenciada como ameaçadora. Uma alternativa seria identificar quais são os eventos que propiciaram essas respostas: o que este paciente está temendo? ele tem medo da anestesia? está ansioso por desconhecer o que acontecerá? está antecipando uma situação negativa pela qual ele já passou? está assim pois permanece com dor? Deve-se iniciar avaliando o que ocorre. Quais são suas respostas psicológicas? Ele está irritado, deprimido, ocorre hipersensibilidade emotiva (risadas nervosas ou choro compulsivo)? Demonstra inabilidade em se concentrar ou relaxar, mostra-se alienado?


Provavelmente um paciente que evidencie algumas destas características está vivenciando a situação como ameaçadora e seu organismo não encontra uma forma de adaptar-se a esta situação. Caso o profissional também esteja numa situação de estresse, sua atuação também evidenciaria algumas respostas do tipo: pouca tolerância com o paciente. sudorese excessiva ou ansiedade e ira, vontade de utilizar algumas técnicas que rapidamente “tranqüilizem” esse paciente etc. Uma alternativa seria uma avaliação comportamental e cognitiva (pensamentos e sentimentos do paciente nessa situação), seguido de um relaxamento. Caso o paciente esteja vivenciando, nessa situação, um problema específico, uma avaliação e relaxamento provavelmente serão suficientes, porém, se esse paciente está com distresse (estresse crônico), será necessário um acompanhamento psicológico, quando serão avaliadas todas as situações eliciadoras de ansiedade e formas de lidar com as causas de tensão. Sabe-se que as alterações do comportamento são influenciadas pela relação do paciente com a família, com o profissional, pelas experiências odontológicas anteriores etc. Uma conduta sugerida seria conduzir uma avaliação comportamental avaliando quais são as situações potencialmente estressoras para cada paciente.

Uma sugestão de avaliação geral: 1. Avaliação do transtorno específico em suas diínensões ou parâmetros mais relevantes: — freqüência — intensidade — duração 2. Identificação de circunstâncias internas ou externas relacionadas com modificações ou osciloções do transtorno: — fatores precipitantes — fatores agravantes — fatores amenizantes 3. Conseqüências cio transtorno nos níveis: — pessoal — familiar e social — de trabalho 4. informação e percepções do paciente sobre o seu transtorno:


— causas — sintomas — tratamento 5. Evolução do tratamento e grau de aderência ou seguimento das prescrições do tratamento; 6. Seguimento; No caso de crianças, seria importante avaliar entre outros aspectos algumas questões: (1) Do que e quais as situações em que o paciente tem medo? (2) Como ele(a) se comporta nessas situações? (3) Quais são os sinais que evidenciam o nervosismo neste paciente? (4) Que métodos os pais (no caso de estar com uma criança) usam para acalmá-la? (5) Que resultados são obtidos? (6) Quais são suas maiores dificuldades? (7) Quais são suas aptidões? (8) Com que pessoa ele(a) se relaciona melhor e quais as características de personalidade desta pessoa’? (9) O que ele(a) mais gosta de fazer? (10) O que ele(a) não gásta de fazer? (11) O que mais o(a) irrita? (12) Que fatores o(a) acalmam? Após esta breve avaliação comportamental pode-se traçar metas dentro do tratamento odontológico, que minirnizem as situações potencialmente ansiogênicas para que tanto o paciente quanto o cirurgião-dentista tenham menos reações de estresse. Quanto mais “controlados” forem os passos dos procedimentos menor o desgaste de energia para ambos. Assim como as respostas de estresse variam de uma pessoa para outra, também variam para uma mesma pessoa em diferentes situações. Portanto, se conseguirmos avaliar o que o paciente pensa e sente diante de determinadas situações, poderemos modificar sua conduta. Correlacionando com o estresse, uma outra especialidade que gostaria de citar, ainda que de forma resumida, é a Disfunção da ATM (Articulação


temporomandibular). A ATM é uma articulação bilateral composta da ATM direita e da esquerda, as quais formam uma unidade funcional única. Esta disfunção recebeu inúmeros nomes como Masticatorv pain (Dor mastigatória), Temporomandibular Artralgia (Artralgia temporomandibular), MPDS — MyoFascial Pala Disfunction Syndrome (Síndrome da Dor e Disfunção Miofacial) etc. Com relação a sua etiologia, existem diversas teorias (Teoria do Deslocamento Mecânico, Teoria Neuromuscular, Teoria Muscular, Teoria Psicofisiológica), porém, com exceção da primeira as outras têm como ponto comum o estresse, a tensão muscular e os aspectos emocionais. Com respeito aos pacientes portadores de disfunção da ATM, e, sendo esta uma síndrome psicofisiológica, verificou-se que a maioria dos pacientes possuem certas características de personalidade que freqüentemente os levam a envolver-se em situações psicológicas estressantes. Eles têm mais dificuldades em lidar com essas situações e, quando em estresse tendem a somatizar. Segundo Jacob et ai. (1990), tem-se obtido bons resultados quando é feito o tratamento odontológico concomitantemente com o psicológico. Em outro trabalho. Seger (et. al. 1989) observaram que, dentre os pacientes atendidos com distunção da ATM, 89,6% necessitaram dc atendimento psicológico contra 10,4% que não necessitaram desse tipo de tratamento. Portanto, ainda que haja divergências a respeito do fator etiológico principal, é inegável que os distúrbios emocionais desempenham um papel importante nas disfunções da ATM. Uma das primeiras coisas que o odontólogo descobre sobre esses pacientes é que sofrem de dor e geralmente dor crônica, ou então “várias” moléstias, O clínico atento, ao conduzir a anamnese, perceberá que acabam aparecendo ‘as tensões da vida externa e os comprometimentos emocionais. coniportamentais. sociais e amhientais, que geralmente precedem a instalação dos smtomas agudos. O estabelecimento dos sintomas geralmente á precedido por uma experiência traumática, física ou emocional. Segundo Moody (1982), as mudanças de vida aumentam significativamente durante os seis meses que antecedem a disl’unção e identificou fatores psicológicos na etiologia da síndrome, indicando que a ansiedade e eventos perturbadores de vida estão associados à disfunção. Existem pesquisas que evidenciam certas características de personalidade dos pacientes com dislunção da ATM. Percebe-se que a depressão é muito comum, assim como características de rigidez e perteccionismo e somatização (Jacob, 1992). Outro aspecto que devemos citar á o hábito do bruxismo ou briquisnio, que á o ranger dos dentes em vigília ou durante o sono, produzindo ruídos ou não quando o indivíduo não está mastigando. No bruxismo severo, os eleitos maiores são o desgaste e o aumento da mobilidade dental. Com relação a sua epidemiologia, alguns autores relatam que o bruxismo está presente em 81% dos casos (Olkinuora, 1972). Existem inúmeras pesquisas a respeito de sua etiologia multicausal, e novamente o estresse, a tensão e os aspectos emocionais estão intimamente correlacionados a este hábito. É interessante notar que a percepção do estresse por esses pacientes é muito pequena. Isto pode ocorrer porque aspectos do bruxismo crônico estão constantemente agindo sobre o estresse e, então não se pode determinar quando ele aumenta. Por outro lado, pode ser que o bruxista simplesmente nunca tenha aprendido a reconhecer ou estar atento quando ocorrem mudanças fisiológicas em


seu corpo, durante situações de estresse. Neste caso, mais uma vez ressalta-se o papel do psicólogo em orientar esse indivíduo a perceber a tensão, bem como formas de eliminá-la. Muitos estudos têm mostrado que há uma associação entre bruxismo e tensão muscular geral (dores nas costas, ombros, pescoço e extremidades bem como muitas vezes os pacientes também sofrem de dor em outros grupos musculares como das mãos e do estômago). Os sintomas eram geralmente mais intensos quando os pacientes estavam sob estresse. Muitas vezes é extremamente necessário que o terapeuta ensine a esse paciente técnicas de relaxamento para alívio dessa tensão. Outras técnicas comumente utilizadas são: técnicas de reestruturação cognitiva, técnicas de enfrentamento do estresse (coping), enfrentamento de habilidades sociais, resolução de problemas e diversas técnicas de autocontrole.

Considerações finais A vida á essencialmente um processo de adaptação às circunstâncias em que subsistimos. O segredo da saúde está no ajustamento às condições do inundo, que está permanentemente se modificando. O preço da dificuldade de adaptação está na doença. Muitas pessoas julgam que depois de uma intensa atividade que resulta em um estresse, o repouso pode faier com que se restabeleça a sua energia. Isso á falso. Na verdade, vamos gastando nossas reservas de energia, que não são respostas e assim nossos órgãos mais vulneráveis sofrem as conseqüências. Portanto, não resolve simplesmente descansar, se não cuidarmos da forma como vivemos e sentimos os desgastes. A tensão final do dia processa-se por toda a noite. Lembre-se disso, não somente ao planejar seu dia mas ao planejar sua vida. Caso as dificuldades permaneçam, á importante lembrar que a saúde é biopsicossocial e que um trabalho em equipe nos leva a um progresso, tanto no campo pessoaI, como profissional. A psicologia cognitivo-comportamental ajuda esses pacientes de uma forma exemplar. Não me ative a técnicas específicas dado que estas podem encontrar-se em manuais específicos.

Referências A. B. A.; Pessotti, 1. Psicologia aplicada à odontologia. Ed. Sarvieri, UNICAMP, 1985. Agras, W. S. Behavioral medicine in the 1980s: Nonrandom connections. 1. of Consulting and Clin. Psvchology, 50, 797-803, 1982. Gendry, V. D. (Comp.). Handhook ofbehavioral inedicine. Nova lorque, Guilford Press. 1984. Jacoh, L. S. Perfil de personalidade de pacientes portadores dc disfunção da articulação temporomandibular. Tese de mestrado. USP, 1992.


Jacoh, L. 5.: Galio. M. A.. ct ai. Análise de algumas varláveis relevantes no atendimento psicológico a pacientes portadores de disfonção da ATM. Trabalho apresentado na SPRP, em 1990. Jacob, L. S.: Okino, N. H., et ai. Psicologia e odontologia atendimento a pacientes portadores de disfunção da ATM. Trabalho apresentado na SPRP em 1989. Moraes, Miller, N. E. Behavioral medicine: symbiosis bctweem laboratory and clinic. Annoai Rev. of Psvchology, 34, l983, 1-3l. Monat, A.: Lazarus. R. S .Stress and coping an anthoiogv. Nova lorque: Columbia University Press, 1985, 2 cd. Moody. P. M.: Kemper, J. T.: Okenson. J. P.. et ai, Reccnt life changes and rnyofascial pain syndrome. J. Prosth. Dent 48(3) 328:330. 1982. Olkinuora. M. A psychosomatic study of bruxism with emphasis on mental strain and familiar predisposition factors. Proc. Finn. Dent. Soe., 68: 110-123, 1972. Seger. L. Psicologia e odontologia: unia abordagem integradora. Ed. Santos, l ed., 1988. Seger. L. e Giglio, E. M. A evidência da psicologia na implantodontia. In: Serson, O. Implantes cm odontologia, teoria e iéc,uca. Ed. Artes Médicas, 1985. Seger, L. Ps ira/agia e odontologia. Unia abordagetn olte— gradora. Ed. Santos, 2’ cd. 1992.


23 Enfermarias psiquiátricas Paola Esposito de Moraes Almeida, Rita de Cassia Duarte Neves Braun e Silvana Xavier de Mendonça

Introdução Os objetivos das internações psiquiátricas têm se transformado, no decorrer do tempo, assim como a evolução das técnicas comportamentais utilizadas durante as internações. Uma forma bastante clara de tentarmos exemplificar este processo, talvez seja a escolha de uma patologia específica como o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo). O TOC é um distúrbio de ansiedade, caracterizado por obsessões (pensamentos. sensações ou sentimentos que aparecem contra a nossa vontade) e compulsões (ato mecânico ou cognitivo realizado de maneira repetitiva a fim de diminuir a ansiedade) não sendo necessário o aparecimento conjunto dos dois sintomas. Publicamente. o que se observa é um indivíduo que realiza comportamentos bizarros durante parte do seu dia. No decorrer da história psiquiátrica, tais pacientes foram dificilmente diagnosticados ou tratados de maneira adequada. Quando chegavam a uma internação, esta tinha por objetivo maior corrigir ou iniciar uma medicação, havendo uma preocupação muito reduzida com a adequação do comportamento. O funcionamento global e o enriquecimento de repertórios sequer eram cogitados, apesar de atualmente sabermos da importância destes fatores para pacientes com TOC. Por outro lado, as técnicas comportamentais utilizadas antigamente não favoreciam a reputação do tratamento ou o vínculo necessário entre a equipe e os pacientes. O uso de técnicas de controle aversivo, em que o paciente, ao realizar a compulsão. recebia uma descarga elétrica de baixa intensidade que, mesmo não tendo conseqüências físicas, tinha como objetivo diminuir este tipo de comportamento e, num segundo momento, garantir apenas por sua lembrança o comportamento adequado, são bastante conhecidas, ainda que pouco eficientes. Atualmente, com a evolução das técnicas comportamentais e critérios de internação mais bem estabelecidos, os resultados estáticos da melhora clínica dos pacientes têm sido bastante razoáveis e os procedimentos menos estressantes. Ainda que os propósitos da internação psiquiátrica tenham sido modificados a fim de favorecer a recuperação de pacientes e propiciarem melhores condições para seu tratamento, pouco foi, ainda hoje, esclarecido a respeito dos motivos pelos quais, o que antes visava apenas a contenção e o tratamento farmacológico dos indivíduos considerados perigosos (para si próprios ou para a sociedade) passou, então, a ser encarado como uma opção de tratamento eficaz para pacientes de maior comprometimento.


Esclarecer e discutir a visão da psiquiatria moderna quanto ao modelo comportamental de internação será, portanto, o objetivo deste capítulo, que focalizará as variáveis distintas atuantes neste processo e que se entende, serem determinantes de seus resultados favoráveis

Razões específicas para o uso da terapia comportamental em internação psiquiátrica. Conceber a internação psiquiátrica não mais como uma medida de contenção e sim como a possibilidade de reestruturação do funcionamento global do paciente, enriquecimento de seu repertório, alteração de comportamentos desadaptados e aceleração de obtenção na resposta terapêutica, vem ser uma proposta que traz a necessidade do conhecimento de técnicas e condutas a serem utilizadas conjunta e paralelamente ao tratamento medicamentoso. Ainda que essas técnicas não difiram substancialmente quando em tratamento ambulatorial ou de internação, sua utilização tem-se demonstrado amplamente benéfica neste último caso por acreditar-se que as características especílicas, que fundamentam a opção por uma internação, possam auxiliar na evolução dos programas a serem propostos aos pacientes. O primeiro aspecto que justifica essa afirmação está na diminuição do tempo previsto para o tratamento que no caso de pacientes ambulatoriais, pode estender- se por motivos que, durante a internação, poderiam ser rapidamente, uma vez que muitas variáveis, interferentes no processo de recuperação, seriam facilmente detectadas considerando-se a proximidade entre paciente e a equipe responsável pelo caso. A estruturação de uma equipe multiprofissional, montada basicamente da reunião de profissionais da área de saúde, social e educação é altamente indicada ao tratamento psiquiátrico e garantida no caso das internações. Assim, o entendimento da problemática individual do paciente dá-se de forma ampla, focalizando diferentes aspectos que fundamentam e esclarecem as necessidades terapêuticas de cada caso, o que leva, por conseqüência, a um melhor aproveitamento dos programas a serem realizados sob supervisão da equipe. Já no caso de pacientes ambulatoriais, a demora ou a pouca disponibilidade de profissionais em reunir-se para discussão e elaboração dc propostas conjuntas podem levar a um retardamento deste processo. assim como a pouca supervisão durante sua execução pode levar ao cumprimento desadequado de tarefas ou, simplesmente, ao seu não cumprimento. A agilidade a que se presta os propósitos da internação conta ainda com o favorecimento da equipe para o reconhecimento e o enfrentamento das dificuldades específicas de cada paciente durante a realização de seu programa. Este parece ser um aspecto central que reafirma a importância do vínculo terapêutico na adesão ao tratamento, na medida em que ambos se estreitam conforme o acompanhamento das atividades possa ser sentido pelos pacientes como uma forma de encorajamento e reconhecimento contingentes à realização de tarefas. A equipe, sensível ainda às alterações e aos progressos do quadro. procura avaliar de forma precisa os momentos em que o paciente se encontra favorável para o enfrentamento de dificuldades maiores, escalonadas dentro do programa inicial de avaliação.


Caso ilustrativo 1 “P, um paciente com fobia específica a sangue e ferimento, iniciou seu tratamento em um hospital-dia dentro do modelo terapêutico comportamental. Aos 42 anos e com complicações cardíacas congênitas, o paciente apenas procurou o serviço por haver a necessidade de operar-se em um curto espaço de tempo, havendo risco de vida caso não se realizasse a operação. Após as primeiras avaliações comportamentais, suas dificuldades em lidar com estimulações aversivas específicas da fobia foram escalonadas e um ritmo de enfrentamento progressivo foi estabelecido entre o paciente e os profissionais responsáveis pelo caso. A despeito de sua melhora nos exercícios programados. P não chegava a propor voluntariamente a mudança nos níveis de dificuldades estabelecidos dentro do programa de forma que ficava sempre aos cuidados dos terapeutas oferecer e incentivar o paciente a iniciar o enfrentamento de novas atividades. Esclarecer os possíveis encobertos presentes (pensamentos mórbidos pertinentes aos resultados da operação) e iniciar exercícios de dessensibilização sistemática específicos aos estímulos presentes na situação de cirurgia foram os meios eleitos para o favorecimento e encorajamento do paciente na continuação do tratamento e na busca da realização das atividades em um ritmo próprio.” Medidas como estas servem não somente para a agilização do tratamento, que não mais se demora a espera da próxima consulta para realização de tarefas de maior complexidade, como também possibilita a independência da equipe às referências verbais feitas pelo paciente a cerca de suas realizações práticas. Entende-se aqui, que a substituição de critérios subjetivos do paciente por aqueles objetivos fornecidos pela equipe, sirva ao propósito de impedir que a evolução seja retardada por interferência de sentimentos tais como medo (de passar para uma nova fase mais aversiva), vergonha (de ter fracassado nas tarefas propostas) ou outros não identificados. O estabelecimento de critérios de avaliação que possam ser concludentes quanto à evolução dos casos serve também como forma de prevenir que experiências de fracassos desnecessários e desanimadores sejam computadas ao longo do tratamento por conta de um planejamento estruturado sob interferência de tais aspectos subjetivos. Assim, o favorecimento de experiências gratificantes, em que as contingências sejam programadas em acordo com as possibilidades progressivas do paciente, visa garantir o sucesso do tratamento e impedir o possível desamparo e depressão quando estes apenas prejudicariam e retardariam ainda mais o alcance das metas determinadas. Obviamente que, para tanto, um arranjo artificial de contingências se faz necessário, ainda que a retirada do paciente da situação natural em que os comportamentos desadaptados ocorram possa ser condenável. Estabelecer o treino de comportamentos adequados em situações artificiais pode vir a dificultar a discriminação de relações funcionais determinantes na manutenção das desadequações em ambiente natural e impossibilitar que sejam assim averiguadas as relações entre as contingências controladoras e o comportamento alvo. Para minorar os efeitos deste tipo de intervenção, alguns procedimentos de aproximação entre estímulos artificiais e naturais serão propostos dentro do


programa de avaliação comportamental inicial. Assim, as tarefas a serem realizadas em casa e em exposições in vivo em ambiente natural serão acompanhadas e supervisionadas pelos membros da equipe, ainda que se faça necessária a locomoção desta e do paciente, sempre que viável. Ainda como uma alternativa, a semi-internação, em regime de hospital-dia, vem contgurar uma nova e moderna proposta, planejada a fim de evitar o afastamento total do paciente de suas atividades diárias e do convívio familiar e social. Os resultados conseguidos a partir deste modelo, têm-se revelado bastante pertinentes na obtenção e manutenção dos lucros acrescidos durante a internação de maneira que, a preservação dos outros repertórios, que não os solicitados para tratamento, possa ser assegurada. Sabendo-se que muitos dos pacientes com indicação para internação têm um repertório empobrecido por conta da perpetuação de seu sofrimento durante os anos em que o tratamento não foi efetivo, incentivar que novas tarefas sejam executadas fora do ambiente hospitalar pode vir a ser também uma meta dentro da programação terapêutica específica de muitos casos.

Caso ilustrativo 2 “R, 23 anos, homem, com diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo desde os seis anos de idade, apresentando rituais de lavagem de duração de aproximadamente sete horas diárias e outros pequenos rituais de verificação, foi submetido a exercícios de exposição e prevenção de resposta com redução de rituais referidos pela família de 809f. No entanto, devido ao baixo repertório para lidar com situações cotidianas, um funcionamento global bastante prejudicado pelo tempo de evolução da patologia (que chegou mesmo a comprometer períodos de aprendizado social), a elevação de ganhos secundários obtidos com a família, entre outros aspectos, o comportamento desadequado foi mantido não tanto por causa da ansiedade obsessiva e sim, por causa das poucas possibilidades de atuação em seu ambiente natural. Seu tratamento focalizou a necessidade de incentivar e encorajar novas investidas em atividades que nada tinham em relação direta com o TOC e que fossem de seu interesse ainda durante o período de semi-internação. Em pouco tempo, R retornou aos estudos, retomou contato com amigos e o interesse em relacionamentos afetivos, até então, pouco explorados.” Contar com o acompanhamento intensivo durante a realização dos procedimentos, dentro ou fora do ambiente hospitalar, o amparo técnico fornecido pela equipe e o encorajamento para novas atividades que não as estritamente ligadas ao comportamento alvo servem ao paciente, na medida em que propiciam um maior reconhecimento das variáveis que controlam seu comportamento de maneira que a monitoração de um programa de autotratamento possa ser efetiva mesmo sem a presença dos profissionais após a internação. Aprender a estabelecer relações funcionais e discriminar as variáveis das quais seu comportamento é função serão, portanto, metas a serem alcançadas durante o tratamento. O favorecimento trazido pela situação de internação reside no fato de que a manipulação de variáveis e a facilitação da discriminação será obtida com os


profissionais em diferentes situações propostas, o que pretende garantir que a aprendizagem do paciente se dê a partir das relações diretas com as contingências cuidadosamente programadas tornando-o mais sensível às mudanças de contingências em seu ambiente natural. Ainda favorecida pela internação, a generalização dos comportamentos aprendidos no tratamento é facilitada durante todo o processo uma vez que o contato com os diferentes profissionais amplia a possibilidade de que o paciente esteja se comportando adequadamente mais sob o controle exercido no nível das contingências programadas do que devido ao controle exercido pela figura do próprio terapeuta. Isso visa garantir que os reforçadores naturais, obtidos com a emissão do comportamento adequado, possam ser percebidos para o paciente cumprir seu papel na manutenção destes repertórios em ambiente natural, quando o terapeuta já não mais desempenhar a função de reforçador imediato.

Técnicas Acentuar as especificidades da situação de internação na primeira parte deste capítulo, visou esclarecer um pouco das razões pelas quais se dá preferência a este tipo de intervenção para o caso de pacientes de comprometimento mais acentuado. Esclarecer, rapidamente, algumas das técnicas utilizadas no tratamento tem agora, por objetivo, que se possa conhecer o trabalho desenvolvido durante as internações que se diz beneficiar-se destas especificida dcs. 1. Exposição A técnica de exposição consiste em aproximar o paciente de maneira sistemática e gradual aos estímulos que, inicialmente, lhe são aversivos e geradores de medos ou ansiedade. Esta técnica, deve respeitar algumas regras básicas como: tempo de duração do exercício, escolha e hierarquização de estímulos aversivos, controle sobre as esquivas e sobre os comportamentos de fuga, registro adequado do procedimento e dos níveis de ansiedade atingidos e urna freqüência que garanta a habituação. A racional do tratamento deve ser passada ao paciente antes do início dos procedimentos sendo que este tipo de técnica é utilizada principalmente no tratamento de fobias específicas, agorafobia e comportamentos de evitação. 2. Exposição e prevenção de resposta Consiste das mesmas especificidades da técnica anterior acrescida ainda da prevenção de resposta, ou seja, o indivíduo é exposto a um estímulo que lhe é aversivo e é orientado e/ou supervisionado a não emitir o comportamento desadaptativo que faz parte do quadro. 3. Terapia implosiva Tal como a técnica de exposição, o procedimento de aproximação entre o estímulo aversivo e o paciente proposto sendo que, nesse caso, não há hierarquização de estímulos e sim, um contato direto com a estimulação geradora de medo/ansiedade.


4. Dessensibilização sistemática Consiste na exposição do paciente a estímulo: imaginários, seguido por relaxamento, sendo que, em geral, após cumprir o programa de dessensibilização sistemática, é necessário ainda que sejam realizadas as exposições in vivo. As formas utilizadas para a realização desta técnica são leituras, escritas e fitas K7, feitas a princípio sem a presença do terapeuta, e passando, num segundo momento, para realização individual como tarefa d casa. 5. Exposição introspectlva É a exposição do paciente a uma sintomatologia interna, parte dos quadros de ansiedade, com estímulo alterados como sudorese, padrão respiratório, pareste sias etc. Os recursos utilizados são a hiperventilação, exercícios físicos, estimulação a luz e estimulação labiríntica. 6. Relaxamento Com a utilização de vários métodos diferente (Jacohson, por exemplo), propõem-se um treino de restabelecimento em nível postural de maneira a parar condições geradoras de ansiedade com um estado físico incompatível e ensinar ao paciente o autocontrole sobre sua atividade tïsica. 7. Modelação Muitas vezes proposta como forma de treino (extinção, vicária ou por aprendizagem vicariante), esta acontece condição de reforçamento para comportamentos seguidos pelos clientes e que foram inicialmente apresentados por um modelo adequado. 8. Modelagem Tal como a modelação, é uma técnica que induz o comportamento por conseqüência de um reforço sendo que nesse caso, cada elo da cadeia comportamental que é pretendida como resultado final será reforçada e não apenas o comportamento “pronto”.

Instrumentalização da terapia comportamental em internações A utilização da terapia comportamental como instrumento terapêutico em enfermarias psiquiátrica tem como pré-requisito básico a colaboração e anuência do paciente em questão. O sucesso do tratamento depende diretamente da participação ativa do paciente com a equipe e do cumprimento das atividades a serem realizadas entre as sessões programadas. Além disso, a admissão de um paciente para tratamento nos moldes da terapia comportamental deve levar em conta o tipo de patologia apresentada, pois é sabido que a eficácia desta técnica pode variar de acordo com o problema a ser cuidado. Assim mostra-se mais eficaz nos indivíduos que apresentam doenças obsessivo-compulsivas, fobias, disfunções sexuais, problemas com repertório social, alterações alimentares etc.


Para ser incluído em um programa de tratamento, o paciente precisa primeiro compreender e concordar com o tipo de proposta oferecida (racional terapêutico) assim como com os objetivos do tratamento, e seu problema deve ser definido em termos de comportamento observável, não havendo associação de patologias tais como depressão grave, psicose e dependência de drogas e álcool. Uma vez admitido ao serviço, a equipe se ocupará da programação do tratamento e da negociação, com o paciente, dos passos a serem dados, levando-se em consideração os limites de cada indivíduo. O serviço deve estar organizado de forma que as etapas da avaliação e tratamento sigam uma mesma racional, utilizem instrunientos preestabelecidos (sobre os quais a equipe tem conhecimento total e treinamento de aplicação), de forma a facilitar e agilizar a comunicação entre a equipe, o profissional e o paciente. Uma característica importante e particular da terapia comportamental é o uso da mensuração de parâmetros, sempre da forma mais objetiva possível. A mensuração está presente em todas as fases do tratamento: no levantamento dos problemas, por exemplo, o uso de questionários específicos prevê que o paciente possa quantificar o desconforto em uma situação, de forma a hierarquizar suas dificuldades em diferentes momentos. Com a hierarquização obtida, programa-se então as etapas do tratamento, O início das sessões leva ao uso de registros sistemáticos sobre evolução do paciente, e a mensuração de seus resultados, por meio de escalas de avaliação e auto-avaliação. Nesses registros são obtidos dados sobre desconforto do paciente (ex.: grau de ansiedade de 0-10 durante exposição específica no decorrer do tempo), superação de etapas do tratamento e, eventualmente, a necessidade de alteração do mesmo programa. A comunicação intra-equipe é também de suma importância para a rapidez e eficácia do tratamento. Assim, são desejáveis discussões periódicas sobre os casos, bem como registros escritos por cada um dos profissionais envolvidos. O cuidado com o prontuário de cada paciente passa, portanto, a ser vital para o bom andamento do trabalho e sua revisão constante permite que sejam dirigidas as novas intervenções. Dentro da enfermaria, além das sessões de tratamento específicas e individualizadas, outros meios podem auxiliar e otimizar o trabalho, como, por exemplo, a formação de uma biblioteca com literatura específica, recursos audiovisuais e sala de reuniões para equipe e paciente. Programar e realiiar atividades de discussões em grupos para esclarecimento das diversas patologias e da racional terapêutica dos tratamentos pode garantir que a transmissão de informações, baseada nas dúvidas pessoais de cada paciente, possa ser efetiva e propiciadora de experiências individuais gratificantes por acenar com diferentes modelos de recuperação dentro de um mesmo grupo. Propagar a universalidade de sentimentos e proporcionar a instalação de esperança por meio do confronto entre pacientes em diferentes fases de tratamento pode garantir maior adesão e incentivar que as indicações terapêuticas sejam respeitadas a tïm de obter resultados favoráveis em um período de tempo reduzido.


Todos esses recursos e o conhecimento da técnica de tratamento são indispensáveis para obtenção de bons resultados. Fica claro, no entanto, que no ambiente hospitalar, em regime de internação, o ponto crucial para o funcionamento do serviço se dá no perfeito entrosamento da equipe multidisciplinar.

Conclusão Muitas pessoas têm contribuído de maneira direta e indireta para o sucesso progressivo da aplicação de técnicas comportamentais em pacientes com transtornos psiquiátricos. Pesquisas realizadas nos últimos anos têm revelado dados surpreendentes quanto à eficácia destes métodos quando em comparação ao uso de outros modelos teóricos. Ainda que a proposta terapêutica de linha comportamental não difira das demais propostas enquanto objetiva potenciar o autoconhecimento, induzir a motivação para o tratamento, garantir adesão etc., os meios pelos quais este modelo tenta garantir que sejam alcançadas tais metas têm-se revelado particularmente útil. Dessa forma, o uso de técnicas específicas e bem elaboradas, a possibilidade de mensuração e de manipulação de variáveis, o interesse na manutenção de critérios objetivos e científicos podem esclarecer os motivos pelos quais tem-se ampliado o uso deste modelo nos cuidados de pacientes psiquiátricos, entre outras formas de tratamentos. A aplicação destas técnicas em maior escala não significa, no entanto, que elas tenham perdido a negativa reputação com que conviveram nos anos passados. Isto significa que passa a ser de responsabilidade de quem as conhece e utiliza, explorar meios éticos para garantir que os bons resultados obtidos com sua aplicação, tanto em internações quanto em ambulatórios, possam levar a satisfação dos que a elas foram submetidos e o interesse daqueles que ainda não as conhecem.

Referências Foa, E., Telimans. A. The treatment of obsessive-compulsive neurosis. In A. Goldstein e E. Foa (Eds.) Hardbook o[ hehavioral intervention. Nova lorque, John Wiley e sons, 1980, pp. 416-500. Haber, J.; McMahon, A.; Price-Hoskins, P.; Sidelean, B. Psychiatric nursings, 4 cd., Missauri, Mosby Year Book, 1992, pp. 403-625. Tarlaw, Maxwell. A clinical handbook of behavior lhe raps’s. lO cd. Cambridge, Brooklinc Books, 1989. Yalon, i e Vinogradov. 5. Manual de psicoterapia de grupo, l cd., Porto Alegre, Artes Médicas Sul Ltda., 1992.


24 Manejo do estresse Marilda Novaes Lipp e Lúcia Novaes Malagris Estresse tornou-se um dos assuntos mais estudados nos últimos anos. Livros, revistas e teses têm sido dedicados inteiramente a investigações prolundas sobre o conceito do estresse e suas implicações para a saúde e a qualidade de vida do ser humano. Este aumento no interesse no campo se deu, em parte, devido ao fato de que em 1979 o governo americano publicou um relatório (Public Healili .Serr’we. 1979) no qual afïrmava que o estresse excessivo é capaz de produzir mudanças psicológicas tao sérias que tenham implicações para a saúde mental e física do ser humano. Tal afirmação conferiu ao fator estresse uma importância grande para a saúde geral da população e levou pesquisadores à busca de tralamentos do estresse patogênico. A estimativa é de que pelo menos 50’/ das pessoas doentes estejam sofrendo de problemas relacionados ao estresse. Este interesse internacional começou nos últimos anos a se desenvolver no Brasil também. Campinas tornou-se um dos centros mais avançados de pesquisas nesta área e conta com um Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Estresse um Centro Psicológico de Controle do Estresse e a PUCCAMP já produziu 12 dissertações de mestrado sobre este assunto. Mais 2 estão sendo concluídas neste momento. Deste modo, contrário ao que ocorre em muitas áreas da psicologia, em que a produção do conhecimento ocorre no Exterior e é, então, importada para cá, já se conta hoje em dia com muitos dados de pesqtusa brasileiras sobre estresse.

O conceito de estresse Hans Selye em 1926 utilizou o termo estresse pela primeira vez na área da saúde para designar um conjunto de reações não específicas que ele havia observado em pacientes sofrendo de patologias as mais diversas. Em 1936, Selye definiu a reação do estresse como uma ‘síndrome geral de adaptação” e em 1974 ele redefiniu estresse como uma “resposta não específica do corpo a qualquer exigência”. Com base nos conceitos de Selye, estresse é definido como uma reação do organismo, com componentes físicos e/ou psicológicos causada pelas alterações psicofisiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz. A resposta do estresse deve ser entendida como sendo um processo e não uma reação estanque e independente, pois no momento em que ela se inicia um longo processo bioquímico se instala. Independentemente da causa da tensão, o início se manifesta de modo bastante semelhante em todas as pessoas, com o aparecimento de taquicardia, sudorese excessiva, tensão muscular, boca seca e a sensação de estar de alerta. Só quando o processo está mais adiantado é que as diferenças se manifestam de acordo com a herança genética do indivíduo combinada com pontos de enfraquecimento desenvolvidos no decorrer da vida.


Necessariamente o profissional que deseje trabalhar no campo do controle do estresse, seja na atuação clínica, seja em pesquisas tanto na área psicológica como na médica, deverá entender o mecanismo psicofisiológico do estresse em detalhes. O estresse pode ou não levar a um desgaste geral do organismo dependendo da sua intensidade, tempo de duração, da vulnerabilidade do indivíduo e da habilidade de administrá-lo. O desgaste ocorre, de modo mais pronunciado, quando a homeostase interna do organismo é perturbada por períodos longos ou de modo muito agudo. A importância do equilíbrio interno foi inicialmente ressaltada pelo fisiologista Bernard em 1879 que enfatizou o conceito de que o ambiente interno de um organismo necessita ser mantido em equilíbrio independentemente do que ocorre no ambiente externo. Mais tarde Cannon (1939), também fisiologista, sugeriu o termo homeostase para definir o equilíbrio que o organismo automaticamente tenta manter a fim de preservar a sua existência. O conceito de homeostase é fundamental para o estudo do estresse, uma vez que a principal ação do estresse é justamente a quebra do equilíbrio interno que ocorre devido à ação exacerbada do sistema nervoso simpático e a desaceleração do sistema nervoso parassimpático em momentos de tensão. A aceleração do organismo, por meio da ação magnificada de determinadas funções é, muitas vezes, de grande valia para a preservação da vida, uma vez que leva o organismo a um estado de prontidão, de alerta, a fim de que possa lidar com situações em que tenha que atuar contra o perigo. Esta reação, quando adequada, deve ser vista como uma defesa automática do corpo. O problema ocorre, no entanto, quando a prontidão fisiológica não é necessária ou quando é excessiva, como por exemplo quando tensão muscular ocorre durante uma reunião ou em momentos de estresse interpessoal, quando não haveria necessidade de tal preparo. O que aciona este processo que leva a mudanças tão sérias no funcionamento do organismo é o que Selye designou de estressor, para diferenciar a reação do estresse do estímulo que elicia esta reação.

O conceito de estressores, ou fontes de estresse Qualquer situação geradora de um estado emocional forte que leve a uma quebra da homeostase interna e exija alguma adaptação pode ser chamada de um estressor. Deste modo, a adaptação exigida de um ser humano quando ele é promovido, por exemplo, gera desgaste, como também gera desgaste o estar envolvido em um litígio. Existem situações e eventos que são intrinsecamente estressantes, como o frio, a fome e a dor. Esses estressores chamados por Everly (1989) de “biogênicos” não dependem tanto de interpretação e atuam no desenvolvimento do estresse automaticamente. Outros, chamados de estressores psicossociais, no entanto, adquirem sua capacidade de estressar uma pessoa devido à sua história de vida (Ellis, 1973; Lazarus e Folkman, 1984; Meichenbaum e Jaremko, 1983). A fim de que qualquer estímulo atue como um estressor ele necessita primeiramente ser percebido por um dos receptores do sistema nervoso periférico. As mensagens são, então, levadas pelos sistemas sensoriais para o cérebro. De acordo com Penfield (1975) uma vez que as mensagens atinjam o sistema nervoso central e o neocórtex os eventos percebidos no meio ambiente são integrados com os estados emocionais codificados no sistema límbico e no hipotálamo. Gevarter (1978) acrescenta que o resultado desta integração neocortical-límbica é retroalimentada para o sistema límbico com a interpretação emocional. Deste modo, a avaliação de um determinado evento como bom, mal, amedrontador etc. depende do valor e da interpretação que


o sistema límbico lhe oferecer. O evento em si, percebido pelos órgãos sensoriais, é interpretado de acordo com a história de vida do ser humano, de seus valores e das suas crenças. A reação de estresse será assim desenvolvida quando a interpretação sinalizar para o organismo a presença de um evento que exija alguma ação imediata. Neste caso o corpo age por meio de três eixos: o neural, o neuroendócrino e o endócrino que interagem para lidar com o estresse do momento, conforme descrito por Everly (1989). Uma outra maneira de se classificar eventos estressores é em termos de externos e internos. Os primeiros são constituídos dos eventos que ocorrem na vida de uma pessoa, sejam eles acidentes, morte, brigas, a situação político-econômica do país, promoção, dificuldade financeira, nascimento de filhos, enfim, daqueles eventos que constam da Escala de Reajustamento Social de Holmes e Rahe (1967) acrescidos de tudo aquilo mais — bom ou mal — que ocorre no mundo externo da pessoa, inclusive doenças próprias. Por estressores internos se entende tudo aquilo que faz parte do mundo interno, das cognições do indivíduo, seu modo de ver o mundo, seu nível de assertividade, suas crenças, seus valores, suas características pessoais, seu padrão de comportamento, suas vulnerabilidades, sua ansiedade e seu esquema de reação à vida. Um outro estressor externo que hoje em dia está recebendo mais atenção dos pesquisadores é o que se refere à profissão da pessoa, denominado de estresse ocupacional. Sabe-se que algumas profissões são iminentemente mais estressantes do que outras, tais como a de professor (Reinhold, 1984), a de policial militar (Romano, 1990), a de bancários (Silva, 1992) e a de executivos (Couto, 1987; Soares, 1990; Pacheco, 1993), entre outras. Ultimamente tem-se reconhecido que trabalhar depois de uma certa idade pode se constituir em fator de estresse para idosos conforme verificado por Nacarato (1995) que comparou grupos de idosos que continuavam trabalhando com grupos de idosos que não tinham atividades obrigatórias. Foi verificado que a maioria dos idosos tinha sintomas de estresse. independentemente de estarem exercendo atividades regulares ou não, porém aqueles que o faziam tinham um nível de estresse mais alto do que os outros.

As fases do estresse Uma vez que a reação do estresse é eliciada, não mais importa para o seu desenvolvimento o tipo de estressor que a iniciou. Isto é, a adrenalina gerada pela necessidade da pessoa se adaptar a uma promoção, não difere da adrenalina produzida por um acidente. Esta adrenalina ficará no organismo por um tempo determinado causando uma quebra na homeostase. E por isso que uma série de eventos bons pode levar a pessoa ao estresse. Naturalmente, se o evento estressante é interpretado como benéfico a ação do estresse terá um fim mais rápido pois não será mantida por cognições geradoras e mantenedoras de tensão. Fase de alerta. Quando a pessoa se confronta inicialmente com um estressor, uma reação de alerta se instala e o organismo se prepara para o que Cannon (1939) designou de “luta ou fuga”. Se o estressor tem uma duração curta, esta fase termina algumas horas após seu fim, após a eliminação da adrenalina e a restauração da homeostase. Neste caso, o organismo se restabelece e nenhum dano maior ocorre.


É nesta fase que a produtividade aumenta e se a pessoa sabe administrar o estresse ela pode usá-lo a seu favor devido à motivação, entusiasmo e energia que esse estágio do estresse produz. O estado de alerta, no entanto, não pode ser mantido por muito tempo. Fase de resistência. Se o estressor perdura ou se ele é de uma intensidade excessiva, mas não letal, o organismo por meio da sua ação reparadora, tenta restabelecer o equilíbrio interno, entrando, então, na fase de resistência ao estresse. Nesta fase a pessoa automaticamente utiliza toda a energia adaptativa para se reequilibrar. Quando o consegue, os sintomas iniciais desaparecem e a pessoa tem a impressão de que está melhor. Dois sintomas, que muitas vezes passam despercebidos ao clínico, aparecem de modo bastante freqüente nesta fase: a sensação de desgaste generalizado sem causa aparente e dificuldades com a memória. No nível fisiológico muitas mudanças ocorrem principalmente em termos do funcionamento das glândulas supra-renais: a medula diminui a sua produção de adrenalina e seu córtex produz mais corticosteróides. Tipicamente o organismo está enfraquecido e muito mais suscetível a doenças, porém, se a pessoa utiliza técnicas de controle do estresse ou se o estressor é eliminado, ela pode voltar ao normal, sem sequelas. Se, porém. a pessoa permanece nesta fase por um tempo muito longo, o processo de estresse se desenvolve na direção da fase mais crítica do estresse: a da exaustão. Quando o organismo está se aproximando do fim da fase de resistência várias doenças já começam a aparecer, tais como: herpes simples, psoríase, picos de hipertensão e até o aparecimento de diabetes nas pessoas geneticamente predispostas a ele. Em outras pessoas verifica-se retração de gengivas, gripes, tonturas, sensação de estar levitando e redução da libido. Fase de exaustão. Quando o estressor perdura mais ainda, ou quando outros estressores ocorrem simultaneamente, o processo do estresse evolui, há um aumento das estruturas linfáticas, a exaustão psicológica, em forma de depressão normalmente ocorre e a exaustão física se manifesta, doenças começam a aparecer e em alguns casos a morte pode ocorrer. Na fase de exaustão, ou quando ela está próxima, as doenças ocorrem com muita freqüência, tanto na área psicológica, em forma de depressão, ansiedade aguda, inabilidade de tomar decisões, vontade de fugir de tudo, autodúvida, irritabilidade; como na área física, na forma de hipertensão arterial essencial, úlceras gástricas, retração de gengivas, psoríase, vitiligo e até diabetes. Naturalmente, o estresse não é o elemento patogênico dessas doenças, ele leva a um enfraquecimento do organismo de tal modo que aquelas patologias programadas geneticamente se manifestam devido ao estado de exaustão presente. O estresse não causa, por exemplo. o diabetes, mas ele pode estar presente na sua ontogênese por facilitar o seu desenvolvimento em pessoas propensas a ele. A doença que surge depende de uma série de fatores, como raça, idade, constituição genética, acidentes ou doenças do passado, alimentação e condição física, no geral. Sabe-se, por exemplo, que pessoas da raça negra são mais propensas a desenvolverem hipertensão arterial, enquanto as da raça caucásica desenvolvem mais úlceras. A idade também é um fator relevante pois algumas patologias são programadas devido ao desenvolvimento, deste modo, embora hipertensão arterial e úlceras possam ocorrer na infância, em geral só aparecem mais tarde.


Sintomas e diagnóstico do estresse Nenhuma doença, ou condição, produz uma interação tão grande entre o corpo e a mente como o estresse. A reação hormonal, que é parte da resposta do estresse, desencadeia não só uma série de modificações físicas como também produz reações em nível emocional. Estas reações estão tão interligadas com mudanças físicas que muitas vezes o que é de origem psicológica acaba se manifestando no corpo e vice-versa. Muitas pessoas, na verdade, têm dificuldade de perceber suas emoções verdadeiras e, por isto, entram em um processo de somatização. Na área emocional, o estresse pode produzir desde a apatia, depressão, desânimo e sensação de desalento, hipersensibilidade emotiva, até a raiva, a ira, a irritabilidade e a ansiedade. A pessoa estressada muitas vezes perde o interesse em qualquer outra coisa que não seja relacionada ao seu motivo de estresse ou aos seus sintomas. Deste modo ela se torna uma pessoa tediosa e sem brilho social. O falar constantemente na razão pela qual está estressada nem sempre é algo intencional. Na maioria das vezes, a pessoa não percebe que está fixada em um assunto só e até se surpreende e fica magoada quando percebe que amigos e parentes não estão muito interessados em sua conversa. Esta situação freqüentemente leva a pessoa a se isolar e evitar situações sociais. A depressão, que pode ser também um sintoma de outras patologias, em vez de estresse, é freqüente em pessoas com alto nível de estresse. Este tipo de depressão passa quando o estresse diminui. A hipersensibilidade excessiva se constitui em outra característica do estresse excessivo. O ser humano se torna tão frágil em suas emoções que às vezes se sensibiliza excessivamente por pequenas coisas, com algo que leu ou uma indelicadeza de alguém. Irritabilidade, raiva e ira são bastante comuns na pessoa estressada. Talvez até a reação psicológica mais típica do estresse seja mesmo a irritabilidade. E como se o organismo, como um todo, estivesse com os nervos expostos. Qualquer provocação gera uma reação de impaciência acima do comum. Uma outra reação psicológica, dentre tantas outras típicas do estresse, é a ansiedade. A reação de ansiedade provoca uma série de sintomas tanto na área psicológica como na física e a pessoa além de sentir medo, desânimo, vontade de fugir de tudo, também sente taquicardia, mãos ou pés suados, nó da garganta e tensão muscular.Todos os sintomas aqui descritos, quando são realmente parte do quadro do estresse, desaparecem com a redução do estresse para níveis toleráveis seja por meios pessoais, seja por meio de um tratamento de controle do estresse. O estresse não só se manifesta por esses sintomas, mas também ele contribui para a etiologia de várias doenças mais graves. É de se entender, portanto, o quanto ele pode afetar a qualidade de vida do ser humano. Estudos experimentais revelam que o nível de qualidade de vida, seja na área afetiva, profissional, social ou a relacionada à saúde, é profundamente afetado pelo nível de estresse em que a pessoa se encontre. A compreensão que se tem cada vez mais sobre as implicações do estresse excessivo para a patogênese de inúmeras doenças tem levado ao interesse de não só se elaborar planos terapêuticos para o controle do estresse, mas também de se promover programas de profilaxia. Não se tem ainda um número


suficiente de profissionais especializados que possam fazer o diagnóstico diferencial do estresse com facilidade, uma vez que muitos dos sintomas de estresse podem também se constituir em sintomas de outras patologias. Para que programas maiores possam ser instituídos, necessário se tornou encontrar instrumentos de diagnóstico que pudessem auxiliar o clínico, médico ou psicólogo, na identificação rápida e objetiva do quadro de estresse. As medidas de aspectos fisiológicos e neuroendócrinos exigem considerável sofisticação de recursos que nem sempre estão disponíveis para o clínico. O Inventário de Sintomas de Estresse — ISS (Lipp. 1990) identifica a sintomatologia que o paciente apresenta, avaliando se ele possui sintomas de estresse, o tipo de sintomas existentes (se somáticos ou psicológicos) e a fase de estresse em que se encontra. Baseia-se nos princípios de Selye. O ISS é composto de três partes que se referem respectivamente as três fases do estresse. Na primeira o respondente assinala os sintomas que tenha experimentado nas últimas 24 horas; na segunda parte ele assinala os sintomas da última semana e na terceira parte ele designa os sintomas que têm experimentado no último mês. Os itens obedecem a uma hierarquia de intensidade de sintomas, uma vez que é comum um sintoma ocorrer na fase de alerta com pequena intensidade ou freqüência (ex.: hipertensão arterial essencial passageira), desaparecer na fase de resistência (já que o organismo resistiu ou se adaptou ao estressor do momento) e reaparecer na fase de exaustão com uma intensidade maior (ex.: hipertensão arterial estabelecida). O ISS é útil para o clínico que deseje um diagnóstico rápido do nível de estresse do seu paciente a fim de promover uma ação terapêutica imediata.

A contribuição do estresse para a patogênese de doenças O estudo das causas das doenças tem demonstrado UC não se pode atribuir a um só fator a responsabilidade pelo desenvolvimento das mesmas. Acredita-se que muitas doenças sejam resultantes da interação entre fatores genéticos, ambientais, patofisiológicos e psicológicos, incluindo o estresse, em sua fase de exaustão. Cada vez mais tem se estudado a relação doença-estresse, e para um bom entendimento da mesma é fundamental que se conheça o mecanismo psicofisiológico do estresse. Tal entendimento dará ao profissional da área maior segurança e domínio no tratamento da enfermidade e na sua prevenção. No aprofundamento do terna é primordial que se tenha como base os estudos de Cannon, já citados, no que se refere à homeostase, ou seja a habilidade e necessidade do organismo de manter, por meio de ações compensadoras. o equilíbrio interno. independentemente de modificações no meio ambiente externo. Segundo Sclye (1956) a generalização da resposta de estresse pode ser realizada por meio de dois grandes sistemas coordenadores: o endócrino e o nervoso. Uma vez que o estímulo seja percebido pelos órgãos sensoriais do sistema nervoso periférico, impulsos são enviados ao cérebro e são integrados com estados emocionais codificados no sistema límbico. Ainda no cérebro. especificainente no neocórtex, onde ocorre a interpretação cognitiva do estímulo, que é acrescida da integração afetiva do sistema límbico. Se essas duas interpretações do estímulo psicossocial associadas produzirem uma percepção de desafio ou for aversiva, resultará em um estímulo emocional que desenvolverá a resposta de estresse. Esta reação envolve um ou mais dos três eixos psicossornáticos do estresse: o neural, o neuroendócrino e o endócrino (Everly, 1989).


O eixo neural é o mais direto dos caminhos do estresse manifestando somaticamente, por meio do hipotálamo, sua ativação dos ramos simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo, passando pela medula espinhal e inervando o órgão final. Quando a ativação neural é feita via sistema simpático, ela tem como efeito generalizada estimulação no órgão final. Já a ativação via sistema parassimpático é relacionada à inibição, lentidão e funções reaturativas. Os dois tipos de efeito são observados na resposta de estresse (Everly e Rosenfeld, 1981). Embora os efeitos da ativação deste eixo sejam imediatos, eles não são potenciaimente crônicos. No caso da situação de estresse perdurar por um período longo um outro eixo psicofisiológico é ativado: o neuroendócrino, que gera a reação de “luta e fuga” descrita por Cannon (1953). No processo neuroendócrino o órgão pivô na resposta de luta ou fuga é a medula adrenal, que produz catecolaminas: adrenalina e noradrenalina. A resposta de luta ou fuga, que é vista como uma mobilização do corpo preparando-se para a batalha física contra o estressor percebido, origina-se no complexo amidalar, desce para o hipotálamo e continua para ativar a medula das glândulas supra-renais (Roldan et ai., 1974). O resultado desta estimulação é um aumento generalizado da atividade adrenérgica somática (Folkow e Neil, 1974). Este efeito é funcionalmente idêntico ao da inervação simpática direta com exceção do fato de que ela requer de 20 a 30 segundos de demora para surtir efeito e estes duram 10 vezes mais. Os efeitos das catecolaminas medulares duram mais que os efeitos do eixo neural, mas existe um terceiro eixo que é responsável por uma fase ainda mais crônica na resposta do estresse. Este eixo é o endócrino, subdividido em eixos: adrenal-cortical, somatotrópico, tireóide e pituitário-posterior. Levi (1972) afirma que o eixo endócrino requer grande intensidade de estimulação para ser ativado. Everly (1989) afirma que esta ativação pode ocorrer nos seres humanos devido a numerosas e diversas influências psicológicas, incluindo vários estímulos psicossociais. Sua ação se origina no complexo do hipocampo. daí os impulsos neurais descem para o hipotálamo onde a corticotropina é liberada para a glândula pituitária, que por sua vez produz vários hormônios que estimulam determinados órgãos alvo.

O papel da ativação do órgão-alvo na ontogênese de doenças O modelo de estresse-doença proposto por Everly (1989) enfatiza que, pela ação dos eixos que formam as resposta do estresse (neural, neuroendócrino e endócrino) o órgão-alvo pode ser ativado, aumentado ou inibido no funcionamento normal. Órgão-alvo pode ser o sistema cardiovascular, gastrintestinal, a pele, o sistema imunológico entre outros. A ativação dos órgãos-alvo gera oportunamente sintomas e sinais clínicos que tornam possível o diagnóstico do estresse. Por exemplo, no caso da hipertensão arterial essencial, para a qual não existe causa física determinada, sabe-se que o estresse possui, por meio da sua ação simpáticoadrenomedular e pituitária-adrenocortical o poder de aumentar a pressão arterial em resposta a estímulos psicológicos. Várias hipóteses existem que tentam explicar o mecanismo pelo qual tal ocorre. Uma das possíveis explicações é que por meio da ação adrenérgica do estresse não só o organismo sofre constrição dos vasos sangüíneos mas também o coração sofre um aumento na velocidade e na força da contração. Os dois fatos afetam o débito cardíaco e, conseqüentemente, alteram a pressão arterial. A hipótese da reatividade afirma que a ativação crônica deste


mecanismo pode causar dano irreversível ao sistema cardiovascular, por meio de uma elevação da pressão arterial constante. Deste modo, quando uma pessoa sistematicamente leva uma vida estressante, ela sofre aumentos constantes de pressão arterial, no que se designa de reatividade cardiovascular. Com a repetição de momentos de estresse e de elevação da pressão sangüínea a hipertensão arterial pode se estabelecer. Um estudo realizado no Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Estresse da PUCCAMP mostrou que quando pessoas hipertensas são submetidas a momentos de estresse interpessoal, sua pressão arterial se eleva significantemente. Quando estas pessoas recebem um treino de controle do estresse, sua reatividade cardiovascular é reduzida em momentos de estresse. Tais dados demonstram o vínculo existente entre estresse e elevações de pressão arterial. Existem inúmeros modelos teóricos que tentam explicar em geral o mecanismo que age como substrato para manifestações psicossomáticas de reações ao estresse emocional. Embora haja uma grande variedade de enfoques, o ponto em comum que se abstrai dos seus postulados é de que o órgão-alvo atingido resulta de uma estimulação excessivamente freqüente, intensa e prolongada. O órgão-alvo mais provável de vir a adoecer ou mostrar disfunção depende de dois fatores biogênicos maiores: o mecanismo de respostas estereotipadas (Sternbach, 1966) e a especificidade do órgão-alvo (Everly, 1986). O primeiro se refere ao fato de que quanto mais um órgão for ativado pela ação do estresse (seja ela neural, neuroendócrina ou endócrina) mais probabilidade de uma doença se manifestar naquele órgão devido ao estresse. O segundo se refere à vulnerabilidade genética ou adquirida do órgão-alvo para experienciar estimulação patogênica. A escolha do sistema cardiovascular ou do sistema gastrintestinal como órgão-alvo pode servir de exemplo. Sabe-se que determinadas pessoas têm uma propensão maior a exibirem reatividade cardiovascular mais intensa em momentos de estresse interpessoal enquanto outras parecem não se alterarem no exterior com situações desagradáveis, porém sentem um desconforto estomacal imediato quando expostas a tais situações. Se essas pessoas atravessarem períodos de estresse muito repetidos e prolongados em suas vidas, cada episódio de estresse ativará determinados mecanismos de ação envolvendo o órgão-alvo, no caso em pauta, uma pessoa terá elevação em pressão e a outra produzirá substâncias estomacais em reação ao estresse do momento. A estereotipatia de respostas específicas poderá a longo prazo levar ao adoecimento do órgão-alvo envolvido e desenvolverá uma hipertensão arterial enquanto a outra poderá desenvolver uma úlcera. É óbvio, então, que a doença que possui na sua etiologia o fator estresse como um dos fatores contribuintes necessita não só da estereotipia da resposta mas também da contribuição de uma vulnerabilidade do órgão-alvo. A vulnerabilidade pode ser geneticamente determinada pois sabe-se, por exemplo, que filhos de hipertensos têm maior probabilidade de virem a desenvolver hipertensão, mas também ela pode ser adquirida devido a problemas que ocorram na gravidez, durante o parto e mais tarde durante o desenvolvimento. Por exemplo, uma das doenças que mais afetam os digitadores hoje em dia é a tenocinovite que se manifesta muito mais em pessoas que tiveram algum acidente prévio envolvendo as mãos ou os dedos.


Em síntese, a doença que o estresse pode desencadear ou manter é em geral determinada por uma série de fatores. Inicialmente, na fase de alerta do estresse, os sintomas são idênticos, como mãos frias, taquicardia, tensão muscular e a sensação de se estar de alerta. Mais tarde, porém, a ação do estresse vai se manifestar de modo diferenciado dependendo das vulnerabilidades pessoais envolvidas. Sternbach (1966) sugere que existe uma predisposição psicofisiológica para alguns indivíduos sofrerem a resposta de estresse de um modo específico, já que parece não ser possível que todos os mecanismos e eixos sejam mobilizados simultaneamente e todo o tempo em uma pessoa que enfrenta um estressor.

Escolha do órgão-alvo Doenças relacionadas ao estresse As doenças relacionadas à estimulação excessiva de um órgão podem ser consideradas como possuindo um componente de estresse na sua ontogênese. As doenças e distunções que têm sido mais estudadas em nosso meio são: hipertensão arterial (Lipp e! ai., 1991: Ayres. 1994; Lipp e Rocha, 1994), úlceras gastroduodenais (Malagris, 1992); obesidade (Lima, 1992), câncer (Curcio, 1991), psoríase (Lipp ei ai., 199), tensão pré-menstrual (Souza, 1988; Camargo. 1990). Outras patologias como cefaléia, herpes simplex, vitiligo, lúpus, colite ulcerativa, doenças respiratórias, doenças imunológicas, todas parecem ter em sua etiologia o estresse como um fator psicopatogênico.

O estresse infantil Sendo o estresse uma reação do organismo diante de situações ou muito difíceis ou muito excitantes, ele pode ocorrer em qualquer pessoa, independente de idade, raça, sexo e situação socioeconômica. O estresse infantil é pouquíssimo conhecido e é bastante difícil encontrar pesquisas sobre o assunto tanto no Brasil como no Exterior. No Exterior, Wolff (1981) e Elkind (1981) são os nomes mais conhecidos na área. Elkind, por exemplo, com bases nos princípios propostos por Holmes e Rahe (1967) compôs uma Escala de Reajustamento Social para adolescentes: Wolff, por outro lado, tem escrito alguns trabalhos sobre crianças vulneráveis. No momento, três dissertações de mestrado estão sendo realizadas na PUCCAMP sobre o estresse infantil. Em uma dessas pesquisas, Marta Vilela está buscando comparar o nível de estresse em crianças do primeiro grau de escolas particulares e públicas. Na segunda, Izabel Warwar está averiguando a eficácia de um tratamento de controle do estresse em um grupo de crianças com dor abdominal sem causa física. A terceira pesquisa, conduzida por Maria Diva Lucarelli, se constitui na validação do Inventário de Sintomas de Estresse-C. Pesquisas na área são esparsas, porém as que existem revelam que a prevalência do estresse pode estar relacionada, como a de adultos, a fatores internos e externos. Logicamente as fontes de estresse infantil são diferentes em alguns aspectos, mas são semelhantes no geral. Por exemplo, todo tipo de mudança significativa gera estresse na criança tanto quanto o gera em um adulto. A morte de um dos pais ou de um irmão são os eventos que mais geram estresse na criança, seguidos de divórcio ou brigas constantes entre os pais e atividades em excesso.


Gravidez da mãe, nascimento de irmão, disciplina confusa por parte dos pais, hospitalização, mudança de escola, iniciar novas atividades extracurriculares e mudança da babá podem estressar a criança dependendo da maneira como a situação é apresentada para ela. Além destas fontes externas, o estresse infantil pode se manifestar devido a fatores internos que atuam na eliciação da resposta de estresse, tais como timidez, ansiedade e medo de errar. O estresse infantil pode estar envolvido na patogênese de vários distúrbios tanto físicos como psicológicos. Dentre estes encontram-se o aparecimento súbito de comportamentos agressivos que não são representativos do comportamento da criança no geral; desobediência inusitada, depressão, ansiedade, choro excessivo, enurese, gagueira, dificuldades de relacionamento, dificuldades escolares, pesadelos, insônia, birras e até o uso indevido de tóxicos. Dentre os problemas físicos relacionados ao estresse, encontra-se: asma, bronquite, hiperatividade motora, doenças dermatológicas, úlceras, obesidade, cáries, cefatéia, dores abdominais, diarréia, tiques nervosos, entre outros. É importante ressaltar que nenhum desses sintomas ou problemas isolados pode ser interpretado como sinal de estresse. O que deve servir como base para o diagnóstico do estresse infantil é um conglomerado de sintomas. Freqüentemente os sintomas de estresse infantil não são diagnosticados e pais e professores menos avisados se irritam com a criança que de repente começa a fazer manha, a ser agressiva ou a ter um desempenho escolar medíocre. A atitude dos adultos de cobrança em situações como esta tende a agravar a situação pois se torna mais uma fonte de estresse para a criança já confusa e estressada que não entende o que se passa no seu organismo. Programas altamente especializados para o tratamento do estresse infantil já existem (Lipp et ai., 1991) e deveriam ser utilizados em casos em que o estresse da vida está excessivo para um organismo jovem e imaturo. Além disto, mesmo a criança que não apresenta sintomatologia de estresse, seria interessante que passasse por um treino de administração do estresse excessivo em nível de profilaxia, pois sabe-se que crianças vulneráveis ao estresse serão adultos também vulneráveis (Lipp e Romano, 1987). Os pais têm uma contribuição única na formação da resistência ou da vulnerabilidade ao estresse de seus filhos. É por meio dos ensinamentos que passam, direta ou indiretamente, que formam certas características pessoais que poderão: 1) ou servir como fontes em potencial de estresse em termos de crenças e valores inadequados ou 2) auxiliar o ser humano a adquirir estratégias de vida que facilitem no manejo do estresse (Lipp. 1989). Quando a criança se encontra estressada é sempre aconselhável que se faça todo o possível para diminuir a pressão que está sobre ela, Porém é importante que rotineiramente não se poupe a criança em demasia, pois a criança que é muito protegida não desenvolve imunidade ao estresse. O estresse deve ser proporcional à idade e ao amadurecimento dela. Quando não for possível protegê-la do estresse excessivo (como no caso de morte na família, mudança de cidade etc.) necessário se torna fortalecê-la para lidar do melhor modo possível com a situação.

Os efeitos do estresse na produtividade humana


Em uma época quando se tenta entender o estresse a fim de nos defendermos de seus efeitos negativos aparece a noção de que se o estresse for bem compreendido ele pode ser utilizado para melhorar a produtividade da pessoa. A adrenalina, produzida quando se torna necessário enfrentar uma situação ou de muita tensão ou de muita alegria, impulsiona a pessoa. Ela motiva, energiza, dá ânimo e ambição. Durante momentos de estresse em sua fase inicial — pode-se passar horas ou dias sem dormir ou se alimentar adequadamente e sem que se pense em outro assunto que não seja a preocupação principal. O estresse gera esta força toda e sem um pouco de estresse a vida se tornaria tediosa e desmotivada. Todos precisam de um pouco da energia gerada pelo estresse para viver uma vida mais adequada e criativa. Curiosamente, existe uma correlação muito grande entre o estresse ao qual a pessoa está submetida e seu nível de produtividade. De início a correlação é positiva, mas quando o estresse se torna pronunciado demais, ela passa a ser negativa. Deste modo, no início de períodos de tensão, a produtividade aumenta à medida que o estresse se acentua, a pessoa melhora em sua criatividade e é capaz de gerar novas idéias. Depois de algum tempo se o estresse não é reduzido. o organismo começa a se enfraquecer e a produtividade inicia sua queda. Tanto que doses extremas de estresse ocasionam a queda total da produtividade e perda completa da criatividade. É interessante notar que momentos de grande estresse quando a tensão está ainda dentro da habilidade de a pessoa absorver — coincidem com picos de produtividade no ser humano. Se, no entanto, o estresse passa dos limites de resistência da pessoa, a produtividade decai gradualmente até que o déficit seja significativo. O ideal seria que as pessoas aprendessem a manejar o estresse de modo a terem uma vida mais feliz, motivada e produtiva em todos os seus aspectos, por isto treinos específicos em como lidar com o estresse têm sido desenvolvidos. Inúmeros autores americanos têm proposto modelos de tratamento do estresse baseados em abordagens diversas, tais como Meichenhaum (1977), Goldberg (1980), Bandura (1982). Lazarus (1966), Everly e Rosenfl, ld (1981) e Everly (1989), entre outros. No Brasil. já existem alguns trabalhos quanto ao controle do estresse na população geral (Lipp, 1984; Lipp ei ai., 1986; Rossi, 1991) e também quanto a populações específicas. Utilizando o tratamento comportamental do estresse proposto por Lipp (1984) várias propostas de tratamentos específicos foram realizadas. Por exemplo, Romano (1991) propôs um treino especialmente elaborado para membros da polícia militar, que é uma população bastante sujeita ao estresse devido ao trabalho difícil que desenvolvem, com o objetivo de não só melhorar a qualidade de vida destes indivíduos, mas também de possibilitar um atendimento menos tenso ao público. Sotiza (1988) e Cainargo (1990) sugeriram planos de controle do estresse pré-menstrual, a primeira para as mulheres epiléticas e a segunda para mulheres no geral. Soares (1990) propôs um plano de controle do estresse para executivos, principalmente do sexo feminino que estão mais sujeitos ao estresse devido às funções duplas que freqüentemente são requeridas a desempenhar, dentro e fora de casa. Curcio (1991) propôs um plano de controle do estresse para pacientes oncológicos enquanto Malagris propôs um tratamento especificamcnte elaborado para pessoas com úlceras gastroduodenais e Lima


(1992) sugeriu um tratamento para obesos. Adicionalmente, Silva (1992) idealizou, com base nos dados de sua dissertação de mestrado, um plano de tratamento e profilaxia de bancários, o qual está no presente sendo implementado no Banco do Brasil. Ainda com base nos princípios comportainentais e na metodologia de tratamento sugerida por Lipp (1984), existem planos de tratamentos para portadores de psoríase (Lipp, l991a) e hipertensão arterial essencial (Lipp, 199 1h e Lipp e Rocha, 1994). Os dois primeiros trabalhos incluem um “Manual do pesquisador” que contém um plano de tratamento já testado experimentalmente para uso com portadores de cada uma das patologias envolvidas. O terceiro trabalho é um guia de tratamento para ser usado por profissionais ou pelo próprio afetivo, saúde e profissional.

O manejo do estresse Quadro 1 Modelo de Tratamento de Controle do Estresse (TCE)

PLANO DE TRATAMENTO DAS 15 SESSÕES 1. Entrevista inicial, em que se faz uma verificação da situação do paciente, averiguando-se se trata de um caso de estresse ou não. O objetivo é determinar se a pessoa se beneficiaria do TCE, se ela se dispõe a proceder a mudanças no seu estilo de vida e se é urna boa candidata ao tipo de tratamento oferecido, Se o caso não for estresse a pessoa é encaminhada para outro tratamento, se parecer se tratar de um caso de estresse ela é aceita no programa. 2. Testagem e avaliação visam estabelecer o nível de estresse e a fase em que a pessoa se encontra. Procede-se ao levantamento das fontes de estresse.Verilica-se o padrão de comportamento típico da pessoa diante desses estressores. 3. Testagem e avaliação visam analisar outras fontes. Avalia-se também estratégias mentais utilizadas tipicamente em momentos de tensão. Solicita-se que o livro Como enfrentar o estresse seja lido. 4. Devolução dos resultados e formulação do plano individual para controle do estresse. Discuti-se técnicas de como lidar com o estresse. Exercícios de relaxamento e respiração profunda são ensinados ao paciente. 5. Discuti-se o conceito do limite pessoal para tensão e se explica porque o primeiro passo para se controlar o estresse é saber reconhecer seus sintomas e os estressores. Fontes são discutidas até o paciente entender a necessidade de ou eliminá-las ou se adaptar a elas.Técnicas de relaxamento e respiração profunda são ensinadas. 6. Discuti-se a inportáncia do exercício físico e da alimentação. 7. Influência do fator cognitivo. Exercícios de respiração profunda e relaxamento. 8. Trabalha-se crenças irracionais. Exercício de respiração profunda e relaxamento.


9. Continua-se o trabalho sobre fontes de estresse com exercícios de reestruturação cognitiva. 10. Assertividade. Exercício de respiracão profunda e relaxamento. Afetividade. Exercício de respiracão profunda e relaxamento. 11. O conceito de qualidade de vida. Controle da pressa e afobação. Controle da hostilidade. Exercício de respiracão profunda e relaxamento. 12. Corno lidar com as mudanças. Relaxamento. 13. Fontes de estresse no trabalho. Quatro revelacões da vida adulta. Relaxamento. 14. Fechamento. Reavaliação do quadro sintomatológico do estresse. Reflexão sobre o tratamento e mudanças realuadas. Orientação e recomendação para que volte para um follow-up em um mês. Obs.: O tratamento não se constitui em um picote inflexível e fechado e se necessário o número de sessões pode ser expandido. Na maioria dos casos 15 sessões são suficientes para o controle do estresse de pessoas que não tenham ainda atingido a fase de exaustão. Estes trabalhos se constituem em uma terapia breve de base comportamental já comprovada em sua fontes de estresse presentes no momento na vida do paciente, sejam elas internas ou externas. Seu sucesso depende fundamentalmente de uma análise funcional adequada das O TCE não é uma técnica ou um procedimento isolado, mas sim um pacote de procedimentos que com treino de controle siste em uma análise funcional dos estressores e atuação do estresse (TCE) objetiva e direta no que se designou dos quatro pilares do controle do estresse: relaxamento, alimentação, exercício físico, modelo de tratamento de controle do estresse e modificações na área cognitiva. Baseia-se em princípios comportamentais e objetiva mudança no estilo de vida da pessoa com ênfase em alguns dos princípios do treino de inoculação de estresse, da terapia racional emotiva de Meichenbaum (1985) na melhoria da qualidade de vida nos quadrantes: social, Ellis (1973) além de outras técnicas e procedimentos Quadro 2. Instrumentos utilizados na avaliação do estresse.

1. Inventário de Sintomas de Estresse (ISS) para adultos (Lipp. 1990) ou para crianças (Lipp e Romano,1987) 2. Inventário de Qualidade de Vida (Lipp. 1989; Lipp e Rocha, 1994) 3. Levantamento de crenças irracionais 4. Escala de assertividade 5. Inventários de vulnerabilidades 6. Levantamento de estratégias, adequadas ou não, utilizadas pelo paciente


7. IDATE (Inventário de Ansiedade Traço-estado de Spielberger, traduzida por Biaggio (1977) 8. Escala de Reajustamento Social (Holmes e Rahe, 1967) para detectar fontes externas de estresse 9. Outros, conforme a necessidade se apresente Obs.: Estes instrumentos servem de base para a formulação do plano de controle de estresse para cada paciente, porém, a observação clínica é também de grande importância em cada etapa. Trabalhos comportamentais que Lipp (1984) verificou serem de valia em casos de estresse, tais como técnicas de resolução de problemas, treino de assertividade, treino de controle de ansiedade, instruções, controle do Padrão Tipo A de comportamento manejo do tempo e da pressa, discussão do que designou de “quatro revelações da vida adulta” (vide Quadro 3), relaxamento, exercícios de visualização identificação e modificação de pensamentos que agem como estímulos discriminativos para que a resposta de estresse de desenvolva. Embora o TCE conte com um plano de desenvolvimento das sessões ele não é um pacote fechado, uma vez que cada indivíduo é tratado de acordo com as suas necessidades específicas identificadas durante a análise funcional dos estressores e avaliação do caso. O plano de tratamento é sempre individualizado e pode ou não incluir todos os componentes mencionados acima. O Quadro 1 apresenta o esquema de tratamento do TCE no geral e o Quadro 2 relaciona os instrumentos utilizados na avaliação do quadro sintomatológico do estresse que serve de base para a formulação específica do plano de tratamento. O TCE exige uma avaliação muito meticulosa do nível de estresse da pessoa e das condições geradoras de estresse antes do tratamento, a fim de que este possa ser breve e eficiente. Além disto, uma avaliação inicial bem elaborada e uma reavaliação ao término do tratamento possibilitam se verificar de modo objetivo a eficácia do treino. Nenhum tratamento deve ser realizado sem que um método de avaliação de sua eficiência seja programado. O TCE é realizado, em geral, em 15 sessões, embora não seja um pacote fechado e inflexível e possa ser expandido quando necessário. A experiência mostra que o estresse quando ainda não está na fase de exaustão, pode ser controlado em 15 sessões com bastante facilidade, se existe uma boa aderência ao tratamento e o plano é realmente seguido. Na maioria dos casos isto ocorre talvez porque as pessoas que procuram tratamento para o estresse, em geral, estão em alto nível de desconforto e, portanto, mais propícias a aceitarem reformulação do seu estilo de vida. Quando a pessoa já se encontra em exaustão, o tratamento necessariamente necessita ser feito com um médico e exige. no mínimo, seis meses de tratamento, muitas vezes mais do que isto. Após a avaliação, que envolve só observação clínica, duas sessões de testagem são realizadas. Nestas sessões o objetivo é avaliar com o máximo de precisão possível o quadro sintomatológico do estresse e as fontes internas e externas de


estresse presentes. Avalia-se também o modo típico da pessoa de lidar com a tensão. As fontes externas são representadas pelos itens da Escala de Reajustamento Social de Holmes e Rahe (1967). Esta avaliação serve de base para todo o tratamento. O TCE não se constitui de uma terapia visando mudar aspectos outros que não sejam os relacionados com o estresse. Por isto ele se restringe em treinar o paciente a: 1. entender o que é o estresse e identificar seus sintomas de modo que ele se aperceba quando sua sobrecarga de tensão está chegando a um ponto crítico; 2. reconhecer suas fontes de estresse em potencial e tentar eliminar as que forem passíveis de mudança; 3. reestruturar seu modo de pensar e de ver o mundo; 4. lidar com a ansiedade; 5. ser assertivo, sem experimentar desconforto ou se estressar; 6. manter a calma e resolver os problemas no trabalho e na família sem grandes aumentos no seu nível de estresse: 7. adquirir técnicas de manejo do estresse para serem utilizadas em situações de estresse que não possam ser evitadas; 8. utilizar o estresse a seu favor para atingir bons níveis de produtividade e criatividade; 9. reconhecer seus limites e aprender a respeitá-los 10. estabelecer prioridades e melhorar sua qualidade de vida no geral. No Quadro 1 que detalha os procedimentos utilizados no TCE, pode-se verificar que exercícios de relaxarnento e de respiração profunda sçao administrados em praticacamente todas as sessões. Considera-se de fundamental importância que o paciente aprenda alguma lécnica de controle de tensão muscular e mental e por isto é necessário entender o mecanismo da resposta de relaxamento.

Racional neurofisiológico para a utilização do relaxamento no tratamento de doenças relacionadas ao estresse Nos últimos anos, autores, como Benson (1988), tem mostrado a utilidade da indução da resposta de relaxamenlo na terapêutica de urna série de doenças psicológicas e sornálicas, porém pouco se lê sobre a base neuropsicofisiológica do relaxamento. Importante é notar que por “resposta esse relaxamento’’ está se designando um estado psicofisiotógico de hipoexcitação que pode ser produzido por uma série de técnicas tais corno meditação, hipnose, respiração protunda, biofeedback, relaxamento muscular, música etc.


Por anos temos utilizado com bastante sucesso o relaxamenlo físico e mental, como um procedimento coadjuvante no tratamento do estresse excessivo e de suas consequências. Uma das razões do sucesso se deve provavelmente ao fato de que o estresse propicia o aparecimento do que Everly (1990) denomina de distúrbios de excitação e o relaxamento produz urna condição antagônica, o que, conseqüentemente, faz com que o organismo experiencie um estado de maior quietude. O estado de temporária hipoexcitação dá ao indivíduo tempo e oportunidade para readquirir a homeostase necessária à vida. Para aquele autor muitas doenças tem por base comum uma hipersensibilidade neurológica do sistema límbico, ou seja, um limiar de excitação baixo, ou ainda um estado patognomônico de excitação excessiva do circuito límbico ou de seus eixos neuroendócrinos. Esta hipersensibilidade é capaz de dar origem a uma série de doenças relacionadas ao estressr. tais como distúrbios de ansiedade e de adaptação, hipertensão arterial essencial, úlceras, psoríase etc. Gelhorn (1965) sugere que a estimulação que é muito intensa ou que é repetida cronicamente pode levar a um hiperfuncionamento do sistema nervoso simpático responsável pela quebra da homeostase interna do organismo devido à liberação das catecolarninas. Deste modo, as doenças relacionadas ao estresse teriam em sua etiologia os seguintes fatores patogênicos: (1) aumento na atividade adrenérgica, (2) aumento na excitação neuromuscular, e (3) excitação repetitiva de origem cognitiva. Nesta linha de raciocínio, torna-se razoável deduzir que qualquer intervenção terapêutica direcionada para o estresse deve objetïvar dessensibilizar neurologicamente e reduzir a atividade global dentro do circuito límbico. Tal pode ser realizado por meio de (1) redução da responsividade adrenérgica; (2) redução na excitação neuromuscular e (3) redução da excitação cognitiva. A resposta de relaxamento preenche tais necessidades pois se constitui em um esforço geral para diminuir a excitabilidade do organismo. Gelhorn afirma que o relaxamento produz uma redução da descarga hipotalâmicocortical e produz um estado de hipoexcitabilidade. Taylor (1978) sugere que o relaxamento diminui a excitabilidade do sistema nervoso central e Everly (1980) afirma que o relaxamento produz urna dessensihilização do sistema límbico. Estudos experimentais confirmam que o relaxamento tem eleito pronunciado em várias situações. Por exemplo. AlIen (1981) verificou que após 10 semanas de treino de relaxamento, os participantes em seu estudo mostraram uma redução significativa na reatividade psicotisiológica quando submetidos a ruídos estressantes prolongados. Goleman e Schwartz (1976) demonstraram que pessoas que se submeteram a treino de meditação se recuperaram mais rapidamente ao ver um filme estressante do que as outras que não tiveram tal treino. English e Baker (1983). por outro lado, demonstraram que o treino do relaxamento auxilia a pressão arterial a voltar mais rapidamente ao normal após momentos de grande estresse. Não só na área física, mas também na mental, o relaxamento produz mudanças tais como a sensação de calma mental, de estar em controle da situação e de autoeficacia. Assim sendo, as pesquisas indicam que o relaxamento não se constitui em uma técnica simples. Ele deve ser bem entendido a fim de ser utilizado adequadamente. Uma das precauções mais importantes a serem tomadas é a escolha do tipo de


relaxamento a ser usado e com quem. Não há uma técnica de relaxamento que seja a melhor para todos e nem todos devem ser submetidos a todos os tipos de relaxamento, uma vez que existem contra-indicações para o uso destas técnicas com certos indivíduos. As diferenças individuais devem ser levadas em consideração ao se programar a utilização do relaxamento para fins terapêuticos.

O lado negativo do relaxamento e as precauções a serem tomadas Por muito tempo se pensou que a utilização do treino de relaxamento não apresentava riscos clínicos. Até hoje muitos cursos de relaxamento são oferecidos por pessoas que não estão muito informadas sobre eles e, não infreqüentemente, chegam aos consultórios participantes de cursos assim bastante prejudicados pelo procedimento utilizado. Em 1969 um psicólogo de nome Luthe publicou uma lista de precauções que se deve tomar quanto ao relaxamento, tais como psicose, disfunções da tireóide e paranóia. Outros autores têm confirmado esta necessidade mostrando que alguns pacientes tém reagido mal ao processo de relaxamento, seja em forma de ansiedade amena até despersonalização. Estes efeitos negativos parecem ocorrer em cerca de 10% das pessoas que fazem treino de relaxamento quando não se toma as cautelas necessárias. Como a incidência é pequena e os eleitos positivos do relaxamento têm sido amplamente comprovados, as dificuldades que às vezes ocorrem são mencionadas aqui a fim de que se tome as precauções necessárias para que o relaxamento seja benéfico, sem efeitos colaterais. Com base na literatura identificou-se cinco áreas em que o relaxamento deve ser usado com cautela: 1. Perda de contato com a realidade. Quando se trata pacientes psicóticos ou pessoas que fantasiam excessivamente, a utilização de relaxamento mental é contra-indicada. Pode-se, no entanto, fazer uso do relaxamento físico ou de técnicas de biofeedback. 2. Interações farmacológicas. O relaxamento potencializa os efeitos de vários fármacos, tais como insulina, drogas hipotensoras e sedativos. Nestes casos o relaxamento pode ser utilizado sem dificuldades se um acompanhamento adequado for teito pelo médico que acompanha o caso, em termos de monitorização da dosagem dos remédios. No caso de pacientes diabéticos todo cuidado deve ser tomado, pois o relaxamento pode levar a um estado de hipoglicemia aguda. 3. Estados de fônico. Alguns pacientes que sofrem de ansiedade generalizada, insegurança pronunciada e medo de perda do controle não devem ser submetidos a procedimentos que envolvam relaxamento mental abstrato. Para estes pacientes um relaxamento mais dirigido e mais centrado na tensão muscular é mais indicado. 4. Liberação de idéias extremamente penosas ou ameaçadoras. Há situações em que a resposta do relaxamento leva a pessoa a liberar emoções e pensamentos que estavam reprimidos. Tal evento pode ter um efeito perigoso, especialmente no caso de pessoas obsessivo-compulsivas quando ocorre de modo não planejado. O


terapeuta deve sempre estar preparado para lidar com este tipo de problema se ocorrer durante uma sessão de relaxamento. 5. Desaceleração do estado psicofisiológico. Em algumas situações o relaxamento pode produzir uma hipoexcitação excessiva. Nestes casos, se incluem situações de queda de pressão arterial, hipoglicemia aguda e fadiga. Pessoas com pressão arterial sistólica de menos de 90 mmHg e diastólica de menos de 50 mmHg devem ter cautela na escolha do tipo de relaxamento usado. Quando há tontura e mal-estar, em geral. basta pedir que o paciente focalize algum ponto no meio ambiente e movimente o corpo. No caso de hipoglicemia aguda, recomenda-se que a pessoa coma algo. A fadiga ocorre em geral na pessoa que tem dificuldade de relaxar e se empenha em demasia para atingir o relaxamento. O estudo dos possíveis efeitos negativos do relaxamento é de importância, pois trata-se de uma técnica poderosa que pode auxiliar de modo significativo no tratanento de inúmeras doenças. As cautelas asseguram que relaxamento possa ser conduzido de modo seguro e benéfico. Quadro 3. Quatro revelações da vida adulta.

O estresse é muitas vezes gerado por expectativas que temos quanto a eventos do dia-a-dia. Recomenda-se analisar cuidadosamente as “quatro revelações da vida adulta”, abaixo, cuja compreensão pode nos ajudar a eliminá-las das nossas fontes de estresse. Quatro das revelações que se tem quando se atinge a idade adulta e que contrariam muito do que aprendemos quando crianças e, portanto, são fontes geradoras de estresse, são: 1. Recompensa nem sempre existe. 2. A razão nem sempre prevalece. 3. Nem sempre as pessoas vão tentar o máximo e fazer o melhor que podem. 4. Não existe sempre um só meio de atingir metas que seja o melhor.

Conclusões O estresse é hoje reconhecido no Brasil e no mundo como sendo um fator presente na ontogênese de uma série de doenças, porém, quando ele é gerenciado de modo adequado seus efeitos podem ser benéficos ao organismo. O treino de controle do estresse aqui delineado tem sido utilizado, com um bom índice de sucesso, em inúmeras pesquisas e também no atendimento clínico de mais de 500 pessoas. Estudos de follow-up mostram que seus efeitos são mantidos após a alta do paciente. Trata-se de um tratamento breve, constituído de procedimentos e técnicas comportamentais que visam mudanças no estilo de vida e no modo de pensar estressante da pessoa.

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25 Psiquiatria e psicofarmacologia Francisco Lotufo Neto e Luiz Armando de Araújo

Introdução Temos assistido nos últimos 20 anos a urna revoluçao conceitual e terapêutica no tratamento da Depressão da Ansiedade. Os sistemas diagnósticos mais recentes (DSMIII-R, CID10) favorecem delimitações diagnósticas mais precisas e universais e com isso facilitam o diagnóstico e o tratamento. Novas entidades nosológicas foram incorporadas à classificação, como o transtorno do pânico e o estresse póstraumático. Condições como o transtorno obsessivo-compulsivo, consideradas até então praticamente refratárias a tratamento, tem hoje um prognóstico mais promissor. Essa mudança deve-se primariamente a progressos em três frentes distintas: 1. emprego de drogas antidepressivas no tratamento dos transtornos ansiosos corno a imipra min e clomipramina na síndrome do pânico e, mais recentemente, bloqueadores seletivos da recaptação de serotonina (fluxoxamina e fluoxetina no transtorno obsessivo-compulsivo. 2. o aprimoramento das técnicas cornportamentais como exposição e prevenção de resposta. A técnica de exposição consiste basicamente em persuadir o paciente a permanecer na situação ansiogênica até que os sintomas diminuam de intensidade. A prevenção de resposta previne a esquiva fóbica ativa, banindo os rituais obsessivos. Ambas as abordagens têm demonstrado eficácia de modo que pacientes que mostram aderência ao tratamento podem alcançar sucesso terapêutico de até 75%. 3. o surgimento mais recente das técnicas cognitivas de tratamento da depressão e ansiedade (Beck, 1980; Clark. 1989) ampliando e aprimorando o arsenal terapêutico e criando teorias alternativas para a gênese desses transtornos. Apesar desses avanços justificarem nosso otimismo, vários problemas aguardam solução. Desconhecemos a etiologia e fisiopatogênese da maioria dos transtornos mentais. Nossos diagnósticos são síndromes, com diversas possibilidades causais. Fatores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais, provavelmente interagem entre si, sendo difícil determinar a exata contribuição de cada um. Qual a forma mais adequada de tratamento? Quais os critérios para indicação de um tratamento psicológico ou biológico, ou de sua associação? As respostas só surgirão quando o problema da etiologia estiver mais bem esclarecido. Examinaremos neste capítulo as evidências científicas a respeito dessas questões e as dificuldades práticas do encaminhamento do paciente a uma dessas modalidades de tratamento.


Algumas dificuldades práticas A psicoterapia é um mundo complexo: terapias individuais e de grupo, terapia de casal e familiar, terapia comunitária, ocupacional etc., quase sempre exercidas por especialistas diferentes. Não sabemos muito sobre a eficácia de cada uma e, freqüentemente, a indicação é feita sem o embasamento necessário. Como separar o joio do trigo? A multiplicidade de tendências seja na farmacoterapia como na psicoterapia leva freqüentemente à especialização dos profissionais. Poucos são os que têm formação adequada e praticam as duas modalidades de tratamento. É necessário então encaminhar o paciente a outro profissional. Este triângulo pacientepsicoterapeuta-farmacoterapeuta envolve algumas dificuldades, tanto práticas como éticas. Em primeiro lugar, envolver dois ou mais profissionais eleva o custo do tratamento, já proibitivo para a maioria dos brasileiros. Os dois profissionais devem ter autorização do paciente sobre quais informações podem ser trocadas e quais devem ser mantidas confidenciais, sendo o ideal que a possibilidade de comunicação possa ser ampla. O melhor seria o trabalho em equipe, com os profissionais reunindo-se periodicamente buscando uma integração. Mas raramente se atinge esse objetivo seja em nosso meio, seja em países do primeiro mundo (Chiles et ai., 1991). Os serviços públicos são sobrecarregados, e o contato entre o psicoterapeuta e o médico liberal dificilmente atinge a freqüência necessária. O profissional encaminha a alguém de sua confiança, com quem tenha afinidades e maior facilidade de comunicação, mas nem sempre o paciente aceita tal indicação, preferindo escolher um outro por conta própria ou por indicação de terceiros. Este profissional, por sua vez, pode ter visão e orientação diferentes. Muitas terapias não têm embasamento científico, como é o caso das diversas “escolas alternativas”. Há psicoterapias, como a psicanálise e outras, que apesar de muito difundidas e valorizadas mostram baixa eficácia (Andrews, 1993). Como agir’? Como dialogar com alguém cujas opiniões diferem tanto, mantendo a ética, o respeito profissional e oferecendo ao paciente a melhor terapêutica’? O farmacoterapeuta deve manter uma atitude neutra ao detectar um problema que não está sendo abordado pelo psicoterapeuta, deve interferir, comunicar ao colega ou simplesmente abster-se? Se interferir, o quanto isto vai beneficiar o paciente ou confundi-lo ainda mais? São situações em que só podemos basear-nos no bom senso, e que precisam ser cuidadosamente estudadas. Outros acontecimentos freqüentes: — O paciente encaminhado por um profissional pede indicação de um outro nome pois não está satisfeito com quem o encaminhou.


— O paciente procura outro profissional, à revelia de quem o está atendendo, e este, opõe-se ao tratamento que está sendo realizado. — O psicoterapeuta sem formação médica prescreve um medicamento (ansiolíticos, calmantes, Florais de Bach ou chás, por exemplo). — Os dois profissionais envolvidos emitem involuntariamente opiniões diferentes sobre um mesmo problema. — Os dois terapeutas podem diferir em personalidade. no sexo, nos estilos de relacionamento (o estilo da farmacoterapia é mais ativo, diretivo, os resultados são esperados mais rapidamente). — O contrato no início do tratamento pode diferir entre os dois profissionais, o que pode ser confuso para alguns pacientes. — Os profissionais podem ter expectativas irrealistas sobre o outro tratamento. Por exemplo, um paciente crônico que não responde aos tratamentos biológicos convencionais é encaminhado como última saída à psicoterapia. — O médico ao atender um paciente com um transtorno somatoforme (histeria) encaminha o paciente à psicoterapia dizendo-lhe “você não tem nada”, o que pode dificultar o estabelecimento de um vínculo terapêutico. — A linguagem do médico e do psicólogo são muito diferentes. Por exemplo um relatório de um teste psicológico (Rorschasch, TAT, ou outros) feito em um linguagem psicodinârnica é incompreensível para maioria dos médicos. O modo como um médico formula a síntese de um caso é muito diferente da do psicólogo, os aspectos focalizados são outros, os termos podem ter significados distintos (por exemplo, o entendimento do termo “psicótico” pode diferir consideravelmente entre psicólogos e médicos). — O paciente pode ficar sem saber a quem recorrer em caso de emergência: ideação suicida ou efeitos colaterais da medicação, por exemplo. Qual o papel de cada profissional envolvido? — As férias dos profissionais e os arranjos para suprir sua ausência devem ser acertados previamente. Ao encaminhar um paciente deve-se evitar fazer afirmações sobre qual tratamento será instituído antes da avaliação do colega, pois a conduta deste poderá diferir. — Ao fazer-se um encaminhamento, é útil formular um modelo do problema indicando a razão de optar-se por dois tratamentos. Por exemplo, a um paciente com transtorno do pânico e agorafobia, pode ser explicado que a medicação o ajudará a controlar sua ansiedade e os ataques de pânico. facilitando a terapia comportamental-cognitiva que consistirá de duas fases: exercícios de exposição para as fobias e identificação de outros problemas associados (relacionamento conjugal, por exemplo), e o que pode ser feito para superá-los.


O relacionamento entre psicoterapia e farmacoterapia foi revisto por Bradley (1990). A farmacoterapia pode ter um impacto positivo sobre a psicoterapia, reduiindo os sintomas e tornando o paciente mais confiante e acessível à intervenção psicoterápica. O reverso pode, no entanto, ocorrer, sendo necessário estar alerta para as cognições negativas do paciente que interferem sobre o tratamento. Seguem-se alguns exemplos: O estilo mais ativo da consulta médica pode diminuir a motivação para a psicoterapia, promovendo uma atitude passiva diante dos problemas. ou o pensamento mágico de que o remédio vai resolver. A diminuiçao do sofrimento pode desmotivar o paciente, se ficar satisfeito com o alívio obtido e sem interesse para trabalhar outras causas. A recomendação para tomar remédios pode não ser bem recebida por pacientes que os encaram como urna ameaça ao autocontrole e autonomia. Há hoje visões socioculturais contrárias à medicação que dificultam o encaminhamento. Para alguns, a psicoterapia é vista como uma forma de tratamento mais saudável e aceita socialmente. O encaminhamento para medicação pode transmitir ao paciente a idéia que seu problema é um desequilíbrio químico puro, ou sugerir que ele é mais perturbado ou doente. A recomendação para medicação por quem já está em terapia pode ser percebida como abandono, rejeição, falta de interesse ou medo por parte do terapeuta. O encaminhamento pode inibir o paciente de comentar afetos mais dolorosos atribuindo a eles o fato de ter sido enviado ao médico. O paciente pode sentir culpa por não ter se esforçado o suficiente na psicoterapia. — O terapeuta pode ser visto como incompetente para ajudar e por isto está recorrendo a outro profissional. — O paciente pode achar que a terapia está sendo encerrada e que seu caso está sendo assumido por outro profissional. — Pode idealizar um tratamento, desvalorizando o outro. Estando alerta para esses acontecimentos o encaminhamento terá maior probabilidade de sucesso, facilitando o trabalho de todos os profissionais envolvidos e beneficiando o paciente.

Tratamento da depressão Atualmente as evidências indicam que a Terapia Comportamental-Cognitiva e farmacoterapia antidepressiva isoladamente ou em conjunto são os tratamentos mais eficazes para o tratamento da depressão. A depressão é uma síndrome, havendo subtipos que necessitam sempre de medicação. É o caso do transtorno bipolar em que o paciente apresenta fases de intensa euforia (mania) e depressão e, muito provavelmente da depressão endógena. Nesta, e principalmente se o paciente apresentar alterações da polissonografia e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, as evidências sugerem que a medicação antidepressiva é mais eficaz. É importante


mencionar também as depressões psicóticas em que é necessário associar antidepressivos e neurolépticos e freqüentemente utilizar a eletroconvulsoterapia. Diversos estudos (revisão por Rush e Hollon, 1991) mostram que há pouca evidência de que uma modalidade de tratamento seja superior à outra. No entanto, existem indicações de que a associação das duas modalidades de tratamento oferece vantagens terapêuticas. Em pacientes que apresentaram mais de duas fases de depressão, recomenda-se hoje a manutenção do anti-depressivo em dosagem terapêutica, para prevenir recaídas. Há evidências de que a mudança do estilo explicativo obtida por meio da Terapia Comportarnental-Cognitiva pode contribuir para a melhora do prognóstico, diminuindo a possibilidade de recidivas.

Tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo 1. Tratamento farmacológico O reconhecimento de propriedades antiobsessivocompulsivas em drogas como a clomipramina e outros inibidores da recaptação de serotonina foi a grande responsável pelo progresso no campo da farmacoterapia. Revisão de seis estudos controlados recentes utilizando clomipramina, fluoxetina e fluvoxamina apontam para sua superioridade em relação a placebo e redução em sintomas específicos da ordem de 45% (Greist et ai., 1990; Pigott et ai., 1990; Perse ei’ ai., 1987, Cottraux ei’ ai., 1990; Jenike ei’ ai., 1989, Levine ei ai., 1989). Vários problemas, no entanto, persistem. Aproximadamente 15% desses pacientes abandonam o tratamento devido à intolerância aos efeitos colaterais da medicação. Cerca de 45% não apresentam índices satisfatórios de melhora terapêutica. Pacientes tendem a manter seus ganhos em vigência da medicação porém apresentam taxas de recaída de até 80% (clomipramina) (Leonard ‘1 ai., 1988, 1989; Fontaine e Chouinard, 1989). Desse modo. de 100 pacientes iniciando tratamento 15 vão abandoná-lo devido aos efeitos colaterais, 35 não apresentarão melhora significativa. Dos 50 pacientes com melhora clínica, aproximadamente 40 irão apresentar recaída se a droga for interrompida. 2. Tratamento psicológico (terapia de exposição) Com o refinamento das técnicas de auto-exposição e prevenção de resposta podese obter índices de inelhora de até 60-75% e apenas 10% dos pacientes não apresentarão melhora. Os índices de recusa de tratamento e/ou não-aderência giram em torno de 15% a 25%. Tal progresso pode ser reduzido consideravelmente na presença de depressão, ideação delirante e ausência de rituais. Apenas 40% dos pacientes obsessivos sem rituais se beneficiam das técnicas comportamentais padrão. Pacientes que respondem à terapia comportamental tendem a manter seus ganhos por períodos prolongados de até cinco ou seis anos com taxas de recaída em torno de 20°%. Desse modo, numa amostra hipotética de 100 pacientes, 20% vão abandonar o tratamento e 10 não apresentarão qualquer resposta. Dos 70 que melhorarão 60 vão manter seus ganhos a longo prazo. Tais estimativas são para pacientes recebendo terapia comportamental de forma adequada, ou seja, de 15 a 30 horas de exposição in vivo e prevenção de resposta.


Apesar dessas estatísticas serem encorajadoras temos ainda cerca de 50% dos pacientes tratados com farmacoterapla e 35% daqueles tratados com exposição que não melhoram. Tem sido tentado potencializar o efeito terapêutico combinando drogas (introdução de carbonato de lítio associado ao antidepressivo, por exemplo) que pode ser uma alternativa para casos isolados. No tratamento comportamental uma estratégia é aumentar a intensidade ou tempo de tratamento, praticando-se exposição sistemática supervisionada por várias semanas. Uma possibilidade que vem sendo aventada e necessita de mais estudos controlados é a combinação de terapia comportamental e farmacoterapia. São apenas três os estudos controlados comparando tratamento combinado e tratamento farmacológico isolado (clomipramina até 200mg/d e fluvoxamina 300mg/d). Nos três estudos (Marks et ai., 1980; Marks et ai., 1988; Cottraux et ai., 1990) tratamento combinado produziu melhores resultados ao final do período de tratamento. A combinação foi superior tanto para redução de rituais como para a melhora da depressão. Isto sugere que talvez exposição e drogas serotonérgicas possam ter um efeito aditivo, pelo menos em pacientes com algum grau de depressão. Apesar de a vantagem dos tratamentos combinados ser mais evidente, nas fases iniciais póstratamento existem evidências sugerindo melhor performance também a longo prazo. Após dois anos de tratamento, os escores em lazer e desempenho social foram superiores e, após seis anos, os pacientes que receberam tratamento combinado tiveram melhor performance em testes de esquiva fóbica (Behavior Avoidance Test). Mesmo decorridos apenas seis meses, pacientes que receberam tratamento combinado não necessitaram de tratamento de qualquer tipo enquanto nos outros dois grupos (farmacoterapia e exposição) houve necessidade de tratamento adicional em respectivamente 56% e 40% dos pacientes (ver Quadro 1).

Distúrbio do pânico e agorafobia 1. Tratamento farmacológico A grande maioria dos estudos controlados empregou a imipramina e apontam para sua eficácia no tratamento da síndrome do pânico. Segundo Klein e Zitrin (1980), a imipramina se mostrou superior a placebo e seus efeitos foram independentes da ação antidepressiva. O grupo de Mavissakalian (1982, 1983) em Pittsburgh chegou a conclusões semelhantes. Em seu estudo de 1983, o tratamento combinando imipramina e exposição foi superior à droga isolada. Marks ei’ ai. (1983) trataram 45 agorafóbicos com pânico comparando imipramina ou placebo por 26 semanas mais exposição ou técnicas de relaxamento por 12 semanas. Nesses pacientes a imipramina não teve efeito terapêutico apesar de ter atingido níveis plasmáticos satisfatórios. Todos os grupos que receberam auto-exposição apresentaram melhora e a presença de depressão inicial predisse piores resultados terapêuticos. O Projeto AMBAN, Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Gentil et ai., 1993), comparou clomipramina e imipramina de forma controlada em pacientes com síndrome do pânico. Ambas as drogas mostraram-se eficazes, porém a clomipramina teve ação mais rápida e necessitou de doses menores a se obter o mesmo efeito terapêutico. A clomipramina mostrou ser uma droga segura com poucos efeitos cognitivos e psicomotores (Marcourakis et ai., 1993) (ver Quadro 2).


2. Tratamentos combinados A maioria dos estudos controlados estuda o efeito da combinação imipramina e exposição (Agras, 1990; Mavissakalian e Michelson, 1986; Telch et ai.. 1985; Zitrin et a!., 1983). Assim como no transtorno obsessiso-compulsivo o tratamento combinado mostra vantagens sobre a terapêutica isolada. No estudo controlado mais recente (Agras, 1990) com 100 pacientes, os resultados após oito semanas favoreceram a exposição. Ao final de 24 semanas, no entanto, o tratamento combinado mostrou-se superior. Em suma, o tratamento combinado melhora os resultados terapêuticos a curto prazo, bem como protege os pacientes de uma recaída precoce com o uso de imipramina.

Outros transtornos ansiosos 1. Fobia social Existem alguns estudos controlados empregando beta-bloqueadores para ansiedade de performance. Neftel eta!. (1982) 22 instrumentistas de cordas utilizaram atenolol (100 mg) que não melhorou a perforrnance mas reduziu a ansiedade antecipatória e a freqüência cardíaca. James e Savage (1984) estudaram 33 instrumentistas de cordas, comparando nadolol (40 mg): diazepam (2 mg) e placebo. Nadolol melhorou a performance mas não reduziu a ansiedade e houve discreto prejuízo da performaiice com o uso de diazepam. As técnicas de exposição se mostraram eficazes em vários estudos controlados para casos de fobias sociais (Falloon et ai., 1977; Kanter e Gotfried, 1979, Christensen e! ai., 1975). Um programa de exposição gradual às situações desencadeantes pode ser planejado tendo-se o cuidado de avaliar o grau do déficit nas habilidades sociais do indivíduo quando estaria indicado o treino de habilidades sociais. Ao contrário dos diagnósticos anteriores, fóbicos sociais parecem necessitar de mais exposição supervisionada, talvez pelas próprias características de seu problema. 2. Fobias específicas Essas mostram-se em geral bastante responsivas às técnicas de exposição independente do tipo, que inclui Fluoxetina 60 mg/d US$100/m tempo de Hora/terapeuta assistida reduzida un uso/custo indefinido exposição entre outras as fobias de animais, de sangue, de dentista. de hospital, escolar. Os poucos estudos controlados nulidando fármacos no seu tratamento não mostram resultados animadores. Nos estudos de Zitrin e! ai. (1983) (imipramina) e Marks e! ai. (1982) (diazepam) resultados com exposição foram melhores do que com medicamento. Quadro 1. Far

macot

erapia versus exposição.

TOC

Total

Agorafobia

Farmacoterapia

Exposição

Farmacoterapia

Exposição

100

100

100

100


Dropoul

15

15

30

25

Ausência resposta clínica

35

10

25

10

Resposta clínica

50

75

45

65

Recaída pós-suspensão

40

15

25

15

Manutenção ganhos FU

10 Farmacoterapia

60 Exposição

20

50

50%

30%

Drop ou! Não-aderência Não-resposta clínica

Quadro 2. Comparação fármaco/exposição.

1. Custos Farmacoterapia 2. Latência 2-4 sem. Exposição 1-2 sem. 3. Efeitos colaterais 4. Aderência 5. Recaída Leves; anticohnérgicos Performance (BZDs)

(tricíclicos)

Severos;

Dependência.

Alt. cardíacas, motoras (tricíclicos) Hipertensão (IMAO) Drop ou!; 20—3%% (tricíclicos) 0-l5é (E3ZD) Até 80% (BZDs) (Shehan. 1984) pós (,m Aumento ansiedade l5-25% 20-25%

dist.

memória,


3. Fobia escolar Um estudo de Giltelman e Klein (1971) comparou 150 rng de irnipramina com placebo em 34 crianças com média de idade de 1 1 anos, que estavam há 2 semanas sem comparecer a escola devido ao quadro fóbico. Ambos os grupos foram estimulados a retornar à escola, os resultados após três semanas de tratamento não mostrou diterenças entre os grupos mas, após seis semanas, favoreceram a imipramina tanto em relação ao comparecimento escolar como na melhora da depressão. Um outro estudo ( Berney ei ai.. 1981) comparou clomipramina (40-75 mg) e placebo em 47 crianças com média de seis meses sem comparecer à escola. Não houve eteito signilicativo no quadro fóbico apesar de haver melhora nos índices de depressão nas meninas.

Conclusão O presente capítulo procurou rever os principais resultados de estudos controlados sobre o tratamento farmacológico e psicológico da depressão e dos principais transtornos ansiosos. Destacamos algumas das dificuldades inerentes a estes estudos principalmente quando diversas modalidades de tratamento são comparadas ou combinadas. Alguns problemas práticos dessa interação foram levantados, procurando ilustrar questóes controversas na prática clínica. Espera-se que o avanço no conhecimento sobre as bases biológicas e psicológicas da depressão e ansiedade forneçam subsídios que orientem os estudos de tratamento. As evidências mais recentes, apesar de não conclusivas, sugerem existir vantagens terapêuticas tanto a curto quanto a longo prazos, quando se associam tarmacoterapia e psicoterapia. Isso confere à abordagem multidisciplinar um papel de destaque nos estilos tuturos. A correta definição de papéis bem como o aprimoramento da interação entre os diversos profissionais envolvidos aparece, portanto, como o elemento-chave para o sucesso terapêutico e o progresso nas pesquisas nesta área do conhecimento.

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26 Psicobiologia da ansiedade Antônio Pedro de Mello Cruz, H. Zangrossi Jr. e Frederico G. Graeff

Ansiedade: definição Definir uma experiência emocional não é tarefa fácil. Falar da psicobiologia de uma emoção tão particular quanto a ansiedade é mais difícil ainda. A maior dificuldade á que muito provavelmente emocionamo-nos com áreas do cérebro que não “falam” parafraseando o biólogo Paul MacLean. Além disso, os limites entre a ansiedade normal e patológica não são claramente identificados. Por exemplo, embora certo grau de ansiedade motive um melhor desempenho em diversas tarefas, uma distinção que assume caráter clínico extremamente importante é considerada quando esse sentimento apresenta-se com intensidade e/ou duração excessivas, ou ainda quando irracional e dissociado de situações normalmente ansiogênicas. Nestes casos, torna-se claro seu papel desajustador. Outro fator importante refere-se à ansiedade como estado ou traço. Ansiedadeestado é aquela observada em um dado momento na vida do indivíduo. Usualmente associa-se com algum evento estressógeno, sendo elevada ou atenuada devido à apresentação ou à retirada respectivamente deste evento. Ansiedade-traço é uma característica do indivíduo, uma propensão para sentir maior ou menor grau de ansiedade diante de situações ambientais. Influências genéticas, bem como experiência prévias do indivíduo, determinam essa predisposição. Diversas tentativas de classificação psiquiátrica para os distúrbios de ansiedade têm surgido ao longo das últimas décadas. Dentre as classificações mais empregadas está aquela elaborada pela Associação Psiquiátrica Americana, o DSM, cuja sigla provém do título em inglês Diagnostic Statistical Manual. Tal manual vem sendo constantemente revisado e atualizado, encontrando-se, no momento, em sua quarta edição (DSM-IV). A primeira edição da DSM publicada em 1952 incorporava basicamente o pensamento psicanalítico e sociológico, não havendo demarcações claras entre o bom e o mau funcionamento mental. Neste modelo, as doenças mentais eram concebidas dentro de um contínuo de gravidade, indo de formas mais brandas, como as neuroses, até estados mais graves, como as psicoses. Dentro deste quadro, tanto na primeira como na segunda edição do DSM, a ansiedade era vista como a maior representante da condição neurótica. Já na terceira edição do DSM, a abordagem das doenças mentais foi radicalmente alterada, passando a ser dada maior ênfase nas bases empíricas do conhecimento das desordens psiquiátricas. Ainda nesta terceira edição, uma atenção maior passou a ser dispensada ao diagnóstico descritivo das doenças mentais. No caso específico dos distúrbios de ansiedade, foi retirada a denominação genérica de neurose e foram incorporadas as categorias de distúrbio de pânico e de estresse pós-traumático. Na revisão da terceira edição do DSM, publicada em 1987 e conhecida por DSM-III-R, algumas


categorias como distúrbio de pânico, agorafobia com ataques de pânico e distúrbio de ansiedade generalizada foram mais profundamente revisadas. Já na quarta edição do DSM (Tabela 1), publicada em 1994, além da atualização das categorias existentes, foram incorporadas as categorias de distúrbio de estresse agudo, de ansiedade devido a uma condição médica geral e de ansiedade induzida pela intoxicação ou retirada de substâncias químicas. No presente trabalho, discutiremos especialmente os aspectos psicobiológicos dos distúrbios de ansiedade generalizada (DAG) e de pânico. Tabela 1. Classificação dos distúrbios de ansiedade, segundo o DSM-IV. — Fobia Específica — Fobia Social — Agorafobia Sem Distúrbio de Pânico — Distúrbio de Pânico Sem Agorafobia Com Agorafobia — Distúrbio de Ansiedade Generalizada — Distúrbio Obsessivo-Compulsivo — Distúrbio de Estresse Pós-Traumático — Distúrbio de Estresse Agudo — Distúrbio de Ansiedade Devido a uma Condição Médica Geral — Distúrbio de Ansiedade Induzido por Substâncias Químicas — Distúrbio Atípico de Ansiedade

O DAG é caracterizado por ansiedade e preocupações excessivas, freqüentemente vivenciadas e dificilmente controladas pelo indivíduo, acerca de um número de eventos e atividades, como finanças, saúde de membros da família, atividades escolares e trabalho. A intensidade, duração e freqüência destas preocupações são desproporcionais à real probabilidade de ocorrência ou do possível impacto do evento ameaçador. Estas preocupações são ainda acompanhadas por sintomas como fadiga, irritabilidade, dificuldade de concentração e de descanso, tensão muscular, além de distúrbios de sono. Já o ataque de pânico é caracterizado por uma apreensão intensa desencadeada subitamente (tendo seu pico em torno de 10 minutos), acompanhada por sentimentos de falta de controle da situação e medo de enlouquecer ou morrer, bem como palpitações intensas, tremores, náuseas e tonturas, sensação de falta de ar ou sufocamento. O distúrbio de pânico é caracterizado pela recorrência de ataques de pânico inesperados, que são acompanhados por mudanças significativas no comportamento do indivíduo e por preocupações persistentes quanto à ocorrência, às implicações e às conseqüências de outros ataques.


Aspectos etiológicos do DAG e do pânico Estudos de agregação familiar e concordância entre gêmeos sugerem que o componente genético no DAG ocorre em menores proporções do que no pânico no qual são encontradas taxas de concordância de 5:1 entre gêmeos monozigóticos e dizigóticos. No DAG há clara evidência da transmissão familiar, porém não genética, conforme demostrou um estudo realizado por Crowe e colaboradores no estado norte-americano de Iowa. Esses pesquisadores observaram um risco mórbido de 31%, para o distúrbio de pânico, em parentes próximos de sujeitos diagnosticados com pânico, comparado com 4% para um grupo controle. Não havia contudo, aumento de risco para DAG, fobias e distúrbio obsessivo-compulsivo. Estudos familiares subseqüentes corroboraram a idéia de que o pânico e o DAG agregam-se separadamente. Outro aspecto interessante sugerindo processos psicobiológicos distintos no pânico e DAG são os resultados obtidos pela infusão endovenosa de ácido láctico, um produto metabólico da atividade muscular anaeróbica, cujos níveis sangüíneos aumentam significativamente com exercícios físicos. Mostrou-se que o ácido láctico provoca ataques de pânico em cerca de 75% dos pacientes diagnosticados com este distúrbio, enquanto esta taxa é mínima em pacientes com outros distúrbios de ansiedade, e ausente em voluntárïos sadios. Usando a resposta ao lactato como um marcador biológico da vulnerabilidade aos ataques de pânico, E. M. Remman e colaboradores, nos Estados Unidos, mostraram, por meio de um estudo empregando a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET), que havia urna assimetria no pólo do lobo temporal nos pacientes com distúrbios de pânico que apresentavam resposta positiva ao lactato. Tais observações se davam nos intervalos juiescentes entre os ataques, constituindo-se, assim, rum possível correlato neural da vulnerabilidade aos ataques de pânico.

Bases neurais do DAG e do pânico Diversas evidências experimentais indicam que os principais substratos neurais do medo ou ansiedade estão representados por um circuito altamente integrado no cérebro de mamíferos. Anatomicamente, este circuito cerebral é composto principalmente pelo complexo amigdalóide (AM), hipotálamo medial (FIM) e matéria cinzenta periaquedutal dorsal (MCPD) mesencefálica. Estimulações elétricas e químicas dessas regiões induzem padrões de comportamento defensivo espécieespecíficos, em modelos animais, bem como causam manifestações comportamentais e subjetivas de extremo desconforto e ansiedade em humanos. A ativação desse sistema cerebral como efeito da exposição do organismo a uma situação potencialmente perigosa foi recentemente confirmada utilizando-se a proteína c-fos como um marcador de atividade neuronal. Neste estudo, realizado no Centro de Neuroquímica do CNRS na França, em colaboração com pesquisadores de nosso grupo de pesquisa, a exposição de ratos ao labirinto em cruz elevado, um modelo animal de ansiedade etologicamente fundamentado (para mais detalhes deste teste, ver Cruz, Frei e Graeft, 1994), resultou na marcação de neurônios em núcleos do complexo amigdalóide, do córtex piriforme (que também envia ia/mis sensoriais para a amígdala), do sistema periventricular ao longo da extensão anteroposterior do hipotálamo e na MCPD. Estruturas relacionadas com este


sistema longitudinalmente organizado também foram ativadas, incluindo o núcleo cuneiforme, o focos ceruleus e colículo inferior. De extrema relevância para a discussão das estruturas neurais supostamente envolvidas no distúrbio de pânico, como veremos a seguir, é o fato de que a estimutação elétrica da MCPD resulta numa ativação menos extensiva desse sistema. A AM e a MCPD, que representam respectivamente, as porções rostral e caudal desse sistema cerebral, parecem desempenhar um papel complementar na regulação do medo e das reações de defesa. A este respeito, Michael S. Fanselow, da Universidade da Califórnia, sugere que a função da amígdala seria a de sintetiiar os vários inputs de estímulos provenientes do meio ambiente, sinalizando para a MCP o grau de perigo ou ameaça que eles representam para o organismo. A MCP se encarregaria de comandar as reações comportamentais e neurovegetativas apropriadas. Ainda ressaltando o papel dessas duas estruturas, J. F. W. Deakin, da Universidade de Manchester, e F. G. Graeff propuseram uma teoria para o DAG e o pânico, na qual a AM seria responsável principalmente pelo medo condicionado e a ansiedade antecipatória, enquanto a MCP pela organização da resposta diante de estímulos incondicionados aversivos, tais como dor, asfixia e estímulos inatos de medo (como o odor ou a visão de um predador). Clinicamente, o DAG estaria associado com as disfunções envolvendo a AM, enquanto o pânico com a MCP. Desde que ambas as estruturas são inervadas por fibras serotonérgicas originadas do núcleo dorsal da rafe, deixaremos para discutir mais detalhadamente esse modelo teórico quando tratarmos do papel da serotonina (5-HT) na ansiedade.

O envolvimento da AM no medo condicionado Os efeitos de lesões e estimulações elétricas e químicas no complexo amigdalóide têm sido estudados em diversas manipulações experimentais. Já na década de 30, Klüver e Bucy mostraram que a lobotomia temporal bilateral promovia, em macacos selvagens, um achatamento emocional, caracterizado por docilidade e diminuição do medo de estímulos biologicamente relevantes e ameaçadores. Embora o córtex temporal e o hipocampo também tenham sido removidos por este tipo de manipulação, investigações subseqüentes mostraram claramente que a amígdala era a estrutura responsável por aqueles efeitos observados. A partir de então, os efeitos de lesões da amígdala têm sido reproduzidos em diversos laboratórios e em diferentes espécies de mamíferos. Em geral, lesões bilaterais da amígdala fazem com que os animais percam a capacidade de atribuir um significado de recompensa ou punição para os estímulos ambientais. Estudos realizados por Joseph E. LeDoux e colaboradores, na Universidade de Nova lorque, e Michael Davis, na Universidade de Yale, têm oferecido informações importantes sobre o envolvimento dessa estrutura no medo condicionado do rato. No modelo usado por LeDoux e colaboradores, a expressão do medo condicionado é caracterizada por alterações na atividade autonómica (elevação da pressão arterial) e comportamento de congelamento (freezing) causado por um estímulo acústico associado com um choque elétrico. Já o modelo usado por Davies e colaboradores baseia-se no fato de que a amplitude da resposta incondicionada de sobressalto (startle response), determinada por um estímulo sonoro intenso, está aumentada na presença de um estímulo luminoso previamente associado com um


choque elétrico. Lesões das porções central e lateral da amígdala abolem o medo condicionado em ambos os modelos. LeDoux tem mostrado, ainda, que tanto as alterações na atividade autonômica, quanto o congelamento são abolidos por lesões de duas estruturas auditivas: o colículo inferior e o núcleo geniculado do tálamo; no entanto, a lesão do córtex auditivo não abole a resposta. Assim, estímulos condicionados aversivos, de natureza auditiva, podem alcançar a amígdala por duas vias paralelas: uma delas passaria pelos núcleos específicos do tálamo e pelo neocórtex, enquanto a outra passaria através dos núcleos inespecíficos do tálamo medial. Assim, os sinais auditivos parecem ser transmitidos diretamente da região talâmica para a amígdala. De fato, há fortes evidências de que estímulos discretos ou pistas (coes) são processados diretamente na amígdala, onde o valor hedônico do estímulo parece ser atribuído. Por sua vez, partem da amígdala vias nervosas que se projetam em estruturas límbicas mais profundas, incluindo o hipotálamo e a MCP do mesencéfalo. Com base nessas evidências, LeDoux e colaboradores sugerem que a amígdala exerceria o papel de interface cognitivo-afetiva, dando o “colorido afetivo” e avaliando o grau de ameaça que essas cues representam para o organismo. Apoiando esta hipótese, diversos laboratórios têm mostrado que lesões da amígdala atenuam as reações a estímulos condicionados e incondicionados que sinalizam perigo. Além disso, a administração de drogas ansiolíticas diretamente no interior da amígdala reproduz o efeito da administração sistêmica dos mesmos agentes farmacológicos em diversos modelos animais de ansiedade. Já em seres humanos, estimulações elétricas da AM, no decurso de neurocirurgias estereotáxicas, ou mesmo descargas epilépticas nessa mesma estrutura, são acompanhadas de estados emocionais identificados como medo intenso.

MCPD e HM O sistema neural que comanda as manifestações comportamentais e neurovegetativas da defesa ativa é bem conhecido, estando representado pelo hipotálamo medial e matéria cinzenta periaquedutal dorsal. Assim, Walter R. Hess e colaboradores, em Zurique, verificaram que a estimulação elétrica do hipotálamo de gato desencadeava um quadro de defesa afetiva bastante semelhante àquele observado no confronto do animal com ameaças naturais, como um cão. Os seguidores de Hess verificaram, ainda, que esse mesmo tipo e reação podia ser provocado pela estimulação elétrica da MCP dorsal e da amígdala. Entretanto, a estimulação da amígdala apresentava algumas características diferentes. Por exemplo, além de haver uma latência de vários segundos entre o início da estimulação e o aparecimento da reação de defesa, esta última perdurava por um período de tempo considerável após o término da estimulação. Esses dados sugerem ser a amígdala uma estrutura predominantemente moduladora, e não executora da defesa afetiva. Adicionalmente, James Olds mostrou que a estimulação elétrica da MCP apresentava propriedades motivacionais aversivas, de maneira que ratos aprendiam a emitir uma resposta que desligava a corrente elétrica aplicada nesta região cerebral. Como vimos, a MCP é a estrutura mais caudal desse sistema cerebral envolvido nas reações de defesa. Neste sentido, dois tipos de evidências experimentais reforçam


seu papel como principal outptl desse sistema. A primeira delas é que a estimulação elétrica diretamente sobre a MCP é acompanhada por intensas reações de medo/ansiedade em animais. Segundo, a lesão dessa estrutura bloqueia a reação de defesa provocada pela estimulação do hipotálamo medial, ao passo que a reação obtida a partir da MCP persiste, mesmo após a destruição do hipotálamo. A este respeito, B. S. Nashold e colaboradores mostraram que a estimulação elétrica da MCP dorsal em pacientes neurocirúrgicos provoca fortes sensações de medo, pavor e morte iminente, acompanhadas de intensas manifestações neurovegetativas Desde que o quadro descrito por Nashold lembra muito um ataque de pânico, é possível que esta estrutura desempenhe um papel importante na manifestação deste distúrbio de ansiedade, como ressaltado no modelo de Deakin e Graeff. Finalmente, tanto na MCP quanto no hipotálamo, reação de defesa pode também ser provocada por drogas que diminuem a inibição promovida pelo ácido gama aminobutírico (GABA) nessas estruturas. Desde que como veremos, a seguir, os ansiolíticos benzodiazepínicos intensificam a inibição promovida pelo GABA, não é de se estranhar que experimentos realizados por Marcus L. Brandão, Elizabeth Audi e F. G. Graeff tenhan mostrado que a administração central de clordiazepóxido ou midazolam, diretamente no interior da MCP dorsal, aumentava o limiar da corrente elétrica capaz de induzir uma resposta induzida pela estimulação elétrica dessa região. Efeitos semelhantes foram obtidos pela injeção local de pentobarbital, bem como do próprio GABA. Recentemente, Brandão e colaboradores têm obtido resultados sugerindo fortemente a participação do colículo inferior nesse sistema de defesa.

Neurotransmissores e ansiedade O papel do GABA na ansiedade e na ação ansiolítica dos heíizodiazepínicos Foi apenas no final do século passado, com a introdução dos brometos, que surgiram as primeiras substâncias sintéticas usadas explicitamente com a finalidade de acalmar pacientes com elevado grau de ansiedade, associado ou não com distúrbios orgânicos. Essas drogas, porém, mostraram-se pouco eficazes, além de induzirem graves intoxicações após seu uso prolongado. Já no início do século XX surgiu um ansiolítico reativamente eficaz e de baixo custo, o femiobarbital, pertencente ao grupo químico dos derivados do ácido barbitúrico. Os inconvenientes do seu uso como ansiolítico logo surgiram, principalmente, por seu alto grau de indução de sonolência, incoordenação motora e depressão respiratória. Em meados da década de 50 surgiu o meprobaniato, um tranqüilizante menor, derivado do propanodiol. Ao contrário das expectativas, verificou-se pouca eficácia dessa droga como ansiolítico, bem como um alto custo de produção e potencial para causar dependência. Na década de 60 o tratamento farmacológico dos distúrbios de ansiedade passou a ser feito preferencialmente pelos ansiolíticos benzodiazepínicos BDZs quadro este que permanece até hoje. O grande sucesso dos BDZs deve-se principalmente a sua elevada eficácia nos distúrbios de ansïedade e baixa toxicidade. Mas apesar das vantagens sobre o femiobarbtal e mneprobaniato, essas drogas também apresentam alguns efeitos


indesejáveis, incluindo capacidade de induzir incoordenação motora em altas doses, tolerância após o uso prolongado, além de amnésia anterógrada, dependência psicológica e fisiológica. A utilização dos BDZs na clínica derivou das observações originais do farmacologista norte-americano L. Randal sobre a capacidade do clordiazepóxido amansar macacos extremamente agressivos. Tais propriedades eram compartilhadas por uma família de derivados henzodiazepínicos, destacando-se o diazepam. Outros BDZs empregados na clínica são o bromazepam, o lorazepam, o Ilunitrazepam, o temazeapam e o oxalepam. Os derivados triazolobenzodiazepínicos alprazolam e tromazolam, bem como o imidazobenzodiazepínico midazolam, também têm sido empregados como ansiolíticos miohipnóticos (para induzir o sono). A despeito da ampla difusão que os BDZs rapidamente alcançaram, uma melhor compreensão sobre seu mecanismo de ação surgiu apenas no tinal da década de 70, quando R. F. Sqüire e P. C. Braestrup, em Copenhague e H. Mõlher e T. Okada. na Basiléia, verificaram a existência de macromoléculas protéicas situadas nas membranas de neurônios cerebrais de mamíferos, constituindo-se em verdadeiros receptores que se combinavam especificamente com as moléculas de BDZs. Demonstrou-se, então, que havia uma correlação positiva e altamente significativa entre a potência clínica de diferentes BDZs e sua afinidade para se combinarem com esses sítios de ligação específica. Estudos neuroquímicos indicam que os BDZs acentuam a ação do ácido gamaaminobutirico (GABA) em nível pós-sináptico. O receptor de GABA está acopIado a um canal de cloreto (Cl) e associado a um receptor benzodiazepínico. Em um estado conformacional de baixa afinidade, o receptor de GABA acha-se vago, com o canal de cloreto fechado. Quando os canais de cloreto são abertos, os íons de cloreto flutuam livremente, normalmente do lado de tora para dentro da célula. A combinação do GABA com seu receptor resulta na abertura do canal, permitindo a entrada do íon com conseqüente hiperpolarização da membrana pós-sináptica. A atividade farmacológica dos BDZs seria a de induzir uma alteração alostérica na inacromolécula receptora aumentando a afinidade dos receptores do tipo GABAA pelo neurotransmissor. Desta maneira, a ação GABA-érgica é facilitada. Os barbitúricos também facilitam a ação GABA-érgica, porém agindo diretamente no canal de cloreto, aumentando o tempo de sua abertura (ver Figura 1). A presença de receptores benzodiazepínicos no cérebro de mamíferos sugere a existência de substâncias endógenas que atuariam tisiologicamente nos mesmos locais. Assim, diversos candidatos a ligantes endógenos desses receptores têm sido propostos, embora não haja evidências diretas se eles agiriam na mesma direção dos BDZs, diminuindo a ansiedade, ou se teriam um efeito oposto, atuando corno agentes ansiogênicos. Existe uma grande variedade de agentes ansiogênicos que afetam o complexo de receptores GABA-benzodiazepínico, seja atuando no canal de cloreto, no receptor de GABA, ou mesmo no receptor benzodiazepínico. Por exemplo, o convulsivante picrotoxina impede a abertura do canal de cloreto ao se combinar com ele. O pentilenotetrazol (PTZ), um agente convulsivante e ansiogênico, liga-se ao mesmo sítio da picrotoxina, diminuindo a inibição promovida pelo GABA e aumentando a excitabilidade no sistema nervoso central. Outro convulsivante, a bicuculina,


antagoniza o GABA competindo diretamente por seu receptor. Compostos atuando como agonistas inversos de receptores benzodiazepínicos também têm sido identificados. Esses compostos são assim denominados porque se ligam com alta afinidade a estes receptores, promovendo, entretanto, efeitos contrários aos dos BDZs. Um exemplo de agonista BDZ inverso é a B-carbolina FG 7142 com comprovados efeitos ansiogênicos em animais de laboratório e no homem. Finalmente, compostos como o derivado imidazobenzodiazepínico RO 151788 (flumazenil) bloqueiam competitivamnente os receptores benzodiazepínicos, antagonizando todos os efeitos dos BDZs e dos agonistas inversos. Membrana subsináptica Receptor benzodiazepínico Canal de cloro nervoso Receptor GABAA Figura 1. Representação esquemática de uma terminação GABA-érgica, ilustrando o complexo molecular pós-sináptico constituído por cinco subunidades que delimitam um canal de cloreto. O receptor GABAA e o receptor benzodiazepínico situam-se em diferentes subunidades, interagindo entre si por mecanismos ditos alostéricos.

Evidências como estas acima mencionadas apontam claramente para o envolvimento do GABA na regulação da ansiedade. No entanto, não se sabe ainda quais sistemas neuronais estariam envolvidos, total ou parcialmente, nessa regulação. A principal dificuldade é que os receptores GABA-érgicos e henzodiazepínicos são ubiqüitários no sistema nervoso central, afetando assim diversos sistemas funcionais. A este respeito, estima-se que pelo menos 25% das sinapses cerebrais sejam GABA-érgicas. De qualquer forma, diversos resultados sugerem a participação de sistemas psicobiológicos diferentes para os efeitos anticonvulsivante, relaxante-muscular e ansiolítico. Quanto a este último efeito, diversas estruturas do sistema límbico têm sido implicadas nessa regulação, incluindo o sistema septo-hipocampal, o hipotálamo, a matéria cinzenta periaquedutal, o colículo inferior, mas principalmente a amígdala. Por exemplo, diversos laboratórios têm mostrado que injeções de BDZs diretamente na amígdala promovem efeitos ansiolíticos semelhantes àqueles obtidos pela administração sistêmica dessas drogas. Mais ainda, o efeito ansiolítico produzido pela injeção sistêmica de BDZs, em modelos animais de conflito, é antagonizado pela administração bilateral do antagonista competitivo de receptores benzodiazepínicos, flumazenil, no complexo amigdalóide. Tais achados são consistentes com a grande quantidade de receptores benzodiazepínicos nesta estrutura, sobretudo em sua porção basolateral. Conforme sugerido na seção “Bases neurais do DAG e do pânico”, deste capítulo, a amígdala, além de emprestar uma conotação afetiva às percepções, dando o “colorido emocional”, parece também influenciar a gravação e evocação de memórias. Dessa forma, essa estrutura não apenas desempenharia um papel crítico


na ação ansiolítica dos BDZs mas também na ação amnéstica dessas drogas. Apoiando essa hipótese, recentes evidências, envolvendo trabalhos conjuntos dos psicobiólogos Carlos Tornaz, da Universidade de São Paulo de Ribeirão Prelo, e J. L. McGaugh da Universidade da Califórnia, mostram que lesões da porção basolateral da amígdala bloqueiam o efeito amnéstico do diazepam em tarefas de esquiva inibitória. Embora os mecanismos envolvidos nessa regulação não estejam ainda suficientemente esclarecidos, uma hipótese bastante atraente atribui à amígdala o papel de interface cognitivo-atetiva, exatamente nos moldes do que LeDoux tem sugerido. A possível relação da amígdala com o distúrbio de ansiedade generalizada e o amplo sucesso alcançado pelos BDZs no tratamento farmacológico desse distúrbio reforçam ainda mais essa hipótese. De fato, núcleos e vias do sistema límbico têm sido consistenternente implicados nos processos psicobiológicos de emoção e memória. Neste sentido, a amígdala talvez seja o principal substrato neural da memória emocional. Além do GABA, diversas evidências sustentam o envolvimento de outros neurotransrnissores e neuromoduladores na ansiedade, incluindo aminas biogênicas como a noradrenalina, doparnina e serotonina (5-HT), peptídeos, corno o fator de liberação da corticotropina ou CRF, o ACTH e colecistocinina ou CCK, além de esteróides como a corticosterona. Em relação às aminas biogênicas, uma grande atenção tem sido dada ao envolvimento da 5-HT na modulação a ansiedade. Muitos dos ansiolíticos descobertos recentemente incluem grupos de drogas agindo primariamente na neurotransmissão mediada pela 5-HT entre os quais a buspirona e seus análogos ipsapirona e gepirona, que agem como agonistas parciais do subtipo 5-HTA de receptores serotonérgicos. os antagonistas 5-HT2 e 5-HT. Também os antidepressivos inibidores da recaptação de 5-HT estão sendo empregados no tratamento dos distúrbios de ansiedade.

O papel da 5-HT na ansiedade e no pânico O papel da 5-HT na ansiedade tem sido sugerido a partir de achados laboratoriais mostrando que a para-clorofenilalanina (PCPA), um inibidor da síntese de 5-HT, e dois antagonistas de receptores serotonérgicos, a metisergida e o ácido bromolisérgico, liberavam o comportamento suprimido pela punição em testes de conflito com ratos e pombos. Já nesta época, no final da década de 60, F. G. Graeff e R. G. Schoenfeld, então realizando pesquisas na Universidade de Harvard, observaram que o efeito anticonflito da metisergida em pombos era comparável àquele dos BDZs sugerindo então a existência de um mecanismo triptaminérgico (no cérebro) envolvido na inibição do comportamento. Pouco tempo depois, Larry Stein e colaboradores, então trabalhando no laboratório de pesquisa da companhia farmacêutica Wyeth, mostraram que o oxazepam reduzia a taxa de renovação (tltrnover) de 5-HT no cérebro de ratos nas mesmas doses que liberavam o comportamento punido. Este fato levou esses pesquisadores a sugerirem que a ação ansiolílica dos BDZs, liberando o comportamento punido, devia-se a uma diminuição da 5-HT em vias serotonérgicas mediadoras dos efeitos comportamentais da punição. Ainda que os BDZs afetem o sistema serotonérgico, hoje se admite ser pouco provável que seu efeito ansiolítico se deva a esta interação. Além disso, a crescente descoberta de vários tipos e subtipos de


receptores serotonérgicos, com drogas agindo especificarnente em cada um deles, bem corno a descoberta de uma nova geração de BDZs de ação mais seletiva, como são o CGS 9895 e CGS 9896, abercanil, divaplon, alpidem e betrazenil, sugere fortemente mecanismos diferenciados para a ação ansiolítica dos compostos agindo primariamente na neurotransmissão mediada pela 5-HT e os potencializadores do GABA. A neurotransmissão serotonérgica é demasiadamente complexa. Além de existirem diversas vias serotonérgicas no cérebro, há vários tipos receptores de 5-HT. No nível pós-sináptico, receptores do tipo 5-HT1, 2, 3.4, 5 e 6 têm sido identificados. Em relação à ansiedade, os receptores 5-HT1, 5-HT2 e 5-HT3 parecem desempenhar um papel importante. Os receptores 5-HTi têm sido ainda subdivididos em 5-HTIA 13. ii). i e p e os 5-HT2 em 5-HT2A, 2B e 2C. O subtipo 5-HT1A também se localiza no nível dos corpos celulares. Ensaios com ligantes marcados indicam que a buspirona, bem como seus análogos gepirona e ipsapirona. apresentam alta afinidade por receptores 5-HTI A, os quais se localizam predominantemente no hipocampo e regiões vizinhas do lobo temporal, no nível pós-sinóptico. Concentram-se também nos corpos celulares da rafe mesencefólica, onde desempenham o papel de auto-receptores inibitórios, regulando o ritmo de disparo destas células. Outras drogas que atenuam estados de ansiedade, agindo na neurotransmissão serotonérgica, são a ritanserina e os antidepressivos tricíclicos. A ritanserina, um antagonista de 5-HT2, tem se mostrado tão eficaz quanto os BDZs em ensaios clínicos controlados. No distúrbio de pânico, ao contrário, a ritanserina não apenas é ineficaz, exatamente como ocorre com os BDZs em doses ansiolíticas, mas alguns estudos indicam que ela pode até piorar este distúrbio. Em relação aos antidepressivos, como a imipramina e seu derivado, a clorimipramina, inúmeras evidências clínicas mostram seu efeito antipânico. Ressalta-se, porém, que o alívio nos sintomas de pânico como efeito dos antidepressivos não se verifica imediatamente, tornando-se evidente somente após duas a três semanas de uso continuado. Ao contrário, em 20% dos casos observa-se até mesmo um agravamento nos sintomas durante a fase inïcial do tratamento. A fim de explicar esses resultados, o psiquiatra britânico J. W. F. Deakin propôs que o efeito ansiolítico da ritanserina estaria sediado na amígdala, devido ao bloqueio dos receptores 5-HT2, que mediariam a ação ansiogênica da 5-HT naquela estrutura (ver seção seguinte, abaixo). Desde que os antidepressivos também aliviam sintomas de DAG após seu uso crônico, e os agonistas de 5-HT1A promovem uma sub-regulação dos receptores 5-HT2, Deakin sugere que os efeitos ansiolíticos dessas drogas resultam de uma redução da transmissão serotonérgica que se origina no núcleo dorsal da rale, projetando-se para a amígdala e o córtex frontal. Esta via, portanto, participaria da ansiedade antecipatória e do DAG, no sentido facilitatório. Enquanto isso, a via que parte do núcleo mediano da rale. inervando o hipocampo dorsal, promoveria a adaptação do organismo ao estresse crônico, estando insuficiente na depressão e explicando o a melhora deste quadro por drogas que inibem a recaptação de 5-HT. A despeito do modelo de Deakin explicar satisfatoriamente o efeito ansiolítico da ritanserina e dos antidepressivos, ligantes 5-


HT1A, ele não antidepressivos.

explica

onde estaria localizado

o

efeito

antipânico

dos

O duplo papel da 5-HT na AM e MCPD: implicações para os distúrbios de ansiedade generalizada e pânico Tanto a AM quanto a MCP são inervadas por fibras contendo 5-HT provenientes do núcleo dorsal da rale. Verificou-se que microinjeçôes de 5-HT ou do agonista de 5HTJA 8-OHDPAT no interior da amígdala intensificam a supressão comportamental causada pela punição, indicando um efeito ansiogênico desses compostos. Por outro lado, drogas antagonistas de receptores do tipo 5-HT2, como a quetanserina, libera o comportamento punido de maneira semelhante aos ansiolíticos benzodiazepínicos. Portanto, a 5-HT parece acentuar a ansiedade na AM por uma ativação dos receptores 5-HTiA e 5-HT2. O papel da 5-HT na MCPD, no entanto, parece não ser o mesmo. Analisemos, por exemplo, uma série de experimentos realizados em nosso grupo de pesquisa, em que quimitrodos (uma cânula acoplada a um eletrodo) foram implantados na MCPD de ratos, de maneira que drogas podiam ser micromnjetadas numa mesma área estimulada eletricamente. Resumidamente, o procedimento envolve duas etapas. Ratos são colocados numa caixa com dois compartimentos iguais, medindo-se o limiar da corrente elétrica aplicada naquela estrutura cerebral que é capaz de induzir uma resposta de correr (fuga) para o lado oposto da caixa. Após a definição do limiar, drogas são então injetadas e verifica-se uma eventual alteração desse limiar. Em linhas gerais, um aumento significativo no limiar é indicativo de um efeito ansiolítico. Esta idéia é suportada pelo fato de que BDZs aumentam esse limiar quando administrados nessa estrutura, sendo este efeito bloqueado pelo antagonista competitivo flumazenil. A microinjeção de 5-HT na MCPD, ao contrário do que se observa na amígdala, em testes de conflito, aumenta o limiar da resposta de fuga, sugerindo um efeito antiaversivo. Este efeito é ainda mais acentuado com a microinjeção de um agonista não seletivo de receptores serotonérgicos, a 5MeODMT, sugerindo que a ativação dos receptores pós-sinápticos de 5-HT é que modulam a inibição da aversão gerada pela estimulação da MCP. Neste sentido, resultados subseqüentes mostraram que a quetanserina, que como vimos é um bloqueador do subtipo 5-HT2, previne o efeito antiaversivo da 5-HT na MCPD, sugerindo fortemente que os principais efeitos ansiolíticos da 5-HT devem-se a uma estimulação do subtipo 5-HT2 de receptores serotonérgicos. Tais achados, entre outros, mostram que enquanto o GABA inibe os comportamentos de defesa tanto na AM quanto na MCPD, a 5-HT é aparentemente excitatória na AM e inibitória na MCPD. A via que parte do núcleo dorsal da rafe, em direção à MCPD, teria a função de inibir o pânico, de maneira similar a sugestão de Robert Bolles e Michael Fanselow de que o medo inibe a dor. Combinando estes dados laboratoriais com as evidências clínicas, Deakin e Graeff propõem um modelo integrando as funções dessas três vias serotonérgicas no DAG, pânico e depressão (Figura 2). De acordo com este modelo, a amígdala participaria predominantemente de formas de ansiedade aprendidas ou condicionadas, ao passo que a MCP seria funda mental para a expressão de medos inatos. Drogas que


reduzem a eficácia da neurotransmissão mediada por 5-HT na amígdala seriam ansiolíticas, no sentido de aliviar sintomas de ansiedade antecipatória e o DAG, enquanto drogas que intensificam a ncurotransmissão seroionérgica na MCP teriam ação anttpânico. De fato, recentes testes cruciais desta hipótese já têm sido realizados. Por exemplo, a d-fenfluramina, um agente liberador seletivo de 5-HT dos terminais proveniente do núcleo dorsal da rafe, intensifica estados de ansiedade aprendida, porém reduz a ansiedade incondicionada; a separação destes dois tipos de ansiedade tem sido possível graças à padronização por Milena Viana, (‘Carlos Tomai. e F. G. Graeff de um novo modelo animal de ansiedade, o labirinto em T elevado, que permite avaliar simultaneamente o efeito de drogas sobre a exprestónia e sobre uma resposta de fuga (típica de um medo incondicionado). PAPEL DA SEROTONINA (5-HT) Depressão Amída 2A12C 3 Hipocampo Ameaça Pânico Estresse crônico Figura 2. Esquema teórico ilustrando as lunçocs atribuidas a três diferentes vias serotonérgicas no DAG. no pânico e na depressão, respeclivamente, segundo Deakin e Graeff. Projeções do núcleo dorsal da rafe (NDR) para a amígdala estariam relacionadas a eventos aversi vos condicionados e aos sintomas de ansiedade. Disfunções nesse sistema seriam representadas pelo quadro clínico do DAG. Projeções do NDR para a matéria cinzenta penaquedutal (MCP) estariam relacionadas com a expressão de medos inatos. A disfunção nesse sistema seria representada pelo pânico.

Em humanos, outros dois testes experimentais, desenvolvidos em colaboração com os psiquiatras Luiz A. Hetem e Antônio W. Zuardi, bem como com o farmacologista Francisco S. Guimarães, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, têm servido para avaliar esses dois tipos de ansiedade. Um dos testes procura reproduzir um medo extremamente prevalecente e provavelmente não aprendido, o de falar em público. No outro teste, mede-se a intensidade da resposta galvânica da pele diante de um estímulo condicionado aversivo. Novamente corroborando o duplo papel da 5HT na ansiedade, foi verificado que a fenfluramina atenua a magnitude da resposta galvânica da pele diante do estímulo condicionado, enquanto prolonga o aumento da ansiedade provocado pela simula são de urna esquiva inibitória (urna ansiedade antecipação de falar em público. 4 Intervenção social 3-bIoqueadores Biofeedback Ansiedade Percepção da


Experiências Eventos externos Psicoterapias Medicamentos Genética

Filtro cognitivo 1 Predisposição ansiosa

Figura 3. Esquema representando o conjunto dc fatores que participam da ansiedade patológica, bem como onde atuam as diferentes Intervenções terapêuticas.

Considerações finais O grande avanço da Psicobiologia nos últimos anos, devido sobretudo a pesquisas multidisciplinares, tem contribuído de maneira decisiva para um melhor entendimento dos aspectos etiológicos bem corno no tratamento, dos distúrbios psiquiátricos. Assim, procurou-se neste capítulo apresentar ao leitor alguns fatores que contribuem para gênese do DAG e do distúrbio de pânico, bem como algumas técnicas utilizadas para estudá-los experimentalrnente. As intervenções terapêuticas devem necessariamente acompanhar essa abordagem muItidisciplinar. O transtorno do pânico é susceptível ao tratamento pelas terapias comportainentais. cognitivas e pela farmacoterapia. Os trabalhos pioneiros do psiquiatra norte-americano Donald Klein, no início da década de 60, mostrando a eficácia da imiprainina em suprimir os ataques de pânico em pacientes agorafóbicos despertaram grande interesse pelo tratamento farmacológico deste distúrbio. Os resultados obtidos por este e outros grupos de pesquisa também indicavam que os BDZs, de grande eficácia no tratamento da ansiedade generalizada, eram pouco eficazes no pânico. Por outro lado, a imipramina, que era eficaz no tratamento do pânico, não o era na ansiedade generalizada. Estes resultados serviram de base para a fundamentação do conceito de pânico como categoria nosológica distinta da ansiedade generalizada. No entanto, trabalhos farmacológicos mais recentes têm colocado em questão a existência de tão clara distinção. Nesse sentido, tem sido demonstrado que agonistas benzodiazepínicos com alta afinidade por seus receptores, e elevada potência farmacológica, como o alprazolam, são eficazes em reduzir a ocorrência de ataques de pânico em doses menores que outros BDZs, e que a imipramina pode ser eficaz na ansiedade generalizada. Adicionalmente à irnipramina e o alprazolam, inibidores da MAO também são relativamente eficazes no tratamento do pânico. O mesmo, no entanto, não parece acontecer com outras classes de drogas como os antagonistas B-adrenérgicos e


agonistas do subtipo 5-HTIA de receptores serotonérgicos. Os resultados obtidos com o emprego de terapias comportamentais no tratamento do DAG têm se mostrado inferiores aos alcançados em outros distúrbios de ansiedade, como nas fobias e no distúrbio obsessivo-compulsivo. Resultados melhores têm sido obtidos com o emprego de técnicas de relaxamento, de biofeedback e de terapias cognitivas (para uma revisão deste tópico, ver Mineka, 1985). Além disso, o DAG é altamente susceptível ao tratamento farmacológico, sendo os BDZs as drogas mais empregadas para esta finalidade. De qualquer forma, a capacidade dessas drogas induzirem efeitos indesejáveis como sedação, amnésia, tolerância e dependência psicológica e tusiológica tem levado a uma grande procura por ansiolíticos mais seletivos. No caso particular do agonista de 5-HTIA. a buspirona, ressalta-se que, a despeito de não induzir síndromes de retirada ou dependência, apresenta o inconveniente de só ser eficaz semanas após o início de sua administração. Mais recentemente, um grande interesse experimental tem sido despertado pelo potencial clínico de antagonistas de receptores de serotonina do tipo 5-HT3, como o ondansetron e o zacopride. O efeito ansiolítico destes compostos tem sido demonstrado em diferentes modelos animais de ansiedade e em alguns ensaios clínicos preliminares. Antagonistas do subtipo 5HT2, como vimos no caso da ritanserina, também têm sido relativamente eficazes em ensaios clínicos controlados, embora essas evidências necessitem ser replicadas mais sistematicainente. Além disso, o efeito desses compostos em modelos animais de ansiedade têm sido conflitantes. Não há dúvida, pois, que a etiologia dos distúrbios de ansiedade é multifatorial. Isto se reflete, necessariamente, nas diferentes forrnas de tratá-los clinicamente. O esquema da Figura 3, modificado de uma representação multifatorial análoga, concebida pelo psicofarinacologista britânico Malcolm Lader, ilustra muito bem esse tipo de abordagem. De acordo com este esquema, a fonte dos influas que desencadeia a ansiedade provém de eventos externos do meio ambiente. No entanto, para que eles venham a ser subjetivamente interpretados como ameaça. os fatores cognitivos e simbólicos intervêm. Tais fatores são fruto tanto da experiência individual quanto dependentes do contexto sociocultural onde o indivíduo foi criado e vive atualmente. As informações processadas desta maneira influirão no organismo, cujos fatores genéticos determinam grande parte de sua constituição. É exatamente aí que se acham não apenas os elementos compartilhados por todo gênero humano, fruto de uma herança filogenética, mas também as diferenças características de cada genoma individual. No entanto, a predisposição para agir com maior ou menor grau de ansiedade (traço de ansiedade) também recebe influências ambientais, desde traumas intra-uterinos, estado nutricional durante o desenvolvimento ontogenético do SNC. infecções bacterianas e viróticas, além de experiências psicológicas, como traumas na infância. Portanto, em um determinado momento na vida do indivíduo, este traço pode influenciar marcadamente seu estado de ansiedade, manifestado tanto por vivências subjetivas, como preocupação e disforia, quanto por alterações somóticas principalmente aumento da tensão muscular, e neurovegetativas, incluindo sudorese, tremores e taquicardia. A própria percepção das alterações somáticas, novamente influenciada por componentes cognitivos, age como feedback para essa percepção de ameaça.


Contorme ilustrado na mesma figura, são vários os níveis possíveis de intervenção terapêutica. Desta forma, os fatores ambientais podem ser atenuados, por exemplo, por meio de um procedimento de intervenção social em que o sujeito muda de um emprego, em que as exigências ou contlitos interpessoais estejam elevadas para seu limiar, para um outro ambiente mais favorável. Quando esta mudança de ambiente não é possível ou desejável, pode-se ainda alterar a maneira pela qual o indivíduo interpreta o ambiente, reformulando atitudes, valores, hábitos e vieses cognitivos. Em muitos desses casos, os diferentes tratamentos psicoterápmcos existentes desempenham um papel decisivo. Os medicamentos com efeitos ansiolíticos. incluindo. em um sentido mais amplo, até os assim chamados antidepressivos (como vimos. particularmente no distúrbio de pânico), podem ainda atuar de maneira complementar, manejando os níveis momentâneos de ansiedade e alterando as reações do organismo à ameaça. Finalmente, podemos ainda inlerlerir com o feedback proveniente da percepção das mudanças corporais que acompanham a ansiedade. Isto pode ser feito tanto farmacologicamente, por meio de B-bloqueadores (p. ex., propranolol), que atenuam as alterações neurovegetativas mediadas pelo sistema simpático, quanto por técnicas comportamentais de biofeedback e meditação. Estas últimas permitem não somente controlar a musculatura estriada, por exemplo, regularizando a respiração, como também influenciar funções neurovegetativas, como o ritmo dos batimentos cardíacos, além de alcançar estados de quietute mental (muitas vezes acompanhados do registro eletroencefalográfico do estado alfa), promovendo mudanças terapêuticas no indivíduo.

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27 Análise experimental do comportamento na posição sentada: ergonomia do mobiliário escolar Francisco de Paula Nunes Sobrinho, Aluísio Otávio Vargas Ávila, Antonio Renato Pereira Moro e Orion da Silva Meilo

O mito de Procrusto Foi na Grécia antiga que Procrusto um ladrão ateniense, habitante da Região da Ática, costumava molestar viajantes que passavam à beira da estrada, extorquindolhes dinheiro, torturando-os em uma de suas camas ou golpeando-os a marteladas até a morte. Por vingança, Teseu assassinou Procrusto, na sua própria cama, com o seu próprio martelo. Essa tragédia grega relata a solução encontrada pelo homicida na tentativa de impedir que Procrusto continuasse a oferecer uma macabra hospitalidade aos viajantes: após o jantar, eram obrigados a optar pelo pagamento das despesas de comida e bebida ou se deitarem em uma de suas camas de ferro. Se os viajantes optassem por deitar, como era esperado, Procrusto acrescentava uma outra exigência: os corpos das vítimas deveriam caber exatamente dentro das dimensões da cama. Depois de muïto vinho e comida, o viajante era, então, convidado a dirigir-se aos aposentos de Procrusto e lá se deparava com duas camas; uma delas era longa no seu comprimento e a outra curta. Com frequência, as medidas dos corpos das vítimas não se ajustavam às dimensões das camas. A menos que os viajantes se dispusessem a pagar uma volumosa quantia em dinheiro para livrarem-se das torturas, Procrusto ameaçava-os com seu martelo, na tentativa de ajustá-los às dimensões do leito. Os de maior estatura teriam seus braços e pernas amputados a marteladas e os de baixa estatura teriam seus membros esticados até que atingissem perfeitamente as dimensões da cama. Já cansados, os incautos quase sempre optavam por pagar as despesas do jantar.

A reedição do mito O Mito de Procrusto vem sendo reeditado e se atualiza nas mais simples interações diárias entre o homem e o seu ambiente construído, notadamente o local de trabalho. Conforme afirmou Oborne (1992), o fantasma de Procrusto ceifou vidas, reduziu a produtividade e resultou em incontáveis erros por conta da desarmonia entre o operador humano e o seu ambiente de trabalho. Nesse contexto, alertou Dejours (1987) que o conteúdo e a organização do trabalho moderno exigem comportamentos estereotipados, pressupondo sujeição do corpo,


conseguida pela submissão da personalidade. Esses modos de organização do trabalho agem, também, sobre o pensamento e sentimentos, culminando em fobias, angústia, infelicidade e até mesmo em loucura. Segundo aquele autor, na tentativa de reencontrar o prazer no trabalho, o indivíduo afugenta-se em alternativas que modificam a sua relação com o ambiente ocupacional. Trata-se de desobediências para burlar as regras do trabalho prescrito e retomar os prazeres do trabalho real. Conseqüentemente, o trabalhador utiliza de variados mecanismos para modificar suas relações com o ambiente. Em se tratando de mecanismos alternativos dos usuários para modificar suas relações com o ambiente ocupacional, observa-se, por exemplo, que o motorista de ônibus, assim como o trocador, quase sempre se utilizam de calços adaptados na parte posterior do assento de trabalho para minimizar os efeitos desadaptativos da má postura. Curiosamente, esse padrão postural escolhido não se diferencia daquele sugerido pelos resultados de pesquisa. Estudos em biornecânica ocupacional área de conhecimento que investiga as relações entre o sistema músculo-esquelético do indivíduo e o ambiente de trabalho indicaram que o assento inclinado para frente induz a coluna vertebral a assumir a postura anatômica de noventa graus, proporcionando redução significativa de pressão intradiscal e conseqüente desaparecimento da sensação de dor e desconforto. Uma proposta de redimensionada do mobiliário ocupacional conforme dados biomecânicos, foi utilizada em estudos sobre níveis de conforto do usuário (Nunes, Ávila e Mello, 1989). A interação mobiliário-usuário poderá reproduzir a fábula grega na medida em que o corpo é forçado, de uma maneira geral, a se conformar às exigências impostas pelo design do conjunto cadeira-mesa. Observa-se, por exemplo, a presença de componentes aversivos em assentos alocados em cinemas, aeroportos e outros lugares públicos. Bares e restaurantes, por exemplo, para garantirem maior rotatividade, podem intencionalmente acomodar seus freqüentadores em mesas e cadeiras que mantenham o comportamento de permanecer sentado apenas por breve espaço de tempo. Sommer (1969), em seu livro Personal space: the behavioral hasis ofdesign, sustentou a possibilidade de o mobiliário controlar comportamentos em locais variados, como foi o caso do assento projetado pelo dinamarquês Henning Larsen que intencionalmente produzia uma desagradável pressão na coluna vertebral, induzindo os freqüentadores de uma casa de chá a permanecerem sentados por tempo reduzido. Outros componentes aversivos foram relatados na literatura sobre assentos e mobiliário cadeira-mesa. A duração das respostas emitidas na posição sentada poderão ser afetadas por conseqüências aversivas presentes no assento. Sommer (1969) utilizou-se do termo sociocifuga para designar arranjos de mobiliário que praticamente expulsam o usuário na direção da periferia da sala. Contrariamente, os arranjos de mobília do tipo sociocípeto induziriam o deslocamento das pessoas todas para o centro do ambiente da sala. De modo intencional, os designs dos assentos encontrados em terminais rodoviários e aeroportos dificultam sobremaneira a interação social entre os usuários. Ou as cadeiras ficam alocadas paralelamente umas com as outras ou enfileiradas como as de sala de cinema. Mesmo que os assentos estejam posicionados uns de frente para os outros, a distância que os separa impossibilitaria qualquer tipo de conversa entre as pessoas. Assentos do tipo


sociocifugo induzem respostas de levantar-se e dirigir-se aos locais periféricos onde provavelmente encontram-se as vitrines repletas de produtos a serem adquiridos pelos usuários. Em circunstâncias específicas, as incompatibilidades na interação mobília-usuário ficam tão intensas a ponto de induzir posturas corporais inusitadas, provocar movimentação excessiva ou culminar com o abandono definitivo do assento (Branton e Grayson, 1969; Oborne, 1983; Nunes, 1985; Moro, Mello, Avila e Nunes, 1993; Moro, 1994 e MelIo. 1994). Componentes do sistema cadeira-mesa poderão também assumir características reforçadoras, aumentando assim a probabilidade de o indivíduo permanecer na posição sentada por longo espaço de tempo. A conseqüência de ter se sentado em cadeira cujo design atende às demandas do usuário é contingente à sensação de conforto verbalizada.

A Ergonomia como reação à ideologia de Procrusto Ergo do grego significa trabalho e nomos refere-se às normas, regras ou leis naturais. Daí, o vocábulo Ergonomia para designar o conjunto de leis que regem o trabalho humano em sentido amplo. Trata-se de tecnologia multi e interdisciplinar que investiga as interações observáveis entre o homem e o ambiente físico e social da ocupação. Mais especificamente, cabe ao ergonomista verificar relações funcionais entre as respostas humanas e o ambiente construído. A Ergonomia é uma tecnologia de interface que tem como suporte científico conhecimentos produzidos pela engenharia, medicina, psicologia e diversas outras áreas do saber humano. Para Bellettini (1993), a Ergonomia é uma tecnologia desenvolvida interdisciplinarmente a partir de investigações científicas utilizáveis na otimização integral dos sistemas homens-máquinas ou do sistema homem-máquina. A condição básica para a prática ergonõmica é que tanto o homem, elemento nobre do sistema, quanto máquinas, ferramentas e utensílios sejam considerados fatores mutuamente inclusivos para efeitos de intervenção. Cabe ao ergonomista verificar os efeitos das operações de trabalho, das máquinas, das ferramentas, da tarefa em si e do clima social nas respostas humanas, sejam elas comporlamentais, cognitivas, emocionais ou fisiológicas. Os ergonomistas dedicam-se à pesquisa ocupacional descritiva seguida de procedimentos de intervenção e avaliação sistemática. O eixo temático dessas investigações ergonômicas concentram-se na melhoria de condições de vida do trabalhador, conseguida por meio do manejo de contingências presentes no ambiente físico e social das estações de trabalho. Os conteúdos abordados durante os últimos eventos promovidos pela Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO) refletem a preocupação dos pesquisadores. Dentre os títulos dos trabalhos apresentados destacaram-se os seguintes: metodologia ergonômica; análise do trabalho; formação do ergonomista; novas tecnologias; ergonornia do produto; ergonomia cognitiva; antropometria; interação homem-computador; ambiente físico; gestão, participação e organização do trabalho; higiene e segurança no trabalho; saúde e trabalho e outros de significativa importância. Dentre os paradigmas disseminados pelos ergonomistas, o modelo de interação homem-máquina é o mais difundido. Trata-se de modelo sistêmico no qual a


máquina pode ser representada por urna simples escova de dentes, um instrumento musical, automóvel, martelo, lápis, equipamento de proteção, mobiliário cadeiramesa e outros utensílios que se articulam em trocas recíprocas com o homem no sentido da adaptação dessa máquina às exigências humanas. No caso de Procrusto, o procedimento foi inverso na medida em que as vítimas deveriam ajustar-se necessariamente às condições ambientais impostas. Na atividade ergonômica, em vez de ‘adaptarmos” o homem ao ambiente, promove-se o rearranjo ambiental e conseqüentemente esse homem é acolhido, considerando-se suas potencialidades e limitações. Para outros modos de se conceituar Ergonomia, convém consultar Dela Coleta (1991) e Moraes e Soares (1989).

Efeitos do design da mobília comportamental dos usuários

escolar

no

repertório

Revisando a literatura sobre problemas disciplinares na escola, notadamente aqueles que envolviam a utilização do mobiliário cadeira-mesa, foi constatado que os estudiosos do assunto limitaram-se à análise funcional do comportamento das crianças e posterior emprego de procedimentos de modificação do comportamento para mantê-las na posição sentada. Nessa análise funcional jamais foi relatada a presença do mobiliário educacional como evento físico capaz de influenciar as respostas dos usuários. Mesmo em se tratando de respostas do tipo out-of-chair e rocking ia the seal (Kerr e Nelson, 1989), os autores não se propuseram a uma análise ergonômica usuário-mobília. Muito pelo contrário, conforme sugere o artigo de Bitgood, Peters, Jones e Hathorn (1982) intitulado Reducing out-of-seat hehavior ia deve/o nnenta11y dmsabled chi/dre,i tlirough brief immohilization evidencia-se novamente a reedição do mito de Procrusto. A proposta, no caso, traz implícito o conformismo e a sujeição do corpo às condições ambientais claramente impostas pelos agentes responsáveis pela mudança comportamental. Com base nos dados referentes à possibilidade do design da mobília escolar afetar as respostas dos usuários, continuam sendo observados e analisados os efeitos de componentes físicos de mesas e cadeiras nas respostas motoras, fisiológicas, acadêmicas e sociais dos alunos (Nunes, Ávila e MelIo, 1989 e Soares, 1990). Para esses estudos, os pesquisadores estão se utilizando de procedimentos da Análise Experimental do Comportamento, notadamente os delineamentos de pesquisa tipo sujeito como seu próprio controle, associados à instrumentação da pesquisa em Biomecânica. A ausência de inclinação no tampo da carteira escolar constitui-se em fator de distorção em pelo menos 5°% do tamanho dos caracteres (Dul, 1981), o que pode contribuir para problemas de desempenho do aluno na atividade de leitura. Essa falta de indefinção da superfície do tampo da mesa está comprometida, também, com a sobrecarga no sistema músculo-esquelético, notadamente na região cervical. Mesas de superfície plana, desprovidas de qualquer angulação, estão associadas a queixas de dores lombares e cefaléias ao final da jornada de trabalho. Por causa da estatura, as crianças são forçadas a se posicionarem nas bordas do assento, evitando assim que os pés e as pernas fiquem soltos no ar. A altura de mesas e cadeiras são geralmente impróprias para o uso, podendo originar problemas posturais de relativa gravidade. Dependendo do tipo de mesa, o manuseio de


mapas, jornais e livros maiores fica dificultado. Por vezes, o professor é impedido de desenvolver tarefas de grupo pela própria configuração e arranjo da mobília em sala de aula. Por meio de survev, envolvendo cerca de 200 professores da Educação Especial, nos Estados Unidos da América (Nunes, Almeida, Hendrickson e Lent, 1985). foi constatado que: (a) alguns tipos de mobília escolar estavam associados a comportamentos diruptivos; (b) aspectos do design da mobília escolar foram considerados inapropriados para o desenvolvimento de tarefas específicas; (c) 47% dos professores reportaram-se a acidentes envolvendo cadeiras e mesas; (d) 53% dos respondentes informaram que o mobiliário produzia ruído excessivo quando deslocado; (e) 58% desses professores disseram que seus alunos permaneciam na posição sentada por um período que variava de três à quatro horas diárias; (f) somente 9°/ desses professores foram solicitados a opinar sobre o tipo de mobiliário a ser adquirido pela escola. Muitas das respostas exibidas pelas crianças em sala de aula parecem controladas por eventos físicos presentes na própria mobília escolar. Em circunstâncias especiais, a produção de sons ritmados ocorre quando a conseqüência da resposta tamborilar sobre a superfície do tampo da mesa é contingente à produção de sons melódicos. O arrastar intencional de mesas e cadeiras pode também produzir ruídos indesejáveis no ambiente da escola. Uma cadeira comum assume características de cadeira de balanço se a criança assim o desejar. No caso, essas respostas autoestimulatórias serão conseqüenciadas positivamente e mantidas por longo espaço de tempo. Alguns desses comportamentos-alvo indesejáveis, tais como produzir ruído pelo arrastar de mesas e cadeiras. movimentar-se excessivamente, balançarse na cadeira convencional e abandonar sistematicamente o assento, já foram suficientemente abordados pela literatura, notadamente em Educação Especial (Kerr e Nelson, 1989; Kerr, Nelson e Lambert, 1987; Nunes, 1985). Com base em estudos preliminares de Biomecãnica (Nunes, Nunes, Praetzel e Duarte, 1988), foi verificado experimentalmente os efeitos do design do mobiliário escolar no comportamento de 15 crianças de baixa renda, na faixa etária de 8 a 14 anos, que freqüentavam classe de reforço, da primeira série do Primeiro Grau da rede pública de ensino, em cidade do interior do Estado de São Paulo. Duas classes de respostas dos sujeitos estiveram sob intervenção: respostas acadêmicas, envolvendo atividades em Língua Portuguesa e Aritmética e outras respostas do tipo virar-se para trás, levantar-se do assento, virar-se de lado e balançar-se na cadeira convencional. Um delineamento de pesquisa quase experimental A-B foi o escolhido para desenvolver esse projeto em 45 sessões consecutivas. Durante a fase A, correspondente a 32 sessões consecutivas, os sujeitos (crianças) continuaram se utilizando da mobília convencional para a realização de tarefas escolares. Na fase B do estudo, os móveis convencionais foram substituídos por cadeiras e mesas projetadas segundo critérios biomecânicos. Os resultados iniciais desse estudo indicaram que os sujeitos permaneciam na posição sentada, por mais de três horas diárias, em cadeiras reforçadoras de vícios posturais e produtoras de sensação de desconforto. As respostas indesejáveis tais como levantar-se do assento, balançar-se e virar-se para o lado ocorreram com maior freqüência quando os sujeitos faziam uso do mobiliário escolar convencional. Os níveis de desempenho


em tarefas acadêmicas envolvendo Português e Aritmética não apresentaram mudanças significativas. Os desencontros entre as características dos estudantes e o projeto da mobília foram relatados por Sasaki (1988) ao referir-se ao número de horas que as crianças permaneciam sentadas em cadeiras inapropriadas. Não basta que cadeiras e mesas educacionais, para serem reconhecidas como tal, localizem-se dentro das salas de aula. Antes de mais nada, essas peças de mobiliário devem cumprir seu papel facilitador no processo educacional (Oxford, 1969). Dados referentes a estudos biomecânicos sobre assentos parecem pouco utilizados tanto no mundo do trabalho quanto no ambiente escolar. Para Mandal (1982). as incompatibilidades mobiliário escolar-usuário sugerem que os projetistas aplicaram pouco do que já é conhecido a respeito da anatomia da criança na posição sentada. Acrescentou o autor que as autoridades educacionais parecem mais interessadas em carteiras escolares vendidas a baixo custo e fáceis de serem empilhadas do que mobílias adequadamente projetadas. As conseqüências desses desencontros entre as características dos usuários e o projeto da mobília escolar começam a ser observadas, descritas, registradas e analisadas experimentalmente. As incompatibilidades observadas entre o sistema músculo-esquelético da criança e o mobiliário escolar podem atingir limites críticos como é o caso de quedas do assento, ferimentos provocados por quinas, farpas e superfícies irregulares. Sob o ponto de vista dermatológico, Eby e Jetton (1971) constataram reações alérgicas que se relacionavam com o tipo de material utilizado na fabricação do assento da mobília escolar. Professores relataram situações de risco e ocorrência de acidentes envolvendo o conjunto cadeira-mesa (Nunes, 1985 e Dela Coleta, 1989). De posse desses dados pode-se inferir que crianças são atualmente acomodadas em carteiras escolares que deixam de cumprir exigências médicas. biomecânicas, de segurança, de conforto e funcionalidade (Nunes, 1985). Conseqüentemente, parte do repertório comportamental exibido por esses usuários, na posição sentada, sugere mecanismos pessoais compensatórios de ajustamento ao ambiente, semelhante àqueles observados em motoristas e trocadores no posto de trabalho, O “sentar-se incorretamente”, por exemplo, constitui-se em resposta compensatória associada à ausência de conforto e conseqüente tentativa de melhorar a distribuição de pressão pelas áreas corporais afetadas. Os autores revisados confirmaram incompatibilidades entre o design do mobiliário escolar e as características dos usuários (Mariho, 1993; Eby e Jetton, 1972; Kao, l976; Karnoven, Koskela e Noro, 1962; 1-lira, 1980; Nunes, Nunes, Praetzel e Duarte, 1988; Nunes, Ávila e MelIo, 1989; Nunes, 1985; Nunes, Almeida, 1lendrickson e Lent, 1985; Oxford, 1989; Sasaki, l988; Soares, 1990). A questão central, nessas pesquisas, foi verificar quais tipos de conjuntos cadeira-mesa seriam os mais indicados para grupos específicos de crianças, desde as classes iniciais, até níveis avançados do ensino. À luz da Biomecânica e da Ergonomia em sentido mais abrangente, continuam sendo estudados padrões posturais que atendam às demandas do trabalhador na execução de tarefas na posição sentada. Considerando- se que a sala de aula é um ambiente de trabalho como outro qualquer, onde as pessoas realizam tarefas


específicas, é conveniente a aplicação desses resultados de pesquisa na solução de problemas práticos dentro da escola (Nunes, 1985). Infelizmente, conforme sustentado por Kao (1976), a utilização de conhecimentos de Ergonomia às questões educacionais estavam sendo raras. Na tentativa de redução dos custos humanos dos indivíduos que desenvolvem suas tarefas na posição sentada, notadamente crianças no ambiente educacional, Os ergonomistas tentam identificar qual a melhor mobília e quais padrões posturais seriam os aceitáveis na estação de trabalho. Dentre as abordagens metodológicas mais difundidas para o estudo das relações entre design de mobília cadeira-mesa e características dos usuários destacam-se as seguintes: a perspectiva antropométrica, a dinamométrica, a eletromiográfiea, a fisiológica, a médica e mais recentemente, a comportamental. Assinale-se que essas metodologias poderão ser apoiadas por delineamentos de pesquisa experimental intra-sujeitos (Nunes, 1991; Nunes e Nunes. 1988), conforme vem sendo desenvolvidas no Laboratório de Pesquisa e Ensino do Movimento Humano (LAPEM), da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A utilização conjunta desses procedimentos e perspectivas metodológicas é de relativa eficácia na verificação de relações funcionais entre o design da mobília e respostas músculo-esqueléticas e comportamentais dos usuários na posição sentada. A perspectiva antropométrica, a mais tradicional no estudo das interações sujeitomobiliário, tem como objeto medir as dimensões físicas do corpo humano e, posteriormente. utilizar essas medidas no projeto do sistema cadeira-mesa. O critério antropométrico preconiza que um padrão aceitável de mobília poderá ser identificado como aquele que acomoda o maior número possível de indivíduos de uma população. Paradoxalmente, conforme sustentado por Oxford (1989), o equipamento não pode ser dimensionado para o usuário médio, pois este não existe. Freqüentemente, nenhum dos indivíduos que compõe a amostra exibe qualquer resultado de medida antropométrica igual às encontradas no indivíduo médio. O diagrama a seguir, conforme mostrado na Figura 1, ilustra um dos procedimentos antropométrieos utilizados no estudo das relações entre tipos de mobiliários e dimensões de segmentos corporais. De acordo com lida (1990), a perspectiva antropométrica apresenta três modalidades distintas que se complementam na pesquisa ergonômiea: a) Antropometria Estática que tem como objeto a obtenção de medidas com o corpo em repouso relativo ou quando este exibe discretos movimentos só observáveis com o auxílio de equipamentos; b) Antropometria Dinâmica que se ocupa da tomada de medidas com o corpo em movimento observável principalmente quando o operador exibe repertórios comportamentais do tipo alcançar manivelas, acionar alavancas, pressionar botões de comando etc., c) Antropometria Funcional que se propõe a obter medidas do corpo humano durante a execução de tarefas específicas no posto de trabalho. Assinale-se que a combinação dessas três modalidades de procedimentos antropométricos são essenciais no estudo da interface usuáriomobília. Recentemente, Moro, Melio, Vargas e Nunes (1993) utilizaram de procedimentos da Dinamometria para a verificação da distribuição do peso corporal, na região do


assento da cadeira. Foram 37 sujeitos escolhidos para executar a tarefa de leitura, na posição sentada, em três situações experimentais distintas. Figura 1 - Estudos de medidas antropométricas para o sujeito na posição sentada (adaptado de Panero e Zelnik, 1984).

Para esse estudo foram selecionadas variáveis indicativas da distribuição do peso corporal dirigido a cada suporte do mobiliário cadeira-mesa, a saber: percentagem de peso distribuído sobre a superfície do assento, percentagem de carga distribuída sobre a superfície do apoio para as costas e finalmente a percentagem de carga distribuída sobre o apoio para os pés e joelhos dos sujeitos do experimento. Apenas a cadeira convencional (C), conforme mostrada no diagrama da Figura 2 abaixo, não possuía apoio para os joelhos. Utilizando-se de um protótipo equipado com células de carga interligadas por uma interface a um microcomputador. esses pesquisadores observaram, a partir dos dados registrados, mudanças significativas na distribuição do peso corporal. sobre o assento da cadeira, nos 37 sujeitos investigados. Assinale-se a ocorrência de variabilidade de distribuição de peso corporal devido ao tipo de design cadeira-mesa presente na situação experimental simulada pelo protótipo, conforme ilustrado na Figura 2. Conforme mostrado na Figura 2, a carga maior no assento, ou seja o valor percentual de peso ocorreu no conjunto cadeira-mesa convencional (C). A diferença de carga distribuída sobre o assento da cadeira C, quando comparada com a distribuição de peso sobre os assentos A e B, foi signifieativamente maior. Entretanto, o peso distribuído sobre a superfície do assento do mobiliário B parece levemente diminuída devido ao ângulo do tampo da mesa de trabalho. Apenas o mobiliário C (convencional) induziu um ângulo aproximado de noventa graus entre a coxa e o abdômen. Tanto o mobiliário A quante o B permitem uma abertura do ângulo coxofemoral superior aos noventa graus convencionais, conforme recomendação apoiada em estudos biomecânicos para reduzir a pressão intradiscal da coluna vertebral. Esses dados apresentam, também, relações com níveis de conforto, movimentação excessiva e posturas não convencionais. Figura 2 - Percentagem d peso corporal verificad na superfície do assente nas três situações expe rimentais, utilizando-s Dinamometria (Mor 1984).

A utilização de procedimentos da Eletromiografia no estudo da relação cadeiramesa-usuário consiste no registro sistemático e análise de resultados de medidas de potencial elétrico produzidos por diferentes grupos musculares. Trata-se de demonstrar a atividade elétrica dos músculos posturais, a fim de determinar o esforço do indivíduo na manutenção de um padrão de postura específica. A premissa central sugere que quanto menor a atividade elétrica muscular, menor o esforço da musculatura e, conseqüentemente, menor esforço físico exigido para a manutenção daquela postura. A redução do esforço muscular, por sua vez, está associada à redução dos níveis de fadiga, conforme apresentado no estudo clássico conduzido por Floyd e Ward (1969). Esses pesquisadores registraram a atividade elétrica de quatro grupos de músculos de indivíduos na posição sentada. De acordo


com os resultados relatados, a variação postural dos sujeitos provocou alterações elétricas nos múscolos posturais. Dados de investigações eletromiográficas permitem, além da veriticação do grau de contração muscular exibida, o registro de isquemia em diversos segmentos corporais. A Figura 3 abaixo ilustra procedimento de registro de dados eletromiográficos em indivíduo na posição sentada. Conforme mostrado no diagrama da Figura 3, a atividade elétrica dos grupos musculares específicos foram registradas durante a posição sentada. Devido à atividade desempenhada pelo operador, o músculo Trapézio parece ter sido o mais solicitado, em torno de 20%. A perspectiva fisiológica para o estudo das interações mobiliário-usuário consiste na observação, descrição, registro e interpretação de dados sobre o consumo energético do indivíduo na posição sentada. Essas avaliações são obtidas a partir de mudanças ocorridas na taxa de batimentos cardíacos, na pressão sangüínea, no oxigênio consumido e em outras respostas fisiológicas que possam ser monitoradas de forma sistemática. Os pesquisadores que se interessaram por esses procedimentos sempre se preocuparam em reduzir o gasto de energia e níveis de estresse presentes nos postos de trabalho.

Tendências atuais para melhoria do mobiliário escolar Uma proposta ergonõmica para o mobiliário escolar implicaria primeiramente disseminar os resultados de estudos sobre o tema e adoção de medidas práticas de substituição do design da mobília atual para reduzir custos humanos dos usuários. Essa tentativa de humanização do posto de trabalho do estudante exigiria, também, a revisão crítica de procedimentos associados às ideologias de Procrusto. As práticas atuais de manejo do comportamento, para manter o estudante na posição sentada, seriam paulatinamente substituídas por conseqüências reforçadoras presentes no próprio conjunto cadeira-mesa. M. Trapezius 20% M.Interosseus Dorsalis 6% M. Delfoideus 3% Figura 3. Estudo eletromiogrático do sujeito na posição sentada (adaptado de Chaftin e Andersson, (1984).

A questão metodológica que se coloca é a identificação do mobiliário ideal para tipos específicos de trabalho. Considera-se que cada atividade humana exige urna postura diferenciada e as tarefas desenvolvidas em sala de aula não são urna exceção. De acordo com Moro (1994), o conceito de postura ideal, para tipos específicos de ocupação, está associado ao design do mobiliário. Procedimentos da Análise Experimental do Comportamento (AEC) compartilhados com a instrumentação da Biornecânica Ocupacional são parte integrante dessa abordagem de interface no aprimoramento de processos de medida, processamento de sinais biológicos, computação e modelagem gráfica. Os delineamentos de


pesquisa intra-sujeitos têm se incorporado a esse esforço interdisciplinar de humanização do posto de trabalho na posição sentada. Sob o ponto de vista da AEC, a variável conforto é definida como deslocamento dos ângulos das articulações. O conforto na posição sentada tem como medida dependente a movimentação corporal do sujeito. Quanto maior o nível de conforto, menor a freqüência de deslocamento dos ângulos das articulações. Recentemente, Nunes, Ávila e Nunes (1993) avaliaram os efeitos do design cadeira-mesa no nível de conforto de um operador de terminal informatizado. Os resultados dessa investigação apontaram aumento dos níveis de conforto quando o operador desenvolveu suas tarefas típicas no assento experimental. Para o estudo, foram utilizadas a mobília ocupacional comum, em nível de linha de base, e um mobiliário experimental projetado de acordo com resultados de estudos hiomecânicos. Esse último chamado de “Cadeira Gravidade Zero”, conforme mostrado no diagrama da Figura 2, sugere tendências a serem consideradas para o projeto do mobiliário escolar. O conjunto cadeira-mesa Gravidade Zero induz o corpo humano a assumir ângulos articulares cujos valores se aproximam daqueles obtidos cm indivíduos expostos a condições de Gravidade Zero ou ausência de peso. Trata-se de peça de mobiliário cujo assento é inclinado para frente — o que induz uma postura de noventa graus para a coluna vertebral — apoio de joelhos e suporte para apoio dos pés. A distribuição de peso sobre o assento fica reduzida, ou seja, há uma diminuição de pressão, conforme apresentado na Figura 2, mobílias A e B, naquela área corporal. Essa redução de pressão constitui cm aumento de níveis de conforto e diminuição da atividade muscular na posição sentada. O modelo de relaxamento máximo obtido com a Cadeira Gravidade Zero teve como referencial teórico a média dos ângulos das articulações dos astronautas submetidos às condições de ausência de peso, conforme estudo de Thornton (1978). Outras pesquisas envolvendo esse tipo de mobília poderiam ser realizadas no ambiente da escola. A posição sentada poderá ser conseqüenciada positivamente pela sensação de conforto, apresentando vantagens quando contrastada com a posição de pé: é um postura estável que favorece maior precisão de movimentos óculo-manuais; exige menor atividade muscular para manutenção do padrão postural, reduz a pressão intravascular nas extremidades e diminui consideravelmente a movimentação corporal do indivíduo. Esses dados permitem afirmar que até o presente momento a posição sentada parece ser a mais indicada, também, para realização do trabalho em sala de aula. Entretanto, as relações entre o design do mobiliário e o desempenho dc estudante em tarefas que impliquem a utilização de carga cognitiva como, por exemplo, níveis de atenção, rapidez de cálculo e compreensão de leitura permanecenvirtualmente desconhecidas. Apenas a inclinação da superfície de trabalho indicou a possibilidade de distorção dos caracteres em até 5% das suas dimensões, conforme Dul (1981), o que poderia afetar o desempenho do estudante em atividades de leitura. Embora a posição sentada possa ser considerada como postura natural que desobriga o indivíduo a manter-se de pé durante a jornada de trabalho, foram observadas sobrecargas principalmente quando o projeto de mobília induzia posições incompatíveis com o sistema músculo-esquelético. Trata-se de sobrecarga


estática aplicada sobre a coluna vertebral e sobre a própria musculatura. A persistência dessa má distribuição de pressão sobre a coluna vertebral pode desencadear problema: médicos permanentes. Admite-se que a prevalência de problemas lombares e cervicais tenham suas origens no: bancos escolares. Certamente, os índices de absenteísm registrados no mundo do trabalho estão associados a tipo de mobiliário ocupacional. Possivelmente, o projeto da mobília escolar esteja comprometido com problema: de coluna em crianças. Para minimizar os custos humanos das criança: que permanecem durante horas seguidas em cadeiras incompatíveis com as suas características, é conveniente que o educador promova atividades variadas que induzam posturas diferenciadas. No caso, a própria organização do trabalho em sala de aula mereceria ser revista. Embora o design do conjunto cadeira-mesa possa afetar os níveis de conforto no ambiente ocupacional (Nunes, Ávila, Moro e Melio, 1993), as relações dessa variável com índices de produtividade e níveis de atenção, no trabalho escolar, precisam ser mais bem investigadas. Além das respostas motoras, os ergonomistas insistem em verificar relações entre a mobília e tarefas que exijam a utilização dos processos cognitivos, notadamente os níveis de atenção, desempenho e compreensão em leitura e raciocínio aritmético.

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28 Separação conjugal: sua influência familiar e o trabalho com grupos de apoio Carmen Garcia de Almeida Moraes

A família em crise A família, como uma unidade social estável, por muitos séculos tem sido considerada necessária na estrutura da sociedade humana, por preencher várias funções Importantes, entre elas, a de sobrevivência da população. Até recentemente como objeto de estudo quase exclusivo da Psicologia, teve conceitos teóricos criados, quanto as suas funções sociais e suas relações com outras instituições na sociedade. Em décadas recentes, contudo, considerável interesse sobre o funcionamento da família tem sido demonstrado por estudiosos de várias outras disciplinas: Psiquiatria, História, Ciências Sociais, Pedagogia e outras. Segundo Kalmikova (1984), esse interesse ampliado pelo estudo da família deve-se ao fato de os estudos sociológicos terem apontado para a existência de uma crise enfrentada pela instituição tradicional, crise originada das mudanças nos conceitos de casamento e relações familiares e que tem se refletido em um aumento na incidência de dissoluções conjugais. Com efeito, estimativas realizadas por demógrafos para os grandes centros urbanos ocidentais, indicam que, nos anos 80 e 90, mais de 50% dos casamentos serão interrompidos por um processo de divórcio (Jablonsky, 1988). Projeções recentes baseadas em estatísticas realizadas pelo censo norte-americano sugerem que cerca de um em cada cinco casais que se unem presentemente se divorciará antes de cinco anos, enquanto 1/3 não atingirá uma década de casamento. Quatro em dez se divorciarão antes de seu décimo quinto ano. Nos países anglo-saxões, especialmente nos Estados Unidos, já existe uma vasta literatura especializada sobre os problemas relativos ao período de separação, o que não ocorre em nosso país, onde pouco se escreveu sobre o momento da separação e suas implicações. Essa lacuna talvez possa ser justificada pelo fato de a lei do divórcio ter sido aqui adotada mais recentemente (1977). Em uma revisão da literatura realizada em 1973, Azrin caracterizou a desarmonia como um grande problema social, dada sua alta incidência, pois aproximadamente um de quatro casais americanos declararam-se infelizes em seu casamento. Além disso, esta infelicidade não parecia ser um estado transitório, pois segundo outros estudos revistos por ele, há um aumento na insatisfação com o casamento proporcionalmente ao seu tempo de existência. Nesta mesma linha de raciocínio, outros pesquisadores como Masters e Johnson (1988) também acentuam que a insatisfação matrimonial tende a aumentar, na medida em que aumenta a duração do casamento.


O casamento As obrigações criadas pela promessa de viverem juntos pelo resto da vida e a responsabilidade comum de criarem os filhos responsabilidade essa que hoje em dia recai quase que exclusivamente sobre o jovem casal — produzem uma profunda ansiedade, a qual só se pode enfrentar com um bom equilíbrio psicoafetivo. Porém esse equilíbrio pessoal nem sempre está presente e maduro por ocasião do casamento. No início do casamento, a aura romântica que costuma envolver o relacionamento amoroso funciona como poderoso tranqüilizante. Essa aura tende a ajudar na superação das dificuldades criadas por uma vida muito agitada ou monótona, aplaca a descoberta de defeitos inesperados no companheiro e geralmente abranda as novidades desagradáveis que a vida conjugal pode trazer nos primeiros tempos. No começo existe afeto, comunicação fluida, atração sexual e, às vezes, estima e confiança recíprocas. Um aprecia e admira o outro, idealizando-o. Assim, numa atmosfera de amor e admiração, ambos experimentam a sensação de serem os únicos felizardos que vivem em estado de graça: são, enfim levados a crer que fazem parte de um encaixe mágico misterioso e perfeito, como que planejado pela providência divina. Mas, com o passar do tempo, o período de encantamento romântico também passa, e emerge violentamente o outro aspecto da relação, que nem todos estão preparados para entrentar juntos. Segundo Giusti (1987), ninguém pode deixar de levar para o casamento os próprios problemas e as próprias limitações. Pelo contrário, existe uma grande probabilidade de que as dificuldades pessoais se multipliquem em vez de desaparecerem ou, pelo menos de se desvanecerem sob a luz que emana da nova felicidade conseguida, uma vez que cada um tem a própria carga de problemas somada à do companheiro, em vez de uma subtração, resulta disso uma soma de dificuldades.

O processo de separação conjugal Na opinião de Hackney e Bernard (1990) inserido como está nos valores culturais da sociedade, o processo de separação deixa um pequeno espaço para a experiência bem-sucedida. Antes, está associado com trauma emocional, perda de recursos financeiros, um senso de fracasso e auto-estima rebaixada. A durabilidade destas questões reflete-se no fato de que o ajustamento à separação é menos doloroso hoje em dia, apesar do fato de que nossa cultura tem ficado cada vez mais dessensibilizada, e mesmo aceita a dissolução conjugal, a família de um só pai e o re-casamento. Analisando os fatores que freqüentemente se alegam para obter a separação amigável Giusti (1987) afirmou que se enquadram, na maioria dos casos, na categoria da incompatibilidade dos cónjuges. Em nossa pesquisa realizada (Moraes, 1989), pudemos detectar que a incompatibilidade de gênios (divergências de valores, interesses. filosofia de vida) foi apontada pela maioria dos 62 sujeitos como uma variável importante dentre outras em seu processo de separação.


Podem também ser considerados suficientes para justificar o rompimento do vínculo conjugal, os seguintes fatores: a perda de intensidade e calor emotivos, a insatisfação sexual, a diminuição do prazer de estar juntos, a perda da capacidade de comunicação etc. Muitas vezes, a inexperiência devido à juventude e à imaturidade do casal provoca surpresas desagradáveis no curso de sua vida em comum, os dois indivíduos percebem que têm personalidades diferentes, com divergências de interesses e de opiniões também na escolha das atividades e das amizades. Com o passar do tempo eles crescem e amadurecem de modo distinto não paralelo e seus desejos se desenvolvem em direções opostas. Enfim, se não existe mais um acordo sobre a maneira de educar os filhos e de levar adiante a empresa familiar, qualquer acontecimento, mesmo se irrelevante pode vir a se tornar motivo de briga. Interações neuróticas podem ajudar a acirrar as divergências e a criar a incapacidade (ou a falta de vontade) de chegar a um acordo. Além disso, não poucas vezes, a infidelidade torna-se assim mais um indício de um estado de incertezas e insatisfações do que uma alternativa real para um casamento que chegou ao fim. Quando a consciência da situação crítica se aguça o casal questiona o sentido de prolongar uma relação conjugal fundamentada em bases tão frágeis. Analisando as dificuldades surgidas no relacionamento conjugal, Bardwick (1981) salienta que a existência impõe problemas, rotina, compromissos a casados ou não, porque é inevitável enfrentar as responsabilidades de um trabalho repetitivo, das obrigações na escola ou na família. Além disso, estão surgindo novos critérios para determinar se um relacionamento é bom, o que aumenta a sensibilidade das pessoas quando ele não parece satisfatório. A frustração é freqüente quando as metas são inacessíveis; e elas o são quando as expectativas são muito discrepantes da realidade”. As falhas na comunicação também foram bastante apontadas pelos sujeitos na pesquisa de Moraes (1989), como determinantes da separação conjugal. O parceiro tem que deixar que o outro saiba o que ele sente e pensa, o que gosta ou desagrada, porque, caso isso não ocorra, o parceiro será incapaz de entender qualquer mensagem que o outro tenta transmitir. A comunicação clara e adequada favorecerá também um bom relacionamento sexual. Para O’Neil e O’Neil (1972), o estabelecimento de urna comunicação franca, no nível sexual, entre os parceiros, está na dependência do respeito mútuo que embasa o casamento e que permite a cada um preservar a sua individualidade. Quando não se tem nada a dizer, lentamente um dos parceiros vai deixando de gostar do outro, fazendo do ato sexual, fonte de ódio, e urna obrigação e imposição egoísta do outro. Uma vez que a característica fundamental do relacionamento conjugal é a relação sexual, é imprescindível, para a harmonia do casal, que esta se processe satisfatoriamente para ambos os cônjuges (Lemaire, 1971). Após termos efetuado algumas considerações sobre o processo de separação conjugal e suas respectivas causas, serão abordados em seguida algumas reações emocionais, negativas e positivas, freqüentemente experimentadas pelas pessoas envolvidas no processo.


Reações emocionais das pessoas envolvidas na separação conjugal No que se relaciona às reações pessoais geradas pelo término do casamento, encontramos variações na literatura, uma vez que algumas pessoas experimentaram grandes sofrimentos, outras sofrimentos menores e outras ainda, um certo alívio. Segundo Bloom et ai. (1978), Kitson e Rashke 1981), Levinger e Moles (1979, apud Bloom e Kindle, (1985), o divórcio tem ocorrido com freqüência e suas conseqüências parecem situá-lo entre os mais estressantes dos eventos da vida. Em sua análise do impacto emocional da separação conjugal, Weiss (1975, 1976) enfatizou que a separação perturba a estrutura da vida social e emocional das pessoas. Para ele, a disrupção do casamento costuma produzir perturbações em ambos os sexos, quase que independentemente da qualidade do casamento ou do desejo de dissolução. Para Giusti (1987), o período de separação é muito estressante em sua totalidade, porque requer grande quantidade de energia concentrada em um único problema, o que torna os indivíduos mais fracos, vulneráveis e indefesos, tanto no nível psíquico, quanto no físico, Compartilhando de semelhante ponto de vista, Bardwick (1981), reconhece o fato de as pessoas investirem a maior parte de seus recursos emocionais e sua vulnerabilidade em um relacionamento a dois, como a causa dos sentimentos de perda, rejeição e abandono por elas experimentados com a dissolução do casamento. O medo, o sentimento de culpa, a raiva e a depressão são assustadores e previsíveis, pelo fato de o divórcio representar a perda de uma das bases da existência das pessoas. Esta mesma autora apontou diferenças entre os sexos, no que se relaciona ao ajustamento pós-divórcio. Segundo ela, a longo prazo, o homem divorciado parece apresentar maiores dificuldades de adaptação do que a mulher na mesma condição. Se por um lado, o homem, em geral, tem a vantagem de não ter que cuidar dos filhos e da casa, por outro, pode experimentar solidão ao sentir-se privado da convivência diária com os filhos, enquanto a mulher pode sentir-se gratificada e certificar-se da própria competência ao assumir responsabilidades reais por eles. Em consonância com esse ponto de vista, Hetherington et ai. (1976) enfatizaram que, embora homens e mulheres ao se separarem experimentem mudanças em seu autoconceito, os homens parecem mais afetados porque usualmente são as pessoas que deixam o ambiente familiar e por isso sentem uma falta de identidade, desenraizados, queixam-se de uma falta de estrutura em sua vida. Esses sentimentos foram observados com maior freqüência nos divorciados que eram pais, eram mais velhos e que tinham permanecido casados por um maior período de tempo. Hetherington et ai. (op. cit.) detectaram também um acentuado sentimento de perda dos filhos e um declínio no seu sentimento de competência como algumas das principais mudanças observadas nos pais divorciados durante o primeiro ano, após o divórcio. Para esses, o fator mais importante, porém, em direção a um autoconceito, tanto para os homens quanto para as mulheres, foi o estabelecimento de um relacionamento heterossexual satisfatório, pós-separação. Se por um lado, a pessoa ao descasar-se pode experimentar uma série de emoções negativas como as


mencionadas, por outro, a experiência da separação pode ser positiva, ao propiciar oportunidades de descobertas e conseqüente crescimento pessoal. Bardwick (1981) afirma que, apesar das dificuldades enfrentadas, terminar urna relação que fere e constrange é uma boa solução. Descobrir que é capaz de lutar, de se adaptar à nova situação pode resultar para a pessoa em muita energia, determinação e autodesenvolvimento. Em consonância com esse ponto de vista, posiciona-se Maldonado (1987), segundo a qual, se um casamento insatisfatório pode ser muito desgastante e produzir tédio e desânimo, o seu rompimento pode ter conseqüências muito positivas para a pessoa, até mesmo fisicamente, proporcionando-lhe rejuvenescimento, nova disposição e vitalidade e uma maior energia produtiva. Para Giusti (1987). esse processo de reconstrução. após uma primeira experiência negativa, exige que a pessoa desenvolva ao máximo e de maneira equilibrada todos os componentes da própria personalidade: físico, afetivo, de relacionamento com o ambiente e com o trabalho. A exemplo de Giusti, Maldonado e Bardwick (oj’. cii.). Beatrice (1979) também acredita nos efeitos positivos da separação. Para ela, é possível a uma pessoa crescer por meio da crise vivenciada, pois o fato de se descobrir sozinha na busca de identidade pode ser uma experiência assustadora e única, mas que também propicia grandes oportunidades de desenvolvimento. Esta autora acredita que quando as pessoas são capazes de lidar com o divórcio de uma “forma enriquecedora”, elas enfrentarão melhor as mudanças no estilo de vida, responsabilidades e relacionamento com os filhos. Deve ser lembrado, porém como salienta a própria autora, que para se tornarem prontas para essas mudanças, elas devem ser capazes de elaborar melhor o passado. Em nossa pesquisa (Moraes, 1989) pudemos constatar que os entrevistados atravessaram duas fases em seu processo de ajustamento à separação; na primeira delas sentiram-se desestruturados emocionalmente, com a auto-estima destruída e com dificuldades de aceitar a separação como algo definitivo. Já na segunda fase, relataramn descoberta do potencial, sentiram-se reestruturados, autovalorizados, crescimento como pessoa devido ao processo, mas que apesar de tudo, algumas vezes ainda experimentam altos e baixos. Quanto à percepção de comportamentos, emoções e sentimentos, à época de realização das entrevistas, a maioria relatou estar se sentindo ótimo(a), mais seguro(a), livres de emoções negativas, com visão positiva do futuro e da vida, com auto-imagem elevada.

O processo grupal e sua influência sobre o comportamento das pessoas Consultando a literatura importada, encontramos uma atuação em nível preventivo relatada por Kessler (1976), a qual trabalhando com pessoas divorciadas afirma: “uma das mais fortes razões para a condução de um grupo de ajustamento ao divórcio é a ajuda que se pode propiciar às pessoas, a fim de que desenvolvam um sentido de pertencer e identificar neste período crítico de transição. Com esta


experiência suprida, as pessoas podem mais rapidamente se mover no sentido de deixar o passado e desenvolver um maior senso de autonomia e auto-estima. Abandonar o passado envolve considerável filtragem emocional, que pode ser conseguïda no grupo. Nele o indivíduo não somente se liga a pessoas que passaram por experiências semelhantes, mas também aprende algo dos contrastes por eles apresentados. Finalmente, a natureza especializada do grupo comunica um conhecimento e aceitação de dois fatos: que a pessoa é ou está se divorciando e que o divórcio envolve ajustamento” (p. 251). Após a realização de nossa pesquisa (Moraes. 1989), na qual detectamos a necessidade de trabalhar com pessoas separadas com o objetivo de reestruturarlhes emocionalmente, foi estruturado um grupo de apoio constituído por dez sujeitos voluntários (sete mulheres e três homens), cuja faixa etária variou entre 29 e 51 anos com tempo de casamento variando entre quatro e vinte e sete anos e tempo de separação entre quatro meses e seis anos. Dos dezesseis encontros semanais e três sessões de folow-up, com duração aproximada de uma hora e trinta minutos cada um, que ocorreram no período de abril a agosto de 1992, realizadas na Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, participaram oito dos dez sujeitos inicialmente triados. Nesses encontros foram utilizados instrumentos de avaliação das dificuldades comportamentais apresentadas pelos sujeitos inicialmente e ao término da etapa de coleta de dados. O trabalho nos encontros grupais focalizou a adaptação a novas situações, o crescimento psicológico individual, a auto-aceitação, bem como o desenvolvimento de habilidades de relacionamento interpessoal dos sujeitos. Ao término da coleta de dados, pôde-se detectar, por meio de instrumentos de avaliação e dos auto-relatos, que todos beneficiaram-se dos encontros, relatando terem mais forças para resolver as suas dificuldades, elevação da auto-estima, desenvolvimento de laços de solidariedade e companheirismo. A vivência grupal oportunizou atingir os objetivos propostos, por meio do desenvolvimento de habilidades de relacionamento interpessoal, tais como: a comunicação, o autoconheciniento, a percepção do outro, a auto-afirmação, a confiança, a segurança e a expressividade emocional, dentre outras, as quais preparou-os em nível preventivo, para o estabelecimento saudável de novos relacionamentos. A intervenção no grupo de adultos mostrou-nos a necessidade de atuarmos também com os filhos, uma vez que estes, a exemplo dos pais, também experimentam, em toda a sua intensidade, o estresse propiciado pela separação conjugal.

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PARTE 4 ENSINO, TREINAMENTO E FORMAÇÃO 29 Ensino, treinamento e formação em psicoterapia comportamental e cognitiva Bernard Rangé, Hélio José Guiliardi, Rachei Rodrigues Kerbauy, Eliane M. O. Falcone e Yara K. Ingberman. São muito poucos os relatos, na literatura, sobre as estratégias utilizadas no ensino da terapia comportamental e na formação de terapeutas comportamentais. Em sua maioria, são relatos descritos em manuais de treinamentos de técnicas específicas. Tais relatos, por si só, não instrumentam os que se dedicam a esta tarefa, professores e supervisores, vinculados ou não a instituições. Esta atividade parece ser executada de maneira empírica, intuitiva e com poucos esforços de melhor descrição. Em levantamento bibliográfico preliminar, do cruzamento das palavras-chave “Terapist” e “Behavior Therapy” foram localizados de 1987 a 1993 4 artigos e de 974 a 1987 apenas dois. Assim como do cruzamento “Psychotherapist Attitude” e “Behavior Therapy” apenas dois artigos de 87 a 93 e outros dois de 74 a 86. Quanto ao cruzamento “Professional Supervision” e BehaviorTherapy” apenas um artigo entre 1987 e 1993 e nenhum anteriormente. Quanto ao tema “Therapist Attitude” e ‘Behavior Therapy” foram localizadas 25 referências entre 1987 e 1993 e 46 referências de 74 a 86. Este levantamento preliminar mostra uma preocupação com as atitudes do terapeuta mas demonstra uma laetnia em estudos sobre esta temática. Por outro lado 30 anos de prática no ensino da Terapia Comportamental no Brasil oferecem muito pouco material escrito. Algumas exceções são os escritos de Comte, Brandão e Silva (1987) e Guillardi (1987), assim como alguns artigos sobre temas como a relação terapêutica na terapia comportamental como Mettel (1987) e Rangé (1987). Espera-se que este capítulo seja uma contribuição para modificar este panorama. Talvez fosse recomendável ouvir, inicialmente, o depoimento de quem pratica e tem praticado o ensino da TC durante algum tempo. Yara K. lngherman, da UFPR, diz o seguinte; Estas palavras têm o sentido de um depoimento e uma reflexão acerca de vários anos na prática do ensino e da supervisão acadêmica e extra-acadêmica em TC. No


início de nosso trabalho no ensino de graduação, a visão metodológica à qual estávamos vinculados nos permitia certa tranqüilidade, vinda da clareza de que deveríamos ensinar determinados princípios e um conjunto de técnicas que estavam firmemente assentados na experimentação e, portanto, com aplicação validada. A experiência com a clínica e novos conhecimentos nos fizeram ecoar a fala preventiva de Lazarus (1977) em seu livro Psicoterapia personalista: “se os terapeutas comportamentais se mantiverem apenas na técnica haverá o rápido declínio de sua aceitação.” Naquele momento histórico, nosso conhecimento sobre a teoria da aprendizagem não nos permitia urna liberdade de ação, o que nos levou à procura de outros procedimentos e uso de outras alternativas práticas, com alguma diversidade na aceitação de modelos teóricos de aprendizagem. Isto acabou se refletindo no ensino. Com o aprofundamento dos estudos sobre o comportamento verbal e a análise do comportamento como instrumento básico da terapia, houve urna maior liberdade de ação, sustentada em um fio teórico que permitia maior clareza. A reflexão acerca do que e como ensinar os elementos básicos para a formação de um terapeuta comportamental desperta a idéia de que o que parecia tão claro no início agora parece muito confuso: ensinar ou não procedimentos como treino assertivo e dessensibilização sistemática? Como possibilitar a compreensão de que estes procedimentos servem corno base para a nossa atuação, mesmo que não utilizados da forma corno descritos, sem que haja descrédito? Como, no processo de supervisão de casos, encaminhar os trabalhos de forma que o aluno aprenda mas que também o paciente possa ser atendido com aproveitamento máximo?” A professora RacheI Rodrigues Kerbauy, uma das pioneiras no Brasil em análise experimental e aplicada do comportamento, responsável pelo primeiro curso regular brasileiro de modificação do comportamento, com trinta anos de experiência no terna, afirma: Resolvi iniciar este assunto [Treinamento e pesquisa em terapia comportarnental] contando urna história por supor que ela retrata o início da Terapia Comportamental no Brasil e a organização de um curso para terapeutas comportamentais e que isso é relevante para o tema deste capítulo. Nosso trabalho havia já se desenvolvido e o curso pôde ocorrer só em 1969, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sedes Sapientiae Ao lado das opções de clínica, escolar, organizacional (trabalho), que eram tradicionais nos cursos de Psicologia, abrimos a opção experimental, que se dedicava à formação em pesquisa básica e aplicada especificamente à modificação do comportamento. Para completar o elenco de disciplinas, o professor Amo Engelmann, que ministrava percepção na USP, e o professor Walter Cunha, que lecionava psicologia comparativa e animal iriam aceitar como alunos ouvintes aqueles que indicássemos como tendo feito essa opção e seus créditos seriam atribuídos no Curso do Sedes. Corno se vê, nós do Sedes, sabíamos pedir a colaboração de colegas de outras instituições. Alguns eram nossos amigos, outros desconhecidos aos quais recorríamos, e todos eles colaboraram. A opção em Psicologia Experimental se desenvolveu em progressão geométrica. Das quatro alunas que iniciaram, algumas continuavam a colaborar sem contratos, outras deram


novas direções em suas vidas, atuando em escolas e clínicas psicológicas, ou completando seus estudos fora do país ou na pós-graduação da USP, onde eu também fazia pós-graduação e começava a ensinar.” Pouco depois, “resolvemos montar, então, um treino em modificação do comportamento com cursos teóricos e supervisão. Vieram auxiliar nosso trabalho pessoas por nós convidadas em troca de complementação de créditos para obter o registro de psicólogos. Posteriormente, outros contratos foram conseguidos, pouco antes da fusão do Sedes com a São Bento e a sua transformação em PUC. Suponho que esses contratos foram autorizados como reconhecimento pelo nosso trabalho, para que tivéssemos um grupo, ao ingressarmos na nova Universidade, e para que participássemos da fusão, sem o que perderíamos muito do que havíamos construído. O Curso de Modificação de Comportamento era nosso, pois foi bastante discutido pelo grupo, com participação muito ativa em relação às idéias e à formulação de cursos e programas. Contava com três professores contratados, sendo que os demais vieram atuar mais adiante, desempenhando suas funções como supervisores ou ministrando aulas eventuais. Considero esse curso muito bem organizado e inovador em alguns aspectos. Recebemos duas turmas da PUC que se matricularam, mesmo tendo que fazer um ano a mais em busca de formação. Formavam um grupo crítico, entusiasmado, bastante forte em pesquisa básica e com um nível verbal muito elaborado. Esse grupo havia feito sua graduação com a equipe da São Bento. Do curso, constavam as seguintes matérias: Diálogo com outros profissionais’, em que os alunos aprendiam a transformar suas informações de modo a permitir passar e colher informações com profissionais de áreas afins; ‘Trabalhos em instituições’, em que se destacou o grupo que trabalhou na Cristiano Viana, uma instituição de triagem de menores; ‘Curso sobre delinqüentes’, ministrado por Michael Mahoney, graças ao auxílio da FAPESP e ao acordo com a Coordenadoria do Estado de São Paulo, que designou profissionais para freqüentar o curso. Este tinha como enfoque a Learning House, casas em que crianças delinqüentes viviam com um casal contratado para atuar como ‘pais’. É importante destacar que Mahoney e sua esposa haviam sido um ‘dos pais’ de uma dessas casas. Além disso, Mahoney era professor da Universidade da Pensilvânia nos EUA. Também ministrou, a nosso pedido um curso sobre ‘Modificação cognitiva do comportamento’. Posteriormente, em seu livro de 1974, Cognition and hehavior modification, relata esse fato nas primeiras palavras do prefácio: ‘In the summer of 1973 1 was invited to give a series of lectures to a small group of experimental psychologists in São Paulo. Brazil. Among my topics was Cognirice behavior oiodification: Tlie conceptual and empírica! analvsis 01 pricate events. Since 1 was entering a culture dominated by animal research, 1 took great pains to prepare and document my defense of cognitive symbolic processes as legitiinate and critical for in the experimental analysis of human behavior. These efforts were generously rewarded. My hosts were not only receptive but warmely enthusiastic. lt was their request for a tangible summary of my remarks that constituted the inicial stimu lu for this manuscript’ (Mahoney, 1974). Mahoney foi informado de que os alunos liam Skinner, artigos do JABA (Journal of Applied Behavior Analvsis) e JEAB (Journa! of Experimental Ana!sis of Behavior) e de que ambos os grupos haviam feito laboratório com ratos e,


no caso do Sedes, com pombos também. Na realidade, é necessário compreender esse relato no contexto do ano de 1973 e no quadro da Análise Experimental e da Modificação de Comportamento daquela época: Naquele momento, havia somente Luis Otávio de Seixas Queiroz, trabalhando e formando gente em Campinas, mas ainda sem a especialização experimental existente no Sedes, que era a opção de quarto ano de psicologia. Ainda do programa constava um curso sobre terapia de crianças e de adultos. O curso sobre crianças foi montado com base em problemas comportamentais, levantados a partir dos mais freqüentes descritos nos prontuários do Sedes. Entre eles, incluíam-se: birra, enurese, não obedecer, medo e fobia escolar. Cada grupo da classe estudava um dos temas, levantava uma bibliografia e apresentava cópias para os demais grupos. Os trabalhos eram iniciados com as leituras, obrigatórias, para toda a classe. Variávamos as atividades de verificação de leitura, com discussão em pequenos grupos, quando formulávamos perguntas que eram trocadas e respondidas pelos outros grupos, por exemplo. A criatividade de Eliana Audi e Sandra Curi, o companheirismo da equipe e as discussões técnicas foram imprescindíveis para a formulação desse curso. E inesquecível no passado de um professor o quanto seus alunos trabalhavam e se esmeravam. Ainda lembro de cada um dos componentes desse grupo. Dele saíram profissionais que continuam estudando e desempenhando com brilhantismo seu trabalho. Com alguns desses alunos, mantenho contato, até hoje. Outros, a vida e as nossas peculiaridades nos fizeram perder o contato, mas nem por isso, esse período de convívio foi menos reforçador. Se o Sedes tivesse continuado, muitas das críticas e discussões, feitas por essas pessoas durante o curso, teriam contribuído para um trabalho posterior. Havia ainda o curso sobre autocontrole, em que cada aluno, fazia um programa para modificação de seu próprio comportamento, com observações e registros de linha de base e posterior modificação e registro dos resultados. Essa forma de trabalhar, iniciada em 1973, continua até hoje em meus cursos dc graduação e pós-graduação. Por último, mas não de menor importância, existia o treino de paraprofissionais, que enfatizava o trabalho com o mediador, bastante empregado em escolas e com mães. A bibliografia desses cursos era bastante atualizada e os tópicos que tivemos de cobrir para ensinar procedimentos, fundamentá-los e enquadrá-los dentro de procedimentos de modificação de comportamento nos levaram a refletir. Explica-se assim a solicitação do curso de Mahoney, pois trabalharíamos especialmente com adultos, com os coeerants, ou seja, com os comportamentos encobertos. Procedimentos para alterar esses comportamentos nos conduziam à leitura de revistas americanas, bem como à leitura de autores que se distribuem hoje em diversas terapias comportamentais surgidas nos anos 70 e que se caracterizavam por serem baseadas na aprendizagem, terem um objetivo específico e serem avaliadas empiricamente. Geralmente, esses procedimentos eram originados em laboratórios de pesquisa de psicólogos experimentais ou sociais. Mostrando-se eficazes no contexto de pesquisa, passavam a ser aplicadas em situação natural. Este curso foi o primeiro sobre modilicação de comportamento no Brasil e pretendia formar o modilicador de comportamento buscando lidar com a relação entre modificações no ambiente e no comportamento individual em uma variedade de situações sociais, desde familiares até econômicas e políticas. Supúnhamos que o aluno atuaria em inúmeras situações, a partir das análises que aprendia a fazer no curso.”


Quanto ao atendimento de pacientes e à supervisão Parte prática, de atendimento e supervisão foi realizada em grupos de terapeutas: quatro alunos e um profissional atendiam os pacientes. Esperava-se garantir segurança no atendimento para o terapeuta-estudante e atendimento de alto padrão para o paciente. Também seria possível participar de mais casos e aprender a trabalhar em colaboração. Cada sessão era planejada com antecedência, em suas linhas gerais, e os papéis distribuídos entre os membros do grupo: um cobrava a tarefa e discutia as dificuldades encontradas ao realizá-la, no início da sessão (este havia passado a tarefa na sessão anterior) outro explicava os conceitos novos e fazia a sessão propriamente dita. A nova tarefa era explicada por outro terapeuta e um outro observava o terapeuta e o cliente. Na realidade todos aqueles que não estavam atuando no momento eram observadores. Os papéis eram trocados para que todos desempenhassem as várias atividades. O profissional presente atuava em qualquer momento que julgasse necessário. Logo após a sessão, esta era discutida e a próxima planejada, bem como as leituras necessárias para fundamentar a atuação seguinte. Uma regra era que, ao fazer críticas ao trabalho da sessão, não seria permitido falar de defeitos, se não fosse também apresentado um bom desempenho (Isto porque havia sido constatado que sem um controle rígido, só existiam críticas negativas. O repertório de reforçar positivamente, era estranhamente ausente. Considerávamos que a punição pela crítica destrutiva não seria a melhor forma de ensinar). Dessa forma, como descrito acima, garantia-se um bom atendimento, com poucos supervisores. A vantagem do grupo era grande no caso de problemas de comportamento social, e também facilitava generalização. É preciso considerar que gravações em vídeo ainda não existiam, embora circuitos internos de TV, sim. Eu já havia utilizado no serviço de M. Zazzo, durante uma bolsa de estudos na França. No Sedes, ele ainda não existia, mas sim um sistema de espelho unidirecional, em várias salas. O som era ouvido através dos furos normais do eucatex. O inconveniente era que qualquer ruído no cubículo de observação poderia ser ouvido pelo paciente. Utilizamos muitas vezes essas salas especialmente nos primeiros atendimentos deste terapeuta, com a finalidade de analisar o desempenho e a interação nas sessões. Era o aprender a fazer ‘clínica comportamental’. Esperava-se que o número de terapeutas seria reduzido no segundo ano e assim por diante até que cada um chegasse ao atendimento individual. Nesses anos, posteriores ao curso específico de treinamento de terapeutas comportamentais, temos realizado supervisão clínica tradicional: discute-se o caso apresentado, investiga-se o padrão de comportamento do cliente e apresenta-se sugestões de desenvolvimento do caso e possibilidades de intervenção. Geralmente, para profissionais o esperado é uma discussão geral do caso e, mais raramente, cada sessão sendo apresentada em detalhes. No caso de supervisão para psiquiatras, geralmente a solicitação é também do ensino de técnicas a serem empregadas. Quanto aos psicólogos, a preocupação mais atual é com o padrão de comportamento, o processo de interagir com o mundo daquele paciente específico, e como e quando apresentar as análises que o psicólogo já fez e que ele considera necessário que o paciente conheça. Ultimamente, tenho


enfatizado na supervisão os comportamentos apresentados na sessão e a interação terapeuta-cliente. Está aqui inserido o problema de corno seria a modelagem de novos comportamentos e de corno as regras são modificadas e outras construídas.”

Problemas de formação do profissional, hoje 1. Falta de consenso sobre o que é um terapeuta coinportarnental Guiliardi (1988) já havia afirmado que um sério problema é a falta de consenso sobre o que vem a ser um terapeuta comportamental. A prática antiga, freqüentemente, tendia a caracterizar o terapeuta comportamental como aquele que empregava determinadas técnicas. Assim, se um psicólogo emprega técnicas de dessensibilização sistemática muito provavelmente seria considerado terapeuta comportamental. Definir o profissional pelas técnicas que usa é inadequado e perigoso. Inadequado, porque qualquer psicólogo pode, se desejar, empregar técnicas comportamentais, independentemente de sua orientação teórica, uma vez que são técnicas claramente descritas e simples para serem replicadas, além de amplamente difundidas. Além de que, o simples fato de se empregarem determinadas técnicas, não garante o modo e a adequação de seu uso. Perigoso, porque o terapeuta usa as técnicas como um instruinento do seu trabalho, mas a sua ação não se resume à aplicação de técnicas. Identificar terapia com técnica reduz, inadequadamente, a natureza da terapia. (Para uma discussão mais ampla sobre as técnicas comportamentais e definição de terapia comportamental, veja-se Erwin, 1978.) De qualquer maneira, um problema prático importante, que o professor encontra ao preparar seus alunos para a prática psicoterapêutica nesta abordagem, reside no ensino das técnicas comportamentais. Ensina-se a definição da técnica, sua base teórica e as evidências empíricas que justificam o seu uso. O mais difícil, porém, de ser ensinado é quando e com quem usá-las. Não há dúvidas de que se dispõe de rica e eficiente gama e procedimentos para instalar respostas, porém o que pouco se explicou é a importância da função que o comportamento poderá ter para o indivíduo no seu meio social. É menos relevante começar pela topografia da resposta a ser instalada, seja ela dizer “não”, “olhar nos olhos enquanto fala”, “expressar com clareza um ponto de vista”, “discordar da opinião da maioria”. Também o mais relevante não é discutir o melhor modo de instalar esse padrão específico. Muito mais importante é discriminar em função de que se quer provocar uma mudança comportamental. Em outras palavras, não importa apenas qual o novo padrão de respostas que o paciente será capaz de emitir e como foi instalado, mas as alterações que determinado padrão de comportamentos produzirão no meio em que ocorre (em geral mudanças nos desempenhos de pessoas relevantes para o cliente). Ao mesmo tempo, importa saber o que essas alterações produzidas no meio provocam no comportamento do cliente. Os comportamentos do cliente têm funções de estímulo para as pessoas e. por seu turno, os comportamentos por elas emitidos têm funções de estímulos para o cliente. E são essas funções de estímulo e de resposta que devem ser identificadas e programadas. O treino de profissionais com ênfase exagerada nas técnicas terapêuticas pode induzir o terapeuta comportamental a propor um procedimento, antes de uma análise


funcional ampla. Às vezes, mesmo nestes casos, a técnica pode produzir alterações comportamentais, porém de pequena generalidade. Corre-se o risco de desprezar ou mascarar o efeito de variáveis relevantes. Quando isso acontece, fala-se em “recuperação espontânea” ou “substituição de sintomas”. O fácil acesso a técnicas poderosas de manipulação de comportamento pode facilitar, ao terapeuta inadequadamente orientado, a sua utilização, sem uma análise criteriosa e completa das relações funcionais relevantes. O que se pode concluir é que o emprego adequado de técnicas é relevante e necessário, porém de modo complementar. É preciso, antes de tudo, o estabelecimento de uma boa relação de trabalho e uma análise funcional, ampla e completa, para a obtenção de dados e a formulação do problema a partir dos quais se decidirá que técnicas devem ser empregadas, em que momento e com qual cliente. A formação de terapeutas comportamentais tem sido falha neste aspecto. É freqüente os alunos perguntarem: “o que faço com esta queixa? que procedimento devo usar?” O procedimento decorrerá, naturalmente, de uma longa e criteriosa análise dos determinantes do problema: nunca é um “pacote” pronto que se coloca em cima do paciente para alterar seus problemas. 2. Ausência de um modelo clínico explícito Outro problema sério é a ausência de um modelo explícito de atuação. A situação clínica é bastante complexa, envolve muitas variáveis, e é difícil para o profissional analisá-las e responder a elas consistente e adequadamente. Talvez, devido à sua história de formação profissional, mais ligada ao modelo de pesquisa acadêmica ou de laboratório, o terapeuta comportamental comunique o que faz de modo insatisfatório. Assim, tipicamente, a comunicação inclui: introdução com breve revisão bibliográfica da área, descrição sucinta do paciente e do problema comportamental com o qual vai trabalhar, procedimento utilizado, resultados e discussão. O relatório apresenta-se mais como um de pesquisa, e não como um relatório clínico, onde os comportamncntos terapêuticos, bem como as condições em que ocorrem, são todos detalhadamente descritos. Para a aprendizagcin clínica aquilo não basta. Os elementos funcionalmente relevantes numa situação clínica estão longe de ser bem conhecidos para que se possa de torma sucinta. descrever aquilo que é essencial simplesmente porque não se sabe o que é essencial. Muitos pontos do processo terapêutico deveriam ser explicitados. Assim, é importante saber como o terapeuta se relaciona com o cliente, já que a qualidade (reforçada aversiva) dessa interação influencia a técnica ou o procedimento formalmente descritos. O fato de não existir ainda um modelo clínico explícito para o terapeuta comportamental não quer dizer que ele não possa existir. Há necessidade, porém, de serem criadas condições adequadas para esse avanço. Faz-se necessária a união dos terapeutas comportamentais para que troquem e avaliem suas experiências e comuniquem seus trabalhos de maneira sistemática, porém mais ampla, a fim de que caminhem em direção dessa generalização. Sugere-se que em cada região onde haja interessados em terapia comportamental e cogmtiva, se faça reuniões (clínicas) de discussões de casos, (conceituais) de discussões sobre comportamentos terapêuticos, (científicas) de discussão dc aspectos teóricos,


empíricos, metodológicos, epistemológicos etc. e que, posteriormente, estas diversas regiões discutam entre si seu trabalho, seja informalmente, seja nas reuniões anuais da ABPMC. 3. Definir o que é um terapeuta comportamental e o que é terapia comportamental A ausência desse modelo tem uma conseqüência séria. Os comportamentos dos terapeutas comportamentais ficam sob controle de situações-estímulo tão amplamente variadas, e seus desempenhos incluem classes de respostas tão diferentes de um terapeuta para outro que muitas delas, talvez sejam incompatíveis entre si. Volta-se, então, à questão inicial: o que é terapia comportamental’? quem é o terapeuta comportamental’? O que se constata quanto à última indagação é que, por um lado, os terapeutas comportamentais usam técnicas semelhantes (algumas pelo menos) mas, por outro, o restante de seu repertório se diversifica tanto que poucas vezes pode-se dizer que estão fazendo coisas semelhantes. Dificilmente dois terapeutas comportamentais cabem numa mesma definição específica. Há os estritainente operantes, behavioristas radicais, nas linhas skinneriana e “hayesana”: há os mais “wolpeanos”; há os mais cognitivos, tipo Beck; há os mais cognitivos, na linha REBT de Ellis: há os mais ecléticos, na linha Lazarus: há ainda os que trabalham numa perspectiva funcional-analítica de Kholenberg, que por sua vez é diferente de uma linha analítico-comportamental, de Victor Meyer; há os integracionistas, que se distinguem dos ecléticos. Chega? Há necessidade de uma detalhada análise das contingências que controlam os comportamentos do terapeulta. A preocupação. em geral, tem estado exageradamente voltada para as contingências sobre o paciente. Há, cada vez mais também, felizmente, uma ênfase na análise do que acontece entre terapeuta e paciente. Por outro lado, a situação não é mais encorajadora em relação à definição do que é terapia comportamental. Pode-se esbarrar, desde o início, em dois usos difèrentes do termo terapia comportamental, segundo Erwin (1978): para referir-se a um determinado paradigma (dito de forma geral, um conjunto de pressupostos teóricos e metodológicos compartilhados pela maioria dos terapeutas comportamentais), ou para um tipo de terapia (uma técnica ou um conjunto de técnicas). Concluiu Erwin (1978): “não há ainda uma definição adequada disponível, certamente nenhuma conseguiu uma aprovação uniforme dos terapeutas comportamentais.” E isso antes da difusão da terapia cognitiva! 4. Desvinculação entre a teoria e a prática Exceto em algumas universidades, quem ensina não faz. Isso faz lembrar George Bernard Shaw que costumava dizer: “quem sabe faz, quem não sabe.., ensina.” Isso tem resultado em cursos com excessiva ênfase teórica. Muitas vezes, diante de um caso clínico, o professor procura na literatura um estudo com queixa semelhante e, simplesmente, replica o procedimento. Falta-lhe experiência para transformar seu curso em algo rico a partir de uma vivência clínica. Assim, estudos realizados apenas como pesquisa não enfatizam necessariamente, aspectos que são críticos


num trabalho clínico. Por exemplo, o padrão das pesquisas atuais sobre transtorno do pânico gira em torno de tratamentos de doze sessões, dedicadas exclusivamente a: (1) informação sobre o problema; (2) informação sobre o método de tratamento; (3) treino em relaxamento e/ou técnicas respiratórias: (4) treino em reestruturação cognitiva; e (5) exposição situacional ou interoceptiva. É interessante perguntar: que clínico consegue superar um problema de pânico de qualquer paciente, primeiro, em doze sessões; segundo, fazendo apenas isso? E a análise das contingéncias que estão vigorando em sua vida’? E sua história, seus aprendizados, suas crenças? E a resistência a cumprir as “determinações” do terapeuta, seja nas sessões, seja como tarefas para casa? E as diflculdades na relação terapêutica’? (Na verdade, nos relatórios de pesquisa todo esforço é feito para isolar essa variável: existe psicoterapia sem ela?) E o papel dos familiares? Os ganhos secundários’? O próprio David Barlow, responsável por algumas das mais brilhantes pesquisas e pelo conjunto mais importante de contribuições nesta área, confessava no Rio de Janeiro (durante o Encontro Internacional de Terapia Cognitivo-Comportamental, promovido pela ABPMC, em 1993) que “as pesquisas não relatam o que é feito depois com cada paciente, uma vez medidos os efeitos em investigação”. Se um professor tomar apenas livros ou relatorios de pesquisa como fonte de seu material de ensino e não incluir sua própria experiência clínica dificilmente conseguirá transformar seus alunos em terapeutas, comportamentais ou não. Como já se assinalou, um mesmo padrão comportamental pode ter funções diferentes. O trabalho do terapeuta comportamental não é alterar respostas, mas atuar, junto com o paciente, sobre relações funcionais. Enquanto a terapia comportamental não for ensinada por quem realmente a pratica, esse problema resultará na formação precária dos alunos. Até este ponto foram discutidas as dificuldades mais comuns encontradas para a formação conveniente dos terapeutas comportamentais. Em maior ou menor grau, elas estão presentes nos poucos cursos de graduação, de especialização, ou de pós-graduação que se propõem formar terapeutas comportamentais. Convém lembrar, porém, que essas críticas, em geral, se aplicam muito bem à formação do psicólogo, mesmo porque no Brasil, atualmente, existem poucos cursos adequadamente estruturados para formar terapeutas comportamentais. Quase sempre, existem terapeutas comportamentais ministrando disciplinas teóricas e/ou práticas, mas quase sempre isoladamente, sem chegar a compor um currículo. Há, também cursos de especialização que, embora razoavelmente estruturados, não chegam, pelo seu próprio objetivo, a propor a formação integral do terapeuta comportamental já que, para se obter essa formação, há necessidade de um preparo do aluno desde a graduação. De qualquer forma, é uma carência do meio profissional psicológico e, em particular, da terapia comportamental. Ainda assim, o grupo de psicólogos interessados numa formação adequada em terapia comportamental tem crescido.

Algumas dificuldades comportamental

para

a

formação

do

terapeuta

1. Formação com um tipo de paciente e trabalho com outro tipo Infelizmente, há poucos estudos para caracterizar os pacientes que são atendidos pelos terapeutas comportamentais durante sua formação profissional e depois de


formados. No entanto, sabe-se que a população que procura as clínicas-escola tem características diversas das que procuram as clínicas particulares. Surge, então, um paradoxo grave: o repertório que o aluno desenvolve na universidade é pouco adequado para os desafios profissionais fora dela. O problema, novamente, é de generalizar, e também complexo. O paciente de clínica-escola aceita uma série de condições que um cliente particular não aceita: seu meio ambiente, as relações interpessoais, os reforçadores a que responde, as pressões sociais que sofre são radicalmente diferentes daquelas dos pacientes que freqüentam uma clínica particular. Ocasionalmente, o aluno pode dedicar-se a um trabalho de certo modo compatível com seu treino. Se isto não ocorre, ele tende a abandonar o modelo de trabalho que aprendeu e busca um outro modelo de atuação, em vez de ampliar o primeiro. É comum ouvir-se a frase: “a terapia comportamental não serve para a clínica.” Isto demonstra que o preparo para a generalização é inadequado e que generalizar é difícil. Inversamente, há também uma tendência a se trabalhar com a população carente, segundo modelos desenvolvidos para outras realidades. Neste aspecto o aluno fica privado de desenvolver formas alternativas de atuação para uma população que poderia ser beneficiada por um trabalho mais ligado a sua realidade. 2. O problema da supervisão Há outros problemas referentes ao tremnainento propriamente dito. Quais os comportamentos que o professor supervisiona e quais suas consequências? De modo geral, a supervisão ocorre sobre o comportamento de dizer o que aconteceu na sessão. Raramente. o supervisor pode observar diretamente o desempenho do aluno com o paciente: tipicamente o aluno descreve (aspectos de) sua interação com o paciente. Ocorre, então, que este comportamento verbal está sujeito a contingências que ainda não foram estudadas. A relação supervisor-supervisionado está sujeita às complexas e pouco conhecidas contingências verbais. Agrava-se com o fato de existir uma relação de poder. com o supervisor na posição dominante. O aluno responde simultaneamente a, pelo menos, dois conjuntos de contingências: aquelas que ocorrem na sessão e aquelas que acontecem na supervisão. À qual delas está ele respondendo preferencialmente: ao que ocorreu na sessão, ou às expectativas do supervisor? As dificuldades, porém, não param aí. Pediu-se a psicólogos, alunos de um curso de especialização, que gravassem as sessões com os clientes. Na supervisão, o aluno fazia urna síntese da sessão, procurando descrever os seus comportamentos e os do cliente. Em seguida, eram ouvidos trechos gravados durante as sessões. O que se concluiu foi que, freqüentemente, o aluno deixava de relatar aspectos considerados relevantes pelo supervisor e pelos próprios colegas, além de ocorrerem distorções na percepção do que o cliente havia relatado e, até mesmo, no que o próprio aluno havia dito. Em suma, os estímulos aos quais os alunos respondiam eram aqueles aos quais eram capazes de responder e não, necessariamente, aos quais “deveriam” responder; os desempenhos que descreviam eram aqueles que achavam que tinham emitido e não, necessariamente, o que haviam feito. Não é difícil concluir que a supervisão, transcorrendo dentro deste modelo, corre o risco de modelar e manter discriminações de funções de estímulo inadequadas, e diferenciações de respostas também indesejáveis.


3. Pesquisa e clínica Talvez fosse conveniente enfatizar menos a terapia comporlarnental como uma área de aplicação da Psicologia, e mais com um modo de investigar o objeto da Psicologia que também tem preocupações de ordem prática. Ou seja, preparar o terapeuta comportamental para que se preocupe menos com o uso de um produto de conhecimento e mais com o método que produz esse conheciinento. O consultório é um laboratório onde também se faz pesquisa. “A terapia comportamental se iniciou com um grupo de pessoas que valorizavam tanto a ciência como a prática. Sabiam que os experimentos do JABA (Journal ofAj,1,lied Beliuvior Analisvs) não eram sua realidade e que os delineamentos experïinentais não se adequavam ao trabalho dos consultórios ou a outras situações naturais. Também em nosso meio percebíamos esse mesmo problema” (Kerhauy, 1984: Luna, 1990). No entanto, esse é um problema não resolvido: como fazer para que a produção científica em terapia comportamental atenda às necessidades dos terapeutas em sua prática clínica. Esses profissionais encurtam caminhos nas aplicações de conhecimentos, no seu mundo real, do consultório ou situação natural. Também, os terapeutas produzem conhecimento que ficam restritos à sua prática. uma vez que raramente publicam. A AABT (Association for Advancement of Behavior Therapy) está publicando duas revistas: a Behavior Tlmerapv que apresenta pesquisas com maior rigor científico e a Cognitive Behavmorol Practice que pretende atender mais os clínicos e suas descrições da prática clínica. Peterson (1995) supõe que este caminho seja promissor para preencher a lacuna entre a ciência e a prática. Ainda Peterson (1994) coloca que os autores aceitaram “o desafio de escrever um artigo que combine nosso critério principal de utilidade clínica e exigência científica acadêmica” (p. 2). Portanto, o problema de como trabalhar e produzir conhecimento em área clínica interfere na formação do profissional. Especialmente pela discussão de qualidade de trabalho realizado tanto pelo pesquisador como pelo prohssional, tendo em vista a formulação inicial dos terapeutas comportamentais de que sua prática clínica era baseada em pesquisa. Esse fato é verdadeiro se pensarmos nas descobertas e formulações sobre aprendizagem. E também verdadeiro quando os estudos procuram investigar o valor das práticas criadas. Ele se complica no caso do analista dc comportamento. Os delineamentos de pesquisas com comparação de grupos sem análises de comportamentos ou explicações baseadas em princípios cornportarnentais sem comprovação são geralmente pouco aceitos (Michael, 1980). Também os delineamentos experimentais que utilizam variáveis, que são manipulações ambientais complexas ou fazem afirmações gerais tais corno: o comportamento afeta o outro, sem mostrar resultados de manipulação, são sujeitos às mesmas críticas. bem como o emprego de um pacote” de técnicas. Esse pacote não dá informações precisas sobre o comportamento e utilizam outros componentes mentalistas em suas manipulações. Procurando prender-se às análises comportamentais, Kollenberg (1991), Hayes (1989) e Rosenfarb (1992) têm mostrado as aplicações de procedimentos de análise do comportamento clínico baseadas nas análises experimentais do Comportamento


Verbal em geral ou particularrncnte de equivalência de estímulos ou do responder relaciona!. Ilustram seus trabalhos, transcrições de sessões terapêuticas e empregam técnicas de intersenção comportamental. Considero que apesar desses estorços há urna distância entre ciência e prática e que seus trabalhos são uma hipótese explicativa dos dados obtidos e, corno tal, sujeitos às mesmas críticas que são formuladas para outras abordagens clínicas. No entanto, apresentam uma alternativa clínica, especialmente Kollenherg, ao enfatizar a relação terapeuta-cliente e o trabalho com os comportamentos que ocorrem na sessão.

Um mercado em expansão e suas contingências controladoras As pessoas que procuram hoje terapia comportamental, ou os estudantes que buscam informação e formação são controlados pela exigência do trabalho e, com raras exceções, não estão preocupados em ser pesquisadores, mas clínicos. ‘Provavelmente, o que os alunos aprendem na escola, nos cursos de psicologia experimental, ou treino de pesquisa, não é o que farão. O estudante será capaz de extrair das inúmeras informações que recebe aquilo de que necessita para seu trabalho? Corno deverá ser seu treino: específico e concreto ou mais geral? Será necessário aumentar seu treinamento em análises comportamentais e intervenções? De outro lado, se o objetivo é fazer análises comportamentais, é importante perder o pouco tempo disponível ensinando outras maneiras de trabalhar e enfoques teóricos para que saiba diferenciá-los? Quanto se precisa saber de behaviorismo, análise do comportamento e mentalismo, uma vez que o objetivo de seu trabalho não é contestar o mentalismo do cliente, do administrador, mas alterar os comportamentos clínicos relevantes. A população que trabalha em clínica é controlada por contingências claras: diminuir o sofrimento do cliente, auxiliar na modificação dos comportamentos clínicos relevantes. Ele não quer, tem tempo de, ou necessita, fazer pesquisa. Um congresso anual ou alguns livros podem ter a função de atualizá-lo e facilitar o encontro com colegas para discussões. O clínico difere do acadêmico que é controlado por contingências que o obrigam a escrever, publicar, solicitar verbas para pesquisa, sendo dessa forma avaliado pelas instituições. O clínico é avaliado pelo seu cliente, pelo resultado que produz e encaminhamento de novos clientes. O psicólogo que trabalha em instituições, e que nem sempre é o clínico, precisa de um tempo grande, às vezes um ano, para compreender como é a instituição, quais os controles especificados ou não que interferem no trabalho do psicólogo ou são seu campo de atuação. O hospital é um bom exemplo, com o paciente sendo encaminhado, os resultados esperados com urgência, pois nem sempre o paciente reside na cidade e desse resultado depende o trabalho de outros profissionais. As contingências são complexas e o repertório exigido do profissional também.

Como é o modo atual de ensinar? A proposta comportamental de mudança parte dos comportamentos que estão sendo apresentados, em seus aspectos de topografia e freqüência, e define quais comportamentos pretende-se alcançar como meta, sendo estabelecidos os mesmos parâmetros. Vimos já muitos dos problemas e deficiências decorrentes das práticas atuais de ensino. Mas, exatamente, quais são elas? Em resumo, a tendência geral é: a) aula expositiva com quadro negro, giz e voz;


b) leituras; c) turmas grandes em estilo auditório; d) supervisão em pequenos grupos de alunos com um professor supervisor; e) dramatizações para ensinar entrevista de avaliação e terapêutica; f) atendimento de pacientes a partir das aulas teóricas, leituras e treinos de entrevistas; g) análise dos registros transcritos das sessões relatados verbalmente; h) treinainento com clientela de baixa renda; i) tempo determinado de duração do estágio. Os problemas decorrentes daí são inúmeros. Apesar de Bandura ter chamado a atenção para o fenômeno da modelação simbólica, nem sempre esta é a melhor maneira de instalar ou modificar um comportamento. Aulas expositivas que detalham comportamentos, análise, formulação, intervenção etc. se apóiam na confiança de efetividade docente deste modelo. O uso de vídeos com atendimentos em que os comportamentos terapêuticos apropriados ocorram na presença das contingéncias que os controlam facilita a emissão destes mesmos comportamentos quando contingéncias semelhantes estiverem operando. A seleção dos tópicos de exposição e das leituras é também fonte de conflitos. Não se pode ensinar tudo; a duração de cada aula e o número total de aulas é fixo não havendo, com freqüência, a possibilidade de repetir a apresentação do curso, em nível mais avançado, pois os alunos também têm que adquirir outros conhecimentos e habilidades. O que selecionar para ensinar e ler? Centrar mais na aquisição de certas habilidades Fortalecer o conhecimento dos princípios do comportamento na suposição de que estes permitiriam o desenvolvimento de estratégias efetivas em cada momento? Com base nos atuais sistemas de diagnóstico que caracterizam com maïs clareza cada transtorno e permitiram o desenvolvimento de estratégias mais ou menos sistemáticas para cada um enfatisar estas estratégias? E os casos (quase todos) que não se enquadram perfeitamente nos quadros descritos, já que há sempre problemas de comorbidade e outros complicadores, como queixas vagas e imprecisas’? O aprendizado individualizado, em que cada sujeito fica exposto às contingências modeladoras, tem inúmeras vantagens. Mas como é possível se as turmas são grandes? E também tem desvantagens como a falta de troca de experiências etc. Estas podem ser suprimidas na supervisão, que parece ter caminhado para um modelo com aceitação universal. Aqui, as dramatizações de atendiinentos são um elemento importante pois, sem afetar os pacientes, pode-se modelar os comportamentos desejáveis. Além disso, a dramatização pode ser interrompida quantas vezes tor necessário para examinar os processos cognitivos do terapeuta”, de modo a avaliar em que medida está enfocando o problema adequadamente, está pensando nas perguntas pertinentes, está formulando hipóteses com clareza e de


modo adequado ao caso etc. Observações de processos de formulação podem ser obtidas por este método. Já se chamou a atenção acima para os problemas decorrentes do fato de as supervisões serem baseadas em transcritos verbais. No entanto, dificilmente esta prática poderá ser sistematicamente abandonada, apesar de que idealmente deva ser complementada por análises de amostras de gravações. Também os problemas de o treinamento ser feito com uma clientela e depois o atendimento ser leito com outra já foi discutido, mas soluções quanto a esta questão precisam ser encontradas. Características da clientela também entram em choque com outro aspecto que é o fato de o estágio ter duração determinada. Pacientes de baixa renda, costurneiramente, faltam às sessões: são problemas (sérios e reais) de transporte, já que tendem a morar na periferia, portanto afastados dos locais de atendimento; são problemas de saúde de parentes, com as costumeiras filas e dificuldades de atendimento do sistema de saúde; são até problemas de falta dc dinheiro para pagamento de passagens e lanches. Às vezes, apresentamn problemáticas que exigem intervenções longas (transtornos da personalidade, por exemplo) que excedem o tempo de duração do estágio. Como para estes problemas a mudança depende muito mais da solidez da relação terapêutica, a solução de novos terapeutas estagiários em cada turma não é satisfatória, pois quebra e ameaça, a cada vez, a continuidade do progresso. O nãoatendimento deste tipo de paciente nas clínicas-escola também não é solução pois não estariam se preparando adequadamente para estes atendimentos que, fatalmente, ocorrerão no futuro.

Caminhos experimentados nas práticas atuais de ensino Um meio de procurar delinir os ideais formadores dos que trabalham com ensino, formação e supervisão de terapia comportamental é buscar compreender como que se tem tentado ensinar terapia comportamental. Para isso é necessário procurar. entre as ofertas de cursos de especialização em terapia comportamental, que leque de disciplinas é apresentado, que métodos de ensino são utilizados, que estratégias didáticas são experimentadas. Três cursos voltados para a formação de terapeutas comportamentais no nível de pós-graduação (lato senso), foram selecionados. 1. Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental (ainda em fase de aprovação) do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Seus objetivos educacionais são: “O curso pretende capacitar o aluno a: (1) identificar os pressupostos filosóficos e teóricos que sustentam: 1 pesquisa e a prática na abordagem cognitivocomporamental, diferenciando as características do behaviorismo metodológico e do behaviorismo radical: (2) diferenciar os modelos médico, sociopsicológico e cognitivo de saúde e doença mental; (3) identificar os paradigmas que descrevem os diversos quadros psicopatológicos descritos no DSM-ÍV e na CÍD-10: (4) realizar entrevistas. observação direta e registros de comportamento, bem corno utilizar as diversas


técnicas de coleta de dados usadas na abordagem cognitivo-comportamental; mostrar capacidade para realizar análises funcionais tormulações de casos adequadas; (6) elaborar planos de intervenção psicoterapêutica na abordagem cognitivo-comportarnental (7) evidenciar perícia no uso de diersas técnicas terapêuticas; (8) tomar decisões clínicas om base em juízos éticos fundamentados. Foram estabelecidas como disciplinas obrigatórias os seguintes: 1. Modelos em TCC: Aspectos Históricos, Filosóficos e Teóricos. 2. Análise Experimental do Comportamento. 3. Modelo Cognitivo e Terapia Cognitiva. 4. Psicobiologia. 5. Sociologia e Antropologia. 6. Avaliação, Formulação de Casos e o Processo Terapêutico. 7. Psicopatologia. 8. Avaliação. Formulação de Casos e o Processo Terapêutico. 9. Ética em TCC. 10. Estágio Supervisionado II . Monografia. Disciplinas eletivas: 13. Seminários em TCC: 13.1. Formulação e Tratamento dos Transtornos da Ansiedade. 13.2. Formulação e Tratamento dos Transtornos Alimentares. 13.3. Formulação e Tratamento dos Transtornos Sexuais. 13.4. Formulação e Tratamento dos Transtornos da Adição. 13.5. Formulação e Tratamento dos Transtornos da Personalidade. 13.6. Formulação e Tratamento dos Transtornos Psicóticos. 13.7. Formulação e Tratamento dos Transtornos Infantis e Juvenis. 13.8. Formulação e Tratamento dos Problemas Conjugais. 14. Medicina e Neuropsicologia Comportamental.


15. Psicoterapia de Grupos. 2. Curso de Especialização em Psicologia Clínica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba Oferece treinamento em Psicanálise e em Behaviorismo e apresenta o seguinte conteúdo na segunda área de treinamento, que é o interesse deste capítulo. Os objetivos educacionais são: “Tem por objetivo promover o aperfeiçoamento profissional a partir do debate clínico, abordando as teorias e metodologias que embasam a prática profissional, levando a uma mudança de atitudes com relação à convivência de pensamentos divergentes e suas práticas, assim como o desenvolvimento de linhas de pesquisa relativa a estes.” As disciplinas obrigatórias são as seguintes: 1. Fundamentos da Clínica. 2. Comportamento Humano: Bases Evolutivas. 3. Skinner e o Behaviorismo Radical. 4. Comportamento Verbal. 5. Psicopatologia. 6. Diagnóstico. 7. Terapia de Grupos. 8. Terapia com Adultos. 9. Análise do Comportamento e Sexualidade. 10. Terapia com Crianças. 11. Pesquisa em Psicologia Clínica. 12. Recursos para o Terapeuta de Abordagem Comportamental. 3. Curso de Especialização em Psicoterapia na Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina Otèrece o seguinte leque de disciplinas: Disciplinas obrigatórias: 1. Fundamentos do Behaviorismo.


2. Introdução à Pesquisa em Psicologia. 3. Tópicos Especiais em Análise do Comportamento. 4. Seminários sobre Análise e Terapia Comportamental. 5. Bchaviorismo Radical e Psicoterapia. Disciplinas optativas: 1. Psicoterapia de Adultos. 2. Psicoterapia Infantil. 3. Psicoterapia de Grupo. 4. Análise do Comportamento de Grupos Especiais. 5. Psicoterapia de Adultos II. 6. Psicoterapia Infantil II. 7 Psicoterapia de Grupo II. 8. Análise do Comportamento de Grupos Especiais II Sugestões da professora Rachel Kerbauy para um programa de treinamento: Considero que a denominação das matérias é bastante irrelevante. Ao iniciar o treino do terapeuta comportamental é necessário escolher a posição teórica a ser adotada e conseqüentemente o tipo de ensino decorrerá dessa premissa básica: b) especificar qual o profissional que será formado; c) organizar a supervisão, na escolha de que tipo de terapeuta se quer formar: d) basear sua prática, pelo menos em parte, na informação e nos dados e não somente na subjetividade. A partir dessas escolhas ficará mais claro os programas que advirão e os autores em que se fundamente o trabalho. Acho mesmo que os alunos deverão apresentar erudição, sabendo citar autores e textos relevantes para cada tópico estudado e resumi-los imediatamente, mediante solicitação, especialmente aqueles autores que se destacam no estudo de um comportamento específico. Ainda na terapia comportamental as influências culturais precisam ser levadas em consideração, pois a todo o momento o terapeuta se defronta com elas, inclusive na tomada de decisão sobre o encaminhamento de certos problemas discutidos na sessão. Nesse sentido, uma base de antropologia, com os livros de Da Matta e outros sobre problemas culturais específicos se tornam necessários. Incluiria nesse conhecimento, também, noções de psicofarmacologia e neuropsicologia e de classificação das doenças empregadas na literatura. Esses tópicos poderão ser acrescidos de acordo com os critérios adotados. Ainda uma discussão sobre espiritualidade e religiosidade, muitas vezes invocada pelo cliente, e uma análise comportamental destes fenômenos poderia beneficiar o terapeuta.


Nas leituras fundamentais, hoje, com o enfoque na análise de interação e comportamento verbal (1957), são noções mínimas, imprescindíveis, inclusive para compreender certos autores como Kollenherg, saber especificamente o que são metáforas, autoclíticos, controle intraverbal, mando, tato etc. O comportamento governado por regras a meu ver exige a leitura de Contingêcias do reforçainento (1969) de Skinner e, desse mesmo autor, ainda escolho Ciência e comportamento humano (1953). Algumas análises de Ferster são relevantes, especialmente sobre depressão (1973) e psicoterapia do ponto de vista de um behaviorista (1979). Leituras sobre técnicas terapêuticas especialmente maestria em algumas como: relaxamento, dessensibilização sistemática, exposição, prevenção de respostas, treino de habilidades sociais, distanciamento compreensivo, tomada de decisão, por exemplo. Pelo menos para as técnicas, o aluno precisaria pesquisar a literatura, saber especificar como surgiram, como são usadas, como utilizá-la em termos comportainentais, conhecer o efeito esperado e, especialmente, ter supervisão da aplicação da técnica. A supervisão dos casos que forem sendo atendidos norteará as outras leituras necessárias. Nesse sentido, o terapeuta, sabendo fazer a análise funcional dos casos, também irá verificando como o aprendizado conduziu a sessão e o efeito de sua intervenção no comportamento do paciente e em sua fala nas diversas sessões. Isto poderia ser mostrado ao paciente: o resultado da análise funcional, suas aproximações sucessivas é fundamental. Considerando que os estudos de atendimento variam, bem como de supervisão, acho imprescindível o registro eletrônico e co-terapeuta pelo menos em um caso em várias sessões alternadas. Esses dados poderiam ser analisados pelo supervisor e por outros colegas. Hoje os clientes que procuram terapia estão muitas vezes com doenças orgânicas. Nesse sentido, uma unidade de Medicina Comportamental ou um programa que estude a relação comportamento e saúde é preciso incluir. O atendimento de pacientes com problemas de dor crônica, doenças crônicas como diabetes e hipertensão e os problemas relacionados com os comportamentos desenvolvidos e os necessários para manter a doença sob controle são fundamentais. Trabalhos com indivíduos, grupos e famílias apresentam-se como um desafio com metodologia própria e desenvolvimento de análises específico. Concluindo, diria que, se o foco de ensino for como fazer análise funcional, o treino com uma variedade de experiência clínica, com programa de intervenção claro e exposição a técnicas e problemas, com supervisão detalhada e leitura acompanhando permitiria a formação de um comportamento clínico. Pessoalmente, suponho que quanto maior o treino e discussões centrados no problema, diagnóstico, análises funcionais necessárias e tomada de decisão do terapeuta melhor será o resultado. Para finalizar considero relevante fazer consideragões sobre o que existe de pesquisa em terapia comportamental. Os ternas de pesquisa de 1970 até o presente foram do interesse do pesquisador e especialmente ligados a dissertações de mestrado e teses de doutorado. Nesse sentido, a USP, mais antiga, tem, em seu acervo de teses, assuntos pesquisados desde problemas específicos como enurese, obesidade, hipertensão, gravidez, pacientes psiquiátricos em enfermaria até treino do entrevistador, análises do trabalho de supervisão. Há teses também do trabalho em creches e escolas com programas de intervenção.


No entanto, poucos trabalhos de tese foram publicados e os leitores não eram muitos. Hoje com a proliferação de cursos de psicologia o público leitor aumentou e essas teses poderão ser consultadas. Muitos dos autores, como as contingênclas de sua vida mudaram, provavelmente não investiram tempo refazendo esses trabalhos mais antigos para publicação. Espera-se que as teses atuais se transformem em artigos com a maior exigência para publicação das universidades. O aluno precisa ser informado no curso de que nesse acervo de teses da USP. PUC dc Campinas e São Paulo, especialmente, e mais recentemente Universidade Federal de São Carlos, com trabalhos em deficiência mental, é onde se encontram as pesquisas e a descrição detalhada dos procedimentos empregados. Esses procedimentos são elaborados. enfocando especialmente as condições encontradas tios levantamentos realizados. Os profissionais que estão atuando na prática clínica quase não publicam, e entre suas explicações estão a falta de tempo até críticas às pesquisas veiculadas. Ainda, para fazer pesquisa é necessário seguir um protocolo clínico, e muitas vezes se perde por não considerar função da motivação do cliente, sua desistência e perda de sessões, por exemplo, que é mais evidente no trabalho clínico. A qualidade do trabalho clínico, a interação da díade em cada minuto, é perdida e, também, a visão do todo, que uma terapia representa. Um grupo de Londrina, que trabalha em análise do comportamento e especialização em Terapia Comportamental na UEL, tem aberto um leque de assuntos em suas monografias de final de curso. Pesquisam assuntos diversos como estresse em executivos a levantamento de conduta médica para certas faixas etárias, conhecimento de laços afetivos e efeitos da variável terapeuta ao longo de um tratamento clínico. Os trabalhos são iniciais, O mesmo acontece no Rio de Janeiro com grupos específicos. Os grupos atuais de pesquisa estão procurando investigar a tomada de decisão do terapeuta durante a sessão, a influência da interação com o terapeuta no comportamento verbal do cliente, quais os comportamentos clínicos relevantes para serem conseqüenciados. Com essas preocupações o estudo de caso e a observação detalhada da sessão e a construção de maneiras de analisar o relato verbal passaram a ser prioritários. Nesse sentido as descrições que mostram o que realmente acontece na interação terapêutica e em qual contexto ocorre com o material gravado e transcrito analisado em amostragens, no decorrer de certo tempo, é um outro tipo de pesquisa. Essas pesquisas incluirão descrição do que foi realizado e os efeitos da intervenção e da interação da díade terapeuta-cliente. Uma última palavra sobre pesquisa aplicada e especialmente em clínica. “Embora o caminho que se apresente seja promissor, as pesquisas terão maior probabilidade de ocorrer se forem realizadas no local onde o terapeuta trabalha, onde é pago para exercer a atividade e portanto tem interesse em aprimorar seu trabalho e interpretar comportamentalmente as mudanças que ocorrem no contexto de relação terapêutica seja ela individual ou em grupo.”


Definição de comportamentos terapêuticos relevantes Outra estratégia para definir o que deve ser ensinado é procurar listar os comportamentos considerados relevantes e efetivos na prática clínica. Reproduzimos as sugestões de Schaap e seus colegas (1993) sobre comportamentos de terapeutas que favorecem a efetividade clínica no que diz respeito à freqüência de ocorrência, ao impacto no comportamento de pacientes e aos momentos nas sessões em que os comportamentos teriam maior impacto. Definiram sete como importantes: 1. Empatia, aceitação, interesse genuíno, calor humano e compreensão. São as categorias mais freqüentes em psicoterapia em geral. Empatia é necessária para alcançar uma revelação emocional dos pacientes. Particularmente no início do tratamento ela é a forma mais importante do comportamento do terapeuta pois facilita a comunicação pessoal do paciente, o desenvolvimento da confiança na terapia e no terapeuta, além de envolver mais o paciente (Holtzworth-Munroe e cols., 1989). 2. Apoio. É outra categoria importante para o sucesso terapêutico e envolve comportamentos do terapeuta tais como aprovação, confirmação, reforçamento. Este comportamento é o que mais se relaciona com avaliações positivas que os pacientes fazem sobre sessões e sobre a competência, simpatia e atividade dos terapeutas, além de se correlacionar fortemente com um posterior comportamento de cooperação por parte de pacientes. Os terapeutas menos apoiadores estão entre aqueles que mostram menos sucesso terapêutico. 3. Diretividade e controle. Envolvem atividades de organização e andamento das sessões e de encorajamento para pacientes exibirem determinadas condutas dentro ou fora das sessões, bem como dar instruções, conselhos ou prescrever tarefas. É uma categoria muito observável em terapia comportamental e progressivamente difundida em outras abordagens (Barkham e Shapiro, 1986). É a terceira categoria considerada como muito importante já que muitos estudos demonstraram que pacientes esperam diretivas e se desapontam quando não as encontram (Proctor e Rosen, 1983). Estes comportamentos aumentam a probabilidade de cooperação, mas cuidados são necessários; diretividade demais tem uma influência negativa e aumenta a resistência (Turkat. 1986). 4. Questionamnento. Envolve cerca de 15% em média do tempo da atividade terapêutica, o que é compreensível, uma vez que terapeutas necessitam de informações sobre fatos e de explorar sentimentos. 5. Clarificação e estruturação. Dizem respeito a estruturar o processo e dar informações sobre o contexto da terapia. 6. Interpretação. Refere-se a um terapeuta afastar-se da narrativa imediata e fazer inferências sobre relações causais, características de personalidade ou outros aspectos do paciente. Muito cuidado é necessário com esta atividade pois inúmeros dados indicam efeitos negativos de Interpretações: elas funcionam como estímulos


aversivos, tendo efeito inibitório sobre a comunicação dos pacientes para o terapeuta (Kanlèr, 1960); aumentam comportamentos de resistência (Auld e White. 1959); e são seguidas por rejeição (Snyder, 1945). 7. Confrontação e crítica. Dizem respeito a identificar contradições ou discrepâncias no comportamento de pacientes e provocar reestruturações. Apesar de freqüentemente necessárias, como quando tarefas não são cumpridas ou quando existe necessidade de questionamento socrático de pensamentos automáticos ou de esquemas irracionais, muitas vezes há que se ter cuidado pois podem estar sendo mais expressão do desamparo do terapeuta e assim aparecerem como instâncias de punição. Poderiam ser também acrescentadas as seguinte habilidades: 8. Análise, avaliação e formulação de casos. Incluem conhecimento teórico dos processos comportamentais e etiológicos relacionados aos problemas que os pacientes trazem para a sua terapia, e habilidades de entrevista para obter as informações necessárias, estabelecer uma relação de trabalho positiva, motivar o cliente etc.; 9. Uso adequado de técnicas terapêuticas. Quais técnicas, em que momentos, com que tipo de pacientes e que problemas devem ser usadas; 10. Docentes. Dizem respeito à capacidade para ensinar aos pacientes as habilidades necessárias à sua mudança: 12. Questionamnento socrático. Dizem respeito a capacidade de confrontar a lógica falha que muitos pacientes apresentam, bem como questionar a base empírica e filosófica de suas “verdades” para que possam modificar seus estados emocionais patológicos ou suas estratégias de comportamento super e subdesenvolvidas; 12. Decodificação de metáforas. Seres humanos são sempre expressivos de modo verbal e não-verbal sobre suas emoções. Muitas das expressões verbais são metafóricas. Estas comunicam momentos emocionais importantes do paciente e um terapeuta precisa ter desenvoldo habilidades de interpretação de textos poéticos, literários, cinematográficos, teatrais etc. para que possa compreendê-los. Por exemplo: um paciente entra na sessão e, olhando abatido pela janela, diz: “Tá chovendo, né?” E o terapeuta, olhando para ele de modo compreensivo, responde: “Onde?” É claro que o terapeuta sugeria que havia percebido que o estado de ânimo do paciente parecia “chuvoso” e o paciente se sentiu bastante compreendido. Mas cuidados são necessários em haver sempre a preocupação de ajustar a linguagem terapêutica à linguagem e ao universo do paciente. Pacientes de baixa renda, que costumam ter uma linguagem verbal menos elaborada (um, certa vez, com carregado sotaque nordestino, descreveu seus sentimentos como “uma inobservância por dentro”, seja lá o que isso signifique), mas urna linguagem nãoverbal sofisticada, poderiam não compreender a finesse contida naquela resposta. Talvez compreendessem melhor uma resposta do terapeuta do tipo: “Às veles a gente repara mais um tempo feio e triste quando a gente tem vontade de chorar”:


13. Manejo de problemas especiais. Com freqüência, durante processos de terapia, surgem impasses, resistências, indicações de abandono, movimentos de sedução, sinais suicidas, raiva etc. que exigem muitas habilidades específicas para seu adequado manejo (ver capítulo Relação Terapêutica); 14. Comportamento ético. Questões como quem é o cliente, confidencialidade, reconhecimento de seus próprios limites em termos de ser capaz de ajudar um paciente e muitas outras, são problemas permanentes no processo terapêutico (ver capítulo Etica); 5. Envolvimento de familiares. Outro ponto é a utilização de familiares como parte do procedimento terapêutico. Os pais são comumente usados como agentes de mudança de comportamento de seus filhos. Não basta descrever como se procedeu o treino para que executem o procedimento proposto pelo terapeuta. Essa é apenas uma das contingências que controlam seus comportamentos. Existem muitas outras, raramente identificadas e manejadas. É como partir do pressuposto de que, por serem pais, farão o que o terapeuta pedir pelo bem do filho. É um engano. Se a criança em estudo é cliente, os pais também o são. Como tal, as contingências que controlam seus comportamentos devem ser extensamente analisadas. Se isso não ocorrer, eles não se manterão seguindo a orientação. Dificilmente essas análises são comunicadas, se é que são feitas, e no entanto merece um destaque especial o processo de tomada de decisão do terapeuta: que eventos o levam a tomar as decisões que toma, a que ele está respondendo quando atua desta e não daquela maneira? Todas estas questões (e outras) são importantes para a formação de bons terapeutas comportamentais. Na literatura da terapia comportamental, raramente este tipo de preocupação aparece explicitado. Além disso, talvez seja recomendável supor que um terapeuta deva possuir certas características pessoais como: 1. possuir uma cosmovisão e uma filosofia de vida que dê consistência ao seu comportamento e congruêencia a si mesmo como pessoa; 2. capacidade de tolerância à frustração, de persistência, paciência; 3. capacidade de não-envolvimento pessoal, de descentramento; 4. capacidade de demonstrar ânimo, otimismo, dinamismo, carisma, liderança; 5. equilíbrio emocional.

Definição de comportamentos terapéuticos desejáveis Um modo de estabelecer metas para o treinamento e a formação de terapeutas é relacionar os comportamentos desejáveis e indesejáveis que um terapeuta deve ou não deve apresentar em sessões. A partir das recomendações examinadas acima e baseado na adaptação de um formulário desenvolvido por J. Young, K. El Shammaa e A.T. Beck (publicado em Beck e cols., 1979) sugere-se tomar o checklist Quadro 1 (neste, p. 335) como um guia.


Outro ponto de partida para definir o que deve ser treinado para qualificar futuros terapeutas comportamentais é a proposta de Lettner (1980). Segundo ela, um meio para definir as variáveis relevantes em terapia é pontuar os diversos comportamentos clínicos relevantes por meio de uma estrutura piramidal (ver Figura 1 e 2 e Quadro 2. e também o capítulo Relação Terapêutica).

Integração das propostas universitárias Considerando as propostas de ensino examinadas acima bem Como as habilidades terapêuticas e características pessoais de terapeutas relacionadas acima, talvez seja possível imaginar uma proposta-síntese que sirva como ponto de debate, nunca como padrão a ser seguido. Urna tentativa de integrar a Concepção presente nestes diferentes cursos sugere que uma organização possível das matérias que componham o leque de disciplinas formais em cursos universitários de pós-graduação lato senso possa ser a seguinte: 1. Análise Experimental do Comportamento. 2. Análise Aplicada do Comportamento (com foco na própria atividade clínica). 3. Comportamento Verbal (ide,n). 4. Behaviorismo Radical. 5. Modelos Cogriitivos. 6. Psicopatologia. 7. Sociologia e Antropologia (centradas prioritariamente em nossa cultura). 5. Psicohiologia do Comportamento (Neuroanatomolisiologia, Neuropsicologia e Psicofarrnacologia para Psicólogos). 9. Processo Terapêutico, Análise Funcional e Formulação de Casos. 10. Terapia Cognitiva e Comportamental (Crianças e Adolescentes). 11. Terapia Cognitiva e Comportamental (Adultos e Idosos). 12. Terapia Cognitiva e Coinportamental (Casais, Famílias e Grupos). 13. Estudo de Casos e Análise de Discurso. 14. Ética. 15. Estágio Supervisionado. 16. Monografia.

Psicofisiologia.


O estágio supervisionado talvez devesse idealmente envolver: 1. exposição a atendimentos de populações diferentes: crianças, adolescentes, adultos, idosos, casais, famílias, grupos, de várias classes sociais; 2. exposição de problemas variados da prática clínica; 3. treinos em técnicas de entrevista; 4. treinos em técnicas específicas de análise, avaliação e formulação de casos; 5. treinos em técnicas psicoterapêuticas (dessensibilização, questionamento socrático) etc. por meio de leituras, dramatizações e provas; 6. treino em habilidades de estruturação e condução do processo terapêutico; 7. treino em habilidades de questionamento, interpretação de significados. de compreensão empática, de oferecimento de apoio, de interpretação, de confrontação; 8. discussão de problemas éticos decorrentes da prática ou outros imagináveis. Observações: 1. Todos os treinos técnicos seriam realizados por meio de leituras, vídeos, dramatizações e aferidos por observações diretas ou registradas em vídeo, além de provas; 2. Um número mínimo de atendimentos completos deve ser estabelecido em vez de um tempo de estágio. Quadro 1. Checklist para verificação de habilidades terapêuticas. Checklist para verificação de habilidades terapêuticas: 1. O terapeuta preparou uma agenda para a sessão? 2. Os itens eram específicos e orientados para os problemas? 3. Foram estabelecidas prioridades? 4. A agenda foi adequada ao tempo? 5. O terapeuta cobriu a maioria dos itens da agenda? 6 Foi flexível para incluir temas relevantes que apareceram na sessão? 7. Soube limitar temas não pertinentes? (Eram mesmo não-pertinentes’?) 8. Identificou os problemas específicos e centrais a serem enfocados?


9. Estes problemas eram apropriados para serem tratados neste momento’? 10. Concentrou-se em apenas um ou dois (sem ficar pulando entre vários)? 11. Soube fazer perguntas abertas para obter dados relevantes? 12. O terapeuta fez resumos periódicos para verificar sua compreensão e sintonia? 13. . Ofereceu feedback? 14. Solicitou feedback? (a. sobre a sessão atual; b. em momentos da sessão atual; c. sobre a sessão anterior) 15. Ofereceu sugestões e opções? 16. Solicitou sugestões e opções? 17. Entremeou perguntas com resumos, exemplos, retlexões, espelhamentos? 18. Foi socrático: fez perguntas para demonstrar incongruências no pensamento do paciente? 19. Fez perguntas para ajudar o paciente a explorar sentimentos acerca de um problema’? 20. Fez perguntas para examinar alternativas de solução de um problema? 21. Fez perguntas pam examinar conseqüências positivas ou negativas de alguma ação proposta’? 22. Explicou a lógica da(s) técnica(s) utilizada(s)’? 23. Fez um resumo sobre os progressos alcançados na sessão? 24. Explicou a lógica de se usar trabalhos para casa? 25. Reviu o trabalho de casa da sessão anterior? 26. Resumiu os progressos alcançados com o trabalho de casa? 27. Estabeleceu novos trabalhos para casa’? 28. O trabalho de casa foi apropriado aos problemas identificados e tratados na sessão’? 29. O trabalho de casa foi específico e os detalhes foram claramente explicados’? 30. Anteviu com o paciente problemas na execução dos trabalhos de casa’? 31. As técnicas utilizadas foram (as mais) adequadas para o problema em questão’? 32. Executou as técnicas corretamente’? 33. Foi autêntico (pareceu estar dizendo sinceramente o que sentia)’? 34. Foi mais aberto do que defensivo? 35. Fugiu de perguntas do paciente ou deixou de oferecer impressões ou informações?


36. Foi paternalista ou condescendente? 37. Representou o papel de terapeuta, parecendo estudado ou defensivo? 38. O tom de voz e o comportamento transmitiram calor e interesse’? 39. O conteúdo do que disse transmitiu preocupação e cuidado? 40. Criticou, ridicularizou ou reprovou o comportamento do paciente? 41. Foi frio, distante ou desinteressado? 42. Foi efusivo, possessivo ou superenvolvido? 43. Reagiu com humor e o exibiu quando apropriado’? 44. Resumiu com precisão o que o paciente efetivamente disse’? 45. Espelhou com precisão os sentimentos mesmo que sutis do paciente? 46. O terapeuta foi empático’? Comunicou por seu comportamento verbal e não-verbal que compreendia e aceitava os sentimentos do paciente’? 47. O tom de voz e o comportamento transmitiram confiança? 48. Fez observações claras, sem hesitações ou reformulações? 49. Manteve o controle da sessão sabendo alternar ouvir e conduzir’? 50. Pareceu relaxado e não ficou ansioso ou esforçando-se muito? 51. Paciente e terapeuta pareceram à vontade um com o outro? 52. Foi mantido contato visual’? 53. Houve correspondência afetiva? 54. O fluxo de trocas verbais foi regular? 55. Paciente ou terapeuta pareceram defensivos, cautelosos ou contidos? Mais especificamente para tratamentos cognitivos 56. Identificou pensamentos automáticos (PA)? 57. Ajudou o paciente a identilicar PA? 58. Usou técnicas adequadas para identificar PA? (questionamento, dramatização, RDPD, etc.) 59. Ajudou ao paciente a perceber a relação entre afeto e cognição? 60. Questionou ou testou PA’? 61. Ajudou o paciente a estabelecer hipóteses testáveis sobre os PAs?


62. Ajudou o paciente a colher provas válidas sobre as hipóteses, a avaliá-las e tirar conclusões? 63. Tentou dissuadir o paciente com argumentação e persuasão? 64. Foram identificadas pressuposições subjacentes pela análise dos PAs? 65. Ajudou o paciente a analisar a validade das pressuposições ou dos esquemas?

Manutenção e desenvolvimento do repertório clínico Um problema precisa ser, finalmente, tratado. É o da manutenção e desenvolvimento do repertório do terapeuta comportamental, uma vez que ele tenha feito opção para trabalhar nessa área e tenha recebido a formação disponível. Para essa finalidade, o terapeuta deve responder, de preferência simultaneamente a vários grupos de contingências. Assim: 1. Contingências específicas pela comunidade cliente. Uma vez que trabalha diretamente com um paciente, o terapeuta comportamental deve ser sensível às expectativas de tal comunidade. Um erro comum é impor a teoria psicológica sobre o cliente; supor que seu referencial está certo e se esconder na teoria. Nem sempre o cliente está ‘resistindo” ao tratamento. Muitas vezes, o terapeuta está sendo ineficiente mesmo. O cliente controla melhor e mais eficientemente os procedimentos terapêuticos do que a teoria. A teoria deve nortear o profissional, e este, no contato direto com os dados que emanam do cliente, deve revê-la, ampliá-la e consolidar seus aspectos, e não o oposto, isto é, rever e alterar o cliente para salvar a teoria. 2. Contingências geradas pela relação terapêutica. É recomendável que o terapeuta comportamental se conscientize da importância de submeter-se a uma terapia. O padrão de comportamento do terapeuta é uma das vanáveis mais importantes que interferem na sua relação profissional-cliente. O terapeuta comportamental observa, interpreta, interage, sugere, considerando o seu repertório. Pode-se discutir qual o melhor instrumento para isso. Seria a terapia? Por certo, não será o único, mas não se pode negar sua relevância. No entanto, não há necessidade de o terapeuta comportamental fazer terapia com psicólogo da mesma orientação. 3. Contingências geradas pela interação com uma equipe. Ao trabalhar sozinho, o profissional tem menor capacïdade de discriminar o que ocorre no seu trabalho. O repertório controlado por uma equipe de profissionais é mais rico, uma vez que se observam condições de estímulos que passaram despercebidas, e criam-se padrões de ação que não ocorreriam, necessariamente, num trabalho isolado. Ensina-se, o que é reforçador, e também se aprende, o que é igualmente reforçador. A equipe de trabalho deve incluir, necessariamente, profissionais da mesma orientação: é desejável que inclua, pelo menos periodicamente, psicólogos com outras orientações e, sempre que possível, deve incluir profissionais de outras áreas que não apenas a Psicologia. Trabalhar em equipe, porém, não é simples. Exige um repertório complexo que precisa ser instalado cuidadosamente. 4. Contingências geradas pela comunidade universitária. O meio universitário (alunos e professores) exige padrões de respostas diferentes daqueles gerados


pelos pacientes. Modela e mantém repertórios importantíssimos que os clientes não instalam, já que suas necessidades são diferentes, bem como as características das interações. O terapeuta comportamental, que é também professor universitário, neste particular é um privilegiado. 5. Contingências geradas pela comumdade científica. Estas produzem atitudes científicas. O profissional não deve gerar conhecimento apenas para si e, quem sabe, para seu cliente. Deve acumular conhecimentos para a Psicologia. Isto exige método, disciplina e atitudes que um treinarnento científico fornece. Além do compromisso com sua Ciência, o profissional que se comporta como cientista avalia melhor o que está fazendo no seu dia-a-dia, o que torna seu trabalho mais ético e significativo.

Conclusões O ensino universitário brasileiro vive séria crise de identidade de valores, materiais etc. Como decorrência, o profissional que se forma na universidade sofre as deformações dessa realidade educacional. A formação do psicólogo, portanto, precisa urgenternente de revisão no que diz respeito ao currículo, às condições de treinamento científico e à habilitação prática. O psicólogo está se formando, porém, sem as condições básicas para exercer a profissão. A formação do terapeuta comportamental está inserida nesse quadro desalentador. Acrescentem-se, ainda, peculiaridades e dificuldades próprias da especialização. Assim, há problemas básicos como divergência sobre a definição do que é terapia comportamental e quais comportamentos básicos definiriam um profissional como terapeuta comportarnental independentemente dessas dificuldades, o desenvolvimento crescente dessas dificuldades. o desenvolvimento crescente da terapia comportamental é urna realidade. O número de terapeutas comportamemais tem aumentado, bem como de clínicas e instituições que usam e ensinam terapia comportamental. A população tem procurado e se beneficiado também de forma crescente. O presente trabalho sistematizou as preocupações para aprimorar a formação do terapeuta comportarnental e sugeriu algumas estratégias úteis para esse objetivo.

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30 Psicoterapia pessoal comportamental

na

psicoterapia

Vera Regina Ligneili Otero Supostamente, a trajetória da formação prolissional do terapeuta comportamental tem se realizado por meio de cursos de especialização, grupos de estudo, programas de residência além de, nos anos iniciais da carreira, supervisão de colegas mais experientes. Considerações sobre a formação do clínico comportamental focalizam, quase que exclusivamente o papel e a função que ele deve desempenhar. Raramente discutem sobre as possíveis influências e vieses decorrentes das características pessoais do profissional no processo terapêutico que ele conduz. Entretanto, há autores que enfatizam que “o padrão de comportamento do terapeuta é uma das variáveis mais importantes que interferem na relação prolissional-cliente. O terapeuta comportamental observa, interpreta, interage, sugere, em função do seu repertório” (Guiliardi, 1988. p319). Alguns pesquisadores têm trabalhado com a hipótese de que os resultados do processo terapêutico é também função da combinação das características pessoais presentes nesta díade, conforme aponta Wielenska (1989). Guillardi (1988) comenta sobre a necessidade de que o terapeuta comportamental conscientise-se da importãncia da própria terapia. Qual seria a opinião dos terapeutas comportamentais a respeito da psicoterapia pessoal? Para responder à indagação de como esses profissionais têm compreendido e lidado com as possíveis interferências de suas terapias pessoais no seu desempenho profissional, Otero (1 992a, 1992h), efetuou levantamento entre 18 clínicos. Em 1993, o estudo foi ampliado atingindo um total de 54 questionários respondidos por terapeutas comportamentais de diferentes regiões do país, que trabalham em instituições públicas e privadas, cujo tempo de exercício na área variou entre 1 e 25 anos, tendo como clientela crianças, adolescentes e adultos. A premissa da qual se previu, de que a terapia é a instância adequada para que uma pessoa se conheça, conduziu o interesse maior do levantamento à coleta de dados sobre a terapia pessoal, aqui compreendida então como um instrumento para se lidar com varïáveis ligadas à pessoa. Neste sentido, o questionário buscou informações sobre: — tempo de exercício profissional; — faixa etária dos clientes atendidos pelo profissional; — se o profissional já tinha feito, se estava fazendo ou nunca tinha se submetido à terapia;


— motivos (pessoais/profissionais) que levaram-no a procurá-la; — fatores que determinaram a escolha do próprio terapeuta e linha teórica do mesmo; — o que o profïssional considerava importante com relação à terapia pessoal e desempenho profissional As respostas evidenciaram que a grande maioria da amostra (93%) já se submeteu ao processo de terapia, sendo que muitos o fizeram mais de uma vez. Vários afirmaram que ainda estavam fazendo e que recorriam a esta estratégia sempre que a realidade pessoal e/ou profissional exigia. É importante apontar que dos quatro profissionais que não buscaram terapia, três justificaram o tato alegando circunstâncias que os impediram e apenas um afirmou nunca ter sentido necessidade de fazê-lo. Enquanto metade dos clínicos declarou que procurou terapia por motivos predominantemente de ordem pessoal, a outra metade apontou também motivos de ordem profissional, sendo que 6% destes definiram sua motivação como primordialmente dessa ordem. Da amostra total, 90% dos clínicos avaliaram que é necessário e/ou importante que o terapeuta comportamental se submeta à terapia visando o aprimoramento profissional. Os cinco terapeutas que disseram não ser necessário, justificaram suas respostas afirmando que o profissional deveria se submeter desde que houvesse um problema específico a ser resolvido: afirmaram também que a psicoterapia é importante, mas não necessária, para o desenvolvimento profissional. Quase a totalidade (90%) dos clínicos que buscaram terapia relacionaram explicitamentc o processo pessoal que viveram com a melhora da qualidade de sua atuação profissional, independentemente da motivação predominante que tenha determinado a procura. Os critérios apontados para a escolha do próprio terapeuta incluíram as seguintes variáveis, não exclusivas: 1) variáveis ligadas ao desempenho profissional (55%): rigor profissional, capacidade reconhecida, respeito profissional, indicação de pessoas que já tinham sido pacientes; 2) variáveis ligadas à pessoa do terapeuta (28%): simpatia, conliança pessoal, afeto, amizade, ser compreensivo, não ter tido nenhum relacionamento anterior: 3) variáveis ligadas à linha teórica adotada pelo terapeuta (94%): dentre estes, 70% julgou importante buscar para si terapeuta que atuasse na sua linha de trahalho: os demais fizeram suas terapias com profissionais de abordagens teoricas não comportamentais por circunstâncias ou deliberadamente. Quanto a esse último fator, nossos dados diferem dos obtidos por Norcross, Strausser e Faltus (1988), que apontam que apenas 60% dos terapeutas comportamentais de sua amostra escolheram profissionais da sua abordagem teórica.


Considerando-se que Grunebaum (1983) não trabalhou com a variável linha teórica, verifica-se que seus dados referentes aos critérios que os profissionams se utilizam para escolher seus terapeutas confirmaram os resultados obtidos no presente estudo no que diz respeito às variáveis ligadas ao desempenho profissional e à pessoa do terapeuta. Seus resultados também apontam que a maioria dos terapeutas submeteu-se mais do que uma vez ao processo. Os dados acima apresentados referem-se a uma análise global. Entretanto, esses mesmos dados também foram estudados considerando-se as variáveis tempo de exercício profissional e faixa etária da clientela atendida. Verificou-se que os índices encontrados em cada subgrupo repetiram os da amostra total. A seguir será apresentada uma análise qualitativa dos dados que inclui citações dos próprios terapeutas comportamentais que participaram do estudo. Assumindo a premissa básica de que todos os comportamentos, privados ou públicos, estão constantemente sob controle de estímulos, inclusive no contexto terapéutico, os profissionais de nossa amostra acreditam na importância de “identificar eventuais pontos obscuros de sua vida, que possam impedi-los de ter uma ação terapêutica mais efetiva”. O desconhecimento de seus mecanismos emocionais pode conduzilos a “tomar decisões clínicas contaminadas com aspectos de sua própria história de vida, e não como é desejável, partindo exclusivainente de contingéncias da vida do cliente”. Os profissionais afirmaram que suas próprias terapias como análise de contingências de vida, possibilitaram ‘‘maior e mais preciso autoconhecimento’, facilitando “um maior discernimento entre o que era seu e o que era do cliente”, permitindo ‘‘perceber, por exemplo se era o cliente que precisava ouvir algo ou se era o terapeuta que precisava falar sobre aquele algo’’. Relataram também que ‘‘submeter-se à terapia foi extremamente útil para o próprio desenvolvimento’’ e que puderam ‘‘identificar claramente a influéncia desta melhora pessoal no aprimoramento do desempenho profissional. Enfatizaram que o processo terapêutico permitiu uma ampla revisão pessoal, “corrigindo distorções de percepções sobre si, sobre o outro, sobre relações interpessoais, sobre a realidade”. A vivência dos terapeutas como clientes colocou-os “como um ser comum”, ajudando-os a “desmistificar as crenças endeusadoras sobre a pessoa do terapeuta”. Enfatizaram a relação direta que estabeleciam entre o desenrolar de suas terapias e a melhora da qualidade de seu desempenho profissional salientando o enriquecimento de suas “percepções sobre alianças importantes do processo vivido por seus clientes e que antes não eram capazes de identificar”. Tais afirmações vêm ao encontro das considerações feitas, 1912, por Freud nas quais afirma que “o sacrifício que implica revelar-se à outra pessoa, sem ser levado a isso pela doença é amplamente recompensado” (Freud, W74, p. 155). Este autor pondera ainda que submeter-se a análise possibilita ao profissional “aprender um pouco mais em relação a seus pacientes” (p. 156). Da mesma forma Norcross, Strausser e Faltus (1988) comentam que a terapia pessoal permite mudanças interpessoais signiÍicativas, oferecendo diversas experiências de aprendizagem. Os dados deste levantamento corroboram com a afirmação de Guiliardi (1988) sobre a necessidade de os terapeutas comportamentais submeterem-se à terapia. Para o clínico comportamental esta experiência tornou-se uma prática essencial para o


aprimoramento profissional ao lado de cursos e supervisão de casos clínicos. Apesar da compreensão de que a terapia é a instânia adequada para lidar, ampla e eficazmente, com as características pessoais do terapeuta, e da aceitação de que elas interferem diretamente no sucesso do processo terapeutico que o profissional conduz, é desnecessário que haja qualquer regulamentação ou norma exigindo a obrigatoriedade da terapia. A evidência daquela influência e o próprio rigor que cada terapeuta comportamental tem quanto a sua atuação devem constituir-se nas normas ou regras — pessoais então que exigem a vivência do processo de terapia pelo profissional. E esta pode ocorrer, sob a condução de um clínico de qualquer abordagem teórica, desde que ele preencha os requisitos técnicos e pessoais necessários. Finalmente, a terapia pessoal completa, na prática, a formação profissional do terapeuta comportainental a qual originalmente acreditava-se ocorrer por meio de cursos e supervisão de casos clínicos. Todavia, há necessidade de se desenvolver mais estudos, visando responder de forma mais exaustiva como cada um destes processos interfere no aprimoramento do desempenho profissional.

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31 Supervisão em comportamental

terapia

cognitivo-

Luiz Fernando de Lara Campos

Formação profissional e supervisão Uma das maiores dificuldades encontradas no desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão tem sido garantir um mínimo de competência na formação de seus membros. Em Psicologia Clínica, particularmente, as limitações do sistema de formação do futuro profissional parecem mais acentuadas devido às divergências metodológicas e filosóficas existentes entre os diversos enfoques psicoterápicos (Campos, 1994). Existem vários recursos para a formação deste profissional, embora alguns não sejam típicos da formação acadêmica. A utilização da terapia pessoal do aluno como um instrumento de formação profissional, por exemplo, apesar de muito utilizado na formação em psicanálise, não encontra respaldo em alguns estudos realizados, como indicam Wampler e Strupp (1976), podendo mesmo ser considerada uma questão mais de fé do que de fato, segundo estes autores. Outro dado que limita a utilização sistemática da terapia pessoal como principal estratégia, é o fato de a formação em Psicologia estar inscrida em um contexto acadêmico, em que o conhecimento deve ser pedagogicamente transmitido, o que caracteriza uma realidade muito diferente da observada na relação terapeuta-paciente. A argumentação de que a experiência da terapia pessoal é válida em razão da possibilidade de o aluno desenvolver algumas habilidades clínicas graças à aprendizagem por observação sugerida por Bandura (1977) parece ser coerente. Entretanto, deve-se atentar para a existência de outras estratégias para a aprendizagem das mesmas habilidades clínicas por meio da observação de modelos, como o role-play, observação do atendimento de terapeutas mais experientes ou videoteipes de sessões de seu próprio supervisor. Ao considerar a posição do CRP (1994), na qual este órgão sugere que boa parte do movimento de consultórios de clínicos experientes é composta por psicólogos recém-formados, ou mesmo por alunos de graduação, aliada à visão de Figueiredo (1983) na qual boa parte dos docentes de cursos de Psicologia acreditam que muito de seus alunos buscam o curso como forma de resolução de problemas pessoais, a utilização da terapia pessoal como recurso de formação fica, no mínimo, muito restrita. Obviamente, existem casos no qual a necessidade de terapia pessoal é evidente, além de apresentar benefícioos para quase todos os sujeitos que a buscam. A questão é não favorecer o estereótipo no qual só será bom terapeuta aquele indivíduo que já se submeteu à sua própria terapia pessoal, pois esta posição desqualifica todo eslorço de ensino-aprendizagem que ocorre dentro da academia.


Dentro do quadro que acaba se delineando, as alternativas mais indicadas para a formação do psicólogo clínico, e em especial o terapeuta cognitivo-comportamental, são aquelas que refletem as estratégias pedagógicas comuns ao ambiente universitário, como aulas, leituras, vivências e outros recursos pedagógicos. A terapia pessoal é um elemento opcional no leque de estratégias, devendo o aluno possuir o livre arbítrio em relação a esta questão. A formação profissional no Brasil fica restrita, portanto, a duas fases: os quatro anos de formação teórica e o ano de estágios supervisionados. Na posição de Holloway (1988), os anos iniciais do curso de graduação em Psicologia devem ser suficientemente estruturados para facilitar a formação e desenvolvimento das estruturas cognitivas necessárias ao desempenho profissional, cabendo aos estágios finais a tarefa de aprimorar as habilidades clínicas dos graduandos. Nesta tarefa, os estágios supervisionados e seu elemento central, a supervisão, devem ser adequadamente planejados, para que se possa garantir que o supervisionado tenha o mínimo de experiência e competência para a livre prática profissional (Campos. 1994: Bernard e Goodyear, 1992; Mead, 1990). Assim, a supervisão clínica constitui a principal estrategia utilizada para a formação de psicólogos clínicos em todo o mundo, podendo ser considerada um elemento comum à formação em todos os enfoques psicoterápicos (Campos. 1994). Inicialmente utilizada pelo Serviço Social no século XVIII, a supervisão foi inicialmente adotada, dentro da tormação em Psicologia Clínica, pela escola psicanalítica, no início da década de 1940 e desde este inomento, sua utilização tem sido o principal componente na formação dos futuros psicólogos. Entretanto, apenas recentemente a supervisão clínica, seus modelos e características começaram a ser pesquisadas (Harrar, Vandecreek e Knapp, 1990; Hess e Hess, 1983; Hess, 1987), podendo ser considerada atualmente uma área específica da ciência, com corpo teórico e metodológico próprio (Campos, 1994). Na formação do psicólogo clínico brasileiro, a supervisão é, sem qualquer dúvida, o elemento central no processo de aprendizagem, prática e aprimoramento da psicoterapia. Apesar de sua vasta utilização, o estudo sistemático sobre a supervisão na realidade brasileira ainda é muito inicial, fato este que dificulta sua compreensão (Campos, 1994). Diante de tal dificuldade, o acesso do supervisor aos avanços da ciência da supervisão é limitado, fazendo com que sua atuação ocorra baseada no bom senso na intuição. em sua própria experiência e no seu referencial teórico (Campos. 1989; 1994). A este contexto, deve-se ainda acrescentar a inexistência de cursos específicos para a formação ou reciclagem de supervisores. A lormação do psicólogo no Brasil parece, portanto, limitada pelas próprias condiçóes técnicas de seu eleinento fundamental: a supervisão. A dificuldade de formação parece se estender por outras áreas, de modo que dentro da posição detalhada por Guillardi (1988), a formação no Brasil tem sido falha em fornecer ao estudante condições para definir as técnicas adequadas para seu cliente, indicando uma limitação da capacidade diagnóstica do futuro profissional. Entretanto, deve-se salientar que mesmo com estas limitações, o supervisor não deve ser responsabilizado por eventuais falhas da formação profissional. Embora neste capítulo se refira mais diretamente à supervisão no contexto


acadêmico de formação do psicólogo, vale lembrar que esta prática ocorre em vários outros níveis, como o da pós-graduação e da educação continuada do profissional, que no Brasil tende a ocorrer de modo mais informal, sendo que muito do aqui relatado é válido para todos os níveis, locais e tipos de supervisão. Que seu campo de atuação restringe-se, basicamente, ao último ano do curso de graduação. sendo que as dificuldades iniciam-se já por ocasião da seleção dos futuros profissionais, que em sistema de vestibular, não considera características básicas para a formação em Psicologia (Angelini e Madre Cristina 1974/75).

Modelos de supervisão O principal avanço na questão da supervisão nos últimos anos é o estudo dos modelos de supervisão, ou seja, qual o referencial teórico-prático que norteia a conduta do supervisor durante o processo supervisionado. Os modelos de supervisão são classificados em razão da base teórica que o supervisor utiliza na estruturação, condução e avaliação da supervisão e do supervisionando. Assim, os modelos são classificados em modelos desenvolviinentistas e modelos baseados em teorias psicoterápicas (Bernard e Goodyear, 1992). O primeiro modelo de supervisão é aquele no qual o supervisor atua baseado em concepções desenvolvimentistas de educação, adotando o referencial da ciência da supervisão como guia de orientação e conduta. A reação supervisor-supervisionado é estruturada em condições pcdagógicas, e avaliada dentro do campo das inteações humanas. Já o modelo de supervisão que se baseia nas teorias psicoterápicas propicia urna atuação semelhante à do clínico, na qual a relação na supervisão é concebida a partir do modelo utilizado na psicoterapia, sendo o supervisionado avaliado com os mesmos critérios que o supervisor, como psicoterapeuta, utiliza com seus clientes. Esta semelhança ocorre devido ao modelo adotado pelo supervisor que, ao refletir sua teoria psicoterápica, direciona sua atuação de modo semelhante, tanto no papel do clínico como no papel do supervisor (Campos. 1994). Os modelos baseados em teorias psicoterápicas podem ser considerados tradicionais ou convencionais, e partem da suposição que as instruções diretas fornecidas pelo supervisor ao supervisionado são viáveis de serem implantadas durante o atendimento (Feixas, 1992). Entretanto, o mesmo autor relata que estes modelos não respeitam o supervisionado como ser autônomo e sistema autoorganizado, que está baseado em constructos que permitem, ou não, compreender as próprias instruções. A esta consideração pode ser acrescida que o supervisionado também pode: não aceitar a sugestão, compreendê-las mas não possuir habilidades para executáas, ou ainda não ter condições na situação de psicoterapia para executá-las, devido às variáveis não consideradas no momento da supervisão. Em 1988 Holloway afirmou que se deve estabelecer diferenças claras entre os modelos de desenvolvimento do psicoterapeuta/aconselhador e o modelo de treinamenlo do futuro prolissional. O modelo de desenvolvimento do psicoterapeuta deve englobar as moditicações que emergem no sujeito ao longo do seu treinamento e de sua prática posterior à formação, enquanto os modelos de treinamento devem


prescrever ações no contexto da supervisão que facilitem as mudanças no supervisionado, enquanto este esteja sendo treinado. No primeiro caso, pode ser incluída toda a educaçao permanente (formal e informal) que subjaz à atuação de qualquer profissional ao longo de sua carreira. No segundo. devem ser consideradas as variáveis relevantes quando se inicia alguém em alguma profissão. Deste modo, Reising e Daniels (1983), após uma ampla investigação, definiram sete características relevantes para a formação do supervisionado: 1. ansiedade/indecisão; 2. independência; 3. trabalho válido; 4. ambivalência; 5. método; 6. compromisso; 7. confrontação respeitosa.

Supervisão e relações humanas Como qualquer relação humana, a supervisão está sujeita às mesmas vicissitudes da interação humana, permeada, entretanto, pelo viés introduzido a partir do modelo de supervisão adotado pelo supervisor. As formas de poder utilizadas pelo supervisor, envolvimento entre este e seu(s) supervisionado(s), além dos diversos tipos de conflito durante a supervisão parecem ser relacionados ao modelo de supervisão adotado pelo supervisor. Holloway eta!. (1989), ao estudarem os efeitos da orientação teórica sobre a forma de poder e envolvimento na supervisão, utilizando os dados referentes a urna supervisão sobre um mesmo caso simulado registrada em videoteipe, com cinco grandes teóricos/supervisores (N. Kagam, E. Polster, C. Rogers, A. Ellis e R. Ekstein) verificaram, pela análise do discurso entre supervisor e supervisionado, que os padrões de envolvimento e poder eram semelhantes aos previstos pela posição teórica de cada supervisor, indicando urna coesão interna entre o que foi observado no comportamento dos sujeitos e o que era esperado teoricarnente. No estudo conduzido por Pulney, Worthington e McCullough (1992), comparando os efeitos da orientação teórica de supervisores e supervisionados sobre a percepção da supervisão, foi identificado que os supervisores das teorias humanista e psicodinâmica enfatizam mais o relacionamento com seus supervisionados que os supervisores comportamental-cognitivos. Ao mesmo tempo, estes supervisores assumem mais o papel de consultor que seus colegas humanistas e psicodinâmicos,


que tendem a assumir o papel de psicoterapeuta durante a supervisão. No tocante ao desenvolvimento das habilidades clínicas e estratégias de intervenção, os supervisores comportarnental-cognitivos enfatizam mais este aspecto, enquanto os humanistas e psicodinâmicos objetivam a conceitualização da dinâmica do cliente.

A supervisão em psicoterapia comportamental-cognitiva A formação em psicoterapia comportamental-cognitiva no Brasil parece ocorrer apenas cm poucas agências formadoras, com a predominância do enfoque psicanalítico (CFP, 1992). O espaço que esta área de formação e atuação possui atualmente parece um tanto quanto pequeno, embora o interesse pareça estar crescendo nos últimos anos. Guillardi (1988) relata que o principal problema na formação do terapeuta cornportamental é a falta de consenso sobre o que vem a ser um profissional deste enfoque. Este fato ocorre, principalmente diante do surgimento dos enfoques cognitivistas que para o autor deste capítulo podem e devem ser classificados como um tratamento comportamental, que visa alterar os comportamentos encobertos por meio de um sistema de interação verbal, embora seu referencial teórico não seja exclusivamente os princípios de aprendizagem clássica e operante. Na formação de terapeutas comportamental-cognitivos, a utilização de modelos baseados nesta concepção psicoterápica é a prática mais comum, tanto no Brasil como no Exterior (Campos. 1994: Bernard e Goodycar, 1992). Neste enfoque a competência profissional que se objetiva é descrita na literatura em termos do domínio dos princípios da aprendizagem clássica e operante (conhecimento e uso), enquanto o papel do supervisor se direciona mais à posição de professor, caracterizando uma atuação voltada para o ensino dos pontos teóricos e práticos considerados relevantes para a formação profissional (Bernard e Goodyear, 1992). O supervisor desta abordagem tende a atuar (Campos, 1994) baseado nos conceitos de comportamentos adaptados e mal-adaptados de seus supervisionados. Esta conduta do supervisor está baseada em princípios e procedimentos de aprendizagem cujos efeitos já foram inúmeras vezes verificados. Estes constructos estão previstos na teoria psicoterápica da própria abordagem, de modo que o supervisor acaba atuando em termos dos princípios de condicionamento e reforço (Bernard e Goodyear, 1992). Os mesmos autores afirmam ainda, que não será surpresa se o supervisor comportamental for mais sistemático que os supervisores de outros enfoques na preservação de suas metas durante o processo de supervisão. Certamente isto é esperado, posto que se espera um planejamento sistemático, definições operacionais, avaliações constantes e atividades similares Em um dos poucos estudos brasileiros encontrados Wielenska (1990) relata uma conduta sistemática de supervisão, a qual sugere como adequada para a supervisão comportamental. No primeiro momento, o supervisionado apresenta resumidamente o conteúdo da última supervisão no início da corrente. Este início facilitaria ao supervisor a compreensão do comportamento do próprio supervisionado durante o atendimento intermediário às duas sessões de supervisão. Após este relato, o supervisionado exporia os principais aspectos e intervenções da sessão


intermediária, para então o supervisor fornecer a devida supervisão. Infelizmente, dado ao fato de ser um relato de caso único, o trabalho de Wielenska possui limites técnicos que restringem sua viabilidade, sendo, portanto, necessários novos estudos de caráter experimental para a sua validação. Para Bootzin e Ruggill (1988). o treinamento em Terapia Comportarnental-Cognitiva deve abarcar, fundamentalmente, o ensino didático e prático em Psicologia Experimental, Teoria da Aprendizagem por Reforçamento e Modelação ao vivo, por escrito ou videoteipe das habilidades clínicas básicas para a prática psicoterápica, além de reforçamento dos comportamentos adequados e simulações de atendimentos para que o supervisionado alcance um maior desenvolvimento de habilidades clínicas. Collins, Foster e Berler (1986) escrevem que as possibilidades existentes para o treinamento em Psicologia Clínica Comportarnental-Cognitiva são fundamentadas, principalmente, em três estratégias: treinamento baseado nas técnicas, na teoria ou no método científico. Estas possibilidades acabam sendo um dos pontos críticos na formação e supervisão em terapia comportamental-cognitiva, pois a divisão existente entre os autores que postulam um treinainento especificamente direcionado à aprendizagem da técnica e os que defendem uma maior êntase na formação teórico-conceitual do estudante reflete a divisão entre teóricos e práticos, comum a qualquer linha na Psicologia. Os defensores do treinamento baseado nas técnicas argumentam que elas são mais eficazes se forem treinadas anteriormente à sua aplicação, pois as estruturas cognitivas e comportamentais já estariam presentes no repertório do sujeito, enquanto o treinamento fundamnentado na teoria, por exemplo, aumentaria a capacidade e a qualidade da conceitualização do caso pelo sujeito, além de propiciar uma melhor imagem sobre a Terapia Comportamental-Cognitiva. Entretanto, todos os teóricos parecem acordar quanto ao objetivo do treinamento: produzir psicoterapeutas capazes de atuar efetivamente no papel de psicólogos clínicos. Muitas vezes, esta discussão parece um tanto estéril, pois para que um clínico seja eficaz, a habilidade na aplicação de técnicas não é suficiente, uma vez que no processo de análise funcional da problemática do cliente, o terapeuta necessita de uma forte base teórica para conceituar adequadamente o caso e então aplicar a técnica. Entretanto, a ordem inversa de raciocínio também é válida, pois de nada adianta conceituar precisamente um caso se o terapeuta não souber aplicar corretamente as técnicas indicadas. A solução parece ser uma combinação destas duas estratégias, com um programa de treinamento que englobe igualmente os aspectos teóricos e práticos da prática psicoterápica comportamental-cognitiva. Em um relato sobre os objetivos dc um programa de treinamento na West Virginia University, nos Estados Unidos, e que poderia ser generalizado para a maioria dos demais programas, Edelstein e Hawkins (1987) relatam que os objetivos de um programa de tremnamento devem: favorecer o empirismo, o consumo de pesquisas, produção de conhecimentos, socialização dos comportamentos éticos e/ou competentes nos processos psïcoterápicos diretos e indiretos. Gliekman e Di Seipio (1975) parecem concordar com esta posição, pois sustentam que o treinamento comportamental deve englobar as habilidades acadêmicas e de pesquisa com as habilidades clínicas. O programa proposto pelos autores consiste em:


a) contato direto com pacientes, concomitantemente à primeira exposição do supervisionado ao estudo acadêmico: b) experiência no trabalho sobre problemas práticos na execução de tratamento e pesquisa em ambientes clínicos; c) contato direto com o trabalho de clínicos que aderem ao modelo de cientista prático, básico na formação dos Estados Unidos. De um modo geral, dentro de uma perspectiva comportamental-cognitiva de supervisão, tanto terapia como supervisão são vistos como reeducação ou reaprendizagem (Sehmidt, 1979). A existência de outros pontos, tais como o processo paralelo ou de relações contratransferênciais, proposto pelo modelo psicodinâmico, não são eliminados, mas também não se tornam o ápice do processo de discussão sobre a supervisão, merecendo apenas uma atenção secundária por parte dos supervisores. Dentro desta ótica, o supervisor, ao iniciar seu trabalho, deve esclarecer aos seus supervisionados os pensamentos (ou idéias) sobre a psicoterapia ou a supervisão. Crenças do tipo “vou mostrar ao supervisor como serei/sou um excepcional terapeuta” devem ser eliminadas por meio de debates específicos sobre as expectativas, tendo como base a relação supervisor-supervisionado (Schmidt, 1979). A seqüência ideal de elaboração das informações parece ser: (a) o supervisionado apresenta uma dificuldade ou aspecto problemático, (b) hipóteses teóricas sobre esta problemática é discutida; (c) a resposta emotiva do supervisionado deve ser trabalhada; (d) aproximações terapêuticas são discutidas e (e) o supervisionado revê a discussão (Schmidt, 1979). Os modelos de supervisão utilizados no treinamento de psicoterapeutas cognitivos são inúmeros e podem ser igualmente utilizados para objetivos comportamentais. Sua variedade vai desde os mais tradicionais até as recentes propostas desenvolvimentistas. O modelo preferido é o baseado no modelo psicoterápico cognitivo, em que o supervisor avalia as habilidades iniciais do supervisionado, estabelece conjuntamente com este os objetivos a serem atingidos e acordam sobre as tarefas a serem realizadas para o alcance destas metas. Segundo Freeman eta!. (1991), uma estratégia muito recomendada é o uso da observação de sessões terapêuticas do supervisor ou outro psicoterapeuta mais experiente, o que poderia facilitar a aprendizagem de novos comportamentos e desenvolvimento de habilidades clínicas pela modelação do profissional mais experiente e competente. Entretanto, o relacionamento supervisor-supervisionado é o ponto central deste processo, pois será a partir desta relação que o processo de orientação será desenvolvido, apesar que a conduta do supervisor parece ser diretamente ligada à sua orientação teórica. A utilização de modelos e técnicas oriundas de outras abordagens deve ser também considerada pelo supervisor. Um dos primeiros modelos de supervisão apresentado em uma perspectivas multiteórica foi o de Yogev (1982), o qual postulou um modelo de supervisão e treinamento de base eclética e que poderia ser utilizado na supervisão de terapia


comportamental-cognitiva. Basicamente seu modelo está dividido em quatro momentos: 1. compreensão dos problemas do cliente; 2. aprendizagem de habilidades técnicas que permitam intervir com o cliente; 3. realização de uma avaliação diagnóstica, compreensão teórica e uso efetivo das técnicas de intervenção com o cliente; 4. compreensão dos próprios sentimentos e comportamentos como ferramentas terapêuticas. O modelo de Yogev esta dividido em três estágios: (a) definição do papel, (b) aquisição de habilidades e (c) solidificação e avaliação prática. No seu primeiro momento neste modelo, o supervisionado irá aprender e desenvolver novos repertórios cornportaMentais que deverão ser posteriormente internalizados. O supervisor deve facilïtar esta internalização, desmistificando as percepções; clarificando as expectativas, facilitando a expressão da ansiedade ou situações catastróficas, indicando formas para ajudar na compreensão das deficiências, limitações e sentimentos de inadequação relativos ao papel de psicoterapeuta e levando seu supervisionado a compreender e a reconhecer os elementos-chave para a base deste reconhecimento. Outro ponto especial remete ao esclarecimento das expectativas do supervisionado para com a supervisão, assim corno as expectativas do supervisor quanto ao desempenho do supervisionado. O terceiro ponto na fase inicial é esclarecer quais os critérios e sistemas de avaliações que serão utilizados no curso da supervisão (Yogev, 1982). Esta questão da avaliação é vital para uma supervisão adequada e efetiva, de sorte que todas as suas nuanças serão oportunamente delineadas. O segundo momento é marcado pela aquisição das habilidades a partir dos déficits identificados na fase inicial, com o supervisor olerecendo a análise crítica necessária a auto-avaliação do supervisionado. Nun terceiro e último momento, a solidificação dos avanços conquistados e a avaliação da prática do supervisionado são as metas da supervisão, sendo consequêneia natural dos dois momentos anteriores. O modelo de Yogev inclui aspectos emocionais e experiências no primeiro estágio, e as dimensões didáticas e práticas no segundo estágio sendo no geral fornecida toda a condição para o amadurecimento da prática do supervisionado. Embora englobando algumas características dos principais modelos psicoterapêuticos de treinamento e formação, Yogev esclarece o caráter desenvolvimentista que permeia a iniciação na prática psicoterápica, que será mais adiante enfocada neste estudo. A proposta de Yogev (1982) é uma das primeiras propostas formais que tentam modificar a tendência do uso de modelos de atuação clínica em supervisão. Este movimento de busca de estratégias novas e mais eficazes culminam com o aparecimento das propostas desenvolvimentistas.


Outra proposta interessante, e que se baseia nas técnicas de treinamento comportamental, é o modelo de Microtreinamento de Carkuff, no qual o supervisor, por meio de simulações entre os próprios alunos ou com atores treinados, avalia as habilidades dos supervisionados estabelecendo uma linha de base do estágio de desenvolvimento do sujeito. A partir deste momento, pela modelagem de novos comportamentos o supervisor elabora pequenos programas intensivos de leitura, experiências práticas e treinamento das habilidades do supervisionado, reavaliando seu desempenho por meio de seus atendimentos com clientes reais, que resultará em uma medida da evolução do sujeito e indicará as áreas nas quais o treinamento deverá ser iniciado ou reforçado. Entretanto, o modelo mais completo para que o estágio e a supervisão sejam realmente efetivos parece ser o proposto por Mead (1990). Mead indica que alguns pontos devem ser controlados durante a supervisão, tais como: 1 Conceituação dos níveis de habilidades do terapeuta em termos de um contínuo desenvolvimento; 2. Grau de respostas do supervisionado à supervisão, uma vez que a literatura demonstra que os mais iniciantes preferem um modelo mais suportivo e técnico, enquanto aqueles que ganham mais experiência tendem a preferir um nível de treinamnento mais complexo e dinâmico, terminando o processo por supervisões que facilitem o surgimenlo de um estilo pessoal de atendimento clínico; 3. As mudanças de respostas do supervisor em razão das mudanças no supervisionado, uma vez que as alterações do discípulo devem levar a uma modificação na posição de seu mestre. O modelo de Mead está baseado na premissa de que um supervisor pode ser caracterizado como competente na medida em que possui a habilidade de assumir uma ampla variedade de papéis em razão da necessidade dos supervisionados. No modelo proposto por Mead (1990), o supervisor deve: 1. Estabelecer o nível inicial das habilidades do supervisionado; 2. Determinar em conjunto com o supervisionado as metas intermediárias e finais para a supervisão; 3. Determinar em conjunto com o supervisionado o plano de supervisão e atividades práticas e teóricas a serem executadas; 4. Escolher as técnicas mais indicadas de observação dos comportamentos do supervisionado; 5. Avaliar e intervir (se necessário) nos comportamentos do supervisionado; 6. Determinar o nível de progresso do supervisionado; 7. Rcestruturar o plano de supervisão inicial a partir dos efeitos observados.


Entretanto, baseado em sua experiência como supervisor e pesquisador nesta área, o autor sugere a seguinte sistemática para a supervisão em psicoterapia comportamental-cognitiva: 1. Antes de iniciar a parte prática do estágio supervisionado, o supervisor deve: a) estabelecer critérios comportamentais para a avaliação do supervisionado e discuti-los com o(s) sujeito(s). Para a utilização de critérios objetivos ou instrumentos específicos, é recomendável a leitura de Campos (1994, 1989), Bernard e Goodyear (1992) e Mead (1990); b) estabelecer claramente o tipo de registro de sessão que será realizado (videoteipe, audioteipe. registro cursivo etc.): c) fornecer um modelo preciso e claro do relatório a ser desenvolvido pelo supervisionado; d) estabelecer a necessidade de observação do supervisionado por outros alunos, delineando a função destes; e) estabelecer o nível mínimo de habilidades comportamentais que cada sujeito deverá apresentar ao final do estágio supervisionado para ser considerado aprovado. 2. Com a utilização dos critérios acima, estabelecer, por meio de dramatizações com colegas, atores ou com o próprio supervisor, exames escritos, observação de videoteipes etc., o estado inicial das habilidades clínicas do supervisionado. 3. Elaborar, em conjunto com o supervisionado, um plano de supervisão e treinamento individualizado, que deve abarcar: a) um cronograma de leituras teóricas, clínicas, ou específicas ao(s) caso(s) que o supervisionado atenderá durante o período da supervisão; b) atividades práticas a serem executadas pelo supervisionado (dramatizações, vivências, observação de outros alunos atendendo, realização de triagens, participação em outros grupos de supervisão para observação etc.) 4. Implantação do programa de estágio e supervisão, com a avaliação do progresso do supervisionado, no mínimo, a cada dois meses. 5. Assistir ao atendimento do supervisionado pelo menos uma vez a cada dois meses, preferencialmente antes da avaliação. 6. Após cada avaliação formal do progresso do supervisionado, promover uma reestruturação geral do programa de treinamento caso necessário. 7. Utilizar na metade do estágio e ao seu final, algum instrumento formal de avaliação do relacionamento supervisor-supervisionado e outro de avaliação do supervisor pelo supervisionado. Para a obtenção destes instrumentos,


recomendamos as obras de Campos (1994; 1989), Bernard e Goodyear (1992) e Mead (1990). A supervisão em psicoterapia comportamental-cognitiva é um processo extremamente complexo, com uma grande riqueza de elementos, e com as mesmas limitações que qualquer processo de ensino-aprendizagem. Adotar um modelo de supervisão de base desenvolvimentista parece fornecer ao supervisor uma ampla possibilidade de recursos, principalmente os que não estão disponíveis na metodologia clínica da psicoterapia comportamental-cognitiva, embora esta posição seja historicamente recente. O estilo de supervisão que cada profissional adota é único, pois reflete seus valores, as crenças e as habilidades. A utilização de bom senso, intuição e a generalização da experiência como supervisionado foi um bom começo, mas insuficiente diante do desenvolvimento técnico-científico que esta área de atuação apresenta. A supervisão e o estágio supervisionado, sejam em nível de graduação ou pósgraduação, devem ser adequadamente planejados para que, ao seu final, o supervisionado tenha adquirido o mínimo de habilidade e competência para o exercício profissional. Infelizmente, não é nosso objetivo relatar por completo todo o avanço da ciência da supervisão observado nos últimos 15 anos, sendo interessante que cada profissional recupere as informações a partir de sua necessidade. Esperamos que a partir da leitura deste capítulo os profissionais que supervisionam fiquem mais atentos ao avanço desta área.

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Sobre os autores — Adriana 8. Barcellos, professora do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportanento da Universidade Estadual de Londrina (UEL). — Aluísio Otávio Vargas Ávila, professor do Laboratório de Pesquisa e Ensino do Movimento Humano (LAPEM) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSMRS). — Ana Cristina Barros da Cunha, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). — Ana Paula Abreu, psicóloga clínica. — Antônio Pedro de Meilo Cruz, doutor em Psicologia, professor do Departamento de Psicologia Experimentat, Faculdade de Ciências e Letras, UNESP. Assis. — Antônio Renato Pereira Moro, professor do Laboratório de Pesquisa e Ensino do Movimento Humano (LAPEM) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSMRS). — Bernard Rangé. mestre em Psicologia, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), psicólogo clínico, presidentefundador da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental. — Carmen Garcia de Almeida Moraes, professora do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina (UEL), psicóloga clínica. — Edwiges Ferreira Matos Silvares, doutora cm Psicologia, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USPSP), psicóloga clínica. — Eliane Mary de Oliveira Falcone, mestre em Psicologia, professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), psicóloga clínica. — Francisco Lotufo Neto, M.D., Ph.D., psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (AMAN HC FMUSP). — Francisco de Paula Nunes Sobrinho, Ph.D., professor do Programa de PósGraduação em Psicologia do Instituto de Psicologia e da Coordenação de Programas em Pós-Graduação em Engenharia (COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). — Frank M. Dattilio, Ph.D., professor do Centro de Terapia Cognitiva do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, EUA. — Frederico G. Graeff, doutor, professor do Laboratório de Psicobiologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e Núcleo de Ncurociências e Comportamento (USPRP).


— H. Zangrossi Jr., professor do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP—RP). — Harald W. Lettner, doutor em Psicologia, psicólogo clínico. — Hélio Guillardi, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), psicólogo clínico, diretor do Instituto de Análise do Comportamento, presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC). — Leila Regina D’Oliveira de Paula Nunes, Ph.D., professora do Programa de Mestrado em Educação Especial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). — Liliana Seger Jacob, professora da Faculdade de Odontologia e da Faculdade de Psicologia da UNIP—SP. — Lisianne Ferreira Rodrigues, psicóloga clínica. — Lúcia Novaes Malagris, mestre em Psicologia, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Centro Psicológico do Controle do Stress, psicóloga clínica. — Luiz Armando de Araújo, M.D., Ph.D., psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (AMAN HC FMUSP). — Luiz Fernando de Lara Campos, doutor em Psicologia, professor da Universidade São Francisco (USF), psicólogo clínico — Maly Delitti, doutora em Psicologia, professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), psicóloga clínica. — Maria Amélia Matos, Ph.D., professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP—SP). — Maria Cristina de Oliveira Santos Miyazaki. mestre em Psicologia, psicóloga clínica. — Marilda Lipp, Ph.D., professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), diretora da Clínica do Estresse, psicóloga clínica. — Monique Bertrand, mestre em Psicologia, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Santa Úrsula (USU), psicóloga clínica. Orion da Silva Mel lo, professor do Laboratório de Pesquisa e Ensino do Movimento Humano (LAPEM) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS). — Paola Esposito de Morais Almeida, chefe de Psicologia do Hospital Dia, DAYCARE.


— Priscila Derdyk, psicóloga clínica (PUC—SP). — Raquel Rodrigues Kerbauy, doutora em Psicologia, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP—SP), psicóloga clínica. — Rita de Cassia Duarte Neves Braun, chefe de Enfermagem do Hospital Dia, DAYCARE, colaboradora do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (AMBAN-HC-FMUSP). Roberto Alves Banaco, doutorem Psicologia, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), psicólogo clínico. — Rosana Glat, Ph. D., professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), psicóloga clínica. — Sérgio Antônio da Silva Leite, doutor, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (UNICAMP). — Silvana Xavier de Mendonça, psiquiatra colaboradora do Grupo de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas da Facudade de Medicina da Universidade de São Paulo (GRUDA HC FMUSP). — Vera Lucia Adami Raposo do Amaral, professora doutora do curso de pósgraduação em Psicologia Clínica (área comportamental) da PUCCAMP. Psicóloga chefe do Setor de Psicologia do Instituto de Cirurgia Plástica Crânio-facial SOBRAPAR. — Vera Regina Lignelli Otero, psicóloga clínica, Clínica unec — Psicologia e Pedagogia, Ribeirão Preto, SP. — Verônica Bender I-laydu, professora do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina (UEL). — Yara K. Ingberman, mestre em Psicologia, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), psicóloga clínica.


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