G R A N D E S R E P O R T A G E N S
JUNHO DE 2011
História esquecida Negros de Joinville tentam resgatar cultura
Problema social 3,9 mil famílias vivem de forma irregular
Diário de superação História marcada pela dor e vontade de viver
Vencendo o câncer Disposição e apoio familiar ajudam no tratamento
DIVERSIDADE RELIGIOSA O silêncio mascara a intolerância às crenças afrodescendentes
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Opinião
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Neyfi Müller
carta ao leitor
SUMÁRIO
03 06 08 10 12 15 18 20 22
Lição de Vida J ovem cantora é exemplo de superação após acidente Tiffani dos Santos
Força de Vontade C âncer: história de lutas e superação Francine Ribeiro
Superação A história do ex-traficante que se tornou pastor Neyfi Müller
Diversidade Religiosa P reconceito religioso persiste na cidade Luisa Desiderá
Ocupação do Solo H abitação em Joinville: um problema social
Outro semestre que chega ao fim...
Depois de um semestre inteiro de escolha de pauJunto conosco, você poderá ver também qual tas, distribuição de jornais, apuração de fatos, entre- foi a trajetória dos negros em Joinville até os dias vistas e muitas, muitas discussões por e-mail, chega de hoje. Entramos nas escolinhas de basquete e no às suas mãos a última edição do Primeira Pauta do ônibus universitário que vem de Itapoá, onde o jorprimeiro semestre de 2011. nalismo de precisão nos mostra dados Esta é uma edição especial, cheia e estatísticas sobre o perfil sócio culde grandes e interessantes reportagens tural do estudantes que viajam todos Quem? que foram trabalhadas em conjunto os dias em busca de um futuro profis“Quem me dirá não com a disciplina de Redação V. Algusonal. Visitamos Joinvilenses que têm o que desejo nem o mas levaram o semestre inteiro para suas casas em áreas de risco e comparque sei, serem concluídas, outras, mesmo que tilhamos um pouco da alegria que é apuradas em menos tempo, contam ter um intercambista hospedado em Mas aquilo de que histórias relevantes e inéditas. casa. Nossos repórteres participaram preciso Será que na poesia “Sílaba”, Djavan de cultos evangélicos para conhecer a Sem botar nem tirar estava se referindo aos jornalistas ao se história de um ex-traficante que virou uma sílaba? questionar quem poderia contar algo pastor e visitaram também rituais de Quem saberá contar o com fidelidade? Mesmo que não fosse candomblé e umbanda para retratar enredo essa a intenção, enquanto acadêmicos o preconceito sofrido pelas religiões Sem alterar o tom, de Jornalismo queremos ser o “quem” afrodescendentes em Joinville. o teor e o desfecho deste texto, aquele que conta o fato de Ufa! Quantas vidas e experiências Sem errar, nem mudar uma forma imparcial e independente. envolvidas nessas páginas. Aproveite uma vírgula?” Para tanto, escolhemos pautas que nos bem querido leitor, e esperamos ter (Sílaba – Djavan) atraem e mexem conosco. cumprido nosso papel de jornalistas Através de seus repórteres, o Pri– aquele que, como disse Djavan, não meira Pauta visitou a menina Letícia, coloca, nem tira síbalas, que conta o que é um exemplo de superação e força de vontade. enredo, não altera o tom, nem o teor e o desfecho. Contamos a dolorosa experiência do câncer vivida Aquele que não erra e nem muda uma vírgula. Boa por duas pessoas. leitura e até o próximo semestre!
Bárbara Elice
em foco Edinei Knop
Afro-descendentes Joinville negra: imersa em um passado de preconceito Patrícia Schmauch
Oportunidade O esporte como pauta para o sucesso de novos talentos Diego Porcincula
Intercâmbio Uma vida inteira em alguns meses Emanoele Girardi
Ensino Superior O vai e vem dos estudantes de Itapoá rumo à graduação Augusta Gern
Na porta de entrada do terreiro de Umbanda e Candomblé, da mãe-de-santo Jacila Barbosa, uma cumeeira que serve como preparação para quem entra no espaço sagrado. A cumeeira purifica e segura as energias negativas.
DIRETOR GERAL DO BOM JESUS/IELUSC | Tito Lívio Lermen COORDENADOR DO CURSO | Sílvio Melatti Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornalismo Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc
DISCIPLINA | Jornal Laboratório II
EDIÇÃO ESPECIAL | Junho 2011
PROFESSOR RESPONSÁVEL | Lucio Baggio
Contato com a redação Endereço: Rua Princesa Isabel, 438 - Centro CEP 89201-270 | Joinville | Santa Catarina
Telefone: (47) 3026-8000 - Fax: (47) 3026-8090 E-mail: jornalismoielusc@gmail.com Blog: primeirapautaielusc.blogspot.com
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO | Neyfi Müller EDITOR GRÁFICO | Ronaldo Santos
DIAGRAMADORES | Aline Seitenfus, Ana Luiza Abdala, Ariane Pereira, Edinei Knop, Eduardo Schmitz, Gabriel Fronzi, Neyfi Müller e Ronaldo Santos
Patrícia Schmauch e Tiffani dos Santos
EDITORES DE TEXTO | Aline Seitenfus, Ana Luiza Abdala, Ariane Pereira, Edinei Knop, Eduardo Schmitz, Gabriel Fronzi, Neyfi Müller e Ronaldo Santos
FOTÓGRAFOS | Ana Paula da Silva, Jéssica Michels e Mayara Silva
REPÓRTERES | Augusta Gern, Bárbara Elice da Silva, Diego Porcincula, Emanoele Girardi, Francine Ribeiro, Luísa Desiderá, Neyfi Müller,
TIRAGEM | 3 mil exemplares
EDITORA DE FOTOGRAFIA | Jéssica Michels
IMPRESSÃO | A Notícia
Foto da capa | Ana Paula da Silva
XXI Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo, MJDH - OAB/RS, 2004
Saúde
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Diagramação e edição de Edinei Knop
LIÇÃO DE VIDA
2%. O comentário geral entre os médicos era de que ela não duraria dez dias. Letícia teve uma lesão no mesencéfalo. O médico explicou aos pais que se o traumatismo tivesse ocorrido só na parte da rachadura, a garota não teria ficado com tantas sequelas. “Um hematoma do tamanho de uma unha cortou a comunicação com todos os sentidos. Absolutamente tudo. O que mais afetou a Letícia foi a fala, a visão e a coordenação motora. O equilíbrio, na verdade. Ela não fazia nada”, explica a mãe. Depois da cirurgia, a jovem quentemente se tornou um trau- teve uma pequena melhora. Fomatismo craniano, também pode ram 25 dias na Unidade de Trataser uma possível confirmação mento Intensivo (UTI), em coma. do choque entre as duas jovens. Primeiro trataram o que era mais O cérebro, já danificado, chacoa- grave. Letícia chegou a cortar a línlhou no momento em que Letícia gua no acidente, mas só a costuraera arremessada no asfalto. ram uma semana depois. A febre Duas horas mais tarde, quan- não podia aumentar demais, pois do o dia já estava claro, conse- o cérebro estava muito debilitado. guem ver Letícia. “Quando aumentaA médica de planva, cobriam ela de tão no hospital gelo, uma cena que NO HOSPITAL São José disse que doía muito de ver. Letícia ficou 40 dias o estado dela era Várias vezes a gente internada. Desses, muito grave. “A teve que fazer, mas 25 foram na Unidade gente tinha medo depois disso a febre de Tratamento até de colocar a estabilizou, foi mais mão, ela se espifácil”, relembra SoIntensivo (UTI) chava, parecia um lange. Contudo, as gato, o sistema sessões de gelo e o nervoso estava afetado. Ela fazia ar condicionado afetaram diretamovimentos estranhos, mas não mente o pulmão, motivo de mais dava pra ver nada na cabeça”. tratamento médico. Antes de gaNa tarde de sábado, Letícia nhar alta, mais surpresas. Exames entrou na sala de cirurgia. O ainda revelaram hidrocefalia, acúcérebro foi retirado para desin- mulo de água no cérebro. Isso fez char e ter espaço. Em seguida, com que Letícia passasse por mais colocado novamente. Quando uma cirurgia. Raspou a cabeça de o médico que a operou saiu da novo, mas o organismo começou sala, disse: “Hoje ela tem chan- a reagir e a trabalhar. Mais três dias ce”. De acordo com Solange, e finalmente foi para casa. as estimativas de sobrevivência Tiffani dos Santos na madrugada eram de apenas tiffanilds@gmail.com
Jovem cantora é exemplo de superação após acidente
Letícia Pauli era famosa em Jaraguá do Sul. Tragédia de carro que mudou sua vida reflete hoje numa conquista contruída passo a passo
O
s primeiros três dias de 2004 deixaram marcas para o resto da vida de Letícia Pauli. Férias escolares, planos para a carreira de modelo e cantora interrompidos em questão de segundos. Aos 14 anos, a modelo recém formada já possuía um CD gravado, “O amor está em mim”, tinha namorado e se divertia como uma garota normal da sua idade. Era verão. Letícia recebeu a visita de Thaisy Pauli, filha de outro casamento com o pai Hilário Pauli. A modelo profissional de 19 anos morava em São Paulo e trouxe consigo uma amiga. Thaisy passou o Ano Novo em Jaraguá do Sul e pretendia voltar à capital paulista dentro de pouco tempo. As jovens curtiam as férias em casa, mas queriam sair para dançar, uma das coisas de que Letícia sempre gostou. Nessa época específica do ano, as cidades não litorâneas se esvaziam. O que “bomba” são os clubes da temporada. Era para a praia de
Piçarras que pretendiam ir Letícia, o namorado, a meia-irmã mais velha e sua amiga. Proibidas pela matriarca da família, Solange de Souza, de viajar até a festa desejada, escolheram um local na própria cidade para dançar. Por volta das 4h da manhã, ao invés de voltarem direto para casa, decidiram comer algo no Centro. No caminho, a conversa dentro do carro estava bem animada. Havia cinco pessoas no automóvel porque um amigo pegou carona com o grupo. Letícia estava sentada ao lado do namorado, Waldemar Schroeder Júnior, de 23 anos, que era o motorista. Ela tirou os sapatos e os colocou embaixo do banco. Também soltou o cinto de segurança para poder conversar melhor com a meia-irmã mais velha, que estava no banco atrás do condutor. A conversa acabou com uma curva. O jovem perdeu o controle do carro e bateu violentamente contra uma árvore. Com o impacto, a porta se abriu e Letícia voou. A jovem deslizou pelo asfalto e ficou deitada na posição em que caiu. O motorista, a amiga e o rapaz sofreram
ferimentos leves. Cinco minutos. A ajuda chega. Os bombeiros socorrem os passageiros. No hospital, Letícia já está em coma. O IMPACTO DA NOTÍCIA Quem avisou à família Pauli sobre o acidente foi o sogro da vítima. Disse sobre a batida, que a situação era grave e que as duas estavam no hospital. Hilário, o pai, queria ver o carro. Solange, a mãe, não quis “porque é sempre pior”. Os pais chegam ao hospital meia hora depois do acidente. Mais duas horas para ver Thaisy. “Eu lembro que quando a gente entrou não a reconhecemos devido ao inchaço. O Hilário disse ‘Cadê a minha filha? Não é a minha filha essa aí’. Ela escutou e respondeu: ‘Sou eu pai’. Mas não tinha como reconhecer”, conta a mãe. O diagnóstico da modelo foi de afundamento da face. A mãe acredita que Letícia e Thaisy se chocaram uma com a outra, dentro do carro. Três dentes da jovem cantora foram encontrados no veículo, o que explica uma possível batida. Uma rachadura na cabeça de Letícia, que conse-
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL | ARTES: Stock.XCHNG
DO NASCIMENTO AO “NASCER DE NOVO”
Este é um pedaço da trajetória de Letícia Pauli. As fotos retratam como sua vida mudou, mas a história não termina aqui, muitas páginas ainda serão escritas.
i uma sempre fu va i c s a n e u Desde q a. Adora . uito sapec menina m brincar e fazer arte o r, e fu rr o re mp i pular, c a ativa. Se ç n a ri c a Era um ais. os meus p orgulho d
Cantar sempre foi a minha paixão. Ainda criança já participava de concursos e aos 11 anos gravei meu próprio CD.
Aos 14 anos, fiz curso de modelo para perder minha timidez na hora de cantar. Tinha tudo para dar certo, mas não foi o que aconteceu...
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Saúde
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Diagramação e edição de Edinei Knop ARQUIVO PESSOAL
A explicação médica
Uma espécie de UTI foi montada na casa de Letícia. As sessões de fisioterapia eram com a prima, que trabalhava com esses casos em Blumenau
A música como companheira e estímulo no intenso tratamento A chegada em casa só foi possível com o auxílio de uma ambulância. Letícia estava com o corpo todo enrijecido. “Eu imaginava que ela ía ficar molinha, mas foi o contrário. Não tinha mais as articulações funcionando direito. Ela só movia uma perna quando veio pra casa”, enfatiza a mãe. Começaram, então, as sessões de fisioterapia com a prima, que trabalhava em Blumenau com casos iguais aos de Letícia. A partir daí, a adolescente começou a se recuperar. Solange destaca ainda, a ajuda da avó. “Era preciso que alguém ficasse 24 horas junto da Letícia. A avó se disponibilizou e até fez um curso para aprender noções de enfermagem.” Era necessário que cinco pessoas segurassem a jo-
vem para colocá-la em pé. “Não tinha condições de uma pessoa ficar sozinha e cuidar dessa menina com esse tamanho todo”, diz a mãe fazendo referência, em tom de brincadeira, à estatura de 1,70 metro da filha. As talas, cadeiras de rodas e todos os instrumentos de locomoção foram companheiros no processo de reaprendizagem. Letícia confessa que ficar de pé foi muito difícil. Durante cinco meses, a comida era ingerida através de sonda. A família trabalhou com o auxílio da música, paixão que impulsionou a jovem a dar continuidade ao tratamento. Letícia só fazia os exercícios se tivesse música e queria que dançassem com ela. “Tudo era estímulo pra ela. A dor, infelizmente, às vezes
ajudava porque ela queria pegar a mão da fisioterapeuta pra não deixar ela fazer. Era bem difícil segurar. É como se você fosse vacinar um bebê lindinho e vê ele chorar sem poder fazer nada. Assim eu tinha que fazer com ela. Fechar os olhos e fazer. Porque não adiantava nada ela melhorar, sair do coma, daquele estado vegetativo e ela não poder caminhar se eu não fiz as coisas certas”, desabafou Solange. Uma das sequelas mais graves do acidente foi a fala. Letícia se comunicou pela primeira vez através da língua de sinais, a libras, que dominava. Fez com gestos seu nome e foi a irmã mais nova, Nathália, que identificou. Logo depois, começou a gesticular e os parentes a entenderem.
O mesencéfalo atua como uma espécie de ligação entre as informações processadas no cérebro e sua distribuição para os sistemas que coordenam as funções do organismo humano. De acordo com o médico neurologista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo Cesar Trevisol Bittencourt, essa estrutura cerebral é responsável pela recepção e coordenação dos movimentos posturais. Ele afirma que traumas cranianos associa- MESENCÉFALO dos a acidentes de carro são uma causa frequente para provocar a lesão mesencefálica. No caso específico de Letícia, Bittencourt analisa as chances para a recuperação da jovem. “Pessoas jovens tendem a apresentar exce-
lente recuperação mesmo diante de graves lesões neurológicas, basta dar uma chance. E foi isso que fizeram”. O médico neurologista Vicente Caropreso acompanhou, por um tempo, o tratamento de Letícia. Segundo ele, o trauma sofrido pela adolescente altera diretamente o funcionamento de DIVULGAÇÃO uma pessoa. O neurologista acredita que os jovens sempre surpreendem. Na visão dele, a parte psicológica foi fundamental para a recuperação. “No caso dela, muita coisa soprou a favor, principalmente o clima positivo entre os pais e a família em geral, que nunca desistiram de procurar estimular a paciente, tanto médica como espiritualmente”.
As dores emocionais Em meio a tantas modificações na vida da cantora, a parte que envolve o ex-namorado foi a mais intensa e dolorosa. “Levou um ano pra que ela chorasse e ela chorou a primeira vez por quem?”, a mãe questiona. Ela faz referência ao afastamento do companheiro de Letícia. Após um ano “enrolando”, ele deixou de frequentar a casa da família. “Além de toda a dor física, a dor emocional é muito pior”, enfatizou. Solange lembra que na época, mesmo sabendo das atitudes do rapaz, a família aceitou as visitas esporádicas, pois, segundo ela, impulsionavam a vontade da filha em se recuperar. A própria Letícia comenta que o seu caso comparado com o da família do namorado, que teve somente prejuízos materiais, só coincide na questão financeira. “Eles não sabem o quanto o filho deles me magoou. Eu tive vontade de me estrangular”, conta Letícia gesticulando com as mãos.
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL | ARTES: Stock.XCHNG
Para me pôr de pé , era preciso a ajuda de muitas pessoas. Uma fase difícil e dolo rosa, mas do início do tratam ento.
O dia 3 de janeiro de 2004 foi um divisor de águas. Um acidente de carro prejudicou o cérebro. Meu corpo perdeu o controle dos estímulos que coordenam o organismo humano.
deixou de fazer O sorriso nunca s vida. Mesmo no parte da minha os ig am s haviam momentos difícei lado. meu que estavam ao
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A esperança encontrada na capital federal ARQUIVO PESSOAL
A união familiar e a religiosidade foram fatores essenciais para a recuperação de Letícia
Onze meses após o acidente, Letícia e a mãe foram à Brasília para o que seria apenas uma consulta no hospital Sarah Kubitschek, especialista em casos de reabilitação. Viagem que duraria no máximo três dias. Mas foram 45. Conforme Solange, a filha já caminhava com ajuda e conseguia pronunciar umas palavras. “As pessoas acham que lá (no Sarah Kubitschek) é só passar em uma máquina e sair novinho”, ressalta. A mãe conta que o segredo é a infraestrutura e a intensidade nas atividades para os pacientes. Ela cita como exemplo a fisioterapia, que em Jaraguá Letícia realizava uma vez por semana. No hospital em Brasília eram duas sessões diárias. A mãe ainda complementa: “Toda a estrutura médica conseguimos de uma só vez lá”. A jovem deixou o
conteúdo
hospital da capital federal andando com a ajuda de bengala: um sinal de evolução no tratamento. Em março de 2005, as duas retornam ao hospital. O tempo passou. O tamanho da bengala diminuiu e a recuperação foi ficando mais próxima. Letícia volta às salas de aula após três anos do acidente. A inclusão social foi um processo difícil. Tudo mudou nessa fase. As atividades antes feitas com facilidade, passaram a ser complicadas. Essas dificuldades entristeciam no começo. A aproximação das pessoas também foi uma etapa difícil. “Muitas pessoas não chegam perto, não por preconceito, mas por medo de que não vai entender a outra pessoa”, explicou a mãe. Até o último ano do Ensino Médio, Letícia se adaptou completamente. E o mais importante: Informações exclusivas no portal eletrônico www.primeirapautaielusc.blogspot.com
as pessoas ao redor também se adaptaram a ela. A espiritualidade teve papel preponderante na vontade de continuar a viver. A família participa da participativa na igreja católica e a jovem voltou a cantar dentro do movimento de jovens do qual faz parte. “UM SORRISO AJUDA A MELHORAR” Com bom humor e simpatia, Letícia participa ativamente da entrevista, fazendo até pequenas interrupções para comentários próprios sobre determinada parte de sua história. Até os dias de hoje, ela permanece a maior parte do tempo junto à mãe, praticando atividades como o auxílio na louça, trabalhos manuais e de jardinagem, sempre com a supervisão atenta de Solange. A rotina é regada a trabalho voluntário, orações no bairro e na igreja e cafés na casa da avó nas tardes de segunda-feira. Não dispensa uma caminhada uma vez por semana nas ruas do Centro da cidade. A mãe desabafa sobre as expectativas com relação à minimização das sequelas. “Como ela é nova, não tem uma meta que diz ‘vai melhorar até quando’, nenhum médico, nenhum exame vai dizer isso pra gente”. E assim Letícia prossegue tendo uma vida praticamente nor-
mal. Perguntada sobre os seus planos para o futuro é categórica ao afirmar que envolvem a religiosidade. “Os meus planos são de continuar seguindo a igreja que eu conheci, quer dizer, antes eu cantava com amor, mas agora aumentou o amor que eu sinto. A visão que eu tinha de igreja antes era diferente. Eu não notava como é delicioso estar em comunhão na igreja”, conclui com um sorriso que desde os tempos de cantora e modelo faziam parte de sua personalidade.
No hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, encontrei uma esquipe e uma estrutura especializada fundamental para minha reabilitação.
ticamente Hoje tenho uma vida pra afetaram os o nã las normal. As seque r cantando meus sonhos de continua u mais uma e seguindo quem me de chance de viver: Deus!
TIFFANI DOS SANTOS
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Os meus planos são de continuar seguindo a igreja que eu conheci, quer dizer, antes eu cantava com amor, mas agora aumentou o amor que eu sinto LETÍCIA PAULI
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Saúde
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Diagramação e edição de Edinei Knop
FORÇA DE VONTADE
Câncer: histórias de lutas e superação
A disposição do paciente, o apoio familiar e os avanços da medicina contribuem com o sucesso do tratamento
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á 11 anos ele recebeu um diagnóstico que mudaria sua vida. Hoje, aos 68 anos, o aposentado Júlio Antônio Conoradt prossegue sua luta contra um câncer de próstata. Com uma fé inabalável, ele acredita que a cura está próxima. Esforço para combater a enfermidade não faltou. Foram 43 sessões de radioterapia. A utilização de medicação venosa a base de cálcio também auxilia no tra-
tamento. A retirada do tumor não muito baixa”, afirma. Diante as foi feita devido a um infarto que dificuldades, o apoio da família o aposentado sofreu em 2003. foi fundamental. De acordo com “Não foi possível o aposentado, o inrealizar a cirurgia, centivo para seguir pois ela me traria em frente veio do TECNOLOGIA riscos”, conta. suporte familiar. Júlio Conoradt foi o As sessões eram Atualmente, Júprimeiro paciente a diárias e trouxeram lio possui qualidade utilizar o acelerador efeitos colaterais de vida e não sente linear em Joinville em fortes para Júlio. dor. Muito ligado à Ao final de cada Deus, ele atribui o janeiro deste ano sessão, pensava em bem estar à sua fé e desistir. “Ficava às orações que são muito enjoado, emagreci alguns feitas em seu nome. “Muitas pesquilos e minha imunidade ficava soas oram por mim, nas diversas
A medicina aliada à esperança No setor de oncologia de um dos principais hospitais públicos de Joinville, a rotina se repete. Pacientes de diferentes localidades comparecem para receber as doses, em alguns casos diárias, de quimioterapia. No rosto de cada um, desgaste e cansaço. Mas também carregam consigo a grande esperança de cura. O tratamento é delicado e consiste na aplicação de drogas para combater o câncer. Os medicamentos buscam destruir as células doentes ou controlar o desenvolvimento. As doses podem ser ministradas com diferentes objetivos, e estarem aliadas a cirurgias e a radioterapia, dependendo de fatores como tipo de tumor, localização e estágio da doença. A quimioterapia pode apresentar diferentes finalidades. A curativa tem como objetivo eliminar o tumor. A adjuvante é utilizada após a cirurgia para prevenir o paciente e impedir o surgimento de metástases – novos tumores. Já na neo-adjuvante, busca-se a redução parcial do tumor. Muitas vezes, esse procedimento é necessário para preparar o paciente que será submetido a cirurgias ou radioterapias. Uma das opções está nas doses paliativas de quimioterapia. Nela, não é visada a cura do tumor, mas a qualidade de vida do paciente. “Com as novas pesquisas, dentro de alguns anos poderemos tratar cada câncer de um modo específi-
religiões.” O fato de não possuir nenhuma doença crônica, como diabetes e hipertensão, colabora para que a saúde seja preservada. Em janeiro deste ano, Júlio foi o primeiro paciente a utilizar o acelerador linear no mesmo dia em que completou 68 anos de idade. O equipamento, usado para o tratamento de câncer através da radioterapia, age de forma mais localizada e eficiente. A cobaltoterapia – único tratamento radioterápico disponível até a vinda do novo equipamento – era mais agressiva, já que expunha o
paciente à radiação durante aproximadamente 40 minutos. Com o acelerador linear, o tempo de exposição caiu para 12 minutos. O aposentado vê nas evoluções da medicina mais um motivo para não desanimar. Também, pudera. Após anos de tratamento, ele mostra que a qualidade de vida é fundamental para sua recuperação. Com as novas alternativas oferecidas, a doença pode ser tratada de forma mais direcionada e particular. Francine Ribeiro francinetaina@gmail.com MAYARA SILVA
co”, afirma o oncologista Ricardo Polli. De acordo com o médico, os avanços tecnológicos proporcionarão um melhor entendimento da equipe médica sobre a função molecular dos tumores, o que fará que cada pessoa seja tratada em sua particularidade. Como reflexo, os tratamentos quimioterápicos e radioterápicos serão menos agressivos para o doente, que terá sua saúde preservada. É a partir do diagnóstico da doença que é decidida a melhor
facilitado”, comenta. Polli também reforça que alguns tipos de câncer estão relacionados a determinados fatores. O câncer de colo do útero, por exemplo, é mais comum na região Nordeste do país porque lá as meninas iniciam a vida sexual mais cedo. Além disso, outros aspectos também colaboram para o surgimento da enfermidade. Nódulos na mama, no intestino grosso e as leucemias (mais comum em jovens) podem estar ligados a características genéticas. O diagnóstico precoce continua sendo o aspecto decisivo para a cura da doença. “As pessoas não se O acelerador linear dão conta aos sinais que o diminui o tempo de corpo envia”, reforça Polli. exposição à radição Conforme o oncologista, em cada sessão. De 40 o câncer de mama é um minutos passa para 12 exemplo claro da evolução e importância do diagnóstico. Antes era solicitado que as mulheres realizassem o autoexame, a fim de localizar possíveis nódulos. Hoje em dia, a mamografia consegue combinação detectar as anomalias nos tecide tratamendos mamários antes mesmo tos. Para o médico, de estes serem palpáveis. o estudo de cada caso é imporO diálogo entre médico e patantíssimo para não comprome- ciente é outro ponto importanter outros aspectos do paciente. tíssimo para o sucesso no tra“A radioterapia, por exemplo, não tamento. De acordo com Polli, é indicada para o tratamento de após a confirmação do diagnóscâncer infantil, pois a radiação in- tico, o médico expõe as possibiterfere no crescimento”, explica. lidades de cura e a eficiência de O tipo mais comum da do- cada uma delas. A escolha fica ença, conforme o especialista, é a critério e responsabilidade do o câncer de pele. A incidência se paciente. No que depender dos dá principalmente pela exposi- profissionais da medicina, a bação excessiva ao sol. “Mas este talha contra o câncer está presé um tipo de diagnóstico mais tes a ser vencida.
O médico oncologista Ricardo Polli reforça que o diagnóstico precoce é um aspecto positivo para o sucesso do tratamento
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Diagramação e edição de Edinei Knop REPRODUÇÃO
O site www.vidasemcancer.com.br foi criado por Flávia com o objetivo de esclarecer dúvidas e trocar experiências sobre o tratamento
Internet aproxima pacientes e auxilia esclarecimento de dúvidas Ela havia acabado de completar 31 anos de idade. Possuía uma rotina intensa e estava prestes a se formar na faculdade. A consultora de sistemas Flávia Fernandes não esperava que este fosse o momento que seus dias mudariam de uma hora para a outra. O diagnóstico foi carcinoma mucinoso de grau IV. Em outras palavras, um tumor embrionário, em um nível bastante alto, na mama direita. De acordo com Flávia, num primeiro momento, a sensação era de muito medo do que estava por vir, mas sua idade e os avanços proporcionados pela medicina lhe trouxeram ainda mais confiança para atravessar o momento. “Com muita fé, perseverança e garra enfrentei tudo de cabeça erguida, com vontade de lutar e vencer”, recorda. Primeiro foi realizada uma cirurgia para a retirada do tumor. Em seguida, Flávia foi submetida a sessões de quimioterapia e radioterapia, que eram realizadas no mesmo período. Ao todo foram dez meses de tratamento. Segundo ela, os efeitos colaterais foram os já conhecidos: enjôos, vômitos, perda dos cabelos e pêlos e imunidade baixa. O organismo ficou mais suscetível a vírus e bactérias, deixando o paciente mais vulnerável a gripes e infecções. Na época, Flávia perdeu 12 quilos. “Não tinha apetite pra me alimentar e só queria comer e beber coisas geladas”, afirma. Como sequela do tratamento quimioterápico, a consultora desenvolveu uma rinite crônica e ainda não conseguiu um tratamento que a curasse ou ame-
nizasse o problema. “Mas perto aniversário, viajou pra encontrar de ter vencido um câncer, isso é esses amigos e viu nascimentos o de menos”, comemora. de crianças que são filhos de pais Mesmo morando sozinha, curados de câncer. “Fui até maa jovem sentiu a presença e o drinha de casamento de um casal apoio dos familiares e amigos. que se conheceu na minha coEste foi um ponto importante munidade”, conta. para que continuasse sua luta. Após a experiência – que seO apego na fé também foi fun- gundo Flávia deve sempre ser damental para que Flávia tivesse encarada como difícil, mas com força para prossehora pra acabar – guir com o trataela se mostra ainmento. Segundo da mais otimista AMIZADE ela, os parentes lhe diante à vida. Em Criação de uma telefonavam, conseu site www. comunidade em site vidavam para sair e vidasemcancer. de relacionamentos visitavam, fazendo com.br, a controuxe grandes com que ela nunca sultora dá espaço se sentisse só. à informações amizades para Flávia Flávia recorda esclarecedoras que após uma das para quem está sessões de quimioterapia, ela se enfrentando a doença. É mansentiu muito mal e não teve for- tida também a sessão “Casos de çar para telefonar para sua mãe e Sucesso”, em que pessoas que avisá-la. Neste dia, seu cachorro venceram o câncer contam um foi quem lhe ajudou. “Ele correu pouco de sua história e como supro quintal e começou a latir até peraram a enfermidade. que uma vizinha foi me chamar “Desde criança eu sempre pra saber se estava tudo bem. ouvia minha mãe dizer que se ela Ele foi meu herói naquele dia”. perdesse algum filho, ela morreConforme Flávia, sua mãe veio ria também”, afirma. De acorem seguida para lhe auxiliar. do com ela, a forte ligação que As aflições de um tratamento sempre teve com os irmãos e a complicado passaram a ser di- família fez com que a vontade de vididas com pessoas de todo o vencer fosse ainda maior. país. Em 2004, através de uma Conforme Flávia, uma frarede social, ela decidiu criar uma se – dita por sua vó quando ela comunidade. “Eu fiz/faço qui- ainda era criança – nunca saiu de mioterapia” foi um dos primeiros sua cabeça e lhe acompanha ducanais que possibilitaram a troca rante toda sua vida: Deus nunca de experiências e impressões so- nos dá um fardo mais pesado do bre o dia a dia da doença. que podemos carregar. “Todas Através do meio, Flávia criou as vezes que me senti sem forimportantes laços de amizade. ças, repetia essa frase e dizia que Essas relações são conservadas Deus havia me mandado o peso até hoje. Ela fez visitas surpre- exato. Não queria decepcioná-lo, sas em hospitais, foi em festas de pois Ele acreditou em mim”.
Palavras que curam São apenas 144 caracteres. Mas que podem melhorar, e muito, a saúde dos pacientes oncológicos de todo o Brasil. São mensagens de apoio e motivação que estão mudando a rotina de quem está em tratamento em diversos pontos do país. Trata-se do projeto Doe Palavras, idealizado pela assessoria de imprensa do Instituto Mário Penna, de Belo Horizonte, e a agência de comunicação RC. De acordo com Sergio Prates, assessor de imprensa do instituto responsável pelo projeto, a intenção era elaborar uma forma de aproximar o paciente das pessoas. “Foi idealizado esse sistema inédito que, através de mensagens e palavras de força, aproxima pessoas de qualquer lugar aos pacientes dos hospitais e lares”, explica. Engana-se quem acha que apenas os hospitais das Minas Gerais podem contar com esse projeto. Conforme Prates, o site www.doepalavras.com.br, o complexo e o sistema são disponibilizados sem nenhum custo pelo instituto para hospitais e clínicas de oncologia do Brasil e de qualquer outro país. Basta apenas obter a permissão e dados para instalação através do e-mail hospitais@doepalavras.com.br. Ao acessar o site, pode-se conferir a transmissão ininterrupta das mensagens, que podem ser enviadas também através do micro blog Twitter pela utilização da hashtag (palavras chaves utilizadas no micro blog) #doepalavras. Em 137 países, o conteúdo pode ser acessado não somente em português, como também em espanhol e inglês, o que possibilita um alto número de participação internacional. “O Doe Palavras conquistou adeptos de países diferentes,
como Bósnia, Cambodja, Congo, Irã, Lituânia, Paquistão, Taiwan e os territórios Palestinos. Do exterior, a campanha tem recebido maior número de mensagens dos Estados Unidos, Portugal, Alemanha, Inglaterra, Espanha, França, Japão, Itália, Canadá e Argentina”, expõe Prates. No dia 8 de abril, o projeto completou um ano de existência. Para comemorar o sucesso, foi lançado um livro com mais de 500 mensagens selecionadas. Dentre elas, a de um notório paciente, que lutou bravamente contra a doença. Trata-se de José Alencar Gomes da Silva, ex-vice-presidente do Brasil (morto em 29 de março deste ano) que dizia: “Devemos sempre ter fé e confiança. Fé em Deus, confiança nos médicos. Esse é o caminho para alcançarmos o nosso objetivo”. A iniciativa, premiada em eventos como Yahoo Big Idea Chair 2010, foi selecionada pelo 90° Festival Art Directors Club de New York como a melhor ação de comunicação na categoria Internet e ficou como shortlist do Festival Internacional de Cannes. Os resultados ultrapassam as estatísticas comprovadas no que diz respeito à participação do público e aos prêmios dos quais concorreu. O Doe Palavras traz um importante e significativo reflexo aos pacientes e familiares. “Mesmo sem ter sido realizada nenhuma pesquisa científica depois da iniciativa, foi comprovada notável melhora no processo de cura de grande parte dos pacientes dos hospitais e lares do Instituto”, comemora Prates. Até o mês de abril (quando o projeto completou um ano de existência) moradores da cidade de Joinville haviam enviado 10.177 mensagens de motivação aos pacientes. REPRODUÇÃO
Em 144 caracteres é possível transmitir uma mensagem de motivação a pacientes de todo país
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Especial
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Aline Seitenfus
SUPERAÇÃO
isso pro resto da vida. “Não pense que hoje quando eu estou saturado de coisas, estou de saco cheio de tudo, na minha cabeça não passa: “ahh, vamos dar um rolê, fumar alguma coisa... isso acontece”. Para ele é uma luta diária. O “ex-viciado tem que saber lidar com as crises, tem que sublimar isso”, desabafa o pastor. Ele compara com o “só por hoje” dos narcóticos anônimos, é necessário viver um dia de cada vez. Quando questionado sobre a fase em que decidiu largar as drogas, do mal oferecido a ponto de o pastor comenta que não há excluir o viciado da sociedade. solução se o viciado não almeEle afirma que quem decide jar isso realmente: “se ele não por essa vida acaba se distan- quiser, vai passar o resto da ciando da família, de esposa, vida entrando e saindo de cafilhos, ou seja, é uma escolha sas de recuperação, pode ter o pelas drogas. melhor apoio terapêutico que Apesar de for”, diz Rudi. utilizar esses Em suas pae n t o r p e c e n t e s, lestras, Rudi proDROGAS Rudi continuacura aliar o sério Um vício que destrói va trabalhando e com o engraçado estudando “com para que possa muitos lares no algumas limitaatrair a atenção Brasil. Para largar é ções”, diz, mas, de todos e transnecessário força de tentava levar a formar vidas. vontade vida normal. Os Em um culto de pais desconfiajovens, sábado a ram que havia noite em Jaraguá algo errado e não sabiam lidar do Sul, Rudi iniciou o sermão com o problema. Segundo o com a seguinte brincadeira: pastor, existem dois tipos de “John Lenon foi assassinado pais: os que não querem enxer- por um grande fã. Até hoje eu gar e os que não sabem como não sei por que nenhum fã do lidar com a situação. No caso Luan Santana e do Justin Biede Rudi, chegou uma fase em ber se manifestou para fazer que ele não conseguiu mais o mesmo. A minha maior trisconciliar a vida normal com o teza foi quando o meu filho uso de drogas. Passou a mo- de 3 anos – com o cabelão rar na rua, perdeu o emprego Black Power – apareceu com e a família, mudou de cidade, um cachinho caído na testa e não queria ter contato com falando que era a franja do ninguém que conhecia. Justin Bieber. Eu creio que Quando viu que não ha- no céu haverá um rio de Covia mais solução e já estava ca-cola e tocará rock durante no fundo do poço, procurou todo o tempo.” ajuda do pai. Foi quando ele Nesse mesmo culto em internou em uma clínica e fez que iniciou falando acerca de nove meses de tratamento. Justin Bieber e Luan Santana, “Pra família é sempre um o pastor ensinou os jovens choque, porque a gente não sobre a importância do caráconsegue entender os moti- ter honesto e sobre o amor vos que levam o jovem a pro- de Deus, que não vê aparêncurar isso. O viciado só con- cia, como nós, seres humanos segue ver o lado do prazer, geralmente fazemos, mas vê a família é quem fica com o coração. Muitos jovens foram lado ruim”, afirma. impactados naquela noite. Até hoje, o pastor comenDepois que largou as drota que sofre consequências da gas, há 10 anos, Rudi casou e época em que usava drogas, al- atualmente tem um filho de gumas são físicas e há também 3 anos. Prega para jovens, e questões psicológicas ainda o adultos e sempre conta um incomodam. “O jovem expe- pouco de sua história durimenta um negócio que vai rante os sermões. Com isso destruir a vida dele, mas ele ele pretende ajudar a quem só está vendo a questão do necessita sair desse mundo prazer.” Rudi afirma que se das dorgas. a pessoa quiser largar o vício tem que tomar uma decisão e Neyfi Müller se posicionar, apesar carregar neyfimuller@gmail.com
A história do ex-traficante que se tornou pastor
Como um jovem encontrou em Deus a saída para a dependência química e hoje lidera uma rede que auxília jovens usuários de drogas
É
com grande senso de humor que Rudi Sano começa a maioria dos seus sermões. Formado em Teologia e História, pastor da Comunidade Batista Vida Nova, em Guaramirim, coordenador da ONG Cristo’s Cross e do Espaço Vida, vice presidente do conselho municipal da juventude de Jaraguá do Sul e colunista da Revista Blessing, com 34 anos, é atualmente referência para centenas de jovens. Mas nem sempre foi assim. Rudi e seus quatro irmãos nasceram em uma família de classe média. O pai engenheiro e a mãe professora universi-
tária. Mesmo tendo uma família esclarecida, com 11 anos, o adolescente quis experimentar algo diferente. Em um determinado dia, acordou e decidiu que iria descobrir o prazer que as drogas poderiam proporcionar. Fumou maconha. “Comecei com a maconha, tempos depois experimentei a cocaína, tudo sozinho. Depois, um amigo meu me ensinou a injetar ao invés de aspirar. Após isso entrei fundo nas drogas”, relembra o pastor. Com o tempo, Rudi foi para uma droga ainda mais forte, o crack, que na verdade nem era muito conhecido no Brasil na época, mas um amigo foi para Nova York,
aprendeu a receita, e faziam em casa para consumirem. O atual pastor começou a se tornar popular no meio dos usuários, e passou a intermediar a venda de drogas para universitários e estudantes de cursinhos pré-vestibular. Chegou a ser investigado e seguido várias vezes pela polícia, mas nunca foi pego em flagrante. “Me lembro de uma festa que organizei para dois mil universitários, onde cheguei a ser preso e saí algemado, mas a polícia não pode me segurar por falta de provas”, conta Rudi. O pastor lembra que ficou treze anos no vício e comenta sobre as pessoas que ficam a vida inteira, mesmo sabendo ARQUIVO PESSOAL
Rudi, sua esposa Danielle e seu filho Lucas. O atual pastor usou diversos tipos de drogas durante sua juventude e hoje ajuda outros viciados
Especial
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
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Diagramação e edição de Aline Seitenfus
Oficinas fazem parte do processo de reabilitação
Há quatro anos, iniciou a tem necessidade de preencher ONG Cristo’s Cross. “Surgiu esse canal de comunicação. Enda experiência, assim como eu tão, é pra isso hoje que existe o fui ajudado um dia por uma espaço também.” instituição - passei por uma O pastor comenta a imporclinica – quis ajudar também”, tância de aliar esses dois pontos, comenta o pastor Rudi. Ele co- pois no processo dele de saída menta que não são apenas pes- das drogas. A aproximação com soas carentes que aparecem pe- Deus ajudou bastante: “Eu creio dindo ajuda: “Hoje temos aqui que você tem que saber lidar gente que vem precisando de com as crises, com os problemas. auxílio e acompanhamento que Através da minha experiência e são filhos de senador, políticos, dos casos que vemos na Cristo’s empresários, gente que mora Cross, temos observado que essa na favela, então não existe um busca por Deus é fundamental. nível social pra drogas”. Cremos que como seres criados A Cristo’s Cross atualmen- por Deus, Ele não pode ficar te oferece diversas oficinas que fora da nossa vida, tem que estar acontecem regularmente du- presente na nossa rotina e temos rante a semana e contam com a que fazer parte do projeto que presença de 20 a 30 jovens todas Deus criou para o homem no as noites. Os cursos oferecidos geral, como humanidade.” envolvem dança, capoeira, hipEssa visão da parte espiritual hop, pintura, e acontecem inter- do indivíduo é tida como fundacaladamente todas mental na organias noites de segunzação. Segundo os da a sábado. Exisresponsáveis pela SATISFAÇÃO tem também curONG, é visível a A ONG Cristo´s Cross evolução quando sos que acontecem esporádicamente comparação é a relaização de um há ou somente quansonho e a esperança entre quem passa do financiado por por um tratamento para muitos jovens alguma pessoa ou ou tenta mudar de viciados entidade. A última vida somente com oficina ministramotivação pesda sobre pintura e grafite, por soal e social, e aqueles que tem exemplo, foi financiada pelo aliado isso a busca de Deus, fé, governo do Estado e durante a oração e bíblia. Os resultados dois meses os alunos foram até que a Cristo’s Cross tem gerado o Espaço Vida – nome dado a são muito satisfatórios. Rudi tem sede da ONG - e aprenderam visto muitos casos em que a pesnoções básicas de cores, pro- soa saiu de um contexto de risco fundidade, tinta, pincel, stencil, social, que pode ser a violência spray, entre outros. doméstica, vícios, alcoolismo e Rudi comenta que vê na ONG mudou de vida. um lugar onde os que necessitam A acadêmica de Adminisde de auxilio são encaminhados tração Alessandra Gonçalves para clínicas de recuperação para Lopes fez uma pesquisa com um tratamento mais intenso e os freqüentadores do Espaço os demais. Utilizam o Espaço Vida. A cada 50 integrantes, ela Vida para desenvolver suas ha- entrevistou dez. O resultado foi bilidades, conhecer mais acerca bastante significativo e concluiude si mesmo, descansar, relaxar se que a ONG cumpre seu papel e aprender coisas diferentes. “Te- social. Os frequentadores atendimos esse espaço para mostrar dos sentem necessidade de estar para o jovem que há condições em comunhão com os colegas de melhorar a vida. Aliamos tudo em um mesmo propósito, e o isso a espiritualidade, nossa filo- percentual de entrevistados que sofia inclui Deus nesse processo, consideram a ONG um segundo porque entendemos que o ser lar foi de 55%. Já 33% disseram humano foi criado por Deus e que o Espaço é a forma que eles
têm para mudar de vida. A ONG tem um grande significado para os jovens que não preisam mais ficar nas ruas. “Alguns ainda tem hábitos como fumar, beber, e eles fazem isso do portão pra fora, mas quando eles vem pra cá, participam das oficinas”. Denis Paulo Barbi de, 29 anos, nasceu em Jaraguá do Sul e está na ONG há dois anos. Aos seis, seus pais se separaram e algum tempo depois ele foi morar em Curitiba com o pai. Foi na capital do Paraná que Denis conheceu as drogas. Cheirou cola, fumou maconha, foi para a cocaína e finalmente, o crack. Quando tinha 21 anos, sofreu um “pane” no sistema nervoso por causa da grande quantidade de drogas que usava e foi internado. Depois que recebeu alta do hospital, foi direto para a clínica de recuperação, onde ficou três meses. “Dentro da clínica, surgiu o grupo de hip-hop Palavra Sagrada, formado por quatro integrantes. Eu, Deus, Jesus e o Espírito Santo”, conta Denis. Nesse período, ele compôs canções e saiu decidido a mudar de vida. Passou por diversos médicos, como psiquiatras, psicólogos e cardiologistas. Até hoje, Denis conta que sofre com problemas de saúde devido ao uso de drogas. Quando saiu da clinica, co-
meçou a freqüentar os cultos da Igreja Batista, e conta que sofreu muito preconceito devido as roupas e bonés que usava dentro da igreja, mas não desistiu de ir, e foi em um dos cultos
que conheceu sua esposa, Daniela Spezia Barbi. Atualmente,Denis é coordenador institucional da Cristo’s Cross e realiza oficinas de grafite.
ARQUIVO PESSOAL
Denis é coordenador da ONG e ensina grafite aos frequentadores do Espaço Vida
ARQUIVO PESSOAL
Grupo de jovens que participa dos projetos de ação social e das oficinas oferecidas pela ONG Cristo´s Cross de Jaraguá do Sul
Serviços prestados pela Cristo´s Cross 1º - Home Repairs ou Pequenos reparos – Forma-se uma equipe que contém engenheiros, arquitetos, pedreiros, e esse grupo vai na casa de pessoas que tem pequenos reparos para fazer.
2º Home Care – Esse programa oferece assistência para pessoas em situação pós-cirúrgica, que necessitam de curativos, medicamentos, injeções, e a família não sabe como agir.
3º Home Work – Este é o projeto de reforço escolar. Forma-se um grupo de crianças que receberão acompanhamento.
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Especial
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Aline Seitenfus
DIVERSIDADE RELIGIOSA
A indiferença que ampara o preconceito
Diferenças culturais e religiosas ainda são vistas com desconfiança por cidadãos joinvilenses
O
Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) de Joinville, através do 190, nunca recebeu denúncias de ocorrências relacionadas à discriminação étnica, à intolerância religiosa e demais formas de preconceito. “Se há casos, eles não chegaram ao nosso conhecimento”, diz Anderson de Souza, soldado do setor de estatísticas do Copom. A que estaria atribuído o resultado nulo? O tenente coronel da Polícia Militar Edivar Bedin acredita que se houvesse crimes religiosos na cidade, a população denunciaria. E mesmo que não o fizesse, a mídia tomaria conta de lar luz aos fatos. Em sua avaliação, “o joinvilense está acostumado a respeitar a miscigenação de culturas e a diversidade étnica”. A antropóloga Sonia Regina Lourenço não compartilha da opinião: “Joinville é uma cidade dissimulada. Há discriminação, mas de maneira velada”. O fato de ninguém ter criticado (pelo menos não publicamente) a Semana da Consciência Negra é, para ela, um indicativo disso. É a tática do silêncio. Sonia conta que um integrante da comissão antiga do museu foi contra a exposição “Comunidades Negras de Santa Catarina: Invernada dos Negros, Sertão de Valongo e São Roque”, por negar a importância dos negros na história do município. Descendente de negros e índios, a antropóloga é seguidora do candomblé, nação Jeje Nagô. Em 1999, foi acompanhar uma amiga num terreiro, em Curitiba, e gostou. Desde então, carrega no pescoço suas guias de proteção (fios de conta), sem medo de mostrá-las. “É alto o índice de setores sociais que negam a violência, mas ela é real. Existe um imaginário de que o Brasil é um país cordial, em função da grande miscigenação étnica. Mas, há uma demanda de pessoas que sofrem preconceito”, reflete Sonia. O Estatuto da Igualdade Racial foi criado em 2010, com o propósito de combater a violação dos direitos humanos à liberdade. Sobre as novas diretrizes, o ministro-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), Eloi Ferreira de Araujo, falou no programa
ANA PAULA DA SILVA
O Candomblé e a Umbanda utilizam imagens de santos. Muitas vezes isso é motivo de discriminação e preconceito por parte de quem desconhece a crença e prática de seus seguidores
de rádio Bom dia, Ministro, do delegacia para provar a existência, governo federal: “O Estatuto in- basta observar. “O preconceito se troduz no meio jurídico brasileiro dá nos olhares, quando as guias as possibilidades para a promoção aparecem. Pessoas me olham da igualdade racial no mundo do atravessado quando estou de routrabalho, no mundo do empreen- pa branca e ojá (pano branco) na dimento, no mundo das comuni- cabeça. Já me perguntaram se era cações e da utilização dos meios macumbeira da magia negra”, de comunicação, para a juventu- conta a seguidora do candomblé. de, para a população negra como A Yalorixá (mãe de santo) da um todo”. No ano Casa da Vó Joaquianterior, Joinvilna, Jacila de Souza le criou o Comitê DISCRIMINAÇÃO Barbosa, acredita Gestor de Políticas que é feita uma ideaEm Joinville foram para a Promoção lização sobre as relicriados órgãos que da Igualdade Racial giões afrobrasileiras, garantem os direitos a com o objetivo de (CGPPIR) e assitoda população negra coibir a prática. “O nou um termo de da cidade adesão ao Fórum catolicismo passa a Intergovernamenideia de que nós cultal de Promoção da Igualdade Ra- tuamos o diabo. Assim, dissemicial (FIPIR), passando a integrar na o medo que, aliado à falta de as ações de políticas públicas da informação, gera o preconceito”, SEPPIR. explica. Sua vida religiosa comeNa visão da antropóloga So- çou aos sete anos de idade. Hoje, nia, integrante do CGPPIR, es- com 58 anos, a carioca diz ter nasses órgãos e associações foram cido na umbanda e estar acostucriados porque a intolerância mada a com os rótulos. existe. Ela cita a pesquisadora LiQuando chegou a Joinville, lia Moritz Schwarcz ao dizer que em 1990, sentiu rejeição das pes“91% dos brasileiros dizem não soas. Vestida com roupas brancas, ser racistas, mas conhecem um como usavam as escravas, saía às vizinho que é”. Como se a ideia ruas e não havia quem não voltasdo politicamente correto inibisse se o olhar com estranhamento e as pessoas de manifestarem seus desaprovação. Certa vez, uma sepreconceitos, embora continuem nhora a parou e questionou: “Você ali. Para Sonia, esse tipo de into- não é daqui, é? Por que anda aslerância não precisa de relato na sim, é baiana?”. “Não, sou do Rio
de Janeiro e sou mãe de santo”, respondeu Jacila. Constrangida, a mulher se afastou. Mas, a umbandista e também seguidora do candomblé observa que a reação é melhor hoje em dia. A aceitação vem sendo construída ao longo dos anos. Em novembro de 2009, Jacila apresentou um abaixo-assinado à Câmara de Vereadores, reivindicando a utilização de espaços públicos para todas as religiões. “Se os católicos e os evangélicos podem professar sua fé em vias públicas, por que nós não podemos?”, argumenta. O manifesto foi entregue junto com a Yalorixá Yagunã Dalzira Maria Aparecida que, com 77 anos, viajou de Curitiba a Joinville para defender a liberdade religiosa. O documento reclama o direito ao uso de praças, rios e quedas para a expressão de cultos afrobrasileiros. Há vários relatos de filhos de santo, como são chamados os seguidores da umbanda e do candomblé, que foram barrados lugares públicos, enquanto cultuavam sua fé. A resistência em aceitar a diversidade de crenças e doutrinas pode não ser declarada, mas aparece na atitude das pessoas. Se a discriminação religiosa é negada por quem a pratica, também o é por quem a sofre. O censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) de 2000 mostrou que 0,3% dos brasileiros (525 mil pessoas) eram praticantes de religiões de origem africana, como candomblé, umbanda, omolocô, tambor de mina, batuque, entre outras. O percentual não condiz com a realidade, segundo avaliação do Coletivo de Entidades Negras (CEN). Festejos e caminhadas pelos orixás, somente no Rio de Janeiro e em Salvador, costumam reunir um número muito maior de simpatizantes. A organização lançou a campanha No censo 2010 afirme sua identidade religiosa, afinal, quem é de axé diz que é!, por notar que o povo de santo tem medo de assumir sua crença. Medo de sofrer perseguição. Esse seria o principal motivo para o Copom de Joinville nunca ter registrado casos de discriminação religiosa, na impressão de Sonia. A antropóloga conclui que as pessoas sentem a intolerância e, por isso, negam sua religião. Para alguém denunciar um crime, precisaria primeiro declarar pertencer à determinada doutrina, justamente, o alvo do ato criminoso. Assim, o silêncio se mostra uma via de mão dupla. Máscara para uns, e escudo para outros. Luísa Desiderá luludesidera@gmail.com
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Diagramação e edição de Aline Seitenfus
Sincretismo: Orixás disfarçados de santos devido o preconceito Os escravos eram proibidos de adorar seus santos africanos. O cristianismo lhes era imposto. Para consagrar sua fé sem que ninguém percebesse, os negros elegeram um santo católico para representar cada orixá. Assim, ao olhar para a imagem de Jesus Cristo, os escravos, na verdade, adoravam Oxalá. O sincretismo foi a artimanha responsável pela preservação da doutrina religiosa afro. Segundo a mitologia africana, os orixás foram semideuses que viveram na terra. Eles deixaram descendentes que, ao longo dos séculos, se tornaram o seu povo (e passaram a associá-los às forças da natureza). Por isso, o “povo de santo” é como uma família – tem o pai, os filhos e os irmãos. Cada tribo africana é uma nação, a nação de um orixá que são milhares, na África. Mas, no Brasil são 16 os principais. O sincretismo varia de região para região.
Xangô é o rei das pedreiras e da justiça é associado a São Pedro. Oxum é a mãe das águas doces, é a fecundidade representada na imagem de Nossa Senhora Aparecida. Oxossi é o rei da mata, da prosperidade, cultuado na figura de São Sebastião. Omolu é o médico dos negros, o curandeiro é São Lázaro. Obá é a guerreira do fogo, da feminilidade, é Santa Catarina. Oxalá é o filho de Zambi, criador de todos os orixás na terra, é a salvação, é Jesus Cristo. Oxaguiã é Oxalá quando criança, é o início, o menino Jesus. Iemanjá é a rainha das águas salgadas, a mãe de todos os santos, é Nossa Senhora. Nanã é a Iemanjá velha, as águas profundas, a proteção, é a Nossa Senhora Santana. Logum é o filho de Oxossi e Oxum, é caçador, também representado por São Sebastião. Ossãi é a rai-
nha das ervas, a cura, é São Benedito. Oxumarê é o arco-íris, faz o transporte da água entre o céu e a terra, é São Bartolomeu. Iansã é a mãe dos raios e dos ventos, a renovação, é Santa Bárbara. Erê é o santo mirim, as crianças, é São Cosme e São Damião. Ogum é o guerreiro das demandas, a força, representado por São Jorge. E Exu é o mensageiro, a comunicação entre os homens e os orixás, foi associado, pelo cristianismo, à figura do diabo. O caboclo é considerado o rei das terras brasileiras. Não tem origem africana, mas é cultuado como o orixá do Brasil. Representa a força, a coragem e a sabedoria da natureza. As religiões afrobrasileiras não seguem nenhum livro, como a Bíblia e o Alcorão, a doutrina é passada de pai para filho oralmente. A ancestralidade é o fundamento da fé.
Religião em números O documento Cidade em dados 2010, do Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Ippuj), divulgou dados levantados pelo Censo Domiciliar 2002-2003, do SEBRAE de Santa Catarina. Uma tabela mostra a distribuição da população por crença religiosa:
Porcentagem
Religiões
Templos
72,60%
Católicos
198
19,10%
Evangélicos
304
3,80%
Protestantes
36
0,60%
Espíritas
9
0,10%
Budistas e islâmicos
0
1,90%
Outra
38
1,80%
Não tem religião
-
0,10%
Umbanda
Não informado
0
Judeu
-
Governo cria lei que torna obrigatório ensino sobre África O historiador Gerson Machado, educador do Museu Arqueológico de Sambaqui, produz uma tese sobre as trajetórias e as identidades religiosas locais. Doutorando pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o pesquisador tenta levantar o número de terreiros e fieis em Joinville. Pautado em entrevistas e depoimentos, o historiador acredita que sejam mais de 200 casas de umbanda e candomblé. A tarefa é complicada, pois
as pessoas não querem se identificar. Ele elaborou formulários para montar um cadastro das casas de santo e deixou nas três lojas de artigos religiosos afrobrasileiros da cidade. Em dois meses, de 90 formulários, apenas um foi respondido. Gerson conta sobre um caso de violência e discriminação contra um terreiro, em 2005, no bairro Adhemar Garcia. Um dia antes de o proprietário inaugurar o templo, vizinhos chamaram a polícia
porque um morador ameaçava perturbar a ordem na comunidade. Os policiais invadiram o lugar e levaram o proprietário para a delegacia. O homem passava por um ritual de iniciação que o tornaria pai de santo. A fim de combater a falta de conhecimento, principal causa do preconceito, o Congresso Nacional aprovou a Lei Nº 10.639, em 2003, que torna obrigatório o aprendizado sobre a África em todas as escolas do ensino funda-
O Babalorixá Kelauê Tata de Inkisse foi anfitirão de curso sobre História e Cultura Africana. O encontro reuniu cerca de 60 docentes de todo país
mental e médio do país. O Plano Nacional de Implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana estabelece metas e estratégias para que a determinação seja cumprida. Entre elas, estão a elaboração de material didático, a sensibilização dos gestores da educação e a formação dos professores. Eliton Felipe de Souza (26) participou do primeiro curso, oferecido na região, sobre História e Cultura Africana, em 2009, quando lecionava para alunos de sexto ao nono ano do ensino estadual. O professor confessa que os encontros foram essenciais para preencher uma lacuna de sua própria educação. Estudiosos de todo o país (USP, UFSC, UFPR, UFRJ) palestraram sobre geografia, política, sociedade e outros aspectos da África, em uma casa de candomblé, em Araquari, a 25 quilômetros de Joinville. O Babalorixá Kelauê Tata de Inkisse foi o pai de santo anfitrião do curso. Arildo da Silva recebeu, aproximadamente, 60 docentes, durante um mês, em seu terreiro. Na sua avaliação, o resultado foi positivo. Diferente da experiência que viveu quando abriu as portas
para uma turma de estudantes de uma escola municipal. O sacerdote conta que os professores orientaram as crianças a pedir a autorização dos pais para participar. Algumas, porém, desobedeceram e foram sem o conhecimento da família. Durante o encontro, um grupo de pais ocupou a entrada do lugar e criou uma confusão. Fizeram ofensas e questionaram as intenções de Arildo. Mas, o que chamou mesmo a atenção dele foi ouvir os alunos justificarem: “Eu quis vir por curiosidade, mas aqui não tem diabo, não”. O pai de santo lamenta o episódio e enfatiza que a maior parte daquelas pessoas não se considera preconceituosa. O mau julgamento feito sobre as religiões afrobrasileiras é uma herança histórica, está enraizado na formação do indivíduo, dentro do próprio lar. Políticas públicas de repressão à intolerância são importantes. Mas, a discriminação não é apenas um caso de polícia, é uma guerra ideológica. Deve ser combatida com informação e conhecimento. Arildo acha graça quando alguém pergunta se ele é macumbeiro. Com bom humor, informa: “A macumba é um instrumento musical africano, feito de madeira oca. O macumbeiro é quem toca o instrumento”.
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Ecolo
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Diagramação e edição imagens do google maps fornecidas pela prefeitura
BOA VISTA III Possui Cessão Ano: 1993 Urbanização a ser aprovada 663 famílias beneficiadas Área total da cessão: 822.358,42 m² As famílias já têm Contratos com Secretaria de Habitação
OCUPAÇÃO DE SO
abitaç um pr
ESPINHEIROS V Possui Cessão Ano: 1994 Aproximadamente 180 famílias beneficiadas Área total da Cessão Espinheiros II: 180.132,42 m²
ESPINHEIROS I, II, III e IV Possuem Cessão Ano: 1991 Urbanizações I, II e III aprovadas. Urbanização IV em processo de aprovação. 1419 famílias beneficiadas Área total da cessão: 1.152.982,68 m²
JARDIM IRIRIÚ Possui Cessão Ano: 1993 Urbanização aprovada 373 famílias beneficiadas Área total da cessão: 352.309,43 m²
RIO CACHOEIRA Foi solicitada a Cessão 34 famílias beneficiadas Área total da cessão: 18.900,23 m²
Mais de 3,9 mil famílias moram em áreas
N
a cida- de área total, destes, apenas de com a 400km² são considerados termaior po- ritório urbano, o restante soma pulação de a região rural. Santa CaMas não é possível urbanitarina, os zar, pois a Prefeitura criou mesubúrbios superlotados e a má canismos ao longo dos anos administração de terras estão que proíbem o crescimento presentes, assim como em to- para estas regiões. “O grande das as grandes cidades do país. problema da regularização funO intenso desenvolvimento diária, é que tem ligação direta econômico de Joinville exige com a terra. Terra, no Brasil, uma demanda de trabalhadores sempre foi muito concentrae indústrias que não comporta da. Um arcabouço jurídico”, mais fisicamente. De 1937 a declarou o diretor executivo 2004, a cidade expandiu até os da Secretaria de Habitação de limites, saturando terrenos lo- Joinville, José Teixeira Chatados da zona Sul e ocupando ves. Além dos lotes públicos e áreas impróprias. Isto revela privados irregulares, e da área as irregularidades existentes rural – a situação mais proe consequentemente a desi- blemática, por exigir demangualdade social das de energia, no município, saneamento e ao modelar o infraestr utura EXPANSÃO centro comerdiferenciada – Desenvolvimento cial rodeado de ainda existem as econômico acelerado e bairros sobre terras da União, desordenado contribuiu terrenos sem reque pertencem à muito para ocupação gulamentação. marinha. O estudo Em 2009, a irregular de solo “A questão da Prefeitura criou moradia em a Comissão de Joinville”, da Universidade Fe- Regularização Fundiária e asderal do Paraná, mostra que sinou um termo de cooperanos anos 90 a zona Leste al- ção com a Superintendência cançou os mangues e o Norte do Patrimônio da União de foi preenchido pelo Distrito Santa Catarina (SPU-SC). AsIndustrial. Segundo o autor sim, quem precisa regularizar da pesquisa, Hernandez Vivan o lote não precisa ir até FloEichenberger, “o esgotamento rianópolis, basta ir à Secretaria do perímetro urbano passou de Habitação. Com o acerto, a dificultar e a renda da terra foram estabelecidos critérios que, por sua vez, gerou a mo- para priorizar a regulamentanopolização da terra através de ção: interesse social, ação civil investimentos do capital indus- pública e maior número de fatrial”. Até há espaços, mas não mílias. Antigamente o moraé possível ocupá-los. O mu- dor que ganhava o direito da nicípio tem mais de 1.100km² terra tinha de ir ao SPU pe-
ogia
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
o de Eduardo Schmitz
OLO
ção em Joinville: roblema social
s irregulares e com pouca infraestrutura gar a Certidão de Autorização para Transferência, depois a Certidão de Quitação da Secretaria de Habitação, para finalmente ter o registro do imóvel. A escritura pública, que dá a posse do lote, custa 10% do valor do imóvel. Agora a realidade é outra. A Prefeitura dá o primeiro passo, ao pedir a cessão da terra à União. Em seguida, a Secretaria de Habitação identifica as famílias por lote e quadra. Tudo isso facilitando o processo burocrático. Em maio, o prefeito Carlito Merss assinou um ofício que solicita ao desembargador Solon d’Eça Neves, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, a isenção ou a redução de taxas e emolumentos das escrituras públicas de transferência de imóveis cedidos pela União. Já são cinco áreas cedidas à Prefeitura e três ainda aguardam cessão. No total, 3.926 famílias moram em lotes irregulares. Destas, 1.792 já solicitaram a regularização e 2.134 ainda precisam regulamentar os documentos. As famílias que moram nas áreas identificadas nos mapas destas páginas têm a chance de regularizarem os lotes porque estão ali há anos. Na época que compraram ou ocuparam as terras, não existia restrição ambiental. O loteamento Boa Vista III, por exemplo, existe desde 1954. Mesmo com a identificação das Áreas de Preservação Permanente (APP), não há possibilidade de retirar estas pessoas nem de mantêlas nestas condições.
RIO DO FERRO Possui Cessão Ano: 2004 Urbanização a ser Aprovada e Regularizada dentro do Projeto HBB (Habitar Brasil do BID) 17 famílias beneficiadas Área total da cessão: 8.825,38 m²
Histórico de Desigualdade Nota-se que o desenvolvimento de bairros como Vila RIO GUAXANDUVA E IRIRIÚ MIRIM Nova e Morro do Meio é muito tardio comparado aos da região Leste. “Famílias de migrantes Foram solicitadas as Cessões foram instaladas às margens Ano: 2009 de todo o manguezal da cidade Urbanizações a serem aprovadas por uma questão de economia. Visando a não construção das 640 famílias beneficiadas infraestruturas viárias, coloÁrea total da cessão: 614.928,02 m² cou-se a população operária Investimentos de 14 milhões já próxima ao local de trabalho”, garantidos pelo Município via FNHIS – declarou o cientista social e mestrando em urbanismo, Área de Urbanização, Regularização e Charles Henrique Voos. Com Integração de Assentamentos Precários o crescimento populacional, as camadas mais pobres foram alocadas em regiões da cidade onde não havia a mínima infraestrutura necessária. Assim RIO ITAUM MIRIM surgiram dificuldades em levar investimentos básicos, porque o custo era dobrado devido as Foi solicitada a Cessão grandes distâncias do centro. De acordo com o cientista Ano: 1993 social, a concentração acon500 famílias beneficiadas tece, em Joinville, principalÁrea total de: 468.517,78 m² mente na zona rural da cidade. Captado recursos junto ao Governo Na região urbana, a ocupação provoca outro fenômeno: os Federal para elaboração de Projeto vazios urbanos. Terrenos que de Regularização Fundiária poderiam ser ocupados para adensar a cidade, não podem porque a iniciativa privada o VIGORELLI retém, valorizando e vendendo somente após o máximo de infraestrutura instalada. “O capiFoi solicitada a Cessão talismo tem que excluir alguns Ano: 1998 para a acumulação de outros. 100 famílias beneficiadas É a regra do jogo. E essas desigualdades se espacializam na Área total de: 79.817,00 m² cidade no cenário da ocupação Ação Civil Pública (IBAMA, SPU e urbana ocorrida por aqui ao PMJ) longo dos anos”. Bárbara Elice bahfck@gmail.com
Projeto de requalificação da área ocupada propondo a permanência no mínimo das famílias residentes.
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Ecologia
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Diagramação e edição de Eduardo Schmitz bárbara elice
Rosinaldo convive com a baia da Babitonga como vizinha. A construção onde guarda a lancha fica bem próxima à água
A longa espera pela regularização Literalmente marginalizado às indústrias, o pescador Rosinaldo Cartapasso tem a baía da Babitonga como quintal de casa e local de trabalho. O terreno, que a família comprou de uma imobiliária há 25 anos, fica na região menos urbanizada, sem pavimentação, com esgoto e com luz clandestina. Visto como um representante das famílias de uma das áreas do Espinheiros, ele já fez os procedimentos para regularização há vinte dias e, agora, aguarda a liberação. Rosinaldo afirma que o maior problema é a energia elétrica. Apesar das negociações com o Gerente Regional da Companhia de Eletricidade de Santa Catarina (Celesc), Eduardo Cesconeto de Souza, as fiações clandestinas sempre são
desligadas. O pescador afirma que está há bastante tempo tentando regularizar o lote, mas a burocracia sempre travou o processo. “Nós não queremos nada de graça, nós queremos pagar, mas parece que eles não dão importância”. O assentamento no José Loureiro vive uma realidade ainda pior: não há previsão para regularizar os lotes. Por ser uma ocupação recente, é inviável a urbanização sobre áreas de preservação, como o mangue. Diferente das cessões antigas, como a do Boa Vista, estes lotes foram cedidos em 2004. “Quando a prefeitura adquiriu aquela área, não era mais mangue, mas fez o loteamento para 600 famílias”, afirmou o diretor da Secretaria de Habitação. Após a Lei
Benefícios para legalização de lotes irregulares O secretário de Habitação de Joinville, Alsione Gomes de Oliveira Filho, assinou uma Portaria concedendo benefícios e as condições adequadas para estimular os beneficiários de lotes urbanizados nas áreas cedidas pela União a regularizarem a titulação de 4.936 lotes. Pela Portaria, quem deseja requerer
“
Nós não queremos nada de graça, nós queremos pagar, mas parece que eles não dão importância ROSINALDO CARTAPASSO morador
do Loteamento, é preciso fazer pavimentação, drenagem, esgoto. A única a fazer esse loteamento sem toda a infraestrutura foi a prefeitura. Chaves aponta nesta região, a prioridade para 40 famílias que moram em cima do Rio Velho, pois estão ali há mais tempo. Ele afirma compromisso de entrega dos apartamentos no Paranaguamirim em 2012.
à legalização do imóvel não poderá ser possuidor de outro imóvel ou ter sido atendido por outros programas habitacionais oferecidos pelo município, além de não ter débitos de qualquer natureza cadastrados no imóvel. O secretário adiantou que “a Portaria não se aplica ao caso das famílias que já formalizaram transferência mediante Escritura Pública e Registro de Imóveis”.
Isenção de taxas cartorárias em Joinville
Sistema de informações georreferenciadas
A Secretaria de Habitação solicitou a isenção ou a redução de taxas e emolumentos nos procedimentos para obtenção das escrituras públicas de transferência dos imóveis cedidos pela União ao município de Joinville. O ofício foi assinado no dia 30 de maio pelo prefeito Carlito Merss e pela Superintendência do Patrimônio da União de Santa Catarina (SPU/SC), representada pela superindente Drª Isolde Espíndola.
O SIMGeo é um sistema para integrar todas as informações cartográficas de Joinville desde 1937 até hoje. O sistema é alimentado quase que diariamente por todas as secretarias que têm núcleos de geoprocessamento. Áreas de Preservação Permanente, limites de área de marinha, plano viário, loteamento, regularização fundiária e licenciamento ambiental poderão ser consultadas pela comunidade.
Zoneamento Ecológico O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) de Joinville é o mapeamento ambiental do município. O estudo, apresentado pelo agrônomo da Fundema Giampaolo Marchesini mostra o detalhamento das áreas de mangue localizadas à beira da Baia da Babitonga e segue até a floresta de montanha, na divisa com Campo Alegre. Alguns itens do ZZE como as áreas na região da serra e os corredores ecológicos, poderão ser incluídos na nova Lei de Ordenamento Territorial, em construção pelo executivo. A Fundema vai propor diminuição do crescimento urbano em Áreas de Preservação Ambiental (APA).
Cultura
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Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala
AFRODESCENDENTES
Joinville negra: imersa em um passado de preconceito
Esquecidos na história da cidade, os negros buscam resgatar sua cultura em meio à germanização desde os tempos da escravidão
D
ia ensolarado, brisa de leve e movimento tranquilo nas vias que cruzam a rua Coronel Francisco Gomes, no bairro Bucarein, em Joinville. Quase não há veículos, e há alguns passos do antigo campo do Santos, já se escuta o ritmo contagiante do samba vindo de uma casa simples, localizada em uma das muitas ruas de barro sem saída. Da antiga Avenida Cubas, palco de muitas histórias de afrodescendentes da cidade, hoje restam poucos descendentes negros. A maioria dos moradores é “de origem”, como são popularmente chamados os brancos. Na Avenida Cubas viveram Butiaco, Tuca, Fioca e o eterno músico Bera, alguns dos mais ilustres e inusitados personagens afrodescendentes de Joinville. A maioria deles, esquecidos na história da cidade. Morando há 45 anos em Joinville, Eugênio Miranda Corrêa, carinhosamente chamado de Butiaco, faz parte dessa história
esquecida. Hoje com 60 anos, relembra os tempos em que veio para Joinville, transferido de um emprego em uma rádio de São Francisco do Sul. “Vim para cá aos 13 anos junto com a minha família. O dono da rádio onde eu trabalhava tinha uma emissora em Joinville e me transferiu”, conta. Butiaco sempre trabalhou na parte técnica das rádios e também da televisão. Ele já passou pela rádio Colon, Difusora, Cultura e se aposentou na Câmara de Vereadores de Joinville. Foi nos meios de comunicação que Eugênio ficou conhecido pelo apelido de Butiaco. “Tinha um rapaz que jogava no time do Caxias e era muito parecido comigo. Aí o apelido pegou”. Butiaco pouco sabe sobre os antepassados. Quando ele era criança, ninguém falava sobre a escravidão. Seus avós paternos vieram da África e, provavelmente, foram utilizados como escravos na região de São Francisco do Sul e Joinville. Os antepassados maternos são originários da região do Vale do Itapocu, hoje municíANA PAULA DA SILVA
Butiaco morou durante 30 anos na Avenida Cubas e só guarda boas lembranças do lugar
pio de Araquari. Segundo docu- jogador do Caxias; Loli, jogador mentos do Arquivo Histórico de do América; e Vieira, que jogou Joinville, a presença de escravos no Grêmio, de Porto Alegre. em atividades agrícolas da região A exemplo de Butiaco e incenera grande. tivada pelo baixo preço de moraDa Avenida Cubas, Butiaco só dia, Dilma Emília Borba, 74 anos, guarda boas lembranças. Ele mo- e a mãe Maria do Carmo Barborou por mais de 30 anos no local e sa, 92 anos, residiram durante 15 lembra que era conhecida como a anos no local. Hoje, as duas moregião portuária de Joinville – por ram no bairro Guanabara, mas terminar no chamado portinho Dilma garante que é do período do Bucarein, hoje a Ponte do Tra- que morava na Avenida Cubas balhador. Cubas tinha aluguéis que ela guarda as maiores recorbaixos e casas de dações da sua vida. prostituição. Essas “Naquele tempo condições aliadas atracavam no porto PASSADO à forte presença grandes navios que Os marinheiros batiam negra contribuíam vinham de São Paunas janelas das casas à para que a Avenida lo e Rio de Janeiro. procura de companhia fosse mal vista pelo Quando o navio feminina para passar resto da cidade. apitava, as crianças a noite Uma das partisaiam correndo”, cularidades da rerelembra. Os navios gião era a vocação transportavam sal dos moradores para o futebol. Na e erva-mate até o porto de São década de 40, a Avenida Cubas Francisco do Sul, onde embarcachegou a abrigar dois campos: o ções levavam os produtos para o do Santos Futebol Clube e o do exterior. Estrela do Sul. Os dois times disSegundo Dilma, as canoas que putaram a segunda divisão da Liga navegavam pelo rio Bucarein traJonvilense de Desportos, criada ziam peixes capturados no Canal em 1942, e o Santos chegou a se do Linguado para o Mercado Mutornar campeão da competição. nicipal de Joinville. Com tanto De lá, também surgiram alguns movimento de barcos e pesca, os talentos no futebol, como Piava, homens que residiam na Aveni-
da Cubas tomaram a estiva como profissão. Como o local era considerado um porto, os marinheiros atracavam os barcos e batiam nas janelas das casas à procura de uma companhia feminina para a noite. Dilma lembra que os padres diziam “que o lugar não era para a moradia de mulheres direitas”. “Quando meu namorado perguntou onde ficava minha casa, eu enrolei e não respondi, porque todo mundo achava que ali só morava mulher da vida”, afirma. Além de mal visto e excluído pelo resto da população, o local enfrentava muitos problemas de infraestrutura e dificuldades, como a falta de água. Dilma ia até a bica todos os dias. A fonte ficava onde é a atual Escola de Ensino Fundamental Rui Barbosa, há quase três quilômetros de distância. Na volta, se já estava escuro, ela passava bem longe de uma grande figueira que havia em frente ao campo do Santos. Os mais velhos diziam que a árvore era mal assombrada e falavam de um lobisomem que ficava por perto durante a noite. “Ninguém se arriscava”, recorda. Talvez pela forte espiritualidade, a longevidade dos moradores negros parece ser uma das características mais marcantes da Avenida. O lugar já abrigou casas de muitos moradores centenários. Uma delas, a já falecida Mazilda Alvez, viveu 103 anos. Era natural de São Francisco do Sul e chegou ao reduto em 1937. O nome “Cubas” remete ao antigo dono da maioria das casas da região: Darcy Schroeder Cubas. Além das residências alugadas, Cubas tinha um cartório que levava seu nome, na rua Abdon Batista. Hoje, o 2º Tabelionato de Notas e 3º de Ofícios e Protestos. Patrícia Schmauch patriciaschmauch@hotmail.com ANA PAULA DA SILVA
A Avenida Cubas foi palco de muitas histórias de afrodescendentes. Algumas décadas depois, a maior parte dos moradores é de cor branca
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Cultura
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Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala
Sociedade Kênia Clube: diversão não apenas para negros
Dono de memória e lucidez de louros de olhos claros que cirinvejáveis, Butiaco explica, sen- culavam pelas ruas. “O negro não tado na cozinha de sua casa, que tinha lugar de diversão. Podia ir a cultura dos negros está se esgo- nas sociedades para os brancos, tando. “As grandes festas, danças e mas era obrigado a ficar sentado”, tradições da cultura afro-brasilei- relembra Pereira. Hoje, o Kênia é ra estão desaparecendo porque as o único clube afro de Santa Catacrianças negras não são ensinadas rina em atividade constante. nas escolas sobre a memória dos Os primeiros movimentos neseus antepassados”, diz. gros do Estado, com o objetivo Ao chegar a da criação de asJoinville, ele se desociações de lazer, parou com um radatam de alguns TRADIÇÃO cismo muito forte. anos após a aboliO Kênia surgiu em Para se divertir, os ção da escravatuuma sociedade negros eram obrira, em 1888. Em preconceituosa e hoje gados a frequentar Joinville, os locais garante a preservação lugares diferentes surgem com reuda cultura afro dos brancos. Um niões e festas entre deles, existentes até famílias, sobretudo hoje, é o Kênia Clunas décadas de 40 e be de Joinville. 50 – época da Campanha de NaImerso em uma sociedade pre- cionalização de Getúlio Vargas. conceituosa quanto às diferenças Durante o período, as colônias raciais, nascia um clube como alemãs eram perseguidas e performa de defesa contra a exclusão. diam forças, enquanto os afrodesHoje a tonalidade da pele já não é cendentes fundavam clubes e eno principal motivo para a existên- tidades, garantindo a preservação cia do Kênia. Além da paixão pelo da sua cultura. samba, o que embala os mais de Foi de Hélio Cardoso Verís50 anos vividos pelo clube é a pre- simo, José Francisco Ramos, Ruservação e valorização da cultura bens Martins, Marcelino Rocha, afro dentro de toda a cidade. Luis Paulo do Rosário, José DoEveraldo José Pereira, atual mingos Cardoso e Oziel Silva a presidente do Kênia, conta que ideia de fundar um clube só para até a década de 1960, Joinville ti- os negros, onde tocasse o samba, nha o hábito de consagrar os imi- seu ritmo preferido, e pudessem grantes de descendentes alemães divertir-se à vontade. O nome faz e ignorar a existência afrodescen- alusão ao país do continente afridente. A população de negros na cano idealizado por eles. Paralelo cidade era praticamente insigni- ao clube surgiu também um time ficante se comparada ao número de futebol, o Senegal, extinto
poucos anos depois. A inauguração do clube foi marcada por um grande baile, com a escolha da rainha e das princesas das mais bem conceituadas famílias negras, em 6 de setembro de 1960. Luxo e exuberância marcaram o evento, a exemplo do que acontecia nas festas brancas. As mais belas mulatas da cidade podiam ser vistas com salto alto e vestidos que salientavam as curvas do corpo; um misto de delicadeza, fragilidade e beleza. Fotografias da época mostravam as mulheres com um cabelo muito liso, seguindo o padrão europeu. E os ritmos dançantes do bolero, samba, valsa e tcha-tcha-tcha embalavam os convidados durante a noite inteira. Os participantes, homens e mulheres mal remunerados e discriminados durante a semana. O Kênia serviu tanto para divertir a parcela negra da população quanto para unir a comunidade. Das festas dominicais, saíram muitos casamentos e famílias. O samba das festas luxuosas embalou algumas histórias de amor: Butiaco conheceu a esposa em uma festa na sociedade e o gaúcho João Nestor Padilha também. Algumas histórias do Kênia Há 51 anos atrás, chegava em Joinville aos 16 anos de idade, um gaúcho negro, com sombrancelhas e voz grossas e traços fortes. Em um dos muitos bailes do
Meio século de histórias A conhecida dona Tuca é a moradora mais antiga da região. Dona de uma fala calma, voz suave e um olhar concentrado, Rosa Maria Rodrigues da Silva, 73 anos, é viúva de Luiz da Silva, o Mestre Bera, conhecido músico da cidade. Cada memória da história do casal é lembrada por Tuca através de imagens. O sambista morreu em 1997, aos 63 anos, quando o casal completaria 41 anos juntos. Tuca nasceu em Joinville e viveu perto da Estação Ferroviária. Ao se casar, em maio de 1956, passou a morar na residência atual, na Avenida Cubas. Local onde está há mais de 50 anos. Para ela, é o melhor lugar para viver. “Quando o pessoal quer fazer samba, fica o dia inteiro festando”, diz. O apelido vem de criança. A família paterna era turca, e por isso, quando pequena, era chamada de Tuca. Rosa guarda muitas histórias do tempo de casada, especialmente sobre as “fugidas” de seu marido Bera. Ele dizia que saía para tocar, mas o bandolim ficava guardado no estofado. “Quando ele voltava, o pau fechava”, recorda dona Tuca, com um ar de graça. Mesmo com a ausência do marido devido aos shows que fazia como músico, Rosa destaca que ele sempre teve preocupação especial com a família. E não apenas com a que tinha laços de sangue: Bera era querido por toda a vizinhança e vivia fazendo festa. Kênia conheceu uma namorada, sua atual esposa. “Foi inesquecível”, afirma. Hoje, com três filhos, Padilha olha para o passado e vê que nem tudo mudou. Adora morar em Joinville, mas, para ele, o preconceito continua existindo. “Negro remete a tudo que é ruim”, diz, indignado. Na hora de arranjar um emprego, Padilha passou por dificuldades devido à cor da pele. Dos antepassados, ele ouviu falar pouco. Zelândia Custódio da Costa, 67 anos, carinhosamente apelidada de Fioca, frequenta o Kênia desde a época da fundação. “Éramos olhados com outros olhos”, relata. Ainda hoje, Fioca desfila no Carnaval do Kênia Clube como baiana. Em sua trajetória já PATRÍCIA SCHMAUCH
Zelândia Custódio da Costa, mais conhecida como Fioca, frequenta o Kênia Clube desde a época da sua fundação e diz que hoje já não há distinção entre negros e brancos
foi porta-bandeira e passista. A paixão pelo Carnaval vem desde a infância. Aos cinco anos de idade, em 1951, veio de São Francisco do Sul a Joinville em clima de centenário e Carnaval. Inicialmente morou na região da Avenida Cubas e tem vontade de um dia morar por lá novamente. “Todos eram amigos”, lembra. O apelido, ninguém sabe o que significa. Há quem diga que é pelo seu tamanho pequeno, “miudinha feito uma fioca”. Em meio à trajetória, nem só de glória viveu a Sociedade Kênia Clube. Nestas cinco décadas, o salão já fechou e reabriu por diversas vezes. Por não ter sócios, há dificuldade em arrecadar recursos. Os eventos e pequenos encontros são regados a samba e pagode, o que se restringe a uma única fonte financeira. Hoje, o Kênia tem uma escola de samba, a primeira de Joinville: Príncipes do Samba. Antes chamada de “Amigos do Kênia”, a escola iniciou as atividades em 1968, desfilando pelas ruas da cidade com apenas 20 participantes. Depois de alguns anos sem entrar na avenida, em 2010 os carnavalescos já passavam de 400. Dona Fioca lembra que o primeiro desfile foi um dos mais marcantes. Em 1986, a escola fez uma homenagem a Joinville. Apesar de pequeno, a cidade tinha na época o terceiro maior Carnaval de Santa Catarina, perdendo apenas para Florianópolis e Laguna. Fioca vê a tradição do Carnaval sendo seguida pelas duas netas e filha Sueli Regina de Oliveira. “Fico muito orgulhosa”, afirma. O Kênia se transformou em um lugar de alegria que não faz distinção de raças. “Às vezes tem mais branco do que negro nas festas. Não há mais diferença”, observa Pereira.
Cultura
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Diagramação e edição de Ana Luiza Abdala
O trabalho escravo nos engenhos da família Cercal Distante da Avenida Cubas, Região do Itapocu, Araquari no tempo e na geografia, o cul- e Morro do Cachoeira. Após tivo de farinha de mandioca, cinco gerações, restam 1600 açúcar mascavo e a produção metros quadrados de terras. O de melado e aguardente estava resto do terreno foi vendido e deslanchando. Em meados do abriga pequenas empresas, resiséculo 18, o dia a dia nas terras dências e comércio. da região do Cubatão era difícil. Maria Luiza e o marido, Principalmente para os escravos Angelo de Araújo, contam que da fazenda de Januário de Oli- os navios que vinham para a veira Cercal, português que se atual região de Joinville eram estabeleceu em 1786 na região enfeitados com fitas coloridas do Morro do Lapara atrair os neranjal, atual Jargros. Eles entravam dim Paraíso. para ver o que era e CASTIGO A tataraneta quando a embarcade Januário, Mação enchia, o navio Em caso de ria Luiza Cercal, desatracava e seguia desobediências os 74 anos, tem viagem. As famílias escravos não dormiam muita disposição dentro do galpão junto nunca mais ficavam e vitalidade para sabendo de notícias com os outros contar a história dos que partiam. da sua família, No porto de São tradicionalmente Francisco, os escraconhecida na região pela posse vos eram vendidos. de negros. Segundo ela, em uma Com os proprietários de esperigosa travessia do Atlântico, cravos, todos os dias, antes do o tataravô, a família e mais 13 sol nascer, os negros começaescravos embarcaram em um vam seu trabalho. A maioria cuinavio à vela rumo a São Francis- dava da agricultura, os outros, co do Sul. A viagem durou mais da fábrica de cachaça e melado. de seis meses. Poucas mulheres, escolhidas a Junto à família e aos escravos, dedo, faziam os serviços domésJanuário trouxe engenhos de ticos. Além de cuidar das casas, ferro e farinha, cana e uma má- serviam como amas de leite. quina para fazer vinho. A família Durante a semana, os escramorou em São Francisco do Sul vos carregavam os seus patrões durante 30 anos, quando Januá- e produtos até a Baía da Babirio requereu a primeira conces- tonga, para o comércio em São são de sesmaria, equivalente às Francisco do Sul. Durante o terras da atual região do Jardim trajeto, era comum os negros Paraíso. Em documentos do Ar- tentarem fugas mal sucedidas. quivo Histórico, a família apare- Em páginas amareladas do jorce com outras três concessões: nal Kolonie Zeitung, constam
alguns nomes e desenhos dos escravos fujões. Os capatazes e caçadores de escravos ficavam atentos, pois normalmente se oferecia boa recompensa para quem encontrasse os fugitivos. Tradição no melado e cachaça O cabelo grisalho não esconde a idade avançada, mas também não é sinal que a memória está fraca. Aos 81 anos, Angelo Araújo, marido de Maria Luiza, ainda lembra das escravas que conheceu quando criança. “Eu ia para a escola e elas estavam velhinhas, e me contavam muitas histórias no caminho”, afirma. Mesmo já libertos, após a abolição da escravatura, em 1888, os escravos não tinham nenhuma perspectiva de vida ou política de inclusão social. Acabavam ficando com as famílias. O tataravô de Angelo, Oresto Araújo, pagava os ex-escravos com pequenos pedaços de terra. “Hoje, muitos descendentes moram do outro lado do ribeirão do Cubatão. Antes, eles vendiam vassouras, cordas, farinha”, lembra. A trajetória dos negros na região é repleta de histórias. Uma delas conta que Oresto Araújo escondeu um tesouro. Há 25 anos, um tratorista estava fazendo a terraplanagem da área e desapareceu. Dias depois, foi encontrado um buraco com algumas moedas de ouro. Não há quem duvide que o tratorista achou o tesouro e se deu bem. PATRÍCIA SCHMAUCH
Há 20 anos, o engenho localizado no terreno onde hoje está a casa de Maria Luiza Cercal e do marido Angelo Araújo, foi desativado completamente d
Cemitério também de negros A descoberta de 13 afrodescendentes enterrados no Cemitério dos Imigrantes de Joinville, em 2009, sepultados no período de 1862 e 1870, também são testemunhos históricos do papel importante dos negros no processo de formação da cidade. Na época, o fato foi bastante questionado, sobretudo pelos descendentes alemães. O preconceito camuflado e exclusão social dos negros tende a diminuir em Joinville. Com a finalidade de discutir políticas públicas voltadas à promoção e igualdade dos negros, sobretudo nas áreas de saúde, educação e cultura, o Comitê Gestor de Promoção à Igualdade Racial, criado em 2009, promove a inclusão dos negros nas atividades de Joinville – música, dança, trabalho nas fábricas, serviço público e promoOutra história fala de um filho de escravo que matou uma onça que amedrontava as pessoas do Cubatão. Todos ficaram agradecidos a ele. Parte das terras da família Araújo pertencem a Angelo até hoje. A casa onde o casal mora atualmente tem mais de 50 anos, construídos no terreno que abrigava um engenho e tinha escravos. Além das muitas histórias, a residência tem as portas das primeiras casas de São Francisco do Sul, de 500 anos atrás. Cada detalhe foi minuciosamente escolhido por Antonio Eleutério de Araújo, pai de Angelo, que dá também nome à rua onde o casal mora. O tataravô de Angelo, Oresto Araújo, veio ao Brasil em 1806 e trouxe cerca de 15 escravos junto com ele. Há 20 anos, o engenho foi desativado totalmente. Mas até hoje, a tradição da família permanece viva: há um alambique da família na região, que ainda produz melado e cachaça. Escravos também para os imigrantes Recortes de jornais com registros de comércio e óbito de escravos e petições de sesmarias são materiais disponíveis no Arquivo Histórico de Joinville sobre a cultura dos negros na cidade. Muitos documentos apontam a presença de escravos desde 1804 nos bairros Bucarein, Itaum, Boa Vista, Pirabeiraba, Paranaguamirim e Morro
ve movimentos culturais nos bairros. De acordo com Raquel de Queiroz, o racismo ainda é forte em Joinville. “Aqui, os negros sempre tentaram ser germanizados”, enfatiza. Para Alessandra Cristina Bernadino, coordenadora pedagógica na Casa de Cultura de São Francisco do Sul, o racismo está muito evidente nos dias de hoje. “O Nordeste tem o maior índice de assassinatos contra jovens negros, a morte de gestantes negras por falta de atendimento pela cor de sua pele”, afirma. Além disso, os doentes de AIDS, os analfabetos, entre outros índices que comprovam que o racismo age com muita eficiência nestas categorias dentro da nossa sociedade. “Sem contar que a cada 15 minutos uma pessoa é vítima de racismo em nosso país de Norte a Sul”, diz.
do Amaral. Comparado a outros municípios, Joinville tinha um número baixo de escravos. Documentos da Coletoria de Joinville, ligada à Igreja Católica, confirmam que em 1887, a cidade tinha 96 escravos, metade de cada sexo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dizem que em Joinville, 7,3% da população é negra. Raquel Queiroz, coordenadora do Comitê Gestor de Promoção à Igualdade Racial, contesta esse número. “Acredito que o número seja maior. Grande parte dos negros de Joinville fica invisível”, garante. De acordo com o livro “História do Trabalho em Joinville”, do historiador Dilney Cunha, as camadas mais pobres também economizavam e adquiriam um ou dois escravos para ajudar nos ganhos. Os filhos dos escravos não eram desejados porque não tinham onde serem negociados, gerando apenas gastos. Na década de 1850, o comércio escravista começou a decair. A Inglaterra proibiu os navios negreiros, aumentando o preço dos cativos vindos da África. Mesmo sem a permissão para a posse de escravos, tem-se registros que acontecia a escravidão entre os colonos germânicos. No Arquivo Histórico, há indícios de que Felizarda, africana, falecida em 1880, com aproximadamente 45 anos, foi escrava de Eduard Trinks, comerciante alemão que residia na atual estrada Dona Francisca.
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Esporte
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Gabriel Fronzi
OPORTUNIDADE
O esporte como pauta para o sucesso de novos talentos
Crianças e adolescentes buscam no basquetebol a chance de se tornarem atletas profissionais da modalidade e garantir um futuro melhor
A
lgumas crianças da zona sul de Joinville não têm ídolos como Messi, Ronaldo ou Neymar. Para elas, são apenas nomes e não fazem diferença no vocabulário. O gramado, chuteiras e outros aspectos do futebol assim como tão pouco a atenção desses meninos e meninas. Uma bola laranja, dribles diferenciados e as cestas quase impossíveis fazem com que o basquete seja a modalidade preferida desses pequenos. Segundo dados do Instituto de Planejamento Urbano de Joinville (Ippuj) de 2010, o bairro Itinga tem 6.358 moradores. As
indústrias e as casas da classe mé- tros bairros da região como Pedia escondem as moradias mais trópolis e Boehmerwald, pois em simples nas ruas de barro. Muitos nenhum deles existem aulas de que vivem fora do conforto não basquete nas escolas. O projeto sonham com luxo e riqueza, mas “Escolinhas de Basquete” é ideaapenas com lizado pelo time oportunidaprofissional, o Queremos mostrar des. O bairro é Brascola/Joinque ricos e pobres muito extenso podem jogar basquete ville, 7º coloe faz divisa com cado na última sem preconceito ou a cidade de Araedição do Novo discriminação. quari. As difeBasquete BraALCIDES JÚNIOR renças sociais sil (NBB). A Monitor também fazem prefeitura não parte da histófaz nenhum inria da região. vestimento nas Um núcleo de basquete che- escolinhas, segundo o coordegou para tentar acabar com o nador Annibal Pires de Oliveira preconceito e diminuir diferen- Junior. Ele explica que o projeto ças entre as crianças. O esporte foi aprovado na Lei de Incentivo tem atraído interessados de ou- Federal. Assim, empresas dispo-
“
nibilizam verbas para a continuidade da iniciativa. As unidades dos bairros Bom Retiro, Glória, Jardim Sofia, Jardim Paraíso e Itinga oferecem aulas de basquete três vezes por semana e totalmente gratuitas. São mais de 380 crianças de 10 a 16 anos atendidas em todos os núcleos da cidade. Na fundação Padre Luiz Facchini, eles se reúnem todas as segundas, quartas e sextas-feiras para aprender e jogar a modalidade que está ganhando mais espaço na maior cidade do Estado. As aulas acontecem no período da manhã e tarde com mais de 80 crianças e adolescente. Os horários são divididos pelas idades e turno escolar de cada participante. Diego Porcincula
Mesmo diante as dificuldades, Alcides (centro) trabalha como monitor e coordena o projeto que tem o intuito de revelar novos talentos do basquetebol para a cidade de Joinville
O monitor da unidade, Alcides Porcincula Junior, diz que o objetivo do projeto é fazer com o basquete seja praticado por todas as crianças do bairro e, o principal, achar talentos para o time. “Temos crianças com muito potencial e que merecem espaço na base do time principal”, comenta. Para o professor, o esporte é um meio de transformar as crianças em bons cidadãos, pois aprendem em atividades coletivas a respeitar todas as diferenças que encontram no projeto. Ele explica que o esporte não pode selecionar alvos e sim atingir todos. “Queremos mostrar que ricos e pobres podem jogar basquete sem preconceito ou discriminação”. Tentar jogar no time principal e o amor pela modalidade levou Tiago da Silva Quintino, 13 anos, para a escolinha. A referência no esporte é grande assim como seus sonhos. O astro americano do Miami Heat, LeBron James, de 2,03m, inspira o pequeno garoto nas jogadas e nos treinos que executa semanalmente. “Acho que tenho habilidade e bastante motivação para jogar na base”, acredita. Descobriu o projeto por amigos e conquistou o apoio dos pais. Ele diz que o mesmo empenho dedicado ao esporte é retribuído nas atividades escolares. O basquete também surgiu na vida de Ruan Ademir Bruch, 13 anos, a princípio como exercício físico e não por paixão. Recebeu recomendações para praticar algum esporte e escolheu a modalidade. Os amigos indicaram a escolinha e ele resolveu apostar. Assim como Tiago Quintino, a inspiração também vem do americano LeBron James. De uma simples recomendação a uma oportunidade de crescimento esportivo. O garoto foi convidado para treinar na categoria de base do time principal e está muito motivado. “Jogo na base desde o início do ano e a experiência é muito boa”. As quadras onde os núcleos estão instalados são de boa qualidade. A pintura é renovada quando apresenta desgaste, as tabelas e aros em boas condições e as bolas são novas e em quantidade suficiente para atender os interessados. O núcleo do Bom Retiro utiliza as dependências da Universidade da Região de Joinville (Univille) que é parceira do time da cidade. Os núcleos do Glória, Jardim Paraíso e Jardim Sofia utilizam as quadras esportivas das escolas. Cada participante recebe uma camiseta regata para os treinamentos. Diego Porcincula diegoporcincula@gmail.com
Esporte
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Diagramação e edição de Gabriel Fronzi
Falta incentivo financeiro para melhorias no projeto Para o coordenador Annibal Oliveira, a cidade deveria oferecer torneio de iniciação esportiva para fazer com que as crianças gostem de esporte e do próprio basquete. Ele diz que existe dificuldade para expandir as escolinhas na cidade devido aos espaços e calendários das escolas. “Utilizamos as quadras de esportes e, consequentemente, precisamos adequar os horários para não interferir na grade curricular da escola”, explica. Para a professora de educação física Juliana Vargas, os projetos sociais precisam ter presença nas comunidades mais carentes. “O esporte pode mudar a realidade de uma criança pobre ou que convive diariamente com a
Mesmo com pontos positivos, a violência freia o esporte
violência urbana”, diz. A educadora comenta que a cidade precisa pensar em atividades além do ambiente escolar, dar oportunidades no período em que as crianças não estudam. “Não adianta oferecer aulas de vôlei, basquete ou futebol apenas uma vez por semana. É necessário dar oportunidades de crescimento”. A solidariedade também entra em quadra Deixar de praticar esporte por falta de roupas adequadas era a principal desculpas de algumas crianças da zona sul de Joinville. Pouco a pouco o professor Alcides foi resolvendo o problema de cada aluno que não tinha condição de comprar um tênis,
bermuda ou camiseta. Quando encontra roupas ou calçados em bom estado e sem utilização ele guarda e leva para os que necessitam. “Muitos não têm condições de comprar os uniformes básicos para treinar”, comenta. Ele lembra que alguns chegavam às aulas com bermudas, calças, tênis e outras vestimentas inadequadas. Então seleciona as peças conforme a necessidade de cada um e faz a distribuição. As peças que ficariam guardadas em armários e sofrendo ação do tempo ganharam donos que precisavam. O monitor comenta que mesmo o projeto disponibilizando camisetas, essas crianças precisam de vestimentas adequadas para praticar o basquete. (DP)
Brascola continua na escolinha O projeto das escolinhas de basquete por pouco não teve sua continuidade ameaçada para esse ano. O patrocínio principal que vêm através da empresa Brascola quase foi cortado. A apoiadora foi a principal provedora da equipe profissional de Joinville que na última temporada disputou mais uma edição da NBB e não renovou para a próxima temporada. No final do mês de maio, em nota, a empresa anunciou de forma oficial o seu desligamento com a equipe profissional do basquete. Mas, a boa notícia veio com a renovação de mais uma temporada para o projeto social que vem dando resultado. Mudando o foco da quadra para o campo, o presidente da empresa, Gunther Faltin, irá a partir do segundo semestre investir cerca de R$12 mil mensais ao Joinville Esporte Clube, time de futebol da cidade. Mas, o empresário garante que a investida do futebol não tem influência da saída do basquete “os resultados não foram os esperados”, justifica. A equipe principal continua na busca de um patrocinador master para a procedência do projeto. Comentou-se sobre Cimed e a Tigre S.A., mas Sandro Steuernagel, sócio da VO2, empresa que administra a equipe, diz ter uma boa negociação em termos nacionais coma SKY. A apresentações foram iniciadas e boas notícias podem acontecer. “A Sky rompeu seu patrocínio com o Flamengo. Estamos estudando essa cota com eles”, conta. Divulgação
Com o objetivo de levar o esporte para as cidades da região, o projeto “Escolinhas de Basquete” abriu uma unidade em Araquari, cidade a 20 km do centro de Joinville. Mas a iniciativa não trouxe bons resultados para os coordenadores e comunidade. “Fizemos o maior investimento dos nossos núcleos na cidade. Colocamos tabelas novas e compramos materiais para as aulas”, explica o coordenador Annibal. A escola Higino Aguiar foi invadida três vezes por vândalos que depredaram os equipamentos instalados na quadra e demais dependências da escola. Professores e alunos foram ameaçados e o projeto fechou as portas, pois o local não oferecia segurança para monitor e crianças. A comunidade não gosta de comentar o caso com medo da violência. Quem comenta fica indignado com a falta de segurança e a falta de um projeto para estudantes da escola e da região. Maria das Graças, 55 anos, é mãe de um aluno da escola e diz que o filho gosta do esporte e não tem local que ofereça aulas gratuitas. “A escolinha mais próxima é em Joinville, mas não posso pagar transporte três vezes por semana”, lamenta. A dona de casa espera que a segurança na escola seja constante para que os alunos, professores e comunidades não sejam Lucas Rosniak teve uma boa participação e atuou em todas as partidas pela seleção brasileira no campeonato Sul-Americano de 2011 prejudicados novamente.
Da zona sul da cidade para a seleção brasileira sub-15
O objetivo do projeto foi além do que todos esperavam. Lucas Rosniak, 15 anos, iniciou treinos na unidade do bairro Itinga, foi para a base do time principal e recebeu a convocação do técnico Ricardo Oliveira para integrar a seleção brasileira sub-15. As conquistas já entraram para o currículo esportivo de Lucas. No mês passado, ele e a equipe brasileira conquistaram o vice-campeonato Sul-americano, em Assunção, no Paraguai. O título ficou com a seleção da Argentina. Convocações como a de Lucas anima ainda mais os envolvidos no projeto. Para o coordenador Annibal, é uma sensação de realização e mostra que o trabalho da equipe está no caminho certo. Já para o monitor Alcides, a felicidade é muito grande, pois mostra que o trabalho é bem realizado e proporciona aos alunos conhecerem novos lugares e trocar experiências. “Os atletas da categoria de base são, 70%, de escolinhas espalhadas pela cidade. Isso é muito gratificante”. (DP)
“
Vestir a camisa da seleção brasileira dá bastante motivação pra seguir a carreira. LUCAS ROSNIAK atleta
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Educação
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Diagramação e edição de Ariane Pereira
MUNDO AFORA
Uma vida inteira em alguns meses
Famílias que receberam estrangeiros relatam que intercâmbio é mais do que experiência profissional
V
iver em um país diferente é uma experiência muito valorizada, principalmente profissionalmente. Mas quando jovens entre 14 e 18 anos se reúnem para realizar esse sonho, na realidade estão pensando nas experiências pessoais que vão viver. Famílias diferentes, línguas diferentes e pessoas que nunca pensaram em conhecer. Antes de qualquer coisa, fazer intercâmbio é um desafio pessoal. Euforia, hormônios à flor da
pele e a saudade antecipada são alguns dos sintomas dos adolescentes que estão de malas prontas. Como o ano letivo dos outros países inicia em julho, a maioria deles viaja na metade do ano para encontrar seus novos “pais”. Conforme a agência que escolhem para o suporte, os intercambistas podem passar de seis meses a um ano em apenas uma casa, ou em até três famílias diferentes. O acompanhamento é de perto, já que as agências possuem padrinhos e conselheiros com quem os viajantes podem conversar caso
haja algum problema ou dúvida. Mas para chegar até esse ponto os aspirantes à intercambistas têm que fazer provas, participar de eventos e ter certeza das escolhas que fazem. Os países preferidos na escolha dos que viajam são os Estados Unidos e alguns do continente europeu, onde é fácil transitar de trem para nações vizinhas. Entretanto, ainda há quem faça escolhas diferentes. Gabriela Taquegami, estudante de 15 anos, foi a segunda colocada no teste de aptidão para escolha do país que
viajaria, e mesmo assim, preferiu a América do Norte. Ela embarca para o Canadá em julho. Gabriela sempre quis fazer intercâmbio. Rla conheceu mais sobre os programas, conversou com amigos que fizeram e decidiu arriscar. “Eu decidi fazer pelas experiências que posso ter, pelos amigos e por várias coisas boas que podem acontecer”, diz. Outra pessoa que optou por viajar para o Canadá é a estudante de 16 anos, Christine Amador. Em casa, Christine sempre foi incentivada a fazer intercâmbio,
mas foi porque a irmã mais velha elogiou a experiência que ela resolveu viajar. Canadá não era sua primeira opção.,Ela queria ir à Itália ou à França por causa do idioma.,Como não havia essa opção e os pais disseram para escolher um país diferente do que o da irmã (que tinha viajado à Holanda), ela decidiu ir ao Canadá. No topo da lista de expectativas de Christine está a independência: “Lá eu vou ter que me virar sozinha e isso é muito legal”. Emanoele girardi mani.girardi@gmail.com
Adolescente da Finlândia mudou a vida da família
Joaquim e Leda Guedes mas: alemão, sueco, inglês, resolveram, em 2007, receber francês, e finlandês. Para que uma estudante de intercâmbio. ela aprendesse o português, O casal queria que sua filha, Vi- a matriarca da família, com viane, viajasse no outro ano, no quem Sara passava a maior mesmo tipo de programa e por parte do tempo, teve a ideia isso resolveram ter essa experi- de colar os nomes nos objetos. ência. Eles queriam saber como “Nos primeiros dias eu aponfuncionava e ter uma ideia de tava para as coisas e falava o como ela seria tratada futura- que era, depois ela foi aprenmente. Então, em agosto da- dendo”, afirma Leda. quele ano escolheram por acoA finlandesa teve várias lher a finlandesa Tia Sara (que mudanças em sua vida. Mudou em português significa Maria hábitos alimentares, de higieSara), de 15 anos. O pai lembra ne, e até os sapatos que usao que chamou atenção na hora va. Como vivia muito sozinha, da escolha: a fotografia. ela gostava de ficar no silênSara contava que no seu cio, lendo. Mas depois de um país o relacionamento com tempo se adaptou ao “jeitinho a família não é tão próximo brasileiro”. como no Brasil. Uma das caA família adotou Sara como racterísticas da Finlândia é filha, até quando a bronca era que se você completa 18 anos, necessária. No final de um ano pode sair de casa, mas aos 20, ela voltou pra casa, e uma das isso é uma obrigação. Por isso, maiores tristezas da despedida, nos primeiros dias ela manti- era a falta que sentiaria do sol nha distância da família, como – A Finlândia fica próxima ao no seu país, mantinha uma Ártico e o sol quase não apabarreira de intimirece no país. Até dade. Depois de hoje eles mantêm um tempo, pascontato, e Sara já AMOR sou até a sentir e veio ao Brasil viA família Guedes a gerar ciúmes, já sitar a família duas adotou Sara como se sentia parte da vezes. No final do filha, até quando família. “A Viviaano que voltou a bronca era ne dizia ‘ele é meu para casa, a mãe pai’ e ela dizia ‘eu da estudante pernecessária vim de longe, mas guntou o que ela é meu pai tamgostaria de ganhar bém’”, conta Joaquim. de natal, “ela disse que queria Outra mudança na vida de ver o pai e a mãe no Brasil”, Sara foi o novo idioma que lembra Joaquim. aprendeu. Quando chegou ao A experiência deu certo. No Brasil, ela falava cinco idio- mesmo ano que Sara voltava
aRQUIVO ´PESSOAL
Joaquim, Leda e a filha Viviane resolveram receber a intercambista finlandesa Sara (à direita) para saber como era a experiência
para a Finlândia, a filha do casal embarcava para passar um ano na Hungria. A mãe recorda o dia da viagem de Viviane e o que sentiu. “Eles se reúnem por países e cada vez um é chamado. Quando gritaram ‘Hungria’, e eu vi ela entrando no corredor que não tinha mais volta....dá um desespero. Chorei muito naquele dia.” Viviane viajou aos 17 anos e nove meses de idade. Ela queria ir para a Itália, mas o país não permite a entrada de intercambistas com mais de 17 anos e seis meses. Por isso, teve que optar por outro país
e escolheu a Hungria por ficar no centro da Europa. A vantagem disso foi que entre 2008 e 2009, a estudante conheceu a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Eslováquia, a Alemanha, a Áustria, a Polônia e a Romênia. A comunicação com a família húngura não foi tão fácil. No começo era por intermédio dos irmãos que falavam inglês, mas logo Viviane aprendeu a nova língua. Quase dois anos depois, Viviane fez uma homenagem à língua e às lembranças da viagem, tatuou a palavra “’Szabadság’ – liber-
dade, em húngaro”, explica. Viviane ainda mantém contato com a família estrangeira e, mais do que isso, envolveuse com o sistema de intercâmbios. Hoje ela desempenha o papel de conselheira, no Brasil. Então, quando algum estudante que vem de fora precisa de um suporte ou assistência, é ela quem ajuda a resolver. Para o pai da estudante a experiência foi gratificante: “Vale muito a pena, só de saber que pudemos proporcionar uma viagem para nossa filha conhecer lugares que nós nunca sonhamos em ir, é muito bom”.
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Diagramação e edição de Ariane Pereira aRQUIVO PESSOAL
Sempre cabe mais um no coração
Camilla (à esquerda) e a irmã, Mariana, receberam a visita dos pais na Austrália. A família viajou junta pela Tailândia, Nova Zelândia e Indonésia
A saudade não resistiu às muitas milhas de distância A saudade é um dos sentimentos mais doloridos quando alguém está longe. E foi justamente por ela que Camilla Carolina Sdrigotti foi para a Austrália. A irmã mais velha de Camilla, Mariana, morava no país há um ano e, como as duas são muito unidas, a distância e o contato dificultado pelas 13 horas de diferença de fuso horário as deixava muito tristes. Então, elas decidiram passar por aquela experiência juntas. Mariana trabalhou e juntou dinheiro para conseguir levar a irmã junto a ela. Os pais de Camilla só tiveram que arcar com o passaporte. Camilla lembra que a decisão de viajar aconteceu muito rápido. Num dia, elas se falavam por
telefone e no outro ela já estava acertando questões como o visto e o passaporte. “Nem pensei duas vezes quando ela me perguntou se eu queria morar lá”. Ela tinha 18 anos quando viajou para Sydney, na Austrália, em março de 2009. Como nem tudo são flores, Camilla também tinha uma rotina a cumprir. Ela estudava de segunda à sexta-feira, das 8 da manhã às 14 horas. Às segundas, quartas e sextas, começava o trabalho numa pizzaria às quatro da tarde e só saía de lá às 22 horas. Todas as quintas, trabalhava em uma casa durante duas horas e às terças, em outra casa, por mais três horas. Alguns sábados também eram destinados ao trabalho, mas Ca-
milla não se queixava, pois tinha flexibilidade no horário e outra atividade recompensadora na rotina: “Gostava de frequentar as praias com amigos ou mesmo sozinha. O litoral lembra muito Santa Catarina.” Camilla tinha o desejo de conhecer outro país e outra cultura, mas confessa que pensava ser muito mais difícil do que realmente foi. “Aprendi muito sobre mim, foi uma boa lição de autoconhecimento. Tive que aprender a lavar minhas roupas e me programar para trabalhar o suficiente para pagar tudo em dia. Além disso, aprendi a ajudar mais as pessoas, pois nem sempre sabemos o que se passa com elas e, coisas pequenas fazem, sim, a diferença”, conta.
Eles têm um quarto cheio de lembranças e uma família cada vez maior. Desde 2006, Edite e Lauro Petry já receberam seis intercambistas. Na casa, conservam um cômodo cheio de presentes típicos de países diferentes e fotos de seus “filhos” estrangeiros. A motivação para acolher os estudantes veio do desejo da filha mais velha, Joice, de fazer intercâmbio. Quem veio primeiro à casa da família Petry foi a alemã Sophia Vedava, em 2006, quando tinha 16 anos. Edite brinca que ela era “uma adolescente rebelde”, pois teve uma adaptação um pouco mais complicada. Em 2008, a família recebeu outros dois intercambistas: o estadunidense, Andrew Snyder e o mexicano, Enrique del Castillo Guijosa. Edite e Lauro foram a primeira família de Enrique no Brasil, das três pelas quais ele passaria e, apesar de se comunicarem em espanhol, a mãe confessa que não era tão fácil de entender, ao menos no começo. Em 2010, o australiano Damien Mathews passou um tempo com eles. Mesmo depois de anos, a família continua em contato, principalmente com Enrique e Damien, a quem mais se apegaram. O australiano, Damien, está até tentando voltar ao Brasil e cursar Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na passagem entre 2010 a 2011, Edite conheceu duas
colombianas, já formadas, que faziam intercâmbio social, e acabou adotando-as nas férias. Ela lembra que as estudantes falavam sempre “por que a gente não te conheceu antes, mãe?”, já que voltariam à Colômbia logo após as férias. Para Edite, receber os estudantes é uma experiência muito boa, não só por conhecer novas pessoas, mas também conhecer novas culturas. Os laços que se criam são de uma verdadeira família: “É muito triste quando eles vão embora. Parece que é um filho da gente que está indo”, comenta. A família Petry também viveu o outro lado da história: a filha mais nova, Jéssica, viajou em 2008 para a Holanda, e Joice foi para o Zimbábue, em 2007. Joice decidiu morar por um ano em um país da África por uma série de fatores. Ela embarcou no dia que completou 18 anos e são poucos os países que aceitam intercambistas com mais de 17 anos. Além disso, quando estava no ensino médio, estudou com um menino do Zimbábue, que a incentivou na escolha. “A gente ficava meses sem falar com a Joice”, conta Edite. A comunicação era complicada por conta dos horários e pelas dificuldades do país, que em 2007 sofria com a ditadura e com uma economia estagnada. Edite reforça que foi uma fase difícil, mas mesmo assim, houve muito aprendizado.
Canadá incentiva estudantes a fazer intercâmbio Elise Landriault-Dupont. O nome é francês, mas a estudante é do Canadá, mais precisamente da cidade de Gatineau, em Quebec. A jovem veio ao Brasil para pesquisar e conhecer na prática o tema de sua tese de mestrado. Elise cursa, no Canadá, Sociologia sobre Desenvolvimento Regional, e seu trabalho é sobre as práticas modernas da Teologia da Libertação. Apesar de adorar o Brasil, ela confessa que o país não era a primeira opção. “Eu não queria vir pra cá, por causa da língua. Mas a minha orientadora conhece muitas pessoas aqui, disse que seria mais fácil e me convenceu que uma língua se
aprende.” Antes disso, a estudante cogitou ir à Guatemala ou ao México, entretanto, a sua curiosidade sobre o desenvolvimento do Brasil foi maior. Em julho de 2010, Elise veio ao país conhecer o campo de pesquisa. Primeiro, viajou ao Rio de Janeiro e depois veio a Joinville, por meio de contatos da orientadora e de uma amiga joinvilense que estudava francês no Canadá. “Foi muito bom, eu tive uma luz de poder vir duas vezes ao mesmo país, porque é bom ter essa visão antes e depois para a pesquisa”, comenta. A estudante também fala da diferença entre as duas viagens: “Uma foi mais leve,
como férias.. Agora tem mais responsabilidades”. A estudante chegou ao Brasil pela segunda vez em 24 de fevereiro, em São Paulo. Depois foi ao Rio de Janeiro e em 11 de março chegou à cidade das flores, onde ficou até maio. Durante o tempo que passou em Joinville, Elise teve a oportunidade de viajar com amigos para outras cidades, como Blumenau, Florianópolis e Porto Alegre. Em junho, ela ainda viaja pelo Rio de Janeiro e Nordeste e depois retorna ao Canadá. A viagem de Elise foi paga por uma bolsa de estudos, concedida pelo governol do Canadá.. Só o que precisou fazer foi
ter o projeto aprovado e uma instituição responsável, que desse suporte à estudante na viagem. A pesquisadora ressalta que o Canadá oferece muitas oportunidades de realizar intercâmbios. Dentre os lugares que conheceu estão Índia, Bangladesh, Tailândia, Tibete, Romênia, França e até Cuba. Algumas viagens foram só a passeio, mas Elise teve a oportunidade de participar de um programa no Quebec que a levou a morar seis meses na Índia. Ela passou três meses no Tibete, viveu com uma típica família e conheceu a cultura, e outros três meses em Bangladesh, trabalhando em uma casa que acolhe crianças carentes.
eMANOELE GIRARDI
Elise já tinha experiência em intercâmbios
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Educação
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
Diagramação e edição de Ariane Pereira Augusta Gern
ENSINO SUPERIOR
O vai e vem dos estudantes de Itapoá rumo à graduação
Acadêmicos viajam diariamente para realizar sonhos e conquistar o diploma
T
odas as manhãs o despertador toca, pontualmente, às 6h30. É o sinal de que mais um dia começou. É hora de Janaína Brehmer levantar, acordar a filha de dois anos e levá-la até a creche. Às 8 horas, ela já está no local de trabalho, onde é estagiária. O tempo é curto. Às 16h30, ela tem que estar pronta para outra tarefa. O ônibus passa na esquina da sua casa para levá-la a realizar o sonho da família: tornarse farmacêutica. É neste ritmo, onde os dias ficam mais curtos, que Janaína, de 21 anos, e mais 244 alunos, vivem diariamente. O desejo de realizar um sonho, de capacitarse para um bom emprego ou de simplesmente fazer um curso superior faz com que cerca de 1,5% dos moradores de Itapoá se desloquem para outras cidades, em um vai e vem que, em alguns casos, toma quase oito horas dos seus dias. Ao todo, os estudantes preenchem cinco ônibus: um para os que estudam durante a manhã em Joinville, três para os que vão à noite, e um para Guaratuba, no Paraná. Janaína está no primeiro ano do curso de farmácia na Universidade da região de Joinville (Univille). Este é o mesmo roteiro de outros 108 acadêmicos, que ficam na primeira parada do ônibus. Mas os estudantes da cidade litorânea também estão presentes em outras dez instituições, como a Sociedade Educacional de Santa Catarina (Sociesc), a Anhanguera e a Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc. Outros 27 estudam no Instituto Superior
de Ensino, Pesquisa e Extensão (Isepe), em Guaratuba. Os cursos também são variados. Há mais de 40 distribuídos nos bancos dos ônibus. Como Janaína, mais nove alunos estudam farmácia. “O campo de trabalho é muito grande, vai muito além do balcão de uma farmácia”, afirma a estudante. Conforme ela, com a instalação do porto privado na cidade, a área de trabalho irá ampliar ainda mais. No entanto, os cursos mais procurados são as engenharias, com 33 alunos; direito, com 31 e administração, com 23. As aulas do curso de farmácia terminam às 22h30, mas Janaína só chega em casa na primeira meia hora do outro dia. Há estudantes que moram em localidades mais afastadas de Itapoá e chegam só depois da uma hora da madrugada. Os que estudam pela manhã saem da cidade litorânea por volta das 5h30 e retornam pela tarde, por volta das 14 horas. Algumas pessoas aproveitam o tempo para estudar, outras passam o tempo assistindo filmes ou ouvindo músicas, mas a maioria dorme. E assim os bancos se tornam camas e, muitas vezes, o único barulho é o motor do ônibus. Mudança Todos os dados apresentados foram levantados até a primeira semana de junho. No final do mês, o número de alunos diminuiu e a Prefeitura reduziu o número de ônibus, porém a rotina dos estudantes continua a mesma. Augusta Gern augustagern@gmail.com
Todos os dias, Janaína Brehmer entra no ônibus às 16h40 e passa quase oito horas longe de sua filha para tornar-se farmacêutica
Prefeitura investe na profissionalização da cidade A viagem diária é cansativa, mas a vantagem é que os alunos não têm custo algum com o transporte. Os cinco ônibus são cedidos gratuitamente pela Prefeitura da cidade. Enquanto moradores de Joinville gastam cerca de cinco reais por dia e muitas vezes precisam encarar ônibus lotados e sem lugar para sentar, os estudantes da praia de Itapoá podem descansar e chegar na porta da faculdade de graça. Além disso, a Prefeitura também oferece um ônibus aos sábados pela manhã, para os alunos que comprovarem a necessidade do uso. Conforme a secretária municipal de Educação, Valci Terezinha de Souza, o ônibus é uma oportunidade para a profissionalização e desenvolvimento da população. Na cidade só existe um pólo de faculdade à distância, que oferece poucos cursos. O transporte universitário existe na cidade há mais de 15 anos e já sofreu muitas alterações. Há alguns anos, cobravase R$ 50 de cada aluno por mês, mas segundo o prefeito Ervino Sperandio, a cobrança deixou de ser realizada pela baixa renda de muitos estudantes. “Como os alunos passam horas fora de casa e muitas vezes saem direto do trabalho para estudar, não
têm tempo para jantar em casa. Assim, este valor pode ajudá-los no lanche”, afirma. Para oferecer o transporte, a Prefeitura adquiriu um ônibus e tem contrato com uma empresa privada. O ônibus da prefeitura realiza viagens diárias à Joinville pela manhã, inclusive aos sábados. Durante a noite, os ônibus são da empresa ganhadora do processo de licitação n° 22/2011. O valor acordado com a empresa é de R$ 2,80 por km rodado para o ônibus que vai à Joinville. Esse percurso, de Itapoá até as faculdades, resulta em cerca de 220 km por dia. Já no caso do ônibus que vai à Guaratuba, o valor é de R$ 3,56. Até a cidade paranaense o percurso é de 120 km. Com isso, a Prefeitura gasta R$ 2.275,20 por dia. Considerando que o mês tenha 22 dias letivos, o valor mensal ultrapassa R$ 50.000,00. Por causa do investimento, Ervino afirma que sofre pressão dos outros prefeitos da região, pois Itapoá é a única cidade que oferece o transporte de graça. “O nosso ônibus passa por Garuva e tem um percurso de 55 km a mais, só que lá os alunos pagam”, diz o prefeito. Conforme uma pesquisa realizada com 63 estudantes pela
reportagem do Primeira Pauta, o ônibus é essencial para o desenvolvimento profissional da cidade. Se o transporte não fosse gratuito, 65% não teriam condições financeiras de estudar. Além disso, sem o ônibus, 47% dos alunos mudariam de cidade.
QUALIDADE Segundo o contrato com a Prefeitura, a empresa vencedora da licitação tem que oferecer aos universitários ônibus rodoviários com no mínimo 46 lugares, poltronas reclináveis e em bom estado de conservação. Também deve respeitar a resolução n° 05/2004 do Departamento de Transportes e Terminais (Deter), que determina o pagamento de seguro contra terceiros. Mas, alguns ônibus possuem bancos quebrados, são barulhentos e até molham um pouco dentro quando chove. Porém, a pesquisa aponta que 70% dos alunos consideram o transporte bom. “Problemas existem em todo lugar, não podemos reclamar, ele é gratuito e atende às nossas necessidades”, fala Alexandre Fávaro de Souza, estudante do último semestre do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistema.
Educação
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
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Diagramação e edição de Ariane Pereira
Mais de uma década Embarque e desembaque são com a mesma rota controlados por carteirinhas Com mais de 15 anos, a história do ônibus universitário ultrapassa os bancos, janelas e até pneus. O primeiro ônibus começou a rodar em 1995, e na época, o número de alunos não passava de 20. “Apenas três alunos cursavam o ensino superior, o resto fazia cursinho pré-vestibular”, conta João Garcia de Souza, um dos primeiros universitários do ônibus, formado em História em 1999. Na época, não havia estudantes em todas as localidades da cidade, mas a viagem demorava o mesmo tempo, pois a estrada era de chão e muitas vezes com estado precário. Em Joinville, o roteiro também não era o mesmo, só passava no centro. “Nós parávamos no terminal de ônibus e tínhamos que pegar um circular até a Univille”, diz João. Segundo José Air Pinheiro Cunha, primeiro motorista do ônibus, nesse período, alguns alunos de Garuva também utilizaram o transporte gratuito. “Pelo baixo número de alunos, a prefeitura da cidade acertou uma parceria com Garuva, e assim alguns alunos da cidade vizinha também embarcavam no ônibus”, relata. Em maio de 1996, uma tragédia quase provocou a desis-
tência de muitos alunos. Um acidente com o ônibus e um caminhão na divisa dos estados de Santa Catarina e Paraná causou a morte de uma passageira. De acordo com João, o caminhão, desordenado, bateu no lado do ônibus e seguiu arrastando pela lateral. “Só ouvimos o barulho dos vidros quebrando, e o caminhão não parou”, conta. Segundo ele, o episódio foi muito traumático e vários alunos pensaram em desistir. Contudo, no ano seguinte o número de alunos quase dobrou, o que vem acontecendo até hoje. Em 1997, por problemas financeiros, a prefeitura acordou com os alunos uma mensalidade de R$50. Porém, a inadimplência era alta e não se tinha um controle efetivo dos alunos pagantes. Isso durou até 2001, quando a nova gestão tornou o ônibus gratuito. A cada ano o número de alunos aumenta: hoje são 245. Com mais de 15 anos de história, o ônibus universitário não apenas transporta os estudantes, mas também reúne amigos e amores e até ajuda a organizar festas. Apesar do cansaço da viagem, depois de formadas, algumas pessoas até sentem saudades.
Augusta Gern
Mãos no volante Mais do que os alunos, os cinco motoristas são grandes personagens da história. São eles que percorrem quilômetro por quilômetro, do primeiro ao último aluno e em todas as faculdades. Responsáveis por chegar a tempo e com segurança, buscam e inventam atalhos para fugir dos acidentes da BR e
do movimento joinvilense. Para eles, a viagem leva mais tempo: só descansam depois de deixar todos os alunos em casa, quando organizam e fecham todo o ônibus. “É cansativo, mas vale a pena, nós criamos laços de amizade com os alunos”, relata Adriano Caldeira, motorista do ônibus universitário há três anos.
O transporte é disponibilizado para estudantes do ensino superior regular, à distância e funcionários da prefeitura, que fazem pós-graduação ou outros cursos. Para embarcar no ônibus, os alunos devem apresentar diariamente a carterinha, confeccionada pela Secretaria Municipal
de Educação, que possui os dados pessoais e uma foto do estudante. Sem o documento, o aluno é proibido de viajar. Todos os anos, a Secretaria abre um período de inscrição ou renovação dos documentos e os alunos devem pagar uma taxa de R$12. Mas não é fácil fazer o
controle de todos os alunos. Conforme Roseli Pinheiro, responsável pelo ônibus universitário na Secretaria de Educação, muitos alunos desistem do curso e não avisam. Assim, periodicamente, a secretaria tem realizado chamadas nos ônibus, o que diminuiu um veículo no último mês. Augusta Gern
Como os outros 244 alunos, Jonatha Aguiar sempre carrega a carteirinha na mochila para garantir o embarque e não perder as aulas
Profissões tradicionais são as mais procuradas pelos alunos Itapoá tem apenas 22 anos, mas cresce em um ritmo acelerado e se desenvolve em todas as áreas. Em virtude disso, a pesquisa realizada pela reportagem do Primeira Pauta aponta que 49% dos acadêmicos pretende continuar morando na cidade depois de formado. Mas haverá emprego para todos? Apesar de haver mais de 40 cursos diferentes feitos pelos estudantes dos ônibus, a preferência é clara: atualmente, 33 cursam Engenharia e 31, Direito. A advogada Vera Lúcia Eggert da Maia, formada em 2007, acredita que estudantes de Direito terão, a cada dia, uma maior área de atuação em Itapoá. Para ela, esta é uma das profissões mais promissoras, principalmente na área comercial e empresarial. Ela explica
que, com mais pessoas e empresas, a tendência é que as discussões judiciais se multipliquem. Já o procurador jurídico do poder executivo municipal, Marlon Roberto Neuber, não tem a mesma expectativa. Para ele, a área de trabalho aumentará, mas não o suficiente para o número de acadêmicos. Marlon foi o primeiro estudante de Direito que utilizou o ônibus universitário. “Quando entrei, em 1997, só havia uma faculdade de Direito em Joinville e eu era o único estudante de Itapoá que fazia o curso”, recorda. Para os acadêmicos de exatas, a área de trabalho parece mais garantida. “Itapoá ainda tem muitas áreas verdes e terras desocupadas, há espaço para todo mundo”, afirma o engenheiro Neuson Harres e
Pires Godoy. Segundo ele, profissional da área há 26 anos, o porto também possibilitará mais trabalho aos engenheiros, principalmente de forma indireta. E isso já está acontecendo: Lucas Fernandes Henk, aluno de Engenharia Civil, já trabalha na área e a cada dia tem menos tempo para o lazer. Lucas trabalha no escritório de engenharia da família, que presta serviço para empresas que vieram junto com o porto. “A cidade irá crescer muito, o porto não vem sozinho, traz vários empreendimentos junto”, acredita. Mas, mesmo com todas as expectativas, até o fechamento desta matéria, o departamento de Recursos Humanos do Porto Itapoá não divulgou quais são as probabilidades de contratar profissionais das duas áreas.
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Educação
Joinville - Junho 2011 PRIMEIRA PAUTA
Diagramação de Lucio Baggio | Edição de Ariane Souza Pereira
O “caminho da roça” toma mais tempo que os estudos
Todos os dias, saem de Itapoá cinco ônibus com universitários, mas a rota mais movimentada é a dos acadêmicos do período noturno de Joinville. O percurso tem cerca de 80 km, o que de carro pode-se fazer em uma hora. Porém, como os ônibus precisam passar em muitos lugares de Itapoá e são várias as instituições de ensino em Joinville, os veículos saem dos pontos de partida às 16h30 e só retornam na primeira meia hora do outro dia. Para facilitar o percurso existe um esquema e organização. Cada ônibus sai de um ponto de Itapoá: o ponto de partida do veículo n° 1 é o Balneário Pontal, o do n° 2 é Itapoá (centro) e o n° 3 sai do Balneário Barra do Saí. Após pegar os alunos do caminho, os três ônibus se encontram na entrada da cidade. Lá os estudantes trocam de veículo, saem do ônibus que vem de sua localidade e vão para o que faz a rota da sua faculdade. O mesmo acontece na volta. Os três ônibus, após buscar os alunos de todas as instituições, se encontram e novamente os alunos fazem a troca: vão para o ônibus que passa mais perto de sua casa. Mesmo com a organização, os alunos passam mais tempo nos ônibus do que na faculdade. Este ritmo, onde cerca de sete horas diárias são dedicadas aos estudos, já se tornou costume e, a paisagem do percurso, rotineira.
Barra do Saí
3
PR-412
SC-412
BR-101
Itapoá 2 Pontal
1 Joinville
de a d l u c a F r o p al de alunos
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14
19,18
16
6,94
80
Transporte é aprovado pelos estudantes Por que escolheu o curso? Campo de trabalho.........................................30,16% Gosto / tem vontade / afinidade....................63,49% Já trabalhava na área........................................6,35%
Depois de formado, você pretende continuar morando em Itapoá? Por quê? S im, pois Itapoá está em fase de desenvolvimento................................49,21% D epende do crescimento e desenvolvimento da cidade.........................23,81% Não, porque não há área profissional.............22,22%
O que você acha do transporte universitário oferecido? Bom.................................................................76,19%
Se o transporte não fosse gratuito,o que você faria?
Se o transporte não fosse gratuito, você teria condições financeiras de fazer faculdade?
Razoável..........................................................20,63%
Mudaria de cidade..........................................47,62%
Ruim..................................................................3,17%
Pagaria o transporte........................................15,87% Depende do valor do transporte.....................19,05% Não faria mais faculdade................................17,46%
Não..................................................................65,08% Sim...................................................................22,22% Talvez...............................................................12,70%
Não, por motivos pessoais................................4,76%
A pesquisa foi realizada nos meses de abril e maio deste ano, com 63 estudantes