Adriana Bestle Turrin
O NOVO MAC-USP problemáticas da transição para a nova sede Ilustração da capa: Prof. Dr. Fábio Mariz Gonçalves
Adriana Bestle Turrin
O NOVO MAC-USP problemáticas da transição para a nova sede
Trabalho Final de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo
Orientadora: Profa. Dra. Vera Maria Pallamin São Paulo, 2012.
Introdução
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Para meus pais.
Agradecimentos
a Vera Pallamin pela orientação sempre atenciosa e pelo estímulo à realização deste trabalho. aos professores da FAU-USP, Rodrigo Queiroz e Fábio Mariz Gonçalves, pela orientação, pelas conversas e pelo material cedido. a Gabriel Borba pelo interesse, pela ajuda, pelas informações e ideias compartilhadas, pelo material cedido; a Tadeu Chiarelli, Ana Farinha e Cristina Freire pela atenção. a Zeuler Lima, pela atenção e pela sugestão de organização que fez o texto começar. ao professor José Borelli Neto e ao arquiteto Marcos Oliveira Costa pelo compartilhamento de sua produção. aos queridos amigos Lia, Francesco e Letícia pela ajuda e pela presença constante; a Andressa pela discussão e troca de ideias sobre o tema deste trabalho; aos demais amigos da FAUUSP pela companhia nos últimos meses, pelas ideias trocadas, pelo suporte, pela motivação, pelo aprendizado e os bons momentos. ao “fôlei FAU”, minha segunda família, fonte de amizades queridas e aprendizado, durante todos os anos da graduação. a minha família, pela compreensão quando das minhas ausências; a meus pais, Marcelo e Edy, pela minha educação. ao meu querido Fernando, por tudo.
Sumário INTRODUÇÃO
10 Tema e motivação do trabalho 10 Organização do trabalho 14 Nota sobre a não ocupação da nova sede. 16
CAPÍTULO 1 18
Sobre as transformações no âmbito museal 19 O consumo do Museu Urbano 20
As transformações urbanas ligadas à inserção do museu e o museu didático 24 Sobre as transformações no espaço expositivo 25
A Cultura e os Museus na cidade de São Paulo 28 Museus de Arte no contexto urbano paulistano 36 Sobre o MASP 37 Sobre o MuBE 39
CAPÍTULO 2 44
Origens e características do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo 45 O primeiro espaço ocupado pelo MAC-USP 48 O museu, a universidade e o governo – os embates políticos, burocráticos e seus reflexos na construção do museu. 53 Sobre a Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira 55 O projeto de Paulo Mendes da Rocha e Jorge Wilheim para o MAC-USP 59 O projeto de Carlos Lemos para o MAC-USP 62 O “Maquinho” ou MAC-Anexo 71 A primeira tentativa de sair do campus: o MAC de Bernard Tschumi 72 Considerações 73
CAPÍTULO 3 78
O projeto do Parque Ibirapuera, seu significado e a inserção do MAC-USP na região 81 Projetos para a nova sede: o escritório de Oscar Niemeyer 87 Descrição do projeto 90 Projetos para a nova sede: Simétrica, Borelli e Merigo, Base 7 97 Descrição do Projeto 118 Condições atuais da inserção urbana da nova sede 128
CAPÍTULO 4 136 A adaptação do Palácio da Agricultura - considerações sobre a preservação do patrimônio arquitetônico 140 A adaptação do Palácio da Agricultura: considerações sobre o uso como museu 145 Sobre os espaços expositivos da nova sede 147 Sobre as instalações técnicas da nova sede 150 Sobre os projetos museográficos para a ocupação da nova sede 150 Sobe o destino dos demais espaços ocupados pelo MAC-USP 157
CONSIDERAÇÕES FINAIS 160 ANEXOS 164 BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO Tema e motivação do trabalho
A escolha do tema para o meu trabalho final de graduação foi pautada na vontade de entender as implicações decorrentes da mudança da sede do MAC-USP para o Palácio da Agricultura no Ibirapuera. São muitas as questões que esta transição suscita, e de naturezas variadas, de forma que é possível abranger uma série de campos de estudo diferentes, todos eles intrinsecamente relacionados com os assuntos abordados ao longo do curso da FAUUSP. Tratase do maior museu de arte contemporânea da América Latina, pioneiro no Brasil, pertencente à maior universidade do país e que comemora seus 50 anos de existência durante uma mudança física para o mais importante complexo arquitetônico modernista da cidade de São Paulo. É, sem dúvida, uma oportunidade de compreensão e revisão de aspectos importantes relacionados à arte, à arquitetura, ao desenho urbano e também à própria universidade. A cultura e a arte como entretenimento têm adquirido importância nas últimas décadas, com expressividade variando de país para país, mas pode-se notar o crescimento desse tipo de atividade em todos os continentes, especialmente em associação com o turismo. Algumas instituições museológicas/expositivas participam ativamente da economia das cidades onde estão localizadas e atraem, consequentemente, uma crescente atenção por parte dos governos locais e de outras instituições privadas, atenção que se traduz na criação de leis de incentivo fiscal à cultura e às artes, patrocínios de grandes corporações, parcerias, etc. O crescimento das atividades culturais também afeta o campo da arquitetura, pois surgem a todo momento novos centros culturais, novas galerias de arte, novas casas de espetáculo e novos museus, que requerem espaços, novos ou adaptados, para expansão das suas instalações, do seu acervo e de suas atividades; a arquitetura desempenha um papel muito importante neste processo, podendo fazer toda a diferença, para o bem ou não, no futuro destas instituições. Além das novas construções, a reabilitação de antigos edifícios e sua adequação ao uso como espaço expositivo/cultural também passou a figurar como uma prática comum, especialmente nos centros históricos das cidades. É possível encontrar muitos exemplos em cidades brasileiras, sobretudo nas capitais dos estados, mas também nos centros de antigas cidades europeias, os museus de arte habitam desde casas modestas até grandes palácios históricos. Os novos equipamentos e também aqueles que reaproveitam antigas estruturas requerem um olhar
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atento quanto à sua inserção nas cidades, onde muitas vezes revelam seu poder de transformação do espaço, e mais do que isso, sua capacidade de produção de espaço urbano de qualidade. Os museus têm provado, ao longo das últimas décadas, sua qualidade especial na transformação da dinâmica social e urbana no espaço onde se inserem, mas nem por isso é justificável acreditar que a simples existência de uma instituição museológica em determinado local possa, sozinha, garantir a transformação do espaço existente ou a produção de novos espaços urbanos. Outros elementos devem ser considerados e devidamente estudados anteriormente à implantação de um museu, sem os quais torna-se difícil não só a reabilitação da região como também o bom funcionamento da instituição. O MAC-USP encontra-se atualmente desmembrado, ocupando três espaços distintos: uma pequena sede e um edifício-galpão anexo, ambos na cidade universitária, além de uma parte do terceiro andar do pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera. A nova sede do museu será um espaço adaptado. O museu ocupará o Palácio da Agricultura, edifício que integra o conjunto modernista projetado por Oscar Niemeyer para compor o Parque Ibirapuera na década de 1950. A inserção urbana deste edifício pode ser considerada privilegiada, pois encontra-se em um bairro nobre da cidade, em frente ao parque urbano mais frequentado do município, cujo conjunto arquitetônico é palco de atividades e eventos culturais internacionalmente reconhecidos. No entanto há elementos da atual situação do MAC-USP denunciando que somente a mudança para este local não é suficiente para promover a articulação do museu com estes equipamentos ou com o restante do entorno urbano – o museu já ocupa um espaço no Pavilhão das Indústrias, sede da Bienal de São Paulo, e nem por isso ganhou em visibilidade ou em integração com os demais equipamentos culturais e de lazer da região. Além disso, as mudanças ocorridas no traçado urbano do bairro desde a década de 1950 causaram um desmembramento na articulação física entre o Palácio da Agricultura e os demais edifícios do complexo modernista no interior do parque. Duas avenidas grandes separam o edifício dos demais: a Vinte e Três de Maio, uma via expressa, e a Pedro Álvares Cabral, uma via arterial, que não estavam ainda construídas na época em que o conjunto foi projetado, embora
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a primeira estivesse prevista, mas apenas com uma rua, desde 19301. A construção destas avenidas e o seu posterior alargamento, ocorrido na década de 1970, constituiu uma barreira física violenta à ligação entre o edifício e o parque, e este desarranjo, ao meu ver, é um obstáculo à plena realização das potencialidades da inserção do MAC-USP na região. A ruptura não é apenas física, pois dela derivou um entendimento geral de que o “edifício do Detran” não faz parte do mesmo complexo de edifícios instalados dentro do Parque Ibirapuera. As problemáticas desta configuração urbana não podem ser menosprezadas. Tendo em vista o caráter acadêmico e educativo do museu, que não condiz com a atual onda de exposições ligadas ao crescente mercado da arte como entretenimento, e somado à falta de articulação física adequada e convidativa entre a nova sede e os demais equipamentos culturais da região, é possível que o museu deixe de atrair potenciais visitantes. Afinal, uma das vantagens da saída do museu do “longínquo” campus da USP no Butantã é justamente a reaproximação entre a instituição e a população de São Paulo. É também muito relevante considerar a mudança do ponto de vista da adequação de um edifício moderno, administrativo funcionalista, a um uso diverso daquele ao qual se destinava originalmente, algo talvez inédito na cidade de São Paulo. Trata-se de uma oportunidade de avaliar a relação entre a arquitetura moderna e a arte contemporânea, representada pelas obras pós-modernas e contemporâneas presentes no acervo do MAC-USP2. A consolidação das obras de reforma e a observação dos projetos museográficos para a nova sede poderá servir para um vislumbre do futuro do museu na nova sede, já que o novo espaço possibilitará diferentes arranjos e configurações expositivas. Ao passo que também encerra, pelo menos em teoria, o “nomadismo” e a fragmentação da instituição, a mudança para a nova sede engessa possibilidades de expansão e de grandes transformações físicas no espaço expositivo, considerando o denso tecido urbano em que se insere e a condição de patrimônio tombado do seu edifício. 1. Seria chamada de Rua Itororó, mesmo nome do córrego, atualmente canalizado, que passa por ali. 2. Grande parte deste acervo é composta de pinturas do período moderno, que não necessariamente representam um desafio ou um tensionamento do espaço expositivo; há obras, no entanto, que não encontram lugar apropriado à exposição nos espaços atualmente ocupados pelo museu e, possivelmente, não encontrarão também na nova sede
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O processo também enseja a análise da transformação do edifício sob a ótica da preservação do patrimônio arquitetônico, conforme as diretrizes dos órgãos responsáveis; diversos aspectos devem ser levados em consideração, como a manutenção ou não das características que conferem ao Palácio da Agricultura seu caráter de documentação do modernismo arquitetônico assim como a adequação ou não do projeto de reforma ao seu funcionamento como museu de arte contemporânea. Por se tratar de uma adequação, e não de uma nova construção, não significa que o espaço urbano do entorno não possa ser requalificado neste processo, adquirindo novo significado para a cidade e novo valor simbólico para a população. A motivação para a escolha deste objeto de estudo também tem origem na importância do conhecimento e do usufruto do patrimônio da Universidade de São Paulo. Como aluna, considero importante o conhecimento do seu funcionamento e do seu papel perante a cidade. Do ponto de vista da formação em Arquitetura e Urbanismo, o objeto de estudo tem importância pela multiplicidade e relevância das questões que suscita - no âmbito político, social, urbano, arquitetônico e artístico, e corresponde ao caráter pluralista e variado do ensino na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Organização do trabalho
O trabalho é divido em quatro capítulos. O primeiro, intitulado “Museu: arte | cultura | cidade”, investiga brevemente as transformações dos museus, físicas e institucionais, a partir da segunda metade do século XX até os dias atuais; também aborda a questão da transformação do espaço urbano oriunda da inserção destes equipamentos culturais. Em seguida é feito um estudo da situação atual dos museus da cidade de São Paulo, além de duas breves análises de dois museus paulistanos com propostas relevantes de inserção urbana. O segundo capítulo, “Trajetória (espacial) do MAC-USP”, trata da origem do Museu de Arte Contemporânea da USP, dos enfrentamentos derivados da submissão à universidade, à medida que apresenta os espaços ocupados pelo museu dentro e fora do campus da USP e relata a trajetória do museu até a obtenção da sua nova sede.
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No terceiro capítulo, “Projetos para o novo MAC-USP”, é relatada a origem do processo de transferência do museu para a nova sede, e são apresentadas duas propostas diferentes de adaptação do Palácio da Agricultura: a do escritório de Oscar Niemeyer e a do escritório Borelli & Merigo + BASE 7, em execução atualmente. O quarto capítulo, “A adaptação do edifício ao museu | do museu ao edifício”, introduz na discussão as problemáticas surgidas com o processo de transformação do uso do edifício, assim como as possibilidades e dificuldades encontradas para a acomodação do acervo do museu no novo espaço. O capítulo é encerrado com a apresentação de projetos museográficos para a ocupação da nova sede. Serão apresentados diversos projetos (reforma/reabilitação do edifício, distribuição do acervo, discurso dos projetos expográficos, etc.) e imagens feitas por mim da situação atual dos espaços físicos do museu e do processo de adaptação da nova sede.
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Nota sobre a não ocupação da nova sede
(e como isso influenciará no trabalho)
A transição completa do acervo e do corpo técnico/administrativo do MAC-USP para a nova sede respeitará um ritmo lento intencional, segundo o atual diretor, Tadeu Chiarelli. A previsão e a intenção iniciais eram de que o museu estaria totalmente instalado e funcionando à época do aniversário de 50 anos de sua criação, em abril de 2013. Alguns contratempos neste processo, sobretudo em virtude de questões burocráticas e financeiras envolvendo a Secretaria de Estado da Cultura e a USP, além de questões técnicas da adaptação do edifício e da movimentação do acervo, acabaram causando um grande atraso na mudança, que não se completará antes da finalização imperativa do meu trabalho final de graduação. Por este motivo, e infelizmente, não será possível uma avaliação das condições gerais do museu na sua nova casa - sua esperada e fundamental relação com os demais equipamentos urbanos do entorno, a afluência do público refletindo a atração exercida pelas exposições temporárias e permanentes, as novas/velhas atividades, o sucesso ou insucesso da instituição em se manter na nova (e imponente) sede com os recursos destinados a ela pela política orçamentária da USP, entre outros desafios e panoramas. Poderei somente imaginar como serão, ou como poderiam ser, alguns destes cenários do futuro do museu e colocar alguns dos projetos feitos para esta transição sob a luz dos conceitos discutidos em cada um dos capítulos, sempre com base nas informações coletadas junto aos funcionários do MAC-USP e através de visitas aos locais analisados.
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Foto do Palácio da Agricultura em construção Fonte: Revista Módulo, no1.
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CAPĂ?TULO 1 Museu: arte | cultura | cidade
Sobre as transformações no âmbito museal
Durante a segunda metade do século XX, especialmente a partir da década de 1960, o campo da arte e da arquitetura passou por tensões, questionamentos e reviravoltas, ligados ao processo de “esgotamento” das proposições apresentadas e desenvolvidas pelo movimento moderno. As transformações constantes no campo da arte e, consequentemente, da expografia, e também as transformações da arquitetura e da construção do espaço urbano, estão diretamente relacionadas, ao meu ver, com o impacto das mudanças na identidade cultural na pósmodernidade, oriundas dos processos e forças de interrelação e transformação de alcance global, aos quais se convencionou chamar de globalização. Para Stuart Hall1, a eliminação das fronteiras nacionais e a rápida troca da informações, influências culturais e capital, além de uma série de rupturas no discurso do conhecimento moderno, contribuíram e ainda contribuem com a fragmentação, descentramento ou deslocamento da identidade do indivíduo e, sobretudo, da identidade cultural nacional. Ainda segundo Hall, uma das características mais impactantes da globalização nos sistemas de representação ligados à construção da identidade cultural na sociedade contemporânea é a compressão espaço-tempo no mundo pós-moderno, que altera a percepção das dimensões do espaço, das distâncias entre esses espaços de forma a se sentir que eventos ocorridos a grandes distâncias tem impacto imediato sobre as pessoas e os lugares – a aldeia global. O tempo e o espaço são as coordenadas referenciais básicas da representatividade visual/artística, organizada segundo uma “narrativa com começo, meio e fim”; consequentemente, a alteração da percepção do tempo e do espaço, somada a não linearidade das narrativas, gerou alterações substanciais na produção artística e, por conseguinte, na prática arquitetônica. Se a identidade está profundamente envolvida com os sistemas de representação, algumas características do impacto da globalização sobre o indivíduo - como a desorientação através da perda de referenciais, o primado da efemeridade, da velocidade e da impermanência, a regulação do modo de vida por critérios como 1. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
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desempenho, produtividade e funcionalidade, a exacerbação do consumo de bens e experiências, a superficialidade e a homogeneização, entre outros -, geram impactos igualmente significativos em toda a produção artística. O ponto que interessa ao trabalho, nesta discussão sobre as transformações que deram origem ao mundo pós-moderno e à contemporaneidade, é a questão do papel das instituições culturais, mais especificamente aquelas que assumem características de museus, na formação (ou busca de formação) da identidade cultural - nacional ou não - do indivíduo e da sociedade. O museu urbano contemporâneo pode ser um espaço apropriado para projetar identidades e reificar a memória cultural de uma determinada comunidade ou nação, assim como pode servir como “espaço de deslocamento, um espaço transversal para a ordem transnacional, em territórios que se integram à geografia socioeconômica global”. (REBOLLO, 2004, pag. 71) Também convém estudar seu papel na produção e (re)qualificação do espaço urbano; compreender como as transformações na produção e no pensamento artístico e arquitetônico influenciaram as mudanças ocorridas na arquitetura de museus, observando o processo de mercantilização da cultura, a inserção dos museus no sistema do entretenimento cultural massificado e a crescente importância da discussão sobre essas instituições e seus espaços nas cidades contemporâneas. O consumo do Museu Urbano As instituições museológicas estiveram no centro do redemoinho social, cultural e espacial causado por essas rupturas, já que reuniam na sua constituição geral uma série de elementos que também foram atingidos pelas constantes e turbulentas mudanças deste último século; enquanto ligados diretamente à difusão do conhecimento, os museus tiveram de responder às descobertas e ao avanço da tecnologia e do conhecimento científico humano, que passaram a influenciar também a produção artística e arquitetônica; enquanto ligados à representatividade local/nacional, tiveram de responder às demandas de uma população à qual interessava cada vez mais o campo do entretenimento cultural como opção de lazer, uma população antes pouco frequentadora destes espaços, mas que passara a desejar ver-se representada por essas instituições; enquanto organismos vivos na malha urbana, estavam sujeitos às transformações espaciais operadas no
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tecido das cidades; enquanto espaços físicos destinados à exibição da arte, os museus tiveram de buscar adequação à crescente pluralidade das formas de representação artística além de estarem sujeitos às tensões trazidas com os questionamentos da arte pós-moderna em relação ao papel legitimador e de atribuição de valor à obra artística desempenhado pela instituição museológica. Apesar dos questionamentos e enfrentamentos de algumas correntes da arte pós-moderna e contemporânea, os museus ainda são considerados e entendidos como o espaço da arte por excelência e, por conseguinte, desempenham um papel crucial quanto à formação da memória do fazer artístico – a escolha do que será preservado ou não e, no caso da arte contemporânea, a escolha do que vai ou não ser apresentado ao público e ao campo da arte como tendência e expoente da prática artística, tem o poder de excluir ou incluir determinadas manifestações artísticas no repertório patrimonial, que constará no futuro como documentação histórica sobre o passado de um local, de determinada população. Este papel de instituição legitimadora, desempenhado pelos museus, foi duramente criticado e questionado por diversas correntes artísticas, desde a última metade do século XX. Nas últimas décadas, portanto, os museus de arte, principalmente aqueles dedicados à contemporaneidade, iniciaram uma transformação no modo de atuar perante à arte que alterou seu significado dentro do campo do fazer artístico. As instituições iniciaram um processo de transição, de receptáculos inertes e difusores do conhecimento a instituições participativas da produção dele. No âmbito reservado à museografia e ao programa museológico, apesar dos enfrentamentos surgidos com algumas manifestações artísticas e da revolução corrente no papel dos museus, alguns dos desafios expositivos permanecem os mesmos, desde a década de 1960. Otília Arantes exemplifica alguns dos dilemas mais comuns aos museus de arte: “(...) respeitar o modo original de exposição da obra ou alterá-lo; fazer obras díspares dialogarem ou simplesmente justapô-las; reconstruir a época, incluindo objetos e documentos das atividades que testemunham a vida e o gosto contemporâneo da obra, ou cancelar as referências fazendo brilhar a obra na sua transcendência; instruir ou deleitar o visitante e assim por diante(...)” (ARANTES, 2000, pág. 234) Nessa conjuntura, os museus foram se firmando, desde os últimos 50 anos, como
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organismos urbanos de características muito especiais, combinando em sua estrutura física e programática um leque cada vez mais variado e extenso de atrativos para a população das cidades, a cada ano mais cosmopolitas. Adquirindo crescente visibilidade, alguns museus passaram a ser entendidos e empreendidos como um negócio rentável e geridos segundo lógicas empresariais; começaram a se assemelhar muito aos shopping centers, seguindo uma lógica de consumo onde a arte e o espaço são igualmente mercadorias. Procura-se cada vez mais atrair o maior número possível de visitantes ao museu, e um meio muito eficiente de fazê-lo é através do fascínio do invólucro arquitetônico e do espetáculo das exposições recheadas de obras prestigiosas e artistas consagrados. Outro aspecto que atrai muitos visitantes aos museus é a associação do evento da fruição artística e prazer estético a uma série de serviços complementares, como cafeteria, loja de presentes, restaurante, livraria, etc. Nenhum museu recente está completamente livre deste processo, que aparece assumindo mais ou menos importância dependendo do caráter da instituição – pública, privada, receptora de eventos, ligada a uma universidade ou outras instituições de ensino, etc. É comum encontrar exemplos, tanto de novos museus quanto de museus adaptados a edifícios históricos, onde o invólucro arquitetônico possui forte apelo cenográfico/estético ao publico visitante, envolvendo-o, desde antes mesmo da exposição, em uma espécie de espetáculo. Podemos avaliar que o experimentalismo das formas e das soluções construtivas, de certa forma, cabe melhor a um museu do que a uma residência ou a um edifício administrativo, enquanto exercício projetual criativo. Com a avalanche de inaugurações de novas sedes e novos museus, nos últimos 30 anos, teve início também uma preocupação bastante sensível por parte dos arquitetos quanto ao resultado estético do seu produto, por vezes em detrimento de questões relacionadas ao programa funcional. Eventualmente ocorrem discrepâncias entre a concepção formal do espaço expositivo e as necessidades da museologia, evidenciando a importância de associações entre arquitetos e museólogos no processo de elaboração do projeto arquitetônico do museu. Podem ocorrer diferenças sensíveis entre o discurso interno - a organização da circulação e da disposição das salas expositivas - e o significado das obras de determinado recorte histórico, ou a forma consagrada
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de expô-las ao público; ou seja, torna-se difícil conjugar o modo como as obras deveriam ser expostas segundo a concepção do artista, ou a intenção da curadoria, e o modo como estão dispostos os espaços para essa exposição. Tem crescido também o número de edifícios de museus onde a forma do invólucro arquitetônico busca ser a obra de arte em si, por vezes ofuscando o conteúdo exposto dentro do edifício, ou não se relacionando com ele. O impacto visual e a monumentalidade podem ofuscar e distorcer o contato com a obra, numa grandiloquência que frequentemente dá espaço à equivocada apropriação de significado. Otília Arantes aponta a construção do Centre Georges Pompidou como sendo o marco inicial desta prática2 , que, a meu ver, encontra sua epítome no Guggenheim de Bilbao (Frank Gehry, 1997). Para a autora, a mobilização de arquitetos renomados (é usado o termo “star system internacional da arquitetura”) para a construção de grandes monumentos arquitetônicos faz parte de políticas de animação da vida cultural promovidas pelos Estados do capitalismo central, com o objetivo de transformar centros culturais e museus em polos de reanimação da vida pública, símbolos de distinção e modernização urbana. “Enquanto vão atendendo às demandas de bens não-materiais nas sociedades afluentes também vão disseminando imagens mais persuasivas do que convincentes de uma identidade cultural e política da nação, e política porque cultural.” (ARANTES, 2000, pág. 240) No caso de Bilbao, é bastante claro que o principal objetivo a ser alcançado com a construção do museu foi a transformação econômica e urbana da região; a administração pública já havia mostrado suas intenções neste âmbito, promovendo grandes obras de infraestrutura e equipamentos urbanos (estações de transporte público, passarelas, centros comerciais, bibliotecas, etc.), projetados por arquitetos-estrela de diversas partes do mundo. A construção da nova sede da franquia norte-americana de museus coloca-se, sobretudo, como um ornamento que arrematou o processo de recuperação das áreas degradadas ao longo do Rio Nervion.
2. Alguns autores apontam o Guggenheim de Frank Lloyd Wright, finalizado em 1959, como o primeiro exemplar de arquitetura espetacular de museu.
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As transformações urbanas ligadas à inserção
do museu e o museu didático
Quando se fala da atuação dos museus na “recuperação” ou “requalificação” de áreas urbanas deve-se ter sempre em mente que a implantação de um equipamento cultural, por vezes bastante sofisticado como no caso de alguns museus, não pode ser encarada levianamente, ou como única (ou melhor) solução para os problemas de uma determinada região. Considero mais adequado o uso dos termos “requalificação” e “transformação” do espaço urbano, pois as mudanças operadas pela implantação de um museu nem sempre implicam na recuperação do espaço do ponto de vista das atividades que ali se desenvolviam previamente e da população que conviverá com ele dali em diante; todavia, o espaço de transforma. E o conceito de “melhoria” é sempre relativo. A presença física de uma instituição cultural, portanto, pode operar alterações na lógica de uso do espaço, o que pode ocorrer de forma desastrosa e excludente, assim como democrática, inclusiva e interativa. A inserção urbana do equipamento cultural deveria ser estudada cuidadosamente, tendo em vista o caráter da instituição em relação à demanda de determinada região, possíveis interrelações com atividades e organizações previmanete instaladas, etc. É importante lembrar que a “requalificação” do espaço sempre tem seu preço, que pode se traduzir, por exemplo, em especulação imobiliária com consequente gentrificação da área. Ou seja, o equipamento cultural também pode servir de agente de exclusão de camadas sociais de menor poder aquisitivo. Esse processo também decorre do fato de os museus, apesar do número crescente de novas instituições e novos edifícios, ainda serem vistos como uma opção de lazer burguesa ou elitista. Ainda que as exposições se multipliquem, nem todos se sentem aptos a adentrar um museu de arte, por se sentirem deslocados ou diminuídos pela falta de familiaridade com o conhecimento exibido; inúmeros indivíduos não se identificam com a arte que, por vezes, se desenvolve de acordo com lógicas (como o consumo de obras de arte e de design) que não fazem parte da sua vivência. Acredito que o museus que procuram uma abordagem didática da visita tenham maior potencial de relacionamento com um público mais heterogêneo, tendo em vista o conceito de exposição como espaço públcio de saber e que objetiva o entendimento da arte. (REBOLLO,
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2007) O museu é tão mais responsável pela formação de uma identidade cultural comum quanto mais democráticas forem as formas de apropriação do conhecimento que ele preserva e difunde. O espetáculo da arte e da arquitetura, no entanto, e sua inserção no mercado da cultura de massas pode fazer com que esse objetivo didático seja posto em segundo plano, conforme observado por Otília Arantes: a partir dos anos 1980, os museus teriam gradualmente assumido um caráter mais hedonista, deixando de lado a educação do público e a associação a movimentos sociais de democratização, mais comuns em museus da década de 1970. Sobre as transformações no espaço expositivo
Subsequentemente à criação do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, começaram a surgir em todo o globo museus que implementavam a mesma tipologia expográfica do museu norte-americano. Os MAM’s (Museus de Arte Moderna) nasceram com a intenção de criar o espaço ideal para a arte que era então contemporânea, a arte moderna. O modelo moderno de museu, enquanto forma e discurso arquitetônicos, remete a dois elementos muito característicos da expografia do período: a pureza e neutralidade dos aparatos cenográficos, também chamada de cubo branco, e a planta livre. Este modelo museográfico popularizou-se mundialmente, difundido pelo MoMA de NY, desde sua criação na primeira metade do século XX. Atualmente, é ainda muito utilizado - por vezes com pequenas alterações - também nos museus mais recentes, sendo considerado apropriado para a arte pós-moderna e contemporânea. A “evolução” da concepção de museu como contêiner, segundo Josep Montaner, como caixa, ou como gabinete de curiosidades e maravilhas, levou aos poucos à ideia moderna de museu neutro, de espaço flexível, funcional, que facilitasse a resolução de problemas ligados à necessidade de novas instalações tecnológicas, ao crescimento do acervo, à facilitação da leitura dos espaços para uma melhor circulação dos visitantes, etc. Esta ideia de espaço neutro e adaptável está ligada ao processo de aquisição de autonomia por parte da arte do período, e da própria arquitetura também. A arquitetura dos MAM’s procurava se relacionar harmoniosamente com a arte do seu tempo, baseando-se na fluidez da circulação associada à funcionalidade da planta livre; não poderia haver interferências que pudessem entrar em conflito com a fruição das obras no espaço expositivo.
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Para Montaner as construções e adaptações de edifícios para o uso como museu que se baseiam no conceito modernista da caixa vítrea e neutra, de planta livre e fluída, caráter multifuncional e minimalista, são vistas como ideais para abrigar também as exposições de arte contemporânea. Os exemplos encontrados demonstram a confiança dos arquitetos na versatilidade máxima dos espaços expositivos de planta livre: “Um espaço neutro, um forte suporte tecnológico e a máxima plurifuncionalidade seriam a melhor resposta ao caráter sempre mutante e complexo do museu contemporâneo, à contínua mudança de usos e estratégias, à afluência maciça de visitantes.” (MONTANER, 2003, pág. 43) Ao longo do século XX outras tipologias arquitetônicas e expográficas foram desenvolvidas e utilizadas nas novas construções e nas adaptações de edifícios antigos de museus3. No entanto, para a futura compreensão e análise da adaptação do Palácio da Agricultura de Niemeyer, dadas as características do edifício e a situação observada recentemente em visita às obras da reforma, é relevante manter o foco na tipologia expográfica e espacial mais típica do modernismo - a planta livre e a neutralidade do espaço expositivo, o chamado “cubo branco”. Em São Paulo, encontramos este modelo moderno de espaço expográfico neutro utilizado em muitas das transformações de edifícios antigos em museus e centros culturais. A maioria das adaptações de edifícios antigos em São Paulo não pode usufruir do recurso da planta livre, já que o espaço expositivo acaba fragmentado em salas (antigamente cômodos de uma casa ou um palacete, que devem ser preservados na disposição original). Ademais, até hoje nenhum patrimônio modernista com essas características foi adaptado para o uso como museu. O ponto em comum na maior parte destes projetos de adequação é a busca pela museografia moderna; 3. Josep M. Montaner elencou diversas tipologias arquitetônicas, mais ou menos genéricas, identificando exemplos de construções recentes para cada uma delas. Em seu artigo “Museu contemporâneo: lugar e discurso” (Revista Projeto, no144, São Paulo, 1990, p.34-41) elencou características importantes relativas à circulação dos visitantes pelo espaço expositivo, tendo em mente a apreensão da intenção curatorial pelo visitante, assim como sua orientação pelo edifício, para fins de segurança, entre outros. Quanto à expografia, Lisbeth Rebollo distingue o cubo branco e neutro (ao qual chama “cenografia de paredes brancas”) da “cenografia dramatizada”, com uso de cores, espacialidazação e iluminação inspiradas na teatralidade. A autora ainda estuda os efeitos da aplicação destas cenografias na recepção estética do visitante. No livro “Entre Ceografias: o museu e a exposição de arte no século XX”.
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acaba-se utilizando o cubo branco como uma forma de atribuir valor/significado de museu ou espaço expositivo a diferentes tipologias arquitetônicas, como se a cenografia de paredes brancas fosse um código a ser seguido para a aquisição de status como espaço da arte. A arte contemporânea, no entanto, procura relativizar os critérios definidores do que é ou deixa de ser arte, visando a um alargamento das fronteiras da aceitação estética4. Desta maneira, ela desafia e tensiona todo espaço expositivo, dado o seu caráter naturalmente transgressor e problematizador das questões que envolvem a própria produção artística e todo o campo das experiências humanas. O papel do museu como lugar da arte por excelência fora posto em discussão desde o início do século XX, mas é a partir da década de 1960, com o surgimento das instalações, dos happenings, das obras de arte conceitual, site specificity, e da utilização da tecnologia, que o espaço do museu começa a sofrer uma revolução adaptativa para se adequar às novas manifestações artísticas, muito variadas, além das questões levantadas pela própria produção arquitetônica da época. Por este motivo, os museus de arte contemporânea e também aqueles que se denominam museus de arte moderna ou museus de arte apenas, tiveram de ampliar seu recorte museológico para a arte do nosso tempo. Procuram oferecer uma grande variedade de espaços expositivos, equipados para receber instalações tecnológicas, aptos ao redesenho e à redistribuição dos espaços internos sempre quando uma obra, uma instalação ou uma performance assim necessitar. O espaço híbrido e adaptável tem se mostrado a tônica da revolução dos museus, sem abandonar o que há de mais convencional em termos de expografia. Alguns artistas contemporâneos partem de uma releitura das possibilidades do cubo branco, transformando-o de pano de fundo neutro em parte constituinte e fundamental para 4. A pergunta “o que é arte?” estimula uma discussão prolífica na qual é impossível alcançar um consenso. Normalmente é introdutória dos cursos de arte nas escolas e universidades, e constitui um exercício interessante para observar como as pessoas entendem as manifestações artísticas, especialmente aquelas que não possuem vínculos acadêmicos ou profissionais com o campo da arte; é muito comum encontrar aqueles que simplesmente se baseiam no critério estético dicotômico de “bonito” ou “feio” para definir o que é e o que não é arte, no critério intelectual de “ideia difícil de conceber” ou no critério técnico de “obra difícil de executar” (todos sempre sujeitos à influência do gosto e de opiniões prontas), porque para alguns a arte não pode ser fácil e simples – a não ser, é claro, que seja bela – e ignora-se, deliberadamente ou não, a importância do processo artístico como investigação, manifestação e compreensão do pensamento humano.
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estruturação da obra. É o caso da instalação “Salva-Vidas”, de Edilaine Cunha, na qual todo o volume da galeria é transformado em “espaço submerso”; o ambiente expositivo é colocado em condições de envolver os espectadores, transformando-se em um dos elementos da instalação. A estruturação da obra constitui-se a partir do objeto: o fundo do casco de um barco pequeno, branco como o cubo, que se funde com o teto. O forro branco torna-se a linha da superfície e, dessa forma, situa o espaço, que deixa de ser neutro, torna-se um lugar. Considero, portanto, que não exista uma tipologia museográfica/arquitetônica cuja organização espacial seja a mais adequada às necessidades da arte contemporânea, mesmo porque não se pode definir com precisão quais seriam essas necessidades com absoluta certeza. Não se pode afirmar que haja uma corrente arquitetônica que se adeque mais ou menos à arte pósmoderna e contemporânea, pois esta possui caráter muito pluralista, manifestado na grande variedade de formas, materiais, dimensões, durabilidade e formas de apropriação do espaço destas manifestações artísticas5. A Cultura e os Museus na cidade de São Paulo
Nos últimos 30 anos, a cidade de São Paulo, assim como diversas outras, sobretudo nos continentes americano e europeu, testemunhou uma avalanche de inaugurações de novos equipamentos urbanos ligados à cultura e ao entretenimento, além de obras de preservação, restauração e reabilitação de antigos edifícios ligados à produção e à manifestação artísticas. Os paulistanos assistiram, durante este período, à criação de diversos centros culturais (grande parte deles associados a instituições financeira), SESC’s, casas de espetáculos e concertos e até alguns museus. Parte desta efervescência do campo cultural está ligada também à criação das leis de incentivo à cultura, que levaram diversas instituições comerciais a não só incentivar instituições ligadas à arte como também criar seus próprios centros culturais. Em se tratando de museus de arte, especificamente, a cidade de São Paulo não foi palco de nenhuma novidade expressiva; à exceção do Museu Brasileiro de Escultura, o MuBE, sobre o qual muito se critica em termos 5. Para Stuart Hall, existem tantos pós-modernismos quantas forem as características combatidas nos modelos modernistas, e a motivação para a produção artística também tornou-se muito variada.
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Centros Culturais, Casa de Cultura, Espaços Culturais, Galerias de Artes e Museu Município de São Paulo 2006
Distrito Subprefeitura 0
Municipal Estadual Particular Federal 6
12 Quilômetros
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Fonte: Secretaria Municipal de Cultura; Guia da Folha de São Paulo. Secretaria Municipal de Planejamento – Sempla/ Depto. de Estatística e Produção de Informação – Dipro.
de relevância e tamanho do acervo (condições que serão brevemente comentadas no decorrer deste capítulo), não foi construído ou fundado nenhum novo museu nos últimos trinta ou quarenta anos6.Como comentado anteriormente, os museus detém um potencial expressivo de transformação e “requalificação” de espaços urbanos além de poderem se tornar um forte atrativo de lazer para as populações das cidades. A questão da inserção urbana é importante não só por esses fatores, mas também porque pode funcionar como mecanismo de exclusão de classes dependendo da localização e da maneira como são trabalhados os acessos ao equipamento urbano. Em relação à população urbana, sobretudo a que ocupa os bairros periféricos e empobrecidos, entendo que haja dois tipos de déficits relacionados aos museus de arte: de uma forma geral existe pouca familiaridade das classes mais pobres com o campo da arte, especialmente a arte contemporânea, ligada à precariedade do ensino público e ao espaço reduzido destinado a arte na educação básica; além disso, existe uma demanda bastante sensível por espaços de lazer, entretenimento, encontro e convivência, de uso público e livre, dada a quantidade insatisfatória e a distribuição irregular destes espaços na cidade de São Paulo, principalmente nos bairros periféricos. É possível observar como sempre que surge na cidade um espaço público livre, de qualidade, este é rapidamente ocupado e usufruído das mais diversas formas, tornando-se palco de atividades variadas, inclusive de comércio informal. No entanto, se observarmos a distribuição destes 6. Não estou contando com a construção da sede do MAC-USP na cidade universitária (finalizada em 1992) por não se tratar de uma arquitetura expressiva, tanto do ponto de vista do edifício em si quanto de sua relação com a cidade; também não se trata de fundação de um novo museu, dado que o MAC-USP fora criado em 1963.
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equipamentos pelo território urbano, à exceção dos CEU’s e de alguns poucos centros culturais periféricos, é clara a concentração da maior parte dos equipamentos culturais nas regiões centrooeste e centro-sul da cidade – sempre dentro do centro expandido, à exceção da mancha de concentração de museus provocada pela cidade universitária. Os equipamentos inaugurados nas últimas décadas, de maneira geral, vieram engrossar o circuito cultural já consolidado dessas regiões. Quando ocorre a construção deste tipo nas regiões mais afastadas do centro a motivação é quase sempre de ordem política, sob o pretexto de recuperar uma determinada área urbana ou levar a cultura às populações carentes, e procede-se à implantação de um equipamento cultural ainda que sem ter sido corretamente estudado o seu potencial e sua correspondência com as atividades e a população do local. Geralmente o espaço em que ele se insere não é reabilitado por carecer de outros equipamentos urbanos e de infraestrutura básica, cuja visão de prioridade orçamentária muitas vezes serve de motivo para a falta de investimento em cultura e lazer, mostrando porque não é sensato, nem mesmo possível, depender de um único equipamento ou instituição para a transformação urbana e social.7 Além disso, a inserção destes equipamentos, se na periferia ou em bairros mais próximos ao centro, acaba sendo decisiva na definição 7. Um dos maiores símbolos de transformação espacial e econômica, apresentando números e resultados impressionantes e sem precedentes, o edifício do museu Guggenheim de Bilbao não foi o único responsável pelas mudanças ocorridas na cidade espanhola, tendo contado com diversas obras de infraestrutura, transportes e de outros equipamentos urbanos, além de um polpudo investimento financeiro, por parte do governo, na reabilitação de diversas outras áreas da cidade, próximas ao local de implantação. E, mesmo com todo este pano de fundo, e talvez por ser também o pioneiro, o museu de Gehry é uma exceção; muitas outras cidades europeias procuraram obter o mesmo efeito a partir de um único edifício sem alcançar nem de perto o resultado esperado.
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Mapa elaborado pela autora, mostrando o número de museus em relação às subprefeituras do município de São Paulo. Dados obtidos no portal online da prefeitura do município.
Museus
Município de São Paulo 2004
31%
47%
Estadual Municipal
22%
Particular
Gráfico mostrando percentual de museus de São Paulo de acordo com seu caráter público ou privado, de acordo com pesquisa realizada em 2004 - levantamento na tabela abaixo. Fonte: Secretaria Municipal de Cultura / Guia da Folha de São Paulo Fonte: Secretaria Municipal da Cultura / Guia da Folha de São Paulo. Museus Elaboração: Sempla/Dipro
Município de São Paulo 2001 a 2004 e 2006 Rede Mantenedora
2001
2002
2003
2004
2006
Total
66
71
71
72
81
Estadual
30
34
34
34
36
Municipal
14
15
15
16
16
Particular
22
22
22
22
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Fonte: Secretaria Municipal de Cultura / Guia da Folha de São Paulo Elaboração: Sempla/Dipro
do seu público visitante, pois em São Paulo essas duas localizações se diferenciam pela falta ou abundância de infraestrutura. Concordo com a observação de Renata Motta, de que “(...)é fundamental que a localização dos museus nas cidades explore as funções museológicas, o que supõe coordenação entre os diversos graus de densidade urbana e atividades vitais, que se realizam em cada núcleo, e não apenas localizá-los em bairros elegantes, como no habitual.” (MOTTA, 2008, pág. 106) Ainda assim, quando um bom projeto urbano e arquitetônico, fundamentado na elaboração criteriosa do programa museológico, é associado ao investimento necessário, os centros culturais e museus podem exercer o seu potencial transformador, não só do ponto de vista urbanístico, como também econômico e social, como é possível observar em diversos estudos de casos. Devemos levar em consideração, no entanto, que nem sempre o espaço urbano ligado a implantação desses equipamentos é recuperado do ponto de vista de quem já utilizava o espaço, ou da população urbana em geral. É comum que a “requalificação” atenda a um grupo relativamente pequeno de pessoas, consolidada a partir de processos de gentrificação de áreas urbanas, que deveriam ser públicas e democráticas. Nos países em desenvolvimento esses acontecimentos são bastante comuns, e o Brasil não escapa ao fenômeno, como será possível observar no caso do Museu Brasileiro da Escultura, mais adiante neste capítulo. Em comparação ao ocorrido em as cidades norte-americanas e europeias, em São Paulo não houve uma proliferação tão intensa de novas construções. Aqui foi mais bem sucedido o investimento
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na reabilitação e adaptação de edifícios, históricos ou não, mas projetados para outro uso, a fim de transformá-los em espaço expositivo. Esta prática coincide com o momento em que a cultura como evento e lazer passou a gerar interesse econômico e político no país, com foco no potencial turístico gerado pelos equipamentos culturais. Muitas empresas privadas, atraídas pela possibilidade de isenção fiscais, passaram a apoiar-se em leis de incentivo/fomento à cultura para a criação de seus próprios institutos e centros culturais, casas de espetáculo, teatros, etc., por vezes em detrimento do investimento anteriormente direcionado a programas da esfera pública que já estavam em andamento. Já os museus públicos da cidade costumam ter de lidar com a pouca verba destinada pelo governo ou pela municipalidade, insuficientes para sua manutenção e desenvolvimento de suas atividades, e procuram buscar recursos de empresas privadas para complementar o orçamento. Ainda que os museus de arte possam ser considerados como espaços restritos à certas parcelas da população de São Paulo, mesmo aqueles que tem acesso a esse tipo de atividade podem não estar frequentando as exposições de arte em função do seu apelo educativo - função entendida por muitos como o requisito principal de um museu, mas que vem tendo sua importância ofuscada pelo flaneurismo desinteressado de quem visita um shopping center e observa as vitrines, esperando por alguma coisa capaz de chamar a atenção. Esses visitantes estão se habituando ao consumo dos eventos de arte, estimulando o crescimento do número de grandes exposições de obras consagradas, ou novas obras espetaculares, gerando demanda pelas atividades culturais alicerçadas, sobretudo, na massiva divulgação destes eventos pela mídia. Nas últimas décadas foram organizadas exposições com caráter de grande evento de lazer em São Paulo, capazes de atrair multidões e formar filas enormes, antes pouco ou nunca vistas. Algumas destas exposições são realizadas ou patrocinadas por instituições privadas, que detêm recursos suficientes para negociar o intercâmbio de obras junto a instituições estrangeiras consagradas – exemplo disto é a recente exposição de arte impressionista com obras da Galeria D’Orsay, de Paris, organizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, no segundo semestre de 2012. Assim como em outra exposição no ano anterior e no mesmo local, com os desenhos de Escher, todos os dias formaram-se esperas de até 4 horas para entrar no edifício. As pessoas
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Fila para entrar na 29a Bienal de São Paulo evento que inicialmente tinha expressividade acanhada, atualmente gera grandes dividendos. Foto: autor desconhecido
Paulistanos se amontoam em fila em frente ao CCBB para ver a exposição de obras impressionistas vindas da galeria D’Orsay fonte: Folha de São Paulo online, reportagem de 28/08/2012.
se amontoaram junto à entrada do edifício, semi-organizadas por ziguezagues metálicos e sem proteção sobre suas cabeças, à espera de adentrar o edifício, circular talvez rapidamente pelas obras e ir embora; a maioria dos entrevistados por jornais televisivos e impressos considerou ter valido a pena, saindo satisfeita da empreitada de visitar a exposição. Num primeiro momento, pode-se ter a impressão de que a cidade não carece de opções em termos de atividades de lazer ligadas à cultura, já que o “segmento” (já que se trata de uma atividade de grande interesse comercial) vem crescendo significativamente. Porém, a distribuição desta oferta no espaço metropolitano é bastante irregular além de algumas atividades possuírem mais visibilidade e serem mais acessíveis do que outras; além desses fatores, é grande a variação do grau de correspondência entre o conteúdo das atividades culturais e o gosto popularesco, sobretudo no que diz respeito à arte contemporânea. A afinidade entre expectativa do visitante e conteúdo/forma expositiva acaba ditando também a variação da afluência de público aos museus e outras instituições com espaços expositivos. As instituições que são capazes de investir significativa parte do orçamento na divulgação das suas atividades e no seu setor de marketing acabam sendo mais bem sucedidas em termos de número de visitantes. E tem sido com base nestes números que se mede o sucesso8 dos “museus-evento”, e não mais o seu papel como difusor de conhecimento e educação, ou o seu papel participativo no campo da produção artística. Nem todos os museus e centros culturais são gratuitos na cidade de são Paulo, mesmo os museus estaduais e municipais, embora o valor cobrado muitas vezes seja praticamente simbólico. Para o pesquisador Moacir dos Anjos, o potencial educativo da instituição museológica estaria perdendo espaço para as ações de apelo popular e mercadológico. Longe de negar a importância do aumento do número de visitantes aos museus, o pesquisador afirma que “não é possível admitir a transformação do museu em algo que às 8. Cabe lembrar que estes números, em inúmeros casos, representa ingressos vendidos. Se a entrada é gratuita, um número maior de visitantes significa um número maior de pessoas comendo no restaurante, comprando itens da lojinha de presentes, etc. Em São Paulo ainda é grande o número de museus de entrada gratuita ou com valor simbólico de ingresso como a Pinacoteca. Em Nova Iorque os granes museus, não só de arte, cobram entradas polpudas aos visitantes. O museu Metropolitan cobra 25 dólares o ingresso, mais adicionais por atividade extra, audioguia, etc.
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vezes parece até um playground, um parque de diversões, em que a reflexão sobre o que se exibe é muito pequena. (...) Acho que há um desequilíbrio claro hoje, estimulado por essa facilidade de fazer essas grandes mostras (...) e que é preciso também de alguma forma ser questionado e enfrentado. (...) temos (os gestores de museus) de nos recusar a discutir o papel dos museus somente a partir de expectativas e de critérios próprios ao circuito de produção e circulação massificada dos bens culturais.” (MUSEU ARTE HOJE, 2011, pág. 151.) Os modelos europeu e norte-americano de museu “shopping center”, onde a arte é o adendo decorativo a todo tipo de atividade não-relacionada, ainda não vingaram completamente nos museus do Brasil, embora seja possível ver uma transformação lenta e constante no uso destes espaços: museus alugando salas para a realização de eventos de moda, publicidade, convenções, casamentos e abrigando restaurantes e cafés de preço pouco acessível, entre outros serviços diferenciados; além disso, ultimamente, não tem faltado a lojinha de presentes em nenhum deles. Como comentado, existe uma “nuvem”, ou aglomeração dos grandes centros culturais, galerias e museus em regiões específicas da cidade, já caracterizadas pela densa ocupação tanto residencial quanto comercial. Algumas são também regiões bem servidas em termos de transporte público, o que facilita uma maior afluência de visitantes para estes locais. No caso de uma exposição como a realizada no MASP no segundo semestre de 2012, com as obras de Caravaggio e seguidores, a localização muito acessível do museu e a ampla divulgação do evento por diferentes mídias geraram uma procura massiva pela exposição, causando filas enormes que se acumulavam pela escadaria de entrada e pelo vão do edifício. Isso poderia ser visto como sintoma de falta de oferta de exposições contendo obras importantes no recorte histórico do acervo dos museus, ou como sintoma de falta de familiaridade da população com este acervo e falta de conhecimento da existência de obras importantes em exposição, falta de conhecimento dos próprios museus e de suas atividades. Acredito que seja mais a segunda opção do que a primeira, em grande parte em função do relatado a seguir: Durante uma reforma no edifício da cidade universitária, no início da década de 2000, o MAC-USP organizou algumas exposições no subsolo do edifício da FIESP, na Avenida Paulista.
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O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Contando “apenas” com as obras de seu acervo, as mesmas que ficavam expostas no campus da USP ou no terceiro andar do pavilhão da Bienal, a visibilidade trazida com a nova localização, numa área nobre da cidade, repleta de linhas de ônibus, bem servida de estações de metrô e próxima a outros equipamentos culturais muito procurados, gerou uma afluência de visitantes que não encontra precedentes (nem subsequentes) na história recente do museu. Formavam-se grandes filas para ver os mesmos Di Cavalcanti, De Chirico, Tarsila, Volpi, etc., como se nunca tivessem sido expostos ou como se de repente tivesse sido descoberto um tesouro há muito escondido em algum recôndito desconhecido da cidade. Na época foi visível que a população paulistana tinha pouco ou nenhum conhecimento sobre a existência do MAC-USP, sobre sua importância, suas atividades, seu acervo, sua localização. As questões a partir deste acontecimento, e que dificilmente podem ser respondidas são: será que, se estas pessoas soubessem da existência do museu e da sua localização, visitariam o museu mesmo assim? Teriam se desanimado ao saber da distância a percorrer para acessá-lo? Visitariam o museu mesmo sabendo que o edifício do MAC não é “bonito”, nem farto de opções de alimentação e lojinha de presentes? Renata Motta9 aponta para a existência do pressuposto de que os museus localizados nos centros das cidades, onde o tecido urbano é mais denso, populoso e heterogêneo, possuiriam maior possibilidade de inserção social/ na comunidade. No entanto, observando a situação de MAC’s implantados em centros urbanos, ocupando prédios reformados/antigos, a autora chegou à conclusão de que não tiram partido da localização para afirmarem-se plenamente no tecido urbano. Algumas dessas instituições teriam sua visibilidade “sedimentada” pela localização; existiria uma dicotomia entre museus espetacularizados e museus esquecidos, e ainda assim, os museus de apelo midiático também teriam tido dificuldades de desenvolver plenamente suas atividades como poderiam, diante de uma inserção urbana bem sucedida. Portanto, a visibilidade pode gerar maior reconhecimento, mas não é, por si só, capaz de gerar a participação do museu na comunidade urbana e vice-versa: “A maior presença dessas instituições em canais de comunicação está 9. Em sua tese de doutorado, “Museus e e cidades - o impasse dos MAC’s”, a autora analisa a relação existente entre os museus de arte contemporânea brasileiros e o tecido urbano onde estão inseridos.
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diretamente relacionada à criação ou reforma de seus edifícios sede, lastreada nos discursos governamentais que dão protagonismo aos equipamentos culturais nas diretrizes do desenvolvimento urbano.” (MOTTA, 2008, pág. 119) Foi justamente a reforma de um edifício importante como o Palácio da Agricultura somada à polpuda soma investida no projeto que colocaram o MAC na mídia e fizeram a atenção da população recair sobre o museu, ainda que esse interesse tenha esfriado em função da ocupação paulatina10 - durante 2012, depois da inauguração, praticamente estagnada - do espaço. Portanto também não basta a localização do museu ser privilegiada para que haja diálogo real entre as atividades museológicas e a população urbana. Ainda segundo Motta, gera-se um impasse institucional em duas diferentes abordagens da criação de museus: tanto a do atrelamento dos museus aos discursos de desenvolvimento urbano quanto ao circuito comercial e espetacular do entretenimento, pois em ambos os casos não ocorre a plena realização das atividades museais em sua relação com o espaço urbano. A partir destas reflexões, acho importante entender a atual configuração dos espaços urbanos onde se encontram os edifícios ocupados pelo MAC-USP, quais foram as transformações no contexto urbano que levaram a essa configuração e que reflexos a localização impôs ao relacionamento do museu com a cidade de São Paulo. Mas antes, considero importante observar a inserção urbana dos dois últimos edifícios de destaque, projetados para museus de arte, na cidade de São Paulo – o edifício do MASP e o do MuBE - afim de entender de que maneira se estabeleceu a relação entre suas arquiteturas e o espaço urbano onde estào inseridos. Museus de Arte no contexto urbano paulistano
Os museus paulistanos que serão comentados a seguir servirão para ilustrar como a inserção na cidade afeta o campo de ação do museu de arte perante a população e o espaço urbano. A forma como se dá a relação do edifício com o entorno e sua localização na malha urbana influenciam diretamente na formação de espaço e na “seleção” do público visitante. 10. Ver Capítulo 3, subtítulo “dfoisnfosins” deste trabalho, onde a opção ela ocupação gradual do edifício é comentada, segundo explicação do atual diretor Tadeu Chiarelli em entrevista à autora.
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Veremos, como no caso do MuBE, como a localização e a relação com o entorno podem servir como mecanismo de blindagem dos grupos sociais, a fim de fazer um paralelo com a importância de se trabalhar criteriosamente a relação da nova sede do MAC-USP com a região onde estará inserido. Para efeito de comparação com a situação atual da nova sede do MAC, serão observados o MASP e o MuBE, um que obteve sucesso na maneira como foi trabalhada a sua inserção, do ponto de vista da implantação no terreno, da visibilidade adquirida e da criação de espaços de apropriação pública e livre proporcionada pelo edifício; e o outro cujo projeto contou com excelentes intenções em todos estes aspectos, mas cuja comunicação com o entorno acabou sendo desvirtuada por decisões alheias à concepção do arquiteto.
Sobre o MASP
Acredito que o MASP de Lina Bo Bardi seja o museu paulistano mais bem sucedido em termos de inserção urbana e relação com o entorno até os dias atuais. A preocupação com diversos elementos do contexto da cidade e com a compreensão do espaço urbano pela população revelaram-se no cuidado em desenhar um edifício que levou em conta todas estas premissas, fazendo com que o MASP estabelecesse uma boa articulação com o contexto urbano da Av. Paulista e região e possibilitando estabelecer uma relação democrática entre museu e população, ainda que o local tenha sofrido drásticas alterações desde a construção do museu. Concebido na década de 1950, assim como o conjunto de edifícios do Ibirapuera, o projeto de Lina Bo Bardi chama a atenção à primeira vista pelo imenso vão livre, pela solução estrutural e pela altura, destoantes do restante dos edifícios da região (assim o era nas décadas de 1950/60 e assim permaneceu). O vão livre é um dos traços mais democráticos do projeto pois funciona como extensão da calçada e remanso; proporciona aos transeuntes a possibilidade de refugiar-se da confusão da Av. Paulista, e ao mesmo tempo em que destaca sua estrutura diferenciada elevando-se sobre o vão, oferece a todos que por ali passam uma visual ampla em direção ao centro da cidade.
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É possível notar nestas características duas importantes preocupações do desenho de Lina, que são, respectivamente, o cuidado em aproximar o museu da escala do pedestre e ao mesmo tempo conferir-lhe importância e adequação à escala urbana. O espaço é livre e público, convidativo e interessante, e a população apropriou-se dele como palco para diversos tipos de atividade - tais como feiras de antiguidade, aulas de ginástica coletiva, projeção de filmes, exposições (relacionadas ou não com o acervo do museu) e manifestações de toda sorte. A adequação do projeto ao entorno envolve também a adaptação da construção às características topográficas do terreno. Ao contrário da tendência dos edifícios da região, de se projetar cada vez mais verticalmente, a maior parte do edifício do museu encontra-se sob o vão, acomodado no aclive em direção ao espigão da av. Paulista. Os arranha-céus da região negam aos transeuntes a possibilidade de enxergar as lonjuras da vista proporcionada pela altitude, enquanto o edifício do MASP , em dois “simples” gestos – a acomodação à topografia e o destaque do plano da calçada - proporciona a todos esta possibilidade, independentemente da visita ao museu; não é preciso pagar ingresso nem ser membro de nenhum clube restrito para usufruir do belvedere mais popular da cidade. Lina colocou os acessos ao museu, tanto o que leva ao corpo suspenso como aquele que leva à porção acomodada no aclive, em uma área num dos cantos do vão, ao invés de ir de encontro à prática comum da arquitetura museográfica de criar uma entrada principal e monumental para o edifício. Dessa forma podem ser criados diferentes percursos para as exposições, havendo a possibilidade de visitar uma determinada mostra ou porção do museu sem ter de passar por diversas outras. Caso se opte pela visualização de todas as salas expositivas, na metade do percurso vem o contato com a cidade, quando é preciso sair e depois adentrar o edifício novamente. Em função destas características, o edifício do MASP adquiriu status de símbolo da cidade de São Paulo. A população é capaz de se identificar com aquele espaço mesmo não conhecendo as atividades do museu, o que pode não ser ideal, mas é sem dúvida um começo, um estímulo ao conhecimento da instituição. A proposta de Lina, de proporcionar um espaço público interessante, sempre aberto, democrático, independente do funcionamento do museu, mostra uma alternativa de construção do espaço urbano diferente de qualquer outro exemplo de arquitetura de museus
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O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Manifestação de professores concentrada no vão do MASP. Fonte: UOL
Exposição com esculturas de Abelardo da Costa no vão do MASP. Fonte: Nova Paulista Wordpress
Feira de antiguidades no vão do MASP, realizada todos os domingos. Fonte: Guia da Semana Online
em São Paulo. A localização é, sem dúvida alguma, privilegiada, e representa uma contribuição importante para o sucesso do reconhecimento do museu pelos cidadãos, mas de pouco adiantaria esta localização sem que fosse trabalhada a escala do transeunte11. Sobre o MuBE
O Museu Brasileiro de Escultura nasceu com algumas características inversas às do MAC-USP: a sede foi prontamente encomendada e construída, em bairro nobre de São Paulo, e contando com amplo investimento de associações envolvidas, ainda que não houvesse nenhum acervo de importância, nem qualquer estudo de atividade museológica, ou instituição de ensino envolvida que justificasse a construção do museu. A ideia da implantação do museu surgiu como uma resposta da Sociedade dos Amigos do Jardim Europa, junto à Sociedade dos Amigos dos Museus, à intenção de se construir um shopping center no terreno situado em uma das esquinas da Rua Alemanha com a Avenida Europa. A proposta preocupava os moradores da região por possibilitar o aumento da afluência de pessoas à região, um bairro nobre notadamente residencial, movidas pelo atrativo das atividades comerciais. Era uma forma de proporcionar à região um edifício mais belo e mais adequado ao contexto residencial, sim, mas também estabelecia meios de evitar a afluência de “grupos sociais indesejáveis” – ou, usando o termo popularesco e eufemístico, “gente diferenciada”; a implantação de um grande complexo comercial abriria postos de trabalho mais comumente procurados pela população humilde da cidade e as lojas e os serviços ali sediados teriam capacidade de atrair todo o tipo de pessoas. Acabou sendo decidida a implantação de um equipamento que, na teoria, não teria tanto potencial de atrair pessoas estranhas à região, já que a visita ao museu ainda é considerada por muitos como uma atividade elitista; por este motivo, e estando o museu localizado no bairro que concentra alguns dos moradores mais ricos de São Paulo, o uso democrático dos seus espaços 11. Acredito que, conservadas as especificidades de cada edifício, O MASP e o novo MAC-USP, este poderia também vir a se tornar um símbolo da cidade, ou ao menos um ícone urbano reconhecido, desde que sua relação com o tecido urbano fosse trabalhada através de um projeto de reforma visando à acessibilidade ao edifício e sua articulação com os demais equipamentos culturais e usos locais. Veremos mais adiante, no capítulo 3, como a proposta de Oscar Niemeyer para a nova sede buscava justamente adicionar um signo à fachada, que diferenciasse um edifício administrativo de um edifício de museu.
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e serviços poderia acabar inibido. Em concurso fechado, foi escolhido o arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o desenho do novo museu. A Associação dos moradores amigos do jardim América desejava um edifício assinado por um grande arquiteto pelo status implicado, mas esqueceu de levar em consideração, talvez, o quão competente este arquiteto realmente seria na elaboração de um projeto democrático e inclusivo. Consciente das implicações envolvidas no desenho de um museu público, o arquiteto projetou com gentileza e elegância um museu-praça que reúne em sua concepção a noção clara da indissociabilidade entre museu de arte, arquitetura de espaços públicos e desenho urbano. Os acessos ao museu estruturam uma continuidade espacial entre exterior e interior sem deixar de delimitar as fronteiras entre o público e o restrito, mas sem a imposição de barreiras físicas à circulação12. O edifício convida o transeunte a descobrir as relações espaciais de dentro e fora estabelecidas pelas continuidades entre praça e museu, a partir da calçada, conformando um descanso espacial em relação aos demais edifícios da região. Assim como no MASP, não seria preciso visitar as exposições para caminhar pelo espaço do museu; existe a possibilidade de apenas atravessá-lo ou apenas caminhar pela praça. Tal qual o museu de Lina, o MuBE possui uma característica formal muito marcante, a grande viga de concreto suspensa, que enseja torná-lo um marco no contexto urbano ao mesmo tempo em que o qualifica como objeto escultórico e torna a arquitetura um prenúncio da função do edifício. As qualidades de espaço público apresentadas pelo projeto do MuBE podem, talvez, ter parecido algo descabido para a diretoria do museu que, sob fortes críticas acerca da consistência do projeto museológico13 e, durante um período de míngua nas atividades da instituição, tomou a decisão de cercar todo o terreno do museu com gradis metálicos. Para o professor e arquiteto
foto: Nelson Kon
12. O professor David Moreno Sperling estabelece os conceitos de “fronteira” e “barreira”, onde fronteira pressupõe a “manutenção e respeito ao que é diverso sem os limites físicos da exclusão presentes nas mais variadas barreiras que constróem a cidade contemporânea e que impedem o acesso à cidadania.” Em artigo intitulado “As arquiteturas de museus de arte contemporânea como agentes no sistema da arte” - MUSEU ARTE HOJE, pág. 183. 13. Sem acervo permanente de destaque, ficou estabelecido que a função museológica do MuBE seria a de documentar e preservar o acervo público de esculturas da cidade de São Paulo.
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foto: Nelson Kon
foto: Pedro Kok
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David Sperling, o próprio sistema de arte no Brasil não está pronto para receber e lidar com a proposta de relação entre museu, arte e vida trazida pelo MuBE; talvez simplesmente não haja interesse em fazer essa proposta vingar. E o MuBE, enquanto seu potencial permanece adormecido e ignorado, segue administrado segundo o que há e mais conservador em gestão de museus. (SPERLING, 2011). Esta decisão de cercar todo o terreno com gradis, alheia à intenção do projeto de Mendes da Rocha, implicou na perda do significado da praça em torno ao museu enquanto espaço público com atributos de apropriação democrática, culminando no desvirtuamento da concepção do arquiteto, a concepção do museu e da praça como um lugar público inter-relacionado. Sperling aponta assertivamente o processo que deu origem a esta ação:
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“Neste país, um dos mais injustos socialmente, a construção de grandes centros privados multifuncionais, de condomínios fechados, de grades protegendo o privado, de grades protegendo o público (!), surgem como resposta a uma necessidade: segurança. A paranoia instaurada funciona para a manutenção de bens privados e do poder público. Se a percepção do espaço privilegia amplos espaços à restrição da liberdade, um imenso mecanismo funciona em oposição: a claustrofobia cede espaço a agorafobia e a sensação de sufocamento presente em lugares fechados é substituída pelo temor das áreas livres.” (SPERLING, 2011, para o portal online Vitruvius)14 A possibilidade de articulação física e integração com o Museu da Imagem e do Som (MIS), situado no terreno vizinho ao MuBE, também foi enterrada por essa decisão. Acredito que o conhecimento do ocorrido com o MuBE seja fundamental para entender o que está também acontecendo com a nova sede do MAC-USP, pois o terreno onde está o Palácio da Agricultura encontra-se atualmente cercado por gradis metálicos, impedindo que a circulação dos pedestres no plano da rua se articule com os acessos ao museu. Esta situação é extremamente insatisfatória, sobretudo se observarmos o acesso ao museu pela passarela que liga o MAC-USP ao Parque Ibirapuera (será apresentado nos próximos capítulos). O fechamento do terreno também constitui uma deturpação das intenções contidas no projeto original de Oscar Niemeyer para o edifício, afinal o destacamento do solo proporcionado pelos pilotis em “V” tinha uma razão de ser, e esta era a livre circulação pelo térreo, tornando-o uma extensão da rua. O caso do MuBE poderia ter servido ao projeto da nova sede do MAC como exemplo do que não fazer, atentando para as graves consequências que ações deste tipo – negar à população o uso democrático do espaço através da imposição de barreiras aos equipamentos podem causar em um espaço inicialmente pensado para a celebração da coletividade. *** Até aqui foram vistas algumas das características e consequências da “virada cultural”, 14. http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.018/828 - último acesso em 05/11/2012.
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quando, a partir da década de 1960, os museus passaram a adquirir cada vez mais importância no cenário urbano, através de transformações impulsionadas pelos processos artísticos contemporâneos e pela associação entre a arte e a cultura de massas. Procurei fazer um breve panorama do estabelecimento da cultura de museus, primeiro em um recorte abrangente, seguido de uma observação do caso paulistano e incluindo um olhar mais aproximado para dois museus de arte da cidade. A compreensão deste panorama geral da cultura de museus e a questão da inserção destes no tecido urbano servirá de ponto de partida para o desenvolvimento dos próximos capítulos, onde serão observados os projetos para a nova sede do MAC-USP no Palácio da Agricultura, seguida da análise da sua inserção urbana e da reforma de adaptação executada no edifício.
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CAPÍTULO 2 Trajetória (espacial) do MAC-USP
Origens e características do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
As doações do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo e das coleções particulares de Francisco Matarazzo Sobrinho e Yolanda Penteado à Universidade de São Paulo deram origem ao MAC-USP. Inicialmente, a intenção era que o MAM-SP ocupasse uma sede no então recém criado campus da USP no bairro do Butantã e, pertencendo à universidade, estaria abrigado por uma instituição capaz de mantê-lo corretamente; ao menos assim declarava o seu presidente, Francisco Matarazzo Sobrinho, o “Ciccillo”, que desde o início de 1961 procurava meios para remediar as constantes crises financeiras pelas quais o museu passava. O MAM-SP, assim como aconteceu posteriormente com o MAC-USP, teve problemas em obter uma sede adequada desde a sua criação, em 1949. No período de 1949 a 1956, o museu ocupou um espaço no edifício dos Diários Associados, na Rua 7 de abril, edifício onde também estava instalado o Museu de Arte de São Paulo, o MASP, desde 1947. Subsequentemente, o museu ocupou dois espaços distintos no complexo do Parque do Ibirapuera; primeiro o Pavilhão das Artes e das Exposições (OCA) e, posteriormente, o pavilhão das culturas brasileiras, até a doação do seu acervo à Universidade de São Paulo em 1963. Na época, a ida do Museu de Arte Moderna para o novo campus da Universidade de São Paulo estava em sintonia com os preceitos modernizadores de planos urbanísticos recentes, representados pelas construções do complexo do Ibirapuera, de 1954, e de Brasília, inaugurada em 1960. O primeiro fora encomendado por uma comissão também presidida por Ciccillo por ocasião do aniversário do IV centenário da cidade de São Paulo. O mecenas encomendou o projeto dos edifícios do parque Ibirapuera ao arquiteto modernista mais reconhecido no Brasil, especialmente após a construção do complexo da Pampulha, Oscar Niemeyer; o projeto deveria representar o progresso tecnológico, o desenvolvimento e demais virtudes associadas ao estilo moderno. A nova Cidade Universitária era entendida por muitos como a promessa de uma “pequena Brasília” em São Paulo, um importante e moderno plano urbanístico onde o MAM poderia finalmente encontrar seu lugar adequado. (MAIA NETO, 2004)
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As negociações entre a reitoria da universidade e a presidência e diretoria geral do museu deu origem à minuta do convênio MAM-USP para instalação do museu no novo campus, e a escolha do local da edificação ficaria à cargo do então recém-criado Fundo de Construção da Cidade Universitária. A partir daí teve início um grande esforço por parte de Mario Pedrosa, o diretor geral do museu na época, no sentido de orientar a escolha do local de implantação, que deveria ser no core do campus – uma grande praça cívica e coração da universidade, onde ficariam a reitoria, a Aula Magna, a biblioteca central e o Museu de Arte Moderna - em oposição à localização na “praça dos museus”, que concentraria todos os museus da USP numa mesma área. O arquiteto Franz A. Heep elaborou um anteprojeto do MAM no core da Cidade Universitária, proposta que deixou de ser mencionada nas correspondências entre MAM e USP quando o conselho do Fundo de Construção da Cidade Universitária escolheu Oswaldo Bratke para o elaborar o projeto da área. Através das várias administrações do campus ao longo dos anos, com prioridades e visões diferentes, o planejamento da Cidade Universitária foi se perdendo e o core, assim como o projeto de HEEP, tornou-se mais uma das iniciativas que não foram implantadas. Segundo Maia Neto, “a correlação de forças naquele momento, dentro e fora da universidade, foi desfavorável à proposta de Pedrosa/Bratke.” (MAIA NETO, pág. 33.) Em decorrência da permanente crise financeira do MAM, foi convocada uma assembleia extraordinária, realizada em 23 de janeiro de 1963, na qual foi formulada, pela diretoria do MAM, a dissolução da sociedade civil do museu e a transferência de seu patrimônio para a Universidade de São Paulo. Como dito anteriormente, a justificativa era o fato de a USP dispor de grande quantidade de espaços para a instalação de um edifício para o museu além de recursos e meios para a realização e desenvolvimento das atividades que cabiam a um museu do porte e da importância do MAM; Ciccillo, que já era presidente do museu, foi escolhido como o único responsável pelo procedimento de transferência do acervo, justificada sempre pela falta de recursos privados para manter as obras. Nessa ocasião havia a intenção de se criar um Instituto de Artes1 na universidade, 1. A decisão de manter o agrupamento dos cursos de arte e de comunicação em uma única escola e sob uma única diretoria ainda é muito debatida, epsecialmente por aqueles - professores, alunos e funcionários - que desejam um instituto de artes independente, principalmente em virtude da má qualidade dos espaços físicos destinados aos cursos de artes plásticas, artes cênicas e música da ECA.
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Axiometria e planta da proposta de Franz A. Heep para o edifício do MAM-SP no core do campus. Fonte: tese de Renato de Andrade Maia Neto
que ficaria responsável pelo acervo e pela programação do museu. A USP, no entanto, só veria a fundação da sua Escola de Comunicações e Artes em 1966, e o departamento de artes plásticas só seria fundado cinco anos mais tarde, em 1971. Segundo Renato Maia Neto, as ações de Ciccillo podem ser encarados como sendo resultado de determinações variadas: de ordem política, afetiva ou desejo de projeção pessoal. Sua coleção pessoal e acervo do MAM – formado através de doações de artistas, de outros colecionadores, obras reunidas com esforço conjunto e verba de diferentes origens– confundiram-se em um único presente, gesto da magnanimidade e filantropia de Ciccillo Matarazzo; a projeção de sua figura como mecenas da arte em São Paulo certamente vingou, e Ciccillo garantiu sua imortalidade ao associar para sempre seu nome com a criação do primeiro Museu de Arte Contemporânea do Brasil. Renato Maia Neto afirma ainda que Ciccillo Matarazzo, além de doar sua coleção particular, manobrou a assembleia que tratou da transferência do MAM para a USP. (MAIA NETO, 2004) Alguns membros da antiga sociedade civil do MAM foram sempre contrários às ações de Ciccillo na presidência do MAM-SP, embora minoria vencida. Após a transferência de quase todo o acervo do museu para a USP, o MAM, como instituição independente da universidade (uma vez que o convênio entre as duas partes para a construção de um edifício no campus não havia sido firmado), encontrava-se em frangalhos, sem sede e agora sem conteúdo expositivo, mas sua sociedade civil não fora liquidada e alguns de seus sócios resolveram reavivá-lo. Durante muito tempo, porém, o museu existiu apenas como pessoa jurídica, cuja função principal era captar recursos para a realização das bienais. Para abrigar e administrar o acervo de obras que passaram a pertencer à USP, foi criado o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo: o nome fora sugerido por Sérgio Buarque de Holanda e Walter Zanini, escolhido para ser o primeiro diretor do museu, pois o nome Museu de Arte Moderna ainda pertencia à antiga sociedade civil do MAM-SP. Ao contrário, porém, do que se poderia esperar
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dados os conflitos que marcaram sua criação e a situação de “implantação” extremamente inadequada em que sempre se encontrava o museu (explicada e analisada mais adiante), o MACUSP, sobretudo através das ações de Walter Zanini, apresentou um trabalho bastante intenso nos seus primeiros anos de existência. Apesar de a escolha do nome do museu ter se originado de uma questão burocrática, a administração do seu primeiro diretor procurou adequar as atividades do museu ao esperado de uma instituição ligada à arte contemporânea, procurando estabelecer uma política de aquisição de obras recentes e abrindo espaço para novas mídias e tendências nas artes visuais além de possibilitar a atuação de jovens artistas plásticos no espaço do museu através das JAC’s.2 Segundo Annateresa Fabris em artigo de abertura dos Anais do XXIX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Zanini pautou sua atuação junto ao MAC-USP pela “atualização e pela revisão crítica do passado recente das manifestações contemporâneas e pela promoção das novas possibilidades que se abriam para a criação a partir da década de 1960, desde o questionamento dos suportes tradicionais até a divulgação das experiências conceituais, da arte postal, da videoarte, da performance, entre outros”. (FABRIS, 2009, pág. 19.) A autora completa seu artigo chamando a atenção para o trabalho que poderia ter sido feito caso Walter Zanini tivesse contado com mais recursos e melhores condições de trabalho, sobretudo uma sólida estrutura administrativa; afinal, mesmo com todos os entraves impostos pela falta de autonomia do museu dentro da USP, seu primeiro diretor havia conseguido transformar-se, através da sua gestão, em “uma figura de proa na definição de uma ideia de museu e de gestão cultural”. (FABRIS, 2009, pág. 20.)
2. As “JAC’s” foram mostras da Jovem Arte Contemporânea, nas palavras de Renato de Andrade Maia Neto, eram “exposições que valorizavam prioritariamente o processo de criação de instalações e as performances, que atingiram o ápice em 1972, na VI JAC.(...) Constituiu, sem dúvida alguma, importante afirmação conjunta da vanguarda no país, pelo caráter experimental da manifestação, permitiu ampla e sui generis participação de jovens artistas, que apresentaram trabalhos de arte objetual, arte ambiental, happenings e arte conceitual e suscitou interesse e repercussão além das fronteiras nacionais.”(2004, pág. 46;48)
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O primeiro espaço ocupado pelo MAC-USP - Pavilhão Ciccillo Matarazzo
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Pavilhão da Bienal
Imagem da entrada do MAC-Ibirapuera, com acesso pelas rampas na parte posterior do Pavilhão da Bienal. Foto: arquivo pessoal
O novo museu, à época de sua fundação, não possuía sede para abrigá-lo no também novo campus da USP, e acabou sendo instalado em uma parte do terceiro andar do edifício Ciccillo Matarazzo (antigo Palácio das Indústrias) no Parque Ibirapuera. É importante lembrar que, tal como o MAC até o início de 2012, o MAM sempre ocupou espaços incompatíveis com a sua importância e suas atividades, estando hoje instalado em uma construção bastante modesta, adaptada por Lina Bo Bardi, sob a marquise do Ibirapuera; ou seja, os dois museus acabaram instalados num espaço urbano comum, muito próximos fisicamente. O MAC-USP, tal qual o MAM, ocupa este espaço até hoje, “provisoriamente há 50 anos”3, enquanto transfere lentamente seu acervo para a nova sede. O uso do espaço cedido ao MAC-USP no pavilhão da Bienal sempre teve caráter provisório, por mais que a ocupação tenha se estabelecido por tantos anos. Esta situação fez com que se engessasse qualquer possibilidade de ampliação física dos espaços destinados ao MAC ou qualquer modificação significativa da configuração interna do pavimento, questão agravada ainda mais pelo fato de se tratar de um patrimônio tombado. Enquanto aguardava a construção da sua sede na Cidade Universitária, o museu enfrentou variadas dificuldades, trazidas com a inadequação do espaço ao abrigo e exposição do acervo e também com as consequências do uso compartilhado do pavilhão. O edifício apresentava diversos problemas relativos à manutenção, como infiltrações de água das chuvas e outros problemas de intempéries. Por vezes as goteiras chegaram a interditar espaços expositivos além de haver grande infiltração de sujeira e pó nas salas usadas como reserva técnica, o que preocupava os técnicos do museu e agravava as condições já inadequadas de preservação das obras. Esta inadequação se estendia também para algumas características do estilo moderno da construção: o sistema de “cortina de vidro” do pavilhão, utilizado para conferir leveza, transparência e abundância de iluminação natural, representava um verdadeiro entrave ao controle de temperatura e luminosidade necessário para a exposição e conservação 3. Cristina Freire, atual vice-diretora do MAC-USP, entrevista dada à autora, em 13 de agosto de 2012.
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de algumas obras. Segundo a tese de Maria Gabriela Caffarena Celani, o excesso de luz natural dentro do edifício ocorria em virtude de uma deturpação do projeto original de Niemeyer, que previa brises ao longo das fachadas leste e oeste do pavilhão. Durante uma das reformas mais recentes no pavilhão da Bienal, os brises (que já haviam sido instalados na fachada oeste, do lado oposto à entrada do MAC-USP) e caixilhos foram retirados das fachadas, expondo o acervo às variações climáticas e deslocando o corpo técnico e administrativo do museu para espaços ainda mais inadequados em outro andar do edifício. Em lugar de grandes alterações, que não poderiam ser efetuadas, os funcionários do MAC optaram por medidas paliativas para adequar minimamente o espaço. Alguns vidros foram pintados por dentro com a cor preta, outros foram pintados de branco na tentativa de obter uma luminosidade mais difusa, suave e sem grandes ganhos térmicos. Os painéis cenográficos eventualmente eram usados como brises internos, posicionados em frente às janelas para barrar a entrada de luz. Por falta de abrigo adequado e em virtude da amplitude do espaço, os desumidificadores ainda hoje ficam à mostra no espaço expositivo, próximos às obras. O espaço só recebeu equipamentos de controle de temperatura no ano 2000. Ademais, o museu sempre esteve sujeito às interferências provocadas pelas demais atividades realizadas no pavilhão, que abriga uma série de feiras e eventos, além das bienais. Os funcionários do MAC temem até hoje uma possível sobrecarga das instalações elétricas do edifício, que poderiam levar à falta de energia, crucial para a realização das atividades do museu, ou
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Passarela Ciccillo Matarazzo
As imagens mostram as condições dos acessos de pedestres ao MAC-Ibirapuera, a partir do Pavilhão da Bienal e da passarela Ciccillo Matarazzo - sem calçadas ou sem pavimentação. Na foto aérea está marcado o ponto de onde as fotos foram tiradas, uma convergência de trajetos até as rampas.
até mesmo provocar incêndios. Estes eventos realizados nos demais espaços do pavilhão trazem outras interferências, como ruídos altos, além de utilizarem as rampas de acesso ao MAC para movimentação de cargas. Este acesso é também muito precário: a única maneira de visitar o museu é por meio destas rampas, bastante inclinadas, previstas como saída de emergência no projeto original. Só chega até estas rampas o transeunte que, por qualquer motivo, dê uma volta ao redor do edifício, ou que esteja adentrando o parque pelo portão mais próximo à saída da passarela
As imagens mostram a rampa em vista lateral, o carrinho que faz a subida de visitantes com dificuldades físicas e a recepção do museu. Fotos: arquivo pessoal
Plantas das áreas ocupadas pelo MAC-USP no Pavilhão da Bienal, em 1971 e em 2001 após a reforma e ampliação do espaço expositivo. Fonte: tese de Renato de Andrade Maia Neto.
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Ciccillo Matarazzo. A maior parte dos usuários do Parque Ibirapuera vê na marquise o grande atrativo espacial e esta mesma marquise leva à entrada principal do pavilhão, lado oposto ao das rampas de acesso ao MAC. Não há nenhuma ligação pavimentada entre as rampas e o restante do parque; não há nem mesmo calçadas. Para que idosos e deficientes possam subir ao piso do museu, é necessário tocar uma campainha e aguardar para que apareça um funcionário guiando um carrinho motorizado, igual àqueles que circulam pelo parque durante o horário de visitação. É interessante a leitura da tese de Celani, que analisa as condições físicas de espaços adaptados para museus, pois aborda a situação do MAC-USP no ano de 1989, assustadoramente idêntica à atual. A autora comenta, acertadamente, que a ocupação de parte de um pavimento do pavilhão da Bienal não colocava o MAC em posição de destaque, mesmo estando dentro do parque do Ibirapuera e próximo de outros equipamentos culturais muito frequentados; segundo a autora, só quem possuía a intenção prévia de visitar o museu especificamente é que o fazia, já que o acesso deve ser feito pela parte de trás do edifício, área pouco visível e pouco movimentada. “(...)não se passa em frente ao MAC e se entra por curiosidade ou porque ele está perto; (...) a longa rampa que se tem de subir para chegar até ele não é nada convidativa, principalmente para aqueles que não sabem se a escalada vai valer a pena.” (CELANI, 1989, pág.41) Esta conjuntura contribuiu muito para o esforço de algumas diretorias do MAC-USP, sobretudo na década de 1980, para que a universidade providenciasse uma sede adequada ao museu4. Os entraves na trajetória espacial do MAC serão comentados no capítulo seguinte, mas antes é preciso entender a configuração do MAC-Bienal. A diretriz museográfica do espaço expositivo do MAC-Bienal é aquela de um museu 4. É importante mencionar também que o MAC-Ibirapuera é frequentemente confundido com o MAM, mesmo pelos funcionários do parque, como pude observar em diversas visitas. É também irônico, para não dizer muito triste, ver os dois museus fisicamente tão próximos e mantendo relações tão distantes, apesar do pano de fundo histórico que os relacionará para sempre. Em contraposição ao “esconderijo” do MAC-USP no pavilhão da Bienal, o MAM está localizado sob o elemento arquitetônico mais bem quisto e aproveitado do parque, o que lhe garante contato com o visitante, mesmo não se tratando de uma construção adequada para o museu.
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Imagens do espaço expositivo. Na primeira imagem é possível ver os vidros escurecidos e os painéis bloqueando a luz solar. Fotos: arquivo pessoal
moderno, principalmente em virtude das características formais do pavilhão, um típico exemplar arquitetônico modernista. A associação da planta livre com a cenografia de paredes brancas5, típica da fase em que os pintores e escultores modernistas buscaram a autonomia de suas obras em relação ao espaço expositivo, que deveria ser “puro” e livre de interferências visuais. Em razão da transferência para a sede definitiva do museu, no Palácio da Agricultura, foi instalada no MAC-Bienal a exposição “MAC Em Obras”, na qual são expostas obras contemporâneas que desafiam os técnicos do museu das mais diversas formas: conservação, exposição, catalogação, etc. A exposição promove encontros abertos com alguns dos autores destas obras, que discutem o fazer artístico contemporâneo com os visitantes, assim como os processos que levaram à criação da obra exposta e os desafios que ela representa para o museu e para a compreensão do público. O MAC-USP não permite a visitação às suas reservas técnicas, porém, a atual vicediretora do museu, Cristina Freire, explicou-me6 (em entrevista concedida em agosto de 2012) que a reserva técnica do MAC-Bienal abriga grande parte do acervo, principalmente obras de grandes dimensões e doações feitas ao museu por artistas que participam das bienais. Algumas destas obras permaneceram no local por não caberem em nenhuma das salas expositivas do edifício do MAC-sede na Cidade Universitária, ou por simplesmente não passarem pelas portas de acesso a essas salas. Imagens da exposição “MAC EM OBRAS”; parece vazia à primeira vista, como um espaço em construção. O conteúdo, no entanto, considero-o excepcional. A exposição é bastante didática e convida o espectador a entender o funcionamento do museu e os desafios que enfrenta diante da “insubordinação” de certas obras. Fotos: arquivo pessoal
O museu, a universidade e o governo – os embates políticos, burocráticos e seus reflexos na construção do museu.
Como comentado anteriormente, houve um esforço enorme por parte de muitos dos gestores e funcionários do MAC-USP, desde sua criação, para que o museu obtivesse uma sede própria e adequada no novo campus da Universidade de São Paulo. A inserção do museu na 5. Termo utilizado por Lisbeth Rebollo para se referir ao cubo branco modernista, no livro “Entre Cenografias”, 2004, São Paulo. Edusp/Fapesp. 6. Idem nota 3.
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Cidade Universitária, nos moldes em que foi realizada, provou estar muito aquém do idealizado pelos seus primeiros gestores, para os quais a busca por uma nova sede havia sido tarefa bastante árdua. As “falhas” desta conformação espacial-institucional do MAC dentro do campus podem ser identificadas tanto em relação à provisão de espaço adequado quanto ao desenvolvimento das atividades museológicas perante a cidade. Por ter dependido sempre da captação de recursos privados para complementar o irrisório orçamento a ele destinado pela reitoria, entre outros motivos envolvendo a falta de autonomia do museu, o MAC-USP passou a sentir os efeitos negativos de pertencer à universidade. Desde as últimas décadas, o discurso do museu vem mudando, de ser “um museu para os estudantes” para ser um “museu para toda a população”. Ou seja, percebeu-se que ser um museu da universidade não necessariamente implica em ser um museu na universidade, e que as vantagens desse vínculo - ser um museu ativo no campo da pesquisa e na oferta de atividades didáticas, não tendo de responder às expectativas mercadológicas - seriam as mesmas independentemente da localização da sede. Não obstante, dois edifícios foram ocupados pelo museu no campus da USP no Butantã, o MAC-sede e o MAC-Anexo; o primeiro, fruto de estudos preliminares de Carlos Lemos, construído em frente à reitoria da universidade; o outro, uma construção pré-existente ao lado da reitoria7. Para compreender como funcionam, é importante entender o significado do projeto da Cidade Universitária para a cidade de São Paulo, sua evolução, e também as expectativas geradas pela promessa de implantação do recém-criado museu do novo campus; trata-se de uma tentativa de identificar os motivos que levaram o MAC às condições – espaciais e institucionais – em que se encontra atualmente. A história e o alcance dos entraves políticos e burocráticos na construção do museu, física e institucional, vão sendo apresentadas à medida em que se observa a formação do campus e os diversos projetos arquitetônicos feitos para o MAC-USP ao longo de sua trajetória.
7. A história destas construções e suas atuais condições, assim como outros projetos não realizados de edifícios para o museu, no campus e também fora dele, serão comentados mais adiante.
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LEGENDA principais acessos exclusivos para pedestres principais acessos de veículos sede do MAC-USP N
edifício anexo do MAC-USP
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Vista aérea da Cidade Universitária
Sobre a Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira
A cidade universitária Armando Salles de Oliveira, a C.U.A.S.O., foi projetada segundo princípios do urbanismo funcionalista, então de acordo com a prática estabelecida pelos arquitetos modernistas no Brasil nos anos 1950. A construção (recente) da nova capital federal impulsionou o esforço de se construir em São Paulo um campus universitário nos moldes de uma “pequena Brasília”, uma forma de contrapor a construção desordenada e caótica da cidade de São Paulo;
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Seria criada, então, uma grande área urbana organizada e funcional, destinada a receber a elite intelectual do país através da concentração das escolas da Universidade de São Paulo em uma só região. O novo campus fazia parte dos planos da USP desde a década de 1930, porém, mais uma vez, a falta de investimento público foi a culpada pelo adiamento do projeto até a década de 1960 – ocorrido, possivelmente, apenas por vontade política do regime militar, que teria procurado afastar os estudantes das áreas centrais da cidade. A ocupação do terreno ocorreu aos poucos, e embora houvesse um projeto de desenho urbano (interno) geral, seguindo diretrizes específicas, os edifícios das escolas e faculdades foram projetados e construídos autonomamente, criando conjuntos bastante heterogêneos, sem articulações entre si, sem diálogo com o entorno ou preocupações em estabelecer percursos para pedestres ligando os principais pontos de interesse. Também não foram previstos meios de expandir os edifícios, motivo pelo qual muitos cursos acabaram relegados a edifícios anexos não planejados, muitas vezes inadequados a realização de atividades acadêmicas. Foram implantados grandes bolsões de estacionamento em cada uma das unidades, privilegiando o acesso dos automóveis particulares e afirmando o caráter rodoviarista do desenho da região; além disso, em todo o campus restaram recortes de terreno gramado inutilizados e malcuidados – alguns destes espaços acabaram vítimas de um paisagismo lamentável, principalmente as rotundas, que viraram verdadeiros bloqueios à circulação de pedestres, não podendo nem mesmo ser atravessadas pelos transeuntes. À época da doação do acervo do MAM para a Universidade de São Paulo, é possível que se acreditasse que a Cidade Universitária traria desenvolvimento organizado para a região do Butantã, até então pouco ocupada. A articulação com a cidade, porém, era frágil apesar de a ponte Cidade Universitária já ter sido inaugurada. Essa configuração não sofreu grandes alterações desde então, e o campus possui atualmente apenas 3 portarias e alguns acessos para pedestres que são fechados após as 20:00h, notadamente aqueles que ligam o campus à favela São Remo e à ponte da Cidade Universitária. Importante também mencionar que o trajeto de pedestres entre o campus e a estação Cidade Universitária da CPTM, passando pela ponte até a porta de acesso, é extremamente perigoso e acidentado; os pedestres e ciclistas têm que atravessar uma das saídas
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de veículos da Marginal Pinheiros pela qual os motoristas passam em alta velocidade; não há semáforos e a faixa de pedestres nem sempre é respeitada. A entrada para o campus é feita por uma porta recortada no muro que delimita o campus, cercada de mato alto e mal iluminada, cuja largura não permite a entrada de cadeirantes (se estes conseguissem chegar até o local...). Ao contrário do que se imaginava, a ocupação urbana não ocorreu de forma ordenada na região, com a formação de favelas e bairros horizontalizados sobretudo à oeste do campus, ao longo da avenida Corifeu de Azevedo Marques. A relação que o campus estabeleceu com este entorno é de fechamento quase completo, com longas extensões de muros altos, cuja construção se justifica na “necessidade de segurança”. A única interferência trazida por estes muros é a barreira visual ao interior da Cidade Universitária e o obstáculo à entrada de veículos e à transposição rápida dos espaços pelos pedestres, mas certamente não garante qualquer segurança; nem mesmo a presença da Polícia Militar no campus foi capaz de inibir o grande número de assaltos e roubos no interior do campus nos últimos anos, deixando claro que o problema da segurança vai muito além destas questões. O metrô só chegou à região na metade do ano de 2011, relativamente afastado da entrada da C.U.A.S.O., e da estação ao campus o trajeto é feito por duas linhas de ônibus, gratuitas para estudantes e funcionários da universidade, sendo que os demais passageiros tem de pagar pelo transporte. As demais linhas de ônibus que dão acesso ao campus seguem um itinerário diferenciado, com restrições aos fins de semana, e aos domingos a Cidade Universitária fechase completamente para o transporte público, gratuito ou não. Os ônibus circulares, restritos ao interior da Cidade Universitária, também não funcionam aos domingos. O campus é utilizado como opção de lazer, assumindo funções de um parque urbano na região, ainda que não possua circulação interna e equipamentos característicos dessa tipologia urbana; aos fins de semana, quando grande parte do público possui tempo disponível para as atividades de lazer, sendo os dias de maior procura do campus sobretudo para atividades físicas, aqueles que não possuem veículo particular não podem acessar a C.U.A.S.O. através dos ônibus, ficando o MAC-USP sujeito ao isolamento decorrente também desta configuração. A Cidade Universitária tornou-se um bairro afastado, desconectado e totalmente diferente dos
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outros bairros da cidade. Mas que impacto isso tem para a própria instituição museu, este afastamento da população? A relação entre a cidade e uma instituição com as atribuições didáticas de um museu universitário – e do porte do MAC-USP – deveria ser, para citar o mínimo, de mútuo conhecimento e fácil acesso. Digo mútuo conhecimento porque, do ponto de vista da instituição, não há o domínio de um espaço urbano que lhe permita fundamentar e estabelecer um relacionamento com a cidade e com o público visitante de caráter mais permanente e contínuo; não há, na realidade, a formação democrática de um público visitante heterogêneo. Do ponto de vista dos visitantes, no que diz respeito ao conhecimento da instituição, mesmo que seja só visualmente, a relação não se desenvolve, dado o estado de fragmentação física e isolamento do urbano do museu e seu acervo. O que de início parecia ideal e perfeitamente justificável – um museu de importância internacional dentro da maior universidade do país – passou a representar um entrave ao desenvolvimento das atividades museológicas e didáticas do MAC perante a cidade de São Paulo. Obviamente o descaso de algumas administrações, do governo e da reitoria, na obtenção de uma sede adequada para o museu contribuíram incomensuravelmente para a situação de retraimento do museu. A inserção dos edifícios ocupados pelo MAC na C.U.A.S.O. (MAC-Sede e MAC-Anexo) também manifesta a carência de um projeto que desenhasse o espaço do entorno de forma a articulá-lo com os acessos dos edifícios , com os principais fluxos de pedestres, que buscasse estimular a visita ao museu ou até proporcionasse sua apropriação pelos visitantes, ou mesmo para quem estivesse apenas de passagem pelo local. Pontuada por algumas esculturas que já manifestam as patologias causadas pela exposição às intempéries, a área em frente à entrada do museu constitui-se de recortes de gramados, alguns levemente elevados em relação aos caminhos pavimentados, que não convidam à interação, sem bancos e com uma pavimentação que o atravessa longitudinalmente (interrompida pelo acesso de veículos de carga) e outra que leva à porta do edifício; quem caminha até o local vindo pela Praça do Relógio tem seu trajeto bloqueado duas vezes por blocos de concreto (colocados ali para impedir a entrada de carros na praça) e pelos carros que estacionam em frente ao mesmos, desrespeitando o cruzamento em lombo-faixa para pedestres de ambos os lados da Rua do Anfiteatro.
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Ao invés de se criar, por exemplo, um jardim para o museu com características de praça pública, equipado com descansos para receber aqueles que vem da árida Praça do Relógio, e funcionando também como continuação do espaço expositivo, o espaço em frente ao MAC-Sede acabou se tornando mais um “lugar de ninguém” dentro da Cidade Universitária. É relevante lembrar que, antes dos estudos preliminares de Carlos Lemos para o MACUSP, houve um plano urbanístico para o local de inserção do museu dentro da própria C.U.A.S.O., o projeto do core do campus, conformando um espaço central articulador das unidades da USP, amplamente acessível para os frequentadores do local. Entretanto, só é possível especular, e sem precisão, as possibilidades de articulação e integração entre museu e espaço urbano da Cidade Universitária caso o projeto do core tivesse sido implantado; ficará apenas no plano da imaginação se a importância adquirida pelo MAC-USP teria sido outra caso o museu tivesse obtido sua sede própria prontamente, caso tivesse recebido investimento financeiro condizente com suas necessidades ou – como imaginou Annateresa Fabris – caso Walter Zanini, ou outros diretores dedicados, pudessem ter ficado à frente do museu por mais tempo. Ainda assim, em última instância, acredito que a acessibilidade da Cidade Universitária diante do restante da metrópole é o fator mais determinante no estabelecimento da relação entre museu e cidade.` O projeto de Paulo Mendes da Rocha e
Jorge Wilheim para o MAC-USP
Em função de pertencer à universidade, o MAC-USP está sujeito a alterações constantes na sua política orçamentária e administrativa ligadas às eleições para a reitoria da USP, que ocorrem a cada quatro anos. A escolha da ocupação do cargo de diretor do museu cabe sempre ao novo reitor da universidade, ou seja, a cada 4 anos surge um novo diretor do MAC e as diretrizes utilizadas nos últimos 4 anos na instituição nem sempre encontram continuidade a cada novo contexto. Bons exemplos disso podem ser encontrados em cada uma das tentativas de construção de uma sede apropriada para o museu, que se iniciavam promissoras em um determinado mandato, contando com o entusiasmo da direção, da reitoria e do governo (mas nunca dos três ao mesmo tempo) e, por vezes, perspectivas de grande investimento financeiro com a contratação de um arquiteto
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competente e renomado para executar a tarefa. Concomitantemente à criação do MAC-USP, tiveram início as constantes solicitações por parte do conselho e da diretoria do museu para que o MAC obtivesse uma sede na Cidade Universitária, salientando a precariedade da instalação do museu no pavilhão da bienal, sobretudo as condições inadequadas para a conservação do acervo no local, sem a possibilidade de climatização. Mas foi somente em 1970, apos 7 anos de existência, que o museu obteve a primeira indicação da possibilidade de construção de uma nova sede, quando o reitor Miguel Reale manifestou a intenção de transferir o MAC para a Cidade Universitária e procedeu-se à liberação de algum recurso para as despesas com a encomenda de um anteprojeto. Seguindo o ritmo lento das decisões acerca das prioridades orçamentárias, provocado pelas diferenças entre diretrizes administrativas, em 1974 foi decidido que seria realizado um concurso para a sede do MAC. Esta ideia acabou não vingando e foi estabelecido um acordo segundo o qual o MAC apresentaria o nome de alguns arquitetos de reconhecida capacidade para trabalhar com Jorge Wilheim, que já havia elaborado alguns estudos para a sede a pedido do prefeito do campus, Luciano Bernini. A escolha do arquiteto ficaria a cargo do Fundusp. O arquiteto escolhido foi Paulo Mendes da Rocha, que elaborou junto com Wilheim o anteprojeto para a nova sede do MAC-USP, apresentado ao público em exposição no próprio museu em 1975. As características arquitetônicas do projeto são comentadas detalhadamente na tese de Renato de Andrade Maia Neto, cabendo neste capítulo apenas ressaltar dois aspectos envolvendo este projeto. O primeiro deles é a preocupação dos arquitetos com o entorno, na implantação do edifício. Não pretendo me aprofundar nesta análise, pois esta questão é assunto da próxima parte do trabalho, onde o olhar recairá sobre edifícios construídos, ocupados pelo MAC ou por outros museus, e sua relação com o entorno urbano
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Maquete da Implantação do MAC de Paulo Mendes da Rocha e Jorge Wilheim. Na imagem é possível observar o projeto paisagístico proposto para a articulação com o core do campus, assim como a passarela de transposição do rio Pinheiros.
Maquete do projeto.
Corte transversal
Corte longitudinal
através da implantação. Julgo importante, no entanto, ressaltar a atenção dada ao entorno no projeto de Paulo Mendes da Rocha e Jorge Wilheim para então comentar como a falta de autonomia do museu frente à administração universitária acabou minando este projeto e provocando o acanhamento do projeto seguinte, sucessivamente modificado até o completo desvirtuamento da sua intenção inicial. Acredito que havia uma grande animação girando em torno deste projeto, em 1975, que motivava os arquitetos, também os funcionários do museu e a comunidade USP em geral, em grande parte por se tratar da primeira tentativa de construção da nova sede do MAC-USP, ansiosamente aguardada havia 12 anos. Apesar do comprometimento dos arquitetos em corresponder às expectativas, o projeto não ficou livre de pequenas falhas que deixam transparecer a dificuldade comum a muitos projetos de museus, previamente comentada, de equacionar arquitetura e museologia/museografia. Não obstante, o projeto garantia ao museu uma área útil de 34.963m2, reunida em um formidável exemplar da arquitetura brutalista do período, cuja implantação fora cuidadosamente estudada e concebida; localizado no core da Cidade Universitária, onde hoje fica a Praça do Relógio, e próximo à avenida da raia olímpica, o edifício apresentava-se em uma forma semelhante a uma nau suspensa, elevada em relação ao nível da rua, o que permitia a circulação livre sob o edifício e o acesso aos jardins de esculturas, permeados por espelhos d’água; os serviços previsivelmente mais procurados e diretos encontravam-se no nível térreo, tais como livraria, auditórios, sala de projeção, restaurante, salas para exposições de curta duração, etc.; foi imaginada uma passarela de pedestres para fazer a transposição do Rio Pinheiros, ligando o museu diretamente ao exterior do campus e ao centro expandido da cidade, pois na época esperava-se que fosse instalada uma estação do metrô no outro lado da margem. O projeto ainda previa a ligação com a praça maior do
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campus através de um esquema paisagístico, além de ruas de acesso, espaços adequados para estacionamento de veículos e um anexo que concentraria algumas das atividades que seriam comuns a outros museus da USP. O projeto foi exposto ao público na sede do MAC-USP no pavilhão da Bienal. A partir de então, muitas reuniões e discussões foram realizadas acerca da proposta de Mendes da Rocha, envolvendo membros dos conselhos administrativo, consultivo e da diretoria do museu, além dos arquitetos-autores e de benfeitores do MAC, como Yolanda Penteado. Quando do início da construção das fundações, porém, foi concluído pela empresa contratada para a realização das obras que a probabilidade de desbarrancamentos na região era muito elevada e uma outra solução para as fundações foi proposta, mas a custos muito elevados; este acontecimento gerou desentendimentos entre a construtora e o Fundusp. Apesar dos esforços de Yolanda Penteado, com seus apelos junto à Caixa Econômica Federal e a Secretaria do Planejamento para a captação de recursos, e devido às “mudanças de orientação na reitoria da USP e do MAC” (MAIA NETO, pág. 66), a obra foi descontinuada. Durante a pesquisa, frequentemente imaginei como o museu teria se desenvolvido na Cidade Universitária caso o primeiro projeto para a sua sede tivesse sido implantado. Talvez, considerando apenas a implantação dentro do campus, a apropriação e o uso dos espaços gerados pela inserção do museu, dentro da Cidade Universitária, tivessem sido mais bem sucedidos; talvez a passarela proposta por Mendes da Rocha e Wilheim tivesse garantido uma relação um pouco mais próxima com a população da cidade. Porém, são muitas as variáveis, inclusive essa tênue ligação com a cidade, através da transposição do rio, que dependeria da existência de outros equipamentos de infraestrutura para garantir sua funcionalidade; e estes equipamentos não foram implantados ou apareceram muito mais tarde, e longe dos locais imaginados ou ideais para a Cidade Universitária, como é o caso do metrô Butantã. O projeto de Carlos Lemos para o MAC-USP
Em 1978 foi encerrado o mandato de Walter Zanini na diretoria do MAC-USP, pois neste ano a reitoria estabeleceu algumas diretrizes novas para os museus da USP: a partir de
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então, a escolha do diretor do museu ficava a cargo do reitor da universidade, estabelecendo rotatividade peremptória do cargo e, consequentemente, possibilitando alterações nas diretrizes administrativas do museu a cada 4 anos. E assim ocorreu, de fato, pois a administração seguinte à de Zanini (Wolfgang Pfeiffer - 1978 a 1982) não adotou a obtenção da sede na universidade como prioridade, preocupando-se mais em aumentar a área ocupada pelo museu no Ibirapuera através de acordos com a Fundação Bienal de São Paulo8. A próxima oportunidade de sonhar com uma sede própria só viria na gestão de Aracy Amaral (1982-1986), que priorizou a construção do MAC na sua administração e conseguiu um entendimento com a reitoria para que o arquiteto Carlos Lemos realizasse o projeto, no qual seriam aproveitadas algumas das estruturas abandonadas do campus. O MAC-USP estava prestes a completar 20 anos de existência e a nova construção era crucial para tornar possível abrigar o acervo crescente9 em condições e espaços adequados. A luta agora era apenas pela obtenção de um espaço físico próprio dentro do campus e não mais por um edifício significativo na cidade, em sintonia com a importância do seu acervo e as exigências de um grande museu de arte contemporânea. A situação precária de armazenamento e exposição das obras no pavilhão da Bienal era a força motriz da transição, ainda que as premissas para a construção da nova sede estivessem muito aquém do desejado para o museu.
8. O sistema imposto, de mudanças constantes na gestão do MAC-USP, segue o caminho oposto ao modelo das grandes instituições museológicas em todo o mundo, que comumente são dirigidas por muitos anos por uma mesma equipe. O trabalho realizado (especialmente na área de intercâmbio e aquisição de obras, de montagem de coleções dentro do acervo de maneira coerente com o caráter do museu, e de elaboração das atividades e da programação dentro destas instituições) pode levar muitos anos e, eventualmente, as negociações entre museus para intercâmbio ou - compra e venda - de obras e de exposições, envolvem uma relação de confiança mútua entre seus dirigentes. A submissão de suas ações ao crivo da reitoria da universidade pode servir de entrave a esse tipo de atividade no MAC-USP; há peças a serem adquiridas para completar coleções do acervo e outras que deveriam ser trocadas por não se adequarem às linhas de pesquisa do museu, mas a burocracia envolvendo o patrimônio da universidade é capaz de inibir estas iniciativas. 9. Nesta época, Aracy Amaral já alertava para a necessidade de incremento orçamentário destinado a aquisição de novas obras, sem as quais o museu se tornaria datado e distante da prática contemporânea da arte. (MAIA NETO, pag. 70)
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Fonte: tese de Renato de Andrade Maia Neto
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Fonte: tese de Renato de Andrade Maia Neto
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Fonte: tese de Renato de Andrade Maia Neto
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O primeiro estudo de Carlos Lemos aproveitava duas estruturas preexistentes no terreno destinado a receber o novo edifício, uma delas o atual bloco G do CRUSP, (Centro Residencial da USP), onde o arquiteto sugeriu que se instalasse o Instituto de Estudos Brasileiros. O primeiro dos estudos feitos pelo arquiteto apresentava uma área total de 9138m2 que foi sendo gradualmente reduzida em estudos subsequentes, até atingir 3940m2. Os trâmites de revisão e adequação do projeto aos entraves10 apresentados pela equipe de engenheiros do Fundusp foram adiando o desenho do projeto final à medida que também era descaracterizada a concepção inicial do edifício. Os estudos preliminares de Lemos datam de 1984 a 1987, e nos desenhos pode-se observar a perda progressiva da área total do edifício até o desenho da planta final. A autoria de Carlos Lemos ainda era amplamente divulgada, embora o projeto houvesse mantido, desde a concepção inicial, quase que somente o nome do autor após passar por revisões de outros profissionais envolvidos. Na época a reitoria optou por devolver ao CRUSP as estruturas incorporadas no primeiro estudo preliminar, já que os estudantes fizeram muita pressão ao descobrir que perderiam um espaço de alojamento; isso significou a perda de mais da metade da área inicialmente prevista para a instalação do museu. Esse desencontro, de ordem política, entre as prioridades da reitoria e da diretoria do MAC-USP, gerou profundos desentendimentos entre seus representantes. Aracy Amaral despediu-se da diretoria do museu sob um manto de decepção, não tendo conseguido encaminhar a construção da sede durante a sua gestão. Carlos Lemos, em depoimento de 1995, dado à profa. Maria Cecília França Lourenço, acusou os arquitetos e engenheiros do Fundusp de sabotagem, pois os impedimentos levantados por eles à viabilidade do projeto mostraram-se contornáveis em administrações subsequentes; segundo Lemos, teria sido uma questão de “ciúme e má vontade”11. O edifício só seria entregue em 1992, ainda incompleto, durante a gestão de Ana Mae Barbosa. Ao invés de contornar um entrave político com a implantação de novas estruturas (o que garantiria a manutenção - ou aumento! – da área inicialmente prevista para o edifício do museu), a 10. Um destes entraves foi o argumento dos engenheiros do Fundusp de que havia um lençol freático muito próximo de aflorar na superfície do local de implantação do edifício. 11. In “Museus Acolhem Moderno”, pág. 36.
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reitoria da universidade tomou uma decisão política à qual seguiu-se a alegação de impedimentos financeiros para a realização das obras do museu; projeto foi sofrendo “podas”, perdendo espaços, sendo gradualmente reduzido ao acanhamento em que se encontra atualmente. Será que para delegar espaço ao museu é preciso tira-lo dos estudantes? Será que, em contrapartida, não seria possível garantir aos estudantes o seu espaço de moradia sem ter que espremer o museu em edifício inadequado? Conforme comentado anteriormente, a cada quatro anos há uma nova eleição para o posto de reitor da USP e este reitor escolhe um novo diretor para o museu; a alta rotatividade de ocupantes destes cargos acaba entravando o desenvolvimento de projetos de longo prazo, como aconteceu com a proposta de Carlos Lemos para o MAC-USP. Chamado pelos funcionários do museu de “MAC-Sede”, o edifício da Cidade Universitária, entregue à instituição após uma desagradável espera de quase 10 anos desde o primeiro desenho, é o resultado da desarticulação e do conflito de interesses entre a diretoria do museu e a reitoria da universidade. Após ser entregue ao museu, o edifício ainda passou por duas grandes reformas de adequação aos padrões internacionais de expografia, segurança, armazenamento, etc., uma logo após a conclusão da obra e outra no início dos anos 2000, ocasião em que a porção do museu que ocupava esta sede foi transferida para o subsolo do edifício do SESI na Av. Paulista. Esta última reforma foi projetada pelo escritório de arquitetura Barbieri e Gorski, que procurou dinamizar o espaço expositivo através da fragmentação do grande salão principal em galerias menores, separadas por paredes duplas de gesso acartonado. Outra intervenção marcante foi a executada na fachada do edifício, que ganhou uma pequena marquise e novas cores. Não há nenhum elemento no exterior do edifício que denuncie sua função (ou que convide o transeunte a conhecê-la). Fechado em si mesmo e atarracado, não se destaca dos edifícios ao redor, não cria espaços de estar em sua volta, não se comunica de forma alguma com o exterior. Todos os vidros da fachada são escurecidos, ainda que não haja desculpa para isto ocorrer: não há necessidade de se escurecer a recepção, já que ela não abriga obras que devam ser protegidas da luz, e não se pode insinuar tampouco que seja uma medida de segurança, já que todos os vidros que a compõem são protegidos por grandes de ferro retráteis. O interior do edifício se “defende”
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Fachada do MAC Cidade Universitária. Foto: arquivo pessoal
Veículos parados sobre a lombofaixa de acesso ao museu. Foto: arquivo pessoal
Vista do acesso ao museu com a Praça do Relógio ao fundo. Foto: arquivo pessoal
Recepção do museu, com a livraria. Foto: arquivo pessoal
Galeria expositiva principal, com pé-direito duplo. Foto: arquivo pessoal
Galeria expositiva com pé-direito simples. Foto: arquivo pessoal
e se esconde do espaço aberto, o que contribui para isolar o museu dos potenciais visitantes. A recepção é bastante diminuta – também, num museu tão pequeno fisicamente e com um acervo tão numeroso, todo espaço que não é essencial não tem motivos para ser superdimensionado; a porta de entrada para as galerias está sempre fechada, talvez para manter a temperatura do ar condicionado, mas por ser opaca, de madeira, torna a entrada pouco convidativa. Não há um delineamento de possíveis percursos pelo interior (também não se pode dizer que haja muito espaço para isto ser trabalhado, ou para que seja considerado necessário). Entra-se diretamente na maior galeria, de onde se tem diversas opções para seguir caminho, sem qualquer estímulo ou orientação que guie o espectador – isto se levada em consideração apenas a espacialidade interna do edifício, independentemente das obras expostas. Os espaços são simples, salas prismáticas e regulares. Duas salas, a maior delas, por onde se entra, e outra que fica à esquerda da porta de entrada, possuem pé-direito duplo, iluminadas por dois grandes sheds. As demais galerias possuem pé-direito bastante baixo, mesmo em comparação com os padrões residenciais, o que limita as possibilidades expográficas do espaço. Os sheds, desenhados para formar o M de MAC-USP (na vista lateral do edifício), foram escurecidos por causa das dificuldades que ocasionavam no controle da entrada da luz natural. Nas salas com pé-direito duplo o concreto aparente da cobertura foi deixado em evidência, e a iluminação artificial é feita tanto indireta quanto diretamente, através de spots em trilhos, para dar destaque às obras quando desejado. Nas demais galerias a iluminação varia, mas é sempre artificial. As portas de vidro que dão acesso ao jardim interno também foram escurecidas para suavizar a entrada da luz natural nas galerias. No jardim, diminuto, fica uma escultura que frequentemente passa despercebida pelos visitantes. A biblioteca está entranhada no centro do edifício, escondida do público visitante. Há total ausência de locais de permanência e descanso, não há bancos para sentar, a não ser no “corredor de dados”, atualmente desativado, ou quando há vídeos longos no conteúdo expográfico. No entanto, também não se pode dizer que circular pelo museu inteiro possa cansar alguém, já que ele é tão pequeno. À exceção da variação das áreas das galerias, que, aliás, é pequena, nada muda de um espaço para o outro. Não há uma variação de escala que
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Imagem da entrada da Biblioteca do museu, Lourival Gomes Machado. Foto: arquivo pessoal
Imagem da galeria que dá acesso ao jardim interno, cujas portas foram escurecidas para evitar a entrada de luz solar. Foto: arquivo pessoal
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Foto tirada da porta de entrada do espaço expositivo, mostrando um dos sheds de iluminação zenital, já escurecido, deixando uma iluminação difusa. Foto: arquivo pessoal
influencie a percepção ou a circulação do visitante, ou uma diferenciação da relação entre obra e espaço expositivo. A organização não funciona nem como planta livre, nem em função de um centro, ou um átrio gerador, articulando a circulação pelas salas menores organizadas ao seu redor12. Trata-se de um agrupamento de galerias, interligadas mas sem intenção de percurso marcada, cuja distinção hierárquica é pouco notada – característica que, ao contrário do modelo modernista de espaço sem hierarquia, não facilita a construção de uma narrativa espacial clara, nem uma circulação fluída. O “Maquinho” ou MAC-Anexo
Imagens da fachado do MAC-Anexo, já dividindo o espaço com a livraria João Alexandre Barbosa. Foto: arquivo pessoal
Durante a gestão de Aracy Amaral (1982-1986), foi organizada uma exposição das obras do MAC-USP na C.U.A.S.O., que deveria servir como um prenúncio da transferência do museu para o campus. Para abrigar a exposição e fazer as vezes de posto avançado do museu na Universidade, foi aproveitada a antiga sede do Banespa, em frente ao canteiro de obras da nova sede do museu e ao lado do edifício da reitoria. A visibilidade gerada pela exposição foi muito significativa, praticamente o dobro dos visitantes recebidos no MAC-Bienal durante o mesmo período. Criou-se a impressão de uma grande demanda pelo museu dentro do campus, o que animou os funcionários e a diretoria do museu a manterem-se focados na aquisição da sede da Cidade Universitária. No entanto, a fragmentação do museu em dois espaços, distintos e distantes entre si, ocasionou o aparecimento de novas demandas internas do museu, como a necessidade de organizar a logística dos constantes deslocamentos entre o Ibirapuera e a Cidade Universitária (de pessoas e de obras) e a contratação de novos funcionários - inclusive para monitoria de visitas guiadas e produção de catálogos das mostras. Atualmente, em meio ao processo de transferência para a nova sede no Palácio da Agricultura, o MAC-Anexo encontra-se ocupado apenas pelo setor administrativo do museu, 12. São dois tipos de organização do discurso interno de edifícios de museu, dentre os identificados por J. M. Montaner. São também os que mais se assemelham àquele do edifício do MAC na C.U.A.S.O.
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à exceção da diretoria e demais cargos de confiança e técnicos, que ficam no MAC-Sede. O espaço expositivo já foi desocupado pelo MAC-USP, cedendo lugar à instalação da livraria João Alexandre Barbosa, da Edusp. A primeira tentativa de sair do campus: o MAC de Bernard Tschumi
Durante a gestão de José Teixeira Coelho Neto (1998-2002), a pedido do MAC-USP a prefeitura autorizou a reserva de uma antiga área industrial, que pertencera ao tio de Ciccillo Matarazzo, para a construção de uma sede para o museu. O terreno em questão situava-se na Av. Francisco Matarazzo, próximo ao Viaduto Antártica. A diretoria do museu anunciara, na época, a intenção de promover um concurso público de projeto. A ideia, dadas as dimensões do terreno (área de 4.872,7m2), seria a construção de um edifício verticalizado que se tornasse o grande chamariz que faltava ao museu. Com o apoio da AAMAC (Associação dos Amigos do Museu de Arte Contemporânea da USP), a diretoria do museu informou o Ministério da Cultura de que pretendia convidar um grupo de arquitetos, entre estrangeiros e brasileiros, escolhidos arbitrariamente, para a realização do “concurso”, e pedia uma grande soma para a elaboração deste13; o Ministério sugeriu que o concurso fosse aberto a todos os arquitetos, o que não ocorreu. Em função de atrasos no envio de convites e manifestações de desinteresse em participar do concurso, dos treze arquitetos e escritórios inicialmente selecionados para o concurso, apenas quatro chegaram a elaborar estudos para o edifício. Estes foram selecionados através de convênio entre a AAMAC e Ministério da Cultura. São eles: Arata Isozaki, Bernard Tschumi, Eduardo de Almeida e Paulo Mendes da Rocha. O vencedor do concurso foi o arquiteto suíço Bernard Tschumi, escolhido por um júri internacional do qual faziam parte o então diretor do MAC, José Teixeira Coelho Neto, e o primeiro diretor da instituição, Walter Zanini. O concurso e seu resultado tiveram repercussão negativa, manifestada na indignação da comunidade USP, representada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, e do IAB-SP, que entraram com representação junto ao Ministério Público, questionando a legalidade do processo. A diretoria do museu e a AAAMAC justificavam 13. Ver valores na página 117 da tese de Renato de Andrade Maia Neto, “Arquiteturas para o Museu de Arte Contemporânea da USP”, 2004.
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Implantação proposta por Bernard Tschumi Fonte: tese de Renato de Andrade Maia Neto.
Imagem da proposta de Tschumi em maquete eletrônica. Fonte: vitruvius.com.br
que tanto o MAC quanto a associação não dispunham de recursos suficientes para a realização de um concurso aberto. Walter Zanini, Aracy Amaral e Paulo Mendes da Rocha apoiaram a forma como se organizou o concurso e também seu resultado, o que não vejo como fato surpreendente, já que todos fizeram parte, em algum momento, do esforço de obtenção de um espaço adequado para o MAC-USP. Acredito que a possibilidade de criar uma sede digna para o museu ofuscou o significado escuso do processo, visto pela então diretora da FAU-USP, Maria Ruth Amaral de Sampaio, como uma abertura para alavancar negócios imobiliários privados às custas do prestígio do nome da Universidade de São Paulo14. Segundo a pesquisa realizada por Renato de Andrade Maia Neto, o terreno reservado para o MAC não chegou a ser cedido ao museu em comodato por parte da Prefeitura de São Paulo, e a diretoria do museu, na época de sua pesquisa (Elza Ajzenberg - 2002 a 2006), não manifestou nenhum interesse pela área. Após a polêmica gerada pelo concurso, e consequentes dificuldades enfrentadas pela AAMAC junto ao Ministério da Cultura, além da mudança de diretrizes e prioridades, típica da troca de gestão do MAC-USP, não se realizou mais qualquer iniciativa no sentido de construir um novo edifício para o museu. Ao menos até a gestão seguinte, de Lisbeth Rebollo Gonçalves (2006-2010), quando o Palácio da Agricultura surgiu como opção para sediar a instituição. Considerações
A situação de falta de autonomia do museu perante os mandos e desmandos da administração universitária fez com que muitos dos funcionários e ex-funcionários do MAC, que insistiram nas vantagens - mais do que isso até, na necessidade - de o museu pertencer à USP e estar fisicamente ligado ao campus, passassem a ser a favor da emancipação do museu, com sua transformação em fundação ou ao menos sua dissociação física da Cidade Universitária. No início, a promessa 14. No artigo “Este prédio desafia a arquitetura brasileira”, da Revista T - Instituto Takano de Projetos (14), 2001 - segundo pesquisa de Renato de Andrade Maia Neto.
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moderna representada pela construção do campus do Butantã e a reunião de diversas áreas do conhecimento acadêmico em um mesmo lugar tornava atraente a possibilidade, inédita no país, de dotar esta mesma universidade com um grande museu, representativo dos ideais da arte e da arquitetura de uma época; um museu novo, contemporâneo, para uma nova e progressista fase da universidade de São Paulo. A promessa foi aos poucos perdendo o brilho e o apelo, principalmente em função do desinteresse da administração pública, que tinha em mãos um importante acervo artístico e falhou em prover equipamento adequado à sua manutenção, preservação e exibição, consequentemente causando impedimentos ao conhecimento e familiarização com estas obras por parte da população em geral. Algumas mudanças no projeto de Carlos Lemos são visivelmente motivadas por questões políticas, como a devolução do bloco G ao CRUSP e a mudança da orientação da entrada do museu, antes voltada para a Praça do Relógio, que passava a facear a reitoria da universidade. “Temos assistido, em alguns casos, à carência de critérios públicos no provimento das funções e dos cargos, de um lado pelos salários serem inconsistentes, mas, por outro, pelo uso da máquina estatal com funções eleitoreiras. Gera-se uma sequência nefasta de dificuldades, desde descuido para conquistar sede adequada, até ausências lamentáveis, inexistindo administração profissional, técnicos com salários competitivos, recursos para equipamentos e para manutenção e, especialmente, autonomia orçamentária.” ( LOURENÇO, 1999, pág. 25) O comentário da professora Maria Cecília França Lourenço ilustra acertadamente a maneira como se lida com a arte e as instituições ligadas à arte-educação no país, remetendo aos comentários feitos no capítulo anterior, sobre o desenvolvimento da cultura como entretenimento e espetáculo na cidade de São Paulo. Nem mesmo a Universidade de São Paulo está livre desse processo, que se traduz em certa negligência às necessidades do seu museu. Um dos resultados mais sensíveis é a falta de articulação entre o MAC e as demais escolas
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do campus; basta ter em mente a situação espacial do MAC até o início dos anos 1990 para entender porque o museu não se integra satisfatoriamente com as escolas mais afins como a ECA, a FAU e a FFLCH: além de não poder expor suas obras permanentemente, a biblioteca estava localizada no MAC-Ibirapuera, longe do ambiente estudantil. É importante a reflexão sobre o fato de a universidade possuir um museu de tamanha importância que só consegue se manter vivo e ativo no cenário da arte contemporânea através da captação de recursos financeiros de empresas privadas, normalmente por iniciativa dos próprios funcionários. A universidade não deu ao MAC a devida consideração, desde os primeiros pedidos de cessão de um terreno para a construção do edifício, até os apelos urgentes para solucionar as péssimas condições de conservação do acervo. Acredito que estes acontecimentos acabaram mostrando aos anteriormente entusiastas do museu na universidade que talvez o MAC pudesse ser apenas o museu da universidade, sem possuir sede física no campus - já que a aquisição de um espaço adequado mais próximo do centro de cidade poderia atrair mais visibilidade ao museu – ou que devesse até, como defendeu um de seus diretores, José Teixeira Coelho Neto, desvincular-se por completo da Universidade de São Paulo. Na época em que as obras do MAC-Sede15 foram entregues, em 1992, a Cidade Universitária já havia se consolidado como um espaço claramente separado do restante da cidade, seja pela distância do centro, pelo controle do acesso de veículos aos finais de semana, os ônibus que não entravam no campus aos domingos... A Cidade Universitária configurou-se como um bairro longínquo e fora da realidade de milhões de paulistanos por privilegiar a circulação e o acesso de veículos motorizados particulares ao acesso digno dos pedestres – inclusive com transposição adequada do Rio Pinheiros, como proposto por Paulo Mendes da Rocha e Jorge Wilheim no projeto de 1975 para o museu. Talvez nem mesmo uma arquitetura emblemática – e adequada - para o edifício do MACUSP tivesse sido capaz de mudar significativamente a situação da instituição dentro e fora do campus; com a verba recebida da universidade, que sozinha não era capaz de manter todas as 15. Termo usado pelos funcionários do museu para designar o edifício da Cidade Universitária.
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atividades do museu, sustentar um edifício como aquele sonhado nos primeiros anos, nos moldes do projeto de Mendes da Rocha e Wilheim, teria sido tarefa muito complicada. Os problemas enfrentados pelo MAC-USP, no entanto, não são decorrentes apenas da má administração universitária ou governamental, mas também da falta de visibilidade e interação entre museu e cidade, museu e população. A participação dos museus na cultura massificada do entretenimento está ligada à oferta de outros atrativos além da possibilidade de fruição estética. Um museu como o MAC-USP, envolvido com a pesquisa acadêmica da arte moderna e contemporânea, escondido do circuito comercial e desprovido de perfumarias como restaurante, café, loja de presentes, internet sem fio gratuita e coisas do gênero, pode simplesmente cair no esquecimento. Não defendo que o MAC-USP se adeque à tipologia “shopping center”, apenas para atrair visitantes, já que a visita, por si só, não significa aproximação com a arte, nem é garantia de aprendizagem. No entanto, se o museu deseja realmente aproximar-se da população da cidade como manifestado em discursos de diretorias recentes, não pode apenas contar com a ocupação de uma sede fora do campus para estabelecer essa relação16. Aqui, então, poderia figurar a seguinte pergunta: se o museu fosse entendido pela média da população de São Paulo como um equipamento cultural de enorme importância, essa mesma população não poderia ter exigido das autoridades governamentais uma atenção condizente? Por que não o fizeram? Acredito que não se trata somente de falta de politização e engajamento, mas também de uma questão cultural, de como é dada pouca importância à participação da arte na educação básica no Brasil. Não se entende a arte como produção de conhecimento e tradução de pensamento, como processo investigativo ou reflexivo da condição humana de uma determinada época. É restrito à poucas parcelas da população este entendimento, o que leva um número pequeno de pessoas à apreensão de significado quando em contato com a arte, especialmente 16. Este conceito, de que a inserção urbana aumenta a visibilidade, pode ser problematizado se considerarmos a inserção do MAC no Parque Ibirapuera - imerso em tecido urbano mais denso e central, o parque é muito visitado e apreciado, não apenas pela natureza como também pelos seus equipamentos culturais. Ainda assim, o MAC-Ibirapuera é pouco conhecido e pouco frequentado, se comparado ao MAM. Esta problemática será discutida mais adiante, no capítulo 3, no qual o Parque Ibirapuera será colocado em evidência, já que faz parte do entorno direto da nova sede.
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a arte contemporânea. O conhecimento dos “códigos” e esquemas que regem a compreensão e a apropriação de valor simbólico das obras de arte acaba servindo também como meio de exclusão das camadas que não os dominam, reforçando mecanismos de dominação social pela via da cultura. (TUTTOILMONDO, 2012, pág. 36) A obra de arte não existe como bem simbólico para quem não detém os meios de se apropriar dela, de decifrá-la. Cabe lembrar que a atuação do MAC-USP no campo da educação, seja ela direcionada aos estudantes universitários, aos grupos de escolas públicas de ensino fundamental que visitam o museu ou mesmo visitantes espontâneos, depende também da captação de recursos para estruturação do seu setor educativo, contratação e treinamento de monitores, além de uma estrutura física que comporte todas estas atividades17. Existem muitas opiniões sobre quais deveriam ser as atribuições dos museus universitários, se deveriam dedicar-se exclusivamente a apoiar o estudo acadêmico do campo artístico, ou se deveriam preocupar-se também com o público em geral. Acredito que o MAC deva atuar em ambas as frentes18, especialmente agora que vai dispor de mais espaço e (espera-se) mais visibilidade e maior orçamento. Em um país onde o contato com a arte contemporânea (e com o processo histórico da arte) é fraco e, por vezes, tão estéril, não vejo sentido em um museu de tamanha qualidade permanecer isolado e desconhecido, servindo, quase que exclusivamente, a elite intelectual da cidade. 17. No relatório anual de atividades do MAC-USP de 2000, José Teixeira Coelho Neto, então diretor da instituição, assina o seguinte parágrafo, no texto de abertura do documento: “Durante essas exposições [realizadas no edifício do SESI, na Av. Paulista], um grande número de estudantes de escolas públicas da cidade e de outras regiões foi atendido pelos monitores para tanto preparados pela equipe de ensino do MAC, num trabalho que só foi possível graças ao apoio da iniciativa privada.” O diretor chamava a atenção para a falta de recursos para atender às necessidades de exteriorização dos trabalhos de pesquisas realizados internamente, avaliando que a situação havia sido minorada pela aquisição (e subsequente reforma) da sede na Cidade Universitária. fonte: Arquivo do Museu de Arte Contemporânea da USP, Relatório Anual de Atividades do ano de 2000. 18. Não estou, de forma alguma, desconsiderando a atuação didática do MAC-USP, que oferece, além de disciplinas de graduação e pós-graduação, cursos abertos de apreciação da arte, entre outros. Usei como exemplo, no capítulo 1, a exposição “MAC EM OBRAS”, uma iniciativa admirável de aproximação do museu, seus dilemas e seu conteúdo, com o público e com os artistas. Entendo que a educação, de forma geral, não privilegia a arte e a cultura, neste país, e não julgo que esta lacuna deva ser preenchida apenas pela ação da instituição museológica, mas pela melhoria ampla da educação básica associada à democratização do acesso à arte.
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CAPÍTULO 3 Projetos para o novo MAC-USP
Durante a pesquisa não pude identificar com exatidão, na soma dos fatores externos e internos ao museu, quais seriam as origens da ideia de mudar a sede do MAC-USP para o Palácio da Agricultura. O que se sabe, no entanto, é que as condições físicas dos espaços ocupados pelo museu antes do início da transferência são um motivo mais do que apropriado para justificar a pronta aceitação da nova sede por parte da universidade. Não que se estivesse tomando por simples a empreitada da adaptação do edifício e a subsequente transferência para o local de todo o acervo e funcionários do museu, porém por mais laborioso que pudesse vir a ser, este processo representava, finalmente, a oportunidade mais palpável, em quase 50 anos de existência, de concretizar o esforço dispendido na obtenção de um espaço adequado ao museu. Além disso, o MAC acabou se encontrando em uma situação de isolamento, principalmente em decorrência da localização, afastada do centro da cidade (no caso dos edifícios da cidade universitária), e da ocupação de espaços acanhados e pouquíssimo equipados para a recepção do público e exposição das obras. Até o início da ocupação da nova sede, inaugurada em 28 de janeiro de 2012, as atividades, exposições e reservas técnicas do MAC-USP estavam divididas nos três espaços citados anteriormente: a sede na cidade universitária, o “anexo” ao lado da reitoria da universidade e parte do terceiro andar do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no parque do Ibirapuera. As condições oferecidas por cada um desses espaços à exposição e conservação das obras, e à realização da atividades pretendidas pelo museu, podem ser todas consideradas inadequadas e insatisfatórias, pelos motivos descritos no capítulo anterior. Os benefícios de se instalar em um importante edifício, com um ganho enorme de espaço e, o que é mais significativo, em uma localização tão privilegiada, não foram ignorados pela diretoria do MAC-USP. Porém, a sujeição de cada passo dado às decisões da reitoria e às discordâncias entre reitoria e governo do estado, provou mais uma vez ser capaz de influenciar negativamente o processo de transição como um todo, desde a elaboração do projeto de reforma e adaptação até a ocupação propriamente dita. A questão orçamentária, por exemplo, é ainda pendente. O que se promete agora, ao menos de acordo com entrevista dada ao telejornal SPTV, em 2011, pelo então secretário da cultura, Andrea Matarazzo, é uma ajuda anual do Governo do Estado de São Paulo no valor de R$12 milhões,
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para que a USP consiga manter o seu museu na sua nova sede. Esta entrevista foi veiculada pela construtora Simétrica, vencedora da licitação para as obras da reforma do edifício, em seu sítio na internet1, na página inicial onde deveriam figurar fotos e desenhos do projeto; a veiculação de tal entrevista, que mostra as obras em marcha lenta e entrevistas com o Reitor João Grandino Rodas e o Secretário Andrea Matarazzo, foi feita à maneira de justificativa pela demora na finalização das obras, um “lavar de mãos” da construtora perante os impasses entre a USP e o governo do estado. Além desta, outras questões entraram em jogo, como a implantação do Clube das Arcadas, um complexo esportivo e cultural que substituirá as instalações do Campo do XI de Agosto, num terreno vizinho ao Palácio da Agricultura. O projeto é fruto de uma iniciativa da Associação de Antigos Alunos da Faculdade de Direito da USP2. O lançamento do projeto colaborou com os atrasos para a assinatura do convênio entre USP e SEC, o qual concretizaria a mudança do MAC para a nova sede. O atual reitor e antigo diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, João Grandino Rodas, alegou que faltavam esclarecimentos quanto à validade do projeto, e que concluiria as questões pendentes em relação ao MAC somente quando o outro empreendimento fosse totalmente esclarecido. Embora os alunos da faculdade e a Associação deixassem claro que o projeto era independente e não manifestassem nenhuma intenção de utilizar o nome da Universidade de São Paulo para facilitar a captação de recursos financeiros privados, o reitor seguiu manifestando preocupação com a falsa impressão geral de que o empreendimento estivesse ligado à USP. Este entrave deixa transparecer uma indisposição mútua entre o reitor e a Faculdade de Direito da USP, fruto de um remanejamento das bibliotecas da faculdade, na época em que Rodas era seu diretor, e que levou ao descontentamento geral e consequente paralização dos alunos, um acontecimento raro em tal escola. Um acontecimento absolutamente alheio ao museu, mas que influenciou diretamente seu funcionamento. 1. http://www.simetrica.com.br/ - acesso em setembro de 2011. 2. O terreno foi doado ao centro acadêmico da faculdade em 1955, no governo do ex-aluno Jânio Quadros, uma das ações que contribuíram para a diminuição da área do Parque Ibirapuera. fonte: Jornal do Campus - reportagem online de set/2011, intitulada “Associação diz que Clube das Arcadas sai do papel”.
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Neste capítulo é feita uma análise do Parque Ibirapuera e das possibilidades geradas pela ocupação do novo edifício na região. Em seguida serão apresentados os projetos do escritório de Oscar Niemeyer e do escritório Borelli & Merigo para a adaptação do Palácio da Agricultura, sempre tendo em vista os processos políticos e burocráticos envolvidos. O projeto executado será confrontado com o programa de necessidades elaborado inicialmente por Gabriel Borba e o capítulo se encerra com uma análise da inserção urbana atual do edifício, como forma de confrontar as tais “possibilidades” com o que de fato se realizou. O projeto do Parque Ibirapuera, seu significado e a inserção do MAC-USP na região
O projeto do Parque Ibirapuera foi encomendado em 1952 por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, que se completaria em 1954. A comissão responsável pelos festejos, presidida por Francisco Matarazzo Sobrinho, designou o arquiteto Oscar Niemeyer, que montou sua equipe com outros quatro profissionais de destaque, para desenhar o conjunto de edifícios modernos que equipariam o parque, destinados a sediar comemorações e exposições. O paisagismo ficaria a cargo de Roberto Burlemarx, parceiro de Niemeyer em projetos anteriores3. O espírito progressista da época via na arquitetura moderna o reflexo das inovações tecnológicas recentes e da pujança que se desejava transmitir através de grandes projetos arquitetônicos e urbanísticos; os edifícios de Oscar Niemeyer deveriam ser representativos deste sentimento. Não obstante, o projeto apresentou diversos percalços desde a delimitação da área onde seria instalado o parque até a entrega das obras, tendo sido modificado para, finalmente, configurar-se como obra incompleta até os dias atuais. Quanto aos limites do parque, diversas porções da área requisitada estavam ocupadas por vilas fechadas, entre outros, como a da Avenida IV Centenário. O ganho de causa foi dado aos proprietários, devido aos altos custos reivindicados. Os 200 hectares requisitados inicialmente 3. Em razão de desentendimentos entre Niemeyer e Burlemarx, acerca do projeto de uma passarela elevada, a parceria foi rompida e este projeto paisagístico nunca foi implantado.
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transformaram-se nos 158,4 atuais. Segundo Rosa Italica Miglionico, a própria Municipalidade iniciou o processo de redução através da aprovação de loteamentos; a autora, após extensa pesquisa sobre a formação do Parque Ibirapuera, concluiu ainda que este processo decorria da “associação de interesses entre empreendedores do setor imobiliário, a Municipalidade e o Estado, além da negligência, omissão, e da oportuna lentidão na tramitação legal. Desta maneira ficam objetivados os interesses e benefícios financeiros decorrentes destas transações em detrimento das áreas livres(...).” (MIGLIONICO, 2007, pág. 268) Outra contribuição para a diminuição da área verde do parque foi a expansão do sistema viário na região. O alargamento das Avenidas 23 de Maio e Pedro Álvares Cabral, como comentado na introdução deste trabalho, separou completamente o Palácio da Agricultura dos demais edifícios do complexo modernista de Niemeyer. É possível observar no projeto inicial de Niemeyer e de Burlemarx que o Palácio da Agricultura figura como parte integrante do conjunto. A ligação entre ele e os demais edifícios, sobretudo o da Bienal, que é o mais próximo, ocorreria sem grandes obstáculos, já que a avenida que já os separava ainda não era tão larga e movimentada. Esta era a intenção, de fato, contida no projeto original, ou seja, a ideia de um conjunto arquitetônico articulado. Na época, o terreno destinado a receber o Palácio da Agricultura pertencia ao Instituto Biológico, que o cedera para a construção do edifício. Os limites do parque se estendiam até o local, incluindo também o terreno hoje destinado ao Clube das Arcadas da Faculdade de Direito da USP. A ligação subterrânea sugerida, como se pode ver na imagem da maquete feita depois do primeiro alargamento das avenidas, também não seria uma opção muito adequada. De qualquer forma, a construção do túnel Ayrton Senna na década de 1990, que passa sob o parque e desemboca na rua Sena Madureira, destruiu qualquer possibilidade de travessia subterrânea mais tranquila. Quanto aos edifícios, o projeto executado é bastante diferente do anteprojeto apresentado
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Imagem da maquete do estudo preliminar de Oscar Niemeyer para os edifícios do Parque Ibirapuera. Cedida por Rodrigo Queiroz.
Projeto de Roberto Burlemarx para o Parque Ibirapuera, não realizado. Imagem cedida por Rodrigo Queiroz.
Imagem da maquete do Parque Ibirapuera na qual aparece a sugestão de uma ligação subterrânea entre o Palácio da Agricultura e o Pavilhão da Bienal. Cedida por Rodrigo Queiroz.
para o parque, pois “sofreu rudes alterações que, examinadas a frio, em nada se justificam”4. Das grandes alterações, as mais significativas foram a alteração da forma da marquise que interligava os edifícios, o fechamento do térreo dos pavilhões com paredes de vidro e a supressão do auditório, que só viria a ser construído em 2004, mas formalmente diferente daquele incialmente proposto e sem a interligação com o Palácio das Artes feita através da marquise, como previa o projeto original. Também estavam previstos uma entrada monumental e um restaurante, próximos ao auditório, e que também não foram construídos. Os edifícios que datam da inauguração do parque, em agosto de 1954, e que não foram demolidos posteriormente, são o Palácio das Indústrias (hoje Pavilhão Ciccillo Matarazzo, conhecido como “Pavilhão da Bienal”), o Palácio das Exposições (atualmente denominado Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, a “Oca”), o Palácio das Nações (hoje Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, e sede do Museu Afro Brasil), o Palácio dos Estados (atual Pavilhão Eng. Armando de Arruda Pereira) e Palácio da Agricultura - ocupado pelo Departamento de Trânsito de São Paulo desde o fim das comemorações do IV Centenário até 2008. Uma marquise de mais de 600m de extensão, curvilínea, articula os quatro primeiros edifícios citados, criando um espaço coberto intensamente aproveitado pelos frequentadores do parque. Pode-se afirmar que é a construção mais bem quista de todo o complexo e também a mais democrática. O auditório5, construído na última década, foi inaugurado em 2005, abrindo discussões quanto à validade da recuperação do projeto original de Niemeyer e pondo em evidência a extensão de qualquer interferência no parque mais valorizado da cidade. Ainda que o parque seja muito frequentado, e por uma população 4. Matéria sobre o projeto do Parque Ibirapuera, na primeira edição da Revista Módulo, intitulada “Mutilando o Conjunto do Parque Ibirapuera”.
Foto aérea da região do Parque Ibirapuera de 1958. Pode-se observar como a atual avenida expressa Vinte e Três de Maio tinha as dimensões de uma rua comum. Fonte: geoportal.com.br
5. O auditório, a entrada monumental e um restaurante “sucumbiram pelos cortes da Autarquia”. (Moglionico, pag. 146). A AUTARQUIA era a antiga comissão do IV centenário, transformada em 1952.
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Acessos exclusivos para pedestres Acessos públicos para veículos terreno do novo MAC-USP terreno para instalação do Clube das Arcadas
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bastante heterogênea, não é possível afirmar que o acesso a ele seja democrático. O parque está localizado a sudoeste do centro histórico e, do ponto de vista do transporte motorizado, a pouco distância deste centro. Os bairros no entorno do parque, em grande parte pela proximidade ao equipamento, tornaram-se nobres e considerados bem localizados. A configuração do traçado viário da região privilegia o acesso ao parque e aos edifícios no seu interior pelos automóveis. As calçadas que o circundam em geral são bastante acanhadas, estreitas, alguns trechos apresentando mau estado de conservação. O número de semáforos e faixas para travessia de pedestres é insuficiente e, por vezes, sua localização é inadequada. Desde 1988, por iniciativa do então prefeito da cidade, Jânio Quadros, o parque foi circundado por gradis de ferro, por “motivos de segurança”, e também foi imposto um horário de fechamento dos portões. “No Ibirapuera, os carros correm por onde deveriam circular apenas pedestres; a prefeitura instalou gradis em toda a volta e a entrada monumental, que deveria ser demarcada pelo atual museu do folclore e um teatro em forma de pirâmide, ligados por uma rampa sinuosa, perdeu o sentido(...) Ao permitir a implantação de equipamentos culturais em áreas de difícil acesso, como passou a ocorrer em São Paulo, esses passaram a se caracterizar como consequência, como equipamentos de exclusão, por isolar o público de menor renda e os usuários dependentes de transporte publico.” Carlos Lemos, in “Oscar Niemeyer: A Marquise e o Projeto Original do Parque Ibirapuera”, (2006). Não obstante, como opção de lazer, o parque Ibirapuera apresenta-se como o equipamento urbano mais bem sucedido de São Paulo, se for possível medir este sucesso em número de visitantes (130.000 usuários aos fins de semana em 2007). É uma grande extensão de área verde imersa em tecido urbano denso; apresenta uma série de atrativos que vão além dos gramados, dos passeios e das árvores. Além de ser um cartão postal e ícone paulistano, é também reconhecido, nacional e internacionalmente, como um dos maiores polos culturais da América Latina. Abriga três importantes museus, o MAM-SP, o MAC-USP e o Museu AfroBrasil (até o final da década de 1990, o museu da Aeronáutica estava instalado na Oca), além da realização de importantes eventos artísticos, como as
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Bienais de Arte, outras mostras temporárias nos pavilhões, concertos ao ar livre, etc. Renata Motta avalia, em sua tese de doutorado, que um dos elementos fundamentais aos quais a implantação de um museu deve se referenciar é a adaptação, à qual acrescento a afinidade, em relação às atividades urbanas desenvolvidas na área em questão6. Quanto a este quesito, portanto, o MAC-USP encontrou uma localização ímpar para sua nova sede, próximo a um importantíssimo polo cultural e de lazer da cidade. Adquire maior visibilidade por ocupar um espaço muito mais expressivo e ao mesmo tempo trata-se de uma localização velha conhecida do museu. A questão que surge agora é bastante complexa: o MAC-USP está instalado dentro do parque Ibirapuera desde sua criação. Durante grande parte de sua história, como visto nos capítulos anteriores, lutou pela transferência para o campus da USP no Butantã, desejoso de iniciar sua atuação junto aos alunos da universidade, de integrar a grande promessa da cidade universitária. Até a aquisição da sede baseada no projeto de Carlos Lemos, o museu seguiu ocupando parte do terceiro andar do Pavilhão das Indústrias em caráter provisório, o que não impediu a fervilhante atividade durante a gestão de Walter Zanini, tornando-o um espaço de aprendizado, experimentação e produção conjunta entre museu, estudantes e artistas plásticos. Apesar desta fase inicial, a instituição seguiu “escondida” dentro do parque mesmo depois da aquisição da nova sede, sendo constantemente confundida com o MAM e muito menos visitada. O discurso do museu, depois de anos dependendo da captação de recursos privados para seu funcionamento, passou a mudar as desvantagens vindas do vínculo com a universidade e da localização do campus mostraram seu peso e, de museu para os universitários, passou-se a falar de um museu para a população de São Paulo. A transferência para o Palácio da Agricultura, segundo muitos dos funcionários do museu, ouvidos em entrevista, representa a oportunidade que o museu esperava para a aproximação com um público visitante novo, massivo, heterogêneo. A localização urbana seria o impulso maior desta nova fase do museu, da sua aquisição de uma maior visibilidade. Como explicar, então, a presença do MAC dentro do próprio parque ser tão ignorada? O 6. Atentar para alguns quesitos que influenciam a implantação urbana do museu e devem, portanto, ser considerados: fonte de financiamento, gestão administrativa, capacidade interna do museu para manter-se economicamente nas atividades planejadas, no conhecimento (quantitativo e qualitativo) do público, no perfil do acervo que acolhe, nas possibilidades socioculturais e nas educativas que possa desenvolver. (MOTTA, pag. 106).
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que poderia ser diferente, excluindo-se o edifício, para que o museu de fato vivesse uma nova fase, do ponto de vista da visibilidade e da relação com o entorno e o transeunte? Uma outra questão irrelevante é se o museu tem realmente a intenção de ser intensamente visitado e de atender a um público tão heterogêneo, e se sua estrutura estaria pronta para recebê-lo. Projetos para a nova sede: o escritório de Oscar Niemeyer
Desde o final da década de 1950, acabadas as exposições comemorativas, o Palácio da Agricultura passou a sediar o DETRAN de São Paulo, o qual foi transferido, em 2008, para uma nova sede situada próxima ao metrô Tiradentes, na Av. do Estado. O Palácio ficou vago, uma oportunidade única de “devolvê-lo” à cidade, atribuindo-lhe um uso diverso do anterior, já que a ocupação pelo DETRAN transformara o edifício em uma espécie de símbolo da burocracia morosa do sistema público. Na época em o edifício surgiu como opção para uma nova sede do MAC-USP, o museógrafo Gabriel Borba e a então diretora, Lisbeth Rebollo, acompanhados de Paulo Mendes da Roch, iniciaram as conversas com a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) - o secretário na época era o economista João Sayad. Quando a USP aceitou a oferta da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) para ocupar o edifício com o acervo do seu museu, teve início a elaboração do programa de necessidades do MAC-USP para que, a partir dele, fossem elaboradas as diretrizes imprescindíveis à correta adaptação do edifício de Niemeyer. Também nesta mesma fase inicial, devido ao seu trabalho acadêmico focado na obra de Oscar Niemeyer, o professor Rodrigo Queiroz, da FAUUSP, foi convidado a participar dos debates em torno do projeto arquitetônico de reabilitação do edifício. Todo o processo da transição representava, a meu ver, um enorme desafio, por diversos motivos: envolve um edifício tombado, de concepção estrutural pioneira, parte do maior complexo arquitetônico modernista da cidade; poderia possibilitar integração com o parque mais frequentado de São Paulo, cuja qualidade como equipamento público de acesso democrático é bastante discutível; por último, e igualmente importante, o edifício destina-se a abrigar nada menos que o maior museu de arte contemporânea do país, também pioneiro e que
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Mapa elaborado por Rodrigo Queiroz para indicar a existência de um eixo de equipamentos culturais desde o Parque Ibirapuera até as proximidades da Avenida Domingos de Morais (o SESC Vila Mariana, Escola de Belas Artes e Teatro São Caetano também ficam nas proximidades do eixo). Esse fato não escapou ao escritório Borelli & Merigo, vencedor da licitação para a reforma do novo MAC, que propôs um trajeto arborizado entre os equipamentos desde o metrô Ana Rosa até a entrada do museu pela Rua Dante Pazzanese. A proposta não foi executada, nem cedida à autora.
estivera brigando e aguardando por uma sede que abrigasse todo o seu acervo, e de maneira adequada, a quase cinquenta anos. Oscar Niemeyer foi, naturalmente, a primeira opção da SEC para o desenho da reforma e adaptação do P.A., já que o próprio tinha projetado o edifício e todo o complexo de equipamentos do seu entorno, contido no parque do Ibirapuera. Sem dúvida, Niemeyer teve a oportunidade de ver as mudanças operadas na região desde a década de 1950 e agora, então, teria a chance de adaptar seu projeto às condições atuais. Os problemas de interligação entre as partes do conjunto poderia ser revisto, observando as mudanças ocorridas no entorno nos últimos 50 anos para criar uma nova articulação entre esses espaços condizente com as atividades consolidadas no local.
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Croqui de Rodrigo Queiroz para ilustrar a possível instalação de um jardim de esculturas entre o edifício principal e o edifício anexo, aberto e transitável. Cedido pelo autor.
Esquema elaborado por Rodrigo Queiroz, para evidenciar a necessidade da revisão da ligação entre o Parque Ibirapuera e o Palácio da Agricultura. Cedido pelo autor.
O convite feito a Oscar Niemeyer era, ao mesmo tempo, uma forma de homenagem e um meio de atrair a atenção da imprensa e da população para a mais nova realização cultural possibilitada pelo governo do estado por meio da Secretaria de Estado da Cultura; não se tratava, necessariamente, da contratação do arquiteto mais adequado ao projeto de reforma, o que é notável na abordagem do escritório de Niemeyer em relação às possibilidades de transformação do edifício. Algumas das propostas do arquiteto desagradaram a SEC e os órgãos de preservação, pela sua complexidade e pela inadequação às diretrizes legais de intervenção em patrimônio tombado, causando discordâncias entre governo e arquitetos; no entanto, é possível que o principal motivo da não realização deste projeto tenha sido o ônus (170 milhões de reais) da obra, previsto em orçamento. Algumas das propostas para as modificações no interior do edifício (como a quebra de lajes para ampliação do pé-direito de alguns pavimentos) implicariam numa demorada execução e em debates possivelmente intermináveis com os órgãos de preservação envolvidos. Niemeyer e sua equipe pareciam relutar em entender que o fato de o Palácio da Agricultura ser fruto do desenho do arquiteto carioca não lhe dava passe livre para alterações não criteriosas. Afinal, os projetos arquitetônicos encomendados pela iniciativa pública, assim como qualquer outro cliente, não pertencem aos arquitetos que os idealizaram. Em se tratando de patrimônio tombado, também não lhes cabe modificar edifícios em oposição aos critérios de preservação; neste caso, a preservação da memória arquitetônica moderna brasileira e não apenas paulistana, pois algumas de suas características, como a solução estrutural adotada e a sensação de leveza no contato dos pilares com o pavimento, influenciaram outras construções no Brasil, inclusive do próprio Niemeyer. Em razão das revisões feitas pela SEC, inicialmente em parceria com os arquitetos Rodrigo Queiroz e Gabriel Borba, o escritório foi, aos poucos, abandonando algumas das ideias iniciais. Porém, a insistência em certas propostas e a constante recusa em aprova-las causaram um desgaste da comunicação entre a SEC e Niemeyer culminando na recusa do seu escritório de elaborar o projeto de adaptação. A obsolescência das diretrizes de preservação do patrimônio histórico merece atenção, especialmente no que tange a arquitetura moderna, que não necessariamente deve
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ser submetida aos mesmos critérios de manutenção da arquitetura colonial, por exemplo. Essa discussão é muito importante, embora não possa ser desenvolvida neste trabalho. Basta citar que houve discrepâncias entre duas concepções diversas sobre a transformação do edifício, aquela de Niemeyer e a dos órgãos de preservação (DPH, CONDEPHAAT e IPHAN), independentemente de julgamentos sobre quem estava certo e quem estava errado. Descrição do projeto
Imagens da maquete eletrônica, onde a marquise foi suprimida, e da maquete física, onde ela reaparece. Notar que a proposta não incluía a instalação dos brises-soleil. Imagens cedidas por Rodrigo Queiroz.
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O estudo preliminar apresentado aqui data de 30 de junho de 2008 e não há certeza de que tenha sido o último a ser apresentado à SEC e ao MAC-USP. É certo que não foi o primeiro, pois já apresenta algumas alterações em relação às primeiras sugestões de Niemeyer para o edifício. Nos primeiros desenhos apresentados, o adereço vermelho que se eleva em frente ao edifício abrigaria uma rampa de circulação entre os pavimentos expositivos, criando uma promenade que possibilitaria o constante entrar e sair pela fachada principal. A proposta de fazer aberturas de circulação na fachada do edifício não foi aceita, mas o adorno continuou figurando nos estudos preliminares subsequentes, uma parede vermelha cobrindo parte da frente do edifício: talvez um meio de garantir uma diferenciação visual entre um edifício administrativo e um edifício abrigando um museu. O adorno vermelho pode ser entendido como um signo, um chamariz que alertasse o transeunte desavisado de que o uso do edifício mudou. A adequação às normas de segurança atuais foi a responsável por uma das propostas que mais descaracterizariam o edifício: para cumprir a exigências de segurança contra incêndios, foram criadas duas torres de circulação vertical, posicionadas nas duas empenas cegas do edifício. Essa medida acabaria roubando ao Palácio o seu aspecto de leveza no contato com o solo, prendendo-o ao chão através destes elementos verticais que esconderiam o balanço das lajes. (observar na foto da maquete). Não foi apresentado, junto com as propostas para o edifício, nenhum estudo de reurbanização do entorno, ou de como seria o aproveitamento do terreno no nível da rua. A entrada do museu foi posicionada em frente à chegada da passarela Ciccillo Matarazzo, embora a proposta não tenha se desenvolvido ao ponto de detalhar como a transição entre passarela e entrada seria feita. A pequena marquise no canto direito do edifício foi suprimida, ignorada ou
esquecida, aparecendo somente na confecção da maquete do projeto, mas sem uso proposto. Foi sugerido um alargamento do térreo do edifício, em largura e profundidade, alongando-o para além da projeção dos pavimentos superiores, em direção ao edifício anexo, na parte posterior do terreno. Somente os dois últimos pilares em “V” de cada colunata ficariam fora do espaço fechado; desta forma, o térreo do Palácio não mais ficaria livre. Além disso, em decorrência das ligações propostas entre os dois edifícios, a circulação pelo espaço entre eles também seria impedida. Nesta nova área do térreo, fechada e prolongada, ficariam o foyer e auditório do museu, além de um espaço expositivo de quase 2.000m2 ligado à entrada e recepção do público. Na área do foyer, dois pilares em “V” foram escondidos por paredes de alvenaria, e em frente a eles foi colocada a entrada dos sanitários. No espaço expositivo, à direita da entrada, dois outros pilares em “V” foram abraçados por paredes de alvenaria, dessa vez para dar lugar à sala de protocolo, instrumentação, guarda-volumes, enfermaria e sanitários. A torre original e externa de circulação vertical também foi envolvida por alvenaria, criando um corredor técnico com elevador de carga para transporte das obras. Ao lado dos elevadores originais foi colocada a sala da segurança. No térreo do edifício anexo, que originalmente fora projetado para ser a garagem do Palácio da Agricultura, ficariam os camarins, sanitários e vestiários do auditório e um amplo espaço expositivo, ambos ligados ao prolongamento do bloco principal por duas passarelas, respectivamente ligadas ao palco do auditório e ao novo salão expositivo do térreo. Conforme citado, essas duas ligações fecham a circulação por entre os edifícios, criando um vazio inacessível para o público e sem uso para o museu. Uma nova circulação vertical entre o térreo e o mezanino do anexo foi sugerida, com escada em “U” e elevador, próximos dos sanitários destinados ao público visitante. Encostado na empena sudeste do anexo seria construído um pequeno edifício com função de casa de máquinas: lá ficariam os chillers do ar condicionado, painéis elétricos, transformadores, geradores, etc.
Projetos para a nova sede
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Térreo Mezanino
5o a 7o pavimentos - técnico/administrativo
Circulação ver tical - não atende a cober tura
1o pavimento - exposições e ateliês
8o pavimento - restaurante e biblioteca
Circulação ver tical - atende a cober tura
2o a 4o pavimentos - exposições
Circulação ver tical de emergência
Circulação ver tical restrita a funcionários
Proposta de Oscar Niemeyer em esquema elaborado pela autora
92
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
LEGENDA: 1- camarins 2- instalações técnicas 3- auditório 4- foyer
5678-
recepção guarda-volumes segurança enfermaria
9- protocolo 10- exposições 11- bombeiro 12- sala técnica
13141516-
chillers painéis elétricos transformadores geradores
13 10
1
10
1
1
14
10 15
16
10
15m
2
12 3
10
2 10
10
2
7 2 8 6 4
9
11
5
0
5
Proposta Oscar Niemeyer - JUN/2008 PLANTA - TÉRREO
N
Projetos para a nova sede
93
LEGENDA: 1- auditório em vista 2- cabine audio/video 3- instalações técnicas 4- foyer em vista
5678-
circulação entre mezaninos lojas segurança cyber café
9- apoio ao café 10- exposição em vista 11- exposição
10
11
11
1 10 3
5 7
6 2
3 4
Proposta Oscar Niemeyer - JUN/2008 PLANTA - MEZANINO 94
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
5
6 8
9
0
5
N
10
15m
LEGENDA: 1- sala para manejo de obras 2- sala técnica 3- ar condicionado 4- depósito de equipamentos expositivos
5- corredor técnico 6- exposições 7- segurança
7
1
2
3
3
4
2 1
5 6
3
6
4 5
3
Proposta Oscar Niemeyer - JUN/2008 o PLANTA - 1PAVIMENTOS ao 4o pavimentos 1a4
Projetos para a nova sede
95
5o ao 7o pavimentos - técnico/administrativo
Cobertura - biblioteca e restaurante
Circulações verticais
0
Proposta Oscar Niemeyer - JUN/2008 CORTE 96
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
5
10
15m
Nota: As plantas e o corte foram reelaborados a partir do material recebido, para facilitar a visualização. As plantas dos pavimentos administrativos e da cobertura não puderam ser obtidas.
O mezanino de ambos os edifícios seriam interligados por um corredor de circulação próximo aos elevadores de acesso ao térreo, sobre a ligação entre o auditório e os camarins. No prédio principal, o mezanino sofreria drásticas transformações como é possível observar na proposta. Pode-se comparar a área deste com a do mezanino original, mantido no projeto de Borelli & Merigo, e observar que seria eliminado o recorte do mezanino no saguão de entrada e o pé direito duplo seria mantido somente no foyer do auditório e no novo salão de exposições. Neste novo mezanino ficariam o cybercafé, duas lojas (sem especificação de atividade/regra de funcionamento), a livraria do museu e a cabine técnica do auditório. No corte é possível observar que a cobertura do auditório se destaca da forma prismática regular do volume “extrudido” do térreo, para poder abrigar as cortinas cenotécnicas do auditório, adicionando uma volumetria peculiar ao bloco. Vê-se que a entrada do auditório dá acesso ao meio da plateia, parcialmente enterrada no terreno. Ainda no corte, observa-se que foi mantida a planta livre no pavimento tipo, do primeiro ao sétimo andar. Nos andares destinados a abrigar exposições nota-se a presença das paredes de gesso acartonado sugeridas por Gabriel Borba7, para formação de um corredor técnico de instalações elétricas e de tecnologia. No 5o, 6o, e 7o andares estava previsto o uso para atividades administrativas, diretoria, setor educativo, etc., e para tanto não era considerada necessária a instalação do corredor técnico. Trata-se também de uma sugestão do museógrafo chefe do MAC-USP, para que alguns andares pudessem contar com farta entrada de luz natural, mantendo a vista do parque e o contato visual com o exterior. Projetos para a nova sede: Simétrica, Borelli e Merigo, Base 7
Após o afastamento do escritório de Oscar Niemeyer, evitando desperdiçar a oportunidade de ocupar o Palácio da Agricultura, a SEC deu sequência à contratação de licitações para a 7. Em entrevista concedida a autora em 10/05/2012, o museógrafo do MAC-USP apresentou documentação, fotográfica inclusive, dos seus encontros com Oscar Niemeyer, logo que começaram as negociações para a elaboração do projeto. Borba participou ativamente de correções à proposta do escritório de Niemeyer para melhor adequação desta às necessidades do museu.
Projetos para a nova sede
97
realização do projeto, em forma de “pregão”; ou seja, abre-se um edital de licitação pública, que é vencido pela empresa que apresentar o menor orçamento para a realização das obras. Mais uma vez, não foi aberto um concurso para projetos de arquitetura regularizado pelo IAB como havia sido demandado na época do projeto de Tschumi para o MAC; tampouco foi dada à USP sequer a oportunidade de participar da escolha e da avaliação das propostas recebidas pela SEC: apesar de destinar-se ao museu da universidade, o edifício pertencia ao governo do estado. A sequência de eventos seguintes eliminou por completo qualquer intervenção no projeto por parte daqueles vinculados à Universidade de São Paulo, especialistas nas áreas de atuação que estavam em jogo neste empreendimento. A licitação foi vencida pela construtora SIMÉTRICA, já bastante atuante em projetos habitacionais junto à SEHAB. As contratações de pelo menos mais duas pessoas jurídicas estavam previstas no orçamento fornecido pela contratada. São elas: a BASE7, voltada para a área de desenho e montagem de exposições e projetos de centros culturais, que seria responsável pela avaliação das necessidades do museu e elaboração de um programa de recomendações e diretrizes para orientar o projeto da reforma, e o escritório de arquitetura Borelli & Merigo, convidado pela construtora desenhar o projeto de reforma e adaptação do Palácio da Agricultura. Considero interessante mencionar que, até esta oportunidade, nem a construtora nem o escritório de arquitetura haviam trabalhado em um projeto parecido, o que obviamente não representava nenhum empecilho aos olhos dos órgãos públicos que tanto debateram acerca da importância da conservação do edifício, do acervo do museu, da correta adaptação, etc.8 A BASE7 procurou o museógrafo Gabriel Borba para se informar sobre as necessidades atuais do museu e quais elementos deveriam constar da nova sede, para melhor proceder na elaboração da sua cartilha de diretrizes. Segundo o museógrafo9, os documentos elaborados 8. O escritório Borelli & Merigo assina o projeto de um espaço expositivo na Pontifícia Universidade Católica, uma sala de apenas 108m2 projetada para abrigar o Museu de Cultura da faculdade; o professor José Borelli e outro colaborador do projeto, o arquiteto Marcos Costa, ministram aulas sobre arquitetura de museus na FAAP, talvez um dos motivos pelo convite feito ao seu escritório para participar do projeto do MAC-USP. 9. Em entrevista dada à autora, em 10/05/2012.
98
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
por ele, tais como organograma das funções do museu e um programa de necessidades, foram simplesmente retransmitidos pela BASE7 ao escritório Borelli & Merigo, evidenciando a má comunicação entre aqueles diretamente afetados pela mudança, na condição de funcionários do museu, e os envolvidos em torna-la concreta, na condição de vencedores da licitação. Este trabalho poderia ter sido feito sem intermediários e talvez, por conseguinte, mais apuradamente10. Ainda assim, tanto Gabriel Borba quanto Rodrigo Queiroz procuravam, nesta fase do projeto, orientar as empresas envolvidas para que o projeto fosse realizado com o maior respeito possível aos patrimônios envolvidos, ou seja, as obras do acervo do MAC e o edifício de Niemeyer, além do respeito às necessidades dos funcionários do museu. Participavam intensamente de reuniões com membros da SEC e das empresas privadas, até que suas opiniões passaram a ser vistas como entraves ao andamento da reforma, que deveria concretizar-se o quanto antes, novamente tendo motivos políticos como força motriz. Em entrevista concedida à autora, o prof. José Borelli comentou que algumas das intenções em relação ao museu também mudaram ao longo do processo, por ocasião da realização das eleições de 2010, quando os cargos de governador do estado e secretário da cultura foram ocupados por outros representantes. Nas palavras do arquiteto, a primeira administração tinha a intenção de concretizar “o melhor museu possível”, e a seguinte, de concretizar o projeto “o mais rápido possível”11. Foram feitas algumas exigências, sobretudo no sentido de cortar gastos vistos como desnecessários – o prof. Borelli exemplificou o fato comentando a respeito dos spots de iluminação que seu escritório havia sugerido para os espaços expositivos, que foram considerados muito caros; os spots instalados, como é possível observar nas fotografias, são volumosos e, por serem numerosos, acabam tornando-se um elemento visual muito forte, mas eram mais baratos que aqueles previstos originalmente, que era mais indicados para a iluminação de obras de arte. Houve constantes desentendimentos entre a reitoria da USP e a SEC a respeito do gerenciamento do edifício até que chegou-se ao acordo de que o Palácio seria transformado em 10. A BASE7 recusou-se a conversar com a autora deste trabalho sobre a sua participação no projeto, recomendando-me que procurasse informações junto aos funcionários do MAC-USP. 11. Entrevista concedida à autora em 27/06/2012.
Projetos para a nova sede
99
patrimônio da universidade. A demora em assinar o convênio entre USP e SEC agravou o atraso nas obras. A reitoria admitidamente relutava em firmar este acordo, pela incerteza de poder arcar com o ônus da manutenção do edifício, avaliado em até 15 vezes maior do que o valor gasto com os espaços até então ocupados pelo museu12. Além disso, havia a questão da instalação do Clube das Arcadas no terreno vizinho ao Palácio da Agricultura, como comentado anteriormente. A realização da empreitada - a transferência o museu e inauguração da nova sede - dentro de um determinado mandato político era interessante do ponto de vista da propaganda política positiva, derivada da grande visibilidade que um novo equipamento cultural na região poderia acarretar. Este fato fica claro na insistência da SEC em realizar uma rápida abertura do edifício à população - ainda que marcada por uma estratégia de comunicação deficiente e ausência de qualquer esforço de recuperação urbana - em detrimento da realização um projeto mais cuidadoso, lento e trabalhoso, como seria digno de tal patrimônio urbano, arquitetônico e artístico. Para Tadeu Chiarelli, ocupar todo o edifício de uma única vez contraria diretrizes de segurança do acervo, afinal ainda não se sabe se a nova sede está apta a receber tantas obras em condições apropriadas (certamente ainda não está apta a receber tantas pessoas quanto o museu gostaria); afinal, antes de mais nada, o edifício ainda está em obras, o que não é compatível com a presença de obras de arte no local. A estratégia de ocupação do edifício, segundo o atual diretor do MAC-USP, deve seguir um ritmo lento, implantando as exposições paulatinamente e criando condições para que o público vá se habituando aos poucos ao acervo do museu. A intenção é de que se realizem atividades visando a familiarização do público com as obras, seguindo o caráter didático da presença de um museu universitário na cidade. A escolha não agrada nem SEC, nem público, nem empresas envolvidas, a quem interessa a pronta instalação do equipamento, com funcionamento atrativo. 12. Dados extraídos da reportagem online do Jornal do Campus, de setembro de 2011 - www.jornaldocampus.usp.br/ index.php/2011/09/reitoria-quer-dividir-custos-do-mac-com-governo-estadual/. Até o momento em que este trabalho foi elaborado, ainda não havia previsões do valor da contribuição do Governo do Estado para a manutenção do museu na nova sede. Algumas fontes citam 12 milhões de reais por ano, outras 18 milhões. O atual reitor da USP, João Grandino Rodas, em entrevista ao jornal televisivo SPTV no início de 2011 estimou que o custo com a manutenção do MAC aumentaria de 10 vezes.
100
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Talvez esse comportamento do público em relação às atividades culturais na cidade tenha estimulado a construtora Simétrica a veicular uma reportagem do telejornal SPTV na pagina inicial da empresa na internet: a população acostumada às exposições-evento quer ver seu grande museu implantado e funcionando. Não interessa que não haja acessibilidade, não interessa a falta de articulação com o parque, não importam as atividades do museu, que vão crescer e tem de ser planejadas; talvez não importe nem mesmo o conteúdo das exposições, desde que haja um espaço para “passear”, desde que haja um acontecimento. Em outubro de 2012, o arquiteto Marcos Costa, do escritório Borelli & Merigo, foi chamado para palestrar na FAU-USP sobre dois dos projetos recentes mais significativos da empresa: a reforma do Palácio da Agricultura e o novo projeto da Praça Roosevelt13. Tive a oportunidade de conversar com ele após o evento, ocasião na qual informou-me que o processo de elaboração do projeto e condução das obras havia sido muito desgastante e repleto de interferências políticas. Segundo o arquiteto, muitas das propostas apresentadas pelo escritório para o entorno e para o interior do edifício foram recusadas pela SEC, sob o pretexto de falta de verbas. A constante discordância entre reitoria da USP e o governo do estado atrasava e interferia no trabalho dos especialistas nas áreas de arquitetura, urbanismo e museologia, aqueles que deveriam ser dotados de grande autonomia na elaboração das propostas de adaptação. Ainda segundo Marcos Costa, vencer uma licitação aberta pela prefeitura ou pelo governo do estado significava, necessariamente, ter de lidar com todo o tipo de entraves políticos e orçamentários, tornando o escritório de arquitetura um “refém” das alterações feitas por figuras que detém poder político e administrativo, mas que nada ou pouco compreendem sobre a importância do papel do arquiteto e urbanista na transformação da cidade (talvez não interesse compreender). No entanto, estas problemáticas fazem parte da busca pelo reestabelecimento do prestígio que os arquitetos e urbanistas deveriam ter perante a execução de obras no espaço público.
13. O arquiteto foi convidado pela professora Fabiana Lopes de Oliveira, do Departamento de Tecnologia da FAU-USP, e a atividade fazia parte de uma disciplina optativa sobre patologias prediais, não sendo uma palestra destinada a todos os alunos da faculdade.
Projetos para a nova sede
101
Maquete do projeto do escritório Borelli & Merigo para a nova sede do MAC-USP. Imagens cedidas por Rodrigo Queiroz.
102
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Proposta de implantação não realizada. Imagem cedida por Marcos O. Costa
Proposta Borelli & Merigo - sem data IMPLANTAÇÃO
Projetos para a nova sede
103
LEGENDA pontos de acesso à passarela Ciccillo Matarazzo AN
entrada do museu
EX O A
acessos para veículos (o acesso pela rua Dante Pazzanese é o único em funcionamento atualmente) por tão de entrada para pedestres
AN
porção da área do térreo onde o acesso de visitantes é controlado e possivelmente restrito
EX O O
pontoss de ônibus (foram marcados somente os mais próximos ao MAC-USP)
RI GI N AL
BL O CO PR IN CI
AN
L PA
EX O B
Nota: O desenho técnico desta implantação foi elaborado por Lia Untem tendo como base uma fotografia da planta, tirada quando da inauguração da nova sede. Portanto, é possível que o desenho contenha imprecisões e discrepâncias em relação ao projeto executado. Este não foi cedido à autora. O mesmo aconteceu com as plantas dos pavimentos do edifício principal. Somente as plantas dos edifícios anexos e os cortes aqui exibidos são de autoria do escritório Borelli & Merigo, correspondendo ao projeto executado. Os demais são reelaboração sobre fotografias e sobre a situação observada em visita ao local. As plantas do primeiro e do oitavo pavimentos do bloco principal não foram compartilhadas, motivo pelo qual não constam deste trabalho.
Proposta Borelli & Merigo - sem data IMPLANTAÇÃO 104
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Térreo
Anexo B - casa de máquinas
Circulação ver tical do edifício anexo
Mezanino
Anexo original - exposições, reservas técnicas e laboratórios
Circulação ver tical restrita ao horário de funcionamento do espaço expositivo
Anexo A - administração, reservas técnicas e laboratórios
Circulação ver tical de emergência
1o pavimento - auditório, ateliês e diretoria 2o a 7o pavimentos - exposições 8o pavimento - restaurante panorâmico
Circulação ver tical de funcionamento independente ao fechamento do espaço expositivo
Proposta do escritório Borelli & Merigo em esquema elaborado pela autora
Projetos para a nova sede
105
LEGENDA: 1- rampa de acesso 2- antecâmara 3- reserva técnica pintura e escultura de grande porte - pé direito duplo 4- laboratório de conservação e restauro de pintura e escultura- pé direito duplo 5- reserva técnica obras em trânsito - pé direito duplo 6- sala de desinfecção - pé direito duplo
7- ar condicionado 8- manejo e aclimatação - pé direito duplo 9- reserva técnica pintura e escultura de médio porte - pé direito simples 10- ar condicionado 11- laboratório de conservação e restauro de papel 12- laboratório de conservação e restauro de fotografia
13- área de montagem dos laboratórios de conservação e restauro de papel e fotografia 14- sala fotografação 15- sala de desinfestação e aplicação de verniz
1
3
4
2
9
10
11
6
5
12
13
14
7
8
15
0
2
4
6m
N
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA DO SUBSOLO - ANEXO A
106
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Nota: não foi possível obter a planta do térreo deste edifício - setor administrativo - tampouco os cortes.
1 4
LEGENDA: 1- manejo 2- fraldário 3- recepção 4- exposição 5- pavimento térreo em vista 6- mezanino de exposição 7- acesso à passarela de ligação com o bloco principal
2 3
TÉRREO
TÉRREO
5
6 MEZANINO
N
7 MEZANINO
0
3
6
9m
0
3
6
9m
N
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTAS DO TÉRREO E MEZANINO - ANEXO ORIGINAL
Projetos para a nova sede
107
CORTE D
CORTE C
CORTE A 0
1
2
3 4
5
6
7
8
9
10
2
4
6m
1 11
13
12
1
14
15
16
17
18
19
21
20
22
1
1
)*
#/
LEGENDA: 1- ar condicionado 2- reserva técnica filmes 3- antecâmara filmes 4- antecâmara novas tecnologias 5- reserva técnica novas tecnologias 6- reserva técnica pintura 7- reserva técnica escultura pequeno e médio porte 8- marcenaria 9- almoxarifado de manutenção predial 10- almoxarifado de manutenção predial 11- terceirizados 12- itr 13- manejo 14- divisão téncica científica de acervo 15- reserva técnica papel - obras montadas 16- divisão técnica papel - obras soltas 17- antessala papel 18- antessala fotografia 19- reserva técnica fotografia - obras soltas 20- reserva técnica fotografia - obras montadas 21- reserva técnica pinturas pequeno e médio porte 22- refeitório de funcionários terceirizados
'
0
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA DO SUBSOLO E CORTES - ANEXO ORIGINAL 108
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
N
6m
LEGENDA: 1- sala mtr 2- sala no-break 3- sala pop/dg 4- sala automação 5- zeladoria
2 1
4
6- geradores 7- ventiladores 8- subestação transformadora 9- sala de quadros 10- sala de confecção dos suportes expositivos
11- terceirizados 12- ar condicionado 13- área técnica de instalações prediais 14- tanque de óleo 15- geradores 16- subestação
3
14
5
6
10
15
13
8
16 7
11
9
TÉRREO
12
SUBSOLO
6m
0 N
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA DO TÉRREO E SUBSOLO - ANEXO B
Projetos para a nova sede
109
CORTE C
CORTE A
0
CORTE D
CORTE B
0
N
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA DO TÉRREO E SUBSOLO - ANEXO B 110
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
3m
N
3m
LEGENDA: 1- elevadores de acesso ao espaço expositivo 2- sala de ar condicionado 3- catracas (acesso restrito ao espaço expositivo) 4- catracas (acesso restrito ao primeiro pavimento)
5678-
lounge / loja / livraria recepção de grupos depósito protocolo
9- acesso principal 10- enfermaria 11- fraldário 12- bombeiro
13141516-
segurança guarda-volumes recepção acolhimento de grupos
4 2 1
E
3
6
5
E
2 7
8
10
11
12 13 14
9 0
5
10
15m
15
16
N
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA DO TÉRREO - BLOCO PRINCIPAL
Projetos para a nova sede
111
LEGENDA: 1- elevadores de acesso controlado 2- estar 3- salão 4- café 5- apoio 6- instalações 7- terraço
1 6 2
4
3
5
6
6
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA PARCIAL - MEZANINOBLOCO PRINCIPAL 112
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Nota: planta parcial cedida pelo arquiteto Marcos Costa. Não aparece o acesso para a passarela de ligação com o mezanino do edifício anexo, a qual pode ser observada na implantação e nas fotografias da visita ao local.
LEGENDA: 1- sala para manejo de obras 2- ITR 3- sala técnica 4- sala de ar condicionado
5678-
depósito de equipamentos expositivos exposição hall de circulação dos elevadores instalações
2 8
1
4
2 3
4
1 2
6
6
E
3
E
7 5
4
4
0
5
5
10
15m
N
Proposta Borelli & Merigo - sem data PLANTA - PAVIMENTO TIPO (EXPOSIÇÕES)
Projetos para a nova sede
113
CORTE B
CORTE A
0 0
Proposta Borelli & Merigo - sem data CORTES - BLOCO PRINCIPAL 114
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
2
4
6m
2
4
6m
CORTE C
CORTE D 0
2
4
6m
0
2
4
6m
Proposta Borelli & Merigo - sem data CORTES - BLOCO PRINCIPAL
Projetos para a nova sede
115
CORTE E - par te 1 N
Proposta Borelli & Merigo - sem data CORTES - BLOCO PRINCIPAL 116
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
0
2
4
6m
CORTE E - par te 2
Projetos para a nova sede
117
Descrição do Projeto
Grande parte do material adquirido sobre o projeto do escritório Borelli & Merigo é proveniente da palestra do arquiteto Marcos Costa na FAU-USP, em outubro de 2012. Não é, necessariamente, representação fiel do que está sendo executado nas obras, dadas as constantes modificações impostas pela SEC e sugeridas pelo MAC-USP, gerando inúmeras revisões. As informações sobre este projeto estão mais completas do que aquelas sobre o projeto do escritório de Niemeyer, pois tive contato direto com os arquitetos que a elaboraram. Além disso, deve ser levado em consideração que o projeto do escritório de Oscar Niemeyer chegou apenas à etapa de estudo preliminar, e não de ante-projeto ou projeto executivo, como no caso da proposta do escritório Borelli e Merigo. Nesta, a área a ser construída - dois novos edifícios anexos e as áreas técnicas no subsolo - somaram um total de 6.102,95m2, e a área a ser reformada foi estimada em 29.936,45m2, praticamente todo o edifício, de 30.135,30m2. A área total do terreno, com estacionamento e barracões do antigo Detran e da CPOS, somam 44.321,85m2. A proposta de implantação, segundo José Borelli e Marcos Costa, previa o alargamento da calçada para melhor acomodação do ponto de ônibus em frente ao prédio, além de um projeto paisagístico, para articular a chegada da passarela Ciccillo Matarazzo com o acesso ao museu, e um caminho arborizado para pedestres, a partir da entrada pela Rua Dante Pazzanese14. Vistos como “perfumaria”, não essenciais ao funcionamento do edifício, tais propostas foram ignoradas, negadas, ou tiveram sua execução adiada por “falta de verbas”. Para a adequação às normas de segurança foram construídas duas novas torres de circulação vertical na parte posterior do edifício principal, uma delas contendo apenas escadas e a outra contendo escadas e elevadores. Ambas fazem ligação direta da cobertura e pavimentos tipo com o térreo do edifício, para rápida evacuação. São dois grandes blocos de concreto que rivalizam com as formas arredondadas da torre original. Dois novos edifícios foram projetados de ambos os lados do edifício anexo original. 14. Nenhum destes materiais foi disponibilizado para a autora, sendo observáveis apenas na planta humanizada de implantação cedida por Marcos Costa.
118
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Imagens das torres de circulação, feitas em agosto de 2012. As fotografias da nova sede e do entorno urbano, apresentadas deste ponto em diante pertencem ao arquivo pessoal da autora.
Fachada do anexo B.
O menor deles, “o anexo B”, destina-se às instalações de manutenção, servindo como casa de máquinas além da presença de algumas salas técnicas. O maior, o “anexo A”, abrigará o setor administrativo do museu, com acesso exterior e pelo térreo do anexo original. No subsolo (na realidade trata-se de uma porção semienterrada, para que os ateliês e laboratórios pudessem ser iluminados naturalmente) deste novo edifício estão ateliês, laboratórios, salas de manejo e algumas reservas técnicas, ligados ao salão expositivo. Foi construído um túnel ligando o subsolo do anexo A ao bloco principal, onde ficará a maior parte dos espaços expositivos. No final do túnel há um elevador de carga para transporte de obras. Ainda no anexo A fica o acesso dos caminhões de carga, através de uma rampa que desce do estacionamento ao espaço de manejo e aclimatação das obras.
Interior do anexo B.
Fachada do anexo A.
Área destinada à instalação do setor administrativo.
Iluminação natural nos laboratórios do anexo A.
Acesso de carga e descarga do anexo A.
Reserva técnica com acesso para corredor dos laboratórios.
Projetos para a nova sede
119
Corredor subterrâneo de ligação entre o bloco principal e o anexo A.
Corredor de acesso às reservas técnicas.
120
O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Porta dupla de uma das reservas técnicas
Elevador de carga no fim do corredor subterrâneo.
Vista dos edifícios originais a partir da passarela de ligação.
Espaço interno do anexo original.
Porta de ligação com o subsolo do anexo A.
No edifício anexo original ficará um grande salão expositivo, ligado ao anexo A e à “rua” de serviços na parte de trás do terreno através de portas de dupla abertura com cerca de 3 metros de altura. Este salão receberá instalações de artistas, tipo site specific e mostras temporárias. Não há acesso pelo exterior do edifício, somente pelo mezanino. Essa configuração acabou deturpando a ideia de um espaço de livre circulação entre os dois blocos, o “jardim de esculturas”. Segundo a assessora do museu, Ana Farinha, a circulação pelo térreo entre os dois blocos terá de ser restrita aos funcionários do museu, já que pelo térreo pode-se acessar a sala da administração e a casa de máquinas dos dois edifícios anexos novos, o que desafia a segurança do museu. O jardim não mais poderá de ser um espaço público, seja de circulação, seja de permanência ou de realização de atividades ao ar livre. Os visitantes terão de fazer a transição entre os dois blocos através da passarela elevada que liga os mezaninos de ambos os edifícios originais, obrigatoriamente. O mezanino do anexo receberá, para sua inauguração como espaço expositivo, fotografias da sua própria reforma, assim como do restante do complexo. Em cada uma das extremidades há escadas e elevadores de circulação para acesso ao térreo. No subsolo ficam laboratórios de conservação e restauro de obras de papel, mídias eletrónicas, fotografias, além de reservas técnicas para obras de pequeno porte (o pédireito não chega a três metros de altura). Conforme citado, uma passarela liga este espaço ao mezanino do edifício de oito andares. No bloco principal, o Palácio da Agricultura propriamente dito, o acesso de quem vem pela rua será feito através de uma entrada situada sob a marquise original. O espaço entre esta e o edifício foi fechado por vidros. Para aqueles que utilizarem o estacionamento, é necessário andar até a mesma entrada, sob a marquise, sem nenhum caminho coberto, um trajeto feito em meio à circulação de outros automóveis; é também necessário resistir a qualquer ímpeto de dar a volta ao prédio ou tentar acessar diretamente o anexo - por enquanto a segurança terceirizada impede qualquer tentativa, reforçando o relato de Ana Farinha.
Projetos para a nova sede
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No espaço sob a marquise, além de um amplo espaço para recepção e acolhimento de grupos grandes de visitantes, ficam as instalações dos bombeiros, da segurança, enfermaria e uma sala guarda-volumes. No térreo do edifício fica o lounge com livraria lojas, grandes áreas de circulação e acolhimento, além dos sanitários. Os elevadores da torre original de circulação são de acesso restrito, destinados à circulação de funcionários do museu para acesso às salas da diretoria que ficam no primeiro pavimento. Estes elevadores também podem levar ao restaurante do último andar, que poderá funcionar de forma independente aos horários de fechamento e abertura do museu. A escada original de acesso ao mezanino foi mantida. O mezanino é o mesmo do projeto original de Oscar Niemeyer. A partir dele é possível acessar a cobertura da marquise, na qual será instalado um espaço de estar com jardim. A escada em caracol que desce até o térreo foi mantida, porém a circulação através dela foi proibida pelo corpo de bombeiros e a escada serve agora apenas como enfeite. Este jardim está ligado à área do café, do lado direito do mezanino, oposto aos elevadores de circulação. Toda esta área também poderá funcionar de forma independente do restante do edifício. Em frente à escada de acesso ao mezanino serão instaladas catracas para controle do acesso aos espaços expositivos. A partir deste ponto é possível acessar a passarela que liga ao edifício anexo ou utilizar os elevadores para acessar os demais pavimentos.
Imagens da passarela de ligação entre os mezaninos do bloco prinipal e do edifício anexo.
O mezanino do bloco principal.
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O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Paredes de gesso acartonado no primeiro pavimento.
No primeiro pavimento foi construído um auditório, além de alguns ateliês para atividades educativas supervisionadas e as salas da secretaria e da diretoria. É o único pavimento em que é possível ver o exterior do edifício através das fachadas nordeste e sudoeste em toda a extensão das mesmas, pois o corredor técnico foi fechado por vedos de vidro. Os ateliês e a diretoria são iluminados com luz natural e demandaram alguma compartimentação do pavimento para conformação das salas; o auditório foi completamente fechado e, considerando o pé-direito dos pavimentos tipo, de cerca 3m, imagino que não tenha sido possível elevar a plateia em rampa ou instalar um palco elevado em relação ao piso. Foi possível observar, na visita ao local, que os camarins, o auditório e suas salas técnicas ocupam a porção maior do pavimento, do lado direito do acesso de visitantes, mas a planta e os dados sobre o andar não foram disponibilizados para este trabalho, por isso não é possível saber detalhes, como o número de assentos do auditório.
Área em frente ao auditório.
Entrada de luz natural pela fachada posterior do edifício.
Um dos ateliês do primeiro pavimento. As paredes de gesso acartonado que definem este espaço possuem cerca de 2,20m de altura.
Circulação de acesso ao auditório próxima ao corredor técnico do pavimento.
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Do segundo ao sétimo andares as diretrizes da adaptação foram as mesmas. Foram construídas paredes de gesso acartonado ao longo das fachadas envidraçadas para a instalação de um corredor técnico. Este espaço abriga os dutos de ar condicionado e demais instalações elétricas e tecnológicas necessárias para as exposições. A outra função destas paredes é impedir a passagem de luz natural, evitando seus efeitos indesejáveis sobre as obras do acervo.
Entrada do corredor técnico do pavimento tipo.
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Dutos de ar condicionado no corredor técnico da fachada posterior.
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Duas imagens do espaço expositivo, com e sem iluminação artificial.
Neste ponto é importante lembrar que Gabriel Borba havia sugerido que o bloco principal fosse ocupado, na medida do possível, pelos setores administrativos do museu, pelas salas para atividades educativas, ateliês, salas de reunião, etc. Era uma forma de aproveitar a tipologia do edifício, projetado para abrigar funções administrativas, evitando transformações mais drásticas como a de bloquear a entrada de luz natural em quase todos os pavimentos. A ideia era que as novas construções, que se faziam necessárias, fossem destinadas à exposição do acervo e outras mostras temporárias, podendo ter pé-direito mais generoso e sem tantas interferências de pilares, observáveis nas imagens do edifício anexo. A SEC foi contrária à essa sugestão, incialmente acatada pela BASE7 e pelo escritório Borelli e Merigo, como se desta forma não fosse dado um uso digno ao edifício, ou coisa que o valha. Consequentemente, todos os pavimentos, à exceção do primeiro, não possuem mais vista para o exterior, sendo a única exceção o hall de acesso dos elevadores. Os sanitários, salas de manejo de obras, depósitos de equipamentos expositivos e sala de ar condicionado foram construídos nas extremidades dos pavimentos. À exceção das salas de ar condicionado, as demais áreas são separadas do espaço expositivo por duas paredes curvas e baixas, que deixam aparecer a parte superior das portas dos banheiros.
É possível ver os brises da fachada e parte do Parque Ibirapuera apenas na área em frente ao hall dos elevadores de acesso.
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No oitavo e último andar ficarão o terraço panorâmico e o restaurante do museu, que deverá ser, conforme as especificações de Gabriel Borba no programa de necessidades, de “fino trato”. Para a instalação do restaurante foi construída área para comportar uma cozinha de grande porte (planta não fornecida, ver imagens do local), ainda em obras na visita de agosto de 2012. O terraço foi equipado com guarda corpos de vidro e de lá tem-se uma vista ampla e privilegiada da cidade de São Paulo. Vista do último pavimento a partir do terraço.
Área do restaurante.
Vista da área destinada a receber o restaurante do museu, com o skyline da cidade ao fundo.
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Vista do terreno do Instituto Biológico a partir do terraço.
Além do aumento significativo das áreas expositivas, um dos maiores ganhos do museu foi o aumento das áreas de reserva técnica e laboratórios. O Anexo A, semienterrado, permite a entrada de luz natural nos laboratórios, ligados às reserva técnicas por um corredor. Foram previstas todas as instalações de segurança necessárias, além de portas e pé-direito condizente com o tamanho de algumas das obras de grande porte do acervo. Também foi construído um subsolo com salas técnicas sob o anexo original; neste espaço o pé-direito é mais baixo, motivo pelo qual aí estão as reservas técnicas que não demandam grandes áreas, como a de obras em papel, pequenas telas e objetos. Os espaços para o arquivo e a biblioteca do museu não foram incluídos neste projeto. A diretoria está pensando em levar o arquivo para o edifício do MAC-Sede, onde deve permanecer também a biblioteca, já instalada no local.
Vista do Parque Ibirapuera e adjacências, a partir do terraço do Palácio da Agricultura.
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Condições atuais da inserção urbana da nova sede
Atualmente, para o pedestre, a ligação mais direta entre o Parque e o novo MAC é feita exclusivamente pela passarela elevada Ciccillo Matarazzo, que vence o vão sobre 19 pistas automotivas – duas avenidas grandes sobre um túnel - muito movimentadas, mesmo aos fins de semana e feriados. Os acessos de pedestre para esta passarela, de ambos os lados, são bastante inadequados. Do lado oposto ao novo MAC, ou seja, do lado do parque, a passarela termina em uma curva que leva a um dos portões do Parque. Ali a entrada de carros e de pedestres é feita pela mesma via de acesso, não sendo possível adentrar o parque pela calçada. Ao final desta curva, o pedestre pode acessar a parada de ônibus descendo uma escadaria ou seguir o caminho à esquerda, em direção às vagas para idosos que ficam próximas ao portão. Quem desejar seguir no sentido centro pela calçada, sem caminhar em direção ao parque, não pode fazê-lo através de caminho pavimentado mais direto, ou seja, sem ter que contornar os respiradores do túnel, o que incentiva os pedestres a cortar caminho sobre a grama, criando uma trilha de terra batida. Para quem caminha pela calçada da av. Pedro Álvares Cabral no sentido bairro, é quase impossível enxergar o acesso à passarela, bloqueado pelos mesmos respiradores, fazendo a escadaria parecer a única alternativa além da trilha de terra batida o que reforça o aspecto da má comunicação do acesso com o entorno imediato. No final da passarela do outro lado, em frente ao museu, o caminho é encerrado abruptamente por um gradil metálico, da mesma forma como acontecia quando o edifício abrigava o DETRAN. O pedestre é obrigado a optar por uma curva fechada à esquerda, em direção ao ponto de ônibus, ou pela curva fechada à direita, em direção à abertura (porque não se pode chamá-la de entrada) que leva ao MAC-USP e à escadaria que leva à calçada da avenida Pedro Álvares Cabral. Esta mesma escadaria é a primeira chance de acesso ao museu para quem caminha deste lado da avenida, no sentido centro. Do mesmo lado, caminhando no sentido bairro, o primeiro acesso, logo após o ponto de ônibus, é uma rampa decrépita que leva diretamente ao fim da passarela, ladeada pelo gradil metálico que circunda toda a frente do terreno. Muitos pedestres optam por não utilizar a rampa, subindo a largas passadas o talude que separa a calçada do plano do museu, criando outra trilha de terra batida, muito íngreme e irregular, além de escorregadia.
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A atual situação da comunicação do MAC-USP com o seu entorno imediato é lamentável. Considerando um museu da magnitude deste, sobretudo em termos de qualidade de acervo, e que esperou tanto tempo, lutando, por uma sede digna, é aterrador perceber o quanto a sua relação com o espaço urbano foi preterida dentro do investimento feito neste projeto. Afinal, a mudança do MAC-USP para o Palácio da Agricultura não significava somente uma transformação no âmbito institucional, ou da espacialidade expositiva; tratava-se também de uma excelente oportunidade de recuperar e melhorar as condições de acesso, passagem e permanência, não só dos espaços imediatamente ligados ao edifício, mas também aqueles que permitem, ou permitiriam, uma relação bem estruturada e até mesmo harmoniosa, com o entorno e com os demais equipamentos urbanos públicos da região. Sobretudo, tratava-se de uma oportunidade sem precedentes de aprimorar o diálogo entre MAC e cidade, e a aproximação é prejudicada quando se decide preterir a contemplação das necessidades do visitante. O público que não está familiarizado com o MAC, mas que frequenta os outros equipamentos culturais do parque Ibirapuera, talvez não se sinta inclinado a conhecer o museu por não identificar com clareza uma ligação com o outro lado das avenidas (e não existe mesmo), ou, conhecendo a ligação existente, por julgar não ser possível uma caminhada tranquila até o edifício. Quem acessa o parque por transporte público pode fazê-lo com mais facilidade através de outros portões. Já mencionados os acessos, é bom deixar claro que atravessar a passarela Ciccillo Matarazzo também não é tarefa agradável. O ruído intenso dos carros, motocicletas e ônibus que trafegam sob ela é extremamente incômodo mesmo quando não há congestionamentos, e o tráfego é intenso mesmo aos fins de semana – aliás, em função do Parque, o tráfego aos fins de semana é especialmente intenso, inclusive o de pedestres e ciclistas na passarela. Estes seguem aos esbarrões, desviando uns dos outros nos populosos sábados e domingos na região. Nos demais dias da semana, a passarela é semideserta. O barulho, a poluição e o espaço árido e mal sinalizado tornam o local inóspito e o trajeto desagradável, desestimulador de qualquer intenção de permanência, ou de passeio, apesar da ampla visual proporcionada ao pedestre por sua elevação sobre o vale da avenida Vinte e Três de Maio. Acredito que há um tipo especial de pedestre que interessa ao MAC na sua nova sede, aquele que circula pelos equipamentos culturais já familiares da região, como o
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MAM, o MAB, a Oca, aquele que visita a Bienal, não apenas porque visita o parque, mas porque deseja estar em contato com as manifestações culturais. Este transeunte certamente se utilizará da passarela para fazer o trajeto MAC-Ibirapuera e poderá notar que o pedestre foi esquecido! Talvez não na concepção e nas intenções dos arquitetos, mas na execução do projeto, que é o que importa, afinal. Segundo Marcos Costa, o escritório Borelli & Merigo havia proposto a reurbanização e arborização do trajeto entre a nova sede e o metrô Ana Rosa, identificado pelo escritório como um caminho que receberia um fluxo grande de pessoas desejosas de visitar o MAC-USP. A proposta foi deixada em segundo plano, e hoje acredito que tenha sido totalmente desconsiderada. Outras possíveis conexões importantes poderiam ter sido pensadas, além da ligação com o parque Ibirapuera, como a articulação entre o novo MAC e o “eixo” cultural formado pelo Instituto Biológico, a Cinemateca, o Museu Lasar Segall, o Parque Modernista, etc. Mas a pressa da inauguração, a pressão da “falta de verbas” e de interesses não relacionados à requalificação urbana falaram mais alto e o edifício foi entregue completamente “ensimesmado”. O acesso de veículos ao museu, por enquanto, é feito pela Av. Dr. Dante Pazzanese, mas está previsto também um acesso mais “nobre” pela Av. Pedro Álvares Cabral, para a qual se volta a fachada do edifício. Este deve funcionar como um “desembarque rápido” de visitantes, por estar mais próximo à entrada do museu - foi mantida a rua construída para esse fim na época da ocupação pelo Detran; há tanto entrada quanto saída de veículos pela Av. Pedro Álvares Cabral, que configuram a possibilidade de rápido embarque e desembarque de passageiros bem em frente à entrada do museu. A desvantagem apresentada pela manutenção desta rua é a barreira que ela oferece à possibilidade de acesso direto pela passarela Ciccillo Matarazzo. As obras do estacionamento ainda não foram concluídas e na faixa de terreno estreita que liga a Av. Dr. Dante Pazzanese ao MAC ainda existem alguns dos barracões de vistoria e emplacamento do DETRAN. Por enquanto, os funcionários do museu que vistam a nova sede de carro tem estacionado seus veículos bem próximos ao edifício, nas marcações de vagas remanescentes do antigo pátio de vistorias. O projeto prevê menos da metade das vagas para veículos mencionadas no programa de necessidades de Gabriel Borba. A maior parte do terreno
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A comparação entre as duas imagens acusa a permanência das condições de acesso ao edifício inadequadas para os pedestres. A imagem superior foi cedida por Rodrigo Queiroz.
não ocupado pelos edifícios será ocupada pelos estacionamentos, deixando alguns recortes de terreno para o paisagismo do “jardim” entre o bloco principal e os edifícios anexos, local que não será acessível ao público conforme comentado anteriormente. É possível observar que o Parque Ibirapuera é contornado por vias importantes da cidade de São Paulo, como o corredor Norte-Sul (Av. Vinte e Três de Maio e Rubem Berta), a Av. Pedro Álvares Cabral, Av. República do Líbano, etc. O acesso pela Rua Dante Pazzanese, de mão única, só é possível a partir da Av. Pedro Álvares Cabral. Esta, por sua vez, está ligada à todas as outras vias importantes do entorno (inclusive a Rua Sena Madureira e Av. Ibirapuera), e possui muitos retornos sobre o corredor Norte-Sul. O acesso por meio de veículo particular é bastante favorecido em relação ao de pedestres, uma característica já presente no Parque Ibirapuera, cujo entorno, assim como o do MAC-USP, apresenta inadequações bastante alarmantes, como ausência de calçada pavimentada e de faixas de pedestres nas proximidades dos portões e pontos de ônibus, etc.; não obstante, é relativamente farta a oferta de vagas de estacionamento tanto no museu quanto no parque. Por enquanto o edifício se relaciona fisicamente/espacialmente com a cidade da mesma forma como o fazia quando servia ao DETRAN - o que é, a meu ver, extremamente prejudicial ao museu - impondo uma relação proibitiva ao entorno, no modo como separa a rua de todo o arredor do edifício, como deixa de oferecer possíveis articulações interessantes com outros equipamentos e oferece barreiras à circulação contínua com os principais acessos reservados aos pedestres. Forma-se uma forte impressão de que não há nada de público a respeito do edifício, pois não se trata de uma distinção entre espaço público e espaço restrito, mas de uma total separação entre rua e edifício, a qual, certamente, não é a forma mais apropriada de expor ao transeunte que é possível e permitido – teria de ser também desejável(?) – adentrar aquele local. Assim como o MuBE, o Palácio da Agricultura foi tolhido de suas intenções iniciais. Sem dúvida o primeiro manifestava uma concepção do papel desempenhado pelo espaço público muito mais clara e adequada do que o último, mas o resultado final é incalculavelmente prejudicial a ambos.
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Imagens do trajeto entre o parque e o museu:
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Imagem das avenidas Vinte e Três de Maio e Pedro Álvares Cabral, a partir da passarela Ciccillo Matarazzo.
Caminho de terra batida até o acesso à passarela.
Caminho de terra batida até o acesso à passarela.
Chegada ao ponto de ônibus onde o desnível em relação ao acesso à passarela já é bastante considerável.
Escadaria de ligação entre o ponto de ônibus e a passarela.
Vista do ponto de ônibus do topo da escadaria.
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Vista do portão de acesso ao parque mais próximo da chegada da passarela Ciccillo Matarazzo.
Trajeto em direção à passarela a partir do portão do parque.
Acesso à passarela.
Trajeto pela passarela em direção ao novo MAC-USP.
Trajeto pela passarela em direção ao novo MAC-USP.
Chegada da passarela em frente ao edifício.
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Escadaria de acesso à passarela e ao MAC-USP a partir da calçada da Av. Pedro Álvares Cabral.
Acesso à escadaria a partir da calçada.
Rampa de acesso à passarela, que leva ao ponto de ônibus mais próximo do Palácio da Agricultura.
Caminho de terra batida, atalho alternativo à rampa.
Caminho de terra batida, atalho alternativo à rampa.
Chegada da rampa e do atalho à passarela.
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Acesso de pedestres ao museu, à direita do final da passarela.
Vista do acesso ao museu - é preciso atravessar uma via de acesso para veículos para chegar à entrada sob a marquise.
A chegada da passarela, vista do térreo do edifício do museu.
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CAPÍTULO 4 A adaptação do edifício ao museu | do museu ao edifício
Imagens da exposição inaugural no Palácio da Agricultura. Foram escolhidas obras resistentes para “testar” a segurança da nova sede e marcar a presença do museu no edifício. São 17 esculturas ocupando o espaço do térreo sob a marquise e também sob o mezanino do bloco principa; a exposição deve durar até a instalação do restante do acervo no local. Fotos: arquivo pessoal.
Para celebrar a concessão de uso do edifício à USP foi organizada uma modesta exposição de abertura no térreo da nova sede, para “marcar o território” e para, finalmente, poder haver a divulgação de que havia sido inaugurado o novo museu pelo governo do estado. A ideia inicial da Secretaria de Estado da Cultura era poder inaugurar o museu de uma única vez, transformando a inauguração num grande evento midiático. Ignorava-se o quão trabalhosa seria a tarefa de trasladar o acervo de mais de 10.000 obras e organizá-lo nas reservas técnicas e em exposições dentro do novo espaço, além de instalar todo o corpo técnico/administrativo do museu no local. O MAC USP sempre priorizou a segurança das suas obras e desta vez não seria diferente: o procedimento adotado pela instituição no novo espaço, de realizar inaugurações paulatinas, com pequenas exposições, é condizente com a segurança do acervo, pois problemas de naturezas variadas podem aparecer aos poucos, tais como defeitos nos dutos de ar condicionado, infiltrações, vazamentos, patologias na edificação, etc. Segundo Cristina Freire1, atual vice-diretora do museu, toda a burocracia é resolvida primeiramente entre a reitoria da universidade e Secretaria de Estado da Cultura, sem a participação dos funcionários do MAC-USP. O processo de transição das peças é decidido anteriormente e depois passado aos funcionários, inclusive a diretoria do museu. Este sistema impõe ao museu uma “questão administrativa muito pendente, radical e decisiva”2. Freire está trabalhando na curadoria da exposição que será a primeira a ocupar um dos andares do bloco principal da nova sede, com obras do acervo do MAC feitas pelo artista Júlio Plaza, mas não tem ideia ainda de datas para a abertura, “porque todos os quesitos necessários para o envio da coleção ao local ainda não estão contemplados – e isso é atribuição da USP, que é detentora do patrimônio, e não do MAC. Quem lida com o secretário Marcelo Araújo é o reitor João Grandino Rodas, e não o diretor ou a vice-diretora, os quais, junto com os funcionários do museu, respondem apenas curatorialmente”3. Somente quando todos esses “quesitos” estiverem 1. Entrevista dada à autora em 13 de agosto de 2012. 2. Idem nota 1. 3. Idibem nota 1.
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resolvidos – relativos aos seguros e ao controle do patrimônio, ou seja, quesitos burocráticos - entre reitoria e secretaria da cultura, é que começam as atribuições curatoriais: logística de movimentação das obras até o local, concepção, conteúdo e desenho das exposições e dos aparatos expositivos. Em agosto de 2012, quando foi feita a entrevista com Cristina Freire, ainda não havia respostas para datas relativas ao início das exposições. Em outubro do mesmo ano, a situação ainda era a mesma, sem exposições novas e sem prazo para inaugurá-las. O prof. Tadeu Chiarelli reiterou4 que não há e nem nunca houve a intenção de transformar a transição do MAC num espetáculo, num grande evento midiático capaz de atrair multidões num único dia, embora houvesse pressão do governo para que fosse desta maneira. Segundo o atual diretor do museu, o Brasil está evidentemente em destaque na cena do mercado cultural, conforme manifestado nas atividades de muitos dos museus do país, que realizam exposições ao sabor do circuito comercial das artes; trata-se de uma “submissão” aos ditames do mercado de exposições de arte, situação que o MAC não tem intenção de vivenciar: o acervo do museu serve a propósitos acadêmicos, para ser estudado e gerar conhecimento e vai expor as obras que possui ou as que visa possuir de acordo com suas linhas de pesquisa e demais intenções acadêmicas. “Pertencer à USP tem suas vantagens e suas desvantagens.”5 A mídia tem ignorado, de maneira geral, as questões mais importantes desta transição, institucionais, sociais, urbanas. Divulga-se amplamente o valor investido na reforma (cerca de R$80 milhões) sem apresentar ao público onde residiu a necessidade deste ônus - cabe lembrar a construção de dois edifícios novos, mais uma grande obra no subsolo para a criação das salas técnicas e de máquinas, além da reforma nos edifícios existentes, dos quais restara basicamente apenas o esqueleto. Não tenho meios de avaliar se o gasto corresponde realmente ao necessário para estas obras, mas considero equivocado transmitir a ideia de que tanto dinheiro foi despendido apenas para pintar as paredes de branco. Na ocasião da “inauguração” da nova sede, houve uma manifestação contra a reintegração 4. Entrevista dada à autora em 04 de abril de 2012. 5. Idem nota 4.
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Manifestação ocorrida durante a inauguração da nova sede do MAC-USP. Na imagem inferior aparece o então Secretário da Cultura, Andrea Matarazzo. Fonte: TVABCD online.
de posse do terreno do Pinheirinho, em São José dos Campos. Os manifestantes sabiam que a celebração reuniria algumas figuras importantes do governo (certamente contavam coma presença do governador no local, o que não ocorreu) e aproveitaram-se do fato para atrair a atenção da mídia para a sua causa. O protesto em nada se relacionava ao museu, durou poucos minutos e logo foi controlado pela polícia. Não obstante, as imagens veiculadas pela mídia sobre a inauguração foram, principalmente, as da confusão entre policiais e manifestantes, salvo poucas exceções em que é mostrada a exposição e o interior do museu; as fotografias da polêmica foram associadas a matérias com títulos que levavam a crer que a manifestação e a inauguração estavam intimamente ligadas6! Ao invés de discutir a importância do maior museu de arte contemporânea da América Latina estar adquirindo uma nova sede em um dos mais importantes complexos culturais da ciade, o foco das reportagens manteve-se no protesto ocorrido e na timidez da exposição inaugural. A quase nenhum veículo de comunicação pareceu interessar o lado do museu, das suas dificuldades, da enorme transformação que esta mudança ocasionará no seu funcionamento, mas não foi considerado importante divulgar a estratégia de implantação paulatina. A população não é auxiliada a enxergar a importância do fato e acaba caindo nas reclamações recorrentes do custo e do atraso das obras de reforma, e também a respeito do uso dado ao edifício (“por que não uma escola? ou um hospital?”). A população de São Paulo, ao mesmo tempo em que se deleita e se acostuma com exposições bombásticas de arte, não está, em geral, apta a compreender a importância da ocupação daquele edifício pelo museu, ou mesmo 6. Reportagem da Folha de São Paulo online, de 28/01/2012, mesmo dia da inauguração da nova sede. Com o título “Inauguração de museu termina com protesto em SP”, a reportagem deixou para o último parágrafo as informações relevantes sobre a inauguração em si. Seguem os dois últimos parágrafos: “‘Era um momento de festa para a cidade, temos orgulho de presentear São Paulo com a nova sede do MAC. Jamais esperava que politizassem o evento e não há como encarar o que ocorreu de outra forma: foram atos de truculência. Fui agredido fisicamente durante a manifestação e esse é o limite da democracia, ninguém pode tirar o direito do outro de ir e vir, era apenas isso que eu tentava fazer. Essas pessoas não têm a mínima noção do que é cidadania. Também me preocupei com a segurança de todos que comemoravam conosco um marco para a cidade, afirmou Matarazzo./ A mostra ‘O Tridimensional no Acervo do MAC: uma Antologia’ oficializa a abertura do museu com três anos de atraso e um investimento de R$ 76 milhões. Embora apenas a imprensa e pessoas ligadas às artes e ao poder figurassem entre os convidados, não havia restrições de visitação. A entrada era livre para quem quisesse. Amanhã, o museu abre oficialmente para o público. A entrada é gratuita e o espaço funcionará de terça a domingo, das 10h às 18h”.
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a importância do conhecimento da arte contemporânea, seja por falta de familiaridade com o MAC-USP ou pela falta de conhecimento das atribuições museológicas em geral. Independentemente de reclamações, polêmicas midiáticas e atrasos causados por entraves burocráticos, parece certo que o museu ocupará o edifício, e permanentemente. Após tantos anos de espera e tanto esforço investido, não acredito que uma sede ex novo será pretendida pelo MACUSP no futuro. Longe de desvalorizar o Palácio da Agricultura como exemplar arquitetônico moderno, ou como integrante de um complexo de lazer potencialmente formidável, é importante observar que sua adaptação ao uso como museu pode apresentar incompatibilidades em relação ao acervo, ao funcionamento e às pretensões do museu. E isto não se deve apenas ao caráter formal do edifício, como também às diretrizes de preservação do patrimônio, que podem engessar o espaço permanentemente. A adaptação do Palácio da Agricultura - considerações sobre a preservação do patrimônio arquitetônico
A conservação do patrimônio arquitetônico sempre gera divergências quanto ao caráter e a amplitude das alterações que o edifício deve ou não sofrer. A questão da autenticidade esbarra na má conservação dos edifícios e na necessidade de adaptação ao uso para mantê-los vivos, funcionando. Infelizmente, a prática comum no Brasil não é aquela da manutenção preventiva de longo prazo, mais indicada para a conservação do patrimônio arquitetônico. Por aqui estabeleceu-se a cultura do restauro do edifício apenas quando este apresenta sinais críticos de deterioração. E quanto mais deteriorado o edifício, maior deverá ser a intervenção para recuperálo; consequentemente, maior será a chance de interferência na autenticidade dos seus elementos característicos. O tombamento de exemplares da arquitetura moderna é relativamente recente no Brasil, dado que não transcorreram muitas décadas desde que esta prática teve seu auge no país; devese reconhecer que a arquitetura moderna impõe novas questões às diretrizes de conservação e restauração, sobre as quais é necessário refletir cuidadosamente.
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Não obstante, os critérios de preservação buscam ser os mesmos, tanto em relação a edifícios do século XVIII e XIX quanto aos edifícios modernos construídos ao longo do século XX. Não obstante, o estabelecimento de políticas de tombamento e preservação do patrimônio arquitetônico foi relativamente lento e tardio no Brasil, tendo muitas construções sofrido alterações irreversíveis que as modificaram quase que inteiramente. Embora o tombamento de edifícios devesse pressupor a participação comunitária, é muito comum que o patrimônio arquitetônico seja reconhecido como tal apenas por especialistas. Acontecimentos desta ordem são frequentes quando o assunto é arquitetura moderna, talvez porque as pessoas tenham, em geral, dificuldade de enxergar como patrimônio histórico a arquitetura que esteve presente e em funcionamento contemporaneamente, ou a arquitetura que estas pessoas viram ser construída7. O tombamento ainda está muito ligado a critérios de raridade, não pela beleza ou pelo valor simbólico do edifício perante a comunidade. Existem muito mais edifícios modernos do que edifícios do século XVIII ou XIX e isso contribui com a dificuldade geral em vê-los como “documentos” históricos. Preservamos menos quanto mais o edíficio se aproxima da nossa época. É importante lembrar que o Palácio da Agricultura, embora tenha adquirido menos visibilidade em relação aos demais edifícios do conjunto do Parque Ibirapuera, é um importante documento da inovação arquitetônica presente na obra de Niemeyer. A solução dos pilares em “V”, pioneira neste projeto, influenciou diversos outros edifícios de autoria do arquiteto. Segundo Fernando Diniz Moreira8, a falta de manutenção dos edifícios modernos se deve a uma antiga concepção enraizada de que estes não necessitavam de manutenção. Existia uma crença de que os materiais utilizados durante o período, inovadores para a época, durariam para sempre. Esta ilusão foi estabelecida, em partes, pelo discurso arquitetônico modernista, que fazia 7. MOREIRA, pag. 198. Segundo o autor o reconhecimento e o tombamento de edifícios modernos ainda nao é prática corrente, mesmo em países de forte tradição arquitetônica no período, como o Brasil, a Finlândia e os Estados Unidos. 8. Em artigo intitulado “Os desafios postos pela conservação da arquitetura moderna”, in Arquitetura + Arte + Cidade Seminário do 8o Docomomo_Brasil. Ed. Viana & Mosley. Rio de Janeiro, 2010.
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questão de ressaltar a excelência dos novos materiais e técnicas empregados nas construções. A falta de conhecimento sobre o comportamento destes novos materiais a longo prazo criou muitas dificuldades para a conservação dos edifícios. O concreto armado e exposto, típico da arquitetura moderna, provou sofrer consideravelmente a ação das intempéries do clima tropical. Uma dificuldade extra à conservação das características autênticas do edifício é a sua adaptação às transformações do uso ou à alteração completa do mesmo. Afinal, conservar um edifício é consideravelmente mais fácil se este está vivo, em funcionamento, expondo suas carências em relação às demandas do uso conforme este, dinâmico, se transforma. No caso dos edifícios modernos, como o Palácio da Agricultura, os aspectos funcionais dificultam sua adaptação a diferentes atividades, como a transformação em museu. Dois usos tão díspares quanto a ocupação pelo DETRAN e pelo MAC-USP, tornam inevitáveis algumas alterações bastante sensíveis - principalmente visíveis. Algumas necessidades de ordem museológica conflitam com a concepção arquitetônica do Palácio da Agricultura. A caixa vítrea, por exemplo, permitindo a farta entrada de luz natural, representa um verdadeiro problema para a conservação de algumas obras. A distância piso-teto dos pavimentostipo, confortável para um edifício de escritórios, é demasiadamente pequena para a exposição de muitas das obras do acervo do MAC-USP. A circulação vertical é subdimensionada tendo em vista a movimentação de visitantes e de obras de arte pelos andares. Os sistemas infraestruturais para isolamento térmico, controle de temperatura e segurança da edificação não correspondem às demandas da atividade nem às exigências das normas atuais. E a acessibilidade? Lembremos que o edifício está sendo “devolvido” à população através do uso pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e que, consequentemente, faz-se necessária a garantia de acesso ao museu pelos deficientes físicos e visuais.
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O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
Imagens do inicio das obra de reforma do Palácio da Agricultura. As lajes em caixão perdido tinham muitas infiltrações e as fôrmas de madeira estavam apodrecidas e infestadas de cupins. Imagens cedidas por Marcos Costa.
Uma vez que o Palácio da Agricultura nunca correspondeu totalmente ao projeto original de Niemeyer e algumas estruturas apresentavam estado avançado de deterioração, a adaptação demandada pela instalação do museu ensejou o surgimento de diversas controvérsias relacionadas à preservação do patrimônio. Primeiramente, a autenticidade dos materiais utilizados não poderia ser mantida. As infiltrações haviam exposto as armaduras de aço nas lajes e as fôrmas de madeira estavam apodrecidas e infestadas de cupins. Em alguns pontos o concreto estava tão desgastado que abriram-se frestas entre a laje e os caixilhos, permitindo a entrada da água das chuvas diretamente no interior do pavimento. As imagens da reforma, cedidas por Marcos Costa, mostram que as empresas vencedoras da licitação da SEC receberam uma “casca”, ao invés de um edifício. Praticamente apenas os pilares, recuados em relação às fachadas, não precisaram ser recuperados. A única “manutenção” sofrida pelo edifício, desde a sua construção, foi a troca da caixilharia original, de ferro, por uma mais leve, de alumínio. Em segundo lugar, considerando a afirmação de Moreira, de que “(...) não podemos superestimar o valor dos materiais, porque, como já notado por vários autores, por si sós eles não definem a essência da arquitetura, mas a forma como eles foram usados e o espaço que criaram.(...) o conceito de autenticidade deve ser ampliado para incluir espaço e intenção projetual.” (MOREIRA, 2010, pág. 195) surge a dúvida sobre como proceder em relação a um edifício cuja intenção projetual nunca se concretizou, cujo espaço tornou-se fechado e restrito, cuja construção nunca fora correspondente ao projeto original. Se não há meios de preservar a autenticidade do material, e o espaço não encontra significado para grande parte da população, o que deve ser preservado da memória deste edifício? Deve-se recuperar o projeto original? Imagino que questões como estas devem ter figurado nos debates iniciais sobre os procedimentos a serem adotados para a adaptação do palácio da Agricultura. Acredito que não haja muito sentido em preservar as características do edifício que remetam à ocupação do mesmo
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pelo DETRAN - a antiga fachada, sem os brises, polvilhada de aparelhos de ar condicionado, é um bom exemplo: não defendo que deva ser esquecida, pois a lembrança dos percalços faz parte da construção da memória coletiva; isto, porém, não significa que a fachada deva ser mantida apenas com a finalidade de manter uma imagem de tempos passados, independentemente do significado da sua recuperação. O edifício ganha novo uso e, com isso, novo significado, nova chance de criar um vínculo simbólico com a cidade e com a população. Qual seria, então, a melhor forma de recuperar o edifício, preservar suas características estilísticas fundamentais, sua memória, e ao mesmo tempo, adaptá-lo a um uso totalmente diverso? Apesar das divergências surgidas entre os órgãos de preservação, a SEC e os demais profissionais colaboradores, uma das primeiras ações da reforma foi a instalação dos brises na fachada que se volta para a Av. Pedro Álvares Cabral, tão logo completou-se a manutenção dos vidros e caixilhos. Quando o edifício fora construído, os brises propostos para as fachadas envidraçadas foram colocados apenas até o terceiro andar e retirados mais tarde em decorrência da falta de recursos financeiros para completar o trabalho. De certa forma, colocados agora, acabam servindo como aparato decorativo, fazendo menção e homenagem ao projeto original, numa clara intenção de se aproximar visualmente do Pavilhão da Bienal, pois sua principal função atual é servir de bloqueio visual aos dutos de ar condicionado, da fiação e das demais instalações que ficaram restritas ao corredor técnico. A contribuição dos brises para a eficiência térmica é pequena – e, de qualquer maneira, os andares estão mais do que equipados a manter uma agradável temperatura no espaço expositivo - e o controle de luminosidade tornou-se irrelevante a partir do momento em que a parede de gesso acartonado foi levantada, bloqueando a incidência de luz. Apesar de sanar a demanda do museu por um espaço para as instalações técnicas necessárias ao seu funcionamento, acredito que esse bloqueio completo da visão da cidade lá fora acarrete em perdas significativas, tanto do ponto de vista de preservação das características da arquitetura do período quanto do ponto de vista da comunicação visual entra a instituição e a cidade do lado de fora, à qual não é permitido nem mesmo um pequeno vislumbre convidativo daquilo que ocorre do lado de dentro. Acredito também que tenha sido este o motivo da sugestão inicial de Gabriel Borba, na elaboração do primeiro programa de necessidades do
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museu: manter a maior parte das atividades administrativas, didáticas e técnicas da instituição no bloco principal, aproveitando a sua estrutura, que foi pensada para atividades similares, de forma a manter algumas de suas características mais significativas, como a entrada farta de luz natural e a visual do parque do Ibirapuera. A reforma e a mudança de uso poderiam ter estimulado a recuperação de uma intenção projetual original, a qual, aplicada agora, teria sido muito interessante do ponto de vista do caráter (que deveria ser) público do espaço: a retirada dos gradis e a abertura da circulação livre pelo térreo do edifício. Desde a ocupação pelo DETRAN, o terreno esteve sempre fechado por gradis. Durante este período de tempo, o espaço ao redor do edifício transformou-se quase inteiramente em estacionamento ou espaço para circulação de veículos. Uma maneira digna de tornar este espaço público outra vez poderia ser a construção de uma praça, de um espaço aberto, que articulasse a rua com a entrada de visitantes do MAC-USP. É possível enxergar incoerências no processo de conservação e de recuperação do edifício, geradas por certa confusão entre as diretrizes de intervenção. Algumas parecem escolhidas por sorteio: ora é interessante recuperar o projeto original, ora não; não se pode intervir nas lajes para criar espaços com pé-direito duplo, mas o material original utilizado pode ser inteiramente substituído, uma vez que estava bastante deteriorado. É preciso encontrar um equilíbrio entre os aspectos a serem considerados - autenticidade do material e autenticidade do espaço são muito relevantes, mas não se pode deixar entender a preservação de um edifício como apenas a manutenção de sua forma anterior, cristalizada e intacta. Deve-se buscar o reconhecimento das demandas contemporâneas relativas ao uso dos equipamentos urbanos tombados pelo patrimônio histórico e adaptá-los de forma a garantir seu uso sem desprezar seu significado histórico.9
9. Araújo, Emanoel. “A sinuosidade do concreto sobre o parque verde” in Oscar Niemeyer: A marquise e o projeto original do Parque Ibirapuera. São Paulo: Imprensa Oficial SP, 2006.
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A adaptação do Palácio da Agricultura: considerações sobre o uso como museu
O termo museu de arte contemporânea foi utilizado pela primeira vez tendo em vista um museu que expusesse as obras de autores vivos, assim como aconteceu quando o nome e a tipologia museu de arte moderna surgiram. No caso do MAC-USP, o nome foi usado, inicialmente, apenas pela impossibilidade de se continuar com o nome MAM (de propriedade dos membros da antiga sociedade civil do museu) já que o acervo era majoritariamente composto de obras de arte moderna. O uso do nome, no entanto, fez do museu o pioneiro da arte contemporânea do país, influenciando a criação de diversos outros MAC’s nas décadas seguintes. Talvez justamente pelo fato de ter se originado de um museu de arte moderna o MAC-USP tenha usufruído da mais típica expografia moderna sem prejudicar a fruição das obras do seu acervo ao longo de toda a sua existência. No entanto, o acervo do museu aumenta a cada ano e sempre surgem obras que desafiam esta concepção expográfica, obras às quais o museu deverá procurar se adaptar para fazer jus ao seu nome. Discutir a adaptação do Palácio da Agricultura para o uso como museu de arte contemporânea não pode consistir apenas em observar a adequação do espaço da arquitetura moderna à arte pós-moderna, pois não se trata de um espaço inicialmente desenhado para exposição de arte; não é o caso de transformar um museu de arte moderna, cujo espaço deverá ser adaptado em função da crescente abrangência do seu recorte museológico. O primeiro desafio consiste na transformação de um espaço moderno de caráter funcionalista, projetado para abrigar atividades administrativas e burocráticas, em espaço expositivo. Ao menos, observando as características da reforma do edifício, ainda não ocupado pelas obras do acervo, pode-se entender que o foco da adaptação do espaço manteve-se no esforço de dar-lhe “aspecto de museu”, ou seja, de transformar seu interior num exemplar da máxima convenção expositiva moderna: a planta livre associada à expografia neutra, o cubo branco. Conforme abordado no primeiro capítulo, esta tipologia expositiva obteve grande êxito a partir da sua aplicação pelo MoMA de Nova Iorque. É considerada ideal para a exposição da arte moderna e dá conta também de uma vasta porção da arte contemporânea, tendo sido
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O mural de Kenny Scharf, produzido durante uma das bienais de arte de São Paulo e doado ao MAC-USP, é uma das obras de grande porte do museu cujas dimensões excedem o tamanho das portas de acesso aos espaços expositivos da nova sede.
utilizada com frequência em adaptações de edifícios, expansões de antigos museus e também na construção de novos espaços10. No caso das adaptações para o uso como museu, nem sempre é possível a obtenção de um espaço fluído e livre de hierarquias, pois este está quase sempre condicionado ao caráter anterior do edifício (em se tratando de patrimônio tombado, nem sempre são permitidas as alterações físicas mais drásticas), mas a cenografia de paredes brancas é via de regra, funcionando como uma espécie de “código” para atribuição do status de espaço expositivo. As reformas e reabilitações que pude observar, durante pesquisas e visitas, procuram manter distinções bastante claras entre os espaços expositivos internos, sempre que possível, e especialmente em termos de área e pédireito. É a forma mais comum de garantir hibridismo ao espaço, visto como correspondente da pluralidade de manifestações artísticas atuais. Já que uma significativa porção do acervo do MAC-USP é constituída de obras do período moderno, além de gravuras em papel e obras conceituais de pequeno porte, pode-se considerar que a adaptação realizada é bastante apropriada, uma vez que corresponde ao arranjo espacial e expográfico típico do período, e não gera interferências (ou são muito irrelevantes) na exposição das obras de pequeno porte de períodos mais recentes. No entanto, os problemas começam a aparecer quando o assunto são obras de grande porte, tanto pinturas quanto esculturas, além da realização de instalações, as quais demandam mais espaço, de maneira geral. Sobre os espaços expositivos da nova sede
Todos os espaços internos, mesmo aqueles que serão ocupados pelo restaurante, pelo café, diretoria, auditório, etc., foram inteiramente pintados de branco e equipados com forro para instalações de iluminação artificial11. A maior parte dos espaços expositivos da nova sede 10. Por mais que a arquitetura do invólucro busque a novidade, a experimentação formal e o desafio tecnológico, muitos dos museus-obra-de-arte possuem organização interna bastante tradicional e dissociada da forma externa do edifício. Quando o invólucro é muito fantástico, os espaços internos que dele derivam geram desafios à acomodação das obras. 11. Não é possível saber se os espaços de convivência e serviços, não expositivos, manterão essa característica; por ora encontram-se conforme descrito.
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do MAC-USP ficará no bloco principal, no palácio da Agricultura propriamente dito. Serão seis andares inteiros abrigando exposições do acervo do museu, somando mais de 8.000m2 de área expositiva. O pé-direito é simples em todos os pavimentos do edifício, cerca de 3m de altura antes da instalação do forro (no segundo andar o piso foi elevado, diminuindo ainda mais a distância piso-teto), insuficiente para abrigar obras de grande porte. O edifício anexo será usado para instalações site specific e mostras temporárias, deixando o bloco principal reservado para exposições de longa duração das obras do acervo. Muitas obras de grande porte, portanto, ficarão sujeitas à exibição temporária, quando não houver outro uso do edifício anexo, ou acomodadas nas reservas técnicas por tempo indefinido. Segundo Gabriel Borba, há obras que não passam pelas portas de acesso aos espaços expositivos, mesmo no edifício anexo, cujo destino ainda é incerto, devendo permanecer na reserva técnica do Pavilhão da Bienal por tempo ainda indefinido. Pode-se observar nas imagens e na planta do pavimento tipo que uma parede contínua de gesso acartonado delineia todo o perímetro do espaço expositivo. Conforme dito no início deste trabalho, o desenho foi elaborado pelo escritório Borelli & Merigo, segundo orientação da empresa BASE7; esta, por sua vez, seguia recomendações do museógrafo do MAC, Gabriel Borba, que justificou este desenho baseando-se na necessidade de um espaço para as instalações tecnológicas necessárias (é possível observar na planta do edifício do MAC na cidade universitária que esta solução foi aplicada em todas as galerias expositivas). Por um lado, esta solução resolve o problema da falta de espaço para instalações tecnológicas e cria um corredor técnico para manutenção das mesmas, além da possibilidade de perfuração do gesso acartonado para pendurar obras quando necessário – prática geralmente proibida nas paredes dos edifícios tombados; no caso do Palácio da Agricultura, com suas fachadas em cortina de vidro, sem as paredes de drywall as exposições dependeriam sempre do uso de bases e painéis de apoio. Por outro lado, a localização destas paredes contribui para o “esmagamento” do espaço, uma vez que ficam bastante próximas dos pilares, e cria-se um espaço inutilizável entre os dois elementos. A medida também acentua a já forte interferência dos mesmos pilares no espaço expositivo, que sofre uma espécie de segmentação - as obras e textos posicionados nestas novas paredes podem ter sua visualização prejudicada pelos pilares, dependendo da posição do observador. As
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possibilidades de acomodação dos elementos da exposição podem se tornar engessadas. Quanto à decisão de barrar a entrada de luz natural nos espaços expositivos, é importante ressaltar que as correntes museológicas divergem entre si quando o assunto é iluminação das obras. De fato, a incidência da luz solar pode resultar em problemas na conservação das obras de arte e em dificuldades no controle da temperatura ambiente, situação enfrentada atualmente por diversos edifícios de museu, como o próprio MASP. Mesmo o uso do ar condicionado para controle de temperatura é muito discutido pois nem sempre satisfaz plenamente as condições ideais de conservação das obras. O bloqueio completo da entrada de luz natural é uma decisão expográfica e museológica que não necessariamente corresponde a um padrão para todo o tipo de exibições. O edifício anexo original é aquele que apresenta as melhores condições para um retorno ao experimentalismo, que fora mais explorado na gestão de Walter Zanini. A intenção atual é que o espaço seja inaugurado pela obra do artista plástico Carlito Carvalhosa, que criará uma instalação especialmente para este edifício - no térreo, onde o pé-direito é duplo. No mezanino, será inaugurada uma exposição do fotógrafo Mauro Restiffe, com imagens da reforma do Palácio da Agricultura. É provável que os espaços, do térreo e do mezanino, sejam usados sempre para esses tipos de mostra. Os pilares neste edifício são numerosos e mais esbeltos do que aqueles do bloco principal. A presença destes elementos tem o poder de condicionar o espaço a um certo ritmo, a partir do caminhar do observador. À medida em que se impõem ao espaço, podem também ser absorvidos pelas obras que ali se realizarem, tornando-se parte da proposta. É o único espaço expositivo de singularidade do conjunto. Sua característica mais interessante é a oferta de pontos de visualização da instalação do térreo, proporcionada pelo mezanino; permite ao observador a apreensão da obra (da instalação) de diferentes pontos de observação.
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Sobre as instalações técnicas da nova sede
Creio ser possível afirmar que o ganho mais imediato para o MAC-USP, com a mudança para a nova sede, seja o aumento da área disponível para suas instalações técnicas. Os bastidores de um museu podem demandar até dois terços da área total, dependendo, é claro, do tamanho do acervo. O MAC-USP apresenta uma complexidade grande em relação à sua demanda por reservas técnicas, já que lida com obras delicadas, materiais perecíveis, mídias eletrônicas, além de todo o acervo “convencional”, de pinturas e esculturas. Uma área com instalações adequadas para as reservas técnicas, articulada com seus laboratórios de conservação e restauro era uma demanda antiga e premente do museu. Não pude obter dados sobre as reservas técnicas e laboratórios, tais como área e funcionamento, uma vez que o museu não divulga informações que acredita poderem comprometer a segurança do seu acervo. Dessa forma, não é possível afirmar qual seria o ganho real em área destinada ao setor técnico do museu. Sobre os projetos museográficos para a ocupação da nova sede
Como observado anteriormente, a área expositiva do museu ocupará seis andares do bloco principal (no primeiro andar está a administração e o auditório e no oitavo andar fica o restaurante), além do salão e do mezanino do prédio anexo. O pavimento tipo do bloco principal, como se pode observar na planta, apresenta duas áreas expositivas de tamanhos diferentes, uma à esquerda e outra à direita dos elevadores de acesso e hall de entrada. Na área menor do pavimento serão inauguradas exposições temáticas ou “de perfil”12, ou seja, trata-se de montagens com a coleção de um único artista; no caso da exposição “Autoria em Jogo”, serão exibidas obras de artistas que se associaram para assinar um único trabalho, sempre pertencentes ao acervo. A partir do sétimo andar, a ocupação desta porção menor do pavimento se dará com coleções dos seguintes artistas: José Antônio da Silva, Di Cavalcanti, “Autoria em Jogo”(dois ou mais artistas, ou artista e público/instituição), Leon Ferrari, Julio Plaza, Rafael França. 12. Informações cedidas por email em 16 de agosto de 2012 pelo então museógrafo chefe do MAC-USP, Gabriel Borba.
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Já a porção maior dos pavimentos será ocupada com peças do acervo do museu, principalmente no sétimo andar, podendo ser misturadas a outras peças, de artistas convidados. Foi elaborado um esquema genérico e flexível para a exposição das obras nesta área maior do pavimento tipo. Para o salão anexo, conforme citado anteriormente, está previsto o uso para instalação de artista convidado e no mezanino um fotógrafo igualmente convidado – iniciativa do MAC-USP na associação com artistas para obras site-specific, uma possibilidade antes remota em razão das características espaciais dos demais edifícios do museu. Todas estas exposições obedecerão a estratégia de inaugurações paulatinas, mencionada em entrevista pelo atual diretor, Tadeu Chiarelli; ou seja, as aberturas das exposições ocorrerão com certo intervalo entre si. A intenção do MAC-USP é acostumar o público aos poucos com o acervo e com as características da instituição. Após cada inauguração, serão realizadas diversas atividades, sobretudo educativas, além de visitas guiadas, etc. As primeiras exposições, ao que tudo indica, serão as de “perfil”. Atualmente está montada no andar térreo, uma pequena exposição de esculturas, organizada por motivos “cerimoniais”, ou seja, para celebrar a aquisição do direito de uso do edifício por parte da universidade; a abertura ocorreu em 28 de janeiro de 2012. Esta exposição, no entanto, não é de caráter permanente, pois o térreo será ocupado majoritariamente por equipamentos para a recepção do público visitante, restringindo a área expositiva aos andares superiores. Ainda há dúvidas quanto à existência do “jardim de esculturas” da nova sede, o qual ficaria no espaço entre os edifícios. Há discrepância entre as informações recebidas pela assessoria do museu e pelo escritório de arquitetura Borelli & Merigo; a primeira informa que o acesso ao espaço será bloqueado aos visitantes, podendo levar à não implantação das obras no local; o segundo informa que o jardim existirá, porém não há prazo estipulado para a realização do projeto. Os desenhos das exposições de Julio Plaza e Rafael França ainda não haviam recebido aprovação na época desta pesquisa. Estes e os demais desenhos foram gentilmente cedidos para que pudessem constar deste trabalho. Seguem as plantas:
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Projeto expográfico de Gabriel Borba - julho/2012 AUTORIA EM JOGO - quinto pavimento 152
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Projeto expográfico de Gabriel Borba - janeiro/2012 DI CAVALCANTI - sétimo pavimento
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Projeto expográfico de Gabriel Borba - dezembro/2011 JOSÉ ANTÔNIO DA SILVA - sexto pavimento 154
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Projeto expográfico de Gabriel Borba - julho/2012 LÉON FERRARI - quar to piso
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Projeto expográfico de Gabriel Borba - abril/2011 EXPOSIÇÃO GENÉRICA 156
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Sobe o destino dos demais espaços ocupados pelo MAC-USP
Uma outra questão levantada pela saída do MAC da Cidade Universitária é o destino que se dará aos edifícios antes ocupados pelo museu no campus. Durante visita ao Arquivo do museu, obtive a informação de que este não deixará o pavilhão da Bienal para ser instalado na nova sede. Este espaço, assim como o da biblioteca, não foi previsto na reforma do Palácio da Agricultura. Ainda não há previsão de quando o espaço ocupado pelo MAC no Ibirapuera será esvaziado. A intenção é de que arquivo histórico e a biblioteca fiquem na sede da cidade universitária, a qual pretende-se transformar em espaço acadêmico e de apoio a pesquisadores. Neste edifício continuarão a ser ministradas as disciplinas de graduação e pós-graduação oferecidas pelo museu, além da realização de cursos; um espaço expositivo também será mantido. O MAC-Anexo já está parcialmente ocupado pela livraria João Alexandre Barbosa. O setor administrativo deve sair do edifício para ocupar o térreo do Anexo A, da nova sede. Ainda não há previsão do que acontecerá com o MAC-Anexo, e também não é certo o destino da livraria, que antes ocupava um espaço no antigo prédio da Reitoria. Quanto ao edifício oriundo do projeto de Carlos Lemos, existe ainda uma outra possibilidade, mais remota, porém muito interessante. Trata-se da transformação do edifício em espaço de apoio aos estudantes e docentes do Departamento de Artes Plásticas da ECAUSP, como extensão do precário edifício atualmente destinado aos cursos da escola. Seria um espaço tanto de estudo quanto de exibição da produção artística dos alunos da universidade. A ideia pareceu adequada ao ponto de estimular o museógrafo e arquiteto Gabriel Borba a elaborar um projeto de adaptação do edifício para este fim, porém com a mudança na gestão do museu e da reitoria, a proposta, que já havia sido aprovada, foi colocada de lado. Convém mencionar que a última vez que o MAC-USP expôs a produção dos estudantes foi em 199713, durante a exposição dos trabalhos finalistas do Projeto Nascente de Artes Visuais, no MAC-Ibirapuera. 13. Informação tirada da tese de Adriana Mortara Almeida - “Museus e Coleções Universitários: por que museus de arte na Universidade de São Paulo?”, de 2001. Em pesquisa aos relatórios de atividades do MAC-USP dos anos 1998 a 2004, não encontrei registro de participação dos alunos da ECA na produção de conteúdo expográfico para o museu. Os relatórios dos anos seguintes ainda não foram arquivados não podendo ser consultados.
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LEGENDA:: 1 - biblioteca serviços 2- biblioteca diretoria 3- biblioteca 4- sala de montagem 5- laboratório de conservação 6- sala de leitura 7- sala de leitura e atendimento 8- depósito 9- sala de aula 10- assistência acadêmica 11- informática 12- bateria de computadores 13- auditório 14- exposições 15- arquivo histórico 16- reserva para tridimensional 17- reserva técnica para pintura 18- cafeteria 19- laboratório de conservação e restauro
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Projeto de Gabriel Borba - fev/2008 MAC - ACADÊMICO 158
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MAC USP Cidade Universitária MAC Acadêmico esboço Segunda versão para tres salas de aula escala 1:100 fevereiro 2010 Gabriel Borba, arquiteto
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredito que a contribuição deixada com este trabalho fundamenta-se na importância do relato e da análise de um processo que, pelos diversos motivos comentados até aqui, apresenta desafios intrinsecamente ligados ao âmbito da arquitetura e do urbanismo. Procurei contribuir para a reflexão acerca do lugar do MAC-USP no contexto urbano de São Paulo, bem como a respeito de suas características como insituição e suas necessidades espaciais que não encontraram ainda uma arquitetura correspondente. O texto procurou reunir questões tão plurais quanto o grande número de conflitos suscitados pela transição do museu para a nova sede, visando também a discussão sobre qual deveria ser o papel de um museu de arte universitário perante a comunidade urbana. O Palácio da Agricultura deverá receber o acervo do museu durante o ano de 2013, e espera-se que então possa funcionar normalmente. Teria sido muito proveitosa para este trabalho a possibilidade de observar a dinâmica do MAC-USP na nova sede, em relação ao público visitante, ao entorno urbano, à articulação com os demais equipamentos culturais da região e à organização das suas atividades e do seu acervo no novo espaço. O atraso nas obras de reforma, decorrentes de trâmites burocráticos e questões políticas - intra e extra universidade - contribuíram para o atraso na transferência da instituição, impedindo que se instalasse no edifício de forma permanente durante o ano de 2012. Em razão disto, ressalto a importância de futuras contribuições ao relato e à reflexão sobre este processo, pois acredito que novas e relevantes questões surgirão a partir da ocupação definitiva da nova sede. A apropriação do espaço é muito significativa, dada a importância do edifício, da instituição que o ocupará e a relevância de sua localização na cidade, e creio que seja riquíssimo objeto para estudo, no campo da arquitetura, do urbanismo e também da própria arte. Considero importante que os próximos passos desta transição sejam acompanhados de perto e discutidos pela comunidade USP, alunos e docentes, uma vez que a divulgação feita pelos meios de comunicação (não acadêmicos) privilegia aspectos muito superficiais do processo. No âmbito da inserção urbana, acredito que não se trata de possibilitar uma transformação espacial tão significativa; mas isso não significa que o contexto urbano da nova sede não possa sofrer uma requalificação. Pode-se dizer que nada foi perdido nem alterado com a chegada do
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museu ao Palácio da Agricultura - não houve desapropriações, não houve mudança no traçado viário, não houve deslocamento de atividades da comunidade e moradores da região não terão seu sossego atrapalhado. Nada mudou no entorno urbano. Por que não ultrapassar a barreira entre o “nada se perdeu” e o “algo foi ganho”? Por enquanto é evidente que o modo como o edifício se apresenta para a cidade é o mesmo, apesar da valorização da fachada durante a reforma, e é temível que assim permaneça. Acredito que o MAC deva buscar a articulação com os demais museus e equipamentos culturais da região, sobretudo do Parque Ibirapuera, através de uma programação pensada conjuntamente e que ofereça variedade de eventos complementares reconhecíveis pelo público. E esta possibilidade depende muito de uma mudança na maneira como o MAC se coloca perante a cidade. Cabe ao museu, em parceria com a Universidade de São Paulo e o Governo do Estado, decidir quais serão suas estratégias daqui para a frente - e trabalhar para que a ocupação da nova sede não preserve o signo de espaço restrito deixado pela ocupação anterior. Endosso a opinião de Renato de Andrade Maia Neto, a qual defende que: “o MAC-USP seja visto como um museu-laboratório, experimental, prospectivo, uma casa de artistas, um centro irradiador de cultura, referência e àgora, onde a arquitetura desempenhe importante papel, facilitadora de suas atividades e repleta de significação para a cidade.” (MAIA NETO, 2004, pág. 169) e chamo a atenção para a questão da separação entre espaço expositivo e âmbito acadêmico, já que a biblioteca e o arquivo ficarão separados das exposições na nova sede, abrigados pelo edifício da Cidade Universitária. É importante refletir sobre a separação física entre a pesquisa no campo da arte e a exposição - sobre como trabalharão os pesquisadores do MAC entre dois espaços tão fundamentais e, daqui para frente, tão distantes - e analisar qual o seu significado e seus efeitos, se houver, nas atividades do museu. Apesar do ganho significativo de área expositiva e qualidade de instalações técnicas, um dos principais objetivos buscados pela instituição não foi atingido com a aquisição da nova sede: um espaço congregador de todo o acervo e todas as atividades do museu. Na atual configuração, a
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fragmentação permanece, e os espaços ocupados pelo museu ainda não têm destino ou programa certo. Investigar quais os mtoivos desta configuração é tarefa que depende da obtenção e da compatibilização de inúmeros relatos, além da boa vontade de diversos agentes em compartilhar informações. Por estes motivos foi difícil estabelecer um encadeamento preciso das etapas do processo de transição, especialmente após o afastamento de Rodrigo Queiroz e Gabriel Borba, que contribuíram muito para a realização deste trabalho. Devem ser levadas em consideração também as problemáticas trazidas pelo caráter de um trabalho final de graduação, que pode buscar privilegiar, tal como este, uma multiplicidade de questões ao invés do aprofundamento em aspectos específicos do processo; acredito que este trabalho tenha trazido diversas questões, as quais poderão, a partir desta pesquisa, ser analisadas de maneira mais minuciosa em etapas posteriores à graduação.
Considerações Finais
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Programa de Necessidades elaborado por Gabriel Borba Indicativo para distribuição de funções por andar. Adaptação do antigo Palácio da Agricultura. Previsão de ocupação e áreas mínimas Entorno Acesso ao Parque; Jardins com esculturas; Estacionamento para, até 800 (mínimo 400) carros. Desejável fechado ou cober to ao menos em par te. Supõe-se que essa medida previna acréscimos ao longo da carreira do museu. Local para eventos e espetáculos ar tístico ao ar livre. Urbanização geral das áreas externas do Museu, do ponto de vista transito pedestre e veicular ; segurança e orientação de público.
cerca de cerca de 80 m² cada e um espaço amplo, semi-aber to, com iluminação controlada de uns 400 m²; 2.2 Apresentações de performance ou happenings requer uma sala regular, isolada se possível de cerca de 100 m² cada 2.3 O “cyberspace” composto de sala para equipamento com 20 m², anexo a estúdio de 80m² ligado por vidro a platéia para 30 pessoas. O estúdio e a sala de equipamento devem estar dotados de instalações elétricas e telefônicas para equipamento de informática e periféricos, incluindo vídeo conferência e áudio-visual. A entrada deve ser compatível com a passagem de peças de cenário. Por ta dupla, por exemplo; 2.4 Espaço para mostra com equipamento convencional OBS Recomenda-se que encanamentos hidráulicos não sejam embutidos em paredes, piso ou teto Segundo e terceiro andares 3.
Térreo 1. Recepção do público com por taria; guarda volume; livraria e bazar ; cafeteria; e sala de protocolo 1.1 Por taria e guarda volume com balcão de recepção e orientação mais guarda volume com cerca de 20 m² 1.2 Livraria e bazar com cerca de 80 m², incluindo depósito de produtos a venda 1.3 Cafeteria com copa/cozinha, balcão e cerca de 12 mesas, entrada e saída de orgânicos independente. Depósito de lixo para espera de descar te 1.4 Protocolo para recepção encaminhamento de; correspondência; malotes; contas; fornecedores e demais; recepção de fornecedores, bombeiro e enfermaria 1.5 Sala para funcionários em trânsito com cerca de 20m² 1.6 Acesso especial para obras de ar te, considerando volumes exagerados. Passagens com 5 m X 4 m (altura e largura) não significam exagero. 1.7 Muito útil que houvesse elevador com dimensão para carga de modo a alimentar os andares de exposição com obras de ar te. Recepção para obras de ar te com doca; área de manejo; depósito para embalagens; estocagem provisória e aclimatação; Mezanino Projeto Niemeyer. Desejável acesso e distribuição de públicos diversos, incluindo biblioteca, arquivo e auditório. Primeiro andar 2. Exposições de ar te contemporânea experimentalista com áreas para projeção de vídeo; áreas para performance e “cyberspace” para experimentações de ar tecomunicação 2.1 As projeções de vídeo requerem pelo menos dois espaços isolados, regulares de
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Exposição de ar te contemporânea e moderna em supor tes bi e tridimensionais,convencionais, equipada com 1 sala de montagem e de manutenção de obras para os dois andares 3.1 Convém evitar claridade do dia e instalar luz controlável nunca acima de 100 lux 3.2 Condição de equipamento de iluminação dirigida e regulável 3.3 Acesso com por te compatível à entrada das obras em caixas ou contêineres. As obras mais trabalhosas, atualmente na coleção do museu, têm 430cm de altura X 145cm de largura X 30cm de profundidade (jamais será exposta nos andares) ou 340cm de altura X 200cm de largura X 70cm de profundidade, no caso de esculturas; 200cm de altura X 1200cm de comprimento, no caso de uma pintura e 30cm de altura X 250cm de largura X 250cm de profundidade, no caso de um tridimensional sólido. Omito a pintura de 5,5m de altura X 16m de comprimento que é inviável mas que precisa ter lugar na reserva técnica. 3.4 Em um dos dois andares convém uma sala de montagem e manutenção das obras, com de cerca de 50m², abrigando bancada central de 250cm X 250cm. Boa hipótese é sala de equipamento expositivo do andar. OBS Recomenda-se que encanamentos hidráulicos não sejam embutidos em paredes, piso ou teto Quarto andar 4. Exposição de obras em papel e de fotografia que deve estar equipado com sala de montagem e manutenção; 4.1 Os supor tes para obras em papel e para fotografia serão, principalmente molduras em painéis combinados com mobiliário especial como gavetas e ou trainéis móveis ver ticais. 4.2 Iluminação controlada que não ultrapassa 70 lux, sem claridade externa. 4.3 Convém que o andar tenha uma sala de montagem e manutenção das obras, com de cerca de 50m², abrigando bancada central de 250cm X 250cm e ara guarda e
manutenção do equipamento expositivo do andar. 4.4 Sala para exposição temporária, maleável para admitir mostras fora da programação. OBS Recomenda-se que encanamentos hidráulicos não sejam embutidos em paredes, piso ou teto Quinto andar 5. Atividades educativas com escritórios, sala de reunião; ateliês, salas de aula, “residência” de ar tista e espaço expositivo. 5.1 Escritório para dez ar te-educadores com sal de estagiários e de reunião 5.2 Recepção para registro e encaminhamento de freqüentadores 5.3 Dois ateliês de 100 m² cada um com bancada e tanque de água; duas salas de aula para 60 alunos cada uma; auditório plano ou quase (aula magna) para 120 alunos 5.4 Dois ateliês-residência de 80 m² cada um com bancada e tanque de água mais banheiro completo 5.5 Espaço para guarda de material didático e produção de alunos em andamento com cerca de 40m²; 5.6 Espaço para exposições OBS A atual sede do Museu está equipada com ar-condicionado central. Isso tem causado conflito entre o confor to pessoal e o clima exigido para conservação de obras. Sexto andar 6. Serviços que incluem serviços administrativos; financeiros; informática e demais, incluindo almoxarifado e copa/refeitório para funcionários; depósito e oficina para equipamento áudio-visual, escritório e laboratório de informática considerando a necessidade de montagem e reparos em micro computadores. 6.1 Serviço de protocolo, com duas pessoas e guichê; contabilidade com duas pessoas, isolado; tesouraria com uma pessoa e cofre, isolado, com guichê; sessão pessoal com duas pessoas e isolamento interno; 6.2 Setor de compras com duas pessoas mais almoxarife; 6.3 Almoxarifado para pequenos objetos, com 50m² 6.4 Copa, cozinha e estar de funcionários com 50m²; 6.5 Despensa com 20m² e área de serviços gerais com tanques e bancadas úmidas com 40m²; 6.6 Setor de áudio visual com 40m² e setor de informática incluindo gerenciamento de rede, e escritório para dois técnicos, com 40m²; sala de treinamento para doze pessoas e micros individuais; 6.7 Cabine de vigilância, com controle central de luz; controle central da vigilância a distância e sala de vigias com 40 m² e dispositivos de segurança física e isolamento; Extensão desse serviço no térreo; 6.8 Demais serviços administrativos e auxiliares, incluindo depósitos e casas de máquinas (verificar a per tinência) 6.9 Sala de diretor e sala de reunião.
OBS A atual sede do Museu está equipada com ar-condicionado central. Isso tem causado conflito entre o confor to pessoal e o clima exigido para conservação de obras Sétimo andar 7. Gabinete de diretoria e gabinete de vice-diretoria, sala de reunião; sala de assessores e de pesquisadores mais salas de serviços de apoio 7.1 Os gabinetes de diretoria e de vice-diretoria serão compostos de sala do titular ampla o suficiente para receber gente em reunião, salas de secretária com “closet” para arquivo confidencial; uma sala de reunião comum para 15 pessoas; uma copa comum; um banheiro completo comum. 7.2 Um “hall” de atendimento fará o papel de recepção, distribuição de usuário e sala de espera 7.3 Sala para cinco assessores 7.4 Quatro gabinetes para diretores de divisão 7.5 Salas para 10 pesquisadores com 250m², 20m² cada uma; sala de reunião e secretaria com 65m² OBS A atual sede do Museu está equipada com ar-condicionado central. Isso tem causado conflito entre o confor to pessoal e o clima exigido para conservação de obras Cobertura 8 Restaurante 8.1 Instalações adequadas para restaurante de “fino trato” 8.2 Acesso independente (elevador reservado?) para que não fique submetido ao horário de funcionamento do Museu 8.3 Condição de transito independente para matéria orgânica OBS A atual sede do Museu está equipada com ar-condicionado central. Isso tem causado conflito entre o confor to pessoal e o clima exigido para conservação de obras Anexo 9. Conceito: “fabrica”. O MAC produz conservação; extroversão e conhecimento. Os serviços diretamente ligados a esse fim e intimamente relacionados entre si, sejam na circulação dos profissionais, sejam na distribuição de funções, devem estar próximos entre si. O fato do “core” das tarefas estar centrado na coleção, na reserva técnica por tanto, que exige pé direito muito amplo, leva a localizar todas essas coisas no anexo do prédio principal. Isso exige ligação física adequada com o prédio principal, com a mesma climatização e iluminação das salas expositivas e as salas de reserva técnica, além de espaço de passagem compatível. 9.1 Área de conservação 9.1.1 Laboratório de restauro de pintura, escultura e tridimencionais com sala de cerca de 80m2, de pé direito igual ou maior que 4,50m, acesso compatível em , para tratamento de obras de grande por te; sala com 50m², pé direito tamanho convencional e acesso largo (dual folhas?), para tratamento de obras menores, ambos com climatização adequada à conservação de obras e
ANEXOS
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escritório para dois restauradores e auxiliar, com climatização para confor to pessoal. O escritório pode estar em piso diferente, mas no mesmo bloco. 9.1.2 Laboratório para restauro de obras em papel com sala de cerca de 80m2, de pé direito convencional, acesso lardo (dual folhas?), e escritório para. dois restauradores e auxiliar, com climatização para confor to pessoal, que pode estar em piso diferente, mas no mesmo bloco. 9.1.3 Sala de desinfecção com 50m², pé direito de 4,50m, acesso compatível, hermeticamente fechada, climatizada no nível de conservação de obras. 9.2 Área de extroversão , incluindo recebimento e despacho de obras 9.2.1 Sala de manejo de obras com 100m², pé direito igual o maior que 4,5m, acesso compatível e climatização para conservação de obras, localizada nas proximidades do acesso à reserva técnica. 9.2.2 Sala de obras em trânsito com 200m² 9.2.3 Oficina de montagem com 80m² e pé direito convencional, acesso com 1,80m de aber tura ou mais, 9.2.4 Depósito de equipamento de montagem moldura, bases, painéis e demais, com 180 m² e acesso 3m de altura por 2m de largura no mínimo 9.2.5 Depósito de embalagens com cerca de 80m² e acesso largo, para caixas e carrinho. 9.2.6 Área de carga e descarga para obra de ar te, cober ta, com doca e ou elevador. 9.2.7 Passagem qualificada para obras de ar te -climatização e volume adequados- para acesso ao prédio principal, equipada com roletes deslizantes , livres de trepidação 9.3 Área de conhecimento 9.3.1 Sala para registro e documentação de obras de ar te, com cerca de 80m², equipada com arquivos deslizante e estação de trabalho para dois técnicos 9.3.2 Sala de arquivo histórico com 200m² para acervo e 50m² para escritório e atendimento sendo que estes últimos podem estar em outro piso desde que ligado ao outro por monta-carga 9.3.3 Biblioteca com 250m² para acervo e manejo e 150m para escritório; balcão de atendimento e salas de leitura individual e grupal, sendo que estes últimos serviços podem estar em andar diferente do acervo e manejo desde que ligados por monta-carga. 9.3.4 Sala de trabalho para curadores visitantes ou curadores da casa, escalados, em geral, entre docentes da Divisão Educativa ou da Divisão de Acervo. Complemento: O Museu precisa de um auditório para audiências ar tísticas e ou grandes encontros. Pelo menos 300 lugares. O anexo oferece pé-direito e pode abrigálo desde que acessado por ligação qualificada com o prédio principal. No caso de se decidir por essa localização, o acesso ao auditório pode ser o mesmo dos consulentes da biblioteca e do arquivo histórico
Escritórios; Laboratórios de restauro com salas de manutenção por trechos expositivos; Sala de desinfecção; Sala de documentação do acervo; Sala de arquivo histórico com recepção e atendimento; Sala para fotografação Reserva técnica para papeis; fotografias; pinturas e bidimensionais; esculturas e tridimensionais; Sala para obra em trânsito. Sala de reunião (Proximidade de Biblioteca e da Documentação) Biblioteca Escritório Recepção, Sala de leitura individual e de grupo Sala de Área de intercâmbio de publicações Área de acervo; Área de serviços internos e de manejo; Área de leitura; Núcleo de Comunicação e expografia Assessoria de imprensa com escritório, secretaria e sala de reunião; Estúdio de Comunicação Visual e Publicação; e Sinalização; Estúdio de Museografia e outros projetos físicos; Sala de produtores Núcleo de Informática Escritório e estúdio de projeto e desenvolvimento; Oficina de manutenção de equipamento. Observação: O presente indicativo é memória resumida de necessidades e funções mínimas, em listagem simples, carecendo de detalhamento qualitativo; quantitativo e funcional, subordinados ao desenvolvimento do projeto arquitetônico. Deve orientar a elaboração de um programa arquitetônico para a reforma.
Nota: Acrescentar garagem para 5 viaturas inclusive caminhão baú e sala para motoristas com cerca de 30m² Núcleo de Conservação
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O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
ÁREAS DO TERRENO ANTIGO DETRAN CPOS TERRENO TOTAL
30.135,30 m² 14.186,55 m² 44.321,85 m²
ÁREA A CONSTRUIR SUBESTAÇÃO PRIMÁRIA E LIXEIRA PORTARIA ANEXO DA RESERVA TÉCNICA SUBSOLO 1.793,90 m² TÉRREO 786,10 m² TÚNEL ANEXO DE INSTALAÇÕES ABRIGO DOS CHILLERS ESCADA 1 ESCADA 1A TOTAL A CONSTRUIR PASSARELA ED. ANEXO DE EXPOSIÇÕES
Fluxograma do museu elaborado por Gabriel Borba
13,65 m² 2.580,00 m²
111,70 m² 831,40 m² 275,30 m² 1.048,80 m² 1.054,00 m² 6.102,95 m²
ÁREA A REFORMAR
SUBSOLO 2.189,70 m² TÉRREO 2.202,70 m² MEZANINO 1.081,30 m² ED. PRINCIPAL SUBSOLO 392,70 m² MARQUISE (ÁREA 1.271,50 m² ABERTA NO MEZANINO) MARQUISE (ÁREA 672,00 m² FECHADA NO TÉRREO) TÉRREO 1.286,70 m² MEZANINO 1.082,90 m² 1º AO 7º PAVIMENTOS 17.591,00 m² 8º PAVIMENTO 1.536,70 m² TOTAL A REFORMAR TOTAL GERAL
188,10 m²
119,70 m² 5.473,70 m²
24.089,10 m²
29.936,45 m² 36.039,40 m²
Tabela de áreas do projeto em execução na nova sede. Cedida por Marcos Costa
ANEXOS
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BIBLIOGRAFIA
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O novo MAC-USP: problemáticas da transição para a nova sede
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