Antologia de Poemas - Caminhos

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Caminhos

Adriano Barros


Antologia de Poemas

Caminhos

Organização Adriano Barros

Imagem da capa de autoria de Adriano Barros – fotografia tirada no dia 28 de dezembro de 2016 Estrada da Pena, Sintra – Portugal


Apresentação Queridos amigos e queridas amigas, pela primeira vez reúno meus poemas em uma antologia para a apreciação e a críticas de vocês. Intitulo provisoriamente a antologia de poemas de “Caminhos”. Já que o Zeitgeist (espírito do tempo) permeia toda nossa cultura. E em tempos sombrios são os caminhos que trilhamos que possibilitam engendrar novas perspectivas, novas formas de ver e de agir, tentando responder as questões que interrogam nosso tempo. A palavra é instrumento de arte, não apenas pelo som pelo som, mas pelo significado que cada uma delas nos convidada a meditar, como se ela conseguisse emergir das profundezas do ser, com uma grande força, pensarmos sobre o espírito no ato da criação, pois essa antologia gira nesse diapasão: cada leitor pode começar por onde quiser, como um admirador de Picasso, de Van Gogh, de Renoir ou de Tarsila do Amaral. A palavra jogada ao vento, sem significado, é apenas som inócuo. Anulando quaisquer perspectivas de mundo, anulando compreensões que devemos ter sobre as experiências do passado e visões que projetamos do futuro, para daí interpretarmos o presente. A filosofa e ensaísta Marina Garcés, em seu livro “Novo Esclarecimento Radical”, afirma que vivemos um época de “radicalismo antiesclarecimento”, pois o mundo passa por um crescimento de desejo autoritário, triunfam as identidades defensivas e ofensivas, a educação, o saber e a ciência são desprestigiadas, ou seja, o solucionismo é a pedra filosofal do momento, o cinismo impera, já que estão dispostos a crer ou a dar a entender que crê no que mais lhe convém em cada momento, sendo o álibi de “um saber que perdeu a atribuição de nos fazer melhores, como pessoas e como sociedade”. Vivemos um analfabetismo esclarecido, com afirma a professora da Universidade de Zaragoza, “todos os

conhecimentos da humanidade à nossa disposição, só podemos frear ou acelerar nossa queda no abismo.” Talvez, Zygmunt Bauman tenha razão quando salienta que estamos vivendo “retropias”, isto é, um derivativo da negação, o segundo grau da negação, “a negação da negação da utopia (...) fiel ao espírito utópico, a retropia deriva seu estímulo da esperança de reconciliar, finalmente, segurança e liberdade, feito que nem a visão original nem sua primeira negação tentaram alcançar – ou, se tentaram, fracassaram”. O que vivemos hoje é um momento no qual a fascinação pelo pré-moderno se amplia, pois tudo o que havia antes era melhor, sendo assim, idealizamos, em nossas projeções, um passado perfeito, seguro e idílico, pelo simples fato de sê-lo. Porque, como afirma Bauman, “a epidemia global de

nostalgia pegou o bastão da epidemia frenética de progresso (gradual, ainda que incessantemente global) na prova de revezamento da história .” Portanto, vivemos numa viagem imensa, de retorno ao paraíso idílico, sem nenhum mal, dor ou doença: veja o espírito de nosso tempo. Mas não nos enganemos! Essa busca pelo paraíso idílico há muito nomeada por Thomas More, fabulada na perspectiva de um lugar feliz, uma pólis, uma cidade ou estado soberano que pudesse conjugar para das pessoas o que há de melhor, hoje isso se individualizou, cada um tem suas visões do mundo perfeito instaladas num passado perdido/roubado/abandonado/capturado/sequestrado por “Alien/outsider/strager”, entretanto, ainda permanece viva nos pensamentos mágicos dos indivíduos, em vez de se ligarem a “um futuro ainda por nascer”, como sustenta Bauman. É só lembrarmos do conto


“A Partida”, de Franz Kafka, que pede para seu criado que tire seu cavalo da estribaria e seu criado perguntou se sabia cavalgar, ele disse que não sabia direito, mas que queria sair fora dali, e o criado pergunta novamente se ele conhecia o seu objetivo, e ele responde: – Não sei direito – eu disse –, só sei que é para fora daqui, fora daqui. Fora daqui sem parar; só assim posso alcançar meu objetivo. – Conhece então o seu objetivo? – perguntou ele. – Sim – respondi – Eu já disse: “fora-daqui”, é esse o meu objetivo. – O senhor não leva provisões disse ele. – Não preciso de nenhuma – disse eu. – A viagem é tão longa que tenho de morrer de fome se não receber nada no caminho. Nenhuma provisão pode me salvar. Por sorte esta viagem é realmente imensa.1

A ideia de progresso foi privatizada e vendida pelos poderes vigentes como solução para todos os males e adotada por muitos indivíduos como libertação, ou seja, a liberdade é sinônimo de se livrar das exigências de subordinação e disciplina. Portanto a antologia de poemas tem esse único propósito, não de explicar o mundo por meio de conceitos, mas si, de proporcionar a fala e a escuta de experiências do mundo. Dessa forma, a poesia e o pensamento te como objetivo interrogar o mundo, de experiências sensíveis por intermédio do movimento, do entendimento e da relação entre as palavras, como escreveu o poeta itabirano – “Penetra surdamente no reino das palavras/ Lá estão os poemas que esperam ser escritos”2 – e perceber como ficou em nossa tradição, desde a Poética de Aristóteles, que poesia, do grego poíesis, quer dizer criação, fabricação, ação de compor obras poéticas. Com isso podemos dizer que a obra de arte é criação ou a tentativa de dizer o indizível, mostrar o que não se é mostrado, o invisível. Ou como escreve Martin Heidegger: “maior é a obra feita que não coincide com a extensão e o número de escritos, mais rico é,

nesta obra, o impensado, isto é, o que, através dessa obra e apenas por ela, vem a nós como jamais pensando ainda.” Por fim, seria muita pretensão que eu queira deixar não provas, mas o simples e humano vestígios de minha passagem, dos caminhos que percorri e que ainda percorro. São esses caminhos que me ajudaram a formar o que sou, são os caminhos que cada um de nós percorre que nos ajudaram a nos formar. Seja através da arte, da poesia, da literatura, da filosofia ou das experiências cotidiana e profissionais que obtivemos na vida prática. Os caminhos que o pensamento nos leva e nos provoca, não são meras possibilidades de articulações, porém, acredito que seja, seguindo Maurice Merleau-Ponty, encontrar na experiência do mundo uma relação entre o espírito e a verdade, pois tanto a obra de arte quanto a obra de pensamento nos convida a não sermos apenas leitores passivos, entretanto, como salienta Ponty na Prosa do Mundo, que a virtude da linguagem é que ela “nos lança ao que ela significa; ela se dissimula a nossos olhos por sua operação mesma; seu

triunfo é apagar-se e dar-nos acesso, para além das palavras, ao próprio pensamento do autor, de tal modo que retrospectivamente acreditamos ter conversado com ele sem termos dito palavra alguma, de espírito a espírito”, pois, “as palavras, ao perderem seu calor, recaem sobre a página como simples signo, e, justamente porque nos projetaram tão longe delas, parece-nos incrível que tantos pensamentos nos tenham vindo delas”. 1 2

Narrativas do Espólio, de Franz Kafka, p. 141. Companhia das Letras, trad. de Modesto Carone, 2002. Procura da poesia, In: A rosa do povo.


É a partir dos caminhos errantes e de seus desvios que o poeta vai abrindo, pela palavra, pela linguagem a multiplicidade de leituras que terá o leitor, não porque o poeta reflete sobre o mundo, mas porque o mundo o invade e se pensa nele. Ou seja, o poeta tem por incumbência interpretar essas palavras, em que cada coisa, cada circunstância lhe venha aos olhos expressando as experiências de mundo, cujo leitor ativo retire e as tenhas, em relação ao passado, uma atitude que é só dele, suas próprias experiências se tornem únicas e idiossincráticas, porque toda obra é feita de significações abertas e que nem os poetas, nem os leitores, nem os filósofos encontrarão os caminhos reais “como consciência do mundo e como consciência poética de si no mundo”, como afirmou Charles Baudelaire. Boa leitura, meus estimados amigos e minhas estimadas amigas.

Adriano Barros


Construção Maduro, crio minha lepra, intensifico a própria chispa. Avivo o nítido crepúsculo, multiplicando o não-ser-visto, em sua própria pureza cosmogônica. A pisaga3: o viver isolado, coberto por muros e gritos teratológicos: alegria e sensibilidade. Por fora e por dentro se estreita o sono pesado de enxergar o si-mesmo4. As linhas sinuosas da kustha 5 proliferante, expressa a dor e o jubilar criador na lentidão de vozes adquiridas sob o hálito do espírito colérico e pustulento. Pela luminosidade multiplicante, encontro a grande dimensão: caminhos que conduz ao infinito, a obra da graça, de seu-em-si, o espaço-tempo da episteme. Enquanto, pacientemente, espero em frente de um espelho o vômito de meu crânio e as Formas Futuras: sobe os Mistérios de Elêusís, na noite eterna, então, a que está ao largo, a que oprime e a impetuosa, dão vida, signo indizível, ao peixe esquerdo e direito.

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Pisaga do Hindi: moer. Si-mesmo: conhecimento que o indivíduo tem sobre si próprio. Ver William James e Carl Jung. 5 Kustha do Hindi: lepra 4


Nós é Nossa alegria é pular a amarelinha. Catequese só se for a do frevo baiano. Grita em nossa bandeira o Samba, o Batuque, o Jabuti. Nossa alma desce o abismo bebendo, cantando e dançando. Aqueles fugitivos são nossos fugitivos. Os comemos embaixo da carnaúba, pois no berço das florestas, fazemos carnaval, brincamos com nossa Ordem e Progresso. Como dois irmão, tudo é novidade, tudo nos interessa, tudo é mastigável. O futuro é agora, atrás de carros-de-bois, nas Cores Vivas das Favelas, no Sorriso do Sertão. O Brasil é uma locomotiva que olha o Passado com o olho direito e, com o esquerdo, o Futuro. Enquanto descobrimos a alegria na tragédia, Os saltimbancos e mazombos dizem: o Brasil é.


Pera aí, mas e daí?

Não quero falar de metafísicas, pois um novo desespero desponta no horizonte. Essa é a nova ordem! Não são casas, não são cidades, nem etiquetas de preço. O que há é o mau cheiro em tudo! O último beijo na testa, o ar adiposo que nos rodeia, as novas formas que não sobrevivem ao subterrâneo dos corações, as flores cadavéricas nos corredores dos hospitais. A vida tem um hálito fúnebre: novo cântico de holofotes. Mas, e daí? É na ponta da praia ou na ponta do morro, sem aceno pois o sol cobre uns, e noutros de coroa de espinhos. Mas calma! Que as chagas abertas são vistas agora pelos olhos da lente, e o sofrimento concreto se tornou abstrato. Cadê? Ninguém sentiu? (Não, virou paisagem!) Todo homem tem chagas abertas, toda mulher tem suas chagas em sua história, toda criança a vida lhe dará chagas, aquele que nunca viu as chagas de um amigo e chorou, nunca chegou ao centro da verdadeira solidariedade: o amor! Mas, e daí? Não entendeu? (Para que quer esclarecimento, perguntou o candelabro) A minha opinião já basta! Espanta esses cachorros, a tempestade chega! Jogue fora o peixe de ontem, ele não tem metafísica! Aquele órfão, aquele pobre, aquele velho, para que cadarços se já não tem sapatos! Do lado deles apenas a sombra e cinzas! Não há mais eternidade, não há mais tempo, apenas os olhares daqueles que ainda suspiram um último adeus, olhando pela janela o pássaro, se ar e paralisado, mirando a esperança no horizonte. Mas, e daí?


É tempo do fim do tempo vivível, e agora sonhar com a cidade, já não dá. Agora é tempo que resta: boca seca, olhos sem luz, portas fechadas. (As ruas gritam, mas sem ninguém para ouvir. Elas choram sobre seus descendentes, E os descendentes de seus descendentes Não chorarão, porque nos campos, apenas ossadas). O aqui da condenação tomou o lugar do aqui da salvação. Não adianta mais aceno de mão, nem casaco para o frio, nem as fotos no celular, elas são apenas a sombra dos que já não existem. O que há são as moscas, paralíticas, febrosas, corpulenta, nas vidas nuas, nos corpos secos em infusão. Mas, e daí? Veja seu pai: 15h00. Sua avó e seu avô foram primeiro: 9h33. Sua esposa, também: 21h43. No portão, em meio a despedida, outro já desponta. Em qualquer país, em qualquer cidade, alguns ficam pela calçada – novas perturbações virão nos alimentar! E seus filhos: já não são. Aceite o cenário, ele desponta no horizonte e você nem percebeu! Estava ajoelhado no fundo do quintal olhando a parede branca com um trevo de quatro folhas no bolso, e hoje sorri sem jeito. Mas, e daí? Vagar como zumbis, como se fosse vivo, assim respondemos à morte: está no ventre as guerras futuras! Antiga tradição de há muito, e estou no meu tempo, já passando, mas quem disse que é tempo de extinção? Se o extermínio de ratos calçados vale um prato de feijão? Mas, e daí? Está pronto para a despedida? Anule o dia dos finados, pois finados não há. Vele apenas a sombra e a poeira dos amados, pois do passado nem a sabedoria se salvou – talvez números. Mas temos ainda a credulidade, ela vale um bilhete-único para a terra prometida. Pois não deve olhe para atrás, porque os cachorros


que antes existiam, já fugiram todos. E as palavras? Que palavras? Elas não valem mais, são signos insignificantes, mas lembre-se do mundo Smart, ele sim te levará aquém daqui. Pois, vem tempo duro aí, até quando? Pois é já noite, e nada mais virá, e aqueles que aponta no limiar, estão ajoelhados de costas para você e para o futuro. Agora, sim! Tempo de fotos, apenas fotografia imóveis e esquecidas! É o fim do tempo vivível, É tempo do não-tempo, eis a nova ordem: o tempo que resta! Mas, e daí?


Dia Santos A antonio geraldo figueiredo ferreira “De fato, sem Deus não haveria limites. Mas nem tudo seria permitido a todos. Suponho uma inexistência divina histórica (cumpre lembrar que toda observação desse teor deve resguardar de algum modo a integridade física de quem a profere), os maiores crentes desse mundo inexistente continuariam sendo os cidadãos mais perigosos, ocupando de igual maneira a linha de frente do processo civilizatório. A ironia teológica tem apenas um sentido.” – as visitas que hoje estamos, p.311. “Que diz que não sabe por que faz algo, na verdade confessa que tem todos os motivos do mundo para fazê-lo.” – as visitas que hoje estamos, p. 323. “(...) ao crepitar da lenha pura e medindo das chamas o declínio, eis que perseguidores se persignam.” - O Padre, A Moça – Carlos Drummond de Andrade Mamãe já é bastante tarde, se apronte senão vamos perder a missa de hoje. Calma minha querida, temos tempo, o Padre ainda está em sua oração diária. Por que ele fica ali mais de três horas ajoelhado orando, para quem ele ora? Vamos, vamos vocês duas, que já é tarde, tudo isso é fofoca de pessoas más, deixem disso, vamos perder a missa. Minha querida, essa é uma história antiga, de quando o padre ainda era muito moço, um seminarista, lá na Grande Capital. Papai deixa a mãe me conta, me conta, o que aconteceu na capital, mamãe? Não se avexe querida, deixe disso, e vamos que apreçar os nossos passos. Outro dia eu conto tudo que aconteceu, essa história que não se deve falar! Não faça assim, mamãe, me conte tudo que a senhora sabe sobre ele, o Padre!


Menina aquete, a missa vai começar, e não é hora de falarmos dessas coisas. Vamos mamãe, por que tanto segredo, diga, minha mãe, o que aconteceu lá. Minha filha, cuidado com que pede! Parem as duas com essa tagarelice! O Padre tava quase que acabando o seu seminário lá na capital, e um de seus superiores pediu para ele realizar uma missa na igreja. Ele se preparou muitíssimo mesmo para realizar a missa perfeita. Tudo estava indo como deve ser, A igreja estava cheia de muitos fiéis. Todos fiéis estavam querendo ver aquele novo padre, o padre moço. Minha querida, já começou a missa!

“Ego te absolvo a peccatis tuis.”6 Mamãe? “In nomie Patres et Filli”... Aqueta, filha! “ et Spiritus Sancti.” O Padre está falando, calma! “Amen!” Tem muita gente aqui, eles podem ouvir. Mas mamãe, fale mais baixo, depressa, que eu ainda não entendi o segredo. Querida... boca presa... podem ouvir! Tudo é passado, eles não falam mais! Mas minha mamãe, conte logo tudo, por que tanto segredo na capital. Silêncio, minha querida, silêncio, que vou lhe contar o grande segredo. Olha a blasfêmia, aqui não é lugar disso! Deixa pai, depois rezo doze credos. Na hora da hóstia, eles estavam na fila, o padre dava a hóstia e o sinal da cruz. Uns seguravam seus rosários, outros a bíblia dizendo: “Paz nosso Senhor”. Quase no fim de receberem a hóstia, um moço muito bonito na fila estava, e quando recebeu do padre a hóstia e a bênção, tocou na mão do Padre. 6

Eu te absorvo de seus pegados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.


O Padre olhou bem fundo nos seus olhos, mais fundo ele olhou nos olhos do Padre. Um frio e um calor consumiram os dois, o tempo parou num ato dos mistérios de Deus.7 O sorriso de ambos era evidente, parecia algo singelo e muito puro, e o moço se foi com olhos serenos, o Padre o seguiu com o olho agitado. Minhas queridas, sosseguem a boca, o Padre vai perceber, vai se zangar! Por que vocês não rezam três Pais Nossos, e pedem perdão por esta blasfêmia! Permita que a mamãe continue, papai. Depois eu rezo trezentas novenas. Prestem atenção na missa, espiem que o Padre fala! – “meus fiéis, Deus vê tudo...” Olhe, querida, filha! – “que fazemos!” Dizem que o Padre ficou em uma paróquia na capital mais ou menos seis meses, trabalhando e tentando melhorá-la. Fez quermesses, fez gincana, fez bingo. Na igreja fez bazar beneficente, ele organizou cursos de religião, organizou catecismo com jovens, arrecadou alimentos, muitas roupas, doando-as às comunidades carentes. Organizou aulas para alfabetizar jovens e adultos da comunidade. Arrecadou dinheiro com os fiéis para reformar e ampliar toda a igreja. Suas missas estavam cada dia mais cheias e alegres. Todos fiéis adoravam a linda transformação da paróquia. Silêncio, que o padre vai ler passagens da bíblia! – “Quem derrama o sangue do homem...”8 Nossa mãe o padre é uma celebridade!

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Coríntios 4:1. Gêneses 9:6.


Sim querida, o padre fez muitas coisas, a paróquia cresceu – “Pelo homem seu sangue será derramado” – e ficando conhecida em todos os bairros próximos. Mas isto tudo quase foi destruído quando o moço bonito na paróquia apareceu pro novíssimo Padre. Então, ficando, talvez, transtornado com o bonito jovem que sua mão tocou, deixando-o afastado da vida em pensamentos tão desfacetados e puros, ao mesmo tempo tão humano. Nossa minha mãe, quer dizer que o padre estava puxando azinha pro jovem? É... perece que sim, minha querida, você percebe o tamanho do causo. Me conta mais, o que houve com os dois. Fale baixo, seu pai está ouvindo a missa, depois ele vai querer que rezemos umas tantas e tantas Ave-Marias. Minha nossa, que Deus nos livre, mãe! Então, escutai minha filha, querida! O jovem moço robusto e simpático, alto e forte, um olhar sobressaltado, Jovem educado, tão prestativo, logo se enturmou e fácil amizade fez, e decidiu no grupo de jovens participar e organizar eventos. Organizou viagens a Aparecida, organizou festas e passeio ao campo, ao museu, ao teatro, ao cinema moderno, criou dia de retiro para jovens cristãos. Todos gostavam de sua iniciativa, de sua vontade em divulgar a todos jovens a palavras de Nosso Senhor. Ele também é uma celebridade!


O que ele mais fez, minha mãe querida? Não se avexe, tudo tem o seu tempo9 e sua hora. Vocês duas ainda estão a falar! É pecado gravíssimo fofocar! Depois da missa, vão ter que confessar tudo que fofocam do nosso Padre, e vou pedir a ele uma penitência exemplar para as minhas duas queridas! Deixe disso, pai, a mãe não tem nenhuma culpa, a culpa é toda minha, meu papai. Silêncio, todos já estão comentando! – “Todos se levantem e vamos cantar!” – “Bem-Aventurado o varão que não anda segundo o conselho dos ímpios...” 10 Ouviu mamãe o que o Padre disse, então, continue a contar a história do Padre. Temos que tomar cuidado, ninguém pode ouvir sobre o que estamos falando. Com a popularidade do jovem, ele na igreja passava mais tempo. E consequentemente muito mais perto do padre, e os dois aos poucos vão se tornando mais íntimos e próximos, sempre juntos, alegres e felizes. O jovem moço começou a posar na casa do padre, com algum tempo, vão percebendo algo de diferente neles, mas nada que deem importância. E tomavam café da manhã juntos, almoçavam juntos, jantavam juntos, saiam juntos para comprar paramentos e alfaias da igreja, entre outras coisas mais. O Padre, também, moço deu um relógio de presente para o jovem, também moço e forte com um olhar sereno, e todos perguntaram onde tinha

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Eclesiastes 3:1-8 Salmos 1:1-4

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comprando o belo relógio, e respondia que foi o Padre quem o deu de presente. Todos olhavam para o Padre, o moço, e perceberam, douraram a face. Certo dia, uma beata chegou mais cedo na casa do Padre para a diária, e foi ao quarto ver se já levantara o Padre para recolher a roupa suja. A porta entreaberta podia ver tudo, tudo e nada que a alma poderia esconder. Mas o que ela viu foi um toque aqui e ali, mãos deslizando suavemente acolá, pontas de dedos fortes a entrelaçar em duas curvas singelas aquém dos olhos, um de bruços, calmo, apoiava-se na arcaz, o outro tomando-lhe o outro para si mesmo. Puxando-o lentamente até se enredar totalmente um no outro, retos e firmes. A respiração apreende tal momento, é um instante que sufoca e que alivia, é um regresso a lentidão do retorno eterno e rápida onde se ouvia dizer calma, eu cuido de você, não te movas, e nesse momento o corpo do corpo se sumira no corpo do outro e do outro, e todo corpo em estremecimento tomava em súbito grito de fogo, onde num instante de puro frêmito, beijos são desencadeados em todos os corpos, seguidos de sussurros de avidez. Nossa querida mamãe, eles estavam... Isto, isto mesmo minha querida filha! Mas não pode falar isso na igreja, é pecado! Por que é pecado mamãe? Se eles estavam é enamorados! Mas a bíblia, filha, diz que é pecado. Mas a própria bíblia diz que é pecado julgar os outros. Vamos para a fila receber a hóstia, suas bocas de trapo, vocês falam e não param um minuto!


Vamos minha filha, antes que seu pai fique bravo conosco! Mas termine de me contar o que aconteceu depois, Mamãe! O que aconteceu com a senhora? A beata ficou chocada com tudo que viu. Foi um escândalo muito grande, o padre exposto a galhofas e escárnios. No Padre, caíram pedras e relâmpagos, atacaram o moço, lá vai o Padre! O moço foi arrastado pelas ruas, dentro e fora, face a face cuspiram no Padre, o moço, corpo flagelado, no Padre chagas abertas, no moço a marca de suas vergonhas, no Padre o moço, no moço o Padre, no moço a marca do amor negro do seu Padre. A Santíssima Trindade no Padre desenharam, e disseram ao moço corre, vai-te embora com seu pecado, com seu fel, com sua beleza daninha. E lá vai o moço, de joelhos lá vai! E vai enxotado por toda multidão. Multidão grita, aparecem repórteres, multidão vaia, televisão anuncia: “O Padre e o Moço: Amor Libertas Já!” O padre se entristece e cai gritando, olhando para o céu, pedindo ajuda a Deus, mas astuto Deus, não responde. Nenhuma resposta, nenhum sussurro, nenhuma trovoada, nenhum estúpido, nada, apenas mil na esquerda e mil na direita gritando: Eunucar Padre! Eunucar, eunucar agora o padre! A cabeça pesa, a luz do pecado cegou o Padre ou foi a luz do amor do moço que dorme sobre o estigma de ser homem? Mas o Padre pede, implora clemência, Senhor! Tudo que fez foi por amor ao próximo, como prega a bíblia de nossos homens, mas o Padre ouve a malícia do povo:


na zona do pecado só a punição é louvável para quem possui febre de desejo no coração e no calção. E chora o Padre, e se lamenta o Padre. O Padre já é só puro julgamento! O bispo o transfere para outro estado, para outra igreja, para outra paróquia, mas a mão do Padre procura no ar a mão do moço, a perna do seu moço, o olhar desmedido, os beijos loquazes, o afago, o carinho, os membros do moço, zona do pecado onde não é pecado. Oh, minha mãe, foram cruéis com o Padre e o moço, como foram castigados! E ninguém tomou partido do Padre, um ato de amor todos foram contra? Silêncio querida, olhe o Padre próximo. Todos foram perversos, imagine Deus, se Ele deixou seu filho na cruz, um a mais ou um a menos, Deus é Deus! Deus não tem remorso de nada, mãe? Não sei, minha filha, provavelmente Deus tem um propósito para todos, há sempre um ofício, um mal necessário. Então, como depois de tudo que me contou, mamãe, como o nosso Padre continua como Padre de uma igreja? O Padre foi levado para muitos cantos, muitas igrejas e paróquias, mas os pais quando ficavam sabendo o que aconteceu, ficavam com medo de deixar seus filhos irem à igreja, até que o arcebispo transferiu o Padre para outras paróquias e fez o Padre testemunhar sobre seu acontecido, alegando que tudo foi possessão do anjo caído, e que ele tem artimanhas para enganar e corromper o espírito, mas está liberto, graças a Deus, O Todo Poderoso e ao Espírito Santo!


O arcebispo usou de manobra para reverter a posição do Homem-Padre, e por ser homem, pode ser tentado nos enigmas da vida e do desejo. Mãe, mas isso não seria usar a fé para transfundir toda realidade? Não sei, querida, oclusa são as pretensões da Igreja e de Deus a cada um de nós. Mãe, me parece que só somos livres para sermos castigados. Será que Deus está sempre se divertindo guiando a faca e o pescoço ao mesmo tempo? Está chegando a nossa vez, Filhinha, aquete, seu pai poderá se zangar. Mas mamãe, o que aconteceu com o moço depois de desprezado, excomungado? Ninguém sabe sobre seu paradeiro, o que faz, como vive, qual seu tanto. Só se sabe – e poucos – que o amor consumiu os dois, amor e desejo são gêmeos. Padre e moço foram esfumaçados pelas mãos cristãs da Igreja e do Povo, mas o perdão está perdoado, sagrado, no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Nos anuários do sacrifício e ausência dos perseguidores e perseguidos, por um bem que não se sabe se é maior ou se é menor, porém abala a fé, e faz empalidecer a alma humana! Silêncio agora filha, olhe sua vez. Sua benção, Padre – Deus te abençoe minha filha! Que Deus te abençoe minha filha. Amém!


Obreiro Pálido obreiro, sem futuro, sem passado. Presente torturado na pedra fria! Senta-se na calamidade de uma semana laboriosa, sem desejo, medo ou honra. O frio da pedra que se aloja em seu crânio humaniza seu corpo aos domingos silenciosos de abnegações; imagens terríficas. Quando, como, onde? Decidirá ficar livre desse sofrimento pétreo? O castigo não é justo apenas para você? Mas por que fomos todos condenados? Chagas do esforço pagas com migalhas mensais Que omite o dia-a-dia! Tu que estais pendurado na Oliveira, dependurem-nos da Olaia, dando-nos o perdão, dando-nos a cura se nos ama de verdade!


Vida Moderna Ao Poeta e Amigo Cícero Andrade Shopping centers: Compre mais, consuma mais Seja mais bonito, seja mais feliz! Sistemas produtivos, mercado financeiro... E um abacaxi em minha mão é troféu. (Cícero Andrade)

Do outro lado de uma tela, pensamentos produtivos contestam uma vida bela de conceitos seletivos. Em sistemas financeiros, sentimentos são comprados: afetos prisioneiros hoje e sempre tão forjados. Sentados interligados, conectando letras, rostos, em dois espaços formados entre corpo e desgostos. Grita um poeta no rádio: um abacaxi é troféu? Em mãos, ordenando um véu, para alma o amor é remédio! Tudo que brilha se apaga, hoje orgulho transformado numa bela e linda saga: onde o amor de fato é amado?


2033 Um clarão gritará o diadema dos seres comuns, Nuvens embaralhadas entre os sonhos dos pobres transmitirá um coro por toda a humanidade. O escuro e o claro, ambíguos, arfará um vazio frio do espetáculo do princípio ao fim de gerações e gerações. Quando um feto bramir as mortes e extinguir sem ver sua própria linhagem, o vestido branco do julgamento, os presságios, e as lamentações e queixas de todos, a árvore crispada pela lua, a serpente de flamante fulgor, indicará o caminho que as crianças e velhos homens terão a beatificação. Há algo que está recomeçando para sempre, quando a semente primeira murmurar sua chegada, o tigre, entre todas as coisas, se incorporando nas nuvens, o temor e o tremor, a dor e o ódio espalhados pelo mundo, diminuirá impacientemente nos berços das crianças mortas. E quando o sonho for alimentado por ornatos azuis, a solidão apresentada aos quatro cantos da terra, a bigorna silenciosamente e o toque da morte olhará o gosto suave da eternidade vermelha de segredos, ao passo de acúmulos pródigos séculos desarmoniosos. Na vida futura, amordaçaremos os séculos e criaremos os dias de terrores mortais, sem continuidade, entorno de tiranos couraçados de renúncias, tentando se libertar do peso da vida mecânica, que futuro estará reservado para nós, oh Vida Futura? O pão e a água negados às crianças descendentes, – as histórias do paraíso retornam a nos frequentar – mas enjauladas em um casco reluzente de concha, e as que ainda dormem, vigiadas pelo pássaro do destino ouvindo os acordes de remissão do violão de ébano. A luz futura nos embriaga, de repente visível, decifra o grande enigma do universo: caminhos se abrem. O Amor beija a grande corneta da salvação, o Verbo se torna a chave que tanto procuramos, e na marcha futura a humanidade se abraçará doente.


A tarde aberta Um homem caminhava pela Rua São Teodoro. Cabisbaixo não percebia os caminhos percorridos. A camisa úmida grudada em seu corpo, talvez, informasse uma visão concreta do tempo elíptico. O sol quase não olhava mais o mundo que se formou. O ar aquecia brutalmente os corpos sem corromper o silêncio díssono. Sob os braços um único livro: Poesia Liberdade. Distraia-se ao acaso, porque a tarde assumia delicadamente suas operações. Os movimentos. As formas. O espaço. Ao longe se via os mortos comerem o sopro do dia aguardando o novo alvorecer. Ele, quieto. Continuamente. Paralítico em seu estado mnemônico. Os olhos beijavam seus sapatos. Os cadarços desamarrados traziam o fogo da lembrança amarga do final do dia. Sem deslize. Sem o branco da paisagem da remissão viva e impossível. Tendo um milésimo de conspiração contra o mundo. Procurava no bolso moedas. Encontrava o nada no ventre das coisas reveladas de quem escolhe sua própria vida. Simples. Suave. Em torno de si, sentia uma música de tempos antigos. Desde o princípio dos tempos, a mão triste que consolava o caminhante. Comunicava à coluna que foi destruída: luzes e holofotes da gestação. As quatro árvores que o cercavam, entre um mar de concreto, amparava a sua delirante caminhada. Deverás ser a ampulheta do sonho? Os símbolos que ainda são ouvidos, na posteridade são apenas singelas esferas. Enterradas nos mil anos de escuridão: incomunicabilidade. Cansaço. O tentar decifrar o mapa com seus despojos. Ele para. Senta. Pensa nos emails não enviados: as cartas nunca escritas. Os beijos esquecidos. A filha que nunca teve. A mulher abstrata. A camisa, a gravata amassada. A fome de aniquilamento. As guerras. O transfigurado. As lágrimas. Os soluços dos amigos. O amor comunicado. Sofrido. Velado. A chaga aberta do tempo e do espaço. A vigília frondosa e triste. Os dias de febre. As noites de fome. As palavras perdidas. A linguagem profética, esquecida. O trabalho e a morte do homem que andam a galope nas nuvens de metralhadoras. Um ou dois goles de delírios noturnos.


Aos poucos se recompõem. Cego de sua própria sepultura clandestina. Momentos insólitos. Uma criança anda sozinha entre uma simplicidade e a naturalidade de pássaros viajantes. Sua jornada simplória das coisas contemporâneas, batem nas portas do universo. O mundo agora pende a ópera do caos. Não percebia que suas cicatrizes a acompanhavam desde o ventre. A espiral da vida propaga em suas máximas inclinações asfixiante. As gerações que cresciam sobre os lamentos da liberdade, saudosos de 64. Ele, pálido, ao ver a criança andando sem perceber a desordem dos telhados do tempo. [Assiste um instante de eternidade. Rompe as grades de suas próprias mágoas. Apresenta-se um novo mundo. Intermediário a si próprio. Abre-se, ascende, desaparece. Sangrava ausente consigo. Ouvindo o soluço, ouve-se a grande Babilônia cair em ruídos, lamentos. Surdos. Amordaçados. Tediosos dólares, jamais harmoniosos na tradição futura. A sabotagem dos fantasmas que destrói as vozes mistas da esperança. O mapa e a chave abrem os Selos. Dependurados em sua mão esquerda, num instante, os séculos, continuam. A fome da inocência Denunciam os gritos dos tigres, somente-vivente: espadas de guerra. Olha para o céu e vê a forma que se revela na consciência totalitária. No abismo. Na inércia. A criança indo ao longe. Caminhando no espanto do mundo imemorial. À noite que acabava de nascer. Ela, ali, intacta. Caminha para o ventre, tímida, porém, persistente e entusiasmada11. Nós, talvez, morremos, o animal cessa de viver.

11

Do grego enthousiasmós (ἐνθουσιασμός) - en = sopro; Thous = Deus; mos = dentro – (“cheio de deus” ou “tomado pela divindade”). Entusiasmo = arrebatamento, alegria, paixão, inspiração.


Novo começo À Thaís Moura Marinho, a flor de meu deserto. Meu mundo começa nos olhos de Thaís. O mundo torna-se esverdeado, Espiado, vigiado, mais mundo que os mundos. Os olhos de Thaís velam o mundo, Abraçam cada território, cada continente. Dominam a fauna, o vegetal, o animal. Em suas mais grandiosas curvas, Cada rosa, cada peixe, cada pássaro São desvelados pelos olhos de Thaís. Dos olhos surge o corpo do mundo. Primeiro são seus braços, (Ligam as mãos que formam as coisas, captam o imaginável). Levantam-se possibilidades, Caminhos são criados, Sinais são seguidos, obedecidos, cortejados. Em seguida seus cabelos em graça, beleza, violência, Cobrem o mundo, dando a substância que precisa para viver. Eles voam furiosamente, cada fio, único, inaugura uma vida. Uma vida precipita-se nos cabelos de Thaís. O mundo ajoelha-se resignado, criando combinações, movimentos... A cabeleira de Thaís dança no ar. Depois a boca, inteiriça, nervosa, Gritando desejos animados e inanimados. Delícias são descobertas e desvendadas na boca de Thaís. O espaço rasga-se quente, devastador, captando os corpos, Todos se rendem ao cortejo desde o princípio dos tempos, Sufocam-se inebriados, anunciados, pela boca de Thaís. São nos seios de Thaís que os mistérios são desvendados, Países inteiros são assolados, queimados, destruídos. Aparecem ritmos, cores, sons, que estava há tempos esquecidos. São nos seios de Thaís que é ressuscitado o intransponível, O ar queima, os corpos inundam-se, o tempo e o espaço São a transitoriedade da violência, da paz: a vida que explode. As pernas são as amaras da liberdade, A matrimônio do Céu e da Terra. Ancas e pernas, regiões míticas, etérea, eterna. São forças que, além da própria vida, Transformam o instante, já no cosmo, no infinito. Quantas vezes morro satisfeito nas pernas de Thaís...


Da cabeça aos pés, cada parte é um continente, Cada um armado se completa, se conversam, se forjam Uno. Cada parte se acrescentou pelo divino, Mais belo, mais ágil, sagrado. São nos olhos de Thaís que meu Mundo se principia Terrestre, esquecido, transparente. Instante que se alimenta. Do substantivo Thaís, forja-se o Verbo essencial: AMOR.


Saudades de São Paulo O poeta chora sem saber o porquê. Desce a rua da Consolação bêbedo. O poeta olha São Paulo bêbedo. Bêbedo ele olha e ri. Ri de tudo e depois chora. O poeta vai para casa com uma garrafa de conhaque. Coloca dois copos sobre a mesa. Prepara duas doses: uma para ele e outra para São Paulo. O poeta olha, para, e não bebe. Percebe que não está mais em São Paulo. Ele não reconhece mais... Joga fora o conhaque e vai dormir Chorando.


Colunas do Tempo Nas colunas do tempo germina a fé do Deus moderno esquecendo a dos tessalonicenses. Antecipando o espaço e o tempo, confronto a minha própria lápide, sob um futuro prematuro: incomensurável. A fé verdadeira: pura solidão! O princípio dos tempos, a alma se queixa: vejo três mais, Pois é a imagem da quaternidade.


Discurso Matrimonial Ao Flávio e à Meire Mello

Vida: um segundo de paz aos que se juntam dentro da absoluta existência: Todos te saúdam! Hoje é quinta-feira 16, momento magnífico sem mera coincidência aos corpos juntos. A tristeza a dor o pânico a agonia em um mundo que nasce entre um beijo. Vida! Eternidade entre um Sim: seja decifrado no seu dia-a-dia. Mesmo entre seus pertences que confessam entre nossos pecados felizes. Depressa que a vida não pode esperar! Agora será dia todos os dias. Mesmo sendo tarde os sinos azuis desfigurados cantam uma plástica música avisando que os arrozes estão caindo de uma árvore. Veja aquele Mello que acaba de encontrar um Anjo! São dois em um, um em dois, debruçados na confluência do Cosmo em sua coesão bíblica. Neste caminho onde vocês trilham a subsistência dual passada a limpo: uma vida duas vidas cruzam-se em um Sim. Felicidade


prazer cumplicidade... Todos te saúdam em um puro enlace. Hoje o alaranjado das palavras cristalizaram a noite enterrada no marfim celeste, viajando para onde tudo começou: lugar dos nascimentos, das metamorfoses, dos renascimentos e de suas possibilidades... Mar de ideias em contraste ambivalente. Vida! Hoje é matrimonial o seu dia azul implacável, segundo a segundo sem se acabar em um corpo de fogo. Traz a dois corpos a harmonia da existência melífera, porque dezesseis para dois corpos cria-se uma rosa-dos-ventos formosa pela sua beleza e equilíbrio. O coração do universo grita um verdelhão chinês, saudando a manhã primeira... Liberdade: juntos entre todos os sentimentos... Porque amar é errar sempre errando, acertando momentos, uma eterna aprendizagem descobrindo e redescobrindo o Amor vermelho, latente dos raios do sol. Entre a pena e o pincel, o homem e a mulher não foram feitos para a sobra involuntária da vida! A tela e o papel, objetos contíguos tornam-se unilaterais pelo novo horizonte nascente... Ontem: um e um. Hoje: dois em um. Amanhã: uma linhagem inteira!


Uma Canção Para Toda Nossas Vidas À Sueli Dutra, minha sempre e constante amiga.

Todavia, se você e eu caminhássemos cinquenta fases da lua numa estrada e, juntos, com esta rainha, pudéssemos ouvir o tempo, não aquele tempo, mas aquele outro, lembra? Aquele dos dias de sorrisos, dos abraços, dos gestos inocentes. E se lembrássemos, apenas um momento, apenas um estante que tudo poderia ser possível, porém, o impossível de ser também. A janela ainda aberta, o café quente no bule, o bolo de milho, o pãozinho de queijo, as crianças correndo no quintal de terra, os pés no chão, o pé-de-laranja-lima. Seria tudo vaidade de vaidades? Não, não responda agora! Continuamos, você e eu, sob a memória o nosso caminhar, onde os olhos não se fartam de espiar, nem os ouvidos de escutar. Sobre tal estrada, ainda que por instantes, talvez, ouvíssemos rumores de um sino e fôssemos obrigados a nos render ao seu badalar quase silencioso, e ele se misturasse aos nossos pensamentos e nos apresentasse uma imagem que era, talvez, um pequeno indício de trovões e de relâmpagos, di averruncent! Seria tudo realmente aflição do espírito? Não, não responda agora! Somos sós, eu sei. Entretanto, estamos acompanhados com o que temos de melhor. Será que não sabemos usar essa nossa liberdade? Precisamos, talvez, de mil segredos para podermos viver, mesmo


para vivermos uma certa glória? Não, não responda agora! Olhe como tudo se move. Que peleja! Cada palavra é como se pesasse uma tonelada até penetrar o papel em branco. Eu sei, todos nós sabemos! Tudo passa num segundo, num piscar de olhos. Hoje é o que sentimos amanhã, que não é e nunca será o que sentimos ontem? Não, não responda agora! E eu ao seu lado, veja! Será que devemos acreditar num Deus que não saiba rir de sim mesmo? Não, não responda agora! Nossas sensações se foram, nossas cabeças estão pesadas, nossas mentes estão gastas de pensar toda uma verdade inventada além dos três pilares ocidentais. Tudo foi construído a própria imagem do mistério, do abismo, do ideal ao pé da oliveira. Os passos da vida se entrelaçam silenciosamente. Repetimos o que foi, o que é, e o que será, convidando a todos, mesmo sem saber o que o outro, noturno, taciturno e desajeitado revelou ante aos nossos olhos. Será que temos que falar com voz de gato e assobiar como um sapo para sermos felizes? Não, não responda agora! Pois, os mistérios da vida transcende a realidade. Sei, sei que continuaremos em nossa estrada com os olhos colados na sola de nossas sandálias, incuriosos, cansados, tentando colher aquilo que se debruça gratuito, ansioso à vista de nós, ébrio, como um não me atrevo, bem que eu quereria assim, sim,


como um pobre adágio. Continuamos! Sigamos, juntos, porque aquilo que éramos não nos é mais permitido há tantos anos, porque somos todos travestidos de palavras de outros. Isso é o que somos: travestidos de outros há muito! Há muito, se prolonga entre o ser, e vai passado até produzir um novo ingir reticente. Mesmo assim, pequenos que somos, restritos, ambíguos e miseráveis, nos afana um eco silencioso e grandiloquente que se mostra restrito e relutantemente retraído. Se herméticos, sublimes e singulares que somos, respondêssemos a ordem direta das coisas, dos seres, fiáveis, que nos consomem e, ao mesmo tempo, agasalha nosso peito. Talvez, trouxeste o espelho do último velho que nos resigna, e que nos coloque na terra de onde somos. Talvez, nos engalfinhando, na geometria de tudo, da existência aos pensamentos, se passássemos a comandar e a produzir na memória a nossa mínima esperança, os nossos desejos e as nossas paixões, há muito recolhidos e embebidos de tormentos. Sigamos juntos, ausculta, repara! Como caminhar numa estrada onde tudo vagamente se dissipa e reage ao mínimo possível, e, à tarde, se fecha para um novo – e não constante –, sem que conseguíssemos diluir o previsível que somos? Não, não responda agora! Apenas, calados, sigamos lado a lado na estrada da vida – pois, talvez o que resta fundam-nos como Hipérion e Belarmino.


Mensagem Hoje eu aceito o mundo tal como ele é. Com seus cabos e feixes de lasers, pré-programados humanamente. Porque ontem eu tinha pensamentos diversos de mundo. Eu não aceitava tantas coisas. Entretanto, hoje, não tento entendê-lo, entendê-lo é estar cansado de olhos vermelhos, debruçado sobre a própria vida que teria sido, ou que nunca foi. Não porque não tentei ser o que quis ser realmente da vida, mas porque olhar sobre a janela e ver o que poderia ter sido e o que não foi, fazendo de possíveis contingências, fatos, sendo que tudo isso é falso. O incrível de tudo é pensar sobre tudo, sobre tudo o que fazemos com o que quiseram fazer conosco, e não o que fizeram de nós. Em minhas horas de taciturnas, não tenho forma fixa ou padronizada. Tenho apenas sensações minhas, de ninguém mais. Posso ter até como casa uma sentina, cloaca, ou uma bela estirpe tradicional, porém, o único sentido que tenho é que vivemos em casas néscias e ignaras, parecidas com a casa de Bragança. Por isso converso com Gullar, confesso-me com Trakl, choro as margens de Murilo e de Cesário, exorcizo-me nas ruas concretas de percepções reais de Dufrenne, E nisso sou o que sou, sem filosofia nenhuma, pois, aquilo que permanece cristaliza-se na alma. Contudo, estou caminhando de mãos dadas com Chico, Simplesmente por amar a inocência de amar olhando as coisas como elas são, sem mistificação de signos de Bense, ou viver numericamente e esquadriadamente arquitetado para um futuro mecanicamente à meia-luz, a meios-dias de aberrações cromáticas. E me perguntam se tudo isso é ridículo aos ouvidos de vernáculos engravatados? É porque há gente e gentes sendo estruturadas em fibras óticas e telas modernizadamente por equalizadores downloadianos?


Se da minha janela avisto o quanto somos pequenos quando fechamos o horizonte, escondendo o pobre olhar atrás de telas e códigos binários. Em olhares digitiformes faço do mundo que creio, um chapéu confortável aos meus decibéis de sensações e pensamentos. De pensamentos reais ao que não é real. E do real, temos imagens psíquicas de um irreal constante em nossas intuições mais guardadas. Vejo tudo como antes, porém, no outono vejo mais claro que no verão, tudo requer tempo. Por isso saúdo todos! Porque a única certeza é a inocência de amar sem se importar com rimas raras e olho [para a folha que caí sobre o meu outono, e comovo-me, pelo simples levantar do vento [triste.


Ainda Há um Gosto de Ontem Sobre aquela mesa ainda há um gosto de ontem. Há um momento em que tudo se renova. Ainda lembro das risadas, dos tilintares dos copos e das garrafas vazias de vinho. Sobre a mesa. Lembro-me das conversas de futuros e de passados, de como é bom estarmos entre quem amamos. Pois, o melhor de tudo é conversar, conversar realmente sobre o que pensa o coração. Sobre aquela mesa há um gesto de carinho. Foi breve como a brevidade da vida, mas foi intenso como a vida deve ser. Só os planos foram verdadeiros, como a fotografia no álbum que espia nosso passado e nosso futuro. É tarde, e a mão tremula que reage ao frio, ainda procura entre o mínimo, um único vestígio que ainda pouco fazia parte de nosso momento. Meu único momento! Era tão fácil ver o mundo. As árvores, os animais, a vida. Não! A noite não perdoa quando a única coisa que nos resta é um quarto vazio. Mesmo nossa vontade profusa de amar nos deixa inerte no silêncio imemorial que nos abraça sem resignação. Aqui o tempo é lento, a noite nos consome com fantasmas apavorados que não cansam de cessar seus lamentos. Amor a todas as coisas. Aos vacilantes, aos bêbedos, aos penitenciários, às prostitutas, aos arrogantes, aos que amam. Assim, mesmo


sozinho entre séculos e séculos, olharemos assustados a matéria que nos resigna e num instante irredutível nos sentiremos humanos! Sobre aquela mesa ainda há um cumprimento a ser feito, um instante a ser pensado, uma carta a ser escrita, um sorriso, um abraço a ser dado, entretanto, falta-me palavras, o sentido poético das palavras: profunda confidência. Mas adormecemos. A vida é breve. As flores continuarão a serem lindas e ao final da jornada murcharão, e tudo será esquecido e perdoado. Os pés descalços num chão árido, o gosto amargo da solidão, a última nota da música preferida, o último gole de café, o último cigarro na boca, o último afago entre os dias nublados, as teias de aranhas na estante, o retrato pendurado na parede, o filho que ainda não veio, mas, resta-nos a esperança, resta-nos uma última mudança: olhares vagos, um raio de sol, novos costumes, uma palavra amiga, uma pétala de presente, novos objetos, novas dores de cabeça, novas noites de reumatismo, irritações novas, uma nova música, uma outra dança, também um novo amor e novos velhos amigos. Está no interior de cada um, num ponto quase inatingível, por baixo dos fragmentos da sombra, num lugar sensível ao toque e a palavra, num lugar deserto que ontem e, talvez, hoje ainda impera em um mundo sepultado pela irritação. Eu sei que todo homem é tolo, rude, prepotente, com defeitos superiores as qualidades, porém amamos as pessoas, também, pelos seus defeitos, com isso crescemos e nos tornamos amados e queridos. Não amamos apenas o belo, porque o grotesco tem seu valor inestimável. De tudo, fica apenas a família, os amigos, o prazer de viver e de ajudá-los,


de sentir o vento no rosto, a sombra dos tempos prazerosos. Vivamos o tempo, a intimidade, o gosto do instante parado alongando-se no breve espaço de ser. E todos de mãos dadas seremos irmão. Dizem que todo homem é mais poderoso quando está só, todavia, a dolência áspera dos atos, a tristeza que impera em meu peito, a solidão que penetra e acalenta meu ser num silêncio particular com cheiro de saudade, não me aniquile, não trepide na minha falta de dominar o mais puro que tenho. A cada segundo que percebo meus erros, são diferentes aos segundos seguintes, e todo homem é distinto, e todas as coisas são distintas, e todos os perdões são distintos, e todos os amores são distintos, e todos os distintos são distintos e todos iguais. E legamos aos que virão pensamentos maduros, atos imaculados, palavras de confiança, horas de acúmulos de amor e paz, que o cheiro da terra molhada, das tardes de outono, da noite quente e particular, antes que tudo penetre e derrube a estátua da pureza, o cotidiano sublime. Que nos sintamos crianças, que o tempo devora incansavelmente os segundos, que resistamos ao ódio imediato, a incompreensão, ao desprezo, ao desespero, a inveja que penetra em cada um, a tristeza que assola as noites e os dias, a desesperança que inundou o tempo presente, os séculos após séculos, a vida presente. A Matéria, a Palavra, o Verbo, a composição das coisas e dos serem, a magia lírica do poema de ontem, o poema que ainda não foi escrito, tragam sublimação à vida posterior Aos que ainda não vieram. À minha mãe, à minha irmã, ao meu sobrinho, aos meus amigos, fiquem todos cálidos sobre o mel dos dias que virão, que meu olhar, meu abraço, meu sorriso e meu amor estarão sempre na presença de vocês. Mesmo quando só restar a sombra no muro, mesmo sobre meus passos lentos,


sobre meu olhar taciturno, mesmo na solidão das cartas postadas sem resposta, com vocês, sempre aprenderei, e mesmo nos corações que duvidam, os esperarei, resistirei a fria vontade da dúvida e criarei um tempo sem luta, sem fome e seremos todos Um. Porque ainda há naquela mesa um gosto de ontem.


Um Certo Eraldo Malazarte Ao amigo Eraldo Miranda

Com um simples carvãozinho, sozinho, e com um papelzinho, Eraldo Malazarte nos ensina a sonhar sobre a dura realidade humana. Para sempre uma pequena historinha faz das imaginações de uma criancinha, alegria. Corre um tal de Eraldo Malazarte, pega ele, é bicho do mato? Não! É amigo das crianças. Como assim? Falo eu, uh... Que bicho intrometido! Uh... Nada! Ele é possível, e amigo? Pois então? Pois então o quê? Não me diga isso! Dizer o quê? Digo eu então! Veja como as crianças gostam dele. Ele conta historinhas da vida, só para alegrar os corações partidos, e... É verdade! O que é que ele está dizendo? Não sei... só estou vendo o sorriso da molecada! Ah... verdade, ele conhece o remédio para a alma triste! Sim! Parece que sim, olha só a conversação alegre dele com os guris... Verdade! Ele conhece mesmo o remédio... Deveras... Ele conhece a alegria! E só contando historinhas para alegra a garotada... Eta Eraldo Malazarte. Mesmo no silêncio a tua melhor palavra fica sendo a procura de novas palavras o sonhar o imaginar o semelhante o amor a solidariedade a amizade encantando tudo e a todos com palavras contadas por um contador que nos ensina a viver e a lidar


com as formas concretas da vida. Nos ensina a amar no vivo dos dias no calor da noite no cair da aurora na esperança perdida na primavera ferrosa Eraldo Malazarte nos ensina a maior lição da vida e dá para as crianças o maior presente do mundo: o poder de sempre sonhar.


A Boca e sua Iniciação Bocas que jamais beijarei: essa boca de trapo, boca mesquinha, boca que fala dos outros, boca que não respeita, essas, jamais beijarei? A tua boca também? hoje ris de mim, como ris de um palhaço... Aquele de circo de interior. Cabem a todos os abismos riem de mim. Esse é seu desejo? Quais caminhos e bocas beijarei? Perdi o metrô esta tarde pensando em você. Tinha tantas tantas tantas bocas... Mas eu lembrei daquela boca... ................................................ Boca carnuda, boca macia e aveludada, boca suave e ardente, boca a boca unidas à única trama. Boca que girava boca, língua que gerava no céu de duas bocas. Giravam e giravam unicamente em um céu único. Pluriaberta boca língua língua boca vão rugindo e tecendo variações de leves ritmos. Meu desejo é tua boca! Boca boca boca boca... Bocas separadas por milímetros de quilômetros de Amor. Esta, jamais voltarei a beijar? O beijo é um ato único, será que alguém beijará com seriedade?


À Tarde A tarde suspira uma brisa cálida que esconde seus segredos e a mão que descansa suavemente o rosto enquanto a brisa traspassa as sensações recusam qualquer tipo de raiva. Sentado num banco qualquer espia com o sereno dos olhos a moça do outro lado da rua. Fica no ar à tarde de amar. À tarde que passa nos olhos do ar o seu semelhante reconhece o vento silenciosamente balançando os cabelos da moça de tons dourados no ar. A rua do outro lado a rua indiferente de conversas exaurindo um desgaste de horas de falta de amor. Todavia todo homem precisa de amor mesmo nas horas pobres um pouco de tudo ao olhá-la a moça do outro lado da rua. Pedaços de calçadas vão subindo atrás dela. Olhem que olhares múltiplos pluriolhares para suas pernas que cruzam e cruzam


uma após outra cruzam e cruzam em um compasso perfeito o salto-alto toque-toque-toque. O vestido denunciando suas curvas secretas solto leve bem suavemente ele cobre tudo ele mostra mais. A viagem que dele existe no ausente. Penetra a moça indelével com seu jeito maroto mais forte que a morte na fraqueza dos menores homens. Do outro lado da rua a brisa desfaz a tortura e emerge a pureza do olhar. A mão que segura o rosto caí nas pernas no ato de continuar. O olhar rouba toda a imagem do outro lado da rua. O homem ignora mas tudo foi breve e definitivo entretanto a moça passa alta em sua classe com a mão nos cabelos balança a cabeça com seus colares com suas pulseiras


tal como deve ser a intenção de se perder no paraíso. O povo olhando e ela passando. Eu aqui sentado apenas espiando.


A Mão e o Livro Entre os braços do tempo há uma agonia circular. Uma criança corre e para o ônibus, sobre uma sandália e um calção, carrega duas caixas maiores... – Bem maior que a vida que leva. Ao descer do ônibus tropeça e as pratinhas caem gritando a sua busca pela vida. Em um tilintar de esperança no olhar da criança caída, de joelhos a olhar para o céu... – Será esta minha vida? Então uma senhora bem senhora estende-lhe a mão e um livro.


Uma música, um momento Consigo em pretexto unir o que vivi em uma música Entretanto a figura que ambienta a insólita face da realidade sua grita a experiência que nunca tive apenas momentos indeléveis Agora Hoje cinematográfica figura do tempo plástico sorrio livre no espaço.


Autoconhecimento Agasalho-me sobre uma pedra fria, debruçado sobre o início das coisas faço o que nunca pude, olhar-te! Na verdade, a força branca e onipotente das caídas do corpo azul de desejo, ignoro o código que nos envolve. A você, só me resta decifrar o indizível de mim sobre o teu corpo levemente adormecido. Antes de ser alguma coisa, preciso ser o nada do nada, para poder iniciar o íntimo de ti sobre o início do meu ser.


Enigma O que vejo? – Toda sua permanência fixadamente em mim, como o amarelo de meu coração debruçado sobre a ternura absoluta do branco de seus elementos opostos, os quais concílio em meu mar de marfim. O que conheço? – De ti uma incógnita desvendada entre oito paredes rosas e complexas, qual a hibridez do Leão-Águia! Tento manipular a nostalgia da palavra Recurso e da palavra Pobreza, mesmo sem razão do infinito de seu corpo... Não só a continuidade das espécies, mas, sim, evidentemente, a coesão interna do Cosmo. A morte não é mais desconhecida, hoje é minha amiga anelada a vida, sem medo, sem tristeza indiferenciada em sua origem, porque o afastamento só é claro quando está ao meu lado.


Passeio Ando com meus cadarços nas ruas, e meus olhos querem me dizer algo: as luzes o silêncio são irmãos e se dissolvem.


Totalizante Escrevo para poder gritar baixinho e ser totalmente invisível e abstrair de ideias concretas realidades históricas. Não existe o imaginário unívoco, todos somos frutos de uma idealização planejada. Todos comemos da mesma forma padronizada de uma vida que não nos pertence mais. Se ainda temos sonhos, onde está o centro das ideias? Se todo sofrimento é pressentido quando nascemos, onde está o reconstruir da vida e do amor? Há uma rua desconhecida sobre três crianças, e uma dessas crianças foi demolida em praça pública. Entretanto, ela continua a sorrir alegremente com uma papoula entre os dentes e uma vidraça suja de tomate. O som que estão ouvindo não é de buzinas, mas de pensamentos brancos, azuis de cristais a anunciar o fim do Mundo. No abismo de minha alma perdi a chave que me deste! Porém a grande máquina continua se instaurando entre marionetes de manhãs suaves e róseas.


Um Dia de Sono O poeta acorda muito cedo, às vezes nem consegue dormir. fica noite inteira tecendo seu enredo. Seus personagens saltam pelo ar, embora estão nascendo irreparáveis. Tudo são apenas sonhos para consolar o abafo e o rumor que ébria quando segue em direção ao metrô, quando os dias nascem de furiosa agonia. O poeta observa o peito nu e doente, calado ele sofre os absurdos da razão, calado procura palavras e um novo poente. Em seu redor de extensão e movimento, os olhares de pessoas, milhões de pessoas, totalmente sem nenhum discernimento. Os olhos do poeta em sono a se perder em matilhas de pessoas extasiadas... Magoa! Só queres um dia de sono e de prazer. Por que um é Arte, e o outro é o Amor?


Há uma Hora Há uma hora em que procuro uma ferramenta, sabes onde ela está? Vejo as ruas tristes, melancólicas e paradas em tempos congelados. O frio que sinto não é maior do que a dor em que me permito sentir todas as noites. Nasce, cresce, embrutece. Os ânimos fadigados pelo resto do dia. Dividido em países e outros não inabitáveis. Antecipo o dia seguinte, ouço o dia seguinte, percebo o dia seguinte entre o dia e uma luz cinza, entre uma sombra do sol da meia-noite. Grito. Calo-me! Crucial, o lenço branco da paz inexistente! O galpão vazio, a neblina que abre as gavetas de bocas em sonhos. Belíssimos travesseiros de olhos parados. Relógios parados! A mãe esperando seu filho que não veio. Não existe! Os amantes, dois amantes, enamorados e duas bocas enamoradas apertando-se em um canto escuro, vão e vão trinando, trilando, esturrando e chilreando seus beijos, malicia de criança. Seus sonhos fabulosos, no qual só se tornam realidade em suas próprias imaginações, em suas próprias palavras sem fogo, sem repressão de palavras, sem guerras em quintais habitados por diferentes cores, por diferentes hábitos, por diferentes credos, por diferentes amores. Não sabemos quem somos, nem o que fomos em luas minguantes. Em minhas horas tristes, decomponho a falta de amor,


a falta de amar, a falta de ser amado. Meu peito fica deserto apenas com gota de água flácida fluindo em minha face, em meu tempo. Meu tempo desgasta rindo. enrugada e branca face. Meu corpo eu vejo, aço transformado em porcelana chinesa. Vejo totalmente corroendo o corpo, o cadáver sem corpo. O corpo, o cadáver sem carne. O corpo, o cadáver sem dizer uma palavra de animo ao rebuscado corpo. Uma letra uma palavra ausente e vago um sorriso. nascerá do fundo de um adultério exaurindo e emancipado de tua repugnância matéria vil. Essas são belíssimas cenas, corpos caindo no chão vermelho. Crianças sem brinquedos para brincar. Cadê pratos para comida? E sem talheres para comer, e sem carne para ser cortada, e sem vida futura, e sem primaveras de alegrias, e sem sorriso inocente, e sem amor nos parques enamorados, e sem palavras ao vento, vivas. Há esperança? Só para Deus! Por que nessa guerra não são seus filhos que morreram? Morreram de tédio as gravatas tributárias, os ternos banhados de ver, de ver dindin. Mas há uma hora triste em que tento encontrar aquela ferramenta que abre as portas cinza e retumbante. Exata toda manhã vivo sem saber o porquê? Essa rotina, essa mesmice, esse desgosto, essa folhagem de outono triste, pálido, opaco... Não quero mais carne não. Não quero mais miséria não.


Não quero mais fome não. Não quero mais bocas secas não. Não quero mais ser melancólico não. Não quero mais crianças chorando não. Não quero mais guerras não. Não tenho mais calçados, roupas, tempos áureos, não tenho mais não. Tenho um desejo de cascata caindo em um mar de histórias. Um dia eu quis conhecer a França, mas o choro não permitiu, conheça primeiro o seu Brasil! Ouça primeiro, mesmo que o choro não permita que você ouça o quê? Ninguém ouviu falar o que ninguém já falou. Mas antecipo a saída, saí eu simples como arlequim. E aquela pedra? Barra-me ainda, escorrego! Tropeço e deito-me e calo-me. Era uma pedra no coração, ela quisera me dizer algo e me revoltei - só me sobraram revoltas. O muro de pedras invisíveis, gritam, pulsam sem seus olhos cegos, segredos de identidade. Meus rastros em tempos e tempos fecham-se, e fecham-se livros, revistas e jornais já não existem mais. Meus filhos terão computadores. Mas será que lerão livros? a escola dissipada por jatos de água incorrigível, corrente do dia-a-dia sem discernimento. A luz não tem cor, não se sabe se é branca ou se é cinza? Vermelha! Um vermelho de terror por todas as partes da cidade. Em todas as calçadas há uma mancha de vermelho, isso é natural para as crianças de vinte ou trinta anos. Avisem a mocidade que hoje um novo tempo se levantará.


Tempo de dor e confusão, tempo de coisas ao crepúsculo atroz. Não, não será um tempo inabitável. Será subterrâneo. Tudo se multiplicará nos mais belos tempos. Aqui entre corpos enjaulados e circos de fogo, de desprovidos de miséria. Passará a matéria fosca, a mais bela e harmoniosa matéria. As luzes cinzas não vão nos aterrorizar, ao menos, nessa tarde de olhares de amores azuis e sentimentos roucos a procurar... Da hora existe uma hora triste, e surgirá uma hora mais bela e silenciosa como o sono de uma criança despreocupada com a vida futura, lindíssima cena, tal poema, meu poema, tão firme e tão cheio de segredo. Sabes onde ela está?


A palavra em seu mundo As palavras olham os caminhos que vêm, dançam cada uma em mil faces em suas faces. Faces de letras palavras viram faces, mas as palavras textos viram, enunciados, e relâmpagos de letras-palavras tornam-se textos. Rios e riachos de textos quebrados, vão e viram pedaços de discursos em letraspalavrastextos, criando, reinventando, um mundo de textos em palavras em letras. Estancada, a letra muda seu som, sua sintaxe de linguagem em frase, reatando desenvolvendo sem mundo, as letras de água de chuva caindo, pingos brincam de criação, partículas de frases, palavra-texto com pingos de letras inundam todas as letras próximas, todas chegam de cursos isolados. Rios em discurso de palavras modificadas reúnem-se e recria a sua nova própria palavra. Todas as letras precisam de outra letra para formarem juntas, rios de palavras, as quais se juntam no decorrer de sua jornada em discurso de rios de textos-palavras-letras. Sem letras em situação de teia, cruzadas, entrelaçados, vazios, os textos se tornam: textos sem gestos, sem comunicação com o mundo de sentimento em signos de grandiloquência em frases e vozes. Mundo de cinco letras, transformado em efeito de voz palavramundo. E se a voz das palavras virar letratextodomundodaspalavras: os rios de sintaxe comunicam-se com as línguas de fios de letras, traduzindo ao mundo a forma Universal da língua: palavramundo.


Algo se foi algo se fez Não me perguntaram nada, porém me olham com olhos de lobo. Aqueles olhos cinzentos de dois mil e um olhos de impunidade. Há uma dor que corre a madrugada, e hoje busco o verdadeiro curso das coisas, mas só encontro o seu vazio entre sonhos que destroem a realidade nas noites intermináveis como na Setembro cinzenta. Me vi no espelho cantando e chorando a minha dor cheia pelo equivoco do outro. Mas quando acreditei no outro e na fundição das formas puras, compreendi que só se pode fundir-se consigo mesmo. Tudo era mentira: o olhar sincero, o aperto de mão, aquele abraço apertado. São mentiras todas as formas padronizadas. Mas existem frases manifestadas, apontadas e jogadas ao vento. Frases que desabitam, frases que descolorem, frases que choram, gritam, frases de refletores, frases entrecruzadas, frases de facas e pedras frases de feridas e amor. São mentira todas elas, todas elas são mentiras. Só existe o olhar de pólvora que devora os corações daqueles que acreditaram e que hoje não acreditam mais. Percebo que tudo se foi. Percebo que algo está trincado. Percebo que o sol está diferente. Percebo que não somos mais os mesmos. E a cada segundo percebo que os pássaros que voltavam


nĂŁo eram os mesmos que foram. E logo se viu, e algo se foi, e algo se fez para que nĂŁo sejamos mais os mesmos desde a Setembro cinzenta.


Dispersão Eu não sei o que os meus sentidos Aprenderão comigo. Eu não sei quando estou olhando para mim ou quando estou olhando para a vida e minha própria vida. Quem sabe de tudo isso, não sabe da única inocência. Nosce te ipsum? Pensar em quem ama, sem saber o que ama. Amar com a única inocência de amar, e sem saber porque ama. Mas amo-a por quê? E amo-a por isso, sem saber o porquê. Estou seguindo meu destino. É o único sentido que resta dos meus sentidos ocultos. Eu, que não sou nada além do que sou. E você? – As ruas interrogam a vida? Mas não as interrogue! O sentido não está no significado. E sim, no significante! Onde está tua existência, você sabe? Onde estão os sonhos dos poetas? Onde está a filosofia dos pensamentos? Onde está a inocência perdida? Onde está o mundo novo, um sonho dourado? Onde está o meu e o seu céu de veludo?


Onde está você? Que tanto tento compreender! Mas não há nada o que compreender. Eis que tentarei mostrar o mistério. Mas vivemos simplesmente em um mundo caduco! Tão cedo tudo um dia passará, eu sei, tudo é tão pouco, mas completo! Quem disse que ama para sempre. É mentira! Serenamente viver e ver a vida ao longe. Amo-te vida, e a ela também. Ela, simplesmente também.


A Visão de São Paulo A rua está deserta, o asfalto está frio, aquela garoa triste, fina neblina, realça São Paulo. Terra da garoa monopólio esclarecido. O progresso avança São Paulo morre? O poeta olha a cidade sem perceber. Estão te observando! A cidade cresce, a fauna adormece. O de baixo... Desce desce desce. O de cima... Atrás de vidros impenetráveis. De ruínas de concreto. e São Paulo! Do outro lado um poeta grita! Seu grito é imperceptível. São Paulo é só pedra.


A procura do amor Ponho-me a escrever oito letras. Apenas oito letras centradas. Letras essas que significam o alfabeto inteiro do amor. Traduzindo tudo o que é bonito, debruço-me na mesa contemplando as cinco letras. De repente uma letra cai sobre o chão cinzento. Se desfaz como por encanto todas as que restaram. Só restando as lembranças e saudades de um romântico trabalho, onde só o coração pode explicar.


Imaginação Olho o abismo entre nós, e cria-se uma parede Interrupta. Vejo o que és dentro de mim, e observo seus linces lindos tão brilhosos quanto minha visão cristalina de tua pura imagem apolínea. Faça o que quiseres, seja dentro das quatro Estações, mas não negue o que foi e o que é dito.


Pergunta para a resposta de ontem Com um desgosto lascivo de sentimentos que anuncia um mundo angustiado uma vontade eólica e epicena abala o funesto sinal noturno do Estado desenvolvido e transfigurado pelo passado de ilusões que permeiam os discursos presentes a gritar a realidade doente de indigentes caídos pelas ruas. O suspiro de esperança era de um retirante e a sua resposta é a mesmice de ontem?


Confidência Íntima

Mas como dói. Para e vem novamente. noite de pura nostalgia, de formas variadas e vivas. Todas as imagens guardadas na poeira da gaveta. cheiro de naftalina, memória de naftalina. Traças em forma de acontecimentos faz das rosas choro de movimentos e do choque inalterável da eternidade o pudor dos tempos. Cadê o rádio? Cadê os meninos e a meninas correndo na rua quatro? Não há mais brincadeiras de crianças, nem a inocência de esconde-esconde, de pega-pega, de rouba-bandeira, mas a violência da casta inocência, do dia da febre humana em corpos ardentes. Será que podemos beber nossa cerveja sem que os olhos se afastem muito das mãos que procuram a história, a paisagem, o tempo futuro?


Confissão Nestes quatro cantos desta pequena sala, o teto a pesar e sobressaltado e baixo sobre minha cabeça presumida, encaixo um olhar, um desejo entrópico que enjaula. Não posso dizer: você é imperceptível! Se meus olhos, fixos estão sempre em teu ser buscando as luzes não monótonas dum sofrer, que só olhando dentro de mim, será dizível! Busco dentro – lá dentro de meu interior a verdade outonal, magoada a te dizer o quanto minha alma sente em tentar refazer o único segundo num futuro ulterior. Eu não sei se o que sinto – Será que é cegueira? Mas sinto toda sensação que outros não sentem. Não partilho dos românticos que te ofendem, mas, choro dum diz que me diz se não me queira. Sinto o outono mais velho que o inverno presente, o teu sorriso me penetra e me estremeço. Teu olhar rutila-me, sem que saibas começo, e talvez, sentir um novo princípio ardente.


Olhando do Futuro Pelo órgão oco e musculoso, vejo a noite baixa, entre um andar e outro vejo as árvores dando casa aos mendigos ditosos, e crianças a brincar com migalhas de solidão em uma casa enorme onde os pássaros tornam-se donos de sua morte. Grita uma folha pedregosa às margens de asfalto quente. Um sorriso vermelho caído sobre o sopro velho da fé, dá a nova luz a entrada a pequenas palavras. Um fervilhão onde o silêncio causa um novo hálito de época, em que um se lamenta e outro sofre. Enquanto ano a ano a cabeça baixa continua sempre mais baixa.


Um grito em praça pública

Onde a quimera grita? Faz nascer à luz negra, seja em dia ou noite branca, ou em uma praça ao meio-dia, um boom despedaça a esperança. Pedaços de vida fazem cair uma lágrima de desespero. Um pedaço de grito faz renasce o grau zero do conflito negro. A paz e a ideologia estão sós? Uma criança, uma senhora. Um homem santo caiu. Carros, ônibus parados, são perigosas fontes de alegria sob pedaços de destroços aos lixeiros. Há uma voz cinza, rouca. Procurem uma perna que nasce entre um braço vermelho roxo. Atenção! Atenção! Atenção! Luzes e buzinas e um último suspiro


A Noite Desperta o Perfume Há um fragmento da noite onde corolas e lírios respiram um doce perfume juvenil. Entretanto, nesta noite crepitante, alarga-se meu nascente mundo sob seus açucenados olhos castanhos, Os quais parecem conhecer coisas tão ternas e sombrias, de formas, entre os mistérios do céu e da terra. Mas, as flores abrem seus braços a te saudar, com o perfume da noite em sorriso, lá, bem longe. No espaço comovido, gritam teu nome, no silêncio, entre mil estrelas, vela teu sorriso ao ar das magnólias.


Poema de Natal esperando Ano Novo Por que existimos? Existimos para viajar em nosso próprio quarto. Ah! Para isso existimos. Existimos para vagar na noite quando ela nos chama para darmos uma volta. Existimos para chorar e fazer chorar, para nascer crescer morrer, para cantar alegrar e entristecer, toda nossa vida será assim, de altos e muitos baixos. Existimos para dar vida, depois enterrá-la. Por isso criamos várias ferramentas! Existimos para lembrar cada momento feliz de nossas vidas, e a cada noite que chegar, esquecer. Existimos para dizer que amamos as pessoas, para orar por elas, para acreditar nelas, pois, por isso existimos. Existimos também para acreditar em Deus? Para acreditar no Diabo? Existimos para acreditar que cada dia só é vivido em cada dia vivido. O ontem é uma esperança que não volta, o amanhã não gosta de ver ninguém feliz, por isso estamos sempre existindo, com ou sem nome! Existimos porque esta hora não esquecerá que temos um coração no qual se deixa bater, e bate muito forte porque existimos. Existimos para ter certeza que a morte realmente existe! Existimos para contemplar a esperança perdida, para viver de poesias, para gritar baixo, para amar e ser amado, para ver a noite que dorme e o dia que nasce


livre leve e solto. Para isso fomos criados? Existimos para ter certeza que a vida não é só existir, que o amor vem depois do sofrimento. E que temos braços longos para dar um abraço tão forte que as pessoas das quais amamos, nunca mais, pudessem sentir um minuto de frio, de medo ou de doença! Todos sabem que existimos para dar e receber carinho, para lembrar e, às vezes, ser lembrado... Existimos para aceitar Deus pelo menos uma única vez em nossas vidas, porque hoje é Natal E amanhã é um Ano Novo, e o Nosso Senhor Jesus Cristos morreu na cruz para nos salvar! Existimos para perdoar, e às vezes ser perdoado! Existimos para acreditar que o ontem já passou, o hoje é breve e o amanhã não existe. O existir é o “agora”, e o agora é mais breve que o hoje, leve, simples, delicadamente hoje! Existimos porque a noite vem depressa, como uma criança brincalhona procurando seu brinquedo novo. Apenas esperaremos e que venha a morte, jovem, grave, simples, e dela nascemos e renascemos para o existir!


A noite que acaba de nascer Hoje a Noite me dissolve. Que noite, meu Deus! Crispada, ela, a Noite vaga entre incompreensões e medo. Homens fogem de seu próprio destino. Carrasco o fado soturno exala um aroma fúnebre entre a brisa lenta do amanhã. Todos acusam-na de má sorte? As árvores deitadas gritam furtivamente à Noite sufocante. Suas roupas, seus costumes, são enojados e falsos. Seu trabalho ardente dissolve à noite em sonhos mortuários, sempre retorna ao negro sorriso do perfume de penumbra e sussurros da velha estirpe, ó Schubert, toca uma canção cristalina: Die Forelle!12 A razão e esperança: não há. Entretanto dividem, expulsam, talvez, as trevas oníricas, mas todos os dias elas veem a humilhante Noite que caí silenciosa e sufocante. O suicídio entre remédios de mundos devoradores, o céu de armadilhas escurecidas, o sonho acabado entre agonias silvestres, o dia entre a noite sem janelas abertas esperando a brisa doce da esperança. Já que o indizível desliza pelas ruas tímidas em tom marrom, e o brilho frio e ressoante da noite purpúrea, envolve, talvez, aquela luz sem experiência de uma irmã ressoando uma canção lunar amedrontada, levando uma face de vinhos caída na sarjeta, um grito de perfume das papaveráceas, avisando a chegada de um tempo passado, um novembro dourado, anoitecerá um azul de frescor que envolverá têmpora pálida, e uma nova aurora ressurgirá de uma vida que acabara de nascer. 12

Composição de Franz Schubert – Die Forelle - A truta


As curvas da rosa Uma das coisas mais belas da vida e tão bruta e sensível. Cada pétala uma curva silenciosa, áspera e forte; sempre frágil aos toques grosseiros, entretanto, a essência de todo puro sentimento que há em um único olhar. Viver e sentir; tocar e olhar; aspirar delicadamente sua essência em segundos e confessar seus mais secretos desejos. Porém, sempre firme em seu resistir aos tempos inóspitos da deliberada existência. Sugá-la. Toda a essência da rosa; beijá-la. Como nunca um a beijou; abraçá-la. Para nunca deixá-la sentir um momento de frio, medo ou doença. Este é o sentido de amar entre as substâncias do amor. Amar deliberadamente toda a essência do Amar e dela sugá-la e amar, amá-la, Amor!


O poeta do futuro O Poeta do Futuro não cantará as belas coisas da vida. Não cantará a musa, o sonho, a fantasia. Não cantará para gerações futuras, o sensual e o belo: o uno diferente em si mesmo. Não cantará poemas consoladores, de diversas métricas e rimas, ricas ou pobres, emboladas, emparelhadas ou cruzadas. O Poeta Futuro não cantará seu país, seus filhos, amigos e míticos. O Poeta Futuro não cantará a rosa, o povo, a metamorfose da noite triste de pedra de um azul celeste. O Poeta Futuro não cantará o sorriso da criança, o sonho da mulher, a força dos homens e sua avareza. Não cantará a evolução tecnológica, a descoberta das gêneses, a descoberta de outros planetas, do desconhecido ou do operário asfixiado pelo autoritarismo totalitário, muito menos pelos messias que virão e que estão entre nós. O poeta futuro cantará o nada que estamos nos tornando, pois, para que poetas em época tão mesquinha?


Versinhos 1 Eu sofro, sofro, sempre sofrerei convicto, de lutar nesta vida e amar o quanto for infinito. 2 Perdi meu amor! Sonho que tanto sonhava, não aquele que amo, e sim, quem me amava. 3 De certo o dia estava lindo, um sol flamejante rindo. Parecia penetrar n’alma, trazendo ao mundo muita calma. 4 Quando vejo você passar choro, grito, tudo indiferente. O meu amor é sincero para amar, mas o teu coração não sente. 5 Trago comigo todo tipo de defeito, de vários tons e pura mágoa. Espero que um dia o meu peito alegre-se com a menina estrela d’água.


Dois de Novembro

Hoje é dois de novembro, uma data que há muito lembro. Meu pai morreu três vezes. – Por favor leve três rosas e coloque no tumulo de meu pai. A primeira foi aos sete anos quando minha mãe não colocava mais quatro pratos na mesa. A segunda foi aos quatorze anos quando dei meu primeiro beijo. A terceira foi aos vinte anos quando passei no vestibular e conheci Carta ao Pai. Descobri nesta mesma época que meus atos me cegariam pelo resto de minha vida. Com a taciturnidade que me cabia, é o que resta por toda uma vida.


Saudações, camaradas! Já tivemos o tempo de festas e confraternizações. Já tivemos o tempo dos sorrisos, das piadas. Já tivemos o tempo dos abraços em nossos entes queridos (e também nem tão queridos). Já tivemos o tempo de completo silêncio, outro de gritos estúpidos. Já tivemos o tempo das palavras: a palavra sono a palavra melancolia a palavra ódio a palavra tédio a palavra ontem. Já tivemos o tempo da cidade, das pessoas, dos problemas e dos erros (o tempo dos problemas e dos erros sempre teremos). Já tivemos o tempo das cartas escritas e infantis. Já tivemos o tempo do medo e da justiça fantasiada. Agora, camarada, é tempo de partidos partidos. É tempo de pessoas partidas. O próprio tempo está partido. É tempo de ideias partidas, é tempo de símbolos que se multiplicam na espreita de cada esquina. Todos na escuridão dos desejos, do outro, no outro. Não deixaremos que seja o tempo das muletas, de velhas políticas que nos paralisa, da água suja, da criança pedindo pão, do carteiro sem sapatos, do corpo esquecido sobre o amontoado de papeis, do homem sentado no meio fio olhando o classificado de emprego. É o tempo da palavra em praça pública, do aviso na esquina, da praça, do mercado. É tempo da multidão uníssono: do homem, da mulher, da criança, do velho e da velha, todos de palavras e palavras, constelação de palavras rasgando o crepúsculo para o surgimento de uma nova aurora: dos homens livres e iguais.


Poema presente Tempos de togas, tempo de serpentes nos estômagos, tempo de gentes, comuns, desenraizadas, um espinho, a luz minguante: o tempo é mal, tem cheiro de mofo, ansiamos por um futuro e não cremos no presente. É tempo de não ouvir, de não falar, é tempo de dizer que não é, mas é? O rei nu não abre mais os portões do palácio, abre o coração de exceção, no copo água barrenta e na mesa pão amanhecido, porque há nos corações uma terrível tristeza e um terrorismo das palavras. A capital do país implode, Inês perdeu seus filhos, não a coroa, já que as decepções se colecionam todas as manhãs. O medo é a ordem, as palavras são duras, entende-se apenas o automóvel. Temos medo, medo do escuro que nasce logo ali na próxima esquina. As ruas se iludem paralíticas, somos apenas homens refugiados nas horas. Somos Helenos e Helenas a procura de amor e sonhos, e tudo nos envolve, reino, cidade e mundo diminutos, pois somos feitos da matéria que compõem as leis, mas as leis não bastam. Não bastam. Calar-se não é imperativo categórico. Cadê a voz, a palavra, o grito? A nostalgia é tumulo divorciado, e nos conduz as celas da retórica e histórias de museus. Paremos? Não. Continuemos! Algumas histórias ainda saem nos jornais, elas não se perderam, mesmo silenciosas goteja um sussurro bergmaniano: ainda é tempo de coragem, pois nos tornamos objetos do medo.


O momento do poeta Estou quieto, parado, e não cantarei o extraordinário. As palavras escapam silenciosas pelas frestas do olhar melancólico, e mesmo o correr das horas não deixa mais vestígios de saudade, nem de cor, nem de paz, nem de lágrimas. Tudo está estático. A luz, rigorosamente explosiva e silenciosa, através do espelho, mostra o sangue de meu passado que goteja no silêncio sozinho, estou. Preciso aceitar meu anúncio, minha xícara de chá verde, minha escuridão alegre, porque as nuvens correm baixas no escuro de meu caminhar, só... Preciso conhecer um novo amigo, um novo amor, eu preciso conhecer... Entretanto, meus velhos amigos ainda me esperam, todos na curva gritando: para poeta um momento! Há um momento de puro silêncio, onde as coisas mudam, estáticas, e vivem dentro de nós, caladas, mas os sentimentos são diversos de fulgores e sempre se modificam com o tempo. A sutileza de seus movimentos são parados no segundo de melancolia, são falidos no reencontrar de nossas horas, e estamos sempre na busca constante de algo esquecido do mundo. No escuro do dia, na voz calada, uma flor respira, atônita, o poeta espia seu momento de festa, entre as margens do tempo dissipam-se, os sonhos, ubíquos. Mas os sonhos de vigília nos penetra sutilmente e nos faz, em momento pétreo,


o que a sombra da รกrvore nos ensina, pasma e fria e mรณvel, que tudo sempre anoitece.


Pequeno desejo A loucura é mais lúcida quando temos plena certeza de quem somos quando não esquecemos das sombras que nos perseguem. A imaculada voz quebra muros venenosos sobre as pestes que adejam a noite e o dia. Somos Contemporâneos do Passado, preferimos fuzis e botas dos imprevistos viajantes que murmuram uma época distante, ao invés do corpo polido de uma mulher, ao invés do sorriso amarelo da criança olhando a mãe amamentando o seu desejo, aos pássaros banhando-se em um rio de desejo delirante e inocente, ao compasso dos corpos unidos pelas genitais insaciadas de amor e ódio. Gritem o novo e o óbvio, o carrasco e o faminto. Gritem aos anjos que voltem aos vales em lugar de tristeza à luz crua do sol estático e frio. Gritem a Ele que volte, com uma nova flor verde, mas que não seja tão ingênuo a fantasmas das três horas intensas.


Minhas mãos deslizam em tua planície Minhas mãos deslizam em tua planície, o tilintar de sons que ressurgem em teus olhos, palpitam em tuas duas gêmeas montanhas, cobertas de corolas, mananciais que preservam o amor. Em teu vale, propriedades profundas, faz ressurgir, o florescer das campinas, em um frescor ardente, indecifrável, terra viva e viril, de costumes e olhares escondidos nos sonhos dos homens. Perdido, devorado pela sombra singeleza, o aroma exalador de tuas torres de jasmim, humilham os homens, ajoelhados sob teu império. Por isso, Amor, o patrimônio sagrado entre as tempestades, chamam a louca purpúrea face de tua perfeita natureza, império diminuto.


Canção de esperança do exílio para o povo de lá ...eu canto um canto cá, ao longe vejo um sabiá em cima de uma palmeira gorjeando um protesto lá. onde tudo cintila um tráfego profundo, contemplação fantástica de um dia o amor pela vida voltar. ainda uma esperança lá, e o povo daqui canta onde tudo é belo, canta na palmeira, o sabiá. só uma noite sem ouro negro, todos seriam felizes do lado de lá. o céu brilhara uma canção, canta na palmeira, o sabiá. ao longe, onde um sonho em que tudo ficará belo, e crianças brincaram sem medo, o amor um pelo outro lá e cá, um mundo mais feliz cá e lá, onde canta na palmeira, o sabiá...


Momento escuro “Pensa na escuridão e no grande frio Que reinam neste vale, onde soam lamentos.” Brecht, Ópera dos três vinténs.

A existência nasce do escuro enquanto um único telefonema não foi dado entre as últimas cores que se tornam pó. O silêncio é mais afiado quando o dia dorme na profusão de coisas acontecidas e de momentos adormecidos enquanto algo indescritível toca o compacto mínimo para continuar... Estende-se o momento... As janelas se fecham em alguma gaveta empoeirada. As crianças param de brincar, certas histórias se perdem em outras histórias que se apagam. Ou não? O beijo, o abraço, o olhar que antes eram sinceros perdem-se numa rua esquerda, e na direita continuamos, só. A televisão ligada, um copo no chão, um último pedaço de pizza fria, um cigarro acesso no cinzeiro, um Kant, um Kafka. um Nietzsche, alguns poetas. quem sabe, e nenhum resolve. O escuro renasce colorido e embriagado, resgata sua memória, e rasga o tempo em seus ventres, querendo o mínimo de ontem. Há soluções? O que adianta uma casa cheia. se não há uma palavra. O que adianta uma mesa posta. se não há convidados.


O que adianta mil mulheres. se não há amor. O que adianta um mar. Se não há ninguém para banhar-se. O que adianta uma lâmpada acesa. se não há quem a apague. O que adianta a grande luz. se estamos todos cegos. Mas chuparemos do escuro a sua bílis que se recompõe, e pensaremos tantas vezes que o bule não serve sem café, se já o que vemos é a vontade de ver ou a vontade extinta de ver. Mesmo na depuração das coisas, a multiplicação das palavras explica o desejo rouco do mundo, do exílio, do amor.? A fuga do escuro, isso nós procuramos?


Madrugada aberta Dorme acordada em teu leito, ainda a face arquitetônica de teu ser, uma imagem perdida maquinalmente se desenvolve nesta noite imóvel. Passo perto de ti, vejo um ar turbulento rondar teu corpo umidecidamente artificial entre uma construção de desejos súbitos, amaldiçoam a comida pão e a bebida vinho. Rasgo o teu caderno azul desfalecente, fecho tua estátua subterrânea de um odor de melancolia crisálida, de um buliçoso vento pesaroso que me bate na têmpora sobre um céu seco e duro de fome.


O poeta Um olhar diáfano e uma voz pálida movem sempre um homem. Um sonho comum, um sol inerte com um ar envolvente de puro sonho leve e quente. Uma conversa tranquila, cada passo, cada olhar, denuncia uma nova época, um novo [desenho da cidade ganhando pulmões de maternidade. Todas as tardes são divididas entre edifícios de concretos e vidros, e edifícios de madeira e [papel. Sempre crescendo firmemente entre dois lados, duas claridades, entre forças simples, tal [como o jornal da manhã que poucos leem. Em frente à folha em branco, a mão e o lápis dão o princípio do mundo, novas formas, [novas imagens, novos horizontes, novas roupagens. Uma linha apenas cria um universo de flores, germinadas sobre a mesa solitária. Os monstros e fantasmas, vão tomando formas de qualquer mundo. círculos, apenas, [iluminando as extintas, naturezas mortas. O sangue caído na folha branca, faz da emoção um trabalho de reconstrução, onde tudo é [possível e real, onde a única coisa que resta é o papel e o lápis sobre a mesa para as [respostas que só o espetáculo da vida pode responder. Enquanto minhas palavras breves, pobres palavras que não dizem nada, tentam fazer o [trabalho livre com papel, lápis, e apenas um bico de luz vinda da janela escura, o [caminho para desordem da alma que dia-a-dia vai atrofiando em dias leprosos.


Entre Linhas Entre idas e vindas viajo no metrô lotado, mulheres homens crianças todos enjaulados no calor do dia no suplício da noite cansada. Adeus! Adeus meus grandes compatriotas, o relógio não quer cessar sua parada, mas não à vida. A vida que temos e que nos resta, não o mundo que nos foi vomitado, sem que em momento algum nos deixassem opinar. O terror, a humilhação, o trovão do futuro e da ilusão, a tortura velada dos grandes corpos sobre os corpos pequenos nos faz retirar algo de tudo, e de tudo construímos nosso futuro e nossa existência. Sobre um poema, adeus. Sob um poema, meus amigos, meus companheiros, adeus. Adeus Rimbaud, Drummond, adeus Trakl, Celam , Cabral, Murilo, meu irmão das noites frias, adeus com suas metáforas, as quais de todo simplismo as guardo no mais puro de meu ser. Adeus todos, que o futuro é uma nuvem cavalgando em terras célticas. Que o novo se ergue das cinzas do velho, pois somos todos irmãos e destruímos para construir onde o mar cabe em um copo, e o sol se vê na noite das épocas, e todos nós ficaremos apenas no fio da memória, unidos, do hoje, do ontem, do amanhã.


Sonho Uma imagem sobrevoa fortíssima minha face azulada todas as manhãs. Uma ideia de uma mulher com formas densas como a noite e suas paisagens tão violentas que me torna miserável. Com temor, com horror, com febre, e às vezes o que é sonho e mais real que o real diário da inanição visual. Por isso escolho beber nas sombras para poder olhar profundamente o ser. Essa sensação que nunca se esquece, como se sentindo convencido de que há algo quando a lógica diz que não há, é a verdadeira lucidez da insensatez, a imagem da loucura que nos torna fortes.


A janela do olhar Olha para mim e observe lentamente meus movimentos. Todos estão fascinados pela tua aparente suavidade. O mínimo necessário dos corpos se juntam na invisibilidade do ser de formas variadas e continuas onde os sinos tocam silenciosamente o místico e sensual acorde dos tempos da invulnerável realidade. As flores desenham um novo letreiro onde a mensagem é a perspectiva despojada do desejo enigmático e decisivo que consiste numa nova forma em plenitude que nenhum homem escapa dos tentáculos da paixão e da visão fotográfica do ser que se forma em sua fôrma.


Ausência de desejo Vejo a mim mesmo, um espelho de rios em transes de arrependimentos. Como homem que se achou em contentamentos, mas o tempo gastava em puro trabalho. O bom e o mal em palavras ao vento. Sim, hoje se encontra oferecida à angústia, e prazeres forjados em nuvens de absinto. Papoula da índia, lindas flores delirantes, exalam um jardim de trêmulos pensamentos. Tudo que penso, são gostos passados, e toda tristeza que tomei da fonte vivida, está em meu rosto banhados de sonhos imaginados de findas flautas navegantes. Dali para cá, em mudanças e danos, vi o meu melhor despojo de quão o mal depressa e desejoso vem, mas as mudanças fazem do tempo anos, e dos anos, esperanças de enganos. Não é o gosto de mim e de magoas, mas o presente se faz ausente, em olhares da mocidade, pobre sangue inocente. Derramado no imaginário de águas, e banhando o passado tão presente. Doce sonho que não tive o tanto celebrado, canta hoje os caminhos tenebrosos, nada mais é a obra da idade e do passado. Caminha caminhante em dias trabalhosos, o mal presente se torna bem ausente quando buscará o amor na paixão contente. Se o crepúsculo da noite, em dias floridos, caça a presa em lamentos escuros, emudece o canto da irmã solene, e o noturno sol irrompe o azul súbito da flor branda e cega. Grita a garganta destroçada, pelo lúgubre gemido escuro da noite pedregosa de átrio rancor. Ó silêncio, frescor do eu silencioso! Por que imaginar o ausente,


o passado se torna cada vez mais presente?


Segredo de segunda-feira Que miserável que somos. Que vontade de chorar, chorar e chorar. Quem sabe? Vamos sofrer juntos, vamos beber qualquer coisa, uísque, vinho ou um suco de laranja? Vamos dizer que a vida é bonita, vamos criar alguma coisa, poemas, canções, estórias de verdade. Vamos andar pela casa pelados e deslizar pelas paredes como dois amantes inesquecíveis. Que vontade de chorar! Sempre esta angústia nos visita, e fica aqui por muito tempo. É um sorriso vazio, quase tudo o que não sei de um suspiro que nasce do equívoco do tempo. Não, nasce da paixão. Parece que enche todos os espaços. Porém, de nada adianta! Erguemos nossas mãos e olhos, cabeça e corpo a um céu de papoulas, um céu que não é mais céu, um céu que não é mais nosso. Há um deus tão longínquo, só nos resta sorrir gravemente para uma noite finda de ventos de outono, ó noite espiritual! Para um adeus tão longínquo, vamos dizer qualquer besteira para reanimar está floresta escura, que sempre ressoa lamentos de melros. Quantas matérias existem para criarmos a alegria? Alegria de vivermos com tripas de sentimentos inatos e cheios de poesias. Tudo é possível, um lago noturno. Não diga nada, tempestade de vozes. Suponha que o tempo varresse os homens que andam como se andassem sem perdão.


Silêncio de lágrimas de trovões, a vida não seria vida, sem o choro estridente e o ébrio lúgubre, de noites destroçadas, de espíritos pétreo e pedregoso. Que vontade de chorar. Que vontade de chorar, quando vejo aquela foto que dorme num canto manso, a ver está lua que zomba de tudo e de todos. Grande alma! Eu acho que não somos daqui. Sim, somos e queremos! Somos um joguete de meninos, de brancas vozes, gritado um gemido tempestuoso, um grito de róseas lágrimas. Tudo nos dá vontade de chorar? Que vontade de chorar! Fogo das gargantas azuis, que estremece o deus irado, no primeiro momento errante. Grita, grita, grita bem alto! Esta tempestade incandescente é melancólica de velhos lamentos, a qual se esconde nas sombras das árvores, e nos seus abraços acordados e magnéticos, Gritemos a todos, a inquietude dos povos germinados e cegos e ressoantes. Gritemos que vale a pena!


Aceitação Ao Poeta e Amigo Flávio Mello

Há o que nunca para de correr. O Tempo cá dentro lavra a palavra. Ame o desconhecido e deixe confuso o coração. Cria, cria, cria teu ato poesia. Guarda o teu segredo nas palavras lavradas. Você não está preso em reflexões de teias de aranhas. Os homens continuam se matando em dias de puro sol, discutindo harmonia lírica. Não venda sua gota de dignidade, seu instante de palavra, não venda o jejum de aceitação, seu dia sofrido, não venda sua incoerência integra. Não venda a lavra de suor de penas noturnas. A poesia está presa. Está presa em tua vida, e tua vida inunda – toda poesia futura. Não seja um poeta caduco, nem cantes um mundo futuro, aceita o poema em sua simples delinquência. Em sua simples e total complexidade. Surdamente aceite-o, como aceitas as injustiças justas. Penetre onde a frescura está intacta, estática. Mas tenha paciência com o silêncio de teus poemas. Não os force. Não os quebre. Não os colha. No espaço infinito encontrará tua forma definitiva, o poder da palavra desprendendo-se. Esperando serem escritos.


Um momento qualquer Sobre um céu estrelado quero alguém que me faça chorar. Alguém que possa cantar quase sussurrando uma canção, e que tenha mãos de veludo para acariciar minha cabeça, e quando eu estiver quase adormecendo e tendo um sonho sereno, daqueles que nos deixam com um contentamento fabuloso, está voz gritasse: quais são as coisas para te prender, quais são as cores do amor.


Um pequeno pedido A Thais Moura Marinho

Eu te peço que tenha calma ao se levantar pela manhã. Que não se exaspere ao olhar ao lado e eu não estiver. Que o seu primeiro abrir de olhos veja apenas um sonho convicto de lembranças e [vontades vermelhas acalentadas. Deixe que o teu sorriso leve um novo canto ao seu coração, e esse canto leve às noites que sempre passou esperando a doçura de um novo poente extático, transbordando de [contentamentos onipotentes, a esperança. Porque pela indulgência que trago dentro de mim, passo a passo vou atentamente [criando um quadro de misteriosas palavras de sossego em suas carícias. E brevemente deixe cair lágrimas, não de tristeza, porém, de alegria e de beleza pela [unção de dois corpos que se amam quietamente em um azul-róseo celeste!


Sonhos em domicílio É cedo para olhar a flor que nasce em forma de sonho. Em certa hora, tentei cruzar o outro lado risonho de meus olhares neutros. Nem conhecia, ainda que bem alto o hermético dia, no qual acabara de dormir. Querem que eu cante o disfarce solene de minha alma, contudo, não contarei. Nem signos do vigário, nem signos de amor. Tudo é fogo, círculos de luzes e sacrifícios, os quais me perseguem em céu aberto. Tudo, tudo é fogo latejante, dias em esquecimento. Mas tenho saudades. Não sei se de mim ou de tudo que não fui. Estou a esmo, só! Ausente entre o eu e o mim. Tenho pena de mim mesmo, tenho sentimentos e meus sentimentos, não os tenho. Tenho medo do sonho que sonhei, em que estava sonhando acordo totalmente regado em [uma planície, onde aquele poeta pastor pianista, tocava piano para as sombras da vida. Entretanto, nunca toquei na vida, não sei como olhar para dentro dela. Soube apenas sonhar. Sempre fiz de meus sonhos um sonho, onde se esconde um outro ser [triste, de face castigada pelo tempo. Em minhas viagens incorruptíveis, encontrei minha face refletida na minha própria face, [rústica face. Olhando dentro, bem dentro, em meu lado esquerdo do peito, tinha uma flor, antes de [aparecida. Porém ela me convidava para mais um minuto só. Perguntei: Amor para amar, ou amor para matar? Não! Amar e amar para depois perder. E aquela flor, ali parada, solitária, com sua cor vermelho-ouro fez-me cúmplice de seu [existir, e ajoelhado, percebi o completo silêncio das coisas e daquela flor, nasce o primeiro suspiro de vida.


Janela íntima Escapo entre o não-ser e o vir-a-ser em um Estado que cresce derretido. O mundo público está conversa com suas mazelas, sem redenção da germinação da semente que está por vir entre tristes magnólias. O pessoal se tornou impessoal. O comum se tornou singular aos olhos da piada da Criação, debruçada sobre o mapa azul do tempo não será vitoriosa, mas derrotada pelo grande enigma. Gritos dissonantes da terra criarão uma altíssima comunhão entre o céu e a terra, e a liberdade que ainda é uma criança órfã e faminta pelo mito asfixiado do anjo caído, pergunta: quem matou a velhinha de Taubaté?


Luzes autógenas – busca e medo A noite que abraça os corpos espavoridos, numa esquina entre outra, o céu prostrado às escuras. Mas, piscando, rutilam-me as luzes noturnas imagem majestosa, castos esquecidos! Carros gritam na rua Augusta tão estarrecidos... Mulheres às portas duma noite sorrindo. O trabalho que acaba aos poucos vos ferindo a pouca dignidade de dias sofridos. Caminham homens, mulheres, todos sorrindo, nostalgia mecanizada, emparelhada, buscando qualquer alegria tão eclipsada, num momento púrpuro, olhares vão surgindo! Pastilhas de êxtase entre beijos de agitação, em casas invadidas por tribos cativas, bebendo e sempre agitando difusões vivas, mergulhadas em buscas irreais de afeição. Olhos em contato com corpos trabalhados artificialmente entre um canto sincero, despejam o trato em um segundo severo apenas a se manterem dissimulados. As casas estão cheias e as ruas paradas de uma cor cintilar, salubres tão postiços! Alguns bradam baixos em ruas de cortiços, a ajoelhar aos pés de crenças tão quebradas. Clima bem temperado e todos delicados, uns altos outros baixos e mais reluzentes, entre corpos e pensamentos bem presentes, bocas e corpos múltiplos entrelaçados. Que clima, que fervor licencioso e quente! Parecem tão íntimos em sua conjuntura; duma cumplicidade escarlate e madura, todos a forjar uns contra outros rubramente. Longas expectativas e longas procuras... Vejo o ar branco cair cinza me entorpecendo, a solitária luz da saída dizendo sobre a vossa palidez de noites escuras. Pingos de lagrimas metamorfoseados em meio a carros que se abrem a estremecida rua símbolo da burguesia perdida,


há de encontrar seus lugares desapontados. É lindo ver arranha-céus, emaranhados, em vez de luxuosos casarões ingleses? Nas propostas: cultura pura de franceses, o marfim dos rostos, tristes e emparedados. O azul do medo e minha rubra solidão, me faz lembrar do calor e duma amargura: sobre meus olhos de segredos, a procura misteriosa nas ruas dum novo coração.


A noite acorda para o dia – fim e começo Corpanzis cansados da vida putrescível, andam de volta de sua caminhada noturna a margem de uma irreal verdade soturna, buscando na noite o que no dia é impossível. Ventura amarga, sossego cego. Nas ruas os pingos do raiar baixam no chão, onde passos contíguos se entrelaçam ágeis. Uns voltando outros indo entre olhares frágeis, de uma cor branca, embotados a coletiva solidão. Buscando na catástrofe do dia a vida necessária? A volta cheia! Fundo oxigênio! Uma flor diurna denuncia a roupa de minha classe aglomerada, entre um cinza de uma manhã caída, impregnada, grita mercadorias entre uma melancolia taciturna. Uma beleza não vista em sigilo retomada entre um grito! Os carros da noite sonolentos e cansados, os olhos sujos da noite que dorme entre escombros, as pernas carregadas pelas correntezas de ombros fatigados pela máquina de alucinações de corpos frustrados. Fundem-se, espreitam-se, rejeitam-se... Ontem Tamanduateí! Hoje em nome do progresso pisa-se em vinte e cinco mil pessoas que cintila uma nova era de pura justificação tranquila. Reclamando tanto recesso? Enquanto o mínimo consola a esmola? Como o Preto, o Branco e o Amarelo se misturam? O orgulho das cores em uma, é brasileira? Todas as habitações, identificam-se a estrangeira, cujo surgimento das palavras transformam-se no que falam. Um vermelho nasce lento ao vento sobre um espelho. Sobrevivemos em árvores de cimentos, outros em cascas de raízes precárias, mas a força e a alegria são necessárias se quisermos roupões e assentos. Treze rosas viram o nariz para o infeliz... É perigoso tomar parte de muitos num véu popular, se o sol acaba de nascer para poucos, e o nascer é mais complexo que alguns trocos que se dão no farol para poder um dia se pronunciar. Mas a verdade é contraria a cidade? A noite perdeu espaço ao dia posterior... A cidade alarida, Capital solidão! Pura garoa, canta uma canção aos olhares, hoje e sempre ulterior? Um simples começo, sempre adormeço... A face enrugada ilude o que não se percebe. Quem viveu no passado hoje anda esmagado, neste leito de ausência que estremece. Filhos despertam do longo sono: onde, onde! Sobre uma visão, enorme cegueira irregular, volto lúcido de tudo que não aconteceu, e de tudo que presenciei me enfureceu! Por que todas as ruas e vias querem falar? Uma sonolência de flor em flor nasce através duma grande máquina... Em casa durmo acordado, para não perder a hora do caminhante caminho que me leva sempre sozinho, em dias ainda noturnos e calados! Ida ao batente ardente de chão a pão!


A tarde aberta – happy hour Tocam-se altos gritos mortificantes, novo aviso da partida. Raios tendentes: saída dos obreiros, reflexos descontentes! A tarde aberta, entra ruas e noite, juntos pretos e cansados, corpos tristes, enfezados, às sardinhas delatarem o açoite. O espaço baixo já começa a alunar... Os sonhos desiludidos, apertam-se olhos sofridos, cansaço, toda cidade a alumiar... As imagens lá fora, uma pintura que me causa sobressaltos, deixando todos cá, fartos, uma pintura: fartura e sepultura! Triste cidade parada e corrente, nessas horas cintilares, da escuridão – dos malogres –, baixa-me uma tal paixão não contente. Nas lotações a febre de oxigênio, com tal nitidez às vidas, vozes de tão aborrecidas, intrépidas, pensa um cidadão senil. Homens a berrar de bar em bar, vagam despedindo-se do dia. Uma água branquinha que incendeia... E corpos a risos que se humanizam. Vejo nos balcões cervejas e copos, uma dose! – maria-mole, uma Boa Ideia que console esses corações de ímpetos os corpos! O céu que esmaga só minha visão! Num ar sério e pensativo, abafado tal altivo grito, melancólica solidão! Bendito seja Deus, porque há deu chorar num jogo vil e tão ardente, se minha alma agudamente


sofre fixa crucificada a gritar. Que grandes fieis tão catolicistas, sepultam a chorar crenças consumistas em crianças, agravando ideias capitalistas. Cheia a noite, bem alta e sufocante, abrem-se as portas para entrar: os corpos a lasciviar uma tênia procura de amor tocante.


Um dia qualquer – todos os dias A Cidade Garoa acorda alarida, a neblina entrecruzada nas ruas num buliçoso trajeto às escuras, faz do desejo trepido a partida... Um cheiro visível! Vejo os ônibus, metrô, estancados entre a vastidão de funcionários, um olhar em comum dos operários, desperta angustia nos famigerados... Uma Percepção vil! Grita uma São Paulo tão engarrafada, o carbono, monóxido, a tal turba, apinham-se entre sorridente cuba sistemática tão sedimentada... Fingindo o varonil! A rua da Consolação parada, vejo os carros gritarem o progresso, o sol de uma tecnologia abafada, numa soturnidade de processo... Em gritos... Estéril! Observo nos grandes arranha-céus, os vastos magotes aglomerados em salas tão quentes, à engravatados, a pugnar doze horas como réus... Visão suscetível! Nas ruas vendeiros a ganhar pão, levam seus anjinhos para mendigar, velhos, e novos todos para enfadar crianças auferindo seu tostão... Grita a quem te pediu! O sol baixo queimando toda têmpora, a bandeja a ser comida em minutos, os gases misturados resolutos, peço forças e decência, Senhora... Senhora tão gentil!


Volto a laborar para ter certeza que o coração tão couraçado, feliz, pestaneja em revistas do país: o Futuro – igualdade sem tristeza... Petição bem sutil! Entre o tinir de talheres, dentistas questionam modéstia à carpinteiros, não suportando o cheiro dos obreiros nas vaidades de caducos lojistas... Índole invisível! E gritaremos ao maior poeta Modernista, hoje aqui tão lembrado! Jamais vi um poema tão recitado com uma completa beleza opulenta... Pedra formidável! Eu, ouriçado sem ter percebido tais Sentimentos artificiais, processando cheiros tão irreais, o foco, infecções – amor caído... É, sempre impalpável! Todo meu olhar desperta um sofrimento, há tal barulho, há tal melancolia, levando essa vida apática e fria, procuram na Web o divertimento... Sentir impossível!


Petição amiga À Priscila com carinho

Você tem razão, Não vale a pena viver entrópico. Sejamos, sim, livres a tudo. Vamos tomar uma caneca de chope. Vamos comer qualquer coisa. Vamos viajar em nossos próprios sonhos. Viver enquanto vivemos a vida vive. Chega de todas as palavras desumanizadas, não há mais vida em numerologias líricas, a ti uma vez apenas. O que vale apenas se a pena não for pequena. O resto que sobrou do poder de nós, está entre nós amiga. Está frio hoje. A noite sequer dá um suspiro de eternidade, a brisa não realça mais os ânimos adormecidos. Nós temos o que poucos conseguem. Temos o que muito passam a vida inteira a procurar, e que poucos a encontram. A amizade. Temos a vida inteira pela frente. E sonhos, todos juntos, a conquistar. Somos um bando de pássaros embriagados em busca da perfeita congestão da vida. O que temos é único e intransferível. O que mais você quer? Isso ao tempo de Cronos, você, nós e todos conseguiríamos. Maior que o mundo inteiro. Só nossa cumplicidade, todos nós somos cúmplices de nossos mundos imaginários. Todos têm razão, você, eu e todos nós também. Vivemos e sempre estaremos vivendo e imaginando o imaginável e o indizível da entropia moderna. Esqueceu do dia vinte e seis?


Aos amantes Nas portas do tempo sobre as quatro colunas ancestrais, os amantes sobrevivem À noite, dá-se seu último gole, enquanto os olhares que se embebedam de si, esvaziam desejos e inundam outros. Os corações e rostos do silêncio São os maiores e melhores cúmplices: levam à boca e preenchem a alma. O vazio que era pleno, hoje, transborda o momento único, o que em ti eu senti em mim.


Anseios de ontem Vestir o mar, couraçado de ontem, anula, maldosamente, os caminhos por vir, entretanto, os caminhos só são percebidos à noite e devolvidos sujos e silenciosos à praia. Os homens tentam romper as grades do tempo, observando os trópicos do espírito. Ajoelhados, calam-se por intermédio do arrependimento, esperando a união de nadir e zênite. Eles estão sob o véu do pensamento e da memória, regado por um bom tabaco cubano, tentando entender o dia e a noite, fazendo dos ventos, pássaros, das nuvens, fogo. E continuam numa tendência nula e fria da arquitetura do ar, do sol, do país da angustia nobre, sem saber quem trará momentos de prazer. Disfarçam os trajeis, as alegrias, disfarçam os discursos, a unidade do mundo, disfarçam a fumaça das sextas, a antiga harmonia, e no regato da aurora coletiva, o sopro do mundo cai no mar, couraçado de ontem. Inquietante tendência dos homens que sentam no braço do mundo. Antes de nascer o primeiro homem, plantam um pé de maça, a árvore da pura inocência, depois saem para trabalhar.


Momento sublime Sobre o caos eu me ajoelho, enquanto as crianças brincam com suas armas imaginárias. Ele com seus enigmas afasta a humanidade, aos poucos, de sua eterna realidade. Gritando ao pai caos, em torno de mim e de todos, Volto aos braços da origem. A noite é cúmplice. É tarde, e andamos sós, o nada existe, apenas, o Nada.


Humus “Adhaesit pavimento anima mea” (Divina Comédia, Purgatório, XIX – V. 73)

Levo comigo, na mão esquerda, uma pequena sacola, bem surrada, antiga. Nela contém um punhado de palavras: palavra sonho, palavra vida, palavra amor, palavra mundo. Sobre as páginas cria-se presente passado futuro. O fado de toda uma vida sob os augúrios da esperança.


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