Reciclar a cidade

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“Nos tornamos conscientes do vazio quando o preenchemos� Antonio Porchia, poeta argentino.



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Resumo

Nos anos 70, com a crise do modelo econômico fordista, muitas indústrias, localizadas nos limites dos centros urbanos, fecharam suas portas. Esse evento resultou na fragmentação de partes das cidades em função da configuração de vazios urbanos resultantes do abandono destes espaços. A partir dos anos 90, esses espaços deixaram de ser vistos como problemas, reconhecendo-se assim seu potencial a dar início a um processo de implosão e reintegração das cidades. A partir de então muitas destas antigas estruturas abandonadas tem sido reativadas por meio de sua reconversão em centros comerciais, parques urbanos, centro culturais, etc. Passeando pela periferia de Turim, cidade até os anos 80 considerada capital industrial por excelência, observam-se ainda muitos destes vazios urbanos, muitos deles localizados a poucos minutos do centro histórico. Antigas fábricas, muitas delas a anos em situação de abandono, configuram uma paisagem formada por galpões em desuso cujas estruturas refletem ainda a imagem de seu passado produtivo. Estes espaços tem se posicionado centrais a processo de transformação pelo qual tem passado a cidade nos últimos anos e atualmente representam áreas estratégicas à requalificação de franjas urbanas por meio de variante ao plano diretor em vigência. Este trabalho parte do estudo de teorias que pudessem orientar a uma interpretação mais concisa da natureza destes vazios urbanos a fim de estabelecer critérios de leituras de casos de reuso de espaços abandonados. A metodologia para levantamento desses casos compreende na elaboração de ficha de avaliação, buscando avaliar nos projetos de reuso, em função de seus precedentes, problemática , instrumentos de atuação e resultados, o quanto estes se prestam à reintegração urbana de forma coerente. Procura-se, por meio da leitura de exemplos de reuso de espaços abandonados por meio dessas fichas criar um quadro de referencias que possam direcionar demais intervenções desse gênero. Palavras-chave: Espaços abandonados, vazios urbanos, requalificação.

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Sumário

Resumo 5 Introdução 9 capítulo 1 Cidades cheias de vazios 13 capítulo 1.1 Pensando as cidades e seus vazios 17 capítulo 2 Brownfields: O lugar dos vazios 27 capítulo 2.1 Modos de planejar o reuso 30 capítulo 2.2 Reativar espaços abandonados 34 capítulo 2.3 capítulo 3 Descrevendo os vazios 39 capítulo 4 Avaliando os vazios urbanos 47 Considerações finais

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Referências bibliográficas

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Introdução

Ao caminharmos pelas periferias das cidades podemos notar com bastante facilidade a presença de vazios urbanos de diversas naturezas. Lotes baldios, prédios abandonados, fábricas em desuso, infraestruturas desativados, dentre outros registros de crises estruturais que acompanharam o espraiamento urbano. A fins do século XX, de fronte ao paradigma do desenvolvimento sustentável e à crise do modelo fordista pós-industrial1, estes vazios urbanos passaram a ser vistos como importante oportunidade à revitalização e transformação das cidades. Ocorre portanto inverter o processo de expansão urbana, reconstruindo a cidade dentro de si mesma através do reuso destes espaços cujas potencialidades têm sido estudadas por muitos autores desde a década de 80. Este trabalho visa compreender melhor a questão dos vazios urbanos e suas formas coerentes de reuso, tratando em particular dos espaços abandonados resultantes de processos de desindustrialização das cidades.A observação destes espaços, em experiência de estudos na cidade de Turim2, motivou à reflexão sobre a reativação desses lugares, de modo a reportar coerência às cidades, que assim como Turim, se apresentam desarticuladas. Estes espaços abandonados apresentam;se, portanto, como ocasiões à requalificação e revalorização do tecido urbano dos centros urbanos, por meio de um processo de implosão e reintegração de arquiteturas relevante. Dividida m três partes, esta pesquisa mira à elaboração de método claro de leitura e análise de áreas significativas e próximas ao centro da cidade, as quais restaram em estado de abandono por período considerável. De modo específico pretende-se observar em casos de reuso de espaços abandonados qualidades e equívocos que possam contribuir à proposição de diretrizes à requalificação de demais vazios urbanos que apresentem características análogas. A primeira parte procura tratar de forma mais geral a questão dos vazios urbanos rumo à sua especificação no contexto de espaços abandonados no interior da cidade consolidada. A segunda parte trata do reconhecimento destes vazios urbanos como oportunidades à requalificação das cidades, interpretando frente ao estado da arte a questão de seu reuso. A terceira e quarta partes, partindo dessas premissas iniciais, procuram “tocar” estes espaços, através de elaboração de ficha de análise de requalificação urbana, aplicando-a em casos específicos de reuso de estruturas 1 Vicente del Rio (2000) contextualiza período pós-bélico quando metrópoles no mundo inteiro, impulsionadas por crescimento econômico de matriz fordista, adotaram políticas urbanas equivocadas, renovando indiscriminadamente seu tecido urbano. Com a crise do petróleo, esgotamento do modelo econômico, a falência do Estado e emergência do mercado globalizado, essas metrópoles perseguiram o renascimento de seus centros, reutilizando áreas centrais a fim de que fossem superadas descontinuidades e limites internos ao crescimento e à expansão da economia. 2 Em Turim, cidade industrial por excelência até o final dos anos 70, observa-se hoje em sua periferia, considerável número de vazios urbanos resultantes do abandono de antigos galpões industriais, decorrente de processo de crise de seu antigo modelo de desenvolvimento econômico, no final dos anos 80.

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Figura 1 - Quatros casos de reuso de estruturas abandonadas estudados neste ensaio: a - Estação das Docas (Belém, Pará). Fonte: www.estacaodasdocas.com.br; b - Puerto Madero (Buenos Aires, Argentina). Fonte: http://blog.swoop-patagonia.co.uk c - NSDM werf (Amsterdã, Holanda). Fonte: http://mikestravelguide.com d - High Line (New York, EUA). Fonte: http://www.nycgovparks.org

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anteriormente abandonadas. A metodologia para elaboração deste trabalho consiste na identificação de referenciais bibliográficos partindo dos clássicos Roger Trancik (1986), Richard Rogers (1997), Kevin Lynch (1971), Jane Jacobs (1969) a demais bibliografias que tratem de forma mais especifica o problema desses vazios urbanos nas cidades. Estes referenciais servirão de base à elaboração de ficha de análise de casos de reuso de espaços abandonados. Alem dessas referencias, critérios utilizados para a leitura desses casos, serão observados em base a estado da arte sobre o tema, de modo que se pudesse obter um quadro com informações concisas à interpretação de exemplos de reuso e necessários à revisão da ficha durante sua concepção. Por fim esta ficha será validada através da sua aplicação em quatro estudos de caso no Brasil e no Mundo, são eles: Puerto Madero (Buenos Aires); Estação das Docas (Belém), High Line (Nova Iorque) e NSDM (Amsterdã) (fig.1). Finalmente, este ensaio, partindo das leituras realizadas e da avaliação de casos relevantes tem como objetivo geral compreender este fenômeno global de desuso e requalificação de espaços abandonados e alargar léxico referente a formas de reuso de tipologia específica de vazio urbano. Além disso, a avaliação dos estudos de caso, mais que servir à proposição de um método, persegue o levantamento de diretrizes que prestem ao direcionamento e viabilização de projetos de reuso de

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capítulo 1

Cidades cheias de vazios

Utilizando o termo espaços perdidos – livre tradução do termo em inglês “lost spaces”, Roger Trancik (1986) os define como espaços resultantes geralmente do abandono, intencional ou não de porções do território, intimamente relacionado a fenômenos de crise estrutural e degrado social manifestantes na cidade contemporânea (TRAVASCIO, 2007). Na primeira metade dos anos 90, Solà-Morales (1995), observando-os por meio de fotografias, descreve estes vazios urbanos como lugares obsoletos, caracterizados pela ausência de algo, onde somente certos valores residuais parecem se manter apesar de sua completa desafeição da atividade da cidade. A percepção destes espaços como potencialidades urbanas deve-se a experiência de estudos na cidade de Turim, entre 2012 e 2014, onde foram identificados numerosos casos de áreas que, não obstante sua resiliência, apresentam-se abandonadas ou subtilizadas (fig. 2). Esta condição resulta da crise do modelo de desenvolvimento e produtivo sobre o qual basearam-se a cidade e seu território, no inicio do século XX (SACCOMANI, 2008)1. Tais vazios, observados diversamente em termos de escala e tipologia, trazem consigo uma ampla conotação social e econômica as quais reinterpretadas podem direcionar à proposição de estratégias responsáveis à reconfiguração destas lacunas urbanas, que perdem seus estereótipos negativos em reclame de suas potencialidades (CROTTI, 1990). Turim, que até fins dos anos 70 era tida como a capital industrial por excelência, assiste ao desmantelamento de suas engrenagens no final dessa década com a dissolução do modelo de desenvolvimento e produção que a sustentou durante as décadas precedentes (DE ROSSI et al, 2012). Essa mesma crise responsável por designar à cidade o titulo de ex-one company town , passa todavia a ser vista como oportunidade de reorganização estrutural, por meio do novo Plano Diretor, redigido pelo escritório de Vittorio Gregotti e publicado em 1995. Este novo documento responde a uma condição de reflexão sobre a identidade da cidade que procura descobrir o que se torna depois de ter sido cidade-fábrica do século XX (CURTI, 2013). Configurou-se de forma inédita um cenário de referência à interlocução de vários eixos de transformação. Estes eixos foram desenhados em função de conjunto de estruturas deixadas como herança pela antiga cidade fordista, como os mais de seis milhões de metros quadrados de áreas industriais abandonadas (Ibidem). O tema do passado industrial como base à requalificação da cidade determinou visão 1 SACCOMANI (2008) afirma que a partir da metade dos anos 70, com a crise do modelo de desenvolvimento fordista que sustentara Turim em seus anos precedentes, numero considerável de áreas industriais restaram desocupadas sendo as de maiores dimensões localizadas ao longo do sistema ferroviário, não distantes do centro histórico.

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Figura 2 - Mapa da cidade de Turim, no qual se podem observar presença de grande numero de estruturas industriais abandonadas nos limites do centro histórico (em bege). O polígono cinza escuro representa área sujeita a transformações e revisão de usos em base a texto de variante ao Plano Diretor. Fonte: Autor, adaptado do site Torino Insólita e do texto da Variante 200.

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espacial presente no primeiro plano diretor estratégico de Turim2, o qual leva fortemente em conta a característica resiliente das antigas estruturas fabris. Em sua terceira versão, o Plano Diretor Estratégico apoia-se ainda à transformação da cidade pós-fordista a fim de se tornar uma competitiva metrópole europeia3, plena de oportunidades. Este plano refere-se todavia como instrumento de atuação o Plano Diretor de 1995, assim como a Variante 200. Nessa variante observa-se de maneira evidente a intenção de integração do centro com a periferia considerando relevante numero de vazios urbanos nas antigas zonas industria. Viajando um pouco no tempo, observamos no período pós-guerra um intenso crescimento econômico de matriz fordista responsável à orientação de políticas urbanas equivocadas, renovando indiscriminadamente a cidade existente (DEL RIO, 2001). A capacidade das cidades, solicitada até o limite, torna obsoletos os padrões do crescimento urbano (ROGERS, 1995), alienando as longínquas extensões metropolitanas. À luz de um planejamento urbano moderno, muitas cidades expandiramse forma descontrolada, tornando-se casos de políticas alimentares que desfragmentaram as cidades através de suas escalas desproporcionais e incoerentes às reais necessidades das cidades, renegados, assim como foram os padrões tradicionais4. Esta renovação acelerada frenou-se entre os anos 70 e 80 com a crise do petróleo, o esgotamento do modelo econômico fordista e a emergência do mercado globalizado (DEL RIO, 2001). A cidade volta-se para seu interior, observando um considerável número de vazios, frutos de processo generalizado de abandono de estruturas afetadas pela crise, gerando descontinuidades e limites internos ao crescimento e à expansão econômica5. Este processou fez com que as cidades perseguissem, ainda nos anos 80, o renascimento de seus centros, através da reutilização de áreas centrais e recuperação de suas arquiteturas.A seguinte revisão bibliográfica procura estabelecer uma correlação entre o esvaziamento das cidades levantado nesta primeira parte e o reconhecimento de seu potencial como elemento catalizador de uma reforma urbana. 2 Primeiro exemplo italiano de diretor estratégico, publicado em fevereiro de 2002, compreendendo 6 linhas estratégias, 20 objetivos e 84 ações acompanhadas de determinações que definem utilidade e viabilidade do plano. O documento, o qual procurou agir como instrumento à promoção do crescimento da área metropolitana em um contexto internacional, se baseou na construção de uma visão espacial da cidade industrial à cidade do conhecimento e fora redigido pela Associação Torino Internazionale constituída por entes e instituições públicas e privadas com a tarefa de promover a metodologia do planejamento estratégico, monitorar os objetos e ações, assim como ampliar a participação. 3 O terço Plano Diretor Estratégico, intitulado “Torino Metropoli 2025” e publicado em abril de 2015, revisa os dois últimos em resposta a um cenário de crise sócio-econômica, baseando-se na necessidade de sustentar um novo ciclo de desenvolvimento e ativação de instrumentos operativos capazes de induzir investimentos que marcam a identidade da nova Turim.Trata-se de um instrumento fortemente seletivo centrado na visão - Turim: A cidade das oportunidades, eficiente às empresas e atrativa às pessoas - e duas estratégias fundamentais: construir um modelo de governo de território, assim como progressivamente dos serviços e das funções administrativas, habilitando o sistema econômico em uma nova fase di desenvolvimento, por meio de 29 projetos concretos. 4 No livro Morte e vida das grandes cidades, Jane Jacobs (1961) posiciona-se claramente em oposição ao programa norte-americano de renovação urbana das áreas centrais das cidades pregado pelo urbanismo ortodoxo moderno, voltando-se às cidades tradicionais, a favor da presença de funções diversas, proporções humanas e características topoceptivas evidentes. 5 Dentre estas áreas Del Rio (2001) dirige-se especialmente a áreas portuárias, conhecidas como warterfronts, pelo seu papel estratégico à requalificação urbana, em virtude da infra-estrutura que apresentam e de sua relação com a paisagem e economia locais.

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capítulo 1.2

Pensando as cidades e seus vazios

Os espaços residuais (Tracink, 1986) fazem parte de um catálogo de espaços inabitados às bordas de ferrovias as quais não recebem nenhum tipo de manutenção e se mostram irrelevantes a qualquer tipo de interesse. Se caracterizam como tais, interstícios urbanas entre bairros e faixas comerciais escassamente ocupadas as quais surgem sem que ninguém as perceba. Compreender a abordagem do autor resulta do interesse ao estudo das razões pelas quais tais espaços se configuram em nossas metrópoles, em especial ao ao que se refere ao abandono de sítios industriais, militares ou de transporte nos núcleos das cidades. Trancik (1986) define uma série de teorias do desenho urbano, as quais servem de base, à luz da problemática dos vazios urbanos, à melhor leitura e relação entre os demais referenciais literários. O autor define três tipologias metodológicas para o desenho urbano (fig.3): figure-ground approach (teoria dos cheios e vazios), linkage theory (teoria dos vínculos) e place theory (teoria do lugar). Apesar de não poderem ser consideradas isoladamente, interessa-nos particularmente , interpretar morfologicamente a questão dos vazios por meio da primeira dessa teorias, a qual se ocupa da análise das relações entre as massas edificadas e os espaços abertos ou não construídos, indo portanto de encontro à questão dos espaços abandonados. A natureza destes espaços como lugares é levada em conta na última destas teorias que traslada dados morfológicos em aspectos inerentes. O ponto crucial da teoria dos cheios e vazios1 se encontra na própria manipulação entre eles, que se deficientemente equilibrada, produz uma desarticulação entre os fragmentos resultantes, os quais se apresentariam vulneráveis, resultando assim em um espaço perdido. Esta teoria se baseia no estudo da relação entre sólidos (figuras) e espaços abertos (vazios). Cada meio urbano configura-se por um padrão representado por cheios e vazios e esta teoria constitui uma tentativa de manipular essa relação através da adição, subtração ou alterando a geometria conformada por este padrão. O objetivo de tal manipulação é o de clarear a estrutura dos espaços urbanos de uma cidade ou bairro, estabelecendo uma hierarquia de espaços de diferentes dimensões colocados individualmente, mas ordenados direcionalmente uns em relação aos outros. A teoria dos vínculos (linkage theory) baseia-se na tentativa de organização de um sistema de conexões, ou uma rede, a qual estabelece uma estrutura necessária ao ordenamento dos espaços, e devia de linhas formadas por vias, percursos de pedestres, espaços abertos lineares ou quaisquer 5 A melhor ilustração da teoria dos cheios e vazios, segundo Roger Trancik (1961), é o mapa da cidade de Roma elaborado pelo italiano Giambattista Nolli em 1748, no qual se observa claramente um sistema de cheios e vazios, em que espaços abertos vem classificados como vazios positivos e são mais figurativos que o sólidos que os definem. Espaços são tidos como entidades positivas em uma relação integrada entre os sólidos que os circunda. Tendo em base este exemplo, a teoria figura-fundo observa ainda que quando a forma urbana é predominantemente vertical em vez de horizontal moldar o espaço urbano coerente é quase impossível.

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Figura 3 - Diagrama das teorias do desenho urbano (TRANCIK, 1986, pag. 98).

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outros elementos que fisicamente conecta partes da cidade. A teoria do lugar (place theory) procura relacionar estas duas primeiras teorias de forma a integrar componentes relativas às necessidades do usuário assim como a contextos culturais, históricos e naturais. Em consideração à esta teoria temos que a condição e simbologia inerentes ao agrupamento humano expressam-se na qualidade dos vazios urbanos, os quais apesar de frágeis em confronto à lógica imobiliária, são todavia imponentes por quanto configuram-se como lugares por excelência. Cinco tipos de vazios urbanos foram definidos pelo autor, classificados em graus de abertura e fechamento (fig. 4): hall de entrada, corte interna, rede primaria entre ruas e praças, parques públicos e jardins e sistema aberto linear. O “hall de entrada” caracteriza-se pelo estabelecimento de zonas de transição, ou passagem, de um domínio pessoal aquele comum, enquanto o vazio do tipo “corte interna”, caracteriza-se como espaço residencial semi-privato para o lazer, serviços ou assentamento de blocos chave dento de um bloco principal. O terceiro tipo de vazio urbano, tratase da rede primária de vias e praças, uma categoria o qual corresponde aos vazios que conformam a malha urbana e contêm a vida pública da cidade, espaços de passagem e também sobre os quais passar o tempo. As duas ultimas categorias de vazios urbanos definidos por Trancik (1961), referemse a parcelas maiores do território, a pausas mais longas entre as consecutivas notas que compõem a sinfonia das cidades contemporâneas. Essas duas ultimas categorias referem-se respectivamente a parques públicos e áreas verdes que contrastam-se no ínterim da malha urbana promovendo alívio do maçante ambiente urbano e recreação e ao sistema linear de espaços abertos comumente adjacentes à corpos hídricos como waterfronts e áreas úmidas. A teoria dos vínculos refere-se à organização de ligações que conectam partes da cidade e a configuração de um elemento de referência relacionando edifícios a espaços, baseado nas linhas de força do sítio as quais conduzem à definição de um projeto. Esta teoria procura estabelecer uma abordagem incremental, acumulando elementos no espaço ao longo de uma armadura, a fim de condicionar uma relação de ordenação entre edifícios e espaços na malha urbana. A últimas das teorias elencadas por Trancik (1961), a teoria do lugar, tem sua essência na compreensão das características culturais e humanas do espaço físico, posicionando-se como elemento de convergência entre elementos formais e significantes sob os quais se baseiam as duas primeiras teorias. Em síntese, partindo de uma categorização de tipo morfológico dos vazios resultantes da conformação do desenho das cidades, em uma malha constituía por cheios e vazios, é necessário observá-los no interior de seus sistemas, ao reconhecer as naturezas intrínsecas deste lugares. O texto elaborado por Richard Rogers (1997), mostrou-se como teoria referencial à comparação entre os conceitos levantados por Trancik (1986) e os demais a serem analisados em seguida. Rogers refere-se à necessidade da criação de um metabolismo circular nas cidades, o qual se constitui uma nova forma de planejamento urbano holístico e abrangente, reforçando o principio do lugar como elemento chave à definição de um percurso incremental. Tal metabolismo resulta de uma reflexão sobre o modelo de cidade densa, o qual deve ser repensado em oposição ao modelo disperso, apresentando-se aquele divergente ao atual modelo urbano dominante norte americano que vem sido ainda reproduzido pelas cidades dos países em desenvolvimento. Por incremental,

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Figura 4 - Diagrama dos tipos de cheios e vazios urbanos segundo Roger Trancik (1986). Na cidade tradicional três são os tipos de cheios urbanos que se formaram: monumentos públicos e instituições (A); o campo onde predominam blocos urbanos (quadras) (B); e edificações definidas por bordas (C). Existem três tipos principais de vazio urbano os quais performam várias funções no espaço urbano: foyers de entrada (D), vazios inernos às edificações ou cortes internas, (F) rede de ruas e praças e (G) parques e jardins.

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intende-se uma metodologia de projeto urbano não mais baseado em regras especificas e descritivas dos planos diretores, mas de um quadros de regras gerais determinadas gradualmente. O autor expõe a insustentabilidade do modelo monofuncional, visto ainda como mais econômico às cidades, a favor da necessidade de se criar espaços de usos mistos, e naturalmente mais complexos defendendo o reposicionamento da cidade como habitat ideal para uma sociedade baseada na comunidade. Rogers (1997) ainda afirma ser o trânsito uma das causas significativas da alienação urbana, corroborado por por Jan Gehl (2013), que ressalta a necessidade de se considerar a vida no espaço como ponto de partida à uma abordagem bem-sucedida para o projeto de grandes cidades. Rogers (1997) defende ainda a necessidade do olhar à um contexto maior, além dos limites especificados no programa. Por olhar além, entende-se que as cidades permanecem em mutação, fazendo com que seu enfoque caia sobre a flexibilidade que a arquitetura deve apresentar para que possa sustentar este metabolismo circular. Este ciclo, em escala arquitetônica, permite a extensão da vida útil dos edifícios, uma vez que estes se apresentem fáceis de serem modificados, a contrário dos não flexíveis, os quais retardam a evolução da sociedade ao inibir o surgimento de novas idéias. Não se trata, no entanto, de uma aversão ao restauro de edifícios históricos, uma volta que a preservação se apresentará sempre preferível à demolição, exceto quando se resulta em uma valorização excessiva que sufoque um processo de inovação. O conceito apresentado por Rogers (1997) de metabolismo circular (fig.5) constitui de forma geral um filtro de leitura à função dos vazios urbanos na configuração urbana. Por outro lado, Lynch (1960) discute a respeito de flexibilidade definindo a cidade como uma organização mutável com fins variados, afirmando ainda que um desenho perfeito e definitivo se mostra improvável e indesejável, levando-nos a concluir que a formação de vazios urbanos, ou melhor de elementos ocasionais à requalificação das cidades seja inevitável. Os elementos fundamentais, trabalhados pelo autor, referentes à forma da cidade (circulação, aproveitamento dos espaços e pontos-chave focais), devem ser observados sobre esta ótica flexível das funções urbanas e sobretudo da necessidade de tornar a cidade mais humana. Kevin Lynch (1970) apresenta o conceito de legibilidade como base à interpretação dos elementos que relacionados de forma harmônica conformam uma tecido urbano coerente. Este conceito, crucial à configuração urbana, relaciona-se intimamente à percepção dos vazios urbanos como ocasião à construção de tecidos concisos. Os elementos abordados por Lynch (1970), respondem pela formação de cidades multi facetadas, em constante movimento, resultantes da ação progressiva daqueles que a constituem, facilmente interpretadas pelas pessoas. A relação entre caminhos, nós, marcos, limite e distritos, compõem pano de fundo à identidade de um lugar legível. Os vazios urbanos como componentes do desenho temporal das cidades, podem se relacionar com cada um desses elementos, favorecendo, quando tidos como parte inerente do

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Figura 5 - Diagrama de entradas e saídas das cidades comparadas em função do metabolismo que apresentam (ROGERS, 1997, pag. 31).

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tecido urbano, à imageabilidade2 das cidades. Os espaços abandonados, evocam uma imagem forte em qualquer observador, referindo sempre a eles como pontos de referência e ao mesmo tempo limites3 entre duas condições diversas. Lynch (1970) compromete-se, ao estudar as bases que condizem à definição de uma imagem coesa das cidades, à definição de método que persegue a intervenção nas cidades partindo de suas características intrínsecas. Relacionando às abordagens de Trancik (1960) e Rogers (1993), observamos o conceito de imageabilidade como confluente entre a noção de natureza do lugar e seu caráter mutável, baseando outros conceitos como acupuntura4 e incrementalidade urbanas5. Este conceito relaciona-se de forma muito direta ao tema de requalificação de vazios urbanos formados por espaços abandonados nas cidades, pois observando-os procura-se descobrir e conservar as suas imagens fortes, resolver as suas dificuldades de percepção e sobretudo desenhar a estrutura e identidade latentes na confusão. Percebemos o reconhecimento do caráter do lugar, à construção da imagem da cidade em uma ótica incremental em seguinte texto de Lynch (1970): “A cidade não é apenas um objeto perceptível (e talvez apreciado) por milhões de pessoas das mais variadas classes sociais e pelos mais variados tipos de personalidades, antes o produto de muitos construtores que constantemente modificam a estrutura por razões particulares. […] Apenas parcialmente é possível controlar seu crescimento e a sua forma. Não existe um resultado final, mas somente uma continua sucessão de fases”. Jane Jacobs (1961) afirma ser necessário costurar novamente à cidade retalhos da trama urbana, tais como os espaços industriais abandonados. As teorias levantadas por ela partem de sua observação critica ao planejamento ortodoxo gerador de anti-cidades. Tal critica recai sobre o fato de que tal planejamento tem desprezado a vitalidade urbana e interação entre usos fixando-se em fronteiras formais. Para a autora, o formalismo do Movimento Moderno, priorizando os edifícios, alienou as cidades e atual consciência de tal fato se reflete no reclame à presença de espaços públicos vivos. Jacobs (1961) defende a configuração de uma malha urbana densa e diversa em oposição a 6 Qualidade de um objeto físico que lhe dá uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador. Refere-se à forma, cor ou arranjo que facilitam a formação de imagens mentais do ambiente fortemente identificadas, poderosamente estruturadas e altamente úteis (LYNCH, 1960, p. 9). 7 Limites, segundo Lynch (1970) são fronteiras entre duas partes, interrupções lineares na continuidade, como costas marítimas ou fluviais, cortes do caminho de ferro, paredes, locais. Funcionam, no fundo, mais como referências secundárias do que como alavancas coordenantes, podem ser costuras, linhas ao longo das quais regiões se relacionam e se encontram. Figuram-se, então, mais como uma costura do que uma barreira, uma linha de intercâmbio ao longo da qual foram “alinhadas” duas áreas. 8 Segundo James Lerner (2003) o conceito de acupuntura urbana está relacionado à adoção de conjunto de ações pontuais no tecido urbano com o propósito de mudar progressivamente a vida na cidade. 9 A abordagem incremental nasce na Europa nos anos, unindo lógicos de decisões top-down (de cima para baixo) e bottom-up (de baixo para cima). Refere-se à ação de organizar o processo decisivo em base a planos estratégicos responsáveis ao desenho gradual de intervenções em função do quanto essas respondem ao contexto local.

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desenho modernista das grandes distâncias (fig.6 e fig. 7). Este desenho, observando o espaço “de cima”, desconsiderou a escala humana e com essa a relação do homem com o meio, sua orientação e identificação no ambiente construído. No que se refere à requalificação dos espaços urbanos, sustenta-se a busca por medidas de reintegração desses espaços à cidade, criando novos lugares capazes de ressuscitar áreas urbanas apáticas. A grande questão levantada pela autora, reside na necessidade de reportar condições capazes de gerar diversidade, por meio de uma leitura do comportamento das pessoas em relação a cidade, buscando melhor coesão e vitalidade, por meio da presença de usos variados. Segundo Jacobs (1961): “Os princípios fundamentais de revitalização do próprio terreno do conjunto de suas fronteiras que precisam ser reintegradas ao distrito são os mesmo que os princípios do auxilio a qualquer área urbana de baixa vitalidade. Os planejadores precisam diagnosticar que condições capazes de gerar diversidade estão faltando, então, a condição que estiver faltando deve ser suprida, em geral gradualmente e no momento oportuno - da melhor maneira possível”. A leitura dos quatro autores citados, convergiu portanto à uma abordagem dos vazios urbanos como lugares dotados de elementos intrínsecos, devendo, portanto, serem reintegrados ao tecido urbano, a fim de torná-lo mais coeso, por meio de um planejamento de tipo incremental. Percebe-se a necessidade de compreensão do caráter desses vazios urbanos, o qual relacionado aos elementos que compõem a imagem da cidade, induza uma requalificação urbana coerente, proporcionando maior imageabilidade ao ínterim urbano. Enfim, procura-se contemplar as cidades e seus vazios urbanos em uma escala diversa, a partir do nível dos olhos, a fim de que ao aproximarmo-nos dos elementos intrínsecos destes vazios urbanos possamos identificar novos usos que possam tornar as cidades mais vivas.

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Figura 6 - Diagrama comparativo entre a forma urbana tradicional e moderna. As ilustrações representam a estrutura espacial das cidades tradicionais versus a fragmentação formal da cidade moderna (Trancik, 1986).

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Figura 7 - Comparação entre as cidades de Turim (Itália) e Brasília (Brasil) observando o contraste entre as duas em base às teorias levantada por Kevin Lynch e Jane Jacobs. Fonte: Google Maps.

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capítulo 2

Brownfields: O lugar dos vazios Este capítulo observa as características intrínsecas dos vazios urbanos formados por espaços abandonados, as quais os configuram como lugares. Dessa forma pretende-se aprofundar leituras teóricas referentes ao conceito de lugar em relação a questão dos vazios urbanos conceituado no capítulo anterior deste trabalho, passando deste momento a se definirem como brownfields.

As áreas urbanas sofreram vertiginosa expansão até meados dos século XX. Após este momento, muitas áreas foram abandonadas, favorecendo uma fragmentação das cidades. Apesar de seus novos problemas, o tecido urbano resulta menos rígido de quanto se apresentava durante período de renovação urbana, esvaziado pelo êxodo de grandes assentamentos produtivos e estruturas obsoletas. Reportar a coesão urbana intervindo em sua maleabilidade, através da costura de seus interstícios induz, portanto de forma mais direta à adição de alguma coisa que restabeleça o que Bernardo Secchi (1984) chamou de sentido ao conjunto. Andrea Borde (2013) afirmando ser muito recente a problematização do fenômeno do vazio urbano, observa-os como áreas potenciais à transformação das cidades pós-industriais. Estes espaços abandonados, encontram-se em uma espécie de limbo entre duas condições temporais, a do passado ainda não remoto e do presente não narrativo, que reforçam a incerteza e mistério de seu futuro (POLI, 2011). Nesse ínterim, compreende-se a natureza do lugar inerente a estes vazios urbanos como premissa fundamental à percepção de seu caráter e à aproximação do tema de reabilitação destes espaços em função de sua potencialidade na malha urbana. Romero (2011) relaciona o conceito de sustentabilidade à expressão do lugar, resultado do confronto de forças espaciais (naturais e artificiais) associadas à apropriação e uso pelo homem em âmbito social naturalmente intrínseca à expressão qualitativa dada pela equidade socioambiental. Romero (2011) sustenta ainda a necessidade de recuperar o espirito do lugar, imprescindível a fim de que alcance a sustentabilidade do espaço construído. Del Rio (1991) coerentemente já defendia a hipótese de que intervenções de revitalização de áreas centrais devem lidar conscientemente com os processos de percepção e cognição dos seus usuários. O urbanista (1991) relaciona o conceito de revitalização de áreas centrais à reidentificação da memória no espaço presente, retomando áreas deterioradas, em oposição ao modelo modernista de renovação dispersivo. Estes lugares mostram-se ainda como oportunidades à cidades de reestruturarem suas fragilidades, ocasiões de resposta a problemas socioeconômicos e de infraestrutura. Observar os vazios como ocasião mostra-se inscrita a una condição de crise estrutural responsável por criticas mudanças no quadro dessas cidades.

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Por se tratarem de vazios resultantes do abandono de estruturas não mais úteis às atividades que exerciam, a exemplo das extensas áreas industriais no fim dos dos anos 80, podemos enquadralos no conceito de brownfields6 (fig. 8). Este conceito, como afirmam Guido Inzaghi e Federico Vanetti (2010) tem relação intrínseca com o conceito de desenvolvimento sustentável, o qual assim se define por não dever comprometer, às gerações futuras, a possibilidade de prosseguir com tal desenvolvimento e por tanto de dispor de recursos naturais necessários a tal fim. Inzaghi e Vanetti afirmam ainda que a reutilização de tais espaços se manifesta pela necessidade de resguardar áreas ainda não construídas, ou seja os greenfields, e de recuperar e reutilizar zonas que já foram precedentemente objeto de construção, geralmente industrial. Duas definições apresentadas por Inzaghi e Vanetti (2010) em base a bibliografia temática se mostram particularmente relacionadas com o tema deste trabalho. A primeira qualifica os brownfields como qualquer porção de território ou instalações que tenham sido previamente utilizados ou desenvolvidos e não estão sendo totalmente utilizadas em um dado momento (PACE et al, 2004). Uma segunda definição, específica para os países da União Europeia, diz que por brownfields se entende qualquer sítio afetado pelos antigos usos do local e do terreno circundante, são abandonados ou subutilizados e necessitam de intervenção para trazê-los de volta para uso benéfico (APAD, 2006). O termo pode ser frágil diante de um modelo de desenvolvimento sustentável ao avaliar se as vantagens do reuso ultrapassariam em algum momento o aspecto estrutural. Entende-se que é necessário observar se tal projeto responde à um problema de natureza socioeconômica, em suma, se o reuso do vazio urbano responde à sua função. Nesta conjuntura é pertinente observar dois modelos de intervenção bastante diversos entre si. O primeiro e talvez mais tradicional, baseia-se na definição de políticas publicas que, baseadas geralmente em um binômio público-privado, encontram recursos imediatos à sua realização, o segundo, busca através de iniciativas locais e geralmente de baixo custo reativar áreas de interesse à revitalização, como estratégias de ocupação de caráter temporário.

6 A rede europeia CABERNET (Concerted Action on Brownfields and Economical Regeneration), mirando ao estabelecimento de indicadores e instrumentos à efetiva regeneração de Brownfields, concentrou-se ao esclarecimento de seu conceito. Este vem definido como sítios que foram afetados pelos antigos usos do local e terreno circundante, apresentam-se abandonados e subutilizados, podendo ter problemas de contaminação real ou percebida, localizam-se geralmente nas áreas urbanas desenvolvidas e necessitam de intervenção para trazê-los de volta para uso benéfico. Fonte: http://www.cabernet.org.uk/resourcefs/417.pdf.

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Figura 8 - Caso emblemático de reuso de antigo complexo industrial abandonado, o Parque Emscher norte de Duisburg (Alemanha), é um dos cento e vinte projetos que permitiram a requalificação do distrito industrial do Vale da Ruhr integrando fragmentos do passado industrial e arquitetônico. Fonte: http://www.landezine.com/index.php/2011/08/post-industrial-landscapearchitecture/01-overall-concept-cowperplatz/.

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capítulo 2.1

Modos de planejar o reuso

Segundo Rossella Ferorelli e Alessandro Cariello (2014), os modos clássicos de regeneração, ainda fortemente baseados em políticas de renovação urbana as quais dependem de regimes de concessão pública, tem sido colocados em discussão em virtude do caráter previdentemente privado dos espaços abandonados em estoque. Em função disso, novas entidades profissionais tem se constituído a fim de revisar processos de conhecimento responsáveis, através de percursos cooperativos, por catalizar demandas expressas por cidadãos ativos, elaborando assim plataformas rumo à ativação de mais espaços através instrumentos inovadores recorrentes. Não se pode, todavia, desconsiderar a gama de resultados positivos que um planejamento a curto prazo possa gerar às nossas cidades, desde que claramente individuais um plano de intervenções e recursos à sua realização, vide o sucesso da requalificação dos waterfronts de Puerto Madero (Buenos Aires) e Estação das Docas (Belém) (fig. 9). Todavia o quanto essas tipologias de reuso respondem efetivamente ao caráter do lugar? As políticas publicas ligadas a esse tipo de intervenção atentam-se a uma abordagem global para a cidade caracterizada pelo consumo de paisagens visuais construídos para o lazer, em detrimento das relações sociais construídas localmente. Esse fenômeno põe em risco os preceitos do direito à cidade, à qualidade de vida, de memória e de identidade (TOMMIMATSU, 2013). Essa ótica de planejamento, não obstante de base estratégica7, peca por observar o quadro por inteiro sem necessariamente atendê-lo de modo integral, mostram-se verdadeiros projetos oportunos (opportunity projects), que infelizmente abrem mão dos longo prazos. Del Rio (2001), afirma que se nem sempre o modelo da revitalização encontra-se vinculado à existência de um plano no sentido tradicional, ele é dependente de um processo continuo de planejamento estratégico e de ações integradas.Também é assim mesmo na pratica norte-americana do planejamento fragmentado, pois a colaboração entre poder publico (viabilizadores), o poder privado (investidores) e as comunidades (moradores e usuários) garante a identificação de planos e programas que possam maximizar e compatibilizar os esforços e os investimentos, e nortear a implementação integrada de ações e projetos a curto, médio e longos prazos8. 7 A abordagem estratégica se difere daquela tradicional, pelo modo em que trata o projeto urbanístico, que passa a não ser mais baseado em regras especificas e descritivas do uso do solo. O conceito de planejamento estratégico, revisa as modalidades clássicas de intervenção urbanística, e se estrutura a partir de Patsey Haley, da definição de uma metáfora espacial. Essa, estudada a partir do processo de racionalidade limitada, considerando atuação gradual e construção progressiva dos projeto urbanístico, materializa-se ao levar em conta uma dimensão participativa, partindo do plano das decisões à ações precisas, mas flexíveis as mudanças da cidade 8 Entre os anos de 1999 e 2005 formaram-se - sendo ainda hoje ativas em toda a Europa - diversas agencias e empresas empenhadas ao reuso de vazios urbanos, vagos, abandonados, as quais embora tenham

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Figura 9 - Imagens aéreas das áreas de Puerto Madero (Buenos Aires, Argentina) e Estação das Docas (Belém, Pará). Fonte: (a) http://www.puertomadero.com; (b) http://www.portal2014.org.br.

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É necessário observar a cidade como um palimpsesto, ou seja um registro de sinais sobrepostos ao longo do tempo, e respeitar essa sua qualidade intrínseca (fig. 10). Devemos aceitar a limitação do planejamento funcionalista rumo a um planejamento aberto, capaz de não somente dar uma resposta pontual à um problema, mas de constantemente revisitá-lo para que possa atender às necessidades que naturalmente deixam de ser as mesmas. Esse tipo de planejamento debate instrumentos, políticas, leis e praticas de reabilitação de espaços abandonados, de maneira particular reinterpretar espaços em abandono, visando não somente a atribuição de uma nova configuração, mas torná-los acessíveis e capazes de dar resposta a demandas habitacionais, de trabalho e lazer da sociedade, que centre as atenções a quem efetivamente os irá fruir. É necessário observar a cidade como um palimpsesto9, ou seja um registro de sinais sobrepostos ao longo do tempo, e respeitar essa sua qualidade intrínseca (fig. 10). Devemos aceitar a limitação do planejamento funcionalista rumo a um planejamento aberto, capaz de não somente dar uma resposta pontual à um problema, mas de constantemente revisitá-lo para que possa atender às necessidades que naturalmente deixam de ser as mesmas10. Esse tipo de planejamento debate instrumentos, políticas, leis e praticas de radiação de vazios urbanos, de maneira particular reinterpretar espaços em abandono, visando não somente a atribuição de uma nova configuração, mas torná-los acessíveis e capazes de dar resposta a demandas habitacionais, de trabalho e lazer da sociedade, que centre as atenções a quem efetivamente os irá fruir.

preenchido a lacuna de tempo entre um uso antigo e novo assumindo o comando de manutenção de edifícios, tem pouco a ver com a valorização do patrimônio sociocultural e histórica, e nada a ver com uma visão de maior duração, mas muitas vezes ofendido com a especulação imobiliária. 9 Segundo Sandra Jatahy Pesavento (2004), o palimpsesto apresenta uma imagem arquetípica do mundo. Esse termo, de origem grega, refere-se aos antigos pergaminhos dos quais se apagara escrita anterior para que se pudesse reaproveitar em outro texto, gerando assim uma espécie de sucessão de caráteres superpostos (PESAVENTO, 2004). 10 Em 1970 o sociólogo Lucius Burckhardt criticava o planejamento funcionalista que partia da analise para posteriormente se chegar a um projeto definitivo, propondo um método alternativo de “planejamento aberto”, não programado, que no tempo pudesse acolher de forma livre, usos diversos e imprevistos. Em 1998 em Amsterdã um movimento de intelectuais, artistas e arquitetos propõem à publica administração novos instrumentos interpretativos e de planejamento formando o grupo De Gilde (INTI, 2013, pag. 13).

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Figura 10 - O conceito de palimpsesto baseia-se no ato de registrar e pode ser observado desde antigos registros de Arquimedes (a) quanto em qualquer outro elemento contemporâneo cujo registro se refere a uma outra base linguística como se pode observar nos desenhos de Robert Bohn (b). No caso das cidades a sobreposição de registros históricos reflete-se na configuração de novos desenhos sobre aquele originário, como se pode observar em trecho da cidade de Istambul, representado por Joe Hester. Fontes: (a) http://www.pbs.org/wgbh/nova/physics/inside-archimedes-palimpsest.html; (b) http://marccharmois.blogspot.com.br/2013_02_01_archive.html; (c) http://ccaemarch12.blogspot.com.br/p/joe-hester.html

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capítulo 2.2

Reativar espaços abandonados

Interpretar o lugar dos vazios na cidade consolidada, ou melhor, o lugar que estes representam está intrinsecamente ligado à necessidade de reativá-los, tornando-os mais atrativos e suscetíveis instrumentos de requalificação. A obsolescência de espaços abandonados inscritos à cidade consolidada resulta frequentemente de uma condição burocrática quanto à efetivação de um processo de requalificação. Estes espaços necessitam portanto de catalisadores urbanos11 para que finalmente possam dar inicio à um efetivo processo de reconversão, através de novos instrumentos de planejamento capazes de tornar estes espaços acessíveis, produtivos e desencadear um processo de requalificação, mesmo sem grandes investimentos iniciais12. Ao conceito de catalisador urbano aliamos o princípio de microplanejamento, o qual se baseia na percepção de formas de organização espaciais inovadoras disseminando essa informação aos agentes e às partes envolvidas (ROSA, 2011). Estes conceitos estão intimamente ligados à condições de crise na cidade contemporânea, as quais dificultam processos de requalificações diretamente regidos da administração pública, no entanto, especificamente com relação ao microplanejamento, frequentemente estes instrumentos limitam-se à uma micro-escala, o que dificulta sua orientação rumo à um reuso efetivo do vazio urbano. Estes instrumentos alternativos de planejamento de certa forma reinterpretam uma condição urbana também não planejada, ou seja, a formação de espaços vacantes. A idéia de reativar estes espaços através de medidas temporárias, experimentado sua funcionalidade mediante sua utilização, todavia apresenta grande dificuldade devido à normalização que, quanto aos temas de segurança, acessibilidade e responsabilidades administrativas e dos sujeitos envolvidos, pouco distingue usos temporários daqueles definitivos. Todavia não se pode excluir de tais instrumentos seu potencial à estruturação de um mecanismo capaz de endereçar um percurso de requalificação a longo prazo o qual leve fortemente em conta a natureza do lugar. 11 Modelos de ação e instrumentos estratégicos de planejamento, integração dos potenciais da arquitetura temporária em um desenvolvimento urbano a longo prazo e formação de arquivo único, o qual serve a arquitetos e planejadores, municipalidades, desenvolvedores, proprietários e usuários de intervenções temporários. (OSWALT et al, 2013, pag. I) 12 A requalificação de áreas industriais abandonadas desencadeia processos muito longos em termos de arquitetura temporária. Os trabalhos de correção do sítio abandonado em boa parte vem retardados por conta de práticas burocráticas e da necessidade de encontrar investidores. Na espera pela reconversão de uso, poderia ser oportuno avaliar a possibilidade de desfrutar de intervenções de segurança da área para um reuso temporário de modo a tornar o sítio novamente disponível e acessível, iniciando um processo de reintegração ao tecido urbano e estimular uma geração de renda também em função da falta de grandes investimentos iniciais. (Tradução livre de BOBBIO, Emanuele; SALATI, Valentina. Adaptive reuse: Bonifiche e rigenerazione urbana.Turim: Golder Associatives, 2015. pag. 81.).

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Saskia Sassen (2011) afirma que aproveitar vazios urbanos com o objetivo de maximizar um desenvolvimento urbano que visa o lucro seria um erro, reforçando a necessidade de dar presença à vida cotidiana. Intende-se necessário reconhecer as arquiteturas possíveis nestes espaços que sujeitos a intervenções de cunho meramente capitalistas terminariam por torná-los novos espaços ainda vazios de usos pelas pessoas, de ofertas culturais e diversidade funcional. A autora ressalta a necessidade de os arquitetos enfrentarem a enormidade da experiência urbana baseada em mecanismos de lucro os quais acarretaram falhas de atendimento às necessidades coletivas importantes. Através da definição de microestratégias a nível local constituindo uma rede social urbana de alcance metropolitano, Marcos L. Rosa, define a arquitetura, na ótica do microplanejamento (fig. 11), como espaço construído culturalmente e constituído somente através da “prática da vida”. A idéia de participação torna-se chave à definição e entendimento do espaço urbano, suscetível à dinâmicas socioeconômicas. Portanto o espaço arquitetônico, entendido como espaço aberto à intervenção, e aqui podemos dizer que não somente a nível estritamente local, em uma dimensão incremental, apresentaria um desenho coerente uma vez codificado em base às suas demandas sociais. Isabella Inti (2013) ao afirmar que as pessoas devem reconquistar o controle dos lugares reconvertendo-os em atividades concretas, apoia-se ao principio de planejamento aberto de Burckhardt (1970) como responsável à definição de instrumentos, políticas, leis e práticas de reativação de vazios urbanos, para que se alcance tal objetivo. Baseando-se em experiências Européias, as quais se evidencia experiência conduzida pelo escritório alemão Urban Catalyst (2013), Inti reconhecera nas práticas temporárias, modalidades alternativas a processos burocráticos lentos e altos custos de reabilitação de terrenos degradados, para que se possa mirar uma efetiva reativação dos espaços abandonados. Intervenções de natureza temporária posicionam-se como catalisadores de um processo a longo prazo, através da configuração gradual de novos usos, economias e capitais sociais. Inti (2013) afirma de forma genérica e sintética que o urbanismo do quotidiano talvez seja o único capaz de incluir complexidade, incertezas e estratificações dos modos de uso da cidade, direcionando um planejamento inteligente que visa, através, de projetos temporários interpretar e dar respostas às reais exigências da sociedade. A requalificação de espaços abandonados responde, portanto à uma demanda social e de re-significação de um tecido urbano que frente a problemas estruturais se rompeu, evidenciando a fragilidade de certos planos incapazes de tornar a cidade um território aberto de praticas sociais. Dessa forma princípios inovadores de planejamento, os quais não se baseiam somente em problem solving (solução direta do problema - planejamento tradicional), mas em problem setting (monitoramento do problema - planejamento estratégico), mostram-se mais eficazes, desenhando um cenário maleável, o qual questiona instrumentos fixos e duramente burocráticos a favor de um processo executivo mais flexível. É relevante ainda abordar a questão da recuperação de áreas degradadas13 em função do novo conceito de reuso adaptativo14. Segundo Matteo Robiglio (2015) os mecanismos de recuperação de 13

Aqui se fala de degrado principalmente em função de se tratar de um sítio abandonado.

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No Reuso Adaptativo as ações de correção do sítio dos elementos contaminantes (“bonifica” em italiano)

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Figura 11 - Ações locais que visam a reativação de requalificação de elementos na cidade, configurando práticas de microplanejamento as quais direcionam à configuração de uma rede de ações, de acupuntura urbana, que endereçam à formação de uma rede de impacto global. Fonte: Desenhos de Paul Ayres (ROSA et al, 2014)

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espaços abandonados tem por objetivo o de eliminar vestígios do uso passado, geralmente industrial, de determinado sítio, para que seja entregue “limpo” à suas futuras destinações. O que tecnicamente seria classificado como brownfield, trata-se em prática de um novo greenfield artificial. Em virtude das possíveis desvantagens econômicas representadas por intervenções de correção do sítio, o conceito de reuso adaptativo tem se apresentado como alternativo a este fator, distinguindo-se da requalificação normal, por estabelecer modalidades de transformação baseadas às condições de suas preexistências, minimizando o quanto possível intervenções necessárias a seu reuso (fig. 12). A imagem a seguir representa de forma esquemática ações baseadas no reuso adaptativo.

Figura 12 - Esquema de reuso adaptativo elaborado por Matteo Robiglio (Fonte: BOBBIO, Emanuele; SALATI, Valentina. Adaptive reuse: Bonifiche e rigenerazione urbana. Turim: Golder Associatives, 2015. Pag. 111).

são organizadas no espaço e no tempo no interior de um projeto integrado de regeneração urbana. A contenção dos gastos, distribuição das intervenções no tempo e espaço em harmonia com as previsões de uso futuras liberam recursos para intervenções positivas a favor do território. Essas medidas consentem a ativaç~’ao de ciclos de regeneração a longo prazo com efeitos positivos, os quais compensam ativamente os danos ambientais passados em que se sujeitaram estes lugares e das comunidades que alí vivem. (Tradução livre de BOBBIO, Emanuele; SALATI, Valentina. Adaptive reuse: Bonifiche e rigenerazione urbana. Turim: Golder Associatives, 2015. pag. 108.).

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capítulo 2.3

Placemaking: Fazer lugares

Um último conceito apresenta-se adequado ao fechamento desse quadro introdutório que até aqui visa interpretar o fenômeno do reuso de espaços abandonados nas cidades, observando os como lugares. Trata-se do conceito de Placemaking (fig. 13), que traduzido para o português como “Fazer lugares”, persegue a criação de espaços públicos que estimulam interações entre pessoas em si e entre as pessoas e a cidade (HEEMAN; SANTIAGO, 2015). Enfatiza-se sobre a vitalidade de um espaço urbano, por meio da capacidade que ele tem de agregar pessoas, por refletir seu sucesso em um contexto urbano. Deve ser perseguido para que assim se possa assegurar sobre a coerência de determinado projeto de reuso no meio em que se encontra, impactando positivamente a cidade em todas as suas dimensões. O conceito de Placemaking vai de encontro tanto com a noção de projeto incremental, quanto de projeto participativo, por referir-se à formação de um processo colaborativo pelo qual se define a esfera pública de modo a maximizar valores compartilhados. Definido pela organização sem fins lucrativos Project for Public Spaces, revela-se inovador pela proposta de ajudar os cidadãos a transformar seus espaços públicos em espaços vivos os quais prestam ao destaque de patrimônios locais, estimulam a requalificação urbana e servem às necessidades locais (PPS, 2015). Além de promover melhor qualidade do desenho urbano, “fazer lugares” facilita à criação de padrões de uso, focando a atenção especialmente às identidades físicas, culturais e sociais as quais definem um lugar e sustentam sua evolução contínua. Segundo a organização PPS: Placemaking não é uma idéia nova. Apesar de PPS haver iniciado a utilizar o termo “Placemaking” de modo consistente em meados dos anos 90 para descrever nossa abordagem, o pensamento por trás do conceito de Placemaking ganhou tração ainda nos anos 60, quando os mentores de PPS, tais quais Jane Jacobs e William H.White introduziram idéias inovadoras sobre como projetar cidades para pessoas e não somente para carros e centros comerciais. O trabalho de Jacobs e White centram-se na importância social e cultural de bairros vivos e espaços públicos convidativos. Jacobs encorajava os cidadãos a tomarem posse das ruas por meio da idéia dos “olhos na rua” (eyes on the street), enquanto White delineou elementos-chave para a criação de espaços socialmente vibrantes. Aplicando a sabedoria destes e outros pioneiros do pensamento urbano que PPS, desde 1975, tem gradualmente desenvolvido uma abordagem compreensiva de Placemaking.

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Figura 13 - Diagrama que serve como ferramenta para avaliar um espaço público. O que faz um espaço público ser bem sucedido? Fonte: http://www.pps.org/reference/what_is_placemaking/

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capítulo 3

Descrevendo os vazios Elaboração de ficha e Análise de Requalificação de Espaços Abandonados Até então pensamos o espaço urbano e a relevância dos vazios configurados por espaços abandonados à requalificação das cidades, imaginando cenários de intervenção nestes espaços em função do caráter destes lugares. Este capitulo objetiva aproximar-se de casos reais de requalificação de vazios urbanos, identificado, por meio de metodologia baseada na elaboração de ficha de análise, que possam qualificar ou desqualificar projetos de reuso, em base à sua resposta a demandas urbanas (morfológicas e espaciais).

Como indicado anteriormente, os casos emblemáticos de reuso de espaços abandonados tem obedecido desde os anos 90 um planejamento funcionalista, o qual tem dado margem à especulação imobiliária e por consequência expulsado antigos residentes e criado maiores barreiras ao uso, em função da implantação de megaestruturas acessíveis a poucos. O estudo de casos de reuso no Brasil e no mundo, fundamentam esta afirmação e estabelecem parâmetros à interpretação e possíveis respostas às perguntas: Em quais níveis o reuso de espaços abandonados em suas diversas facetas pode apresentar qualidades positivas e negativas? Os projetos de reuso tem atendido suas demandas sociais? O quanto estes projetos permitem o uso pelas pessoas? Para que seja possível analisar sobre a mesma base os casos elencados procurou-se elaborar um modelo de ficha capaz de descrever de forma clara e objetiva cada exemplo levantado.A intenção desta ficha é principalmente investigar modelos que possam se converter em diretrizes para projetos futuros, respondendo de forma sucinta se tal exemplo atende ou não à um modelo de reuso que intende costurar a cidade, buscando melhorar sua escala humana e torná-la coerente. Sua elaboração baseou-se inicialmente na exposição de dados básicos referentes ao projeto em si (situação, área de intervenção, breve contextualização histórica e motivação do projeto de reuso) e referencias presentes nos livros Urban Catalyst (Oswalt et al, 2013) e Temporiuso (Inti et al, 2013), no qual percebe-se um percurso chave à requalificação de espaços abandonados. Este percurso baseia-se em um tipo de planejamento estratégico aberto, identificando interessados, iniciativas à intervenção, instrumentos à sua realização, programa e resultados. O fichamento de casos fora em seguida revisado utilizando como referência ficha bioclimática proposta por Marta Romero (2001)15. Por fim confrontando durante a leitura dos casos levantados, buscou-se interpretar os resultados 15 A metodologia elaborada por Romero (2001, p. 162) parte da apresentação de informação pertinente nas fichas bioclimáticas, mostrando, tanto discursiva, como graficamente, relações entre as categorias, entorno, base e superfície fronteira, dimensionadas, por um lado, pelas macro categorias ambientais e, por outro, pelas categorias espaciais.

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desses projetos, observando suas qualidades positivas e negativas, a fim de ponderar sobre diferentes aspectos a serem avaliados nestes projetos de modo a evitar propostas incoerentes à reutilização dessas áreas no tecido urbano. A ficha bioclimática (fig. 14) baseia-se em uma concepção lógica que reconhece a persistência do existente, culturalmente adequada ao lugar, utilizando a própria concepção arquitetural como mediadora entre homem e meio (concepção bioclimática) (Romero, 2001). Utilizam-se de três categorias - base, fronteira e entorno - para verificação das inter-relações ao espaço publico, desagregando conceitos inerentes a cada categoria de forma a induzir à sistematização das análises. Os elementos espaciais e ambientais também são considerados e analisados de forma paralela em função das três categorias. Esta ficha tem por propósito, registrar de forma sistemática dados empíricos a serem utilizados na projetação ambiental sensível ao lugar, por meio da abordagem de três elementos básicos, sob uma concepção temática, baseadas no binômio ambiente-espaço. A ficha de análise de requalificação urbana fora portanto configurada tendo em base estrutura proposta por Romero (2001), a fim de estabelecer parâmetros de leitura claros à interpretação de dados descritivos. Sua configuração em analogia a modelo proposto por Romero (2001) analisa os caos em três categorias - relação com a cidade, relação com bairro e elementos de reuso de vazio urbano - o último observado em função de aspectos morfológicos e sociais.Tal ficha tem a pretensão de criar um quadro de fácil utilização, induzindo, em função de dados conclusivos resultantes da relação entre elementos morfológicos e sociais em uma base local, responder às três questões colocadas inicialmente. O manual do reuso temporário (Inti et al, 2013) consiste em um diagrama prático à intervenção em em espaços abandonados através de praticas temporárias (fig. 15). Este manual parte de elementos inerentes à um tradicional modelo de requalificação, baseado na identificação de uma oferta espacial, de demandas, atores e instrumentos. Este modelo agrega conceitos16 relacionados à arquitetura temporária, tidos como catalisadores de um processo gradual. O manual define sete ações rumo a reativação de espaços abandonados com intervenções de natureza temporária, a partir de uma leitura genérica do estado da arte. A pesquisa de Temporiuso (Inti et al, 2013) parte da definição de uma taxonomia de espaços que confrontados à condições de sociais de interesse prefigurarão ações práticas baseadas em um ciclo de vida definido, tipologia de infraestrutura de tal intervenção, bem como regras claras e instrumentos (políticas publicas) à sua realização. O manual de reuso de espaços abandonados (Inti et al, 2013) ressalta a necessidade de se criar percursos de reconhecimento de vazios urbanos para uma compressão ampla das ações que podem ser tomadas rumo à reativação destes espaços. Este mapa figura-se como um instrumento à identificação de medidas de acupuntura urbana, de praticas que a nível local possam derivar em uma rede estratégica conectada a escala metropolitana capaz de reconfigurar o tecido urbano. A proposta de Temporiuso (2013) consiste na identificação de vazios urbanos, vistos como reservas à experimentação de sonhos coletivos, reativando-os em um regime de concessão provisória 16 Estes conceitos são: ciclo de reuso, regras do uso temporáario, níiveis de infraestrutura e arquitetura temporaária, (processos de transformaçaão) urbana, atores e políticas de reuso temporaário.

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Figura 14 - Ficha Bioclimática proposta por Romero (2001)

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Figura 15 - Diagrama do reuso temporário elaborado pelo escritório Temporiuso (INTI et al, 2013, pag. 47).

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a taxas reduzidas. Tal concessão tende a destinar-se a projetos relacionados à cultura, a associações e startups, pequenas empresas, hospedagem provisória a estudantes e turismo de baixo custo. O percurso de atuação identificado pelo grupo italiano, reforça a ideia de planejamento incremental como útil à reativação efetiva destes espaços resistentes às pressões e especulações econômicas, os quais não podem permanecer inertes à espera de planos e recursos específicos. Apesar de sua especificidade quanto ao reuso temporário e seu desenho de atuação muito claro à proposição de ações de microplanejamento à reativação de espaços abandonados, o diagrama presente no “Manuale di Riuso Temporaneo” mostrou-se útil à elaboração da ficha, uma vez que os elementos nele propostos servem também à avaliação e leitura de projetos existentes, permitindo criar um mapa mental perante ao estado da arte. A ficha (fig. 16) divide-se em três seções: enquadramento, transformação e resultados. A primeira parte visa enquadrar o objeto de estudo em seu contexto, individualizando-o perante os demais. Pontua-se de onde parte a iniciativa, os interessados ao processo e os instrumentos de atuação, os quais representam-se fundamentais a qualquer processo de reuso e requalificação de espaços abandonados. A abordagem dos resultados visa interpretar os impactos do reuso no contexto em que se encontra, tornando assim a ficha um instrumento de analise e reconhecimento de diretrizes de projeto. A importância de partir de uma entrada de dados gerais deve-se à necessidade de interpretação de um fenômeno, um estado da arte que em geral tem sua origem em uma condição geral, mas reage particularmente ao contexto local em que se enquadra. Portanto, estes dados iniciais servem a situarem casos específicos e listarem possíveis indicadores para as medidas tomadas quanto à requalificação de suas áreas abandonadas. A contextualização histórica, apresenta de forma muito objetiva as premissas e aspectos gerais responsáveis por situar no tempo os casos levantados, sendo necessário sintetizar eventos referentes à suas condições precedente à desativação, o evento condicionante do abandono, interesse pela requalificação e finalmente o evento responsável ao inicio do processo de requalificação. Estes dados permitem-nos portanto observar de forma panorâmica as sobreposições temporais que sofrera tal espaço, tornando significativo à construção da memória, à configuração do palimpsesto cidade. A segunda parte da ficha apresenta indicadores elementares à qualquer processo de requalificação: problemática, iniciativa, interessados, instrumentos e programa. Esta ordem é inerente ao processo de requalificação de sítios abandonados, pois estes se encontram no fulcro de uma dinâmica territorial e social. O item instrumentos, diferentemente dos demais, caracteriza-se como elemento filtro da ficha, uma vez que indicam a particularidade das modalidades de intervenção nos casos levantados, posicionando-se como ponte entre o modo em que se encontrava o objeto antes de sua requalificação e seu impacto, uma vez concluídas as obras de requalificação. A terceira seção da ficha analisa os resultados das intervenções de requalificação em espaços abandonados. Devido à complexidade das dinâmicas pós-reuso, esta seção intende levantar informações chave à interpretação dos elementos que refletem de forma direta nos resultados. Em função disso examinam-se os pontos positivos e negativos dessas intervenções, os quais confrontados

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Figura 16 - Estrutura da ficha de Análise de Requalificação de Espaços Abandonados.

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aos itens das seções anteriores, poderão indicar as raízes de suas deficiências ou potencialidades. Esta seção serve, portanto, como elemento de ponderação sobre diferentes aspectos a serem observados quanto a coerência destes casos de reuso no tecido urbano. Parte-se de uma leitura mais genérica considerando os resultados de intervenção em relação à cidade e ao bairro, para em seguida observá-los em escala local, seja quanto a seus aspectos morfológicos quanto sociais. Esta ultima informação posiciona-se como síntese da ficha em si, uma vez que examina o atendimento, por parte dos projetos de reuso, das necessidades reais do contexto em que se encontram, sobretudo se se apresentam como contributo coerente aos anseios sociais.

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capítulo 4

Avaliando os vazios urbanos Aplicação da ficha Após estruturação da ficha no capítulo anterior, este capítulo tem por objetivo a sua aplicação em quatro casos nos quais antigas estruturas abandonadas foram reconvertidas em novos espaços de atividades, são eles: NSDM werf (Amsterdã), High Line (Nova York), Puerto Madero (Buenos Aires) e Estação das Docas (Belém).

A ficha, apta a ser utilizada em qualquer tipo de intervenção de reuso de espaços abandonados, todavia,evidencia a diferença entre duas famílias de planejamento - top-down e bottom-up - identificadas no item instrumentos. O primeiro tipo refere-se à uma tipologia tradicional de planejamento, baseada no desenho de um cenário definitivo para um cliente com os meios para que tal condição seja atingida. A abordagem do tipo bottom-up, ou seja de baixo para cima, baseada nas teorias de Lucius Buckhardt (1970), procura restringir soluções de planejamento, através da formulação e definição de metas somente em etapas. Segundo Buckhardt (1981, apud UrbanCatalyst, pag. 147), ao passo que os grandes sistemas urbanos geralmente aspiram o reordenamento das cidades, a menor intervenção possível poderia estabelecer uma ordem superior que é mais socialmente estável. A relação entre estas duas formas de intervenção em função de como os espaços abandonados estão sendo reutilizados mostra-se portanto como elemento síntese de uma análise dos resultados dos projetos de reuso. Temas contemporâneos, como a priorização do pedestre, respeito às preexistências dos valores locais, aproveitamento da infraestrutura existente, diversidade dos usos, densidade habitacional coerente e boa configuração dos espaços públicos, configuram-se como elementos chaves à comparação entre casos tradicionais e estratégicos (baseados em ações incrementais). Apesar de todos os casos partirem de interesse pela reinserção de áreas potenciais ao tecido urbano, é necessário que sejam identificadas certas dimensões para que se possa verificar o quanto estes projetos de requalificação respondem realmente a anseios da cidade. Os quatro casos, selecionados tanto em função de sua relação com a cidade quanto de seus significados, serão filtrados a partir da utilização da ficha, para que assim se possa ponderar sobre seus aspectos positivos e negativos dentro do processo de requalificação das cidades.

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Ficha 01

NSDM werf Distrito cultural Países Baixos (Europa)

Superfície; 41.526 km2 PIB: US$ 880.394 bilhões PIB per capita: US$ 52.249 IDH: 0,914

Amsterdã

Superfície: 219,32 km2 População: 813.562 Densidade: 10.725,4 km2

26.000 m2 (entre galpões industriais e espaços livres) Abandono nos anos 80 de áreas portuárias e industriais a norte do Ij; Pressão econômica sobre o centro da cidade nos anos 90 expulsa artistas. Processo de gentrificação de artistas do centro da cidade. Artistas interessados à ocupação da área; Grupo comandado por Eva de Klerk e Hussel Dokum, associado a municipio de Amsterdã. Artistas, artesãos, associações culturais. Constituição de Associação responsável ao processo de reocupação; Estratégias de reuso efêmero (fig. 1); Planejamento incremental (fig. 2) (metáfora espacial: A cidade como uma concha). Skatepark, espaços para jovens, espaços para exibições, teatro, espaços temporários ao ar livre, escritórios, residências, restaurantes, espaços para workshop.

resultados

relação com a cidade

relação com o bairro

Reintegração de parcela fragmentada da cidade.

Revalorização territorial; Revitalização de porções do bairro; Requalificação incremental e reintegração com a cidade.

projeto de reuso aspectos Reutilização respeitando uma condição, preexistente como parâmetro projetual. morfológicos Humanização de partes segregadas da cidade (fig. 3)

aspectos sociais


Kunststad (Cidade das Artes)

Fig. 1 Exemplo de instalaçao de natureza temporaria a fim de reativar local com atividades comerciais e artisitcas, possibilitando retomada de locais às suas atividades e aproximaçao com o potencial consumidor.

Protótipo sustentavel “geWoonboat”

Fig. 2 Distrito cultural como base ao planejamento de um projeto incremental de reintegração urbana.

Noorderlicht (Café “As luzes do Norte)

Fig. 3 Agregação e uso do espaço pelas pessoas em estrutura reconvertida em cafeteria.


Ficha 02

High Line Parque urbano Estados Unidos da América

Superfície; 41.526 km2 PIB: US$ 880.394 bilhões PIB per capita: US$ 52.249 IDH: 0,914

Nova Iorque

Superfície: 1 213,36 km² População: 8 405 837 hab. Densidade: 10.725,4/km2

2.4 km (linha ferroviária) Construída em 1930; Extensão limitada em 1960 à rua Gasevoort; Desativação em 1980; Criação da Associação Friends of High Line 1999; Em 2002 Associação passa a contar com apoio da Prefeitura de Nova York; Em 2006 iniciam-se canteiros de obras. Com desativação da linha ferroviária, área resta em condição de degrado (fig. 1), tornando foco de usuários de drogas e prostituição, portanto na mesma década de 1980 proprietários dos terrenos situados abaixo reclamaram sua remoção. Joshua David e Robert Hammond decidem iniciar grupo de trabalho para evitar demolição da ferrovia. Resolução advogando pelo reuso da ferrovia Concurso de idéias Seleção de equipe de projeto Projeto incremental (execução da obra de requalificação em três fase) (fig. 2). Processo Participativo (Friends of High Line) Resolução advogando pelo reuso da ferrovia Concurso de Ideias Seleção de equipe de projeto Processo incremental (execução da obra de requalificação em três fases). Parque linear urbano: áreas de descanso, áreas de apresentação a céu aberto, espaços de contemplação em níveis diferenciados.

resultados

relação com a cidade Cruzamento de três bairros diversos atravessando quadras ao meio e prédios.

relação com o bairro

projeto de reuso

Pela diversidade programática, aspectos Desenho que respeita formação vegetal diferentes públicos desenvolvida espontaneamente. morfológicos são atraídos instigando uma maior Reuso de toda uma extensão da cidade, versatilidade nos promovendo, promovendo maior uso aspectos bairros, impulsionando pelas pessoas e valorização imobiliária sociais (fig. 3). Todavia as novas tipologias valorização imobiliária. de uso tem provido uma espécie de gentrificação progressiva.


Fig. 1 Vista de parte da ferrovia quando ainda abandonada, coberta de vegetação desenvolvida espontaneamente.

Fig. 3 Vista das duas primeiras seções da High Line após sua requalificação. Observa-se pela sua extensão e configuração seu potencial de reintegração da cidade e revalorizaçao imobiliaria de franjas urbans,

Fig. 3 A High Line nao apresenta uma seçao tipica, como se podo observar na imagem acima, onde a vegetaçao selvagem e visuais determinaram desenho de seu passeio, como rapresenta este trecho entre as ruas 25 e 27th, com visual da parte sul da cidade.


Ficha 02

High Line Parque urbano Argentina, América do Sul

Superfície: 2.780.400 km2 PIB: US$ 927,382 bilhões PIB per capita: US$ 22.101 IDH: 0,808

Argentina

Superfície: 202,2 km2 População: 8.405.837 hab. Densidade: 10.725,4 km2

1.500.000 m2 Anos 60 - reflexão sobre estado da área do antigo porto; 1969 - Elaboração de esquema diretor; 1980 - Processo de transformação da área impulsionado por Ministério de Obras e Serviços Públicos; 1989 - Constituição de sociedade anonima, com o fim de conduzir requalificação da antiga área portuária. Consciência da necessidade de reintegração da área do porto, o qual apresentava imagem degradada e abandonada, ao conjunto da cidade. Administração Pública através da criação da Corporacion Antigo Puerto Madero S.A. Administração Pública, investidores privados, comerciantes, investidores imobiliários, empresários, universidade católica argentina. Formação de Corporação responsável por resolução de problemas jurídicos e institucionais; Concurso Nacional de Ideias para elaboração de masterplan; Desenho de cenas (planejamento tradicional pontual). Galpão 5 - 100 moradias nos andares superiores em planta livre. Restaurantes, Atividades de comercio e serviços, Áreas condominiais, residenciais e de apartamento.

resultados

relação com a cidade Reintegração de área degrada com o centro da cidade (fig. 1). Reaproximação da costa à cidade e ampliação das áreas verdes.

relação com o bairro

projeto de reuso

Desenvolvimento imobiliário.

Requalificação de área degradada, no entanto criaram-se barreiras urbanas com a reconversão de alguns edifícios espontaneamente. Maior uso pelas pessoas das áreas públicas, no entanto pouco relacionadas aos usos locados nos galpões convertidos; Segregação social (acessibilidade comprometida) e gentrificação (fig. 2).

aspectos morfológicos

aspectos sociais


Fig. 1 Reaproximação de estruturas existentes ao centro da cidade através da reconversão de edifícios abandonados, resultando em uma melhoria da qualidade do espaço publico e revitalização de área central.

Fig. 2 Passeios públicos configurados como espaços residuais à serviço dos espaços privados.

Fig. 3 Desenho de cenários espaciais nitidamente distintos entre eles.


Ficha 02

High Line Parque urbano Brasil, América do Sul

Superfície: PIB: R$20.597.946,33 milhões PIB per capita: R$14.575,66 IDH: 0,746

Belém, Pará

Superfície: População: 8.073.924 Densidade: 6.470/km2

32.000 m2 1906 - Inicio das construções; 1910 - Crise economica em funçao do ciclo da borracha 1912 - Termino das suas obras 1992 - Realizaçao de concurso de ideias para reutilização de galpões portuários. Impossibilidade de uso pleno de suas estruturas resultando em desuso ainda na primeira metade do século XX. Convenio do Governo do Estado e da Companhia das Docas; Concurso de Projetos. Administração pública (estado do Governo do Pará), Companhia Docas do Pará e investidores privados. Plano de Reestruturação da orla de Belem (Pro Belem), Programa de revitalização de áreas portuárias; Plano diretor 2008 O complexo teve seus galpões restaurados que passaram a abrigar bares, restaurantes, lojas e agencias de turismo. Armazém 1: Espaços gastronômicos, exposição, museu, lojas e serviços; Armazém 2: Restaurantes; Armazém 3: Teatro, área para exposições e feiras.

resultados

relação com a cidade

relação com o bairro

projeto de reuso

Requalificação de perímetro central Reintegração do centro Revalorização urbano, permitindo revalorização histórico com orla imobiliária; não somente de antiga arquitetura (reintegração de espaço Retomada da fruição do portuária, como edifícios do perímetro área abandonada com tecido do centro histórico nos limites da espaço (fig. 2). urbano) (fig. 1) Estação das Docas. Retomada da fruição do espaço através de usos mais apropriados à vida urbana e retomada do contato dos habitantes com margens das cidades são tidos apenas como propaganda do empreendimento (fig. 3). (As pessoas usam o espaço sobretudo como área de passagem, por não haver desenho dos espaços públicos mais elaborado).

aspectos morfológicos

aspectos sociais


Fig. 1 Reintegração do centro urbano com a orla da cidade.

Fig. 2 A melhoria da qualidade dos espaços publicos permite o uso tanto por consumidores dos serviços locais, quanto de usuarios interessados apenas à fruiçao de areas livres.

Fig. 3 Revitalizaçao resultante tanto da requalificaçao das estruturas existentes, quanto da reocupaçao atraves de usos mistos, dentre eles restaurantes, como apresentado em imagem ao lado.


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Os casos de Puerto Madero e Estação das Docas, enquadram-se em uma tipologia de planejamento endereçado à formulação de um cenário definitivo, o qual sem duvidas alcançou seu objetivo quanto à reinserção de vazio urbano ao tecido urbano. Todavia, acabaram por fragmentar outros aspectos da cidade, sobretudo quanto à permanência de lacunas referentes a seus usos dentro da própria cidade. A fim de estabelecer ponte entre as naturezas dos dois primeiros e dos dois últimos casos, observemos rapidamente o que sucede em um antigo vazio urbano no centro da cidade de Turim (Italia). Espaço abandonado por excelência, a Cavallerizza Reale (fig.17), a alguns metros do mais importante edifício da cidade, passa por uma discussão quanto a seu novo destino. Ocupada pela população, membros interessados a torná-la bem destinado à coletividade, desde 23 de maio de 2014, este importante bem arquitetônico posiciona-se no impasse entre interesse publico e privado. O processo participativo que visa transformar tal vazio urbano em um espaço publico por excelência tende a ser sucumbido pelo capital privado que apesar de propor sua requalificação sob uso prioritariamente cultural, criará barreiras à sua integração ao domínio público. O mesmo pode-se dizer que ocorreu nos casos em Buenos Aires e Belém, uma vez que as requalificações realizadas priorizaram o uso publico em detrimento do privado e seus espaços abertos limitam-se a meros resíduos dos espaços privados segregando usuários que não pretendem consumir. Ainda em Turim, observa-se uma requalificação de tal natureza, mas que, em função de seu grau de inserção na cidade e integração com demais serviços, revalorizou-se grande porção da cidade, evitando processo de gentrificação no sul da cidade, a requalificação da antiga fabrica Lingotto (fig. 18) pelo arquiteto Renzo Piano. Todavia, por se tratarem de waterfronts, a tendência é que os espaços abandonados, uma vez requalificados sob o interesse do capital privado se museifiquem e não obtenham sucesso à proposição de um desenho urbano que chame atenção aos usos públicos. Quanto ao High Line Park e ao NSDM, vale ressaltar que o interesse à requalificação parte de um problema, o qual não esta ligado somente à falta de espaços nas zonas centrais, mas também à necessidade de responder à demandas sociais e à revalorização das franjas urbanas melhorando sua fruição. O que, todavia os diferencia de mero microplanejamento é o fato que, partindo todavia de iniciativas locais, essas fazem com que se gere um interesse por parte da Administração Pública à sua efetivação. É natural portanto que tal processo haja uma natureza incremental, por não dispor de recursos para que seja elaborado um cenário definitivo de reocupação, até mesmo porque, se propondo a servir prioritariamente as pessoas, sua adaptabilidade é fundamental à garantia de sua funcionalidade.

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Figura 17 - Corte interna da antiga Cavalerizza Reale em Turim, espaço abandonado em pleno centro da cidade, o qual se encontra sob reivindicação de uso por parte dos cidadãos, com interesse de transformá-lo em um centro cultural, todavia se encontra na mira da especulação imobiliária. Fonte: https://maurocuppone.files.wordpress.com/2014/03/mauro_cuppone_not-here_ participative-viral-art-project_land-art_turin_cavallerizza-reale_casa-occupata_2014-1. jpg

Figura 18 - Antiga fábrica da Fiat no sul de Turim, a qual recebeu projeto de Renzo Piano para sua reconversão em Centro Multifuncional. Apresenta-se como bom exemplo de projeto de revalorização, o qual, a pesar de espaços públicas servirem áreas comerciais, proporciona a agregação e uso pelas pessoas, integrando duas zonas da cidade através de espaços abertos. Fonte: http://www.residencetorino.biz/turismo-torino/torinolingotto/

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Considerações finais

Elaboração de ficha e Análise de Requalificação de Espaços Abandonados Os espaços abandonados

mostram-se como potenciais áreas de resiliência urbana. Esses espaços são tidos como relevantes estruturas resilientes nas proximidades dos centros urbanos, estratégicos no processo de indução da reestruturação de consideráveis fragmentos das cidades. Estes vazios urbanos posicionam-se estrategicamente à definição de novos instrumentos de planejamento interessados à atuar de forma direta na reorganização de fragmentos das cidades melhorando tanto sua imagem quanto sua qualidade urbana. Estes lugares colocam-se diante do paradigma do desenvolvimento sustentável, como forma de evitar o aumento do consumo do solo, responsável à criação de longas distâncias, combatendo, através de uma leitura concisa de seus aspectos intrínsecos, a especulação imobiliária.A requalificação de espaços abandonados, por meio da inserção de múltiplas atividades, reaproxima as cidades de seus usuários configurando escalas mais humanas. Trata-se de uma ação de acupuntura urbana por definição, reunindo premissas de uma investigação/sondagem precisa da cidade a níveis locais e globais, Este trabalho perseguiu por meio dos casos levantados observar elementos gerais nos modelos de requalificação de espaços abandonados. Sua intenção não fora provar que as ações realizadas em Buenos Aires e Belém são equivocadas, mas sobretudo de verificar elementos que rendem os projetos de reuso coerentes às demandas sociais. Eis que nos casos de NSDM e da Highline iniciativas bottom-up tendem a responder de forma mais deliberada a anseios locais. A ficha de análise de reuso urbano não se apresenta em caráter de instrumento definitivo. Sua estruturação baseada na observação de ampla gama de informações pertinentes aos caos de reuso de espaços abandonados, visa ao fornecimento de dados que possam alimentar um quadro cognitivo sobre a pratica de intervenção em tais tipos de vazios urbanos. O propósito é que, partindo desta ficha, se possa construir mapa de casos que direciona à diretrizes de intervenção em espaços urbanos. Diante do método escolhido, lista-se os pontos fortes encontrados e apontados aqui como caminhos possíveis de estratégias de uso de espaços abandonados, são eles: - Sociabilidade, o qual se refere à consideração de um processo participativo, considerando uma rede ampla de atores interessados; - Construção de um plano estratégico baseado de natureza incremental; - Reativação da área por meio de intervenções temporárias ou de microplanejamento (acupuntura urbana); - Adoção de um plano de reuso adaptativo; - Desenho urbano que priorize a multifuncionalidade (usos e atividades) e pedestres, estimulando assim a vitabilidade do projeto de reuso.

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