os tempos e a forma adriano lobão aragão poesia reunida
dEsEnrEdoS
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os tempos e a forma poesia reunida
adriano lobĂŁo aragĂŁo
dEsEnrEdoS Teresina | 2017
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os tempos e a forma | poesia reunida 2017 | adriano lobão de aragão editores adriano lobão aragão assunção almondes leal revisão ilza cardoso laís romero ilustração da capa zorbba igreja projeto gráfico adriano lobão aragão impressão gráfica do povo
A659c
Aragão, Adriano Lobão. Os tempos e a forma. Poesia reunida [1996-2017] / Adriano Lobão Aragão. - Teresina: dEsEnrEdoS, 2017. 228 p. ISBN 978-85-912217-6-9 1. Literatura Brasileira - Poesias 2. Literatura Piauiense - Poesias 3. Literatura Piauiense - Poemas I. Título CDD - B869.1
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I. entre รกridos anseios dispersos [2017] II. as cinzas as palavras [2009] III. yone de safo [2007] IV. entrega a prรณpria lanรงa na rude batalha em que morra [2005] V. uns poemas [1999] VI. outros poemas [1996-1998]
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I. entre áridos anseios dispersos [2017] prólogo-moldura 15 | os prefácios 17 §. α ave eva entre folhas a parreira 21 | as pedras a deusa 21 | e planta a dança em arcanjos estáticos 22 | a uma abelha que se prendeu no âmbar 23 | música, quando calada 23 | o silêncio a dança 24 | breve universo submerso no olhar 25 | percebe-se embebido em tua pessoa 25 | teu perfil esfíngico de agreste ardor 26 | a atenção que tua existência exige 26 | de olhos bem fechados 27 | quando solto ao tempo teu cabelo 27 | em tua boca o contorno retoma 28 | os seios o ser 28 | entre áridos anseios dispersos 28 | da linguagem que te falo 29 | as vestes o corpo 30 | que gesto desvela o tempo 30 | entre etéreos afazeres de fêmea 30 | ouço a tua voz ao telefone 31 | a linguagem o instante 32 | a solidão desta noite 33 | leva-se muitas luas 33 | mulher em saia florida 34 | os joelhos no rosto 34 | entre as formas reclinada 35 | o instante quando levantas 36 | não há o que esperar de teus gestos 36 | abro enfim estas páginas 36 | entre as lendas de tuas rendas 37 | a linguagem a metáfora 37 | quando a escrita deixa-se perdida 38 | revolvendo estas páginas permeio 38 | a deusa as pedras 39 | como traduzir este lugar 40 | o poema a poesia 40 | todas as coisas passam 41 | quantos anos mais serviria 41 §.ω reviver porta este artifício 45 | pouco importa se tomou nota o escriba 45 | labirinto este círculo infinito 46 | toda letra guarda 46 | espalha o dia silencioso diálogo 47 | que outra língua existiria 48 | não cultiva o arado infausto 48 | entretém o relento do instante 49 | a noite devora o silêncio 49 | os passos as sombras 50 | quando todos esperariam 50 | herança 51 | o que há de sensível 51 | das ruas deste outro país 52 | carbono e amoníaco 52 | do dramaturgo racine conta-se 52 | entre dois poetas 53 | sim, mas quem devolverá ao tempo 53 | nenhum homem é sábio 54 | odisseias 54 | a linha os ciclos 55 | e quando retorna a si a oferenda 55 | de anábase, minha fria dama 56 | antes retornar sem honra 57 | o mar a dádiva 58 | deste vinho mil cálices 58 | todos os atos e o restante da história 59 | o tempo a caminho 59 | eis que liberto caminhante 60 | a queda o voo 60 | os nomes as pedras 61 7
II. as cinzas as palavras [2009] prefácio 63 | há ainda este tempo 63 | as cinzas as palavras 64 | as odes os signos 64 | uns versos 65 | então 65 | fábula 66 | o besouro 66 | o mar a praia 67 | dois rios 67 | a estrada os passantes 68 | as alamedas 68 | os semáforos os centavos 68 | as janelas alinhadas 69 | tarde 70 | as tardes as manhãs 71 | a noite 71 | cemitério são josé 72 | o banquete 72 | bloco de sujos 73 | cerro de las cruces 73 | as capas os discos 73 | os filmes o cinema 74 | o filme os cinemas 74 | o tempo as fotografias 75 | não cantaremos o amor 75 | os vasos os anjos de rilke 76 | os gestos o silêncio 77 | desenho em nanquim disperso desenho 77 | os versos dispersos 78 | le esprit de l’escalier 78 | posfácio - de sterne, a vida as opiniões 79 III. yone de safo [2007] prefácio 83 a) yone de safo § 1 e plantam flores onde fenecem os frutos da terra 87 | § 2 dou-te meu cravo, Safo 87 | § 3 recordar? esquecer? indiferente!... 88 | § 4 à maldade já chamou-se tristeza 88 | § 5 a bailarina da Ásia ondula 89 | § 6 não saber teu nome liberta 90 | § 7 assim sutil recompõe no olhar teu traço que vislumbra 92 | § 8 teu corpo ao dormir meu corpo busca 92 | § 9 lançados justapostos os sons da palavra silêncio 93 b) a coluna de São Simeão I. scriptio continua 97 | II. lectio 97 | III. emendatio 98 | IV. enarratio 99 | V. judicium 100 c) interlúdio confissão 103 | a partir de Estrelas de Murilo Mendes 103 | em três versos 104 | a primeira travessia 104 | repastam-se das cartas na mesa 107 | barca funerária 108 d) nordestes Recife, do alto 111 | Campina Grande, anoitecer 111 | Distrito Federal 112 | entre campo e cidade a fazenda 113 e) a árvore de ossos 117 8
IV. entrega a própria lança na rude batalha em que morra [2005] prefácio 125 a) Joana, que bebe os ventos na glória de tua força perdida na ânsia do herói 129 | do alto de sua verborragia dizia o verivérbio 129 | quem, sentado contigo, face a face 130 | o pescador Aônio que, deitado 130 | nesta terra teu canto te assiste entre sina e silêncio 132 | nas calçadas alinhados os fícus 132 | nem úmido nem líquido falar 133 | o que diz à tua lágrima é tua 133 | senhora teu promontório se alteia sempre perene 134 |de nuvem este desenho 135 | toda fêmea 136 | folha morta 136 | caminho e morada 136 b) as cores naturais os catadores de caranguejo 139 | as cores naturais 141 c) a classe operária vai ao paraíso acabemos com esta mentira 147 | um príncipe 147 | a angústia social 148 | tudo que é sólido 149 | pau de fumo morreu 149 | elogio da loucura 150 | o falso profeta 151 | da cultura 152 | sem metáforas 152 d) aos primeiros dias aos que aqui primeiro plantaram uma cruz onde há mortos 157 | aos que fizeram guerra ao gentio bárbaro da nação crateú e crateú-mirim 158 | aos rios do Piauí 159 | ao terror que o nome Mandu Ladino inspira em seus opressores 161 | apontamentos do recenseamento de 1697 162 | aos rios do Piauí 163 | e que o vindouro indigitado absorto dissesse: “ali morreu o afoito Ovídio” 165 | ao ouvidor geral de 1732 166 e) os passageiros das águas as aves que aqui gorjeiam 171 | a voz das águas 171 | o que mais junto se vai 174 | as aves que aqui gorjeiam 177 | a voz das águas 179 |o que a musa antiga canta 180 | o canto autofágico 182
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V. uns poemas [1999] a) o jardim dos anseios morais o campo de flores 191 | revolução inglória 191 | menina 192 | meninos 193 | régua lírica 194 | espaços urbanos 194 | gaiolas urbanas 195 | expediente 195 | rima pobre 195 | estes 196 | ébrio 197 | o gozo 197 | calendário 197 | engenho 198 | outras meninas 198 | terra quebrada 198 | conhecimento 199 | renascença 200 b) os outros alegoria 203 | poema inútil 203 | desfazer 204 | libertinagem 204 | eu & outros poemas 204 | o homem e sua hora 205 | conto de sapos 205 | para além de amores amores 206 | impressões 206 | cemitério dos peixes 207 | vento 208 | nanquim 208 | revoada 209 c) o diálogo íntimo declaração 213 | diálogo 2013 | ousadia 214 | descobrimento 214 | instante nua 214 | batom vazio 215 | poética 215 | a chave 215 | desenho 216 | stresstabs & neosaldina 216 | antipoema 216 | vocação 217 | paz 217 VI. outros poemas [1996-1998] eu percebi 221 | um poema é uma coisa simples 221 | então recordo a morte de Albeto Caeiro 221 | no meio do campo encontrei carros 222 | longe das vitórias 222 | quero minha língua entre teus dedos 223 | tu não és nada mais 223 | entre sal e areia 223 | os tempos e a forma 224
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Em 1997, editei um livreto artesanal intitulado Os tempos e a forma. Nenhum dos poemas constantes naquele pequeno volume de algumas páginas reproduzidas via xérox foi incluído nos meus livros posteriores, até agora. Alguns deles, juntamente com outros poemas dispersos, estão reunidos na última seção deste volume, Outros poemas, incluindo o poema Os tempos e a forma, que não constava no livreto homônimo e só havia sido publicado numa antologia lançada em 1997, referente a um concurso de poemas ocorrido no Rio Grande do Sul. Eis que novamente retomo este mesmo título, Os tempos e a forma, para nomear esta Poesia Reunida, que se dispõe a apresentar os livros de poemas que editei até agora, 2017. Meu primeiro livro, Uns poemas foi publicado em 1999, pela Prefeitura de Teresina, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, como premiação pelo Concurso Novos Autores, Prêmio Cidade de Teresina, 1998. Na presente edição, efetuei breves correções que não interferem no teor do que foi publicado originalmente. Entrega a própria lança na rude batalha em que morra foi publicado pela Fundação Cultural do Piauí, Fundac, em 2005, num volume que incluía também os livros Balé de pedras, de Wanderson Lima, e Fractais semióticos, de Demetrios Galvão. Pouco depois, publiquei-o separadamente, em edição artesanal, de restrita circulação, contando com cerca de 100 exemplares apenas. 11
Yone de Safo foi premiado, assim como o livro anterior, em concurso literário promovido pela Fundac, mas o Governo do Estado do Piauí não se dignou a editar as obras vencedoras daquele ano de 2006, sendo que o compromisso público firmado via edital terminou por cair no esquecimento ao longo das sucessivas gestões do governo e da Fundação Cultural do Piauí. Justamente para não permanecer à mercê de tal descaso, editei a obra por conta própria no ano seguinte, novamente em edição artesanal. As cinzas as palavras foi publicado em duas edições.A primeira, em 2009, apresentando somente 70 exemplares, e uma segunda, em 2014, contando com tiragem bem mais ampla e obtendo uma circulação bem menos restrita. Para esta Poesia Reunida, o volume Ave Eva, que havia sido publicado somente em e-book, em 2011, foi reestruturado e passou a compor, juntamente com diversos poemas inéditos, a obra Entre áridos anseios dispersos, constituindo assim sua forma definitiva. Adriano Lobão Aragão
Teresina, outubro de 2017
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entre รกridos anseios dispersos [2017]
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prĂłlogo-moldura vastos mares esquecidos condensados nesta concha guardai no canto o vento e a vela revelando a sereia que espreita o nauta ancorado no mastro desta surda travessia de areia destilada no breve deserto do ser
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os prefácios §. α ave eva te assisto na nudez que desvela este íntimo diálogo cultivado num jardim de esquecidos anseios morais onde se morre de corpo e de alma em pequena vastidão de pecado e perdão §. ω reviver a odisseia de cada dia despertar na inútil batalha de se perder e se me acompanha a lança em sangue adornada é dádiva da diva dama a quem se deva adorar §. ∞ em silêncio ecoa teu ardor de êxtase de dor e gozo enquanto marchamos solitários para longe dos paraísos reviver
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ยง. ฮฑ ave eva
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entre folhas a parreira mas de tua tez aflora mais que evidente elegia de fruta e aurora e uva talvez teus seios ou tua vulva que entre folhas a parreira sementes espalha de tuas mãos sobrepostas como se a si segurasse suavemente em essência sendo o próprio pomo o que emana teu âmago em colheita inteira somente em si
as pedras a deusa há quem saiba se diante destas pedras em feminina forma revelada talvez atendendo ao nome de deusa um dia habitaram este mundo todos os súditos rezando atentos mas quem sabe se profana ou sagrada a palavra proferida no lábio 21
de cada filho abandonado ao culto inevitável de enigmas e anseios nem se sabe se eram estes os apelos à deusa destes ritos esquecidos não legados aos pósteros bastardos toda humana descendência alheia ao enlace entre pedra e deusa
e planta a dança em arcanjos estáticos e planta a dança em arcanjos estáticos fácil arranjo de arpejo distante entre pétalas dispersas em maio e dançam flores em cores estanques nesses arcanjos perdidos na luz que em escuro silêncio se cante e canta cores em céu difuso entre pétala perdida no azul e dispersa pelo jardim escuro este teu ser multiplicado encanto quando em silêncio planta o canto e a dança
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a uma abelha que se prendeu no âmbar em beleza, delícia e decoro pela tarde divaga a breve abelha desejando a eternidade envolvê-la quando na seiva arriscasse seu pouso mas que outra forma no âmbar deixaria a delicada essência de teu voo muito além dos limites desse corpo no pouso impresso na matéria fria quem sabe o tempo ou o corpo somente revestido na resina do instante quem sabe o voo colhido nesse ventre quando nenhum outro engenho enfim alcance sem que a morte para este fim se invente ao colher a beleza que lhe encante
música, quando calada música, quando calada em harmonia emana silencioso gesto de acorde delicado e ausente, imagem se define sendo presença exata de imaginário traço em concreta abstração
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e quando sem vestes se revela lindamente vestida de teu corpo somente dança imóvel teu ser e sei desta invisível escultura deitada impressa no tempo que sempre única se faz querer e amar apenas mais não sei qual lascivo arabesco tua morena pele esconde onde agora cego vislumbro a escura linguagem da luz e se toca a minha a tua mão sei que teu passo acompanho ainda quando não ouço a vaga música em que danças
o silêncio a dança o silêncio que te circunda me invade os sentidos, eu sei de teus ocultos enleios traçados no arabesco do teu olhar perene encanto do breve instante em que resisto ao estímulo do canto inscrito em tua ânfora vazia, não sei se danças nua no discreto sussurro de teu grito ou te reveste em flâmula a chama do delírio em que habito teu corpo etéreo e suado no silêncio desta página
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breve universo submerso no olhar breve universo submerso no olhar como se tragasse o narrador do amanhã no infinito oceano de um segundo quando a musa se refaz em alcova escura transbordada no leito onde derramo o sêmen que do mar a deusa nasce no breve universo submerso no segundo quando afogado no tempo inexato esvaindo-se em leite sêmen solidão revela-se à leve brisa da manhã
percebe-se embebido em tua pessoa percebe-se embebido em tua pessoa que ver-te é verter-te plena em mistério que não se deixa penetrar em embriagante tez que se desfaz no espírito do vinho que tens disperso em líquido delírio escorrendo pela pele de teu ser
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teu perfil esfíngico de agreste ardor teu perfil esfíngico de agreste ardor todo enigma se faz guardar no âmago que ora revela em linguagem e intento a líquida fala de teu lábio na incessante sede que em orvalho se busca aplacar
a atenção que tua existência exige a atenção que tua existência exige não foge aos sentidos ainda que evitado o olhar e o imaginário sabor de tua pele que se doa somente ao mínimo tato não foge aos sentidos saber o calor de teu ser escondido na distância de breve voz semi-sussurro e tão tênue se impõem o perfume que tua presença abandona quando ausente se refaz inteiramente só
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de olhos bem fechados o que há de tua graça nestes quadros sucessivos que perseguem a aparente fábula de tua personagem ofertada inteira na ampla tela iluminada na escuridão de teu vestido negro abandonado de teu corpo no primeiro corte o que há de tua essência na graça com que levantas suavemente a perna para que abandones inteira o vestido que em algum instante a vestia o que há de teu vestido enquanto mantenho os olhos bem fechados e toda película se encaminha à última palavra que em tua boca desliza
quando solto ao tempo teu cabelo quando solto ao tempo teu cabelo lado a lado em tua face outrora escorria estes tênues fios adornando um felino olhar e ainda que presos tendiam a deixar-se constantemente escapar entretanto há sempre dança em teu cabelo escuro se por leve brisa perdura ou se agita com os ventos que aportam em maio como se de teus fios trançasse a teia de arabesco inevitável
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– a que um dia chamaria vida – em seu traçado de elegância e desalinho
em tua boca o contorno retoma em tua boca o contorno retoma em linha exata o mapa da minha sede onde refaço em incessante traço em tua língua a linguagem do desejo onde invento eternamente o labirinto em que me perco
os seios o ser sinto em teus seios a fêmea forma de teu ser em suave curva em deslize sob o vestir sem esconder o sabor que em saliva infinda o provar e o querer sinto em teu ser a forma de teus seios que atrai todo querer em ardores e desejos de em minhas mãos suavemente retê-los
entre áridos anseios dispersos entre áridos anseios dispersos aguardo o entrelaço de tua letra envolta na trama deste deserto 28
tua voz impetuosa brisa alisa a tênue linha do ar entre a vida e o barro este verbo inacabado entre o âmago de teu ventre e a sede da linguagem arde como barco abandonado no vazio indecifrável pergaminho do corpo
da linguagem que te falo da linguagem que te falo deriva o poema silencioso vento impresso em deserto envolto em luas e sóis entrelaçados arabesco rabiscado no tempo da linguagem que te falo deriva o poema brando afago de nuvem partida brisa recolhida na leveza da página dispersa no gesto aéreo de tua mão da linguagem que te falo deriva o poema tinta esculpindo na língua orvalho e poesia delírio da voz que principia o ocaso de tua breve estação
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as vestes o corpo sabei, senhora, que vi tuas vestes deixadas ao acaso pelo caminho que permeias entregues à suave brisa da manhã de abril o elegante vestido a simples saia alçados ao varal do tempo em que maturas tua nudez que tecido, senhora, envolveria tua forma se para além da impura e bela matéria na qual encarnas nem teu corpo encobres a beleza extrema desnudada em tua pele
que gesto desvela o tempo que gesto desvela o tempo tecido na linguagem dos sentidos escondidos no labirinto de tua forma felina esculpida no vento
entre etéreos afazeres de fêmea entre etéreos afazeres de fêmea quando vestida de perfume apenas tua pele esta mínima aparência é tua a essência espalhada pelo ar 30
certo que perfume é tua saliva que desliza de tua língua à minha orvalho invadindo todos os lábios ao menor contato de meu ardor ou lágrima escorrendo levemente de teu rosto por todo o corpo nu neste instante em que deliras de gozo teu perfume é teu corpo despido plenamente ofertado aos meus sentidos eternizada em todo ar que respiro
ouço a tua voz ao telefone ouço a tua voz ao telefone nesta tarde neste instante enquanto pássaro ao longe desfia um novo canto tua voz teu encanto na presente ausência em que inteira te refaço teu corpo não tua roupa vestida sim de desejo alma e voz que ecoa no estreito espaço da tarde
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ânsia que habita teu corpo ou habita o espaço que entre nossos corpos tua voz se torna laço quando enlaço em tua voz tua língua sedenta da sede que me consome ao ouvir tua voz ao telefone
a linguagem o instante na misteriosa linguagem que evoca tua imagem desenhei teu nome em meio à minha sede que permeia a lasciva água da margem de tua fonte onde pássaro e folha perdida deposita o canto e toca o tremor de teu reflexo a língua e o gesto que guarda em minhas mãos a medida de tua concha onde se encontra colhida tua face espelhada nomeando o momento e a memória sem dádiva para além dos afazeres da sede e da fala pois teu nome na água escrito inunda o instante mas qual margem se desfaz no limiar do encanto
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a solidão desta noite a solidão desta noite devolve-me às linhas de teu corpo e lentamente engana os sentidos como se a essência de tua falta comovesse algo além do tempo e seu inevitável desígnio desenhado na brisa e assim recomeçamos mãos e lábios entrelaçados e toda a beleza de teu suor trêmulo sussurrando o vazio que tua ausência concede na brisa que em meu corpo desenha teu corpo no silêncio da amplidão
leva-se muitas luas leva-se muitas luas para no escuro mergulhar na luz espessa que paciente engendra sua fuga levando muitas luas para a escuridão do luar leva-se tempo para amar a pétala derramada no arado arcaico resvala e queda onde terra não há leva-se tempo a traçar a linha da brisa semeada se na colheita o tempo é sempre tênue e enganoso quando a pétala da lua se esvai na brisa da noite
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mulher em saia florida espera a onda o pé sobre a areia branca e se deixa levar na dança do vento espalhando o mar emaranhado em teus cabelos feito arabesco revelado em luz e cor espera o sol acender as cores do teu corpo exposto ao infinito refletido na retina do tempo enquanto te veste a dança desta vasta primavera recobrindo de flores a delicada curva de tua cintura
os joelhos no rosto corpo concentrando os joelhos no rosto não encobre o sorriso o gesto de concha ao sobrepor pé ante pé e revelar-se em outra concha os lábios de teu íntimo revolvendo a margem de teu riso ante toda forma matéria e visão que teu corpo proponha guardar há também teu olhar bem pouco revelado para melhor mostrar o que talvez haveria na delicada textura que uma perna emoldura e outra por tua mão segura talvez queira afastar 34
a outra mão escondida sob teu corpo estaria como poderia tocar ou para enlaçar deveria antes tua concha adentrar
entre as formas reclinada assim deitada teu perfil revela não a púbis encoberta pelo corpo pelas costas entre as formas reclinada mas pelas curvas de tuas ancas abre-se em ponto e ânsia a flor que dança em teus quadris no momento ainda que descansas quem sabe das ânsias que reclama o corpo quando em perfil procuras a chave que propões guardar
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o instante quando levantas o instante quando levantas te assiste em ânsia e dança o olhar que aproxima o gesto distante em medo em gana em gozo enquanto o encanto se derrama em tua boca
não há o que esperar de teus gestos não há o que esperar de teus gestos se distribuis risos aos amigos ou cultivas tua solidão pouco há de ti no instante em que revelas a consequente leitura de tua mão se a marca deixada outrora em sulco em fado se aprimora o que dizer agora do brilho que tua dança envolvia cicatriz de fantasia resquício de ilusão
abro enfim estas páginas abro enfim estas páginas cultivadas em incerta lira e vejo no desfiar destas linhas a imagem e o som de tua dança
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abro enfim esta ânfora onde deixo imerso este verso em vinho e saliva não haveria nenhum alívio existente abro enfim esta ânsia em tua caligrafia femeardente
entre as lendas de tuas rendas entre as lendas de tuas rendas revolve-se a senda inserida em teu ventre misteriosa essência envolvida em lingerie imponderável adereço anteposto à tua nudez esta trama traduzida em dança que antecede os afazeres de tua cama
a linguagem a metáfora a linguagem de teu olhar destrói a metáfora nostálgica do paraíso perdida na alegoria de uma luz lilás revolvendo a escrita em discretos gestos sem cor pouco há de tua presença nas entrelinhas do mesmo verso ou na solitária companhia das ausências esquecidas
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quando a escrita deixa-se perdida quando a escrita deixa-se perdida neste emaranhado de letras recolho em meu ritmo ofegante absorto toda linguagem esvaída sei dos silêncios e sussurros habitantes do grito de teu ser engendrado em gestos mínimos quem sabe tua língua esquecida serei mas ante teu arfar amoroso que outro idioma tua ânsia traduzia além da caligrafia escondia em teu corpo
revolvendo estas páginas permeio revolvendo estas páginas permeio teu rosto meu reino deste mundo onde cultivo todos os equívocos os mesmos acertos que não possuo inscritos nestes livros esquecidos no último instante da estação das chuvas quantas páginas envolve este verso se resumido entre o olho e o rosto absorto esconde na infinita entrelinha a ânsia gravada na escassa tinta do signo 38
que serena revela tua face entre livros molhados ao relento quando entrego o lavor da mão ao verbo que transborda a lira úmida do ser
a deusa as pedras sobre a rocha deitada braço aberto em arco os seios se alçam ao alto como a revelar entre pedra e pulso seu ponto de transcendência escultura serena que caída mais flutua que jaz quando posta em repouso na altura plena do firmamento circunscrito entre dedos pulsos braços seios e logo abaixo uma pedra esta existência que sustentas
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como traduzir este lugar como traduzir este lugar de palavras composto e em cada ser em torno desta lira desfiar a linha perdida no ar e na graça do corpo como traduzir este corpo ambiente e paisagem decantado na imagem que meus olhos ouço queimando o âmago do osso da alma à margem amarga paisagem contida em tua língua doce como outro idioma fosse em poesia não se imprima como traduzir a sina deste lugar que não me coube
o poema a poesia se enquanto há risco há esperança escondida na tênue trama de silêncio e carícia onde repousa palavra carente de signo à tinta demarca em linha o ensaio e desafia a razão delirante da lira sem enfeite do acaso em traço sombrio do silêncio que te veste enquanto tantos versos lia envolvendo teu ventre como arabesco em pergaminho mas despia a íntima linha de tua rima estas vestes ofertadas ao itinerário da escrita demarca o ritmo destes passos despidos bem antes de vesti-la em invisível signo 40
qual o risco de escrever teu corpo refúgio do delírio entranhado em teu ser qual palavra esconde tua completa nudez
todas as coisas passam todas as coisas passam para que possam adormecer em teu seio entre áridos anseios dispersos na areia de teus passos talvez no vento pássaros e palácios disfarçam a arquitetura alada do tempo em que imagino meu fruto germinando em teu ventre esperando reconhecer meu rosto antes do esquecimento
quantos anos mais serviria quantos anos mais serviria quando além desta longa vida em que nenhuma outra pastora pastor nenhum esperaria em quantos versos ficaria a forma aguardando a medida que em tua pele deixaria orvalho adentrando a rima 41
o risco o delírio o sorriso em teu corpo tudo que sinto e tua alma talvez não seja apenas nudez e beleza nem esta brisa libertina mas tua essência feminina embriagando toda a sina em cada instante há poesia nos anos em que mais serviria ainda além desta longa vida
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ยง.ฯ reviver
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porta
este artifício
porta este artifício aonde levaria se aberta estaria à espera da solução o enigma que dois mundos separa uma linha este artifício linha este ofício equilibrar signos e sentidos entre olho pena e tinta quando olho além da porta seu espaço vazio evoca uma saída este artifício
pouco importa se tomou nota o escriba pouco importa se tomou nota o escriba de toda palavra inserida no instante se o peso do verbo esmaga a entrelinha e o que escrever do signo dessa sina se a esfinge não é cruel com quem assassina mas com aquele que decifra a linguagem do enigma
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labirinto este círculo infinito labirinto este círculo infinito de som e espaço ocultando a saída neste espelho perdido em meu ouvido olhar mergulho viagem vertigem labirinto neste íntimo caminho nenhuma linguagem diz o que digo toda fala guarda o mesmo destino sempre repetindo o vício do giro toda linguagem diz mais do que digo desenha o tempo um eterno rabisco espelho silêncio palavra origem reflexo sonoro escutando o ciclo seria a alma o delírio seria labirinto este verbo substantivo
toda letra guarda toda letra guarda gesto que a sustente se deixa ali a marca mesmo quando usada tinta transparente obra abandonada pelo escriba ausente sendo agravo ou falta seu decoro falha sua letra mente 46
força desusada morte consequente vento abandonado traço sem ornato fruto sem semente
espalha o dia silencioso diálogo espalha o dia silencioso diálogo em sua imensidão vazia esperando a escrita de deus onde amareladas folhas caídas derramaram seu colorido no chão empoeirado de adeus é longa a estação do dia e suas marcas enfim depositadas em cada corpo que habita e lentamente recolhe seu curso talvez esmola ou tortura torna-se eterna e tênue a estação e não há outra face ofertada além da rápida sucessão de meses abreviados em estado de rascunho
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que outra língua existiria que outra língua existiria entre a linha e o olho à margem da exegese anterior à própria obra leitura dispersa em sobras apanhadas no vento estas notas inseridas no livro em que falta a página que desafia o criador
não cultiva o arado infausto não cultiva o arado infausto a imagem da flor nascida no campo vazio tendo por testemunha somente a presença da própria existência e fascínio não leva sua lembrança o vento nem deflora o despetalar paciente da beleza que não se deu a conhecer apenas em terra deixa a semente que sozinha renasce ou apenas na relva estende entre anseios e tormentos a provável incerteza de existir
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entretém o relento do instante entretém o relento do instante o silêncio do campo vasto abrigo de insetos ventos e canto de pássaros invisíveis ao ouvido do outono nenhum silêncio é vazio repete este canto entre galhos secos arbustos e avoantes que um dia habitaram desta noite o instante e seus grilos perdidos na sinfonia de ruídos este silêncio refletindo o olhar de campo incontido
a noite devora o silêncio a noite devora o silêncio da paisagem entre grilos aves e o estalo dos passos deste olhar vazio e o céu que engendra a eternidade no orvalho esquecido no mar a onda devora a ânsia da praia entre areia lama gala o óvulo de terra prenhe de vácuo e oceano incrustado em ostra gestando a noite e o restante do mar
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os passos as sombras e submersa no ardor do meio-dia persiste sua sombra na mínima vastidão do que lhe resta do dia dividido em sóis e no andar lento e apressado de transeuntes dribla no solo sujo sua umbra dispersa em multidão abandonada sob sua imensa projeção vívida e imóvel passista ante o ardor de um meio-dia
quando todos esperariam quando todos esperariam uma última homenagem e longe bem distante deste bar onde entediado um copo de espuma repleto ergue e esquece que longe dali caminha sozinho pela mesma calçada em que permanecia diante do próximo gole a esperar e erguia portanto a indiferente saudação se cega ou surda não se sabe o que se vê posto que quando todos esperassem uma última homenagem é tempo de erguer-se e seguir alheio 50
herança sei que habitamos entre bárbaros estes que há pouco aguardávamos e há muito estão entre campo e paisagem desta paragem posto que aqui não foram postos mas nasceram como se de longe trouxessem essa aversão ao que é tênue e lírico com o olhar cego por séculos e séculos além quando deles nascíamos e nasceremos
o que há de sensível o que há de sensível em meu íntimo não se comunica ou se desdobra em gesto de inexata comunhão como parte deste rito dividido entre fome e compaixão ou quando sozinho diante da própria fronte principia outro desconhecido rosto sobreposto e bem mais inteiro no espelho partido ao peso do corpo em apoio [na pia do banheiro e não sei se serei eu em cada caco laminado [ou no sangue em minha mão ou na face que exponho oposta ao riso que guardo na solidão que encontro nestas poucas paredes em que me perco pelo óbvio labirinto pulsa na palma o caminho que meu íntimo não comunica ao que há de sensível 51
das ruas deste outro país e se cesário verde tempo teve para ver paris antes de morrer nenhum verso acompanharia este passo nem lisboa infecta nem dama do paço ou os poucos poemas agora vastos seguiram além da península cesário que tempo teve de os ter escrito e quem sabe levá-los pelas ruas deste outro país desconhecido dos vivos
carbono e amoníaco profundissimamente pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico este delírio me causa repugnância análoga à ânsia que se escapa da boca de um hipocondríaco
do dramaturgo racine conta-se do dramaturgo racine conta-se esta infância de um romance pouco enobrecedor e de claude lancelot o sacristão que de suas mãos retirou-lhe as profanas letras e as devolveu às chamas então
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e que haveria em mãos outra cópia cuidadosamente lida e entregue ao sacristão que também pode queimar esta agora
entre dois poetas não se sabe quantos lamentaram a morte do poeta gao qui cortado publicamente em partes no sangrento ano de 1374 não se sabe se tantos são novos enlutados para além da véspera da festa dos mortos ou apenas as almas que esperam no futuro ler o dístico do grão de lótus que antecede a execução de jin shengtan
sim, mas quem devolverá ao tempo sim, mas quem devolverá ao tempo as pegadas esquecidas no vento estas farpas colhidas há pouco guardadas na palma da mão em silenciosa palavra que ecoa
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nenhum homem é sábio depois da fadada viagem do venerável beda que antes da fadada viagem sabe que homem nenhum é sábio e sabe que antes que a alma parta é preciso refletir sobre o bem e sobre o mal que se fez e que se faz e que receberá depois da fadada viagem do venerável beda que antes da fadada viagem sabe que homem nenhum é sábio e sabe que antes que a alma parta é preciso refletir sobre o bem e sobre o mal que se fez e que se faz e que receberá depois da fadada viagem do venerável beda que antes da fadada viagem sabe que homem nenhum é sábio e sabe que antes que a alma parta é preciso refletir sobre o bem e sobre o mal que se fez e que se faz e que receberá depois da fadada viagem do venerável beda que antes da fadada viagem sabe que homem nenhum é sábio
odisseias aqui chegamos todos que não sabíamos quantas odisseias contém uma odisseia esta que é todas as viagens do sutil olhar que se move ao balanço cotidiano do coletivo àquela que a mão levanta em pedido de parada àquele que em família abandona-se em solidão e há léguas dali se desfaz
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mas aqui chegamos todos ainda que não saibamos do rosto do pai o filho que tanto o procura e agora não há o que e se não olhamos uns aos outros nesta sala de estar é que enfim chegamos todos aqui
a linha os ciclos no silencioso percurso em que se perde o segundo os ciclos entrelaçam o tempo disperso entre os riscos da mão onde escondo a sombra do tempo que devolve seu gesto ao mundo
e quando retorna a si a oferenda e o que saber de teu anseio entregue ao ventre e ao seio alheio [quando retorna a si a oferenda [que há pouco somente sêmen seria? e que força haveria em teu sangue que não vê as marcas [de teu semblante impressas em um outro ser? e como artífice tenaz empenhas o obstinado ofício [de reinventar-se em imagem e semelhança [na fêmea que emprenhas 55
e eis novamente em teus braços os traços que em ti afirmam [a perpétua condição de semeador e como impetuoso autor revisando a própria obra [chega até si o desejo e a hora [de descartar o esboço feito outrora e eis que riso e mão se estendem apenas a um dos irmãos [para que corra o risco e o destino de existir em vão e que seja a mão que se ergue em fratricídio [a mesma que jaz em suplício [e ambas as duas palmas de tuas mesmas mãos e o que saber de teu feito quando retorna a si a oferenda [que reafirma em teu filho teu genitor?
de anábase, minha fria dama de anábase, minha fria dama, trago estas lendas escassas onde o frio enrijece os nervos sem esfriar os desejos de anábase, minha fria dama, trago estas lendas escassas o meu corpo caído em batalha nos campos gelados insepulto abandonado e minha alma repousando ao teu lado de anábase, minha fria dama, trago estas lendas escassas o horror do sangue derramado em lança a vitória inútil que nem aos mortos alcança e a derrota gloriosamente estampada em soldado em criança de anábase, minha fria dama, trago estas lendas escassas quando afio a lança antes da próxima última batalha quando ouço em conflito o eco de tua doce fala 56
quando toco a tua mão que minha mão desarma quando em meu peito esqueço a arma que o inimigo encrava de anábase, minha fria dama, trago estas lendas escassas o guerreiro que morre ao lado do próprio escudo despedaçado a capa aberta inerte a lança inútil caída o elmo desnecessário rio que segue em neve em sangue em breve outro rio alcançado de águas sangrentas eu trago estas lendas de remoto passado onde uma fria dama teria de seu eleito o retorno inesperado
antes retornar sem honra antes retornar sem honra a recolher-te espólios e tesouros aos pés enquanto vejo descer o anjo trazendo nas mãos a chave do abismo diante da interminável multidão de oferendas não resta ao homem mais que o mar e a terra destas letras a escritura do escriba que acende a primeira manhã deste mundo antes retornar sem honra a sonhar o inimigo reduzido a uma ínfima legião de poucas lanças e marchar esperançosos à derrota iminente antes a solidão do poema antes a breve sina o amor urgente e esta lira que não sabe quando existirei
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o mar a dádiva e se tiveres que admirar-te admira o reflexo distante diante dos que duvidam a repetir o som à noite em chuva e névoa onde repousam as arfagens do mar de onde vieram e quando tiveres entrado na terra em que habitas ao banquetear-se nos salões tranquilo admira também a dádiva da flor azeite e vinho deixada em sacrifício pois sempre o cercou o mar dos ancestrais
deste vinho mil cálices deste vinho mil cálices não lavaria a dor mas instalou diante do altar tocadores de harpa a fim de tornar doce a melodia de seus cânticos e atiça as abrasadas ramas na chama dos olhos destes cães do inferno então ajusta ao nervo a flecha amarga se mandado foi à terra por ser um homem destro enquanto brotam as flores assim é a estação do fogo e seu benefício renegado ao homem e ao djim
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todos os atos e o restante da história todos os atos e o restante da história a casa de marfim que edificaram e todas as cidades devastadas não está tudo escrito no livro inconsútil quem nos diz que não decidirão combater noite adentro se cruéis e propícias estrelas presidem a sua gênese quando deixou-se que festejassem iludidos entre mulheres à espera junto ao tear e suas cartas esquecidas no caminho dos que desejam a glória mais que a vida
o tempo a caminho lembrança divagando seu balanço neste caminho distante e esquecido segue seu passo um concerto impreciso passado destino rabisco remanso entre folha cisco cinza reside lembrança divagando seu caminho alguma poeira memória resquício imóvel vento que no instante existe protótipo operário do destino labirinto de areia derramada neste adeus desenhado na água lembrança divagando seu ofício 59
eis que liberto caminhante eis que liberto caminhante por estes campos despejo a inútil lira dos passos cultivados em desprezo e ardor solitário caminho pois se preza a música que o vento dispersa preso em teu cabelo escuro o silêncio pesa o encanto da vastidão vazia que escuto
a queda o voo o que sei dos anjos se caídos ou suspensos se terríveis ou afáveis o que nem de mim sei se farei a devida lembrança do nome dos seus ou se terei os restos da herança do êxtase de santa teresa para além de toda delícia e delito que a linguagem atordoa não sei se no seio de cada ser ressoa o gozo suspenso no ínfimo instante do voo
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os nomes as pedras deixai aqui nestas pedras o nome e a fábula daqueles que almejam a revelação para que o tempo os apague plenamente em sopro enigma e luz a mais cega das visões comei e bebei com satisfação pelo bem que propiciastes em dias passados à espera da palavra e seus cavalos que árduos disparavam pela imensidão do verso deixai também este verbo impresso em talhe na mesma pedra de seus nomes tu que és tantos e deixas tão pouco para que o tempo também esqueça entre as pedras a inútil memória do corpo
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as cinzas as palavras [2009]
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prefácio era às vezes apenas..., seria esse um começo
há ainda este tempo há ainda este tempo que nada deixa amadurecer há ainda esta tarde depois dos dias e esta esfinge escavando esquecidos enigmas como se os refizesse reviver há ainda este tempo de se viver somente assim a repetir os gestos em que costuram em si o fim do início e o início do fim esta mesma face esquerda doada em dízimos às dezenas há ainda estes dias
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as cinzas as palavras pintada em verbo angústia nenhuma palavra incendeia decantada a mesma iluminada metáfora escura seguindo em eterna fuga do discurso que se perca expressão que inexata deseja toda exatidão envolta entre sim e não se refaz a dúbia certeza exatidão toda inexata que deseja expressão qual verbo abandonado por remota prosa incontida qual chama irrestrita escrevendo seu ardor devastado cinza palavra ao vento calado palavra descrita como que semeando a si espalhando do vento ao gosto as cinzas em torno de todas as obras a destruir
as odes os signos estas odes que aqui se erguem como estranhos obeliscos emanam como desencanto louvando o próprio canto palavra perdida lançada em busca de alheio signo este verbo disperso em distante campo de poeira areia estéril onde não canta tágide nem musa estância onde não se encontra em seus cantos engenho e arte nem alegre lembrança vestida de esquecidas ânsias nem rústico altar profano onde sem música se dança aquém dos verbos de outrora além dos versos de amanhã 66
decantados em prosa elegia e hino assim recordam estas odes aqui erguidas em busca de signo alheio
uns versos entre linha limpa descanso sutil não se desdobra claro enigma em superfície inerte paz abandonada o inexato revelar de obscura possibilidade ou sem linha alguma talvez planta ou gelo ou chama abstrata ameno vácuo inscrevendo a simbologia do caos surdo grito perdido em tinta pelos signos da mão este estranho arabesco de murmúrio e cinza detém esta palavra infecunda em lauda congelada em vão rabisco hieróglifo ideograma eólico beijando o vazio nem mestre nem discípulo em apagada estrada escura como palavra reescrita esquecida de acontecer
então em perene forma permanece em idade e fortuna tudo que no tempo não muda nem tempos nem vontades nem mentira nem verdade penetra a forma profunda somente em mim depositou-se irrelevante mudança talvez desnecessária dança que o cair das folhas trouxe talvez inseto da noite que de seu brilho descansa
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quem sabe silêncio de outrora agora outra hora propaga antes de ilusão inata à matéria apurar sua volta em perene forma precisa mas dispersa inexata somente em mim depositou-se irrelevante reverso de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce
fábula cheiro molhado de mato e terra úmida fina poeira sob as telhas da antiga casa o desprender silencioso e certo das folhas secas uma a uma encontrando seu tempo derradeiro certas formigas aladas atraídas pelo clima e pela luz após pasto de aranhas seus corpos abandonados inútil armadura do tempo o imutável evocando como o que leve é levado pelo vento
o besouro cai um besouro em meu ombro e no ar deixa desagradável aroma cai no ar o desagradável aroma que o besouro em meu ombro deixa voar
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cai no aroma o besouro desagradável no ombro se deixa estar
cai no ombro o aroma deixa o besouro no ar
o mar a praia vento e água procuram a praia em sucessivos enlaces ondulando sua dança entre espuma e sal se esvai a vaga dispersa na areia mas guardada em música sua concha enlaçada em dança se esvai a vaga alagando a praia e alastrando-se pela areia dispersa espuma e sal beija sua orla e recua somente para retornar sua dança novamente à praia novamente ao mar movendo-se apenas dentro de si estático abalo reencontrando assim seu início e fim no mesmo lugar água e vento dispersando o tempo entre espuma e sal abrindo caminho sem volta teimando em retornar
dois rios há em minha terra dois rios silenciosos um estendido em verde tapete de aguapé onde não mais trafegam canoas apenas diminutas criaturas buscando seu pasto
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outro árido tapete árabe onde todos caminham acima de sua face
a estrada os passantes e como palmilhassem numa estrada de óleo e tela aos pares os passantes e que três mais ao longe arrastem seus passos pela areia e que dois adiante permaneçam parados e que um se curvasse levantando ao joelho a calça diante de um córrego de água esta outra estrada
as alamedas esta que ao nome não atende como alameda que não justifica razão de ser sem este caminhar lento que a percorre passo a passo em caminho sem lenda 70
entre esquinas plantados o caminhante e a via e em cada extremo um rio passaria e se encontrariam adiante longe desta avenida
os semáforos os centavos assim estende o homem no asfalto seu pasto de esmolas em segundos ao público entrega a dança dos centavos e desarmado de adornos seu palco entre faixas se arma um que nestas postiças pernas trôpegas se equilibra um que entre as mãos lança em chamas de querosene seu risco outro exposto em malposto corpo ensejo de compaixão este escambo estas mãos este instante entre o tráfego parado pelos vidros seus gestos estendidos em doação outros absortos somente na luz indicando a espera para passageiros e condutores que apenas aguardam que o tempo ainda lhes conceda algum possível alento
as janelas alinhadas as janelas alinhadas enlaçam linear desenho lado a lado o silêncio lento que além a linha traça que outros tempos demarca sem outras usanças e empenho 71
as janelas em desenho enlaçadas em vaga dança ritmo parado que se alcança em imóvel movimento como dança lançada no tempo em linha que descansa aprisionada em sua planta alinhadas em seu estar justapostas entre rua e lar em tempo de esgoto e lama mudam-se donos e damas esquecidos de mudar pelas janelas em seu fiar ficam as linhas as cores ficam as ruas as dores e tudo que insista em ficar
tarde pouco há que perturbe a árida tarde o murmúrio seco das árvores mortas o meio-dia insistente como ingleses e cachorros loucos e o vento ausência dividida em partes desiguais
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as tardes as manhãs as tardes quentes e iguais a todas as outras as manhãs desprovidas de ânsias vãs seguem lentamente aos currais como se guardassem mais que o passado dos dias de amanhã e perene a si tece a tarde disposta sobre nós como noite de homem só como tempo que não se mede agudo vento que segue sem rumo sem prumo sem voz iguais a todas as outras se tramam em nós as marcas em caminho aberto a faca como vento leva suas folhas iguais a todas as horas na erma eternidade do nada e perene a si tece a tarde disposta sobre nós as tardes quentes e iguais a todas as outras as manhãs
a noite que seja à noite tarde da noite e nada mais se enxergue e nada mais se espere nem canto algum destoe ainda que apenas fosse este silêncio certo de prece qual áspera certeza suave como árvore sem folha que somente recolha o último instante que lhe baste que seja tarde tão tarde que outra porta não se escolha e nada mais se enxergue nem amigos nem destinos onde todos estão dormindo e uma leve brisa reste tênue e inerte que o pensamento esquece que estou sozinho 73
sem incomodar ir embora na calma de quem parte tranquilo mas que não seja à tarde a mais morta das horas
cemitério são josé estes que talvez aqui não mais se encontram abrigados em respectivos jazigos que dos herdeiros herdaram nesta terra se revestem de lembrança e esquecimento sob a sombra de antigas árvores silêncio tardio sob o passo lento de transeuntes e de abandonados gatos leves passos sob céu chuva e nuvem se resguardam apenas o ponto e o porto em que seus corpos decompostos inertes se reencontram dispersos nesta mesma terra semente perene como a noite que lhes protege sob a sombra destes túmulos nas linhas desta lápide talvez aqui se revistam de esquecimento e lembrança
o banquete as sete almas desta família aqui se encontram se louvam os antigos ou guardam seus mistérios aqui encontram seus gestos recolhidos em olhar distante 74
aqui se reúnem lado a lado irmanados e entregues à digestão do silêncio
os blocos os sujos e todos sabiam que ali estavam todos sujos do que sua alegria era possível conceder e todos sabiam que era apenas carnaval aquele cortejo trôpego desfeito de fantasia e ilusão
cerro de las cruces quem fez de aço os pássaros ensinou suas asas a baterem quando em chamas (aquele que colheu em seu trajeto os motivos que dão aos astros o rastro de seu itinerário)
as capas os discos ontem eu vi o disco da vaca à venda na galeria onde há muito naqueles campos estranhos me perdi entre os riscos do vinil motocicleta e sinfonia
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ontem eu vi um velho em um quadro carregando lenha adornando em parede destroçada a capa de um álbum e a iluminada escuridão de um dirigível de chumbo ontem eu vi o álbum branco que depois de muitos anos pude perceber as matizes dispersas de suas cores e seu discreto nome de besouro impresso em relevo mas há muito dispostos em silêncio seus sons evocam sonora imagem retida na retina da memória
os filmes o cinema estes os movimentos para cada persona em cena sucessivos quadros alinhados em surda sequência como película nos revela à retina incolor estas sequências e gestos e lendas estas legendas em lente enquadrada entre negras lacunas uma fala ou breve alegoria inscrita para alegria e dor em silêncio que se comunica a todos os sentidos ainda que luz e sombra desprovida de som e cor
o filme os cinemas
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o que vi nesta sala de exibição jamais verei na seguinte sessão no rex no royal no centro de convenção o que vejo nesta sala a sua própria e escura exibição
o que aqui se projeta nestes olhos que aqui [se encontram aqui estão o que vi apenas não o que outros aqui agora verão e o que somente a mim se mostra a cada projeção e depois nem a mim novamente serão as mesmas imagens repetidas em tantas cenas [em tantas salas então revelando a cada um uma outra nova atenção
o tempo as fotografias em tempo: antigo passeio fixado em sépia de bordas um dia brancas agora amareladas de data em um canto auxílio da memória em torno do que ainda é possível lembrar em tempo: olhando o olhar de outrora a vida para um instante para a pose
não cantaremos o amor ainda que nos fosse permitido não cantaríamos o amor se há profusão de tradições diante da dúvida não reclamaremos 77
se parecermos pobres demais para os cantares nem traremos à tona sensações submersas do passado da infância das profundezas de onde provém a própria vida e ainda que em nossos túmulos habitem novamente flores amarelas e medrosas não cantaremos este amor que resultou inútil
os vasos os anjos de rilke terrível, eu sei, todo anjo é terrível que se gritássemos ante a presença constante, sei, nem anjos nem amantes mostrariam seu impetuoso coração e tu, graciosa dama, que indiferente me abandonas satisfeita e infeliz talvez tuas franjas felizes por ti estejam ou tuas mãos em prece a moldar os vasos talvez, na praça que desconhecemos quem sabe se entre estas cinzas e cores às asas do desejo teus anjos assistam
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estes que expõem à indiferente sina como o olhar de um cão parece pedir enquanto tu esperas a mão gentil
os gestos o silêncio o aéreo gesto de tua mão suave fala silenciada em azul seu tom espalha o passo do pássaro no ar perdido em amplidão seu canto prepara contido em calma em chama adensada e para seu voo sua cor sua asa no gesto aéreo que tua mão então se cala
desenho em nanquim disperso desenho desenho em nanquim disperso desenho livre linha escrita de sombra e luz teu rosto às vezes em riso sereno suave saudade tristeza produz teu pranto às vezes ameno distante seus laços estende em torno da mão e suave acolhe uma lágrima errante de tinta e encanto teus traços serão quem sabe rascunho ou leve rabisco um traço presente onde ausente estás quem sabe o risco guardado destino
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pressente um olhar e um riso se faz quem sabe a vida nos traços que imito deseje o instante deixado pra trás
os versos dispersos escrever acerca destes caminhos por formigas apenas percorridos prosaico verso devolvido ao lixo ou entulho espalhado no quintal vendem-se algumas sílabas caídas em quatorze versos postos em quatro quem sabe tosco rabisco concreto disperso em traços de um autorretrato entre íntimos diálogos alheios devaneio em meio a jardins e anseios muros putas e puras moças em flor fragmentos dispersos ou versos vencidos pelo tempo pela vida pelos livros acompanhando algum possível autor
le esprit de l’escalier
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inútil lembrança esta escadaria que vazia abandona os vocábulos em dança na silenciosa frase que se ausenta à fala
inútil dança esta lembrança que em fala abandonada a frase silencia ausente escadaria vazio vocábulo inútil frase abandonada silêncio e fala vocábulo vazio lembrança ausente dança na escadaria
posfácio
de Sterne, a vida as opiniões de forma que quando estendi a mão segurei da camareira o – (essa história toda é sobre o quê? – disse minha mãe)
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yone de safo [2007]
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prefácio estes os heróis derrotados a entoar hinos para uso do delfim que o gosto dos males provém da visão que deles temos este o medo a bandeira de guerra lançada aos inimigos o porta-estandarte feito em pedaços eis o que deles temos e contam de uma senhora a história de seu curral arrancada e desmembrada em desfile apresentada com a vagina encravada em estandarte andemos pelo campo ardente sem motivos para punir covardia em troca de vigília estas as terras-pobres estes os heróis derrotados estes os funerais do domador de cavalos restos de crinas e cascos a hastear os heróis na lança eis o que deles temos
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yone de safo
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§1 e plantam flores onde fenecem os frutos da terra para mães que não podem resistir às dores do parto as vítimas de tanta desgraça atiram-se às trevas pelos mesmos gestos de efusão materna acumulados sem que nenhum júbilo encontrasse aquele que caminha onde plantavam no sagrado barro os ossos do pecado desfeito abrigo e caminho da palavra medida que as mãos de uma mãe recolhe para o útero vazio e com a língua recobre e cura a própria ferida e planta flores onde fenecem os frutos de Eva e grita as dores do parto de um filho sem umbigo
§2 dou-te meu cravo, Safo se de ti me deres o vaso onde tua forma lúcida esplêndida pisa os astros na pele de minha túnica em ânsia e canto lasso que na ponta de meu mastro tua nua pele úmida tome posse de terra tua 89
§3 recordar? esquecer? indiferente!... eu sou aquela que passa e ninguém vê e absorta, à flor dos fenos, chora a sua morta boca a saber a sol, a fruto, a mel: quem disser que se pode amar alguém é porque mente sou a charneca rude a abrir em flor e já não sou, amor, Sóror Saudade...
§4 à maldade já chamou-se tristeza em terra de poetas obscenos à virgem outrora puta em cores sujas pintou-se cio de tigresa não saber: o estar além do estar agora aquilo que será nos devora o agora e o ser entreter: tecer o que será o além do nem existir mais 90
infeliz com futuro preocupada a puta doravante chamada virgem messalina pura dona como seu o feito alheio toma
§5 a bailarina da Ásia ondula suavemente seus gestos lascivos envolta em sua sombra sua chama dança desde a ponta dos dedos volta sua dança devassa a bailarina da Ásia oscula suavemente a ponta dos dedos desenvolta seu véu sua chana ao léu onde dança aponta a ponta de minha lança 91
envolta em sua umbra suavemente se depura a cona a anca o lábio a vulva avulta a dança de puta a bailarina da Ásia perdura suavemente ondula os seios desenvolta em sua dança sua cona se alcança desde o lábio lambendo a anca ofertada em altar de santa
§6 não saber teu nome liberta a tarefa de nomear-te não mais um substantivo, mesmo próprio mas a ordem absoluta do caos então chamo-te poesia quando recolhes o mais tênue lirismo na dimensão infinita de um sorriso 92
e quando passas breve e leve entre silêncios justapostos teu nome é brisa e rompendo o silêncio te chamo lira nomeio teu ser presságio onde outros chamariam acaso e não por acaso, em tua aparição repentina juntar queria a teu nome todas as sensações na mais profunda sinestesia e se acaso perguntasse que reposta me daria? que adianta um nome se nada mais estaria nesse nome sua dona que nunca mais veria? então juntaria teu nome a todos os nomes da vida e em cada coisa querida ali teu nome estaria quando desejar não é ter mas querer mais além ainda mesmo apenas guardar um nome entre as lacunas da vida
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§7 assim sutil recompõe no olhar teu traço que vislumbra umbra de teu corpo concreto sutil e preciso mar onde teu ser está no traço que meu olhar desnuda no gesto que impunha sem que devolva qualquer olhar nua está na veste que te vista na umbra que te cubra assim compõe tua figura no estar no vestir no andar mesmo onde teu ser não está teu traço meu ver vislumbra estará sempre presente e nua onde meu olhar olhar
§8 teu corpo ao dormir meu corpo busca em teu colo se debruça minha face que teu cheiro aguça minha face tua face minha mão que tua mão segura enquanto dorme e segura minha mão a mão tua teu corpo ao dormir me procura e sobre minha perna tua perna perdura e sobre tua perna a minha imita a mesma postura e dura infinito neste sono a minha carne dura 94
encosta na minha a face tua encosta em mim por todo sono o seio o lábio a vulva e deixa assim junto o sonho de sempre habitá-la nua e quando a mim à noite assim se debruça mais que teu corpo meu sonho busca
§9 lançados justapostos os sons da palavra silêncio entendo que poder ecoa de teu verbo silencioso discurso recomposto que em seu fim reencontra o começo entre silêncios justapostos verbo silencioso ecoa e tua voz ressoa a sempre precisa palavra não dita bendita e maldita como se ausente estivesse toda quando lançado ressoa o silêncio de tua palavra não entendo o poder então que teu verbo silencia
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a coluna de sĂŁo simeĂŁo
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I. scriptio continua oquerepousaemsuacoluna emmoldeimpurosefaz noquebuscadisforme tuaimagemesemelhança
II. lectio fazer de uma ideia objeto fazer da fé uma coluna estar perto do céu naquele tempo não mais havia gigantes sobre a terra estar no alto de uma coluna São Simeão o estilita elevar a fé à loucura desejo de repousar entre as estrelas esquecer a carne que essa se corta nas espadas que essa se devora em rituais de um novo mundo onde se canta a bravura dos inimigos
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que essa se penetra quando o instinto devora mesmo sem pagar o preço de nova vida elevar-se ao céu exige seu sacrifício no campos de Senaar os homens erguem a coluna onde a força divina divide os homens vencidos pela linguagem que se confundam por todas as outras regiões Santo Simeão em sua coluna não tem com quem se confundir um mundo moldado a sangue outro se refaz em silêncio
III. emendatio corrigir um ato refazer a coluna reanotar cada indicação do caminho 100
onde não há horizonte restam nuvens por solução reelaborar o caminho para continuar o mesmo toda obra de um homem se refaz no tempo como tudo que é sólido se desmancha no sangue um homem busca corrigir seu tempo que sozinho se esvai
IV. enarratio palavra sobre palavra uma linguagem se constrói cada palavra guarda sua metáfora uma a uma se encaixam como as vértebras da coluna interpreta linguagens de homens e anjos
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V. judicium avaliar cada coluna com seu eremita no alto e todos que lá não puderam estar toda linguagem serenidade de quem colhe tempestade tranquilo avaliar cada linguagem com sua metáfora na margem do silêncio toda metáfora eternidade que sozinha se finda
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interlĂşdio
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confissão voz encurta esta tortura não conta contra esta tontura tintura minha voz
a partir de Estrelas de Murilo Mendes Há Murilo Monteiro, Monteiro Mendes, Murilo Mendes. Há Murilo-peixe, Murilo-piano, Murilo-menino, Murilo-voador, Murilo-flor, Murilo-sabiá, Há Murilo que vem, que ouve, Outros que fazem poesia. Há muito mais Murilo que máquinas, burgueses e operários: Quase que só há Murilo.
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em três versos o primeiro verso do poema – § que seja óbvio simples direto e traga incômoda sensação de impossibilidade e estranheza no primeiro olhar vislumbrando o início do fim o segundo verso do poema – § o que contradiz o primeiro a alça a improvável metáfora de desdizer tende ao vazio e ao silêncio e tudo que reduz gente bicho objeto verbo ao indefinido nome coisa o terceiro verso do poema – § reafirma o segundo na inexata medida que torna o primeiro sua consequência natural que nem mais precise ser escrito como o olhar imperceptível e necessário
a primeira travessia
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estende teus braços, ó musa, e deles remonte tuas asas de tempos estes que esquecemos a travessia da palavra impura
onde a glória de heróis ecoa em canto e outras batalhas se estendem em campo branco e sangue e mares nunca Dante navegando fica ao meu lado, Impura como a primeira estrela de um dia o presságio do canto morto de pássaro extinto desenterra meus ossos o que deixei pelo caminho e alimente estes campos sem beleza sem ritmo fica ao meu lado, Safo neste caminho sem desvio a voz de um verso se perde e não percebo seu lume entre aduladores e soberbos não os olhe nunca seguiremos nosso caminho que outras vidas nos aguardam e a obra de um homem não se faz na eternidade ali estavam meus pés que jamais me levaram além desta terra escura onde estranhas criaturas cultivavam sofrimentos nos ombros alheios 107
muitos levantavam a vista para os céus e gritavam aqui estou, Senhor esconda minhas chagas nestes campos permanecem meus pés ali plantados quando um dia em fuga não me acompanharam alimentados de medo dor e ódio não me permitiriam mais que rastejar apoia meu corpo e deste barro molda novos pés acolhe com tuas mãos a forma de suportar esta jornada que os espinhos são longos e a estrada profunda enquanto novamente suplico que minhas fraquezas não se concentrem em meus calcanhares ali estavam minhas mãos em eterno esforço de escultor sem métrica que te ofereço afazeres de artesã em que me reconstrói os membros dispersos oferecidos aos ventos
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nesta travessia te ofereço este corpo que carregas por este fronte e costuras pedaços de outros soldados em molde impuro este novo braço que me preparas herdado do autor de carta amorosa sem resposta de nada serve se o tempo do amor já é passado quando estive em batalha perdi a guerra por uma única palavra se te afastas muito meu vazio grita silêncios
repastam-se das cartas na mesa há cousa como ver um paiaiá repastam-se das cartas na mesa marcadas as linhas da mão que fizestes Calígula de teu cavalo envolto em trajes de irmã que seja permitido, Thiago a todo moribundo ajudar um morto de fome a morrer em paz
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barca funerária mas eram monstros grotescos demônios dragões marinhos dentes gengivas caninos em horrendos arabescos rasgando mares imensos desbravando seus caminhos mas eram monstros marinhos assim alçados na proa madeira talhada toda em brado em grito em loa em hino demarcando seu destino que em canto de guerra ecoa mas eram monstros grotescos assim alçados na proa que em canto de guerra ecoa seus horrendos arabescos afugentando seus medos em talhe que ao mar ecoa era demônio e dragão mas como funerária barca não mais em guerra lançada mas do mar à imensidão
110
nordestes
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Recife, do alto nas nuvens nem se pode divisar seu mangue nem o braço enterrando na lama dos caranguejos nenhuma favela nenhuma pobreza nem a força dos tambores do maracatu nas nuvens divisamos o mar onde uma cidade nem parece ser seu limite mas uma mão que adentra seu ventre procurando sobreviver
Campina Grande, anoitecer no açude angustiado palhaço busca suicídio sem metáforas um esquecido Pedro nomeia um ginásio ou apenas evoca o nome de meu pai aos pares alguns guardam pequenos lotes de esperança
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para não enfrentar a noite sozinhos certos pombos buscando abrigo noturno repetem os voos curvos que a Borborema ensina
Distrito Federal ainda há galhos tortos de serrado onde se tornou concreto o traço arquitetônico deste plano piloto não sei onde vi o nordeste não no barro vermelho de Taguatinga não no ar áspero cortando narinas talvez no esquecimento
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entre campo e cidade a fazenda entre campo e cidade a fazenda ostenta a solidĂŁo cidade: a idade dos fios as vias de pedra polida no chĂŁo entre asfalto e capim a ponte e dos postes a luz campo: o tempo nas marcas dos cascos dos cavalos o homem e a cria de seu gado o pasto oprimido ponte: entre cidade e campo a fazenda e seus dias desfeitos na poeira polida e fuligem do caminhĂŁo
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a รกrvore de ossos
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§1 ando a planta do pé desloca minhas raízes pelo solo que me levem leve e que minhas fraquezas não estejam em meus calcanhares
§2 esquecido e sem lágrimas como a morte das árvores minhas raízes me movem
§3 os muros e as pedras do calçamento espalham seu urbano esquecimento pela rua antiga 119
havia sempre camisetas com a cara do candidato no peito enquanto esquálidos cachorros sem dono mendigavam votos de caridade e um menino que pulava muros alheios podia ver a menina-moça tomando banho nua no quintal
§4 titia fechava as janelas cedo por causa dos lobisomens e lamenta nenhum homem mesmo lobo criatura das trevas adentrar suas pernas abertas para visita alguma sua irmã paria filhas loucas que só andam nuas pela casa para a satisfação dos olhos dos priminhos e as brigas para manutenção do pudor doméstico e o respeito à loucura não tinham pai para perdoar-me a desobediência
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§5 trouxeram de andanças distantes poesia para os sobrinhos meu primo via gente com asa de morcego passeando no teto da casa de noite depois de aprender poesia com os andarilhos
§6 muito pouco dessas aulas ficou registrado nas pedras riscadas “descobrir a vida nas palavras mas só o bastante pra não ter pena de si mesmo” – e a métrica? “um dia caminharemos até o parnaso...” e foram
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§7 ficou essa sensação de poesia como algo misterioso e incompreensível como essas andanças mundo muito gasto torna obsoleto o desejo de conhecer resta uma angústia de poeta português isolado do mar
§8 de conhecer o mundo deixaram relíquias inúteis saudade esquecida o sonolento rebanho pastando esquecimento
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§9 o preço de minha herança não é medido nos velhos quadros de casais pintados lado a lado nem nas moedas antigas enterradas no fundo do quintal era um tempo de alegrias esquecidas que esperava encontrar mas entre um avô morto e um pai ausente abre-se uma gaveta de atestados e os lamentos de minha mãe guarda-me então numa urna de versos antigos
§ 10 (e entranhado no mundo da casa de meus pais percebo que abandonei esta casa)
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entrega a prรณpria lanรงa na rude batalha em que morra [2005]
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prefácio uma ânfora vazia desde remotos séculos repete “Kleimachos me fez e eu sou dele” Kleimachos não mais existe só a posse de sua ânfora se perpetua mais forte que sua matéria uma estatueta arcaica repete “a cada um que me pergunta respondo a mesma coisa Andron filho de Antífonas dedicou-me como dízimo” nesse dízimo se prepara a palavra no princípio era o verbo e o verbo se fez arma pergunta como salvar uma alma pela palavra
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Joana, que bebe os ventos
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na glória de tua força perdida na ânsia do herói derrotado se constrói a divindade que te louva levado à mesma forca que sendo erguida se destrói perdida a força do herói o que em nossa lira se canta guarda no andor de santa caminho em terra de homens sós onde em ferro se constrói todo canto que ao fogo espanta há música e há dança onde uma musa leve se mova meretriz que se louva quando um herói sem esperança entrega a própria lança na rude batalha em que morra entre as marcas e a força do profano e do sagrado destes heróis armados que uma brisa distante encanta * do alto de sua verborragia dizia o verivérbio os sons dos sinos da mão dependurada em Piracuruca e fechava passos pela estrada onde Lycurgo escolheu morrer não vá, Maria, trucidar teus filhos à vista do público nem o abominável Antonio cozes humanas vísceras nem se transmudará Filomena em ave ou Carlos em serpente diante de todos que há poucos acertos na província 131
conforme os registros sabei-o ágora a taba inteira te odeia mina do alto de sua verborragia silêncios dizia o verivérbio * quem, sentado contigo, face a face ouve de perto a tua doce fala tendo os olhos nos astros, ó Safo e os pensamentos nas águas sentado à beira contigo, ó Lídia bem sabes destes séculos todos para que fosses nosso, ó mar assestamos a quilha contra as vagas são infelizes pois seu trabalho é penoso e também sabes: homens habitam a água longe da terra em pleno oceano como todos sabemos conjugar esses verbos: rezam de mãos erguidas para os deuses enquanto suas entranhas são horrivelmente sacudidas 132
há cousa, Aristéas, como ver um Paiaiá repastam-se a tripa fora e copulam nela na disputa da satisfação desses apetites entrematando-se sentado contigo, face a face outro caminho leva à província – montando Sírio – cavalga o pai ensinando o filho * o pescador Aônio que, deitado o pescador Aônio onde com vento a água se meneia que, deitado, com vento a água onde se meneia o pescador com vento a água se meneia o pescador a água o vento Joana, que bebe os ventos o pescador Aônio que, deitado
133
tornai-me a minha ninfa que tão cedo onde com vento a água se meneia me fizestes à morte estar sujeita Joana, que bebe os ventos * nesta terra teu canto te assiste entre sina e silêncio em lira de fio breve que tenso verso em ti resiste desdobrando-se o dia persiste em dízimo lento nesta terra teu canto te roendo em partes e inteiro como o abrigo que encontrou num peito saudoso e intenso estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio nesta terra teu canto desfeito desfaz tua dor nos pés inchando todo ardor pelo caminho estreito oráculo devorando sem receio teu genitor neste canto prepara entre silêncio e sina estigma do enigma que cego te redime * nas calçadas alinhados os fícus disciplina militar uniforme 134
não de seu verde mas de sentinelas assim alinhadas pelas calçadas a sol e chuva segue sua vigília agora sendo vigília velório diferente dos que seguem ao enterro mas estas sentinelas permanecem em seus rígidos postos espartanos o próprio enterro os pés antecipando * nem úmido nem líquido falar quando ao banho de passarinho olhamos se de areia se faz sua água e seu molhar mas ainda assim se seca em seco banho nem úmido nem líquido falamos quando ao banho de passarinho olhar se de areia faz a água de seu banho mas ainda em seco seca o seu molhar * o que se diz à tua lágrima é tua semelhança transbordada com água e tua dessemelhança deflagrada como água ocupando todo espaço dado mas não em si contida se desgarra 135
de tua dessemelhança deflagrada o que se diz à tua lágrima é tua dimensão exposta de outra água, mas dura sendo líquida mais queima que lava semelha gelo que diz a tua lágrima mas não em si contida se desgarra dimensão exposta de outra água, mas dura semelha gelo que diz a tua lágrima como água ocupando todo espaço dado de tua dessemelhança deflagrada * senhora teu promontório se alteia sempre perene por estes terrenos tende rude tarde de velório tempo preso no relógio pelos séculos se estende pela terra em tua frente estas mulheres a juntar toda lenha que encontrar a força servil desta gente que a todo custo empreende a manutenção neste altar senhora estendido o altar além do alto promontório encravado em pedra e ócio de mil mulheres sem lar nos terrenos juntamos para todo santuário o óleo como sina e ofertório estando apenas aqui sentada oferecendo aziaga aos amigos hinos e chá
136
*
de nuvem este desenho passa, leve leva o vento a forma modificando no seu vagar encorpando se guarda corpo o que se tem de corpo e nuvem desenvolta no se desenvolver também no que guarda de corpo e forma no se deixar levar além mas como saber o que semelha bem mais a um corpo que se há de ser nuvem ou sopro assim permeia saber o que de vaga nuvem há em tua aérea forma sem molde exato ou o que além corpo se faz dissimular em chuva inscrita sob discurso claro como um corpo difere de outro corpo e nuvem difere de nuvem outra assemelha constante corpo novo o corpo de nuvem que se guarda ostra *
137
§1 fêmea forma flor indo da haste às pétalas abertas pernas perdidas entre eterno éter entre §2 fêmea fôrma mais-que-flor fruto que se forma fruta refeito coito perfeita muda ventre * folha morta movimento do vento vertigem a alma * caminho e morada natureza em silêncio perseverança da lesma 138
as cores naturais
139
140
os catadores de caranguejo I
o que do céu se suja de nuvens o que do mar se concentra em espuma em mangue se condensa em pinças escondidas na lama quando uma maior pois humana lhe traca do lodo e uma outra lhe abraça a fibra e mais outra leva a quem realmente leva pro fogo e pra dentro de si o que dentro do mangue estava cada qual em lama exata
II
há quem não profundamente marcado pela fibra de palha se ausente de seu destino e sozinho se lance no esgoto como quem volta ao lar pelo lodo por caminhos que um catador de tão marcado já não pode se arrastar e tão fina é a palha que nos prende que só o acaso em regime forçado a liberdade nos dá para escapar da devoração de nossas entranhas que temos uma casca forte para servir de proteção 141
como um cavaleiro que apodrece dentro da própria armadura
III
um que tenha sua pata quebrada arranca-se a dor arrancando toda a pata que sozinha se contorce como um índio se contorce ao decepar a própria perna de cobra picada de dor que não se cospe como um eremita a própria carne comendo como um câncer extraído que no caranguejo fica o alívio e em outros resta a dor que não se pode decepar
IV
e se quebra uma de suas pinças segue-se outra ainda que menor e o que resta de mais agudo mais profundo fere como uma criança fere com suas pinças de canivete na proporção da fome que a come
142
as cores naturais I
de uma árvore nem sempre se percebe suas cores como não se vê a cor da fome ao comer uma fruta ou ao fechar os olhos de agonia de uma árvore nem sempre se percebe suas cores quando nem frutos nem flores nem folhas se fazem vivos para perceber a cor da vida de uma árvore nem sempre se percebe suas cores quando nada mais se pode extrair de vivo e a inutilidade da morte de uma árvore grita em silêncio sua podridão
II
a cor de uma folha de papel não é a cor da folha de uma árvore nem a cor de uma folha morta nem a cor de uma planta morta nem a cor da morte 143
a cor de uma folha de papel perde-se se nela se imprime a tinta de qualquer coisa viva como uma palavra esquecida ou uma lâmina que sangra as folhas de uma árvore morta de verbos e signos a cor de uma folha de papel não se imprime na ausência de uma árvore ou na ausência de uma palavra perdida nesse caminho onde a vida em preto e branco é mais antiga e nem por isso incolor como um retrato antigo reduzido em dois tons a cor de uma folha de papel é o que se imprime no corpo dessa árvore sem vida como um truque de mágico de circo que não ressuscita mas encanta certos olhos certos verbos certos signos
III
144
o que se vê de uma árvore são seus gestos de folhas não suas raízes que vivas ou mortas não podemos distinguir pois só a terra conhece seus defuntos
o que se vê de uma árvore são seus gestos de folhas o verde de suas folhas e suas outras cores como quem pinta cada cena de sua vida o que se vê de uma árvore mesmo morta são as cores que um artista reimprime em sua casca adormecida devolvendo à vida seus pertences
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a classe operĂĄria vai ao paraĂso
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acabemos com esta mentira
ou castro alves o futuro nº 2 30 de junho de 1864 quando o Creador deo ao homem a força de movimento e poz-lhe no espirito a faculdade de pensar imprimio-lhe na fronte o destino da liberdade e disse: – Elle será livre quando imprimio-lhe o destino
um príncipe
ou os que com atos criminosos chegaram ao governo de um estado consumado o massacre do qual se fez soberano Oliverotto cavalgou pela cidade e como estavam mortos todos os que poderiam prejudicá-lo consolidou-se com uma nova organização de onde se deve observar que o conquistador deve praticar todas as crueldades necessárias ao mesmo tempo
149
e se fizer o bem nada lucrará com isso pois se pensará que foi forçado a fazê-lo
a angústia social
ou odilon nunes e os ensinamentos da história saibamos ainda que a valorização das classes oprimidas terá como consequência indubitável a opulência do comércio das indústrias e do tesouro público há consequências inelutáveis prosseguir no conservadorismo reacionário conduz ao suicídio as elites dominantes por vezes tirânicas e incompetentes e também por vezes transviadas e delinquentes vivemos a fase que se segue às grandes revoluções que precipitam a evolução política
150
tudo que é sólido
ou burgueses e proletários manifesto do partido comunista como simples soldados da indústria são postos sob a vigilância de uma completa hierarquia de suboficiais e oficiais não são apenas servos da classe burguesa do Estado burguês mas são também a cada dia e a cada hora escravizados pela máquina pelo capataz e sobretudo pelo singular burguês fabricante em pessoa como simples soldados não são apenas servos
pau de fumo morreu
ou chico da benta em palha de arroz se o homem conseguir ser um deus o mundo será um céu graças aos seus esforços se conseguir ser um diabo o mundo será um inferno pelo mesmo motivo e eu já tive religião 151
eu sou o que penso que sou tudo que existe no universo é da maneira que penso que é a íntima essência da razão pura e absoluta não pode ser sondada por simples deduções ou intuições não podemos conhecer Deus somos apenas um bocado de sapos que cantam de fome e esperam um natal cheio de luzes só pra comerem mosquitos nos pés dos postes ouvindo esse palavreado é mesmo que um burro olhando uma igreja
elogio da loucura
ou erasmo e todas as ilusões dos sentidos e do espírito
152
o homem por ter a vista turva confunde o burrico com o asno ou julga sublime poema a mais detestável das rapsódias não será tomado imediatamente por louco
se dará facilmente esse nome ao que mantém continuamente uma alienação contrária aos costumes e usos comuns
o falso profeta
ou mário faustino o poeta e seu mundo a poesia é uma região como qualquer outra com disputas pró-Lebensraum o mau poeta é um usurpador aquele que consegue por algum tempo enganar sua plateia a poesia ensina o mau poeta é um criminoso da mesma laia de um mau professor a poesia prega o mau poeta toma o lugar de outro mais honesto útil repetir ao máximo o truísmo a poesia é uma região como qualquer outra 153
da cultura
ou seção II capítulo III constituição da república federativa O Estado garantirá a todos o pleno exercício [dos direitos culturais O Estado protegerá as manifestações [das culturas populares O Poder Público promoverá e protegerá [o patrimônio cultural A lei estabelecerá incentivos para a produção Os danos e ameaças ao patrimônio cultural [serão punidos A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas [de alta significação
sem metáforas
ou nova escola maio 2002 p. 16
154
no dia 1.º de abril Edi Greenfield diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Madre Joana Angélica de Jesus em São Paulo foi assassinada com dois tiros na cabeça
dentro de seu carro ao final de um dia de trabalho suspeita-se que tenha sido vĂtima de traficantes inconformados com a batalha que ela travava para manter os alunos longe das drogas final de um dia de trabalho suspeita-se
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aos primeiros dias
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aos que aqui primeiro plantaram uma cruz onde há mortos Lembremos hoje os nomes de Francisco Pereira Pinto e Luís Figueira, padres acompanhados de índios tabajaras, seguindo a barco para Jaguaribe. Lembremos a submissão tabajara que fiéis guiavam os homens de fé por lentos dias pela sombra da selva, onde a semente europeia buscava abrir este caminho pela fé. Haveremos de revelar a face iluminada de Deus ao gentio. De Jaguaribe ao Maranhão, o caminho da verdade por terra deve ser. Seguem Pinto e Figueira carregando uma cruz para além daquela serra. Carajirus, Caratiús ou Crateús, eram estes os senhores da terra pela rústica expedição invadida como primeiro objeto de domínio. Marca-se a reação crateú com a morte de Francisco Pinto e três tabajaras. Restou-lhes o retorno a Pernambuco. Maldito o ano de mil seiscentos e oito pelo sangue de um padre derramado que uma nação apagada não redime. Recaia sobre os Caratiús a vingança pela mão dos aliados tabajaras. Haveremos de entregá-los à Deus.
159
Aos sobreviventes deste extermínio o constante contato com colonos em encontros cada vez mais hostis. Estrangeira mão renova-se armada buscando estabelecer o direito de posse de terras, de homens e de almas. Lembremos aqui todos os que com sangue marcaram os passos de seu caminho.
aos que fizeram guerra ao gentio bárbaro da nação crateú e crateú-mirim Dispersas as sobras do dízimo do extermínio resta a um povo a odiosa alcunha de gentio bravio por ordens de Pernambuco capitão Bernardo Coelho de Andrade tem por missão a guerra a todos os sobreviventes Crateús, Crateús-Mirins cem anos após a morte do primeiro estrangeiro
160
lavrado o campo entre as sobras das sombras sobre as cinzas se busca firmar uma vila do Príncipe Imperial uma vila da Independência e plantar o esquecimento
aos rios do Piauí Ai rios do Piauí corre o sangue dos tapuias como tuas águas ai rios do Piauí diferente de tuas águas outro rumo o sangue dos tapuias toma só à terra retorna ai rios de sangue do Piauí água pesada na memória a) longá beberam destas águas este povo que nelas deixaram seu nome derramado nas águas onde se espalharam seu sangue temporário, forma inúmeros alagoados na época das chuvas não navegável, recusa as dimensões da navegação europeia b) Marataoã padre Miguel Carvalho ante o rio Marataoã: do ano de mil seiscentos e noventa e sete restam poucos indícios 161
nem leitos de piçarra nem bons banhos na Ilha dos Amores só um religioso e seus escritos nenhuma canoa c) Piracuruca antes da explosão das armas estrangeiras o estrondo da guerra vinha de garganta humana um tabajara podia ouvir o ronco dos peixes antes do aldeamento São Francisco Xavier abafar os sons da natureza pois melhor se fixa a doutrina religiosa a disciplina militar d) Jenipapo vinham do Ceará os tapuias Jenipapos pequena tribo entre Potis e Longas vinham do Ceará ao Maranhão engrossar as fileiras militares aliciadas para a guerra contra o gentio maranhense ainda em mil setecentos e doze ainda na capitania do Piauí um padre prega outro destino 162
frei Euzébio Xavier Gouveia induz Jenipapos à fuga por ordem do Conselho Ultramarino pela ordem e prosperidade da guerra um padre desta capitania é expulso aliciados e espoliados desertores desta luta invasores de fazendas desaparecidos desta terra resta um nome no rio que ainda assistiria em suas margens portugueses e piauienses em batalha
ao terror que o nome Mandu Ladino inspira em seus opressores seria filho de mestre-de-campo? seria educado por jesuítas? seria índio doméstico em Pernambuco? à frente dos combates às margens do Rio Grande dos Tapuias seria conhecido Ladino mas uma Carta Régia agradece em 14 10 1718 a Manuel Peres o bem com que se houve no extermínio dos índios junto à vila da Parnaíba
163
apontamentos do recenseamento de 1697 André Leitão Abreu morava na fazenda Cachoeiras no rio Piauí com 1 negro Antônio Afonso morava na fazenda Lagoa do Jacaré no rio Mocaitá com 1 negro Manuel Rocha morava na fazenda Alegreta no rio São Vicente com 2 negros negro Domingos Afonso morava na fazenda Saco no rio Tranqueira com 1 negro, 1 mestiço e 1 mulher Antônio Álvares morava na fazenda Vitória no rio Vitória com 2 negros Domingos Aguiar morava na fazenda Belo Jardim da Cruz no rio São Vítor em companhia de sua mulher Mariana Cabral e de Domingos da Silva com 4 índios e outra mulher 164
alferes Silvestre da Costa Gomes de Abreu morava na fazenda Salinas no riacho Tranqueira em companhia de Inácio Gomes 5 negros 1 índio 2 mulheres por patente régia 25 2 1704 foi confirmado capitão de cavalos do Piauí
aos rios do Piauí a) Poti índios tapuias talvez vindos do Rio Grande do Norte habitar as nascentes doutro rio atacados pelo cap. Domingos Rodrigues de Carvalho expulsos para os lados do Maranhão palavra indígena: resíduo, fezes o nome que em tupi se dá ao camarão água que passa arrastando arraias sem nome
165
b) Berlengas no Novo Oriente do Piauí na serra da Lagoa Funda Banguê Buriti Mocambo Vaca Morta todos os outros afluentes a mesma solidão da fazenda que em 1697 abrigava apenas Dionísio Dias Pereira e um negro c) Canindé periódico e não-navegável o mais longo dos afluentes do Parnaíba nele se mergulha em sua margem direita vindo do nascente em Campinas do Piauí a sua margem direita tem a Fome e a Volta por afluentes 18 9 1832 Conselho Geral da Província o engenheiro Pedro Cronemberger é incumbido da desobstrução de suas cachoeiras 15 10 1834 nova resolução destruir 6 cachoeiras que impedem sua navegação trabalho incompleto para o mesmo engenheiro
166
e que o vindouro indigitado absorto dissesse: “ali morreu o afoito Ovídio” eis o templo de Amor que anelas cubram os templos teus, um Deus namora o teu trono será sempre ladeado com torvo aspecto ingratidão impura minha manada, que naquela altura tu não ames, Pastora, a quem te aclama eis o templo de Amor que anelas que a vida sem amor, se é vida, é triste já saciado estará teu braço cruento por não me unir contigo em doce enleio tomastes em testemunha aquela gruta a promessa de amor, que inda se escuta eis o templo de Amor, do Deus, que anelas de sangue rios mil cortam o Templo vivas entranhas com fatais tormentos são mais os ais, são mais gemidos, brandos tens dois seres, que o tempo não abate eis o templo de Amor, do Deus, que anelas de festões de prazer cobriu-me a fronte: a minha, também tua, inculta aldeia ah! Pastora, Pastora, acaso ignoras se uma gruta me desse em que por ela o silêncio reinasse sempre mudo
167
ao ouvidor geral de 1732 canção de amor cantar eu vim mas agora, de nomes e de usança novos e vários são os habitantes Cardoso Balegão, sargento-mor este que em companhia de escravos fugidos este que semeou sangue nos sertões do Piauí estes Pedro Barbosa Leal e Manuel de Sousa Pinheiro canção de amor cantar eu vim mas o ouvidor geral repete que as mortes não eram naturais como não era natural que Antônio Pedro Nunes, advogado secretário interino do governo seja assassinado para os olhos de Oeiras bárbaro e público no esquecido dia 13 9 1803 e que no ano seguinte a um homem assassinado tenha as mãos cortadas e uma delas pendurada no badalo do sino da igreja em Piracuruca se dos registros de 1694 sendo 16 pessoas mortas apenas uma por enfermidade
168
mas agora, de nomes e de usança novos e vários são os habitantes se no ano da graça de 1845 o júri julgou 58 crimes 1 de moeda falsa 1 contra a liberdade individual 4 de ameaças 3 de furto 1 de estupro 2 de porte ilegal de arma 23 de lesões corporais 23 de homicídios canção de amor cantar eu vim, Musa mas não mais que a lira tenho destemperada e a voz enrouquecida
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os passageiros das รกguas
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as aves que aqui gorjeiam ou a ausência de seu canto
onde canta a precisão há pobres mortos adultos outros nem crescerão onde canta a precisão como suor, cheiro do corpo como um peixe tem seu cheiro como cheira um peixe morto onde canta a precisão a morte na própria vida marca sua jurisdição onde canta a precisão como o suor de um pescador como o cheiro desse rio onde a fome vem cantar
a voz das águas
ou a conversa de um visitante com um cantador fluvial meu prezado visitante deixa agora eu te explicar esse aqui é o Parnaíba não há outro melhor por cá desse lado é Piauí Maranhão é laculá se quiser comprovação vosmecê tem de nadar
173
A VIDA DESSAS ÁGUAS É A VIDA DESSA GENTE. O QUE VIVE NO RIO VIVE VIVO EM VOSSA MENTE? o que vive em nossa mente não sei bem como explicar mas o que pensa lá o peixe posso até adivinhar é que sempre é pescado o que não sabe pescar e não sendo um nem outro escapa aqui a cantar A VIDA DESSAS ÁGUAS É A VIDA DESSA GENTE. O QUE VIVE NO RIO VIVE VIVO EM VOSSA MENTE? não precisa insistir no que não sei responder o que vive numa mente pode nem vir a nascer quando a fome é muito grande e não se tem o de comer e pra ficar pensando em mente ou já tá de bucho cheio ou não tem o que fazer A VIDA DESSA GENTE É A PRATA DESSES PEIXES. VEM DO BRILHO SOLAR NO RIO A LUMINOSIDADE DESSES FEIXES? 174
da prata não sei dizer nem de qualquer outro metal povo pobre não é de ter ouro, cobre, coisa e tal nem o peixe há de saber o que vem do sol ou vem do sal mas garanto pra vosmecê que esse brilho é natural A VIDA DESSA GENTE É A PRATA DESSES PEIXES. VEM DO BRILHO SOLAR NO RIO A LUMINOSIDADE DESSES FEIXES? difícil de responder o que de novo pergunta brilha o peixe brilha o sol brilha a faca numa luta e na luta de todo dia é a rede que o homem usa e um peixe não a corta nem tendo o brilho do sol nem tendo o brilho da lua SEJA PESCADOR, OPERÁRIO OU PATRÃO TODO MUNDO SENTE FOME. DÁ O RIO E SUAS ÁGUAS A SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM? todo dia se combate se combate toda hora usa um homem uma rede uma arma ou uma esmola 175
pra se combater a fome a vida é a melhor escola sem aprender a lição nem estaria aqui agora SEJA PESCADOR, OPERÁRIO OU PATRÃO TODO MUNDO SENTE FOME. DÁ O RIO E SUAS ÁGUAS A SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM? para saber do homem é por isso que repete pra continuar vivendo numa canoa se mete nem sempre o peixe vem às vezes desaparece mesmo assim o homem luta ou ele persegue o peixe ou a fome é que persegue
o que mais junto se vai
ou o que esse rio traz ou leva em seu ventre um rio não corre sozinho leva o que pode encontrar seja peixe, mato ou lixo seja um homem ao afogar
176
sua comunidade móvel de vida e morte se faz não há como distinguir o que mais junto se vai
são pedaços de pau e folha enganchos pra linha de mão ou uma rede que se lança e só puxa podridão esse rio nos traz a vida no percurso da existência certos peixes, certa vida na casa em que há mais carência esse rio nos traz a vida no passar e no existir como a canoa se desgarra pra pescar um surubim esse rio recebeu nomes diversos em outros tempos recebeu também inúmeros exploradores no ventre esse rio leva seus nomes leva gente e leva tempo pra saber o que possui ou dele o que nós temos de sua serena canção de água, movimento e medo quando um náufrago afoga nessa água seu desespero às vezes em troca leva um barco, quem sabe a vida mas continua o itinerário no que perde a autonomia
177
foi no ano de mil quinhentos e cinquenta e quatro, antes de naufragar que Luís de Melo chegou ao rio grande encontra-se esse rio grande quando chega-se ao limite da água e toda imensidão que apenas ao mar transmite percorrendo essas águas na via de seu naufragar Nicolau de Resende entre índios encontrou um lar onde se chega e se vai sem sossego mas sem mágoa onde existe vida e morte só existe lar onde há água e Pero Coelho de Sousa veio lá do Ceará nos limites de suas terras suas águas marcar Francisco José canoeiro na luta de seu caminho afogou-se com a rede na sobrevivência do ofício
178
no fim do dia de trabalho outro Francisco foi morto a mão covarde atirou no homem e no rio seu corpo
não é caixão que se ganhe nem chegará o mar ganhar não reclamou enquanto vivo nem morto reclamará morreu esse homem na luta diária contra seu destino como tantos morrem logo sem nem saber o motivo este rio marcado passa rastejando como um corte sabendo o rumo da vida o mesmo rumo da morte Chiquinho, menino esperto e ativo, não completou travessia pro Maranhão o rio seu nado levou perdeu sua casa e uma filha tudo que tinha seu Chico levado à força nas águas da enchente de 85
as aves que aqui gorjeiam ou a presença de seu canto
não permita Deus que eu morra de sede ou de fome pois é dessa água que bebo e desse peixe se come
179
mas se tiver chegado a hora se estiver chegado o dia que me levem essas águas de onde extraímos vida não permita Deus que eu morra sem um peixe pra pescar sem ver que em cada filho a vida teima em continuar e estes terão outros filhos para outros filhos gerar mesmo morrendo cedo nosso rio chega ao mar não permita Deus que eu morra sem ver meu filho pescar ou aprender algum ofício que me deixe descansar um finado não descansa tendo filho pra cuidar não é abandonado à vida que um filho quero deixar há fome na minha casa entre dois filhos e a esposa sem um peixe em minha rede não permita Deus que eu morra
180
a voz das águas
ou a conversa de um cantador fluvial com um visitante NÃO TEME A MORTE QUEM A VIVE DIARIAMENTE COM SUA PRESENÇA CONSTANTE QUE DE LONGE SE SENTE? o que vou dizer agora pode até decepcionar não se pode a morte temer quando se sai para pescar nem é por essa maneira que se percebe ela chegar mas quando a vida pulsa querendo se alimentar NÃO TEME A MORTE QUEM A VIVE DIARIAMENTE COM SUA PRESENÇA CONSTANTE QUE DE LONGE SE SENTE? o que se sente não é morte o que se sente é a vida viva em cada pessoa como uma barriga vazia viva em cada caminho como um cego se guia se é a morte o que traz o que sente é vida ainda
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MEU PREZADO COMPANHEIRO AINDA TENHO UM QUESTIONAR POR FAVOR NÃO SE IRRITE COM ESSE MEU PERGUNTAR: NÃO TEME A MORTE QUEM A VIVE DIARIAMENTE COM SUA PRESENÇA CONSTANTE QUE DE LONGE SE SENTE?
o que a musa antiga canta ou as armas desse pobre pescador
as armas desse pobre pescador mais que uma rede, uma canoa e coragem são essas marcas que algum peixe deixou na rede e na alma desse rio sem margem um jeito de conviver com a dor e o olhar de quem vê mais que uma miragem a manha e força de um homem que teve o equilíbrio certo ao puxar a rede aquele rio não era sequer um cão nem um feixe que prende um peixe à sobrevivência do homem
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e também as memórias esquecidas que de vida e de morte se refazem por essas águas passam consumidas por esses cambos de peixe que trazem como marca mais forte que as feridas
do tempo ou os calos que essas redes fazem joga sua rede mesmo se cansasse como cada artista apreende sua arte aquele rio nem era a morte nem a vida nem o desengano de uma rede que volta vazia colher o fluir leve desse caminho o passar calmo como mão tranquila ou qualquer outra forma de carinho como outro trajeto jamais faria pois todo corpo sabe seu destino como qualquer rio seu curso caminha como um mapa que num ventre é tatuado como armas e barões assinalados aquele rio não era o rio de minha aldeia aquele rio não é sequer um rio nem um caminho onde habitam vivos e mortos nem o espaço onde jazem nem a força que os move e vós, mulheres desse rio faminto que devora enquanto é devorado e nenhum canto espalha pelo rio se nenhum canto se espalha a nado se nenhum canto é canto sozinho então cesse esse canto solitário 183
cesse tudo que na água se encanta cesse tudo o que a musa antiga canta aquele rio só nada
o canto autofágico ou um osso na água
a fome devora minha vida ou somente devora meu amor de filho ou a vida dos filhos que nem nasceram a fome devora minha rede peixes linha e anzóis devora a água como o rio devora a margem seu curso a fome devorou meus desejos e meus prazeres como minha própria fome foi por ela devorada e devora minhas mãos minha voz e minha carne devora enquanto devolve-me o que restou de meus ossos
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NOTAS [prefácio] Inscrições em estátuas e ânforas gregas. História da Leitura no Mundo Ocidental 1, Guglielmo Cavallo e Roger Chartier. JOANA, QUE BEBE OS VENTOS [do alto de sua verborragia dizia o verivérbio] Observações de Aristóteles sobre o que mostrar ao público numa tragédia. Medeia (Maria), Atreu (Antônio), Filomela (Filomena) e Cadmo (Carlos). “há poucos acertos na província” – Padre Domingos nas cortes de Lisboa. História da Educação no Piauí. [quem, sentado contigo, face a face] “quem, sentado contigo, face a face” – Safo Lídia – Odes de Ricardo Reis-Fernando Pessoa “para que fosses nosso, ó mar” – Fernando Pessoa, Mar Portuguez “assestamos a quilha contra as vagas” – Ezra Pound, Os Cantos “como todos sabemos / conjugar esses verbos:” – Mário Faustino, Vida Toda Linguagem “há cousa como ver um Paiaiá” – Gregório de Matos Guerra Há também fragmentos de Platão, Aristéas e outros textos gregos dispersos entre vários versos. [o pescador Aônio que, deitado] “O pescador Aônio que, deitado / onde co vento a água se maneia” – Camões, soneto “O céu, a terra, o vento sossegado...” “Joana, que bebe os ventos” – redondilha de Camões.
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[nesta terra teu canto te assiste entre sina e silêncio] “estando Ruth posta em tormento em meio ao trigo alheio” – fusão de John Keats (Ode ao Rouxinol) e Camões (Os Lusíadas, episódio de Inês de Castro) [senhora teu promontório se alteia sempre perene] “Os mundos se contorcem como velhas mulheres / a juntar lenha nos terrenos baldios” – T.S. Eliot, Prelúdios. “Estarei sentada aqui, servindo chá aos amigos...” - T.S. Eliot, Retrato de uma Senhora. AS CORES NATURAIS [os catadores de caranguejo] “na proporção da fome que a come” – reminiscências de João Cabral de Melo Neto, O cão sem plumas. A CLASSE OPERÁRIA VAI AO PARAÍSO Todos os poemas desta seção são fragmentos de prosa. A fonte das colagens está, quase sempre, especificada nos subtítulos. [um príncipe] Maquiavel, O Príncipe [a angústia social] Odilon Nunes, Apontamentos par a História do Piauí [tudo que é sólido] Karl Marx, Manifesto do Partido Comunista [pau de fumo morreu] Fontes Ibiapina, Palha de Arroz [o falso profeta] Mário Faustino, Poesia-Experiência, Diálogos de Oficina [da cultura] Constituição da República Federativa do Brasil 186
AOS PRIMEIROS DIAS [aos rios do Piauí] “ai rios do Piauí” e “água pesada na memória” – H. Dobal, II Os Rios, O Dia sem Presságios [apontamentos do recenseamento de 1697] Os dados foram retirados do Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí. [e que o vindouro indigitando absorto dissesse: “ali morreu o afoito Ovídio”] Colagem de versos de Ovídio Saraiva, retirados dos sonetos de Poemas, 1808. [ao ouvidor geral de 1732] “canção de amor cantar eu vim” – Arnalt Daniel “mas agora, de nomes e de usança / novos e vários são os habitantes” – Camões, Os Lusíadas. “não mais que a lira tenho destemperada / e a voz enrouquecida” – Camões, Os Lusíadas. OS PASSAGEIROS DAS ÁGUAS [as aves que aqui gorjeiam] Reescrito a partir da Canção do Exílio, Gonçalves Dias. Há releituras dispersas de João Cabral de Melo Neto, principalmente Morte e Vida Severina, ao longo de toda esta seção. [o que a musa antiga canta] As oitavas foram inspiradas nas primeiras oitavas do Canto I de Os Lusíadas. As estrofes intercalando as oitavas foram inspiradas em O Cão Sem Plumas. “aquele rio não era / o rio de minha aldeia” – releitura de Alberto Caeiro. 187
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uns poemas [1999]
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o jardim dos anseios morais
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o campo de flores apodrecidas as flores do jardim o relento e o vento arrastado habitam os cadáveres florais alguém leva as últimas flores para sua primeira donzela que sente o desejo e o medo do prazer e do pudor ainda escondidos nas flores de seu corpo
revolução inglória queridamérica no calor tropical de tua selva aqui embaixo no trópico sul do teu corpo passeamos entre revoluções sem glória mas disto não há pesar nem bem viver ou a mulher pra chamar de querida as armas não possuem carinho
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menina teresina menina és virgem de teus poetas que tanto te penetram te expõem a alma e o corpo e sempre possuis uma mistério a mais para ser explorado? hímen intacto eterna paissandu das putas eterna pedro segundo do quatro de setembro corpo impenetrável estigma imaculado de quem nasceu na miséria e traz as marcas no corpo rios arranhados no ventre menina que encobre o sexo com a mão vergonha de ser sexo mata virgem deflorada menina encobrindo o sexo com a mão descobrindo o próprio corpo tão bela quanto qualquer outro canto sob o céu e o sol
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meninos dois meninos vestidos em camisas de políticos sujos de rua menores depravavam a poluída avenida frei serafim com seus comentários à funcionária da loja cujo nome ignoro – priquito priquito priquito e corriam e gritavam e depravavam e mais ninguém ouvia dois meninos na rua lambendo coca+cola derramada pelo chão no sinal da duque de caxias com a petrônio portela em duas poças no asfalto quente entre os carros passando por cima da lata de refrigerante esmagada sob pó e poeira e fuligem os dois meninos bebem coca+cola derramada na rua ao meio+dia de hoje e mais ninguém via
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régua lírica não traz a régua lírica a rua olavo bilac existe numa esquina da frei serafim uma placa gritando anjo torto mas quando passam os carros não ouvem nem vêem as mulheres nuas pintadas ao lado da prefeitura agora com poemas nas paradas de ônibus e pessoas de olho na avenida pra ver a próxima condução recolhendo mais uma paisagem humana pros outros dias seguintes
espaços urbanos empilhados nos espaços urbanos vamos empilhando nossos dias atropelo de ilusões esperanças incertezas e os breves momentos de alegria para empilhar os dias seguintes 196
gaiolas urbanas nas gaiolas urbanas os pássaros de asas impúberes são recolhidos para seus destinos dentro de cada pássaro uma gaiola e seus anseios
expediente no meio da reunião ele saiu pela janela do oitavo andar prosseguiram sem ele
rima pobre versinho rimando com sininho e outras coisas miúdas não rima com extorsão cadeira cadeirinha cadela tamborete o salário não rima com as contas da gente impasse impaciência rima da boca rima do pudendo 197
estes é o cara que atravessa a rua e olha para trás no meio da pista e vê que não há ninguém à procura dele que sente essa solidão que atropela a alma é o tempo de voltar que empurra o tempo corrente e perde-se no tempo para desnudar outros tempos em outras alcovas para outros corpos que distorce o que o tempo e o desejo perderam são os meninos olhando por baixo da saia das senhoras agarrados entre suas pernas que não têm tempo de fechar os olhos são as mães e os pais das putas esperando as filhas voltarem do ofício sem voltarem que precisam expulsar seus ímpetos para além da noite indiferente
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ébrio as janelas abrem-se falantes e os olhos olhantes acompanham os passos do bêbado nu carregando a roupa na mão desfilando ao sol para olhos e bocas da rua de sua infância
o gozo a velha meretriz já não goza de boa saúde a velha puta há muito não goza mais nada na volúpia ínfima dos homens que ainda frequentam seu corpo
calendário segunda a sexta seg o sex
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engenho a forma da foda não deforma o feto
outras meninas como cobrar da menina de ponta de rua o dinheiro as roupas os acessórios para encobrir o mesmo sexo das patricinhas?
terra quebrada do chão saem as cobras de fogo do chão quebram o chão duro do chão dos mortos sai o barro vermelho do chão que cai sobre o corpo cercado pela mulher e os sete meninos saem suas lágrimas secas do chão úmido do sereno deste instante saem as formigas secas 200
do chão a terra vomita seu sangue do chão nordestino saem as torneiras que teimam em não abrir
conhecimento & literatos & poetas & músicos & & filósofos & químicos & matemáticos & & biólogos & médicos & psicólogos & & paleontólogos & linguistas & & cineastas & atores & bailarinos & & escritores & geógrafos & físicos & & historiadores & farmacêuticos & & gramáticos & cartunistas & & nutricionistas & artistas plásticos & & arqueólogos & jornalistas & & dramaturgos & artesãos & cronistas & não nos enganemos: o que a gente faz é cagar nas flores da engrenagem do conhecimento
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renascença a calma das formas clássicas reside aqui no bosque de galhos secos exibindo suas silhuetas esbeltas um pouco da mansidão da beleza a mão precisa precisa esculpir nessa madeira renascida mas os cupins... os cupins...
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os outros
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alegoria eu sou o poeta que vende livretos e compra ilusões devo ter uns dois ou três segundos de poesia e as inevitáveis alegorias
poema inútil quando o poema é inútil a inutilidade me desusa pra coisa úteis por isso gosto tanto do desfazer poético espero que me incompreendam apoéticos pensam que ser poeta é uma coisa boa ...
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desfazer desde que desaprendi a juntar todas essas coisas que minha aura arrasta dentro de uma caixa de remĂŠdio tento juntar essas coisas num verso doente
libertinagem ĂŠ com libertinagem que esses milagres acontecem : manuel poesia o poema
eu & outros poemas morcego dos anjos anjo de nossos morcegos filhos de eu & outros poemas voam augustos como os anjos e os morcegos 206
o homem e sua hora o poeta e sua hora um fausto delírio o homem e sua hora a prematura queda do destino sua hora o mês assassino o homem mário faustino
conto de sapos o príncipe desencantado tropeçou numa pedra e rolou barranco abaixo até se estatelar num brejo de sapos tanoeiros nem teve tempo de compor um soneto
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para além de amores amores mas para eu falar de amores amores é preciso carregar nas sombras flores e dores para todos os efeitos não que restem apenas flores e dores sem destino para sombras de amores amores sem eira nem queira
impressões um grilo lá fora grila um morcego lá fora cega uma coruja lá fora coruja uma estrela lá fora meu coração dentro do peito pula pra fora sem ninguém pra ver
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cemitério dos peixes ou os desastres aéreos
o vento levando a luz de uma existência: pés descalços veredas do sertão urubu-rei carcará voando voando sem cair não voa cemitério dos peixes não cai neste rio árido asas de penas de aço depois dos aviões os desastres aéreos temíveis não caem nem podem te levar
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vento voa vento voo vai levando as palavras q eu queria ter escrito antes do vendaval voa vento vem traz as palavras q eu sussurro para as roupas no varal voa vento sozinho vem vindo
nanquim o voo dos urubus e o restante do céu manchando de branco que flutua o traço do voo dos urubus o nanquim de penas riscando o azul sem passado não traz a mancha preta do seu itinerário atrás de si uma pena escura caindo sobre essa página não mancha o voo dos urubus é um instante 210
revoada pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra urubu pedra pedra pedra pedra pedra purubu urubupedra pedra pedra pedraurubu urubuurubura pedra pedra urubu urubu urubuepedra pedra pedra pedra pedra purubu urubuurubupedra pedra pedra pedra peurubuurubuurubuurubupedra pedra pedrurubucarniรงa urubuedra pedra pedrurubuurubu urubuurubu urubura pedra pedra pedraurubu urubupedra pedra pedra pedra pedra pedraurubu urubupedra pedra pedra pedra pedurubura pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra peurubudra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra pedra
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o diĂĄlogo Ăntimo
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declaração monossilabicamente eu te amo de muitas palavras
diálogo o que você quer dizer eu não sei dizer onde você estava queria estar com você você não responde direito você me deixa sem jeito você não toma jeito esse seu jeito esse seu corpo você só pensa em sexo você tem boas ideias você não me engana eu te amo o que você quer dizer com isso?
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ousadia a ousadia do teu corpo ousa meu querer a ousadia do teu corpo vem enquanto os seios dançam
descobrimento os meus dedos passeiam pelo teu corpo o receio dos primeiros passos um breve instante correndo
instante nua o instante em que te vi nua foi apenas um instante que se entende os instantes em que te verei nua serĂŁo sempre a primeira visĂŁo do teu corpo 216
batom vazio vazio nas palavras de um conselho envolva-se sem se deixar envolver vazio nas águas do rio na noite nas palavras de despedida na sombra de um dia ruim o batom que você esqueceu e não me beijou me namora
poética fazendo poesia ficou um poema morando dentro de ti um dia ele sai pra gente chamar de filho
a chave você entrou na minha vida pelo buraco da fechadura e saiu sem fechar a porta 217
desenho no desenho da angústia o meu transfere-dor fica só na inutilidade do nome
stresstabs & neosaldina imenso mundo girando girando na vertigem da minha cabeça incerteza nas caixas de remédio
antipoema o que tenho são antiinflamatórios antiespamódicos antiestalmínicos antiácidos anti-hipertensivos antipatias antibióticos 218
antimicóticos antídotos antidepressivos e todas essas coisas que não nos dão nem certeza nem saída
vocação às vezes minha vocação de palhaço não supera a frustração nem sempre a espera supera a frustração nunca a frustração supera suas marcas na minha pintura de palhaço
paz eu já não trago em mim esta necessidade de sofrer que me consumia os dias como o peso dos anos que não me deixará envelhecer em paz 219
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outros poemas [1996-1998]
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eu percebi a grandeza da natureza pela primeira vez quando vi uma girafa * um poema é uma coisa simples tão simples quanto uma declaração de amor tão óbvia que não há razão em complicar Poesia é difícil * então recordo a morte de Alberto Caeiro morte simples de fechar os olhos e pronto coisa difícil entre nós outros que temos olhos pra pensar * 223
no meio do campo encontrei carros transbordando o semáforo parou o rio a gente fugia dos assaltantes um menino roubou um peixe o sinal abriu passagem pro céu * longe das vitórias cultivamos batalhas e com mãos vazias te oferecemos esses tesouros: a entrega dos dias cercados de solidões companheiras o que a vida nos der de dádiva chamaremos amor *
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quero minha língua entre teus dedos entre teus seios entre teus lábios entre tuas pernas tocar teu nariz ao meu como um gesto infantil * tu não és nada mais que meu amor e isso é tudo essa tua ausência só incomoda e nada mais * entre sal e areia vacas cavalos burros bichos procuram restos de capim qualquer presságio será nosso pasto legião de cabras caminha numa procissão repleta de sinos e chifres oferto minhas convicções aos dízimos 225
o sol arde nossos ombros desde amanhecer remoto onde estávamos nus sem nenhum paraíso a saudade deixa o dia comovido inevitável saudade de lembranças esquecidas caminho não escolhido a seguir *
os tempos e a forma I quando sair da água estenda suas brânquias pelo seu itinerário quando voltar para água deixe suas brânquias em seus antepassados recolha suas patas como as patas das baleias perdidas dentro de si
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II para voar asas o céu é das baratas por direito mas nem os pterossauros
nem as aves puderam perceber isso restou para a história da aviação o direito de posse III não se aprende a longevidade dos anos nem a brevidade da vida nos fósseis arrastados entre os carros e o concreto sim se aprende a longevidade dos anos bem a brevidade da vida nos fósseis elevados de joão cabral a gregório de matos IV enquanto recolhia restos de plantas foi de se perceber o fóssil e o lixo isso enquanto passarinhos gorjeavam depois que a revoada de archeopterix passou esse ponto quase sempre passa despercebido num carbonífero de lixo e fóssil 227
V sendo pedra e osso o caminho da espécie ser osso e pedra pra fazer parte do caminho sendo a pedra matéria prima para sobrevivência ser lápide como ossos navegando o oceano sendo que deste oceano restam apenas ossos e pedras VI quando as águas invadiram esta terra e um oceano pôde unir-se ao outro nós navegantes do acaso pudemos ver o horizonte mover-se e enormes escorpiões voltarem ao mar de onde tudo saiu
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Esta obra foi composta em fonte Perpetua, 14 e impressa em ofsete, em outubro de 2017
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Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, Piauí, em 1977. Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Professor de língua portuguesa do Instituto Federal do Piauí. Em 1998, através do Concurso Novos Autores, recebeu o Prêmio Cidade de Teresina pelo livro Uns Poemas, publicado no ano seguinte pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2005 publicou Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra. Seu livro Yone de Safo foi agraciado em 2006 com prêmio Torquato Neto instituído pela Fundação Cultural do Piauí. Publicou ainda as cinzas as palavras (2009) e, em 2012, lançou seu primeiro romance, Os intrépidos andarilhos e outras margens (Nova Aliança). Atualmente, é um dos editores da revista 230 eletrônica dEsEnrEdoS.