Revista PSIQUE Ciência e Vida nº 157

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Editorial Glaucia Viola , editora

Aspectos da infidelidade e da virtualização de afeto

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infidelidade é uma das coisas mais temidas em uma relação afetiva. Por essa razão, a Psique Ciência&Vida se debruça sobre o assunto no Dossiê desta edição. Ao longo das décadas, inúmeros estudos foram realizados sobre as razões que levam a infidelidade. Entre alguns fatores, destacam-se a dinâmica patológica do casal, a falta de qualidade de comunicação entre os dois, a pouca existência de afinidades, de valores e de crenças, a influência do comportamento amoroso social que passa por transformações constantemente. Um Fato a ser levado em conta, por exemplo, é o advento da tecnologia e principalmente da internet, que mudou as relações consideravelmente. Hoje não é mais possível se relacionar sem algum tipo de interatividade virtual. O encontro amoroso tem lugar cativo na rede, na civilização da virtualização dos afetos. Mas, apesar dos avanços, a traição ainda é cercada de mitos tradicionais, tais como: quem ama não trai, quem consegue separar amor de sexo não vê problemas em trair, mulheres só traem por vingança, homens são mais infiéis. Para este último tópico, destaca-se uma recente pesquisa que evidencia similaridade na proporção da infidelidade entre homens e mulheres, o que se demonstrou uma alteração de atitude se comparado a estudos das décadas de 1980 e 1990, que demonstrava predominância entre os homens. Outra pesquisa aponta fatores que levam à traição relacionados à insatisfação com o relacionamento conjulgal e/ou com o cônjugue. Ressalta ainda, aspectos relacionados à sexualidade e à procura pelo amor romântico. Todos esses aspectos apresentados pelos estudos revelam uma complexidade no debate, mas uma característica comum na infidelidade: o egoísmo. Segundo os autores do artigo, a traição gerada pela busca do amor romântico é um poço profundo de frustação na relação. Afinal “o romance, pela sua própria natureza, está fadado a degenerar para o egoísmo, pois ele não é um amor dirigido a outro ser humano. A paixão do romance é sempre dirigida às nossas projeções, às nossas expectativas, às nossas fantasias”. Portanto, cuidado. Não se engane! Boa leitura!

Gláucia Viola www.facebook.com/PortalEspacodoSaber

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Na Rede

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A internet, uma

Aldeia de Ódio As redes sociais acumulam eventos de disseminação de raiva exacerbada na defesa de um posicionamento, mas há uma grande diferença entre posição firme de opinião e manifestação de fúria Por Nicolau José Maluf Jr.

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¹ O conceito de frustação afetiva sexual, na obra reichiana, não guarda relação unicamente com o fator quantitativo, não é meramente atividade sexual.

o receber o título honoris causa na Universidade de Turim, na Itália, Umberto Eco disse que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”; Para o autor, antes das redes sociais, os “idiotas da aldeia” tinham direito à palavra “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Fora de contexto, pode parecer uma atitude elitista, antidemocrática. Mas ele parece fazer referência a atividades como as do haters, que não só postam e viralizam mensagens de ódio, mas também são conhecidos pela forma rasa com que manejam supostas informações, sem checagem. Duas obras podem nos ajudar nesse panorama. Uma do própria Eco. Na criação literária O Nome da Rosa há um embate entre os personagens Jorge de Burgos, monge e bibliotecário, e Willian de Baskerville, franciscano: “O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez de nossa alma”, afirma Jorge de Burgos. O riso seria o contrário da fé. Fé que, no viés do monge, implica atitude constrita e abandono da razão. Em paralelo, no desabafo em forma de livro Escuta, Zé Ninguém!, Reich descreve a gênese e o modo de ser do Homo normalis e sua comezinha existência paulada pelo rancor, ressentimento, inveja e destrutividade, tanto no plano pessoal quanto no social. É o falso moralista, o vigia dos usos e costumes, a propagadora das aledicências sobre a vida sexual da vizinhança. Um protótipo da combinação de frustação afetiva sexual¹ e da necessidade de destruir a vida e a felicidade em quaisquer de suas modulações enquanto busca entregar a sua existência às mãos de uma liderança dominadora. São irrupções da camada da personalidade portadora do que Reich definiu como impulsos secundários, subjacentes à fachada apresentada socialmente.

Existe diferença entre um posicionamento firme e a raiva e o ódio, a destrutividade e a negação de qualquer positividade no outro. Há aí, nesse caso, a ação de um mecanismo (inconsciente) em que projetamos no outro toda e qualquer imperfeição que possamos portar, e no tornamos exemplares. Num plano mais profundo, o “zé ninguém” tenta anular a dor insuportável que a vitalidade no outro, vivida como inalcançável para ele, evoca. Essa é uma das sementes da radicalização, do exacerbamento verificado nas redes sociais, quando das postagens como ataques a personalidades e nas manifestações políticopartidárias de qualquer tribo. Aí, essas redes merecem realmente a adjetivação “esgotosfera”. Detalhe importante: na obra de Eco mencionada, a biblioteca (simbolizando o conhecimento) termina consumida por um incêndio provocado. O idiota da aldeia vence.

Nicolau José Maluf Jr. é psicólogo, analista reichiano, doutor em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ)

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Relações em PautaBb

A escolha do

PARCEIRO Em geral, a busca é pelo que nos falta e na maioria das vezes fazemos isso de forma inconsciente. O companheiro já chega com o peso de suprir todas as lacunas existentes. Por Elaine Cristina Siervo

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final, quais são os fatores que determinam a escolha de um parceiro amoroso? Para começar a responder essa indagação, precisamos olhar para a nossa família de origem, pois é de lá que derivam os primeiros exemplos de relacionamento e de identificação com as figuras masculina e feminina. A família sempre será o ponto de partida para modelos ou contramodelos pessoais. Se admiramos qualidades nos pais ou em outros que fizeram esse papel, provavelmente haverá identificação. O indivíduo passa a desenvolver essas qualidades em si, o que interfere na busca de um parceiro de forma inconsciente, porque vai buscar encontrar os mesmos aspectos no outro. As heranças familiares estão longe de limitar-se a transferência de bens e dinheiro. É transmitida também, através das gerações, toda uma gama de valores morais, hábitos, cultura e crenças. Durante toda nossa vida, podemos observar e identificar os padrões herdados na convivência com as pessoas. Como em um espelho, o nosso “eu” é refletido pelo outro e as relações de qualquer tipo são oportunidades de reconhecimento dos padrões de comportamento e outros aspectos saudáveis e patológicos. Geralmente os conflitos e problemas relacionais agem como denunciantes dos aspectos mal resolvidos em nossa psique. Existem duas formas básicas de escolha do parceiro: a escolha por semelhança ou por complementariedade. As semelhanças entre os casais podem ser por idade, escolaridade, origem cultural, área profissional, aspectos físicos, hobbies, entre outros aspectos. De forma geral, a opção por um companheiro com mais semelhanças e afinidades é considerada um facilitador para a harmônico relacionamento. As relações complementares, ou seja, aquelas em que algumas características da personalidade são bem diferentes entre o casal, têm sua forma específica de funcionamento, e essa escolha revela motivações mais profundas do que podemos imaginar. O que pode ilustrar esse ponto é o mito grego de Eco e Narciso. Eco era uma ninfa muito falante que andava pelos bosques. A última palavra tinha sempre que ser a dela. Um dia a deusa Juno procurava pelo marido, desconfiada de que o mesmo se divertia entre as ninfas. Eco resolveu distraí-la enquanto suas amigas se escondiam Juno percebeu o ardil e, com raiva, lançou uma maldição em Eco. Ela continuaria tendo a última palavra, mas nunca mais a primeira. Eco poderia apenas repetir a última palavra ou frase que escutasse de alguém, impossibilitada assim de comunicar-se de outra forma. Um dia viu Narciso em caçada pelas montanhas e apaixonou-se por

ele. Desejava lhe dizer palavras de afeto, mas não podia, só podia repetir o que ele lhe dizia Narciso tentou conversar com ela em vão, pois somente ouvia de sua boca a última palavra que tinha pronunciado. Desprezou Eco assim como todas as outras ninfas, também atraindo para si uma maldição que o levou a definhar pois ficou enfeitiçado por sua imagem refletida nas águas de um rio. Esse mito fala sobre a escolha do parceiro de uma forma muito idealizada, prenhe de características narcísicas acentuadas. Na relação, o outro precisa funcionar como um eco para a manutenção de seu narcisismo, isto é: precisa “refletir” e ecoar sua personalidade. Em maior grau, essa pode ser uma relação de muita desigualdade, na qual o outro sacrifica seus projetos pessoais, desejos e sonhos priorizando os de seu companheiro. Quando existe uma patologia narcísica grave, a relação pode conter abuso e violência física e psicológica. Sempre tentaremos buscar em um parceiro o que nos falta, e na maioria das vezes faremos isso de forma Deposita-se no inconsciente. O companheiro parceiro a árdua afetivo será designado a e difícil tarefa de suprir todas as lacunas existentes ou resgatar o sanar as mazelas paraíso perdido das primeiras emocionais, relações objetais e eliminar o resultado vazio existencial. Deposita-se de falhas do no parceiro a árdua e difícil desenvolvimento e tarefa de sanar as mazelas amadurecimento, emocionais, resultado de falhas do desenvolvimento e iniciadas desde o amadurecimento, iniciadas nascimento desde o nascimento. A trajetória do desenvolvimento e amadurecimento pode estar contida por vários fatores: doenças físicas e mentais na família, situações de privação efetiva, pobreza extrema, negligência nos cuidados básicos, violência familiar, abuso e dependência de álcool e drogas na família. As figuras materna/paterna introjetadas, e a forma com que foi vivenciada a conflitiva e edípica, irão ditar o papel que se espera que o parceiro ocupe na relação e também a maneira como o indivíduo adulto se relaciona com sua família de origem. Os conflitos gerados decorrentes do relacionamento afetivo são uma boa oportunidade de autoconhecimento. A partir da angústia e dor emocional provocadas pelos problemas de relacionamento, muitas pessoas buscam a psicoterapia e iniciam aí uma é: grande jornada em busca de si mesmas. O campo relacional é uma ótima oportunidade de individuação.

Elaine Cristina Siervo é psicóloga. Pós-graduada na área Sistémica - Psicoterapia de Família e Casal pela PUC-SP. Participa do Núcleo de Psicodinâmica e Estudos Transdisciplinares da SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica). Atuou na área de dependência de álcool e drogas com indivíduos, grupos e família.

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Entrevista

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O transtorno do PÂNICO não está sozinho O psiquiatra Mario Louzã explica que, em muitos casos, ele pode estar associado a outras patologias, como a bipolaridade, por exemplo; por isso, o tratamento é longo e, em algumas situações, para a vida inteira.

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ma das piores sensações do mundo.” “A sensação é que vou morrer.” Essas são apenas algumas descrições de pessoas que sofrem de síndrome do pânico e do que acontece durante as crises. Trata-se de um transtorno de ansiedade, no qual são registradas crises inesperadas de desespero e medo intenso, mesmo que não haja motivo algum para isso ou sinais de perigo iminente. Além dessas crises, a pessoa sente extrema preocupação com a possibilidade de ter novos ataques (o chamado medo do medo) e com as consequências desses ataques, pois isso dificulta a rotina do dia a dia. De acordo com o psiquiatra Mario Louzã, a síndrome do pânico se manifesta, geralmente, em consequência do estresse, seja qual for a origem “Pessoas podem desencadear crises em situações de extremo estresse: falecimento ou a descoberta de uma doença grave de uma pessoa próxima;mudanças constantes na vida, experiências traumáticas,como um assalto ou um acidente de carro.

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“O tratamento pode envolver psicoterapia e o uso de medicações para redução dos sintomas” explica Louzã, médico psiquiatra, especialista rm Psiquiatria Geral, com pós-graduação (doutoramento) na Clínica Psiquiatra da Universidade de Wurzburg, Alemanha, e pósdoutorado no Institudo Central de Saúde Mental em Mannheim, Alemanha. É médico assistente e coordenador do Programa de Esquizofrenia (Projesq) e do Programa de Déficit fr Atenção e Hiperatividade (Prodath) do Institudo de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, além de bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Uma vez que a pessoa recebe o diagnóstico de transtorno do pânico, sabendo que aquelas sensações são passageiras, ela pode “mentalmente” tentar se controlar

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Entrevista As causas do transtorno do panico ainda não foram bem esclarecidas, porem acreditase que fatores genéticos e ambientais, estresse acentuado, uso abusivo de certos medicamentos (anfetaminas, por exemplo), drogas e álcool possam estar envolvidos. É correta essa informação? Louzã: A síndrome do pânico está, geralmente, relacionada a estresse, independentemente de sua origem. Este é um desencadeante comum dos ataques de pânico que constituem a síndrome. Além deste, outros fatores relacionados são: predisposição genética, fatores emocionais (pessoas mais vulneráveis ou mais sensíveis aos fatos da realidade) e fatores externos/ambientais (alterações no modo como o cérebro reage a determinadas situações). Possivelmente a presença de outros distúrbios, como depressão e bipolaridade, pode estar relacionada com os transtornos.

A crise aparece subitamente, mas a pessoa pode ficar traumatizada, por exemplo, com viagem aérea, caso o ataque de pânico tenha sido dentro de um avião

Quais são os chamados gatilhos mais frequentes para as crises da síndrome do pânico? Louzã: Pessoas com as características citadas acima podem desencadear crises de pânico em situações de extremo estresse: falecimento ou a descoberta de uma doença grave de uma pessoa próxima; mudanças constantes na vida (seja de casa, de cidade, de trabalho etc.); experiências traumáticas, como um assalto ou um acidente de carro. Vale frisar que cada pessoa reage de forma diferente a determinadas circunstâncias da vida. Portanto, uma situação estressante é relativa. Uma viagem de férias pode ser uma grande alegria para alguém. Mas para outra pessoa pode significar um estresse enorme, já que qualquer detalhe gera ansiedade e nervosismo.

Por que razão uma pessoa passa muitos anos de sua vida sem ter nada e um dia, por ter ficado fe chada dentro de um elevador quebrado, por exemplo, passa a manifestar o problema? Louzã: Os ataques de pânico geralmente acontecem de repente, em qualquer período do dia e em qualquer situação. Pode ser fazendo compras no shopping, lavando a louça, dirigindo, em uma reunião de trabalho ou, acredite, até mesmo dormindo. Um ataque de pânico começa, em geral, abruptamente, com ansiedade intensa, uma sensação de morte iminente ou de um ataque cardíaco. A ansiedade intensa é acompanhada de sintomas físicos como aceleração da frequência cardíaca, falta de ar, sudorese excessiva, vertigem, tontura, náuseas, tremores. Algumas pessoas falam sobre a sensação de “perda de controle” ou de “sair de si mesmo”. Os ataques usualmente duram de 10 a 15 minutos.

As pessoas podem desencadear crises de pânico em situações de extremo estresse como falecimento ou a descoberta de uma doença grave, acidente de carro etc.

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10/11 Os ataques de pânico acontecem de repente, em qualquer período do dia e em qualquer situação, fazendo compras no shopping, lavando a louça ou até dormindo

Durante os casos de síndrome do pânipânico, o medo do medo potencializa as crises? Louzã: O primeiro ataque de pânico, geralmente, leva a pessoa a um pronto-socorro, devido à intensidade dos sintomas. Uma vez que a pessoa recebe o diagnóstico de transtorno do pânico, sabendo que aquelas sensações são passageiras, ela pode “mentalmente” tentar se controlar, sabendo que, apesar de muito desagradáveis, os sintomas não colocam sua vida em risco. No entanto, é difícil ser racional nesse caso, ainda mais sabendo que poderá surgir outra crise. Então, sim, a pessoa começa a ter medo de novos ataques de pânico e, muitas vezes, qualquer sintoma é confundido com uma possível nova crise. Não tem como prever, pois, como já dito, o ataque aparece subitamente, em qualquer lugar e situação. Mas a pessoa pode ficar traumatizada, por exemplo, com viagem aérea, caso o ataque de pânico tenha sido dentro deum avião.

Em função das semelhanças, como efetuar o diagnóstico correto? Louzã: Se os sintomas estiverem tão fortes a ponto de interferir na sua vida social e profissional, é hora de buscar ajuda médica. Apenas o especialista poderá realizar o diagnóstico e indicar o tratamento correto. Tanto no transtorno de ansiedade generalizada como na síndrome do pânico.

Em que momento a pessoa chega à conclusão de que o que sente não é apenas ansiedade e sim síndrome do pânico?

Existem semelhanças entre as características da ansiedade considerada normal e da síndrome do pânico? Quais são elas e o que difere ambas? Louzã: A ansiedade é um sintoma normal de qualquer ser humano. Quando vamos realizar uma prova difícil ou participar de uma entrevista de emprego, por exemplo. No caso de ansiedade generalizada, os sintomas são mais fortes e incluem irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia e fadiga. No transtorno de pânico, a pessoa tem uma súbita ansiedade intensa, acompanhada de palpitação, sensação de desmaio, falta de ar, sudorese excessiva, vertigem, tonturas e formigamentos no corpo.

As pessoas com síndrome do pânico afirmam que a sensação é terrível. Muitos acham que realmente vão morrer. É possível que o metabolismo da pessoa, durante as crises, possa realmente se alterar a ponto de ela morrer? Louzã: Apesar de muito desagradável, os sintomas não colocam a vida em risco. De qualquer forma, até pelas sensações ruins que as crises de pânico causam, o ideal é consultar um médico que, mesmo já prevendo se tratar de transtorno de pânico, deverá solicitar exames clínicos para se certificar de que não há algum problema associado.

Louzã: Apenas o médico especialista poderá analisar os sintomas e diagnosticar o transtorno.

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Entrevista Qual o papel do sistema nervoso central na síndrome do pânico? Louzã: No organismo, o glutamato e o óxido nítrico atuam como mensageiros químicos- são os chamados neurotransmissores-, conduzindo informações de uma célula nervosa (neurônio) a outra. É dessa comunicação entre os neurônios que dependem todo o funcionamento do organismo, do pensamento e ações conscientes, como os movimentos da mão, até os processos involuntários, como a respiração. No sistema nervoso central, formado pelo cérebro e por órgãos agregados, como o tronco encefálico,o cerebelo e a medula espinhal - responsáveis, em conjunto, pela manutenção geral do organismo-, há outros neurotransmissores: a seratonina, a noradrenalina o ácido gama- aminobutírico (GABA). Todos influenciam o funcionamento dos neurônios, e, quando há falta ou excesso de qualquer um deles, a sensação de prazer e bem-estar é afetada. Daí a importância do uso de antidepressivos inibidores seletivos de receptação da serotonina.

Como você orienta o tratamento de uma pessoa que afirma ter crises de pânico em determinadas situações? Louzã: Só quem pode orientar o tratamento é o médico que iniciou o acompanhamento e realizou o diagnóstico. Apesar de a síndrome do pânico ser relativamente conhecida, poucos sabem exatamente o que é e o que gera na pessoa acometida. Portanto, palpites e conselhos sem fundamento podem mais atrapalhar do que ajudar.

O tratamento exige que uma parte seja medicamentosa e outra comportamental. Quais orientações devem ser dadas aos pacientes? Louzã: tratamento pode envolver psicoterapia e o uso de medicações para redução dos sintomas. Os medicamentos mais indicados são os antidepressivos inibidores seletivos de receptação da serotonina, eventualmente associados aos ansiolíticos, os quais são usados por prazo limitado. A medicação é muito relativa, pois depende do perfil do paciente e do diagnóstico de cada caso. Já a psicoterapia visa ajudar o paciente a lidar melhor com as situações que potencialmente podem trazer/aumentar as crises.

Quanto tempo, em média, deve durar o tratamento? Louzã: O transtorno do pânico, geralmente, não está sozinho. Em muitos casos, pode estar associado a outras patologias, como a bipolaridade, por exemplo. Sendo assim, o tratamento é longo e, em algumas situações, para a vida inteira. Para ter uma boa recuperação e eficácia nos resultados, é necessário o uso da medicação por, no mínimo, um ano após o controle total dos ataques de pânico. É correto afirmar que o tratamento leva de duas a três semanas para começar a produzir efeitos? Louzã: Sim, pois é o período que os antidepressivos levam para começar a fazer efeito.

A ansiedade é um sintoma normal do ser humano. Quando vamos realizar uma prova difícil ou entrevista de emprego, por exemplo

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12/13 Terapias alternativas como meditação e yoga, ajudam no tratamento, assim como qualquer outra atividade que dê prazer à pessoa

Os medicamentos indicados produzem efeitos colaterais? Louzã: Os principais (mais comuns) são: dor de cabeça, insônia, sonolência, nervosismo, ansiedade, cansaço (fadiga), tremor, diminuição da libido (desejo sexual), diarreia, náusea, boca seca, diminuição do apetite.

A demora em surtir efeito e os efeitos colaterais dos medicamentos podem induzir a pessoa a abandonar o tratamento precocemente? Louzã: Dificilmente, pois, uma vez realizado o efeito, a pessoa se sente tão bem que o retorno da sensação de paz e tranquilidade supera os efeitos colaterais. Além do mais, os efeitos variam de pessoa. Há quem não sinta absolutamente nada de anormal com a medicação.

Terapias alternativas como meditação e yoga são aconselháveis para auxiliar o tratamento? Louzã: Qualquer atividade que dê prazer à pessoa ajuda no tratamento, desde que faça bem a saúde.

Os exercícios físicos são importantes na síndrome do pânico?

Qual o papel da família no processo de tratamento de um paciente com síndrome do pânico? Louzã: É preciso ter paciência, compreensão e incentivo para que a pessoa vá retomando suas atividades aos poucos.

Maconha pode trazer algum benefício para o tratamento de pacientes com esse problema? Louzã: Estudo dirigido por um grupo de pesquisadores brasileiros do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Neurociências Aplicadas da Universidade de São Paulo (USP), publicado pelo The International Journal of Neuropsychopharmacology, descobriu os benefícios do tratamento para a síndrome do pânico com o uso de canabinoides, substâncias presentes na maconha. A pesquisa investigou os efeitos dos canabinoides naturais sobre mudanças comportamentais induzidas em ratos na presença de um predador – um gato vivo – simulando modelos de resposte diante de uma crise de pânico. A conclusão sugere que o segredo é o tratamento à base do sistema endocanabinoide, trazendo a sensação de “paz” e tranquilidade para o paciente. Novos estudos estão sendo feitos para comprovar ainda mais a utilidade dessa propriedade terapêutica da erva.

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Louzã: Sim, pois a atividade física estimula a produção de serotonina e da dopamina, neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar.

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Utilidade Pública

Para transcender a função de PERITO A psicologia jurídica ganha espaço na área de atuação que exige que o psicólogo conheça aspectos do direito com o principal foco de intervir para proteger a integridade dos indivíduos Por Denise Maria Perissini

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O que se observa na maior parte das situações é que o trabalho pericial do psicólogo se torna limitado ao laudo que fornecerá subsídios à decisão do juiz

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Psicologia Jurídica é uma das especialidades da Psicologia que vem ganhando destaque nos últimos tempos, frequentemente chamada a opinar acerca de conflitos familiares envolvendo guarda de filhos (por vezes, guarda compartilhada, alienação parental), acusações de abuso sexual (verdadeiro ou falso) e outras manifestações do comportamento humano, como os atos criminais, o sofrimento das vítimas, a veracidade dos testemunhos, o dano psíquico decorrente do abandono afetivo, dentre outros. É uma área que se destaca pela interdisciplinaridade porque exige que o profissional conheça aspectos do Direito (civil, penal, família) e noções de processo (prazos, tipos de recurso, impedimento/suspeição de perito, diferenças entre perito e assistente técnico), acompanhamento do trâmite de leis e jurisprudências (saber o conteúdo das leis em vigor e qual o entendimento dos juízes e tribunais acerca do assunto), bem como conhecimentos de avaliação psicológica, desenvolvimento infantil, relações vinculares familiares, psicopatologia, sexologia, parafilias toxicologia, comportamentos coletivos (por exemplo, brigas de torcidas de futebol, terrorismo, desastres). O objetivo básico do serviço de Psicologia Jurídica é o de elaborar um esboço, o mais fidedigno possível, acerca da situação das pessoas envolvidas em situações processuais (questões familiares, atos infracionais, delitos) e suas famílias, que se consolida no laudo pericial. Esse perfil auxilia a decisão do juiz em casos de disputa pela guarda dos filhos, adoção e outros, de modo a que se respeitem as características psicológicas de cada caso, visando principalmente a saúda mental das pessoas, especialmente se for criança ou adolescente.

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Mas o que se observa na maior parte das situações é que o trabalho pericial do psicólogo se torna limitado ao laudo que fornecerá subsídios à decisão do juiz. O que muitos profissionais utam para conseguir é um espaço em que possam ampliar seu campo de atuação, transcendendo a mera função estrita de perito para buscar uma intervenção que, além do diagnóstico, traga algum retorno ou implicação terapêutica, seja por interpretações, seja por um conteúdo que envolva aspectos psicodinâmicos em benefício da estrutura familiar. O trabalho não é preventivo, uma vez que as pessoas já chegam com uma problemática de intensa gravidade, e com uma dinâmica

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psíquica bastante comprometida. Através da orientação, busca-se amenizar as consequências nefastas das dificuldades e problemas e intervir, de forma sutil, visando um intercâmbio saudável, que possa preservar a família e especialmente os direitos da criança em seu núcleo familiar. O grande problema é que as pessoas que acorrem ao Judiciário desejam ser atendidas imediatamente, através de uma decisão legal. Não estão interessadas ou preocupadas em realizar uma reflexão acerca de seu papel na dinâmica familiar ou sua conduta e repercussão na realidade interna ou externa, e por isso consideram o trabalho do psicólogo judiciário Março 2019 - Ano 12


Utilidade Pública como uma mera função burocrática que retarda o andamento do processo. Em determinadas situações limites com alto nível de comprometimento emocional e com as relações afetivas muito deterioradas, as pessoas buscam soluções rápidas - mesmo que extremadas para eliminar o sofrimento e rejeitam, qualquer tipo de intervenção, tendo a intenção de manter a situação como se encontra, não a reconhecendo como problemática (Berno, 1999). A Psicologia Jurídica está muito vinculada aos direitos humanos, pois se por um lado há práticas que violam direitos humanos (por exemplo, a tortura de presos), por outro há situações em que os profissionais de Psicologia são chamados a intervir para proteger a integridade dos indivíduos, como no caso de crianças abandonadas que precisam de lares acolhedores, crianças vítimas de abuso sexual ou mulheres vítimas de violência doméstica ou racismo/xenofobia etc. Obviamente, a Psicologia Jurídica vem avançando muito no A psicologia campo das pesquisas, jurídica vem mas nunca se pode avançando muito considerar seu trabalho como “definitivo”: está no campo das sempre acompanhando pesquisas, mas as transformações nuca se pode sociais e as modificações considerar seu contínuas do trabalho como comportamento humano. “definitivo”: Por isso, embora já tenha obtido avanços Está sempre significativos, ainda acompanhando as há muito a se fazer. transformações É uma área sempre sociais em expansão existem diversas ramificações, práticas que se aprimoram a todo momento! A graduação e a pós-graduação e Psicologia Jurídica são fundamentais para que os alunos sejam estimulados a desenvolver um raciocínio crítico e reflexivo sobre as práticas psicológicas nas diferentes especialidades do Direito. A formação do profissional deve oferecer a capacidade de vislumbrar a transformação social e promover o protagonismo e a autonomia das pessoas envolvidas nos conflitos familiares, compreendendo que os litígios familiares são uma forma patológica de vínculo e uma das fontes de adoecimento (do indivíduo e da própria família), e por isso a Psicologia Jurídica deve atuar auxiliando na compreensão e condução das estratégias de prevenção, promoção, tratamento, tomadas de decisão e conscientização. Deve ainda propiciar uma reflexão acerca das relações de poder e responsabilidades recíprocas entre o Judiciário e a sociedade, analisando instrumentos e Março 2019 - Ano 12

tecnologias que possam ser utilizadas de modo ético e compatíveis com a realidade social. As pesquisas científicas são importantes para observarmos o comportamento social e pensarmos nas políticas públicas e modos de atuação que melhor atendam às necessidades da sociedade. Por exemplo, vemos o aumento dos casos de feminicídio, então precisamos de profissionais que entendam o que está acontecendo na sociedade a ponto de chegar a essa situação, e de que modo os profissionais podem intervir. Mesmo aqueles que não são psicólogos, mas se interessam pela área podem contribuir nessa análise interdisciplinar dos fenômenos sociais e participar, por exemplo, de audiências públicas ou de projetos de leis que visem atender aquela necessidade social, por exemplo, existe a Lei da Alienação Parental (Lei no 12.318/2010), cujo anteprojeto de lei foi disponibilizado on-line para contribuições diversificadas, até chegar ao texto que foi apresentado na Câmara dos Deputados e que, após a tramitação legislativa, obteve o formato atual. A formação e as práticas integrativa sem Psicologia Jurídica visam a participação ativa dos alunos de Psicologia em momentos de discussão de ideias, atividades em grupo e aprendizagem baseada em problemas, em uma perspectiva crítica e analítica do contexto legal e sociopolítico brasileiro. A formação deve ter um caráter demonstrativo e ativo, capacitando os profissionais para uma visão interdisciplinar da Psicologia Jurídica, que enfoca a complexidade dos conflitos humanos no âmbito judiciário. As práticas integrativas, atividades extracurriculares desenvolvidas ao longo do curso, são extensivas aos egressos ex-alunos que queiram prosseguir): são grupos de estudos, grupos de pesquisa, elaboração da Revista de Psicologia Jurídica, que pode ser geral (abarcando temas diversificados em um mesmo número, como adoção, feminicídio, guarda compartilhada, abuso sexual infantil etc.) ou temática (um dossiê), em que será escolhido um tema específico para todos os que quiserem contribuir com artigos. Importante é que as produções acadêmicas sejam indexadas pela SCIELO (Scientific Electronic Library Online). O abuso sexual infantil também é outro tema sempre polêmico. Há quem defenda que as denúncias devam ser apuradas, tomando-se as providências preventivas e punitivas com urgência contra os abusadores, e há quem defenda que, dependendo do contexto de litígio entre os pais, a acusação de abuso pode surgir repentinamente como um recurso extremo de afastamento de um dos genitores, quando todos os recursos anteriores para dificultar as visitas fracassaram, e que a criança pode estar sendo manipulada e inautêntica. De qualquer forma, são opiniões polariza- das que despertam

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paixões e discussões acaloradas. Nesse sentido, um evento científico que ofereça um debate entre os alunos e o grande público pode ser o momento propício para conscientização da realidade, e de quais providências os profissionais e a sociedade podem/devem tomar para proteger as crianças/adolescentes. No que tange à questão do curso de especialização em Psicologia Jurídica (veja detalhes em http://www.unisa.br/CURSOS/ Pos-Graduacao/Presencial/Especializacao/ Cienciasda-Saude/Psicologia-Juridica-3184), conforme parâmetros definidos pelo MEC e CFP, há que se ressaltar que a tarefa de ampliação dos cursos cabe às universidades, para refletir acerca do papel do psicólogo jurídico e diferencia-lo do modelo clínico, regulamentando e organizando suas funções, pois o psicólogo que atua no/ para o Poder Judiciário se depara com funções distintas, porque representante do consultório e precisa se fazer compreender na sociedade. Além disso, hoje em dia não podemos mais pensar em produção científica sem o inglês instrumental. Os periódicos científicos de referência no mundo têm pelo menos o Abstract, porém o ideal é que os alunos e egressos sejam

capazes de redigir não apenas o Abstract, mas todo o artigo científico em inglês. Além disso, ele deve saber como fazer uma apresentação em inglês, que será fundamental para a divulgação de pesquisas em congressos e eventos científicos internacionais. A ênfase dos cursos presenciais e Psicologia Jurídica decorre do fato de que, em que pesem as dificuldades dos alunos em comparecer todas as vezes, o fato de as atividades em sala de aula serem dinâmicas amplia não apenas a rede de contatos de cada aluno como também diversifica o debate, tornando os assuntos muito mais enriquecidos com a participação direta de alunos que têm formações diferentes e podem trazer “olhares” diferenciados. Por exemplo, alunos de Letras ou Jornalismo, ou da área de Comunicação, podem trazer importantes contribuições à linguagem dos profissionais de Psicologia quando estivermos debatendo sobre laudos e pareceres redigidos para processos judiciais, pois esses profissionais vão contribuir para mostrar a importância da clareza, correção ortográfica, intencionalidade da comunicação no momento da redação.

As pesquisas científicas são importantes para observarmos o comportamento social e pensarmos nas políticas públicas e modos de atuação que melhor atendam as necessidades da sociedade

REFERÊNCIA:

ANAF. Claudia. Formação em Psicologia Jurídica. p. 101-103. ll Congresso ibero-americano de Psicologia Jurídica. São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 1999 BERNO, Roseli. O trabalho dos psicólogos nas Varas da Infância e da Juventude. In:RAMOS Magdalena (Org) Casal e Família como Paciente. 2. ed. São Paulo: Escuta. 1999, MARTINS, Sheila Regina de Camargo. Psicologia Jurídica - campos de atuação e questões sobre a formação e pesquisa, ll Congresso Ibero-americano de Psicologia Jurídica. p. 362-364. São Paulo Universidade Presbiteriana Mackenzie, 1999 SILVA. D. M. P. Psicologia Jurídica, no Processo Civil Brasileiro. 3 eds. Rio de Janeiro Forense, 2016 SOUZA NETO. Zeno Germano, O que é um psicólogo jurídico? Contextualização e atualidade de uma prática em Rondónia. In: SOUZA NETO, Zeno Germano (Org.) Olhares e Fazeres: Teoria e Pesquisa em Psicologia Jurídica, p. 17-24 Porto Alegre. Imprensa Livre. 2018

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Denise Maria Perissini é psicóloga clínica e jurídica, mestre em Ciências Humanas (Unisa) e coordenadora e professora da pós-graduação em Psicologia Jurídica na Unisa. Contato: psicojur@unisa.br

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Psicopositiva

Conhecer

a si mesmo Quem desenvolve o autoconhecimento possui uma visão clara de suas aptidões, capacidades e fraquezas e cria estratégias para lidar com suas características positivas e negativas Por Dra. Mônica Portella

É

possível observar nos dias de hoje, em algumas ruinas de templos, teatros e estádios originários da Grécia Antiga, resquícios da inscrição original do Oráculo de Delfos. Segundo arqueólogos, essa inscrição tinha o objetivo de lembrar ao cidadão grego a importância do autoconhecimento, por isso a inscrição vigorava nos locais públicos mais importantes das cidades-estado gregas. Conhecer a si mesmo não significa descobrir

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segredos profundos e/ou motivações inconscientes. Autoconhecimento significa desenvolver uma compreensão sincera e honesta sobre você mesmo (conhecer forças e fraquezas, administrando as mesmas adequadamente). Envolve procurar respostas para uma das questões humanas mais difíceis e fundamentais: “Quem sou eu?”. A Psicologia Positiva possui uma série de instrumentos e técnicas que pode

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18/19 auxiliar o indivíduo a responder essa questão fundamental. Esta disciplina dispõe de vários instrumentos para ajudar na jornada em busca do autoconhecimento, como por exemplo exercícios com o objetivo de identificar forças (talentos, pontos fortes, forças de caráter, habilidades), características de personalidade, valores, bem como pontos fracos. Identificar e manejar crenças autolimitadoras e apoiadoras, desenvolver o engajamento, encontrando e vivendo em harmonia com sua proposta de vida (ou significado). Além disso, a Psicologia Positiva incentiva o conhecimento de sua singularidade e respeito a essa, o que significa focalizar no que se é em vez de se comparar e preocupar-se constantemente com os outros. Depois de identificar e trabalhar valores, crenças, virtudes e forças, o indivíduo estará pronto para responder à pergunta: “O que vou fazer com minha vida?”. Isto é, pode, a partir daí, estabelecer e alcançar metas que possam melhorar sua qualidade de vida e desempenho em diversos aspectos. A terapia positiva constitui A tentativa de uma proposta transformar-se de prevenção naquilo que não secundária e possui se é pode levar diferenciais em relação à outras ao estresse, modalidades desencadeando até terapêuticas. Em mesmo doenças primeiro lugar, as que o organismo terapias positivas está geneticamente (como a terapia da a terapia programado para esperança, focada em metas e desenvolver a terapia cognitivacomportamental positiva) trabalham com o foco nas metas e não nos problemas e queixas do cliente. Em segundo ligar, as terapias positivas mapeiam e desenvolvem as forças, enfatizando o lado saudável e funcional do indivíduo. Por mais doente que uma pessoa possa estar, sempre terá um lado saudável e pelo menos algum aspecto da vida que esteja minimamente funcional. A orientação positiva incentiva e desenvolve o autoconhecimento e a autogestão, uma vez que estimula a responsabilidade pessoal no conduzir da vida, levando o indivíduo a mapear e lidar com suas características (positivas e negativas). As terapias positivas reconhecem que os traços positivos e os comportamentos adaptativos servem como fatores protetores contra estressores e dificuldades futuras,

funcionando assim como prevenção primária de problemas. Dessa maneira, ao tomar conhecimento dos aspectos positivos e funcionais, os indivíduos podem lidar melhor com seus problemas e dificuldades. À medida que desenvolve o autoconhecimento, a satisfação com a vida aumenta consideravelmente. O autoconhecimento ajuda o indivíduo a alcançar muitos benefícios, como: a satisfação com a vida dispara; uma maior propensão a alcançar metas pessoais e profissionais; reconhecer situações e oportunidades benéficas, tanto na vida pessoal quanto profissional. Identifica e maneja as tendências limitadoras (como por exemplo, pontos fracos, crenças autolimitadoras, traços de personalidade negativos, entre outros); diminui danos; gera conhecimento do que se quer (metas) e das estratégias de como alcançá-lo. O autoconhecimento pode ser explorado na prática. Por exemplo, a pessoa que conhece seus talentos, pontos fortes, força de caráter e pontos fracos podem escolher trabalhos que tenham relação com esse perfil. Assim, maximiza as chances de sucesso e realização. Aqueles que reconhecem seus valores, em geral, fazem escolhas que o levam a decisões acertadas e mais felizes a médio e longo prazo. O autoconhecimento pode também aumentar a intensidade e frequência de emoções positivas, aumentando o bem-estar e a satisfação. Além disso, o autoconhecimento ajuda o indivíduo na busca de um sentido ou propósito de vida, e de acordo com as pesquisas em Psicologia Positiva, pessoas que conhecem o significado ou propósito de sua vida são mais resilientes e conseguem lidar melhor com as adversidades e crises. Os relacionamentos profundos podem potencializar a felicidade, e, para isso, o autoconhecimento é fundamental, pois auxilia na descoberta de pessoas com as quais podemos estabelecer relações profundas e significativas. Vale lembrar que esse tipo de relacionamento não se limita aos relacionamentos de sangue, como prega parte da cultura ocidental. Momentos psicológicos de pico muitas vezes envolvem importantes conexões humanas profundas. Portanto, podemos concluir que o autoconhecimento oferece ao indivíduo a proposta de uma vida com mais significado, com metas reais que podem ser alcançadas e uma vida mais funcional e feliz. E hoje os consultórios estão repletos de pessoas que buscam encontrar propósito e felicidade em sua vida, seja em qualquer abordagem terapêutica.

Profª. Dra. Mônica Portella: Diretora cientifica e de cursos de extensão do CPAF-RJ e do PSI+. Pós Doutora em Psicologia pela PUC-RJ. Doutora em Psicologia Social pela UFRJ. Professora e supervisora da Pós-Graduação em Psicologia Positiva Aplicada a Saúde, Negócios e Educação e Terapia cognitivo comportamental. Autora de livros e artigos na área. CRP: 05/22229. Site: www.psimais.com.br

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Psicopedagogia

Estimulação do

Meio Ambiente O cérebro e todo o sistema nervoso são partes indissociáveis do processo cultural humano, pois em especial, graças a esse importante órgão, se realiza a aprendizagem que enriquece a cultura humana Por Maria Irene Maluf

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tualmente, são frequentes as discussões sobre a melhor ida- de para submeter as crianças ao aprendizado formal da leitura e da escrita. Alguns pais se sentem aparentemente lesados se a escola dos filhos não os insere no mundo das letras e números ainda na pré-escola. A ideia é que quanto mais cedo as crianças aprenderem essas habilidades culturais, ainda que em detrimento de horas de brincadeiras, mais preparadas chegarão à faculdade.

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Melhor que insistir no erro dessa premissa é explicar por que o exemplo dos países onde a educação é considerada a melhor do mundo deve ser analisado e adotado por nós. O desenvolvimento da cultura humana ao longo dos séculos é indubitavelmente impressionante, especialmente se pensarmos sobre as modificações havidas nos últimos 100 anos, trazidas especialmente pelas ciências. Sem dúvida alguma, a educação é a grande promotora dessa cultura que se supera a cada dia a uma

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20/21 vertiginosa velocidade, ainda que muitas vezes descobertas importantes foram aparentemente feitas pelo acaso, como a descoberta da penicilina, em 1928, feita pelo médico Alexander Fleming; a insulina em 1889, por Oscar Minkowski e Joseph von Mehring; o raio X em 1895, por Wilhelm Conrad Röntgen, entre outros exemplos. Objetivavam esses cientistas, em suas pesquisas, descobrir outras coisas, mas foi o seu poder de observação bem desenvolvido que os fez distinguirem entre material inútil e uma descoberta grandiosa para a humanidade. A aprendizagem, seja qual for, requer amadurecimento biológico, estimulação neuronal e formação de sinapses, num processo contínuo que depende em grande parte das trocas do material genético com o meio ambiente. Não se aceita mais que a criança será aquilo que sua genética determinou, mas se sabe que será aquilo que a estimulação ambiental fará com essa genética. O cérebro nos deixou enquanto espécie humana, e ao longo dos milênios, alcançar o estágio de grande crescimento científico que hoje vivemos. E nos permite como pessoas pensantes a suplantar nossas condições de nascença, pois é através de seu incrível potencial que ampliamos recursos que nos possibilitam ultrapassar etapas sequentes de desenvolvimento. Além disso, coloca parâmetros determina o que pode ser aprendido, quando e com que velocidade. E ai entra a educação! O conhecimento de como nosso cérebro aprende é o objetivo de muitos cientistas e educadores, já que a neurociência é a ciência do cérebro e a educação pode ser compreendida como a ciência da aprendizagem, o que correlaciona ambas de modo incontestável. Não é novidade a investigação da neurociência em contextos educativos e, embora esta ainda não traga todas as respostas para os educadores, já revelou descobertas importantes sobre a biologia quanto aos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem. Tais conhecimentos induziram ao conceito de períodos críticos e sensíveis do desenvolvimento, quando as mudanças estruturais do cérebro, incluindo a sinaptogênese e a poda neuronal, constituem fatos relevantes na educação. Há períodos críticos e períodos sensíveis no processo de amadurecimento cerebral: assim, sabe-se que em qualquer lugar do mundo, por volta dos 12 aos 16 meses, a grande maioria das crianças já anda. Sabemos também que o período em que há maior facilidade de aprender uma segunda língua como se fosse a língua mãe vai até os 7 anos. Ou seja, nos

períodos sensíveis o cérebro é mais sujeito à estimulação do meio ambiente e neles a educação tem enorme influência: só por esse motivo já se pode ter ideia da imensa importância da educação na vida das crianças. E falo aqui da educação vivenciada, aquela que envolve também as brincadeiras infantis. É claro que as pessoas podem aprender durante toda a vida, mas a facilidade oferecida Não se aceita pela plasticidade cerebral mais que a é especialmente maior criança será nos três primeiros anos de vida. Assim, um aquilo que meio ambiente rico de sua genética estímulos variados, determinou, ofertados paulatinamente, mas se sabe que é o mais recomendado: é será aquilo que importante que a criança tenha tempo para explorar a estimulação as novidades, brincando, ambiental jogando, socializandofará com essa se. E depois tenha um genética tempo adequado para incorporá-las aos seus conhecimentos anteriores. Ou seja: que enriqueça e amplie suas sinapses cerebrais, que ficarão cada vez mais aptas a receber novos estímulos e os transformar em novas aprendizagens. Isso não nos leva a acreditar, muito pelo contrário, que seja útil estimular de forma exagerada as crianças, pois há um limite que esbarra nas etapas do neurodesenvolvimento normal, que é sequente não pula etapas. Os exageros não apenas são inúteis como contraindicados, pois, os aspectos afetivos emocionais também são importantes na aprendizagem. E estes acabam sempre por serem prejudicados quando a criança é submetida desnecessariamente a uma estimulação exagerada e fora da idade adequada. O respeito às etapas do desenvolvimento neurológico e uma estimulação adequada a essas fases levam a uma verdadeira vantagem na corrida pelo sucesso na aprendizagem não apenas nos primeiros anos, mas nos anos escolares, pois a criança desenvolve e consolida amplamente as bases cognitivas que a apoiarão intelectualmente e as afetivas, que multiplicarão as oportunidades de realmente aprender e desenvolver novos conhecimentos. Brincando se aprende na primeira infância. Letras e números podem até entrar na brincadeira, sem qualquer formalidade ou exigência pedagógica. Criança forma a base de seu aprendizado tendo o cérebro respeitado no seu desenvolvimento.

Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/O7). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uolcom.br

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In Foco

O comprometimento com a VERDADE As pequenas mentiras costumam ser recrutadas nas relações que nascem e sobrevivem na fina camada da aparência e cumprem um papel na manutenção dos relacionamentos Por Michele Müller

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Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências, Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos estão reunidos no site www.michelemuller.com.br

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A bajulação superficial sustenta vaidades. Uma prática aparentemente inofensiva e frequentemente usada no amparo de uma autoestima mal construída

SRIVASTAVA,S. et al. The social costs of emotionalsuppression: a prospective study of the transition to college. J. Pers. Soc. Psychol., n.4, p. 883-897, 2009. SLEPIAN; CHUN; MASON. The experience of secrecy, J. Pers. Soc. Psychol., n.1, p. 1-33, jul. 2017 LEVINE, E. et al. You can handle the truth: mispredicting the consequences of honest communication. Journal of Experimental Psychology, set. 2018.

Para Art Markman e Bob Duke, autores de Two Guys in Your Head, a honestidade é desnecessária apenas nos casos em que ela não faria diferença à outra pessoa- como confessar que não gostou da roupa de seu parceiro depois que ele já está na festa. Logicamente, não é válida de ser usada como forma de ofensa e sim quando acharmos que uma pessoa pode se beneficiar da informação- o que pode ser feito em um breve exercício de empatia. Em geral, a honestidade nos salva dos pequenos danos e das irrecuperáveis destruições que a mentira provoca. Sua injusta má reputação está muito mais relacionada à forma como a verdade é dita do que ao conteúdo em si. Não mentir pode ser um exercício bastante difícil e doloroso. Um dos adeptos da verdade acima de tudo e o filósofo e neurocientista Sam Harris. Ele tomou a decisão de evitar qualquer tipo de mentira depois de estudar análise ética e constatar que infinitas formas de sofrimento e vergonha podem ser evitadas com o uso da verdade. Ele concluiu que mesmo as mentiras consideradas inofensivas, frequentemente ditas com a intenção de não desagradar o outro, são associados à pouca qualidade dos relacionamentos. “Muitos de nós passamos a vida marchando em direção ao arrependimento, remorso, culpa e decepção. E em nenhuma outra circunstância essas feridas aparecem mais auto afligidas, ou a dor que criamos mais desproporcional às necessidades do momento, que quando mentimos aos outros. A mentira é a principal estrada para o caos”, escreveu em seu livro Lying (Mentindo, em kindle e-book), em que narra suas próprias experiências a partir da decisão de viver da forma mais transparente possível. O comprometimento com a verdade dá aos outros a segurança de saber que você não fala pelas costas, que aquilo que diz é de fato o que pensa e que seus elogios não são bajulações vazias. Tudo isso, lembra Harris, ao custo de um desconforto de curto prazo, que pode ser suavizado se nos colocarmos no lugar da pessoa que recebe informação na hora de se comunicar com sinceridade. As mentiras são como escudos dos fracos- vêm aos montes e de todos os tamanhos, se multiplicamse rapidamente. À medida que surgem empurram para um futuro temido e assombroso a colisão com a realidade, provocando estragos em seu caminho ao enfraquecerem a distanciarem as relações. A verdade, por outro lado, vem sempre no singular- ninguém pede para ouvir “as verdades”. É única e poderosa. Figura antipática e às vezes temida, ela não gosta de adulações nem de meias palavras. Pode vir com um leve desconforto ou uma dor intensa e por isso requer coragem de quem releva e de quem enxerga. Mas sempre tem o poder de nos fazer melhores.

Referências

O

s puxões de orelha levados na infância ensinaram que, para que a fraqueza não seja interpretada como rispidez, algumas mentirinhas se fazem necessárias. Isso fica mais claro à medida que percebemos os próprios sentimentos feridos com a sinceridade alheia, o que torna a troca de mentiras não apenas aceita, como desejada em muitas situações. Os exageros, falsas confirmações e elogios fazem parte de uma bajulação superficial que sustenta vaidades- prática aparentemente inofensiva e frequentemente usada no amparo de uma autoestima mal construída. Aprendemos que as pequenas mentiras não nos fazem mais honestos, pois cumprem um papel na manutenção dos relacionamentos. No entanto é possível que a mesma função da mentira nesses casos seja superestimada: há evidências de que mentir geralmente não é uma boa estratégia nem mesmo quando a intenção e as expectativas nos levam a crer que sim. Uma série de pesquisas da Universidade de Chicago constatou que a sinceridade tem mais valor do que costumamos dar a ela e torna a comunicação mais eficaz. Em um dos experimentos, os participantes foram divididos em três grupos. Um deles recebeu instruções para agir de forma mais sincera possível em interações sociais durante alguns dias. Outro, para simplesmente ser agradável com as pessoas e o terceiro grupo foi instruído a apenas prestar atenção nas próprias atitudes. Depois, todos avaliaram seu próprio desempenho e o impacto de seu comportamento. Supreendentemente, eles perceberam maior conexão social nas interações guiadas pela honestidade. Não era o que esperavam. Os participantes predisseram que isso seria prejudicial às relações, como foram levados a acreditar a vida inteira. Os resultados se repetiram na segunda parte da pesquisa, em que a instrução era ser honesto com alguém próximo em perguntas pessoais e normalmente difíceis de responder abertamente. Assim conseguiram verificar o impacto da verdade tanto em situações em que pode ser vista como o oposto de gentileza ou simpatia, quanto naquelas em que se opõem a segredos. Em todas as circunstâncias, a honestidade parece sair em vantagem. Para os pesquisadores, ao evitar a verdade perdemos a oportunidade de criar relações mais próximas e significativas. Existem outras pesquisas indicando que a expressão das emoções está relacionada a níveis mais saudáveis de pressão sanguínea e ao desenvolvimento de graus mais altos de intimidade (Srivastava, 2009) e que, por outro lado, o hábito de guardar segredos pode ser negativo a saúde (Slepian; Chun; Mason,2017).

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Bem-Estar

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Corpo e Mente em

Boa Harmonia Vitimização e revolta podem afetar a saúde física e mental, por isso é importante exercitar o bom humor e superar a negatividade, tão presente em tempos de crise

Por Daniele Varzan

S Daniele Varzan é psicóloga e especialista em Psicologia Jurídica. Formou-se posteriormente em Terapia de Vida Passada (Terapia Regressiva) e Constelação Sistêmica. Atualmente atende e ministra cursos para terapeutas interessados nessas áreas de atuação. Autora de dois livros infantis (Editora Boa Nova): Não Consigo Desgrudar da Mamãe, que aborda a ansiedade de separação, e Eu Sou o Rei de Todo o Mundo, que trata da problemática das crianças que têm dificuldades de aceitar limites.

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e tudo já anda difícil ultimamente com a crise mundial, refletida na crise financeira, na crise profissional, na crise pessoal contatada pela geral crise de valores e na crise social diante da degradação das relações familiares e interpessoais, imagine se levarmos a vida com mau humor e negatividade! Somente nos serviria para tornar mais pesada e difícil a caminhada e de nada ajudaria a resolver nossos problemas e desafios. Temos que enfrentar muitas situações sofridas e desagradáveis na vida, nas quais não temos como modificar ou evitar os percalços do caminho. Nesses casos, o caminho a percorrer tenderá a ser o mesmo. Não se terá muito do que fugir. E o que fará a grande diferença no percurso desse caminho será a forma como escolheremos ultrapassá-lo. Poderá ser mais árduo se escolhermos passar com pessimismo, desesperança, vitimização ou revolta. Ou será amenizado, caso escolhamos ou consigamos aprender a passar com a manutenção do bom humor, da positividade, da aceitação e da gratidão. Já que precisaremos passar por aquilo, por que não encarar de forma madura e aprender as lições que a situação difícil nos vem convidando a enfrentar? Quem de nós nunca conviveu com pessoas que chegam tão críticas, “reclamonas” e pesadas que acabam contaminando o ambiente e as pessoas presentes, trazendo um clima de malestar e peso? São pessoas que, independente de chegarem falando, questionando e expondo suas ideias e opiniões pessimistas e controversas, ou apenas chegarem carrancudas e fechadas em seu próprio mundinho pessimista, já nos trazem um impacto negativo forte. Nos deprimem, nos cansam, nos abatem e nos sugam, mesmo que não tenhamos consciência disso. E quem não se recorda da convivência leve e fácil com pessoas “solares”? Aquelas pessoas que chegam trazendo alegria, bem-estar e otimismo? Março 2019 - Ano 12


Bem-Estar Pessoas que nos fazem sentir melhor, que nos fazem acreditar no que precisamos para ter força necessária para passar pelas provações da vida? Pessoas que, despretensiosamente, espalham uma sensação boa pelo simples fato de estarem ali em nossa vida com sua forma positiva de ser. Temos esses dois tipos de pessoas: as positivas e bem-humoradas na maior parte do tempo e as pessoas negativas, pessimistas e predominantemente mais mal-humoradas. Cabe a cada um de nós avaliar a forma de ser e de pensar sobre as coisas e tentar nos ajustar, da forma que nos é possível, para viver sem tanto desgaste, sofrimento e pesar.

Pessoas Tóxicas

PARA SABER MAIS Consiência do Comportamento Negativo Uma vez que a pessoa toma consciência do seu quadro, precisa dar algum passo em direção à mudança da realidade atual. Seja o passo que for!! Pois quando a pessoa dá o primeiro passo e consegue mudar minimamente sua visão, dos fatos, seu pensamento ou algum hábito ou comportamento negativo e pode sentir o bem-estar e o alívio que o simples passo já lhe trouxe, isso acaba reforçando o continuar a se emprenhar no caminho da transformação e a motiva a continuar modificando o que precisa para viver cada vez melhor. Além disso, que tal passar a se perguntar com mais frequência: o que eu gosto de fazer? O que, realmente, me dá prazer? O que vai me satisfazer nesse momento? E afastar da mente todo pensamento que não faz bem? Se podemos criar o hábito de pensar e sentir de forma negativa, por que não nos treinar e nos manter na positividade, cuidando de nosso bem-estar, do bom humor e da disposição para ser feliz e agir com motivação, gratidão e confiança nesse mundo de possibilidades diversas? Fica a dica.

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Para as pessoas que convivem compulsoriamente ou não com as pessoas chamadas “tóxicas” alguns cuidados devem ser aprendidos para que não sejam sacrificadas ou prejudicadas por essa convivência estreita e duradoura. Seja pela convivência pessoal, incentivada pelo amor sentido por essa pessoa, ou pela obrigatoriedade da convivência profissional, por exemplo, há que se tomar algumas medidas para preservar o bem-estar na relação e a saúde emocional e física dos envolvidos. A convivência com esse tipo de pessoa nos traz a necessidade de desenvolver uma série de aprendizados para com o outro e para conosco, no sentido de não sermos contaminados ou lesados por essa convivência. Deve-se procurar a melhor forma de lidar sem se deixar contaminar mentalmente, emocionalmente ou energeticamente pela pessoa tóxica. Essa é uma decisão e uma atitude que devem partir de quem convive com o ser tóxico. Isso porque a pessoa, quando é tóxica, muitas vezes não tem consciência ou ingerência sobre o malestar que carrega e o lixo emocional que acaba despejando nos circundantes. Para piorar a situação, não é difícil constatarmos que, quando a pessoa tóxica consegue despejar sua negatividade e contaminar o ambiente e os circundantes, ela se sente melhor e aliviada. Como se pudesse dividir um pouco da carga e do peso da negatividade e pessimismo carregados por ela naquele momento; o que acaba reforçando ainda mais esse tipo de mecanismo e atitude inconsciente. É comum que essas pessoas não tenham consciência de todo o processo de descarga e alívio do peso e negatividade. Mas é fato que, muitas vezes, quando se apresentam no auge de seu pessimismo e mal-estar, não se contentam enquanto não perturbam e descarregam parte de sua energia de perturbação sobre alto externo. Para os que convivem com isso, infelizmente, o fato de se abater, perturbar-se e pegar parte da carga negativa da pessoa tóxica não representa nem de longe uma maneira viável de ajudar essa pessoa. Já que o simples fato de dividir com ela

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26/27 aquela carga ruim e difícil não a ajudará a tomar consciência do seu padrão de comportamento e, muito menos, a modificá-lo, para que não continue sofrendo e causando o sofrimento a quem convive com ela. Por mais estranho que pareça, o mais indicado é se proteger daquela carga e perturbação e deixar que a pessoa tóxica possa chegar a um nível tão elevado de negatividade e perturbação que deseje ou necessite fazer algo para modificar aquele padrão negativo pensamento/comportamento. E esse desafio, muitas vezes, vai passar pela necessidade de aprendermos a aceitar nossa impotência diante dessa realidade, já que nenhum esforço feito do lado de fora será o suficiente para modificar o estado mental ou emocional pessimista se o tóxico não desejar se esforçar para tal.

Será que as pessoas tóxicas, no fundo, não sabem ou não se permitem aproveitar coisas boas da vida devido a um mecanismo de culpa ou autossabotagem? Seria esse padrão de comportamento uma espécie de autopunição gerada por uma estrutura interna culpada?

Por trás da Negatividade Mas o que será que nos faz ser mais negativos ou mais positivos? Será um hábito adquirido ou aprendido em nossa história pregressa? Ou seria algo intrínseco em nós, como uma predisposição da pessoa? É fato que cada caso deve ser avaliado de forma isolada. E dentre os diversos casos de pessoas predominantemente negativas e pessimistas encontraremos alguns em que podemos observar a existência desse mesmo padrão nos pais ou circundantes próximos, que serviram como modelo ou exemplo, e ensinaram, mesmo que indiretamente, as pessoas tóxicas a assumirem esse tipo de postura e forma de funcionar diante da vida. Quando se fala em comportamento aprendido, não falamos de algo que é escolhido e recebido de forma consciente. Fala-se de um comportamento que passa a ser projetado e repetido, muitas vezes, sem que o descendente deseje, concorde ou admire aquilo nos seus ascendentes.

Entretanto, também podemos encontrar casos em que a pessoa tóxica parece não ter tido contato com pessoas negativas durante sua infância e juventude, mas, mesmo assim, traz sua personalidade os traços de pessimismo, negatividade e, por vezes, depressão. E isso lhe é trazido de forma intrínseca, como uma característica pessoal que não aparenta ter sido herdada ou aprendida de nenhum dos genitores, responsáveis ou circundantes. É natural termos pensamentos negativos ou sentirmos mal-humorados, dez esperançosos ou pessimistas diante de determinados momentos ou situações em nossa vida. Por si só, não se trata de um problema. O problema é quando esse estado se prolonga por mais tempo do que deveria, causando mais pessimismo, desmotivação, desistência, baixa de energia, isolamento social e consequências bioquímicas relacionadas a alteração do sono, do apetite e até da produção hormonal.

Levar a vida de uma forma negativa serve apenas para torna mais pesada e difícil a caminhada e de nada ajuda a resolver os problemas e desafios

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Bem-Estar

Características Dentre as principais características podemos encontrar a tendência a ser uma pessoa “pesada”, que costuma ter por hábito fazer críticas ou reclamar de tudo e de todos, tendendo a desaprovar ou desanimar os que com ela convivem por não acreditar que nada bom ou positivo vá acontecer, tendendo a ser uma pessoa O sofrimento poderá encrenqueira, ser mais árduo se que problematiza escolhermos passar com tudo a sua volta. pessimismo, desesperança, São pessoas que vitimização ou revolta. se apresentam constantemente com Ou será amenizado, caso mau humor e não escolhamos ou consigamos aceitam brincadeiras aprender a passar com a com facilidade. manutenção do bom humor Esse tipo de pessoa, geralmente, apresenta relações interpessoais e afetivas comprometidas, já que comumente tem dificuldade de convivência com os demais e uma inaptidão para estabelecer relações mais íntimas e afetuosas com as pessoas. Dizemos que essas pessoas são do tipo “reclamonas” se não externa, no mínimo internamente, pois apresentam uma mente conturbada, focada no pior: no medo, no negativo, na falha, sem conseguir paz e descanso. Suas mentes estão sempre a apontar coisas negativas acerca delas mesmas e do mundodas situações e pessoas com quem convivem. E isso as faz sentirem de forma pesada e negativa e se comportarem de forma igualmente desagradável, criticando, desaprovando, bufando ou desvalorizando tudo o tempo inteiro.

Outra característica que é comum nessas pessoas é o fato de apresentarem dificuldades de aceitar elogios. Isso ocorre pelo fato de, normalmente possuírem a autoestima comprometida. Já que o hábito de enxergar e julgar as coisas e pessoas de forma negativa se estende também, inevitavelmente, à maneira como elas encaram e enxergam suas capacidades, conquistas e aptidões Dessa forma, percebemos já nas crianças que apresentam essa maneira de ser em sua estrutura pessoal uma certa tendência a desqualificar as coisas boas ou positivas que se apresentam em sua vida. Parecem pessoas que vivem insatisfeitas consigo e com as coisas ao seu redor o tempo todo, pois estão sempre focados e valorizando o que lhes chega de pior e desqualificando ou minimizando as coisas boas e agradáveis de seu dia a dia. Há quem diga que lhes falta gratidão. Uma vez que apresentam esse comportamento, no qual se maximiza o negativo e o desconsidera o positivo das situações ou pessoas com quem se relacionam. E eis que surge uma nova questão que pode ser levantada: será que as pessoas tóxicas, no fundo, não sabem ou não se permitem aproveitar coisas boas na vida devido ao um mecanismo de culpa ou autossabotagem? Seria esse padrão de comportamento uma espécie de autopunição gerada por uma estrutura interna culpada? Essa é uma questão primordial no tratamento de pessoas negativas. O que aparece que as leva a adotarem essa postura na vida, que leva à degradação de sua realização pessoal e das relações que elas possam ter com o mundo a sua volta? O que ela pode ou precisa fazer para modificar essa sua estrutura e passar pelos revezes da vida de forma mais tranquila e amena?

Uma característica comum às pessoas pessimistas e o fato de apresentarem dificuldade de aceitar elogios. Isso ocorre pelo fato de normalmente possuírem a autoestima comprometida

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28/29 O negativo/mal-humorado tende a se colocar como vítima da sua vida e dos circundantes ao invés de se responsabilizar enquanto agente da sua própria vida. Isso não os ajuda a reverter seu mal-estar. Pode ser que a pessoa negativa tenha em si, mesmo que não aparente, um traço maior de insegurança diante das coisas, e seu medo de tentar e não dar conta pode fazer com que ela desista antes mesmo de tentar e acabe se tornando alguém frustrado e amargurado. O fato que nos aponta a importância de cuidar de nossa cabeça e nos libertar de crenças limitantes sobre nós mesmos que acabamos introjetando ao longo da vida. Resultado de nossa mente insegura, associada a falas e situações vividas com pessoas que nos são caras e nos fizeram acreditar em nossa incapacidade a ponto de desistirmos de nós mesmos e aceitarmos a máscara que nos imputaram sem que nos limitam e nos reduzem a algo diferente do que somos. O negativo pode ter aprendido esse comportamento com seus pais ou pessoas importantes em sua história pregressa. Quando convivemos ou, pior do que isso, quando fomos criados por pessoas negativas, podemos nos contaminar com esse difícil modo de funcionar. E por mais que reconheçamos o padrão malhumorado ou negativo de nossos circundantes, e nos incomodemos ou prejudiquemos com isso, podemos acabar reproduzindo inconscientemente o mesmo padrão pessimista. E quando nos damos conta, já estamos reproduzindo a desistência, a vitimização, a desmotivação em nossa vida e tornando nosso caminhar cada vez mais duro e frustrante.

Transtorno de Humor Transtornos de humor são aqueles nos quais o sintoma central é a alteração do humor ou do afeto. Ele influencia diversas áreas da vida do indivíduo (profissional, familiar, social...). Segundo a Classificação Internacional de Doenças atual, o CID-10, podemos dividir o transtorno de humor em diversas categorias, que vão desde uma depressão/diminuição a uma elevação do estado de humor e da atividade realizada pelo portador do referido transtorno. 1) Episódio maníaco: Consiste em algumas ocasiões de elevação de humor e aumento da energia e da atividade (hipomania ou mania). 2) Transtorno afetivo bipolar: Consiste em algumas ocasiões de elevação de humor e aumento de energia e da atividade (hipomania ou mania) e, em outras, de um rebaixamento do humor e de redução da energia e da atividade (depressão). 3) Episódio depressivo: Nos episódios típicos de cada um dos três graus de depressão, leve, moderado ou grave, o paciente apresenta um rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da atividade. Existe alteração da

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Existência da dor Acredita-se hoje, em algumas correntes do saber, na existência da dor como oriunda da necessidade de aprendizagem e ampliação da consciência do ser humano. Ela seria apenas uma viabilizadora do processo de crescimento e desenvolvimento do ser. E uma vez aprendida a lição necessária, a dor se dissipa e o alívio vem. capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas, em geral, a fadiga importante, mesmo após um esforço mínimo. Observam-se, em geral, problemas de sono e diminuição do apetite. Existe quase sempre uma diminuição da autoestima e da autoconfiança e, frequentemente, ideias de culpabilidade/ ou de indignidade, mesmo nas formas leves. O humor depressivo varia pouco de dia para parar ou segundo as circunstâncias e pode se acompanhar de sintomas ditos “somáticos”, por exemplo, perda de interesse ou prazer, despertar matinal À medida que vamos nos precoce, várias horas conhecendo, mais tranquila antes do habitual de e prazerosa se tornará nossa despertar, agravamento vida. E uma lição fundamental matinal da depressão, para ser mais feliz talvez lentidão psicomotora seja a maneira com que nos importante, agitação, perda de apetite, perda habituamos a lidar com as de peso e perda de situações do nosso cotidiano libido. O número e a gravidade dos sintomas permitem determinar os três graus do episódio depressivo: leve, moderado e grave. Além desses tipos principais, encontramos algumas outras variações do transtorno de humor, tais como: os transtornos de humor [afetivos] persistentes, a ciclotimia e a distimia.

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Bem-Estar

Mudança de Padrão Buscar uma terapia para ajudar a transformar o padrão mental habitual negativo em neutro ou positivo e modificar a leitura que se faz da vida e das situações que nos cercam é sempre uma saída eficaz. Faz-se necessário Os chamados um aprendizado “reclamões” são aqueles sobre a forma de que, independentemente encarar as coisas, de chegarem falantes para que haja uma de valores e expondo suas ideias mudança e de comportamento e opiniões pessimistas, do indivíduo diante já trazem um impacto da vida. E a base negativo forte, cansando disto tudo está os outros, causando na identificação abatimento e na mudança do padrão mental e de comportamentos antigos que alimentam a criação de pensamentos tóxicos. Uma nova Psicologia, conhecida como Psicologia Positiva, nos ensina que é possível aumentar nosso nível de satisfação com nossa vida, nos tornando mais positivos e diminuindo nossa exposição ao que pode nos trazer negatividade (como noticiários, jornais e mídias negativas, pessoas e situações tóxicas- que nos trazem algum prejuízo ou mal-estar), além de pensamentos e comportamentos que mantemos e nos trazem sentimentos destrutivos e desgastantes, baixando nossos níveis de alegria, motivação e nossa imunidade, inclusive.

Isso não quer dizer que precisaremos “viver numa bolha”, mas, sim, evitar a excessiva exposição a situações maléficas e desnecessárias para nossa sobrevivência. Além disso, podemos ser grandes colaboradores quando queremos. Então, deixar de criticar a si e aos outros evitar o cinismo, as mentiras e as relações que podem trazer negatividade são outras formas de diminuir esse mal-estar. Segundo essa vertente, o melhor mesmo seria aumentarmos a positividade. Pois mesmo que não consigamos evitar algumas atitudes de negatividade, poderemos nos beneficiar de um maior bem-estar se aumentarmos a positividade em nossa vida. Para isso, há alguns facilitadores importantes como: - Fazer atividades físicas regulares, com o intuito de, além de cuidar do corpo, cuida principalmente da mente. - Adotar práticas de meditação, de yoga, dentre outras práticas que trazem grandes benefícios para o nosso bem-estar e nossa qualidade de vida. - Praticar relaxamento, a respiração consciente, manter contato com a natureza, com as artes- como a música, a dança, o canto, pinturas etc., praticar a gratidão ou uma atividade de caridade são algumas das coisas que podem trazer positividade, bem-estar e qualidade de vida para as pessoas. Às vezes, é muito difícil mudar sozinho. Nesse caso faz-se necessária a aceitação de algum tipo de ajuda, por menor que seja, até a pessoa consiga tomar consciência do seu quadro e fazer o primeiro movimento de mudança.

Quem nunca conviveu com pessoas que chegam crítica e pesadas, que acabam contaminando o ambiente e as pessoas presentes?

Há casos em que se observa a existência do padrão tóxico no pais que serviram como modelo e passaram para o filho essas características repetindo o padrão Março 2019 - Ano 12

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Qualidade de Vida Quando os pensamentos negativos se prolongam por muito tempo podem acabar se tornando um hábito pernicioso e prejudicial a quem os apresenta e podem desencadear transtornos psicológicos leves ou severos. Nesse caso são precisos atenção especial e a ajuda profissional adequada para que a pessoa tóxica e os que convivem com ela tenham qualidade de vida.

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Coaching

Dê visão ao seu

EU CEGO!

Nós somos seres complexos por várias razoes. mas em especial porque formamos nossa autoimagem por meio do que os outros veem em nós

P

recisamos do feedback das outras pessoas para que nossa autopercepção possa ser o mais real possível. Precisamos também nos mostrar para os outros para que eles possam ter a percepção mais acertada sobre nós, logo, ser transparente é, também, uma atitude fundamental para a saúde de nossa personalidade. O problema é que não nos mostramos por inteiro nem dizemos aos outros tudo o que percebemos neles. A saúde de nossa relação com as outras pessoas se dão em função do quanto nós mostramos como realmente somos e do quanto percebemos o outro como realmente é.

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Preocupados com essa questão, dois psicólogos norte-americanos criaram, na década de 1950, um gráfico cujo objetivo era analisar como as pessoas se relacionam com as outras e consigo mesmas. Foi batizado como “a janela de Johari”, nome que deveria da junção de parte dos primeiros nomes dos dois criadores (Joseph Luth e Harrington Ingham). Eles partiram da observação de que, em grupo, as pessoas tendem a mostrar o que os outros querem ver e a não revelar aos outros o que realmente veem em cada um, falando o que gostariam de ouvir. Baseados nisso, eles criaram um gráfico dividido em quatro quadrantes (muito parecido

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32/33 com uma janela) em que os dois quadrantes da esquerda representam a consciência que tenho de mim mesmo (aquilo que sei sobre mim). Os dois quadrantes da direita representam tudo que não tenho consciência sobre mim mesmo. Os dois de cima definem o que os outros percebem em mim e os dois de baixo o que não percebem em mim. Dessa forma, cada um dos quatro quadrantes representa uma das quatro partes da nossa personalidade. O quadrante superior da esquerda representa a área aberta do nosso eu, o “eu público”. Aí estão todas as características que conhecemos e que as pessoas também conhecem de nós. O quadrante superior direito simboliza o nosso “eu cego” e contém a parte de nossa personalidade conhecida pelos outros, mas desconhecida por nós. O quadrante inferior esquerdo representa o nosso “eu oculto”. Tudo que está nessa parte nós conhecemos, mas os outros não. Finalmente, o quadrante inferior direito representa nosso inconsciente, ou seja, nem nós nem os outros conhecem. Preferimos chamar essa parte de nosso eu de área potencial, pois guarda coisas que podem nos tornar pessoas melhores e mais livres. Queremos dar destaque ao “eu cego”, representado pelo quadrante superior direito na janela de Johari. Ele representa tudo que não sabemos sobre nós, mas que as outras pessoas sabem. É a área que nos expõe para o mundo e sobre a qual nossa ingerência é reduzida por falta de conhecimento de seu conteúdo. A única maneira de reduzir a influência dessa área é abrir-nos para receber feedback dos outros. É uma atitude difícil, pois esses feedbacks podem afetar a imagem positiva que temos de nós mesmos e exigir que nos emprenhemos na reconstrução daquilo que pensávamos estar pronto. Puramente a título didático, pensemos na situação de termos uma casca de feijão no dente ou termos esquecidos de fechar o zíper da calça. As pessoas veem, mas nós não. Agimos

normalmente por não percebemos algo que somente os outros podem ver. A menos que nos observemos detalhadamente diante do espelho, dependeremos de alguém disposto a nos ajudar que nos diga o que está acontecendo para que tomemos A saúde da nossa uma providência. relação com as É útil e possível passarmos outras pessoas horas diante do espelho, se dão em função analisando detalhadamente o do quanto nós que vemos, mas é impossível mostramos como enxergar tudo, pois tendemos a “não ver” coisas que irão nos realmente somos desagradar. Logo, a maneira e do quanto mais eficaz de diminuir nosso percebemos “eu cego” é estar abertos a o outro como receber o feedback construtivo, realmente é que o outro está disposto a nos dar de presente. O outro que me ameaça é o mesmo que me liberta, pois está nas mãos dele a ampliação do meu olhar. Por isso, precisamos aprender a suportar o desconforto de receber um feedback que não nos agrada em nome e nos tornamos pessoas mais inteiras, cada vez mais donas de nossas próprias rédeas, pois, quando não nos percebemos plenamente, colocamos nossas rédeas em mão alheias. É igualmente importante darmos feedback honestos e bem-intencionados aos outros que nos cercam. Não tenha medo de fazer isso! O outro pode não aceitar muito bem o que vai ouvir. É humano. Saiba, porém, que quanto melhores intenções tivermos com nossos feedbacks, mais ficara claro nosso esforço em ajudar e mais facilmente o outro se abrira a rever sua postura. Façamos a nossa parte, dando feedbacks maduros e construtivos para quem nos cerca e acolhendo os feedbacks espontâneos que nos derem e, até mesmo, requisitandoos às pessoas bem-intencionadas. O ato de amadurecer é, também o ato de reduzir cada vez mais nosso “eu cego”.

PARA SABER MAIS A Janela de Johari Gráfico criado por Joseph Luth e Harrington Ingham, que mostra as quatro partes da nossa personalidade

Júlio Furtado é professor, palestrante e coach. É graduado em Psicopedagogia, especialista em Gestalt-terapia e dinâmica de grupo. É mestre e doutor em Educação. É facilitador de grupos de desenvolvimento humano e autor de diversos livro. www.juliofurtado.com.br

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Os efeitos da

INFIDELIDADE

A traição conjugal se constitui como uma das experiências mais temidas e devastadoras de um relacionamento amoroso. Geralmente traz consequências ao casamento e ao equilíbrio emocional do casal Por Favione Matias

A Fabiane Matias é psicóloga clínica e psicoterapeuta de família. Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e em Terapia de Família e Casal pela Unifesp. É membro titular da Associação Paulista de Terapia Familiar de São Paulo

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infidelidade conjugal talvez seja um dos temas mais complexos no âmbito das relações afetivas. Carregado de intensa reatividade emocional, sofrimento e forte apreciação negativa, tanto no aspecto moral quanto no aspecto religioso, a infidelidade é um comportamento que ocorre com frequência nos relaciona mentos amorosos. No consultório, a infidelidade aparece representada por um turbilhão de sentimentos intensos e desorganizadores. Raiva, tristeza, ciúmes, dor, desesperança, impotência, vergonha, culpa, mágoa ansiedade, confusão em relação aos próprios sentimentos e à vida que se construiu, dúvida em relação a si mesmo, sensação de perda de controle, medo de perda do cônjuge, desejo de morrer ou de desaparecer e desejo de vingança são emoções que se misturam. Desejo de isolamento e de não querer ver o cônjuge alterna-se aos desejos de proximidade e de explicações minuciosas sobre o ocorrido, associado ao medo de perder o cônjuge e todos os projetos e construções que decorrem da união. A infidelidade conjugal é vivenciada como um trauma sendo comum, na tentativa de nomear, de representar ou de buscar entendimento para essa dor, a equiparação dessa vivência a acidentes e catástrofes ambientais como forma de demonstrar seu potencial destrutivo e desorganizador. Surgem falas como: “de repente, tudo desmoronou”, “eu vivi um tsunami”, “me sinto devastada, parece que vivi um terremoto A fase aguda dessa experiência é caracterizada pela revelação do comportamento de infidelidade e nesse momento tudo é vivenciado de forma intensa e ambivalente num processo de grande sofrimento, estranhamento de si e do outro. A infidelidade pode ter efeitos negativos no casamento e se constitui como uma das experiências mais temidas e devastadoras de um relacionamento amoroso, podendo levar à ruptura do vínculo (Pittman, 1994) De acordo com Scheeren Apellániz e Wagner (2017), as razões para a infidelidade são as mais variadas, podendo-se notar um ponto em comum entre os estudos.A maioria das pesquisas aponta Março 2019 - Ano 12


Dossiê para fatores relacionados à insatisfação com o relacionamento conjugal e/ou com o cônjuge. Ressaltam, ainda, a busca de amor romântico; aspectos relacionados à sexualidade, como busca de novas experiências sexuais ou insatisfação sexual, busca de liberdade e quebra da rotina, infidelidade como uma resposta à traição sofrida e oportunidade ou um contexto propício à traição. Na pesquisa realizada por essas autoras, que teve como objetivo conhecer a vivência da infidelidade em homens e mulheres, foram entrevistados 237 sujeitos que referenciaram terem sido infiéis ao companheiro atual, sendo a amostra composta de 106 homens e 131 mulheres com idade entre 21 e 73 anos. Ficou evidenciada similaridade na proporção dos comportamentos de infidelidade entre Entender a infidelidade conjugal homens e mulheres, e as circunstâncias ao qual ela o que demonstrou emerge se torna um grande desafio uma mudança se para os profissionais que trabalham comparado com os estudos das décadas com casais que vivenciam essa de 1980 e 1990, que experiência. O tratamento requer demonstravam que um olhar sistêmico a infidelidade era um comportamento que predominava nos homens. A pesquisa mostrou, ainda, que os homens justificam a infidelidade na busca de novas experiências em relação ao comportamento sexual. Já as mulheres alegam a procura por envolvimento emocional. O levantamento demonstrou, também, que a motivação do comportamento de infidelidade tem como pano de fundo a insatisfação afetiva, seja com a relação, seja com o companheiro, corroborando com as pesquisas acerca do tema. Os resultados do estudo apontaram para a necessidade da compreensão da infidelidade como um fenômeno relacional, emergindo daí também a necessidade de um enfoque relacional para o tratamento dos casais que vivenciam essa experiência

Entender a infidelidade conjugal e as circunstâncias ao qual ela emerge se torna um desafio para os profissionais que trabalham com casais e requer um olhar sistêmico. Compreender a infidelidade conjugal, sob o enfoque da abordagem sistêmica, perpassa tanto pela compreensão dos contextos sociais e culturais e como tais contextos influenciam os valores, as crenças e os modelos relacionais vigentes, em cada época. E como requer a com preensão das histórias individuais e familiares de cada cônjuge na busca pela compreensão dos seus modelos afetivos e pela construção de um sentido ou significado para esse comportamento na história do casal. Nessa perspectiva, compreender a infidelidade requer olhar para três pontos de vista: do cônjuge traído, do cônjuge que traiu e para o ponto de vista da relação. No livro Amar e Trair, Carotenuto propõe refletir sobre tal comportamento usando a perspectiva etimológica e semântica do verbo “trair”. Na forma reflexiva, o verbo tradere significa “abandonar alguém”, “dedicar-se a uma atividade”. O substantivo correspondente, traditio, significa “entrega”, “ensinamento”, “narração”, “transmissão de narrações”, “tradição”. Note-se que o nomem agentis (nome do agente) traditor significa tanto “traidor” como “quem ensina” (Carotenuto, 1997). A reflexão aponta para o caráterambíguo do significado da palavra e propõe pensar a infidelidade distanciada dos valores morais, religiosos e da conotação negativa que esses valores impregnam. Na perspectiva desse autor, o distanciamento das díades complementares “traidor-traído” e “culpado-vítima” pode apresentar ensinamentos a ambos os envolvidos e à própria relação. No setting terapêutico, trabalhar a infidelidade conjugal se constitui uma tarefa complexa, dadas as apreciações morais e carregadas de preconceitos acerca desse comportamento, a

A infidelidade conjugal talvez seja um dos temas mais complexos no âmbito das relações afetivas, pois vem carregada de intensa reatividade emocional

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36/37 polarização dos papéis que se estabelecem no triângulo amoroso, os padrões afetivos disfuncionais e, ainda, pelo fato de que o enfrentamento de uma experiência traumática requer um tempo maior de processamento quando comparado a outras situações clínicas.

Abordagem terapêutica

O enfrentamento de uma vivência de infidelidade ocorre de maneira gradual sendo considerados três estágios: assimilar o impacto da informação, elaborar a vivência e, por fim, a tomada de decisão ao que se refere manter ou romper com o relacionamento (Baucon, 2009; Prado, 2012). O primeiro estágio de enfrentamento está associado à fase aguda da vivência e impõe ao casal assimilar o impacto da descoberta e lidar com os sentimentos negativos que emergem. Apoio emocional, acolhimento à dor e ao sofrimento e contenção das reações emocionais intempestivas e destrutivas são estratégias de intervenção fundamentais para assegurar o cuidado a todos os envolvidos e, assim, evitar que ocorram situações sem possibilidade de reparação e que venham fragilizar ainda mais o relacionamento. Negação, instabilidade emocional, ansiedade, desesperança, sintomas somáticos, pensamentos intrusivos do tipo flashbacks, pesadelos, medo, desmotivação, prejuízo do sono, comprometimento da capacidade funcional são reações naturais e esperadas nesse período de assimilação da informação. Nessa fase, como o pensamento lógico e a capacidade de reflexão estão comprometidos, é importante que seja constituída uma rede de apoio ao cônjuge magoado como forma de favorecer o restabelecimento do seu equilíbrio emocional e garantir seu autocuidado. Passada a fase aguda, a elaboração da situação é imprescindível e se torna possível quando o casal apresenta disponibilidade emocional para identificar e compreender os aspectos da relação que culminaram para a existência de conflitos de lealdade. Se essa tomada de consciência não acontece e a separação passa a ser a única solução para o conflito, é muito provável que, futuramente, essa história seja reeditada, porém com personagens diferentes. A reedição pode ocorrer, ainda, quando o casal faz a opção pelo esquecimento. Uma característica do comportamento humano é a busca por minimizar eventos dolorosos e desagradáveis. A negação e o não enfrentamento da situação levam à constituição de segredos familiares. Os segredos estão relacionados a eventos dolorosos de vida e que ocorrem fora das normas sociais e culturais (Mason, 1994)

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Contexto Sombrio para relações extraconjugais As produções literárias e cinematográficas sempre nos apresentaram, com grande maestria, por meio de suas narra tivas, como os valores morais e sociais influenciaram as relações íntimas entre o homem e a mulher e contribuíram para dissociar o amor, a paixão e a atração sexual, emergindo dessa trama as relações extraconjugais. Gabriela. Cravo e Canela, de Jorge Amado, nos mostra um enredo de valores e crenças característicos do início do século XX, em um cenário de bares, bordéis, esposas, prostitutas ou amantes e uma sociedade patriarcal domina- da pelos coronéis. Tal cenário, onde a paixão a sensualidade e o desejo sexual estiveram fora do casamento e do campo afetivo, desenvolvia um contexto sombrio para as relações extraconjugais e os segredos familiares.

Lealdade

A constituição de segredos familiares, frequentemente, ocorre por lealdade ou alianças entre os membros de uma família, com o intuito de assegurar proteção e perpetuação da família. Pode ter em sua base aspectos positivos, mas por outro lado abre precedentes para a repetição de padrões disfuncionais, uma vez A fase aguda é caracterizada que o que é negado pela revelação do permanece obscuro e comportamento de infidelidade sem possiblidade de e nesse momento tudo é resolução saudável vivenciado de forma intensa (Imber-Black, 1994). A fase de elaboração e ambivalente, num processo preconiza a busca de de grande sofrimento, um sentido para a estranhamento de si e do outro experiência dolorosa, por meio da avaliação e compreensão dos fatores que contribuíram para a instalação do comportamento de infidelidade. Março 2019 - Ano 12


Dossiê Nessa fase, o diálogo respeitoso e acolhedor, mediado por um terapeuta de casal, torna possível legitimar o sofrimento de ambos os cônjuges nessa vivéncia e dimensionar as consequências para a relação e para as pessoas envolvidas, considerando filhos, família, amigos, entre outras redes. O espaço de escuta proposto pela psicoterapia favorece a acomodação dos sentimentos e a reorganização da vivência, agora com a perspectiva do cônjuge que traiu. Isso abre possibilidades para a compreensão, para o perdão e para a reparação de elementos da relação que foram deteriorados, como a confiança e o respeito. Avaliar o relacionamento, como fazer uma espécie de “radiografia do casamento”, no momento em que se instalou o comportamento de infidelidade, é uma estratégia importante dessa fase de enfrenta- mento para entender o contexto que Toda crise pressupõe conduziu ao relacionamento extramudança e se constitui conjugal (Prado, como ameaça ou 2012) oportunidade. A crise Nessa avaliação provocada por uma relação devem ser extraconjugal também considerados segue essa perspectiva elementos estruturantes da dinâmica relacional do casal como: comunicação, respeito e admiração, amizade, companheirismo, intimidade, qualidade do carinho e do sexo, saúde emocional e humor, existência de afinidades de valores e crenças, capacidade de apoio, habilidades para resolução de conflitos, organização dos papéis e das funções na família, divisão de tarefas, entre outros aspectos considerados importantes pelo casal. A proposta

desse exercício pode trazer esclarecimentos dos fatores que motivaram o distanciamento emocional e a deterioração da relação. Analisar os aspectos não propõe estabelecer uma comunicação acusatória para nomear culpado. Ao contrário, auxilia o casal a identificar comportamentos abusivos, negligências, situações de desrespeito e desligamento emocional para que, assim, possa repensar seus padrões de vinculação e interação, bem como as crenças relacionadas ao amor que alimentam padrões disfuncionais na relação. A avaliação exige de cada cônjuge a necessidade de reconhecera sua contribuição nas dificuldades do relacionamento e na configuração do conflito. Outra estratégia de intervenção importante nessa fase é propiciar o conhecimento do funcionamento emocional de cada cônjuge, auxiliando-os a examinar suas histórias pregressas de relacionamento afetivo e os modelos de relacionamentos vivenciados na família de origem para identificar repetições ou, ainda, a existência de tentativas inconscientes de reparar alguma situação vincular mal resolvida. Analisar a fase do ciclo vital que o casal se encontra também pode trazer elucidações importantes para entender fatores negativos que influenciaram o comportamento de infidelidade. A presença de eventos imprevisíveis no curso de vida da família, como perda do emprego por um dos cônjuges, uma morte prematura, existência de dúvidas na relação e conflitos de lealdade ou o diagnóstico de uma doença física ou emocional, traz desafios e, por vezes, mobiliza ou acentua conflitos na relação conjugal. As próprias crises normativas do desenvolvimento da família, como a chegada de um filho, também impõem desafios e mudanças adaptativas desencadeando estresse e desajustes na relação do casal (McGoldrick; Carter, 1995).

Psicologia sistêmica No campo da Psicologia e da saúde mental, a abordagem sistêmica se constitui como intervenção terapêutica na década de 1950, pressupondo a compreensão dos fenômenos humanos a partir da inter-relação e da interdependência das variáveis físicas, biológicas, psicológicas, sociais e culturais. O advento da teoria sistêmica forneceu uma visão interdisciplinar e criou a possibilidade de diálogo a partir das múltiplas perspectivas das diferentes áreas do conhecimento. (Grandesso, 2002).

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38/39 Fatores externos relacionados a hábitos sociais ou hobbies com frequência significativa de eventos sociais, que estabelecem distância física do cônjuge, uso de bebida alcoólica ou de outras substâncias são fatores que geram oportunidades e, portanto, favorecedores para o comportamento de infidelidade. Atribuir um significado para vivência dolorosa, seja simbólico concreto, marca o fechamento fase de elaboração.

Aprendizado O processo de autoconhecimento, o entendimento da dinâmica relacional, as possibilidades de aprendizado e as transformações trazidas por meio da infidelidade abrem caminho para seguir adiante com essa vivência ou apesar dela e se configuram como o último estágio de enfrentamento. Pensar nas repercussões e nos desdobramentos concretos da infidelidade para o relacionamento faz parte dessa fase, que tem como fechamento a tomada de decisão ao que se refere manter o casamento ou optar pela separação. Toda crise pressupõe mudança e se constitui como ameaça e/ou oportunidade. A crise provocada por uma relação extraconjugal segue essa perspectiva. A literatura apresenta posicionamentos distintos entre teóricos do tema, quando falamos das repercussões de uma relação extraconjugal. Pittman (1994), em seu livro Mentiras Privadas, defende a vi são de que a infidelidade é contra o casamento e enfatiza as suas consequências disruptivas à relação As autoras Nabarro e Ivanir (2003) reconhecem o caráter devastador e caótico trazido pela infidelidade, mas reconhecem também, nessa situação, um potencial de desenvolvimento para a relação. O primeiro estágio de enfrentamento da infidelidade conjugal está associado à fase aguda da vivência e impõe ao casal assimilar o impacto da descoberta e lidar com os sentimentos negativos que emergem. Para elas, a ampliação da consciência do casal, para reconhecer partes suas que tenham sido renunciadas ou negligenciadas na relação, abre espaço para que ambos passem a considerar e satisfazer suas próprias necessidades Na perspectiva sistêmica, cada situação de infidelidade é única, particular e cumpre funções e efeitos distintos, podendo, em alguns casos, colaborar para a aproximação do casal e, em outros, gerar ansiedade, distanciamento, mudanças não suportadas e ruptura do vínculo. Para alguns casais, a iminência de ruptura e de dissolução permite refletir as vicissitudes do vínculo e cria a possibilidade de reformulação, produzindo novas maneiras de vivenciar a sexualidade, a atração, a ternura, a confiança e estabelecimento de acordos de fidelidade.

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Revolução Sexual transforma a vivência amorosa inserção da mulher no mundo profissional. com a conquista de novas posições sociais e econômicas, associada à revolução sexual, marcada pelo advento da pílula anticoncepcional e a regulamentação do divórcio, alteraram de forma significativa, o modo de vivenciar a relação amorosa. Novos arranjos afetivos surgem e abrem espaço para relações mais voláteis, caracterizadas pelo afrouxamento dos vínculos afetivos e pela aproximação baseada na atração sexual sem envolvimento emocional. O modelo contemporâneo ou pós-moderno de relacionamento se apresenta de forma mais integrada, considerando os diversos elementos que compõem um enlace afetivo: escolha, amor, sexo, intimidade emocional, condições mais igualitárias em relação aos papéis e gênero, e tem como premissa para o vínculo emocional a satisfação mútua dos cônjuges.

A literatura referência que a marca da infidelidade na história de um casal ativa, em momentos de fragilidade do vínculo, conteúdos imaginários que se conectam com a experiência vivida no passado e cria um estado confessional no cônjuge que foi traído. Esse fator aponta para a necessidade de precaução e cuidado do vínculo, sendo necessário, por parte do casal, buscar estratégias para o fortalecimento do vínculo. Na perspectiva terapêutica, o elemento essencial para o fechamento do processo de enfrentamento é a construção de um significado para a vivência. Entender a função desse comportamento para a relação confere a ambos os cônjuges conhecer o seu padrão de vinculação e ampliar seu repertório emocional. Março 2019 - Ano 12


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Compreensão sociocultural Da Antiguidade à Idade Média, o casamento, logo, as relações de proximidade e intimidade entre. Nesse cenário, apesar da família e da Igreja exercerem grande interferência na intimidade dos casais, restringindo a vida sexual, tanto dos casados quanto dos solteiros, ao casamento com objetivo exclusivo da procriação, as relações extraconjugais surgiram como forma de dar vazão ou espaço ao desejo, à atração sexual e ao afeto na relação. Observa-se que, originalmente, no casamento aspectos importantes da relação afetiva, como amor, atração, afeto, paixão, sexualidade e intimidade, não podiam ser vivenciados de forma integrada, necessitando ser destinados a pessoas diferentes O sexo, permeado de preconceito, vivenciado como tabu e de forma reprimida, favorecia uma espécie de distinção entre as mulheres na sociedade. De um lado, tínhamos as mulheres que pertenciam à classe dominante e que lhes cabia o papel de “esposa ideal”, às quais Negação, instabilidade estavam destinados os emocional, ansiedade, afazeres domésticos, a desesperança, sintomas educação dos filhos e somáticos, pensamentos a prática religiosa. De instrutivos do tipo flashbacks, outro lado, tínhamos “prostitutas” ou pesadelos, medo, desmotivação as a “boa amante” às são reações naturais no período quais era permitido o de assimilação da informação contato sexual mais íntimo, sendo vista como um mero objeto de prazer. Na década de 1930, a Revolução Industrial colocou o mundo urbano no centro, surgindo assim o fenômeno da migração da massa de trabalhadores para os grandes centros urbanos, em busca de melhores oportunidades e condições de vida. Esse fenômeno abriu espaço para duas novas classes sociais, os empregadores e os empregados. As relações de poder, que na antiga aristocracia se estabeleciam por meio da herança, na sociedade burguesa industrial passam a ser conquistadas, e é a profissão que confere status e espaço social (Galano, 2006).

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Exigências Exigências essa mudança faz novas exigências às pessoas em relação ao estudo e ao trabalho e, consequentemente, no âmbito das relações afetivas. Nessa nova organização social, o distanciamento entre o campo e o local de trabalho favoreceu uma fragilidade nos laços com as famílias e comunidades de origem, emergindo novas formas de aproximação entras pessoas O casamento abandona o caráter funcional, pragmático e rígido e passa a ser direcionado pela afinidade entre as pessoas, pelos sentimentos e pelas emoções (Galano, 2006). A emergência do capitalismo e da sociedade burguesa favoreceu, também, a descentralização do poder da Igreja e, com isso, diminuiu o alcance e o controle sobre a vida das pessoas, conferindolhes maior autonomia e liberdade de escolhas Um novo modelo social e relacional é instaurado, e no âmbito das relações afetivas o amor conjugal ganha novos contornos pelo direito de escolha do cônjuge e do consentimento mútuo É apenas na Modernidade, embasado pelas influências da ideologia burguesa, que o casamento assume a dimensão afetiva integrando amor, escolha pessoal e sexo na relação conjugal. Esse modelo de relacionamento trouxe aos casais muitas expectativas acerca do amor e da felicidade conjugal e familiar. Baseado no amor romântico, esse modelo tinha como premissas: o amor à primeira vista, o amor eterno, a noção de par complementar, a busca de validação de si no outro, a fidelidade, a monogamia e a distinção dos papéis e funções baseados em gênero. Nesse espaço, homem e mulher assumiam o papel de pai e mãe, marido e esposa e masculino e feminino (Giddens, 1993) Apesar de todas as transformações na conjugalidade, o vivenciar da sexualidade e do prazer, por meio do sexo, era algo, basicamente, dirigido ao homem, dada a sua posição social lhe conceber poder, maior liberdade e trânsito social. À mulher era restrito o ambiente doméstico e religioso, o que dificultava o seu acesso à sociedade. Logo, esse modelo de amor e sua idealização

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40/41 conduziram homens e mulheres a decepções decorrentes da quebra de expectativas, trazendo um elemento importante a ser com siderado e que, mais tarde, se torna ria balizador das relações amorosas: a satisfação Ao longo do século XX, diversas transformações foram determinantes para as mudanças nos papeis de gênero e, logo, para as transformações nos padrões relacionais. Nas décadas de 1970 e 1980, a inserção e a participação da mulher na sociedade ganharam expressão, destacando-se a conquista da autonomia e da independência financeira. Esses fatores contribuíram para alterar a hierarquização dos papéis de gênero, no qual as relações assumiram uma condição mais igualitária, tanto no espaço social quanto no espaço privado das relações.

Metáfora O filme Shirley Valentine representa uma metáfora que traduz a mulher e seus anseios, na década de 1980, em um cenário de repressão sexual, de aprisionamento ao ambiente doméstico e solidão, na busca por transformações e vislumbrando ressignificar seu papel e sua forma de se relacionar afetivamente. No filme, Shirley, representada por Pauline Collins, é uma dona de casa aprisionada ao papel de esposa, mãe e dona de casa exemplar e submissa ao marido. Joe, representado por Barnard Hill, é um homem rígido e pouco afetivo. O casamento vivido por eles é caracterizado pela falta de atenção, de companheirismo e de carinho por parte do marido. Solidão e vazio marcam a vida dessa mulher de meia-idade, até que o convite de uma amiga para uma viagem à Grécia leva Shirley a encontrar novos significados para a vida e para sua existência.

No filme, a relação com o amante grego possibilita que Shirley vivencie não somente a satisfação sexual, mas proporciona o contato com seu feminino, esmaecido no papel de dona de casa perfeita, e possibilita repensar suas decisões e escolhas na vida. Nesse contexto, a relação extraconjugal Passada a fase aguda, a permanece cumprindo elaboração da situação é um papel integrador à medida que imprescindível e se torna possível possibilita que partes quando o casal apresenta renunciadas sejam, disponibilidade emocional para agora, consideradas, na identificar e compreender os forma de se relacionar aspectos que culminaram com os consigo mesma e com o marido. Em uma de conflitos de lealdade suas reflexões, Shirley expressa: “Eu não me apaixonei por ele. Eu estou me apaixonando pela ideia de viver”. Na proposta de Carotenuto (1997), Shirley se deu a chance de ser fiel a si mesma e de resgatar partes suas renunciadas pela dedicação ao outro.

Referências: BAUCOM, D. H: SNYDER, D. K: GORDON, K. C. Helping Couples Get Past the Affair: a Clinician’s Guide. Nova York: Guilford Press, 2009 CAROTENUTO, A. Amar e Trair - Quase uma Apologia da Traição. São Paulo: Editora Paulus, 1997 DUPUS, J. Em nome do pal: uma história da paternidade. São Paulo: Martins Fontes. 1989 GALANO. M. H. Familia e história: a história da familia. In: CERVENY, C. (Org). Familiae narrativas. genero, parentalidade, irmãos, f lhos nos divórcios, genealogia, história, estrutura. violência, intervenção sistêmica, rede social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. GIDDENS, A. A Transformação da Intimidade. São Paulo: Unesp. 1993. GRANDESSO, M. A. Sobre a Reconstrução do Signif cado: uma Analise Epistemológica e Hermenêutica da Prática Clinica. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2002. MASON, M. J. Vergonha: reservatório para os segredos na familia. In: IMBER-BLACK. E. (Org.) Os Segredos na Familia e na Terapia Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. MCGOLDRICK, M; CARTER, B. As mudanças no ciclo de vida familiar - uma estrutura para a terapia familiar. In: CARTER, B: MCGOLDRICK. M. (Org). As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995 NABARRO, N. R: IVANIR, S. A terapia dos casais de meia-idade em crise devido a uma relação extraconjugal. In: ANDOLFI. M. (Org.). A Crise do Casal: uma Perspectiva Sistêmico relacional. Porto Alegre: Artmed, 2002 PITTMAN, F. Mentiras Privadas: A Infi delidade e a Traição da Intimidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. PRADO, L. C. As Múltiplas Faces da Inf delidade Conjugal. Porto Alegre: Edição Palloti, 2012 ROUDINESCO, E. A Familia em Desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. SCHEEREN, P: APELLÁNIZ, L.A. M; WAGNER, A. Infidelidade conjugal: a experiência de homens e mulheres. Temas de Psicologia, v. 26, n. 1. p. 355-369, 2018.

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Dossiê

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Um coração que

PULSA e POSTA Em tempos atuais, não há dúvidas de que as experiências advindas com a internet, e especialmente com as redes sociais, impactaram nosso imaginário acerca do amar e influenciaram a forma como nos relacionamos socialmente Por Thiago Domingues

E Thiago Domingues é psicólogo junguiano, professor de orientação vocacional, atualização profissional em transtorno ansioso e depressivo. Especialista em Filosofia Contemporânea e História. Tem treinamento profissional avançado em Integral Somatic Psychology (ISP). É practitioner Emotional Freedom Techniques (EFT). Atende em consultório e coordena grupos de estudos e supervisão clínica. Thiago. cdomingues@gmail.com

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nquanto experimentamos a velocidade das transformações, pausas são necessárias para a compreensão do caminho das necessidades daquilo que chamamos de progresso não ser subentendido como um caminho a ser percorrido a qualquer custo. Se hoje nos encontramos na chamada “sociedade liquida”, espécie de termo guardachuva para definir o tempo presente e de onde repousam fenômenos de profundas mudanças no comportamento humano, dentre eles um impulso generalizado de precarização e velocidade, ausência de senso de proposito, inconsistência e efemeridade nas relações (o famoso “nada foi feito para durar”), não seria exagero perguntarmos: o que podemos sentir enquanto efeito colateral dessa “revolução antropológica” em termos de relacionamento interpessoal? Como interpretar as novas necessidades do amar em tempos digitais? Adiantamos ao leitor amigo que neste curto artigo não conseguiremos dar conta dessas perguntas. É muito provável que outras perguntas surjam no processo. Ao tratar de um fenômeno tão múltiplo e potencialmente dimensionável como relacionamento virtual e, tampouco, sobre a infidelidade, seja ela dada no meio virtual também. Não nos colocaremos na posição (delicada) de projetar o impacto ou formular efeitos deterministas nos processos imaginativos e sociais. Como Sísifo e sua pedra, evoluímos para nos aproximar dessas perguntas continuam a escorregar montanha abaixo, escapando de certezas que tendem a substituir a realidade. Convidamos o leitor a ver o fenômeno do relacionamento virtual a partir de outros olhos e com isso relativizar a centralidade que damos a este e tantos outros hábitos “emergentes” da cibercultura, inaugurando olhares e perspectivas para uma possível apropriação com o real e o desejo pulsante de alcançar a vida em toda sua riqueza e múltiplas perspectivas. Março 2019 - Ano 12


Dossiê Nossa esperança é que a Psicologia venha contribuir para a superação da “doença da liberalização” e da perda das potencias imaginativas e as redes de interdependência do real: cada abordagem vem iluminar alguma região sombria, trazer alguma contribuição a um ponto diferente e alimentar a esperança de que gradativamente possamos tatear menos no escuro dos preconceitos e ignorâncias e diminuir nossas ilhas de incoerência interna e superficialidade. Se cada abordagem psicológica der a mão, as contribuições aparecerão de forma inevitável como ponto de encontro original na busca de um sábio caminhar em direção a um equilíbrio psíquico sustentável.

A Cibertraição

Consideramos o virtual como algo em sua potência de existir. Se algo pode ser encontrado no terreno do real, assim também poderá ser encontrado no virtual e vice-versa. Podemos falar em ciberbullying ou cibertraição com a mesma precisão de definição e sentidos, sendo a única coisa que os diferencia é o contexto de seu aparecimento. Como ambos acontecem no âmbito do ciberespaço acontecem no âmbito do ciberespaço seguiremos com uma breve definição: “O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da intercomunicação mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. “Cibercultura”

O conto Fulo de Machado de Assis, mostra um individuo sem notoriedade que à custa de sua autopromoção ganha destaque, mas cai no esquecimento

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Ao tratar de um fenômeno tão múltiplo e potencialmente dimensionável como relacionamento virtual, não nos colocaremos na posição (delicada) de projetar o impacto ou formular efeitos deterministas nos processos imaginativos e sociais.

especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de prática, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (Lévy, 1999, p. 22). Trilhando o universo da cibercultura, o que nos move é seguir a trilha e acompanhar a compreensão de que tudo aquilo que recebe a alcunha de “humano” continua sendo um mistério para nós. Esse numen é misterioso, pois ultrapassa as categorias “seguras” da razão instrumental, lançado o homem imerso na reprodução do cotidiano até o encontro das forças inconscientes que regem sua vida para além do “o que você está pensando” do Facebook e sua forma amistosa de amenizar o ar robotizado desse terreno digital, onde uma das poucas saídas para o modelo binário de curtir e compartilhar é postar.

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44/45 Acompanhamos de perto a negligencia dos usos das redes sociais em libertar a consciência individual da psique coletiva, seja no âmbito clinico como também no cotidiano mais comum. Mesmo muito antes da expansão dos domínios tecnológicos essa foi uma das maiores preocupações da psiquiatra Carl Gustav Jung. Trata-se da necessidade, para o desenvolvimento da personalidade, da diferenciação da psique coletiva, dos modismos e outras tantas tentativas de padronização e obstrução das condições individuais de construção da individualidade. É muito comum observarmos, com pesar ou constrangimento, a quantidade de pessoas que constantemente acaba se identificando com seus perfis nas redes sociais. A esse segmento e realidade bidimensional Jung chamou de persona, pois... ...”Como seu nome revela, ela é uma simples máscara de psique coletiva, máscara que aparente uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade, quando na realidade não passa de um papel, no qual a psique coletiva” (Jung, O. C. vol. VII,*245) Assim, ao analisarmos o conceito de persona e sua amplificação com o tema em questão, encontramo-nos com aquela que talvez seja uma das profecias mais irônicas do grande escritor Machado de Assis, quando em seu conto Fulano nos apresenta a história de um indivíduo sem notoriedade, que à custa de sua autopromoção acaba por se tornar um sujeito de destaque, porem logo cai novamente no esquecimento. Não sabemos se os progressos científicos aproximam ou criam ainda mais barreiras entre as pessoas, expandindo de forma compulsória um modelo de vida baseado na padronização de comportamentos e uniformidade de ideias e estilos de vida. Fato é que esses progressos existem e precisamos organizar essas experiências de alguma forma que consigamos nos situar entre elas e que a experiência humana do existir não seja reduzida a apenas 140 caracteres. Porém, a advertência de Ettiene Perrot não deve ser negligenciada:

Mestre da malícia Albert Camus considera Sísifo o “proletário dos deuses” pela razão de estar imerso em um trabalho sem sentido, metáfora do homem moderno de consciência entorpecida pelo poder e alienação de si. No emaranhamento de posts, curtidas e compartilhamentos, o homem moderno rola a timeline compulsivamente em busca de um sentido para sua vida que não pode ser confundido com o seu “perfil” nas redes sociais e que exige um sentido de consciência ainda mais profundo para se libertar da ilusão e da desesperança.

Facebook e sua forma amistosa de amenizar o ar robotizado do terreno digital, onde uma das poucas saídas para o modelo binário de curti e compartilhar e postar

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Dossiê “À medida que nossos progressos técnicos multiplicaram os objetos em torno de nós, sentimos nosso mundo interno empobrecer, e finalmente a nova geração, à qual oferecemos em seu berço nossos tesouros de engenhosidade, gritou-vos violentamente: ‘Não é disso que precisamos! Queremos viver, queremos que nossa vida tenha sentido’” (Perrot, 1998, p.19). Rompendo a rigidez do “certo ou errado” ou dos julgamentos de que “no meu tempo era assim”, o ânimo dessa nova sabedoria multitasking pode também personificar um domínio em que toma forma o uso responsável das redes sociais e de toda gama de possibilidades dos recursos tecnológicos. Um apelo sincero para deslocar a energia vital e a jornada individual de cada um do mundo externo e seu afã padronizador para o mundo interno da originalidade e à amplificação da consciência e imaginação. A superação do ego cristalizado e autocentrado em suas convicções irredutíveis para o encontro vigoroso com o self, o arquétipo da totalidade psíquica e fonte da experiência originaria do viver, poderia ser considerada, através das redes sociais, uma forma medial de estabelecer relações criativas e dinâmicas. Hoje, não é mais possível se relacionar sem algum tipo de interatividade virtual. Desde a forma com que se procura a pronuncia de uma palavra sueca até a expectativa de um encontro amoroso, tudo tem lugar na rede, na civilização da virtualização dos afetos. Se existe algo que mudou muito em tão pouco tempo certamente foi o telefone. Mudamos as formas de nos relacionar com o telefone e a partir dele. Nessa hibridez comportamental pedimos comida pelo telefone com a mesma rapidez com que é possível “fazer amizades” Das grandes cabines, operadas por telefonistas, aos pequenos e cada vez mais velozes smartphones, esse aparelho pode ser considerado um dos mais importantes regentes socioculturais na atualidade. Das inevitáveis tocas simbólicas, ressonâncias e renovações advindas dos celulares conectados à rede não seria exagero dizer que nos tornamos sujeitos on-line, capturados pelas exigências do tempo instantâneo e midiático, do database e do gerenciamento das redes sociais, que tendem a regular a orgia dos desejos em valores cada vez mais idealizados.

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PARA SABER MAIS O FIM DAS UTOPIAS E A “SOCIEDADE LÍQUIDA” O conceito de “sociedade líquida” foi criado pelo sociólogo e filosofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Segundo o pensador, a sociedade líquida não consegue traduzir seus desejos em um projeto de longa duração e de trabalho duro e intenso para a humanidade. Para ele, os maiores projetos de novas sociedade se perderam e a sociedade não é ais voltada para atingir um objetivo. A utopia, que tinha um papel fundamental, pois era maneira de perceber que a realidade do momento precisava ser alterada, se perdeu. Até o século XX, havia a constatação de que o mundo precisava ser mudado e interações sociais suficientes para criar grupos, para isso. Ainda de acordo com o sociólogo, o fim das utopias é a perda do caráter reflexivo em relação à sociedade e, por consequência, a perda da noção de progresso como um bem que dever ser partilhado. A busca do prazer individual é o objetivo da sociedade líquida

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Amor operacional

Não há dúvida de que as experiências advindas com a internet também impactaram nosso imaginário acerca do amar. O que distinguimos em nossa vida como amar é uma coexistência legitima e ancorada no presente com outro alguém, já que a ˜intenção de amar no amar nega o amar, e a conduta que queremos seja amorosa aparece manipuladora (Maturana,, 2009, p.83). Um dos últimos exemplos dessa realidade sobre o amar em tempos on-line e talvez por isso superando qualquer tentativa caricata de descrever o avanço de onde chegamos em termos de avanço tecnológicos, é o filme Her (ELA/2014). Ao explorar a realidade dos relacionamentos on-line com a lente dos símbolos e metáforas, o diretor Spike Jonze nos apresenta o escritor Theodore (Joaquin Phoenix), script do homem moderno em que o mundo interno deixa de ser uma zona privilegiada de experiências para apostar, com certa dose de constrangimento, em um relacionamento (idealizado e virtualizado) com um sistema operacional (a voz intimista que interagem com o protagonista vem de Scarlett Johansson). Aqui o mal-estar contemporâneo a respeito do amar e das relações interpessoais,

de forma geral, é agudizado. O amor para ser legitimado precisa da confirmação do outro (no caso do filmem deum sistema operacional), e com isso Jonze mostra que o personagem Se muitas vezes as redes Theodore não está tão sociais contribuem para criar descolado do real como uma falsa noção de mundo poderíamos conceber em outras ficções. Ao com projeções cruzadas oscilar na busca do acerca de assuntos como olhar de aprovação politica, por exemplo a ela pela perspectiva do incide essa bolha fantasiosa outro, seja ele fruto da a respeito do amar e do inteligência artificial relacionar. ou humana, o filme destaca de forma sensível a lógica desse movimento, que é tornar aqueles que compartilham dessa dinâmica uma espécie de ator inseguro, cujo palco das redes sociais acaba se tornando até mesmo mais importante que a própria vida vivida em sua plenitude no tempo presente. O desdobrar de todas continuidades do filme Her, que não merece ser pormenorizada, pois o filme é de rara beleza e profundidade, é o questionamento: até que ponto na atualidade as

Os aparelhos de smartphone podem ser considerados como um dos mais importantes negantes socioculturais na atualidade

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Personalidade extrovertida e introvertida Fundador da Psicologia Analítica., o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) formou os conceitos de personalidade extrovertida, arquétipo e inconsciente coletivo, o complexo a si cronicidade. A classificação tipológica de Myers Briggs (MBTI), um instrumento popular psicométrico, foi desenvolvida a partir de suas teorias. Seu trabalho continua influenciando a Psiquiatria, Psicologia, Ciência da Religião, Literatura, entre outras áreas.

formas de amar são influenciadas pelo universo digital, confundindo o desejo de conexão com o estar conectado? Se muitas vezes as redes sociais contribuem para criar uma falsa noção de mundo com projeções cruzadas acerca de assuntos como politica, por exemplo, a ela incide essa bolha fantasiosa a respeito do amar e do relacionar. O sujeito que não distingue um verdadeiro amor está centrado e reverenciando suas próprias projeções, reafirmando um amor reflexivo, circular e retroalimentado, do ponto de vista do imaginário, nos ideais do amor romântico. Por isso criticamos o amor romântico, e esta é a principal distinção entre o amor humano e o amor romântico: o romance, pela sua própria natureza, está fadado a degenerar para o egoísmo, pois ele não é um amor dirigido a outro ser humano. A paixão do romance é sempre dirigida às nossas expectativas, às nossas fantasias. Na verdade, não é o amor que se sente por uma pessoa, mas o que sentimos por nós mesmo (Johnson, 1987, p.258) O amor é uma das grandes forcas psicológicas que tem o poder de transformação sobre o ego e situá-lo em uma existência e em novas perspectivas de ver o mundo e os relacionamentos. O grande desafio dos dias de hoje é aliar essa forca arquetípica aos novos modelos de subjetivação e de relações. As relações amorosas quando conseguem estabelecer comunicações efetivas, e não ˜tabus˜ e proibições, quebram barreiras significativas a ponto de delimitar fronteiras confortáveis para todos que estão ali inseridos. O fortalecimento da presença, dos afetos, da carícia e de tantos outros pontos pode encontrar concordância com o universo virtual, contanto que seu impacto seja avaliado e considerado empaticamente e com o compromisso de uma comunicação clara e respeitosa com vistas à satisfação e expressão das necessidades emocionais de casa um. Lembremos que o ciberespaço também é um espaço e que os relacionamentos, independentemente do contexto em que configuram, precisam ser retroalimentados com o constante compromisso criativo dos gestos espontâneos do amor.

Referências: JOHNSON, Robert A. We: a Chave da Psicologia do Amor Romântico. São Paulo: Editora Mercuryo, 1987 JUNG, Carl Gustav. Obras completas. Vol X/lll. Estudos sobre Psicologia Analítica. Petrópolis: Editora Vozes. [1916]1981 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34. 1999 MATURANA, Humberto: YANEZ, Ximena. Habitar Humano. Em seus Ensaios de Biologia Cultural. São Paulo: Palas Athenas,2009. PERROT, Etienne. O Caminho da Transformação Segundo C. G. Jung e a Alquimia. São Paulo: Editora Paulus, 1998. SANFORD. John A. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus. 1987. CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018.

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Livros

48/49 Da Redação

Superar dificuldades (momentos de tensão e choque) O livro Resiliência tem o objetivo de ajudar a enfrentar dificuldades e adversidades abordando essa temática abordando essa temática de forma prática e reflexiva. Emprestado da Física, o termo resiliência é a propriedade que os materiais têm de voltar ao estado normal depois de submetidos a momentos de tensão ou choque. Hoje essa palavra ganhou notoriedade na Psicologia, na educação e até na administração. Todo mundo precisa ter resiliência, ou seja, precisa desenvolver a capacidade de lidar com problemas e superar dificuldade de lidar com problemas e superar dificuldades sem se deixar abalar.

Livro: Resiliência Auto: Fernando Fernandes Editora: Matrix Número de páginas: 50

Processo Educacional (aprendizado funcional) O livro Transtornos do Neurodesenvolvimento – Conhecimento, Planejamento e Inclusão Real tem como proposta uma reflexão e um aprendizado sobre a real condição da pessoa com transtornos do neurodesenvolvimento no processo de desenvolvimento da aprendizagem. É uma abordagem adequada aos profissionais da educação, bem como uma orientação pedagógica desde o planejamento até a execução das etapas de ensino. A área da educação vem passando por sérias mudanças. A principal delas é a inclusão das pessoas com necessidades educacional especial (NEE), um desafio diário aos profissionais para a preparação e o conhecimento das patologias. O direcionamento das formas eficazes de adaptação educacional é de suma prioridade para uma inclusão real e qualitativa.

Livro: Transtornos do Neurodesenvolvimento – Conhecimento, Planejamento e Inclusão Real Autora: Emanoele Freits Silva Editora: Wak Número de páginas: 184

Psicologia e educação (saberes baseados em evidências) Uma boa relação entre ensinar e aprender é o objetivo do livro Abordagens Cognitivocomportamentais no Contexto Escolar. A obra integra conhecimentos e técnicas da Psicologia aplicados na educação, afim de fomentar a capacitação dos profissionais da área. O material mistura estudos teóricos e práticos da neurociência e educação, constituindo um viés histórico, conceitual e de diálogo da Psicologia do desenvolvimento com as abordagens cognitivo-comportamentais. Analisa também as intervenções no contexto escolar, trazendo as temáticas e ferramentas dessa abordagem de forma prática, com exemplos dentro de situações do dia das escolas. O livro é essencial para a formação de professores, com o objetivo de empoeirar-se com saberes baseados em evidencias.

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Livro: Abordagens Cognitivocomportamentais no Contexto Escolar Organizadora: Juliana Mendes Alves Editora: Sinopsys Número de páginas: 320 Março 2019 - Ano 12


Neurociência

MINDSET de crescimento MINDSET ou mentalidade é um conceito importante, podendo ser entendido como um conjunto geral de crenças, regras e valores que é construído ao longo da vida e influencia nossa visão de mundo Por Marco Callegaro

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Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011).

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Podemos modificar um mindset fixo, em que a inteligência é vista como estática, para um MINDSET de crescimento, em que a inteligência pode ser desenvolvida

DWECK, C. S. Mindset – a Nova Psicologia do Sucesso. 1. Ed. 311 p. São Paulo: Objetiva, 2017. FREDRICKSON. B. L. The broaden-and-build theory of positive emoticons. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, n. 359, p. 1367-1378, 2004 DECI, E. L.: RYAN, R. M. Self-determinations theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology/Psychologie Canadienne, n. 49, p. 18185, 2008. Doi:10.1037/a0012801

L. Deci e Richard M. Ryan sobre motivação. É uma teoria que liga personalidade, motivação humana e ótimo funcionamento, propondo que existem dois tipos principais de motivação, a intrínseca e a extrínseca, e que ambos são forças poderosas na formação de quem somos e como nos comportamos. De acordo com a teoria da autodeterminação, a motivação extrínseca é um impulso para se comportar de certas maneiras que vem de fontes externas e resulta em recompensas externas. As fontes podem ser exemplificadas com prêmios e elogios, avaliações de funcionários, pontos ou sistemas de classificação em organizações, admiração e o respeito dos colegas ou amigos. Já a motivação intrínseca está ligada a impulsos de origem interior, que nos motivam a agir de certas maneiras. Os motivos são internos, como nosso senso pessoal de moralidade, nossos interesses e nosso valores fundamentais. A autodeterminação, portanto, se refere à capacidade ou ao processo de fazer as próprias escolhas e gerir suas decisões, o que é um componente crucial do bem-estar psicológico, que está sempre associado a sentir-se no controle de sua própria vida. No aspecto do componente da motivação, a psicóloga positiva Barbara Fredrickson defende a teoria que chamou de ˜ampliar e construir˜, segundo a qual emoções agradáveis ampliam o repertório de recursos de uma pessoa, levando a melhor desempenho e realização. Segundo Fredrickson, as emoções positivas induzem ao aumento dos níveis de dopamina no cérebro. A dopamina é um neurotransmissor excitatório que está associado ao prazer, e cujo aumento produz uma organização mais ampla e flexível do funcionamento cerebral, ampliando a cognição e elevando a capacidade de atenção e foco de uma pessoa. Dito de outra forma, ao alimentar expectativas positivas de sucesso de forma otimista, é mais fácil persistir na busca dos objetivos e ter maior disponibilidade de recursos para atingi-los. Por outro lado, ao nutrir pensamentos determinísticos de incapacidade e fracasso, as emoções negativas reduzem capacidades cognitivas de atenção e foco, além de diminuir a motivação e o estímulos. Portanto, vários estudos e fontes apontam a importância de nutrirmos uma mentalidade ou mindset de crescimento, pois as consequências são poderosas em nosso desempenho, motivação e bem-estar mental. Enxergar a vida como um processo de crescimento e aprendizagem é fundamental e podemos cada vez mais nos beneficiar dessa mentalidade.

Referências:

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arol Dweek é uma psicóloga norteamericana que estuda há décadas a motivação humana. Dweek sintetizou pesquisas na área de Psicologia social, do desenvolvimento e da personalidade para construir uma teoria poderosa sobre a mente humana, descrita em seu best-seller Mindset – a Nova Psicologia do Sucesso (publicado no Brasil em 2017 pela Editora Objetiva). Mindset significa “mentalidade” na tradução literal da língua inglesa. Basicamente, Dweek acredita que existem dois tipos fundamentais de mentalidade. O mindset fixo é uma mentalidade que se opõe à capacidade de transformação do ser humano. A inteligência é vista como estática, levando a um desejo de parecer mais esperto e levando à tendência de evitar desafios, desistir com facilidade frente a obstáculos e de ver o esforço como infrutífero. O mindset fixo leva a ignorar feedback útil e se sentir desafiado pelo sucesso dos outros. As pessoas de mentalidade fixa têm tendências a ser rígidas consigo mesmas e com as demais. Tendem a criar uma expectativa de fracasso, mesmo antes de tentar algo, estão focadas no problema, com baixa motivação para solucioná-lo. A premissa da imutabilidade das coisas faz com que resistam à aquisição de novas conhecimentos e habilidades. O mindset de crescimento está fundado na ideia de que a inteligência pode ser desenvolvida, o que leva ao desejo de aprender e, portanto, a uma tendência a enfrentar desafios. Por adotarem crenças pessoais, nas quais a capacidade humana é mutável, as pessoas com mindset de crescimento estão mais abertas ao desenvolvimento de novos comportamentos e habilidades, através do esforço e da experiência tendem a enxergar erros como oportunidades de aprendizado e a perseverar mesmo mediante adversidades. São mais flexíveis e engajadas na busca de soluções para desafios diversos. As pessoas com mindset de crescimento aprendem com as críticas e descobrem lições e inspirações no sucesso dos outros. Ao contrario das pessoas que adotam um mindset fixo, que realizam menos dos que seu potencial possibilita por terem uma visão determinística da vida, os indivíduos com o mindset de crescimento estão sempre a se superar em termos de performance, e como decorrência tem um grande senso de livre arbítrio, acreditando no pode da vontade e da autodeterminação. Podemos relacionar as ideias de Carol Dweek com uma série de outras teorias que convergem na mesma direção. A teoria da autodeterminação, por exemplo, surgiu nas décadas de 1970 e 1980 a parti do trabalho dos pesquisadores Edward

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Psicologia Jurídica

Quando se pode ter um PERITO da parte O cenário e o clima conflituoso que se instauram nos processos em varas de família imprimem a necessidade de olhar mais aprofundado para se buscar alternativas à cronificação do litígio Por Renata Bento

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xiste na atualidade uma desordem que perpassa as relações familiares não só nessa esfera, há ainda uma dimensão maior a esse respeito quando observamos a própria sociedade como um todo. Esses conflitos muitas vezes escapam do âmbito doméstico e acabam por desaguar no Judiciário. Felizmente assistimos a uma maior cooperação e integração do trabalho em equipe multiprofissional e de profissionais de saúde mental que se juntam a uma maior humanização

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do âmbito jurídico. O psicólogo jurídico militante nesse campo está habilitado tecnicamente com sua escuta especializada com sensibilidade e entendimento acerca da personalidade e dos conflitos humanos e pode contribuir de forma a iluminar pontos que frequentemente não são observados dentro da dinâmica familiar. O assistente técnico, que é o perito da parte, tem sido cada vez mais convocado a assessorar nos processos em Varas de Família; o profissional irá representar a parte interessada na perícia

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52/23 através de um parecer. Nesse caso, o psicólogo é contratado pelas partes em litigo – um assistente técnico para cada parte –, que em virtude de sua capacidade técnica fará a avaliação do trabalho pericial por meio de analise e da conclusão do laudo do mesmo. Cada um dentro de seu espaço delimitado será peça fundamental na atuação cooperativa com intuito de realizar sua função de modo a buscar uma melhor condução do caso. O psicólogo perito, diferente do assistente técnico, é o profissional de confiança do juízo designado a fazer a pericia no intuito de auxiliar a justiça dentro dos limites de suas atribuições; e o psicólogo, na função de assistente técnico, deverá ser de confiança da parte que o contratou, garantindo assim o direito ao contraditório em uma determinada questão-problema. Os procedimentos éticos sobre os limites da atuação do assistente técnico constam descritos na Resolução CFP de nº 008/2010. É de suma importância ao psicólogo que atua na esfera jurídica estar afinado não somente com os limites do Código de Ética profissional, mas também com as resoluções sobre atuação como perito e assistente técnico no Poder Judiciário. É importante mencionar que com intuito de preservar a intimidade e equidade de condições, o assistente técnico de confiança da parte que o contratou não pode ser na atualidade, ou ter sido no passado, psicoterapeuta das partes envolvidas no litígio; essa dupla função está vedada ao psicólogo como constata no art. 10 da resolução referida. É muito comum encontrar pareces técnicos contestados por esbarrarem no Código de Ética do psicólogo quando são elaboradas por psicoterapeutas das pessoas envolvidas no litígio. Esse conflito de papéis, ou sobreposição de duas funções, poderia colocar em risco tanto o trabalho profissional, que fica contaminado pela função que se tem nas relações quanto a respeito de ausência de respaldo ético legal, de isenção e neutralidade. No Código de Ética, art.2, é vedado ao psicólogo “ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação” (item K do art. 2 do código). O magistrado, como leigo no assunto, muitas vezes poderá não saber sobre o Código de Ética do psicólogo, entretanto o profissional

interessado deve estar bem alinhado com as normas e limites éticos de sua profissão. O trabalho do assistente técnico na elaboração de quesitos para o perito devera ser pautado na colheita da história familiar por meio de entrevistas e na leitura do processo. Para elaboração desses quesitos é fundamental compreender os conflitos existentes naquela família. Uma diferença importante acerca do O assistente trabalho de avaliação técnico tem sido técnica do perito e cada vez mais do parecerista, que é convocado a o assistente técnico, assessorar nos é que sua atuação processos em não se dá por meio de avaliação da varas de família; personalidade e sim o profissional por intermédio da irá representar analise no laudo/ a parte documento escrito interessada na por outro psicólogo. É através dos dados perícia através fornecidos no laudo de um parecer que o assistente técnico poderá se debruçar para avaliar sobre a validade do documento técnico, abrindo novos questionamentos. No capítulo II, sobre a produção e análise dos documentos, no art.6 consta: “Os documentos produzidos por psicólogos que atuam na justiça devem manter o rigor técnico exigido na Resolução CFP nº 07/2003, que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes da aviação psicológica”. A competência legal quanto ao julgamento do caso sempre caberá ao juízo, não sendo este o papel do psicólogo em nenhuma das esferas. Caberá ao especialista na função de assistente técnico discriminar e avaliar criticamente no laudo do perito os fatos psicológicos tão somente descritos e verificar não só a imparcialidade como o nível de coesão e congruência do documento apresentado e reencaminhar ao juízo através do advogado da parte. Essa integração de experiências profissionais faz com que os fechamentos dos processos que envolvem famílias tenham melhores resultados.

Renata Bento é psicóloga e psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Perita em Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais. Filiada à IPA – International Psychoanalytical Association, à Fepal – Federación Psicoanalítica de América Latina e à Febrapsi – Federação Brasileira de Psicanálise.

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Recursos Humanos

Não esqueça o

TEMPERO BRASILEIRO Referências internacionais são muito valiosas, mas antes de usar conhecimentos que deram certo no mundo é necessário considerar as peculiaridades do nosso mercado Por João Oliveira

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stamos acostumados a ver, ler e ouvir grandes mestres do RH mundial com ideias, protocolos de atendimento, histórias motivacionais e um infinito volume de conteúdo voltado para o desenvolvimento pessoal e profissional. Isso é ótimo! Como professor universitário utilizamos os Cases de Harvard em sala de aula com nossos alunos de pós-graduação. A

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instituição onde atuamos mantém essa parceria que enriquece de forma fantástica nosso ambiente em troca de conhecimentos. Também é possível entrar em qualquer boa livraria e sair com as bolsas cheias de volumes e mais volumes de livros voltados para esse tema em particular; acessar canais do Youtube e assistir as aulas muitas vezes em tempo real e , para finalizar o perfil midiático atual, temos

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BbBb os podcasts que nos trazem os gurus direito para o nosso cérebro enquanto estamos nos transportes públicos, indo e vindo todos os dias de casa para o trabalho. Ocorre que, muitas vezes, nos esquecemos que nenhuma receita de bolo contém o sabor do resultado final. Isso porque o que lá se aplica aqui pode não funcionar. Como por exemplo, podemos apresentar duas potências financeiras que aportaram no Brasil e, como o seu modo de operação padrão, não resistiram à lei do Gerson que impera por aqui. O HSBC e o Citibank finalizaram ou mudaram sua forma de interagir com o mercado financeiro no mesmo lugar onde outras instituições - nacionais - possuem faturamento recorde a cada ano. Para quem não está familiarizado, a lei do Gerson se refere a um antigo comercial de TV sobre uma marca de cigarros que oferecia um tamanho maior no produto pelo mesmo preço. O famoso jogador de Há que futebol Gerson considerar finalizava o anúncio fatores que dizendo: envolvem “Porque mais que brasileiro planejamentos gosta de levar “planilhados” vantagem em tudo. Certo?” em números, Emblemático estratégias slogan que não de negócio. caiu somente no O povo e sua gosto popular, cultura devem era o reflexo da fazer parte da cultura nacional das relações equação de negócios que, pelo visto, impera até hoje em muitos setores comerciais. Desde a promoção da Black Friday, que no Brasil é metade do dobro de ontem, até a impossibilidade de se ter um atendimento digno na hora de cancelar um plano de telefonia ou pacotes de TV por assinatura. Algumas empresas não se colocaram no século XXXI e estão praticando um ritual haraquiri (suicídio ritualístico japonês) em câmera lenta. De fato, nossa cultura inverte a falta de estrutura e de responsabilidade, dando a quem se submete a sacrifícios dotes heroicos. É comum encontrar nas redes sociais textos que glorificam pessoas que andam quilômetros para ir à escola, filha de faxineiro que virava

54/55 a noite estudando para passar no vestibular de Medicina, pessoas afrodescendentes que conseguiram cargos de alta remuneração. Elas não são heróis: são vítimas. Como a grande parte da nossa população. Independentemente das questões políticas envolvidas e do tipo de atuação no mercado que temos, é necessário separar o joio do trigo e saber que protocolos podem funcionar aqui ou como podemos adaptá-los à nossa realidade. Uma vez tivemos uma situação no interior do México, onde o vendedor se recusou a vender um produto pelo preço que ele mesmo havia apresentado. Ele disse que esperava uma negociação, um diálogo, e não apenas uma relação fria comercial. Da mesma forma que a cultura comercial em alguns países da África e em quase todos os mercados existentes na Índia, todos esperam uma boa conversa com o cliente, criar um elo emocional, nem que seja aos gritos. Pensar sobre isso requer amadurecimento e ética. Maquiavel diz em seu livro O Príncipe (escrito em 1513): “...pois, um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons” (Maquiavel, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Júlia Goldwasser, 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004). Na visão simplista do comerciante sem escrúpulos esse é o dito de maior valor, lhe dá o direito de agir como quiser sobre a sociedade mercado consumidor - se ele detém monopólios. A verdade oculta nesse trecho é que o profissional que deseja sucesso no mercado deve conhecer as armadilhas e facilidades criadas pelos seus concorrentes em busca de ampliação de sua base de clientes. Receitas de bolo feitas em outras fronteiras não trazem o tempero brasileiro que precisa ser traduzido em nova versão. Como disse Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Há que considerar uma série de fatores que envolvem muito mais que planejamentos frios e “planilhados” em números, estatísticas e estratégias de negócio. O povo e sua cultura devem fazer parte da equação ou até serem a principal chave de análise. As referências internacionais são válidas, mas o recurso verdadeiramente humano nacional não pode ficar à margem. A adaptação à nossa realidade, em geral, se faz muito necessária para o sucesso efetivo. Antes de usar conhecimentos fantásticos que deram certo no mundo todo, faça ao menos uma pequena pesquisa de mercado que envolva áreas exatas, mas também humanas. Fórmula mágica só existe em conto de fadas.

João Oliveira é doutor em Saúde Pública, psicólogo e diretor de Cursos de Instituto de Psicologia Ser e Crescer (www.isec.psc. br). Entre seus livros estão: Relacionamento em Crise: Perceba Quando os Problemas Começaram. Tenha as soluções! ; Jogos para Gestão de Pessoas: Maratona para o Desenvolvimento Organizacional; Mente Humana: Entenda Melhor a Psicologia da Vida; e Saiba Quem Está a Sua Frente - Análise Comportamental pelas Expressões Faciais e Corporais (Wak Editora).

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Síndrome

O crescimento do TRANSTORNO OPOSITIVO DESAFIADOR Por Emanoele Freitas

A prevalência do TOD em diagnóstico isolado atualmente é de aproximadamente 6% a 16%; a incidência como comorbidade secundária no TDAH é de 50%, e no autismo esse percentual é de 29%

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Síndrome

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ranstorno opositivo desafiador (TOD) é um transtorno do neurodesenvolvimento de diagnóstico independente, mas é frequentemente estudado em conjunto com o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou com o transtorno de conduta (TC). Novos estudos indicam que o TOD consiste em múltiplas dimensões, e essas diferentes dimensões podem estar associadas a transtornos externalizantes e internalizantes, posteriormente. A característica principal do TOD é estar incluído nos transtornos disruptivos, cujos sintomas principais são a criança apresentar um padrão de comportamento negativo, desafiador, desobediente e hostil, todos com intensidade, frequência e duração acima do esperado para sua idade, e, em alguns Pesquisas recentes casos, o descontrole demonstraram que emocional pode levar à agressividade e a os níveis de alguns episódios de andrógenos violência verbal e física. adrenais dos A prevalência do pacientes com TOD em diagnóstico TOD são mais altos isolado hoje é de aproximadamente 6% a que os dos escritos 16%; a incidência como como controle ou até comorbidade secundária mesmo de crianças no TDAH é de 50%, e no com outros autismo esse percentual diagnósticos, é de 29%. incluindo o TDAH O quadro é de maior incidência nos meninos, para a primeira e segunda infância, e de incidência igualitária em meninas e meninos na adolescência. Hoje, os números de casos vêm subindo, mas sugere-se que tais dados sejam mais relevantes porque os testes específicos, bem como o conhecimento dos profissionais, estão favorecendo o reconhecimento dos sintomas principais, que em sua grande maioria podem ser detectados de forma eficaz por meio de protocolos específicos.

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Hormônios e neurotransmissores Uma das linhas atuais de maior investigação são os estudos com base nos hormônios e neurotransmissores, que possam correlacionar fatores específicos para a etiologia do TOD. Pesquisas recentes demonstraram que os níveis de andrógenos adrenais dos pacientes com TOD são mais altos que os dos escritos como controle ou até mesmo de crianças com outros diagnósticos, incluindo o TDAH. Outra alteração encontrada é na frequência cardíaca, que pode chegar a ser muito alta após provocação e frustação, mesmo comparada à de outras crianças na mesma situação. Genéticos: Recentemente, estudos levaram a associarem genes específicos para o TOD aos sintomas desafiadores de oposição. Trata-se dos genes receptores para andrógenos DAT, DRD2 e D-beta-H. Uma serie de marcadores neurobiológicos, da condutância da pele, reatividade do cortisol basal reduzida, anormalidades no córtex pré-frontal e na amígdala são fatores que continuamente estão sendo estudados e reavaliados para se chegar a um aspecto específico que explique melhor o TOD. Cognitivos, emocionais e ambientais: Fatores temperamentais relacionados a problemas de regulação emocional, como baixa tolerância a frustação, elevada reatividade emocional. Ambientais: Praticas agressivas, inconsistentes ou negligentes de criação dos filhos são comuns em famílias de crianças e adolescentes com TOD.

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DETECTANDO SINTOMAS A primeira etapa é a observação e anotação dos sintomas em três etapas: frequência, duração e intensidade dos comportamentos disruptivos. A criança não apresenta tais sintomas somente em casa, vai apresentar em todos os locais que frequenta e, dependendo do fator causador, poderá apresentar maior intensidade ou não. Outro meio de detecção é através do quadro de diagnósticos clínicos do DSM-V, que nos orienta com os critérios para diagnóstico. Código 313.81 (F91.3) A - Um padrão de humor raivoso/irritável, de comportamento questionador/desafiante ou índole vingativa com duração de pelo menos seis meses, como evidenciado por pelo menos quatro sintomas de qualquer das categorias seguintes exibido na interação com pelo menos um indivíduo que não seja irmão.

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C- Os comportamentos não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico, por uso de substancias, depressivos ou bipolar. Além disso, os critérios para transtorno disruptivo da desregulação do humor não são preenchidos. ESPECIFICAR A GRAVIDADE ATUAL: Leve: Os sintomas limitam-se a apenas um ambiente (p. ex., em casa, na escola, no trabalho com os colegas). Moderada: Alguns sintomas estão presentes em pelo menos dois ambientes. Grave: Alguns sintomas estão presentes em três ou mais ambientes. Fonte: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. Ed. Porto Alegre: Artmed,2014.

HUMOR RAIVOSO/IRRITÁVEL - Com frequência perde a calma. - Com frequência é sensível ou facilmente incomodado. - Com frequência é raivoso e ressentido.

COMPORTAMENTO QUESTIONADOR/ DESAFIANTE 4 - Frequentemente questiona figuras de autoridade ou, no caso de crianças e adolescentes, adultos. 5 - Frequentemente desafia acintosamente ou recusa a obedecer às regras ou pedidos de figuras de autoridade. 6 - Frequentemente incomoda deliberadamente outras pessoas. 7 - Frequentemente culpa outros por seus erros ou mau comportamento.

ÍNDOLE VINGATIVA 8 - Foi malvado ou vingativo pelo menos duas vezes nos últimos seis meses. NOTA: A persistência e a frequência desses comportamentos devem ser utilizadas para fazer a distinção entre um comportamento dentro dos limites normais e um comportamento sintomático. No caso de crianças com 5 anos ou mais, o comportamento deve ocorrer pelo menos uma vez por semana durante no mínimo seis meses, exceto se explicitado de outro modo (critério A8). Embora tais critérios de frequência sirvam de orientação quanto a um nível de frequência para definir os sintomas, outros fatores também devem ser considerados, tais como se a frequência e intensidade dos comportamentos estão fora de uma faixa normativa para o nível de desenvolvimento, o gênero e a cultura do indivíduo. B - A perturbação no comportamento está associada à B- A perturbação no comportamento está associada à sofrimento para o indivíduo ou para outros em seu contexto social imediato (p. ex., família, grupo de pares, colegas de trabalho) ou causa impactos negativos no funcionamento social, educacional, profissional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo.

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Síndrome

Prognósticos A causa do TOD é desconhecida ainda, mas pesquisadores identificaram diversas linhas de abordagem. Um dos estudos mais atuais sugere que a exposição pré-natal a álcool, nicotina, entre outros teratógenos aumenta as chances de a criança vir a ter TOD. Muitos pais de crianças com TOD sofrem de transtornos emocionais, como transtornos de ansiedade e depressão. Geralmente, os primeiros sintomas surgem durante os anos de pré-escola e, raramente, mais tarde, após o começo da adolescência. É uma comorbidade de início e curso contínuo. Com frequência, o TOD precede o desenvolvimento do TC, mas em números mínimos também pode preceder o transtorno de ansiedade e depressivo maior, e os que possuem sua classificação dentro dos sintomas de humor raivoso/irritável respondem pela maior parte dos riscos para os transtornos emocionais. Atualmente vem se buscando distinguir os dois subtipos e suas dimensões, que foram abordados por pesquisadores da Universidade de Calgary, no Canadá, Atualmente, vem que relatam que há dois subtipos: se buscando 1- Sintomas de afeto distinguir os negativo (ODDNA) dois subtipos - Sensível, raivoso, do TOD e suas rancoroso e ou dimensões, que vingativo; 2- Sintoma foram abordados comportamento oposição (ODDB) por pesquisadores - Argumentador, da Universidade desafiador, intolerante. A criança com de Calgary, no Canadá TOD é difícil de ser tratada. Tende a exibir o comportamento desafiador com maior frequência com pessoas do seu convívio diário do que com terceiros. E esse comportamento, infelizmente, tende a piorar caso não haja um relacionamento parental. Em sua grande maioria, para evitar que a criança tenha uma “crise”, os pais respondem ao comportamento do filho cedendo às suas exigências para obter breves adiantamentos da hostilidade, das discussões e desobediência. No entanto, esses comportamentos somente reforça e aumenta a intensidade e frequência dos atos. O TOD não afeta somente a criança, mas todos ao seu redor. Infelizmente os sintomas só começam a ser levados a sério e não classificados como birra, falta de educação ou falta de corretivo quando a criança já está moldada num círculo vicioso e destrutivo. A desobediência, normal ou patológica, é um comportamento caracterizado por incapacidade de seguir regras ou acatar ordens, sendo ela ocasional, reativa (endereçada ou não), impulsiva/ constante, opositora/desafiadora, transgressora. Março 2019 - Ano 12

Também navega por aspectos socioeducativos, desde novos padrões de interação pais/ autoridades x crianças/adolescentes às manifestações sintomáticas de momento evolutivo, déficits cognitivos, transtorno neuropsicológico/psiquiátricos, reações conflitivas diversas (aspectos psicológicos). A criança de 3 a 5 anos atinge o estagio do personalismo (Wallon) e ocorre incremento da emoção, objetivando a aquisição da identidade. A criança se expressa em oposição ao outro, dizendo não a tudo e aprende a delimitar o que é ela e o que é ou outro, iniciando o uso dos pronomes (eu, meu, teu), ao mesmo tempo em que deseja diferenciar-se dos demais, percebe a profunda dependência que tem em relação à sua família. Momentos de oposição se alternam com atitude de sedução, quando a criança busca aceitação e amor dos pais. Quando a criança já conhece a autoridade do adulto ela não oculta sua falta, compreende intelectualmente a proibição, sabe da necessidade de acatar ordens, já experimentou consequências: irritabilidade dos pais, castigos, privações etc. E mesmo assim mantém comportamento opositor. Este comportamento pode ser classificado como “desobediência patológica” com as seguintes características: 1- A criança comente a falta repetida vezes: tão longo é admoestada, volta a fazer o que lhe foi proibido: “Não registra o que se lhe diz”; 2- Parece não compreender por que é castigada e demonstra sentir que é injustamente tratada; 3- Não há eficácia nos castigos, sejam físicos, sejam de privação; 4- Reage “catastroficamente”, com reações exageradas frente aos limites, repreensões e castigos impostos. É importante considerar as condições da desobediência antes de considerá-la patológica, sendo: 1- Como meio de se autoafirmar; 2- Para manipular o adulto; 3- Porque não se entende as ordens; 4- Por que não sabe executar o que lhe foi pedido; 5- Porque as ordens tão pouco razoáveis e, portanto, incompreensíveis para a criança.

A evolução do TOD O bebê, por instinto, usa o choro para conseguir o que quer. Conforme ele vai crescendo e aprendendo as questões sociais, vai modulando esse comportamento e utiliza a comunicação para ter suas demandas atendidas. Mas até os 3 anos esse comportamento vai se intensificando. À medida que vão sendo alcançados seus feitos, a criança tende a querer chamar a atenção de qualquer forma, e para tal grita, chora, em alguns momentos se joga no chão. Mas, ao ser direcionada, ela consegue se moldar ao querer dos pais. Esses comportamentos tendem a sumir até os 4 anos e meio de idade numa

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60/61 Um dos estudos mais recentes sugeriu que a exposição prénatal a álcool, nicotina, entre outros teratógenos, aumenta as chances de a criança ter TOD

criança neurotípica, o que não acontece numa criança com TOD, muito pelo contrário. Esse comportamento só aumenta, principalmente a intensidade dos atos, não ficando só restrito ao ambiente familiar, pois começa a se estender ao convívio social. Quando a criança chega aos 5 anos de idade é quando geralmente esse comportamento se torna preocupante para os pais, pois nesse período 60% dos pais de criança com TOD não “conseguem” controlar as crises. Uma das primeiras coisas a ser eliminada não são os sintomas da criança, e sim o convívio social. Os pais deixam de frequentar locais públicos, festas, reuniões e atividades em que lhes possa causar algum tipo de transtorno emocional.

Tratamento A agressão é um importante preditor de incapacidade e resultados psicossociais negativos em crianças com TDAH, TOD e TC. Estes são entre os diagnósticos psiquiátricos mais comuns na infância, com 4,1% das crianças em idade escolar diagnosticada com TDAH, 1% a 6% das crianças, com TOD e 0,2% a 2%, com TC. Na adolescência e na idade adulta influenciam negativamente a qualidade de vida das crianças e da família. O tratamento farmacológico entra em associação com o tratamento terapêutico como forma de reduzir, tornar o tratamento eficaz e seguro. Nesse ponto de vista, reduzir e/ou eliminar os sintomas de agressão e outros comportamentos disruptivos é de extrema importância. As abordagens são especificas para cada caso. O tratamento com fármacos inclui estudos de eficácia na redução dos sintomas e aponta alguns como mais eficientes. Em casos de crianças com casos mais graves de TOD e TC, os estudos mostraram que o uso de Metilfenidato diminuiu os sintomas de oposição; que Haloperidol e Lítio

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demonstraram eficácia nos casos de agressão, não aderência ao tratamento e explosões de raiva; que a Risperidona foi verificada como eficácia na melhoria da “calma ou adesão”. Outro em linha de uso e verificação da eficácia é a Quetiapina, com qual se verificaram a redução da irritabilidade e o controle da frustação. Ainda não há estudos que comprovem efetivamente a eficácia real de nenhum dos fármacos, mas, sim, uma redução dos sintomas, levando em consideração cada caso. Analisandose os efeitos adversos, alterando-se as dosagens e monitorando-se o processo pode-se chegar ao fármaco mais propício à criança. Infelizmente, os sintomas de TOD, em sua grande maioria, não são reduzidos somente com a terapia e o treinamento parental. Em 2,7% a 40% de ocorrência do caso é necessário o tratamento farmacológico conjunto para que se alcancem resultados esperados.

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Síndrome

PARA SABER MAIS Familia e Escola Em um primeiro momento pode parecer completamente difícil de lidar com os comportamentos e sintomas do TOD, principalmente quando se iniciam as atividades escolares. Mas se todos realmente se prepararem verão que existem várias possibilidades de se alcançar o êxito.

A- COMPREENDA O COMPORTAMENTO 1- Identifique os sintomas do TOD. 2- Converse sempre com a criança sobre suas reações. 3- Reconheça a necessidade de manter o controle. 4- Comece a ensinar formas positivas de lidar com a frustação.

B- AJUSTAR E INICIAR AS TÉCNICAS PARENTAIS 1- Aprender a se comunicar de forma clara e eficiente. 2- Não reaja de maneira raivosa 3- Não culpe a criança/jovem ou o veja como um problema na sua vida. 4- Assuma a responsabilidade pelos seus próprios sentimentos e atitudes, torne-se um exemplo. 5- Seja consistente, não é não, regras e limites devem ser claros e obedecer ao único comportamento aceitável. 6- Ajuste seus pensamentos, pois são eles que comandarão suas reações, substitua os negativos pelos positivos, veja que a criança/jovem precisa de ajuda e você é a referência. 7- Identifique os estressores tanto familiares como ambientais. 8- Ajude a identificar as emoções, tanto as suas como as da criança, não tente ser forte o tempo todo. 9- Deixe sempre claro a importância do respeito e dos limites.

C- PROCURE AJUDA

1- Comece o tratamento o mais breve possível, pois estudos mostram que 67% das crianças com TOD se tornam assintomáticas no prazo de três anos caso iniciem o tratamento correto. 2- Trate outros problemas de saúde mental, investigue se há outras comorbidades além do TOD. 3- Participe sempre de palestras, programas e atividades de treinamento, esteja preparado para realmente compreender e a ajudar. 4- Entre em grupos de apoio. 5- Caso seja necessário, não relute em iniciar tratamento farmacológico. Março 2019 - Ano 12

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Em conjunto

O transtorno opositivo desafiador, quando isolado, é tratado com terapia psicológica especifica para modelação de comportamento. É a cognitiva-comportamental. Outro aspecto é o treinamento parental em conjunto, para que todos os procedimentos que são utilizados nas terapias sejam reforçados em casa. Assim, a criança consegue realmente compreender que tais esforços são para sua mudança e redução dos sintomas. O TOD não tem uma cura específica, mas uma redução significativa dos sintomas, chegando à possibilidade de autorregulacão por parte da criança/jovem. Quando a criança apresenta o TOD como uma comorbidade concomitante ao TDAH se faz necessária a introdução de medicação para controlar os sintomas pertinentes ao TODA-H e minimizar os efeitos coligados dos transtornos. O que mais ouvimos, quando se inicia um atendimento terapêutico, e que isso é em quase 90% dos casos, é que somente a criança necessita de atendimento, pois os pais visam apensas corrigir o que está visível. Entretanto se esquecem que todos são afetados pelo

Sintomas

Aspectos sintomatológicos psiquiátricos. Como diferenciar os sintomas nas comorbidades: Sintomas – hostilidade dos pais (TDAH- e TOD+); destrutividade (TDAH- e TOD+); distração/desatenção (TDAH+ e TOD-); dificuldade escolar (TDAH++ e TOD- ou +); sentimento de culpa (TDAH+ e TOD-); comportamento antissocial na família (TDAH- e TOD- ou +)

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transtorno. Muitos casais não compreendem que suas ações e atos interferem de forma crucial no desenvolvimento e eficácia do tratamento. A criança/jovem, em todos os momentos, sente o que de fato acontece na família e se ele(a) é realmente compreendido(a) ou não. O treinamento parental é a base para compreender o que realmente acontece com a pessoa com TOD, como eles se sentem, reagem e interpretam o seu entorno. O treinamento consiste em preparar os pais e responsáveis para intervir de forma eficaz, com controle da situação. O primeiro passo é conhecer os sintomas do TOD, saber quando é uma birra (porque toda criança faz birra) e quando é uma crise, saber essa diferença facilita muito o segundo passo, que é saber qual a atitude a ser tomada.

Padrão Patológico Não podemos classificar tudo como um padrão patológico. A criança passa por fases e, com isso, apresenta certos níveis de desobediência. Até os 5 anos não podemos classificar como TOD. Mesmo que os sintomas já estejam presentes, devemos traçar um perfil sempre com base na frequência e intesidade das ocorrências mas o quanto antes começarem as abordagens de eliminação mais rapido pose- enquadrar se é um padrão normal do desenvolvimento ou se é uma situação patológica

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Divã Literário

Nenhum homem é

UMA ILHA

Quando mergulhamos como a parte da península que avança para o mar, precisamos da relação de solidão com a literatura. Amós oz usa dessa profunda reflexão social em Como Curar um Fanático

A

leitura de uma obra literária pode nos levar a mergulhar nas águas profundas de onde emergem nossas emoções e processos imaginativos que geram um melhor conhecimento da natureza humana. Essa ação nos ajuda a estruturar o pensamento lógico para, em lugar das certezas, construirmos ideias que possam ser alternadas à medida que evoluímos. Fanáticos são pessoas que abraçam uma causa, ou uma ideia, de forma a acolher todos os indivíduos que comunguem com essas

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mesmas crenças. Formam tribos com uma visão apaixonada e, em lugar de flexibilidade, definem sua predileção cega em direção ao que foi concebido como uma verdade incontestável. Exaltados, multiplicam sua paixão pelo número de indivíduos que compõem sua tribo para esconjurar todo o mal que enxergam. O escritor premiado Amós Oz faleceu em dezembro de 2018, aos 79 anos. Por ser um judeu israelense, participou do movimento “Paz Agora”. Nele, ministrou palestras para conscientizar seu povo e os árabes palestinos

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64/65 de um combate “entre o certo e o certo” que ele dominou de “Guerra Imobiliária”. Para Amós, o fanatismo é o combustível que alimenta essa luta, já que ambos dos lados merecem ter o seu território. Ele deixou suas palestras publicadas em sua obra literária Como Curar um Fanático. Amós não escreve como um cientista político, mas como um linguista que entende que há algo de comum na natureza humana. É por aí que estamos unidos, o que Jung chamou de inconsciente coletivo. Quanto mais evoluímos, mais deixamos de seguir as trilhas da vida de forma inconsciente e descobrimos as ilusões que nos empurram muitas vezes para viver à beira de um abismo. Toda história contada elo homem já traz em si a arquitetura desse inconsciente. Quando ao estamos atentos ao que somos e como somos, embarcamos na experiencia de odiar o que acreditamos ser o mal sem notar o quando essa abominação a uma causa ou ideia nos leva irracionalmente a procurar tudo que represente o seu contrário de abraçar, de forma passional, tudo que simule esse avesso. Essa é a ilusão de vencer o mal.” Amós cita uma frase do poeta John Donne, “nenhum homem é uma ilha e aproveita a metáfora para dizer que somos como penínsulas, em parte conectados com o continente que é a família, a cultura, a tradição e outros laços etc.- e em parte lanchados ao mar em seus silêncio profundo para viver o que é ser um “in-divíduo”. Para ele, qualquer sistema de governo que transforme o homem em uma ilha é cruel. Árabes e judeus, vítimas de preconceito dos europeus, agem como dois irmãos vítimas de um mesmo pai opressor. A história mostra o quanto, nessas situações, cada um dos irmãos projeta no outro a opressão sofrida. Enquanto não puderem sair da fase “infantil” de consciência, vão reproduzir um para o outro a opressão que sofreram e, dessa forma, manter-se-ão numa relação beligerante por meio do fanatismo. Para amadurecerem e tornarem-se penínsulas em vez de arquipélagos constituído de ilhas isoladas, não basta terem mais “informações” ou usarem a racionalidade, precisam cessar a desumanização, combatendo o fanatismo. O fanático é aquela figura singular que vive sem saber nada de si mesmo, longe da empatia e da imaginação, ingredientes citados por Amós

como necessários para resolver conflitos quando queremos ser humanos. O fanático generaliza e unifica a causa em uma ideia ou crença para lutar com ódio e vontade de vingança. Não treina a possibilidade de colocar-se no lugar do outro; faltam-lhe Amós não escreve imaginação e empatia. como um cientista Como a literatura é político, mas como antiunificadora ou generalista, ela não um linguista que aponta os fins para entende que há justificar os meios, algo de comum na como fazem os natureza humana, fanáticos. Por essas é por aí que razões, Amós aponta a literatura como meio estamos unidos, o de curar um fanático. que Jung chamou A boa obra literária de inconsciente cria mais perguntas coletivo e deixa que os vazios sejam preenchidos pela singularidade de cada leitor. Já os livros que vêm, como os fanáticos, na forma de clichê, preenchendo os vazios como se soubessem da necessidade particular de cada um, a exemplo dos de autoajuda, são os mais lidos na atualidade e não servem para nos transformar. Sabemos que a atualidade, época marcada por relações apressadas e superficiais por conta da tecnologia, faz essa questão ser um desafio. Assistir a um filme sobre uma obra poética subtrai as imagens que o leitor criaria se estivesse em uma demorada e solitária leitura. É por meio dessa obra que compreendemos as matrizes ou os arquétipos que nos levam a viver as emoções de um processo imaginativo, empático, que naturalmente se instaura em nós como efeito terapêutico da leitura de uma boa obra literária, como os clássicos. A psicodinâmica de um cliente nos faz entender o que se passa em seu universo interior, mas só com a linguagem das metáforas poderemos provocar-lhe a emoção do insight. A solução de Amós Oz para o homem sair dessa condição de fanático está em fazê-lo imergir Livro: Como Curar um nas suas profundezas por meio da literatura que Fanático carrega as metáforas poéticas, ou seja, utilizar-se Autor: Amós Oz da natureza da psique mostrada na forma como Editora: Companhia o inconsciente se expressa. das Letras

Páginas: 104

Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano. é diretor e fundador do instituto junguiano da Bahia. carlos@ijba.com.br / www.ijba.com.br

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Cinema

Faxina da ALMA A Vida em si é uma produção singular que surpreende pelas revelações ao longo do enredo recheado de tragédias, amores intensos e reflexões sobre a incerteza da vida

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O roteiro passa por diferentes épocas, contando os elementos que ligam vários personagens envolvidos a partir da tragédia que ocorre com o casal protagonista

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ilme dirigido e com roteiro escrito por Dan Fogelman, que também dirige o aclamado seriado This Is Us (recomendadíssimo). Daqueles que chamamos “faxina da alma”, como disse na atual quinta temporada a personagem Brianna (June Diane Raphael) de Grace and Frankie, para justificar o tempo que de vez em quando tira para ver os filmes “de chorar”. É preciso lenço de papel para acompanhar essa singular produção que começa em um clima “homenagem a Tarantino” e prossegue entre sustos e revelações, muitas tragédias, amores intensos e reflexões sobre a incerteza que viver traz, e principalmente brinca com a questão do mito do herói que, traduzindo para o que é realisticamente humano, não se encaixa em nada que não contenha uma enorme ambiguidade e a marcante ambivalência que caracteriza qualquer sujeito. É sabido o quanto a estrutura da narrativa do herói se constitui uma fórmula propulsora das produções cinematográficas. A trama começa a se desenvolver a partir do casal profundamente apaixonado Will (Oscar Isaac) e Abby (Olivia Wilde), que serão no futuro os avós de Elena DempseyGonzález (Lorenza Izzo), que narra a história. O espectador só descobre a narradora nas cenas finais, quando ela está lançando seu livro e fazendo a leitura em uma livraria. O roteiro então passará por diferentes épocas, contando os elementos que ligam vários personagens envolvidos a partir da tragédia que ocorre com o apaixonado casal e que determina a vida de sua filha Dylan (Olivia Cooke). Após a morte trágica dos pais, a menina acaba sendo criada pelo avô, interpretado pelo ator que faz o querido Saul de Homeland, Mandy Patinkin.

Por Eduardo J.S . Honorato e Denise Deschamps O início absurdo é narrado por Samuel L. Jackson, que faz uma rápida aparição como ele mesmo, marcando de forma inquestionável a homenagem a Tarantino, que será citado pelo casal protagonista que sonha em fazer um filme baseado nos conceitos do cineasta. Em uma festa, Will e Abby vão como o casal personagem de Pulp Fiction (1994). É o momento em que ele pede a mão da moca em casamento, dando inicio à sequencia de fatos que depois a neta irá narrar como história de sua família.

Traumas e Surpresas

“Talvez os heróis e vilões de nossa história, na verdade, sejam só figurantes em um filme muito maior”. Essa citação do filme mostra a tese central desse roteiro, do mesmo criador de Amor a Toda Prova (Crazy, Stupid, Love/2011), em que os personagens apresentam lados encantadores e outros nem tanto ou ate mesmo assustadores. Cada um vive seu próprio tormento de maneira própria. Não se pode sequer dizer que é um filme sobre capacidade de resiliência, pois alguns enfrentam suas questões e outros desistem ou fogem delas, mostrando “a vida como ela é” ou A Vida em Si, como escolhe seu autor. Logo de início, veremos ser tocado o tema naquele que costuma o ser o maior receio de um psicoterapeuta, o suicídio deu paciente, o que acontece com a dra. Cait Morris (Annette Bening), que, bem-intencionada, o que talvez a cegue, acompanha Will para fazê-lo enfrentar seu trauma e a negação diante da morte de Abby. As situações extremas tocam quase o riso nervoso nessa produção. Fica clara a intenção de mostrar como histórias se atravessam, gerando

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“A vida em si nos prega peças. Ela nos induz a erros” (citação do filme)

laços e encontros, determinados rumos de vida que sequer conhecem aquilo que as atravessa, como o que se dá com o menino Rodrigo González Díaz, que, ainda criança, em passeio a Nova Iorque, acabará sendo espectador do acidente ocorrido com Abby. Esse fato lhe renderá um grande trauma, que por sua vez influenciará nos acontecimentos posteriores com seus pais, Javier González (Sergio Peris-Mencheta) e Isabel Díaz (Laia Costa) e o patrão, Mr. Saccione (Antonio Banderas), que assumirá o pagamento do tratamento do menino. Todo esse emaranhado ainda determinara, mais adiante, a trajetória de vida de Rodrigo. O rapaz depois de crescido, volta a Nova Iorque para estudar e vive o acaso de encontrar Dylan, a criança que, agora já moça e meio perdida, sobreviveu ao acidente da mãe, Abby. “É estranho pensar como um momento tão aleatório poderia moldar toda a minha vida”. Ao ouvir essa citação feita no filme, pensamos: quem nunca olhou para suas lembranças e se deu conta de que algo que caiu inesperadamente no curso dos dias alterou uma rota que já parecia tão determinada? Uma escolha que foi mudada, um amor trocado pelo outro, uma viagem cancelada ou realizada, um momento de extrema alegria ou de desespero lancinante, uma história que se pensava de longa continuidade se vê de repente interrompida, deixando um vazio insuportável ou capaz de ser um propulsor do ato de “seguir adiante”. A vida é isso, ela derruba e faz surgir uma desistência, uma mudança de rota ou seguir com coragem em busca de alguma esperança e alegria. Como disse antes o escritor Ernest Hemingway em sua obra Adeus às Armas: “O mundo despedaça todas as pessoas e, posteriormente, muitos se tornam mais fortes

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nos lugares partidos”. O filme se apropria dessa conclusão com bastante propriedade, sem cair na armadilha de fazer pensar que isso é uma tarefa fácil ou rápida, às vezes leva-se toda uma vida para que se possa entender um momento de extremo sofrimento.

Dores Imensas

Algumas correntes filosóficas propõem pensar o sentido da vida, outras dizem que a vida não teria qualquer sentido e que seria uma bobagem tentar entender que sentido ela teria. Albert Campus propõe que o sentido da vida é viver mais, entendendo isso com mais longamente, e sugere que a grande questão a se entender seria a do suicídio. A vida que queremos sempre pensar como bela, mas, como diz o filme, irá sempre nos apresentar dores imensas, mesmo aquelas que só fazem parte da normalidade mais banal da vida, até porque, como apontou Freud, uma das três fontes de sofrimento seria nossa relação com os semelhantes, e ainda frisou que talvez essa seja a mais dura. Ao acompanhar a trajetória dos personagens, o espectador acaba por se deparar com a questão que angustia: seria a vida um traçado de alegria com alguns acidentes pelo caminho ou uma luta incessante com raros momentos de extremo contentamento? Mais uma vez recorrendo a Freud, somos obrigados a refletir que nosso aparelhamento psíquico guarda uma estranha relação com o que entendemos por prazer, como diria o fundador da Psicanálise debruçando-se sobre o tema de O Mal-estar na Civilização: “Quando qualquer situação desejada pelo principio do prazer se prolonga, ela produz tão somente um sentimento do contentamento

A Vida em Si. Título original: Life Itself. Gêneros: Comédia dramática, romance. Ano de produção: 2018. Duração: 1h57min. Classificação: 16 anos. Nacionalidade: EUA

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Cinema

Cada personagem vive seu próprio tormento de maneira própria. não se pode sequer dizer que é um filme sobre capacidade de resiliência, pois os enfrentamentos são muitos diferentes muito tênue. Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas”. Estar vivo é estar insatisfeito, em busca, desestabilizado e frágil (e forte). Insistir nos dias, como aconselha a Rodrigo sua mãe Isabel, já em seus últimos dias de vida, com a saúde perdida frente a um câncer, dizendo-lhes para que sempre siga adiante, ultrapasse os solavancos do caminho, acreditando sempre que no final se encontra o amor. É nessa ambiguidade presente desde cedo nesse nosso corpo, palco de todo prazer e toda dor, que equilibramos o que Freud chamou de “alma” por falta de outro termo à época e que hoje se discute talvez como “mente”. Esse jogo de emoções e percepções conscientes e inconscientes que constroem nossos atos e experiencias. Todo ser chega ao mundo completamente frágil, enfrenta desde o início um certo desconforto do que é viver, até o primeiro ato de respirar traz a temida dor, depois sacia-se e assim conhece o prazer e a falta, supõe-se capaz de mover o mundo e logo se dará conta de que não é bem assim que as coisas se dão. Os adultos, frente ao que Freud chamou de bebê-majestade, revisitam seu narcisismo, engendram fantasias de que serão capazes de proteger aqueles ser tão indefeso de todas as dores, ou pelo menos das mais fortes, e a vida segue ensinando seu poder, quase nunca se pode cumprir a determinação tomada com orgulho quando se ergue a criança pela primeira vez. Será a vida de uma alegria interrompida às vezes por pequenas ou grandes tragédias ou uma lita incessante interrompida algumas vezes por momentos de felicidade? O fato é que o sujeito psíquico vem munido de um Março 2019 - Ano 12

impulso que quer garantir a continuidade da vida, autoconservação, que, em sua definitiva teoria pulsioval, Freud incluiu esse aspecto na pulsão de vida, Eros, que quer agregar, unir, amar. Como ele mesmo disse em uma de suas poucas entrevistas concedidas em 1926, já no final de sua vida: “Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida”. Mas sem a agressividade de Thatanos e a pulsão de morte não seriamos capazes das mais fundamentais conquistas. Somos em nossa individualidade o grande paradoxo que é a vida.

Fios de Afeto

Elena conta toda a trajetória de seus antepassados, começa lá pelos avós, Will e Abby, precisa ir um pouco mais atrás falando sobre suas bisavós, pais de Will, e a trágica história dos pais de Abby. Narra o nascimento de sua mãe, Dylan, que leva esse nome por conta de Abby ser fã total de Bob Dylan. Precisa contar sobre os pais do menino Rodrigo, que está diretamente ligado ao acidente que marca seu nascimento e vida; ao falar dos pais de Rodrigo tem de falar do “tio”, patrão do seu pai, Mr. Saccione, até poder revelar que a vida, em sua ironia, uniu seus pais, Dylan e Rodrigo, em uma história de amor tão intensa como a dos meus avós, mas felizmente não interrompida abruptamente como a deles. A vida seguiu realmente seu curso e gerou muito amor e vida. O filme traz uma mensagem de esperança diante dos misteriosos acontecimentos terríveis que podem estar presentes em histórias familiares. Os diferentes fios de afeto se enlaçam, trançam o tecido da história, formam em sujeitos que ainda nem nasceram muitas determinações profundas.

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As situações extremas tocam quase o riso nervoso nessa produção. fica clara a intenção de mostrar como histórias se atravessam, gerando laços e encontros, determinados rumos de vida. Procurar conhecer os contos familiares pode ser por vezes um bom caminho para o próprio entendimento, para o descortinar de padrões repetitivos que se sucedem em gerações, afinal o inconsciente tem muitos tentáculos e se planta a partir de imensos “desconhecidos” da consciência. Há agora circulando no Brasil um livro que os filhos tem dado às mães quando lhes nascem os netos, um livro em branco convidando-as a contar suas histórias. Que terapêutico poderá ser isso, que os avós se incluam e contem também o que sabem sobre sua vida. Toda história interessa ao presente e ao futuro, mesmo a que pensa que se oculta em floreios. Ao narrar histórias a lenda poderá ser questionada. O escritor Ernesto Sábato, em sua grande obra intitulada Sobre Heróis e Tumbas, voltando aqui a reflexão sobre o herói, disse algo que serve muito bem para pensarmos sobre esse filme e suas personagens. Disse ele: “Porque felizmente o homem não é feito só de desespero mas também de fé e esperança; não só de morte mas também de desejo de vida; tampouco unicamente de solidão mas também de comunhão e de amor” Dan Fogelman se descreve como uma criança que cresceu dentro de uma família judia disfuncional, e seus roteiros parecem sempre muito empenhados em descortinar o que se vê por detrás de portas fechadas. A série This Is Us, na atualidade, mostra essa abordagem de maneira brilhante, é realmente imperdível, indo para sua terceira temporada. Certo é saber que a dor agiganta alguns e apequena outros tantos, e que, assim como a paisagem, ela não está lá para indicar escolhas, apenas preenche o que tenta manterse de pé. Parte que compõe o caminho não é

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necessariamente aquilo que leva a superaçãomuitas vezes traz o sujeito apenas o travo amargo do ressentimento, que passa a transbordar para todo canto que olha, impossibilitando que a vida seja mais do que uma repetida sucessão de mágoas. Então sempre é pura esperança quando alguém transforma tudo isso em forca motriz e, chamado à vida, o roteiro alcança isto.

Desafiar os Desafiadores A Vida em Si não é um filme assim tão palatável, pode desagradar muitos pela sucessão de trágicos acontecimentos, mas nos lembra de um acordo que um dia todo os adolescentes fizeram em relação à própria vida e que Dylan diz ao seu avô: “Eu quero viver uma vida grande, incrível e fantástica”. Aconteça o que for, é preciso acionar aquele impulso Eros, desafiar os desafios e seguir, como diria, em um trecho de sua obra Ano Comum, outro escritor contemporâneo, que vamos chamar para finalizar nossas reflexões sobre esse filme. “O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no coração e se alimenta de amor...” (Joaquim Pessoa)

Prof. Dr. Eduardo J. S. Honorato é psicólogo e psicanalista, doutor em Saúde da Criança e da Mulher. Denise Deschamps é psicóloga e psicanalista. Autores do livro Cinematerapia: Entendendo Conflitos. Participam de palestras, cursos e workshops em empresas e universidades. Coordenam o site www. cinematerapia.psc.br Março 2019 - Ano 12


Psicologia Social

A MULHER

do século XXI A questão de gênero sempre desperta polemicas. As mulheres mudaram e ganharam cada vez mais espaço. Mas como ficou afinal a sua identidade? Por Luiza Elena Leite

(parte 1)

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m tempos globalizados, conquista feminina chega a ser quase comum... Só que não! Também em termos globais existem a violência, a discriminação e uma disputa desleal que atrela à mulher expectativas de épocas passadas, ainda somadas aos novos desafios, ou seja, uma missão impossível quando se trata de responder a tudo! Com a rapidez das transformações,

algumas comparações se fazem até dentro de casa, porque as gerações sofreram um abismo no aspecto comportamental. A mulher deve ser independente e ativa e se manter distante dos grupos masculinos dominantes? Não faz sentido! Entretanto, alguns chegam a comentar, quando uma jovem bonita é molestada, que a culpa é dela, por ser uma pessoa tão atraente que ousou se mostrar! Parece absurdo? Mas

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70/71 é real! No entanto, a mulher do século XXI vem vencendo também esses disparates e elas surgem em reportagens recorrentes nos noticiários porque não se retraem diante de um possível constrangimento de julgamento social e assumem desafios à altura de seus sonhos. O mundo feminino passa por enorme transformação! Nos últimos 30 anos, as mulheres galgaram mais liberdade do que ao longo de toda a história. A elevação do seu nível educacional e a redução do tamanho da família (coincidentes com as necessidades econômicas de contribuir para o orçamento familiar)fizeram da mulher um elemento fundamental na sociedade e não simplesmente no lar. A inserção da mulher no mercado de trabalho a torna bem-sucedida e assustadora. A forte entrada das mulheres nas universidades produziu um impacto em carreiras prestigiadas, que eram predominantemente dos homens. Hoje, a mulher ocupa posições cada vez mais elevadas em empresas e se insere nas carreiras técnicas e cientificas. Na política, ela pode participar dos quadros de candidatos, sendo exigido, no Brasil, como mais uma conquista, uma proporção feminina significativa. Votar já não é uma vitória, a mulher é elegível, ganhando status de reconhecimento por seus méritos. Essa posição feminina em diversos aspectos gera um grande impacto nas relações sociais, pois implica numa mudança de paradigma” familiar e cultural. Não menos grave é a discriminação de gênero, que persiste, tanto em relação a diferenciais de salario quanto a postos de trabalho. Apesar das reestruturações no mundo do trabalho com relação às mulheres, ainda encontramos segregação por gênero. Dessa forma, a proposta, nesse momento, é discutir a mulher do século XXI. E surge a questão: houve mesmo uma evolução da mulher? Ou houve uma perda de identidade que a deixa em situação frágil em qualquer perspectiva, já que nas relações familiares, nos cuidados com o lar e com os filhos ela continua a ser exigida e, por que não dizer, definida como culpada por todos os imprevistos, estando ou não presente. A partir do século XVIII e, especialmente, do século XIX, o discurso sobre sexo, antes restrito à Igreja, dispersa-se por diferentes áreas do conhecimento. Além da Medicina outras áreas, como a demografia e a política, passam a se preocupar com o sexo, construindo novos conceitos e imagens sobre a mulher, que são estendidos ao gênero feminino como um todo. Se no passado o valor feminino voltava-se à procriação e o casamento era o seu melhor futuro, especialmente se ela fosse capaz de dar

um herdeiro masculino ao mundo, esse destino foi se tornando menos essencial. No casamento atual sequer é preciso alterar o nome da mulher e o homem já não detém os poderes de chefia do lar, sem contar a tendência a tolerância de que o sexo seja uma escolhe e que é um fato A posição encontrar muitos lares feminina atual sendo providos por mulheres. Será mesmo em diversos uma mudança de valores aspectos gera contemporâneos? um grande Entender o mundo impacto nas feminino atual justificarelações sociais, se não só por seu pois implica papel incontestável na sociedade, mas porque numa mudança as mudanças provocadas de “paradigma” nas últimas décadas familiar e trouxeram, paralelamente cultural aos avanços, graves sequelas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a ansiedade atinge mais de 10 milhões de no mundo e é mais comum entre as mulheres. Elas (ou nós) tem uma fisiologia diferente da dos homens e em conjunto com os hormônios são afetadas pelo estresse de outro modo. Nas situações estressantes é liberado o cortisol e as mulheres são mais sensíveis a este glicocorticoide, por isso a sintomatologia é mais ampla. Quando a situação de estresse é intensa e persistente, a mulher pode ser afetada por doenças como anorexia ou bulimia ou sofrer depressão ou síndrome do pânico. Assim, a importância de discutir as conquistas e riscos da mulher atual pode ser uma forma de contribuir com a sua qualidade de vida na sociedade. As transformações e as desarticulações na vida social no contexto atual deslocam radicalmente as identidades sociais. A identidade da mulher é dominada pela incompletude, multiforme e inconstante. A nova identidade da mulher se descobre num tempo instável, com as crises de valores e de direção sobre ser, fazer e pensar numa vida plenamente realizada. O novo contexto criado pela pósmodernidade coloca a mulher diante de uma multiplicidade de oportunidades e, também, de analise, do autoconhecimento de seu corpo, sentimentos e escolhas na relações com o outro. É pertinente lembrar, com Simone de Beauvoir, que “não se nasce mulher”. A mulher é feita, é uma espécie de mundo em construção e mudança. A sua identidade reflete o cenário da sociedade contemporânea com qualidades, erros e fragilidades.

Luiza Elena L. Ribeiro do Valle é psicóloga, doutora em Ciência no Departamento de Psicologia Social (USP/SP). Mestre em Psicologia Escolar e Educacional (PUC-Campinas), MBA Executivo em Psicologia Organizacional (AVM- Brasília), extensão em Gestão de Pessoas (FGV). Formação em Coaching (Lambent), especialização em Psicologia Clínica (CFP) na linha CognitivoComportamental, consultora em Psicopedagogia, autora de livros.

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Cérebro

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Sete Pecados Capitais Como os sentimentos gerados pelos pecados refletem-se em nossa mente e influenciam a vida cotidiana. Alguns deles podem motivar a criação de boas habilidades.

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Por Marta Relvas

urante toda a sua vida, você ouviu dizer que de todos os “pecados” que o ser humano pode cometer, há sete que lhe darão passagem direta para o “inferno”. Os chamados sete pecados capitais assombram a consciência humana há muito tempo, mas parece que eles não são tão mortais assim. O humano precisa um pouco deles para o seu desenvolvimento. O que irá diferenciar se são bons ou ruins são a intensidade e a frequência desses sentimentos no cotidiano da vida. Os pecados capitais instituídos na Era Medieval ganham novos significados, valores e gravidades através dos séculos. Assim, no mundo contemporâneo, as bases morais antigas perdem sua validade. Com um novo homem, surgem novos pecados, pecados antigos passam a ser vistos como virtudes Vejamos: Luxuria: O pecado mais criticado é o da luxuria, pois a pessoa é considerada mais esperta do que as outras. O cérebro da pessoa com o sentimento da luxúria consegue resolver problemas analíticos com mais facilidade do que outros indivíduos. Preguiça: Não se sinta culpado(a) por ser um preguiçoso(a). Afinal, dormir melhora sua memória e o(a) torna muito mais sagaz – além de dar aquela disposição extra quando necessário. Estudos informam que pessoas que andam mais devagar são as que mais param para ajudar o próximo. Ira: O cérebro do(a) raivoso(a) está mais disposto a confrontar ideais opostas às suas, criando o debate. Nesse caso, o indivíduo tem maior poder de negociação, pois terá uma facilidade maior ao argumentar a favor de seu interesse. Ganância: Você provavelmente já ouviu que dinheiro não traz felicidade, porém, com uma outra concepção, a riqueza realmente pode tornar alguém mais feliz, contanto que ela seja investida de maneira correta e com qualidade.

Inveja: Por incrível que pareça, a inveja é um “pecado” que pode ajudar o desenvolvimento pessoal, pois uma pessoa pode sentir admiração por alguém e se comparar, projetar constantemente em relação ao outro. Esse fato pode estimular seu crescimento pessoal. Afinal, quem não quer os melhores resultados? Isso também significa uma melhora na criatividade e na autoestima. A inveja só não pode ser patológica. A questão é observar a intensidade e frequência desse sentimento e se está atrapalhando o seu convívio e as suas relações nos aspectos gerais na vida. Orgulho: Se você se considera acima dos demais, nada mais natural do que fazer com que seu trabalho também seja o melhor de todos, certo? O orgulho faz com que as pessoas sejam mais persistentes, pois não pouparão seus esforços para chegar aonde desejam, além de poder desenvolver um perfil de liderança. A questão é observar o momento para não deixar “subir à cabeça”, humildade faz parte da vida. Gula: O fato de ser apaixonado por comida pode desenvolver um sentimento de caridade maior do que na maioria dos indivíduos. O que se precisa é ter uma orientação nutricional correta para não ingerir alimentos que possam comprometer a saúde física.

Dano e prazer

Schadenfreude na tradução literal: alegria ao dano. A Palavra é de origem alemã e serve para designar o sentimento de alegria ou satisfação diante do dano ou infortúnio de uma outra pessoas. Deriva de schaden- ‘dano prejuizo’ – e freude – ‘alegria prazer’. PSIǪUE

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Cérebro

Estruturas Associadas

Ao considerar os estudos neurocientíficos, os sentimentos relacionados aos “sete pecados capitais” ativam as áreas do cérebro ligadas à dor física, porem ao ver a situação ou imagem da “pessoa-alvo” se dar mal, estruturas associadas ao prazer é que são acionadas. Para a neurobiologia comportamental, as emoções provocadas por esses sentimentos são consideradas vícios compulsivos, e geram tanta dor física quanto emocional, e no final não se tem nenhum ganho positivo para o corpo físico e mental com relação a esses sentimentos. Influências diretas das amigdalas cerebrais sobre o córtex cerebral nos levam à interpretação das emoções e ao reconhecimento desses sentimentos. Quando as amigdalas cerebrais são ativadas, por meio de estímulos externos ou internos, estas fornecem “ingredientes” básicos como neurotransmissores, que ativam o córtex pré-frontal a decodificar os sinais sensoriais, transformandoos em memorias, podendo ser interpretados como uma experiência emocional (boa ou ruim). As conexões que partem das amigdalas cerebrais para o córtex permitem que as redes neurais das defesas emocionais influenciem a atenção, a percepção e a memória em situações em que nos defrontamos com um determinado perigo. Sendo assim, podem provocar uma variedade de reações comportamentais especificas, como imobilização, fuga, luta, expressões faciais; reações do sistema nervoso autônomo (alterações na pressão sanguínea e nos batimentos cardíacos, piloereção, suor); e reações hormonais (liberação de hormônios do estresse, como a adrenalina e os esteroides produzidos pela gandulas suprarrenais, bem como uma série de peptídeos na corrente sanguínea). Por meio das imagens pode-se observar que quando o cérebro é ativado por emoções positivas ou negativas a área estimulada é o córtex pré-frontal. Vejamos um exemplo de emoções positivas. Esperar a pessoa amada desembarcar no aeroporto e correr para abraça-la. A estrutura cerebral associada à ativação da região pré-frontal é à esquerda. Por outro lado, o afastamento, como o ato de desviar o olhar da cena de um acidente horrível ou de nos encolhermos de medo diante

de uma situação de perigo, estaria associado à ativação da região pré-frontal direita. Segundo Richard Davidson, existem bons argumentos que defendam a ideia de que o córtex pré-frontal poderia ser o correlato neural das emoções que sentimos se enquadram, ao menos em parte, em uma dessas duas categorias. Vejamos a correlação das estruturas cerebrais e o contexto sobre os sete pecados capitais. Estes são emoções consideradas como ressentimento em relação a alguém que tem algo como dinheiro, beleza, uma promoção ou a admiração excessiva em algo. É um vício que poucos podem evitar. Experimenta-las é se sentir menor e inferior, um(a) perdedor(a) envolvido(a) em sentimentos de maldade. A pessoa com esses sentimentos tem dificuldade de apreciar as coisas boas em outras pessoas, pois está sempre preocupada sobre esses refletem-se nela mesma. Por Exemplo, você já ouviu falar nesse sentimento denominado schadenfreude. É a relação de prazer quando se vê aquela pessoa que o indivíduo inveja perder tudo, ou se dar mal nos âmbitos materiais e /ou afetivos. Um outro exemplo muito comum é quando a criança percebe que tem irmão ou irmã, e sua vida se torna dominada por um sentimento forte de inveja. Por que ela(e) sempre se senta na janela? O pedaço de bolo dele(a) é maior!

Prazer

Estudos em neuroimagens revelam que os sentimentos dos sete pecados capitais são reações ativadas nas áreas do prazer do sistema líbico, que se ativam nas regiões cerebrais e são próximas das regiões da dor física. Quanto mais alto os participantes classificam sua percepção, mais reações neuronais respondem nas áreas dos sulcos cerebrais da dor no córtex dorsal anterior e áreas relacionadas. Ao mesmo tempo que os circuitos de compensa do cérebro são ativadas, reações vigorosas são estimuladas nos centros de prazer, produzindo a dopamina na área do striatum ventral. Para ilustrar essa consideração cientifica, existe um ditado japonês que diz: “As desgraças dos outros tem gosto de mel”, segundo Hidehiko

Virilidade

Sobre as batatinhas fritas serem tão melhores que os brócolis, o sucesso é considerado reprodutivo. Na Antiguidade, o uso da gordura e dos açúcares estava mais relacionado à aquisição da virilidade. Mas não se alegre: antigamente essa adptação podia ser considerada benéfica. Hoje, o resultado maior da gula é a obesidade, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma epidemia global do século XXI

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74/75 Takahashi, ou seja, o striatum ventral é a estrutura neurobiológica que processa esse “mel”, naturalmente. Para o sentimento do orgulho, o córtex préfrontal medial e o lobo temporal esquerdo, especialmente áreas próximas ao sulco temporal superior, são ativados. Alguns estudos até apontam que psicopatas também teriam “defeito” nessas áreas. Uma das explicações para a soberba: nos primórdios, ela surgiu como forma de intimidar ameaças, principalmente na disputa de poder. Um outro pecado que tem lugar no cérebro é a ganância, e a estrutura relacionada, amígdalas cerebrais. Pessoas com essa região danificada arriscam bem mais, inclusive em apostas nas quais as probabilidades de perder eram iguais às de ganhar. Vejamos uma outra situação. Imagine um jogo de futebol em que o seu time está perdendo! Seu cérebro começa a ser ameaçado pelo gatilho da ira. Este encontra-se no plano do sistema límbico, responsável pelas emoções, e se manifesta a partir de uns fenômenos inconscientes. A área que provavelmente é afetada durante a raiva é novamente a das amigdalas cerebrais e, aí, o indivíduo é acionado para o ataque, provocando uma avalanche de hormônios do estresse. Porém, ainda bem que o córtex pré-frontal cerebral ajuda a colocar um pouco de controle e razão nessa emoção.

Recompensa

Os combinados neurais do prazer estimulam conjuntamente outros sistemas, como o da recompensa. O mesmo relacionado ao centro das necessidades da fome e da sede (gula e saciedade). Quanto mais fome ou sede o indivíduo sentir, mais prazeroso será quando finalmente comer ou beber. Uma reflexão importante: o sentimento dos estes pecados capitais é um imposto cobrado pela civilização, todos precisam pagar. O importante é aprender e buscar ajuda de profissionais especializados na saúde emocional e sentimental. O importante é realizar a “escuta” das emoções como um estímulo para mudar, pois o que prejudica é o exagero. Um pouco (pouquinho!) de avareza, luxuria, gula, inveja, orgulho, ira e preguiça pode ser que todo mundo já tenha dito ou tenha. O fundamental é usar a inteligência cognitiva para gerencia-los melhor!

PARA SABER MAIS Estímulos emocionais De acordo com o LeDoux, as amigdalas cerebrais tem projeções em muitas áreas corticais, sendo consideradas mais frequentes as projeções do córtex para as amigdalas. Além de projetar-se de volta às regiões sensoriais corticais de onde receber informações, amígdalas também se projetam para algumas áreas de processamento sensorial. Como resultado, uma vez ativadas, são capazes de influenciar as áreas corticais responsáveis pelo processamento dos estímulos emocionais, o que pode ser muito importante no direcionamento da atenção, para impulso emocionalmente relevantes. As amigdalas também estabelecem um conjunto impressionante de conexões com as redes de memória de longa duração, que desenvolvem o sistema do hipocampo e as áreas do córtex. Essas estruturas também tem a função de armazenar as informações de longo prazo. Essas vias podem contribuir para a ativação de memorias antigas e significativas, mesmo tendo ativadas num determinado momento presente. Embora as amigdalas tenham conexões relativamente escassas com o córtex préfrontal lateral, seus elos com o córtex cingulado anterior são bastante fortes, pois estabelecem uma ligação importante no circuito executivo da memória de trabalho no lobo pré-frontal e, como o córtex órbitofrontal, a função de interpretação das funções conativas/e emocionais, no que se refere a recompensas e punições.

Marta Relvas é psicóloga, professora de Neuroanatomia e Neurofisiologia Cognitiva e Emocional e autora do livro Cérebro, Contexto, Nuances e Possibilidades (Wak Editora).

Referências: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/337 http://www.brasil.gov.br/saude/2014/11/ministerio-da-saude-lanca-guia-alimentarpara-a-populacao-brasileira http://vyaestelar.uol.com.br/avareza.htm

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Perfil

Um poeta LÍRICO O compositor Franz Schubert é um ser tão complexo, em vários sentidos, que até hoje sua personalidade bipolar e a sexualidade dúbia são estudadas e debatidas historicamente. Por Anderson Zeinard

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ranz Peter Schubert nasceu em 1979 em uma família pobre no subúrbio de Viena. Seu pai era professor e musico amador e o iniciou no violino. Desde a infância demonstrou grande interesse e aptidão para a música. Aos 10 anos participou de concurso para tornar-se corista da capela imperial. Sua voz de soprano lhe garantiu um lugar no coro e uma bolsa de estudos em Stadtkonvikt, um dos melhores colégios de Viena, mas não foi considerado um bom aluno, pois passava grande parte do tempo fazendo composições musicais. Estudou ali até seus 17 anos, quando deixa o conservatório e começa a lecionar, oficio exercido por dois anos. Era um jovem educado, bastante contido e reprimido pela rígida formação familiar e acadêmica.

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Os anos 1815 e 1816 foram bastante produtivos com obras de todos os gêneros, mas estava infeliz, sentia-se muito preso. Ele precisava de liberdade para viver e por isso rompe com o pai (rígido e castrador) e começa a levar uma vida boêmia. Com dinheiro insuficiente para se sustentar, passou a contar com a ajuda de amigos músicos, conhecidos por serem “liberais”. A boemia e a pobreza marcariam os anos seguintes. Ministrava algumas aulas, editava uma ou outra obra de terceiros e assim resolvia os problemas de sobrevivência. Os dez anos seguintes foram o auge de usa carreira, isto é, período em que compôs as sinfonias, óperas, música sacra, música de câmara e canções.

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76/77 Escreveu 12 óperas, mas revelou-se um exímio compositor de um gênero que aperfeiçoou: a canção lírica (lieder). Em um ano compôs cerca de 150 obras, baseadas em textos de Shakespeare e Goethe, entre outros autores consagrados. Os de Schubert ganham ritmo e vida própria, são poesias líricas em forma de música, totalmente revolucionarias e belas. É principalmente na escolha dos textos e em sua ornamentação musical que se revela o romantismo e a genialidade do compositor. Mas a grandiosidade e importância de sua obra musical não foram reconhecidas de imediato, pois teve a “infelicidade” de ser contemporâneo e viver na mesma cidade que o gênio Beethoven, que atraia todas as tenções e era sucesso absoluto. Franz fazia muito sucesso entre os músicos e artistas em geral, porém não atingia o grande público, que não tinha, naquele momento, preparo para entender sua grandiosidade. Tampouco era valorizado pela crítica, que só tinham ouvidos para Beethoven e o menosprezava. Prova disso é que durante toda a sua vida apenas uma vez um concerto público com obras escritas por ele foi organizado em Viena. Aos poucos Schubert vai sendo tomado por desgostos, gastava o pouco que tinha na vida boêmia, sua vida sexual era basicamente com prostitutas; buscava do uso de bebida, de tabaco e, eventualmente também de ópio. O não reconhecimento de sua vasta obra e, consequentemente, a falta crônica de dinheiro fizeram com que ele “afundasse” na depressão. Nesse mesmo período (1823) contraiu sífilis doença vergonhosa socialmente e de cura

impossível naquele tempo, e que iria modificar totalmente sua história de vida. As consequências desse mal, de que ele nunca se livraria, apesar de momentâneas melhoras, foram terríveis para sua vida. Passou por várias internações para se recuperar Schubert revelou-se um fisicamente, algumas exímio compositor de um crises de depressão gênero que aperfeiçoou: grave, o desleixo a canção lírica em um com a aparência e ano, compôs cerca de 150 a rebeldia com as obras baseadas em textos restrições impostas (rejeição mando do de Shakespeare e Goethe pai) dificultavam sua recuperação, como também favoreciam novas recaídas. Bebia e fumava ainda mais. Ao longo do tempo, passou a apresentar comportamentos agressivos e intempestivos (ofender as pessoas conhecidas, gritar com quem não fosse rápido em atende-lo, quebrar objetos), sendo que sempre foi conhecido pela cordialidade, galanteios e bons modos. Quanto à complexidade da sua personalidade percebe-se uma ciclotimia, pois a hipomania de Schubert se manifestou em períodos de humor expansivo: criatividade maior que o habitual (produziu mais de 600 obras em poucos anos), loquacidade, aumento da atividade sexual e decisões absurdas em relação às suas poucas finanças, sempre gastando mais que podia. Passava por períodos em que era metódico e organizado, até obsessivo: acordava às cinco da manhã, escrevia música das seis a uma da tarde, almoçava no mesmo restaurante, depois

Uma noite com vênus e uma vida inteira com mercúrio. Schubert sofria de sífilis, uma doença sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema pallidum e bastante frequente na população até finais do século XIX, e comum na biografia de vários compositores, escritores e poetas da época (Oscar Wilde, James Joyce, Charles Baudelaire, Robert Schumann, Paul Gauguin, Toulouse Lautrec, entre outros). Era incurável e letal até a descoberta da penicilina, em 1928. Hoje, o tratamento é relativamente simples e rápido, porem nem sempre foi assim. Antigamente, o tratamento consistia na utilização de mercúrio (Hg) na forma de vaporização, injeções subcutâneas ou aplicação tópica de unguentos de sais de mercúrio (o primeiro registro deste tratamento foi do médico persa Ibn Sina, em 1025). Havia, contudo, um “pequeno problema”, os efeitos tóxicos do Hg suplantavam frequentemente os “benefícios” do seu uso. Por isso, há quase um século o uso desse metal pesado foi abolido como remédio para a sífilis. As manifestações neurotoxinas do uso do Hg são amplas e devastadoras e incluem alterações em nível psicológico (depressão, comportamentos antissociais, e agressivos, delírios, alucinações) e físico (fraqueza, anemia, tremores, turvamento da visão, descoordenação motora, lapso de memória), que compõe um quadro sintomatológico conhecido como “mercurialismo” ou simplesmente a “doença do chapeleiro louco”. Este último nome deve-se ao fato de o envenenamento por Hg ser comum entre os chapeleiros (fabricantes de chapéus) que usavam Hg para curar e tratar o feltro dos chapéus que fabricavam. Não é por acaso que a personagem de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, é o “Chapeleiro Maluco”.

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Perfil

A grandiosidade de sua obra não foi reconhecida de imediato pois era ofuscada pela fama de Beethoven (imagem), que viveu na mesma época e cidade que o conpositor do almoço frequentava uma cafeteria, onde lia jornais e fumava cachimbo até as 17h, e na sequência bebia com amigos em uma taberna. Em relação aos sintomas depressivos, existem abundantes referencias escritas sobe sua tendência à “melancolia grave” ou a períodos de reclusão, prostração e “pouco falar”. O quadro depressivo piorou progressivamente nos últimos anos, associados a uma descrença na vida e nas pessoas. Esses comportamentos cíclicos descrevem os sintomas do transtorno bipolar. Quanto à sexualidade, a discussão tem sido a possível homossexualidade de Schubert. O debate começou em 1989 com o historiador Maynard Solomon, que considera Seu quadro depressivo as numerosas piorou progressivamente alusões escritas por nos últimos anos contemporâneos de sobre sua de via, associado à Schubert sexualidade como prova descrença na existência de uma “promiscuidade e nas pessoas. Esses de caráter heterodoxo” comportamentos cíclicos ou “o lamaçal de descrevem os sintomas devassidão que vive” e a grande indiferença

do transtorno bipolar

do musico em relação as mulheres para se casar. Ele afirma ainda que Schubert morou na casa de vários amigos que faziam parte de uma comunidade homossexual masculina. Em uma frase escrita em 1826 pelo amigo Eduard von Bauernfeld, em seu diário, diz: “Schubert está doente, ele precisa de pavões jovens, como Benvenuto Cellini”. A frase indica precisar de jovens afeminados vestidos com extravagancia, pois Cellini era abertamente homossexual e também sifilítico, e este não deixa dúvidas em sua biografia sobre o uso de termo “pavão” ao se definir como jovem homossexual. De fato, documentos contemporâneos estudados por biógrafos sugerem a existência de tendências, no mínimo, bissexuais em Schubert e em vários membros de seu círculo de amigos. Em 1827 morre Bethoven, seu grande ídolo, por quem nutria um sentimento misto de admiração e temor. O desaparecimento daquele que era reconhecido como o grande gênio da música parece ter agido como um elemento liberador: durante os meses seguintes (até sua morte) acumula obras-primas. Neste período, suas obras representam diversos estados de animo, compôs o ciclio de canções Canto do Cisne, a obra-prima Nona Sinfonia em Dó Maior e a Missa em Mi Bemol Maior. A sua frágil saúde voltou a dar sinais de piora em 1828, quando passa a recusar alimento. Os médicos detectaram o motivo da recaída, febre tifoide, aos 31 anos Schubert morre extremamente debilitado, pobre, infeliz e se sentindo rejeitado por muitos. Acredita-se que a causa da morte foi multifatorial, incluindo uma forma aguda de febre tifoide, agravada pela anemia e pelo envenenamento mercurial (medicamento usado na época), em um organismo enfraquecido pela sífilis terciaria e pelo alcoolismo. Quando morreu, o que possuía eram algumas roupas desgastadas. Por outro lado, sua obra enriqueceu para sempre o universo da música. Seu corpo foi enterrado no cemitério periférico, só em 1888 (60 anos após sua morte) seus restos mortais foram exumados e transferidos para o cemitério central de Viena, onde repousa ao lado do tumulo de Beethoven, no chamado Panteão dos Artistas. Infelizmente Franz Schubert, tão importante compositor que influenciou a transição entre a Era Clássica e a Romântica na história da música, não viu suas obras reconhecidas, nem recebeu a alcunha de “o maior poeta lírico da música universal de todos os tempos”.

Anderson Zenidarci é mestre em Psicologia Pela PUC-SP, supervisor e palestrante. Coordenador e professor do curso de especialização em Transtorno e Patologias Psiquicas pelas Facis, professor de pós-graduação no curso de Psicologia de Saúde Hospitalar na PUCSP. Atua há mais de 30 anos em atendimento clínico em diversos segmentos da Psicologia, com especial dedicação à Psicossomática, transtornos e patologias psíquicas

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Em Contato

Notícias Aplicativo desenvolvido na USP auxilia a treinar fala de crianças com down

Um novo aplicativo, desenvolvido pelo Departamento de Computação e Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), ajuda no treino da fala de crianças com síndrome de Down. O equipamento se chama SofiaFala, um sistema inteligente, interativo e gratuito que roda em celulares e tablets com Android (por enquanto). O sistema durante a execução do exercício fonoaudiológico e depois os analisa, promovendo dois tipos de respostas a respeito da performance das crianças: um lúdico-educacional, com orientação para o paciente e para o responsável pelo treino; outra, com dados métricos e estatísticos para o fonoaudiólogo avaliar, acompanhar e orientar a evolução clínica das crianças. Uma das coordenadoras do projeto, Alessandra Alaniz Macedo, professora da FFCLRP e especialistas em sistemas de computação, revela que um protótipo do aplicativo já está em fase de testes e que, por ser de fácil operação, pode ser usado nas próprias residências, seja como supervisão dos pais ou até mesmo pela crianças sozinha: Fonte: Jornal da USP.

Fortaleza recebe o XII congresso brasileiro de terapias cognitivas Fortaleza, no Ceará recebe, entre os dias 2 e 6 de abril de 2019, o XII congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas (CBTC), uma realização da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Em conjunto acontece o XI Congresso Latino-Americano de Cognitivo-Comportamentais, ambos na Fábrica de Negócios – Hotel Praia Centro. Na edição anterior, o CBTC reuniu mais de mil participantes de todos os estados brasileiros. O objetivo é promover a discussão de temas fundamentais e inspirar pesquisas teóricas e práticas em relação à utilização de tratamentos empiricamente testados, dentro da multiplicidade de enfoques que surgem com grande velocidade na área da TCC. Ambos os congressos permitem uma visão ampla de todos os enfoques da TCC. O participante tem a chance de escolher, dentre inúmeras opções, as atividades que mais

Métodos terapêuticos

É sempre bom tomar conhecimento de novas técnicas que ajudam a melhorar a qualidade de vida de pessoas. Por isso, achei importante o depoimento da psicóloga Camilla Mezetto, publicado na edição 156. Conheci algumas crianças com autismo, e saber que a profissional em questão é especializada em “avaliações compreensivas” para indivíduos com esse problema, ou com “dificuldade de comunicação social e de desenvolvimento global”, é reconfortante. Até mesmo porque ela revelou duas metodologias terapêuticas: a terapia de troca e de desenvolvimento (TED) e o método Ramain. A primeira é indicada às necessidades de crianças pequenas com distúrbios de comunicação e interação, como nos quadros de autismo, e a segunda segue princípios das neurociências e é indicada para crianças, adolescentes e adultos com distúrbios emocionais, de aprendizagem e desenvolvimento. Recomendo a leitura. Cláudia dos Santos, por e-mail.

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Linha direta

O neurocientista, mestre e doutor em Bioquímica e Imunologia Marco Antonio Prado se dedica a pesquisas cientificas para compreender como e por que as mudanças moleculares e celulares em doenças neurodegenerativas causam falhas cognitivas, especialmente em doenças como Alzheimer. Prato foi reconhecido como parceiro de Guggenheim pela John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em 2004, e recebeu o Prêmio Acadêmico Faculdade da Universidade de Western Ontario (2013-2014). Em colaboração com sua companheira, Vânia Ferreira Prado, ele tem gerado novos camundongos geneticamente modificados para formular déficits neuroquímicos na demência, com foco particular para a doença de Alzheimer. Entrevista completa, publicada na edição 122. Acesse: www.psiquecienciaevida.uoul.com.br

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Lição de superação

Realmente emocionante o caso publicado no número 156 da Psique sobre a astróloga Denise Medeiros, que após muito sofrimento e superação, passou de doente desenganada a escritora. ser vê como uma verdadeira lição da vida, pois mostra que nunca devemos desistir de nossas coisas, especialmente da vida. Imagino como ela se sente depois de ver sua história se transformar radicalmente em apenas oito anos. Denise esteve à beira da morte em 2011 e quando começou seu livro não sabia se conseguiria terminá-lo, pois havia recebido o diagnóstico de miocardiopatia dilatada, uma doença gravíssima e progressiva do músculo cardíaco. Recebeu, como prognóstico, três meses de vida. No entanto, depois de quatro cirurgias e muitos processos, ela passou a viver sem os sintomas e o livro Onde o deserto Encontra o Mar é registro diário da sua trajetória. Vou ler. Carolina Prado, por e-mail.

A importância da boa alimentação. Não me surpreendi quando li na edição 156 que é cada vez mais frequente a queixa com relação à qualidade da alimentação dos filhos. A partir desse tema, surgem alguns questionamentos, sugeridos pelo artigo: como entender se é fase de crianças ou um transtorno que merece atenção e cuidados profissionais? devo forçar meu filho a comer o que não gosta? Deixá-lo com fome? em função das perguntas, tornam-se importantes algumas reflexões. É por meio de uma alimentação equilibrada que se garantem o crescimento físico e a qualidade do funcionamento do organismo. “Quando o processo de inserção e de adaptação alimentar é bem-sucedido, a crianças tem uma nutrição e desenvolvimento adequados. No entanto, quando problemas alimentares se instalam, essas variáveis podem ser colocadas em risco.” O material é muito informativo Rosa Maria Silveira, por e-mail.

PSIQUE CIÊNCIA & VIDA é uma publicação mensal da EBR – Empresa Brasil de Revistas Ltda. ISSN 1809-0796. A publicação não se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados ou por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo esse último de inteira responsabilidade dos anunciantes. www.portalespacodosaber.com.br

Ano 12 - Edição 157 Ethel Santaella DIRETORA EDITORIAL PUBLICIDADE GRANDES MÉDIDAS E PEQUENAS AGÊNCIA E DIRETOS publicidades@escala.co.br REPRESENTANTES interior São Paulo L&M Editoração; Luciene Dias – Paranã: YouNeed, Paulo Roberto Cardoso – Rio de Janeiro. Marca XXI, Carla Torres, Marta Pimentel – Santa Catarina; Arthur Tavares – Regional Solução Publicidade, Beth Araujo. www.midiakit.ecala.com.br COMUNICAÇÃO, MARKETING E CIRCULAÇÃO GERENTE: Paulo Sapata IMPRENSA – comunicacao@escala.com.br VENDAS DE REVISTA E LIVROS AVULSOS (+55) 11 3855-2142 – atendimento@escala.com.br ATACADO DE REVISTA E LIVROS (+55) 11 3855-2275 / 3855-1905 – vendas@escala.com.br Av. Profº ida Koth, 551 Casa Verde, CEP 02518-000, São Paulo-SP, Brasil Tel: (+55) 11 3855-2100 Caixa Postal 16.381, CEP 0215-970, São Paulo-SP, Brasil FILIADA À

Conselho editorial: Aicil Franco épsicóloga, mestre doutora em Psicologia Clínica pela USP. Professora no IJBA e na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BH. Ana Maria Feijoo é douto em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de livros e artigos científicos, parecerista de diversas revistas e responsável técnica do Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do RJ. Ana Maria Serra é PhD em Psicologia e terapeuta cognitiva pelo Institute of Psychiatry, Universidade de Londres. Diretora do Instituto de Terapia Cognitiva (ITC), atua em clínica, faz treinamento, consultoria e pesquisa Presidente honorária, ex-presidente e fundadora da ABPC. André Frazão Helene é biólogo, mestre e doutor em Ciência na área de Neurofisiologia da Memória e Atenção pela Universidade de São Paulo, onde também é professor no curso de Biociência e coordena o Laboratório de Ciência da Cognição no Instituto de Biociências. Cláudio Vital de Lima Ferreira é psicólogo, doutor em Saúde Mental pela Unicamp, pósdoutorado em Saúde Mental pela Universidade de Barcelona-Espanha, professor associado de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Autor de Aids e Exclusão Social. Denise Tardeli, graduação em Psicologia e Pedagogia. Mestrado em Educação e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, ambos pela USP. Pesquisadora na área da Psicologia Moral e Evolutiva. Professora universitária. Denise Gimenez Ramos é coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica.

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Karin de Paula, Psicanalista, doutora pela PUCSP, professora e supervisora clínica universitária e do CEP, autora do livro $em? Sobre a Inclusão e o Manejo do Dinheiro numa Psicanálise, e de vários outros artigos publicados. Liliana Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com pós-graduação em Psicoterapia Cognitiva Construtivista. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento. Atua em clínica e consultoria. Liliana Liana Liviano Wahba, psicóloga, PhD, professora da PUC-SP. Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Coeditora da Revista Junguiana. Direto de Psicologia da Ser em Cena – Teatro para Afásicos. Maristela Vendramel Ferreira é doutora em Audiologia pela University of Southampton – Inglaterra, mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP, especialista em Psicoterapia Psicanalítica pelo Instituto de Psicologia da USP. Moônica Giacomini, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar – biêno 2007/09. Especialista em Psicologia Hospitalar, psicóloga clínica junguiana, psicóloga do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HCFMUSP e supervisora titular do Aprimoramento em Psicologia Hospitalar em Ortopedia. Paula Mantovani é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista, psicanalista, consultora editorial do programa de entrevistas da FNAC e membro correspondente do Espaço Moebius de Psicanálise de Salvador (BA). Pedro F. Bendassolli é editor da GV Executivo, psicólogo graduado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em Psicologia Social pela USP. É também professor da Fundação Getulio Vargas e da ESPM.

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Distribuída pela Dinap S/A – Distribuidora Nacional de Publicações. Rua Dr, Kenkiti Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – São Paulo – SP Março/2019 REALIZAÇÃO:

Rua Ascensional, 172 - conjunto 21 - Morumbi - São Paulo - SP CEP - 05713-430 - Telefone (11) 3475-8732 Editora: Glácia Viola Edição de arte e diagramação: Monique Bruno Elias Colaboraram nesta edição: Daniele Vnzan; Denise Maria Perissini; Emanoele Freitas; Fabiane Matias; Lucas Vasques Pefia; Marta Rivas; Thiago Domingues. REVISÃO - Jussara Lopes. COLUNISTAS: Anderson Zenidarc; Carlos São Paulo; Denise Derschmps; Eduardo J. S. Honorato; Elaine Cristina Siervo; Guyido Arturo Palomba; João Oliveira; Júlio Furtado; Luiza Elena L. Ribeiro do Vale; Marco Callegaro; Maria inere Maluf; Michele Muller; Mõnica Portela; Nicolau José Maluf Jr; Renata Bento. O Conselho editorial e a Redação não se responsabilizam pelos artigos e colunas assiandos por especialistas e suas opiniões eles expressas.

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Psiquiatria Forense

PAI da Medicina Legal A obra de paulo zacchia serviu de inspiração de 200 anos, porém, na última década praticamente nenhum novo tratado sobre a especialidade foi editado Por Guido Arturo Palomba

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á 360 ano morria Paulo Zacchia. Poucos médicos tiveram tanto prestígio em vida e reconhecimento quanto ele. Era médico do papa e legumperitu (jusperito) dos tribunais eclesiásticos que, à época, eram chamados de Rota Romana (judicava causas eclesiásticas e profanas, de Roma e do Estado Pontifício). Paulo Zacchia escreveu monumental obra de Medicina Legal, Quaestionum medico-legalium, o primeiro grande tratado sobre várias áreas da Medicina Legal, entre elas a que mais tarde se chamaria Psiquiatria Forense, Por esse motivo é considerado o Pai da Medicina Legal, da Psiquiatria Forense e dos Peritos. A obra completa foi escrita entre 1621 a 1657, dividida originalmente em nove livros. O Livro 2, Título 1 chama-se Da Demência a dos Males da Razão e nele constam, pela primeira vez na história, questões de Psiquiatria Forense que, lidas à distância de centúrias, ainda guardam ensinamentos precisos, Lá encontram-se doenças psiquiátricas modernas, por exemplo a epilepsia, os efeitos mentais dos traumatismos de crânio, os maníacos, os ébrios e assim por diante. A obra de Zacchia serviu aos peritos por cerca de 200 anos. Depois dela vieram Frenologia Forense (1865), de De Livi; a seguir, Tratado de Medicina

Legal do Alienados (1866), de Auguste Morel; mais adiante, Estudo Médico-legal Sobre a Loucura (1872), de Ambroise Tardie. Mas foi o Tratado de Psicopatologia Forence (1897, ano da edição italiana), de Richard von Krafft-Ebing, o primeiro a dar à Psiquiatria Forense o status de saber autônomo, distinto da Psiquiatria e da Medicina Legal. Interessante notar que a partir daí vieram vários outros livros sobre a matéria, em diferentes países, pouco mais ou menos na mesma época. O primeiro brasileiro foi Esboço de Psychiatria Forense (1904), de Francisco Franco da Rocha. A história da Psiquiatria Forense, a bem ver, pode ser contada pelas publicações clássicas que lhe são próprias, registros de um modo de pensar sobre os misteres da Psiquiatria e do Direito, no ponto em que se articula o “discurso” médico com o “discurso” jurídico. Agora, em pleno século XXI, pergunta-se: onde estão os atuais tratados dessa área? Resposta: sumiram do mapa, ou seja, são cada vez mais raros, senado certo que na última década praticamente nenhum novo tratado sobre a especialidade foi editado no mundo ocidental. Isso explica-se pela agonia da psicopatologia, durante golpeada pelos ditos instrumentos e protocolos de exame do doente mental, dominantes há quase duas décadas, que ditam os padrões atuais de diagnostico, os quais se encaixarão na Classificação Internacional de Doenças (CID) e no arremedo americano, Manual Estatístico e Diagnostico (DSM, sigla em inglês). Porém, a história, que é longa e secular, certamente mostrará no futuro que a especialidade voltou a se fecundada. Quando isso acontecer, a CIS e o DSM estarão desnudos, a mostrar os seus redondos símbolos da decadência do saber psiquiátrico contemporâneo. Talvez leve ainda algumas gerações até tal ocorrer, mas, fatalmente, a ciência fina e sensível voltara a ver o homem como ele é: um ser completo, de corpo e psique indivisível, inserido no meio social, como o Pai dos Peritos, há 360 anos, concebia.

Guido Arturo Palomba é psiquiatra forense e membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo.

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