Revista Conceitos n 26

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ConCEITOS ISSN 1519-7204 N. 26 (Jan.Jul 2018) 124 páginas Ricardo de Figueiredo Lucena Cristiano Bonneau Ricardo da Silva Araújo (Orgs.)

João Pessoa - Paraíba - Brasil Publicada em Out.2018


A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos, produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB - Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba.

C744

Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena, Cristiano Bonneau e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.). – Vol. 1, n. 26 (Jan.Jul 2018) - João Pessoa: ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2015. 124 p.

Semestral ISSN 1519-7204 1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo de Figueiredo. II Bonneau, Cristiano. III. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB. CDU: 378


ConCEITOS É UMA PUBLICAÇÃO DA ADUFPB/SSIND. DO ANDES-SN Centro de Vivência d

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CONSELHO EDITORIAL: Albergio Claudino Diniz Soares (UFPB) Albino Canelas Rubin (UFBA) Beatriz Couto (UFMG) Galdino Toscano de Brito Filho (UFPB) Ivone Pessoa Nogueira (UFPB) Ivone Tavares de Lucena (UFPB) Jaldes Reis de Meneses (UFPB) Lourdes Maria Bandeira (UnB) Luiz Pereira de Lima Júnior (UFPB) Maria Otília Telles Storni (UFPB) Maria Regina Baracuhy Leite (UFPB) Mário Toscano (UFPB) Martin Christorffersen (UFPB) Mirian Alves da Silva (UFPB) Ricardo de Figueredo Lucena (UFPB) Vanessa Barros (UFMG) Virgínia Maria Magliano de Morais (UFPB)

ORGANIZAÇÃO

Ricardo de Figueiredo Lucena Cristiano Bonneau e Ricardo da Silva Araújo EDIÇÃO, PROJETO GRÁFICO

E DIAGRAMAÇÃO: Ricardo Araújo  FOTOS/ILUSTRAÇÕES/GRÁFICOS:

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(Bibliotecária da Biblioteca Central da UFPB).

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JORNALISTAS RESPONSÁVEIS: Renata Ferreira (DRT/PB 3235) Ricardo Araújo (DRT/PB 631) Maurício Melo (DRT/PB  COLABORAÇÃO E LOGÍSTICA:

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Marcelo Barbosa   DISTRIBUIÇÃO, CIRCULAÇÃO E PUBLICAÇÃO:

Gratuita e dirigida aos filiados do sindicato, disponibilizada digitalmente no site da ADUFPB

 NÚMEROS ANTERIORES: A ADUFPB disponibiliza no site do sindicato (www. adufpb.org.br), na seção Revistas, todos as edições da Revista Conceitos em formato digital (PDF), que podem ser adquiridas gratuitamente (downloads) para consulta.


32º DIRETORIA EXECUTIVA DA ADUFPB - GESTÃO 2017/2019 PRESIDENTE CRISTIANO BONNEAU (CCAE)

DIRETORA PARA ASSUNTOS DE APOSENTADORIA TEREZINHA DINIZ (CE)

VICE-PRESIDENTE FERNANDO JOSÉ DE PAULA CUNHA (CCS)

SUPLENTE DA SECRETARIA GERAL AZAMOR CIRNE DE AZEVEDO FILHO (CCSA)

SECRETÁRIA GERAL FRANCILEIDE DE ARAÚJO RODRIGUES (CCS)

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TESOUREIRO MARCELO SITCOVSKY SANTOS PEREIRA (CCHLA)

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DIRETOR DE POLÍTICA EDUCACIONAL E CIENTÍFICA LUIZ TADEU DIAS MEDEIROS (CT)

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DIRETOR DA SECRETARIA-ADJUNTA DE BANANEIRAS MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA NETO (CAVN)

DIRETOR CULTURAL ARTURO GOUVEIA DE ARAÚJO (CCHLA)

SUPLENTE DA SECRETARIA-ADJUNTA DE BANANEIRAS SÉRGIO MURILO RIBEIRO CHAVES (CAVN)

DIRETORA DE DIVULGAÇÃO E COMUNICAÇÃO MARIZA DE OLIVEIRA PINHEIRO (CCTA)

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DIRETOR DE POLÍTICA SINDICAL ROMILDO RAPOSO FERNANDES (CE)

SUPLENTE DA SECRETARIA-ADJUNTA DO LITORAL NORTE BALTAZAR MACAÍBA DE SOUSA (CCAE)


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regulamento são transcritos exemplos de referências de diversos tipos de materiais. 7) Ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, etc.). As imagens publicadas na Revista Conceitos são impressas em preto e branco. Devem estar inseridas no corpo do texto para indicar sua localização para a diagramação do artigo, acompanhadas de legendas caso seja necessário, e com a indicação: Figura 1, Figura 2, Figura 3... Os arquivos de fotografias digitais, ilustrações ou gráficos devem ser enviados separadamente no corpo do e-mail do autor. Devem ter boa resolução e legibilidade, nomeadas conforme as legendas no artigo (Figura 1, Figura 2, Figura 3). As ilustrações devem permitir uma perfeita reprodução. É importante indicar a fonte ou crédito de autoria da imagem, seja ela ilustração, gráfico ou fotografia. A ADUFPB não se responsabiliza por reprodução de imagens não autorizadas pelos autores. 9) Notas de rodapé As notas de rodapé deverão ser citadas de acordo com as normas da ABNT. http://www.trabalhosabnt.com/regras-normas-da-abnt-formatacao/nbr-6023 10) Observações: a) Nos artigos inscritos, utilizar itálico somente para palavras estrangeiras. b) Os trabalhos que não atenderem a estrutura proposta pelo Conselho Editorial poderão ser devolvidos aos autores a critério do Conselho de Pareceristas, sem avaliação de mérito. 11) AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos encaminhados à Revista Conceitos serão avaliados, individualmente, por três pareceristas ad-doc, reconhecidos por seu notório saber acerca dos temas inscritos. Para esta tarefa, será utilizado o sistema triplo cego e, com base nos pareceres obtidos, a Comissão Editorial emitirá um dos seguintes conceitos:

ESTRUTURA DOS TRABALHOS Os artigos deverão ser redigidos em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 e não devem exceder 15 páginas ou ser menor que 10 páginas, incluindo os títulos, resumos, palavras-chave, ilustrações, fotos e referências bibliográficas. Deve constar na estrutura dos trabalhos, a partir da primeira página: 1) Nome do(s) autor(es): Nome completo do(s) autor(es), seguidos de titulação*, local de atividade, e-mail para contato. (*) Esses dados podem ser incluídos no documento como nota de rodapé, sem numeração. 2) Título do artigo 3) Resumo e palavras chaves - Com até 100 palavras 4) Abstract e palavras chaves - Em língua estrangeira (inglês) 5) Texto propriamente dito 6) Referências A lista de referências deve ser ordenada alfabeticamente, alinhada à margem esquerda e colocada ao final do artigo, citando as fontes utilizadas. Para a melhor compreensão e visualização, no final deste

a) aprovado para publicação; b) aprovado com correções; c) rejeitado para publicação. Quanto aos trabalhos não aceitos o autor será comunicado da decisão. Os editores não assumem a responsabilidade por opiniões/conceitos emitidos em artigos assinados e matéria transcrita. Os editores se reservam o direito de selecionar os artigos para publicação; ouvir parecer de especialista para averiguar a qualidade do trabalho; proceder à revisão gramatical dos textos e fazer correções desde que não alterem o conteúdo. FORMA DE ENCAMINHAMENTO Os artigos devem ser enviados em formato digital exclusivamente para o e-mail da Comissão Editorial: revistaconceitos.adufpb@gmail. com. Sugerimos incluir na mensagem de e-mail um telefone (fixo ou celular) para uso do Conselho Editorial em caso de problemas no recebimento digital do arquivo. IMPORTANTE: Os editores não se responsabilizam por extravio de artigos enviados para outros e-mails de contato do sindicato. Qualquer dúvida, entrar em contato através do e-mail: revistaconceitos. adufpb@gmail.com ou adufpb@terra.com.br.


Sumário Revista Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jun. 2018)

PÁG. 11 APRESENTAÇÃO Prática pluralista do conhecimento PÁG. 12

PÁG. 79 Práticas de ensino, pesquisa e extensão: exercícios da docência no Campus III, Bananeiras-PB Vivian Galdino de Andrade

A comunicação sindical no contexto pós-moderno Carlos Cartaxo PÁG. 24 Infografia: De Leonardo da Vinci à Folha de S. Paulo: os caminhos para regidir graficamente David Fernandes Eugenia Victal Berbert PÁG. 39 A navegação da sexualidade no espaço virtual Luiz Pereira de Lima Junior PÁG. 54 Além do bayou: Kate Chopin e as fronteiras das relações humanas Jeová Rocha de Mendonça Isabella Dantas Vasconcelos da Silva PÁG. 67 Direito e Linguagem: diversidade da nomenclatura curricular da disciplina ‘Língua Portuguesa’ nos cursos de Direito no Brasil Daniel César Franklin Chacon

PÁG. 92 O terceiro movimento da sonata para trompete e piano, de José Alberto Kaplan: um modelo de processo intertextual Gláucio Xavier da Fonseca PÁG. 102 Reflexões sobre o projeto de extensão promoção da saúde em comunidades com ênfase na estratégia saúde da família: uma iniciativa multiprofissional e interdisciplinar José da Paz Oliveira Alvarenga Maria Aparecida Bezerra PÁG. 110 Exercícios terapêuticos na prevenção de quedas na doença de Parkinson Adriana Costa-Ribeiro Francilene Lira Matias PÁG.121 Considerações sobre o livro “O Bazar do Renascimento. Da Rota da Seda a Michelangelo” Elza Regis de Oliveira


APRESENTAÇÃO

Prática pluralista do conhecimento “(...) o consentimento bastante geral entre os homens constitui um indício, e não a demonstração de um princípio inato; a prova exata e decisiva desses princípios consiste em mostrar que a sua certeza só provém do que está em nós.” Leibniz, Novos Ensaios, 1710.

A Revista Conceitos é uma das marcas das ações políticas e culturais da ADUFPB: transdisciplinar e plural, a publicação é capaz de acomodar e promover as mais diversas áreas do conhecimento acadêmico da UFPB e de outras instituições, inclusive internacionais. Política, saúde, história, educação, arte, linguagem e direito estão reunidos nesta edição de número 26, que formaliza uma etapa importante da intelectualidade brasileira e se transforma em mais um instrumento de mobilização da categoria docente em tempos de incertezas para as instituições de pesquisa científica e educação superior. Esta 26ª edição da Revista Conceitos torna-se uma publicação especialíssima por dois motivos: o ano de 2018 marca os 40 anos da ADUFPB como seção sindical do ANDES-SN na Paraíba e o lançamento coincide com a proximidade de um pleito eleitoral que ocorre no Brasil marcado pelo acirramento das posições políticas e uma intolerância ideológica sem precedentes. O estreitamento e a banalização da política são traços importantes deste momento histórico. E o papel do sindicato, nesta conjuntura de expectativa obscuridade social, é resguardar as distintas posições que compõem sua matriz político-cultural e, sendo uma corporação de docentes, o de promover a luta e a defesa dos direitos, da democracia e das condições de trabalho dos professores e professoras filiados à entidade e dos trabalhadores brasileiros.


A Conceitos é a prova deste esforço diário, composto de todos os atores que compõem esta reconhecida seção sindical. Sua Diretoria Executiva, seu valioso corpo de filiados e o competentíssimo quadro de funcionários da ADUFPB afirmam o vigor conjunto e apresentam mais uma edição da revista para o público em geral. Dentro das comemorações alusivas aos 40 anos da ADUFPB, não poderia deixar de registrar alguns reconhecimentos simbólicos da construção de luta e força dessa entidade para a história: inicialmente, aos fundadores e fundadoras da seção sindical, por suas iniciativas e pelo legado de luta que fazem desta instituição não apenas história, mas, também, histórica; aos profissionais dos setores de Assessoria de Comunicação e Imprensa e à Secretaria Executiva, pela contribuição inestimável para a manutenção dessa importante publicação acadêmica da ADUFPB; à atual Diretoria Executiva da ADUFPB, na pessoa do diretor-decano desta gestão, professor Luíz Tadeu Dias Medeiros, que imprime incessantemente o movimento necessário à entidade em suas demandas de luta; às mulheres, representada pela professora Maria Aparecida Ramos de Meneses, que presidiu por três vezes a ADUFPB e tem sido uma inspiração para a luta de todas as mulheres; e, por fim, aos docentes filiados que fazem esta seção sindical, representados na menção especial ao professor Valdo Ribeiro Resende da Nóbrega, do curso de Libras do CCHLA-UFPB, o mais recente docente a se filiar em nossa instituição até a data de hoje (25/10/2018). A Revista Conceitos constitui-se em um documento que demonstra, em um só turno, a prática pluralista de nosso sindicato e a qualidade das pesquisas e da escrita de nossos docentes. Desejamos a tod@s uma excelente leitura. Cristiano Bonneau Presidente da ADUFPB

Os organizadores. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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Carlos Cartaxo1

A comunicação sindical no contexto pós-moderno RESUMO A comunicação tem passado por transformações na mesma velocidade que a tecnologia tem alterado o sentido rotacional das ciências, da cultura e das relações sociais no mundo real. Nesse contexto as organizações sindicais têm papel importante na garantia dos avanços nesse universo de mudanças que perpassa pela organização do/as trabalhadore/as desde a modernidade até a condição pós-moderna que nos rodeia. Há necessidade de adequar os recursos comunicacionais, como texto, conteúdo, discurso, narrativas e imagens às publicações que são veiculadas pelos sindicatos. O turbilhão de imagens que circula na mídia, cotidianamente, com informações múltiplas, nos induz a crer em “verdades” conceituais e estéticas que muitas vezes não são críveis. Os sindicatos precisam acompanhar essa revolução e fazer um contraponto com a perspectiva crítica para rever esses procedimentos de comunicação para que suas publicações reais e virtuais formem e informem o/as trabalhadore/as considerando o contexto pós-moderno em que estão inseridos. Palavras-chave: Comunicação; sindicalismo; pós-modernidade.

ABSTRACT Communication has undergone transformations at the same speed as technology has altered the rotational direction of the sciences, culture and social relations in real world. In this context, trade unions play an important role to ensure the progress of this changing universe that has permeated workers’ organizations, since modern until post modern times around us. There is a need to adapt communicational resources, such as: text, content, discourse, narratives and images, to Unions’ publications. The huge amount of images daily circulating in the media, with multiple pieces of information make us believe in conceptual, as well as aesthetical “truths” that, most often, are not credible. Trade Unions must follow up such revolution, and provide a counterpoint to critical perspective, in order to review such communication procedures, so that their real or virtual publications may form and inform workers, by considering the post modern context in which they are inserted. Keywords: Communication ; syndicalism; modernity.

1. Professor doutor, titular, Departamento de Comunicação, Campus I, UFPB. E-mail: carloscartaxo@yahoo.com.br

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Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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O conhecimento tem andado a passos largos nos últimos cinquenta anos, principalmente no que concerne a tecnologia e as ciências sociais e humanas. Nesse ímpeto uma das vertentes do conhecimento que tem chamado atenção ao Grupo de Pesquisa Arte, Comunicação e possibilidades narrativas da UFPB é, especificamente, o tratamento que é dado à comunicação pelas entidades sindicais. É do conhecimento de todos que o movimento sindical surgiu no Brasil no início do século XX. Na trajetória desse movimento, a comunicação tem sido um recurso determinante para a veiculação das informações e, consequentemente, fortalecimento das lutas em prol da classe trabalhadora. É importante salientar que “para esse tipo específico de produção jornalística, a notícia não exerce o papel de mercadoria, mas de ferramenta de mobilização e formação política dos trabalhadores” (MEDEIROS E DOMINGUES, 2015, P. 01). Resta-nos saber se esse papel está sendo cumprido nesse início de século XXI. Existem concepções diversas de como se organizam, politicamente, os sindicatos. Da concepção liberal, passando pela concepção social-democrata a concepção revolucionária. De fato e de direito, os sindicatos deveriam ser organizados com base na pluralidade da categorias profissionais, nunca se configurar como sendo instituições monolíticas, mas plurais e heterogêneas no que concerne a configuração política. Esta diversidade ideológica nos sindicatos remete-nos à necessária distinção entre imprensa sindical, imprensa proletária e imprensa operária que, distante de ser apenas um jogo semântico, é na verdade um aparato conceitual fundamental para prosseguirmos na análise da imprensa sindical e seus desdobramentos (CARVALHAL, 2000, p.123).

A distinção dos tipos de imprensa no seio do movimento sindical deve ser atualizada ao contexto da comunicação hoje. Não é objetivo desse artigo, estender o debate sobre a questão semântico e/ou ideológica se o movimento é de operário ou de trabalhador. Também não é nosso foco dirigirmos o debate para uma matriz ideológica dos organizadores desta imprensa. A questão é: a comunicação do seio do movimento sindical está sendo eficiente quanto à emissão e recepção de mensagens para seus filiados? Há longos debates quanto às formas de comunicação e a eficiência destas entre o emissor e os receptores nas entidades sindicais. Essa é uma questão atual que envolve culturas e tecnologias, por isso deve ser contextualizada levando em consideração à transição da modernidade à pós-modernidade. Quando o foco é a comunicação no universo sindical, esse debate escapa como se o tema fosse inexistente, assustador para os cânones do sindicalismo. Há trabalhos publicados com esse assunto, mas as organizações sindicais não vêem essas produções como importantes, tendo em vista que as teorias multiculturais não cabem no seio do sindicalismo. Compreender que a comunicação é um carro que leva informações em alta velocidade, significa quebrar paradigmas que há décadas estão comodamente insConceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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talados. É mais fácil crer que o sistema de comunicação no universo sindical deve se processar como o tradicional pombo correio. É fato o esvaziamento dos sindicatos que a cada dia reduzem o número de filiados e o poder de arregimentar grandes massas, de construir movimentos que levem multidões às ruas. Os motivos para tal desarticulação são muitos. Apesar da riqueza de estudos que essa questão possibilita, aqui foco na abordagem que a comunicação merece no seio do movimento sindical. Analiso os Boletins informativos do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior no Brasil pela ótica evolutiva da representativa de conteúdo político, gráfico e artísticos dos últimos trinta anos. Teoricamente opto pela concepção de Fredric Jameson que estamos vivendo uma condição pós-moderna, embora haja a compreensão de que a modernidade continua viva e forte. É inegável que o eixo econômico que deu sustentação a modernidade foi o fortalecimento do capital a partir produção industrial. Nesse início de século XXI o eixo mudou, a produção industrial perdeu espaço para a indústria de serviços. Áreas como saúde, educação, entretenimento, seguridade, turismo e mercado financeiro, ou seja, sistemas de serviços, são forças econômicas que estão determinando políticas sociais, econômicas e culturais, inclusive atuando em ações de golpes de Estado, vide Paraguai e Brasil. Diante do quadro sistêmico político e econômico abro o debate no sentido de contextualizar a comunicação adotada pelo movimento sindical. Quando participei da diretoria da ADUFPB por duas gestões, uma como Diretor de Cultura; outra como Diretor de Comunicação, sempre insisti na tese de que o movimento sindical precisava se reinventar quanto ao sistema de comunicação com seus sindicalizados porque os tempos de condução da vida estavam acontecendo de forma diferenciada do que foi a cem, oitenta ou cinquenta anos. Alguns colegas não entendiam, nem entendem essa reflexão crítica. Partem do pressuposto de que os signos da luta atual eram os mesmos do passado. Essa questão é muito mais epistemológica que ideológica. O braço erguido com o punho cerrado (Figura 1) é um signo de luta, cujo significado remete a conquistas fruto dos conflitos da modernidade, o significante tinha sentido para aquele contexto; porém com o advento da sociedade individualizada, os signos são outros porque os significantes dizem respeito a uma sociedade líquida pela ótica conceitual de Zygmunt Bauman. Imagens com o punho erguido com a mão cerrada e o grito revolucionário (Figura 2) passaram a ser representadas através de criações serigráficas, muitas vezes com características e traços do movimento artístico da pop art, nas cores vermelha, lilás ou preto e branco. Tornaram-se signos de uma época rica em história, com movimento cultural efervescente; portanto recheados de significados. Todavia a história tem continuidade e hoje, final da segunda década do século XXI, o contexto é outro. Nesse momento a arte rompeu com a estética modernista, tomou novos rumos. Ganhou à rua, os muros e rompeu 14

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Figura 1

Figura 2

com os espaços formais dos museus, galerias e teatros. Uma nova identidade artística tomou forma e se apresenta ao público com característica renovadora quanto aos signos e objetos de massa. O cotidiano passou a ter valor artístico através de anúncios, rótulos, revistas, história em quadrinhos, fotos, pinturas de personalidades da mídia que deixaram de ser representado por signos da modernidade para interpretar a realidade livremente, o que significava ter novas formas, ou seja, se dava ao direito de deformar, fragmentar, abstrair, tornar grotesco e até incongruente (CARTAXO, 2015). É a revolução da imagem. O significante que o movimento sindical ainda não conseguiu compreender é que a essência da pós-modernidade é a felicidade. “‘viver em sociedade’ – concordando, compartilhando e respeitando o que compartilhamos – é a única receita para vivermos felizes (se não felizes para sempre)” (BAUMAN, 2008). A felicidade é que deve ser o conteúdo substancial da luta. Perceber isso parece impossível porque corresponde a quebra de paradigmas intransponíveis. O difícil é compreender a concepção de Bauman de que as sociedades, de modo geral, são fábricas de significados. Esse entendimento se torna complexo; na maioria dos casos inaceitáveis porque há resistência, e até negação, a quebra do paradigma de que os significados são barcos que navegam em vários sentidos, com ventos diversos em mares, rios e lagos que muitas vezes desconhecemos. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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O ANDES e a ADUFPB O ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior no Brasil foi fundado em 21 de fevereiro de1981, em Campinas, São Paulo, como a Andes - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior. Era um momento político significativo para a história do Brasil, pois foram os últimos anos de uma ditadura que passou a governar o Brasil através do golpe militar em março de 1964. Naquele momento as universidades brasileiras estavam ampliando seus horizontes físicos e científicos, tornando efervescente o debate pedagógico, tecnológico, político e cultural. A sociedade, através de suas entidades representativas de classe, participava ativamente da luta em prol das eleições diretas e, consequentemente, o retorno à democracia com o fim do governo militar. Em 26 de novembro de 1988, após a promulgação da constituição de 1988, a Associação passou a ser chamado de o Andes – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. A estrutura universitária estava organizada em Centros de Ensino. Para representação estudantil havia o DCE – Diretório Central dos Estudantes e os DAs – Diretórios Acadêmicos, representação estudantil em cada Centro de Ensino. Eu fui o último presidente do Diretório Acadêmico do Centro de Tecnologia da UFPB porque os DAs, no final da década de 70, século XX, foram transformados por CAs – Centros Acadêmicos que tinham representatividade por curso. Na época eu cursava Engenharia Mecânica. A organização da representação estudantil se ampliou, passando a ser por Curso e não mais por Centro. Essas entidades faziam parte oficialmente no organograma da Universidade. Surpreendentemente, dentro do organograma da universidade não havia a representação dos docentes; assim como é até hoje. A organização representativa dos docentes, na UFPB, se deu com a criação da ADUFPB – Associação dos Docentes da Universidade Federal da Paraíba em outubro de 1978. A primeira diretoria foi constituída por uma Comissão Provisória composta por: Sandro Meira como Presidente, Paulo Ignácio Fonseca de Almeida como Secretário e José Ronald Farias de Lacerda como Tesoureiro. A Comissão era também composta pelo/as professore/as Maria Tereza de Mello Campello, Mourad Ibrahim Belaciano, Paulo Ramos Coelho Filho e Vanderlei Américo Amado. A primeira diretoria eleita tomou posso em dezembro de 1978 composta por Sílvio Frank Alem como Presidente, César Augusto Bonato como Primeiro Vice-Presidente, Cláudia Marina V. Bravo como Segunda Vice-Presidenta, Maria Tereza de Mello Campello como Primeira Secretária, Maria Emília Mendonça de Morais como Segunda Secretária, Paula Frassinete Lins Duarte como Primeira Tesoureira e João Batista Freire da Silva como Segundo Tesoureiro. A história é um fator determinante quando olhamos o passado e o presente de nossas entidades representativas e nos indagações sobre nosso futuro. Esse conhecimento histórico é determinante para analisarmos os avanços e os retrocessos. Nesse 16

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sentido foco na comunicação como luneta que diagnostica a amplitude ética dos nossos trabalhos e dos avanços profissionais e políticos da categoria dos professores.

CRIAR PARA QUÊ?

Comunicar poderia ser sinônimo de criar. Essa assertiva não cabe na concepção ideológica do movimento sindical. Criar para que se é mais fácil repetir os signos de cinquenta anos, ou melhor, de cem anos? Criatividade é natural do ser humano. Essa é uma dádiva dos seres pensantes. Se vamos comprar uma roupa escolhemos uma que não seja repetida; se faremos um passeio vamos para um lugar diferente; se vamos ler um livro, é natural escolhermos um que ainda não lemos. Mas com o movimento sindical, não; tudo tem que ser como antigamente, mesmo que as pessoas mudem, o tempo mude, a história mude, os valores mudem e as mudanças sociais aconteçam. A representatividade tem que ser a mesma. Isso tem nome: crise de identidade, complementando de forma simplificada e irônica, crise de criatividade. A ciência demonstra o quão necessário é estimular a criatividade para alicerçarmos novas conquistas. A comunicação comprova o quão necessário é preparar-nos para a leitura visual, para decodificarmos com conhecimento os novos códigos que nos são impostos, cotidianamente, para consumo, crenças e convivências. Precisamos de alfabetização visual para leitura do mundo atual. Apesar do exposto, muitos seguimentos sociais insistem em desconhecer que essas informações são científicas e que há comprovação do quanto são indutores os novos códigos que nos controlam no dia-a-dia. Então trabalhar com criatividade para atingirmos o maior número de agentes leitores e motivá-los a mergulhar no propósito que comunicamos ou permanecer comunicando como se estivesses emitindo mensagens para nossos bisavós? Ao debater o tema com colegas da comunicação nos sindicatos, a primeira questão que vem a tona é: Falar é fácil, fazer é que é difícil, dê sugestões! A sugestão é estudar e se capacitar para compreender o momento que estamos vivendo, suas nuances políticas, técnicas, sociais e culturais. Aprender a trabalhar com as possibilidades de tratamento das ferramentas analíticas que contribuem para identificar os problemas oriundos dos fenómenos emergentes. É necessário conhecimento para abordagens técnicas e posterior criação. O caminho inicial é dominar o campo de estudo da cultura visual; como consequência se preparar para leituras e releituras visuais, ou seja, decodificar os signos cujos significados estão presentes no universo dos sujeitos receptores da informação. O próximo passo é estudar as perspectivas semióticas, seus objetivos e seus alcances. É inocuo criar algo que não irá atingir o público alvo leitor da informação. Então, se acontece um dado fenômeno e este deve ser transformado em uma Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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informação, é necessário transformá-lo em um objeto de trabalho analítico. Para isso se deve discutir as opções metodológicas possíveis para a efetivação da pesquisa de imagens adequadas à informação, considerando os marcos teóricos que se enquadram no estudo. Outro ponto a ser debatido deve ser o estabelecimento de critérios para seleção da imagem, ou seja, considerar a melhor adequação entre os objetivos do trabalho e a abordagem que se quer veicular. Esse processo exige conhecimento e, consequentemente, revisão de conceitos necessários para a análise das imagens e para a discussão sobre estas e os textos a serem trabalhados. Os conteúdos a serem considerados são: discursividade, produção de sentido, condições de produção, identidade, intertextualidade, metadiscursividade, gênero, estilo, motivo e relações com movimentos artísticos e tema.

DISCURSO E CONTEÚDO

Um dos princípios da comunicação é a transmissão de mensagem de um emissor a um receptor de forma que este último decodifique a mensagem e retorne a compreensão para o emissor de forma que este retroalimente a mensagem veiculada. Como método de verificação surge à questão básica: será que as mídias, impressas ou virtuais, produzidas nos sindicatos estão comunicando a contendo? Não estão. Os boletins e jornais se tornam pilhas de papeis sobre mesas e em prateleiras. A interação com as mensagens produzidas para internet são pouco acessadas e muito menos debatidas. Com esse quadro não há o que pensar, faz-se necessário criatividade para se mudar as estratégicas de comunicação. A preparação de uma mensagem para veicular um conteúdo vai muito além do que o domínio do referido conteúdo. Sabe-se que em todo discurso há uma dosagem de poder. Também se encontra vaidade e ímpeto hegemônico na narrativa estabelecida. Essa é uma questão de relação de poder, Michel Foucault que o diga. Para que haja hegemonia na narrativa é constituída uma relação vertical de poder. Aqui quem escreve se orgulha do seu texto, ou melhor, do discurso, cuja narrativa parte do pressuposto que o leitor é um ser inferior, um aprendiz. A articulação da mensagem emitida que deve retornar para o emissor com novas impressões, não acontece. A partir de uma perspectiva crítico-analítica, esse procedimento que torna a narrativa imperativa e verdadeira, do ponto de vista político, cria barreiras entre as conexões interpessoais e culturais, impondo, ideologicamente, uma verdade que deve ser pensada, dita e proferida como discurso a ser crível e aceito. As regras estabelecidas nesse processo são autoritárias, impostas na ordem da sapiência superior à inferior; narrativas de verdades determinantes que impõe à formatação do discurso posicionado verticalmente 18

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(FOUCAULT, 2008); literalmente de cima para baixo, tendo como objetivo a imposição da autoridade política, cujo discurso deve ser a própria verdade que representa, na íntegra, o todo do discurso institucional de uma categoria. Parece ser uma contradição ter bons impressos, boletins e jornais, uma boa página na internet, enviar correios eletrônicos e saber que estes são pouco lidos, que estas mensagens contribuem pouco para fazer com que a base sindical participe das ações do sindicato. Analisando pela ótica discursiva pós-moderna, encontro amparo teórico nas concepções foucaultianas. Para este pensador francês, é a partir da história das ideias que se reconhece os dois tipos ou níveis de contradição: o primeiro é nível das aparências, identificado na unidade profunda do discurso; o segundo é o nível dos fundamentos, que dá lugar ao próprio discurso. (FOUCAULT, 2008, p. 170). Nesse sentido a aparência de um discurso profundo, nem sempre é aquela que tem a profundidade para comunicar a essência da informação; e os fundamentos do conteúdo do discurso nem sempre vêm com uma criação estética que tenha o mesmo impacto criativo e provocativo que a mensagem exige. Se o discurso se repete e aparenta novo, mas o tratamento visual apresenta uma estética antiga, a criatividade da composição imaginética não reforça a importância do conteúdo que provoca o leitor a mergulhar na leitura. Nem sempre o que aparenta é! Esse bordão pode e deve ser levado a sério pelos meios de comunicação porque não deve haver distância entre a realidade contextual e o cotidiano do leitor. A superação desses procedimentos, ditos contraditórios, deve ser estudada a partir de três aspectos: 1. O que se falava; 2. Como se falava; e 3. Para quem se falava. Analisando os INFORMANDES de anos passados e os atuais, constatei que os anos passaram, todavia esse canal de comunicação continua com a mesma estrutura visual e a mesma narrativa discursiva. É claro que as concepções teóricas com base em um passado não tão distante, como por exemplo, a análise marxista sobre as relações de classe e os conflitos sociais, continuam atualíssimos; assim como a teoria crítica da Escola de Frankfurt, principalmente a ação comunicativa de Jürgen Habermas. Mas não podemos desconsiderar que o presente tem passado por mudanças bruscas que exigem leituras, significações e quebra de paradigmas no que concerne ao conteúdo e a forma dos canais de comunicação dos sindicatos.

SER OU NÃO SER PÓS-MODERNO?

Compreendo que no meio sindical há resistência quando a proposta é criar canais com linguagens pós-modernas para um público que vive sob uma condição pósmoderna. Esse comportamento é natural porque muita gente parte do pressuposto de que a pós-modernidade é mais um atentado ao marxismo, e que os marxistas não são Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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pós-modernos. Alguns se negão a serem pós-modernos, embora não vivam sem internet, sem o consumo da indústria dos serviços, característica econômica e mercadológica da pós-modernidade. Há um conflito que muitos interpretando como sendo ideológico, o que não deixa de ser verdade; contudo é muito mais conceitual. O mundo vive uma condição pós-moderna. Desde a década de 50 do século XX que essa transformação vem se estabelecendo seja na tecnologia, na psicanálise, nas artes ou na economia com o advento da indústria de serviços. O capital ganha muito mais no mercado financeiro que no mercado produtivo. “A pós-modernidade é como um beija-flor que voa ao passado para trazer o pólen que se junta aos problemas do presente, contextualizando o imbróglio do cotidiano... como, por exemplo, a contaminação do meio -ambiente, a discriminação racial e a igualdade de gênero. Essa junção de tratamentos ideológicos, culturais e sociais, desperta para uma nova ordem que provoca uma análise crítica e desencadeia atitudes construtivas, colocando a sociedade defronte do tão sonhado progresso que a industrialização tanto propagou” (CARTAXO, 2015, p 232).

A condição pós-moderna é uma realidade que vem sendo construída através de processos de rupturas como as mudanças que foram determinantes para a situação que vivemos hoje. Por exemplo, no século XX, em 1953, houve a descoberta do DNA, condição que colocou a sociedade diante da biologia molecular. A revolução do chip se deu em 1957, o que resultou na transformação dos grandes computadores em micros. Na continuidade do processo evolutivo, surgiram nos anos 60, os tão conhecidos self-service, rock, anticoncepcional, motel, minissaia, etc. Nos anos 90, surgiram os surpreendentes celulares. No século XXI os avanços tecnológicos vieram com o Mp3, o iPod, iPad, entre outras inovações revolucionária que fortaleceram mais uma característica determinante da pós-modernidade que é a individualização dos sujeitos. Com esse procedimento acentuam-se as diferenças sociais. Os sonhos se chocam com a impossibilidade de consumo. A pós-modernidade é uma condição presente que não se pode fugir. Só nos resta enfrentar e conviver com ela, sem perder a criticidade. Como esse processo significa a substituição da civilização industrial pela pós-industrial, significa que se faz necessário a contextualização para se efetivar releituras políticas, sociais e estéticas nos contextos, também, sindicais. Acredito que a essência da pós-modernidade pode ser justificada com fatos como: 1) a preferência e fetiche com a imagem ao invés do objeto; 2) opção pela cópia ao original; e 3) aceitação da reprodução técnica (simulacro) ao real (SANTOS, 1986). Com base nessas afirmativas, partimos da compreensão de que a comunicação precisa optar pelo caminho que aponta à condição pós-moderna porque comunicar não é panfletar, é muito mais; é dialogar; é se fazer ouvir; marcar presença; determinar e demarcar espaços. É “empregar... elementos pertinentes de descrição real, mas com astúcia, subvertendo as palavras, transfigurando a forma banalizada, superficial, em 20

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benefício do sentido profundo, com a convicção de que se algumas fórmulas se disseminam no tecido social é por encontrarem substância no existente” (MAFFESOLI, 2003). O argumento de Michel Maffesoli é de que para se comunicar bem há necessidade de fazer a mensagem vibrar, é falar do mundo na sua totalidade, mas projetando a informação aos outros. Não à vaidade de escrever de si para si, mas para o receptor de forma que este se sinta parte da matéria que é o objeto da comunicação. É evidente que essa abertura e ruptura na forma de comunicar significa ser plural, se abrir para pensar o diferente com relação às informações veiculadas. É fazer com que o leitor se torne parte da informação, esteja próximo; para isso deve-se informar de maneira que o leitor/receptor se sinta interessado porque a informação lhe diz respeito. Por exemplo, a instalação de Alexandrino de Souza “Sob os paralelepídos, a praia: o poético e o político em Maio de 68 na França” (Figura 3), sobre os 50 anos do significativo movimento “Maio de 68”, realização da ADUFPB, com trabalho gráfico de Ricardo Araújo, exposta no Centro de Vivência da UFPB em maio de 2018, é uma forma de comunica(ação) do sindicato cujo modelo tem como pauta uma expressão artística que foge da forma repetitiva e do simbolismo arcaico que há décadas é apresentado como fórmula de se fazer política nos sindicatos.

Figura 3 - Exposição “Sob paralelepípedos, a praia”, promovida pela ADUFPB-SN Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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Para concluir, lembro Maffesoli quando esse argumenta que a comunicação é o elo que nos liga um ao outro, é a cola, o grude, a fita dupla-face do mundo pós-moderno. É evidente que essa compreensão não pode ser diferente, vale também para os procedimentos de comunicação do movimento sindical porque o sindicato somos nós, plurais, subjetivos, líquidos, diferentes e complexos. Cabe as direções sindicais convergir seu propósito de organização para aproximar todos aqueles que estão nos seus casulos da individualidade. Sem querer ser pretensioso, arrisco afirmar que as estratégias de comunicação nas organizações sindicais precisam ser viradas ao avesso. Passou da hora de virar a mesa! Para isso, os dirigentes precisam compreender que o sindicato não é apenas a cúpula da direção. A base sindical é a essência e a sustentação das conquistas dos trabalhadores. Portanto os veículos de comunicação têm que ser muito mais que apenas um bom texto escrito. Urge fazer com que o leitor se reconheça como parte da notícia/matéria. A essência da vida é a felicidade; então comunicar é tratar da parte sensível da vida sem ser amargo. “Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura”. Não preciso ser panfletário, muito menos sectário, para dizer que Che Guevara se comunicou com o mundo de forma poética porque a boa comunicação é aquela que toca a consciência, mas necessariamente o coração.

REFERÊNCIAS BAUMAN, Sygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed., 2008. CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa, Ed. CCTA, 2015. CARVALHAL, Marcelo D. A Comunicação Sindical Em Presidente Prudente/SP: elementos para uma “leitura” geográfica. Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Programa de Pós-Graduação em Geografia. Presidente Prudente-SP, 2000. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do saber. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2008. HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa II – crítica de la razón funcionalista. Madrid: Taurus, 2003. http://portal.andes.org.br/imprensa/manual/site/menu/historia.html. 18/05/2018 às 14:18 min.

consulta

JAMESON, Fredric. Posmodernismo y sociedad de consumo. In La postmodernidad, coord. de Hal Foster. Barcelona: Kairós, 2002. LYOTARD, Jean-François. (1998) A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio. MAFFESOLI, Michel. A comunicação sem fim (teoria pós-moderna da comunicação). 22

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Revista FRAMECOS. Porto Alegre, nº 20, abril, 2003. MEDEIROS, Beatriz A.; e DOMINGUES, Juliano M. A produção da notícia no jornalismo sindical: o caso da Central Única dos Trabalhadores em Pernambuco (CUT-PE). Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. Natal – RN, de 2 a 4 de junho de 2015. SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986. WWW.adufpb.org.br/site/ consulta 18/05/2018 às 15:00 min.

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David Fernandes 1 Eugenia Victal Berbert 2

INFOGRAFIA De Leonardo da Vinci à Folha de S. Paulo: os caminhos para regidir graficamente Uma imagem vale mais do que mil palavras. (Confúcio)

RESUMO Este trabalho apresenta um breve cenário acerca da infografia no jornalismo digital. Pesquisamos a partir das transformações na tecnologia, no perfil profissional e na relação com o público consumidor de notícia. Buscamos apresentar um conjunto de dados, pesquisas e análises que evidenciem a função do infográfico na mediação entre jornalista e leitor, relacionando os esboços de Leonardo da Vinci no século XVI aos infográficos introduzidos no Brasil pelo jornal Folha de S. Paulo no século XX, destacando a relevância da interação do jornalismo com áreas afins como design e marketing, além das mudanças que afetam o jornalismo sob diferentes aspectos e interferem na sua prática. O objetivo é estimular o estudo sobre a influência dos recursos gráficos na mensagem como elemento facilitador da compreensão e delinear a discussão acerca da necessidade de o profissional jornalista desenvolver conhecimentos mais profundos sobre a linguagem audiovisual no jornalismo digital, fornecendo dados que possam respaldar o desenvolvimento de projetos de pesquisa sobre o assunto. Palavras-chave: Infografia no Jornalismo. Jornalismo digital. Design e jornalismo.

1. Professor Doutor Titular na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Fundador e atual diretor do Centro de Comunicação, Turismo e Artes (CCTA/UFPB). E-mail: alltype17@hotmail.com 2. Mestranda em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: eugeniavictal@bol.com.br.

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ABSTRACT This paper presents a brief scenario about infographics in digital journalism. Researches were based on transformations in technology, professional profile and relationship with the news consumer. We have attempted to introduce a set of data, research and analysis that evidence the infographic role in the mediation between journalists and readers, by relating Leonardo da Vinci’s sketches in the XVI century, to the infographics introduced in Brazil by Folha de São Paulo newspaper in the XX century. We also tried to highlight the interaction of journalism with related areas such as: design and marketing, as well as the changes that affect journalism under different aspects and interfere with its practice. Our aim is to stimulate the study on the influence of graphic resources in the message as a facilitating element of understanding, in addition to delineate a discussion about the need for the journalist to develop a deeper knowledge of audiovisual language in digital journalism, thus providing supporting data for the development of research projects on the matter. Keywords: Infographics in journalism; digital journalism; design in journalism.

DO COMEÇO AOS MEIOS O filósofo Confúcio (552 a 479 a.c.), ao dizer que “a imagem vale mais do que mil palavras”, atenta para a relevância da linguagem imagética, fazendo menção à comunicação simbólica no ato de expressar conceitos de forma completa através das imagens. Os recursos imagéticos nos parecem substanciais no ato de influenciar a interpretação da mensagem e, de acordo com as pesquisas que serão apresentadas neste artigo, tais recursos parecem variar de acordo com a tecnologia disponível, de forma que veremos ilustrações de Leonardo da Vinci e da infografia digital, percebendo, em ambos os casos, a semelhança em detalhar e tentar compreender os fenômenos com o auxílio de imagens, afinal, conforme o conteúdo se apresenta, a interpretação pode ser influenciada em virtude dos recursos gráficos usados na sua composição (GUTENBERG, 2012). Isso por que, ao percebermos uma notícia, nos seus diferentes meios, entendemos que absorvemos a informação acerca daquele fato. De acordo com César (2008), o ideal é que imagem e texto se completem. O intuito deste estudo é repensar o jornalismo como ferramenta para compreensão do mundo, portanto, como agente social transformador. Para tanto, buscamos compreender a importância da apresentação dos fatos e como eles são narrados, almejando interlocução com o leitor. Afinal, a construção da narrativa, em seus elementos verbais e não-verbais parece-nos tão importante quanto o próprio fato. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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A arte do planejamento gráfico de jornais e revistas sempre foi um tema amplamente admirado entre os profissionais da área. Apesar de alguns incautos ainda considerarem uma atividade secundária, a reforma ou criação da estrutura que comportará o noticiário é tão importante quanto a própria notícia. Sem desmerecer o papel da notícia, que é elemento-chave de qualquer veículo de imprensa, de nada adianta um corpo editorial reluzente quando o trabalho desses profissionais é prejudicado pela maneira como é apresentado e organizado (ABREU, 2006). Com as multiplataformas nos suportes digitais, especialmente a internet, o projeto gráfico ganha destaque e complexidade, revelando-se até mesmo como arquitetura da informação, segundo André Abreu (2006): “Termos técnicos do design, como rough, ou rafe, agora se chama wireframe; o diagrama de fluxo informativo agora atende por blueprint e o leitor se tornou o usuário.” Tantas mudanças no perfil do consumidor de notícia alteram o fazer jornalístico, que acreditamos dever estar atrelado às mudanças também de comportamento do público e evoluções tecnológicas que interferem na interlocução. No jornalismo digital, já é frequente vermos textos e imagens se fundirem para dar corpo às mensagens, sejam em infográficos, capas elaboradas de jornais e revistas, páginas de portais jornalísticos e o amplo universo de canais de comunicação profissionais. O texto, simplesmente escrito, parece ter requerido elementos que ajudem a traduzir a mensagem de forma mais agradável e assertiva, tornando a leitura mais ágil e facilitando a compreensão pelo leitor. Esta necessidade é expressa por Peltzer (1991), através de Evane Cecílio e Everly Pegoraro: “A partir de 1980 que o jornalismo impresso começa a traçar novos rumos. Para satisfazer um público audiovisual, tentou-se adaptar o meio impresso a um projeto gráfico com uma linguagem mais visual, imitando os códigos informativos da televisão, apostou-se em uma diagramação mais agradável, onde o infográfico se torna um elemento importante auxiliando o leitor a compreender um assunto de forma mais fácil e rápida. O trabalho gráfico feito por jornalistas ingleses e norte-americanos nos anos 80 foi uma verdadeira revolução gráfica para os meios de comunicação.” (PORTAL ALCAR, 1991, P.5)

Com início nos anos 80 e consolidação nos anos 90, a introdução dos computadores nas redações brasileiras conferiu mudanças no ritmo da produção jornalística, refletindo, principalmente, na utilização da imagem nos meios, utilizando-se das possibilidades apresentadas pelos recursos da computação gráfica (VELHO, 2009, p. 03). Se, por volta do século XVI (quando não dispúnhamos de ferramentas tecnológicas como as temos no século XXI), a ilustração de artistas tais quais Leonardo da Vinci era utilizada nas pesquisas e narrativas, hoje, diferentemente, o leitor, já inserido nas mídias digitais, parece desfrutar de acesso aos mesmos recursos gráficos que os profissionais de comunicação. Para Velho (2009), isso significa uma ampliação sobremaneira na forma de os 26

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leitores assimilarem os sentidos dos elementos que formam a construção de uma mensagem jornalística. Assim, com um olhar mais apurado e exigente do leitor, o automatismo visual antes definido por maiúsculas e minúsculas, parágrafos e tabulações, blocos e pontuações, agora é uma verdadeira sintaxe visual. Para tanto, José Isaías Venera define: “A diagramação também ganhou ares de cientificidade. Saberes sobre quais áreas de uma página têm mais visibilidade, assim como a natureza dos signos na arte de persuadir para poder exercer poder na sociedade. O que vemos em um jornal é, antes mesmo, a orquestração de um outro olhar que objetiva regular os nossos processos de significação. Esse outro olhar não é de um indivíduo, mas a extensão de um campo de saberes elaborado ao longo do tempo […] “ (VENERA, 2015)

Como a internet se difundiu no país no final século XX, a utilização de ferramentas que complementem a mensagem visualmente através de dispositivos em rede é algo recente no jornalismo, que não dispunha de tantos meios tecnológicos até então. Apesar de ter surgido na década de 60, a popularização da internet só começou a acontecer no Brasil a partir dos anos 90, quando, em 1995, o Ministério das Telecomunicações disponibilizou o acesso à rede pela população no país, em ação conjunta com o Ministério de Ciências e Tecnologia (PORTAL EDUCAÇÃO, 2014). Esse acesso à rede mundial de computadores facilitou o surgimento dos infográficos, indo além do uso dos tipos e que combinam diferentes ferramentas na estrutura gráfica jornalística, ampliando a forma de gerar e expressar conteúdo, criando novas maneiras de significação. DE LEONARDO DA VINCI AOS SOFTWARES A interatividade digital acrescentou novas questões aos meios tradicionais. Havendo mais recursos disponíveis, complexificou-se, também, a habilidade de aplicação dos recursos pelo profissional jornalista. Na obra de Elizabeth Saad (2016), a autora propõe o debate acerca da aplicabilidade da inovação e tecnologia no campo comunicacional, especificamente no jornalismo, atentando para o fato de que “a visão de inovação tecnológica nestes primórdios esteve, geralmente, relacionada aos aspectos de aquisição de novas tecnologias e à busca de modelos de negócio que abarcassem a onda digital sem alterar os pilares já consolidados do business informativo.” Não se trata apenas de implantar novos recursos, mas inserí-los na rotina profissional, contextualizando-os. A tecnologia chegou às redações alterando o fazer jornalístico em relação aos meios disponíveis, representando potencial de ruptura em relação a processos industriais do campo jornalístico em todos os níveis, abrangendo, inclusive, as formas de narrativa. Assim, a relação entre inovação e jornalismo está se desenvolvendo gradualmente através dos processos de convergência e da adoção da comunicação em multiplata-

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formas. Sobre a resistência das empresas jornalísticas ao processo de inovação, Saad (2014) ressalta a resistência de o jornalismo absorver novas tecnologias, focando a inovação em questões mais gerenciais, percebendo, na prática, poucas ações, de fato, inovadoras, tanto em relação ao produto, quanto ao processo e interação com o público. Para que essa inovação atinja a rotina jornalística, deve envolver, também, novas formas de noticiabilidade, amplamente disponíveis pelas plataformas digitais. Com a chegada do Windows 95 e do Macintosh, a possibilidade do uso de interfaces gráficas ampliou a utilização de material visual em jornais e a infografia se difundiu como meio de expressar uma informação áudio e visualmente. No Brasil, o primeiro veículo a utilizar infográficos incorporados à notícia como recurso de detalhamento e contextualização foi o jornal Folha de S. Paulo, ainda na década de 80 (FOLHA, 2000). Todavia, há registros de desenhos de Leonardo da Vinci que, pela apresentação das ideias e nível de detalhamento, parecem verdadeiros infográficos, feitos manualmente, muito antes da criação do computador, utilizando o mesmo conceito de ilustrar a informação com desenhos e grafismos. Hoje, o infográfico é um recurso que pode ser visto em diversos veículos, como elemento de expressão dos fatos das mais diversas naturezas, desenvolvendo os temas com riqueza de detalhes e múltiplos recursos de softwares. Vejamos alguns exemplos da comunicação feita com a utilização dos infográficos antes dos softwares de computadores:

Figuras 1 e 2 Exemplos de infográficos analógicos criados por Leonardo da Vinci no século XVI.

Fonte Fig. 1: http://rodrigoseo.com.br/wp-content/uploads/2013/05/Leonardo-Da-Vinci-estudo-embrioes.jpg Fig. 2: http://itiucg.blogspot.com.br/2008/02/estudo-de-embries-de-leonardo-da-vinci.html 28

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“Sua inteligência mecânica ainda hoje impressiona todos os que examinam seus desenhos de engrenagens. A comparação de imagens obtidas nos modernos aparelhos de tomografia computadorizada com seus desenhos sobre anatomia oferece uma espécie de revelação: Leonardo acertou com exatidão espantosa, por exemplo, detalhes sobre a posição do feto no interior do útero.” (UOL, 2017)

Entre 1510 e 1513, Leonardo da Vinci realizou um estudo de fetos que parecem infográficos de alta complexidade, mesmo antes dos recursos tecnológicos digitais hoje comumente utilizados (SUPER INTERESSANTE, 2016). Em sua vida, o artista teve colaboração com a ciência exatamente por conseguir ilustrar o que era incompreensível em palavras. Hoje, denominamos esse feito de infografia, feito em plataforma digital, mas, à época, era denominado ilustração, feito manualmente. Porém, o objetivo parecenos o mesmo: informar graficamente. Da Vinci chegou a desenvolver enciclopédia com desenhos detalhando áreas da ciência. Entre as diversas áreas de atuação de Da Vinci destacavam-se, também, a escrita e a arquitetura, desenvolvendo suas habilidades tanto textuais quanto gráficas e utilizando-as como instrumento de comunicação (UOL, 2017). Mais do que suporte gráfico aos texto, as ilustrações de Da Vinci continham informação. Não por coincidência, parecem-nos ser esboços do que viriam a ser os infográficos digitais atuais. No jornalismo, no século XVIII, quase dois séculos depois de Da Vinci, em 1702, o jornal The Daily Courant, publicou um infográfico com objetivo de melhorar a compreensão das informações, ilustrando a notícia. Esse seria o primeiro registro do recurso no jornalismo profissional impresso. Figura 3 The Daily Courant - Intento de invasión de la bahia de Cádiz por parte de tropas británicas (1702).

Fonte: CAIRO, Alberto. Infografía 2.0 - Visualización interactiva de información en prensa, p. 50.

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Se recuarmos no tempo, de acordo com Rodrigues (2009), os primeiros indícios de infografia seriam até mesmo no período rupestre, em que os homens registravam as informações por meio de desenhos nas pedras, utilizando pigmentos naturais. Todavia, a hipótese é de que Leonardo da Vinci teria sido precursor da infografia de quem se tem conhecimento nominal, através de seu trabalho unindo diversas áreas do conhecimento. Certamente que, com os recursos digitais, os infográficos ganharam agilidade e ferramentas múltiplas, mas as preocupações parecem ir além do impacto visual, prevendo articulação de informações (hiperlinks); uso de mídias diversas; aferição de alcance como forma de avaliar a eficiência do método; conhecimento do usuário, a fim de saber o estilo que o interessa, tanto verbal quanto gráfico; formas de arquivamento de dados, entre outras. Portanto, percebemos que cabe ao profissional jornalista, na multiplicidade de conhecimentos, aplicar a diversidade de recursos a fim de otimizar a comunicação, atendendo aos anseios editoriais e financeiros do veículo, e os interesses informacionais do usuário. (ABREU, 2006). Essa necessidade multifacetada requerida ao profissional, parece depender não só do interesse do mesmo em qualificação e atualização, como de investimentos dos veículos em tecnologia e treinamento. Em ambos os casos, percebese o entrave citado por Saad (2014), o que nos parece explicar o fato de os infográficos ainda serem raramente vistos em veículos de menor circulação. REDIGIR GRAFICAMENTE Compor uma mensagem afigura-nos muito mais que digitar textos, pois as palavras vão além do que dizem ou como dizem, levando-nos ao pensamento, o qual gera conclusões acerca do tema exposto que não podem ser controladas por quem gerou o conteúdo (CESAR, 2008). A riqueza de detalhes contidos em um infográfico confere um discurso didático e midiático à informação, facilitando a comunicação. Isso porque, no campo simbólico, nada passa em silêncio. Toda informação, seja textual ou não, pertence ao universo de significados da mensagem. Cada elemento presente na informação carrega consigo um sentido, o que é explicado por Charaudeaul1: “o dispositivo é uma maneira de pensar a articulação entre vários elementos que formam um conjunto estruturado, pela solidariedade combinatória que os liga. Esses elementos são de ordem material, mas localizados, agenciados, repartidos segundo uma rede conceitual mais ou menos complexa. O dispositivo constitui o ambiente, o quadro, o suporte físico da mensagem, mas não se trata de um simples vetor indiferente ao que veicula, ou de um meio de transportar qualquer mensagem sem que esta se ressinta das características do

1. Patrick Charaudeau é um linguista francês especialista em Análise do Discurso, um dos fundadores da Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso. Professor da Universidade Paris-Nord (Paris XIII), pesquisa interações entre indivíduos, seu contexto social e práticas midiáticas e políticas.

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suporte. Todo dispositivo formata a mensagem e, com isso, contribui para lhe conferir um sentido.” (CHARAUDEAU, 2006, p. 104)

Os elementos audiovisuais que compõem a diagramação também parecem ter funções diferentes em cada enunciado. O projeto gráfico, através de seus profissionais e suas percepções pessoais, atribui sentidos ao texto ao definir seus elementos composicionais. Cores, formas, gráficos, fotografias, sons e toda a diversidade de elementos gráficos, quando são inseridos nos padrões do projeto editorial, passam a ter uma significação enunciativa, representando um discurso que extrapola a fala e a escrita textual. PALAVRA-CHAVE: USUÁRIO A utilização de recursos de expressão do conteúdo faz parte do processo de reestruturação do mercado jornalístico, sujeito às mudanças em virtude, também, das alterações tecnológicas que influenciam a percepção do leitor: o aumento da participação desse leitor e mudança de seu caráter receptivo para também gerador de conteúdo são fatores a serem considerados. Isso porque esse leitor está ativo no processo de redefinição das regras de mercado. Esse leitor migrou sobremaneira para a plataforma digital que já são, somente no Brasil, cerca de 200 milhões de celulares com acesso à internet, conforme balanço, feito em junho de 2017 pela Associação Brasileira de Telecomunicações - Telebrasil (NASCIMENTO, 2017). A utilização do infográfico, portanto, parece-nos comungar com a disponibilidade de conteúdo e a oferta de informação disponível on-line, pressionando os veículos a se destacarem para atrair a atenção dos consumidores de notícia. Repensando a forma de fazer jornalismo, os veículos repensam, também, a forma de relacionamento com os leitores, buscando novas maneiras de discurso que possam ser atrativas a eles. Essa tarefa requer novos conhecimentos aos jornalistas, historicamente mais atentos ao conteúdo gramatical que à sua apresentação, por vezes desconsiderando a importância dos recursos gráficos e estratégias de markeing, desde as questões mais básicas de sua utilização: “Pouca atenção costuma ser dispensada ao espacejamento da pontuação, símbolos e diacríticos. Assume-se, frequentemente, que, assim como no espacejamento de letras e palavras, os softwares se ocuparão disso e, portanto, seu espacejamento não precisará de avaliação e ajustes. Infelizmente, isso não é verdade” (Timothy Samara, 2011). Em concordância com o autor, não utilizar adequadamente os recursos gráficos compromete a clareza e até mesmo a qualidade visual, desde a aplicabilidade dos recursos simples aos mais elaborados. O processo editorial parece-nos permeado pelo design gráfico e estratégias de mercado, tendo em vista que a escolha de determinado tipo compromete e interfere na legibilidade, no apelo e no sentido textual. Um texto diagramado, por exemplo, no formato de um infográfico, tem implicações que alteram

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a percepção do leitor e podem dificultar ou facilitar a leitura de acordo com os recursos aplicados, pois os elementos usados em um conteúdo compõem a informação e influenciam-na direta e indiretamente. O QUE IMPORTA: MEIO OU SIGNO? Para Stuart-Stubbs (1989), até os anos 50, a informação era analisada não como entidade escrita, mas considerando o meio como superior ao que era propagado, como os formatos dos livros, panfletos e outras formas de documentação. À época, o suporte físico estava em destaque e havia pouca disponibilidade de recursos tipográficos que acrescentassem novas interpretações ao conteúdo informativo. Stubbs, mesmo sendo um estudioso da informação, tendia a considerar mais os meios que a escrita - se não mais importantes, percebemos que os meios também possuem peculiaridades que devem ser relevadas no que tange a informação neles empregada e a linguagem a ser utilizada para cada fim. Já Bringhurst (2015), valoriza os tipos, com suas implicações gráficas, em detrimento dos meios, como primordiais para o conteúdo, uma vez que o estilo tipográfico confere poder de “mover-se livremente” ao escritor, de acordo não apenas com o estilo da tipologia, mas considerando seu estilo particular, imprimindo pessoalidade e intenções através dos tipos. Tanto Stubbs quanto Bringhurst, com posições totalmente diferentes, consideram, respectivamente, meio e tipos como elementos importantes ao conteúdo. Técnicas empregadas em um jornal impresso causam diferentes reações em outros meios, como os digitais, por exemplo. Hoje, a comunicação jornalística parece não dissociar meios e signos em escala de importância. Ao contrário, une-os, uma vez que os elementos gráficos, percebemos, potencializam o alcance da narrativa, considerando que a linguagem audiovisual e a plataforma onde a informação é inserida são equivalentes. Isso porque, no caso dos infográficos, o conteúdo apresenta-se, em nossa percepção, como a própria imagem (traduzida em tipos, ilustrações e grafismos) inserida no meio digital. Infojornalismo é a infografia em geral em que para o telejornalismo é a televisão ou fotojornalismo a fotografia [...] A base do infojornalismo é a infografia, mas não fica restrito a isto, pois implica em uma maneira de trabalhar que potencializa este renascido gênero visual impresso, com a ajuda de jornalistas desde a suficiente cultura visual para saber em cada momento o que é mais infograficamente conveniente” (DE PABLOS, 1999, p.43)

Lobo (2014) partilha deste pensamento, considerando que, para o desenvolvimento do infográfico, nosso foco neste estudo, é preciso a junção de quem escreve (reda-

2. Mateus Lôbo é webwriter do portal Marketing com Digital e colunista na revista oficial da Nintendo no Brasil.

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tor, jornalista) e quem cria (design, diretor de arte), no mesmo meio(plataforma digital). Se fôssemos fazer uma analogia entre estudiosos e infográficos, seria como se Stubbs, valorizador dos meios, e Bringhurst, enaltecedor dos signos, se dessem as mãos. Os processos de interação gráfica, desde muito antes das ferramentas digitais, são reconhecidamente importantes, quando havia apenas o uso de materiais físicos e técnicas (GUTENBERG, 2012). Com os adventos tecnológicos e ampliação de recursos, a linguagem audiovisual adquiriu novas formas de interlocução, ampliando a capacidade de comunicação. E, quanto mais recursos, maior a necessidade de conhecimento acerca da destinação que será dada a eles. No caso dos infográficos, objeto deste estudo, envolve, por exemplo, profissionais de áreas como jornalismo, design e marketing, a fim de estabelecer uma comunicação eficaz, interessante e ágil ao mesmo tempo, em uma único conteúdo gráfico-jornalístico. Não nos parece suficiente redigir a notícia, é preciso torná-la um produto atrativo para o consumidor, em meio a várias opções de conteúdo que lhe são disponibilizadas ininterruptamente nas plataformas digitais. De acordo com Randy Krum, fundador e presidente da Infonewt, agência de design especializada em infográficos, e editor do site Cool Infographics, “não interessa qual o tipo de infográfico – resumitivo, de plano de negócios, um slide de uma apresentação para uma reunião, um plano de marketing online, ou até um projeto pessoal, para diversão –, o fundamental é fazer com que seu design seja visualmente atraente” (MAGALHÃES, 2013). Figura 4 Exemplo de infográfico elaborado em programa de computação gráfica

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2014/11/117628-em-cima-do-muro.shtml Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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Os mesmos recursos didáticos de utilizar a imagem para traduzir as palavras da antiga ilustração manual agora são aplicados em infografia, digitalmente. Figura 5 Exemplo de infográfico elaborado em programa de computação gráfica

Fonte: http://cargocollective.com/rdamati/Infograficos-1

Nos infográficos, a narrativa parece-nos muito mais visual que textual, como era feito nas ilustrações de Leonardo da Vinci. As informações são devidamente ‘traduzidas’ em grafismos que, junto aos textos verbais, dão-nos a sensação de poder circular pela informação e parecem-nos deixá-la mais dinâmica e atraente como produto a ser consumido pelo leitor. Figura 6 Exemplo de infográfico elaborado em programa de computação gráfica

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Em um infográfico, vários recursos jornalísticos também associados ao design e marketing, unidos na composição da mensagem, com detalhamento de informações através de recursos visuais em complemento ao texto, parecem expressar as informações de maneira prática e acessível. Nesta junção, identificamos semelhanças com as ilustrações de Leonardo da Vinci, contendo as mesmas diretrizes de informar graficamente. Ao observamos as ilustrações de Da Vinci, por volta de 1513, notamos que o apelo visual já potencializava o efeito textual, ainda que sem a tecnologia digital, atingindo o mesmo efeito de compreensão da mensagem hoje percebido nos infográficos. O resultado, tanto na era analógica quanto atualmente, com recursos digitais, parece ser um aglomerado de informações destinadas a integrar um único conteúdo jornalístico, representado pela aplicação de diversas linguagens e apresentando uma gama de possibilidades comunicacionais ao profissional de jornalismo e, consequentemente, ao receptor. Analisando como a informação será gerida no futuro, Stuart-Stubbs (1989) considera que “os profissionais terão que reavaliar as teorias e os princípios sob os quais as instituições de documentação têm operado. Esse processo de adaptação afeta diversos aspectos, como por exemplo as áreas física, intelectual, organizacional e o perfil profissional das instituições de informação.” Assim, a soma dos recursos gráficos usados parece-nos ser fator determinante no resultado da mensagem a ser veiculada, o que requer pensarmos nos veículos como mais que plataformas de registros de fatos e no profissional em mais do que narrador, mas, sim, plataformas e profissionais como transmissores de informações simbólicas, capazes de estabelecer comunicação pela junção de conceitos e grafismos em harmonia com a ideia a ser propagada verbal e não-verbalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS - INFORMAÇÃO GRÁFICA A infografia, assim como o jornalismo, é fruto de um trabalho em equipe” (TEIXEIRA, 2010, p.63.) Em nossa percep[ção, os infográficos representam a informação visualmente, informando com gráficos. São utilizados para construir a mensagem, contextualizando-a e explicando-a de forma mais atraente e didática. Esta construção permite o detalhamento de informações que podem não ser familiares ao consumidor da notícia, facilitando sua compreensão. Na construção da narrativa, texto e imagem se relacionam além dos valores estéticos, mas tendo como objetivo a interpretação do conteúdo, considerando a importância dos elementos verbais e gráficos. Os grafismos incorporados à imagem parecem agregar questões dos princípios jornalísticos, intensificando-os, exercendo uma função explicativa e favorecendo a função primordial do jornalismo, enquanto forma de Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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conhecimento. (TEIXEIRA, 2010). Desta maneira, sem a pretensão de tirar conclusões finais acerca da importância da infografia no fazer jornalístico digital, parece-nos relevante tomar como ponto de partida, não como encerramento, a percepção de que a infografia é ferramenta disponível ao profissional jornalista, mas ainda com subutilização, podendo oferecer não só facilidade de interpretação ao leitor, como aumentar as formas de expressão do jornalista, conclamando-o a interagir com profissionais de áreas afins, a exemplo do design e marketing. Se a infografia ainda não está consolidada na formação do profissional jornalista, embora o conceito não seja, nem de longe, uma novidade, o mercado da notícia a consome como instrumento mediador da comunicação disponível on-line nas plataformas digitais. Se à época de Da Vinci, no século XVI, os recursos eram restritos ao talento do artista, cuja perfeição das imagens anatômicas foi comparada ao resultado das tomografias computadorizadas (UOL, 2017), hoje, com a diversidade de ferramentas tecnológicas e a possibilidade de interação entre profissionais, percebemos o crescimento dos infográficos mantendo a característica de visualizar imageticamente as ideias antes mesmo de serem demonstradas verbalmente. Essa característica da linguagem não-verbal parece manter-se, seja na forma da ilustração de Da Vinci ou nas infografias digitais, que hoje relacionam diferentes perfis profissionais em um só conteúdo. A infografia, percebemos, convida a pensar o jornalismo mais do que em letras, leads e fotografias, e sim, o pensamento também gráfico, com visualização analítica e agilidade digital, além da interação entre os meios, recursos e profissionais. Assim como texto e elementos audiovisuais demonstram interação nos infográficos, os profissionais também, em nossa concepção, podem se relacionar em sua construção, percorrendo, juntos, o caminho jornalístico que se apresenta em constante fazer. “Não há jornalistas de texto e jornalistas de imagem, pelo menos quando falamos em infografia”. (TEIXEIRA, 2010, p. 71)

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Luiz Pereira de Lima Junior 1

A navegação da sexualidade no espaço virtual RESUMO A sexualidade circunscreve-se em lugares que não têm ponto de partida nem de chegada: não-lugares. São diferentes lugares, vazios, ocos, efêmeros, que ensejam o virtual e o real. A relação entre o sexual e o virtual circula em torno da arquitetura discursiva das sociedades de controle, que, a rigor, constitui-se sob a âncora de novas relações de poder – saber. Plasmada na interface disciplina – controle, a sexualidade trilha espaços que extrapolam o domínio que o Estado, a família e a escola supunham ter sobre os comportamentos sexuais, materializando-se no novo mundo: o ciberespaço. Sob a égide desses acontecimentos, situar-se-á a sexualidade no espaço virtual para descrever, preliminarmente, os processos de controle do sexo, sinalizando pistas dos não – lugares onde se formam as imagens que intervêm sobre os (in) divíduos, recortando a questão educativa. Palavras-chave: Sexualidade; Espaço virtual; Educação.

ABSTRACT Sexuality occurs in places with neither starting points nor finish lines: they are non-places. These different places, either empty, blank or transitory give rise to both virtual and real events. The relationship between the sexual and the virtual concepts goes around the discursive architecture of controlling societies which, strictly speaking, are the bases for new power-knowledge relations. Reflected in the discipline – control interface, sexuality treads paths that go beyond dominance that the State, the family and the school were supposed to hold over sexual behaviors, thus materializing into a new world: cyberspace. Supported by such events, sexuality will occupy the cyberspace in order to primarily describe sex control processes, by signalizing clues to non-places, where images that intervene in (in)dividuals are formed, and consequently, prioritizing educational issues. Keywords: Sexuality; Virtual Space; Education.

1. Doutor em Ciências Sociais e professor de Psicologia, do Centro de Educação, do Departamento de Fundamentação da Educação, da Universidade Federal da Paraíba, Campus I. E-mail: lpljunior@hotmail.com.

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O MOSAICO VIRTUAL A sexualidade2 no lastro do espaço virtual apresenta-se de forma multifacetada e perpassada por noções de tempo, espaço e corpo, que assumem perspectivas diferentes no rol dos processos de virtualização. A sexualidade e o corpo, singularmente, encontram-se diante de novas clivagens de velocidades. Ela, a sexualidade, está envolta num processo de desterritorialização apontado por Deleuze (1996, p.49), no qual as multiplicidades implicam “elementos atuais e virtuais”. Nada é meramente atual, pois o atual sempre está circundado por imagens virtuais. O virtual é sempre efêmero. Por ser efêmero, conserva o passado. Assim, o virtual é um espaço onde navegam subjetividades conduzindo à criação de outras subjetividades. O ciberespaço (cyberspace) é um termo utilizado pelo autor de ficção científica William Gbson, no romance Neuromancer, em 1984. Nessa obra, o ciberespaço é a Matrix, ou seja, Matriz, que, na percepção de Manta e Sena (2001, p.2), refere-se a uma “região abstrata e invisível”. Lá, os fluxos de informações ocorrem de maneira livre, sob o formato de imagens, sons, textos. Refere-se à realidade imaginária compartilhada pelo universo das redes informacionais, “espaço de encontros e de aventuras”, locus de conflitos mundiais. Em fins da década de 1980, com o processo crescente de interconexões de rede e dos usuários de uma forma de comunicação fundamentada na informação, apropriamse os cientistas do conceito de ciberespaço, definindo-o como o espaço universal onde residiriam os elementos de informação, em contato virtual com todos e com cada um. O ciberespaço possibilitou o surgimento de outros conceitos, e temas de estudo, derivados do radical ciber: cibersexo, cibercultura, ciberpunk, ciberocracia, cibermoda, entre outros termos. Ele se assemelha a um campo de batalhas, onde os diversificados interesses são confrontados, como os dos Estados que vêm perdendo, parcialmente, o controle sobre diferentes fluxos sociais, levando a uma acirrada concorrência pelo controle dessas novas situações. O ciberespaço é complexo, pois ele representa o áptico. Como resultado desses centros informatizados, espalhados pelo mundo, a internet recebeu o título de símbolo do espaço heterogêneo e sem fronteira, atualmente designado de ciberespaço. Ela teve impulso a partir de 1982, no bojo de um experimento militar nos Estados Unidos, com a ligação em rede de computadores e, simultaneamente, a ligação de redes com redes, mediante um recurso técnico designado de Protocolo internet. Atualmente, constitui-se num grande aparato técnico que interliga milhões de computadores e pessoas em todo o mundo. O conceito de ciberespaço, para Guimarães (2001, p.7), às vezes, é utilizado como sinônimo de internet e, outras vezes, como realidade similar ao mundo físico, tal

2. Um dispositivo de poder – saber que se materializa nas práticas sociais (FOULCAULT, 1979, 1988).

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como foi vislumbrada no bojo do romance do aludido autor de ficção. No ciberespaço, encontram-se as bases que vêm propiciando a emergência de novas formas de sociabilidade, a partir da interação que se trava entre as pessoas e o novo mundo expresso na tela do computador. Com o advento das novas tecnologias que marcaram o final do século XX, houve uma alteração na tradicional concepção materialista do espaço. Haja vista que ele agora está multifacetado e o tempo em constante intensificação. Velocidade é o termo chave para designar o que as tecnologias eletrônicas passaram a instaurar nessa forma de conceber o tempo. Este tempo não se refere ao “tempo-duração”, mas ao “tempo-velocidade”, cujas relações são instantâneas, pois o que as caracteriza é uma nova interatividade: on-line. As pessoas criam seus mundos específicos, porém, exteriorizados nas imagens que se criam na tela do computador, cujas práticas encontram-se atreladas à virtualidade, via que pode transportá-los para outros lugares. A emergência do designado sexo virtual, como uma forma de sociabilidade, cujos processos de interação ocorrem geralmente via redes, é um acontecimento marcante. As pessoas vislumbram que estão livres para criar as imagens que desejarem, podendo realizar seus desejos sexuais, de forma contrária àquelas comumente estabelecidas. Estes acontecimentos não ocorrem aleatoriamente, pois em sua base encontram-se as circunstâncias que conduziram a sua emergência. Nesse aspecto, destaca-se a peste3 e sua consequente vigilância, bem como a exacerbação das comunicações realizadas através da internet, as quais propiciaram a constituição de saberes e poderes com relação à sexualidade. Objetivando destacar a forma como se desenvolvem as designadas formas de sociabilidade no domínio das virtualidades, especificamente aquelas referentes à sexualidade, é fundamental salientar a internet, a qual, como espaço desterritorializado, atingiu o seu apogeu nos fins do século XX. Surgiu no bojo dos acontecimentos da guerra fria, quando cientistas norte-americanos criaram uma modalidade de comunicação que evitasse a destruição do país pelos bombardeios ou seu controle por opositores. Dessa forma, diferentes instituições universitárias dos Estados Unidos acolheram a ideia e utilizaram-na de forma adaptada. Na perspectiva de Semerene (2001, p.1), a internet é vista como uma ferramenta importante para vários profissionais. Ela passou a ocupar um novo espaço, considerando-se que as mídias clássicas (jornais, bibliotecas, museus, TV) apenas servem para subsidiar as novas redes de informação que se constituem. No interior da internet, surgem as mais diversificadas formas de práticas, ou seja, aquelas que vão desde o sexo até as que possibilitam a emergência dos designados “militantes eletrônicos”, particularmente, os hackers, os crackers, os ciberpunks. Atualmente, via internet, as práticas, inclusive a sexual, se encontram na esteira de um “pensamento/acontecimento” que, na visão de Alliez (1996, p.13), acontece por “virtu-

3. A AIDS, na análise de Lima Junior (2008), é concebida como peste.

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alização”. A internet, vista por Cunha (2001a, p.2), existe em função de mudanças que acometeram os comportamentos sexuais, e das demandas provenientes dos mass midea para que fosse criada uma máquina humana de prazer. Nessa direção, vêm à baila diferentes perspectivas de vivência da sexualidade, como sexo virtual, voyerismo eletrônico, cybersexo, e outras formas que vão surgindo constantemente e que podem propiciar às pessoas diversificadas experiências de prazer. No mundo das virtualidades, as pessoas estão envoltas na lógica de um grande mercado, sendo comercializados em uma potente rede: a internet. As pessoas interagem com as outras, via computador, smartphones, tables, entre outros, muitas vezes sem observarem o que está por trás desta prática. Estes acontecimentos conduziram a novas formas de comportamento, fazendo com que aqueles de natureza física fossem alterados, como, por exemplo, os de natureza sexual. Nesse espaço, os limites são extrapolados, pois visa-se à realização de desejos, considerando que estas práticas contam com um forte aliado: o “anonimato”, onde as noções de tempo, espaço, cultura e identidades, passam a ter uma nova dinâmica. Quanto à questão da sexualidade (LIMA JUNIOR, 2008; 2012) e, em especial, quanto ao acontecimento aleatório do sexo (LIMA JUNIOR, 2003), pode-se dizer que, no âmbito do ciberespaço, percebem-se indícios de processos que visam, também, a interditá-lo. Estes processos constituem-se na âncora da ordem do discurso, percebendo-se que a sexualidade é o correlato das diferentes imagens que lá se formam. Assim, o advento das relações virtuais e, sobretudo, de recursos como os chats,4 representa a discursividade que caracteriza a sexualidade. Nesse caso, para que as pessoas iniciem um diálogo, faz-se necessário que eles estejam inseridos em classificações determinadas anteriormente. A interação ocorrerá ou não, em função de interesses comuns, isto é, recebe-se uma espécie de rótulo para ter-se acesso à sociabilidade. Apesar das imagens sexuais que se constituem, concebidas como livres, ainda perdura uma prática discursiva referente aos desejos de pessoas submersas nas relações de poder – saber. A esse respeito, Cunha (2001a, p.1-2) ressalta que não adianta o número de informações que serão disponibilizadas se as crenças das pessoas não foram revistas. Assim, esta interação é algo extremamente complexo e requer reflexão. A sexualidade inscrita no espaço virtual faz parte de uma prática discursiva que, com ligeiras alterações de meios e formas, reproduz as mesmas imagens veiculadas ao longo do tempo: fundamentadas na interdição. De acordo com Cunha (2001b, p.1), comumente aumentam as promessas referentes à “liberdade” e à “democracia”, onde todos teriam as mesmas chances e possibilidades de interação, valores estes que caracterizam a vida dos internautas. 4. Chat de comunicação, conversação, salões de entretenimento. Existem chats de amizade e de sexualidade, que constituem uma das muitas ferramentas da internet, onde as palavras não são faladas, apenas são escritas (CASTRO, 2001, p.2). Além dos chats, contam-se com diversos aplicativos de bate-papo, encontros e relacionamentos (tinder, badoo, bumble), haja vista que hoje em dia as palavras não ficam restritas à escrita. Esses aplicativos e recursos tecnológicos apresentam a possibilidade de conversação por voz, vídeo, ou ambos ao mesmo tempo; o que, de certa forma, permite romper o anonimato proporcionado pelo contato “virtual”.

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Na internet, emerge uma suposta liberdade, visto que os comportamentos sexuais são perpassados pelo poder da senha. Isso confere às pessoas a possibilidade ou a impossibilidade de terem acesso às imagens e práticas referentes à sexualidade. As navegações pela internet conduzem a contatos. Estes, porém, são estabelecidos por quaisquer outros meios, refletindo a mesma dinâmica dos comportamentos que ocorrem no dia-a-dia. O plano virtual, segundo Cunha (2001b, p.1), constitui-se numa maneira, como quaisquer outras, para se chegar às relações reais. A propagada liberdade e a interação se encontram num terreno dúbio. Por um lado, para Cunha (2001a, p.1; b, p.2), os “desejos, sentimentos, virtudes”, ganham estatuto de liberdade. Por outro lado, enquanto as pessoas esperam deste mundo a possibilidade da fantasia e da utopia, deparam com interdições. Os chats constituem-se num espaço discursivo, contando com regras de conduta, interditos, com códigos de relações, estabelecidos a priori e, a posteriori, surgirão regras impostas pelos próprios interlocutores. Dessa forma, a utilização da senha revela que muitos se arvoram do acúmulo de informações que adquiriram, fato que lhes confere um certo domínio sobre as outras pessoas. Em diferentes práticas sociais, segundo Ravazzolli (1999), desde as que se estendem à época clássica, a sociedade e os seus respectivos aparatos institucionais buscam traduzir o sexo por meio de palavras, gestos, atitudes, desejos e pensamentos. Transformaram tudo em discurso para ser confessado, seja na Igreja, no divã, seja no consultório médico. O ato de confessar e as relações que os perfila apropriam-se da sexualidade desde os confessionários, na Idade Média, às salas de chat da internet. Com muitas características idênticas, os chats são espaços institucionalizados, nos quais se confessa o inconfessável. O discurso comumente é proferido na primeira pessoa, os detalhes são minuciosamente observados e o questionamento é frequente. A dominação é alternada entre as pessoas (do lado de quem fala – tecla) ou do lado de quem pressiona (o que instiga, aguarda e decide). O fato de os chats atraírem uma variedade de internautas em suas salas para discutirem, sobretudo, sexo, aponta a marca da sexualidade. Tanto no espaço discursivo do confessionário quanto no dos chats, encontram-se pontos de resistências em momentos de auto-afirmação e medo. As resistências ocorrem desde a aceitação do jogo pelo anonimato (quando surge a impossibilidade de uma pessoa não descobrir a identidade de outra sem a sua autorização) até circunstâncias extremas, em que a pessoa busca uma ruptura (quando o sujeito se vale de um “equívoco/mentira” ou de um detalhe oculto no confessionário ou até a abandonar o parceiro numa sala de chat). Neste, existe, ainda, a possibilidade de transitar entre o lícito e o ilícito e de relacionar-se com o desconhecido, mediante a virtualidade. A liberdade tão almejada faz parte das relações que a situam no “tempo real” e “virtual”, reciprocamente. O virtual não é pensado apenas como um substituto do Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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real, mas também como uma das possíveis formas de percepção acerca deste, ao se observar a emergência de novas práticas de vida, novos relacionamentos, fazendo-se surgir imagens no que tange à sexualidade. Estamos vivenciando uma realidade, onde ocorrem alterações substanciais nas relações das pessoas. Desta feita, inspirado em Deleuze (1992), devemos buscar “novas armas”, observando a discursividade que marca os comportamentos, tendo o sexual em destaque, para enfrentar os grandes “anéis da serpente”. São novas práticas que surgem, a partir de uma sociabilidade autoritária, onde as amizades virtuais prevalecem. As pessoas estão diante de um mundo complexo, embora caiam em suas malhas, por ignorância, por opção ou desejo. Esta nova forma de servidão voluntária, edificada sob a égide do soberano – vácuo, possui enigmas.

IMAGENS VIRTUAIS DA SEXUALIDADE

A partir do advento do computador e da internet, surgem novas imagens virtuais da sexualidade, propiciando a emergência de práticas que caracterizam os comportamentos, em específico os sexuais. São diferentes possibilidades de acesso5 às referidas imagens, levadas a cabo pelos recursos utilizados para este mister, como e-mails, aplicativos de redes sociais para encontro, mensagens e paquera como whatsApp e tinder, chats,6 listas ou fóruns eletrônicos de discussão,7 ZaZ,8 e outros. Com o aparecimento das novas redes de comunicação, ocorre a ampliação da noção de não – lugar. Afirmam Manta e Sena (2001, p.3) que a “territorialidade”, a “imaterialidade”, e a “interatividade”, são fatores que podem ser atribuídos a isto. Situar-se-á a análise da discursividade que perpassa a constituição da sexualidade no interior de alguns dos referidos recursos, observando-se a emergência de estratégias utilizadas por ela. O discurso que se constitui neste hipertexto, o ciberespaço, tem nuanças que conduzem à navegação nas suas multifacetadas partes, desprovidas de territorialidade. Na internet, frequentemente, prolifera uma série de sites específicos sobre sexualidade, com ênfase nas relações entre as pessoas, sobretudo aqueles referentes a na-

5. Aumenta o número de sites singulares sobre sexualidade, assim como os manuais de sexo virtual (CUSTÓDIO, 2000). 6. Nos chats geralmente “[...] focaliza-se especificamente um lugar de conversação que é denominado ‘Bar’, espaço virtual de conversação em tempo real que reproduz um local de encontro onde as pessoas ‘bebem’, conversam, ouvem música, namoram, brigam, enfim, se relacionam.” (CASTRO, 2001, p.2). 7. “[...] são modalidades assincrônicas de comunicação mediada por computador e constituem-se no correio eletrônico adaptado para a comunicação de muitos para muitos.” (MÁXIMO, 2001, p.5). 8. Refere-se a uma base de dados utilizada para fins de cadastro com informações acerca da própria personalidade da pessoa que pretende encontrar.

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moro. Entretanto, para Guimarães Júnior (2001, p.7), não são exclusivamente “relações mais pragmáticas”, notando-se a baixa probabilidade do encontro físico, em função, dentre outros fatores, do tipo de ralação que se constitui e, até mesmo, da distância geográfica. Os sites relativos às relações pragmáticas, tais como os de classificados sexuais, estão crescendo de forma significativa. As relações denotam a maneira como as pessoas estão agindo, fato que desencadea possíveis narrativas de amor e, sobretudo, as interdições que perpassam o designado “cibersexo”. Existem facilidades de acesso aos sites referentes à sexualidade, tendo em vista, de acordo com Guimarães Júnior (2001, p.7), a criação das identidades virtuais fazendo com que a sedução se instale na interface computador – usuário. São criadas páginas mantidas por provedores, destinadas a instrumentalizar os internautas no percurso da navegação, ensinando-lhes as formas mais adequadas para se comportar e adequar-se ao novo universo de relacionamentos, que não abdica da disciplina, e da formalização da sexualidade. Nos sites de chat da World Wide Web (WWW), destinados à sexualidade, os usuários sempre estão mantendo uma identidade fixa, conforme observa Guimarães Júnior (2001, p.8), tomando como referência sala e horário de visitação aos chats. Os usuários da internet e dos chats, na ótica de Semerene (2001, p.1), frequentam, assiduamente, os sites referentes à nudez e a sexo explícito. Os chats funcionam com características de uma grande sala, onde estão muitas pessoas. Nesta sala, elas podem conversar com todos quanto lá estão e ou com outrem, coletiva ou reservadamente. As telas dos computadores é que separam as pessoas; estas, porém, podem criar imagens dos outros da maneira que lhes convier, conforme suas necessidades. Cabe salientar que nos dias atuais, cada vez mais, as pessoas exigem saber o máximo de seu (s) interlocutor (res) no mundo virtual; uma vez que solicitam fotos, descrições físicas, informações que ameaçam o anonimato, pois já não é tão visto nessas relações. E essas informações se tornam, muitas vezes, condições para o desenvolvimento dos contatos virtuais.

É a partir dos diálogos que se estabelecem entre eles

que, possivelmente, a conversação pode se tornar mais íntima. Nesse momento, o que se conta, de fato, é a imaginação e a criatividade que perpassam os relacionamentos, dando-lhes o tom do afeto e de possíveis contatos físicos, a posteriori. As redes de relações que se constituem a partir de usuários de um determinado site vêm denotando, de acordo com Palacios (2001, p.3), que o número de frequentadores do sexo masculino ou feminino vem sofrendo alterações substanciais. Se outrora havia uma certa desproporção entre homens e mulheres, este quadro hoje vem sendo alterado, ao perceber-se que as mulheres estão quase em “pé de igualdade”. Objetivando-se possibilitar aos usuários encontrar a pessoa almejada, surge a possibilidade através da ferramenta ZaZ. Nesta base de dados, as informações fornecidas são cruzadas pelo banco de dados do sistema e, assim, surge uma lista com o nome Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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de pessoas cujas características são similares aos desejos alimentados pelas pessoas. A internet vem marcando os comportamentos sexuais. O traço fundamental que a diferencia de outras mídias é a questão da interatividade. A emergência da interatividade como característica básica da internet, na visão de Máximo (2001, p.47), denota que os usuários são solicitados a fazer parte dela a partir de contatos que se estabelecem no âmbito nacional e internacional. Para tanto, lançam mão de mensagens por correio eletrônico, mensagens instantâneas através dos aplicativos como whatsApp, line, entre outros, ou pela navegação com seus diferentes recursos, que propiciam a inserção das pessoas neste mundo, alterando suas relações e práticas, sobremodo aquelas referentes à sexualidade. Surgem práticas que controlam os relacionamentos, sobretudo os sexuais, pois as pessoas estão diante de formas de relacionamento sexuais baseados no poder da senha. É preciso ressaltar que este novo modelo envolve um processo de “assujeitamento”.9

O VIRTUAL E OS (IN) DIVÍDUOS Calcado nos acontecimentos que materializam a relação entre o sexual e o virtual, percebe-se que ocorre uma intervenção sobre os (in) divíduos. Eles são divíduos (DELEUZE, 1992), redimensionados em muitos lugares, num banco de dados. A ocorrência desta intervenção prende-se ao fato de que a constituição da sexualidade no mundo virtual é um acontecimento marcante nestes últimos tempos. As imagens vêm perpassando a prática das pessoas, o que nos conduz a uma preocupação fundamental: a quem estamos levados a servir, no bojo deste multifacetado hipertexto? Precipitar-me-ia em dar respostas cabais a esta indagação. Este novo mundo está em construção, assim como as práticas educativas escolares, a educação sexual (ES), e a sexualidade (LIMA JUNIOR, 2009), que em seu interior se desencadeiam. Pinçar-se-ão aspectos que permitem problematizar os acontecimentos que perpassam a vida das pessoas. Não foi à toa que Deleuze (1992) situou as sociedades de controle e as caracterizou como o novo “monstro” (a “serpente”), que não se oporia à toupeira (sociedades disciplinares), mas as complementariam com novos dispositivos de disciplina, mesmo que o controle prevaleça. O soberano, nas sociedades disciplinares, expressava-se na prática dos diferentes governantes, como, por exemplo, Igreja, Estado, família, escola. Nas sociedades de controle, pode-se aludir a emergência de um novo soberano, ao qual estamos servindo, sem, muitas vezes, questionarmos a sua existência. O ciberespaço, portanto, representa

9. Referendando Foucault, Branco (2000, p.326) diz que se refere a uma forma para realizar o “controle da subjetividade” passando pela “constituição mesma da individualidade”, isto é, da constituição de uma subjetividade “dobrada sobre si e cindida dos outros”.

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o novo soberano. Os saberes técnicos e tecnológicos, que, na visão de Foucault (1993, p.130; 2000, p.230), surgiram no século XVII (embora reconheça-se a marca de Deleuze nestes processos), representam o novo soberano que está em todos os lugares, nas múltiplas faces do grande hipertexto. Segundo Passsetti (2002, p.32), a felicidade das pessoas sempre está condicionada à figura de um soberano. Este soberano – vácuo, soberano – virtualizado é um enigma. Será que os enigmas da serpente serão logo desvendados? As circunstâncias é que podem dizer. Algo pode ser vislumbrado: estamos servindo a um emaranhado de novos dispositivos, num misto de disciplina e de controle. O controle se sobressai, com poderes e saberes que se materializam nos serviços prestados aos usuários, em particular, os canais de sexualidade, que estabelecem como condição precípua ao acesso, a senha, e o domínio de códigos. Os comportamentos são moldados e, por opção ou ignorância, as pessoas se submetem às artimanhas do ciberespaço, portador de muitos arsenais discursivos. Ao tomarmos por enfoque as práticas educativas escolares no cotidiano, percebemos que seu lema é o da “responsabilidade”, da “participação”. De tal forma que fundamentada nestes dispositivos, a Educação não propicia a liberdade das pessoas, para que elas sejam amigas, únicas e felizes. Ao contrário, as pessoas são divíduos, aninhados em bancos de dados, perpassados por discursos universais que priorizam as amizades virtuais, em detrimento da presença de amigos. São novas práticas que referendam o discurso da prevenção geral, que, comumente, não visa apenas à interdição dos comportamentos. Fazem-nos existir sob um prisma diferente: proliferar numa velocidade virtual, on-line. A prevenção geral no ciberespaço visa à manutenção dos governos. Trata-se de novas formas de governamentalidade. Esta nossa vontade de servir é indagada por Passetti (2002, p.34), levando-nos a questionar o porquê da servidão, do assujeitamento e da reprodução do soberano. Neste bojo, a Educação, secularmente disciplinar (LIMA JUNIOR, 2014), e a sexualidade destacam-se, especialmente no que diz respeito à inteligência. Esta, por sua vez, encontra-se, outrossim, sob o manto do universal, para subsidiar os projetos cibernéticos. A Educação, particularmente, se desenvolve a partir da criação de cursos na internet, de propostas de Educação à distância (LIMA, 2011; CERNY; ALMEIDA, 2012; CAVALCANTI JÚNIOR, 2013), entre outros dispositivos emergentes. Apesar das tentativas de normalização de comportamentos, as pessoas vislumbram saídas e investem suas forças para outros lugares. O ciberespaço é o novo tirano. Quase ninguém se volta contra ele. Ele é o sagrado. A suposta liberdade do ciberespaço é a do soberano: ele mesmo. As pessoas têm uma nova religião, e um tirano que as consola. Observa-se, na esteira de Passetti (2002, p.34-35): “A sociedade que serve ao soberano é histórica, não é eterna, nem sempre existiu. Algo se passou para que o homem passasse da liberdade para a escravidão.” Muitas pessoas conseguem lidar com as ambiguidades do ciberespaço e buscam formas de prazer que não precisam de senha Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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para o acesso: são as “associações de amigos”, os que fazem uma desterritorialização, alheia à do ciberespaço. Estas pessoas são “Únicos”, nômades, não universais; são passageiros do futuro. As pessoas que passaram pela experiência das amizades virtuais e, particularmente, do designado sexo virtual, expressam um certo desejo desta forma de relacionamento. Isso acontece em função da alegação de que passam a se conhecer de forma mais interior, ou seja, antes de se desencadearem desejos eminentemente físicos, eles começam descobrindo certas características da pessoa que, a rigor, não eram percebidas nos primeiros contatos reais. As pessoas experimentam práticas que comportam realidades diversificadas, capazes de conceber para si possibilidades de novas relações, a partir de sua adequação às velocidades. Um dos processos utilizados pelos internautas, nos chats, é a criatividade, a fantasia e outras estratégias, que porventura, possam surgir para fazer-se desejado pelo outro. As pessoas, embora não percebam as diferentes estratégias nem a circulação de mecanismos que caracterizam este mundo, acreditam na liberdade de proferirem palavras e sentimentos que outrora jamais teriam sido ditos, nos contatos reais. A esse respeito, diz Nicolaci-da-Costa (1998, p.58) que existem muitos relatos de pessoas que admitem o estabelecimento de uma “relação fraterna” e até mesmo de “amor” aos computadores. A imaginação e a criatividade podem levar as pessoas ao mundo das amizades e do sexo, pois esta realidade ciberespacial é diversificada. Ela é complexa e requer reflexão. Isto demanda um certo tempo, pois, segundo Deleuze (1992), muitos dos nossos antepassados conseguiram, até certo ponto, descobrir os enigmas presentes aos monstros soberanos e disciplinares. Algo complexo nesta realidade é a forma como se formam as práticas de vida e, em particular, a sexual, cujos reflexos podem ser muito mais extensos do que aqueles gerados pelos modelos que antecederam as sociedades de controle. O ciberespaço está longe de constituir-se na grande ponte que levará as pessoas à travessia dos rios da vida. Extrapolando-se os acontecimentos que caracterizam os diferentes aparatos virtuais, observa-se a presença da “participação”. Nas sociedades de controle, segundo Passetti (1999, p.58-61), ocorre o discurso da “atuação política democrática”, em que as pessoas são convocadas a participar, emitir opinião, criar materialidade (programas), pois o processo de participação absorve divíduos, cuja recomendação precípua consiste em evitar as resistências. Esta questão foi ressaltada para observar como se vem desencadeando a sociabilidade que se firma no espaço virtual e, singularmente, no âmbito dos assinantes das listas. Além de enviarem suas mensagens para as listas diretamente, os participantes podem, também, ocupar o posto de ouvintes. As diferentes modalidades de endereçamento presentes às referidas listas, para Máximo (2001, p.48), caracterizam o tipo de sociabilidade que passa a ser criado. Geralmente são utilizadas “saudações genéricas”, 48

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mesmo que as “saudações informais”, que caracterizam o contato face a face, sejam utilizadas para registrar os primeiros momentos de conversação. As imagens até então retratadas a respeito dos possíveis impactos das novas formas de interatividade na vida das pessoas, nos seus comportamentos sexuais, nas práticas que emergem, vêm sendo enfatizadas. Salienta Nicolaci-da-Costa (1998, p.XV-XVI) que os diferentes profissionais procuram informar-se acerca dos recursos que estão disponíveis na rede, assim como identificar as várias modalidades de problemas que ela acarreta para as pessoas. Isto deve acontecer para que elas dêem a devida importância a esta realidade embrionária, e para que não a descartem como uma fantasia ou um passa-tempo, sem maiores consequências. Este excerto remete a algumas considerações. A preocupação com as novas práticas que as pessoas estão construindo no domínio do controle merece destaque. Todavia, esta preocupação não reside apenas no fato de que alguém irá desenvolver o papel de “conscientizador”. Esclarece Passetti (1996, p.147) que, no interior dessas navegações, as resistências passam a ter novos contornos, levando ao questionamento de uma “nova política da verdade”, a qual se encontra em construção. As próprias pessoas farão suas descobertas, a partir das suas práticas. Um acontecimento é óbvio: não faltaram pessoas que não quisessem exercitar o seu poder nesse mundo, marcado pela cifra. Não basta apenas preocupar-se em observar os possíveis impactos que ele exercerá sobre as pessoas. Observar como as redes de poder – saber se movem no espaço virtual, ou seja, os acontecimentos que o caracterizam são um ponto de partida. Emoldurar as reflexões acerca das velocidades deste mundo, na âncora da discursividade que o perpassa, conduz a colocar a possibilidade de novas análises que se circunscreva numa velocidade talvez mais potente do que a do ciberespaço. Sem se deixar de salientar as possibilidades efetivas do mundo virtual, percebe-se que tudo é gerado no interior de uma sociedade que busca o controle do Planeta, nas atuais circunstâncias que a peste suscita novas formas de relacionamento. São práticas que ocorrem em espiral, uma vez que todo esse processo as redefine, ocorrendo uma flutuação do saber. Este novo universo das redes digitais gera alterações substanciais nas práticas sociais. Nesse mundo, desenvolve-se uma teia de relações que denotam a participação do mercado mundial, entre outros. Aponta-se, nesse espaço, a presença dos programadores que sabem como atacar os usuários, apresentando-lhes meios agradáveis, para que estejam sempre ligados à tela do computador, particularmente à internet. Esses programadores vêm lançando mão de inúmeros recursos para aguçar a curiosidade dos internautas, gerando possibilidades de acesso. Vale a pena lembrar que os programadores, em sua maioria, respondem por grandes corporações que criam produtos e serviços para serem comercializados na internet. Existem, ainda, os pequenos programadores, cuja pretensão é a de conquistar uma fatia desse mercado, com possibilidades de amConceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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pliação de sua atuação e lucro, muitas vezes criando suas próprias empresas, como, por exemplo, os criadores do facebook, whatsApp, reedit, entre outros. Busca-se, com isso, explorar esta realidade, sua velocidade e, sobretudo, fazer com que as pessoas fiquem cada vez mais ligadas à engrenagem do computador. De acordo com Nicolaci-da-Costa (1998, p.66), muitos usuários, não demarcam “fronteiras entre o computador e o homem”, vendo-o como uma “extensão do corpo humano”. As preocupações, que se baseiam meramente nas formas de intervenção para aliviar dificuldades já instaladas, não vêem possibilidades de reflexão acerca do poder que emana deste mundo virtual. Os indícios desta nova sociedade estão postos, assim como seus mistérios e enigmas, da mesma forma como ocorreu com as sociedades anteriores (soberanas e disciplinares). Este momento vem sendo caracterizado como o de uma grande revolução, uma vez que se situa num modelo de sociedade que conta com um elemento que a caracteriza, ou seja, a velocidade, que introduziu uma reviravolta nas noções de tempo e espaço. Salienta-se com Deleuze (1992) que o fundamental não é indagar qual foi o “regime mais duro”. Importa saber que em todos existem processos de “assujeitamento”, o que não dificulta a instauração das resistências. É complexa a reflexão que gira apenas em torno das posturas que tentam psicologizar esta sociedade e, principalmente os efeitos que ela pode causar na prática das pessoas: aqueles efeitos descritos por Nicolaci-da-Costa (1998), os quais não problematizam a questão. Há de se perceber, conforme Paiva (2000, p.16), que os referidos efeitos devem ser pesquisados de forma mais precisa. Desta forma, vale a pena observar a discursividade que assola este mundo, objetivando-se criar saídas, criar práticas que surpreendam. Esta nova feitura da sexualidade levou-nos à cata de novos espaços virtuais. A ES, particularmente, neste cenário, tem sua prática pulverizada, sem uma trilha que a leve à ocupação de espaços territorializados. Apesar de ser enfatizado o domínio dos processos tecnológicos nos meios educativos e escolares, é difícil observar uma marca nítida da ES. Ela tenta se circunscrever nestes novos circuitos virtuais, visando a uma nova forma de regulamentação do sexo. A ES, envolta pelo véu da disciplina e do controle, volta-se para um projeto singular: a inteligência. Este projeto, por sua vez, leva a ES à busca dos dispositivos de controle (com ênfase no papel do computador, e dos dispositivos móveis, como tablete e celular, e da internet na escola), sem, contudo, desfazer-se dos dispositivos de disciplina. O seu novo drama circula em torno da rede e do indivíduo. Neste percurso da ES, a sexualidade tenta imprimir sua marca no ciberespaço, desencadeando práticas que emolduram as sexuais. As pessoas, embora, estejam sendo fisgadas pela sexualidade, sobretudo através dos canais de sexualidade, sempre buscam formas de contato face a face, o que demonstra fuga. As fugas entrelaçam-se com o furor dos corpos e das almas, denotando que os instintos fluem e o sexo se faz presente. Isto pode ser observado ao perceber-se a relação das pessoas com o formato das imagens 50

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veiculadas pela sexualidade nos dias atuais. As práticas sexuais são plásticas, fogem, escapam a todo instante, independentemente das artimanhas dos dispositivos de controle, denotando que O SEXO OCORRE ALEATORIAMENTE!

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Jeová Rocha de Mendonça 1 Isabella Dantas Vasconcelos da Silva2

Além do bayou: Kate Chopin e as fronteiras das relações humanas RESUMO Esse artigo é o resultado de pesquisa teórica e análise literária do conto “Além do Bayou” da escritora norte-americana Kate Chopin. Por meio da teoria dos Movimentos Feministas e da Crítica Feminista proposta por Ellen Rooney, Lorraine Code e Tim Gillespie, a pesquisa demostra como a visão patriarcal e determinista vem moldando a perspectiva dos leitores, homens e mulheres, acerca do feminino. Essa perspectiva tradicional tem como consequência a criação de estereótipos do feminino e o desmerecimento do valor literário de obras escritas por mulheres. Em “Além do Bayou”, Chopin quebra essa imagem do feminino através de Jaqueline, a personagem central do conto, uma afrodescendente escravizada que, com suas próprias forças, consegue se desvencilhar de suas limitações. A obra de Chopin analisada demonstra que o feminino vai além do estereótipo tradicionalista atribuído às mulheres na literatura e que essa perspectiva distorcida precisa ser reavaliada e desmistificada por meio da leitura de obras literárias escritas por mulheres. Palavras-chave: Movimento Feminista, tradição literária, Kate Chopin.

ABSTRACT The following paper is the result of theoretical research and literary analysis of the North-American writer Kate Chopin’s short story “Beyond the Bayou”. According to the theoretical perspective from the Feminist Movement and the Feminist Critics Theories propounded by Ellen Rooney, Lorraine Code and Tim Gillespie, the research demonstrates how the viewpoint derived

1. Professor Doutor em Literaturas de Língua Inglesa (PUC-SP), do Departamento de Língua Estrangeiras Modernas da UFPB. E-mail: jeovamendonca@live.com 2. Graduanda em Letras, modalidade Inglês (UFPB – Campus I - DLEM). Pesquisadora PROLICEN (UFPB). E-mail: bellaisadantas@gmail.com

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from social patriarchy and determinism has been molding the readers’ perspective, men and women, over the feminine. This traditional angle creates feminine stereotypes and diminishes the literary value of works written by women. In the short story “Beyond the Bayou”, Chopin subverts the mold of this feminine image through Jacqueline, the short story central character, an enslaved African-descendant woman who, by the usage of her own strengths, makes the effort to unleash herself of her own restraints. The Chopin’s short story analyzed displays that the feminine goes beyond the traditional stereotypes attributed to women in literature, and also that this distorted image needs to be assessed, as well as demystified, through the reading of literary works written by women. Key words: Feminist Movement; literary tradition; Kate Chopin.

INTRODUÇÃO Kate Chopin (1850-1904) é considerada uma grande expoente da literatura crioula-sulista dos Estados Unidos. Seus contos, reunidos em duas coletâneas: Bayou folks (1894) e A Night in Arcadie (1897), obtiveram um relativo sucesso para uma escritora de cultura católica de uma região escravocrata. Por outro lado, seus dois romances, At Fault (1894) e The Awakening (1899), não lograram semelhante recepção, sendo o último tão arduamente criticado, devido ao caráter não convencional da personagem principal do romance, que deixou a escritora numa espécie de ostracismo em termos de publicação. Só a partir dos anos de 1950, sua literatura foi realmente resgatada, pela forte e inusitada representação da figura da mulher e devido às questões raciais discutidas em sua obra. A ligação entre vida e obra é notória na obra de Kate Chopin, que viveu num período especial da história dos Estados Unidos: época do amplo desenvolvimento do capitalismo industrial no pós-guerra de independência, do cientificismo e da luta dos indivíduos por seus direitos e por melhores condições de vida. Passando toda sua vida na parte sulista do citado país, Kate Chopin cresceu numa casa cheia de escravos e vivenciou profundamente tanto o movimento abolicionista quanto a Guerra Civil norte-americana. O contato com a cultura criola-sulista norte-americana aconteceu devido ao casamento da então Catherine O’Flaherty com Oscar Chopin em 1870. Ao longo dessa década, Kate torna-se mãe de seis filhos e o casal se estabeleceu a princípio em Nova Orleans, onde Oscar Chopin trabalhava como negociante de commodities. Com a falência dos negócios, a família Chopin se transferiu para outra região da Louisiana. Isso deu à Kate Chopin a oportunidade de entrar em contato com a cultura crioula da região, algo que influenciaria seus futuros escritos, e de permanecer imersa numa região com fortes conflitos político-raciais. Pontuado por estas considerações iniciais, o presente artigo pretende investigar a repreConceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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sentação da personagem feminina afrodescendente no conto “Além do Bayou” através da análise da personagem central do conto, Jaqueline, codinome La Folle, uma mulher escravizada que, após um trauma de infância, traça uma fronteira entre ela e o mundo exterior demarcada pelo Bayou, área alagadiça comum no sul dos Estados Unidos. A análise do conto “Além do Bayou” de Kate Chopin e de sua personagem central será respaldada aqui a partir da perspectiva teórico-histórica do Movimento Feminista, uma vez que é sobre a vida e a experiência das mulheres do sul dos Estados Unidos que Kate Chopin escreve, independentemente de sua classe social ou a cor, todas elas submetidas, de uma forma ou de outra, às mesmas limitações e barreiras impostas por valores sociais patriarcais. BREVE REVISÃO TEÓRICO-HISTÓRICA DO MOVIMENTO FEMINISTA A produção literária de Kate Chopin pode ser considerada uma literatura de vanguarda no que diz respeito à representação da mulher de sua época em personagens femininas que desafiam conceitos e preconceitos, ora de comportamento social, ora raciais. Diante desta evidência, julgamos ser viável apresentar aqui uma breve leitura crítica de seu conto “Além do Bayou” a partir de uma perspectiva feminista. Para tanto, apresentaremos um breve histórico dos desafios e conquistas das mulheres ante uma sociedade cuja orientação ainda é predominantemente masculina. Diante do relato que faremos a seguir, pretendemos elencar alguns princípios com os quais pretendemos “ler” o conto da citada escritora. O primeiro ponto a ser mencionado é o Feminismo enquanto movimento político. Sendo assim, o Feminismo é um movimento de luta pelos direitos e oportunidades das mulheres ao discutir o papel que elas ocupam na sociedade. Esse movimento carrega consigo um discurso de caráter político e filosófico, mas também intelectual (GASPARETTO JUNIOR, 2016). Quando se fala em Feminismo, além da luta pelo direito das mulheres, também podemos destacar a crítica à ordem patriarcal dominante de opressão das mulheres (ROONEY, 2006). Por se tratar de um movimento de transformação social, o ativismo feminista sempre carregou consigo esse baluarte de representação política. O movimento feminista possui então a teoria como ponto central e a conscientização como prática. Apesar da conexão ideológica, Ellen Rooney (2006) defende que há sim diferenças entre o feminismo como ação política e o feminismo da crítica literária. Ao escrever sobre a teoria feminista, a citada teórica destacou que a crítica feminista está intimamente conectada à política feminista. Uma dissociação não pode ser feita, já que a Crítica Literária Feminista é fruto desse ativismo político que, de acordo com Gillespie (2010, p.110), afetou positivamente várias áreas do conhecimento humano, não só a Crítica Literária. Dessa forma, o Feminismo pode ser definido como um movimento de luta pelos direitos e oportunidades das mulheres ao discutir o papel que elas ocupam na sociedade. Assim, a Crítica Feminista tem como eixo central o estudo da representação das mulheres na literatura, demonstrando como os textos literários refletem ou ignoram essas mulheres, reforçando preconceitos ou mesmo desafiando-os. Segundo Gillespie (2010, p.110), ela tem como objetivo 56

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a promoção da igualdade, assegurando uma representação justa das mulheres, em textos e mesmo nas salas de aula, promovendo uma transformação nas consciências dos estudantes. Essa ideia é corroborada por Judith Fetterley, quando afirma que a Crítica Feminista é antes de tudo uma ação política que propõe não só a interpretação do mundo, mas também, a transmutação da consciência dos leitores e da sua relação com os textos literários (FETTERLY apud GILLESPIE, 2010, p. 110). As ativistas feministas trabalham na busca pelos direitos das mulheres e de seus interesses. Nesse processo, elas procuram e apontam os mecanismos que mantêm as mulheres, segundo palavras de Gillespie (2010) “... oprimidas, exploradas, marginalizadas e silenciadas” (GILLESPIE, 2010, p.110). Esses artifícios são sutis e tão arraigados que, mesmo revelados, continuam a aprisionar as mulheres. Assim visualizou Marilyn Frye ao ilustrar o aprisionamento das mulheres em uma sociedade patriarcal: “(...) a close examination of a single wire of a bird cage makes it difficult to see the other wires or to understand why the bird would not just fly around that wire and be free” (FRYE apud CODE, 2002). A metáfora da gaiola, mais detalhadamente explorada no texto de Frye, remete a todo o sistema de estruturas sociais que limitam a existência das mulheres enquanto seres humanos nessas sociedades. Essas estruturas estão profundamente enraizadas na prática social que se naturalizaram por meio das ideologias que permeiam as sociedades patriarcais. Code (2002) afirma que cultura e patriarcalismo são considerados como iguais. Como duas faces de uma moeda, cujo preço é o domínio do masculino sobre o feminino. Essa ideia enraizasse na história do pensamento ocidental há algum tempo. Aristóteles, por exemplo, defendia o determinismo biológico, em que a importância da mulher é vista apenas por sua capacidade de reprodução. Essa percepção começou a ser questionada principalmente a partir do século XVIII, com a emergência das teorias políticas liberais e com o desenvolvimento socioeconômico proporcionado pela era das revoluções: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. A concepção de que todos são livres e iguais inspirou as primeiras feministas. A inferioridade delas estaria relacionada, na verdade, a uma consequência da falta de educação escolar e oportunidade; uma ideia firmemente defendida, por exemplo, por Mary Wollstonecraft em sua obra Vindication of the Rights of the Woman (1792):

“(…) they [women] would be more respectable members of society, and discharge the important duties of life by the light of their own reason. ‘Educate women like men,’ says Rousseau, ‘and the more they resemble our sex the less power will they have over us.’ This is the very point I aim at. I do not wish them to have power over men; but over themselves” (WOLLSTONECRAFT, 1792, p.6).

A opinião da feminista inglesa é dirigida a Jean-Jacques Rousseau que em sua obra Emile (1762), sobre a educação de homens e mulheres, resgata o determinismo biológico aristotélico. Para o filósofo iluminista, os homens deveriam ser educados para desenvolver toda a potencialidade Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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de seu intelecto para assim assumir seu papel social de direito, enquanto que as mulheres deveriam ser treinadas para completar o homem, embelezar sua vida, cuidar de seus filhos e obedecer a seus comandos (CODE, 2002). Wollstonecraft defende que se as mulheres tivessem a mesma educação e oportunidades dadas aos homens, elas seriam iguais a eles, em todos os sentidos. Nesse ambiente político-social, teve início à chamada “Primeira Onda” do movimento feminista, que se caracterizou como a mais longa e a que mais “tijolos” precisou derrubar da muralha patriarcal que impedia as mulheres de enxergar novos horizontes. A “Primeira Onda” possuía como característica mais proeminente a luta por igualdade entre homens e mulheres, principalmente no que se refere à questão sufragista. O direito ao voto carrega consigo o ideal da conquista do direito de escolher e exercer participação política. Esse movimento teve forte atividade no Reino Unido e nos Estados Unidos. Na Europa, por esse tempo, a questão marital, bem como o determinismo biológico, foram discutidos pelos marxistas e socialistas. Segundo esses teóricos e ativistas, fatores biológicos não podem justificar as desigualdades sociais e nem a opressão social de um grupo sobre o outro (CODE, 2002). Dessa forma, o feminismo marxista centra-se nos fatores econômicos e na conexão entre opressão de classe e opressão das mulheres. Como a Literatura é antes de tudo um produto cultural, ela reflete a imagem desse fato histórico. A consequência disso foi até bem pouco tempo uma literatura predominantemente de homens, com protagonistas masculinos que refletem suas preocupações. Seguindo essa lógica, seriam os homens que definem a literatura e o que ela representa. Ao longo da História, as escritoras femininas foram constrangidas por diversas formas de mordaças sociais e econômicas que vão desde barreiras à educação, como destacou Wollstonecraft, até mesmo à exclusão de sua produção dos cânones literários. Dentro da produção literária masculina, as personagens femininas são representadas de forma estereotipada: a mulher sedutora, a virgem ou a vítima (GILLESPIE, 2010, p.111). Essa visão masculina do feminino vem dominando a história da literatura. Além dos personagens femininos estereotipados, as escritoras precisavam enfrentar o preconceito e a descrença. Para publicarem seus trabalhos, no século XIX, por exemplo, muitas escritoras tiveram de recorrer a pseudônimos masculinos ou mesmo ao anonimato. Isso mostra o preconceito contra a produção literária feminina, exemplificado pelas palavras do escritor norte-americano Nathaniel Hawthorne que afirmou que teve seus livros superados em vendas por uma “damned mob of scribbling women” (HAWTHORNE apud GILLESPIE, 2010, p. 111). Além de serem constrangidas a não assinarem o próprio trabalho, as escritoras desse período também tinham sua pena quebrada pela temática de suas histórias. Romances românticos e dramas domésticos, que caracterizam a literatura feminina dessa época, eram considerados leves e, por isso, de pouco valor estético para serem considerados como grande literatura (GILLESPIE, 2010, p. 111). A década de 1960 inaugura a era moderna da Crítica Feminista com a “Segunda Onda”, que trouxe uma nova percepção do ensino de literatura pelas academias, seguindo duas correntes temáticas: uma avaliando as mulheres como escritoras; a outra, analisando a representação das 58

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mulheres no texto literário. Discorrendo sobre o assunto, Tim Gillespie (2010) destaca que o exame do cânone literário desse período mostrou uma exclusão expressiva de escritoras mulheres. Por esse motivo, um dos questionamentos levantados pelas acadêmicas feministas foi sobre como é feita a definição de literatura universal por excelência. Para isso, realizaram estudos sobre como autoras do passado conseguiram encontrar o caminho para o padrão literário tradicional, enquanto que outras trabalharam exatamente para desafiá-lo, caso de Kate Chopin. Como abordado anteriormente, as escritoras do século XIX tinham seu trabalho limitado tanto pelo estereótipo quanto pelo gênero de narrativa. A escrita masculina era voltada para o espaço público, com enredo e personagens masculinos que partiam em longas jornadas de heroísmo e aventura. Já o enredo feminino dessas escritoras retratava o espaço privado, com dramas domésticos. Além disso, muita produção feminina com potencial literário era produzida em gêneros não considerados tradicionalmente como literários: cartas, diários e jornais (GILLESPIE, 2010, p. 112). Apesar dessas barreiras que aprisionavam esses “pássaros literários”, essas obras femininas tiveram seu potencial reconhecido pelos acadêmicos feministas na “Segunda Onda” que encontraram nesse tipo de produção uma prova de valor e de poder nos romances femininos. Isso demostra que as limitações podem representar oportunidades de expressão e subversão. A segunda corrente de objetivos da “Segunda Onda” analisou a representação das mulheres na literatura, principalmente em obras usadas nas salas de aula por jovens leitores. Segundo Gillespie (2010), essas análises mostraram que personagens femininas na literatura canônica são frequentemente retratadas de forma negativa, como “subservientes, submissas, fracas, dependentes, observadoras passivas, sonhadoras com preocupações domésticas e românticas, raramente autônomas3” (GILLESPIE, 2010, p.113). Já os personagens masculinos são caracterizados como “ativos, competentes, líderes, confiantes e seguros, fortes e poderosos, independentes, interessados em aventuras e desafios4” (GILLESPIE, 2010, p.113). Esses estereótipos de comportamento promovem uma influência negativa sobre leitores, principalmente sobre aqueles em formação acadêmica-escolar. Além do estereotipo, o número limitado de obras literárias escritas por mulheres ou sobre mulheres também produz efeitos negativos tanto para meninas quanto para meninos. Num universo escolar assim configurado, as meninas podem ter suas perspectivas diminuídas por não verem exemplos de mulheres bem-sucedidas como escritoras profissionais. A falta de identificação com as personagens narradas pode também criar obstáculos para a valorização da leitura por parte dessas leitoras. Os meninos também são prejudicados uma vez que perdem a oportunidade de aprender mais sobre personagens femininas, sobre o universo feminino, e de ampliarem seu universo cultural, como destaca as pesquisadoras Liz Whaley e Liz Dodge quando afirmam que: “If we do not read and study about many peoples and cultures, including the women, of the world, past and present, how can we get along with each other?” (DODGE & WHALEY 1993, p.24 apud GILLESPIE, 2010, p.114). A literatura traz consigo a função de transformar uma história particular em algo universal,

3. Tradução dos autores. 4. Tradução dos autores.

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que representa a experiência de todos os leitores. Para as mulheres essa universalidade sempre esteve atrelada a uma visão masculina, uma vez que elas não se viam espelhadas na literatura. Segundo Gillespie (2010), isso leva a uma perspectiva de que o que é universal não é feminino. O trabalho da Crítica Feminina vem promovendo um maior leque de disponibilidade de obras femininas para os estudantes, tornando mais audível a voz das mulheres escritoras, como destaca esse autor: “Women’s voices have become more regularly a part of the chorus, and the result has been a richer song” (GILLESPIE, 2010, p.115). Na última década do século XX, contudo, a ideia de desigualdade de gênero cultural e socialmente construída vem sendo contestada dentro do movimento feminista, especialmente pela corrente do Feminismo da Diferença, que reconhece as diferenças significativas entre os sexos. De acordo com Gasparetto Junior (2016), esse processo de contestação dentro do movimento é uma das características da “Terceira Onda” do movimento feminista, que busca a correção dos equívocos e espaços vazios deixados pelas duas primeiras ondas. Segundo Rooney (2002) a vida social apresenta uma gama de variedades de formas ou modelos do feminino, o que desencadeia um constante processo de reconfiguração da categoria mulher. O próprio processo de transformação social do sujeito em mulher carrega consigo tanto aspectos ideológicos quanto políticos, já que, como afirmava Simone de Beauvoir, “(...) a mulher não nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR apud CODE, 2002). A “Terceira Onda” é fortemente influenciada pelas teorias pós-estruturalistas com uma abordagem micropolítica, que reconhece as diferenças entre as mulheres e suas experiências de vida de acordo com a sociedade e etnia as quais pertencem. As duas primeiras ondas possuem uma definição de feminilidade associada ao padrão constituído pelas experiências de vida de mulheres brancas oriundas de classes média e alta. Essa concepção de classe é criticada por Rooney (2002) que afirma que quando se define o movimento feminista por categorias como gênero ou mulheres, logo se interliga esse movimento a padrão de status da classe-média branca e heterossexual estadunidense, tornando-se mais uma representação dos valores dessa classe específica que realmente uma representação da categoria “mulheres”. Diante do exposto, elencamos a seguir 6 (seis) pontos que balizarão nossa leitura do conto proposto, dispostos aqui através das seguintes questões: 1. Pode-se dizer que este conto representa oportunidades de expressão e subversão aos limites impostos à literatura feminina do século XIX? 2. Quais códigos narrativos em “Além do Bayou” apontam para uma opressão de classe e opressão das mulheres? 3. Como o preconceito racial, social e de gênero é retratado na narrativa do conto Beyond the bayou? 4. Como o conto representa ou desafia os valores patriarcais? Que atitudes da personagem central do conto retratam esses valores ou os desafia? 5. Como o determinismo biológico é representado ou avaliado em se tratando de sua personagem central? 6. Como se dá a reconfiguração da categoria mulher negra neste conto? Podemos dizer 60

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que La Folle/Jaqueline “torna-se mulher” em seu percurso para além do Bayou? De que forma os aspectos ideológicos e políticos são trabalhados nessa transformação?

BEYOND THE BAYOU: ALÉM DO ESTEREÓTIPO ESCRAVISTA

A literatura produzida por Chopin concentra-se em figuras femininas, mostrando ao leitor um lado não desvelado da feminilidade até então. O conto “Além do Bayou”, por exemplo, tem como protagonista Jacqueline, de codinome La Folle, descrita como “... a large, gaunt black woman, past thirty-five” (CHOPIN, 2004, p.122); um tipo de personagem que foge ao caráter burguês atribuído às personagens descritas nos romances femininos por seu caráter e posição social: ela é uma afro-americana escravizada. Como muitas mulheres escritoras de seu tempo, a produção literária de Kate Chopin tem sua ambientação centrada na vida doméstica e privada, característica que não diminui o lastro estético de seu trabalho, uma vez que esse é o cenário no qual estava encerrada grande parte das mulheres do século XIX. Contudo, o conto de Chopin ora em análise é um exemplo de como a produção literária feminina lançou mão das grades que aprisionavam as mulheres como ferramentas de subversão. Para isso, a autora utiliza o ambiente doméstico escravizador, as grandes propriedades rurais dos Estados Unidos, para dar vida a uma personagem que representa não apenas a figura das mulheres escravizadas por sua condição racial e social, mas também a mulher como categoria universal que precisava libertar-se de todas as limitações impostas desde o berço por um conjunto de valores e ideologias cristalizados na cultura ocidental. A questão escravista no conto de Chopin é mostrada de forma sutil e velada, como era o contrato social da época, em que os brancos não questionavam a ordem vigente de escravização de seres humanos. No conto, a questão escravista é aludida pelo bayou e seu significado metafórico: uma barreira natural que, para a personagem, não poderia ser transposta. Essa concepção que a qualifica como Jacqueline/La Folle, é originada numa cena que presenciou em sua infância, fato que traumatizou a então menina:

“It was when there had been skirmishing and sharpshooting all day in the woods. Evening was near when P’tit Maître, black with powder and crimson with blood, had staggered into the cabin of Jacqueline’s mother, his pursuers close at his heels. The sight had stunned her childish reason” (CHOPIN, 2004, p. 122).

O trecho faz alusão à Guerra de Secessão dos Estados Unidos, ocorrida entre os anos de 1861 e 1865. O conflito mobilizou todo o sul escravista e muitos proprietários de terras literalmente lutaram em batalhas para garantir o que para eles se tratava de um direito de propriedade. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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Essa passagem do conto recapitula esse contexto, em que os estados do norte, com grande arsenal bélico e industrializado, conseguiram submeter os estados escravistas sulistas. A chegada do então jovem Petit Maître, “negro de pólvora e escarlate de sangue”, é uma imagem simbólica forte para a guerra civil norte-americana e suas consequências traumatizantes para todo o país. É a imagem que promove um choque emocional na pequena Jacqueline, filha da “mammy”, a escravizada que cuidara de Petit Maître quando criança. Uma leitura possível desse trauma de Jacqueline pode se relacionar ao fato de, mesmo com o fim da Guerra de Secessão e com a decretação da 13ª emenda, proclamando o fim do regime escravista, a escravidão nos Estados Unidos permaneceu por uma questão puramente cultural nas sociedades sulistas norte-americanas como um todo. Essa escravidão era de caráter psicológico também, além de social e política. É essa barreira psicológica representada no conto pelo limite traçado pela personagem Jacqueline no início do conto, em que: “(...) Through the woods that spread back into unknown regions the woman (Jacqueline) had drawn an imaginary line, and past this circle she never stepped. This was the form of her only mania” (CHOPIN, 2004, p. 122). Essa linha divisória impedia que a personagem atravessasse o bayou e tivesse acesso à Belissime, às plantações da propriedade e de certa forma às riquezas da terra. A crítica a esse aspecto é feita de forma simbólica, por meio das atitudes de Jacqueline que reproduzem a mesma ligação afetiva e maternal que sua mãe mantinha pelo pai do garoto, Petit Maître. A tomada de consciência da personagem emerge após a revivência e enfrentamento do trauma de infância. Uma vez liberta desse trauma, Jaqueline fala de igual para igual com Madame, a mãe de Chéri e esposa do proprietário da plantation, revelando assim a retomada de sua autoestima como pessoa, mas também como a de representante de uma raça que almeja a igualdade em seus direitos. O preconceito racial é reproduzido pela forma como Jacqueline/La Folle, é vista pelos moradores da plantation que se espantam ao vê-la atravessar o bayou, uma vez que ela nunca o fizera depois do incidente da infância. A cena é narrada da seguinte forma por Chopin: “Children, old men, old women, young ones with infants in their arms, flocked to doors and windows to see this awe-inspiring spectacle. Most of them shuddered with superstitious dread of what it might portend. “She totin’ Chéri!” some of them shouted. Some of the more daring gathered about her, and followed at her heels, only to fall back with new terror when she turned her distorted face upon them. Her eyes were bloodshot and the saliva had gathered in a white foam on her black lips. (...) Her eyes were fixed desperately before her, and she breathed heavily, as a tired ox” (CHOPIN, 2004, p. 125).

Esse preconceito aparece de forma supersticiosa para a população local, mas também com certa conotação racial. A personagem assume uma forma quase animalesca diante do pavor que sente ante a necessidade de atravessar o bayou para socorrer seu pequeno e amado Chéri; sendo

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comparada a um touro, que curiosamente é um símbolo de força, lealdade e trabalho. Certo preconceito é também desconstruído neste momento da narrativa pela relação maternal estabelecida entre Jacqueline (La Folle) e Chéri, filho do proprietário Petit Maître. O menino recebeu esse apelido, Chéri, por causa dela e ele não parece perceber as definições de divisão social entre eles, pois sempre atravessa o bayou para visitar a maternal amiga, inclusive levando-lhe frutas, um mimo sempre roubado das ceias na casa grande. Essa relação afetiva e materna é que vai impulsionar a personagem a atravessar a barreira física de seu trauma, já que Chéri se fere e precisa ser levado até Belissime. O preconceito tanto de classe quanto racial é mais significativamente desconstruído na cena final do conto, em que Jacqueline atravessa o bayou e vai até Bellissime no dia seguinte em busca de notícias sobre Chéri e é recebida pela mãe do menino. O diálogo entre a escravizada e sua senhora, entre as mulheres negra e branca, estabelece uma relação de oposição e é descrito abaixo:

“La Folle rapped softly upon a door near at hand. Cheri’s mother soon cautiously opened it. Quickly and cleverly she dissembled the astonishment she felt at seeing La Folle. “Ah, La Folle! Is it you, so early?” “Oui, madame. I come ax how my po’ li’le Cheri do, ‘s mo’nin’.” “He is feeling easier, thank you, La Folle. Dr. Bonfils says it will be nothing serious. He’s sleeping now. Will you come back when he awakes?” “Non, madame. I’m goin’ wait yair tell Cheri wake up.” La Folle seated herself upon the topmost step of the veranda” (CHOPIN, 2004, p.126-127).

Nesse diálogo, essa oposição de classe é desfeita pela atitude de Jacqueline de falar face a face com a esposa do dono da propriedade, indagando sobre a saúde de Chéri e afirmando seu posicionamento de esperar o menino acordar, desrespeitando de certa forma a vontade da senhora, algo impensável de acontecer sem consequências severas para um escravizado. Como foi disposto no início deste ensaio, de acordo com Gillespie (2010, p.113), a literatura tradicional ao retratar a figura feminina atribui-lhe características debilitantes e limitadoras. Essa visão tradicional e masculina sobre a mulher é desconstruída no conto “Além do Bayou”, uma vez que sua personagem central, apesar de suas limitações (uma mulher escravizada, negra e de magreza desnutricional), demonstra ser ao final da narrativa uma mulher forte, independente e capaz. Jacqueline mora sozinha em sua pequena cabana de um só cômodo (cabin). Não é casada, nem tem filhos e por viver em isolamento é considerada louca (La Folle), pelos moradores e trabalhadores da região. Para os valores patriarcais da época, isso era considerado uma tragédia social para uma mulher, mas no conto representa a independência da personagem e a habilidade de cuidar de si mesma, afinal: “She dwelt alone in her solitary cabin, for the rest of the quarters had long since been removed beyond her sight and knowledge. She had more physical Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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strength than most men, and made her patch of cotton and corn and tobacco like the best of them” (CHOPIN, 2004, p. 122).

Essa capacidade de cuidar de si mesma e de sua vida desconstrói estereótipos por séculos atribuídos à mulher, limitando-a biológica e socialmente, entre eles o da mulher lânguida e frágil. Jacqueline é uma mulher de muita força apesar da sua desnutrição e aparente debilidade física, ideia que pode ser observada no seguinte trecho: “She lifted him (Chéri) in her powerful arms” (CHOPIN, 2004, p.124). Além da força física, é detentora de grande força de vontade, demonstrada quando se viu pressionada a atravessar o bayou, algo que a apavorava terrivelmente. Cruzar o bayou e enfrentar o trauma só foi possível por ela já ter em si mesma essa autoconfiança, sendo o evento com Chéri apenas o gatilho desencadeador. Assim, diante do que já foi exposto sobre a personagem central do conto “Além do Bayou”, é possível caracterizá-la como representativa de um ser em busca de uma identidade existencial e de gênero. Ao se isolar no avant the bayou, Jacqueline recebe o epíteto de La Folle, a louca. Se pensarmos na vida das mulheres do século XIX, tempo em que o conto foi produzido por Kate Chopin, esse isolamento social era uma característica social das mulheres de uma forma geral. Elas tinham uma vida puramente doméstica e privada, não podiam se devotar a uma vida fora do lar, ou seja, ter um trabalho assalariado que lhe promovesse o sustento e a independência financeira (CODE, 2002). Esse isolamento causava na vida dessas mulheres problemas de caráter social e psicológico, pois sem uma vivência exterior, elas eram alienadas das transformações sociais. Se seguirmos a concepção tradicionalista da literatura que representa a figura feminina de forma estereotipada, aquela que classifica as mulheres como a sedutora, a virgem ou a vítima, como bem destacou Gillespie (2010, p.111), poderíamos categorizar Jacqueline como a vítima: das circunstâncias de seu nascimento (social e econômico) e de um evento externo que a traumatizou. Mas em histórias de vítimas femininas, sempre se privilegiou a figura masculina, do herói que sai em longas jornadas em busca e aventuras ou mesmo para salvar mulheres em perigo e indefesas. No caso da personagem central do conto “Além do Bayou”, nenhuma figura masculina vem em seu socorro quando ela se viu em extrema agonia e perigo, como quando Jacqueline clama por socorro às margens do bayou:

“When she was at the bayou’s edge she stood there, and shouted for help as if a life depended upon it: “Oh, P’tit Maitre! P’tit Maitre! Venez donc! Au secours! Au secours!” No voice responded. Cheri’s hot tears were scalding her neck. She called for each and every one upon the place, and still no answer came” (CHOPIN, 2004, p. 124).

Jacqueline, La Folle chama por Petit Maître, mas seu senhor não podia ouvir seu apelo, pois não pode salvá-la de sua agonia. Afinal, ele é a figura que a escraviza, fisicamente, socialmente 64

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e psicologicamente. É nesse ponto da narrativa que a personagem se percebe realmente sozinha diante de um mundo vasto e deserto e que precisa tomar uma decisão rápida: agir por conta própria. Assim, ela fecha os olhos diante das barreiras auto-impostas e atravessa o bayou; na sua percepção, como se fora o oceano que a impedia de acessar o mundo. Atravessar o oceano de pânico e pavores demanda uma força tão sobre-humana que Jacqueline desfalece ao entregar Chéri a seu pai, e quase morre. Ela deixa de ser a vítima das circunstâncias e passa, a partir de sua atitude, a ser a salvadora de si mesma. Nesse sentido, a visão tradicional de muitas narrativas é desfeita por Chopin. Essa quase morte faz renascer uma nova Jaqueline, uma pessoa que tomou consciência de sua existência e excelência como ser humano, mas também como mulher. Essa conscientização modifica a percepção da personagem sobre o mundo que a cerca como se, de um dia para o outro, tudo tivesse ganhado cores, sabores e sentidos. O acidente com Chéri, apenas um pretexto no contexto desta narrativa, despertou nela sua real identidade, algo que já estava dentro de si e precisava emergir de sua profundeza oceânica. Dessa forma, podemos afirmar que o conto “Além do Bayou” desconstrói o estereotipo de representação feminina na literatura tradicional ao ser a própria personagem feminina a desbravadora de novos horizontes sociais e econômicos. Se resgatarmos os valores socioculturais da América do Norte sulista do século XIX, devemos observar que Jacqueline/La Folle, sendo uma escravizada negra, não era tratada nem considerada com um ser humano e sim como uma propriedade, um animal pronto para o trabalho pesado no arado. Ela é uma escravizada que vive sozinha e em isolamento entre o campo alagado pelo bayou e uma floresta, entre o lado de cá pobre dos escravizados e o lado além do bayou, de Belissime, onde reside o Senhor e Senhora das plantations, inacessível àqueles de condição e cor ditos inferiores. Apesar de ser conhecida como La Folle, ou A Louca, não possui nenhum traço que justifique uma perturbação mental. Ao contrário disso, é uma pessoa amorosa e de grande criatividade já que em sua amizade com o pequeno Chéri, é ela a contadora de “wondrous stories”, que remete a uma mente intelectualmente inteligente e capaz. Por se tratar de uma escravizada, a vida de Jacqueline era limitada por sua condição social e racial. Apesar da escravidão de caráter racial, a sua vida de forma geral pode ser considerada sob alguns aspectos semelhante à vida de Madame, mãe de Chéri. Ambas estavam limitadas a sua condição existencial por forças que estavam além das suas capacidades. Mesmo assim, o que difere a vida de ambas é o reconhecimento social de sua existência já que Madame era considerada um ser humano mulher, enquanto que Jacqueline, não. Contudo, essa percepção é modificada na cena final do conto, que retrata o curto diálogo entre a senhora e a escravizada, como já foi anteriormente mencionado. Após vencer seu trauma de infância e atravessar o bayou, Jacqueline percebe-se como ela verdadeiramente é: um ser humano, uma mulher forte com um mundo à sua frente, um mundo tão imenso que seus limites lhe fogem ao alcance da visão, como pode ser observado no trecho: “A look of wonder and deep content crept into her face as she watched for the first time the sun rise upon the new, the beautiful world beyond the bayou” (CHOPIN, 2004, p. 127). Esse novo dia traz novas perspectivas, uma nova luz que a nova Jacqueline vai certamente utilizar para guiar sua vida. Ela certamente terá outras histórias a contar, histórias de liberdade. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese ao que expusemos no presente artigo, compreendemos que Kate Chopin no conto “Além do Bayou” promove uma subversão temática da literatura tradicional patriarcal, na qual estava inserida no século XIX, ao apresentar uma narrativa cuja personagem central é uma mulher negra e escravizada do sul dos Estados Unidos. Chopin quebra a imagem da fragilidade física tradicionalmente associada às personagens femininas na literatura ao caracterizar Jacqueline fisicamente debilitada pelo trabalho excessivo, bem como pela desnutrição, mas psicologicamente forte e tão capaz que, com suas próprios meios e força, promove sua libertação das restrições impostas a si mesma. Esse ato de libertação, por outro lado, ultrapassa os limites das questões que confinavam La Folle nos traumas de sua infância, para encaminhá-la além das fronteiras do Bayou, ou seja, para um lado “mais belo” (Bellissime) da vida social humana, daquele que não reconhece as barreiras de preconceito racial. Dessa forma, tanto o conto “Além do Bayou” quanto a literatura produzida por Kate Chopin e outras escritoras femininas mostram-se necessárias na formação intelectual de leitores em geral, por revelarem a perspectiva feminina sobre a vida e existência das mulheres, quebrando estereótipos literários e formando leitores mais empáticos e socialmente conscientes.

REFERÊNCIAS

CHOPIN, Kate. The Awakening and selected short stories. London: Icon, 2009. CLARK, Pamela. “Kate Chopin Biography”. Disponível em: http://www.katechopin.org/biography/. Acessado em: 15 set 2017. CODE, Lorraine (ed.). “Feminist theories: a historical sketch”. In: Encyclopedia of feminist theories. London and New York: Routledge, 2002. GASPARETTO Junior, Antônio. “Guerra de Secessão”. Disponível em:<http://www.infoescola.com/ historia/guerra-de-secessao/>. Acessado em: 27 ago 2016. GASPARETTO Junior, Antônio. “A primeira onda feminista”. http://www.infoescola.com/historia/primeira-onda-feminista/. Acesso 18 de julho de 2016. GILLESPIE, Tim. “Feminist Criticism for Students: Interrogating Gender Issues”. In: Doing Literary Criticism: Helping Students Engage with Challenging Texts. Stenhouse Publishers, 2010. CD 110-116. ROONEY, Ellen. “The literary politics of feminism theory”. In: Feminist Literary Theory. Cambridge: CUP, 2006. WOLLSTONECRAFT, Mary. Vindication of the Rights of the Woman. London: Dover Publications, 1996.

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Daniel César Franklin Chacon 1

Direito e Linguagem: diversidade da nomenclatura curricular da disciplina ‘Língua Portuguesa’ nos cursos de Direito no Brasil RESUMO O objetivo desta investigação é demonstrar, para a comunidade acadêmica em geral, a diversidade da nomenclatura das disciplinas de Língua Portuguesa nos cursos de Direito nas Instituições de Ensino Superior (IES). A pesquisa se volta ao processo de ensino-aprendizagem e focaliza as propostas de oferta de disciplinas ‘Língua Portuguesa’ em matrizes curriculares desses cursos. Justifica-se, o presente estudo, pelas constantes e permanentes propostas de reformas das Diretrizes Curriculares Nacionais, especificamente nos cursos de Direito, no nosso país. Metodologicamente, a pesquisa, de cunho qualitativo, interpretativista e descritiva, bibliográfica e documental, trazendo uma análise de um corpus de 23 matrizes curriculares, escolhidas aleatoriamente entre os cursos de graduação em Direito no Brasil. Por meio das matrizes curriculares desses Cursos se extraem dados comparativos e descreve-se em quadro resumitivo. Como resultados comprova-se o crescente interesse nos estudos da interface Linguagem-Direito e se destaca a presença da Língua Portuguesa como disciplina expressiva e representativa nos estudos jurídicos, concluindo-se que há uma expressiva variedade de nomenclaturas das disciplinas de Língua Portuguesa, propondo-se assim a padronização dessa importante disciplina nos estudos jurídicos. Palavras-chave: Língua Portuguesa; Matriz Curricular; Direito e Linguagem.

1. Doutor em Linguística e Mestre em Direito. Professor do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas – DCSA, do Centro de Ciências Aplicadas e Educação - CCAE, Campus IV – Litoral Norte. E-mail: danielchaconadv@hotmail.com

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ABSTRACT The aim of this research is to demonstrate to the academic community in general, the nomenclature diversity of the Portuguese Language subject in Law Graduating Courses at Higher Education Institutions. The research approaches the teaching-learning process, and focuses on the proposals of the Portuguese Language subject, in curricular matrices of such courses. The present study is justified by the constant, permanent proposals for reforms of the National Curriculum Guidelines, specifically for our Law Graduating courses. Methodologically, this is a qualitative, interpretative, descriptive, bibliographical and documentary research, bringing an analysis of a corpus comprising 23 curricular matrices, randomly chosen among undergraduate law courses in Brazil. By means of the curricular matrices of such courses, comparative data were extracted and described in a summary table. As a result, the growing interest in the studies of the Language-Law interface is proven, and the presence of the Portuguese Language as an expressive and representative subject in legal studies is highlighted. One can conclude that there is an expressive nomenclature variety for this subject. Thus, one proposes to standardize this outstanding subject in legal studies. Key words: Portuguese Language; Curriculum; Law and Language.

1. INTRODUÇÃO

Desde a criação dos cursos jurídicos no Brasil, em meados do século XIX (agosto de 1827), procura-se a efetivação e execução de mudanças em nível curricular desses cursos. Dessa época até o século XX, por volta dos anos 1950 a 1960, não se destacam grandes mudanças curriculares nessa área. Ao longo desses anos vem-se desenvolvendo projetos para inovar, inclusive de acordo com as especificidades regionais, essas diretrizes curriculares. Cabe ao Ministério da Educação (MEC) a regulamentação dessas diretrizes. O MEC conta com a contribuição das Instituições de Ensino Superior (IES) e outros órgãos interessados no diálogo e reflexão sobre os currículos, como exemplo: as mantenedoras de instituições de ensino privado; órgãos de classe como, no caso do Direito, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e as próprias IES. Todavia, a competência para regular fica sob a tutela do Órgão Governamental. Os outros envolvidos no debate participam desse processo como sujeitos de reflexão e debate, cujas contribuições e propostas dirigidas ao Conselho Nacional

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de Educação (CNE), servem para a elaboração e edição de normas reguladoras dos currículos. A pesquisa tem como objetivos uma análise do processo de ensino-aprendizagem voltado às propostas de oferta da disciplina ‘Língua Portuguesa’ em matrizes curriculares dos cursos jurídicos. Especificamente, a investigação busca identificar diversas nomenclaturas existentes em matrizes curriculares de alguns cursos jurídicos no Brasil, e, por meio da descrição dessas denominações, procura-se ‘lançar’ um olhar sobre a necessidade de padronização dessa importante disciplina nos estudos jurídicos. Sendo assim, justifica-se o presente estudo pela constatação de constantes propostas de reformas na estruturação e formalização das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) nos cursos de Direito no nosso país. Metodologicamente, a pesquisa, de cunho qualitativo, interpretativista e descritiva, bibliográfica e documental, trazendo uma análise de um corpus de 23 matrizes curriculares, escolhidas aleatoriamente entre os vários cursos jurídicos no país. A partir daí compila-se dados comparativos e produzem-se resultados expressos em quadros demonstrativos. A pesquisa pretende contribuir com a constatação e comprovação do crescente interesse de pesquisadores pelos estudos da interface ‘Linguagem-Direito’ e, destaca a presença da Língua Portuguesa como disciplina expressiva e representativa nos estudos das Ciências Jurídicas. Esperase que a investigação também contribua com o debate e a reflexão sobre as reformas curriculares que interessam diretamente aos cursos de Direito.

2. A INTERDISCIPLINARIDADE DIREITO – LINGUAGEM 2.1 O ‘caminhar’ dos currículos jurídicos no Brasil

Os primeiros cursos de Direito no Brasil não davam importância à inserção da Língua Portuguesa como disciplina; prendiam-se e se fixavam em disciplinas de caráter ideológico ligados ao sistema político dominante no Brasil Império (KRÜGER, 2014, p. 1). Toda atenção e ênfase eram dadas às cadeiras doutrinais como: Filosofia, Direito Eclesiástico, Direito Romano, História do Direito e Direito Privado. Nesse tempo, segundo Falcão Neto (1988), se perpetuavam as características do modelo de ensino jurídico importado de Portugal para o Brasil no período Colonial. Com o advento da República aconteceram algumas mudanças curriculares, e em 1895, através da Lei 314, de 30 de outubro, criou-se um novo currículo para os cursos jurídicos (RODRIGUES, 1995, p.41), contudo, ainda não se oferecia a ‘Língua Portuguesa’ como disciplina específica nos cursos de Direito. A matriz era voltada, preferentemente, à profissionalização dos futuros operadores do Direito, oferecendo-se disciplinas mais técnicas, a exemplo de: Direito Penal, Direito Civil, Direito Processual, Direito Comercial. Essa tendência profissionalizante coibiu, por muitos anos, o aparecimento da interdisciplinaConceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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ridade, sendo que, com o acréscimo da disciplina de ‘Introdução à Ciência do Direito’, se verifica uma análise mais ampla do fenômeno jurídico voltada para o embasamento de cunho teórico dos Cursos Jurídicos. Para Ferraz Jr (1979, p.70), o profissional do Direito seria “um técnico a serviço de técnicos”. Em 1961 foi editada, em 20 de dezembro, a Lei nº 4.024, denominada ‘Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional’ - LDB. O ensino jurídico brasileiro, nas décadas de setenta a noventa, teve como diretrizes a Resolução n. 03/72 do Conselho Federal de Educação – CFE, dispondo sobre a estruturação do currículo mínimo. A reforma dos currículos nos cursos jurídicos foi uma constante preocupação do MEC e dos ‘atores coadjuvantes’ (OAB, Mantenedoras, e outros segmentos sócio-educacionais), e no ano de 1993, por meio de estudos de uma comissão de especialistas nos ensino do Direito, foi diagnosticada a necessidade de se reformar mais uma vez o currículo das Ciências Jurídicas. Desses estudos surgiu um anteprojeto que, posteriormente, veio dar origem a edição da Portaria n.1.886/94 (RODRIGUES, 1993, p. 60). Por esse novo instrumento normativo, o ensino jurídico absorvia novas atividades curriculares, a exemplo da inserção dos trabalhos de pesquisas e investigação científica. Essa novidade veio a condicionar o aparecimento de uma maior preocupação com a iniciação científica e consequentemente a maior tendência à valorização da vertente teórica, sobretudo buscandose o ajuste gramatical e ortográfico dos textos escritos e falados produzidos pelos militantes do Direito. A portaria do MEC n.1886 do ano de 1994 trouxe como novidade a estruturação de um currículo ‘mínimo’ para todos os Cursos de Direito no Brasil. Esse currículo mudou a conscientização em relação aos egressos das Ciências Jurídicas, fazendo com que aqueles que se preparavam para atuar no Direito, entendessem a importância de sua participação no processo de desenvolvimento e transformação social no país. Essa reforma trouxe a inserção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em forma monográfica e obrigatória. Esse passo elevou a ‘Língua Portuguesa’ a uma condição de disciplina ‘essencial’ aos cursos jurídicos. No ano de 1996, a Lei Federal n. 9.394 de 20 de dezembro, aparece no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se da Lei de Diretrizes de Bases (LDB) que revoga a lei anterior de 1961 e traz, entre as suas metas, a instituição das novas Diretrizes Curriculares Nacionais. Vigentes no Brasil desde setembro do ano de 2004, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Direito foram instituídas pela Resolução nº 9/2004, da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE). Trata-se de uma norma disciplinadora dos conteúdos curriculares para formação do bacharel em Direito. Posteriormente, as IES e demais interessados analisaram e debateram o ‘Parecer CNE/CES nº 150/2013’, aprovado em 05 de junho de 2013, que tratou da Revisão do Art. 7º da supracitada Resolução CNE/CES nº 9/2004. Esse parecer veio a embasar parte do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Altera O Art. 7º da Resolução CNE/ CES nº 9/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, foi recentemente e novamente alterado pela Resolução CNE/CES nº 3, de 14 de julho de 2017, fazendo com que os Cursos Jurídicos se dediquem a fomentar estudos e pesquisas que analisem a necessidade de articulação entre formação, currículo, pesquisa e mundo do trabalho, considerando 70

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as necessidades econômicas, sociais e culturais do País. Nesse diapasão, e seguindo essa trajetória, os alunos e professores dos cursos de Direito são exigidos a buscarem cada vez mais levantamentos bibliográficos e documentais e a produção textual, aumentando-se a necessidade de se aprimorar a linguagem com o uso da nossa Língua Pátria, como componente basilar e essencial do currículo de Direito. Para Freitas (2013, p.3), sempre se exigirá, do profissional do Direito, “clareza de ideias e eficiência na exposição de suas teses”.

2.2 A importância da Linguagem em relação ao Direito

Todas as áreas do conhecimento se utilizam da linguagem como instrumento responsável pela disseminação de informação e de capacitação. O ensino básico sempre enfrentou uma defasagem no ensino da língua Portuguesa. Professores são sabedores de quanto esse problema reflete nos alunos quando ingressam no ensino superior, e constatam os efeitos dessa fragilidade. Contudo, é fato notório que, atualmente, as IES disponibilizam cada vez mais o estudo da Língua Portuguesa como disciplina tanto obrigatória, quanto eletiva, o que certamente, se configura como uma tentativa de suprir necessidades básicas em relação à nossa Língua Pátria. De acordo com Neto (NETO, 2005, p.23), o Ensino Superior no Brasil pressupõe que o currículo estabelecido no ensino fundamental e básico seja “suficiente” para se “adequar’ às disciplinas oferecidas nas IES. Nesse pensamento, a Base Nacional Curricular Comum – BNCC, que adota a política pública de educação básica no país, surge em 2017, confirmando a essencialidade do estudo das diversas formas de linguagem, colocando a Língua Portuguesa como destaque. O componente ‘Língua Portuguesa’ da BNCC dialoga com documentos e orientações curriculares produzidos nas últimas décadas, buscando atualizá-los em relação às pesquisas recentes da área e às transformações das práticas de linguagem ocorridas neste século, devido em grande parte ao desenvolvimento das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC). Assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para os quais a linguagem é “uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história”. (BRASIL, 2017, p. 63-69)

A relação Direito-linguagem é de suma importância para a convivência social e para a solução de conflitos de interesse gerados entre cidadãos. O Direito, como normas reguladoras de conduta, necessita de textos escritos pelos seus operadores (juízes, promotores, advogados, procuradores, técnicos, analistas, pareceristas, assessores etc.) que possam dar publicidade aos seus Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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atos administrativos, exteriorizando e comunicando as suas decisões. Para Novaes (2014, p. 922), vários gêneros são produzidos no domínio discursivo jurídico quando analisamos os diferentes tipos de processos judiciais. Os egressos dos cursos jurídicos trabalharão com: petições (pedidos iniciais), contestações (defesas), termos de depoimentos (de testemunhas), termos de interrogatórios (de acusados); sentenças judiciais (cíveis, penais, trabalhistas, eleitorais, previdenciárias, tributárias, etc.), recursos, pareceres e acórdãos. Eles apresentam a narração de fatos importantes nas diversas esferas da atividade humana e são elaborados a fim de compor e resolver os diferentes conflitos de interesse. Segundo Chacon (2017, p.13), o uso da oralidade também é comum no âmbito judicial, porém todas as ‘falas’ são transformadas em textos escritos pelas técnicas da estenotipia, taquigrafia ou por meio das gravações em mídias digitais, que ficam disponíveis para as transcrições ou ‘degravações. A linguagem jurídica é específica e funcional formada por seus glossários (vocabulários) e por seu discurso. Trata-se de uma linguagem pública, social, entretanto as pessoas que a utilizam não falam somente para si; elas desenvolvem uma capacidade de interlocução com a sociedade. Ainda para Chacon (2017), a área jurídica é intrinsecamente ligada ao mundo da linguagem, falada e escrita. A linguagem jurídica é um viés do estudo da linguagem e possui duplo caráter: linguístico (todos os meios linguísticos utilizados no direito como, palavras, frases, textos, estrutura, estilo, apresentação etc.), e jurídico, quando se usa a linguagem própria do Direito (lei, norma, decreto, processo etc.). Nessa perspectiva, observamos que o Direito flui na linguagem e a linguagem auxilia a prática do Direito. A existência, na língua, de um vocabulário jurídico revela a existência de uma linguagem jurídica estudada pela Linguística, denominada por Petri (2008, p.27), de “linguística jurídica”. Para Krieger (2013) a capacidade de falar e escrever devem ser plena para os profissionais do Direito, sendo, a ‘Língua Portuguesa’, um fundamental e eficaz instrumento para essa o exercício dessa linguagem técnica. Existe uma linguagem própria do Direito, e que o âmbito deste domínio discursivo propicia significados particulares a certos termos, proposições e enunciados que o compõem. O texto jurídico, como meio de comunicação, pressupõe a interação de agentes que vivem em sociedade sob a necessidade da regulamentação de condutas em um espaço determinado, todavia, pelo seu tecnicismo e, às vezes, pelo seu rigor e complexidade no uso de termos linguísticos, a linguagem jurídica precisa do amparo da norma culta da Língua Portuguesa.

3. DIVERSIDADE DE NOMENCLATURA DA DISCIPLINA ‘LÍNGUA PORTUGUESA’ NOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL. Chegamos ao ponto central de nossa pesquisa. Nesse item, descrevemos a coleta de dados do nosso corpus e observamos a existência de uma diversidade de nomenclaturas para as disciplinas que tratam da ‘Língua Portuguesa’ nos cursos de Direito do Brasil. Não existe uma uniformização de denominações, apenas o que se determina, conforme as 72

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Diretrizes Curriculares, é que as universidades devem seguir um Currículo Pleno. Esta denominação de ‘Currículo Pleno’ é exposta pelos Pareceres CES/CNE 776/97, 583/2001, 67/2003 e 55/2004.

3.1 Achados da pesquisa e análise dos dados Na nossa investigação, analisamos 23 (vinte e três) matrizes curriculares de diversas IES, todas ofertantes de qualificados cursos de Direito no Brasil. O quadro abaixo descreve as vinte e três IES, abrangendo Universidades, Centros Universitários, Faculdades, Fundações, de setores Públicos e Privados. Quadro 01 - Nomenclaturas da disciplina ‘Língua Portuguesa’ encontradas nas IES investigadas – carga horária e créditos. NOMENCLATURA E CARGA HORÁRIA DE DISCIPLINAS DE LÍNGUA PORTUGUESA IES

DISCIPLINA

TIPO

CARGA HORÁRIA

CRÉDITOS

PUC CAMPINAS (SP)

Linguagem Jurídica

Obrigatória

60 horas

04 créditos

UNIFOR FORTALEZA

Linguagem Jurídica

Optativa

60 horas

04 créditos

Português Instrumental

Optativa

30 horas

04 créditos

(CE)

UnB BRASÍLIA (DF)

Redação Oficial

Optativa

30 horas

04 créditos

Redação de Monografia

Optativa

30 horas

04 créditos

Oficina de Produ- Optativa ção de Textos

30 horas

04 créditos

Língua Brasileira Optativa de Sinais - Libras

30 horas

04 créditos

UFMS FEDERAL DE Português FoMATO GROSSO DO rense SUL (MS)

Obrigatória

68 horas

04 créditos

UFCG FEDERAL DE CAMPINA GRANDE – SOUZA

Linguagem Jurídica e Técnica Legislativa

Optativa

60 horas

04 créditos

(PB)

Língua Brasileira de Sinais

Optativa

60 horas

04 créditos

UFPE

Português Instrumental

Optativa

60 horas

04 créditos

Introdução à Libras

Eletiva

60 horas

04 créditos

FEDERAL DE PERNAMBUCO (PE)

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UFPR FEDERAL DO PARANÁ

Direito, Linguagem e Filosofia da Linguagem

Optativa

30 horas

02 créditos

Comunicação em Língua Brasileira de Sinais

Optativa

30 horas

02 créditos

Linguagem e Argumentação Jurídica

Optativa

36 horas

02 créditos

Liberdade de Expressão

Optativa

36 horas

02 créditos

Língua Brasileira de Sinais

Optativa

72 horas

02 créditos

Português Jurídico

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Português Jurídico

Obrigatória

40 horas

03 créditos

UFMG FEDERAL DE MINAS GERAIS (MG)

Oficina de textos em Língua Portuguesa: Leitura e produção de textos

Obrigatória

60 horas

04 créditos

UFPB FEDERAL DA PARAÍBA (PB)

Língua Portuguesa I

Obrigatória

75 horas

05 créditos

FGV – RIO (RJ)

Direito, linguagem e Interpretação

Obrigatória

60 horas

04 créditos

PUC – PORTO ALEGRE (RS)

Linguagem Portu- Obrigatória guesa Instrumental para o Direito

60 horas

04 créditos

CATÓLICA DE PERNAMBUCO (PE)

Português Instrumental I

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Português Instrumental III

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Português no Direito

Optativa

60 horas

04 créditos

Linguagem e Argumentação Jurídicas

Optativa

60 horas

04 créditos

Direito e Linguagem

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Comunicação e Expressão

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Linguagem e Argumentação Jurídica

Optativa

30 horas

02 créditos

(PR)

UFRJ FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (RJ)

UNIPE (PB) UNINASSAU (PB)

UFPI FEDERAL DO PIAUÍ (PI)

CATÓLICA DE SANTA CATARINA (SC)

UNESC – VITÓRIA (ES)

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ULBRA –TORRES (RS)

Comunicação e Expressão

Obrigatória

60 horas

04 créditos

UNAMA – (PA)

Leitura e Produção de Textos

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Língua Brasileira de Sinais

Optativa

40 horas

02 créditos

Linguagem e Argumentação Jurídica I

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Linguagem e Argumentação Jurídica II

Obrigatória

60 horas

04 créditos

Linguagem Jurídica

Eletiva

30 horas

02 créditos

Leitura e Prática de Produção Textual

Optativa

60 horas

04 créditos

Língua Brasileira de Sinais

Optativa

60 horas

04 créditos

FACISA –CAMPINA GRANDE (PB)

UFRGS – FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PORTO ALEGRE (RS) UFT FEDRAL DE TOCANTINS (TO)

Fonte: Criação do próprio autor Pela análise do quadro acima chegamos às seguintes constatações: Uma universidade, a Universidade de Brasília (UnB), adota quatro disciplinas voltadas à ‘Língua Portuguesa’. São elas: Português Instrumental; Redação Oficial; Redação de Monografia; Oficina de Produção de Textos. Essa IES, assim como outras cinco pesquisadas, oferece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Constatamos a presença de disciplinas afins e mais focadas na produção textual, tais como: Redação Oficial, Redação de Monografia; Oficina de Textos em Língua Portuguesa; Leitura e Produção de Textos. Observamos a existência de uma diversidade de nomenclaturas, a exemplo de: Linguagem Jurídica; Português Instrumental; Português Forense; Português Jurídico; Direito e Linguagem; Português e Direito; Comunicação e Expressão; Língua Portuguesa. As nomenclaturas mais diferenciadas que encontramos foram: Linguagem Portuguesa Instrumental para o Direito; Liberdade de Expressão; e Linguagem Jurídica e Técnica Legislativa. Algumas IES adotam e ofertam a disciplina de ‘Linguagem e Argumentação Jurídica’ contemplando um conteúdo programático que envolve a Língua Portuguesa. Outro dado importante encontrado é a forma como as IES denominam a organização de seus componentes curriculares. Destacamos o uso das seguintes expressões: ‘Grade Curricular’; ‘Matriz Curricular’; ‘Perfil Curricular’; ‘Estrutura Curricular’; ‘Fluxograma do Curso’; ou, simplesmen-

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te, ‘Disciplinas do curso’. A mais utilizada é a denominação ‘Matriz Curricular’. Outros dados encontrados tratam do tipo de disciplina: obrigatória, optativa ou eletiva. Das trinta e oito (38) disciplinas encontradas nas vinte e três (23) IES, vinte (20) são optativas, dezesseis (16) são obrigatórias e duas (02) são eletivas. As eletivas são aquelas que podem ser cursadas à livre escolha do aluno, e que não exigem pré-requisito. As disciplinas optativas diferem-se das eletivas porque podem existir como pré-requisito de disciplinas obrigatórias. Em relação à carga horária (CH), encontramos 22 disciplinas com 60 horas, 09 disciplinas com 30 horas, 02 disciplinas com 36 horas, 02 disciplinas com 40 horas. Encontramos três disciplinas com cargas horárias diferenciadas: 01 com CH de 68 horas, 01 com CH de 72 horas e 01 com CH de 75 horas. Registrando-se assim que a grande maioria possui uma carga horária acima dos padrões médios encontrados.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o passar dos anos os cursos de Direito sentiram a necessidade de incluir nas suas matrizes curriculares as disciplinas voltadas ao estudo da Língua Portuguesa. A legislação que trata da normatização das estruturas curriculares nos cursos de Direito no país evoluiu no sentido de se preocupar com a inserção dos estudos voltados à produção e interpretação de textos jurídico-legais. As práticas pedagógicas nos Cursos de Direito se voltam cada vez mais à valorização da interface Linguagem-Direito, levando professores e alunos a qualificarem cada vez mais as competências e suas habilidades, como a capacidade de comunicação e expressão dos egressos dos cursos jurídicos. A investigação de 23 matrizes curriculares em IES possibilita a existência de uma diversidade de nomenclaturas da disciplina ‘Língua Portuguesa’. Todavia constatam-se que esses cursos investigados representam uma importante amostragem no universo das IES, particularmente aquelas que oferecem os Cursos de Direito, no sentido de corroborar essa preocupação de oferecer aos atores do ensino-aprendizagem a possibilidade de qualificação nos propósitos da Língua Pátria. A coerência, coesão, objetividade e maior clareza são componentes importantes dos textos legais; certamente essas habilidades serão aprimoradas com a oferta de disciplinas da Língua do nosso país. Algumas dessas disciplinas se voltam especificamente para a produção textual da esfera do Direito, sobretudo a escrita e a argumentação. Conclui-se também que a maioria, não tão expressiva, das disciplinas, trata-se de disciplinas optativas, considerando-se assim que as obrigatórias estão quase atingindo a igualdade com as disciplinas não obrigatórias. Nessas disciplinas encontramos um dado complementar; a grande maioria possui uma carga horária de 60 horas, registrando-se também disciplina que chega a 72 ou 75 horas, sendo isso bem acima dos padrões médios encontrados (60 horas). 76

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Enfim, destaca-se a presença da ‘Língua Portuguesa’ como disciplina expressiva e representativa nos estudos jurídicos, concluindo-se que há uma expressiva variedade de nomenclaturas dessa disciplina, propondo-se assim a reflexão futura em torno da padronização dessa importante disciplina nos estudos jurídicos.

REFERÊNCIAS

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58 – Supl.: Anais do VI SINEFIL. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2014. Disponível em <http:// http://www.filologia. org. br/ revista/ 58supl/088.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2016. PETRI, M. J. C. Manual de Linguagem Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2008. RODRIGUES, H. W. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. RODRIGUES, H. W. Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

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Vivian Galdino de Andrade1

Práticas de ensino, pesquisa e extensão: exercícios da docência no Campus III, Bananeiras-PB RESUMO Este artigo traz o relato de desenvolvimento de alguns projetos que tomam a cidade de Bananeiras como foco de investigação. Realizados no âmbito da Universidade Federal da Paraíba, tais propostas de pesquisa (PIBIC), ensino (PROLICEN) e extensão (PROBEX/ UFPB NO SEU MUNICÍPIO) contemplam a história da educação da cidade a partir dos recursos tecnológicos. Temáticas como ‘História’, ‘Educação’ e ‘Patrimônio’ têm sido o cerne de discussão destes trabalhos, que já trazem como resultados a produção de um repositório digital, denominado como História da Educação do Município de Bananeiras – HEB, a constituição do Centro de Documentações Históricas de Bananeiras – CDHB e a criação do Grupo de Pesquisa em História da Educação do Brejo Paraibano – HEBP. Palavras-chave: História; Educação; Bananeiras.

ABSTRACT This article focuses on the development of a few projects on the Federal University Campus in Bananeiras Municipality, Paraíba State. The research (PIBIC), teaching (PROLICEN) and extension (PROBEX) proposals contemplate the local educational history, starting from the technological resources. Themes such as “History”, “Education” and “Heritage” have been at the core of discussion in these works, which already have as results, the production of a digital repository called “Bananeiras Municipality Educational History; the establishment of its Historical Archive, as well as the creation of an Educational History Research Group for the wetlands region in Paraíba State. Key words: Theories; Potiguara; Paraíba.

1. Historiadora, com Mestrado e Doutorado em Educação. Professora Adjunta III do Departamento de Educação - DE/UFPB/Campus III. Membro Permanente do Programa de Pós-Graduação em História - PPGH/UFCG. E-mail: vivetica@hotmail.com>.

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A história da educação da cidade de Bananeiras/PB2 é um campo do saber que vem sendo estudado de maneira ainda tímida por alguns pesquisadores. Apesar de possuir um Centro Histórico ainda significativamente preservado e de carregar as marcas históricas de suas instituições educativas, como o Patronato Agrícola Vidal de Negreiros3, esta cidade do brejo paraibano ainda carece de trabalhos que dêem relevo a sua história. Neste contexto também percebemos a inexistência de um arquivo histórico na cidade, o que endossava ainda mais a necessidade de pesquisar e aglomerar documentos históricos (como jornais, fotos, revistas e arquivos diversos pertencentes a acervos privados e arquivos municipais de outras cidades paraibanas, como Guarabira, Esperança e Campina Grande) em um só espaço. E por quê não em um acervo digital?

NO ÂMBITO DA PESQUISA ESTÃO AS PRÁTICAS DIGITAIS... Navegando pelos Bits, Banco de Dados, hipertextos... Links, Infobases, estão os novos caminhos da História do Presente, perpassada pela produção e manuseio de documentos digitais4. Esse é o atual vocabulário utilizado para se pensar nos recentes registros dos fatos históricos. Dados e textos digitalizados que substituem os antigos fichários, estantes, depósitos e achados de um determinado arquivo ou fundo documental. Em paralelo a estas consideradas “modernas” formas de registro histórico, estão os chamados “arquivos mortos”, fundos documentais perpassados por história, muitas vezes relegadas pelos sujeitos. Empoeirados, empilhados, abandonados em estantes e pastas, estas fontes quando catalogadas poderiam ampliar ainda mais a produção de pesquisas sobre a História da Educação na Paraíba, contribuindo para o conhecimento do passado educacional do Estado. Em Bananeiras, apesar de seus traços históricos, não havia um arquivo municipal instituído. O que se tinha eram documentos dispersos, situados num pequena sala do Centro Cultural Oscar de Castro, dispostos a furtos e ações do tempo. Diante desta constatação, passamos a desenvolver diversos trabalhos no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão que contemplavam a História, a Educação e o Patrimônio arquitetônico e documental da cidade. Este relato que agora passamos a narrar tem início no ano de 2015, durante a realização do projeto PIBIC (2015-2016) - “Impressos pedagógicos, jornais e documentos escolares como fontes para a história da educação de Bananeiras durante as décadas de 1920-1950”. Nele

2. Bananeiras está localizada a 141km da capital da Paraíba, João Pessoa. Nela se situa o Campus III da UFPB. O Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias (CCHSA) adveio do Centro de Formação de Tecnólogos (CFT) em 2008, mas sua história antecede a criação da própria UFPB, devido a instituição do Patronato Agrícola Vidal de Negreiros ainda em 1913. 3. Escola agrícola criada pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio em 1924. Bananeiras era uma das poucas cidades que até a década de 1920 possuía instituições federais. 4. Stephanou (2002) define os links como “conexões, ligações, entre quaisquer tipos de informações codificadas digitalmente” (p.71); A infobase “é um software de gerenciamento, uma espécie de base de dados de grande volume de informações em formato livre” (p.70); os documentos digitais, segundo Dollar (1994) podem está constituídos por Dados, Textos e Imagens, que segundo os princípios da arquivologia (a unicidade, a autenticidade e a preservação) são considerados documentos legítimos.

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realizamos o mapeamento de fontes sobre a história da cidade, o que resultou na produção do repositório digital “História da Educação do Município de Bananeiras – HEB”. Tal arquivo passou a ser guarda de documentos digitalizados que tematizam a cidade e os municípios circunvizinhos. Figura 1: Tela principal do HEB

Fonte: www.cchsa.ufpb.br/heb Em visita ao STI – Superintendência de Tecnologia da Informação da UFPB, gestamos o site do HEB. Algumas limitações nos foram impostas, como o design padrão, já existente no sistema e a administração do mesmo, restando aos criadores das páginas apenas a alimentação do acervo. As abas dispostas no “Menu” são abertas pelo funcionário do STI como são por ele orquestradas toda a configuração e a execução das ferramentas. O HEB conta com os seguintes eixos de discussão: Apresentação – Traz os objetivos iniciais do projeto, o grupo de pesquisa ao qual se vincula e o contato virtual da página5. Equipe de pesquisadores – Neste item trazemos os alunos participantes do Grupo de Pesquisa História da Educação do Brejo Paraibano, os orientandos de TCC, bolsistas e voluntários dos projetos que estão desenvolvendo trabalhos na área de História da Educação. Revistas Pedagógicas: Nesta aba direcionamos o navegante as revistas que já se encontram digitalizadas, expostas no quadro abaixo:

5. HEBcchsa@hotmail.com. Nossa escolha pelo hotmail como servidor se deu pelo acesso ao Onedrive.

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Quadro 1: Revistas digitalizadas

Fonte: Quadro produzido pela autora, 2018

Revistas escolares como a “Vida Agrícola – Órgão do Colégio Agrícola” (1947) e “O Oásis – Órgão das alunas do Colégio Sagrado Coração de Jesus” (1961) foram por nós mapeadas, mas ainda não foram encontradas para digitalização. 4. Jornais: Este é um dos itens mais ricos do repositório, trazendo um acervo de 21 jornais catalogados e digitalizados, destes 12 foram produzidos na cidade de Bananeiras, como demonstra o quadro a seguir:

Quadro 2: Jornais digitalizadas

Fonte: Quadro produzido pela autora, 2018.

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5. Documentos Oficiais6 – Neste item trazemos os documentos do Arquivo do Grupo Xavier Júnior7, da Secretaria Cultural Isabel Burity (atual Centro Cultural Oscar de Castro), bem como do Colégio Estadual de Solânea. Documentos diversos também estão sendo alocados neste item, como o acervo escolar do Colégio Sagrado Coração de Jesus, 6. Acervos Digitais – este espaço direciona o visitante a navegar em outros acervos digitais disponíveis na rede. 7. Pesquisas – Aqui trazemos alguns trabalhos acadêmicos que tomam Bananeiras como temática de discussão. Este espaço simboliza um banco de consulta de demais pesquisas que tematizam a cidade. A escolha destes eixos temáticos partiu do encontro com as fontes. À medida que íamos encontrando documentos de diversas especificações íamos criando subpastas, sendo desconsiderando o limite de temporalidade. No entanto, estamos cientes que com estas escolhas corremos o risco de excluir outras possibilidades e de “constituir domínios de verdade sobre determinados fatos ou pessoas” (VIDAL, 2002, p.58), no que tange mais especificamente sobre a história educacional de Bananeiras. Mas era um risco que precisávamos encarar, uma vez que a pesquisa estava condicionada ao que se encontrava nos acervos públicos e privados consultados, uma saga que renderia tantas discussões que não teríamos como relatar neste artigo. Este exercício de levantamento, catalogação e digitalização de diversos documentos históricos encontrados sobre o município poderiam conduzir a produção de diversas pesquisas na área, uma vez que aproximam os pesquisadores de suas fontes. Esse era nosso maior objetivo. No entanto, tal ação também poderia colaborar para a preservação do documento físico, desde que fosse garantida a salvaguarda da fonte impressa após digitalizada. Esta discussão nos leva a refletir sobre a política de preservação do documento histórico, fator que ainda precisa ser consolidado e aprofundado em Bananeiras, páginas estas que serão descritas em outras possibilidades de discussão. Neste contexto, o repositório estava criado, mas precisávamos atualizá-lo constantemente. Em decorrência desta necessidade demos início, em 2016, ao projeto de pesquisa PIBIC (20162017) “A História da Educação do Município de Bananeiras através do olhar de Manoel Luiz da Silva (1920-1960)”. Sujeito de nossa pesquisa, este senhor é responsável pelo Memorial do Patronal Agrícola Vidal de Negreiros e pelo arquivo documental do Centro de Ciências Humanas Sociais e Agrárias – CCHSA/UFPB, ambos situados em um mesmo espaço no Campus III. Além de ser apaixonado pela história da cidade, Seu Manoel - como é costumeiramente conhecido - é autor de diversos livros de memória, como assinala o quadro a seguir:

6. “Documento oficial denota informação registrada que é apreendida como uma entidade física e cujos atributos nos ajudam a fornecer a prova autêntica e contemporânea de uma operação ou transação” (DOLLAR, 1994. Apud WERLE, 2002, p.83). 7. Assim denominado tomando como base a seguinte citação: “Todo o documento de arquivo é produzido em cumprimento a uma fase do processo decisório e visa proporcionar o desencadeamento das operações que se convertem em atos/fatos administrativos... a finalidade principal dos documentos em fase corrente é informar, legalizar e corroborar, passo a passo das rotinas administrativas a sistemática de tomada de decisões.” (Silvino Filho, 1995. Apud WERLE, 2002, p. 79).

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Quadro 3: Livros de Memória sobre Bananeiras

Fonte: Quadro elaborado pela autora, 2018 Publicados com recursos próprios, estas obras são referências para quem trabalha com a história de Bananeiras, sendo resultado de pesquisas realizadas pelo seu autor nos espaços de memória em que já trabalhou. Estes livros de memória são “transpassados pela confluência de tempos, permeado pelas seleções, significações e elaborações, tendo como referência o presente e o lugar social ocupado pelos indivíduos” (CHAVES, 2017, p.3), neste caso o seu escritor. Caracterizados pela uniformização e pela estabilidade dentro de um olhar mais conservador da história dos grandes vultos, eles também estão repletos de um conteúdo factual que representa o desejo pelo registro do que é histórico, se definindo na apresentação de um texto que articula documento, oralidade e escrita. Detentor de um acervo pessoal significativo, Seu Manoel nos cedeu para digitalização inúmeros jornais e demais documentos históricos produzidos na cidade, o que muito auxiliou na constituição do acervo do repositório digital HEB. Autor ainda de outras produções, como algumas colunas no Blog Bananeiras Online8 e uma nova versão do Jornal Era Nova9, ele se intitula como historiador, sendo considerado em nosso trabalho como um “guardador de memórias”, um intelectual

8. Disponíveis no seguinte endereço eletrônico:<http://www.bananeirasonline.com.br/colunista/manoel-luiz/>, as colunas são: “No despontar de uma nova idade do CAVN” (01/09/2016) e “Bananeiras: uma visão do passado” (01/10/2016). 9. O Jornal Era Nova, produzido na Cidade Bananeiras, foi encontrado a partir do ano de 1916. Em 1997, Seu Manoel passa a produzir uma nova versão, que denominou como “Órgão de divulgação cultural do Centro Cultural Isabel Burity”. Poucas versões foram produzidas e uma delas consta como digitalizada em nosso acervo digital. 10. O acervo está composto de Correspondências, Decretos, Atas de Reuniões, Fotos, Poemas e Crônicas. Ainda conta com um número significativo de obras raras, que perpassam os séculos XVIII a XX.

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aos moldes de um sujeito voltado à produção de ideias, livres de teorias e sistemas de pensamento. Diretor do antigo Centro Cultural Isabel Burity, membro do Conselho Municipal de Cultura e Turismo, Coordenador da Biblioteca Pública Municipal Dr. José Antônio Aragão durante o final da década de 1990 e início dos anos 2000, Seu Manoel ficou responsável por um pequeno acervo localizado no Centro Cultural Oscar de Castro. Após sua saída, encontramos tal arquivo em estado precário de manutenção e foi nesta mesma direção que passamos a trabalhar. Em uma sala cedida pela Secretaria de Cultura criamos o Centro de Documentações Históricas de Bananeiras – CDHB. Nele organizamos a documentação existente em pastas10, como também realizamos o levantamento da tipologia e dos períodos temporais dos documentos. Muito ainda há a ser feito neste espaço, por isso nos voltamos a ele novamente, por meio do atual desenvolvimento do projeto “Espaço Cultural Oscar de Castro”: uma instituição de cultura e de memória em Bananeiras, submetido ao Edital de Responsabilidade Social da UFPB11. Neste plano de trabalho objetivamos produzir uma história acerca da memória social que o Centro Oscar de Castro carrega, bem como trabalharemos com a organização de seus ambientes de convivência, quais sejam, a Biblioteca Municipal José Antônio Aragão e o CDHB. É também escopo desta pesquisa historicizar as instituições de sociabilidade que existiram/existem em Bananeiras, tais como seus Clubes, Associações e Bibliotecas. A partir dos livros de memória consultados, conseguimos mapear algumas destas instituições, conforma assinalamos no quadro abaixo:

Quadro 4: Instituições de Sociabilidade

Fonte: Quadro elaborado pela autora, com base nos dados citados por Silva (2007)

11. Todo trabalho de pesquisa é árduo e prolongado. Não há como realizá-lo sem bolsistas. Por isso, demos continuidade a organização do arquivo a partir do projeto submetido ao Edital de Responsabilidade Social Nº 02\2018 - CCHSA\UFPB, na Categoria 4 - Defesa da memória Cultural, da produção artística e do patrimônio cultural, Linha 1 - Resgate do patrimônio e da memória cultural. O projeto encerrará suas atividade em novembro de 2018.

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Lugares de “práticas sociais e educacionais”, estas instituições estão associadas a convivência, ao lazer e a cultura. Ambientes onde as pessoas se identificam enquanto indivíduos e grupos sociais devido às redes de relações que desenvolvem e estabelecem. Para Tanno (2003, p.1) lugares assim constituídos “[...] são formas de demarcação de espaço e de identificação cultural que consubstanciam o sentimento de pertencer a cidade”. São espaços de memória social que precisam ser preservados. Daí a importância de pesquisar estes espaços, datá-los no tempo, situá-los na história com vistas a registrar e a endossar uma memória que entrelaça Bananeiras e seu patrimônio. É o que nos propomos a realizar neste projeto de responsabilidade social, que vincula a universidade aos desdobramentos sociais da comunidade onde se situa. AINDA NO CAMPO DAS PESQUISAS E DA TECNOLOGIA DIGITAL... A partir do que trouxemos até então já conseguimos dimensionar a importância da pesquisa para a atividade acadêmica. Por meio dela diversos outros projetos serão aqui mencionados, aglutinando uma série de trabalhos que versam sobre a história da educação do município de Bananeiras. Neste cenário, passamos a nos deparar com outra significativa necessidade. Diante do amadurecimento deste olhar investigador em Bananeiras, acreditamos que algumas informações ocupam lugar de relevo no âmbito da pesquisa em história da educação, tais como as que orientam a localização na rede mundial de computadores de páginas e arquivos que já podem ser consultados em sua versão digitalizada; museus e bibliotecas digitais que já disponibilizam e-books sobre as mais variadas temáticas; ter conhecimento dos aplicativos de smartphones que auxiliam no registro e na transcrição de entrevistas orais e demais ferramentas já passiveis de serem utilizadas com fins de pesquisa na rede. Todas estas informações se aglutinadas em um só espaço facilitaria significativamente o ato da pesquisa, como um norte que melhor orientaria os passos do investigador. Para dar conta desta finalidade, foi que propomos o projeto PIBIC (2017-2018) A história da educação e as tecnologias: uma parceria viável e promissora de pesquisa. Ainda em fase de desenvolvimento, este plano de trabalho objetiva produzir a elaboração de um “Manual de Pesquisa”, pautado no levantamento de sites, blogs e redes sociais digitais (que trabalhem com fontes digitalizadas), repositórios, sites de busca e pesquisa com ênfase na temática, aplicativos e tutorais que auxiliam a pesquisa acreditando poder diminuir as distâncias entre os objetos/fontes e seus pesquisadores. Neste mesmo ensejo, fez também parte de nosso objetivo continuar mapeando fontes e arquivos que consolidem ainda mais o acervo digital do HEB. Partindo de forma mais ampla do exercício de Levantamento de dados, principalmente em contextos digitais, este projeto partiu de três plano de trabalho: Plano 1: “Levantamentos”: sites de busca, redes sociais digitais, repositórios e arquivos (digitalizados ou não) como fontes de pesquisa; Plano 2: “Aguçando o ato de pesquisar”: levantamento de aplicativos de smartphones e 86

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computadores como ferramentas de investigação; Plano 3: “Aventurando-se pelos arquivos”: mapeamento, catalogação e digitalização de fontes em acervos escolares, arquivos pessoais e institucionais; Estes instrumentos de pesquisa, que partem desde recursos online a aplicativos que podem ser instalados, oferecem ao pesquisador inúmeros meios que facilitam o ato da pesquisa, desde o manuseio ao armazenamento. Segundo Bonato (2004, p. 86) No campo de pesquisa em história da educação, [...] as facilidades e inovações tecnológicas que nos são oferecidas ampliam cada vez mais as nossas possibilidades de pesquisas no uso das fontes documentais, pois colocam ao alcance novos suportes e equipamentos capazes de registrar, armazenar, guardar e recuperar as informações, assim como instrumentos para coleta, organização e análise das mesmas, de forma substancial e cada vez mais diversificada.

Neste âmbito, a constituição de um repositório digital, como o HEB, torna acessível aos pesquisadores da educação jornais, documentos e demais impressos de época, da mesma forma em que a produção de um Manual de Pesquisa com o uso destas ferramentas poderia oferecer viagens orientadas ao encontro do objeto a ser pesquisado. Argumentando ainda sobre estas questões Bonato (2004, p.89) propõe um triálogo entre as áreas da história da educação, da arquivologia e da informática, visando ser necessário que [...] o historiador da educação esteja disposto a apreender os princípios da arquivologia e se coloque o desafio de compreender as novas tecnologias e de reavaliar os supostos do seu campo de atuação, e que o arquivista e o informata profissionais sensíveis às questões da preservação da memória estejam dispostos a reavaliar suas práticas de trabalho, se aproximando dos interesses da produção científica, especificamente da pesquisa histórico-educacional.

Seria por meio desse triálogo que se viabilizaria a produção de instrumentos de pesquisas, com índices auxiliares que apontassem para as zonas de interesse do pesquisador da educação. Acreditamos que a produção final deste trabalho de pesquisa, isto é, o Manual de Pesquisa, venha a contribuir de forma significativa com o trabalho de pesquisadores iniciantes, que poderão usufruir de recursos tecnológicos para a realização de suas investigações.

VIVENCIANDO EXPERIÊNCIAS DE ENSINO E EXTENSÃO...

Outros projetos foram desenvolvidos por nós em 2017, também voltados para a discussão da História e da Educação na cidade. Apesar de caracterizá-los como de ‘ensino’ e ‘extensão’, todos eles foram desempenhados a partir da realização de pesquisas, que nos permitiram o levantamento Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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de dados e o registro de uma história ainda a ser narrada. Projetos como PROLICEN, PROBEX e PROGRAMA UFPB NO SEU MUNICÍPIO trouxeram como finalidade o levantamento do patrimônio histórico da cidade, a educação patrimonial e a produção de recursos como jogos patrimoniais. Apesar de se dedicarem mais profundamente a sua área de atuação, estes projetos nos permitiram trabalhar de forma articulada, produzindo resultados diferenciados.

Quadro 4: Instituições de Sociabilidade

Fonte: Quadro elaborado pela autora, 2018

Por meio do desenvolvimento destas atividades12, tivemos a produção de diversos trabalhos de conclusão de curso, defendidos por alunos/as do Curso de Pedagogia - DE/CCHSA/UFPB. Além destas pesquisas monográficos, a realização desses projetos nos permitiu também realizar:  O I Ciclo de oficinas “Educação Patrimonial em Bananeiras”: Nove oficinas de temas

baseados na Educação Patrimonial foram planejadas e realizadas com graduandos/as do Curso de Pedagogia, bem como com professores da rede municipal de educação de Bananeiras. Coleta de vídeos e/ou documentários gravados na cidade de Bananeiras; Levantamento dos Livros de Memória produzidos por diversos memorialistas acerca da cidade; Constituição de um Acervo iconográfico; Produção de fichas catalográficas sobre alguns patrimônios arquitetônicos pesquisados.

Estas fichas catalográficas, mencionadas no último item dos resultados obtidos, foram produzidas a partir de dados coletados em documentos e em entrevistas realizadas com moradores da

12. Os projetos datados do ano de 2018 ainda estão em fase de desenvolvimento. Quanto aos projetos desenvolvidos no ano de 2017: 1. Projeto PROLICEN (Programa de Licenciatura/ UFPB) trabalhava com a produção de uma cartilha digital/página virtual, constituída da história dos prédios tombados escolhidos para estudo; 2. Projeto PROBEX (Programa de Bolsas de Extensão) trouxe a intenção de formação de graduandos/as, por meio de oficinas lúdicas em torno da criação de jogos na perspectiva da educação patrimonial; e o 3. Projeto “A educação patrimonial em Bananeiras: uma articulação integrada entre a história, a memória e a cidade”: enveredava, pela mesma perspectiva das oficinas, a formação de professores/as da educação básica do município, com vistas a formar multiplicadores/as destes fundamentos nas escolas. Os materiais didáticos produzidos pelos projetos anteriores se tornavam recursos para a formação dos/as professores/as.

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cidade, e estão dispostas no repositório digital HEB. A história registrada a partir destas memórias geraram o que denominamos de “memória histórica” para quinze patrimônios pesquisados, foram eles: ‘Igreja de Vila Maia’, ‘Câmara Municipal Casa Odon Bezerra’, ‘Complexo Arquitetônico da Estação’, ‘Túnel da Serra da Viração’, duas ‘Residências do Centro Histórico’, ‘Engenho Goiamunduba’, ‘Farmácia Central’, ‘Sobrado “Meninas da Estiva”, ‘Coreto de Bananeiras’, ‘Colégio Sagrado Coração de Jesus’, ‘Cinema’, ‘Correios e Telégrafos’, ‘Mercadinho Nova Vida’ e o ‘Cruzeiro de Roma’.

Figura 2: Ficha Catalográfica sobre o Complexo Arquitetônico da Estação de Bananeiras Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa HEBP, 2018 No que se refere a temática foco destes trabalhos - Educação Patrimonial - em Bananeiras ela continua bastante significativa, principalmente diante da atual descaracterização que vem sofrendo o patrimônio histórico da cidade. É o que demonstra a notícia emitida abaixo13:

IPHAEP e TCE detectam irregularidades e aguardam ação do MP em Bananeiras As providências a serem tomadas em defesa do que ainda resta do patrimônio histórico e arquitetônico do município de Bananeiras devem ser adotadas pelo Ministério Público daquela comarca, que já tem em

13. Notícia publicada no seguinte endereço eletrônico: <https://www.wscom.com.br/noticia/iphaep-e-tce-detectam-irregularidades-e-aguardam-acao-do-mpem-bananeiras/>. Acesso em: 24/05/2018.

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mesa sete processos movidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado – IPHAEP, e as recomendações feitas pelo Tribunal de Contas do Estado – TCE, referentes a existência de várias obras irregulares no município. O IPAHEP encaminhou ao Ministério Público sete processos conclusos na esfera administrativa, especificamente em relação a edificações sem alvarás de autorização pelo município, assim como sem as devidas autorizações do IPHAEP, situações que demonstram a dilapidação do patrimônio histórico da cidade, tanto em relação à omissão do município, como também, no que diz respeito às responsabilidades civis, conforme os preceitos legais. [...] Na oportunidade, o conselheiro Arnóbio Alves Viana, vice-presidente do Tribunal de Contas da Paraíba, coordenador da Auditoria especial que inspeciona o patrimônio arquitetônico e cultural na região da rota cultural “Caminhos do Frio”, enfatizou junto à promotora de Justiça, Ana Maria Pordeus Gadelha, as responsabilidades dos gestores públicos no cumprimento do dever, principalmente no que se refere à obrigação de cuidar do patrimônio público, no caso histórico e cultural.

Essas notas também tem sido vinculadas em inúmeros canais de comunicação. Vivenciamos tal contexto conflituoso na experiência dos projetos mencionados, quando na realização das entrevistas fomos confundidos como fiscais do IPHAEP, e sofremos resistências quanto a colaboração nas entrevistas por parte de alguns moradores. Nestas ocasiões, ainda vimos que grande parte da população desconhece a história e que por esta falta de vinculação/identificação com o patrimônio acabam acreditando que reformá-lo trará mais benefícios ao seu comércio, o que viria a corresponder a uma demanda da economia advinda com o turismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve o objetivo de descrever as atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas em torno da Educação e da História no município de Bananeiras/PB. Ao relatar estes trabalhos aqui mencionados, frutos dos estudos de um Grupo de Pesquisa, damos relevância as atividades realizadas em colaboração com alunos/as concluintes, bolsistas e voluntários/as, que como pesquisadores em história da educação passaram a fazer a leitura do mundo que os rodeia, a partir das entrevistas realizadas sob o princípio da história oral, do garimpar das fontes nos mais diversos espaços que elas se localizavam e do (des)encontro com os sujeitos e suas memórias, meios que também alinhavam a compreensão do universo sociocultural em que estão inseridos. Tal como eles, nosso desejo é ver Bananeiras ainda mais discutida e tematizada, posta em suspensão pelas diversas pesquisas sobre ela destinadas. Daí o desenvolvimentos de trabalhos e a disponibilização das fontes em meios digitais, como o repositório digital HEB, com vistas a possibilitar caminhos para que outras pesquisas sejam produzidas e outros olhares sejam publicados em torno da história da educação do município. 90

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REFERÊNCIAS CHARTIER, Roger. Escutar os mortos com os olhos. Estudos Avançados 24 (69), 2010. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10510>. Acesso em 22/05/2017. CHAVES, Cintya. Os enlaces da Memória com a Escrita: Os livros memorialísticos como fontes para se tecer a História. Disponível em: <http://www.uece.br/eventos/encontrointernacionalmahis/ anais/trabalhos.htm>. Acesso em 14/07/2017. DOLLAR, Charles. Tecnologias da informação digitalizada e pesquisa acadêmica nas ciências sociais e humanas:o papel crucial da arquivologia. Revista Estudos Históricos, v.7, n.13, 1994. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1977>. Acesso em: 22/05/2017. HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999. SILVA, Manoel Luiz. Bananeiras: apanhados históricos. João Pessoa: Sal da Terra Editora, 2007. STEPHANOU, Maria. Banco de dados em história da educação: o meio digital e a pesquisa em hipertexto. História da Educação. Pelotas, RS, v. 11, n.6, p. 65-76, 2002. TANNO, Janete Leiko. Dimensões da sociabilidade e da cultura. Espaços urbanos e formas de convívio na cidade de Assis - 1920-1945. ANPUH – XXII Simpósio Nacional de História – João Pessoa, 2003. Disponível em: <http://docplayer.com.br/74423909-Anpuh-xxii-simposio-nacionalde-historia-joao-pessoa-2003.html>. Acesso em 03/04/2018. VIDAL, Diana Gonçalves. O livro e a biblioteca, o documento e o arquivo na era digital. História da Educação. Pelotas, RS. v.6., n.11, 2002. p.1-11. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/asphe/ article/view/30598>. Acesso em 19/06/2016. WERLE, Flávia Obino Corrêa. Documentos escolares: impactos das novas tecnologias. História da Educação. v.6., n.11, 2002. p.1-20 Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/asphe/article/ view/30600>. Acesso em 19/06/2016.

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Gláucio Xavier da Fonseca1

O terceiro movimento da sonata para trompete e piano, de José Alberto Kaplan: um modelo de processo intertextual RESUMO Este trabalho objetiva demonstrar o processo intertextual utilizado por José Alberto Kaplan no planejamento composicional do terceiro movimento da Sonata para Trompete e Piano. São identificados os elementos da obra de partida e suas influências na construção desse movimento e estudados os aspectos rítmico-melódicos e o processo de elaboração motívico-temática do novo texto. Demonstra-se que Kaplan conseguiu imprimir características estilísticas próprias no desenvolvimento melódico da sua obra apesar do uso de técnicas intertextuais. Palavras-chave: José Alberto Kaplan; Intertextualidade; Análise musical; Sonata para trompete e piano.

ABSTRACT This paper aims to demonstrate the intertextual process undertaken by José Alberto Kaplan in the composition planning of the third movement in his Sonata for Trumpet and Piano. The departure work elements and their influences on the construction of this movement are identified, and the rhythmic, melodic aspects, as well as the motif-thematic elaboration of the new text are studied. It is proven that Kaplan managed to print his own stylistic characteristics in the melodic development of his work, notwithstanding the use of intertextual techniques. Keywords: José Alberto Kaplan; Intertextuality; Musical analysis; Trum-

pet and piano sonata.

1. Professor Dr. do Departamento de Música do Centro de Comunicação, Turismo e Artes. Campus João Pessoa. E-mail glaucioxf@gmail.com

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1. INTRODUÇÃO

O compositor, regente, pianista, pedagogo e escritor argentino José Alberto Kaplan (1935-2009), que fixou residência na Paraíba, Brasil, em 1961 e adotou a cidadania brasileira em 1969, compôs a Sonata para Trompete e Piano no ano de 1987, em três movimentos — Allegro, Lento e Rondó Allegro. (KAPLAN, 1987a, 1987b). Para a construção de sua Sonata para Trompete, Kaplan adotou procedimentos intertextuais utilizando como textos de partida a Sonata para Oboé e Piano, de 1936, do compositor alemão Paul Hindemith (1895-1963), e a II Sonata para Piano, de 1938, também de Paul Hindemith. (HINDEMITH, 1936, 1939). Mais especificamente, o primeiro movimento — Allegro —, como demonstrado em publicações anteriores pelo presente Autor, apresenta estreita relação no plano intertextual com o primeiro movimento da Sonata para Oboé e Piano, de Hindemith. (FONSECA, 2005, 2014). Por sua vez, o segundo movimento — Lento — “corresponde à introdução lenta (Sehr langsam) do terceiro movimento da II Sonata para Piano de Hindemith, tomando a mesma estrutura métrica e o mesmo andamento (6/8, colcheia = 69), além do mesmo centro tonal (Si).” (NOGUEIRA, 2006, p. 65). Já o terceiro movimento — Rondó Allegro —, ainda segundo Nogueira, “corresponde ao Rondo (Bewegt) do terceiro movimento da Sonata de Hindemith, tomando a mesma estrutura métrica (2/2) e o mesmo andamento (mínima = 100 - 108), além do mesmo centro tonal (Sol) e nível de intensidade (mf).” (NOGUEIRA, 2006, p. 70). O processo de composição intertextual de Kaplan consiste, em geral, de reelaborações de textos musicais de outros autores por meio de manipulações de aspectos musicais como, por exemplo, a forma, a instrumentação, a melodia, a estrutura rítmica e a progressão harmônica. No presente trabalho, busca-se identificar os elementos do texto de partida e suas influências na elaboração do novo texto musical, ou seja, o terceiro movimento da Sonata para Trompete e Piano, assim como esclarecer a elaboração motívico-temática, estudando os aspectos rítmicos e melódicos correspondentes.

2. O TERCEIRO MOVIMENTO DA SONATA PARA TROMPETE E PIANO, DE J. A. KAPLAN A minuciosa comparação entre o terceiro movimento (Rondó Allegro) da Sonata para Trompete e Piano, de Kaplan (v. Tabela 2), e o Rondó (Bewegt) do terceiro movimento da II Sonata para Piano, de Hindemith (v. Tabela 1), evidencia o uso de técnicas de trabalho intertextual. De fato, como será demonstrado, a estrutura formal, a progressão harmônica e a estrutura rítmica desses movimentos são basicamente as mesmas. Além disso, Kaplan faz reelaborações da melodia da obra de partida por meio do uso de inversões, de transposições e de recursos da análise combinatória, como permutações e combinações. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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TABELA 1 – Estrutura formal básica do Rondó (Allegro) da II Sonata para Piano, de Paul Hindemith.

TABELA 2 – Estrutura formal básica do terceiro movimento da Sonata para Trompete e Piano, de J. A. Kaplan.

3. ESTRUTURA FORMAL A estrutura formal básica - Exposição, Desenvolvimento, Reexposição e Coda do Rondó (Allegro) da II Sonata para Piano, de Paul Hindemith, é mostrada na Tabela 1, e a do terceiro movimento da Sonata para Trompete e Piano, de J. A. Kaplan, é apresentada na Tabela 2. A compa94

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ração dessas Tabelas permite identificar as semelhanças e diferenças em termos de macroestrutura e microestrutura dessas obras, conforme detalhado a seguir. 3.1 Exposição Em ambos os casos, a exposição é constituída de cinco seções (A-B-A’-C -A’’). Além disso, é nítida a igualdade com relação à referência tonal inicial de cada seção, quais sejam: Sol (Seção A), Si (Seção B), Sol (Seção A’), Mi (Seções C e A’’). Por outro lado, observa-se que as subseções a, b, a, da microestrutura, correspondentes à última Seção A’’ da macroestrutura, na Exposição em Hindemith (Tabela 1), é constituída de 11 compassos (c. 81-91), enquanto que, em Kaplan (v. Tabela 2), elas têm apenas 8 compassos (c. 81-88). Na microestrutura, à exceção das subseções correspondentes à última Seção A da macroestrutura, todas as subseções, em ambos os casos, coincidem em número e quantidade de compassos. Além disso, existe ainda estreita relação rítmica e perfeita coincidência das mudanças de fórmula de compasso em toda a Exposição. 3.2 Desenvolvimento A extensão total do desenvolvimento em Hindemith é de 53 compassos; em Kaplan, é de 32 compassos. Essa diferença se deve aos encurtamentos realizados por Kaplan ao longo do desenvolvimento de Hindemith. No desenvolvimento de Kaplan, é evidente a forte relação intertextual harmônica, com manutenção de algumas ideias rítmicas do desenvolvimento de Hindemith, porém utilizando, com menor espaçamento entre elas, vários centros tonais. 3.3 Reexposição Em ambos os casos, a Reexposição é constituída da Seção A, com referência tonal Sol, Seção B, com referência tonal Si, e Seção A’, com referência tonal Mi. A Reexposição em Kaplan é ligeiramente menor (8 compassos) que em Hindemith. Na microestrutura, à exceção das subseções correspondentes à Seção B da macroestrutura, todas as subseções, do ponto de vista formal, coincidem em ambos os casos. 3.4 Coda A extensão da Coda, nos dois casos, é de 7 compassos; a referência tonal é Mib e Sol; e a ideia rítmico-melódica é, relativamente, a mesma, evidenciando a intensa relação intertextual entre elas.

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4. ESTRUTURA RÍTMICA O texto rítmico do terceiro movimento da Sonata de Kaplan foi definido com base no arquétipo do texto rítmico do Rondó do terceiro movimento da II Sonata para Piano, de Hindemith, mas é constituído de 152 compassos, diferentemente dos 183 compassos em Hindemith. As figuras 1 a 12 exemplificam as frases correspondentes aos dois textos. Convém observar que, quando uma frase não apresentar variação no padrão rítmico, ou seja, ideia rítmica diferente, um único exemplo representará a frase como sendo dos dois textos, como é o caso da Figura 1.

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5. ESTRUTURA MELÓDICA Quanto ao aspecto melódico do terceiro movimento, utilizar-se-ão as mesmas frases já exemplificadas ritmicamente para mostrar o grau de transformação melódica utilizado nas suas criações. Tomando como exemplo o período inicial de 12 compassos, o qual integra três frases de 4 compassos, já que os restantes se processam analogamente, percebe-se que a melodia do trompete (v. Figura 6) corresponde também à linha superior da mão direita do piano em Hindemith (v. Figura 7), enquanto o piano da Sonata de Kaplan corresponde à mão esquerda e à linha inferior da mão direita em alguns compasso.

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Da confrontação entre o período inicial do terceiro movimento da Sonata de Kaplan, que compreende três frases de 4 compassos, com o Rondó de Hindemith, constata-se uma estreita relação na linha melódica (cf. Figura 8 com Figura 9, e Figura 10 com Figura 11).

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Esse processo se repete de maneira análoga até o fim do movimento. É oportuno observar que, no andamento a tempo do compasso 147 com anacruse (Figura 12), Kaplan retoma o tema do compasso 16 do segundo movimento da Sonata, aqui reproduzido na Figura 13. Ressaltese que, nesse ponto, Kaplan utiliza a mesma estrutura métrica (9/8), o mesmo andamento e o mesmo nível de intensidade, vindo, assim, a interligar tematicamente o segundo e o terceiro movimentos. Tal procedimento reflete o mesmo esquema utilizado por Hindemith, à exceção da intensidade e da melodia.

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6. CONCLUSÃO A análise comparativa aqui realizada permite inferir sobre alguns dos aspectos particulares do estilo composicional de José Alberto Kaplan, visíveis no terceiro movimento da Sonata para Trompete e Piano. De fato, foi demonstrado que esse movimento se calcou numa estrutura nitidamente hindemithiana. Mais especificamente, Kaplan utilizou como texto de partida o Rondó (Bewegt) do terceiro movimento da II Sonata para Piano, do compositor alemão Paul Hindemith. Restou comprovado 100

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que Kaplan, mesmo se apropriando quase que integralmente do arquétipo rítmico dos textos de partida, conseguiu imprimir características estilísticas próprias no desenvolvimento melódico da sua obra, explorando de forma adequada a tessitura e a qualidade sonora dos instrumentos. Sua Sonata para Trompete e Piano é uma arquitetura de empréstimos e recriações textuais. Trata-se, na verd ade, do exercício das técnicas de “citação” e “apropriação”, tão comuns na arte clássica e na arte barroca. Tomando de empréstimo a linguagem matemática, seria apropriado dizer que, na elaboração do terceiro movimento (Rondó Allegro) da sua Sonata, Kaplan usou recursos da análise combinatória, como permutações e combinações. Como resultado desse processo de assimilação e transformação, esse terceiro movimento constitui um novo texto musical que difere auditiva e esteticamente do texto de partida, caracterizando, de fato, um trabalho consciente e imaginoso de recriação musical, no sentido mais amplo da prática intertextual. Por último, acredita-se que o processo intertextual utilizado por Kaplan confere à sua Sonata para Trompete e Piano uma qualidade peculiar dentro do repertório trompetístico brasileiro, apesar das controvérsias que o processo de manipulação do material de outro compositor para a estruturação de sua obra ainda suscita. Por outro lado, qualquer que venha a ser o julgamento atribuído pelo leitor ao processo composicional desta obra, mais relevante é, sob a nossa ótica, a contribuição do seu compositor para o desenvolvimento do repertório trompetístico.

REFERÊNCIAS FONSECA, Gláucio Xavier da. Intertextualidade e Aspectos Técnico-Interpre-tativos na Sonata para Trompete e Piano, de José Alberto Kaplan. 2005. 179 f. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005. ______. A Influência de Paul Hindemith na Sonata para Trompete e Piano, de José Alberto Kaplan. ICTUS, vol. 13, n. 2, 2014, p. 6-29. ______. O segundo movimento da Sonata para Trompete e Piano de José Alberto Kaplan: uma construção intertextual. DEBATES | UNIRIO, n. 16, p. 52-62, jun. 2016. HINDEMITH, Paul. Sonate II for Piano. Mainz: B. Schott’s Söhne, 1936. 1 partitura (18 p.). Piano. ______. Sonate for Oboe and Piano. Mainz: B. Schott’s Söhne, 1939. 1 partitura (23 p.). Oboé e piano. KAPLAN, José Alberto. Sonata para Trompete e Piano. João Pessoa, 1987a. 1 partitura (17 f.) (Cópia de manuscrito; acervo do compositor). Piano e trompete. ______. Sonata para Trompete e Piano. João Pessoa, 1987b. 1 partitura (5 f.) (Cópia de manuscrito; acervo do compositor). Trompete. NOGUEIRA, Ilza. A Sonata para Trompete e Piano de J. A. Kaplan: reciclagem estilística e modelagem intertextual. Claves, n. 1, maio 2006, p. 57-72.

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José da Paz Oliveira Alvarenga1 Maria Aparecida Bezerra2

Reflexões sobre o projeto de extensão promoção da saúde em comunidades com ênfase na estratégia saúde da família: uma iniciativa multiprofissional e interdisciplinar RESUMO O presente artigo reflete as experiências vivenciadas no desenvolvimento das ações do projeto de extensão que tem como objetivo promover atenção integral em saúde ao indivíduo, família e comunidade, com base nas linhas de cuidado em saúde, com o desenvolvimento de ações multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial. A metodologia foi estruturada em cinco eixos: vivências em processos pedagógicos, vivências teórico conceitual, vivências de territórios, vivências comunitárias e vivências de experiências em pesquisas. As ações foram fundamentadas nos pressupostos teóricos da Educação Popular. Palavras-chave: Extensão Universitária; Atenção Básica em Saúde; Educação Popular.

ABSTRACT The present article reflects experiences in the development of actions of the Extension Project that has the aim to promote comprehensive health care to

1. José da Paz Oliveira Avarenga. Prof. Mestre. Adjunto. Departamento de Enfermagem. Coordenador do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva. Centro de Ciências da Saúde. Universidade Federal da Paraíba. Campus I. João Pessoa – PB. E-mail: alvarengajose@yahoo.com.br 2. Maria Aparecida Bezerra. Profa. Doutora. Associada. Departamento de Fisioterapia. Centro de Ciências da Saúde. Universidade Federal da Paraíba. Campus I. João Pessoa – PB. E-mail: mabez786@gmail.com

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the individual, family and community. It is based on health care guidelines with the implementation of multi-professional, interdisciplinary and intersectoral actions. Methodologically, five priorities have been structured: experiences in pedagogical processes, theoretical-conceptual experiences, territorial experiences, community experiences, as well as research experiences. The actions were anchored in theoretical assumptions of Popular Education. Keywords: University Extension Programs; Primary Health Care; Popular Education.

INTRODUÇÃO O Projeto Promoção da Saúde em Comunidades com Ênfase na Estratégia Saúde da Família: uma iniciativa multiprofissional e interdisciplinar,” caracteriza-se como uma experiência de extensão de caráter interdisciplinar, interinstitucional e intersetorial; articula o ensino e à pesquisa em cumprimento ao preceito da indissociabilidade do tripé universitário (PLANO NACIONAL DE EXTENSAO UNIVERSITÁRIA, 2001). A dimensão da extensão universitária horizontal, multiprofissional, interdisciplinar e participativa, possibilita a comunicação e a integração entre universidade e comunidades estas disponibilizam o saber tradicional á comunidade cientifica, emergindo ações práticas empíricas á consolidação de evidências cientificas. Esta comunicação e intercomunicação propiciam a formação universitária cidadã no que se refere aos aspectos humanos, técnico-científicos, profissional e social. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Saúde (BRASIL, 2001) objetivam: “Que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referenciais nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolutividade no Sistema Único de Saúde, considerando o processo de Reforma Sanitária Brasileira”. “Levar o alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, família e comunidades.”

Para aprender a aprender, o conhecimento não é “expedido” automaticamente; Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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da mesma forma que não pode ser transmitido por palavra exclusivamente, nem por nenhum tipo comum de treinamento (SHAH, 2011). O projeto está em execução desde o ano de 2014, aprovado e operacionalizado a partir do edital PROBEX/PRAC/UFPB. Nos anos de 2015 e 2016, foi aprovado em edital nacional PROEXT/SESu/MEC. Desenvolve parcerias, no âmbito da UFPB, com o Programa de Estágio Regional Interprofissional no SUS (ERIP-SUS), e o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC), vinculados ao Centro de Ciências da Saúde; com Coordenação de Programa de Ação Comunitária (COPAC) e com a Coordenação de Educação Popular (COEP), vinculadas à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PRAC/UFPB). Tem por finalidade promover a integração de estudantes dos diferentes cursos da área da saúde e áreas afins, com ênfase na Estratégia em Saúde da Família. As ações do projeto estão vinculadas ao Plano de Desenvolvimento da Instituição (PDI) e aos Projetos Políticos Pedagógicos dos Cursos de Graduação (PPC). Possibilita a integralização curricular, com aproveitamento de créditos curriculares obrigatórios e flexíveis conforme preconiza a Resolução 07/2010 do CONSEPE/UFPB (UFPB, 2010). Neste artigo objetiva-se refletir sobre as contribuições do Projeto de Promoção da Saúde em Comunidades com Ênfase na Estratégia Saúde da Família: uma iniciativa multiprofissional e interdisciplinar. Utiliza como eixo teórico metodológico os princípios da Política Nacional de Promoção da Saúde ((BRASIL, 2006), Política Nacional Educação Popular em Saúde (BRASIL, 2013), bem como os princípios e diretrizes da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (BRASIL, 2009) que preconizam a participação reflexiva, a dialogicidade, a troca de saberes, a humanização, o empoderamento participativo e aprendizagem significativa; envolvendo as comunidades nas atividades e iniciativas a serem implementadas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente trabalho constitui-se em uma ação construída no fazer de acordo com os interesses e motivações dos atores sociais envolvidos, baseado metodologicamente nos princípios teóricos da Educação Popular, os quais preconizam a participação reflexiva do sujeito social, tendo por finalidade estimular o máximo envolvimento das comunidades nas atividades e iniciativas implementadas com as populações, bem como, com os demais segmentos excluídos socialmente que vivem e convivem com os mesmos. A Educação Popular busca trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de aprendizagem e investigação, de modo a promover o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta. É uma estratégia de construção 104

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da participação popular no redirecionamento da vida social (VASCONCELOS, 2004). A metodologia da educação popular, no campo da extensão possibilita aos sujeitos envolvidos, a invenção de um trabalho social útil nas mais diversas formas, respeitando sempre as realidades, sentidos e sentimentos do indivíduo, família e coletividade no cotidiano de sua comunidade, promovendo a estes, o empoderamento e a participação popular nas lutas pelas conquistas e garantias dos direitos humanos e direitos sociais, na busca da qualidade de vida e saúde. Isto imprime sentido a uma extensão popular transformadora de mudanças nas realidades dos sujeitos. Foram também utilizados neste projeto de extensão, os princípios e pressupostos teóricos metodológicos da Política Nacional da Educação Popular em Saúde (PNEPS) e da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, preconizadas pelo Ministério da Saúde. A PNEPS, em seus princípios, reafirma o compromisso com a universalidade, a equidade, a integralidade e a efetiva participação popular no SUS. Propõe uma prática político-pedagógica que perpassa as ações voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a partir do diálogo entre a diversidade de saberes valorizando os saberes populares, a ancestralidade, o incentivo à produção individual e coletiva de conhecimentos e a inserção destes no SUS (BRASIL, 2013). Os pressupostos teóricos ou diretrizes da PNEPS contemplam dimensões filosóficas, políticas, éticas e metodológicas que dão sentido e coerência à práxis de educação popular em saúde. Considerando os pressupostos teóricos metodológicos enunciados, o projeto de extensão foi operacionalizado a partir de cinco eixos estruturantes, a saber: 1° Eixo - Vivências em Processos Pedagógicos – caracteriza-se em experiências e saberes compartilhados na prática da extensão. 2° Eixo - Vivências Teórico Conceitual – corresponde a experiências de aprendizagem e troca de saberes entre os sujeitos envolvidos que possa promover sentido de melhor apreensão dos conhecimentos. Contribuem para a resolução das questões demandas nas comunidades. 3° Eixo - Vivências de Territórios – caracteriza-se pela aproximação dos extensionistas às comunidades, a partir do processo de territorialização em saúde. A territorialização segundo Pereira, Barcellos (2006), adquire pelo menos três sentidos diferentes e complementares: de demarcação de limites das áreas de atuação; de reconhecimento do ambiente, população e dinâmica social existente nessas áreas; e de estabelecimento de relações horizontais com outros serviços adjacentes e verticais com centros de referências. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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4° Eixo -Vivências Comunitárias – consiste no desenvolvimento das ações e atividades da extensão, propiciada pela inserção dos estudantes nas comunidades, integração e interação com os profissionais e gestores de saúde, grupos sociais territorializados, lideranças, membros comunitários e demais sujeitos envolvidos. 5° Eixo - Vivências e Experiências em Pesquisas – caracteriza-se pela apreensão do conhecimento sobre si mesmo, sobre o outro, sobre o lugar onde vive e convive, propicia ações, atitudes e sentimentos para a construção de saberes transformadores da saúde individual, coletiva e do ambiente.

REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO

Ao refletir sobre as experiências vivenciadas no desenvolvimento das ações do projeto de extensão “Promoção da Saúde em Comunidades com Ênfase na Estratégia Saúde da Família: uma iniciativa multiprofissional e interdisciplinar” tem-se o reconhecimento de que a extensão universitária, além de instrumentalizadora do processo dialético entre teoria e prática, é um trabalho interdisciplinar que promove aos sujeitos envolvidos, uma visão integrada do social; onde a inserção do individuo na sociedade, possibilita a sua identificação como sujeito ativo em constante processo de transformação de si, do outro e da coletividade. “A extensão universitária constitui-se num processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável para viabilizar relações transformadoras entre universidade e sociedade. É uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis do conhecimento acadêmico” (PLANO NACIONAL DE EXTENSAO UNIVERSITÁRIA, 2001).

O objetivo geral do projeto “promover atenção integral em saúde ao indivíduo, família e comunidade, com base nas linhas de cuidado em saúde, com o desenvolvimento de ações multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial”, em sua execução contempla as diretrizes definidas pelo Plano Nacional de Extensão Universitária: impacto e transformação, interação dialógica, interdisciplinaridade e indissociabilidade ensino – pesquisa – extensão. A efetividade do alcance da ação desse objetivo na transformação do cuidado em saúde no cotidiano das pessoas é observada dentre outros aspectos, mediante mudanças de hábitos e atitudes em relação à saúde e à cidadania. De acordo com a Política Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL, 2010), 106

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“o exercício da cidadania, vai além dos modos institucionalizados de controle social, favorece espaços de criatividade e mecanismo de mobilização e participação com vários movimentos e grupos sociais, organizando-se em redes. O trabalho em rede com a sociedade civil organizada favorece que o planejamento das ações de saúde esteja mais vinculado às necessidades percebidas e, vivenciadas pela população nos diferentes territórios e, concomitantemente, garante a sustentabilidade dos processos de intervenção nos determinantes e condicionantes de saúde”.

As ações do projeto desenvolvidas na comunidade ultrapassam o cuidado em saúde ao indivíduo e a família, respeita a cultura e o saber popular, a troca de saberes, a dialogicidade, o estímulo a autonomia, a alteridade e o protagonismo (FREIRE, 1979; 2005). Estes atributos presentes no exercício do cotidiano dos sujeitos promovem uma participação ativa no seu meio social e a criatividade se apresenta como meio de encontrar novas formas de enfrentamento para resolver demandas de saúde individual e coletiva. O projeto ao se inserir no contexto da Estratégia de Saúde da Família contribui para a valorização de iniciativas na promoção e prevenção à saúde da comunidade; além do apoio aos processos de gestão e controle social, organização dos serviços e do cuidado no contexto da Atenção Básica. Os eixos metodológicos norteiam a execução do projeto de forma coerente entre suas fases, articulam processos pedagógicos e as vivências: teórico conceitual, de territórios, comunitárias e de experiências em pesquisas. Os processos pedagógicos são geradores de reflexões críticas dos sujeitos e contribuem com a construção de competências e habilidades em vivências comunitárias, facilitam a realização das reuniões de organização e planejamento, oficinas de formação, qualificação, sistematização e avaliação das práticas na comunidade. Na vivência de território a cartografia é um instrumento de orientação do mapeamento da comunidade e a sua utilização é fundamental para o diagnóstico e planejamento de atividades de campo. Nas comunidades os extensionsitas vivenciam troca de saberes fundamentada nos pressupostos teóricos da Educação Popular, Freiriana; que favorece um conhecimento rico de intencionalidade e estabelece vínculo entre educação e política, educação e luta de classe, ultrapassa a transmissão de saberes e constitui também um ato político (FREIRE, 2003). Dentre as diversas ações de extensão deste projeto, destacamos no momento o mapeamento da rede de cuidados para a identificação de talentos com competências e habilidades disponíveis na comunidade, que possam gerar recursos e desenvolvimento local. A nossa reflexão sobre o projeto traz evidências de que o mesmo tem consonância para o alcance do macro objetivo da extensão universitária que consiste em “promover Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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a interação transformadora entre a universidade e outros setores da sociedade” e, portanto, reúne elementos que se ancoram às cinco dimensões de avaliação que caracterizam a extensão universitária; as quais de acordo com o (FORPROEX, 2001), são: Política de Gestão, Infraestrutura, Plano Acadêmico, Relação Universidade – Sociedade e Produção Acadêmica. De acordo com Maximiano (2017), “das dimensões de avaliação da extensão, três são relacionadas à gestão interna e duas apontam para o relacionamento com o meio externo; seguindo um fluxo da base interna para a fronteira externa.” As três dimensões relacionadas à gestão interna são: a Política de Gestão, Infraestrutura e a Política Acadêmica. Na Universidade Federal da Paraíba, a Política de Gestão fomenta o desenvolvimento da extensão com recursos próprios, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PROBEX), além do apoiar a divulgação da produção acadêmica (BUVINICH, et al. 2011). As duas dimensões que se relacionam com o meio externo são: Relação Universidade-Sociedade e Produção Acadêmica. Neste contexto, a experiência da extensão entre os estudantes, professores e profissionais com a comunidade são refletidas á luz do conhecimento acadêmico que gera o intercâmbio de saberes entre o tradicional e o cientifico. Essa base estabelece o retorno da produção acadêmica para a comunidade, bem como para ser divulgado em meios de comunicação e eventos nacionais e internacionais. Com isso, a universidade continua sendo um local propicio para a consolidação e disseminação do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os eixos metodológicos deste projeto possibilitam uma ampla aprendizagem, horizontal com respeito aos diferentes tipos de saberes. Todos os envolvidos experimentam disponibilizar seus conhecimentos para serem trocados e transformados em ações que melhorem a compreensão de si, do outro e da comunidade. Com isso há o estimulo ao protagonismo no cuidado individual e coletivo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão em Educação em Saúde. Série B. Textos Básicos em Saúde. 64p. Brasília, 2009. 108

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BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção á Saúde. 3. ed. Brasília, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição.Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diário Oficial da União, Seção 1E, p. 131. Brasília, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM no. 2.761/2013. Institui a Política Nacional de Educação Popular em Saúdeno âmbito do Sistema Único de Saúde – PNEPS/SUS. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde – CNEPS. Brasília. 2013. BUVINICH, M.; CARVALHO, B.; GUERRA, L. Entendo a Extensão. 2011 – Ano de extensão na UFPB. Universidade Federal da Paraíba. Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários. João Pessoa. 2011. FREIRE, P. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra. 1979. FREIRE, P. Educação e Atualidade Brasileira. 3. ed. São Paulo, Cortez. Instituto Paulo Freire, 2003. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 31 ed. São Paulo, Paz e Terra, 2005. FÓRUM DE PRÓ- REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRA. Avaliação Nacional da Extensão Universitária. MEC/SESu. Paraná: UFPR, Ilhéus, Ba: UESC, Coleção Extensão Universitária, v. 3. 2001, 98p. PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Fórum de Pró- Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileira. SESu/MEC. Edição Atualizada. 2000/2001. MAXIAMINO JÚNIOR, M.; et al. Pesquisa Indicadores Brasileiros de Extensão Universitária. EDUFCG. Campina Grande, 2017. Disponível em: www.ufmg.br/proex/renex/ images/documentos/Relatório_de_pesquisa_Forproex_EBOOK.pdf. Acesso em: maio de 2018. PEREIRA, MPB.; BARCELOS, C. O território no programa de saúde da família. Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde. HYGEIA. v.2, n.2, p.47-55, jun., 2006. Disponível em: www.hugeia.ig.ufu.br. Acesso em: maio de 2018. SHAH, I. Aprender a aprende: psicologia e espiritualidade no caminho sufi. Roça Nova. Rio de Janeiro, 2011. UFPB. Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão. Resolução N. 07/2010. Orienta a Elaboração e Reformulação dos Projetos Políticos Pedagógicos na UFPB. João Pessoa, 2010. UFPB. Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão. Plano de Desenvolvimento Institucional 2014 – 2018. João Pessoa, 2014. VASCONCELOS, E. M. Educação Popular: de uma prática alternativa a uma estratégia degestão participativa das políticas de saúde. Physis, Rio de Janeiro, v.14 n.1, 2004. Disponível em: Sitehttp://www.scielo.br. Acesso em 2018. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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Adriana Costa-Ribeiro1 Francilene Lira Matias2

Exercícios terapêuticos na prevenção de quedas na doença de Parkinson

RESUMO Afecção neurológica do sistema nervoso central, de causa idiopática, a doença de Parkinson (DP) evolui progressivamente e se caracteriza por disfunção motora e progressiva incapacidade. O comprometimento na execução da função motora e das atividades cotidianas evoluem para incapacidade funcional na DP. A deambulação da pessoa com DP tornase comprometida quando há instalação da bradicinesia, devido à lentidão na realização dos movimentos e perda na habilidade para ajustes rápidos de ação muscular que são necessários para manter o equilíbrio e iniciar essa ação. O fenômeno de bloqueio motor (freezing) que, associado à perda dos reflexos posturais, é responsável pela alta prevalência de quedas nessa população. Trata-se de um ensaio clínico não controlado com abordagem quantitativa com avaliação antes e depois. A fisioterapia neurofuncional realizada semanalmente envolve estratégias de reabilitação; exercícios de equilíbrio e propriocepção, exercícios de flexibilidade, fortalecimento e resistência muscular; e exercícios funcionais com progressão de complexidade, podendo associar tarefas motoras e cognitivas. A fisioterapia neurofuncional em grupo a partir de cinesioterapia ativa, passiva e resistida associada à estimulação cognitiva tem se mostrado imprescindível para melhora dos sintomas de pessoas com doença de Parkinson. Palavras-chave: Quedas; Fisioterapia neurofuncional; Doença de Parkinson.

1. Professora doutora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia/CCHLA/UFPB. Lider do Grupo de Estudos Culturais do CNPq (GEC). E-mail: patriciagoldfarb@yahoo.com.br. 2. Graduada em Ciências Sociais/UFPB.

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ABSTRACT Parkinson’s Disease (PD) of idiopathic cause is a progressive neurological affection of the central nervous system, characterized by motor dysfunction, as well as continuous disability. The impairment in the performance of motor function and daily activities evolves to functional disability, in PD. The walk of a person with PD becomes affected when bradykinesia is installed, due to slow movements and loss of ability to adjust him/herself rapidly for the muscular action necessary to begin and keep balance, as well. The phenomenon of motor block (freezing), associated with the loss of postural reflexes, is responsible for the high prevalence of falls among this population. This is an uncontrolled, quantitative, clinical trial, with both previous and post evaluation. The weekly neurofunctional physiotherapy involves rehabilitation strategies, exercises of balance and proprioception, of flexibility, of muscular, strengthening resistance, functional exercises with complexity progression, as well as the possibility to associate motor and cognitive tasks. Group neurofunctional physiotherapy, performed through active, passive and resistive kinesiotherapy associated with cognitive stimulation has been proven crucial for the improvement of the signs and symptoms of Parkinson’s disease patients. Keywords: Falls; Neurofunctional physiotherapy; Parkinson’s disease.

INTRODUÇÃO

Disfunção neurológica do sistema nervoso central, a doença de Parkinson (DP) tem causa idiopática e evolui com desordem motora progressivamente até a incapacidade total mediante morte de neurônios responsáveis pela produção de dopamina e consequente diminuição da transmissão dopaminérgica nos núcleos da base (SOUZA, 2011). As quedas entre pessoas com DP constituem cerca de 38% a 68% (BALASH et al., 2005). Dentre os sintomas clínicos, destacam- -se as fraturas do quadril, punho e hematomas subdurais, que geralmente levam a internação e severas incapacidades funcionais (FABRÍCIO, RODRIGUES e COSTA JÚNIOR, 2004). Apesar de inúmeros estudos desenvolvidos em busca da melhor estratégia de intervenção para disfunções relacionadas à hipocinesia e função motora na DP (TOMLINSON et al., 2012; ROCHA et al 2014; KWAKKEL, DE GOEDE e VAN WEGEN, 2007), revisões sistemáticas alegam fraca evidência na definição do modelo ideal de intervenção fisioterapêutica para tratamento dessa população. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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A lacuna da literatura é a de não se ter um tratamento de forte evidência científica parar pessoas com Doença de Parkinson. Por outro lado, o uso de Tai Chi, atividades em grupo, dança e treinamento de marcha em esteira tem demonstrado promover mudança na velocidade da marcha e comprimento do passo em pessoas com Doença de Parkinson (TOMLINSON et al, 2013).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO PROBLEMA

Considerada segunda doença neurodegenerativa mais comum, depois do Alzheimer, a Doença de Parkinson (DP) atinge 160 mil pessoas no Brasil; e, na Europa a incidência é alarmante: 260 mil na Espanha, 240 mil na Itália, 120 mil na França e 110 mil na Alemanha (REUTER, MEHNERT, OECHSNER et al, 2011) e no futuro, estima-se que esse número duplique até 2030 com o envelhecimento da população brasileira (DORSEY, CONSTATINESCU, THOMPSON et al, 2007). Pessoas com DP costumam experimentar progressiva limitação funcional e comprometimento na execução de atividades usuais de vida diária, de forma que à medida que a doença progride, as limitações iniciais evoluem para incapacidade funcional como resultado da combinação de disfunção motora, complicações e sintomas não motores. Essa progressão, frequentemente, leva o indivíduo a avançado estágio da DP, quando a obtenção de benefícios clínicos a partir de terapias convencionais se torna improvável (LUQUIN, KULISEVSKY, MARTINEZ-MARTIN et al, 2017). As pessoas com DP apresentam sensação de fadiga, tremores progressivos, rigidez, bradicinesia, alterações posturais com instabilidade e distúrbios motores. Esses sintomas atingem de maneira significativa a qualidade de vida dessas pessoas, as quais necessitam de ajuda em algumas ou todas as suas atividades de vida diária (AVDs) (ARAGÃO E NAVARRO, 2005 E 2007; SOUZA et al., 2006). O tremor da DP é descrito como de repouso, entretanto situações de tensão emocional, esforço mental e durante a marcha exacerbam esse tremor (BARBOSA, 2005). A rigidez é caracterizada por um aumento do tônus em todos os grupos musculares, o que resulta em uma rigidez difusa (THOMSON, SKINNER E PIERCY, 1994). A deambulação do paciente torna-se difícil quando há instalação de bradicinesia, pois além de dificultar realização dos movimentos, ocorre perda da capacidade de realizar ajustes rápidos de ação muscular que são necessários para manter o equilíbrio e iniciar essa ação. A instabilidade postural resulta principalmente da diminuição dos reflexos posturais e compreende uma postura tipicamente flexionada ou encurvada para frente (MATA, BARROS E LIMA, 2008). Os músculos flexores e adutores tornam-se seletivamente mais contraídos, tanto nos membros superiores quanto nos inferiores (O’SULLI112

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VAN E SCHIMITZ, 1993; BARBOSA, 2005) Essa postura pode não ser observada na fase inicial, porém, com a evolução a DP pode associar-se às alterações degenerativas que comprometem o envelhecimento normal, como perda de equilíbrio e os prejuízos do movimento e da postura. Esses eventos ocasionam diminuição da capacidade funcional e comprometimento na execução das AVDs (MONTE, PEREIRA E SILVA, 2004; CHRISTOFOLETTII et al., 2006; LUIZ et al., 2009; BARAÚNA et al., 2004) O fenômeno de bloqueio motor (freezing) que, associado à perda dos reflexos posturais, é responsável pela alta prevalência de quedas nos portadores da DP (BARBOSA, 2005; PELISSIER et al., 2005; MAITRA e DASGUPTA, 2005; PINHEIRO, 2002). A menor velocidade de contração muscular reduz a capacidade do músculo em realizar o reflexo de proteção e a resposta ao estiramento, prejudicando a percepção de desequilíbrio e ocasionando maior tendência a quedas. A lentidão dos reflexos posteriores por si só nem sempre é capaz de provocar a queda, mas, em combinação com outras alterações biológicas como atraso na identificação do equilíbrio e desorganização dos processos centrais, acarreta maiores riscos de quedas para os indivíduos idosos (ARAGÃO E NAVARRO, 2007). O desequilíbrio é um fator desencadeante de quedas e estas são mais recorrentes encontradas em mulheres do que em homens na mesma faixa etária. A fraqueza muscular diminui a eficiência do músculo em responder a distúrbios da postura, levando, assim, ao desequilíbrio. A mobilidade funcional também está relacionada com essa fraqueza e determina a qualidade da execução das atividades cotidianas. Estudos demonstram que a menor mobilidade em idosos aumenta o risco de quedas (MAZO et al., 2007). As estratégias de reabilitação mais comumente prescritas são atividades motoras associadas a estímulos sensoriais (pistas visuais e auditivas) e atencionais (prática mental); exercícios de equilíbrio e propriocepção, exercícios de flexibilidade, fortalecimento e resistência muscular; e exercícios funcionais com progressão de complexidade, podendo associar tarefas motoras e cognitivas (TAMBOSCO et al., 2014 e KEUS et al. 2007). Revisões sistemáticas apontam a efetividade da fisioterapia no equilíbrio, mobilidade e independência funcional das pessoas com DP (TAMBOSCO et al., 2014; GOODWIN et al., 2008 e TOMLINSON et al., 2012). Estudos apontem que indivíduos com DP tem significativo aumento na função cognitiva após aplicação da técnica. Além de melhorar sinais e sintomas motores, a técnica é uma estratégia importante no controle dos sintomas psicológicos como depressão e estresse. (FITZPATRICK et al., 2010; PICKUT et al., 2015). O presente estudo objetivou analisar a influência de exercícios terapêuticos na redução do risco de queda na população com DP; promover aumento na mobilidade funcional; favorecer estimulação cognitiva, acolhimento e socialização a pessoas com Doença de Parkinson; orientar acerca da influência de sintomas motores e não motores sobre Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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sono, ocupação, lazer e atividades de vida pessoal; favorecer relaxamento e respiração como formas de diminuição da ansiedade; avaliar relatos, queixas individuais para elaboração e implantação de estratégias de intervenção no grupo e prestar esclarecimentos sobre a importância de exercitar-se com forma de prevenção da evolução da doença de Parkinson nos estágios de 1 a 5 que conduzem à incapacidade física.

METODOLOGIA Trata-se de um ensaio clínico não controlado com abordagem qualitativa e quantitativa com avaliação antes e depois da intervenção. A fisioterapia neurofuncional é oferecida regularmente uma vez por semana em grupo para seis a dez indivíduos na faixa etária entre 50 e 70 e envolve estratégias de reabilitação por meio de cinesioterapia ativa, cinesioterapia passiva, auto alongamentos, treino de equilíbrio todos voltados para objetivos inerentes ao estadiamento da DP (estágio II a III) no qual se encontram os participantes. Cuidadores e familiares também são convidados a estar no grupo como forma de garantir mais segurança e independência durante atividades que requerem mais esforço dos participantes. Os participantes para serem incluídos na amostra devem obedecer ao critério de inclusão de possuir diagnóstico de doença de Parkinson idiopática (segundo critérios do Banco de Cérebros de Londres – Hugues et al, 1987), ser do sexo masculino, estar no estadiamento até III da DP e ser acompanhado por neurologista especializado em desordens do movimento. O tratamento em grupo é oferecido na Clínica-escola de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba a pessoas com Doença de Parkinson idiopática, e é denominado PARKação. Os encontros acontecem uma vez por semana de forma regular com duração média de 120 minutos e as atividades são planejadas e realizadas por equipe formada por duas fisioterapeutas, uma psicóloga, cinco estudantes e um monitor do curso de fisioterapia sob a orientação de um docente pesquisador especializado na área de desordens do movimento. Os participantes são submetidos à prática coletiva de exercícios fisioterapêuticos, que é planejado previamente pelo terapeuta obedecendo etapas claras e estabelecidas no sentido de criar uma rotina interna contendo: (i) estratégia de meditação (mindfulness); (ii) alongamentos, fortalecimento, exercícios ativos associados as atividades de representação do cotidiano; (iii) atividade cognitiva por meio de neuróbica, seguida do (iv) relaxamento auto induzido.

ESTRATÉGIAS DE AVALIAÇÃO A avaliação dos integrantes do grupo é realizada por meio de escuta por demanda espontânea e também avaliação do desfecho Participação por meio de aplicação 114

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do Questionário para Doença de Parkinson-39 (PDQ-39) com dez domínios em saúde e voltados para mensurar a qualidade de vida quanto à mobilidade funcional, estigma, comunicação, função emocional, atividades cotidianas, entre outros (MARTINEZ-MARTIN et al, 2011). Os participantes são classificados quanto à independência para marcha por meio da Escala Capacidade de deambulação funcional (FACm), como também questionados sobre o medo de cair por meio da Escala ABC para medo de quedas (Activities-specific balance confidence -ABC scale) que avalia em escala de 0 a 100, o índice de confiança ao executar atividades cotidianas com vistas a identificar presença de medo de cair e possível isolamento social (MARQUES et al, 2013). Os participantes do grupo são incentivados/ orientados a realizar visita periódica ao neurologista especializado em desordens do movimento nos centros de referência para a doença de Parkinson (Centro de Atenção Integrado em Saúde - CAIS de Jaguaribe e Hospital Universitário Lauro Wanderley) e a seguir as orientações de exercícios e horários de ingesta de medicamentos para permanência no grupo. A participação no grupo está atrelada ao compromisso de registro e preenchimento de tabela contendo exercícios e atividades realizadas no domicílio pelos participantes indicando também quantidade de exercícios e frequência em que foi realizado por meio do uso de diário de atividades.

PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO As atividades desenvolvidas no PARKação são iniciadas com a estratégia de meditação (mindfulness), que consiste de técnica onde o paciente concentra-se no aqui e no agora, fechando os olhos, focando em seu corpo, focando em manter atenção plena durante as atividades desenvolvidas. As atividades de fisioterapia neurofuncional são planejadas com o objetivo de restabelecer o padrão postural e cinético funcional, visando prevenir episódios de quedas e consequentemente reintegrar os participantes em tarefas sociais e melhorar a qualidade de vida. A fisioterapia neurofuncional envolve estratégias de reabilitação; exercícios de equilíbrio e propriocepção, exercícios de flexibilidade, fortalecimento e resistência muscular; e exercícios funcionais com progressão de complexidade, podendo associar tarefas motoras e cognitivas. As atividades de fortalecimento são compostas por exercícios de fortalecimento de membro superior, inferior e tronco, podendo ser realizados de forma isométrica ou isotônica e respeitando limiar do paciente. Com vistas ao treinamento de atividade dupla tarefa, é realizado atividade que associem o cognitivo e o motor com o estimulo visual, auditivo e tátil, como treino de marcha com pista visual, atividades cognitivas associadas ao treino motor de atividades funcionais e abordagens terapêuticas utilizando Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP). Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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Os alongamentos são feitos de forma ativo assistida e mantidos por vinte segundos e o treino por pistas externas é realizado sobre tapete de 6 metros de comprimento contendo faixas dispostas paralelas ao trajeto da marcha que enfatiza aumento do comprimento do passo e da passada, aumento da largura do passo e da velocidade da marcha. Os comandos verbais servem de pistas auditivas para melhora da cadência da marcha contribuindo para evitar episódios de congelamento (freezing), caracterizados por paradas bruscas e inesperadas que surpreendem o próprio doente provocando desequilíbrios súbitos e ocasionais quedas da própria altura.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Seis participantes do sexo masculino, 62,1±3,2 (média ± DP), fase II a III de estadiamento da Doença de Parkinson de Hoehn & Yahr modificada com duração de doença de 6,35±3,8 (média ±DP) anos participam semanalmente das atividades em grupo e relatam seus anseios, dificuldades e sonhos. Dois cuidadores dos participantes também fazem presença no grupo para empoderamento sobre exercícios e atividades a serem realizadas em casa nos demais dias da semana. Por meio de escuta de demanda espontânea, relato dos participantes e familiares e observação do quadro clinico e funcional dos pacientes com DP foi possível observar uma melhora no padrão postural e motor, aprimoramento no desenvolvimento de atividade funcionais, diminuição no relato de número de quedas e uma maior socialização dos participantes. Segundo a Diretriz Europeia de Fisioterapia para a Doença de Parkinson o atendimento fisioterapêutico de pacientes com DP deve abranger diferentes frentes para uma melhora significativa, contendo exercícios ativos supervisionadas pelo fisioterapeuta, voltadas para marcha, equilíbrio, transferências e capacidade física, ou a combinação destas. Além de focar em exercícios de tarefas funcionais em grande amplitude, com estímulos visuais, auditivos e táteis, criação de grupos de exercícios específicos para DP, objetivando o aprendizado motor. Dessa forma corroborando, com as atividades realizadas no desenvolvimento desse trabalho (TEIXEIRA e DOMINGOS, 2014). Pessoas com DP tendem a adotar uma postura simiesca, com anteriorização da cabeça e cervical, ombros com enrolamento vertical e horizontal associados à rotação interna e protrusão. Devido a esse posicionamento os músculos responsáveis pelos movimentos de extensão, abdução e rotação externa tendem a encurtamento muscular e aumente da tensão. Os alongamentos passivos e auto alongamentos de músculos como peitoral maior e menor, trapézio superior, subescapular, escalenos e esternocleidomastóideos devem ser enfatizados sob pena de evolução mais rápida para postura simiesca e instalação da síndrome o travesseiro fantasma. É fundamental nesses pacientes melhorar ou manter uma amplitude de movimento funcional em todas as articulações e retardar o aparecimento de contraturas e deformidades (HAASE e MACHADO, 2008). 116

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Com a progressão da doença os portadores de DP tendem a apresentar perdas significativas na marcha, na postura e no equilíbrio, tais danos levam ao isolamento social e consequentemente um declínio físico, associado à perda de força muscular e da capacidade física, piorando o seu desempenho funcional. Portanto, a realização de exercícios voltado ao ganho de força é essencial para o tratamento fisioterapêutico de pacientes com DP (RODRIGUES et al., 2011). As alterações cognitivas e do controle motor geram no paciente com DP uma dificuldade ao que se denomina atividade de dupla tarefa, também chamada de capacidade de desempenho simultâneo. Essa capacidade é responsável pela execução de tarefa motora simultaneamente a uma tarefa cognitiva. Devido a isso, é necessário o estimulo em portadores de DP com pistas visuais e comando auditivos para a realização de tarefas, minimizando sintomas como o freezing. (TEXEIRA; ALOUCHE, 2007). Estudo com 30 participantes descreveu alta incidência de quedas em pessoas com DP (MATA, 2008) e verificou alta correlação entre risco de queda e estágio de progressão da doença a partir de escalas de Webster e a de Tinetti. Nesse estudo, 60% dos participantes classificados no estágio leve de progressão da DP apresentou um risco moderado de queda e, 20%, alto, evidenciando a necessidade da realização de fisioterapia logo após o diagnóstico da DP com vistas a diminuição no número de quedas, como também evitar rápida progressão da doença nessa população. Tambosco e cols (2014) revelam em revisão sistemática, que estratégias de fisioterapia, com utilização de exercícios aeróbicos, fortalecimento e treinos de reabilitação física demonstraram eficácia no campo do tratamento da doença de Parkinson, reduzindo efetivamente o número de episódios de queda. O presente estudo encontra-se em desenvolvimento e se observa unânime adesão ao tratamento de fisioterapia neurofuncional bem como aumento da participação social da população assistida e estudada. Em consonância a terapêutica adotada no presente, está o estudo de Rodrigues e cols (2011), no qual, protocolo de fortalecimento e condicionamento aeróbio em 17 indivíduos com média de idade de 60,35 ± 9,94 anos e estágios I a III da Hoehn e Yahr demonstrou ganhos na velocidade da marcha, na habilidade em usar escadas, elevação no nível de atividade física e minimização do risco de quedas em pessoas com DP além de melhora da capacidade física.

CONCLUSÃO A fisioterapia neurofuncional aplicada em caráter coletivo a partir da utilização de cinesioterapia ativa e técnicas de alongamento, fortalecimento por meio de FNP, treino por pistas externas, além de atividades de estimulação cognitiva têm-se mostrado relevantes e imprescindíveis para melhora dos sinais e sintomas de pessoas com doença de Parkinson. Os relatos de melhora no convívio social e estabelecimento de riscos Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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mínimos de quedas têm contribuído para adesão à fisioterapia em grupo, diminuição de episódios de depressão e prevenção de deformidades ocasionadas pela DP, além de melhorar a qualidade de vida das pessoas envolvidas e de seus familiares.

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Elza Regis de Oliveira1

Considerações sobre o livro “O Bazar do Renascimento. Da Rota da Seda a Michelangelo” O Bazar do Renascimento de autoria de Jerry Brotton reporta-se à fase histórica do início do século XV, durante a qual os orientais e ocidentais faziam intenso comércio, na época do Renascimento. O bazar oriental é uma “metáfora” que o autor utiliza porquanto é no bazar que se colocam à venda objetos e artigos raros. Bazar é um lugar de troca e de venda na concepção mais estrita do termo. O bazar oriental tem uma dimensão muito grande porque atinge vastas áreas, isto é, países onde se realizavam transações comerciais. O livro não trata apenas do comércio a que nos referimos mas do “impacto das culturas orientais sobre o continente europeu, entre 1400 e 1600.” O comércio e a troca com o Oriente é tema do primeiro capítulo. As trocas iam além de coisas e mercadorias porque as pessoas trocavam também ideias com as culturas do Oriente, apesar das “diferenças políticas e religiosas.” Assim, as culturas tiravam proveito umas da outras, numa interação proveitosa. Os europeus viam que aquelas culturas tinham muitas coisas a oferecer: “mercadorias preciosas, conhecimento técnico, científico e artístico e modos de fazer negócios que vinham dos bazares orientais.” Os venezianos, exatamente como foram comerciantes no começo, continuaram a comerciar todos os anos; eles enviavam galés para Flandres, Costa Barbária [Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia], Beirute, Alexandria, terras gregas e Aigues-Mortes. Veneza era o intermediário do comércio de mercadorias dos bazares orientais para o norte da Europa. Centros comerciais e consulados vene-

1. Professora Titular do Departamento da História da UFPB, Campus 1 – João Pessoa. Mestre em História. Escreveu dezenas de artigos publicados sobre Teoria da História, História do Brasil, História da Paraíba e Memória e Preservação de Documentos na Paraíba, em revistas especializadas. Livros publicados: A Paraíba na crise do século XVIII: subordinação e autonomia (1755-1799); Teoria, história e memória e Catálogo dos documentos manuscritos avulsos referentes à Capitania da Paraíba, existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (coautora). Verbete “Capitania da Paraíba” publicado no Dicionário da Colonização Portuguesa no Brasil, Lisboa, 1994.

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zianos e genoveses foram estabelecidos em Alexandria, Damasco, Aleppo e em outras regiões mais distantes. A Europa exportava têxteis, especialmente tecidos de algodão, artigos de vidro, sabão, papel, cobre, sal, frutas secas e, acima de tudo, prata e ouro. As mercadorias importadas do Oriente variavam de especiarias (pimenta-do-reino, noz-moscada, cravo-da-índia e canela), algodão, seda, cetim, veludo e tapeçaria, ópio, tulipas, sândalo, cavalos, ruibarbo e pedras preciosas bem como tinturas e pigmentos vívidos usados na indústria têxtil e na pintura.

Os venezianos tinham grande admiração pelas culturas do Oriente. Traços da arquitetura de Veneza foram inspirados no “design e na decoração oriental”. Muitas construções sofreram imitações de Aleppo, Damasco e de outras cidades orientais. As mercadorias importadas vinham também dos “bazares orientais da Espanha muçulmana, do Egito mameluco, da Turquia otomana, da Pérsia e a Rota da Seda entre a China e a Europa.” (BROTTON, Jerry. P.9.) O comércio e as trocas com o Oriente de italianos e de portugueses ocorreram em plena época do Renascimento. A Rota da Seda é um conjunto de rotas que visa estabelecer o comércio da seda entre o Oriente e a Europa, através de rotas terrestres – atravessando a Ásia Central – e marítimas, algumas vêm da Antiguidade. A Rota da Seda serviu não só de comércio, de intercâmbio cultural mas de transferência de tecnologia do Oriente para o Ocidente. Só os chineses fabricavam a seda da “fibra branca dos casulos dos bichos-de-seda”. O Renascimento foi um movimento cultural cujo objetivo era o de resgatar a cultura clássica pelo déficit cultural da Idade Média, que foi denominada de “Idade das Trevas”. Nessa época, não vimos florescer uma atividade cultural que fosse comparável à do Renascimento. Esse movimento, como acima afirmamos, atingiu o setor cultural, o econômico e o político do século XIV ao XVI, na Europa, particularmente, na Itália. O Humanismo, movimento intelectual que surgiu na Itália e se difundiu pelo restante da Europa, está relacionado com o Renascimento e é centrado no homem, na sua valorização associado aos padrões da cultura clássica. No antropocentrismo, o homem passa a ser o centro de todas as atenções, enquanto no teocentrismo, Deus era o centro do mundo. O humanismo afasta os dogmas religiosos e abre caminho para nova reflexão sobre as artes, as ciências (física e matemática) e a política, libertando-as das amarras da Idade Média, quando cientistas tiveram de renunciar suas descobertas. Tanto a pintura como a escultura passaram a valorizar a figura humana em vez dos santos. O Racionalismo é o triunfo da razão sobre a fé. A ciência medieval estava ligada à religião e ao dogmatismo. Descartes (1596-1650) lança os fundamentos da ciência moderna e as bases de um novo método científico, no seu Discurso sobre o Método. Ele estabelece a autonomia da ciência ao declarar que a verdade científica se impõe pela razão. A razão é a única fonte do saber, do conhecimento. Jerry Brotton contesta a visão tradicional de se considerar a Itália o centro ex122

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clusivo do Renascimento, declarando que existe renascimentos em outras regiões com características próprias. Esses outros renascimentos sempre estiveram em contato com o renascimento italiano. O Renascimento uniu o homem do Ocidente ao do Oriente numa interação cultural e comercial bem sucedida. Holbein é um exemplo ainda melhor dessa mobilidade cultural e geográfica. Nascido na Alemanha, ele primeiro trabalhou em Basileia (Suiça) e depois na Inglaterra como um pintor da corte e foi fortemente influenciado pela arte italiana. Os objetos de suas telas indicam que ele absorveu influências culturais, políticas e intelectuais notavelmente globais. Isso tornou a sua pintura essencialmente híbrida e bastante diferente da de seus contemporâneos italianos. [...] Elas incluem a pintura a óleo, uma técnica relativamente nova, que transformou o mundo da arte.

Na pintura, destacamos Gentile e Bellini com a tela de São Marcos [...] Essa tela dos Bellini é uma mistura de culturas que representa tanto a Igreja Ocidental quanto a Oriental. Uma suntuosa basílica bizantina e sua cúpula, uma recriação engenhosa da Igreja de São Marcos em Alexandria, domina a área posterior da tela. A própria basílica é uma mistura eclética de elementos da Catedral de São Marcos em Veneza e da Igreja de Santa Sofia em Constantinopla.

Giorgio Vesari, artista toscano, foi um dos pintores do século XVI, na Itália. Trabalhou para os Médici em Florença e para o Papa Gregório XIII. “Criou uma série de afrescos, um deles o massacre Coligny e dos hungenotes na noite de São Bartolomeu, 24 de agosto de 1572, de 1573, celebra o infame massacre de centenas de protestantes franceses por católicos em Paris.” No início do século XVI, a leitura dos livros era limitada a uma “elite internacional.” No final do século XVI, com o surgimento da imprensa, a leitura tornou-se mais acessível na transmissão do conhecimento com o livro impresso. Na Europa, a imprensa não apenas forneceu uma divulgação conveniente das novas ideias científicas: ela fez avançar ao fornecer características que os manuscritos não dispunham. A análise científica moderna é baseada nos princípios da observação, experimentação, comprovação, padronização e divulgação. Esses princípios eram impossíveis numa cultura de manuscritos. Os cientistas não podiam comparar e contrastar observações sobre trabalhos científicos uma vez que dois manuscritos de um mesmo texto nunca continham o mesmo conteúdo. A imprensa mudou completamente isso. Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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O Renascimento abrangeu vários campos do conhecimento: arte (pintura e escultura), literatura, ciência, filosofia, não só de autores italianos mas de outros. Vamos nos ater a alguns desses aspectos. Na escultura e na pintura, citamos Michelangelo, um dos maiores pintores e escultores do Renascimento. Davi de Michelangelo é uma escultura de mármore, que se encontra em Florença, cidade italiana. Também de Michelangelo é a escultura de Pietá da Virgem Maria com Jesus morto nos braços. Ela está na Igreja de São Pedro, no Vaticano. Michelangelo esculpe também Moisés e pinta as paredes e o teto da Capela Sistina, no Vaticano. Leonardo da Vinci (escultor, pintor, arquiteto e matemático) pinta a Última Ceia, Monalisa ou Gioconda. Na

literatura,

podemos

mencionar

os

autores

com

suas

principais

obras: Miguel de Cervantes - D. Quixote; Luís de Camões - Os Lusíadas; Dante Alighieri Divina Comédia; Maquiavel - O Príncipe; Shakespeare - Romeu e Julieta. Na ciência, destacamos o nome de Nicolau Copérnico, matemático e astrônomo, que quebrou o velho paradigma do sistema geocêntrico de Ptolomeu e assegurou que o Sol é o centro do sistema solar com os planetas girando à sua volta. Galileu Galilei “descobriu os anéis de Saturno, as manchas solares, os satélites de Júpiter. Perseguido pela Igreja, teve de se retratar para não ser condenado à morte” Segundo Jerry Brotton,“a transmissão do conhecimento árabe sobre astronomia filosofia e medicina também influenciou profundamente pensadores e cientistas, como Leonardo da Vinci, Copérnico, Vesalius,e Montaigne.” “Com Copérnico e Versalius vieram centenas de publicações que começaram a definir o surgimento de disciplinas de investigação científica: matemática, física, biologia, ciências naturais e geografia.” O autor do referido livro afirma ser importante incluir na discussão sobre o Renascimento as viagens marítimas feitas por Cristovão Colombo, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães, cujo objetivo era o de explorar os mercados do Oriente. No capítulo sobre Bravos Novos Mundos, há sem dúvida, um destaque para as navegações de Portugal. Os portugueses utilizaram-se, nas suas viagens, do Mapa-Mundi de Ptolomeu, astrolábios, tabelas solares, quadrantes etc., além de conhecimentos de astrônomos e geógrafos. Os portugueses, depois da tomada de Ceuta em 1415, expandiram-se pela costa da África ocidental. Conquistaram a Madeira, Canárias, Açores e as Ilhas de Cabo Verde. Estas últimas, em 1460. Estabeleceram um comércio de “matérias básicas, como madeira, açúcar, peixe e trigo.” Em dezembro de 1488, Bartolomeu Dias voltou a Lisboa para anunciar que ele tinha circum-navegado o extremo sul da África. [...] Os portugueses despacharam outra expedição para o Cabo com o objetivo explícito de alcançar a Ìndia. Em julho de 1497, Vasco da Gama 124

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deixou Lisboa com 170 homens em uma esquadra de quatro navios pesados [...]. Vasco da Gama chegou a Calecute , na costa meridional da Ìndia, em 20 de maio de 1498. “Os portugueses haviam circum-navegado a África, alcançado a Índia, descoberto o Brasil, acidentalmente, no caminho para o Oriente (1500), e prosseguiram em direção a Malaca (1511), Ormuz 1513), China (1514) e Japão (1543).”

A chegada dos portugueses ao oceano Índico era o passaporte para o comércio das especiarias. A partir dai Lisboa adquire nova visibilidade uma vez que lá tudo se encontra, sendo cobiçada pelas mercadorias importadas e o seu comércio. As especiarias que chegavam à Europa transformava a vida das pessoas. O termo “especiarias” também podia referir-se a um estonteante conjunto de drogas (incluindo ópio, cânfora, canabi, cosméticos, açúcar e cera. Seda, algodão e veludo transformaram o que as pessoas vestiam, e almíscar e civeta alteravam o modo como cheiravam. Corantes como índigo, vermelhão, laca, açafrão e alume fizeram da Europa um lugar mais brilhante [...] Também porcelana, âmbar, ébano, sândalo, marfim.

Temos referências sobre a viagem de Colombo em 1492. Inicialmente ele fez proposta para o Rei de Portugal mas, depois do sucesso de Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, ele ofereceu seu plano de viagem para a coroa castelhana. O referido plano foi aprovado e ele partiu em 2 de agosto de 1492 com três navios. “Colombo estava convencido de que estava prestes a alcançar o Japão. [...] Descobriu a América em 1492 e circum-navegou a costa de Cuba e do Haiti antes de arruinar sua nau-capitania e voltar para casa com pequenos traços de ouro e muitos “índios” sequestrados”. Conforme o autor do livro “O Bazar do Renascimento”, os “cálculos de Ptolomeu tanto do tamanho da Ásia quanto do globo terrestre estavam errados. Se Colombo soubesse disso, nunca teria embarcado na viagem de 1492”. Fernão de Magalhães, navegador português, ofereceu ao rei espanhol, futuro imperador de Habsburgo, Carlos V, uma viagem em direção ao Ocidente para as Molucas [...] . Em setembro de 1519, lançou-se no mar com cinco navios e 240 homens [...]. Magalhães envolveu-se em um conflito local e em 27 de abril de 1521, foi morto junto com 40 homens [...]. Os sobreviventes da esquadra sem capitão retomaram a viagem e finalmente chegaram às Molucas. Tanto Portugal como a Espanha reivindicaram as Molucas. Sob os termos do tratado de Zaragoza, assinado em 23 de abril de 1529, Carlos V reivindicou a imensa Conceitos - N. 26, Vol. 1 (Jan.Jul 2018)

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quantia de 350 mil ducados de Portugal como compensação por abrir mão de sua reivindicação [...]. Portugal comprou as ilhas.

O comércio com o Oriente era feito pelos venezianos, importando as mais variadas mercadorias a que já nos referimos. As descobertas marítimas de Portugal na viagem à Índia e à China uniram o Oriente e o Ocidente através da cultura, comércio e técnica. O impacto das trocas comerciais e das culturas entre o Oriente e o Ocidente possibilitou o alargamento do espaço e do conhecimento, contribuindo de certa forma para o Renascimento. É preciso não esquecer o papel da imprensa na divulgação desses acontecimentos. Enfim, aditamos dados sobre o Renascimento, humanismo, racionalismo, para melhor compreensão do livro de Jerry Brotton, historiador inglês. Ele trata de assuntos os mais variados e por isso mesmo tivemos de ler e reler o referido livro para esta resenha.

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