Cadernos Adufrj 2

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Ano 1 - nº 2 - setembro/outubro/novembro de 2014

O ALVO

FOTO: MIDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

A criminalização dos movimentos sociais viola direitos e empurra o país para o arbítrio

▼▼ GESTO. Morador sem-teto ergue o punho diante da tropa de PMs na Av. São João, no Centro de São Paulo. Autorizada pela Justiça, a polícia expulsou, de um hotel abandonado, cerca de 200 famílias organizadas pela Frente de Luta por Moradia (FLM). Ao cair da tarde de terça-feira, 16 de setembro, as portas do inferno se abriram naquela região da cidade


MARIANA TOPFSTEDT/SIGMAPRESS/FOLHAPRESS


Quem é o criminoso? Imagem capturada na sexta-feira, 6 de junho deste ano, no Centro de São Paulo, durante manifestação exigindo outras prioridades para os gastos públicos.


APRESENTAÇÃO

6 REFLEXÃO NECESSÁRIA

NO FOCO

36 ARTIGOS

populares de junho de 2013 como ponto de partida para o estudo das questões jurídico-políticas na base da incriminação dos movimentos sociais.

8 J`ACCUSE! (2014)

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ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS DA CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: As manifestações

QUEM É O INIMIGO

28 ADVOCACIA EM TEMPOS DE ARBITRARIEDADE

42 COMO ESTÁ E PARA ONDE VAI A CRIMINALIZAÇÃO DA LUTA POPULAR?

Uma publicação trimestral da Coordenação de Comunicação da Adufrj-SSind. Diretoria da Adufrj-SSind Presidente: Cláudio Rezende Ribeiro 1ª Vice-Presidente: Luciana Boiteux de Figueiredo Rodrigues 2ª Vice-Presidente: Cleusa dos Santos 1º Secretário: José Henrique Sanglard 2º Secretário: Romildo Vieira do Bomfim 1º Tesoureiro: Luciano Rodrigues de Souza Coutinho 2ª Tesoureira: Regina Célia de Souza Pugliese Coordenador de Comunicação: Luiz Carlos Maranhão Editor Adjunto: Kelvin Melo Foto de Capa: Midia Ninja Revisão: Roberto Azul Colaboraram: Silvana Sá e Elisa Monteiro Projeto Gráfico e Diagramação: Gil Castro Assistente de Arte: Marvyn Castro Os artigos assinados não expressam necessariamente a opinião da Diretoria. E-mails: adufrj@adufrj.org.br, secretaria@adufrj.org.br Redação: comunica@adufrj.org.br Diretoria: diretoria@adufrj.org.br Conselho de Representantes: conselho@adufrj.org.br Página eletrônica: www.adufrj.org.br Sede e Redação: Prédio do CT — bloco D — sala 200 Cidade Universitária CEP: 21949-900, Rio de Janeiro — RJ Caixa Postal 68531, CEP: 21941-972 Tel: 2230-2389, 3884-0701 e 2260-6368


ENTREVISTA

48 NOS TRILHOS DA NEGLIGÊNCIA

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ENSAIO REVISTA DITADURA 76 CRISE E OCUPA A DESAFIO UFRJ LIVRO A COMUNICAÇÃO ARTIGO DO OPRIMIDO INTERNACIONAL

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REFORMA DE LAS VIOLENCIAS Los orígenes del autoritarismo en el Ecuador

Agradecimentos aos professores da UFRJ Roberto Leher (FE) e Mariana Trotta (FND)

PORTFÓLIO

79 REFLEXÕES DE EDUARDO COUTINHO

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Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior


APRESENTAÇÃO

REFLEXÃO NECESSÁRIA

Esta

segunda edição dos Cadernos Adufrj foi pensada para dar voz aos movimentos sociais e à reflexão acadêmica sobre a criminalização da resistência política a partir das chamadas “Jornadas de Junho”, iniciadas em 2013. Naquela ocasião, o Brasil se viu diante de amplas, espontâneas e ativas manifestações populares que lotaram as ruas das grandes cidades, a partir da vanguarda de novos atores, como o Movimento Passe Livre (MPL), que tocou na ferida das injustiças da

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(i)mobilidade urbana e convocou a população a ir às ruas contra o aumento das tarifas. Professora da USP, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, na apresentação do livro “Cidades Rebeldes” (ed. Boitempo), compara as manifestações de junho a um terremoto “que perturbou a ordem de um país que parecia viver uma espécie de vertigem benfazeja de prosperidade e paz, e fez emergir não uma, mas uma infinidade de agendas mal resolvidas, contradições e paradoxos...”. Percebendo justamente que a grande visibilidade pública

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dessas contradições e paradoxos trazidos à tona pelo “terremoto de Junho” acabou gerando fortes ondas de respostas autoritárias, a Adufrj-SSind, que esteve na rua junto com docentes, estudantes, sindicatos e movimentos sociais, resolveu dedicar esta edição (por decisão de seu Conselho de Representantes) à análise dos desdobramentos atuais da reação repressiva às manifestações — especialmente a partir da prisão de militantes e ativistas decretada por um Juiz do Rio de Janeiro, na contramão de um sistema penal que se pretenda de-


mocrático e constitucionalmente (e socialmente) referenciado. A Universidade brasileira em geral, mas especialmente a UFRJ, esteve sempre atuante nesses movimentos políticos de contestação da ordem vigente, tendo sido, inclusive, em junho de 2013, vítima de ações só antes vistas em regimes ditatoriais. Um exemplo foi a ameaça de invasão da polícia aos prédios do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Largo de São Francisco, e da Faculdade Nacional de Direito, na Praça da República, onde alunos e professores buscaram guarida após a intensa repressão policial aos manifestantes no Centro da Cidade, no dia da maior manifestação de junho. O episódio reforça a atualidade do tema e a necessária resistência crítica universitária ao autoritarismo atual, especialmente quando se teve dentre os presos acusados de crimes políticos uma docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Diante desse quadro, sob o impacto da prisão dos ativistas no momento da final da Copa do Mundo realizada no Rio de Janeiro e às vésperas de um processo eleitoral marcado por contradições e expectativas de uma eleição presidencial muito disputada, a Adufrj-SSind reconhece a importância do aprofundamento da discussão da criminalização dos movimentos sociais. Esta é a razão pela qual foram convidados a contribuir para este volume autores de variadas formações que puderam nos auxiliar a compreender esse momen-

to, ao mesmo tempo complexo e exuberante, quando se destacou a dura e violenta reação oficial de repressão dos movimentos sociais por meio da polícia militar e da Justiça Criminal. Para tratar do movimento dos sem-teto (MTST), o artigo de Vitor Guimarães nos traz uma visão da organização e dos anseios de trabalhadores que lutam pelo direito à moradia, um dos mais básicos, e ao mesmo tempo mais desrespeitados no Brasil. Paula Máiran, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, analisa o delicado momento por que passa a categoria, especialmente a partir da morte do cinegrafista Santiago Andrade e as “contradições referentes aos conflitos entre o seu papel [dos jornalistas] na sociedade e os interesses do mercado, ou seja, de seus patrões.” Afinal de contas, pergunta ela: “quem é o inimigo”? Na perspectiva jurídica, Geraldo Prado, professor de direito processual penal da FND/ UFRJ, responde a essa pergunta e, por meio de uma análise dos “padrões das ditaduras”, que identificam no adversário político um “inimigo a ser “vencido”, considera que tal dispositivo binário “segue incorporado às práticas das principais instituições e se projeta no modo como seus integrantes lidam com a atual realidade.” Em interessante texto sobre o front jurídico de resistência, diante da relevância e do destaque da atuação de advogados nas recentes manifestações,

Fernanda Vieira e Aline Caldeiras, advogadas de movimentos sociais que atuam na ação penal em curso contra os ativistas presos, alertam para as ameaças de criminalização não só de ativistas diretamente envolvidos no processo de contestação, mas igualmente dos advogados que agem em sua defesa. Ainda na perspectiva jurídica, Luiz Otávio Ribas traz dados e analisa a advocacia popular atuante em tempos de arbitrariedade e o importante papel da resistência jurídica e da defesa da prerrogativa dos advogados nesse cenário atual. Como contribuição internacional, temos ao final o texto do cientista social equatoriano Napoleón Saltos Galarza, Diretor da Escuela de Sociología de la Universidad Central del Ecuador, que trata do tema da reforma das violências e das origens do autoritarismo em seu país, destacando do contexto geral da criminalização das lutas sociais os perigos da fusão da força política do Estado com a força econômica do capital monopolista na região. Continuaremos, como atores políticos e docentes engajados na luta, a denunciar as contradições e os paradoxos dessa nossa sociedade, esperando que a reflexão proposta na presente edição possa ser um importante instrumento de luta de resistência aos autoritarismos da atualidade. Saudações sindicais, Diretoria da Adufrj-SSind

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FERNANDO FRAZÃO/ABR

ARTIGO ARTIGO

J`ACCUSE! (2014) Se sonhar um pouco é perigoso, a solução não é sonhar menos é sonhar mais. Marcel Proust

▼▼ FERNANDA MARIA VIEIRA* E ALINE CALDEIRA LOPES**

*Profesora da UFJF e do Centro de Assessoria Popular Mariana Criola **Doutoranda da PUC/RJ e do Centro de Assessoria Popular Mariana Criola


▼▼ INDICIADA. A ativista Elisa de Quadros Sanzi, conhecida como Sininho, indiciada com outras 22 pessoas no inquérito da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática


ARTIGO

Em

janeiro de 1898, o escritor francês Émile Zola publica um dos maiores libelos em defesa da justiça, o artigo intitulado “J’accuse...!”, desvelando para o mundo a farsa do julgamento do capitão Dreyfus, hoje reconhecidamente um erro judicial grotesco. Acima de tudo, Zola expõe o papel do Estado ampliado (executivo, sistema judicial, aparato militar, imprensa) na efetivação da farsa e na gestação de um bode expiatório que, marcado pelos atributos socialmente construídos como “perigoso” e “insidioso”, especialmente diante de um antissemitismo declarado na França, favoreceu o apelo popular pela conde-

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nação: afinal, o inimigo da pátria, Dreyfus, era judeu! A análise realizada por Zola do processo criminal de Dreyfus possui uma atualidade ofensiva, quando nos debruçamos sobre o processo penal nº 029018262013.8.19.0001 em trâmite na 27ª Vara Criminal, tendo 23 réus processados em decorrência das mobilizações que tomaram as ruas a partir de junho de 2013. Tal qual ao exemplar do passado, apesar da sedução midiática por estabelecer “lideranças” da classe média, os novos Dreyfus pertencem aos estratos sociais que historicamente são os alvos das políticas criminais, os bodes expiatórios do presente: em sua maioria são


jovens com baixa condição econômica, negros e pardos, portanto, aqueles que recebem um processo de controle social barbarizado por sua condição econômica e racial. O Inquérito Policial nº 21801646/2013, que gestou o processo criminal nº 0229018262013.8.19.0001, revela a matriz inquisitorial que jamais foi desconfigurada pela moderna processualística criminal. De fato, o que se observa no cotidiano das instruções criminais é que essa permanência inquisitorial demole qualquer possibilidade de se estabelecer as garantias constitucionais do réu. Este já responde a ação com a sentença de culpado pronta e o processo só é o instrumento que convencerá o próprio réu de que ele é culpado, isso porque o juiz e o acusador (promotor) já estão há muito convencidos. Um dos resquícios inquisitoriais que se mantém na nossa processualística é a possibilidade de investigação em caráter sigiloso. O segredo de justiça, que possibilita a investigação sem que o investigado imagine ser alvo de tal controle, é medida de exceção. No entanto, sempre em nome da garantia da segurança e da ordem pública, vem sendo adotado com o aval do sistema judicial de forma cada vez mais frequente e, porque não dizer, autoritária por parte dos integrantes do sistema judicial. A investigação dos 23 réus das jornadas de junho também ocorreu em segredo de justiça, e verifica-se que não há pudor da autoridade policial em criar subterfúgios para a manutenção dessa vergonhosa investigação policial. Tanto é

assim que para justificar a abertura de novo inquérito, cuja apuração se daria sobre o mesmo fato, justifica: “após a apreensão de diversos bens, partes e seus procuradores tiveram acesso aos autos para o exercício do direito de defesa. Nessa esteira, a única maneira de prosseguir nas investigações com a cautelar abaixo representada é através da instauração de novo inquérito policial com nova numeração” (Inquérito nº 21801646/2013 – anexo 1). Subjacente a esse discurso (que se diga: com promoção favorável do Ministério Público), está a percepção de que a ampla defesa,

Tal qual ao exemplar do passado, apesar da sedução midiática por estabelecer “lideranças” da classe média, os novos Dreyfus pertencem aos estratos sociais que historicamente são os alvos das políticas criminais, os bodes expiatórios do presente

princípio constitucional, é um elemento prejudicial à investigação, então, que se instaure uma série de inquéritos cujo objeto de investigação será o mesmo, com os mesmos indiciados, com o intuito exclusivo de criar impedimentos para as assessorias jurídicas e partes, na medida em que não tomam ciência dos novos inquéritos ocorridos nos subterrâneos das delegacias de polícia. O prejuízo para a garantia da ampla defesa e do devido processo legal fica evidenciado. Nada mais atual do que o trabalho efetuado pelo Desembargador Sérgio Verani, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em seu livro Assassinatos em nome da lei, apontando para o papel ideológico do Poder Judiciário na sedimentação da exclusão e do exercício de controle social sobre as camadas mais baixas de nosso estrato social, legitimando o extermínio por parte dos agentes policiais desses setores excluídos, sempre em nome da segurança da sociedade. A pesquisa de Verani (1996) tornou-se emblemática, pois desvelou o ethos autoritário na formação desses poderes: Judiciário e Ministério Público. Se tal postura não causava surpresa diante do período de exceção vivenciado no Brasil, perceber a retomada desses discursos nos causa, no mínimo, bastante preocupação. Ao analisar os arquivamentos dos processos de homicídio pelo Tribunal do Júri, quando se tratava de crime praticado por policiais com base nos autos de resistência, Verani (1996)1 desvelou uma cadeia de cumplicidade entre POLÍCIA-PROMOTORIA-MAGISTRATURA:

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ARTIGO O aparelho repressivo-policial e o aparelho ideológico-jurídico integram-se harmonicamente. A ação violenta e criminosa do policial encontra legitimação por meio do discurso do Delegado, por meio do discurso do Promotor, por meio do discurso do Juiz. Se as suas tarefas não estivessem divididas e delimitadas pela atividade funcional, não se saberia qual é a fala de um e qual é a fala de outro – porque todos têm a mesma fala, contínua e permanente. (VERANI, 1996, pág. 138)

VIPERAGP - FOTOLIA

Essa mesma relação é perceptível

na análise do processo criminal nº 0229018-262013.8.19.0001, quando se lê a promoção do Ministério Público sobre a abertura de novos inquéritos policiais que apurarão o mesmo fato: Preliminarmente é de se considerar que, apesar de o objeto do o (sic) presente estar contido no do Inquérito Policial 21800944/2013, o fato de neste já haver sido admitida a vista por parte dos indiciados torna absolutamente inviável a apuração da atuação dos acima mencionados indivíduos, eis que esta depende da realização da diligência ora postulada, cujo sigilo é impres-

cindível a seu bom termo (Inquérito nº 218-01646/2013 – anexo 1).

AS RUPTURAS COM AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS: O ETERNO RETORNO AO PASSADO De fato, não é necessário retroceder ao processo francês para percebermos a manutenção da lógica inquisitorial subjacente ao processo penal. Não é um fenômeno recente o fato de que as perse-


De fato, não é ne‑ cessário retroceder ao processo francês para percebermos a ma‑ nutenção da lógica inquisitorial subjacen‑ te ao processo penal

cuções criminais funcionam como máquinas que dilaceram aqueles que passam por suas engrenagens, ainda que se reconheça a passagem para a perspectiva punitiva advinda com o sistema acusatório, que traz consigo uma série de garantias e alterações na produção dos processos penais. No entanto, a permanência de um substrato inquisitorial, que ganha peso diante de experiências autoritárias, nas quais grande parte do continente vivenciou e vem vivenciando a partir da hegemonia neoliberal desde a década de

90, ainda se encontra viva nas instituições judiciais, construindo um ethos de ruptura com os princípios democráticos no campo processual. O processo criminal em face de jovens que participavam das jornadas é um demonstrativo desse ethos que compõe o campo jurídico brasileiro, e como ainda não nos foi possível depurar os habitus que se efetivaram anteriormente à Constituição da República de 1988, resultantes do regime de exceção militar, torna-se urgente como desafio para a democratização do Ju-


ARTIGO diciário pensarmos na permanência de lógicas de exceção no cotidiano judicial. As rupturas com a ordem constitucional sem a necessária alteração legislativa, bastando para tal a flexibilização do alcance das garantias constitucionais pelo intérprete judicial, são objeto de análise por diversos juristas, entre eles José Gomes Canotilho (2008),2 para quem é perceptível a partir do 11 de Setembro americano um avanço dos discursos antigarantistas que têm como principal alvo a Constituição e suas garantias, entendidas como cúmplices do aumento da violência e legitimadoras da criminalidade em geral. Não é pouco significativo que se perceba o crescimento da ampliação punitiva, logo do direito penal, com regras diferenciadas para determinados agentes que cometem o ilícito, ou como nos fala Canotilho: um direito penal contra o inimigo, responsável por uma modificação doutrinária rompendo com os princípios do campo penal, como a: (…) centralidade do paradigma do crime de perigo indirecto, de forma a possibilitar a incriminação de condutas que, em abstracto, se revelam inidóneas e desadequadas para criar aquelas situações de perigosidade legitimadoras de antecipação de intervenção penal; (…) inversão do onus probandi, atenuando a presunção de inocência do arguido; (…) radicalização da pena de prisão nos seus limites máximos e mínimos, e intensificação do rigor repressivo nas várias modalidades de execução de penas, acompanhada de bloqueio a polí-

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O inimigo é a categoria central dos processos de controle penal. Ao longo da história vários grupos sociais foram considerados inimigos: mulheres (bruxas), judeus, negros, comunistas, palestinos, anarquistas ticas criminais alternativas (CANOTILHO, 2008, 236).3

O alerta de Canotilho (2008) para essas alterações na dogmática do direito penal está na ampliação dos indivíduos que em escala global serão entendidos como perigosos, os inimigos do Estado, pois nessa perspectiva de recrudescimento punitivo o que se percebe é um rebaixamento do agente capturado pelo sistema penal como um não-ser, alguém destituído de civilidade, um bárbaro. No processo criminal nº

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0229018-262013.8.19.0001 tal postura é frequente, tanto em sede policial quanto no decorrer da instrução criminal. Há uma narrativa que retira dos réus qualquer possibilidade de serem vistos como sujeitos de direitos, são indivíduos perigosos, violentos, parasitas: Nessa condição parasitária, os criminosos infiltrados nas manifestações populares se aproveitam da grande concentração de pessoas inocentes e da dificuldade de atuação da Polícia ostensiva (Inquérito nº 218-01646/2013 – anexo 1).

Esse rebaixamento compõe o processo de criminalização das agências de controle e, por óbvio, dos meios de comunicação, que criam o território propício para a produção de sentido na medida em que estabelecem um consenso conservador acerca da imagem dos integrantes da jornada como sendo de um lado os que querem reivindicar de maneira correta e, do outro, os vândalos, elementos perigosos, legitimando os argumentos no inquérito e, portanto, as ações de controle brutal sobre os indiciados.

OS NOVOS INIMIGOS? O inimigo é a categoria central dos processos de controle penal. Ao longo da história vários grupos sociais foram considerados inimigos: mulheres (bruxas), judeus, negros, comunistas, palestinos, anarquistas… Eugenio Raul Zaffaroni4 alerta para a permanência histórica da categoria inimigo, visto como um elemento perigoso, justificando-se assim uma ruptura de tratamento de pessoa e a busca de contenção


MIDIA NINJA (CC BY-SA 2.0)

▼▼ 7 DE SETEMBRO 2013 Desmedida repressão policial em protesto no dia da independência nacional

determinada pelo poder soberano: “na medida em que se trata um ser humano como algo meramente perigoso e, por conseguinte, necessitado de pura contenção, dele é retirado ou negado o seu caráter de pessoa, (…) quando alguém é privado de algum direito apenas porque é considerado pura e simplesmente como um ente perigoso” (ZAFFARONI, 2007, pág. 18). Essa desumanização do inimigo é instrumental para a persecução penal. Aquele que se torna alvo da ação é alguém cuja moral e caráter são destoantes do que se concebe como normal. Daí se encontrar no Inquérito nº 218-01646/2013 a menção a greve de fome realizada por dois réus no período da prisão de militantes do Ocupa Câmara, e esta ação não ser compreen-

dida como um gesto de solidariedade e sim comprovação de suas lideranças dentro de uma organização criminosa. Não é difícil encontrar um paralelo entre o Inquérito nº 21801646/2013 voltado para as jornadas de junho e o inquérito policial militar 7095 do período da ditadura militar voltado para os integrantes do Partido Comunista. De acordo com o Inquérito nº 218-01646/2013, os nossos “novos inimigos” são as organizações anarquistas, visto que: No entanto, a delinquência política de viés anarquista é a mais insidiosa. Ela é ideológica, age de modo dissimulado e sorrateiro, instrumentaliza os demais agentes violentos, infiltra-se e coopta movimentos sociais, apoderando-

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ARTIGO se dos focos de insatisfação difusos na sociedade para manipulá-los segundo as conveniências de seu interesse político (Inquérito nº 218-01646/2013 – anexo 2).

A mesma dimensão de periculosidade ideológica encontramos no Inquérito 709, sendo que nesse momento os perigosos, dissimulados são os comunistas: A máquina comunista contém muitas outras peças, impossíveis de mencionar neste rápido esboço. Falta espaço também para analisar toda a gama dos meios psicológicos (…) postos em ação para enganar a boa-fé, desviar os entusiasmos, mistificar os espíritos. Como o comunismo joga: - com a imprudência de suas mentiras - com a demagogia desenfreada - (…) com a ignorância da política, a inércia e a preguiça do público - (…) com o complexo de culpa dos virtuosos, para inserir sua malícia (Inquérito 709, 1967, 3º vol., pág. 85).

As semelhanças não param por aí. No Inquérito nº 218-01646/2013 há uma construção de redes de apoios que também serão alvo de criminalização. Tanto é assim que há uma série de discursos das autoridades policiais envolvidas na investigação, na qual colocam sob interdição a atuação dos advogados de organizações de direitos humanos com uma intervenção em rede para impedir o abuso por parte das operações de controle dos órgãos da segurança pública. Não são poucas as narrativas que fazem menção ao papel dos advogados de forma negativa e de suspeição. O fato de haver advogados

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▼▼ SEM DIÁLOGO Para as manifestações, a política dos governos é apenas a repressão

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na defesa dos indiciados (o digase: é o papel do advogado) é visto pelas autoridades policiais como a comprovação de que se tratam também os advogados de agentes da “organização criminosa”: Muitos advogados alegaram na imprensa que estavam sendo investigados por prestar assistência jurídica gratuita aos manifestantes violentos que são presos. Ocorre que apenas aqueles que permaneceram com os manifestantes, em tempo integral, nos protestos e movimentos de ocupação de atos violentos, sem recebimento de honorários, e os que convocaram os manifestantes para ocupações demonstraram atitudes suspeitas e contrárias ao estabelecido no Código de Ética da OAB ao fomentarem práticas de crimes (Inquérito nº


MÍDIA NINJA (CC BY-SA 2.0)

go, alguém a quem o direito de defesa não deve ser assegurado. O Inquérito Policial Militar 709 também constrói a “suspeição das condutas”, muitas do próprio exercício funcional, para verificar possíveis colaboradores do projeto comunista. De acordo com o Inquérito 709, há uma rede de apoiadores, simpatizantes, que podem ser detectados:

218-01646/2013, anexo 2 – grifo no original).

Apesar de as autoridades realizarem uma digressão de que somente alguns advogados estão sendo objeto de investigação, incluindo quebra do sigilo telefônico, o que se observa é a criminalização da ação dos advogados apenas por prestarem assistência a indivíduos que são entendidos pela autoridade policial como vândalos violentos.6 Fica evidente a criminalização do advogado no seu exercício funcional, desvelando uma lógica subjacente que nega o direito à ampla defesa de indivíduos entendidos como perigosos, como nos fala Canotilho: é a concretização de um direito penal contra o inimi-

Os criptocomunistas procuram dificultar a repressão ao comunismo e orientar as decisões políticas e administrativas em favor dos comunistas. Vamos dar alguns exemplos: - O juiz A absolve ou concede “habeas corpus” sistematicamente aos comunistas que são acusados ou presos por actividades subversivas. - (…) O Governador estadual Y nomeia secretários comunistas de cuja ideologia e atividades tem conhecimento ou finge desconhecer. A, B, X e Y são nesse caso possivelmente criptocomunistas, isto é, comunistas disfarçados que não identificaram a sua ideologia, a fim de manter a sua posição funcional e política (Inquérito Policial Militar 709, 1967, 2º vol., pág. 127).

As semelhanças entre os dois inquéritos não são produto do acaso. Expressam, por um lado, a permanência de uma lógica inquisitorial subjacente ao processo criminal, e, por outro, revelam muito sobre a atual conjuntura de exceção, potencializada pela atual configuração do capitalismo neoliberal. Passado e presente se cruzam na dimensão autoritária e supressora de direitos. Nessa conjuntura, mais necessário se faz a defesa da democratiza-

ção do Judiciário, visto o sistema judicial se encontrar comprometido com a sedimentação do estado de exceção, rompendo com as garantias constitucionais para impor políticas persecutórias abusivas: como os mandados de busca e apreensão de tecnologia de advogados, as interceptações telefônicas por prazo prolongado, a ruptura com o direito ao sigilo profissional garantido no Código de Ética do advogado, a utilização corriqueira das prisões temporárias e preventivas, em que pese a nova sistemática processual penal determinar medidas assecuratórias em detrimento da prisão, enfim, trata-se de colocar no centro do debate o Judiciário que queremos, não um que se envergue aos poderes econômicos e políticos, mas um Judiciário que efetive esse direito achado na rua.

NOTAS 1  VERANI, Sérgio. Assassinatos em nome da lei: Uma prática ideológica do direito penal. Rio de Janeiro: Aldebarã, 1996. 2   CANOTILHO, José J. G. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. 3  Somente reconhecendo as alterações apontadas por Canotilho é que nos é possível compreender por que, de forma abissal, Caio Silva e Fábio Raposo foram denunciados em homicídio qualificado no caso do cinegrafista Santiago, e Rafael Braga, morador de rua, condenado por portar água sanitária. 4   ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2007. 5   O comunismo no Brasil: inquérito policial militar nº 709. 4 volumes. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1967. 6   Tanto é assim que em outra passagem no inquérito a autoridade policial questiona a intervenção de supostas ONGs que se dizem defensoras de direitos humanos e prestam assessoria para indivíduos que atacam representantes da segurança pública.

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JOSEFPITTNER/FOTOLIA

ARTIGO


Quem não se

movimenta não percebe os grilhões que o prendem.

Rosa Luxemburgo


RAFAEL GAIA / MÍDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

QUEM É O

INIMIGO ▼▼ PAULA MÁIRAN*

*Jornalista, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro

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ARTIGO

“O pior

inimigo do jornalista é o manifestante”. Em fevereiro último, na noi-

te do dia 7, escutei essa declaração de uma colega jornalista. Estávamos à porta do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, onde acabara de dar entrada, gravemente ferido por um morteiro, o repórter cinematográfico Santiago Ilídio Andrade. A frase traduzia então a sensação de vulnerabilidade e de impotência que tomou os repórteres atuantes nas coberturas de manifestações políticas. Desde junho de 2013, virou rotina sofrer agressões físicas e verbais nas ruas. Qual o sentido, no entanto, da polarização entre jornalistas e manifestantes se todos são trabalhadores que enfrentam a violação de direitos cotidianamente dos seus patrões e do Estado? Os manifestantes políticos — independentemente de seus mati-

zes ideológicos ou de suas táticas — vão às ruas lutar por direitos, embora parte desses viole os direitos alheios ao usar de violência. Os jornalistas que vão às ruas enfrentam um conflito diário no seu modo de produção da notícia. Devem atender ao interesse público, cumprir o seu Código de Ética profissional, que prescreve uma atuação pautada nos direitos humanos e nos princípios democráticos. Mas os patrões impõem uma linha editorial alinhada aos interesses do Estado e do mercado, que criminaliza sistematicamente os movimentos sociais e os manifestantes vistos como ameaça à “ordem”. Os dirigentes dos jornais não respeitam a Cláusula de Consciência do Código de Ética, que determina a estabilidade do jornalista que se negar a cumprir tarefas que venham a ferir a ética profissional ou as suas convicções. Em consonância com a política de segurança do Estado, as empresas privadas da mídia organizadas em oligopólio no nosso país, ainda carente de um marco regulatório na comunica-

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ARTIGO MAURICIO LIMA/AFP

ção, usam o jornalismo como mais um instrumento de controle social, além das forças policiais e militares, a serviço do modelo de sociedade hegemônico. Desse modo, assim como o Estado age com violência armada para esse fim, a mídia se utiliza da violência simbólica para o mesmo objetivo. O comportamento desse oligopólio da mídia provoca a revolta nos manifestantes, e essa indignação tem se traduzido na inadmissível hostilidade contra os profissionais da imprensa. Os jornalistas se encontram assim feridos em sua dignidade e, por vezes, na integridade física e na própria saúde emocional. Não bastasse a truculenta ação cerceadora do Estado

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e os limites do controle e censura patronais, os repórteres passam a ter de enfrentar o desprezo da população que estão vocacionados a servir, representada nas ruas pelos manifestantes. Eis uma equação que não fecha. O jornalismo não é, afinal, uma atividade meramente técnica, mas, sobretudo, política. Não por acaso, vivemos no Brasil e no mundo a acirrada disputa do controle sobre o jornalismo por forças políticas. E nessa disputa há uma notória e gritante desigualdade na correlação de forças entre os interesses neoliberais e os da classe trabalhadora, que abriga tanto os manifestantes como a categoria dos jornalistas. Embora cerca de 70% dessas agres-

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▼▼ CERCA DE 70% DAS AGRESSÕES contra jornalistas partiram da polícia, durante as manifestações


VANDERLEI ALMEIDA/AFP

sões contra jornalistas partam de policiais militares armados com cassetetes, bombas e balas de borracha, a afirmação da jornalista, citada no primeiro parágrafo, reflete o sentimento de boa parte dos colegas que atribuem gravidade maior aos casos cometidos por manifestantes do que aqueles praticados por agentes do Estado. A violência policial, dizem, é “normal”. A revolta maior com a violência advinda de manifestantes segue a lógica de uma velha máxima do jornalismo: policial bater em jornalista é como “o cachorro que morde a moça”. É visto como natural. Não vira notícia. Mas o uso da palavra “inimigo” é bastante revelador na frase da jornalista. Trata-

se de jargão militar de grave sentido. Inimigos precisam ser combatidos, rendidos, presos ou mesmo eliminados. Desde quando o jornalismo absorveu a lógica da militarização como viés de interpretação da realidade? Não é de hoje, no Brasil e no mundo, que Estado e mercado disputam a instrumentalização da nossa categoria para a reprodução do discurso do militarismo na produção da notícia, com o fim de construção e consolidação dessa subjetividade maniqueísta como opinião pública ou senso comum. Sob essa lógica, a violência policial é mais tolerada e até defendida como uma prerrogativa do Estado no esforço de cum-

▼▼ COM OS PROTESTOS, política de “segurança pública” pautada por “tiro, porrada e bomba” migrou para o asfalto

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ARTIGO prir o seu dever de garantir a lei e a ordem. É nesse caldo político-cultural que os profissionais de imprensa têm historicamente produzido a notícia (tratada dessa forma como mercadoria): em uma narrativa pautada sob a ótica da eterna batalha do bem contra o mal, dos mocinhos contra os bandidos. E o mocinho é sempre o Estado. E os bandidos, bem, os bandidos não são necessariamente bandidos. É aos pobres, especialmente os negros e favelados, que tem sido destinado o uso indiscriminado da força do Estado, seja para o controle social, seja para a prisão, ou ainda para a violação de direitos os mais básicos, por meio do sequestro, tortura, “desaparecimento” ou execução sumária. A participação mais efetiva e de massa da classe média nas lutas políticas urbanas, fenômeno que não ocorria há décadas, ampliou o leque dos eleitos como inimigos do Estado. Assim, estudantes e profissionais liberais passaram a ter como destino, tal como a maioria pobre encarcerada no nosso país, as celas do Complexo Penitenciário do Gericinó, na Zona Oeste do Rio. Essa mudança no perfil do inimigo interno não começou a se delinear tão recentemente, mas em 2013 se consolidou a identificação do movimento sindical como “força oponente” ao Estado, junto dos movimentos sociais dos pobres (sem-teto, sem-terra, favelados etc.) e movimentos religiosos. Desde então, a política de “segurança pública” pautada por “tiro, porrada e bomba” migrou para o asfalto. As balas de fuzil e granadas “de

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▼▼ ATO FIFA GO HOME - RIO DE JANEIRO 13/07/2014 Ato FIFA GO HOME, na região da Praça Saens Peña. Manifestação organizada por militantes no dia da final da Copa do Mundo. Reprimida com bombas e violência policial MIDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

A participação mais efetiva e de massa da classe média nas lutas políticas urbanas, fenômeno que não ocorria há décadas, ampliou o leque dos eleitos como inimigos do Estado

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verdade” continuam a eliminar vidas no cotidiano da maioria das favelas e periferias, enquanto a classe média passa a também sofrer repressão, apenas substituídos os projéteis letais por bombas de efeito moral, canhões de jatos d’água, balas de borracha e cassetetes, além de outras armas e artefatos “não letais”. E é nessa nova conjuntura que se acentua um fenômeno que já apontava no nosso horizonte desde 2002: a violência dirigida diretamente aos jornalistas. A luta por mecanismos para a defesa dos jornalistas e para o fortalecimento do nosso papel político deve ser o foco não só da própria categoria, mas de toda a sociedade. A atenção de parte da categoria se desvia, porém, para a lida com falsos conflitos, como o que tenta se construir entre o jornalismo e o mídia-livrismo, classificação que


se refere à imprensa pautada não pelo lucro, mas pelo ativismo político, movido por jornalistas independentes e por comunicadores populares. Há uma tentativa de se insuflar a ideia de uma suposta concorrência negativa entre o jornalismo profissional e o mídia-livrismo. Ora, há que se refletir sobre a hipótese de que valha nesse caso a lógica inversa. Quanto mais forte se desenvolver o mídia-livrismo e a disseminação do conhecimento sobre a realidade produzido dessa forma, livre de grandes e poderosos interesses econômicos, mais se inibirá a sanha do Estado e do oligopólio da mídia de tentar impor como verdade à população o conhecimento disseminado sob sua tutela em seus meios de comunicação de massa. Eis um front fundamental para o avanço da democratização da comunicação em nosso país. Há o mito de que a luta pela democratização da comunicação, com a quebra do oligopólio da mídia, venha a prejudicar o mercado de trabalho dos jornalistas. Mas tudo indica que possa ocorrer justamente o contrário. A fragmentação do poder hoje concentrado em meia dúzia de mãos patronais tende a ampliar as oportunidades de trabalho, com o surgimento de novas formas e espaços de atuação profissional, e ainda a inibir a lógica de progressivo rebaixamento salarial que hoje vigora. A repressão ao jornalismo como atividade política ou a sua cooptação pelo Estado e pelo mercado, por diversos meios, sempre existiu, com o propósito de garantir a legitimação da política de crimi-

Há o mito de que a luta pela democratização da comunicação, com a quebra do oligopólio da mídia, venha a prejudicar o mercado de trabalho dos jornalistas. Mas tudo indica que possa ocorrer justamente o contrário

nalização da pobreza e dos movimentos sociais populares. O Estado sempre contou com a mídia privada como aliada nessa política de controle social. Não bastasse a violência armada, o Estado e o mercado têm patrocinado ao longo da história a violência simbólica, que não tira a vida humana, mas a esvazia de sentido, por meio de “armas” como a censura, a invenção

ou a manipulação de dados para a formação de “opinião pública” ou “senso comum”. Tais mecanismos conquistam potência atômica disseminados nos meios de comunicação de massa do oligopólio da mídia, a serviço dos interesses das transnacionais, do agronegócio, dos bancos, entre outros operadores do grande capital. Desse jeito, o jornalismo como atividade de interesse público de fato ainda é uma utopia, assim como a própria democracia ainda carece de consolidação. A resistência a esse modelo opressor de Estado-mercado nunca deixou de existir. Desde a década de 90, a partir da consolidação do neoliberalismo como modelo econômico global dominante, desenvolveu-se uma curva descendente na capacidade de organização dos movimentos sociais para as lutas. É desde a década passada, em meio à chamada crise econômica mundial, que se observa o reacender das lutas populares no âmbito internacional. A Primavera Árabe, a partir de 2011, parece ter funcionado como um rastilho eficaz, com a expansão das lutas pela Europa e pelos Estados Unidos. Aos movimentos sociais organizados em frentes, partidos, sindicatos, entre outras formas de organização das classes trabalhadoras — estes nunca deixaram as ruas —, juntaram-se as massas desorganizadas. No Brasil, isso ocorreu em 2013, quando houve passeatas nas quais se estima que a participação tenha alcançado público de até um milhão de pessoas. Em resposta à violência estatal e ao conteúdo edito-

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ARTIGO rial tendencioso e criminalizante, observou-se a utilização por um segmento minoritário e heterogêneo dos manifestantes da tática internacionalmente conhecida como black block. Grupos maoístas, anarquistas, anarcopunks, entre outros, com ou sem bandeiras ideológicas definidas, passaram a adotar essa tática de autodefesa e de afirmação política por meio da depredação de símbolos do capital e do Estado. Os jornalistas, que já apanhavam de policiais militares, passaram então a ser identificados como representantes do oligopólio da mídia e atacados por esse motivo. Isso ocorre justamente após duas décadas em que se observou uma grave desvalorização produzida pelo mercado do papel do jornalista na sociedade, acompanhada de depreciação salarial e de condições de trabalho, assim como da redução dos postos de trabalho, entre outras sequelas das práticas desse modelo neoliberal. Não por acaso, em meio a essa conjuntura de disputa desigual entre a política do lucro e a do bem comum, numa fase histórica de aquecimento progressivo das lutas por mudanças, os jornalistas vivem um momento desafiador. A categoria se depara com as contradições referentes aos conflitos entre o seu papel na sociedade e os interesses do mercado, ou seja, de seus patrões. Isso ocorre no mundo inteiro, e a categoria é chamada pela História a assumir posição. A se render ao modelo dominante e a se perder do seu papel na sociedade, reduzido a uma função meramente técnica, ou a se organizar para resistir e lutar por condi-

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A conjuntura das lutas nas ruas encontra a nossa categoria desorganizada. Por décadas, o sindicato dos jornalistas cumpriu uma tarefa mais de despolitização e de controle do que de organização e de mobilização dos profissionais de imprensa

ções adequadas para a realização do jornalismo como atividade política a serviço da democracia e dos direitos humanos. A conjuntura das lutas nas ruas encontra a nossa categoria desorganizada. Por décadas, o sindicato dos jornalistas cumpriu uma tarefa mais de despolitização e de controle do que de organização e de mobilização dos profissionais de imprensa. Nesse sentido, aca-

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bamos, no entanto, de iniciar, em 2013, um processo de ruptura nesse processo de grave desestruturação da categoria em sua percepção de identidade de classe e em sua capacidade de luta. Assumiu a direção sindical, em agosto do ano passado, eleita democraticamente, uma diretoria compromissada com a luta dos jornalistas por condições para cumprir o seu papel político na sociedade. O programa em curso está balizado na lógica da unificação das lutas dos trabalhadores organizados em entidades de classes e em movimentos sociais. Esse mandato, que acaba de completar um ano, quebra alianças ou parcerias que haviam sido estabelecidas entre o sindicato, os patrões e o Estado. Nossa meta é tirar a categoria do isolamento social e político ao reabrir o diálogo desta com a sociedade civil organizada. A entidade também batalha para sair do isolamento em que foi encurralada nas últimas décadas em relação à própria base. O sindicato não é mais apenas uma entidade burocrática e clientelista. Caminha para se tornar efetivo instrumento de organização e mobilização da base. As mudanças na concepção da luta sindical dos jornalistas têm provocado forte reação, especialmente de patrões e do Estado na forma de práticas antissindicais. Os meios de comunicação de massa do oligopólio da mídia usam o seu espaço editorial para criminalizar o sindicato. Tentam jogar a própria categoria contra a entidade. Há o fomento até de um movimento pela destituição da atual diretoria sob a falsa acusação


de “leniência e cumplicidade” nos ataques aos jornalistas por policiais militares ou por manifestantes. Mas um olhar mais atento e cuidadoso sobre os fatos desmonta tais difamações. O histórico do último ano mostra que, pelo contrário, a entidade tem trabalhado como nunca em defesa da categoria. Há o monitoramento permanente de casos de violência contra jornalistas e mídia-livristas — 92 jornalistas vítimas em 110 casos de maio de 2013 até este mês de agosto —, assim como se promove espaços de debate e construção coletiva das estratégias e ações, como audiências públicas, plenárias e assembleias, assim como campanhas de conscientização nas ruas. Além disso, é feita reiteradamente a responsabilização das autoridades e das empresas, por meio de denúncias aos órgãos competentes locais, nacionais e internacionais, no que se refere à necessidade de garantir um ambiente nas ruas livre de agressões ou desrespeito ao papel dos jornalistas. Mas o que causa tanta polêmica em nossa movimentação? Não parece ser a pauta em si, mas a ruptura conceitual com o discurso que antes norteava as ações do sindicato referentes à violência. Por anos, desde a morte do jornalista Tim Lopes, que foi torturado e assassinado por traficantes no Complexo do Alemão em 2002, o sindicato, em parceria com os patrões, defendia um pacote de políticas e ações sustentadas na lógica do enfrentamento policial militarizado aos agressores. Dez anos depois, observa-se que essa estratégia, que repudiamos, fracassou. Aumentou

Não podemos servir de pretexto para que o Estado e o mercado avancem em iniciativas que agravem ainda mais a perseguição aos que lutam nas ruas

o número de casos de agressões, tortura e assassinatos de jornalistas. Três colegas foram assassinados nesse período. Além do Tim e do Santiago, morreu o repórter cinematográfico Gelson Domingues, numa operação policial. Também foi emblemático o caso de sequestro e tortura de uma equipe de reportagem do jornal O Dia por milicianos em 2008. A nossa categoria luta para

consolidar uma nova concepção de luta em defesa dos jornalistas. Exigimos uma política pública que respeite os direitos humanos, os movimentos sociais, a democracia. Nessas circunstâncias, afirma-se a necessidade da união da nossa categoria às demais forças da sociedade civil organizada em defesa de um modelo de segurança pública que funcione em defesa da vida e da garantia de direitos de toda a população, que priorize a prevenção em vez de propor mais violência como suposta solução para a violência. Compreendemos, inclusive, que o processo de criminalização e de violência nas ruas não atinge exclusivamente a nossa categoria. Professores, previdenciários e petroleiros têm sido perseguidos. Sindicatos e movimentos de luta sofrem igualmente e até mais gravemente os efeitos de todo esse processo. Fazemos parte de um todo. Não se exige privilégios, e, sim, justamente, condições seguras para o cumprimento de nosso dever de garantir informação relevante para a sociedade. Não podemos servir de pretexto para que o Estado e o mercado avancem em iniciativas que agravem ainda mais a perseguição aos que lutam nas ruas, de forma organizada ou não, por seus direitos, nas ruas e nas favelas da cidade. Ou se é jornalista, ou se é contra os direitos humanos. Nossos direitos são os direitos de toda a população. Do nosso dever de contribuir para a construção coletiva de um modelo de sociedade mais justo é que não podemos abrir mão.

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BORIS MERCADO / MIDIA NINJA - (CC BY-NC-SA 2.0)

ARTIGO


ADVOCACIA EM TEMPOS DE

ARBITRARIEDADE ▼▼ LUIZ OTÁVIO RIBAS*

◀◀ DEBATE SITIADO Em 1º de julho de 2014, o advogado ativista Daniel Biral foi um dos detidos na Praça Roosevelt, São Paulo

*Professor substituto e doutorando na Faculdade de Direito da UERJ. Conselheiro do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).


ARTIGO

“Nunca esquecer que

é fundamental contar com as próprias forças. A consciência histórica trata de nossa responsabilidade diante de nossa realidade, apoiada no estudo de nosso próprio passado, da herança cultural formadora do presente”. Leopoldo Zea

“L

ugar de advogado é na delegacia, aqui não! Aqui não!”. Este foi o recado de um policial militar para uma advogada que procurava garantir o direito de manifestação no Rio de Janeiro em 2013. É apenas um exemplo das arbitrariedades cometidas por agentes do Estado, mas bastante significativo das violações de prerrogativas e dos abusos de direito. É também um exemplo da advocacia de rua, prática jurídica inovadora de defesa da liberdade e de prevenção de violações de direitos. Esse apoio foi fundamental para evitar fatos ainda piores. Compreender como a advoca-

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cia pode enfrentar as contradições do sistema de justiça no tratamento dos movimentos sociais é o objetivo deste texto. As manifestações significaram a indignação da juventude, que saiu às ruas exigindo mudanças profundas. Tiveram como características predominantes a reivindicação e efetivação de direitos, assim como a contestação dos usos e ações do Estado. Posturas que inclusive contaram com o apoio dos advogados. Os protestos apresentaram um paradoxo que merece atenção especial, que pode ser sintetizado na frase “não me representa”. A contestação também


foi dirigida contra a classe política organizada em sindicatos, partidos e quem está no governo. Porém, muitas das pautas que foram defendidas, como o transporte público gratuito, são bandeiras históricas tanto da luta social quanto institucional. Houve atritos entre integrantes de organizações e de movimentos sociais com os ativistas sociais, estes novos atores que tiveram a sua primeira experiência de mobilização. Sem adentrar na questão dos infiltrados da polícia e nos grupos de extrema-direita, uma parcela da classe média estudantil e universitária estranhou-se com os movimentos sociais e aqueles que nunca saíram das ruas. A maior dificuldade foi encontrar espaços de diálogo e articulação, mas também lidar com a questão da violência e a repressão do Estado e da grande mídia. Um exemplo foi a morte do jornalista Santiago Andrade, em que os conflitos entre ativistas, movimentos, sindicatos e partidos levaram os setores reacionários a englobar todos no mesmo bojo, sem que houvesse uma articulação de fato para, inclusive, garantir uma resposta satisfatória à opinião pública. Ainda é cedo para fazer análises prospectivas e até mesmo aquelas mais categóricas no sentido de uma grande novidade na política do país. Não se trata de novos movimentos sociais, mas uma ação política de massas, espontânea, pluriclassista e formada na sua maioria por jovens que tiveram a sua primeira experiência de participação. Mesmo que o estopim em alguns locais, especialmente São Paulo, tivesse o protagonismo

MARIA OBJETIVA / DI KARTOLA (CC BY-SA 2.0)

de um movimento social, o Movimento Passe Livre (MPL), ele não retira o caráter espontâneo próprio de um fenômeno de massas que surpreendeu até mesmo os integrantes daquele coletivo. Por outro lado, a visibilidade que o MPL teve proveio justamente de sua capacidade de organização, desde 2005, e de apontar uma reivindicação certeira que cativou milhares de pessoas. Os movimentos sociais instauram na política brasileira uma nova relação de contestação e integração da sociedade civil com o Estado. Hoje algumas pessoas demonstram certa frustração com a retração da força que sacudiu 2013. Mas nunca é demais lembrar que esta foi capaz de envolver milhares de pessoas para barrar o aumento das tarifas das passagens em centenas de cidades. Mesmo que algum aumento tenha vindo nos meses seguin-

▼▼ MANIFESTAÇÃO pela liberdade dos presos políticos do 7 de Setembro de 2013 na Praça 7 de Setembro em Belo Horizonte

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ARTIGO tes, foi um recado importante para os políticos, que só atendem a demandas populares sob pressão. Foi também didático para quem inicia na política, de que a mobilização tem força para mudar as coisas. Se isto servirá como ponto de inflexão, de retomada da mobilização da juventude com outros setores da sociedade em torno de mudanças estruturais só com o tempo poderemos responder. Mas certamente representou a volta das mobilizações massivas nas cidades, como ocorrera no comício pelas reformas de base, em 1964; na resistência contra a Ditadura, com a Passeata dos 100 Mil, em 1968; as Diretas Já, em 1984; e o Fora Collor, em 1992. Para compreender melhor este processo, realizamos o estudo de caso “Os usos do Direito e as ações do Estado no tratamento das manifestações de rua na cidade do Rio de Janeiro – jun.-nov.2013”, com o Grupo de Estudos e Práticas em Advocacia Popular – GEAP Miguel Pressburguer. Os objetivos do grupo foram conhecer as diversas concepções sobre advocacia, apoiar a formação de redes de comunicação e debate, e proporcionar técnicas de pesquisa para serem apropriadas por quem está envolvido diretamente na prática da advocacia. As perguntas que orientaram nossa pesquisa-ação foram uma exploratória: “quais os usos do Direito e ações do Estado no tratamento das manifestações de rua na cidade do Rio de Janeiro?”; e uma problematizadora, “como a advocacia pode se posicionar frente a um quadro de efetivação de direitos e contestação do Estado?”. As ações do Estado no tratamen-

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to das manifestações apresentaram caráter autoritário, com: i) o uso indevido de lei que seria aplicada a outro fim; ii) o não reconhecimento de direitos básicos e iii) o enquadramento como crime de atos comuns em manifestações de rua. A lei de organizações criminosas é um exemplo da primeira característica, quando pessoas que nem sequer se conheciam foram acusadas de associação criminosa. A segunda característica tem como exemplos casos de impedimento do livre exercício dos direitos de reunião, de expressão e de ampla defesa. A terceira característica envolve situações como as

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detenções somente para identificação criminal. Os movimentos reivindicatórios, com forte apoio popular e de organizações da sociedade, como os coletivos de advogados, enfrentaram esta repressão. Quase todas as prisões ocorridas no contexto das manifestações foram arbitrárias. Houve muitas prisões para averiguação, exagero da capitulação dos crimes e registros de fatos atípicos. Poucas vezes foi necessário ingressar com habeas corpus, e, quando utilizado, quase todos foram procedentes. Neste sentido, estão ainda irregularidades cometidas pelo Estado, como o desrespeito das


ILUSTRAÇÃO DE RENATO MOLL (CC BY-NC 2.0)

prerrogativas do advogado. São exemplos o impedimento da comunicação com o cliente (mesmo sem procuração), do acesso à delegacia, do exame de documentos e outras questões essenciais para o exercício de sua atividade. A atuação da polícia normalmente envolveu um número excessivo de agentes, que não cumpriram devidamente sua obrigação de fazer uso moderado da força para conter condutas ilícitas. Em alguns casos foi constatada demora injustificada para conter estas condutas puníveis. Práticas que não condizem com o que se espera das forças de segurança e que certamen-

te contribuíram para inflamar o fenômeno de massas que tomou conta do país. As imagens da violência policial foram veiculadas pelos principais veículos de comunicação. Por outro lado, a imprensa sofreu duras críticas pela omissão de fatos que deveriam ter sido noticiados, ou da não correspondência entre o que era noticiado e o que era presenciado nas ruas. Estes problemas foram enfrentados com intensa correspondência pelas redes sociais e aparelhos de celular, também com articulação de muitos grupos de midiativistas ou mídia-livristas. A atuação em rede, com uso da tecnologia para a organização, comunicação e orientação dos grupos de advogados em tempo real, teve destaque na atuação destes profissionais. A resposta do Estado às manifestações reforçou o seu autoritarismo, ao invés da democracia e do Estado de Direito. As leis aplicadas e criadas foram no sentido da criminalização de condutas democráticas, restringindo e violando direitos. Características de um Estado policialesco, que prioriza o endurecimento das penas e maior repressão como resposta a lutas sociais. Frente ao autoritarismo do Estado no tratamento das manifestações de rua, muitos grupos de advogados foram para as ruas acompanhar as marchas. A maior parte dos manifestantes contou com a orientação e assistência jurídica de coletivos de advogados privados voluntários. Mas qual seria o sentimento destes? O quanto eles apoiavam as

mesmas causas dos movimentos? A maioria dos advogados teve no período de junho a novembro de 2013 a sua primeira experiência no apoio jurídico a manifestações de rua. Atuaram pessoas da geração formada no contexto inicial da democratização e outros mais jovens. A maioria atuou nas ruas, mas alguns também nas delegacias e em juízo. Havia contradições entre os grupos que atuaram, inclusive internamente. Um exemplo são as

A resposta do Estado às manifestações reforçou o seu autoritarismo, ao invés da democracia e do Estado de Direito. As leis aplicadas e criadas foram no sentido da criminalização de condutas democráticas, restringindo e violando direitos

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ARTIGO opiniões opostas sobre o caráter anticapitalista ou não das manifestações, incluindo o apoio político caso fossem. Estes grupos podem ser caracterizados como advocacia de uma causa e advocacia de rua, na defesa intransigente do direito de manifestação e reunião. Eliane Botelho Junqueira (2002) define advocacia de uma causa como aquela que procura modificar o direito para alcançar uma maior justiça social, para indivíduos e grupos em desvantagem. É um fato novo o apoio expressivo de grupos de dezenas de advogados voluntários na rua em manifestações no contexto da democratização no Brasil. Exercer a advocacia nas manifestações de rua certamente foi um ato de rebeldia. Alguns grupos de apoio jurídico deste novo período são, com o respectivo ano de fundação: Coletivo Habeas Corpus (2013), Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH (2007), Coletivo Tempo de Resistência (2014), Coletivo de Advogados – CDA (2014), Centro de Assessoria Popular Mariana Criola (2006), Justiça Global (1999), e outros ligados a movimentos sociais, comissões da OAB/RJ, sindicatos e defensoria pública. O perfil envolve uma parte significativa de mulheres e jovens, mas com maioria de homens e idade entre 31 e 50 anos. A maioria começou a advogar em manifestações somente em 2013, embora tenha começado na profissão há mais tempo. Dezenas de advogados atenderam a milhares de casos como primeira assistência e gratuitamente. Foram cerca de 600 deti-

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É um fato novo o apoio expressivo de grupos de dezenas de advogados voluntários na rua em manifestações no contexto da democratização no Brasil. Exercer a advocacia nas manifestações de rua certamente foi um ato de rebeldia dos em 74 protestos no período de junho a outubro de 2013, na cidade do Rio de Janeiro. A advocacia de rua constitui prática jurídica inovadora de defesa da liberdade e de prevenção de violações de direitos. Trata-se de rede de acompanhamento direto de ativistas no exercício do direito de manifestação e reunião. Inclui ação anterior a que direitos sejam ofendidos e de monitoramento. Como havia grupos de

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assessores jurídicos nas marchas em número expressivo, constitui ainda ação política de defesa da advocacia e da democracia. Esta consolidou-se neste cenário de forte repressão do Estado ao que deveria ser incentivado: a participação e reivindicação. Mas não constitui nenhuma novidade o apoio coletivo de grupos de advogados a movimentos sociais. A assessoria jurídica popular tem origem na advocacia abolicionista antiescravista do século XIX; na advocacia trabalhista dos grupos do campo e da cidade, desde o início do século XX; e na advocacia popular que hoje apoia centenas de movimentos sociais no Brasil. A assessoria jurídica popular envolve uma estratégia política para o direito, de reivindicação, mas também de contestação do poder instituído. Por isto, os advogados populares apoiam a participação política, inclusive na política judiciária. Mas também apoiam juridicamente a desobediência civil, o exercício do direito de resistência, as ocupações de terra, de moradia, de fábricas, de territórios, de escolas e de espaços públicos. Uma estratégia comum nesta área é a do uso alternativo do direito, que está situada na relação entre Direito e política. A reivindicação de direitos pode ser um potente mecanismo de pressão para ampliar a participação dos movimentos sociais nas decisões políticas. Ademais, a atuação no campo da política judiciária, de definição das políticas públicas do sistema de justiça, por exemplo. Neste sentido, tem se defendido uma nova lei de prerrogativas dos advoga-


dos que pudesse inclusive criar novos tipos penais para punir quem as viola. Embora possa desagradar aos defensores de um direito penal mínimo, a medida usa taticamente o direito penal para assegurar uma garantia desta categoria profissional, que no atual sistema funciona como uma proteção do direito de livre exercício do trabalho. Diz respeito diretamente a algo muito caro aos patrocinadores das causas jurídicas: a ação autônoma e destemida. A advocacia é uma oportunidade para entender a democracia. Também é essencial para a funcionalidade da justiça. Os grupos de advogados nas ruas conquistaram forte apoio popular e críticas descabidas dos agentes do Estado e de parte da imprensa. Porém, foi muito positivo o movimento, que agregou advogados de diferentes áreas para atuar nas ruas pela defesa da liberdade dos manifestantes detidos abusivamente. Diante da arbitrariedade das ações do Estado, que não atinge somente os manifestantes e advogados, mas também os pobres, nos engajamos no “Manifesto da comunidade jurídica contra a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais no Rio de Janeiro”. Os advogados foram coletivamente para as ruas tentar impedir ilegalidades e acabaram sofrendo com o mesmo tratamento que combatem. Tratamento cotidianamente conferido aos pobres nas favelas, nas delegacias e no Judiciário. Resta saber por que tanto abuso de direito e ilegalidades se o suposto objetivo das instituições do Estado é a estabilidade do sistema?

A advocacia é uma oportunidade para entender a democracia. Também é essencial para a funcionalidade da justiça. Os grupos de advogados nas ruas conquistaram forte apoio popular e críticas descabidas dos agentes do Estado e de parte da imprensa

mais aguda por reformas pode sofrer dura repressão. O que demonstra a fragilidade de nossas instituições democráticas. Breno Bringel (2013) percebe um funcionamento contraditório que compõe a essência do Estado de Direito capitalista. Ao tempo que os governos e instituições incentivam a participação da sociedade civil, criando espaços formais, respondem com repressão e criminalização aos movimentos sociais mais conflitivos e expressões mais radicais de protesto. A bola da vez é a regulamentação do crime de terrorismo, que vem sendo exigida por parte do Congresso e por organizações internacionais. A dificuldade de enquadramento de alguns atos dos manifestantes na legislação atual, com malabarismos hermenêuticos, pode ser utilizada futuramente como justificativa para uma nova lei, que novamente seria usada indevidamente contra cidadãos nacionais. É preciso estar atento e forte, não temos tempo de ter medo.

REFERÊNCIAS Por que tanto contorcionismo para legalizar o ilegal? O esforço do Estado em tratar demandas por justiça como caso de polícia é antigo no Brasil. Mas muda com o tempo suas ações e usos do Direito. Em 1964, a ascensão da participação popular coincidiu com o recrudescimento do poder político estatal. O momento trágico do golpe civil-militar evidenciou que mesmo um Presidente quando apoia uma participação

BRINGEL, Breno; BORBA, Pedro; RIBAS, Luiz Otávio. Caso Brasil. Em: LEÓN, Juany Guzmán; BRECKENRIDGE, Stella Sáenz (Ed.). Voces latino-americanas sobre gobernabilidad democrática: países andinos – Cono Sur 2011-2012. São José: FLACSO, 2013, p. 85-114. Disponível em: http://www.flacso.org/sites/ default/files/Documentos/libros/secretaria-general/Voces%20Latinoamericanas%20 Andinos-Conmo%20Sur.pdf Acesso em: 20 ago.2014. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Los abogados populares: en busca de una identidad. El Outro Derecho, Bogotá, n. 26-27, p. 193-227, abr. 2002. Disponível em: http://ilsa.org.co:81/ biblioteca/dwnlds/od/elotrdr026-27/elotrdr026-27-09.pdf. Acesso em: 20 ago. 2014.

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ARTE SOBRE IMAGENS : GIL CASTRO

ARTIGO


ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS DA CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL:

As

manifestações populares de junho de 2013 como ponto de partida para o estudo das questões jurídico-políticas na base da incriminação dos movimentos sociais.

▼▼ GERALDO PRADO*

*Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutor em História das Ideias e Cultura Jurídicas pela Universidade de Coimbra. Investigador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


ARTIGO

No

ano de 2013 o Brasil experimentou especial momento de efervescência política, no contexto de um número significativo de manifestações públicas que tomaram as ruas das nossas cidades. O estopim da ação popular pode ser identificado, sem maior controvérsia, na forma violenta com a qual inicialmente os governos dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro lidaram com as demandas contrárias ao aumento do preço das passagens de ônibus. Forças policiais reagiram com agressividade aos protestos e reacenderam na memória popular os registros simbólicos das violações cometidas durante a ditadura civil-militar de 1964-85. Basicamente, este foi o gatilho das manifestações que uniram grupos heterogêneos, com plataformas e reivindicações distintas e não raro contraditórias. Pelo ângulo dos governantes, o esforço de contenção dos protestos contemplou mais violência, prisões arbi-

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trárias e até a edição de atos normativos inconstitucionais que, integrando as forças de segurança pública e o Ministério Público, no Rio de Janeiro, por exemplo, preconizavam indevida restrição das garantias de manifestação e discordância, atingindo o direito de divergência1 compreendido como limite ao exercício do poder pelo soberano, fundamento teórico do direito de resistência pelo menos desde o início do século XIX.2 Releva notar que o processo deflagrado no âmbito das instâncias jurídico-penais, com apelo às agências de controle social e adoção da repressão penal como método central de reação às manifestações, evidenciou o quanto as autoridades públicas encontramse despreparadas para entender e lidar com demandas que não se enquadram mais no esquema conceitual das classes sociais e seus conflitos. Manuel Castells sublinha o fato de que vivemos tempos confusos, próprios de épocas de transição, e a confusão se deve em parte ao fato de recor-

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A retórica é de conflito e de enfrentamento do “inimigo”, que se supõe um adversário em busca da tomada do poder. O método empregado inicialmente para dissuadir e neutralizar este suposto “inimigo” é o do enquadramento criminal de suas condutas, ainda que ao risco de ressuscitar dispositivos legais como a Lei de Segurança Nacional


FERNANDO OLIVEIRA/ MIDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

▼▼ REAÇÃO POLICIAL aos protestos reacendeu na memória popular os registros simbólicos das violações cometidas durante a ditadura civil-militar de 1964-85

rermos a categorias intelectuais “cunhadas em circunstâncias diferentes”, por isso mesmo insuficientes para dar conta dos desafios contemporâneos.3 A atual dinâmica social é herdeira das profundas transformações que nas quatro últimas décadas marcaram a sociedade mundial. As classes sociais não são mais o sujeito histórico privilegiado. Ao revés, ainda que sem desaparecer, as classes agora compartilham este protagonismo com novos personagens responsáveis por ações políticas coletivas, em um patamar que reclama a adequada identificação de referenciais paradigmáticos a partir de distintos fundamentos teóricos.4 Trata-se de novas formas de organização da sociedade civil, que

não se expressam em termos hierárquicos e burocratizados, tampouco se prestam a um exclusivo ângulo de análise e compreensão da vida social. A crescente complexidade social tem a ver com um sem-número de fatores díspares, cuja combinação constitui o pano de fundo de inéditos conflitos: a transformação no mundo do trabalho; a difusão da rede mundial de computadores e a inserção das mídias não tradicionais no processo de configuração de novas subjetividades; a intensa mobilidade de pessoas e comunidades inteiras provocada pelo deslocamento dos polos de produção de bens e serviços, mas também em virtude de conflitos armados e diásporas; a tomada de consciência ecológica e de identidades

não definidas de forma prioritária pelo viés econômico; e também um certo esgotamento e limitação das modalidades institucionais de representação política são alguns dos fatores a serem ponderados. Para o que interessa à presente análise, convém ressaltar que a tradição das lutas políticas na América Latina, durante o mais recente período de autoritarismo, forjou subjetividades que têm na base a noção fundamental do conflito macroestrutural presente nas discussões acadêmicas dos anos setenta do século XX.5 A tese que sustento é de que, com independência do lugar que atores políticos ocuparam nos anos de confronto com as ditaduras do continente – de um modo geral na trincheira em luta contra os tra-

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ARTIGO dicionais “donos do poder” –, a lógica de conflito então dominante permaneceu. O dispositivo binário que pelos padrões das ditaduras identificava no adversário o “inimigo” a ser vencido segue incorporado às práticas das principais instituições e se projeta no modo como seus integrantes lidam com a atual realidade. A retórica é de conflito e de enfrentamento do “inimigo”, que se supõe um adversário em busca da tomada do poder. O método empregado inicialmente para dissuadir e neutralizar este suposto “inimigo” é o do enquadramento criminal de suas condutas, ainda que ao risco de ressuscitar dispositivos legais como a Lei de Segurança Nacional ou engendrar novas modalidades punitivas, como é o caso do projeto de lei que pretende incriminar o “terrorismo” (PLS 499/2013). Neste contexto, é compreensível o reducionismo que orienta não apenas as ações institucionais de governos, com suas polícias, parte do Ministério Público e do Judiciário, mas também as interpretações da mídia tradicional, que no Brasil confunde-se com os donos do capital. Ainda que os atores visados sejam individualizáveis e as grandes empresas de comunicação persigam a sua desqualificação prévia – “Sininho”, “Baiano” etc. –, é indiscutível que o processo de criminalização é coletivo. Em tese, para as instâncias oficiais os criminosos são as organizações sociais como, por exemplo, o MST. 6 Claro que o establishment fica atordoado quando não consegue

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Com efeito, o impossível enquadramento penal das manifestações e condutas de protesto, protegidas pelo arcabouço políticonormativo liberal, tem levado os governos a apostar na repressão pura e simples, com a exacerbação do confronto de rua protagonizado pelas polícias, que, indistintamente, atuam sob a lógica da contenção dos protestos por meio da força

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“capturar” essa realidade com os dispositivos penais. Os novos movimentos sociais transitam da cultura popular – com suas músicas de resistência e desafio – às estratégias coletivas descentralizadas, desprovidas do arcaísmo das burocracias e hierarquias para as quais foram pensados os crimes de quadrilha e organização criminosa. As novas modalidades de ação coletiva perseguem diferentes alternativas societárias, com a integração da diversidade e por meio de interconexões identitárias que buscam se opor às tradicionais formas de dominação. Segundo as pesquisas de Scherer-Warren, o caráter reivindicatório e de protesto caracteriza os novos movimentos sociais, que não disputam o poder, pelo menos nos termos tradicionais. Daí que a insistência deste mesmo establishment em dar trato penal às questões sociais que não se apresentam mais conforme os paradigmas dos anos setenta resulta em um incremento da violência estatal. Com efeito, o impossível enquadramento penal das manifestações e condutas de protesto, protegidas pelo arcabouço político-normativo liberal, tem levado os governos a apostar na repressão pura e simples, com a exacerbação do confronto de rua protagonizado pelas polícias, que, indistintamente, atuam sob a lógica da contenção dos protestos por meio da força. Creio que esta é uma das heranças mais perversas da ditadura empresarial-militar de 1964, porque em realidade imprime a face


autoritária dos novos tempos, infiltrada em regimes políticos formalmente democráticos. Em minha opinião, a preciosa análise de Eugenio R. Zaffaroni sobre o direito ao protesto elucida o quanto ainda devemos caminhar, e em que condições, para assegurar vida digna para todos:

1   Por todos, vale consultar o ato editado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro: http:// www.conjur.com.br/2013-jul-24/geraldo-prado-decreto-governo-rj-traz-volta-estado-policial. Consultado em 01 de março de 2014. 2   FEUERBACH, Anselm v. Anti-Hobbes: O sobre los límites del poder supremo y el derecho de coacción del ciudadano contra el soberano. Tradução de Leonardo G. Brond e revisão de Eugenio R. Zaffaroni. Buenos Aires: Hammurabi, 2010, p. 58-60 e 64. 3   CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, 6ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. I. 4   SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1993. 5   SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais, obra citada, p. 14-5. 6   Criminalização dos protestos e movimentos sociais. Kathrin Buhl e Claudia Korol org. São Paulo: Rosa Luxemburgo, 2008, p. 12.

▼▼ SÃO PAULO, 21 DE JULHO 2014 Ato pela liberdade dos ativistas presos

7   ZAFFARONI, Eugenio R. Introducción al Anti-Hobbes: O sobre los límites del poder supremo y el derecho de coacción del ciudadano contra el soberano, de FEUERBACH, Anselm v. Buenos Aires: Hammurabi, 2010, p. 17-18.

MIDIA NINJA (CC BY-SA 2.0)

“Lo cierto es que ninguno de los estados de derecho históricos o reales pone a disposición de sus habitantes, en igual medida, todas las vías institucionales y eficaces para lograr la efectividad de todos los derechos, por lo que – dado que los estados de derecho históricos o reales siempre son imperfectos – nunca puede descartarse totalmente el derecho a la protesta e, incluso, el eventual derecho a la resistencia”.7

NOTAS

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ARTIGO

COMO ESTÁ E PARA ONDE VAI A CRIMINALIZAÇÃO DA LUTA POPULAR?

▼▼ VÍTOR GUIMARÃES*

“Enquanto houver opressão e violência/ Haverá luta e resistência” Nomenclatura – Aborígine ▼▼ VÍTOR GUIMARÃES*

*Membro da coordenação estadual do MTST-RJ

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verso do companheiro e apoiador do MTST Marcão Aborígine (rapper de Samambaia, uma das cidades da periferia do Distrito Federal) não é específico sobre o movimento, se encaixa para várias lutas do povo. A razão de citá-lo nesta reflexão sobre a criminalização crescente dos movimentos sociais é afirmar que, logo de início, a tática de imprimir medo e deslegitimar as movimentações dos trabalhadores não vai ter efeito. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST é um movimento social que se organiza territorialmente nas periferias urbanas para, a partir da luta pela moradia digna e a reforma urbana, acumular forças para a transformação social e a criação do

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Poder Popular. No último período conseguimos um grande reconhecimento nacional, sobretudo dos órgãos da grande imprensa. Contudo, qualquer militante sério da esquerda sabe que essa luta não começou nas “Jornadas de Junho”, nem vai acabar com algumas conquistas, por mais significativas que sejam. A história do movimento nos remete a pelo menos 17 anos atrás, começando em São Paulo e hoje presente em quase todas as regiões geográficas brasileiras. Com a Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos, nos articulamos para a luta, numa ação direta em 15 estados do país. Na conformação social do Estado burguês, todos os movimentos sociais sofrem repressão e ataques, o que convencio-


FOTO: MIDIA NINJA /ARTE: GIL CASTRO (CC BY-SA)

namos chamar “criminalização dos movimentos”. É verdade que a judicialização da vida política e dos conflitos sociais gera um salto qualitativo nessa repressão, enquadrando todos como criminosos, transgressores, vândalos, ou qualquer outro termo que pareça mais sonoro aos âncoras e porta-vozes das elites. Mas para tentar discutir mais profundamente o processo amplo de criminalização dos movimentos e, mais além, a deslegitimação das lutas sociais, vamos abordar neste texto “criminalização” como esse processo amplo de ataques. Não há pretensão de exatidão técnica – uma breve divagação: há setores que defendem que não falemos em “despejo” quando há uma desocupação, porque “tecnicamente” no Brasil despejo é o procedimento que ocorre

quando um aluguel não foi pago e o proprietário exige a retirada do inquilino. Para o MTST não é assim, se despejo é como as pessoas compreendem, assim será a posição do movimento. Do mesmo modo, poderia ser apenas o Poder Judiciário quem criminaliza, mas entender este poder instituído como mais um dos espaços de garantias de privilégios aos ricos e violações aos pobres é importante para colocar os termos da nossa discussão. São incontáveis, muito mesmo, os exemplos de criminalização dos movimentos sociais. De Rafael Braga e Fábio Hideki à ilegalidade de greves, passando pelos editoriais dos jornalões e declarações indignadas de gestores das instituições estatais, tudo é ataque feito a nós que lutamos para alcançar mudanças no or-

denamento social. Escolhemos, aqui, falar sobre alguns exemplos do próprio MTST nos últimos anos, os quais demonstram como os ataques a todos nós não vêm de um só lado, e que ao fim e ao cabo almejam deslegitimar o próprio “agir lutador” ou a insurgência das organizações de esquerda, processo que é evidentemente exacerbado pelo fato de a classe trabalhadora, um dos setores mais precários da classe trabalhadora, se identificar e se organizar junto ao movimento. Quando um conjunto de pessoas decide ocupar um latifúndio urbano e construir uma série de barracos, cozinhas e banheiros coletivos, espaços de assembleia e se manter em estado de luta para chegar até a moradia definitiva e digna, já começa a criminalização. Isso quando

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ARTIGO se fala nos trabalhadores, porque os grandes empresários, os clubes que a elite frequenta e especialmente os territórios usados para a especulação imobiliária têm total liberdade de ocupação. O MTST lançou recentemente a campanha “Invadiu tem que desinvadir”, denunciando a seletividade nessa questão. Poder Judiciário, governos e imprensa bradam raivosamente contra os sem-teto, mas fazem vista grossa às invasões dos ricos. Voltando à ocupação: parcelamento irregular do solo, invasão de propriedade, entre outros, geram flagrante, que pode resultar em prisões logo no primeiro momento. Se o poder policial não chegar a tempo, logo entram na justiça contra o movimento. Se vier a liminar, e ela quase sempre vem, começa a queda de braço com a polícia e o governo para evitar a ação violenta de despejo, ou reintegração de posse, ou coisa que o valha. Por vezes o simples fato de ter ocupado é, na visão dos poderosos, tão ilegal, tão errado que surgem as multas. Quantias absurdas por “ter descumprido a decisão judicial” ou, como ocorreu em Embu das Artes, por crime ambiental. Essas multas são proporcionalmente tão absurdas quanto o déficit habitacional brasileiro, centenas de milhares de reais que a coordenação – uma ou duas pessoas – passa a dever, isso porque não há pessoa jurídica do movimento. Se a ocupação se mantiver, vem o processo de luta para garantir que os trabalhadores ganhem o desejado teto. Se há uma

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passeata, o risco de explosão de bombas, de tiros e de prisões é tão presente quanto em qualquer outra ação semelhante de qualquer movimento. Se há a necessidade de ocupar um espaço do poder público, uma prefeitura, por exemplo, as alternativas de criminalização crescem. Quaisquer danos patrimoniais, por mais irrelevantes que sejam, já servem de razão para mais cobranças financeiras, ou pretexto para ações violentas. Esses exemplos não são típicos da luta do MTST, mas vamos a algo que temos pouca notícia de ter ocorrido com companheiros de outros movimentos nos últimos anos: interditos proibitórios em local público. Isto é, o MTST não pode, em algumas cidades, acampar em praça pública, ▼▼ 16 DE SETEMBRO DE 2014 ou na frente da prefeitura. HouCerca de 200 famílias foram ve um momento que, na cidadespejadas pela Polícia Militar de de Sumaré, SP, durante as luem São Paulo. A Ocupação São João foi esvaziada em tas da Ocupação Zumbi dos Paluma ação violenta da polícia, mares, o poder público permitia enquanto os moradores que o movimento fizesse passeresistiam no prédio de 20 atas, mas elas não poderiam pasandares localizado na região sar na frente da prefeitura! central da capital. As ruas Ainda durante a ocupação, o foram bloqueadas por homens processo de negociação traz ouda Tropa de Choque tros sinais de criminalização e desmoralização da luta do MTST. O fato de não termos participado das últimas Conferências de Cidades, por haver a compreensão de que a luta direta é mais efetiva na conquista de direitos do que a participação nesse tipo de espaço, faz com que os governos justifiquem que não podem atender às demandas porque “o MTST não aceita as regras do jogo”. Sem ir a fundo ao questionamento

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dessas normas, é um ultraje um gestor dizer que houve opção de escolher alguma coisa. As alternativas são definidas pelos empreiteiros, financiadores de campanhas e pelos oportunistas que acumulam dividendos eleitorais com a política habitacional. Esse processo geralmente acontece quando o movimento está em processo de consolidação em alguma região. Havendo a superação deste argumento, sugerem que se um cidadão ocupar um terreno ele perde o direito “a esperar na fila”. Note-se, portanto, que nesta visão o próprio fato de ocupar – nesse caso sinônimo de lutar – seria suficiente para tirar do trabalhador a mera possibilidade de sonhar com a casa! Nesse momento vale a pena falar dessa(s) fila(s). Os governos sugerem, quase como um man-

tra, que há um cadastro habitacional, uma fila organizada a partir de critérios objetivos e que, quando (se) forem construídas algumas casas, essa ordem será respeitada. A média de espera nessas filas depende da idade da pessoa: se tem mais de 40 anos, por volta de 15 ou 20 anos; se tem uns 30, uns 8 anos; se tem menos, está na fila mais ou menos desde que completou a maioridade. Qual a resposta do governo então? “Se vocês lutaram, e nós já fomos obrigados a negociar... Podemos garantir o fantástico direito a entrar na fila!” A mesma fila que a pessoa já está inscrita ou a mesma que, normalmente, em todo início de governo pode se inscrever, pois as promessas de construção de um sem-número de casas são sempre presentes. O MTST não fecha esse

tipo de acordo. Vêm então a acusação de “antirrepublicanismo”, de querer arrancar a casa à força, ou argumento semelhante que para o engravatado pareça muito errado. Esquecem que, para os trabalhadores, qualquer direito só é conquistado à base de luta. Durante a ocupação, é visível, há diferentes meios de criminalizar e atacar a luta do MTST, assim como dos outros movimentos que utilizam essa tática. Mas para compreender a tentativa de promover medo e receio, para que as pessoas não partam para a luta, é fundamental lembrar que a luta do movimento é na periferia urbana. Ou seja, todos os procedimentos de violência, medo e repressão do governo estão presentes. Com a atenção especial que é dispensada à população negra e pauperizada, com o agravante de estarem organizados para conquistar direitos, isso as elites não conseguem aceitar. Outras nuances, como a deslegitimação da ocupação pelo fato de “as pessoas não estarem todo o dia dentro dos barracos”, que tem a mesma raiz discursiva da ideia de “quem precisa de verdade”, atentam contra o fato de a moradia digna ser um direito humano. Para além disso, o movimento sofre intimidação e ataque à própria vida dos militantes. Em 2012, fomos obrigados a lançar a campanha Sem Teto – Com Vida. Na ocasião, três militantes da coordenação nacional tinham sofrido atentados de morte. Outro exemplo da criminalização que, infelizmente, dispensa

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ARTIGO ram com o fato de um movimento social ter força para influir diretamente, e a partir da quantidade de pessoas organizadas, no estabelecimento de uma política pública. Os avanços, apesar de importantes derrotas ao capital imobiliário, não foram a reforma urbana ou a resolução dos problemas da periferia. Mesmo assim, como toda perda do capital que é um ganho do trabalho, não podia passar sem duros ataques. Nesse momento, chegamos ao exemplo exacerbado de como essas forças que querem criminalizar as lutas, em verdade que querem a inexistência dessas lutas, vão até as últimas consequências contra os trabalhadores. Ao MTST, segundo um promotor do Ministério Público paulista – o mesmo que sugeriu ação para preservar os grandes empreitei-

ros na corrupta gestão de Kassab –, não é permitido o direito de vencer. A despeito de todo o processo de criminalização, o movimento tem sido capaz de arrancar conquistas dos governos. Nada dado, nada fácil. Anos e anos de luta, enormes ocupações, passeatas, acorrentamentos, travamentos de rodovias, diversas horas de negociação com todos os níveis governamentais trouxeram o direito de moradia a milhares de famílias que se organizaram com o movimento. Depois da construção, via Minha Casa Minha Vida modalidade Entidades, de imóveis quase 40% maiores do que os das empreiteiras (com o mesmo montante de recursos), com elevador e espaço para creche no condomínio, depois de garantir conquista para as famílias das ocupações Faixa

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maior detalhamento são as desocupações violentas. Pinheirinho, Telerj, Estaiadinha e tantos outros episódios aguçam a sensação de injustiça com o trato do Estado à luta por moradia. Outra face importante de ser explorada é a abordagem midiática. Comumente não é nada diferente da posição dos governos. Mas é possível observar uma “chuva de editoriais” quando há um processo significativo de luta. O mais recente destes foi depois da Ocupação Copa do Povo, a poucos quilômetros da arena-estúdio de abertura da Copa Mundo em Itaquera, se mantendo até a luta pelo Plano Diretor de São Paulo. Havia, em média, dois editoriais semanais, além das “matérias exclusivas” nas semanárias-guia dos conservadores, que se surpreende-

▶▶ ATO DO MTST. Cinco mil pessoas de diversas ocupações do MTST em São Paulo marcharam em direção à Prefeitura do município. A mobilização exigiu o cumprimento dos acordos firmados previamente com o movimento

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rantir o direito, parar de esperar, é ilegal porque tem gente demais esperando. O argumento só é plausível se houver concordância com dois pressupostos: 1) a política pública instituída, mesmo ineficiente e falaciosa, é mais importante que o direito e 2) a propriedade é mais importante que qualquer outro direito. Outro processo que se relaciona com a criminalização pós-vitória de um movimento social é a própria luta contra o aumento da passagem, ocorrida em 2013. O festival de prisões arbitrárias, ações injustificáveis e repressão exagerada se intensificou após as conquistas que houve. Fica a impressão que, para a classe dominante, não só é errado lutar como também vencer. Se por acaso houver sucesso, depois alguma conta será cobrada.

Esse processo que foi discutido ao longo deste texto serve para amedrontar e afastar as pessoas da luta, ou seja, impedir qualquer tipo de insurgência. Nesse sentido, não apenas há criminalização dos movimentos sociais, mas um questionamento à própria existência destes. Se em todas as possíveis fases de uma luta surgem pretensas ilegalidades ou fatores de punibilidade aos cidadãos e à própria organização política, não seria exagero afirmar que estamos em uma escalada para o momento em que sequer a existência de nossos movimentos. Sendo nosso objetivo último a superação dessa própria sociabilidade opressora, nossa resposta a essa escalada deve ser, dialeticamente mais organização e mais luta. MIDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

de Gaza e Nova Palestina, que alguns dizem ser a maior ocupação urbana do mundo, o promotor Mauricio Antônio Ribeiro Lopes, da 5º Promotoria de Habitação e Urbanismo, sugeriu ser ilegal atender às demandas do movimento. Isto é, para ele, depois de conquistar do governo a possibilidade de solução para o quantitativo organizado, mesmo com acordo com as proprietárias do terreno, é errado que as casas sejam construídas. Chegou-se ao ponto de utilizar a “espera de vários anos na fila” como justificativa para uma suposta injustiça no atendimento à demanda do movimento. É surpreendente, porque nesses vários anos nunca houve nenhum tipo de movimentação para resolução do déficit habitacional. Quando a camada mais pobre consegue ga-

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ENTREVISTA


NOS

TRILHOS DA Às vésperas da Copa do Mundo de 2014, a maior cidade do país parou. Apoiados por diferentes vertentes dos movimentos sociais, os metroviários de São Paulo protagonizaram a maior greve da história do setor. Suspenderam o ponto e foram às ruas denunciar a precarização das condições de trabalho, resultado dos anos de negligência que o Governo do Estado impôs à categoria. Na pauta de reivindicação desses trabalhadores constavam também duras críticas ao sistema de transporte de São Paulo, que todos os dias condena a população a optar entre os engarrafamentos monstruosos nas marginais da cidade e os trens superlotados do Metrô, pagos a preços abusivos. Beirando o fascismo, a ofensiva do Governo Alckmin para desmobilizar o movimento grevista incluiu a suspensão das negociações, o uso de violência policial durante as manifestações e artimanhas jurídicas que acarretaram a demissão sumária e inconstitucional de 42 metroviários.


KHUNASPIX/FOTOLIA

NOS TRILHOS DA NEGLIGÊNCIA

ELISA MONTEIRO

▼▼ ALINE DURÃES ▼▼ PAULO PASIN, presidente da Fenametro (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroferroviários)

Em

entrevista aos Cadernos Adufrj, Paulo Pasin, secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e um dos líderes da Greve de Junho, fala sobre o movimento que sacudiu o país em torno das deficiCadernos AD: A crise no ências do Transporte metrô vai além e revela também a do Transporte Público no Público. Paulo foi um falência estado de São Paulo. Quais os prindos demitidos pelo go- cipais problemas do setor hoje? Paulo Pasin: Infelizmente, verno estadual, dentro destruíram a malha ferroviária no Brasil. Nos grandes centros, não se da absurda estratégia investiu em transporte coletivo de grande capacidade (trem e metrô), de repressão adotada. privilegiando o transporte individual para atender aos interesses Confira. das empresas petrolíferas e das montadoras. O principal problema do Metrô de São Paulo é a superlotação. Transportamos mais de cinco milhões de usuários por dia numa

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malha de 74 quilômetros. Para se ter uma ideia do sufoco que isso representa, no pico da tarde, na linha de Barra Funda a Itaquera, são transportadas 11 pessoas por metro quadrado. Outra questão é o custo da tarifa. R$ 3,00 é caro. Se transporte é um direito social inserido na Constituição, ele tem que ser universal. Todo cidadão tem o direito de ser transportado para o trabalho, escola, posto de saúde e para se divertir. Cabe ao Estado garantir este direito a todos.

Cadernos AD: O movimento dos metroviários questiona os contratos de modernização do sistema de controle do Metrô paulistano que, apesar de anunciados como bem-sucedidos, não saíram do papel. O senhor chama essa modernização de “decisão equivocada”. Por quê? Paulo Pasin: Em 2008, o governo do PSDB anunciou a troca do sistema de controle e sinalização do Metrô. Passaria do atual ATC (Automatic Train Control) para CBTC (Communications-Based Train Control), o que, segundo a propaganda governamental, permitiria reduzir em 20% o intervalo entre trens.

Transportamos mais de cinco milhões de usuários por dia numa malha de 74 quilômetros. Para se ter uma ideia do sufoco que isso representa, no pico da tarde, na linha de Barra Funda a Itaquera, são transportadas 11 pessoas por metro quadrado

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Gastou-se na implementação do CBTC, incluídas as reformas de trens e troca de subestações elétricas, cerca de R$ 5 bilhões. Esse valor seria suficiente para concluir a ampliação de duas linhas do Metrô que estão em obras. O contrato previa o término da

modernização para 2011, mas os testes realizados nos fins de semana, quando o número de trens é bem menor, fracassaram. Não existe no mundo nenhuma experiência bem-sucedida deste novo sistema CBTC em linhas que já estão operando e com o número de

usuários transportados pelo Metrô de São Paulo. Cadernos AD: A decretação de greve no dia 1º de junho, às vésperas da Copa do Mundo, foi uma tentativa de chamar a atenção do país para o problema? Paulo Pasin: Nossa data-base


é 1º de maio. Na iniciativa privada, é neste período que se negocia o acordo coletivo. Portanto, nossa campanha salarial é sempre nos meses de maio e junho. Em 2012, não tinha Copa do Mundo e também fizemos greve. Evidentemente, a proximidade com o jogo de

▼▼ GREVE DOS METROVIÁRIOS • 2014 • São Paulo

Gastou-se na implementação do CBTC, incluídas as reformas de trens e troca de subestações elétricas, cerca de R$ 5 bilhões. Esse valor seria suficiente para concluir a ampliação de duas linhas do Metrô que estão em obras

abertura da Copa chamou a atenção da mídia internacional para os problemas da categoria e do transporte de São Paulo. A greve foi noticiada em toda a imprensa internacional, com destaque para a falta de democracia que existe no Brasil, onde o direito de greve e manifestação não é respeitado. Cadernos AD: Como as ondas de protestos de junho de 2013 influenciaram o movimento grevista metroviário de 2014? Paulo Pasin: Depois das mobilizações de junho e de inúmeras greves em outras categorias, os metroviários sentiram que havia chegado o momento de recuperar vários direitos que a empresa tinha retirado da categoria, entre eles plano de carreira, periculosidade para quem trabalha em áreas de risco, plano de saúde para os metroviários aposentados e aumento de salário. Por isso a campanha foi tão forte e unificada. Foi a maior greve da história do Metrô de São Paulo. Cadernos AD: Como o senhor avalia as propostas de acordo oferecidas pelo Governo de São Paulo neste período, entre elas a oferta de 8,7% de reajuste salarial? Paulo Pasin: A proposta do governo ficou muito abaixo da expectativa da categoria. Pior ainda foi o Tribunal Regional do Trabalho, após ter apresentado proposta de conciliação de 9,5% de reajuste e outras cláusulas que eram mais próximas das nossas reivindicações, ter julgado a greve abusiva, bloqueado as contas do sindicato e determinado o reajuste de 8,7%. Isso deixou claro o caráter de classe do Poder Judiciário brasileiro,

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que é manso com os ricos e cruel com os trabalhadores. Cadernos AD: O Estado orquestrou uma reação repressora à greve, demitindo representantes do movimento grevista e usando violência policial nas manifestações dos metroviários. Qual a sua avaliação sobre essa ação coercitiva?

Paulo Pasin: Enquanto a luta avançava, as classes dominantes e o Estado preparavam sua resposta na tentativa de garantir a ordem social conservadora e o lucro dos patrões. O governador Geraldo Alckmin chegou a declarar que estava em guerra contra os metroviários. Também não podemos es-

quecer que, em todo o Brasil, a pretexto de garantir a “segurança” da Copa, ocorreram centenas de prisões arbitrárias e proibições de atos, manifestações e até debates públicos. Inquéritos fraudulentos foram instaurados para intimidar as pessoas. Ou seja, as liberdades democráticas foram abolidas.


Cadernos AD: A grande mídia foi muito atuante na cobertura da greve, mas, como sempre, destacou mais os embates com a polícia do que as bandeiras e reivindicações do movimento. Na sua opinião, essa é mais uma tentativa das classes dominantes de enfraquecer o apoio po-

▼▼ PASIN: “As liberdades democráticas foram abolidas”

Enquanto a luta avançava, as classes dominantes e o Estado preparavam sua resposta na tentativa de garantir a ordem social conservadora e o lucro dos patrões. O governador Geraldo Alckmin chegou a declarar que estava em guerra contra os metroviários

pular às causas dos movimentos sociais? Paulo Pasin: A atuação da grande mídia nas greves deve ser entendida como parte de uma campanha para enfraquecer as lutas populares. Nunca se divulga corretamente a posição dos trabalhadores. Durante nossa greve, por exemplo, fizemos uma proposta ao governo do Estado e ao Poder Judiciário: trabalharíamos sem receber salário desde que fosse liberada a catraca para a população ser transportada gratuitamente. A grande mídia não falou nisso. Cadernos AD: As manifestações conseguiram o apoio de outras entidades, entre elas o Movimento Passe Livre (MPL), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o movimento estudantil. Qual a importância desse apoio? Paulo Pasin: O apoio dos movimentos sociais foi fundamental neste enfrentamento. A luta por um transporte público seguro, de qualidade, com tarifa zero é fundamental para a solução dos problemas da cidade. E, por falar em problema da cidade, não podemos esquecer a questão da moradia. A especulação imobiliária tomou conta das grandes cidades. O valor dos aluguéis está expulsando os trabalhadores das cidades. Por isso, o número de ocupações em São Paulo explodiu. E, no mesmo momento da nossa greve, os companheiros do MTST realizaram uma ocupação a três quilômetros do Itaquerão, estádio da abertura da Copa. O MTST realizou passeatas com 15 a 20 mil pessoas quase que semanalmente. Foi uma uni-

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ney, a Lei nº 7.783/89, com uma série de restrições que inviabilizam o exercício deste direito. Decisões judiciais que determinam manutenção de um percentual de trabalhadores durante as paralisações das categorias, sob pena de pesadas multas, inviabilizam o exercício pleno do direito de greve, na medida em que retiram o poder de pressão do movimento. A unidade e coragem de nossa categoria e o apoio dos nossos aliados do movimento social e da juventude foram decisivos para nossa resistência. Mas é preciso reconhecer que sofremos um revés. Falta ainda, em minha opinião, uma organização que consolide a unidade dos setores comba-

OLIVER KORNBLIHTT / MIDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

dade na prática, na luta por moradia, transporte, saúde e educação. Cadernos AD: Mesmo com a pressão de órgãos como o TRT de São Paulo, que considerou a greve abusiva e fixou em R$ 500 mil a multa diária aos sindicatos de metroviários em caso de manutenção da greve, os trabalhadores não recuaram. Como foi possível manter a unidade e adesão ao movimento diante dessas tentativas de desmobilização? Paulo Pasin: A classe trabalhadora conquistou, com muito sacrifício e sofrimento, o direito de greve na Constituição de 1988. No entanto, a classe dominante, já em 1989, preparou sua contraofensiva aprovando, durante o governo Sar-

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▼▼ PIQUETE na Estação Pinheiros da Linha Vermelha do Metrô em Greve. São Paulo


no de demissão por “vandalismo”. “Analisando a gravação de vídeo que registrou a conduta dos substituídos na estação Tatuapé em 5 de junho de 2014, vejo que, embora os trabalhadores estivessem na plataforma, não aparecem impedindo o fechamento das portas do trem”, afirma o juiz. O problema é que a notícia das demissões enfraquece o movimento da classe. Por isso, é fundamental a luta pela reintegração definitiva, não apenas em caráter liminar, de todos os 42 companheiros. Cadernos AD: Como o sindicato está trabalhando a anistia desses trabalhadores que ainda não foram reintegrados? Paulo Pasin: Em primeiro lu-

OLIVER KORNBLIHTT / MIDIA NINJA (CC BY-NC-SA 2.0)

▼▼ AUDIÊNCIA entre os metroviários e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) no Tribunal Regional do Trabalho na capital paulista

tivos do movimento sindical com os setores populares (MTST, MPL e as centenas de organizações populares e da juventude que se fortaleceram a partir das jornadas de junho de 2013). Cadernos AD: A concessionária que administra o metrô defende que a causa da demissão dos 42 funcionários foi “vandalismo” e não a realização de greve. O senhor enxerga nesse argumento uma tentativa de criminalizar o movimento? Paulo Pasin: A acusação do Metrô é caluniosa. São tão absurdas que o juiz Thiago Melosi Sória, na liminar de reintegração de dez companheiros, contraria totalmente a argumentação do gover-

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de junho de 2013 foram o início de um importante processo de fortalecimento das lutas sindicais e populares no país. Enquanto a luta avançava, as classes dominantes e o Estado prepararam sua resposta na tentativa de garantir a ordem social conservadora e o lucro dos patrões. Com o passar do tempo, o aparato repressivo também se fortaleceu e se aperfeiçoou. Hoje, polícia, exército e setores do Poder Judiciário, Legislativo e a mídia atuam em conjunto, reeditando cenas dos períodos mais duros da Ditadura Militar. Demitem trabalhadores em greve, impõem pesadas multas aos sindicatos, prendem manifestantes baseados em inquéritos fraudulentos, impedem atos públicos e passeatas. Nesse contexto, a demissão de

trabalhadores e trabalhadoras em greve — como aconteceu com os metroviários em São Paulo, os servidores do IBGE em todo o Brasil, dos professores do Rio de Janeiro — demonstra que todos os níveis de governo estão comprometidos com essa escalada autoritária. Porém, como as demandas da população (transporte, saúde, educação, moradia, melhores salários e condições de trabalho) não foram e nem serão atendidas, é inevitável que as mobilizações sejam retomadas com mais força e radicalidade ainda. Uma questão central se coloca: se vamos construir um movimento unificado, os interesses da classe estarão acima dos interesses de cada uma das organizações do setor combativo do movimento sindical e popular?

GABRIEL DE ANDRADE FERNANDES (CC BY-SA 2.0)

gar, estamos fortalecendo a mobilização interna e externa pela reintegração definitiva de todos, por meio da ocupação das ruas com atos públicos, manifestações e campanha de solidariedade para ajudar financeiramente os companheiros. Além disso, deputados favoráveis à nossa luta apresentaram projetos anistiando a todos. Um no Congresso Nacional e outro na Assembleia Legislativa de São Paulo. Porém, diante do alcance das bancadas ligadas ao poder econômico, só com muita pressão esses projetos serão aprovados. Cadernos AD: Há, na sua opinião, um movimento de criminalização dos movimentos sociais por parte dos atuais governos? Paulo Pasin: As manifestações

▼▼ 18 DE JULHO DE 2014 ato dos trabalhadores da USP no metrô em solidariedade aos metroviários demitidos de forma abusiva por Geraldo Alckmin

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REFORMA DE LAS VIOLENCIAS Los orígenes del autoritarismo en el Ecuador ▼▼ NAPOLEÓN SALTOS GALARZA* Quito, agosto 2014

Fundación de derecho equivale a fundación de poder y es, por ende, un acto de manifestación inmediata de la violencia. Justicia es el principio de toda fundación divina de fines; poder, el principio de toda fundación mítica de derecho. Benjamin (2001: 40)

Paquete jurídico El régimen de Alianza País (Nota da Redação dos Cadernos Adufrj: Alianza País é o partido do atual presidente equatoriano, Rafael Correa) ha entrado en una nueva fase, posconstitucional. Después del 23 F1 se ha acelerado la reforma (enmienda) de la Constitución y la aprobación de un paquete de Códigos: Penal, Financiero, Laboral. El derecho va a rastras del poder hegemónico. Lo jurídico expresa las necesidades del poder, no en forma mecánica, sino en una elaboración compleja, pues debe resolver la contradicción en la que se sustenta: coacción legítima, facticidad y validez. La legitimación jurídica expresa hegemonías resueltas. El carácter constituyente de una norma, Constitución o ley, puede mostrarse precisamente en la inversión de esta relación, basada en un tiempo extraordinario de vigencia de la soberanía “popular” como poder contrahegemónico: un poder instituyente.

*Diretor da Escuela de Sociología de la Universidad Central del Ecuador

En esta perspectiva el tema no es únicamente la reforma jurídica, sino su relación con el poder, el carácter del régimen y del Estado; entra en juego el carácter de la democracia, o más bien se abre el campo de debate sobre democracia y autoritarismo.

La democracia El debate teórico y sobre todo político parte de la respuesta y no de la pregunta sobre el “buen gobierno”. La democracia se ha convertido en el régimen legítimo a nivel global. El debate se ha centrado en la adjetivación de la democracia: representativa, republicana, comunicativa. Aún más, la definición ha llegado a su forma mínima en la poliarquía, (Dahl, 1997) como un régimen reducido a la competencia electoral y definido como un régimen de solución pacífica de los conflictos. Con ello, la pregunta que desaparece no es sólo sobre el “buen gobierno”, sobre el régimen, sino fundamentalmente sobre el carácter del Estado, en cuanto “monopolio de la violencia legitimada”. Y sin embargo en la vida real el tema de la violencia retorna, ya sea

por el lado del Estado dominante, como por el lado de la contraviolencia de las fuerzas políticas que responden en nombre de un Estado alternativo e incluso de la desaparición del Estado. La violencia del Estado, ejercida ya sea bajo su forma liberal o autoritaria, apunta al orden.

El retorno del Estado El retorno del Estado es la clave diferencial del postneoliberalismo de los gobiernos “progresistas”. No se trata de una variante neokeynessiana, sino de una variación de la doctrina de la subsidiariedad del Estado: el retorno no es “contra” la iniciativa privada, sino para disciplinarla y complementarla. El desorden del “mercado libre” que precipitó la crisis económica y moral, cuyo signo es la crisis bancaria, ahora encuentra la salida en la acción rectora del Estado: El Estado, entonces, vuelve a ser colocado en el centro de la reforma institucional para recuperar para sí un conjunto de capacidades estratégicas que aseguren una adecuada coordinación entre política, economía y sociedad. Así, la propuesta de reforma

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institucional del Estado busca que la recuperación de los márgenes de maniobra estatal se produzca bajo esquemas de gestión eficientes, transparentes, descentralizados, desconcentrados y participativos, a fin de dotarle de la mayor coherencia funcional y legitimidad democrática posible a sus intervenciones. (SENPLADES, 2012)

No se trata de un retorno únicamente hacia adentro, de una reforma postneoliberal, sino del reordenamiento del Estado-nacional-liberal instituido a comienzos del siglo pasado y la institucionalización de un Estado-nacional-globalizado: la institucionalización de un Capitalismo monopolista de Estado, como reordenamiento de las relaciones económicas y políticas dentro de la formación social ecuatoriana y de las relaciones de la formación social ecuatoriana con el sistema-mundo-capitalista. El período liberal se fundó en una visión lockeana del contrato social, en donde el Estado tiene límites concedidos por la sociedad civil que se expresan en la predominancia de la norma: el Estado es garante de las libertades. El actual retorno del Estado se funda en el regreso de Hobbes: El Estado como Leviatán, para controlar la guerra. Lo hace bajo la versión schmittiana de lo político como la relación amigo-enemigo, y de la visión “totalitaria” del Estado. En América Latina hay un sustrato estructural de formas autoritarias de poder y Estado, en cuanto procesos truncos de comunalización, persistencia de formas basadas en el parentesco, resoluciones parciales de las diversidades y mutación de las formas de racismo. El carácter parte del origen. La versión bolivariana de un Estado fuerte y centralizado para enfrentar la dis-

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persión de las nacientes repúblicas, se acerca más a la visión hobbessiana que a la visión liberal de Locke, que aparece sin embargo como discurso legitimador de las Constituciones, en un traslado de los paradigmas provenientes de la Revolución Francesa y de la Revolución Americana. Pero allí hay una fuente de transformación, la medida es la formación de un Gran Estado Latinoamericano, capaz de enfrentar al otro Gran Poder emergente, el imperialismo norteamericano. Periódicamente en nuestro Continente han resurgido las formas autoritarias, pero vaciadas del poder transformador de la propuesta bolivariana, orientadas al control hacia adentro. El ciclo anterior de formas autoritarias se asentó en la Doctrina de la Seguridad Nacional, una visión “original” de las Dictaduras Militares de América Latina. En el ciclo de los 60 la fuente fue la represión directa de las insurgencias revolucionarias de los pueblos, el Estado se organiza como una estructura de contrainsurgencia, en torno a las Fuerzas Armadas convertidas en ejércitos de ocupación de sus propios países. El ciclo actual tiene un origen político más complejo: el bonapartismo es el puente hacia el nuevo autoritarismo, parte de la disolución de los sujetos arriba, de la crisis de hegemonía arriba y de la presencia de actores sin representación abajo, para desatar un proceso de disolución de las diferentes formas organizativas y de solidaridad, con lo cual la razón de Estado se vuelve necesaria en todos los terrenos. El origen estructural está en la persistencia del patrón de acumulación rentista, que fundamenta un “Estado mágico”: “El Estado como brujo

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magnánimo capaz de lograr el milagro del progreso.”(Coronil, 2013: 13) Como señala Cueva, la complejidad estructural “de la “sociedad civil” latinoamericana ha impuesto una “sobrecarga” de tareas a la instancia (política) encargada de asegurar su cohesión y reproducción.” Y, en esta perspectiva, la tendencia no es a la realización de la hegemonía y a la instauración de regímenes democráticos, que se presentan como momentos de excepción, sino más bien la institucionalización de formas de Estado de excepción, como la norma. El Estado trata “de sentar desde arriba las bases de una hegemonía que la sociedad civil era incapaz de generar por su propia heterogeneidad, pero sin dejara de recurrir constantemente a la “fuerza de la ley” y la más de las veces a la ley de la fuerza, para evitar que las múltiples dicntinuidades (incluso culturales) y contradicciones acumuladas devengan verdaderas rupturas revolucionarias.” (Cueva, 2013) El carácter autoritario y las tendencias fascistas se definen en el campo de la contradicción principal entre capital y trabajadores, capital y pueblos. El tratamiento de la diversidad y la complejidad estructural, bio-social, es el punto de bifurcación: la negación o instrumentalización termina en formas autoritarias.

Reforma del Estado El retorno implica una doble reforma del Estado: en su función económica y en su función política. El retorno en la economía se articula a visiones neodesarrollistas que “postulan la necesidad de intensificar la intervención estatal para emerger del subdesarrollo. Adscriben a las teorías que rehabilitan esta incidencia, señalando que no hay mercados


fuertes sin estados fuertes. Esta revalorización del intervencionismo no implica retomar el viejo keynesianismo, ni promover la reconstrucción del estado de bienestar. Alientan un nuevo equilibrio entre matrices “estado-céntricas” y “mercado-céntricas”, para superar las viejas dicotomías y encontrar modelos capitalistas adecuados para cada país. Subrayan que la presencia estatal no debe obstruir la inversión privada y consideran que la gestión pública debe reproducir la eficiencia del gerenciamiento privado.” (Katz, 2014) En el campo político el sentido general en la reforma impulsada por Alianza País está marcado por una actuación “bonapartista” del Estado en la consolidación del bloque dominante. La crisis de hegemonía en medio de la que se gesta la entrada de Rafael Correa implica una neutralización de los dos polos de poder dominante, tanto del poder oligárquico organizado en torno al Partido Social Cristiano, como de los intentos de reforma modernizadora desde las fracciones opositoras. Pero al mismo tiempo, se presenta también una actuación populista y autoritaria ante la sociedad civil: nuevas formas de clientelismo con redistribuciones del excedente; y formas definidas por la relación amigo-enemigo para el control sobre todo de los brotes de contrahegemonía. El retorno y la reforma no se presentan como la recuperación o la instauración de una esencia. Uno de los límites epistemológicos de la crítica desde la izquierda es el esencialismo clasista, lo que impide ver el proceso en movimiento y lleva a conclusiones falseadas, que se alejan de la conciencia de las masas. La hegemonía se constituye en sucesivos ajustes, por cuanto el consenso requiere “recoger” elementos sentidos por el pue-

blo, expresa una correlación de fuerzas en movimiento, marcada por un sentido general hegemónico. El nuevo funcionamiento del Estado y la estrategia de Alianza País pasan por diversos momentos. El doble vacío, arriba y abajo, secretado por la crisis de hegemonía entre 1995 y 2005, fue llenado por la emergencia de un “outsider” con vinculación a las fracciones modernizadoras y a los movimientos sociales. El acumulado de las luchas sociales abre un imaginario constituyente que rompe el empate catastrófico entre el polo “oligárquico” y el polo de la “burguesía modernizante”. Este colocamiento permite a Rafael Correa y a Alianza País partir de una cierta autonomía ante las presiones parciales inmediatas tanto del bloque dominante como de las clases subalternas, y responder a una dinámica bonapartista de la totalidad. Inicialmente el centro del funcionamiento está en torno a la reforma constituyente del Estado, como expresión de la confrontación al polo oligárquico y la alianza con los movimientos sociales, y el centro del sentido está en el predominio del discurso neoconstitucionalista-garantista y anti-neoliberal. En la Constitución resultante de este período constituyente se articulan otras visiones, neo-insitucionalistas, neo-desarrollistas, disciplinarias, que progresivamente se colocarán en el centro. La visión plurinacional es más bien un componente de legitimación que no penetra en la reforma orgánica del Estado. El 30S2 marca el momento del paso hacia formas de segurización de la política, con la institucionalización de dispositivos de vigilancia y control y la reforma de la justicia.

De la abundancia a la escasez Ha concluido una primera fase del proceso de Alianza País: la fase de la abundancia asentada en la ola rentista del capital mundial; y en lo político, la fase de la consolidación y de la construcción de una hegemonía sólida, mediante una línea de consensos, apuntalada por la propaganda y el marketing oficial, el control disciplinario de las oposiciones y disidencias, y la represión de las contrahegemonías. En la planificación del régimen se planteó una primera fase de fortalecimiento político, para pasar luego a la reforma económica. Con ello se pretendió eludir los límites estructurales del patrón rentista y, aún más, se pretendió salir del rentismo mediante una acumulación rentista, como plantea el primer Plan 20092013. El voluntarismo político, la inflación de los discursos sobre los derechos de la naturaleza y el uso legitimador del sumak kawsay se estrellaron contra los límites de un patrón que impone su lógica inexorable mientras no se modifiquen las bases estructurales. El signo fue el paso del Plan A al Plan B en la explotación del Yasuní-ITT el 15 de Agosto del 2013. El período de abundancia, que va desde 2003 al 2012, bajo los regímenes de Lucio Gutiérrez, Alfredo Palacio y Rafael Correa, con un gigantesco ingreso que estaría en torno a los 130 mil millones de dólares, se sustenta en una nueva ola rentista mundial, articulada en torno a la acumulación por desposesión. A partir de 2003, el precio internacional del petróleo empieza a subir desde 23 USD el barril de crudo WTI, hasta cerca de 150 USD en junio del 2008. La crisis hipotecaria del 2008 provoca una

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baja temporal, para luego ubicarse en torno a los 100 USD. Al mismo tiempo se abre una oleada de subida de los precios internacionales de las “commodities”. El contraciclo de crecimiento de América Latina, incluido Brasil, se asienta en esta ola, con procesos de reprimarización de la economía. “En América del Sur, a partir de los últimos meses de 2002 hasta mediados de 2011, con pocas excepciones, el auge de commodities ha sido un elemento clave en el desempeño económico. (…) Las causas de la caída del índice de las commodities a partir de 2011 no son en el fondo cíclicas, sino son efectos seculares/estructurales. Dado que estas tendencias fueron bien documentadas a lo largo de América Latina desde mediados del siglo XIX, ¿por qué los hacedores de las políticas económicas nacionales no tuvieron en cuenta el frágil y transitorio entorno económico internacional?” (Cypher, 2014 en Girón, 2014) Esta base económica rentista marca el sentido de actuación de un Estado que está en capacidad de una mayor autonomía respecto a los intereses de las fracciones de las clases del capital, a la vez que puede abrir líneas de relación populista-clientelar hacia abajo. También aquí podemos ver el panorama que Coronil (2013: 15) describe en la Venezuela de la abundancia: “El intercambio físico de dinero por modernidad solo trajo consigo la capacidad de producir la ilusión de producción: el dinero compró productos o fábricas modernas solo capaces de generar una modernidad trunca.” La otra fuente de la “abundancia” ha sido la concentración en el Estado de los ahorros y acumulaciones de la sociedad: desde los fondos del IESS hasta el intento actual de tomar los

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fondos de cesantía. La deuda externa pasa nuevamente a jugar un papel clave como dispositivo de transferencia de la acumulación social hacia el Estado.3 La lógica ha sido la combinación de formas bonapartistas con una política neo-populista, en donde el clientelismo no se reduce a una asistencia individual, sino que se armoniza con un control colectivo, en una relación de provisión de fondos públicos, constitución de una capa de intermediarios, conformada por la tecnocracia estatal y la tecnocracia social y la presencia de una base social-electoral de ciudadanos estatales. La persistencia del patrón rentista abarca diversos procesos: el paso al Plan B para la explotación del Yasuní-ITT. La ampliación de la frontera petrolera más allá de la línea de resistencia de Sarayacu, hacia el Sur-oriente, con las nuevas rondas de concesión petrolera, aunque los resultados no han llenado las expectativas oficiales. Los intentos de paso a la refinación e industrialización del petróleo no han rebasado los anuncios y las primeras piedras. El mayor fracaso está en el proceso seguido por la Refinería del Pacífico, que ha terminado hasta el momento con la ausencia de socio estratégico. La expansión de la minería, como la forma de compensar el declive de las reservas petroleras, con afectación a zonas de alta biodiversidad y a la vida de las comunidades campesinas e indígenas. La modernización del agro en torno a la consolidación del agronegocio. La participación en procesos de peaje global, con la articulación al Eje Manta-Manaos y la construcción de una red de carreteras, bajo la lógica rentista, como muestra de la modernización. El período de abundancia rentis-

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ta ha estado marcado por un alejamiento temporal del Eje Norte-Sur, liderado por Estados Unidos, amplificado por un discurso antiimperialista, y la articulación al eje Este-Oeste, liderado por los BRICs y en particular por China, que se ha convertido en el nuevo acreedor. La lógica de esta articulación ha sido la provisión de materias primas y conmodities, pues la economía china se encuentra en una fase de transición desde formas de acumulación originaria hacia formas de acumulación basadas en el aumento de la composición orgánica del capital. La actual oferta de comercio con Rusia, como efecto del cerco impuesto por la aliena USA-UE ante el conflicto en Ucrania, sigue la misma lógica. El nuevo período muestra el reacercamiento a los mercados tradicionales de capital: retorno del FMI y del Banco Mundial, empréstito-empeño (swap) del 50% de las reservas de oro a Goldman Sachs, emisión de bonos por 2 mil millones de dólares, firma del Acuerdo Comercial (TLC) con la UE. Los discursos antiimperialistas y las propuestas integracionistas empiezan a encontrar su real dimensión. Este período y las políticas impulsadas han desembocado en una modificación del bloque hegemónico. Se ha mantenido y fortalecido la tendencia de concentración monopólica: según datos del SRI, en el 2007, las 500 empresas más grandes concentraban el 36% de la riqueza manejada por las empresas, en el 2013 el control habría pasado al 56%. Pero hay un doble desplazamiento: se constituyen grupos económicos emergentes, a partir de la función de brokers entre el Estado y el capital trasnacional, una “burguesía compradora” como la denomina Samir Amin, sobre todo en el manejo de los recur-


sos estratégicos – petróleo, telecomunicaciones, energía, obras públicas –; “entre los cuales se encuentran los descendientes de los viejos caudillos y los antiguos lugartenientes, ahora convertidos en “empresarios” con autonomía, a partir de la vinculación con el poder del Estado.” (Saltos, 2013 en Villavicencio 2013) En este primer nivel hay que tomar en cuenta el surgimiento de una red de “empresarios” medios y pequeños vinculados a políticas públicas de provisión de bienes o de sustitución de importaciones. Y, como centro de la reproducción ampliada del capital y su articulación al proceso mundial, el reciclamiento-modernización de los antiguos grupos monopólico-financieros en torno a los capitales del agro-negocio, la construcción y la importación-exportación. Aquí está la base de las nuevas formas del capital: no se trata únicamente de la relación de las transnacionales a través de brokers, sino que se establece una especie de asociación entre los monopolios locales y los monopolios trasnacionales en torno al eje financiero-extractivista, con la mediación del Estado. “No se trata solo de un proceso de transnacionalización de la propiedad, sino de la transnacionalización de toda la estructura económica. Se quiere decir con esto que el desarrollo del aparato productivo obedece más que nunca a un movimiento del sistema capitalista en su conjunto, antes que a requerimientos puramente nacionales.” (Cueva, 2013:25) La autonomía del Estado ante las diversas fracciones del capital, a partir de la base rentista y el funcionamiento bonapartista, destaca el papel de la tecnocracia como un dispositivo para traslapar la política a la administración. Con ello, en contra-

partida, las diversas fracciones del capital y sectores del bloque dominante ya no necesitan tener una representación directa, como sucedía en el período oligárquico dominado por el PSC, con modos de funcionamiento todavía ligados al parentesco y los intereses fraccionales; sino que pueden moverse en la dinámica general del capital y, por tanto, asegurarse condiciones más amplias de reproducción. El Estado puede jugar con mayor autonomía su doble papel de “Estado-popular-de-clase”, como unificador de las clases y fuerzas dominantes, tanto a nivel local como transnacional, y desorganizador de las clases y fuerzas subordinadas

Populismo autoritario En el período de la abundancia también se han dedicado presupuestos para una política redistributiva en diversos campos sociales – educación, salud – pero desde un manejo político, sin tener como fundamento el beneficio económico, la apertura de nuevas formas de propiedad y producción. La orientación no ha sido crear sujetos con poder autónomos, sino masas de apoyo político-electoral. Se implanta un modelo “con orientación primario-exportador y fuerte intervención del Estado para ampliar el mercado interno, con el fin de promover la distribución del ingreso y disminuir los índices de pobreza.” (Cacciamali y Cury, 2013 en Girón, 2013) La modernización capitalista tiene su lado “progresivo” ante formas de sobreexplotación precapitalistas, pero termina en nuevas formas de explotación y subordinación. Se produce un escenario económico que genera la descomposición de los sujetos, tanto arriba por formas de despilfarro, corrupción y acumu-

laciones basadas en la instrumentalización del poder del Estado; como abajo por formas de clientelismo. Con ello también se modifica el ejercicio de la política. Ésta abandona el terreno de la visibilidad en dos direcciones: pasa al dominio de una publicidad “totalitaria” que sustituye la acción por la propaganda, y al dominio de un aparato de seguridad que copa progresivamente la vida de la sociedad. Consolidada la hegemonía política, la distancia y diferenciación entre sociedad política y sociedad civil se estrecha en un modelo de capitalismo monopolista de Estado, que implica no sólo el control monopólico económico, como estrategia de la acumulación, sino el monopolio de la violencia legitimada. Los devaneos iniciales de un aparato de inteligencia desde los esquemas partidarios,4 se transforman en el retorno del aparato represivo de Estado institucionalizado, como continuación y ruptura del período Febres-corderista. Los escarceos del 911, como un instrumento de seguridad vial, se transforman en el ECU911, como estrategia panóptica de control de masas; y en la constitución de una parodia de NSA local, acompañada con redes de informantes colocados en el entramado institucional del Estado y en los nodos de la actuación de la sociedad civil. Esta transformación se articula a la reforma del aparato represivo del Estado, centrada en dos estrategias: la policiación del aparato represivo, en un movimiento de reducción cuantitativa de las Fuerzas Armadas, de concentración del mando hacia el Estado central y de ampliación cualitativa de sus funciones como instrumento de seguridad interna; y de ampliación cuantitativa y

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cualitativa de las fuerzas policiales. Todavía está en curso la articulación a los procesos globales, en donde la mediación de los acuerdos regionales actúa como puente hacia el alineamiento dentro del nuevo orden político mundial. Y el paso a un código penal del enemigo. Aquí surge una paradoja que se constata en el funcionamiento de los Estados totalitarios y de los regímenes autoritarios. “Resulta, sin duda, muy inquietante el hecho de que el Gobierno totalitario, no obstante su manifiesta criminalidad, se base en el apoyo de las masas. Por eso apenas es sorprendente que se nieguen a reconocerlo tanto los eruditos como los políticos, los primeros por creer en la magia de la propaganda y del lavado de cerebro, los últimos por negarlo simplemente.” (Arendt, 1998: 15) El bonapartismo se asienta en el respaldo de las masas que no tienen capacidad autorrepresentación. (Marx, 2013) En el proceso de Alianza País hay un desplazamiento progresivo de la alianza con los sectores populares orgánicos, al respaldo de una masa electoral. “La transformación de las clases en masas y la concomitante eliminación de cualquier solidaridad de grupo eran la condición sine qua non de toda dominación total.” (Arendt, 1998: 20) Esta transformación se opera como un proceso, hasta la derrota estratégica de las fuerzas alternativas orgánicas. Las formas totalitarias son la expresión de una correlación estratégica negativa para las fuerzas revolucionarias. Aun más, “el aspecto más característico del terror totalitario, (es) el de desatarse cuando ha muerto ya toda oposición organizada y el dirigente totalitario sabe que ya no necesita temer nada.”(Arendt, 1998: 19) Aunque allí está también el límite al

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totalitarismo en nuestro país: la presencia de resistencias antisistémicas bloquean las tendencias autoritarias del régimen de Alianza País y las tendencias totalitarias del Estado capitalista. El apoyo de las masas no es fruto de la propaganda oficial, como pretende la crítica liberal de los dueños privados de los medios de comunicación de masas, si bien ésta lo amplifica. La hegemonía parte de la construcción de una visión del mundo y de la vida que, en primer lugar, articule-organice-unifique al bloque histórico dominante, y, en segundo lugar genere consenso-subordine a la sociedad en su conjunto. Esta visión del mundo y la vida implica la construcción de la unidad orgánica entre una determinada base económica, un patrón de acumulación, y una determinada supraestructura política-cultural, una determinada forma de funcionamiento del Estado y la política y de la ideología y la cultura. Alianza País ha logrado la constitución de una nueva hegemonía, que se expresa en la estabilidad y continuidad del régimen, después de una década de inestabilidades y crisis políticas. El eje articulador es un proyecto de modernización funcional avanzada, tanto interna como en la vinculación mundial. Las fuerzas del “progreso” han obtenido una nueva victoria, a costa de las fuerzas conservadoras de la oligarquía. Pero con ello, la contradicción se principaliza con las fuerzas del “pesimismo” (Benjamin, 1929) que ven en este camino de cambio cíclico la perspectiva de la catástrofe, no sólo en el horizonte ecológico, sino en el ataque a la vida, por lo que empiezan a plantear perspectivas de cambio antisistémico. Como dice Saramago: “los únicos interesados en

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cambiar el mundo son los pesimistas, porque los optimistas están encantados con lo que hay.” Sería un error calificar al régimen de Alianza País como un Estado totalitario, más bien se trata de formas autoritarias de régimen en combinación con otras formas. Hay componentes del carácter totalitario del Estado que integran una totalidad barroca y superpuesta en el funcionamiento del Estado, que se presentan más bajo la forma de “autoritarismo”. No se trata de una diferenciación de grado, sino de naturaleza. Por ello hay que ser muy cuidadosos teóricamente en la caracterización de los regímenes. El autoritarismo se caracteriza por la permanencia de oposiciones con capacidad de disidencia e incluso de alternativa. Empero la tendencia totalitaria del Estado moderno extremará las formas represivas y de control después de derrotas estratégicas, para evitar el resurgimiento del enemigo. El discurso de la “restauración conservadora”, en particular, apunta a bloquear el surgimiento de oposiciones y disidencias desde la izquierda, desde los movimientos sociales, al identificarlos con el juego a favor de la oligarquía y al imperialismo. La simplificación a un espacio político binario, a más de reproducir la visión schmittiana amigo-enemigo, se dirige sobre todo a la contención de cualquier forma de contrahegemonía desde los actores subalternos. Aquí se basa la obstinación del Presidente en la persecución a las disidencias políticas y la criminalización de las luchas sociales. No se trata de un hecho último. Hay una línea transversal que parte tempranamente del caso Dayuma en el 2008, mientras funcionaba la Asamblea Constituyente. Lue-


go viene el caso Molleturo, con la muerte de Bosco Visuma, hasta llegar al 30S. A partir de allí, el carácter represivo adopta una nueva forma, la judicialización en contra de la protesta social: el caso de “Los diez de Luluncoto”, la persecución y condena a los “tres del 30S, Cléver Jiménez, Fernando Villavicencio y Carlos Figueroa. En el estudio realizado por Paola Sánchez sobre los conflictos sociales en el período 1990-2012, (Herrera et al., 2013) ubica un momento de quiebre en la respuesta de Alianza País: a partir del 2010 hay un incremento del aplazamiento de la resolución de los conflictos (pasa de 10, 78% del período 2007-2009, marcado por la presencia de la Constituyente), al 14, 68%: “los movimientos y organizaciones sociales se han convertido en esos “enemigos internos” con los cuales el gobierno no dialoga, aun cuando con los representantes de los grupos económicos no tiene inconvenientes en sentarse a la mesa a debatir las políticas gubernamentales.” (Herrera et al, 2013: 65 y 67) La clausura del diálogo va acompañada de un incremento de la judicialización del conflicto: la intervención judicial pasa del 3,6% en el período 2002-2006, al 10,4% en el período 2007-2009 y al 13,1% en el período 2010-2012. “El mayor porcentajes de los procesos de judicialización se encuentra concentrado entre los trabajadores (27,63%), las empresas (15,28%), los partidos políticos (13,83%, indígenas (10,49%) y la policía (6,43%)”. Como resultado existirían alrededor de 200 casos de judicialización en contra de los dirigentes sociales; de los cuales, según “la APDH, el 68% se relacionan con luchas de resistencia frente a la expansión minera, el 16% relacionado con la defensa de los espacios públicos

y el 11% relacionado con el agua.” (Herrera et al., 2013: 71-73)

Inflexión Actualmente entramos en un momento de inflexión de la correlación de fuerzas: Alianza País continúa siendo la fuerza hegemónica, pero hay signos de debilitamiento, por las modificaciones del contexto internacional, el paso del período de abundancia a problemas de escasez económica, por el revés electoral del 23F, y por la emergencia de luchas y posiciones antisistémicas. La complejidad del momento actual en nuestro país está en que este declive se da en el marco de la consolidación de un bloque orgánico de poder. Con lo que se producen modificaciones en el alineamiento y correlación de fuerzas. El Estado pasa a una forma de bonapartismo-orgánico, con un proceso de “oligarquización” del proyecto de Alianza País y de “depuración interna” con hegemonía de los sectores neodesarrollistas; el autoritarismo toma formas más definidas en una estrategia de “guerra total” contra la oposición antisistémica.

Reformas jurídicas Estas modificaciones se condensan en el reordenamiento jurídico seguido después de la vigencia de la Constitución. El control de la mayoría de asambleístas superior a los tres tercios en las elecciones del 17 de febrero del 2013, le permite a Alianza País acelerar la aprobación de un paquete de leyes. Con 100 Asambleístas de 137, más el apoyo de los aliados, el régimen puede aprobar leyes rezagadas en el período anterior. El centro de la reforma política del

Estado está en la organización del poder, la autoridad y la violencia; (Arendt, 1998) el proceso definitivo está en que la “fundación de derecho equivale a fundación de poder y es, por ende, un acto de manifestación inmediata de la violencia.” (Benjamin, 2001) Generalmente se reduce la violencia a su forma física y se deja a un lado otras formas de violencia, en particular la violencia simbólica, como fundamento del funcionamiento del Estado. Una segunda reducción operada desde los intereses del poder es silenciar la diferenciación de diversos tipos de violencia. Walter Benjamin diferencia entre violencia mítica y violencia divina, entre violencia conservadora y violencia creadora. El poder, la hegemonía una vez que se consolida tiende a tomar una forma conservadora, o en términos de Cueva, se “oligarquiza”. El paso al poder constituido marca la distancia del Estado ante la sociedad civil y, luego, la suplantación de la sociedad civil por la sociedad política, con diversas variantes de tendencias totalitarias. El dilema para un proyecto de cambio está en la institucionalización conservadora o en la capacidad de permanencia de una proyección constituyente, ligada a la soberanía popular. Toda reforma del Estado implica una reforma de la violencia, la diferencia está en su proyección: una violencia mítica-conservadora orientada al orden o una violencia divina-creadora, orientada a la transformación del Estado hasta su propia desaparición. En términos del discurso político actual: o democracia autoritaria o democracia radical y plena. El carácter de Estado y del régimen se define por la orientación de la vio-

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lencia: ¿cuál es el enemigo principal? Podemos ver un doble tratamiento: un post-neoliberalismo blando para tratar al bloque dominante y un autoritarismo selectivo para tratar al bloque social contrahegemónico. Dos elementos de violencia: el derecho se asienta en la coerción, pero, además, el centro de toda reforma del poder se refiere a la regulación de la violencia. La violencia cumple doble función: funda y mantiene el derecho. “La violencia como medio es siempre, o bien fundadora de derecho [rechtsetzend] o conservadora de derecho [rechtserhaltend]. En caso de no reivindicar alguno de estos dos predicados, renuncia a toda validez [Geltung]” La coacción no opera en forma directa, sino sobre la base de la validez de la norma. En lo jurídico se condesan las “razones” de la hegemonía. “En cuanto orden coactivo, se diferencia el derecho de otros sistemas sociales. El momento de coacción – es decir, la circunstancia de que el acto establecido por el orden como consecuencia de un hecho considerado como socialmente dañino, deba llevarse a cabo inclusive contra la voluntad del hombre a que toca y, en caso de oposición, recurriendo a la fuerza física– es el criterio decisivo” (Kelsen, 1982) En los Estados periféricos se opera la consolidación de la hegemonía local sobre la base de “trasladar” las formas más extremas del control jurídico sistémico. Una especie de perversión del poder constituyente; la transformación de la legitimidad en legalidad. Estas modificaciones se expresan en un desplazamiento desde la “rectoría del Estado” enunciada en el plano jurídico como fundamento de las diversas leyes, a la “rectoría del régimen”, ejercida en el plano

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político, como estrategia de la nueva hegemonía. Jurídicamente se pasa de la visión garantista del Estado de justicia centrado en los derechos, a la estructuración en torno a los bienes públicos, dentro de los cuales se incluyen los bienes jurídicos. En las reformas de Alianza País se juegan formas de parasitismo teórico: la recuperación de teorías jurídicas de Occidente, para convertirlas en base de legitimación del poder. En este nuevo campo se opera un paso desde una visión garantista, en donde el bien jurídico es autónomo de la norma, proviene de la vida y, por tanto tiene capacidad de imponer límites a la acción de los jueces, hacia una visión inmanente, en donde la norma es la fuente del bien, con lo cual queda abierta la puerta para la discrecionalidad de los jueces y las coacciones del poder. De allí parte el afán de tipificación exhaustiva de los delitos en el COIP. Una variante de este desplazamiento está en la relación entre bienes públicos y servicios públicos, dentro de los cuales se ubica, por ejemplo, a la información y la comunicación. Esta caracterización permite desplazar la decisión desde el ámbito privado y comunitario al ámbito estatal. Las reformas abarcan todos los campos: recursos hídricos, educación, educación superior, monetario y financiero, penal. En el segundo semestre del 2013 se aprueban 14 leyes y en el primer semestre del 2014 doce más, dos tercios de las cuales provienen de iniciativa del Ejecutivo. Aunque la clave final está en la propuesta de “enmiendas a la Constitución”. Las reformas de la violencia se definen en las relaciones fundamentales, entre el capital y el trabajo, entre el capital y los pueblos, y en la

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demarcación del campo penal. Por ello, aquí vamos a analizar dos temas, el Código Orgánico Integral Penal (COIP) y el proyecto de Código laboral.

El proyecto de Código laboral La utopía del Capital es una economía sin trabajadores. (Saltos, 2014)5 El proyecto de Reforma del trabajo sigue un camino de desconstitución de la identidad colectiva y clasista de los trabajadores. Restablece formas de plusvalía absoluta, con la ampliación de la jornada de trabajo y la reducción de la estabilidad en el trabajo. Sigue un juego perverso: incrementa los derechos individuales y disuelve los derechos colectivos. En el proyecto de Código Laboral, como sucede en las leyes aprobadas en los diversos ámbitos durante el período de Alianza País, hay una orientación hacia la concentración jurídica del poder y la autoridad en el “Estado”; aunque luego el poder del Estado se reduce a la decisión del “régimen”. Se sustituye el viejo régimen tripartito, que persiste únicamente para las Comisiones salariales, por un nuevo régimen concentrado en la rectoría del Estado. Pero no se trata sólo de la concentración de las decisiones, sino del control y eliminación de medios no violentos por el temor del poder a perder el monopolio de la violencia legitimada: se “restringe el derecho al uso de medios completamente desprovistos de violencia, debido a las reacciones violentas que podrían provocar. Dicha tendencia del derecho contribuyó a la retirada del derecho a la huelga, contrario a los intereses del Estado. El derecho lo sanciona porque intenta evitar acciones violentas a las que teme enfrentarse. An-


tes de concederlo, los trabajadores recurrían al sabotaje e incendiaban las fábricas.” (Benjamin, 2001: 35) Históricamente el derecho a la huelga se instituye como un medio no violento para la solución de los conflictos laborales, ante las prácticas de sabotaje. La huelga obrera implica el reconocimiento del Estado de un nivel de “violencia” legítima en manos de los trabajadores, para evitar formas de violencia abierta. El movimiento obrero proyectó la huelga hacia una respuesta política, hacia la solución de conflictos “políticos”. También allí la huelga nacional “revolucionaria”, que apunta al cambio de las relaciones económicas y de poder del capital, se presenta como un medio “limpio” (Benjamin, 2001), ante otras formas de violencia directa, bajo diferentes formas de “guerra civil”. La tendencia actual es a la reducción y neutralización del derecho a la huelga y a la apertura de estrategias de criminalización de las luchas sociales. “La huelga se desarrollará siempre, solo afuera de las instalaciones de la empresa o lugar de trabajo. Se prohíbe en el sector público paralizar a cualquier título los servicios públicos, en especial los de salud, educación, justicia y seguridad social, energía eléctrica, agua potable y alcantarillado, procesamiento, transporte y distribución de hidrocarburos y sus derivados, transportación pública, saneamiento ambiental, bomberos, correos y telecomunicaciones.” (Art. 500 del Proyecto de Código Laboral)

Esta tendencia no se da sólo en nuestro país, en realidad es una propuesta impulsada por la representación patronal dentro de la OIT, como condición para cualquier consenso. La disolución del derecho de huelga no sólo es un retroceso en los de-

rechos colectivos, sino un signo de la consolidación de una democracia autoritaria que gesta en su seno respuestas violentas. No sólo es un tema de correlación de fuerzas, sino que es el signo de las formas extremas que adopta el capital senil en su decadencia, la pérdida de capacidad de hegemonía como consenso y la necesidad de imponer regímenes autoritarios. La utopía final del capital es que, ante la imposibilidad estructural de eliminar toda forma de trabajo, al menos se garantice la presencia de trabajadores disciplinados.

El Código del enemigo Las reformas penales apuntan a cubrir todos los espacios de la vida, no puede quedar una variante sin codificación como delito. “La ambición del COIP de integrar en un solo ámbito punitivo todas las esferas de la vida social implica tender una densa red jurídico/disciplinaria/policial sobre toda la sociedad, en la cual incluso la subjetividad personal pueda ser objeto de control, disciplina, represión y judicialización. (…) Esta convergencia no es solo sustantiva, ni procesal, ni ejecutiva, es fundamentalmente política. Es la evidencia del peso y la impronta de esa red jurídico-disciplinaria y policial sobre el conjunto de la vida social. En adelante, todas las infracciones por mínimas que sean, entran en la estructura penal-punitiva de la forma-prisión. Desde el maltrato a una mascota (COIP Art. 249), hasta los crímenes de lesa humanidad (COIP Art. 89), todos ellos se inscriben y se estructuran bajo la lógica de la forma-prisión.” (Dávalos, 2014) Esta integración se realiza bajo la forma de una lista de delitos y penas, sin poner en juego el viraje enun-

ciado en la parte dogmática sobre la prevención y la rehabilitación. Con ello se reproduce la forma postmoderna de los códigos penales “desiguales y fragmentarios” y se retorna a la lógica del “Código del enemigo” (Pavarini, 2009: 151 y 2002) En el COIP, el centro argumentativo en la parte dogmática es la teoría de la acción finalista que surgió como una respuesta al manejo y torsión de los regímenes totalitarios que lograron “hacer suyos con extrema habilidad, conceptos tradicionales, los tergiversó y aprovechó en su beneficio.” “El verdadero sentido de la teoría de la acción finalista aspira al restablecimiento de la función ético-social del derecho penal y a la superación de las tendencias naturalistas-utilitaristas en la ciencia del derecho penal.” (Welzel, 1951: 9) La base de la teoría de la acción finalista es la distinción entre acción y culpa: la acción vincula el hecho objetivo con la voluntad subjetiva (querer realizar); la culpa se mueve en el lado objetivo de la reprochabilidad. Con ello se buscaba superar la visión naturalista-utilitarista del derecho orientado a la mantención el orden, para restablecer “la función ético social como la misión más importante del derecho penal”. (Welzel, 1951: 13) El totalitarismo nazi, en una vuelta de tuerca, rompe la diferencia entre acción finalista y culpa, para establecer el imperio de la norma como orden superior, como bien público. Posteriormente, en la doctrina Bush se concluye la inversión y el carácter finalista de la acción se convierte en culpa: hay que castigar no el hecho, sino la intención. Con ello, la prevención pierde su naturaleza de evitar el acto como base de la culpa y se pone por delante la culpa. Es decir se da la vuelta a la relación entre justicia y derecho: si antes el princi-

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pio era que “toda persona es inocente hasta que se demuestre lo contrario”, con el viraje totalitario el nuevo principio cambia: “toda persona es culpable hasta que se demuestre lo contrario.” “Mientras que la teoría de la acción finalista del derecho penal tenía como objetivo el restablecimiento de una dimensión ética-social para la capacidad punitiva del Estado, la forma-prisión readecua el contenido ético de la teoría finalista de la acción y la reinscribe al interior de un proceso disciplinario en la cual la acción finalista no es una garantía ni de prevención ni de ética sino más bien una causal de premeditación que puede ser utilizada en contra del principio constitucional de la presunción de inocencia. El COIP logra una nueva retorsión axiológica en el derecho y en su consistencia deontológica, porque su objetivo real es aquel de extender la capacidad de castigo a todos aquellos que, según la metáfora de Alianza País, están por fuera de la “fortaleza asediada”. (Dávalos, 2014)

Se cierra el ciclo Pero no se trata únicamente de los problemas, variaciones y contradicciones en la hechura de la norma; su carácter se expresa sobre todo en la ejecución. Se abren dos contradicciones en el marco del pluralismo jurídico: una, dentro del sistema “occidental”, como mezcla de prevención y rehabilitación, suplantada por culpabilidad previa y castigo penal. Y otra en la relación con el derecho consuetudinario-indígena, como lo vemos en tres procesos: los juicio a los wao bajo acusación de “genocidio”, los ataques a Sarayacu a raíz del refugio concedido a Jiménez-VillavicencioFigueroa; y las resoluciones de la Corte Constitucional – la Doctrina

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Pazmiño – sobre la jurisdicción de la justicia indígena en el caso de La Cocha. La sentencia de la Corte Constitucional sobre el caso de la Cocha6 confirma la visión neocolonial del poder y la incapacidad de reconocer el carácter plurinacional del Estado que proclama la Constitución. Restringe la jurisdicción indígena al tratamiento de casos menores, dentro del territorio de las comunidades y dirigida a los miembros de las comunidades: una justicia en apartheid, encerrada en guetos. La “jurisdicción y competencia para conocer, resolver y sancionar los casos que atenten contra la vida de toda persona (… es) facultad exclusiva y excluyente del sistema de Derecho Penal Ordinario”. De esta forma se confirma la centralidad del Estado uninacional y se renuncia a la posibilidad de formas alternativas de justicia. El artículo 171 de la Constitución, señala que las “comunidades, pueblos y nacionalidades indígenas ejercerán funciones jurisdiccionales, con base en sus tradiciones ancestrales y su derecho propio, dentro de su ámbito territorial, con garantía de participación y decisión de las mujeres”. No hay restricciones sobre el ámbito y las materias. Allí el Estado dejaba abierta la puerta para la jurisdicción de la justicia indígena sobre ámbitos que pueden regir el ejercicio de la violencia, las sentencias sobre homicidios, como sucedió en la Cocha. Con la sentencia y con las reformas del COIP está ampliación desaparece, bajo el restablecimiento del monopolio de la violencia legitimada en manos del Estado uninacional. El choque de visiones se muestra en la resolución de la Corte: “3. Que la Asamblea General Comunitaria del pueblo kichwa Panzaleo, cuando conoció este caso de muer-

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te, no resolvió respecto de la protección del bien jurídico vida como fin en sí mismo, sino en función de los efectos sociales y culturales que esa muerte provocó en la comunidad, estableciendo diversos niveles de responsabilidad que son distribuidos, en distinto grado, entre los directamente responsables y sus respectivas familias, mientras que por su lado, el ministerio público y la justicia penal ordinaria actuaron bajo la obligación constitucional y legal de investigar y juzgar, respectivamente, la responsabilidad individual de los presuntos implicados en la muerte, por lo que esta Corte declara que no se ha configurado el non bis in idem o doble juzgamiento.”

“La naturaleza jurídica de la justicia indígena es comunitaria, colectiva, difiere del paradigma individual de la justicia estatal – occidental que jerarquiza la naturaleza individual. En la justicia indígena la naturaleza es comunal, comunitaria, se rige por lazos de comunitariedad, por ello se define a los colectivos humanos originarios milenarios como comunas, comunidades, pueblos y nacionalidades. La comunidad es autoridad, organización, reciprocidad, solidaridad, complementariedad, integralidad, relacionalidad, es vivir, sentir, convivir, convidar colectivamente. Ahora la muerte es un desequilibrio comunal o enfermedad social que afecta no solo a la víctima, victimario y su familiares, afecta a la comunidad y desarmoniza completa y absolutamente a todos, no solo a quien va a la cárcel y cementerio, también a los huérfanos, dolientes y a toda la comunidad por ello la justicia indígena no busca reparar el desequilibrio parcial sino integral, por tanto no hay conflicto inter partes o partes procesales.” (Pérez, 2014) La Corte se vale del juego estructural de toda norma jurídica de la


modernidad capitalista: “Cada artículo de la Constitución contiene, en efecto, su propia antítesis, su propia cámara alta y su propia cámara baja. En la frase general, la libertad; en el comentario adicional, la anulación de la libertad. Por tanto, mientras se respetase el nombre de la libertad y sólo se impidiese su aplicación real y efectiva – por la vía legal, se entiende –, la existencia constitucional de la libertad permanecía íntegra, intacta, por mucho que se asesinase su existencia común y corriente.” (Marx, 2013: 24. Los subrayados en el original) La segunda parte del Art. 171 dice: “El Estado garantizará que las decisiones de la jurisdicción indígena sean respetadas por las instituciones y autoridades públicas. Dichas decisiones estarán sujetas al control de constitucionalidad. La ley establecerá los mecanismos de coordinación y cooperación entre la jurisdicción indígena y la jurisdicción ordinaria.” Con ello, la Corte Constitucional puede decidir la muerte de la justicia indígena- Mientras se conserve el nombre de la justicia indígena, reducida a su mínima expresión y vaciada del poder de decisión, el régimen de Alianza País, puede argumentar que hay un respeto pleno a la disposición constitucional, “por mucho que se asesinase su existencia común y corriente”. Se cierra el ciclo: el reconocimiento del Estado plurinacional implica el reconocimiento del pluralismo jurídico. “La raíz que sostiene toda la estructura jurídico política de un pueblo es la libre determinación, el tronco es la plurinacionalidad e interculturalidad y de ello brotan varias ramas como el pluralismo jurídico que es la convivencia de dos o más sistemas jurídicos dentro de un mismo Estado. La presen-

cia de varios sistemas jurídicos plantea la existencia de normas sustantivas y adjetivas de diverso origen que demandan su estricto cumplimiento en un mismo territorio. En consecuencia, el pluralismo jurídico cuestiona el monopolio de las instituciones estatales como las únicas autorizadas a crear derecho y aplicar en derecho, y reconoce taxativamente otras fuentes creadoras de derecho y otras autoridades jurisdiccionales encargadas de su aplicación. (…)El pluralismo jurídico plantea el desafío de garantizar la convivencia de los sistemas de justicia ordinario y especial indígena mantengan una activa, constante, directa y estrecha coordinación, basada en el diálogo horizontal, la cooperación, el respeto, la tolerancia y el aprendizaje mutuo y permanente.” (Pérez, 2014) El proceso abierto en el tiempo constituyente hacia un Estado plurinacional, vuelve a cerrarse como signo de la recomposición de la hegemonía del Estado uninacional. Una respuesta similar se da en el COIP ante las demandas de los médicos, con la ampliación del homicidio culposo por mala práctica médica y el sometimiento a la justicia ordinaria, (Art. 146 del COIP), sin tomar en cuenta la especificidad, como plantearon los médicos en una larga lucha de resistencia. El resultado es no sólo la criminalización de las luchas sociales, sino el restablecimiento del monopolio de la violencia legitimada en manos del Estado reformado.

Biopoder y sumak kawsay El derecho legisla sobre la vida y la muerte. La política en el capitalismo actual se presenta como un paso de la soberanía a la biopolítica. Foucault diferencia “entre soberanía y biopolítica. Para él la bio-

política es la expresión más intensa de la superposición entre derecho y violencia que constituye la forma excluyente del bando soberano.” Diferencia dos formas de bio-poder: un biopoder negativo que defiende la vida a través de la muerte, la tanatopolítica, la “inmunitas” por encima de la “comunitas”; y un biopoder positivo, una biopolítica de la vida. (Esposito, 2007) El paquete de reformas norma todos los espacios de la vida, bajo formas disciplinarias y de control. La disyuntiva principal se desplaza de las contradicciones dentro del bloque dominante a la contradicción con los actores y fuerzas subordinadas, los trabajadores y los pueblos indígenas. El sumak kawsay es la visión civilizatoria de los pueblos indígenas, ligada a la propuesta del Estado plurinacional y la interculturalidad. El sumak kawsay puede visibilizarse en este tiempo porque se abre el espacio del biopoder; es un concepto alternativo a la forma actual de biopoderbiopolítica. Su raíz proviene de una visión alternativa a la visión occidental-capitalista. Sinembargo el poder marca el sentido del sumak kawsay. La entronización del sumak kawsay en la Constitución y en la propaganda oficial encarnan este paso: el tiempo constituyente, el momento de la soberanía popular es suplantado por el control. Empero en este campo emergen las nuevas resistencias antisistémicas, como luchas contra el extractivismo y el rentismo, en defensa de la vida y el agua.

En conclusión A contrapelo de la versión oficial de Alianza País que busca fundamentar la originalidad del proceso, el inicio de un nuevo tiempo,

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es más bien la “larga noche neoliberal” la que introduce elementos “extraños” al proceso estructural “normal” de nuestro país. Como señala Agustín Cueva, la tendencia estructural “es la fusión de la fuerza política del Estado con la fuerza económica del capital monopólico, es decir, la conformación de un capitalismo monopolista de Estado, con modalidades concretas de ac-

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ción no estrictamente idénticas a las de los países imperialistas, debido a la condición supeditada de nuestras formaciones sociales.” (Cueva, 2013: 15) Alianza País representa la recuperación del ciclo, en un nuevo nivel. En el abigarramiento de las formas de funcionamiento del Estado latinoamericano presentadas por Zavaleta, (2006: 33 – 54) hay reor-

denamientos según las especificidades y los tiempos de las diferentes formaciones económico-sociales del Continente: en el caso de Alianza País podemos ver el desplazamiento de la serie inicial bonapartismo-populismo-autoritarismo a la serie bonapartismo-autoritarismo-populismo.

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NOTAS 1   En las elecciones de gobiernos locales del 23 de febrero de 2014 Alianza País tuvo su primera derrota electoral desde 2006. 2   El 30 de septiembre de 2010 mandos medios de la policía y de las tres ramas de las Fuerzas Armadas iniciaron una revuelta de reclamo ante los cambios sobre salarios y reconocimientos introducidos en la Ley Orgánica de Servicio Público. El acontecimiento se complicó por la ausencia de recursos institucionales para solucionar el conflicto y por la presencia directa del Presidente en el centro de la revuelta. La violencia en contra del Presidente y el refugio de éste en el Hospital de la Policía fue luego interpretado por el régimen como un intento de golpe de Estado. 3   Un elemento difícil de cuantificar, pues faltan investigaciones sistémicas, es la incidencia de los dineros provenientes del lavado de dólares, tanto por la presencia del narcotráfico como de otras formas de dineros del crimen organizado. 4   El caso emblemático es la iniciativa de Quinto Pazmiño que termina en el boomerang de los “pativideos” y en la desaparición física del autor. 5   Retomo algunas tesis de mi artículo, La utopía del capital: el fin del trabajo, Quito, julio 2014. 6   Sentencia en el caso 0731-10-EP, conocido como La Cocha, cuyo antecedente remonta al 9 de mayo de 2010, cuando en la comunidad La Cocha y Guantopolo-Cotopaxi, el pueblo Kichwa Panzaleo aplicó justicia indígena a Flavio e Iván Candelejo Quishpe, Wilson y Kléver Chaluisa y a Orlando Quishpe Ante, por ser autores del asesinato de Marco Olivo, también oriundo de la misma comunidad. (Pérez, 2014)


SUPLEMENTO DE CULTURA DOS CADERNOS ADUFRJ Ano 1 - nº 2 - setembro/outubro/novembro de 2014

FRANÇA/09/09/1966

Cenas de arbítrio Ensaio revela momentos da invasão da UFRJ por tropas da ditadura há quase 50 anos Página 72

"VIOLÃO" SILVIO TANAKA (CC BY 2.0)

A Comunicação do Oprimido, o novo livro de Eduardo Coutinho, discute formas de cultura contrahegemônicas Página 76

Portfólio

Página 82


ENSAIO

DITADURA OCUPA A UFRJ

FRANÇA / 23/09/1966

▼▼ DESEMBARQUE Tropas chegam à Praia Vermelha. Missão: invadir a Faculdade Nacional de Medicina. Era setembro de 1966. O prédio ocupado à época não existe mais

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F. MILTON / 09/09/1966

m setembro de 1966, a Faculdade de Medicina da UFRJ foi invadida por tropas policiais convocadas para reprimir o movimento estudantil. O episódio – que entrou para a história como “O massacre da Praia Vermelha” – virou símbolo da repressão da ditadura na universidade. Este ensaio reproduz imagens da ocupação que hoje pertencem ao acervo do Arquivo Nacional.

▼▼ “TEJE” PRESO Policiais militares prendem estudantes na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI) – que funcionava no prédio do IFCS

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ENSAIO ▶▶ AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA A expressão vira nome fictício de rua numa forma simbólica de protesto

▼▼ CERCO AO PALÁCIO A ditadura mostra suas garras diante do campus da UFRJ 24/10/1966

FRANÇA / 22/09/1996

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◀◀ ABORDAGEM Irreverência ou receio diante do convite?

PIMENTEL / 1996

▶▶ NA JANELA A foto registra a inquietação dos estudantes da Faculdade Nacional de Medicina horas antes da invasão policial para desalojá-los da instituição ERNO / 23/09/1996

F.MILTON / 22/09/1996

◀◀ TRÉGUA Policiais e estudantes no pátio do campus da Praia Vermelha que seria invadido horas depois setembro/outubro/novembro de 2014

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DIVULGAÇÃO

LIVROS

A COMUNICAÇÃO DO OPRIMIDO “Se eu contar o que é que pode um cavaquinho...” Novo livro do pesquisador Eduardo Granja Coutinho (ECO-UFRJ) aborda as expressões populares, entre elas o samba, como importante locus de protesto e resistência à cultura hegemônica ▼▼ ALINE DURÃES Especial para Cadernos Adufrj e Redação

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O samba tem sido uma das principais formas de expressão das classes populares do Rio de Janeiro. Por meio dele , os grupos marginalizados da população habitualmente relegados ao silêncio histórico afirmaram sua visão de mundo, sua identidade, o seu ‘modo de conceber a vida’

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ara se manter no poder, as classes dominantes controlam uma série de instrumentos que alicerçam seu modo de pensar e agir. Entre os mais poderosos estão os veículos de Comunicação. São eles que disseminam os padrões culturais próprios dessas elites, tratando-os como se fossem os únicos com validade simbólica e ambicionando torná-los universais. Embora o poder dos conglomerados da Comunicação para a manutenção da ordem e do pensamento dominante seja inegável, eles ainda não conseguiram calar completamente as vozes que vêm das periferias, das expressões populares,

dos guetos. Nesses espaços transita a resistência à narrativa hegemônica e é deles que trata A Comunicação do Oprimido e Outros Ensaios, livro recém-lançado pelo pesquisador e professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO-UFRJ), Eduardo Granja Coutinho. Desde os primeiros anos de sua trajetória intelectual, Coutinho dialoga com as relações entre Comunicação e Hegemonia. Inspira-se na ótica gramsciana para investigar a cultura como uma instância de luta política e elege a cultura popular como tema central de sua análise. Assim foi em Velhas Histórias, Memórias Futuras, livro de 2002, no qual mergulha na obra de Pau-

linho da Viola para mostrar o apego do compositor ao samba como linguagem marginal e, portanto, contra-hegemônica. “O samba tem sido uma das principais formas de expressão das classes populares do Rio de Janeiro. Por meio dele , os grupos marginalizados da população habitualmente relegados ao silêncio histórico afirmaram sua visão de mundo, sua identidade, o seu ‘modo de conceber a vida’”, destaca o pesquisador. Nos 11 artigos de A Comunicação do Oprimido e Outros Ensaios – três deles inéditos –, Coutinho aprofunda o debate sobre a luta simbólica nos campos da Cultura e da Comunicação. Defende que, a despeito das

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LIVROS frequentes tentativas de homogeneização, a Cultura tem nuanças diversas. A resistência está nas rádios livres e comunitárias, na imprensa popular, no teatro, na comunicação alternativa em rede e, como já havia antecipado na obra sobre Paulinho da Viola, reside também na música. “Em um desses ensaios eu digo: ‘A expressão oral das massas pode ser sufocada, esvaziada, induzida, mas não se pode impedir os homens e mulheres de conversarem, trocarem ideias, contestarem, resistirem nos barracos, botequins, becos e vielas. Apesar da repressão secular – física e simbólica –, não se conseguiu ainda calar a voz marginal do homem comum. E quando essa fala é ritmada por um pandeiro e harmonizada por um violão, ganha uma força inusitada. Se eu contar o que é que pode um cavaquinho…’".

Como exemplo prático, Coutinho, flautista e apaixonado por Música Popular, cita Noel Rosa, compositor e sambista carioca eternizado, entre outras, pela famosa “Com que roupa eu vou?”. A música, construída a partir da melodia e da harmonia do hino nacional brasileiro, mostra não o “gigante pela própria natureza” idealizado pelas elites, mas revela sim a história do Brasil real, visto pelo olhar dos oprimidos e excluídos. “As canções de Noel continham ‘uma imagem alternativa de Brasil’, uma representação da nação a partir de uma perspectiva popular. Representam a possibilidade de se refazer o passado nacional num sentido contrário ao da classe dominante, como patrimônio das classes subalternas”. A violência simbólica, que se es-

RODRIGO SIQUEIRA (CC BY-NC-ND 2.0)

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força para manter a lógica dominante e hegemônica, entretanto, não age só. Intrínseca a ela há uma violência menos sutil e tão perigosa quanto: a repressão física. A coerção sofrida pelos grupos populares, cuja expressão mais emblemática seja talvez a violência policial perpetrada à população nas favelas cariocas, torna mais difícil a manifestação democrática de modos distintos de experimentar a Cultura e a Comunicação. Coutinho explica que, nos locais onde a pressão social é mais intensa e o Estado mais opressivo, são mais escassas e precárias as organizações político-culturais populares. Para ele, a “debilidade das organizações culturais das comunidades pobres só pode ser compreendida como resultado de uma deliberada opressão espiritual”. A Comunicação do Oprimido e Outros Ensaios é um livro essencial tanto pelas questões que levanta como pelo momento em que o faz. Lança mão da simplicidade para desnudar disputas de poder que, apesar de pouco óbvias, acontecem todo o tempo. “Pela comunicação, formam-se e transformamse as ideologias que agem ética e politicamente na transformação da história. A luta pela hegemonia, isto é, pela criação e difusão de uma determinada concepção de mundo, tendo como objetivo a conservação ou transformação da estrutura socioeconômica, pressupõe a persuasão e o diálogo. É nessa perspectiva que se pode pensar a conexão entre mídia e poder, notadamente o papel dos meios de informação na luta pela cultura”, finaliza Eduardo Coutinho.


*

de Eduardo Coutinho

“Na “Para

além do tema da malandragem, muito presente no cancioneiro popular nos anos 30‑40, associado ao tipo malandro, característico de uma época histórica, pode‑se perceber na obra de Bezerra da Silva a permanência da linguagem malandra dos morros e subúrbios cariocas. Linguagem que vem de Bide, Ismael Silva, WilsonBatista, Geraldo Pereira e Moreira da Silva e da qual são herdeiros os autores que compõem para Bezerra (...)

“Em

larga medida, as rádios livres e comunitárias perderam sua função contrahegemônica, pondo no ar uma programação muito parecida com a das grande emissoras: mesmas músicas, mesmas mensagens, mesma lógica. (Sabe-se, inclusive, que existem rádios evangélicas e comerciais com a outorga de rádios comunitárias). Mas além de serem hegemonizadas ideologicamente, as emissoras alternativas são reprimidas pela coerção estatal que as impedem, na prática, de existirem legalmente. Aqui fica claro como a hegemonia burguesa se reveste do exercício da coerção.”

atualidade, a expansão de atividades e de meios voltados para o convencimento sob variadas formas (o que a historiadora Vigínia Fontes chamou de “formação humana para o capital”) convive com altas doses de violência aberta e procedimentos coercitivos. No caso das favelas e comunidades pobres cariocas, a violência policial indiscriminada permanece rotineira ao mesmo tempo em que as instituições voltadas para convencer e obter o consentimento de amplos setores da população – televisão, igrejas, futebol, etc. - reduzem a participação popular a âmbitos estreitos e bloqueiam o horizonte democrático”

* Trechos extraídos do texto Marginalidade e cidadania: a comunicação do oprimido, de Eduardo Coutinho com Marianna Araújo

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LIVROS

O livro

reúne 11 ensaios que têm como referência a problemática gramsciana das relações entre comunicação, hegemonia e contra-hegemonia. Os artigos propõem uma reflexão sobre essa questão com base em autores como o próprio Antonio Gramsci e György Lukács, apontando o papel da cultura popular nas disputas de classe pela hegemonia. Muniz Sodré, que assina a quarta capa, afirma que, “talvez por excesso de ‘culturalismo’, a maior parte da crítica atual de cultura ressente-se da ausência de política no sentido pleno da palavra. Os textos de Eduardo Granja Coutinho neste volume trafegam ao contrário da maré, buscando por trás das enganosas transparências elementos ideológicos para um acerto de contas com o sentido e com a História. E isto se cumpre em português claro, sem cambalacho, numa relação de alegre respeito para com a língua”. Os ensaios reunidos no livro foram escritos entre 2008 e 2014 e, explica o autor, a despeito de sua diversidade temática, os artigos possuem uma unidade teórico-metodológica: “Em todos eles está presente a questão da cultura/comunicação como uma instância da luta política”.

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INFORMAÇÕES: Formato: 180 páginas, 21cm x 14,8cm Preço de capa: R$ 38,00


REVISTAS

CRISE E DESAFIO

Edição especial da revista Caros Amigos analisa situação da universidade no país ▼▼ SILVANA SÁ

E

stá nas bancas uma edição especial da revista Caros Amigos que põe a universidade no centro do debate. O mérito de “Universidade – crise e desafios”, independentemente do olhar das análises expostas nos textos, é buscar ângulos diversos de abordagem sobre um tema estratégico para a sociedade brasileira. A edição também pode ser adquirida pela internet. São tratados assuntos como: a crise das universidades paulistas, desencadeada pelo estrangulamento de recursos; o número recorde de empresas do setor da educação no Brasil; as contradições vividas com a expansão do ensino superior brasileiro; análises sobre os programas Reuni e Prouni (do governo federal) — o primeiro, destinado a instituições federais de ensino superior; o segundo, a instituições privadas. Um dos artigos faz apanhado histórico da constituição e institucionalização das universidades públicas brasileiras e o caracteriza como um fenômeno do século XX. A edição destaca, ainda, a escalada comercial da educação, com participações cada vez maiores de empresas educacionais na Bolsa de Valores de São Paulo,

como é o caso da Kroton, um dos seis maiores capitais. Há, ainda, entrevista com o professor da USP, Otaviano Helene, ex-presidente da Adusp-SSind. Ele critica a carência de recursos, fala sobre as gestões pouco democráticas nas universidades estaduais, especialmente as paulistas, sobre os “efeitos colaterais” do Reuni nas federais. O docente toca, ainda, no PNE recentemente aprovado pelo governo. Ele confirma que o plano não garante o investimento dos 10% do PIB para a educação pública.

A publicação trata, também, da produção científica brasileira e de programas de “internacionalização” do ensino superior, como o Ciência Sem Fronteiras. A Revista Caros Amigos – Edição Especial “Universidade – crise e desafios” custa R$ 10,90. Outra opção é adquiri-la pelo site www. carosamigos.com.br.

▼▼ EDIÇÃO ESPECIAL. O debate necessário

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ARTE GILCASTRO



www.adufrj.org.br


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