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Leis&Letras www.leiseletras.com.br
Revista Jurídica | Edição Especial | Outubro | 2014
Direito e Informação
ISSN 189-331 ISSN 189-331
R$ 16,9 12, R$
INSTITUTO PROTEGER:
PARA ALÉM DO ZELO E DO DESVELO
O juiz por trás do combate às drogas nos estádios A motivação para o início dessa campanha foi a constatação que a droga, que é um problema social, estava se infiltrando nos estádios. Portanto, o trabalho procurou reunir todas as vertentes que atuam dentro dessa cena, incluindo uma associação com Grêmio e Internacional.
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m 2010, de acordo com os registros do Juizado Especial Criminal (Jecrim), eram de aproximadamente 70% as ocorrências sobre uso de drogas dentro dos estádios de futebol em Porto Alegre (Olímpico e Beira-Rio). Levando em conta o alto índice, o Juiz de Direito Marco Aurélio Martins Xavier assumiu no ano seguinte a campanha ‘Droga no estádio? Não rola!’, criada pela Circo Cia. De Marketing. Ela engloba três principais pontos: o esclarecimento, a prevenção e a fiscalização. Desde então os números reduziram mais de 90%, caindo para cerca de 10% do total. A motivação para o início dessa campanha foi a constatação que a droga, que é um problema social, estava se infiltrando nos estádios. Portanto, o trabalho procurou reunir todas as vertentes que atuam dentro dessa cena, incluindo uma associação com Grêmio e Internacional. De acordo com Xavier, a principal estratégia foi criar uma consciência coletiva de que o uso de drogas é um problema que destrói famílias e não como uma forma de entretenimento pessoal.“O estádio de futebol é um fato social, que possui apelo de mídia e desperta interesse de um grande público, não há como conceber que um evento de entretenimento coletivo caia no vazio do entretenimento pessoal”, reitera o Juiz. A campanha, inicialmente contou com uma grande divulgação na mídia com a participação de personalidades do esporte e até mesmo da segurança pública para ter um apelo maior e assim atingir um grande público, alertando sobre o problema. Em 2013 a campanha foi vencedora do Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, na categoria Comunicação Publicitária. Porém, ainda mais importantes são os resultados obtidos nos estádios, que demonstram uma redução nos casos de drogadição, segundo Paulo Souza, criador da campanha. Os principais registros de drogas nos estádios ainda são de maconha, seguido pelo crack e cocaína. Não necessariamente essas ocorrências eram de uso dos entorpecentes, mas também de porte.
Segundo o Juiz, alguns fatores auxiliaram na redução do número das ocorrências do Jecrim. Um deles foi a proibição do fumo nos estádios. Isso porque o tabaco sempre foi considerado porta de entrada para entorpecentes mais fortes. A majoração dos ingressos com a modernização dos estádios não é fator determinante nessa redução do uso de drogas nos estádios, de acordo com ele, já que é um problema que afeta todas as classes sociais. Xavier alerta que o uso de drogas é um grave problema social e nenhum ato de legalização pode ser apoiado. “A partir do momento que a pessoa vira dependente, torna-se um problema do Estado, necessitando de tratamento e tirando espaço de quem realmente precisa. Não se trata de falta de sensibilidade, mas sim uma preocupação em criar uma consciência social disso”, relata. O Juiz acredita que as políticas públicas tem feito sua parte, que a mudança da legislação penal para diferenciar usuário e traficante foram salutares, porém discorda que a posse de drogas não se constitua em delito a ser punido. “No Jecrim estamos transformando os crimes de uso e posse de drogas em prestar trabalhos sociais justamente no combate ao uso de entorpecentes”, conta. Para o final de 2014 e o ano de 2015, a campanha pretende utilizar mais cartazes com personalidades da mídia, utilizando o grande acesso e apelo que eles possuem junto ao torcedor. Além disso, o trabalho direto na origem deve continuar, com o desafio de gerar efeitos positivos para a sociedade e desafiá-la a buscar mecanismos de prevenção com a utilização da comoção social, seja na área de família ou do futebol. “Temos que ter muita fé na recuperação, acreditar no Estado. É necessário fazer com que os direitos sejam cumpridos, respeitados até o fim, mas também é preciso que os pais acompanhem seus filhos, que possam até ir aos estádios com eles, orientar que o uso de drogas é a antítese do entretenimento e lutar contra, caso seja detectado o problema na família”, finaliza o Juiz.
AO LEITOR
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ÍNDICE
A Revista Leis&Letras é uma publicação da Leis&Letras Editora e Serviços Educacionais Ltda
Leis&Letras Revista Jurídica | Ano VII | Nº 28 | 2014
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MELISSA TELLES BARUFI, Secretaria-Geral da Comissão do Jovem Advogado da OAB/ RS, Vice-Diretora da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM e Presidente do Instituto Proteger
Direito e Informação
ISSN 189-331 ISSN 189-331
R$ 16,9 12, R$
L INSTITUTO PROTEGER:
PARA ALÉM DO ZELO E DO DESVELO Foto da capa: Germano Preichardt
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Cuidado para o Instituto Proteger: para além do zelo e do desvelo
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Homoparentalidade: direito e dever de proteger
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Contribuições das Perícias Psicológicas Judiciais para Processos da Vara de Família
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A execução dos alimentos além das nossas fronteiras
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Pela erradicação do trabalho infantil
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Convenção Internacional para os Direitos das Pessoas Idosas
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Como se expressam as crianças frente ao divórcio litigioso dos pais
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Ao mestre, com carinho
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Pensando Formas de Proteger desenvolve projeto de pesquisa sobre abandono de idosos
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Esboçando uma (quase) resenha para pensar o cuidado a partir d´O filho de mil homens de Valter Hugo Mãe
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Instituto Proteger aposta na mediação dentro das escolas para diminuir conflitos internos e familiares
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A Violência Psicológica - Invisível aos Olhos
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Multiparentalidade: configurações familiares em busca da felicidade
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O direito materno-paterno de fiscalizar a manutenção e educação dos filhos
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Socorrer, assistir ou nutrir?
40 Convivência familiar, um direito de proteger 42
Velhice e cidadania
44 Breves considerações sobre a alienação parental e o Direito Penal
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A possibilidade de ser estendida a lei de alienação parental ao idoso
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II Feijão Amigo reúne quase 250 pessoas e apresenta projetos do Instituto Proteger
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ATENDIMENTO AO CLIENTE
eis&Letras edição Especial Instituto Proteger, nasce no mês onde celebramos a Lei “Outubro mês de Proteger” (Lei Estadual nº. 14.560/14, de inciativa do Instituto Proteger), que vem instituir o mês de proteção a criança e ao adolescente e atenção ao idoso, e realizamos o I Congresso Nacional do Instituto Proteger, com a temática Responsabilidade em Proteger. Esta edição aborda muito mais do que temas de grande interesse atual, como a Homoparentalidade, Multiparentalidade, Alienação Parental no âmbito Criminal, alerta sobre a necessidade de se reconhecer todas as formas de violência no mesmo patamar que a violência física, traz para a reflexão o conceito de Cuidado. Atentos a todas essas questões, e cumpindo importante função institucional, a Revista Leis&Letras e Instituto Proteger vêm contribuir para o alcance da proteção integral da criança, adolescente e idoso, principlamente frente aos conflitos familiares, pois é no âmbito familiar onde esses sujeitos, infelizmente, sofrem os maiores abusos. Das mãos de profissionais protetores de diversas áreas do saber, que se dedicaram para dar a esta edição inquenstonável brilho, saem relevantes subsídios que certamente contribuirão para o aprofundamento do debate de tortuosas e angustiantes questões que tanto afetam as famílias brasileiras. São artigos e matérias que convidam a reflexão, evidenciando que ainda há um longo caminho a percorrer e muito por fazer, até que se corrijam as falhas ainda existentes principalmente na rede de proteção. Traz ainda uma especial homenagem ao ilustre Jurista Zeno Veloso, que sempre contribuiu de forma ímpar ao Direito de Família e Sucessões, e para o Instituto Proteger foi além, tornou-se nosso Conselheiro Consultivo, abrindo nossos horizontes em busca de nossa missão. Tenham uma excelente e saborosa leitura nesta edição especial e cuidadosamente elaborada pensando em você.
Fortaleza - CE Avenida Santos Dumont, 3131, sala 1105, Torre Del Paseo CEP.: 60150 -162 Fortaleza, CE Fone: (85) 3264-0012 Fax: (85) 3264-0357 editor@leiseletras.com.br CNPJ 08.007.537/0001-95 www. leiseletras.com.br Presidente-executivo Marcos Venicius Matos Duarte diretor@leiseletras.com.br Diretora de Marketing e Eventos Mirna Duarte marketing@leiseletras.com.br Diretora de Circulação e Assinaturas Marília Duarte assinaturas@leiseletras.com.br Jornalista Responsável: Flávio Assunção MTB-CE 2129 JP Colaboradores: Melissa Teles Barufi, Maria Berenice Dias, Marcos Duarte, Gabriela Lorenzet, Denise Duarte Bruno, Diego Silveira, Cláudia Barbedo, Lenita Duarte Pacheco e Thiele Reinheimer Diretora de Marketing e Eventos: Mirna Matos Duarte ATENDIMENTO AO CLIENTE: Avenida Santos Dumont, 3131, Sala 1105, Torre Del Paseo Revisão Melissa Teles Coordenação de Fotografia Paulo Figueiredo e Germano Preichardt Departamento Comercial/Publicidade MR Publicidade marketing@leiseletras.com.br Fone: (85) 3264.0012 Impressão Quadricolor - Impressa no Brasil As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refletem, necessariamente, a posição desta publicação TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. Leis& Letras® é marca pertencente a M&R Publicidade e Propaganda Ltda, registrada no INPI — Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Esta publicação cumpre o Depósito Legal na Biblioteca Nacional previsto na Lei 10.994/2004
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INSTITUCIONAL DENISE DUARTE BRUNO, Graduada em Serviço Social (PUCCamp, 1982), com Mestrado e Doutorado em Sociologia (UFRGS, 1995 e 2006). Atuou no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul por vinte e cinco anos, realizando perícias em processos de Varas de Família e Violência Doméstica.
Cuidado para o Instituto Proteger: para além do zelo e do desvelo C
uidado é uma palavra corriqueira no nosso idioma, utilizada geralmente quando se quer falar sobre zelo, desvelo, dedicação ou atenção especial. No seu sentido mais amplo e usual, é comumente empregada quando se descreve atitudes tomadas por uma pessoa com relação a outra, sendo esta segunda percebida como estando em situação de maior fragilidade ou vulnerabilidade, e a primeira como tendo algo a mais a oferecer. O termo cuidado é ainda utilizado quando, mesmo não se percebendo o outro como mais frágil ou vulnerável, há a preocupação em lhe oferecer uma situação melhor, ou lhe proporcionar algum benefício. Cuidado também significa interesse, no sentido de prestar atenção ao outro, para melhor entendê-lo, conhecer suas peculiaridades, ou para estabelecer um relacionamento mais próximo. Nesta acepção – mais ampla – envolve, direta ou indiretamente, todos definições apresentadas nos parágrafos acima, principalmente quando a descoberta das peculiaridades do outro é seguida do respeito à sua singularidade e, quando necessário, da tomada de medidas especiais para sanar situações de vulnerabilidade advindas desta singularidade. Cuidar, porém, quer em sua acepção mais usual e simplificada, quer como conceito mais amplo, adquire um sentido muito específico para os Protetores – expressão que nasceu espontaneamente e passou a ser utilizada pelos membros do Instituto Proteger como uma forma identitária e carinhosa para se autodefinirem. Abarcando as diversas acepções acima, mas adquirindo um sentido ainda mais amplo, para os Protetores, o cuidado é acolhimento, atenção, dedicação, carinho, responsabilidade. Cuidar é servir, assistir, oferecer-se ao outro, praticar a cooperação. Cuidar é também perceber cada pessoa como ela é, empaticamente, seus gestos e falas, suas dores e necessidades. Para os Protetores, portanto, muitas atitudes são intrínsecas à decisão e ao ato de cuidar.
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A PRIMEIRA ATITUDE É O ACOLHIMENTO. Esta primazia surge da compreensão de que acolher é a base ampla e sólida sobre a qual se assentam todas outras ações exigidas para proteção efetiva e integral dos seres humanos. Acolher é uma atitude inseparável à disponibilidade para dar atenção à pessoa à qual nos dispomos a cuidar, atenção esta imprescindível para identificar a singularidade de inerente à nossa constituição enquanto indivíduos, e a singularidade do outro. Acolher e dar atenção, por si só e em conjunto, constituem o vetor principal do movimento de dedicação, movimento este através do qual destinamos nosso tempo e dirigimos a motivação positiva de nosso agir em benefício de outrem. Quer tenhamos consciência – ou não – dispender um tempo a partir da motivação de fazer o bem, produz gestos de carinho, que caracterizam de forma impar o ato de cuidar, e destes são inseparáveis. Porém, acolhimento, atenção, dedicação e carinho, não constituem, isoladamente, um cuidado efetivo, se não forem unidos e acompanhados de responsabilidade. Responsabilidade para continuidade de nossas ações, marcando com seriedade, comprometimento e perseverança a busca incessante de formas eficazes de proteção aos mais vulneráveis da estrutura geracional da Humanidade: os mais jovens – crianças e adolescentes – e os mais velhos. O conjunto indivisível e contínuo dos atos descritos acima, pode ser sintetizado pela expressão servir. Uma ressalva ser faz necessária quanto à palavra servir: ela só deve ser utilizada como síntese de cuidar se for esvaziada do seu sentido de servidão e reforçada na sua concepção de trabalho realizado para beneficiar o outro, para evitar que seres mais frágeis passem a viver uma sua situação de risco, ou que permaneçam nela, se já existente. Trata-se, portanto, de assistir alguém de forma ativa, não apenas contemplando sua situação de fragilidade e de violação de direitos, mas buscando formas de fortalecer os mecanismos de efetivação dos estatutos legais que garantem sua dignidade, e a construção de formas efetivas de prevenção e/ ou de superação de vulnerabilidades.
“AGIR COMO PROTETOR, PRESSUPÕE, ASSIM, A CAPACIDADE DE OFERECERSE AO OUTRO, COLOCANDOSE A SERVIÇO DA PROTEÇÃO DE SUA DIGNIDADE ATRAVÉS DA IDENTIFICAÇÃO DE SUAS FRAGILIDADES E DA BUSCA INCESSANTE DE FORMAS DE EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DE DIREITOS.” Agir como Protetor, pressupõe, assim, a capacidade de oferecer-se ao outro, colocando-se a serviço da proteção de sua dignidade através da identificação de suas fragilidades e da busca incessante de formas de efetiva implementação de direitos. Oferecer-se ao outro nesta perspectiva é – sempre que possível – agir junto com ele, e não apenas por ele. Assim sendo, é praticar a cooperação, construindo objetivos comuns e implementando estratégias possíveis de agir em conjunto. Cooperar é realizar junto, andar lado a lado, o que exige a confiança e compreensão do outro, confiança e compreensão que só são possíveis quando se tem a capacidade de perceber cada pessoa como ela é, em sua peculiaridade, sem preconceitos e pré-julgamentos. Perceber o outro nesta dimensão, requer, antes de tudo, empatia, sentimento que nos aproxima dos outro, ao nos permitir
uma aproximação com quem ela é – sem imagens pré-definidas – apreendendo e respeitando sua auto-percepção e compreensão de como os fatos lhe afetam. É a partir daí que podemos ter o claro entendimento de seus gestos e falas, os quais desvelam as dores e necessidades constituintes de sua vulnerabilidade e fragilidade. Ser Protetor, portanto, implica em um agir construído em torno de vários outros agires, buscando, assim, elaborar e solidificar uma nova e forte concepção para o conceito de cuidado. Com esta nova concepção, que transcende usos corriqueiros, verbetes de enciclopédias e dicionários, e possíveis acepções filosóficas e sociológicas, será possível cumprir aquilo a que o Instituto Proteger se propõe. Ou seja, promover o alcance ao direito de proteção integral à criança, ao adolescente e ao idoso expostos aos conflitos familiares, através da promoção do conhecimento e desenvolvimento da sociedade.
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ARTIGO MARIA BERENICE DIAS, Advogada e Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM www.mbdias.com.br www.mariaberenice.com.br www.direitohomoafetivo.com.br www.estatutodiverisdadesexual
Homoparentalidade: direito e dever de proteger R
uiu a ideia de que a família dispunha de um único modelo: matromonilizado, verticalizado, fértil e hetererossexual. No momento em que a família deixou de ser identificada única e exclusivamente pelo casamento, foi possível visualiar sua mais importante característica: o afeto – que passou a ser reconhecido como o elemento estruturante das relações familaires. Por isso, agora, não se fala mais em família, mas em famílias, no plural. Todas as pessoas têm direito à constituição de uma família e são livres para escolher o modelo de entidade familiar que lhes aprouver. A capacidade procriativa, que por influência religiosa sempre serviu como marco essencial da família, deixou de ter significado. Entre as novas conformações sociais se encontram as famílias homoafetivas. Claro que sempre existiram, mas só agora adquiriram visibilidade e inserção no âmbito da tutela jurídica. Por obra e graça do Poder Judiciário, foi garantido acesso ao casamento, independente da orientação sexual ou identidade de gênero do casal. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável homoafetiva1 e o Superior Tribunal de Justiça, admitiu a habilitação ao casamento.2 O Conselho Nacional de Justiça proibe qualquer autoridades competentes a recusar a habilitação, a celebração de casamento civil ou a conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.3 De qualquer modo, tenha o formato que tiver – e ainda que tenha perdido a sacralidade – a família continua sendo um núcleo de proteção e cuidado. Tanto de um do par para com o outro, como de ambos para com a prole, quer sejam filhos de ambos, quer de apenas um deles. Ou seja, o afeto passou a ser o elemento identificador não só das entidades familiares mas também dos vínculos parentais. Concomitante e paradoxalmente, apareceu a possibilidade de descobrir a verdade genética, com significativo grau de certeza, o que atropelou a verdade jurídica, definida muitas ve1
ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Brito, j. 05/05/2011.
zes por meras presunções legais. E, no confronto entre a verdade biológica e a realidade vivencial, coube à Justiça a tarefa de definir a relação paterno-filial quando a estrutura familiar não reflete o vínculo de consanguinidade. Prestigiando o comando constitucional, que assegura com absoluta prioridade o melhor interesse de crianças e adolescentes, passaram os juízes a investigar quem a criança considera pai e quem a ama como filho. A definição da paternidade restou condicionada à identificação da posse do estado de filho. Com isso surgir uma nova figura jurídica: a filiação socioafetiva, que acabou se sobrepondo tanto à realidade biológica como a registral. Esta realidade se flagra também nas famílais homaofetivas. Apesar de seus integrante não disporem de capacidade reprodutiva, ainda assim têm filhos. Mais uma vez coube à justiça reconhecer a homoparentalidade. Dentre vários direitos passou a assegurar direito ao exercício da parentalidade, acesso às técnicas de reprodução assistida, uso de material genético, como habilitação, individual ou conjunta à adoção de crianças e adolescentes. Para evitar situações excludentes o Conselho Federal de Medicina expressamente autorizou o uso das técnicas procriativas aos pares homossexuais.4 A resistência que ainda existe em aceitar a homoparentalidade decorre da falsa idéia de que são relações promíscuas, não oferecendo ambiente saudável para o bom desenvolvimento de uma criança. Também é alegado que a falta de referências comportamentais pode acarretar sequelas de ordem psicológica e dificuldades na identificação sexual do filho. Mas estudos realizados a longo tempo mostram que essas crenças são falsas. O acompanhamento de famílias homoafetivas com prole não registra a presença de dano sequer potencial no desenvolvimento, inserção social e sadio estabelecimento de vínculos afetivos. Ora, se esses dados dispõem de confiabilidade, a insistência em rejeitar a regulamentação de tais situações só tem como justificativa indisfarçável postura homofóbica.
2 378 - RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.10.2011. 3
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Resolução 173/2003.
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Resolução 2.013/ 2013.
O fato é que, existindo um núcleo familiar, constituído como união estável ou pelo casamento, não há como deixar de reconhecer a dupla paternidade. No entanto, para a obtenção do duplo registro ainda é necessário promover uma ação judicial, pois resiste o legislador a garantir o registro em nome dos dois pais. Cabe lembrar que, sendo os pais são casados, existe presunção da paternidade, a impor o reconheciemnto da dupla parentalidade. Ora, impedir o registro em sede adminsitrativa, obriga os pais a juridicizar o pedido, trazendo prejuízos a todos. Até o trânsito em julgado da sentença o filho não terá qualquer direito com relação a quem também exerce o poder familiar e desempenha a função de pai ou de mãe. Além de ser negado ao filho o direito à identidade desde o nascimento – um dos mais significativos atributos da parsonalidade – a falta de registro gera restrições de outras ordens. Por exemplo, não pode o filho ser inscrito como dependente dos dois pais nos rescpectivos planos de saúde. Também não terão ambos acesso à licença-maternitade ou licença-paternidade. Aqui um questionamento. Quando se tratam de dois pais, cada um deles terá somente cinco dias de licença? E quando forem duas as mães, ambas poderão usufruir do prazo de quatro meses da licença-maternidade? Na tentativa de contornar, ao menos em parte, este paradoxo, foi assegurada licença-materndiade não só à segurada mas também ao segurado e, a qualquer deles, em caso de adoção conjunta.5 Apesar do avanço, há que se reconhecer que melhor é falar em licença-natalidade ao invés de licença-maternidade ou licença-paternidade. Esta é a proposta do Estatuto da Diversidade Sexual elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil.6 Licença-natalidade, pelo período de 180 dias, concedida indistintamente a qualquer dos pais. Durante o período inicial de 15 dias, a licença beneficia a ambos. O prazo remanescente é usufruído por qualquer deles, de forma não cumulativa, do modo que deliberarem. Como o tema está previsto na Cons5
Lei nº 12.873 de 25/10/2013.
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Texto disponível no site: www.estatutodiversidadesexual.com.br
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Mais uma vez coube à justiça reconhecer a homoparentalidade. Dentre vários direitos passou a assegurar direito ao exercício da parentalidade, acesso às técnicas de reprodução assistida, uso de material genético, como habilitação, individual ou conjunta à adoção de crianças e adolescentes”.
tituição Federal, foi apresentada também uma proposta de emenda constitucional, que já se encontra no Senado Federal.7 Ninguém duvida que, negar a realidade, não reconhecer direitos só tem uma triste sequela: filhos são deixados a mercê da sorte, sem qualquer proteção jurídica. Livrar um dos pais da responsabilidade pela guarda, educação e sustento da criança é deixá-la em total desamparo. É subtrair dos pais o dever de proteger, é sonegar do filho o direito ser protegido. A condição familiar dos pais em nada pode influenciar na definição da parentalidade. Para o estabelecimento do vínculo de afetividade, basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética. Presentes os requisitos para o reconhecimento da filiação homoaperental, negar sua presença é deixar a realidade ser encoberta pelo véu do preconceito. 7
PEC 110/2011, apresentado pela Sem.Marta Suplicy.
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ARTIGO VIVIAN DE MEDEIROS LAGO, Psicóloga especialista em Psicologia Jurídica, Doutora em Psicologia (UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Professora do Curso de Psicologia da UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e da FACCAT (Faculdades Integradas de Taquara). DENISE RUSCHEL BANDEIRA, Professora Adjunta e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Contribuições das Perícias Psicológicas Judiciais para Processos da Vara de Família N
os processos judiciais que tramitam nas Varas de Família, comumente os juízes solicitam perícias psicológicas, objetivando que o resultado desse trabalho técnico auxilie na tomada de decisão judicial. Mas de que forma o trabalho do psicólogo pode contribuir para fornecer tais subsídios? O presente artigo visa a apresentar esclarecimentos quanto à forma de trabalho do psicólogo perito, discutindo brevemente os objetivos, procedimentos e resultados de uma perícia no âmbito do Direito de Família. Os objetivos de uma perícia psicológica forense no Direito de Família podem variar conforme a demanda (disputa de guarda, exercício do direito de convivência, alienação parental), entretanto, de forma geral, buscam avaliar aspectos da dinâmica familiar. Uma avaliação psicológica desse tipo envolve investigar o nível de conflito interparental, a qualidade das relações pais-filhos, o funcionamento parental, e as necessidades desenvolvimentais, sociais, emocionais e educacionais dos filhos (Saini, 2008). Para buscar tais informações, o psicólogo perito pode se valer de uma variedade de técnicas reconhecidas como científicas pelo Conselho Federal de Psicologia, conforme a Resolução n°17/2012. Dentre elas, citam-se: observações, entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, aplicação de testes psicológicos e utilização de recursos lúdicos. Keilin e Bloom (1986), em um estudo realizado nos Estados Unidos, mencionam como procedimentos mais utilizados por peritos na área de disputa de guarda: entrevistas individuais com os genitores e com os filhos, entrevista clínica coletiva dos filhos, informações de terceiros (avós, tios, babás, professores), observação da interação pais/filhos, visitas domiciliares ou à escola dos filhos, e testagem psicológica. O estudo realizado no Brasil, por Lago e Bandeira (2008), além de corroborar os achados de Keilin e Bloom (1986), destacou a qualidade da relação entre pais e filhos como o aspecto mais relevante para a recomendação da guarda. Diante dos dados levantados com esse estudo, as autoras do presente artigo desenvolveram, então, um método para avaliar o relacionamento pais-filhos, considerando o contexto de disputa de
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guarda, intitulado Sistema de Avaliação do Relacionamento Parental (SARP) (Lago; Bandeira, 2013). O SARP consiste num conjunto de técnicas, aplicadas a pais (ou responsáveis) e filhos, cujas informações são sistematizadas em uma escala. As entrevistas são aplicadas aos responsáveis pelas crianças e/ou adolescentes, individualmente, com o objetivo de coletar dados acerca do desenvolvimento dos filhos, sua rotina, hábitos, e aspectos relacionados à educação e lazer. Outras questões envolvendo a relação entre os responsáveis, como divisão de despesas e cuidados com os filhos e manejo da situação pós-divórcio também são exploradas. O protocolo de avaliação infantil é uma ferramenta de comunicação lúdica, por meio da qual se objetiva conhecer melhor a criança, saber como ela está se sentindo, as mudanças na sua família, quais suas preocupações e suas expectativas para o futuro. A Escala SARP é uma forma do avaliador sistematizar os dados coletados com responsáveis e crianças e/ou adolescentes. Seus resultados permitem um entendimento acerca das dimensões do relacionamento parental que estão ou não bem atendidas. O SARP foi construído com o objetivo de contribuir com as perícias realizadas no âmbito do Direito de Família, uma vez que sua aplicação tem se mostrado útil não exclusivamente em situações de disputa de guarda, mas em outros processos que demandem a avaliação da qualidade entre genitores/responsáveis e filhos. Não se trata de um teste psicológico, mas caracteriza-se como um método reconhecido pela ciência psicológica. Os resultados produzidos por meio do SARP orientam o avaliador no momento da escrita de seu laudo, facilitando a exposição dos resultados de forma sistemática e fundamentada, o que torna a comunicação entre peritos e Operadores do Direito mais clara. Válido ressaltar que, independentemente dos procedimentos adotados pelo psicólogo perito para desenvolver seu trabalho, o resultado da perícia deverá ser consubstanciado em um laudo, cuja fundamentação deve respeitar os princípios éticos e técnicos da Psicologia. Além da utilização de linguagem clara e coesa, é esperado que o documento psicológico descreva o
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O SARP foi construído com o objetivo de contribuir com as perícias realizadas no âmbito do Direito de Família, uma vez que sua aplicação tem se mostrado útil não exclusivamente em situações de disputa de guarda, mas em outros processos que demandem a avaliação da qualidade entre genitores/responsáveis e filhos”. objetivo da avaliação, os procedimentos utilizados e seus achados, os quais devem ser expostos de forma técnica e fundamentados nos pressupostos científicos da Psicologia. Por fim, a conclusão deve ser breve e atender ao solicitado pelo Judiciário e, em havendo quesitos, o perito deverá responder a todos. Essas orientações estão dispostas na Resolução n° 07/2003 do CFP. Cruz (2002) aponta a necessidade de haver uma coerência interna na redação de um laudo, ou seja, é preciso garantir que a seleção das técnicas e a comunicação dos resultados estejam relacionadas entre si e que respondam de forma objetiva à demanda encaminhada. Dessa forma, a perícia psicológica terá seu valor reconhecido perante os profissionais do Direito.
REFERÊNCIAS:
Conselho Federal de Psicologia. Resolução n° 17, de 29 de outubro de 2012. Dispõe sobre a atuação do psicólogo como Perito nos diversos contextos. Conselho Federal de Psicologia. Resolução n° 07, de 14 de junho de 2003. Institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica. Keilin, W. G.; Bloom, L. J. (1986). Child custody evaluation practices: A survey of experienced professionals. Professional Psychology: Research and Practice, 17(4), 338-346. Lago, V. M., & Bandeira, D. R. (2008). As práticas em avaliação psicológica envolvendo disputa de guarda no Brasil. Avaliação Psicológica, 7 (2), 223-234. Lago, V. M., & Bandeira, D. R. (2013). Sistema de Avaliação do Relacionamento Parental: Manual Técnico. São Paulo: Casa do Psicólogo. Saini, M. A. (2008). Evidence base of custody and access evaluations. Brief Treatment and Crisis Intervention, 8(1), 111-129.
ARTIGO DIEGO OLIVEIRA DA SILVEIRA, advogado militante no Direito de Família, Mestrando em direito no Curso de Direitos Humanos da UNIRITTER, Diretor Executivo do IBDFAM/RS e Coordenador da Comissão Especial de Direitos Humanos do Instituto Proteger.
A execução dos alimentos além das nossas fronteiras A
cobrança dos alimentos no estrangeiro é um grande desafio, para o qual se mostra indispensável à atuação conjunta das nações envolvidas, mediante acordos de cooperação nos planos jurisdicional e administrativo. Frequentemente, brasileiros que residem no território nacional e têm direito ao crédito alimentício por parte de pessoas localizadas em outros países, entretanto, apesar da relevância do assunto e dos inúmeros casos concretos que envolvem a prestação de alimentos no plano internacional, essa temática não é muito abordada pelos operadores do direito, motivo pelo qual se aponta alguns matizes sobre essa temática. Na finalidade de superar as dificuldades no que concerne à prestação de alimentos no plano internacional, bem como para agilizar o cumprimento de decisões desta natureza, a sociedade internacional, reunida na cidade de Nova York, pactuou a Convenção sobre prestação de alimentos no estrangeiro ou, como é mais conhecida, Convenção de Nova York sobre alimentos (CNY). Esse tratado estabelece uma autoridade central para intermediar a relação entre os dois países, sendo que no Brasil essa autoridade é a Procuradoria Geral da República - PGR, sendo que a mesma tem sua sede em Brasília/DF, mas os pedidos podem ser encaminhados através das Procuradorias Regionais, o que torna mais acessível o procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro. Como o Ministério Público Federal é a autoridade central e o mesmo atua na Justiça Federal, qual o juízo competente para apreciar a questão do cumprimento dos alimentos além das fronteiras? Os processos de alimentos tramitam na Justiça Estadual,
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pois as matérias do Direito de Família são residuais e fazem parte da competência da Justiça Estadual, logo, esse é o juízo competente para processar e julgar as ações de alimentos. Destaca-se, que a Execução de Alimentos será na Justiça Federal, somente, se a ação tramitar no estrangeiro e tiver que ser cumprida no Brasil. Mas, essa ação não é o objeto desse artigo, pois o que se está abordando nesse trabalho é a execução dos alimentos além das nossas fronteiras. Registra-se, que na hipótese de não existir uma ação tramitando no Brasil e o devedor esteja domiciliado no exterior, a PGR pode intermediar o ingresso da ação de alimentos no país em que estiver domiciliado o réu, dando maior efetividade a cobrança dos alimentos. Todavia, se estiver em curso uma ação de alimentos, a mesma tramitará na Justiça Estadual e para que seja cumprida a obrigação alimentar a parte credora poderá adotar os mecanismos previstos na Convenção de Nova York, evitando-se, assim o calvário da Carta Rogatória. Assim o pedido de execução de alimentos deverá ser encaminhado a Procuradoria do Ministério Público Federal, acompanhado dos seguintes documentos: a) procuração para a PGR a agir em nome do demandante; b) fotografia do demandante e, se possível, do demandado; c) nome completo e qualificação das partes (todos os endereços conhecidos, data de nascimento, nacionalidade, profissão e etc...); d) exposição pormenorizada dos motivos nos quais o pedido está baseado; e) todas as informações pertinentes à causa, como a situação econômica e familiar das partes, além de outros documentos que o interessado considerar relevantes para dar efetividade à execução. Deverão ser encaminhadas, também, as decisões (provisórias ou definitivas) ou quaisquer atos judiciais em favor da parte demandante emanadas do Judiciário brasileiro. Salienta-se, que os documentos devem ser acompanhados da respectiva tradução. Contudo, para aquelas pessoas que não possuam condições financeiras de arcar com as despesas da tradução, o Ministério Público Federal arcará com essas despesas, mas isso retardará a execução dos alimentos. Frisa-se, que o direito a alimentos está intimamente ligado ao direito à vida, o qual encontra amparo no princípio da dignidade da pessoa humana, de forma que se deve garantir ao indivíduo uma vida digna, sendo tal garantia distribuída entre a família, a sociedade e o Estado. Portanto, o Estado deve propiciar mecanismos eficazes para o adimplemento da obrigação alimentar e a CNY é uma excelente ferramenta para dar efetividade ao pagamento dos alimentos quando o devedor da obrigação alimentar estiver domiciliado além das nossas fronteiras e os operadores do direito devem utilizar melhor essa possibilidade para tornar a percepção de alimentos mais célere e eficaz.
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Destaca-se, que a Execução de Alimentos será na Justiça Federal, somente, se a ação tramitar no estrangeiro e tiver que ser cumprida no Brasil. Mas, essa ação não é o objeto desse artigo, pois o que se está abordando nesse trabalho é a execução dos alimentos além das nossas fronteiras”.
REFERÊNCIAS:
AMORIM, José E. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2000. ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 3ª. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. CONVENÇÃO DE NOVA YORK. Celebrada em 20 de julho de 1956, a qual em 31 de dezembro de 1956 foi aderida pelo Brasil, tendo sido aprovada pelo Dec. Leg. nº 10, de 13/11/1958 e promulgada pelo Dec. nº 56.826, de 02/09/1965, publicado no DOU de 08/07/1965. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado - Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. PEREIRA, Sergio Gischkow. Ação de Alimentos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. RECHSTEINER, Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 8ª. ed. rev. e atual. São Paulo: 2005.
REPORTAGEM
Pela erradicação do
trabalho infantil
Erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e todas as formas até 2020. Essa é a meta do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Governo Federal a partir da redução de informalidade do emprego assalariado no país. Mas, embora o Brasil venha de fato conseguindo reduzir o trabalho infantil, especialistas afirmam que são necessárias novas iniciativas para que a meta seja alcançada.
H
á no Brasil mais de 3,5 milhões de crianças e adolescentes com idades entre cinco e 17 anos em situação de trabalho, grande parte em atividades insalubres, perigosas e penosas que os expõem a enormes riscos. É o que diz a Pesquisa Nacional de Dados por Amostra de Domicílios (PNAD 2012), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados do Censo (2010) do IBGE, 57% das crianças e adolescentes (de 10 a 17 anos) que estão trabalhando no Brasil são empregados, ou seja, possuem uma relação de emprego, sob subordinação e recebendo salários de um empregador. Os demais trabalham sem vínculo empregatício, para o próprio sustento, por conta própria ou em regime de economia familiar. Os percentuais variam conforme a região ou o estado pesquisado. Na região Norte, o percentual de crianças e adolescentes que trabalham sob relação de emprego é de 39%. No estado do Amazonas é de 34%. Na região Sudeste ultrapassa os 72%, e no Estado de São Paulo chega a 76%. Para o combate a essa estatística negativa e reduzir o trabalho infantil no Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou este ano o Plano de Combate à Informalidade do Trabalhador Empregado, que prevê a integração das políticas de fiscalização com outras áreas do MTE e do Governo em geral visando reduzir os índices de informalidade do emprego assalariado no país. A partir disso, duas das metas são erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e todas as formas até 2020.
NÚMEROS: Percentual de crianças e adolescentes que trabalham sob relação de emprego:
39% 34% 72% 76%. Região Norte
Estado do Amazonas é de
+ de Região Sudeste ultrapassa os
Estado de São Paulo
INFORMALIDADE O plano do MTE tem como objetivo formalizar o vínculo de cerca de 17 milhões de empregados no país e afastar do trabalho irregular a parcela de crianças e adolescentes que trabalham com vínculo empregatício nos focos de informalidade. Ao constatar uma situação de trabalho irregular, o auditor-fiscal do trabalho, além de determinar o imediato afastamento da criança ou do adolescente da atividade proibida e aplicar ao empregador as penalidades administrativas cabíveis, encaminha os dados da respectiva fiscalização aos órgãos que compõem a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente, para que seja conferida aos prejudicados a atenção devida e suas famílias possam ser incluídas em programas assistenciais. O objetivo desses encaminhamentos é propiciar a erradicação sustentável do trabalho infantil, buscando combater as causas que resultaram na ocorrência do trabalho irregular. PREOCUPAÇÃO Para a secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Oliveira, em entrevista ao Jornal O Dia, a meta de erradicação do trabalho infantil até 2020 corre risco de não ser cumprida, pois “a situação é tão grave que as iniciativas em curso não são suficientes”. Ela informou que embora o Brasil venha mantendo curva decrescente de trabalho infantil, a redução está perdendo ritmo. “Se novas iniciativas não forem adotadas imediatamente, o Brasil não vai cumprir a meta. Nós temos 3,4 milhões de crianças ainda trabalhando no país”, alerta.
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REPORTAGEM
Para Isa, a reversão do quadro depende de intensificação de esforços entre setores como educação, assistência social e geração de emprego. “Não basta, portanto, coibir o ingresso precoce da criança no mercado de trabalho; é preciso estimular os adultos, profissionalmente, para que não precisem da renda trazida pela criança”, diz. Para a advogada Luciana Aranalde, o Brasil perde muito com o trabalho infantil. “Primeiramente perde credibilidade na comunidade internacional. Ora, em um país onde se explora o trabalho infantil, se concretiza a falta de estrutura e de respeito aos direitos humanos. Em segundo lugar, em médio prazo, essas crianças e adolescentes que chegarão à idade adulta estarão despreparadas no aspecto educacional e social e tenderão a repetir esse tipo de comportamento, trazendo atraso econômico para o país. É claro que a maior parte do problema tem origem na pobreza, por isso devemos garantir que todas as crianças e adolescentes tenham acesso à educação, além de efetivar as medidas legais já estabelecidas”, afirma. ESTATÍSTICAS Desde o início do ano, auditores fiscais flagraram 3.432 crianças e jovens trabalhando em todo o Brasil. Destes, 1.889 meninos e meninas entre 10 e 15 anos foram encontrados exercendo alguma atividade laboral irregular. Setenta e sete tinham entre 5 e 9 anos e uma delas, menos de 5 anos. Já entre jovens de 16 e 17 anos, foram 1.465 nessa situação. Do total, 79 jovens trabalhavam no setor agrícola; 381 no comércio; 169 na indústria; 28 na construção; 228 em lanchonetes, bares, hotéis e restaurantes; 11 no setor de transporte; 21 em serviços; três em educação; um em saúde e 17 em vários outros setores. Os auditores flagraram também 171 crianças exercendo alguma atividade em associações de defesa de direitos sociais. Com 729 casos registrados no último período, Pernambuco manteve o posto de unidade da Federação a registrar o maior número de flagrantes. Em seguida, os estados que tiveram maior número de casos foram Goiás, com 385, e Mato Grosso do Sul, com 319. Os dados são da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego.
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Lei do Aprendiz
PUNIÇÃO Luciana Aranalde expõe que no Brasil o trabalho infantil em geral não é enquadrado como crime. Porém, alguns crimes estão relacionados à exploração do trabalho da criança e do adolescente, nas chamadas piores formas de trabalho infantil. “Dessa forma, quando ocorrem maus-tratos, conforme previsto pelo artigo 136 do Código Penal, o contratante pode ser punido com pena de dois meses a um ano de reclusão. Em caso de morte causada pela situação de trabalho, tais como atropelamentos, o responsável pode pegar até 12 anos de prisão. Apesar de não responder criminalmente, as empresas que contratam menores de 16 anos, a não ser na condição de aprendiz conforme prevê o artigo 428 da CLT, estão sujeitas à fiscalização e multa pela prática. O valor varia conforme o número de crianças contratadas e a situação em que elas se encontram no momento do flagrante”, conta. A advogada informa, ainda, que o cidadão que flagrar alguma prática ilegal deve fazer a denúncia perante o Ministério do Trabalho, que é órgão responsável por combater, por meio da fiscalização do trabalho, toda e qualquer forma de trabalho infantil, retirando as crianças do trabalho e facilitando-lhes o acesso à escola. Essa fiscalização atua em parceria com organizações governamentais e não governamentais.
O cidadão que flagrar alguma prática ilegal deve fazer a denúncia perante o Ministério do Trabalho, que é órgão responsável por combater, por meio da fiscalização do trabalho, toda e qualquer forma de trabalho infantil, retirando as crianças do trabalho e facilitando-lhes o acesso à escola. Essa fiscalização atua em parceria com organizações governamentais e não governamentais.
Para a advogada trabalhista Maria Fernanda Ximenes, é importante que não se confunda trabalho infantil com o caso do menor aprendiz, que é voltado para jovens entre 14 e 16 anos, e cujo objetivo é introduzi-los no mercado de trabalho. “O contrato de aprendizagem está previsto no art. 428 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). É uma atividade fiscalizada e que não pode ultrapassar uma jornada diária, bem como não pode ser exercida em condições insalubres ou perigosas”, alerta. Luciana Aranalde explica que se trata de um contrato especial, que deve ser escrito e tem prazo determinado de no máximo dois anos, com a finalidade principal de assegurar ao aprendiz formação técnico-profissional metódica, ou seja, deve haver método que alie trabalho e educação, com aumento progressivo da complexidade das atividades, para qualificação profissional do aprendiz. “A aprendizagem pode começar aos 14, sendo uma exceção à regra geral que permite o trabalho apenas a partir dos 16 anos. A idade máxima é de 24 anos para o regime de aprendiz, mas, se for pessoa com alguma deficiência, esse limite poderá ser ultrapassado, assim como a duração de dois anos”, explica. “O aprendiz é empregado, para todos os efeitos legais, embora o contrato tenha contornos especiais porque possui natureza formativa-educacional voltada para a qualificação profissional, mas tem como pressuposto de validade, inclusive, a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social”, relata.
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ARTIGO LAURA AFFONSO DA COSTA LEVY, Advogada; Mestranda em Aspectos Bioéticos e Jurídicos pela UMSA; Especialista em Bioética pela PUC/RS, Especialista em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC. Membro da Sociedade RioGrandense de Bioética SORBI. Membro do Núcleo de Estudos de Bioética da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul AJURIS; Professora de pós-graduação em Direito de Família e Sucessões; Vice-Presidente do Instituto Proteger.
Convenção Internacional para os Direitos das Pessoas Idosas A
mparado pela maior expectativa de vida, o número de brasileiros acima de 65 anos estima quadruplicar até 2060, confirmando a tendência de envelhecimento acelerado da população já apontada por demógrafos. De acordo com o IBGE a população com essa faixa etária deve passar de 14,9 milhões (7,4% do total), em 2013, para 58,4 milhões (26,7% do total), em 2060. Na esfera internacional, não existe ainda nenhum instrumento juridicamente vinculante que padronize e proteja os direitos das pessoas idosas. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não se faz referência explícita às pessoas de idade, mas todos os seus artigos e disposições devem ser aplicados a toda a sociedade, incluindo o grupo de pessoas com 60 anos ou mais. Conforme ressalta Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva “a Organização das Nações Unidas é, atualmente, a entidade de maior representatividade mundial a promover os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais”1. Entretanto, não há convenções multilaterais que contemplem o idoso como tema principal. A proteção dos direitos das pessoas idosas ocorreria pela exegese dos instrumentos internacionais de direitos humanos existentes. Analisando este contexto e, conjugando-se a ideia de que os idosos pertencem ao grupo de vulnerabilidade, há necessidade de apontarmos para a elaboração da Convenção Internacional para os Direitos das Pessoas Idosas, que, busca proteger e garantir inclusão, física, social e intelectual àqueles que integram o grupo da ancianidade. Em 1973, a Assembléia Geral das Nações Unidas chamou a atenção dos países quanto à necessidade de proteger os direitos e o bem-estar das pessoas de idade. Contudo, apenas em 1982, iniciaram-se discussões multilaterais sobre o enve-
1 SILVA, Anna Cruz de Araújo Pereira da. O Papel da Onu na Elaboração de uma Cultura Gerontológica. In: A Terceira Idade: Estudos sobre Envelhecimento. Vl 18. Nº39. SESC/SP, 2007.
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lhecimento, com a realização da I Conferência Internacional sobre Envelhecimento, que culminou na elaboração do Plano de Ação de Viena sobre Envelhecimento. No Plano, os Estados que participaram da Assembleia: “reafirmaram sua crença de que os direitos fundamentais e inalienáveis consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos se aplicam plenamente às pessoas idosas, e reconheceram que a qualidade de vida não é menos importante que a longevidade e que, por consequência, as pessoas de idade devem, na medida do possível, desfrutar no seio de suas próprias famílias e comunidades de vida plena, saudável e satisfatória e ser estimados como parte integrante da sociedade”. O debate durante a I Conferência Internacional sobre Envelhecimento das Nações Unidas constatou a dificuldade de os governos priorizarem políticas públicas voltadas à pessoa idosa. Mais tarde, em 1990, a Assembleia Geral das Nações Unidas “reconheceu a complexidade e rapidez do fenômeno do envelhecimento da população mundial e a necessidade de se formular uma base e um marco de referência comum para a proteção e promoção dos direitos das pessoas idosas”. Em 1991, as Nações Unidas instituíram uma Carta de Princípios para Pessoas Idosas, que se direcionavam em quatro principais eixos de ação: independência, participação, cuidados especiais e dignidade. Em 2002, realizou-se, em Madri, a II Conferência Internacional sobre Envelhecimento, vinte anos depois da elaboração do Plano de Ação de Viena. Como resultado, foram elaborados a Declaração Política e o Plano de Ação Internacional de Madri sobre Envelhecimento (MIPAA). Este Plano deu atenção especial à situação dos países em desenvolvimento e definiu como temas centrais a realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas idosas, seus direitos civis e políticos e a eliminação de todas as formas de violência e discriminação contra a pessoa de idade. Em janeiro de 2010, foi publicado estudo do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
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Em janeiro de 2010, foi publicado estudo do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas acerca da “Necessidade de uma abordagem de direitos humanos e de um mecanismo efetivo das Nações Unidas para os direitos humanos das pessoas idosas”. acerca da “Necessidade de uma abordagem de direitos humanos e de um mecanismo efetivo das Nações Unidas para os direitos humanos das pessoas idosas”. O estudo aponta para a necessidade de uma convenção internacional específica para os direitos das pessoas idosas. Recomenda que os Estados sejam incentivados a reportarem-se ao tratamento destinado às pessoas idosas em seus relatórios de direitos humanos. Por fim, refere-se à necessidade de uma agenda de direitos humanos em que os direitos das pessoas idosas sejam discutidos. Nenhum dos documentos, no entanto, contém disposições juridicamente vinculativas. Tendo em conta a não obrigatoriedade, a implementação dos documentos internacionais de proteção à pessoa idosa tende a ser bastante frágil e vulnerável às prioridades e percepções políticas. São inúmeras as finalidades para a elaboração de uma Convenção Internacional de Direitos Humanos para as Pessoas Idosas. Com esse instrumento, a temática do idoso adquiriria maior visibilidade e reconhecimento, tanto no plano nacional como no plano internacional, além de ajudar a pre-
venir todo e qualquer tipo de discriminação institucional pautada na idade. Tal discriminação está presente em quase todas as sociedades e impede as pessoas idosas de alcançarem seu potencial completo e participarem de maneira igualitária em suas comunidades. Ao fornecer a estrutura normativa básica, a convenção contribuiria para estabelecer parâmetros para a formulação de leis nacionais, definindo de maneira clara as obrigações dos Estados Membros para com os direitos das Pessoas Idosa e, também, para fortalecer as legislações internas já existentes. Assim como, reforçaria e complementaria os documentos internacionais sobre envelhecimento. Os Estados Membros das Nações Unidas coletariam informações das pessoas idosas para sugerir melhores práticas em políticas públicas, além de informar qualquer tipo de discriminação baseada em idade e gênero e o impacto das formas de discriminação na população acima de 60 anos. A convenção poderia, também, estabelecer mecanismos de reparação em relação a violações dos direitos humanos das pessoas idosas. O monitoramento da implementação dessa convenção encorajaria o diálogo entre os Estados, a sociedade civil, ONG’s, o setor privado e as pessoas idosas. Assim, a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas Idosas é a mudança de paradigma da perspectiva biológica e assistencial para a visão social dos direitos humanos, visando eliminar todas as formas de discriminação, entre outras, a discriminação por motivos de idade. É reconhecer que as pessoas, à medida que envelhecem, devem desfrutar de uma vida plena, com saúde, segurança e participação ativa na vida econômica, social, cultural e política de suas sociedades, garantindo, assim, a plena autonomia. É fundamental o aumento do reconhecimento da dignidade dos idosos e a eliminação de todas as formas de abandono, abuso e violência, bem como, a tarefa de incorporar eficazmente o envelhecimento nas estratégias, políticas e ações sócio-econômicas.
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ARTIGO LENITA PACHECO LEMOS DUARTE, Membro da Escola de Psicanálise Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil (EPFCL). Pós-graduada em Psicanálise pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Pós-graduada em Mediação de Conflitos com ênfase em família (UCAM). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) Membro consultivo do Instituto Proteger
Como se expressam as crianças frente ao divórcio litigioso dos pais “Eu tô perdido. Sem pai nem mãe. Bem na porta da tua casa. Eu tô pedindo. A tua mão... Me leve para qualquer lado. Só um pouquinho. De proteção...” Cazuza
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a atualidade, homens e mulheres não toleram mais relacionamentos insatisfatórios, buscando o prazer com outros parceiros. Dessa forma, os casamentos e uniões se desfazem e se refazem com muita rapidez, trazendo mudanças nos vínculos amorosos. Nos processos de divórcio depara-se com as mais variadas reações do casal. Observa-se que a decisão de separar-se é uma decisão complexa, principalmente quando também estão em cena os filhos oriundos dessa união, com seus anseios e fantasias. A frustração e o sofrimento que emergem durante um relacionamento conturbado que culmina em litígio judicial, podem levar o ex-casal e seus filhos a reagir subjetivamente de diferentes maneiras, seja enfrentando-o, negando-o ou fugindo de uma realidade que se apresenta muito dolorosa. Tal processo apresenta maior complexidade nos casos em que a instância jurídica aplica leis que poderão trazer benefícios para uma das partes e prejuízos para a outra, no qual estão envolvidas as crianças. Aí se incluem não apenas a subtração dos bens materiais, mas perdas emocionais e afetivas, motivos estes que levam muitos sujeitos a procurar tratamentos, por exemplo, psicológico, psicanalítico e psiquiátrico. Os novos arranjos familiares, como as famílias monoparentais, reconstituídas ou recompostas, heterossexuais, homossexuais ou homoafetivas, entre outras, suscitam várias questões sobre a filiação, pois nem sempre as atribuições do pai e da mãe ou de ambos são bem definidos, gerando dúvidas e insegurança nas crianças mais novas que se confundem com os novos vínculos afetivos dos pais com outros parceiros. Na clínica algumas crianças apresentam indagações do tipo: “Quem é meu pai? O que o namorado da mamãe é meu?”, querendo decifrar o novo vínculo familiar. Outra criança diz ao namorado da mãe: “Meus pais se separaram. Papai vai morar em outra casa e eu vou ficar com mamãe. Agora você vai ser meu pai, também?” Essas questões indicam que as mu-
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danças nas relações afetivas e, consequentemente na estrutura familiar, afetam as crianças que ficam expostas a diversas situações de conflito junto aos pais, quando duplicam ou triplicam seus “pais” e suas “mães”, “padrastos” e “madrastas”, respectivamente. Em tais ditos, observa-se que relações simbólicas de parentesco se baseiam nas relações socioafetivas que vão se acrescentando aos vínculos consanguíneos, a partir das atuais configurações familiares. Nos processos de separação e divórcio litigiosos encontramos as crianças com poucas possibilidades de escolha, vulneráveis e dependentes dos atos e discursos parentais e de sentenças jurídicas que vão determinar quando e como terão acesso ao pai ou à mãe não guardião e outros familiares, principalmente nos casos de guarda unilateral. Em diversos casos, temos uma criança numa situação complicada, ficando como “joguete, marionete” ou mesmo um “troféu” nas disputas conturbadas entre os genitores. Em decorrência desses acontecimentos alheios à vontade delas, observa-se em vários casos, que apresentam angústia e sintomas, precisando elaborar mágoas, conflitos de lealdade e luto pela separação dos pais, e também parental, quando perdem o contato com um dos pais, irmãos, avós, primos. Elas sofrem ao serem afastadas de pessoas com quem tinham afinidades, constantes trocas de carinho e amor e, ao deixar de encontrá-las, perdem referências importantes, quando surgem muitas carências afetivas, tristezas, fobias, bloqueios emocionais e cognitivos, além de sentimentos de culpa e rejeição, crises de agressividade, entre outras manifestações sintomáticas. Nessa direção, nos defrontamos com crianças que se encontram divididas diante dessas questões que fogem à sua compreensão, podendo apresentar culpa pelo fracasso do casamento dos seus pais querendo reaproximá-los, bem como sentimentos de revolta, traição e abandono em relação aos seus objetos de amor, estes fundamentais em suas etapas do desenvolvimento.
ARTIGO
Nesses casos cabe pensar como se dão suas relações parentais: de que forma percebem o lugar que ocupam no desejo dos pais ou substitutos; quais as situações que lhes provocam alegrias e satisfações: seus conflitos e angústias diante de variados sentimentos que vivenciam no seu cotidiano familiar; suas posições nos arranjos familiares decorrentes das novas uniões afetivas de seus responsáveis; as mudanças em sua rotina de vida, pois com frequencia precisam mudar de moradia, escola, locais de lazer e, às vezes, de cidade, afastando-se, à sua revelia, de avós, parentes, amigos de vizinhança e colégio, animais de estimação, babás, irmãos, primos por parte de um ou ambos os pais e, ainda, aceitar a possibilidade ganhar um novo irmão. Por meio de fragmentos da clínica, mostro o que diz uma menina, filha de pais em processo de separação litigiosa, observando como ela se expressa e reivindica o que deseja, se fala em nome próprio ou repete os ditos dos que falam por ela, revelando sinais de “alienação parental.” A “BONECA DODÓI”1 Lina2, uma menina de sete anos de idade, que apresenta baixo rendimento escolar e se mostra inquieta, deprimida e instável emocionalmente, ora agressiva ora passiva, principalmente com a mãe. Às vezes fala das brigas entre os pais, que a mãe não a deixa ver seu cachorro que está na casa da avó paterna, que não pode telefonar para essa avó e ter a sua cômoda de volta que ficara na casa do pai. Queixa-se de saudade deste, que reside em outro Estado, e alega que não gosta de sua madrasta, nem do namorado da mãe e dos filhos dele. Simultaneamente, a mãe pede que a analista “dê um jeito na filha, pois esta sempre a desafia, precisando de um castigo”. Em uma sessão, Lina leva para análise uma boneca e uma bolsa cheia de roupinhas, mamadeiras, pratinho, touca, babador, inclusive muitas que foram usadas por ela, quando pequena. A analista indaga:“Qual o nome dela?” Lina diz:“Não me lembro... são tantas bonecas e nomes que eu me confundo... esqueci o nome dela!” Tira peça por peça da bolsa e, contando suas histórias, afirma que todos eles tinham sido dados pelo pai, inclusive a boneca e a bolsa. Em seguida, diz:“Esta boneca, mama, chora, toma injeção para suas dores...!” Pontua a analista: “Dores? Como assim?”. Associando livremente, Lina exclama: “Ah, me lembrei do nome dela! Ela se chama boneca dodói.” Observa-se aqui uma clara alusão à situação que vivencia: Demonstra como “dói” a falta do pai, agarrando-se aos objetos que ele lhe deu, procurando não se separar dos mesmos. Continuando, expressa uma lembrança: “Eu tinha quatro anos quando meus pais se separaram.Vou te mostrar até a posição deles durante a briga: Papai estava de um lado, mamãe do outro e eu no meio deles”. Depois, emocionada, afirma: “Eles se separaram por minha causa e hoje faço tudo para eles voltarem a ficar juntos”. Diz que seu papai se casou novamente e tem dois filhos, ale1
Duarte, Lenita Pacheco Lemos Duarte. “ ”, 4ª Edição, 2ª
tiragem, p.30-32.
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Por meio de fragmentos da clínica, mostro o que diz uma menina, filha de pais em processo de separação litigiosa, observando como ela se expressa e reivindica o que deseja, se fala em nome próprio ou repete os ditos dos que falam por ela, revelando sinais de “alienação parental”. gando que dificilmente os vê porque moram em outra cidade e sua mãe coloca muitas barreiras para impedir sua convivência com o pai e seus irmãos. Fala que quando vai a casa dele inventa uma porção de coisas para seu pai sobre a madrasta: “É para ele acreditar em mim e brigar com ela”. Pontua a analista: “Você faz isso?” Rindo, ela diz: “Faço! Porque quero que eles se separem. Aquela ‘bruxa ruim’, como fala mamãe, tem que sair de perto dele, da vida dele, e eu vou conseguir. Invento um monte de mentiras, como ela me bate e que não me dá comida. E fico rindo de vê-los brigando. Assim ele volta para minha mãe e para mim”. A seguir, pega o telefone celular e diz que foi seu pai que deu, mas que ele não lhe telefona porque trabalha, e que ela também não liga, justificando: “Não posso ligar, pois estou sem cartão; eu peço, mas mamãe não compra”. A mãe, aborrecida com o casamento do ex-marido e revoltada por ele não dar pensão regularmente para a filha, dificulta e, às vezes, até impede o contato telefônico da menina com o pai e os avós paternos. Mesmo sabendo do desejo da menina em conviver tais familiares, e o “quanto isso é balsâmico para a filha”, ela continua tentando interromper a comunicação entre pai e filha, deixando Lina triste e indignada. Observa-se, nesse breve fragmento, como a menina se utiliza de diversas estratégias para ter o pai de volta, apesar dos obstáculos que a mãe coloca objetivando afastá-los. Nas verbalizações de Lina nos deparamos com o sofrimento e seus desejos insatisfeitos. Lina quer juntar os pais, negando uma série de evidências que indicam a impossibilidade de refazer uma união desfeita. Nesse exemplo, como compreender a mãe que deseja também que a analista puna a filha que já é castigada por enfrentar diversas barreiras para conviver com seu pai? Observando suas brincadeiras e ouvindo suas histórias, podem-se notar pistas de sua subjetividade. Dito de outro modo, Lina deixa rastros de seus sentimentos, pensamentos e emoções em suas expressões que se relacionam com o contexto familiar no qual se encontra inserida, submetida a atos de “alienação parental” por parte de sua mãe. Criança precisa de amor e proteção. Ouvi-la em sua singularidade é tratá-la como sujeito de desejo e direito.
HOMENAGEM
Zeno Veloso Perfil Professor de Direito Civil na Universidade Federal do Pará e de Direito Civil e Direito Constitucional na Universidade da Amazônia – integrante da Comissão que elaborou o Anteprojeto de Consolidação de leis de Família e Sucessões – membro fundador e Diretor Regional Norte do IBDFAM – Membro da Academia Paraense de Letras e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas – Medalha do Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados.
Ao mestre, com carinho
“Zeno Veloso, mente brilhante, pessoa alegre, cuja sensibilidade a flor da pele o leva a amar ensinando e ensinar amando, transmitindo-nos, a cada instante, a certeza de que só é possível Proteger a alma humana a tornando mais feliz.” (Melissa Telles – presidente do Instituto Proteger)
“O jurista paraense, Zeno Veloso, além de produzir com sabedoria uma das melhores doutrinas brasileira, consegue imprimir a simplicidade, possível apenas àqueles que têm a maturidade necessária para traduzir a contemporaneidade da organização jurídica das novas estruturas conjugais e parentais. O Direito de Família e Sucessões no Brasil deve muito a este Homem que imprime a sua marca pelo produção científica rigorosa, mas perpassada pela leveza de sua alma.” (Rodrigo da Cunha Pereira – Presidente do IBDFAM).
Zeno Veloso é uma pessoa cuja grandeza intelectual se equipara a imensa capacidade de acolhimento. (Denise Duarte Bruno, Assistente Social, Conselheira Consultiva do Instituto Proteger).
Zeno Veloso – meu pai socioafetivo, com ele sempre estaremos aprendendo. (Mauricio Barreto, advogado).
“Sempre chamei o Zeno, de Zeno Zeloso, pois não há pessoa mais cuidadosa e atenta. Puro afeto!” (Maria Berenice Dias, advogada, Vice-presidente do IBDFAM).
“Zeno Veloso é O CARA! A criatura mais doce e apaixonante do Direito brasileiro.” (Rodolfo Pamplona Filho, Juiz de Direito).
“Querido professor Zeno Veloso, além de ser um dos maiores e mais ilustres juristas do país é uma pessoa sensível, adorável e que transmite afeto em todos os lugares por onde passa. Trasborda emoção e sentimento em tudo que fala e escreve.” (Thiele Lopes Reinheimer, advogada).
“Quando conheci Zeno Veloso, apresentado que fui pelo meu amigo Rolf Madaleno, fiquei impressionado pela sua cultura jurídica. Mas, após conhecer o Zeno como pessoa, fiquei muito mais impressionado pelo seu caráter, solidariedade e generosidade. O Zeno é um ser humano diferenciado, que faz a gente se espelhar para crescer como pessoa.” (Eduardo lemos Barbosa, advogado).
“Zeno Veloso: jurista esplêndido, ser humano inigualável.” (Laura Affonso da Costa Levy).
“Zeno Veloso: Verdadeiro mestre!”
(Jamille Dala Nora, advogada, Diretora Juridica do Instituto Proteger).
“Zeno Veloso é, sem dúvida, um dos maiores juristas de todos os tempos, um exemplo a ser seguido, uma inspiração para todos que trabalham e estudam o Direito de Família e das Sucessões” (Amanda Scheffer – advogada, membro do Instituto Proteger).
“Muitos mais que sua dedicação com o ensino, tem compromisso com a aprendizagem e o saudável debate (Rafael Canterji – Diretor-Geral da Escolca Superior da Advocacia da OAB/RS).
“Zeno é acaí, cupuaçu, misturado com baião-de-dois e chimarrão. Zeno é Brasil, em toda a sua diversidade e afeto” (Marcos Duarte, advogado).
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ARTIGO LENITA PACHECO LEMOS DUARTE, Membro da Escola de Psicanálise Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil (EPFCL). Pós-graduada em Psicanálise pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Pós-graduada em Mediação de Conflitos com ênfase em família (UCAM). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) Membro consultivo do Instituto Proteger
Pensando Formas de Proteger desenvolve projeto de pesquisa sobre abandono de idosos L
amentavelmente, o maior número dos atos de violência contra crianças, adolescentes e idosos é praticado no meio familiar, afetando a integridade física, psíquica e emocional, assim como comprometendo o desenvolvimento saudável e a qualidade de vida destes sujeitos. Frente a essa inegável realidade, pensar em formas eficazes de proteger esses sujeitos, quando expostos a conflitos familiares, é o objetivo do Instituto Proteger. Contudo, para proteger, é preciso antes conhecer. Conhecer a realidade vivenciada, as angústias, as fragilidades e os reais interesses e necessidades destes sujeitos. Com essa preocupação, o Instituto Proteger lança mão de um dos seus braços, o grupo de trabalho Pensando Formas de Proteger, que visa a desenvolver seu trabalho por meio de projetos específicos, mapeando a realidade dos indivíduos em foco para identificar problemas e pensar em meios eficazes de proteção. O projeto em andamento, construído pelas coordenadoras Eliza Cerutti e Tatiana Araújo Flores, e pelos integrantes Roger Barufi, Caroline Vidal, Sabrine Gomes, Giovana Silva de Arruda, Jamile Dala Nora e Melissa Telles Barufi, com o acompanhamento de Cláudia Gay Barbedo, tem por objeto de estudo o abandono de idosos. Trata-se, sem dúvida, de tema relevante não apenas pelo notório crescimento quantitativo da população idosa, mas, sobretudo, pela enorme diversidade deste grupo dentro de uma mesma comunidade, a desafiar a articulação política, familiar e social no desenvolvimento de políticas e ações voltadas a este grupo de pessoas. Quanto aos números, é preciso ter-se em conta que enquanto o século XX foi o século do crescimento populacional, o século XXI é o século do envelhecimento. No Brasil, os idosos são 22,9 milhões de pessoas, e estima-se que até 2024 essa população chegue a 34 milhões, representando 15,73% do total de habitantes.1 Pesquisas do IBGE apontam, ainda, que a expectativa de vida do brasileiro, que não ia além dos 45,5 anos de idade em
1940,2 passará dos atuais 74,08 anos para 81,29 em 2060. E, dos Estados brasileiros, o Rio Grande do Sul é o quarto em número de idosos e também em expectativa de vida.3 Contudo, como antes apontado, as peculiaridades da população idosa não se limitam aos números, mas também dizem respeito à diversidade dentro de uma mesma comunidade. Com efeito, embora não se ignore que as pessoas estão envelhecendo com mais saúde e que grande parcela da população idosa têm desempenhado funções de destaque no âmbito familiar, também é verdade que, proporcionalmente à idade, aumentam a fragilidade física e mental, surgem em maior número doenças crônicas e degenerativas, vivencia-se a perda de papéis sociais com a retirada da atividade econômica, fato que torna os idosos, de modo geral, seres vulneráveis e merecedores de cuidado e proteção especial. Neste cenário, a pesquisa em desenvolvimento pelo Pensando Formas de Proteger reputou importante investigar como a responsabilidade pelo cuidado aos idosos vem sendo distribuída entre família, sociedade e Estado, denominados pilares de bem-estar. E se constata, como ponto de partida, a tendência a um modelo de políticas sociais que privilegia o enxugamento do Estado, sendo as famílias cada vez mais requeridas a cuidar dos segmentos ditos vulneráveis, muitas vezes única alternativa de apoio à população idosa, seja pela co-residência, seja pelo repasse de recursos.4 Ocorre que a queda da fecundidade, a maior participação das mulheres (tradicionais cuidadoras) no mercado de trabalho, bem como as mudanças expressivas nas famílias, seja quanto à forma como ao significado, tem dificultado a atuação das famílias enquanto promotoras de apoio à população idosa.5 Quiçá por decorrência destes fatores, pode-se constatar
4 GOLDANI, Ana Maria. Relações intergeracionais e construção do estado de bem-estar: por que se deve repensar essa relação para o Brasil? In: CAMARANO, Ana Amélia (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004. p. 216 gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default_tab.shtm
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5 GOLDANI, Ana Maria. Op. cit. p. 221.
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Para proteger, é preciso antes conhecer. Conhecer a realidade vivenciada, as angústias, as fragilidades e os reais interesses e necessidades destes sujeitos”.
REFERÊNCIAS:
CAMARANO, Ana Amélia; PASINATO, Maria Tereza. O envelhecimento populacional na agenda das políticas públicas. In : CAMARANO, Ana Amélia (Org). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004. CAMARANO, Ana Amélia. Envelhecimento da população brasileira: uma contribuição demográfica. Rio de Janeiro: IPEA, 2002. GOLDANI, Ana Maria. Relações intergeracionais e construção do estado de bem-estar: por que se deve repensar essa relação para o Brasil? In : CAMARANO, Ana Amélia (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004. SOUZA, Jacy Aurélia Vieira; FREITAS, Maria Célia de; QUEIROZ, Terezinha Almeida de. Violência contra os idosos: análise documental. Revista Brasileira. de Enfermagem, Brasília, v. 60, n. 3, maio/jun 2007. Censo 2010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
que o abandono é uma das formas de violência mais presente, evidenciando a fragilidade temporária ou permanente dos vínculos familiares e, muitas vezes, sua inexistência. Entende-se que tal cenário exige a adoção de políticas públicas afirmativas, que enfoquem o papel social do idoso, bem como privilegiem o cuidado e a proteção dessas pessoas em suas famílias, nas instituições e na sociedade, dando concretude ao direito à convivência familiar e comunitária destes sujeitos.6 Mas, para que possamos chegar lá, será preciso ampliar o debate sobre a importância do envolvimento da família nas relações com seu idoso, na preparação para o envelhecimento, bem como estimular ações públicas e sociais eficazes ao combate à violência em face destes vulneráveis, principalmente, no que concerne ao abandono. Pretende-se, pois, que os resultados do trabalho em andamento sirvam de subsídios para a organização de políticas públicas voltadas à melhoria das condições de vida dos idosos, bem como de elementos para esclarecimento e convencimento da população a respeito do papel do idoso na sociedade, incentivando, desta forma, atitudes positivas frente a este segmento etário.
Projeção da população por sexo e idade. Indicadores implícitos na projeção 2000/2060. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/ default_tab.shtm, acesso em 28 de novembro de 2013. Perfil dos idosos responsáveis pelo domicílio. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/ noticias/25072002pidoso.shtm O desafio de ser idoso no Brasil. Revista IBDFAM, Belo Horizonte, n. 2, ago 2013. A ONU e as pessoas idosas. Organização das Nações Unidas. Disponível em http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-as-pessoasidosas/, acesso em 27 de novembro de 2013.
6 SOUZA, Jacy Aurélia Vieira; FREITAS, Maria Célia de; QUEIROZ, Terezinha Almeida de. Violência contra os idosos: análise documental. Revista Brasileira. de Enfermagem, Brasília, v. 60, n. 3, maio/jun 2007.
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ARTIGO DENISE DUARTE BRUNO, Graduada em Serviço Social (PUCCamp, 1982), com Mestrado e Doutorado em Sociologia (UFRGS, 1995 e 2006). Atuou no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul por vinte e cinco anos, realizando perícias em processos de Varas de Família e Violência Doméstica. A área de interesse e produção teórica é a regulamentação jurídica das relações sociais, especialmente das relações familiares e da prevenção à violação de direitos. Atualmente é Conselheira Consultiva do Instituto Proteger
Esboçando uma (quase) resenha para pensar o cuidado a partir d´O filho de mil homens de Valter Hugo Mãe Q
uando os membros do Instituto Proteger pediram “uma dica” para redação de textos acadêmicos, referi aquela que sempre me pareceu preciosa: ler, em paralelo a trabalhos científicos, textos literários. Na sequência, sugeri “O fizlho de mil homens”, de Valter Hugo Mãe, leitura que muito me envolveu e impactou. O envolvimento foi resultado do lirismo e da agradável construção formal da obra, e o impacto pela percepção da narrativa apresentar toda as dimensões das relações familiares que nós – profissionais convictos que o afeto e o cuidado são valores jurídicos – procuramos proteger em (e com) nossa atuação. Minha sugestão teve, imediatamente, um desdobramento inesperado: foi marcado um debate sobre o livro, me sendo delegada a tarefa coordenar a discussão. Aceitei num impulso, e depois, assustada, lembrei das palavras de Adriana Calcanhoto (no CD Público), contando que depois de aceitar o convite para fazer noite de lançamento das obras de poeta português Mário de Sá Carneiro, pensou: só uma pessoa como eu é capaz de topar uma empreitada desta, sem ter a menor noção do que lhe espera. Um pouco sem saber o que fazer, meio apavorada, mas estimulada pelo desafio e muito encantada com o livro, fiz as notas que se transformaram no texto a seguir, notas essas que, na sua simplicidade extrema, objetivaram apenas partir das belíssimas palavras de Valter Hugo Mãe para reafirmar nossa convicção da necessidade de vencer todos preconceitos, e assumir integralmente a proteção do outro. O livro nos dá a oportunidade de assim proceder na medida em que, como diz o crítico e ensaísta brasileiro, Silviano Santiago, na contracapa da edição brasileira, é uma obra onde a família é colocada em jogo, e onde surge uma nova maneira de enxergar a velha idéia dos humanos organizados e vivendo sob o mesmo teto. Eu acrescentaria: é, também, uma narrativa sobre a angústia que vem da diferença, diferença que provoca a solidão, a
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rejeição e o desencontro de si e do outro. Mas, não é angústia que soterra e sufoca. É, sim, a angústia capaz de ser motor da busca de si e do outro, da superação do isolamento, capaz de construir relacionamentos amorosos, em todas as suas dimensões. A importância do livro, a meu ver, vem ainda do fato de desvelar as palermices acerca das pessoas diferentes que a maioria de nós aprende ao longo da vida, quando somos levados à crença de que o amor era todo da família ou dos homens com as mulheres,… no sentido mais clássico do presépio. Ao nos embrenharmos na trama tecida pelo autor, descobrimos a importância e a possibilidade de reaprendermos sobre o que nos disseram sobre as pessoas e sobre o que achávamos que sabíamos sobre elas. Temos, a partir dai, a chance de descobrir que nem sempre o que ouvimos é verdade: por vezes [o que dizem] é diferente. Pode não ser mentira, mas apenas uma maneira diferente de acreditar. Os personagens são todos fascinantes, porém, como me propus a comentar o livro sob a perspectiva do cuidado e da proteção, destaco três como principais – Crisóstomo, Camilo e a Anã – por nos ajudarem a pensar em preconceito, em superação e acolhimento. Crisóstomo, o pescador de quarenta anos, que se via pela metade e cujos amores haviam falhado, expressa seu amor e sua capacidade de cuidado, primeiro com um boneco - “o” Boneco - a quem fala como se fosse um filho, buscando ensinar o que é importante e, ao fazê-lo, começa a exercitar a paternidade. Depois, Camilo toma o lugar do Boneco na vida do pescador, que, em seguida, se envolve com Isaura. Com o estabelecimento destes relacionamentos, o personagem do pescador demonstra que só quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz. Ao buscar, pelo amor, ser o dobro, Crisóstomo dá o exemplo das pessoas que podem e se dispõem a cuidar.
Camilo, órfão da Anã, encontra Crisóstomo (ou por ele é encontrado) quando está duplamente desamparado. É órfão desde o nascimento e perde o “avô” que o cuidou até início da adolescência. Está, assim, quase a perder-se, sem saber como se segurar e sem conhecer o caminho [...] carregado de ausências e silêncios e apetecendo-lhe odiar tudo, porque o medo fazia ódio. Quando Camilo encontra Crisóstomo, passa a ser cuidado e, a partir daí, aprende a cuidar. Camilo personifica tanto quem precisa ser cuidado quanto quem se desenvolve plenamente ao ser cuidado. Assim, torna-se capaz de também cuidar. O personagem da Anã é emblemático por, paradoxalmente, representar, de certa forma, uma des-personificação, pois, no livro, ela sequer tem nome, e é o nome que nos personifica. Esta des-personificação tem um vínculo com a negação da possibilidade do desejo, do direito à expressão da força motriz do ato de se relacionar, que é a libido. A Anã é cuidada pelas vizinhas enquanto não se percebe que ela também deseja, enquanto não se revela seu direito e sua capacidade de amar. Quando a gravidez põe a vista de todas(os) sua sexualidade, não só cessam os cuidados, quanto surgem hostilidades. Fica claro que as mulheres que a cuidavam eram invejosas na expectativa das alegrias [e lhes parecia] ridícula… a ideia de uma triste anã querer amar se o amor era um sentimento raro para as pessoas normais. Para as pessoas. Esta passagem do livro é emblemática de algo que raramente nos damos conta. Nos obriga a pensar no fato de que, o conceito de normalidade, vigente na sociedade, via de regra traz embutido a crença de que uma pessoa com limitações deve, à viva força de estar coitadinha, manter a dignidade permanecendo cabisbaixa e gemendo, subserviente perante a generosidade social, sem amor, apenas piedade. A personagem da Anã, portanto, brada como um alerta sobre o preconceito e as ideias pré-concebidas de profissionais e gestores de políticas de atendimento a grupo vulneráveis, que limitam o acesso ao cuidado integral, irrestrito, incondicional, às expectativas de comportamentos cabisbaixos, subservientes, objeto apenas de piedade. Destaco, ainda, a força da Anã em tentar ser reconhecida como alguém capaz de marcar sua presença na história. Ela o faz através da maternidade, sentindo que se o filho vingasse, a sua vida valera a pena. O filho como herança, do que se foi, e esperança, do que não se pode ser. Da mesma forma, era através do filho que se via como parte de uma família, pois os filhos, dizia, levam dentro famílias inteiras. Junto a esses três personagens, importantes na contexto de nossos debates sobre formas de proteger, destaco ainda Matil-
de, Antonino e Isaura. Matilde é uma mãe que não aceita o filho homossexual (Antonino) pela pressão social. Ela oscila entre cuidar e não cuidar, depois supera o medo que vem do preconceito, aprende a cuidar e reelabora a maternidade assumindo a “cria”, Emília. Antonino, o filho rejeitado pela homossexualidade, reconhece que a falta de cuidado integral da mãe foi produto das indiscrições sociais, e não da falta de amor. Por amor, mesmo depois de tanta solicitação, não o rachara ao meio nem o subira a pau. Ainda que o impasse existisse e a cada gesto a loucura estivesse à espreita [...] por amor, ela nunca enlouqueceria. Era uma mãe perfeita Finalmente temos Isaura, filha de uma mãe que não cuida e, a partir deste descuido, se percebia como alguém que houvesse …crescido errado, diferente das outras raparigas, diferente das pessoas, incompleta das idéias. Assim como Camilo, Isaura só se torna completa e igual a partir do cuidado e do amor de Crisóstomo. Numa trama sem tempo definido, numa aldeia banhada pelo mar, esses e outros personagens se unem. Suas vidas se cruzam e se entrelaçam pelos mesmos caminhos imprevisíveis pelos quais se cruzam e se entrelaçam as vidas de muitas pessoas, de todas as pessoas. E, dos cruzamentos e entrelaçamentos apresentados por Valter Hugo Mãe, proponho aos membros do Instituto Proteger, e àqueles que se propõem a reconhecer o cuidado e o afeto como valores jurídicos, que nos fiquem como marcas desta obra: a cautela necessária para não cometer a rotunda estupidez de esperar que a vida de toda gente seja igual; a capacidade de aceitar que cada um padece de uma especificidade que carece ser pensada de modo distinto; o desejo de juntar muitas pessoas e famílias para fazer uma festa, num palácio feito pela felicidade com os lustres pendurados na eletricidade do coração; a consciência de que esta festa só é possível se acreditarmos que uma pessoa nunca seria uma mentira; o compromisso de sempre, por decência e honestidade, falarmos de cada pessoa como uma verdade [...] sem inventar, por delirante preconceito, histórias que emparvecem as pessoas; a ousadia de jamais, nem por um segundo sequer, nos livramos do coração, mas segui-lo acima de tudo; a coragem de nunca, por preconceito algum, limitar o amor, porque este é o único modo de também nós, um dia, nos sentirmos o dobro do que somos. Só assim podemos, com cuidado, ajudar na constituição de um conceito de família onde cada um possa …dividir com alguém as tarefas dos afetos, as obrigações de respeito por quem partilha um cuidado mútuo e uma promessa de gostar.
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ENTREVISTA
Instituto Proteger
aposta na mediação dentro das escolas para diminuir conflitos internos e familiares
Coordenadoras do Trabalho Social do Instituto Proteger – Mediação na Escola Simone Schroeder, Claudia Gay Barbedo, Luciana Anaralde, Ivete Vargas, Maria Angela Cestari e Vera Lopes
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” (Paulo Freire)
O
Instituto Proteger, criado no início de 2013, atua como um órgão gerador de possibilidades, reunindo profissionais de diversas áreas para pensar formas de defesa dos direitos dos entes familiares mais expostos durante a ocorrência de conflitos. Para tal fim, o Instituto promove a realização de estudos, pesquisas e discussões, no intuito de encontrar meios que ajudem a defender a criança, o adolescente e o idoso, entes familiares considerados vulneráveis em razão de sua situação de fragilidade e desamparo. Situações que podem ser facilmente constatadas a partir do momento em que se conhecem as reais condições em que tais entes se encontram. Praticamente todos os dias são noticiados casos de crianças que sofrem com maus-tratos dentro da própria casa, fato que também ocorre com idosos e adolescentes. Além disso, em inúmeros casos as crianças e os adolescentes sofrem demasiado com situações como, por exemplo, a separação dos pais, que pode culminar em mudanças de escola e residência, sentimentos de abandono, dentre outros. Conhecendo esses casos e reconhecendo que são um tanto quanto frequentes, o Instituto Proteger busca formas de promover o alcance ao direito de proteção integral à criança, ao adolescente e ao idoso expostos aos conflitos familiares, através de geração e promoção do conhecimento e do desenvolvimento social. Almejando unir teoria e prática, e alcançar resultados eficientes e duradouros, o Instituto busca o contato com a sociedade, pois acredita que isto impulsiona o reconhecimento do problema e a mudança de atitudes perante as situações e pessoas em situação de vulnerabilidade. Pensando nisso, realizou-se uma seleção de trabalhos para escolher um projeto social, a ser desenvolvido em 2014, com abordagem principal no cuidado aos três entes de proteção do Instituto: criança, adolescente e idoso. A fim de esclarecer as diretrizes do projeto a ser desenvolvido, bem como seus objetivos e a forma de escolha da escola, foi realizada uma entrevista com as coordenadoras do projeto: Claudia Gay Barbedo, advogada, diretora do Instituto Proteger e coordenadora da Comissão de Mediação do Instituto; Simone Schroeder, advogada, coordenadora da Comissão de Direito Criminal do Instituto; Luciana Anaraldi, advogada, coordenadora da Comissão do Direito do Trabalho;
Ivete Vargas, psicóloga; Maria Angela Cestari, educadora física, coordenadora da Comissão de Qualidade de Vida; Vera Lopes, advogada, membro da Comissão de Mediação do Instituto Proteger; Melissa Telles Barufi, advogada, presidente do Instituto Proteger. A partir do projeto escolhido, como foi desenvolvida a ação social do Instituto Proteger em 2014? Coordenadoras do Projeto - Já em 2013 com a escolha do projeto, nos preocupamos com a sensibilização das crianças, professores, direção e funcionários. A sensibilização é um passo muito importante na introdução de uma política nova. Portanto, fizemos várias visitas na escola, divulgando a mediação, sensibilizando e sendo sensibilizados, conhecendo a realidade daquela população. Desde o início de 2013, antes mesmo de o projeto ser produzido, iniciamos um grupo de estudos sobre mediação escolar, o que culminou na elaboração do projeto. No início de 2014 fizemos uma capacitação de 4 finais de semana para os integrantes do Instituto. Como foi o processo para identificar qual seria a melhor escola para começar a aplicar a ação? C.P. - Foram visitadas algumas escolas e, dentre estas, houve uma grande identificação da direção da Escola William Richard Schisler, situada na Rua Visconde do Herval nº 970, bairro Menino Deus, Porto Alegre/RS, com o projeto, o que influencia de forma positiva a escolha dela. Houve algum tipo de treinamento para os profissionais e acadêmicos do Instituto Proteger que vão atuar no projeto? C.P - Sim, tivemos um treinamento de 4 finais de semana no mês de março de 2014 para os profissionais e acadêmicos do Instituto Proteger que atuarão junto à escola. Em que fase se encontra o projeto? C.P - Após a fase de sensibilização e manifestação de interesse em participar do projeto pelos alunos, mais de 50 interessados, nas 6 turmas, tivemos que fazer uma seleção para implementação do projeto piloto. Estamos agora em pleno desenvolvimento do projeto com a formação dos alunos.
ARTIGO
ENTREVISTA
MELISSA TELLES BARUFI, Advogada, Vice-Presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, Secretaria-Geral da Comissão Especial do Jovem Advogado da OAB/RS, Presidente do Instituto Proteger. JAMILLE V. DALA NORA, Advogada, Secretária-Geral Adjunta da Comissão Especial do Jovem Advogado da OAB/RS, Diretora Jurídica do Instituto Proteger.
A Violência Psicológica Invisível aos Olhos O
Como vocês esperam atingir seus objetivos? C.P - Até agora, graças ao empenho e dedicação dos protetores, dos alunos, professores, funcionários e direção da escola, estamos conseguindo atingir os prazos e as metas que nos propomos. Nosso trabalho é voluntário, baseado e fortalecido no amor. Quem ama o que faz se renova a cada movimento de doação! Se a ação vai acontecer dentro de uma escola, como poderá atingir as famílias? C.P - As famílias também serão convidadas a participar deste processo dentro da escola. De qualquer forma, quem aprende a ter condutas autocompositivas irá desenvolvê-las em outros ambientes, por exemplo, em suas moradias. Onde entra, nesse projeto, a proteção ao idoso? C.P - Através da participação das famílias na escola. Com isso, todos os integrantes da família são beneficiados, incluindo aquelas que contam com idosos. Por que acreditam que a Mediação possa contribuir para a redução de conflitos dentro e fora das escolas? C.P - Porque ela implica utilização de técnicas de comunicação e de desenvolvimento de empatia. O foco está na solução que leva ao ganha x ganha: ninguém sai perdendo, e em ações colaborativas. Como foi a elaboração do projeto? Quantas pessoas fizeram parte disso? C.P - Este é um projeto de várias mãos, mas que começou a
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ganhar forma nas reuniões onde foram discutidas, com todo o grupo, quais ações atingiriam o maior número de pessoas possível. Então, em grupo, chegou-se à conclusão de que a escola, por ser formadora, é um excelente laboratório para uma cultura de paz. Sabemos que as crianças e os adolescentes são os que mais integram condições de desenvolver aptidões essenciais a um bom mediador: a empatia e a criatividade. Além disso, a realização na escola é importante porque ali a criança encontra o amparo de uma segunda família, podendo, com este projeto, trazer seus avós e pais para uma maior participação na teia que envolve os vulneráveis. A troca de experiências, a busca para novos olhares pode fazer do conflito uma experiência inovadora para todos os atores deste processo, desde a criança e seus familiares, até professores e funcionários. Nessa perspectiva, contribuir com a promoção da cultura do encontro com base na aceitação das diferenças e na busca de soluções harmônicas, pacíficas e criativas através do diálogo, treinando e qualificando os atores desse processo, para que dentro e fora da escola tenham um resultado abrangente com a transformação dos conflitos, sendo que a escola acaba por ser o instrumento de participação e desenvolvimento da cidadania.
+ SERVIÇO Para saber mais sobre o projeto do Instituto Proteger CONTATO@INSTITUTOPROTEGER.ORG
Brasil é um país que demonstra preocupação na defesa da se que ele sofria abandono por parte de seus cuidadores para proteção integral de crianças e adolescentes desde 1988, alguém pensar que ele pudesse estar em sofrimento e, por este quando assumiu o compromisso antes mesmo da aprovação da motivo, unicamente, já deveria estar recebendo proteção espeConvenção das Nações Unidas. Desde lá, então, as crianças, os cial. Quando algum direito fundamental é infringido, “cria-se adolescentes e os idosos passaram a receber tratamento prioritá- o terreno propício às diversas formas de violência, especialrio pelas legislações pós-constituintes.“A nova ordem constitucio- mente contra as populações mais vulneráveis”. nal elucida o compromisso do Brasil com a doutrina da proteção Conforme afirmações promovidas por profissionais atuintegral, assegurando às crianças e aos adolescentes a condição de antes no caso acima, amplamente divulgadas nas mais diversujeitos de direito, pessoas em desenvolvimento e prioridade abso- sas mídias, veiculou-se que não haveria indícios suficientes luta”, em razão de sua condição de maior vulnerabilidade. Assim, o de que o menino corria risco de sofrer agressão física e que, artigo 18, do Estatuto da Criança e do Adolescente, afirma que “é por esse motivo, ações visando sua proteção integral não sudever de todos zelar pela dignidade geriam urgência. Tal conduta da criança e do adolescente, pondoestabeleceu um perigoso cri-os a salvo de qualquer tratamento tério de avaliação, na medida desumano, violento, aterrorizante, em que negligenciou-se o efeivexatório ou constrangedor. to da violência psicológica que Entretanto, apesar de uma le- A nova ordem constitucional culminou no mais grave ato de gislação que visa a proteção inagressão física. É lastimável, elucida o compromisso do tegral, a realidade, muitas vezes portanto, que ainda vivamos diversa, demonstra que a crian- Brasil com a doutrina da na escuridão quando o assunto ça e o adolescente continuam proteção integral, assegurando é a violência psicológica. expostos a distintas formas de A proteção integral para ser violência e maus-tratos. No que às crianças e aos adolescentes a alcançada, necessita, primeise refere a esse tema, a pior de to- condição de sujeitos ”. ramente, de um olhar estritadas as realidades é o fato de que mente cauteloso. Os que fazem os mais próximos se tornam os jus à proteção integral são sumaiores abusadores. A violência doméstica, nesse sentido, se jeitos que não conseguem agir sozinhos para a sua sobretorna a mais cruel, pois promovida por quem menos se espe- vivência, considerando que “os atributos da personalidade ra e velada na intimidade do lar. infanto-juvenil têm conteúdo distinto dos da personalidade Porém, não é só a Lei que está à disposição para proteger dos adultos”, e trazem uma carga maior de vulnerabilidade, estes entes vulneráveis. Também há a conhecida rede de pro- autorizando a quebra do princípio da igualdade. Enquanto teção, que vem cada vez mais ganhando destaque através de os primeiros estão em fase de formação e desenvolvimento políticas públicas, para que os abusos sejam diminuídos ou de suas potencialidades humanas, os segundos estão na pleevitados. A rede consiste em uma ação conjunta e horizontal nitude de suas forças. (sem hierarquia) entre instituições governamentais e não-goÉ prescindível que, pelo menos os entes atuantes na rede de vernamentais para prevenir e proteger crianças e adolescentes proteção, conheçam e estejam capacitados para atuarem frencontra quaisquer tipos de violência. te às inúmeras formas de violência e maus-tratos que são praMas de quem é a responsabilidade quando uma criança ticados contra os sujeitos que estão sob a proteção integral, de 11 anos pede socorro para toda a rede de proteção e não é pois toda violência deve receber visibilidade. Do mesmo atendida? Bernardo não recebeu o mínimo de proteção inte- modo, é gritante a necessidade de descortinarmos de uma vez gral à qual fazia jus, nem mesmo quando demonstrou ser tími- por todas que a maior violência é cometida dentro do próprio do, retraído e triste. Não bastou que toda a sociedade soubes- lar: a violência doméstica.
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ARTIGO AMANDA SCHEFER, advogada, sócia do escritório Clóvis Barros Advogados, com atuação na área de Direito de Família e das Sucessões. Graduada em Direito pela PUCRS e especialista em Direito de Família e das Sucessões pela Escola Paulista de Direito (EPD, São Paulo). Membro do IBDFAM, membro da Comissão do Jovem Advogado (CEJA OAB/RS), membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica (SBPJ), membro do Instituto Proteger.
Multiparentalidade: configurações familiares em busca da felicidade 1. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA O direito, em especial no âmbito das famílias, é constantemente renovado, visando a alinhar as normas legais à realidade social, dando-lhes respaldo jurídico. A família, base da sociedade, vem sofrendo profundas mudanças de função, natureza e composição ao longo do século XX. Suas variadas manifestações sociais passaram a ser progressivamente tuteladas pelo Estado, que ampliou o âmbito dos interesses protegidos. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, §3º, ao reconhecer juridicidade às uniões estáveis, propiciou nova dimensão à concepção de família. Houve, assim, verdadeira alteração do conceito de unidade familiar, antes delineado como aglutinação de pais e filhos legítimos, baseada no casamento, passando o tema a ser tratado sob um viés mais flexível, inteiramente voltado para a realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros.1 Essa mudança de paradigma, mais adequada às transformações da sociedade, passou a ter como conteúdo essencial a afetividade, voltada à identificação dos vínculos afetivos que norteiam a formação da família, não se limitando aos textos legislativos, normativos ou judiciais. O doutrinador Luiz Edson Fachin aponta que a evolução do conceito de família apanha uma comunidade de sangue e celebra a possibilidade de uma comunidade de afeto, sustentando-se a codificação civil nesta concepção plural e aberta. 2 2. NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES, AFETIVIDADE E O DIREITO À FELICIDADE Neste contexto, cada vez mais dominam as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação, apresentando-se a concepção eudemonista de família, segundo a qual não é mais o indivíduo 1 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3.ed.rev.atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 350.
Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Código Civil Comentado. v. XV. Coord.: Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003. p. 16.
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que existe para a família, mas a família que existe para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade. O afeto passa a ser reconhecido como princípio do Direito de Família e direito fundamental. Assim, cada vez mais o ordenamento jurídico volta-se à proteção da pessoa em suas relações familiares, revalorizando a dignidade humana e colocando o indivíduo como centro da tutela jurídica, antes obscurecida pela primazia dos interesses patrimoniais. 3 Nesta linha de valorização e de juridicização do afeto, a família contemporânea passa a abarcar outros arranjos familiares, como as famílias recompostas, cujos membros são oriundos de entidades familiares desfeitas, fragmentadas. Nas famílias recompostas, um ou ambos os parceiros trazem filho(s) de relacionamento(s) anterior(es), não raro criando entre “madrastra/padrasto” e “enteado(s)” uma relação que em tudo se assemelha à parental, prevalecendo a comunhão de sentimentos, a proximidade afetiva e a convivência real sobre a ausência do vínculo consanguíneo. Encaixa-se, aqui, perfeitamente o direito à felicidade, que vem sendo tratado como um direito social 4 que contempla, em uma sociedade pluralista e democrática, a liberdade de escolha de projetos de vida e de arranjo familiar, garantindo múltiplas formas de convívio e visando à realização do indivíduo. 3. MULTIPARENTALIDADE E SEUS EFEITOS JURÍDICOS Através das novas configurações familiares, a afetividade vem ganhando cada vez maior relevo, evidenciando-se sobremodo nas relações de natureza parental existentes entre pessoas sem vínculo consanguíneo. Este fenômeno social chama-se socioafetividade, cuja essência é o exercício fático do poder familiar, consistindo em criar, educar e assistir a prole consanguínea 3 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das famílias. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 24, pp. 136/156, jun./jul. 2004. p. 153, p. 151. 4 BITTAR, Eduardo Carlos. Direito à felicidade. In: Revista do IBDFAM. Edição 04, outubro de 2013. pp. 05/07.
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O parentesco socioafetivo edificase na convivência familiar, através da constituição do estado de filiação (posse do estado de filho) entre pais e filhos de criação, exteriorizado do nome, no trato e na fama, fatores externos representativos do vínculo afetivo”.
de outra pessoa, independentemente de obrigação legal. A socioafetividade representa uma modalidade de parentesco, prevista no art. 1.593 do Código Civil e tratada pelos tribunais superiores como “elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade” (REsp 450.566/RS). O parentesco socioafetivo edifica-se na convivência familiar, através da constituição do estado de filiação (posse do estado de filho) entre pais e filhos de criação, exteriorizado do nome, no trato e na fama, fatores externos representativos do vínculo afetivo. Assim, quando houver concomitância de paternidades ou maternidades, ocorre a multiparentalidade, conferido-se relevância jurídica aos laços de afeto e prestigiando tanto a dignidade da pessoa quando das próprias famílias. “[...] a parentalidade múltipla guarda conformidade com os fatos da vida, para integrar-se em inexorável liame com o valor do afeto ao contexto personalístico da pessoa, nas relações de filiação que possua, juridicamente consideradas e reconhecidas.” 5 5 ALVES, Jones Figueirêdo. Adoção multiparental. Disponível em: http://www. ibdfam.org.br/artigos/930/Ado%C3%A7%C3%A3o+multiparental. Acesso em: 10/01/2014.
Tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies de filiação (art. 226, §6º da Constituição Federal), a multiparentalidade é um fenômeno social com repercussões jurídicas, passando o pai e/ou a mãe socioafetivos a ter direitos e deveres frente ao(s) filho(s) afetivo(s) tal qual um filho biológico. Desta forma, é possível um indivíduo ter em seu registro civil mais de um pai e/ou mãe, ou seja, acrescer a relação parental socioafetiva, mantendo intactos os vínculos biológicos. Desta forma, estabelece-se uma parentalidade conjunta e simultânea entre pais biológicos e socioafetivos, sobretudo com relação à convivência familiar e ao exercício da autoridade parental frente ao(s) filho(s) (art. 229 da Constituição Federal, art. 1.634 do Código Civil e arts. 21 e 22 do ECA). Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça, ao reconhecer a possibilidade de adoção por duas mulheres, diante da existência de fortes vínculos afetivos, abriu precedente ao lançamento de mais de uma mãe no registro civil da criança (REsp nº 889852/SP). Em 2012, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de forma inédita, reconheceu a maternidade socioafetiva e decidiu pela inclusão da madrasta no registro civil do filho socioafetivo, preservada a maternidade biológica da mãe falecida (Apelação nº 0006422-26.2011.8.26.0286). Em julgado mais recente, de outubro de 2013, foi admitido em Pernambuco o acréscimo do nome do pai e dos avós paternos biológicos no registro de nascimento de criança adotada, mantendo-se a paternidade adotiva e registral mas reconhecendo, também os vínculos afetivos que subsistiram entre a criança e a família biológica paterna (Processo nº 0034634-20.2013.8.17.0001). Trata-se esta de uma matéria recente no mundo jurídico, embora antiga nos mundo dos fatos. Algumas questões, como a sucessória e alimentar, demandam ainda respostas por parte do ordenamento jurídico. De todo modo, em um cenário onde preponderam a pluralidade, a liberdade e as novas concepções de família, o reconhecimento da multiparentalidade e de seus efeitos jurídicos vem como um grande avanço no sentido da proteção jurídica de grupos familiares cujo relacionamento baseia-se no afeto e na busca pela felicidade.
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ARTIGO GABRIELA LORENZET, Advogada, Mestre em Direitos Humanos e Políticas Internacionais, PósGraduanda em Direito de Família Contemporâneo e Mediação, Membro do Ibdfam, Membro do Instituto Proteger, Vice- Presidenta da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/RS.
O direito materno-paterno de fiscalizar a manutenção e educação dos filhos O
sistema judiciário brasileiro tem visto cada vez mais frequente o protocolo de ações com pedido de prestação de contas do alimentante em desfavor do genitor que obtém a guarda do menor alimentado. Este conflito entre as partes surge quando há desconfiança de que o valor pago não está sendo adequadamente administrado em prol do bem-estar da criança ou adolescente1. Os alimentos pagos em favor do filho-alimentado devem cumprir o papel de sobrevivência, que é garantido pelos direitos fundamentais da pessoa humana2. Este valor deve abranger a saúde, educação, moradia, transporte, lazer e vestuário. Quando há suspeita de que o valor pago não está sendo utilizado devidamente a tendência é recorrer ao judiciário para obter prestação de contas contra o representante legal do menor ou a aquele mantém a sua guarda3. Várias são as motivações que podem fazer aquele que paga os alimentos a se preocupar de que forma os gastos da criança ou adolescente estão sendo administrados. Sempre que houver a desconfiança de que o bem-estar da criança não está sendo respeitado integralmente4 o pedido prestação de contas entre o que é pago e o que é gasto pode ser o único meio de proteger o menor. A observação do binômio necessidade-possibilidade e a ligação de alimentos em espécie e in natura O valor da pensão alimentícia deve estar adequado à necessidade de quem vai receber e a possibilidade de quem vai pagar. Sempre se deve buscar um valor razoável, nunca esquecendo que deve prevalecer o melhor sustento do menor alimentado. Por isso, nenhum dispositivo legal estipula objetivamente o valor devido dos alimentos. Na prática tem-se visto muito o uso de 1/3 da renda do alimentante como base para o 1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 9. Ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, pg. 624. 2 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. Ed. Ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013, pg. 853. 3
DIAS, op. cit., pg. 624.
4 FARIAS, Cristiano C. de ; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Das Famílias. 5. Ed. Ver., atual. e ampl. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013, pg. 912.
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pagamento, entretanto, ocorre uma variação entre 10 e 50 por cento da renda liquida5. Aduz o artigo 1.694, § 1º, do Codigo Civil que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, sendo assim observado o binômio da necessidade - possibilidade. Os sujeitos estão atrelados às variações de circunstâncias reais, que podem mudar a qualquer momento6. Cabe ao juiz analisar as necessidades do alimentante e as possibilidades de pagar do devedor7, ele que vai fazer uso das provas existentes e estipular o valor devido. A fixação dos alimentos não pode ser desproporcional que cause um ganho excessivo ao credor e um empobrecimento injustificado do devedor8. Essa justa composição entre necessidade de quem pede e capacidade de pagar de quem deve pode ser considerada a efetiva aplicação da justiça. Os alimentos fixados pelo juiz, ou mediante um acordo entre as partes, podem ser diferenciados entre aqueles pagos em espécie (dinheiro) ou in natura. A doutrina tem trabalhado essa alternatividade com fundamento legal no artigo 1.701 do Código Civil. Isso significa que o alimentante pode pensionar o alimentado mensalmente com um valor fixo em dinheiro ou pagar-lhe em espécie, por exemplo, a escola, de forma direta9. Quando os alimentos forem fixados in natura observa-se a razoabilidade para que não haja problemas com o cumprimento da obrigação, já que a alteração do destino do valor pago não pode ser alterada de qualquer forma, para que não aumente maiores despesas ao alimentante. Se o alimentante ficou obrigado a pagar escola de mensalidade media, não pode o genitor 5 GONTIJO, Juliana; GONTIJO, Felipe. Alimentos: Ação, Fixação e Execução. In: NOGUEIRA, Luiz F. V (coord.). Paternidade e Alimentos Rey, 2012, pgs. 269-307. 6 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. Ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013, pg. 886. 7 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 9. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, pg. 580. 8 GAGLIANO, Pablo S; PAMPLONA, Rodolfo F. Novo curso de direito civil: Direito de Família: as famílias em perspectiva constitucional. Vol. 6. 4. Ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014, pg. 687. 9
MADALENO, op. cit., pg. 888.
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Os alimentos fixados pelo juiz, ou mediante um acordo entre as partes, podem ser diferenciados entre aqueles pagos em espécie (dinheiro) ou in natura. A doutrina tem trabalhado essa alternatividade com fundamento legal no artigo 1.701 do Código Civil. Isso significa que o alimentante pode pensionar o alimentado mensalmente com um valor fixo em dinheiro ou pagar-lhe em espécie, por exemplo, a escola, de forma direta”. que detém a guarda mudar o menor para uma escola de mensalidade alta. Isso pode gerar um desiquilibro nas finanças do alimentante e automaticamente nova ação de revisão de pensão. O direito materno-paterno de fiscalizar a manutenção e educação dos filhos Com fundamento nas leis existentes, a jurisprudência vem rechaçando o pedido de prestação de contas, alegando impossibilidade jurídica do pedido. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem compreendido que há a carência de ação já que o alimentante não possui direito a prestação de contas sobre os alimentos pagos ao alimentado10. A falta de previsão legal acaba coibindo esse pedido. Ademais, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, no Resp nº 985.061 de 20 de maio de 2008, decidiu que não é permitido ao Poder Judiciário prestar qualquer tutela à pretensão do alimentante já que o objetivo desta ação seria precisar com exatidão o saldo da administração do valor pago. Entretanto, segundo a Ministra Nancy Andrigui11, mesmo que houvesse um saldo restante este estaria coberto pelo principio da irrepetibilidade e não poderia ser devolvido ao alimentante12. Por outro lado, alguns juristas têm chegado a um pensamento diferente deste. Segundo Cristiano Chaves de Farias13, a possibilidade fiscalizadora do valor dos alimentos é essencial para assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente. O artigo 1.589 do Código Civil assegura ao genitor que não esteja com a guarda, dentre várias coisas, o direito de fiscalizar 10 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo Interno nº 70057679417, Rel. Des Jorge Luís Dall’Agnol, 7ª Cam. Civ., julgado em : 18 dez 2013. Disponível em: < http://www.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em: 23 junho 2014. 11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial nº 985.061/DF. 3ª Turma. Relator Min. Nancy Andrighi. DJU, Brasília, 16 Junho 2008. 12 MOREIRA, Thais P. Noções básicas sobre alimentos. In: NOGUEIRA, Luiz 193-222. 13 FARIAS, Cristiano C. de. A possibilidade de Prestação de Contas dos Alimentos na Perspectiva da Proteção Integral Infanto-Juvenil. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/582/A+Possibilidade+de+Presta%C3%A7%C3 %A3o+de+Contas+dos+Alimentos+na+Perspectiva+da+Prote%C3%A7%C3% A3o+Integral+Infanto-juvenil. Acesso em: 25 junho 2014.
a manutenção do menor e educação. Sendo assim, não se pode negar a este genitor o direito a prestação de contas do valor pago, quando existem indícios que a criança ou adolescente esteja sendo prejudicada pela má, ou errada, administração do genitor responsável por isso. Neste mesmo posicionamento, a jurista Maria Berenice Dias afirma que a impossibilidade deste tipo de ação é um equivoco, justificando que o exercício de fiscalização é inerente ao poder familiar, podendo sim o poder judiciário receber a ação quando houver indícios de malversação dos recursos pagos ou suspeita de desvio da finalidade14. O alimentante possui a legitimidade de fiscalizar o bem-estar da criança e do adolescente. Mesmo que nenhum valor possa ser restituído, cabe a ele, fiscalizar a correta aplicação das pensões recebidas pelo credor15. O alimentante não perde o poder familiar simplesmente pelo termino da relação conjugal. A fiscalização faz parte da perspectiva civil-constitucional, reconhecida pelo artigo 227 da Constituição Federal, onde a proteção da criança e do adolescente tem cunho prioritário16. O formalismo processual, ou outro qualquer entrave burocrático, não podem impedir que o bem-estar do alimentado seja respeitado. A salvação para o sistema jurídico está em não fechar os olhos para os novos conflitos interpessoais, ficando estagnado e não aceitar as novas necessidades do Direito de Família. Sempre que houver indícios de que os princípios constitucionais de proteção ao menor estejam sendo violados há de haver a possibilidade de esclarecimento dos gastos. Não se tem o condão de finalizar aqui esta temática tão relevante, mas sim instigar todo o sistema que cerca este assunto a pensar de que forma se pode respeitar os menores alimentados. Cabe aos advogados, defensores públicos e ao Ministério Público bater ao judiciário e exigir que sejam cumpridas as determinações da nossa Carta Magna. 14 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. 9. Ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, pg. 625. 15 Dos Alimentos. 4. ed. rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pg. 573. 16 FARIAS, Cristiano C. de. op. cit.
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ARTIGO MARCOS CATALAN, Doutor summa cum laude em Direito pela Faculdade do Largo do São Francisco da Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Professor no curso de Mestrado em Direito e Sociedade do Unilasalle, no curso de Direito da Unisinos e em cursos de especialização pelo Brasil. Advogado, parecerista e consultor jurídico.
Socorrer, assistir ou nutrir? A
família brasileira – essa estrutura milenar, mutante, multifacetária, dinâmica – exsurge na aurora do Século XXI como o ambiente e o espaço adequados à plena realização das pessoas que a compõe, convivam elas, ou não. Também por isso, a cada uma dessas famílias, marcadas pelas alegrias e conflitos que pulsam entre as sístoles e as diástoles que dão ritmo as suas realidades, além de afetos (afetividades, talvez), impõe-se observar, no desvelar de histórias traçadas por mãos leves ou com o recurso a traços carregados de dor, deveres como os que lhes impõem viabilizar o desenvolvimento e a tutela das vulnerabilidades de cada um dos seus, reafirme-se, convivam eles, ou não. Ao fomentar a existência em sociedade1, a solidariedade – esboçada, aqui, com contornos tais que permitem enxergá-la como princípio constitucional – irradia efeitos no desvelar de cada uma dessas realidades diuturnamente gravadas em telas, fotografias ou filmes nos quais são constantemente impressas as alegrias, as náuseas e angústias, momentos de êxtase e desespero, sorrisos francos (ou não) e lágrimas gestadas nos mais díspares sentimentos havidos no cotidiano do multifacetado, imprevisível e inimaginável universo das relações familiares. Aliás, tamanha a sua importância – e, talvez por isso, ou, ao menos, também por isso, tenha sido transformada em lastro constitucional – que ao permear as infinitas possibilidades contidas na profusão de cores, cheiros e sabores que ganham forma – e que, é preciso notar com Heisenberg, somente aí podem ser percebidos – em cada um dos instantes nos quais o futuro faz-se presente, permite, talvez, a utópica expectativa de sustentação da vida em sociedade2 e, consequentemente, das vidas vividas (ou não) em família. Mais pontualmente, ao informar o direito aos alimentos – tema em torno do qual gravita este pequeno ensaio –, talvez possa induzir à substituição do discurso assistencialista – construído na lapidação do vetusto officium pietatis e dos
deveres de caridade nele contidos – que aparentemente, ainda está a permear o senso comum imaginário dos juristas, por raciocínios que, estruturados sob (a) a ética da alteridade – permitindo que o outro se realize como o outro e não como eu desejo que o faça – e, (b) o reconhecimento de vulnerabilidades como uma característica – e não como deficiência, problema de ordem moral ou, pior, fonte de condutas informadas por um nauseante dolo – possam, de algum modo, viabilizar a difusão da justiça social e da cidadania material nas cenas editadas pela law in action e, quiçá, nas histórias da vida privada. Concebidos sob a luz de estrelas tão inspiradoras, desenhados a partir de traços que dão formas à solidariedade, os alimentos são ressignificados aqui como as pontes que poderão conduzir (ou não) a uma miríade de possibilidades que não seriam alcançadas, nem mesmo em pensamento, na sua ausência. Daí que, muito além da simples manutenção da vida3 – sendo certo que, nem sempre, considerando a realidade vivida e os problemas sociais existentes no Brasil, esse objetivo será atingido – englobam, inexoravelmente, todo o necessário para que seu titular possa viver sua plenitude, o que pressupõe valorizar o viés imaterial encontrado nas prestações dessa natureza. Assim, como sustentar, senão pelo viés existencial que informa as prestações alimentares, a poesia – para alguns, certamente, a tragédia – contida nas letras do sempre magistral professor João Baptista Villela ao nos lembrar – ao dissertar sobre o dever atribuído aos pais de alimentar os filhos – do pelicano, animal que, quando nada mais tem para alimentar os filhos, dilacera a própria carne para que aqueles possam sobreviver.4 Por tudo isso, muito além de socorrer ou assistir, alimentar é nutrir5, é atuar de modo a permitir a emancipação de alguém que não pode, por si, desvelar cada um dos mistérios que conduzirão (ou não) à felicidade, razão maior de nossas vãs existências. Dos alimentos. 2 ed. São Paulo: RT, 1993. p. 14.
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O livro das religiões. Trad. Isa Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 269.
4 VILLELA, João Baptista. Procriação, paternidade & alimentos. In Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Alimentos no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 142.
2 MALINOWSKI, Bronislaw. Crimen y costumbre en la sociedad salvaje. Trad. J. y M. T. Alier. Barcelona: Planeta-Agostini, 1985. p. 39.
Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 285.
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ARTIGO MARCOS DUARTE, advogado, Doutorando em Ciências Jurídicas, Conselheiro e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB Ceará. Diretor do Instituto Proteger
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Convivência familiar, um direito de proteger A
concepção de família passou por muitas variações e transformações no decorrer da história. Tratava-se, inicialmente, apenas daqueles que habitavam um mesmo teto, sem se levar em consideração os laços de parentesco. Hoje, delineia-se com uma dimensão de família nuclear, na medida em que não é mais composta por grandes grupos e busca a aproximação dos laços afetivos. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, preocupada com a definição de família, trouxe, em seu preâmbulo, o seguinte texto: Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade; [...]. A família é considerada a unidade funcional encarregada de munir a criança, constantemente, de um meio que atenda às suas necessidades físicas, psicológicas, afetivas, de segurança e de apoio, durante todo o período em que busca alcançar sua maturidade. Na explicação de Joseph Goldstein, Anna Freud e Albert J. Solnit, a dependência mental de uma criança ao mundo adulto dura pelo menos tanto quanto sua dependência física. O desenvolvimento de cada criança se processa em resposta às influências ambientais a que estiver exposta. Suas capacidades emocionais, intelectuais e morais florescem não em um deserto e não sem conflito, dentro de seu relacionamento em família e este determina suas relações sociais. A vida em família é essencial para qualquer criança. É no seio familiar que ela deve encontrar seu equilíbrio, adaptando-se, pouco a pouco, ao mundo exterior. Ela precisa de ajuda
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para abranger e organizar seus pensamentos e percepções. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 9º, I, trouxe a seguinte orientação: Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e com os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Percebe-se que a Convenção atribuiu, como regra, que a criança se desenvolva no âmbito familiar, somente devendo ser afastada dele quando a convivência causar danos à sua estruturação psíquica, à sua integridade física, ou lesão a qualquer outro direito que lhe foi atribuído. É por esse motivo que a sociedade internacional impôs aos Estados o dever de dedicar especial atenção à família, principalmente quando houver a existência de crianças na esfera familiar. Foi o que determinou, por exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n.° 2.200-A da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, internalizado no Direito brasileiro através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, em seu artigo 23, nº 1, afirmando que “a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Assim, o Estado visa assegurar a cada criança o direito de ser membro de uma família, tendo a presença de adultos por ela responsáveis”. (BRASIL, online). Na legislação brasileira, o direito à convivência familiar encontra-se entre os direitos fundamentais da infância e da juventude, conforme disposto no artigo 19 do ECA: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”.
Seguiu o Estatuto a orientação da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, observando a ideia de que os filhos devem permanecer com os pais biológicos, sendo apenas, excepcionalmente, permitida a colocação dos menores de idade em famílias substitutas, como medida de proteção, que só terá fundamento quando se verificar que os direitos da criança ou do adolescente forem ameaçados ou violados. As expressões utilizadas são família natural, com conceito definido no artigo 25 do ECA, para aquelas em que se verifica a presença dos genitores no exercício do poder familiar, e família substituta para aquelas em que existe a atribuição de guarda, tutela ou adoção. O Estatuto brasileiro eliminou, ainda, a diferenciação que existia anteriormente entre filhos legítimos, oriundos da instituição do casamento, e ilegítimos, filhos oriundos de relações extraconjugais, considerando, em seu artigo 20, que: “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. O referido dispositivo reproduziu a determinação prevista pelo artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988, sendo repetido pelo artigo 1.596 do Código Civil Brasileiro de 2002. Destarte, o direito à convivência familiar representa uma segurança dada às crianças e adolescentes de terem o amparo indispensável para a manutenção de sua integridade física, mental e emocional, independentemente de estarem inseridas em uma família natural ou substituta. O legislador brasileiro também fez referência ao direito à convivência comunitária, ressaltando a importância do convívio em sociedade para o pleno desenvolvimento da criança.
O Estatuto brasileiro eliminou, ainda, a diferenciação que existia anteriormente entre filhos legítimos, oriundos da instituição do casamento, e ilegítimos, filhos oriundos de relações extraconjugais, considerando, em seu artigo 20, que: “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
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ARTIGO OLGA HELENA SILVA DE MEDEIROS, advogada, Mestre em Direito pela PUCRS, Vice-Presidente da Comissão Especial do Idoso OAB/RS, Coordenadora da Comissão do idoso IBDFAM/RS, Professora Convidada do Pós- Graduação em Direito de Família e Sucessões PUCRS, disciplina de Direito Protetivo
Velhice e cidadania A
constatação de que a população mundial está envelhecendo rapidamente é motivo de preocupação e desenvolvimento de estudos. Este fato tem mobilizado os organismos internacionais desde 1982, quando a Organização da Nações Unidas convocou a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento. Em 2002 foi realizada a Segunda Assembleia Mundial das Nações Unidas, em Madrid, com o objetivo de estabelecer a política internacional para o envelhecimento neste século. Entretanto, as instituições e o poder público não estão preparados para conviver com essa população “envelhescente” (Lustoza, 2006) que provavelmente passará dos noventa ou cem anos na próxima década. Este crescimento da população idosa, de forma tão expressiva nos dias atuais, pode ser explicado pelo aumento da expectativa de vida, o que ocorre tanto pelos avanços do conhecimento científico, como por melhores condições de vida, pela queda na taxa de mortalidade e de natalidade, pela facilidade de acesso às informações e por algumas políticas públicas de cuidados preventivos, tais como as campanhas de vacinação e imunização. Todas essas ações convergem para o incremento da expectativa de vida da população. Esse incremento é resultado da melhoria das condições sociais e ambientais, que propiciam uma população idosa altamente heterogênea, formando um contingente de adultos de sessenta anos a noventa ou mais anos. Uma massa populacional significativa que influi diretamente na organização e na estrutura das sociedades atuais. A preocupação com esta população idosa ativa e produtora, que sustenta a família, vive seus amores, convive com seus netos e bisnetos, assume funções de cuidador e babá, representa um novo momento social que exige mudanças. Entretanto a efetiva inserção dos idosos não é uma realidade, pois se por um lado existe ganhos com a convivência intergeracional, por outro lado, estas relações são tempestuosas e ampliam as violências e acentuam os conflitos nas famílias, sejam elas configuradas por laços biológicos ou afetivos. Os idosos convivem com o preconceito e a convicção de que velho é obsoleto, ultrapassado, carente, solitário, descartável e um peso para a sociedade. O medo da velhice lota
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consultórios de especialistas, fomenta a indústria farmacêutica e fundamenta a busca pela eterna juventude. Neste sentido, Araújo (2014) menciona que “ser velho assumiu, nas últimas décadas do século passado e início deste, uma conotação quase ou até mesmo obscena, que condena ao pânico da solidão e do abandono e que não deseja os idosos, nem eroticamente, nem para o trabalho”. O velho tem que repudiar esta discriminação social e assumir seu papel na sociedade. A inversão da pirâmide demográfica social, no caso do Brasil, gera profundas contradições, ao mesmo tempo em que é negado trabalho aos jovens, sob a argumentação de que lhes falta experiência, não se efetiva contratações dos idosos mediante a cruel justificativa de que seus conhecimentos e práticas são obsoletos. Esta premissa discriminatória e equivocada não considera que os idosos sustentam parentes jovens e que são responsáveis por significativa parcela de valores, movimentando a economia do país. O aperfeiçoamento e desenvolvimento de políticas públicas de inserção dos idosos significa maior efetividade dos preceitos constitucionais, que propagam o Estado Democrático e Social de Direito, bem como a construção de uma sociedade livre, democrática, justa e solidária. A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer como fundamento o respeito a dignidade da pessoa humana, favoreceu o surgimento de uma legislação esparsa que buscava defender os direitos população idosa vulnerável, estigmatizada e discriminada. A alternativa a ser utilizada para se alcançar essas metas com efetividade é a do desenvolvimento de ações específicas, tratadas como “discriminação positiva”. Isto constitui a necessidade de implementar “ações afirmativas” que permitam, ao idoso, melhor qualidade de vida e maior inserção na sociedade. Em que pese a existência de previsão constitucional de não discriminação, a constituição estabelece algumas normas protetivas, considerando o critério cronológico, tais como o disposto no art. 201, que assegura ao idoso o seguro social, ou aposentadoria, variando as idades, se homem ou mulher, se trabalhador urbano ou trabalhador rural. A legislação esparsa, que surgiu após a promulgação
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A inversão da pirâmide demográfica social, no caso do Brasil, gera profundas contradições, ao mesmo tempo em que é negado trabalho aos jovens, sob a argumentação de que lhes falta experiência, não se efetiva contratações dos idosos mediante a cruel justificativa de que seus conhecimentos e práticas são obsoletos. Esta premissa discriminatória e equivocada não considera que os idosos sustentam parentes jovens e que são responsáveis por significativa parcela de valores, movimentando a economia do país”.
namentais e reproduz os princípios constitucionais de repúdio à discriminação, de garantia da cidadania, com plena integração social, de defesa da dignidade, do bem-estar e do direito à vida. Prioriza o atendimento do idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços e prevê a responsabilidade do Estado em oferecer assistência asilar quando o idoso estiver desabrigado e sem família. O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) sistematizou a matéria e reconheceu os direitos dos idosos, conferindo proteção integral mediante o Princípio da Prioridade Absoluta à população com idade superior a sessenta anos. Dessa maneira, estabeleceu critérios e fixou responsabilidades evidenciando os direitos quanto a convivência familiar, alimentos, saúde, educação cultura, esporte, lazer, trabalho, previdência, habitação e transporte. É importante salientar que a legislação ampla existente no país não significa uma efetividade de respeito e atendimento às necessidades da população idosa. Como ensina Boaventura Sousa Santos, “sem direitos de cidadania efetivos a democracia é uma ditadura mal disfarçada”. Portanto as tutelas especiais, assim como as medidas gerais de proteção, devem ser implementadas pelo Poder Público. A efetividade dessas medidas requer a atenção especial da sociedade, em trabalho integrado e multidisciplinar que tenha por objetivo fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Referências Bibliográficas
constitucional, acentua a “discriminação positiva”, como por exemplo, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Lei 8.742/93) que em seu artigo 2, inciso V, garante um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que não possui meios de prover a própria manutenção. A edição da Política Nacional do Idoso em 1994 (Lei Federal nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, regulamentada pelo Decreto Federal nº 1.948, de 3 de julho de 1996, constituí instrumento básico para o futuro Estatuto do Idoso. Este instrumento estipula competências dos órgãos gover-
ARAUJO, Ludgleydson Fernandes de; CARVALHO, Virgínia Ângela M. de Lucena e. Velhices: estudo comparativo das representações sociais entre idosos de grupos de convivência. Textos Envelhecimento, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, 2004 . Disponível em <http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1517-59282004000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 18 jun. 2014. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE (http:// www.ibge.gov.br/home/estatística/população/perfilidoso/perfilidosos2000.pdf, acesso em 11/01/05) LUSTOZA, Daniela. Mercado de trabalho e discriminação etária, a vulnerabilidade dos trabalhadores envelhescentes. São Paulo: LTr, 2006 SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007.
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ARTIGO RAFAEL BRAUDE CANTERJI, advogado. Professor de Direito Penal da PUCRS. ROBERTA WERLANG COELHO BECK, advogada. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS.
Breves considerações sobre a alienação parental e o Direito Penal A
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Lei n. 12.318/2010 define como alienação parental, em seu artigo 2º, “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.” Conforme refere ELZIO LUIZ PEREZ, a definição legal da alienação parental teve como objetivo afastar interpretação de que juridicamente não existe, bem como incentivar o exame atento e com a profundidade que o fenômeno exige, permitindo maior segurança aos operadores do Direito na eventual identificação e caracterização1. Além disso, a lei exemplificou algumas condutas consideradas como atos de alienação parental, dentre as quais se destaca a apresentação de falsa denúncia contra familiares para obstaculizar a convivência deles com a criança ou o adolescente (artigo 2º, parágrafo único, VI). Trata-se de uma das ações de alienação parental mais grave e de maior efetividade, uma vez que as denúncias normalmente são de abuso sexual e o menor é induzido a acreditar que o ato falsamente denunciado efetivamente ocorreu. Sabe-se que os delitos de natureza sexual, pelo caráter íntimo e clandestino, possuem dificuldades probatórias, sendo a palavra do ofendido de grande importância para elucidação dos fatos. Contudo, o ofendido, não raras vezes, tem implantado em si falsas memórias, a partir de narrativas do alienador quanto a supostas atitudes do outro genitor que não aconteceram ou que aconteceram de maneira diferente. Essas pecu-
liaridades geram dificuldade no acusado em realizar a sua defesa e demonstrar que os fatos imputados não ocorreram. Por outro lado, o denunciante atinge o seu objetivo com o afastamento do menor do familiar indevidamente acusado. Assim, os conflitos no seio familiar são origem, comumente, das falsas denúncias. Nesses casos, os menores são instrumentos utilizados por uma das partes do conflito para atingir a outra. O preço, importante referir, é alto, gerando traumas e, por vezes, injustas condenações. Por tais razões é que, JORGE TRINDADE, ao tratar do tema, refere que a alienação parental tem sido identificada como uma espécie de negligência contra os filhos e que constitui uma forma de mau-trato e abuso infantil2. Diante da gravidade dos atos de alienação parental e da necessidade de minimização e punição de tal prática, a lei, além de definir, exemplificar alguns atos, estabelecer procedimento e mecanismos de inibição ou atenuação da sua prática, previa, na sua origem, a criminalização da conduta de apresentar relato falso à autoridade judiciária, policial, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público cujo teor possa impedir a convivência da criança ou adolescente com o genitor. A lei acresceria o parágrafo único ao artigo 236, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), cuja pena prevista é detenção de seis meses a dois anos. No entanto, tal previsão foi vetada pelo Presidente da República, tendo como fundamento a já existência de mecanismos de punição e minimização dos efeitos da alienação, como multa, inversão de guarda e suspensão da autoridade parental, bem como visando a proteção da criança
1 PEREZ, Elizio Luiz. Breves Comentários acerca da Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010). In DIAS, Maria Berenice Dias (Coord). Incesto e Alienação parental. De acordo com a Lei 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 44.
2 TRINDADE, Jorge. Síndrome de Alienação Parental. In DIAS, Maria Berenice Dias (Coord). Incesto e Alienação parental. De acordo com a Lei 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 24.
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ou do adolescente que poderia ter, ainda mais, afetado os direitos que se busca proteger com a inclusão de sanções penais para o genitor que detém a sua guarda. Além da existência de mecanismos cíveis e administrativos que atendem ao objetivo de minimização dos efeitos da alienação parental e de punição do alienador – como a perda e reversão de guarda –, o veto foi adequado por já existirem tipos penais apropriados à situação. As falsas denúncias podem, dependendo de elementos do caso concreto, estar tipificadas nos crimes de denunciação caluniosa e comunicação falsa de crime ou contravenção, ou, ainda, nos crimes contra a honra, além da desobediência, em caso de descumprimento da decisão judicial quanto às visitações (artigo 2º, I, II, II, IV, da Lei n. 12.318/2010), não sendo, em princípio, necessária a criação de mais um tipo penal. Inclusive, com objetivo de minimizar os efeitos negativos do direito penal às crianças e aos adolescentes e com a baixa ou nenhuma efetividade na resolução dos conflitos, deve-se evitar ao máximo o uso do direito penal. Os danos decorrentes da alienação envolvem ambos os genitores que, em momentos diversos, receberão a respectiva sanção, seja pela imputação indevida daquele que teria praticado o ato delituoso denunciado, seja pelos efeitos negativos de ter um fato criminoso não ocorrido criado em seu desfavor. Em qualquer das hipóteses, o menor sofrerá as sequelas das imposições a seus genitores e do possível afastamento de ambos. Com isso, não há dúvidas de que se está diante de situação de extremada gravidade. No entanto, há que se ter consciência dos limites das ciências criminais e de seu poder estigmatizador, além da necessidade de respeito à técnica legislativa, evitando duplicidade de infrações penais para mesma conduta.
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Sabe-se que os delitos de natureza sexual, pelo caráter íntimo e clandestino, possuem dificuldades probatórias, sendo a palavra do ofendido de grande importância para elucidação dos fatos. Contudo, o ofendido, não raras vezes, tem implantado em si falsas memórias, a partir de narrativas do alienador quanto a supostas atitudes do outro genitor que não aconteceram ou que aconteceram de maneira diferente. Essas peculiaridades geram dificuldade no acusado em realizar a sua defesa e demonstrar que os fatos imputados não ocorreram”.
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ARTIGO CLAUDIA GAY BARBEDO ADVOGADA, Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis/Laureate International Universities, Professora da FADERGS, do IDC, da FMP, sócia efetiva do IARGS, Diretora executiva do IBDFAM/RS, Diretora do Instituto Proteger.
A possibilidade de ser estendida a lei de alienação parental ao idoso A temática sobre a alienação parental até pouco tempo era tratada apenas pela doutrina e pela jurisprudência, em razão da falta de legislação a disciplinar a matéria. No entanto, em 26 de agosto de 2010, nasce a Lei nº 12.318, que dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 2361 do Estatuto da Criança e do Adolescente2. A alienação parental, nos termos da lei, é a interferência na formação psicológica da criança e do adolescente. A interferência pode ser promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. A lei em questão prevê as formas de alienação parental, que podem muitas, uma vez que o rol não é taxativo, mas, sim, exemplificativo. Dentre as formas exemplificativas, as seguintes estão expressamente previstas nos incisos do parágrafo único do art. 2º da Lei de Alienação Parental: I. realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II. dificultar o exercício da autoridade parental; III. dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV. dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V. omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI. apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
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VII. mudar o domicilio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Pelo presente estudo entende-se aplicáveis os incisos do parágrafo único do art. 2º da Lei de Alienação Parental ao idoso, por meio de uma interpretação analógica. Adicionalmente, verifica-se que o rol das formas de alienação parental é exemplificativo e, por isso, admite a seguinte adequação para ser aplicado ao idoso: realizar campanha de desqualificação ao familiar alienado; dificultar o exercício da curatela nos casos de interdição ou do dever de cuidado no que tange à ajuda e ao amparo dos pais na velhice, carência ou enfermidade3; dificultar o contato do idoso com outros familiares; omitir deliberadamente aos familiares informações pessoais relevantes sobre o idoso, inclusive médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra os familiares para obstar ou dificultar a convivência familiar com o idoso; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência do idoso com outros familiares. O idoso, a criança e o adolescente, estão no mesmo polo de fragilidade. O idoso, em razão da idade, que traz dificuldades inerentes, pode facilmente estar na condição de vítima. A criança e o adolescente na condição de seres humanos em desenvolvimento são pessoas fáceis de serem enganadas. Diante disso, justifica-se a possibilidade de ser estendida a lei de alienação parental ao idoso. ALGUNS ASPECTOS COMPARATIVOS ENTRE A LEI Nº 8.069/90 E A LEI Nº 10.741/2003 Faz-se necessário vermos alguns aspectos comparativos entre a Lei nº 8.069/90 e a Lei nº 10.741/2003, para chegar à conclusão de que a criança e o adolescente, assim como o idoso, são merecedores de tutela diferenciada. Quadro comparativo:
1 O art. 236 do Estatuto da Criança e Adolescente dispõe: “Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta Lei. Pena – detenção de seis meses a dois anos”.
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velhice, carência ou enfermidade”.
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
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A Constituição Federal de 1988, em seu art. 229, segunda parte,
Estatuto da Criança e do Adolescente
Estatuto do Idoso
Previsão constitucional: art. 227 da Constituição Federal de 1988
Previsão constitucional: art. 230 da Constituição Federal de 1988
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
O princípio do melhor interesse do idoso
Previsão infraconstitucional: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
Previsão infraconstitucional Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003
Pessoas vulneráveis
Pessoas vulneráveis
Família substituta por meio da guarda, da tutela e da adoção
Família substituta por meio do dever de cuidado, da curatela e da adoção
A criança e o adolescente, com o advento do art. 227 da Constituição Federal de 1988, passaram a ser sujeitos de direito no sentido de lhes serem assegurada a proteção integral. Isso significa que, em todas as relações jurídicas, a criança e o adolescente passaram a possuir prioridade absoluta e, por isso, invoca-se o princípio do melhor interesse. Ocorre que a previsão da lei constitucional não era autoaplicável, pois dependia de legislação própria para regulamentar a matéria e, por essa razão, surgiu, no ano de 1990, ou seja, dois anos após a previsão constitucional da doutrina da proteção integral, o Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da Lei nº 8.069. O mesmo não aconteceu no caso do idoso, que teve a proteção integral garantida no art. 230 da Constituição Federal de 1988, mas em razão de a norma constitucional não ser autoaplicável, teve que esperar 15 anos para que houvesse a regulamentação da matéria, por meio de lei própria. O Estatuto do Idoso nasceu somente no ano de 2003, tendo vigência no ano de 2004 e sua efetividade ainda hoje anda a passos tímidos. Heloisa Helena Barboza refere que “Embora ainda não tenha merecido dos doutrinadores estudo mais aprofundado, o princípio do melhor interesse do idoso, de base constitucional, é consectário natural da cláusula geral de tutela da pessoa humana e, por excelência, fonte de proteção integral que é devida ao idoso”4. In: O Cuidado como Valor Jurídico. Coordenadores Tânia da Silva Pereira, Guilherme de Janeiro: Forense, 2008, p. 57.
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O idoso, a criança e o adolescente, estão no mesmo polo de fragilidade. O idoso, em razão da idade, que traz dificuldades inerentes, pode facilmente estar na condição de vítima. A criança e o adolescente na condição de seres humanos em desenvolvimento são pessoas fáceis de serem enganadas. Diante disso, justifica-se a possibilidade de ser estendida a lei de alienação parental ao idoso.
A análise do momento do nascimento das legislações indica a flagrante desigualdade de tratamento dado às crianças/ adolescentes e aos idosos, que apesar de estarem “em polos opostos do ciclo existencial, mas ambos, ainda que por motivos diversos, são merecedores de tutela diferenciada”5. As crianças/adolescentes e os idosos demandam proteção especial pela situação que lhes é inerente, aqueles de pessoa em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade está intrínseca, e estes por sua vulnerabilidade em razão do avanço da idade, que os torna debilitados física e mentalmente6. No caso dos idosos, é essa condição específica antes referida que redunda em sua fragilidade. Isso não significa dizer que todos os idosos estão em situação de fragilidade, mas que o envelhecer adquire por si uma posição de prioridade7. A exemplo dessa fragilidade e dos polos opostos do ciclo existencial temos a ilustrar o filme intitulado “O Curioso Caso de Benjamin Button”, que mostra uma pessoa que nasceu velha, que não falava, não caminhava mais e, com passar do tempo, foi rejuvenescendo, fazendo o caminho inverso até o nascimento, onde se tornou um bebê de colo, que não falava e não caminhava mais8. 5 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 462. In: O Cuidado como Valor Jurídico, p. 61 e 67. 7 PEREIRA, Tânia da Silva. O Cuidado como Valor Jurídico. In: A Ética da Convivência: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Coordenada por Tânia da Silva Pereira e Rodrigo da Cunha Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 103. 8 Título original: The Curious Case of Benjamin Button. Lançamento: 2008 (EUA). Direção: David Fincher. Atores: Brad Pitt, Julia Ormond, Faune A. Chambers, Elias Koteas. Duração: 166 min. Gênero: Drama. SINOPSE: Nova
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A colocação em família substituta aplica-se tanto às crianças/adolescentes como aos idosos. Tal medida tem motivos diversos e tutelas específicas. Enquanto a criança e o adolescente são colocados em família substituta por meio da guarda, tutela e adoção, o idoso é colocado por meio do dever de cuidado, curatela e adoção. Maria Berenice Dias, adotando o pensamento de Oswaldo Peregrina Rodrigues, refere que o acolhimento do idoso por adulto ou núcleo familiar, previsto no art. 36 do Estatuto do Idoso, equivale à guarda9. Para essa situação, entende-se cabível o dever de cuidado. Isso porque o cuidado como valor jurídico deve compor os direitos das pessoas nas relações familiares também quando se busca a proteção do idoso10. Luiz Edson Fachin, quando fala sobre as palavras menores abandonadas, entre elas “o cuidado”, refere que elas não se apresentam mediante rol específico, mas que comparecem em gênero na comunhão de propósitos que reclamam visibilidade. O afeto, por exemplo, “quer a declaração de ser infinito e não apêndice de varanda discursiva ou rodapé de página computadorizada”11. O afeto é uma forma de cuidado. O instituto da curatela aplica-se no caso de o idoso ser incapaz para os atos da vida civil, enquanto que os direitos das crianças e adolescentes são assistidos e protegidos por meio da tutela. A adoção, embora possa causar alguma estranheza, também se aplica ao idoso, pois não há qualquer impedimento para que ela ocorra12. A PRETENSÃO RESISTIDA DO CUIDADOR DO IDOSO COM RELAÇÃO AOS DEMAIS FAMILIARES E O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR A cada dia, a família sofre mutações. Uma das mutações mais assustadoras da vida e que envolve a família, é a morte de um dos seus membros. Marco Aurélio Albuquerque ensina que “sabemos que vamos morrer, mas passamos a vida toda agindo como se isso nunca fosse ocorrer... Não bastasse isso, frequentemente nos mostramos muito surpresos com a notíOrleans, 1918. Benjamin Button (Brad Pitt) nasceu de forma incomum, com a aparência e doenças de uma pessoa em torno dos oitenta anos mesmo sendo um bebê. Ao invés de envelhecer com o passar do tempo, Button rejuvenesce. Quando ainda criança ele conhece Daisy (Cate Blanchett), da mesma idade que ele, por quem se apaixona. É preciso esperar que Daisy cresça, tornandose uma mulher, e que Benjamin rejuvenesça para que, quando tiverem idades
caso-de-benjamin-button/>. Acesso em: 12 jan. 2011. 9
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 463.
10 PEREIRA, Tânia da Silva. O Cuidado como Valor Jurídico. In: A Ética da Convivência: sua efetividade no cotidiano dos tribunais, p. 102. 11
In: V Congresso de Anais.
São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 557. 12 RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Estatuto do Idoso: aspectos teóricos, práticos e polêmicos e o direito de família. In: V Congresso de Direito de Anais. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 777-778.
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cia da morte de alguém, quase como se morrer não fosse um ato natural”13. Isso acontece, levando-se em consideração o ciclo normal da vida, pois, em tese, os primeiros a morrerem são as pessoas de mais idade e nelas inclui-se o idoso14. Essa situação traz uma ruptura na vida daqueles que permanecem e que agora precisam acostumar-se a viver na presença da finitude da vida. Nesse momento, não raras vezes, o idoso acaba ficando sob os cuidados de um dos filhos ou de outro familiar qualquer e este, na condição de cuidador, pode resistir à pretensão de visitas por parte dos demais familiares. Outras mutações a serem consideradas são as da dissolução da relação conjugal e da família reconstituída15. Na dissolução da relação conjugal, o idoso pode optar por não ter relação amorosa com outra pessoa e, diante disso, emerge a pessoa do cuidador, sendo um dos filhos ou outro familiar qualquer. Já no caso da família reconstituída, a qualidade de cuidador pode estar fixada na pessoa do novo membro que ingressou na família e diante disso sente-se autorizado a definir a convivência familiar do idoso. As possibilidades que indicam a ruptura na vida do idoso são importantes, uma vez que a alienação parental é um acontecimento frequente na sociedade atual e, segundo a doutrina, costuma ser desencadeada nos movimentos de ruptura. Dessa maneira, se um dos filhos ou outro familiar qualquer não conseguir elaborar adequadamente a situação de ruptura, ele pode desencadear atos abusivos de sua qualidade de cuidador, a fim de afastar o idoso da convivência familiar. O idoso, por sua vez, refém dessa situação, pode ficar abalado psiquicamente e, devido às atitudes do cuidador, afastar-se dos demais familiares. No caso do idoso, também existe o problema da incapacidade para os atos da vida civil, que viabiliza a procedência do pedido de interdição. Na interdição, é nomeado um curador, ou seja, a pessoa que vai cuidar do idoso. O curador é a pessoa que tem autoridade sob o idoso e pode valer-se dessa condição para implantar nele falsas denúncias de maus tratos por parte dos demais familiares, a fim de que se promova o afastamento da convivência familiar. Exemplo disso é o mal de Alzheimer, onde, na maioria das vezes, o enfermo é interditado porque demonstra incapacidade em relação às referências de 13 ALBUQUERQUE, Marco Aurélio. Profundos: o processo da perda, do luto e de sua elaboração. Palestra realizada no II Congresso de Direito de Família do Mercosul - Família Contemporânea: uma visão interdisciplinar, Porto Alegre, 5 agost. 2010.
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As possibilidades que indicam a ruptura na vida do idoso são importantes, uma vez que a alienação parental é um acontecimento frequente na sociedade atual e, segundo a doutrina, costuma ser desencadeada nos movimentos de ruptura”. local, residência, pessoas, o manuseio do seu próprio dinheiro, etc. Nesse momento de hipervulnerabilidade16, pois além de a pessoa ser idosa, ela está acometida de doença séria, torna-se presa fácil de ser manipulada para absorver desmoralização em relação aos outros familiares e desejar deles não mais se aproximar para conviver em família. Por tudo o que foi dito, o idoso pode ser utilizado como instrumento de agressividade direcionada aos demais familiares. O objetivo do cuidador com o afastamento dos demais familiares é o de assumir o controle total da vida do idoso. O idoso é levado a afastar-se dos demais familiares que com ele desenvolvem afeto. Para Mônica Guazzelli, “Todas as famílias deveriam, sobretudo, ser uma estrutura de cuidado: cuidado do grupo e de cada membro individualmente e das relações neste grupo”17. Dessa forma, o cuidador não está presente apenas nas figuras de pai e mãe, mas, sim, estende-se a todos os familiares, inclusive, lato sensu, o vocábulo família, abrange o cônjuge e o companheiro18. Jorge Trindade refere que a alienação parental, 16 A intensa vulnerabilidade do idoso redunda numa “hipervulnerabilidade” como um paradigma a ser adotado na proteção do indivíduo mais fragilizado.
14 Pessoa idosa, segundo o art. 1º do Estatuto do Idoso, é aquela com idade igual ou superior a 60 anos.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 18, nº 70, abr.-jun./2009, p. 151.) Para Claudia Lima Marques o idoso é um consumidor de vulnerabilidade potencializada. (MARQUES, Claudia Lima. Solidariedade na Doença e na
15 As famílias reconstituídas (ou, como preferem os argentinos, famílias ensambladas, stepfamily em vernáculo inglês ou, ainda, na linguagem francesa, famille recomposée) são entidades familiares decorrentes de uma
saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 194.)
ou mesmo situações jurídicas decorrentes de um relacionamento familiar anterior”. É o clássico exemplo das famílias nas quais um dos participantes
17 GUAZZELLI, Mônica. A Falsa Denúncia de Abuso Sexual. In: Incesto e Alienação Parental: realidade que a justiça insiste em não ver. Maria Berenice Dias, coordenação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 113.
Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2 ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 69.)
18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. 7 ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 17.
apesar de se manifestar principalmente no ambiente materno e paterno, pode estender-se a outros cuidadores19. Logo, os cuidadores antes exemplificados estão incluídos na expressão “outros cuidadores”. As manipulações podem vir de ordens diversas, seja pela imputação falsa de crime a um dos familiares, seja pela desmoralização deles. No primeiro caso, o cuidador implanta na memória do idoso que determinado familiar ou familiares é ladrão e, por isso, irá, inevitavelmente, roubar o patrimônio dele, acaso existente e, no segundo caso, faz campanha desmoralizando os outros familiares no sentido de cessar o interesse do idoso por eles e, com isso, afastá-los da convivência em família. O maior problema ocorre nos casos de plena capacidade do idoso e nos quais, devido ao cuidador dificultar as visitas, algum familiar pleiteie o direito de regulamentar a convivência. A tendência do Judiciário é dizer que nada pode fazer em razão de o idoso tratar-se de pessoa maior e capaz. Portanto, não há como obrigá-lo ao regime de visitas, pois deve ser respeitada a sua vontade. A questão a ser elucidada não é para os casos em que a pretensão resistida é realmente originada do idoso, mas, sim, quando ela vem manipulada por terceiros que desejam dificultar ou obstar a convivência familiar. Nesse caso, o Judiciário deve ser cauteloso e analisar o caso concreto, inclusive com a intervenção de equipe interdisciplinar, a fim de investigar a verdade e, por fim, declarar ou não a ocorrência de alienação parental. Tudo isso faz sentido porque o idoso tem os mesmos direitos, garantias, interesses, deveres e obrigações inerentes a todo e qualquer cidadão de outra faixa etária. No entanto, em razão do avanço de sua idade, somado à situação de risco, pessoal ou social, em que possa encontrar-se, ele “tem uma especial preservação e integral proteção de seus interesses em determinadas e específicas situações, fáticas e jurídicas, as quais enfocam sua condição primordial de análise, qual seja, sua idade”. A mesma preocupação é dispensada à criança e ao adolescente, “porquanto, ao lado do idoso, são seres humanos que se encontram em momento de especial atenção e integral proteção, aqueles pelo natural desenvolvimento e crescimento que estão sujeitos, o último, para a busca de um envelhecimento sadio e digno”.20 O Estatuto do Idoso assegura, com absoluta prioridade, a efetivação de direitos fundamentais21. Para Cristiano Heineck Schmitt, em se tratando da dig19 TRINDADE, Jorge. Síndrome de Alienação Parental (SAP). In: Incesto e Alienação Parental: realidade que a justiça insiste em não ver. Maria Berenice Dias, coordenação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 103. 20 STEFANO, Isa Gabriela de Almeida; RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. O In: O Cuidado como Valor Jurídico. Coordenadores Tânia da Silva Pereira, Guilherme de Oliveira; colaboradores Adriana 21 PEREIRA, Tânia da Silva. O Cuidado como Valor Jurídico. In: A Ética da Convivência: sua efetividade no cotidiano dos tribunais, p. 102.
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nidade da pessoa humana, o art. 230 da Constituição Federal de 1988 “é uma reiteração das prerrogativas fundamentais de proteção à dignidade, à vida, à igualdade, focalizando-se, no entanto à pessoa idosa”. O autor refere, ainda, que o Estatuto do Idoso “visa permitir a inclusão dos idosos no Brasil, garantindo-lhes tratamento igualitário”.22 No entanto, sabemos que a inclusão dos idosos não é matéria fácil a ser tratada, uma vez que eles – apesar do Estatuto do Idoso prever uma série de prerrogativas – ainda fazem parte da classe dos excluídos. Tânia da Silva Pereira ensina que o parágrafo único do art. 3º do Estatuto do Idoso garantiu como prioridade, entre outras, a viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações e priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. Para a autora, a presença dos idosos representa a expansão do universo familiar, pois eles trazem para a família a contribuição de suas experiências de vida.23 Há que se dar visibilidade ao direito à convivência familiar do idoso com relação aos demais familiares, quando houver pretensão resistida do cuidador, pois o idoso tem direito a condições de vida digna. Caso contrário, com o aumento da expectativa de vida no Brasil, a classe de pessoas de idade igual ou superior a 60 anos vai crescer e a população idosa terá condições indignas de vida, nas quais, inclui-se o isolamento devido à falta de convivência familiar com os outros familiares, momento em que pode ser identificada a alienação parental. A POSSIBILIDADE DE SER ESTENDIDA A LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL AO IDOSO Ao ler a Lei de Alienação Parental, deparamo-nos com a referência, por três vezes, a palavra “avós” nos seguintes sentidos: a) interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente como promotor ou induzidor (art. 2º); b) sofrer falsa denúncia a fim ser obstada a convivência dos avós com a criança ou com o adolescente (VI do parágrafo único do art. 2º); c) mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, a fim de dificultar a convivência com os avós (VII do parágrafo único do art. 2º). 22 Idoso. Revista de Direito do Consumidor, p. 149-150. 23 PEREIRA, Tânia da Silva. O Cuidado como Valor Jurídico. In: A Ética da Convivência: sua efetividade no cotidiano dos tribunais, p. 103 e 105.
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Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, a classe de pessoas de idade igual ou superior a 60 anos vai crescer e a população idosa terá condições indignas de vida, nas quais, inclui-se o isolamento devido à falta de convivência familiar com os outros familiares, momento em que pode ser identificada a alienação parental”. Depreende-se da análise acima que a palavra “avós” não está incluída, no texto infraconstitucional, na qualidade de pessoas que possam também sofrer interferência nas suas formações psicológicas, promovida ou induzida por determinados familiares que tenham o idoso sob seus cuidados, para que repudie outros determinados familiares ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos. Chama-se a atenção, no presente estudo, para o fato de que na prática, não raras vezes, o idoso acaba ficando sob os cuidados de um dos filhos ou de um familiar qualquer e este, na condição de cuidador, pode promover ou induzir o idoso para que repudie o outro familiar ou causar prejuízo à convivência familiar. Diante disso, na hipótese de o cuidador do idoso ser apenas um dos filhos, aos demais familiares cabe o direito à convivência familiar. Porém, se por algum motivo injustificado for dificultada ou impedida a convivência familiar, que implicitamente prevê o cuidado, o qual possui carga doutrinária de valor jurídico, é indicativo de alienação parental e, por isso, a legislação, por analogia, deve ser estendida ao idoso para ser aplicado ao alienador o rol estampado nos incisos do art. 6º da Lei nº 12.318/2010. Segundo Norberto Bobbio, “entende-se por ‘analogia’ o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante”. O autor ensina, ainda, que “é o procedimento mediante o qual se explica a assim chamada tendência de cada ordenamento jurídico a expandir-se além dos casos expressamente regulamenta-
dos”. Dessa forma, para fazer a atribuição, é preciso que entre os dois casos exista uma semelhança relevante.24 A vulnerabilidade é a semelhança relevante existente entre os dois casos – criança/ adolescente e idoso – que redunda na fragilidade de pessoas em desenvolvimento e de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Diante disso, cabível é a interpretação analógica. Dessa maneira, o alienador na condição de cuidador, seja na forma cumulativa ou não, deve: a) ser advertido; b) respeitar o regime de convivência familiar ampliado em favor dos familiares alienados; c) ser submetido a acompanhamento psicológico ou biopsicossocial; d) ter contra si a fixação cautelar do domicílio do idoso; e) ter contra si declarada a suspensão da curatela ou a sua alteração, nos casos em que ela existir. A possibilidade de ser estendida a Lei de Alienação Parental ao idoso é uma das formas de assegurar a proteção garantida à convivência familiar dele com os demais familiares. Portanto, resulta em atender o princípio do melhor interesse do idoso. O presente estudo, sem a pretensão de esgotar o assunto, foi realizado por meio da análise de alguns aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como do Estatuto do Idoso, que indicam a possibilidade de ser estendida a Lei de Alienação Parental ao idoso. Viu-se aqui que os familiares do idoso podem desenvolver comportamentos abusivos, a fim de este seja afastado da convivência familiar. No entanto, o idoso tem proteção garantida à convivência familiar e esta deve ser preservada, cuidada, para que possa, por exemplo, durar a vida toda. Essa é uma das formas de respeitar o preceito consubstanciado no art. 230 da Constituição Federal de 1988, de maneira a assegurar, com prioridade absoluta, irrestrita relação idoso-familiares. Diante disso, na hipótese de o cuidador do idoso ser apenas um dos filhos, aos demais familiares cabe o direito à convivência familiar. Porém, se por algum motivo injustificado for dificultada ou impedida a convivência familiar, que implicitamente prevê o cuidado, é indicativo de alienação parental e, por isso, a legislação, por analogia, deve ser estendida ao idoso para ser aplicado ao alienador o rol estampado nos incisos do art. 6º da Lei nº 12.318/2010. 24 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Trad. Maria Celeste C. J. Santos; ver. téc. Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 153.
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GENTE DO DIREITO
Feijão Amigo
II Feijão Amigo reúne quase 250 pessoas e apresenta projetos do Instituto Proteger Em clima de descontração e samba, foi realizado no domingo, 14 de setembro, a 2ª edição do Feijão Amigo do Instituto Proteger em parceria da Comissão Especial do Jovem Advogado da OAB do Rio Grande do Sul. Cerca de 250 pessoas estiveram no Chalé da Praça XV para mostrar que estão engajadas na causa. Durante os pronunciamentos, a presidente do Instituto Proteger, Melissa Telles Barufi agradeceu a presença do público e ressaltou que a entidade seguirá focando o trabalho não assistencialista, mesmo reconhecendo a sua importância, mas sim no trabalho preventivo, que atue na educação da sociedade para que os direitos, principalmente das crianças, adolescentes e idosos, que são as principais vítimas de maus tratos sejam respeitados.
Talís Maciel, Roberta Falleiro e Alex Lopes
Leonardo Vaz, Melissa Telles, Gabriela Lorenzet, André Gomes
Jamille Dala Nora, Gabriela Lorenzet, Caroline Pacheco, Felipe Kampf, Natália Strikinski e Renata Voltolini
Melissa Telles e Jamille Dala Nora
Naiara Barbedo
Lilian Zenker, Thiago Buzatto, Melissa Telles, Adrione, Cristiane Matte, Giulianna Belmonte e Otvário Weichel
Grupo Malandriô com Jamille Dala Nora
Vera Lopes, Simone Schroder, Maria José do Canto, Cristine de Moura, Luciana Aranalde, Júlia Ceconello
Olga Helena Medeiros
Jamille Dala Nora e Matheus Ayres Torres
Josie Fischer, Iraci Laura Silveira, Jorge Pozzobom, Verene Gigena, Sandra Becker, Melissa Telles
Odilia Mendes
Melissa Telles Barufi e Altamir Zancanaro
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5% das vendas destinadas ao Instituto Proteger