Vamos falar de sensibilidade Um dos desafios postos para a educação do novo século é a elaboração de projectos pedagógicos que contemplem a formação integral das crianças com as quais, nós professores, actuamos. Assim, a necessidade de educar para a sensibilidade torna-se premente, o que implica colocar a criança no centro de todas as acções educativas, sendo todas as acções pedagógicas pensadas em torno da sua realidade, da sua cultura e das suas necessidades. Ao enfatizar a criança no processo educativo, parte-se de uma determinada compreensão sobre a infância, que não se reduz a um dado da natureza, mas sim como uma construção histórica e cultural. A criança deixa de ser vista como um dado universal, constituindo-se como uma criação sócio-cultural. Não existe infância, mas infâncias. A infância como uma construção cultural foi, e é, influenciada por uma determinada leitura que se produziu sobre o tema. A teoria dos estágios do desenvolvimento cognitivo, por um lado, contribuiu para conhecermos as diferentes fases do conhecimento. Mas, por outro lado, veio reforçar uma concepção por etapas, ou seja, colocou o desenvolvimento humano numa forma universal, como se qualquer criança, em qualquer lugar, passasse pelas diferentes etapas ao mesmo tempo e da mesma forma. Há uma tendência em vê-la vivendo um período no qual deveríamos intervir para fazê-la chegar a um outro posterior. Essa concepção traz o risco de compreendermos a criança sob o ângulo das etapas, não valorizando o momento real, concreto, no qual ela está situada. Com isso, não vemos a criança como um sujeito real, com demandas e necessidades próprias do seu tempo. É necessário questionar essa ideia da criança como um ser que já traz em si o futuro adulto, futuro esse que vai chegar a partir de uma continuidade de estágios já pré definidos e traçados. Devemos pensar a infância não como degraus de uma escada cujo ápice seria o
adulto,
mas
como
camada
entre
camadas,
acontecimento
entre
acontecimentos, construção cultural entre construções. Ver a infância como acontecimento é percebê-la construindo uma cultura própria, a cultura infantil,
ou seja, é reconhecer a complexidade e as especificidades de suas manifestações. Reconhecer a cultura da criança é reconhecer que o infantil não é a mesma coisa do infantilizado. O conhecimento existente sobre a infância mostra-nos várias características da cultura infantil. Entre elas, a imitação como uma operação complexa, que é fundamental para a introdução da realidade; a imaginação, que é o mecanismo básico de apreensão do mundo; a repetição, que permite à criança experimentar as suas emoções e elaborar as suas vivências ou mesmo o grupo de pares por meio do qual vai aprendendo a arte de viver colectivamente, entre outras características. Nesse contexto, investir na educação das sensibilidades é um dos desafios para os professores. Sabemos que todo o ser humano nasce com um potencial de sensibilidade que precisa ser desenvolvido. Entendemos, assim, que a sensibilidade é a porta de entrada das sensações, ou seja, é através dos diferentes sentidos, como o tacto ou a visão, que estabelecemos relações com o mundo. Educar para a sensibilidade significa desenvolver a capacidade da criança de apreender o mundo que a rodeia. Para isso, um dos meios mais importantes é a arte. A música, por exemplo, é uma das formas de expressão artística que mais une os indivíduos. As canções infantis ou a música em geral é algo comum a muitas crianças em várias culturas. Ser embalado é uma das primeiras experiências de movimento que a criança vivencia, e a cantiga contém ritmos que o indivíduo conhecerá e reconhecerá para toda a vida. Outros exemplos são as artes plásticas: pintar um quadro, desenhar ou esculpir funciona como elemento organizador do real, como forma de narrar o quotidiano e socializar essa narrativa com os outros indivíduos. A arte deve ser vista como um recurso educativo para a construção do saber e, como tal, deve ser utilizada. Não deve ser reduzida a uma forma lúdica de preencher lacunas ou tempos vagos, numa perspectiva muito comum de instrumentalizar a arte. O fazer artístico na instituição educacional tem muito a contribuir para a constituição e o exercício de procedimentos cognitivos que estão ligados à construção do conhecimento. Desta forma, a música, a dança ou a história da arte deveriam ser trabalhadas com as crianças desde cedo, constituindo um dos conteúdos do currículo.
Acredito, assim, num processo educativo que trabalhe a totalidade da criança, tendo na educação da sensibilidade uma das suas principais estratégias para a motivar e partindo desse campo para outros domínios, de forma a construir todos os saberes em uníssono. Em forma de conclusão, é importante lembrar, que as propostas pedagógicas deveriam conter uma única frase: “toda criança deverá ser feliz na escola!” E o que faz uma criança feliz na escola é deixá-la brincar, desenhar, cantar, pintar, esculpir ou dançar. Acreditamos que deve ser essa uma das tarefas dos profissionais que actuam com as crianças.
Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico, Marco Alexandre Carvalho Bento