Revista CIN - Críticas cinematográficas

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revista cinematográfica

junho 2012 | no 1

retrospectiva

INGMAR BERGMAN

roteiroNELSON PEREIRA DOS SANTOS críticaO HOMEM DO BRAÇO DE OURO crônicaA CRÍTICA DE CINEMA ACABOU locaçõesCAIA EM VERTIGO festivaisCANNES 2012 ladobA FORMOSA DO OLHAR cara a caraWOODY ALLEN



#1 Índice

4 CARTAS

6 15

8 16

roteiro NELSON PEREIRA DOS SANTOS

crítica O HOMEM DO BRAÇO DE OURO

crônica A CRÍTICA DE CINEMA ACABOU

lado b A FORMOSA DO OLHAR

festivais CANNES 2012

20

retrospectiva INGMAR BERGMAN

10

locações CAIA EM “VERTIGO”

18

22

cara a cara WOODY ALLEN

www.revistacin.com.br


CARTA DO EDITOR Na edição de estreia da revista CIN o destaque fica com a retrospectiva de Ingmar Bergman que ocorre entre maio e julho no Centro Cultural Banco do Brasil. Para os fãs, é uma ótima oportunidade de conhecer a obra prima desse diretor. Em uma entrevista exclusiva Nelson Pereira dos Santos revive alguns momentos das gravações de Vidas Secas. B. J. Duarte assina a crítica do filme O homem do Braço de ouro, clássico de 1955, dirigido por Otto Preminger. Na seção lado B, revelamos a alma de um diretor que busca entender a alma das pessoas. Para os admiradores do mestre Alfred Hitchcock, uma grande aventura pelas locações do filme Vertigo, rodado em São Francisco. Por fim, os acontecimentos do último Festival de Cannes e um diálogo com o diretor Woody Allen e Geneton Moraes Neto.

Cena do filme A Tortura do Siliêncio, de Alfred Hitchcock na qual aparece o padre Michael Logan, um modelo de piedade que veste o paradigma de confessar sobre a verdade de um assassinato

EXPEDIENTE Revista CIN | Publicação mensal sobre cinema ~ Projeto experimental de Pós Graduação | SENAC ~ Design Editorial Projeto Gráfico e diagramação: Fernando Macedo ~ Orientação: Maria Helena Bomeny ~ Tiragem: 5.000 exemplares.


COM A PALAVRA: O LEITOR Para mim são incríveis estas duas imagens. Fiz minha dissertação de Mestrado sobre o livro e o filme Vidas secas e me espantei ao ver o grande Nelson Pereira dos Santos diante do que foi a casinha simples de Fabiano, sinha Vitória, os dois meninos e Baleia. Chega a emocionar! Gostaria de saber mais informações sobre esta viagem que o Nelson fez às locações de Vidas secas, como consigo? Grande abraço!

MANOEL CARLOS, 49 anos, funcionário público

Concordo contigo, cara. Vertigo é um dos melhores filmes do Hitch e um clássico genuino do cinema. A maneira como a trama é conduzida por ele nenhum outro cineasta poderia fazê-la ou refazê-la, já que toda vez que alguém ousou refilmar suas obras (Gus Van Sant em Psicose é o melhor exemplo) fracassou vergonhosamente. Isso sem falar na ótima trilha de Bernard Herrmann, especialmente na cena em que...Bem, como vc fez antes, não contarei mais detalhes. Mas realmente é uma delícia ver esse filme, uma jóia rara.

JOÃO DÓRIA JR., 32 anos, médico


roteiro

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Revista C.I.N

Nelson Pereira dos Santos por HUDSON MOURA (senses of cinema) Nelson Pereira dos Santos, considerado o iniciador

muitos prêmios internacionais em

filmes europeus após a guerra, como

do cinema moderno brasileiro na década de 1950,

festivais de cinema como Cannes,

os documentários do cineasta holan-

é também o cineasta mais literário do país. De fato,

Berlim, Veneza, Edinburgh, Gênova,

dês Joris Ivens. Na época, porém, ele

dos seus 25 filmes, 15 foram com base na obra

Valladolid, Havana, Londres, Los An-

foi o mais atingido pela neo-realismo

literária de escritores brasileiros. Isso lhe garantiu

geles, Nova York, Milão, entre outros.

italiano, que finalmente se tornou

um lugar privilegiado como membro da prestigia-

Além disso, ele foi homenageado por

a influência mais importante sobre

da Academia Brasileira de Letras, nunca antes um

retrospectivas de sua obra em todo o

seus filmes. Enquanto ele ainda era

cineasta brasileiro foi imortalizado dessa maneira.

mundo. Na França, recebeu os títulos

um estudante, começou a sua carrei-

Santos é o cineasta vivo mais importante do

distintos de Comandante da L’Ordre

ra de cineasta com um documentá-

Brasil. Em sua carreira, seus filmes influenciaram

des Arts et des Lettres e Chevalier de

rio intitulado Juventude em 1949. No

diretores e cinéfilos de várias gerações. Dos filmes

la Légion d’Honneur.

início de 1950, ele trabalhou como

brasileiros mais influentes das últimas cinco décadas, pelo menos, um foi dirigido por Santos em cada década. Estes filmes incluem Rio, 40 Graus (1955), Vidas Secas (1963), Como Era Gostoso o Meu Francês (1971), Memórias do Cárcere (1984) e Casa-Grande e Senzala (2000). O impacto do diretor no cinema latino-americano não pode ser exagerada. Para os críticos e cinéfilos de todo o mundo, primeiros filmes Santos são marcos na

Na década de 1960, Glauber

assistente de direção no gênero

De chanchada para o surgimento do Cinema Novo O cinema é uma expressão cultural, portanto, nem melhor nem pior do que qualquer outra, ela existe dentro do seu contexto, expressam a vida de que a sociedade onde ele nasceu. É um mundo moderno, isto é, penso eu, a espinha dorsal da cultura.-Santos

emergência do cinema do pós-guerra moderna. Inspirado pelo neo-realismo, seus filmes dos anos

Rocha, o membro mais famoso

comédia popular brasileira chamada

1950 e 1960, retratam a realidade brutal da vida

do Cinema Novo alegou Santos

Chanchada. Esses filmes incluem O

dos favelados (favelas) encontrados em cidades

como o mentor do movimento.

Saci (Rodolfo Nanni, 1951), Agulha

como Rio de Janeiro, ou de retirantes (migrantes)

Mais recentemente, Walter Salles,

no Palheiro (Alex Vianny, 1953), e Ba-

que fogem da fome na região assolada pela seca

referindo-se a abordagem de San-

lança Mas Nao Cai (Paulo Wanderley,

do nordeste do Brasil .

tos humanista na representação

1953). Por muitos anos ele atuou

de lutas populares, afirmou que

como repórter cinegrafista para cine-

produziu e dirigiu filmes de diferentes gêneros e

através de seus filmes o diretor lhe

-jornais e do jornal “Jornal do Brasil”,

temas. De documentários a filmes de ficção, ele

ensinou o conceito de “geografia

que lhe ofereceu a possibilidade de

sempre mantém um sentido distinto do papel

humana” no cinema.

viajar. Essa experiência, ao mesmo

Ao longo das últimas cinco décadas, Santos

do cinema na sociedade, mantém uma autoria

Primeiros anos de Nelson como

independente, e atinge uma abordagem inovadora

um cinéfilo foram durante os anos

e criativa para explorar a cultura brasileira.

da Segunda Guerra Mundial, quando

Desde 1965, Santos tem transmitido seu

os filmes, sobretudo americanos,

conhecimento e experiência como cineasta por

dominavam as telas brasileiras.

seu papel como um professor de cinema nas

Ele encontrou pela primeira vez os

universidades e instituições no Brasil-Universidade de Brasília e Universidade Federal Fluminense e os Estados Unidos, Universidade de Columbia, UCLA, e Sundance Institute. Ele ganhou prêmios de prestígio no Brasil, Cuba e Portugal, assim como

tempo que lhe permite melhorar as habilidades de seu documentário,


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também lhe permitiu ficar a conhe-

roteiro

cer as diferentes classes sociais de regiões distantes do Brasil anteriormente desconhecido para ele. Em entrevistas, Nelson Pereira

mostra histórias da vida cotidiana no Rio, como os meninos da favela

dos Santos afirmou que o neo-

que vendem amendoim na praia de

-realismo foi mais uma lição de

Copacabana. Santos é considerado o

como produzir filmes em um país

cineasta que trouxe à luz a favela que

tamente o oposto, para mostrar esta incapacidade

sem recursos financeiros, em vez

o Brasil eo mundo nunca tinha visto

e reafirmar seu compromisso com a realidade.

de uma lição de estilo estético.

na tela antes. Hoje, a favela é um dos

Os cineastas não precisam de se

locais marcantes do cinema brasileiro.

câmera, no Rio, 40 Graus narra sinceramente e ex-

tornar dependente de produções

Santos está preocupado em

plica as tragédias, as misérias e as contradições da

complexas e estúdios grandes, ou

retratar um tempo e um lugar de

grande cidade, a câmera no Rio, documentos Zona

grandes orçamentos e o contrato

maneira livre e independente que

Norte, perguntas, expõe, acumula dados e estudos

com atores famosos ou conhecidos

interage com o mundo, uma abor-

do meio ambiente. Rocha considerou estes dois

internacionalmente. Para Santos, o

dagem que admite deriva de sua

filmes os antecessores do Cinema Novo. Eles mos-

cinema foi revelado como apenas a

carreira jornalística. Assim, o estilo

tram as pessoas pela primeira vez nas telas bra-

câmera e as pessoas na frente dele.

de documentário é central para o Rio,

sileiras, em vez de a representação convencional

Assim, a famosa frase de Glauber

40 Graus e Rio, Zona Norte (1957) na

de personagens retratados no cinema comercial,

Rocha: “. Uma câmera na mão e

maneira de retratar a realidade diária

como nas comédias populares de chanchada ou

uma idéia na cabeça”

do Rio de Janeiro. Em uma tentativa

nos filmes clássicos de Hollywood pseudo-produ-

de capturar esta realidade, Santos

zidos na Vera Cruz. Como Gilles Deleuze observado

veio em 1955 com a crônica bem-

não esconde incoerência ou parado-

no Cinema 2: A imagem-tempo, um dos principais

-Rio internacionalmente aclamado

xos por efeitos ficcionais. O papel do

objetivos do Cinema Novo foi, precisamente, para

intitulado Rio, 40 Graus. O filme

documentário em seus filmes é jus-

denunciar a ausência das pessoas no cinema. ~

A estreia de Santos como diretor

Voltando após quase 50 anos, refazendo a trajetória das locações de sua maior obra literária transferido para o cinema, o cineasta Nelson Pereira dos Santos reencontra atores, amigos e cenários do filme que produziu e dirigiu em Alagoas no ano de 1963.

Em 1963, Glauber Rocha proclamou que, se a


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crítica

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O Homem do Braço de Ouro Arm e Golden The Man with th

ER- EUA - 1955 OTTO PREMING por B. J. DUARTE

Há muito tempo que Otto Preminger se tornou o produtor de suas próprias fitas, já quando, com “Laura”, iniciava sua carreira cinematográfica, considerando ele essa película como a primeira de sua cinegrafia, conforme declarações suas a uma revista francesa. E de todo seu currículo, só em algumas fitas deixou de ser o produtor delas, neste posto figurando Ernst Lubitsch, William Perlberg, Howard Hughes e poucos mais. Isso quer dizer que a acumulação desses dois cargos na hierarquia

rés- do- chão, quando a tomada termina, sem corte, num plano

cinematográfica, defere-lhe inteira liberdade de execução e

próximo das duas personagens, uma estendida na sarjeta, a

criação, faculdade nem todos a possuí-la, como é notório em

outra de joelhos a seu lado. Essa técnica dinâmica se desen-

Hollywood. Isso explica também a razão por que suas fitas têm

volve sobretudo do meio da película para o fim, como se Otto

aquela forma trabalhada, aquela direção de atores levada às úl-

Preminger quisesse compensar o desenvolver arrastado das

timas conseqüências, sua câmara e suas personagens sempre

primeiras seqüências, ritmo lento, funcional evidentemente, ao

em movimento constante.

expor todos os problemas psicopatológicos do tema e de suas

“O Homem do Braço de Ouro” é um exemplo dessa

personagens. Com essa forma, apurada por um paciente traba-

atividade artesanal que Preminger incute em suas peças. Há

lho, Otto Preminger é tido hoje, em Hollywood, por seus técni-

nessa película um extremo capricho, posto em todos os setores

cos, como um dos diretores mais difíceis de contentar, sempre

de criação, desde a técnica de iluminação de seus cenários até

a optar pelas soluções mais complexas, num movimento ou

no da música (por sinal que trabalhada um tanto em excesso,

num ângulo de câmara, na iluminação de um cenário, no gesto

segundo me pareceu). A câmara raramente se imobiliza, na

ou na expressão de um intérprete, por mais secundário que

captação de um plano; percorre os ambientes, passa por entre

seja na estrutura narrativa. Ator excelente ele próprio, por isso

os atores e os objetos componentes do quadro, sobe e desce

costumam dizer, nos estúdios, que Preminger é sempre uma fi-

escadas, perambula pela rua. Quase ao final da fita, em sua

gura avulsa no elenco de suas películas. E “O Homem do Braço

última seqüência, quando uma das personagens se atira de

de Ouro” nesse setor, ainda é um exemplo eloqüente. Orien-

um quarto andar, a câmara quase que cai também, ao lado

tado, de certo, por algum conselheiro científico consciencioso,

do corpo largado no ar. Mas, se não faz isso propriamente, não

não descuida de nenhum pormenor no decorrer desse tema,

perde, porém, a oportunidade de acompanhar um dos atores,

perigoso entre todos. E muitas vezes teve de contornar certas

que assistiu àquele ato de desespero, na sua louca descida por

situações do enredo, presas por um fio entre o melodrama e o

uma escada de incêndio, de quatro em quatro degraus, até o

ridículo, de um lado, entre o grotesco e o dramalhão de outro.


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arrevesado, com seu charuto sempre a mastigar-se num

sobriedade. Mesmo naquelas em que descreve os primei-

canto da boca, a acender fósforos nos dentes, são de fato

ros sintomas do entorpecente agindo nas criaturas, aquela

alguns dos participantes daquela ampla tragédia, que La

sensação de força e bem estar, a loquacidade do início, o

Fontaine dizia ter no palco o universo. Algumas seqüências

desaparecimento a seguir dessa euforia, o enfraquecimento

em que estas personagens evoluem, são dignas de registro:

das funções intelectuais, as grandes crises, a fadiga, a exaus-

o jogo a varar a madrugada, a crise aguda de um toxicôma-

tão, as insônias, as coceiras e o formigamento insuportável

no na cadeia, o acesso de fúria de “Frankie” no apartamento

e por fim o emagrecimento do paciente, seus olhos enco-

de “Louie”, a morte deste na escada, o suicídio de “Zosh”

vados, suas pupilas dilatadas, queda da pressão sanguínea,

quando vê descoberta sua odiosa simulação, etc. E, eviden-

tremores e calafrios indizíveis.

temente, as concessões habituais aos códigos da produção,

Sua peça, de ambiente de vício, jogo e entorpecentes,

põem as suas restrições a essa peça, apesar disso digna de

sufocante pela sua dramaticidade e seu realismo, é tam-

ser vista, digna, sobretudo, por ser uma realização de Otto

bém uma galeria de tipos. “Frankie”, “Zosh”, “Sparrow”, “Vi”,

Preminger, um grande artesão e um excelente contador de

“Louie” e aquele repulsivo promotor de batotas, de nome

histórias, sem dúvida.~

crítica

De todas as situações, entretanto, saiu-se com a maior

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foto: Bengt Wanselius. Todos os direitos reservados

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por Jan Holmberg Ministério da Cultura e Banco do Brasil apresentam Ingmar Bergman, a maior retrospectiva do diretor sueco já realizada no país. Oportunidade rara de rever, na tela do cinema, na maioria em projeção 35mm, grande parte da vasta filmograia do criador do “cinema de autor”, definido por Woody Allen como “provavelmente o maior diretor desde a invenção da câmera”. Nascido em 1918, Bergman realizou o primeiro filme na década de 1940, ganhou inúmeros prêmios no teatro e no cinema, incluindo três Oscar de melhor filme estrangeiro, seis prêmios no Festival de Cannes e muitos outros em Berlim e Veneza. Compulsivo, transitava entre o cinema e o teatro, muitas vezes produzindo vários filmes e peças ao mesmo tempo.

Foto tirada nas gravações de Saraband, o filme que Bergman catalogou premonitoriamente como seu último filme. E foi efectivamente, o capítulo final da sua autobiografia cinemática e da sua vida.

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MOSTRA

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Multitemático, seus temas mais urgentes e investigados, citados, sentidos e comentados descortinam as dores e vazios existenciais mais profundos do ser humano. Contemplando todas as décadas de sua carreira cinematográica, do primeiro filme Crise (Kris, 1946) ao útimo Saraband (2003), passando pelos clássicos mais conhecidos do diretor, como O sétimo selo, Gritos e sussurros, Morangos silvestres, Sonata de outono e Fanny e Alexander, entre outros, incluindo obras praticamente inéditas, em cópias trazidas da Suécia, como O olho do diabo e Rumo à felicidade, além de filmes para a televisão, curtas e documentários, a mostra oferece também o curso. O cinema de Ingmar Bergman,

travessas. Quando parei de bater,

ministrado por Sérgio Rizzo, e um

ouvi ruídos e sabia que minha hora

encontro com Stig Björkman, docu-

havia chegado. E numa espécie de

mentarista que realizou entrevistas

pânico silencioso subi em algumas

e livros sobre Bergman e dirigiu Ima-

prateleiras e tentei me levantar com

gústia e um imenso vazio durante toda

gens do playground (2009). Muitos

as mãos. Roupas caíram sobre mim,

a sua vida. Ele procurava, justamente,

artistas sacriicam a vida em prol de

eu perdi o equilíbrio e caí. Dei socos

preencher com seus ilmes esse buraco

sua obra. Mas o que torna uma obra

no ar para me proteger da pequena

existencial. Se depender de sua produção

inesquecível e continuadamente

criatura. O tempo todo esperei com

intelectual, pode se depreender que sua angústia era profunda: em seis décadas

Essa vasta produção impressiona não apenas pelo volume, mas pela multiplicidade de temas e de diferentes abordagens que realiza quando trata do mesmo assunto

de carreira, o sueco dirigiu mais de 50 filmes para o cinema e a televisão, uma centena de peças teatrais, sua verdadeira paixão, além de incontáveis roteiros para outros artistas. Apenas na década de

importante através dos tempos? A

medo e roguei por perdão. Enim a

1950 produziu 13 filmes, mais de um por

partir dessas relexões, o Centro Cul-

porta se abriu e eu saí para a luz do

ano – muitos emendados um no outro

tural Banco do Brasil proporciona ao

dia. Meu pai disse: “Sua mãe me dis-

– e vários espetáculos para o teatro no

público uma jornada pelo universo

se que você se arrependeu”. Eu falei:

meio deles. Entre 1956 e 57, dirigiu Mo-

do terror, paixão, medo, conforto,

“Sim, por favor, me perdoe”. Então

rangos silvestres e O sétimo selo – duas

alegria e, claro, tristeza profunda.

eu ia para o sofá, abaixava a calça e

obras-primas – além de encenar Gata em

Uma homenagem apaixonada a um

meu pai perguntava quantas pan-

teto de zinco quente, Erik XIV e Peer Gynt

dos grandes artistas do século pas-

cadas com a bengala eu merecia. Eu

para o Teatro Municipal de Malmö.

sado, falecido em 2007 aos 89 anos

respondia: “Quantas pancadas puder

e, por deixar diversas obras-primas,

dar”. Então, ele batia forte, mas não

não apenas pelo volume, mas pela

considerado como um dos maiores

mais do que eu pudesse suportar.

multiplicidade de temas e de diferentes

cineastas de todos os tempos. Era um tipo de castigo. Eles me

Essa cena, recheada com requin-

Essa vasta produção impressiona

abordagens que realiza quando trata

tes de crueldade, foi lembrada pelo

do mesmo assunto. De onde vinham

jogaram dentro de um armário e

pintor Johan, personagem interpre-

tantas ideias? Em seu momento mais

trancaram a porta. Estava silencioso

tado por Max von Sydow em A hora

profícuo chegou a escrever roteiros em

e escuro. Eu estava muito assustado.

do lobo . É uma lembrança vivida por

três dias. “O argumento nasce a partir de

Eu chutava e batia na porta, porque

Ingmar Bergman, que se transfor-

um detalhe insigniicante, mal deinido,

tinham me dito que havia um anão

mou em um dos muitos diabos que

uma observação casual, uma frase ou

que vivia naquele armário e que

o assombravam desde a infância

um acontecimento obscuro, porém

roía os dedos dos pés das crianças

e que provocou uma profunda an-

sedutor...”. Bergman estava internado


Junho 2012

personagem que se assemelhava a meu

vel tentar compreender Deus? Por que ele

rotina quando assistiu a uma palestra

pai, mas que, no fundo, era eu, completa-

se esconde em promessas e milagres que

de um médico famoso, amigo seu, na

mente. Com 37 anos, privado de relações

não vemos?” Seu desespero, ao não obter

qual se falava pela primeira vez sobre

humanas, introvertido e fracassado.”

nenhuma resposta ou sinal concreto,

doenças psicossomáticas. Gestava-se

Bergman compreendeu mais tarde que

é assunto recorrente em sua vida e em

Morangos silvestres e Isak Borg, perso-

com Morangos silvestres pedia que seus

seus filmes.

nagem de Victor Sjöström: frio, egoísta

pais o compreendessem e, se possível, o

e misantropo. A personiicação do pai

perdoassem. Tomado totalmente pela

do mundo ocidental foram expostos,

de Bergman. Mais tarde se deu conta

desesperança, suplica, na igreja, parado-

deglutidos e, obviamente, não resolvidos.

que falava de si próprio. “Eu criara um

xalmente para a morte: “É tão inconcebí-

Morte, descrença em Deus, egoísmo,

Nada icou de fora. Todos os tabus

Na última cena do filme, Jof, o ator que tem poderes premonitórios, vê a Morte, com sua foice e sua ampulheta, conduzindo o cavaleiro e outras vítimas numa solene Dança da Morte por sobre a borda de um precipício distante

Perfil do diretor

1961-1975

1918 - 1945 Filho de pais luteranos, Ingmar Bergman nasceu em Uppsala, na Suécia. Seu roteiro de Hets (Frenesi, 1944) já mostrava sinais dos temas mais tarde abordados pelo diretor: o amor juvenil, o ciúme sexual e o ressentimento em relação às autoridades

1946 - 1954 Bergman estreia como diretor com o melodrama Kris (Crise, 1946), mas ele considerava Juventude (1951) seu primeiro filme

A “trilogia da fé”, de Bergman, teve início com Através de um espelho (1961), seguido por Luz de Inverno (1963) e O silêncio (1963). Persona (1966) foi sua obra mais indigesta e mais experimental desse período, e era estrelada pela atriz Liv Ullmann, que se tornou musa de Bergman.

2003-2007 1976-2002 Bergman foi preso por evação de divisas em 1976 e jurou jamais trabalhar na Suécia novamente. Ele se exilou na Alemanha, mas voltou para a Suécia para filmar Fanny e Alexandre (1982), quando anunciou sua aponsetadoria da direção. Bergman, contudo, continuou a dirigir para o teatro, televisão, e a escrever.

O último filme de Bergman, Saraband (2003), foi feito para a televisão e exibido nos cinemas de vários países. Ele morreu pouco depois de completar 89 anos, na remota ilha de Fårö onde vivia há vários anos.

capa

em um hospital para fazer exames de

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Bibi Andersson e Liv Ullmann nas gravações do filme Persona, 1966

discórdia, violência, ciúmes, depres-

cial: “O que preiro em Bergman é a

silêncio, ficaram várias semanas em

são. Sem dúvida as questões que

profunda desolação e os abismos

cartaz em cinemas nobres no centro

deixaram sua obra célebre. Contudo

sombrios em que ele nos leva através

da cidade de São Paulo, como os ci-

há diversas tentativas de se criar em

de seus filmes”. Unanimidade entre

nes Normandie, Jussara, Pigalle, Líder

um mundo menos sombrio: com

os cineastas, com a crítica também

e Belas Artes, esse último próximo à

Sorrisos de uma noite de amor, em

sempre gozou de prestígio e admira-

Avenida Paulista.

suas traições e jogos de poder, mas

ção. Francamente favorável aos seus

também sua esperança na recon-

filmes, o interesse que o cineasta

ponto de vista da constituição de

ciliação, no amor e na vida; com

despertava era evidente no número

uma família ou de um casamen-

Monika e o desejo, no retrato de sua

de citações em matérias, entrevistas,

to tradicional, foi recheada de

voluptuosidade, sensualidade e inge-

programações e anúncios de seus fil-

dissabores. Seus cinco matrimô-

nuidade juvenis, aqui já claramente

mes no jornal Folha de São Paulo, por

nios formais e casos, como com

apaixonado por Harriet Andersson,

exemplo, nos anos 1970: seu nome

Liv Ullmann, geraram nove ilhos,

uma de suas musas. Todos termina-

aparece mais de 600 vezes, uma

que, Bergman assumiu depois de

vam, entretanto, com a melhor das

média de cinco citações por mês.

velho, praticamente ignorou como

intenções, expondo as mazelas mais profundas de seus personagens.

Muito se critica a respeito do

Sua vida pessoal, contudo, do

pai. “Tenho muitos ilhos que mal

restrito público que seus filmes

conheço. Meus iascos humanos

Woody Allen, talvez o maior

atingem. É correto se comparado ao

são notáveis. Daí me esforçar

fã do sueco, conta seu estado de

grande cinema de Hollywood. Dife-

por ser um artista excelente, que

graça após o primeiro contato com

rentemente, entretanto, de muitos

entretém.” Seria possível ter sido

sua obra: “Vi Monika e o desejo

ilmes de arte de hoje, sua ilmograia

um bom pai se, enquanto filho, foi

quando ainda era adolescente, e era

foi lançada num circuito restrito de

submetido a experiências terríveis

claramente um ilme superior ao que

salas comerciais tradicionais, e ainda

patrocinadas pelos seus pais, como

todos os outros estavam fazendo”.

assim obtiveram relativo sucesso de

ser trancado em um armário onde,

Mas Woody também é isgado pelo

público. Alguns títulos, como Per-

violentamente aterrorizado, um

lado obscuro, ilosóico e existen-

sona, Juventude, A hora do lobo e O

anão roeria seus pés? ~


Junho 2012

crônica

A crítica de cinema acabou

O cineasta Werner Herzog diz que a internet está revolucionando as reportagens, mas ataca o YouTube Aos 68 anos, o diretor, roteirista e produtor alemão Werner

no dia 17, às 10h30) e abrir uma pequena mostra de seus

Herzog parece incansável. Prolífico, mal teve Cave of For-

filmes no Instituto Goethe, em São Paulo, no mesmo mês,

gotten Dreams (Caverna dos Sonhos Esquecidos), seu mais

quando retorna pela “quinta ou sexta vez” ao Brasil, onde

recente documentário, lançado no Festival de Berlim, em

filmou uma de suas obras-primas, Fitzcarraldo (1982).

fevereiro deste ano, já está finalizando o próximo, Death

Não trará otimismo em sua bagagem. Para Herzog, a

Row (Corredor da Morte), sobre prisioneiros no corredor da

crítica de cinema está em extinção, há poucos filmes bons

morte nos Estados Unidos. E ainda tem na manga cinco

para festivais demais e a sétima arte vem sofrendo uma

filmes de ficção. Ele fará uma pausa de apenas três dias na

infantilização gradativa. Leia a seguir trechos da entrevis-

pós-produção para participar do 3º Congresso Internacio-

ta que ele concedeu à CULT, por telefone, de Los Angeles,

nal de Jornalismo Cultural, em maio (sua palestra acontece

onde vive.

CULT – Como é sua relação com a crítica de cinema ao longo de sua carreira?Werner Herzog – Nunca fui especialmente influenciado pela crítica de cinema. Em parte porque recebi péssimas críticas para alguns de meus melhores filmes, assim como boas críticas que achei um tanto deslocadas. Sempre foi claro para mim que uma boa crítica não melhora um filme, assim como uma crítica ruim

o surgimento de blogs e redes sociais

Jornalismo Cultural, fez filmes com

tampouco torna o filme ruim. Ao longo

etc.?Nunca li blogs, nem sei do que

conteúdos políticos, com os quais

de minha carreira, eu quase não li

tratam. De qualquer modo, acho que

enfrentou problemas com a censura

críticas. Para mim, são sempre como

o nível [da crítica] vem afundando

durante a ditadura militar brasileira.

um acontecimento que pouco tem a

em todo lugar. Em princípio, não sou

O que significa fazer cinema políti-

ver comigo. Em termos gerais, hoje em

contra a internet. Eu mesmo a utilizo,

co hoje?Quando olho os trabalhos

dia vejo que a crítica de cinema está

sobretudo trocando e-mails com meu

de Glauber Rocha, vejo uma grande

em extinção, pois o discurso sério vem

irmão que mora em Viena, com quem

poesia. Ele vivenciou, apreendeu e

sendo substituído pelo noticiário sobre

trabalho. Há uma diferença de oito

descreveu o Brasil como um poeta.

celebridades. Muitos jornais e revistas

horas, porque vivo em Los Angeles. E

Acho que ele fez apenas bons filmes.

nem têm mais críticos de cinema e

assim podemos trocar informações,

Naquela época, fim dos anos 1960,

quase tudo que você lê neles tem a ver

arquivos grandes etc. É um belo instru-

postulava-se um cinema pró-revolução

com os astros de cinema.

mento de trabalho. A questão é como

no mundo. E isso logo se mostrou algo

se utiliza. Eu não tenho, por exemplo,

sem sentido. Glauber, com sua grande

Unidos quanto para a Europa?É algo

nenhuma página de Facebook, uma

energia criativa, não se contagiou

que acontece no mundo todo.

conta no Twitter ou algo parecido.

tanto por esse postulado político. Ele

E isso vale tanto para os Estados

A crítica não se tornou de alguma forma mais democrática, com

Glauber Rocha, homenageado do 3º Congresso Internacional de

15

conseguiu retratar a realidade com imagens selvagens, com fantasia. ~


lado B

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Revista C.I.N

A formosa do olhar

Com Avenida Brasília Formosa Gabriel Mascaro avança na sensibilização do olhar com que o cinema encontra o mundo por FERNANDO MENDONÇA

Avenida Brasília Formosa Brasil | 2009 | cor | 85’ DIREÇÃO: Gabriel Mascaro FOTOGRAFIA: Ivo Lopes de Araújo SOM: Phelipe Cabeça MONTAGEM: Tatiana Almeida PRODUÇÃO: Mannuela Costa

A imagem que abre Avenida Brasília

le ou rigor. Assim como as edificações

regionalismo que em nada contribuem

Formosa (Brasil, 2010) é bastante

da comunidade também se revelam

para uma representação sincera do

simples: num plano fixo, ao som de

estruturas sólidas, habitáveis, o cine-

mundo chamado Brasil. Mais do que

um hit brega, contempla-se o exterior

ma de Avenida BF está completamente

mostrar o bairro de Brasília Teimosa

de algumas residências da comuni-

sedimentado numa consciência que se

poetizando a pobreza, o que sobressai

dade Brasília Teimosa; as construções

percebe desde a construção dos planos

em Avenida BF é o poetizar em si, com

aglomeradas não passaram pelo

até a montagem final. A diferença

uma espécie de autonomia diante do

acabamento adequado de um reboco

é que agora não há o ornamento e

contexto social, sem esquecê-lo, mas

ou pintura; o que vemos são tijolos,

todo o universo se estabelece numa

também sem torná-lo um apelativo

um pequeno contorno do céu, a ponta

lógica muito mais orgânica, permi-

centro de atenções. É um olhar coeren-

de uma frágil árvore e um poste com

tindo que o olhar da câmera ecoe o

te com boa parte do cinema atual (em

suas fiações emaranhadas por uma

olhar primeiro do mundo na relação

alguns momentos fica a impressão

rabiola perdida. Talvez nenhuma outra

nutrida entre o espaço natural e as

que Van Sant ou Hsiao-Hsien chega-

imagem, em todo o filme, apesar de

intervenções urbanas.

ram no Recife), onde a prioridade da

existirem outras cenas equivalentes,

beleza decorre do estado do olhar, ao

traduza tão plenamente o que o jovem

O LUGAR DO FILME

cineasta Gabriel Mascaro faz em sua

É importante localizar a experiência

Não por acaso, Avenida BF

nova experiência com o cinema.

de Mascaro dentro daquilo que pode

ocupa um lugar de estréia na carreira

ser chamado um cinema do olhar.

de Mascaro, como seu primeiro longa

decorrência ao inacabamento de gran-

Isso porque é corrente na produção

de ficção; algo que assume discreta-

de parte das moradias, encontramos

nacional a existência de filmes que

mente, já que muito de sua técnica é

um cinema de maior abertura estética,

ignoram esta que seria uma condição

herdeira da tradição documentária. O

onde o sentido formal e narrativo sub-

primeira do cinema, sobrecarregando

foco narrativo recai sobre um núcleo

siste em construção, sob o nosso olhar;

suas imagens com uma culturalização

de personagens cuja vida mudou de-

o que não significa ausência de contro-

vulgar, amarrada por expectativas de

pois que as antigas palafitas da favela

Em Avenida Brasília Formosa, em

invés do objeto do olhar.


Junho 2012

foram substituídas pela Avenida que in-

O LUGAR DO OLHAR

titula o filme. Além da importância que

A oportunidade de acompanhar a car-

entre-gêneros, convida-nos a uma con-

Avenida BF tem dentro da carreira de

reira de Gabriel Mascaro, que ainda está

templação que não pode ser adiada.

seu diretor, também já é possível falar

apenas em seu terceiro filme, coincide

Há quem aponte tal estado do cinema

deste filme, que sequer foi lançado no

com a temática, tão cara a ele, da trans-

contemporâneo (contemplativo) como

circuito de exibição nacional, como uma

formação. Os personagens de Avenida

um recurso irrefletido, injustificado ou

conquista para o cinema brasileiro (até

BF atravessam, em graus diversos, um

difundido apenas como elemento de

o momento não há previsão de estréia,

processo de mudança que condiz com o

diferenciação aos produtos culturais

e apenas uma versão curta do filme foi

mundo onde habitam.

das grandes bilheterias. Mas tal redu-

Numa curiosa cena, são inseri-

Avenida BF, através do equilíbrio

cionismo não é encontrado no atual

sua premiação no edital nacional do

dos no filme trechos de uma filmagem

cinema de Mascaro. O olhar com que

DocTv, em 2009). No início de fevereiro

feita em 2002, do episódio em que o

seu filme encara o mundo é a maneira

deste ano, Avenida BF foi seleciona-

recém-eleito presidente Lula visitava as

que ele encontra para sensibilizar não

do para a mostra oficial do Festival

palafitas para anunciar a transformação

só um público remoto, mas (re)sensi-

Internacional de Cinema de Rotterdam,

que faria naquele lugar. Além de permitir

bilizar o mundo primeiro. Se antes ele

com uma premiere integrada especifi-

um contexto mais amplo, a cena chama

nos lembrara que a dureza do homem

camente na mostra Bright Future, que

atenção pelo estado das imagens

estava petrificando a natureza do es-

de acordo com as premissas do evento

exibidas, velhas, extraídas de um VHS

paço, agora nos indica que algo pode

visa ser “uma plataforma para cineas-

atingido pela maresia.

ser feito para desgastar a pedra. Como

tas do futuro, através do qual, o festival

A transformação do lugar também

as águas desgastam os paredões que

apresenta os trabalhos mais importan-

é sentida na transformação das coisas,

separam a Avenida Brasília Formosa

tes, idiossincráticos e aventurosos dos

assim como em tudo que fundamenta

do oceano, o olhar pode ser um meio

novos cineastas do mundo.”

uma representação do mundo.

de reintegrar o homem ao mundo. ~

A construção realizada pelo filme é baseada nas relações humanas Crítica originalmente publicada na revista Eita!, Fundação de cultura do Recife, agosto de 2010.

lado B

exibida na TV Brasil, em decorrência de

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locações

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Revista C.I.N

Caia em“VERTIGO” Roteiro visita as locações do maior clássico de Hitchcock

por LUIZ ANTONIO SOUZA L. DE MACEDO

A fotogênica cidade americana já foi cenário de vários filmes.

ta“. O quadro nunca fez parte do acervo, era um

Aqui se vai falar só de um, provavelmente o melhor: “Um Cor-

objeto de filmagem e, dizem, sumiu. O ”Guia

po que Cai” (“Vertigo”, 1958), de Alfred Hitchcock. Subestima-

da Folha de S. Paulo’/Dorling Kindersley (1997),

do quando estreou, foi até objeto de gozação, pois um crítico

dedicado a São Francisco e norte da Califórnia,

de Los Angeles cometeu a blasfêmia de classificá-lo como

e o site www.legionofhonor.org trazem boas

thrillorama, misto de thriller com panorama. Mas isso já pas-

informações sobre o museu.

sou. Faz tempo que é considerado obra- prima do diretor. Teve

O encontro seguinte é com o Broklebank

até um minucioso livro voltado à história de sua realização.

Apartments (1.000 Mason St.), onde morava

(“Vertigo - The Making of a Hitchcock Classic” - Dan Aulier. St.

Madeleine. O edifício aparece mais de uma vez

Martin’s Press -1998 - US$ 27,95). O acesso a fontes especiais

no filme e recebeu, entre outras, a homenagem

permitiu ao autor revelar fatos importantes e afastar alguns

da série para a TV “Tales of the City”. Do outro

equívocos sobre os locais das filmagens.

lado da rua Mason, logo depois da esquina, o

Instigado por um artigo de Sérgio Augusto (“Uma

luxuoso Hotel Fairmont costuma ser procurado,

romaria aos campos santos de ”Vertigo’“), publicado em ”O

inclusive, por ter acolhido o futuro Sir Alfred e

Estado de S. Paulo“, de 15 de março de 1997, igualmente

sua equipe.

fui atrás das locações. É claro que houve mudanças, mas o essencial esta lá. A peregrinação começou pela Missão Dolores (16th. St. e Dolores St.), onde Madeleine Elster (Kim Novak), sempre seguida por John (Scottie) Fergunson (James Stewart) visita

Já o passeio de James Stewart e Kim Novak às margens de um lago acontece no Palace of Fine Arts, lugar mais conhecido por causa de um museu de ciências, o Exploratorium. Os cinéfilos incluem em suas andanças

o túmulo de Carlota Valdez. A lápide usada no filme, ficou,

o Hotel Empire, hoje York (940 Sutter St.)

por certo tempo, exposta em uma sala da Missão, atendendo

onde morava Judy Barton (a mesma Kim

à curiosidade de alguns visitantes. A próxima parada vai ser

Novak) e o apartamento de Scottie (900

mais emocionante.

Lombard St., esquina com Jones St.). Só os

Situado em uma das colinas da cidade, o California Palace of the Legion of Honor (34th St. e Clement St.), no

exteriores foram aproveitados. Ah! O restaurante Ernie’s que ficava no

Lincoln Park, é um belo museu, com sua arquitetura neoclás-

847 da Montgomery St. e de importância no

sica, representativa coleção de pinturas européias e muitas

filme, não existe mais. Depois de se transformar

esculturas de Rodin. Até 3 de setembro exibe retrospectiva do

no estranho Essex Supper Club, passou a mos-

artista californiano Wayne Thiebaud. Depois do encanto com

trar na porta lacrada o aviso oficial de seu leilão.

o seu exterior, chega a hora de localizar a Sala 6, onde foram

E pensar que muitos peregrinos o freqüenta-

filmadas as cenas de Madeleine, diante do ”Retrato de Carlo-

ram, certos de estar em um daqueles lugares


Junho 2012

as cenas, incluindo as da fachada, foram feitas em estúdio. Perfeita a reprodução. E o diretor até levou os dois irmãos, donos do restaurante, para fazer “pontas”, como o maitre e o barman. Outro engano, já afastado: a floresta de sequóias é em Big Basin, nas montanhas de Santa Cruz, e não em Muir Woods, como se dizia. Fascinante é a aproximação ao Fort Point, sob a ponte Golden Gate, de onde Madeleine se joga na baía. Todos esses locais são fáceis de achar, principalmente agora, depois dos textos pioneiros. Um pouco trabalhoso foi descobrir como chegar à Missão de San Juan Bautista, por outro meio que não o automóvel. As indicações apontavam as rodovias 101 e 156, a cerca de 60 km de San Francisco. Só se esqueceram dos que não gostam de dirigir. A angústia aumentou ao verificar que nem o Centro de Informação ao Visitante resolveu a questão. Mas com a ajuda de um mapa e a dedicação de dois atendentes do hotel, tudo ficou esclarecido. San Juan fica entre San Francisco e Los Angeles, sendo possível chegar por trem ou ônibus. Vai-se até a pequena Durante um “inocente” passeio por Fort Point, sob a ponte Golden Gate, Madeleine Elster se joga nas águas da Baía de San Francisco, para tentar convencer o exdetetive Scottie de suas tendências suicidas.

Gilroy, de onde um microônibus – o County Express – completa a viagem em cerca de 15 minutos. Finalmente a Missão, que guarda as feições da velha Califórnia, palco de seqüências fundamentais na história. Só não existe a torre alta de onde o corpo de Madeleine, a verdadeira, foi jogado e a outra, a falsa, caiu, porque levou um susto. O roteiro pode terminar no restaurante La Casa Rosa (107 Third St.), bem perto do local do crime. E, se não entrou no filme, recebeu Hitchcock, Stewart e Novak. O dono atual, Charlie Shockey, fala com orgulho dos visitantes, “de todas as partes do mundo”, querendo saber mais sobre “Vertigo”. Ao conhecer as locações, não se acanhe. Você não estará sozinho! ~

locações

sagrados. Pois esse era um dos equívocos: todas

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Revista C.I.N

festivais

20

O Festival de Cannes celebra o seu aniversário de 65 anos com filmes de todos os tipos e com muito glamour. A palma de ouro foi entregue ao filme Amour, de Michael Haneke, estrelado pelos atores franceses Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva. O júri de Cannes, liderado por Nanni Moretti, concordou com o elogio crítico para a história Haneke sobre o amor de um casal octogenário em frente ao fim da vida. Este é a segunda vez que o prêmio vai para o diretor austríaco, que venceu em 2009 por A fita branca.


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21 festivais

Apenas três anos depois de vencer a Palma de Ouro com “A

entrar para o “Big Brother”. O ator principal do filme, Aniello

Fita Branca”, o austríaco Michael Haneke tornou-se bicam-

Arena, é um presidiário preso há 18 anos na Itália.

peão do prêmio máximo do Festival de Cannes com o filme

O prêmio mais controvertido foi o de melhor diretor

francês “Amour”, sobre um homem idoso que precisa cuidar

para o mexicano Carlos Reygadas por “Post Tenebras Lux”,

da esposa depois que ela sobre um derrame. Mais conhecido

filme incompreensível que recebeu muitas críticas negativas

por filmes como “Funny Games” e “A Professora de Piano”,

de toda a imprensa. “Não sei como a imprensa recebeu o

Haneke entrou num seleto clube de duplos vencedores da

filme, mas alguns jurados ficaram tocados pela sua lingua-

Palma que inclui o sérvio Emir Kusturica e os belgas Luc e

gem. Muitas emoções do filme continuaram a crescer dentro

Jean-Pierre Dardenne.

de nós”, disse Moretti.

O presidente do júri, o italiano Nani Moretti, anunciou

Ao agradecer seu Prêmio do Júri por “The Angel’s

o prêmio fazendo uma menção especial aos dois atores

Share”, o britânico Ken Loach mencionou a crise econômica

principais do filme, os franceses Jean-Louis Trintignant (“A

na Europa. “Mando minha solidariedade a todos aqueles que

Fraternidade é Vermelha”) e Emmanuelle Riva (“Hiroshima

resistem hoje às medidas de austeridade e cortes na econo-

Meu Amor”). Depois da cerimônia, ele deu a entender que só

mia”, destacou.

não premiou os atores porque o regulamento proíbe outros prêmios ao filme vencedor da Palma. “Estou feliz de não

LE CHIFFRE PREMIADO

estar sozinho aqui para receber este prêmio, mas com meus

O prêmio de melhor ator foi para o dinamarquês Mads

amigos. Os atores são a essência do meu filme”, disse Haneke

Mikkelsen, o vilão Le Chiffre de “007 – Cassino Royale”, pelo

ao receber o prêmio.

filme “Jagten” (A Caça), como um homem acusado de pedo-

“Na Estrada”, de Walter Salles, saiu sem nenhum prê-

filia por sua comunidade. “Obrigado por ter me convidado

mio do festival. O filme recebeu uma acolhida apenas morna

ao seu universo de amor e medo”, agradeceu ele ao diretor

da imprensa internacional.

Thomas Vinterberg. As melhores atrizes foram as romenas Cosmina Stratan e Cristina Flutur, de “Dupã Dealuri” (Além

MEXICANO POLÊMICO Sem nenhum forte favorito até o final do festival,

das colinas), de Cristian Mungiu. Segundo Moretti, outros dois filmes dividiram bastante

Moretti confessou que nenhum dos prêmios foi dado por

as opiniões do júri: o francês “Holy Motors”, de Léos Carax, e o

unanimidade pelos jurados. “Percebi que a maioria dos dire-

austríaco “Paradise: Love”, de Ulrich Seidl. Ambos terminaram

tores tinham mais amor ao seu próprio estilo do que a seus

sem nenhum prêmio.

personagens”, alfinetou. Já o estilista o Jean-Paul Gaultier, membro do júri, afirmou que o filme de Haneke o fez chorar. O Grande Prêmio do Júri, segundo lugar na competição,

O prêmio Caméra d’Or, para um filme de diretor estreante, foi para o americano “Beasts of the Southern Wild”, de Behn Zeitlin, que já havia vencido dois prêmios no Festival

ficou com o italiano “Reality”, de Matteo Garrone, sobre um

de Sundance em janeiro. O júri do prêmio foi presidido pelo

peixeiro humilde que começa a enlouquecer com o sonho de

brasileiro Cacá Diegues. ~


Revista C.I.N

cara a cara

22

olhares

de

woody allen

por Geneton Moraes Neto

As entrevistas revelam muito do temperamento e preferências culturais de Woody Allen, mas não entra em questões pessoais.

O diretor - que adora esportes - confessa uma paixão brasileira. Não é Pelé nem Ronaldinho: é um escritor! LONDRES - Quando Woody Allen começa a falar, a gente sempre espera que vá soltar uma daquelas tiradas: “Eu me separei da minha primeira mulher porque ela era infantil demais. Toda vez que eu estava tomando banho na banheira ela vinha e afundava os meus barquinhos todos sem dar a menor explicação.”.


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23 cara a cara

Ou então: “Não, eu nunca estudei nada na escola. Ou outros é que me estudavam.”. A coleção de tiradas de Woody Allen traz,

porque se aproxima exageradamente do rosto do repórter a cada pergunta. Notório recluso, saiu de Nova Iorque às vésperas do Natal para divulgar o

como marca registrada, uma auto-ironia marcada

filme “Mighty Aphrodite” (“Poderosa Afrodite”),

por um sentimento de inadaptação à realidade. A

comédia sobre um homem que, depois de adotar

fantasia, repete Allen, é sempre melhor.

um menino recém-nascido, tenta descobrir quem

Cenário: uma suíte do sétimo andar do Hotel

é a mãe da criança. Vai parar no apartamento de

Dorchester, em frente ao Hyde Park. Não há dife-

uma profissional do sexo. Allen faz o papel princi-

rença alguma entre o Woody Allen da vida real e

pal, como não poderia deixar de ser. .

o Woody Allen das telas. A fala é apressada. Um

O homem não sossega. Ainda encontra

olhar tímido dirigido ao chão pontua o sorriso.

tempo para se confessar deslumbrado com um

De calça de veludo marrom e suéter verde, dá a

brasileiro – o “bruxo do Cosme Velho” Machado

impressão de ter alguma dificuldade para ouvir,

de Assis.


Revista C.I.N

cara a cara

24

GMN: Todo mundo fala da “crise dos quarenta.” Agora, duas semanas depois de completar sessenta anos de idade, você já entrou em crise? Woody Allen: “Eu me senti mal quando fiz cinqüenta anos, um tempo pouco prazeroso para mim. Fazer sessenta também não é agradável. Sempre que faço um aniversário significativo tenho um sentimento desagradável. Porque datas assim dão um tom dramático ao fato de que estou envelhecendo.”. GMN: Fazer filmes, no fim das contas, é a melhor maneira de superar a morte – ou pelo menos ter a ilusão de que é possível?

vel’ – não significa nada. O filme, por si mesmo, anos depois é que vai ver qual é a verdade. Não há como saber,

Woody Allen: “Não há como superar a morte. O que cada um deve fazer

agora – tanto em relação a filmes

é se esforçar bastante para se encontrar em suas tarefas seja você um diretor

como em relação a qualquer obra

de cinema, um motorista de táxi, um dentista ou um professor. Se você se con-

de arte. Filmes que há anos eram

centra no trabalho, não vai ficar pensando na morte. Se, pelo contrário, você

considerados ótimos são esquecidos

não pode se concentrar, a mente vai começar a se ocupar dessa nuvem escura

depois. Transformam-se em nada.

que nos acompanha o tempo todo. Fica difícil, então. O fato de ser diretor de

Outros filmes – que não eram tão

cinema não nos torna menos vulneráveis...”.

considerados quando do lançamento

GMN: Mas, nesse sentido, há sim, uma diferença entre o motorista de táxi

– permanecem em nossas cons-

e o diretor de cinema, porque um ator ou um realizador de certa maneira não

ciências. Adquirem importância. ‘As

morre: daqui a cem anos alguém poderá estar vendo Woody Allen numa tela...

Regras do Jogo’, filme de Jean Renoir, não foi bem recebido quando apare-

Woody Allen: “Mas eu não me

Woody Allen: “Não leio nada

ceu. Hoje é um clássico.”. GMN: Você pediu ao estúdio

preocupo em atingir a imortalidade

que sai sobre mim nas resenhas.

através do meu trabalho. Eu quero a

Porque tenho uma tendência de

para jogar fora o filme ‘Manhattan’

imortalidade é no meu apartamen-

acreditar na última coisa que eu li. Se

quando a versão final ficou pronta,

to! Isso é que conta! Imortalidade

o crítico de um jornal escrever ‘esta

porque mão gostou do resultado.

artística é catolicismo de intelectual.

pessoa é um gênio’, vou pensar aqui

Mas ‘Manhattan’ se transformou

Os católicos pensam que existe

comigo: ‘Ah é? Sou gênio porque foi

num dos seus filmes mais elogia-

vida depois da morte. Intelectuais

o New York Times que disse... ’ Se, por

dos. A má opinião que você tinha

que eventualmente podem nem ter

outro lado, alguém escrever ‘ele é um

sobre o filme é uma prova de que

relação alguma com o catolicismo

tolo; o filme não presta’, vou pensar:

você não é nem um pouco confiável

pensam que existe vida depois da

‘Eu realmente fiz um filme ruim. Sou

como crítico?

morte através da arte. Mas os dois

um bobo. ‘.

estão errados.”. GMN: Se um crítico disser que

A verdade é que coisas assim

Woody Allen: “Um diretor não é confiável quando fala sobre o próprio

não são reais, não têm nenhuma

trabalho. O fato de um diretor decla-

você é um gênio e outro disser que

relevância para um projeto. O fato de

rar que detesta um filme não quer

você é um idiota, em qual dos dois

dez milhões de pessoas dizerem algo

dizer nada. Igualmente, é estúpido

você teria a tentação de acreditar?

sobre um filme – ‘é ótimo ou ‘é horrí-

dizer ‘os críticos são uns bobos, não


Junho 2012

25 cara a cara

Não leio nada que sai sobre mim nas resenhas. Porque tenho uma tendência de acreditar na última coisa que eu li.

GMN: Mas você é considerado um diretor intelectual que atinge o mercado de massa... Woody Allen: “Não concordo nem com uma coisa nem com outra.

sabem de nada, não entendem

‘Persona’. Não acho, então, que uma

Não sou um intelectual. Não atinjo

nada.’ Porque quem não entende, na

seja superior a outra.”

o mercado de massas. Meus filmes

verdade, é o diretor. Os críticos enten-

GMN: Você lamenta que nem

não atingem. Bem que eu gostaria.

dem, o público entende - o diretor é

sempre exista uma correlação entre

Também gostaria de ser intelectual.

que não.”

os melhores filmes de um diretor e o

Mas não sou.”

GMN: Você divide os realizadores em duas categorias: os que fazem prosa e os que fazem poesia. Woody Allen faz o quê: poesia ou prosa?

sucesso comercial. Woody Allen: “É verdade! Frequentemente, não existe…” GMN: “A Rosa Púrpura do Cairo”,

GMN: Você gostaria que seus filmes tivessem a popularidade de um filme de aventuras de Indiana Jones? Woody Allen: “Não me inco-

Woody Allen: “Todo diretor tem

um dos seus filmes favoritos, atraiu

modaria. Quando lanço um filme,

filmes que adotam uma abordagem

o que você chama de “pequeno pú-

gosto que o público goste. Prefiro ver

poética – e outros que utilizam a

blico”. Você acredita então que existe

o público satisfeito. Mas jamais faria

prosa. Filmes meus, como ‘Bullets

uma contradição entre boa qualida-

algo para atrair o público- como, por

Over Broadway’ e ‘Manhattan Mur-

de artística e mercado de massa?

exemplo, mudar o filme. Quando o

der Mistery’, são prosa. Já ‘Another Woman’ é poético.” GMN: Quem é o melhor poeta da história do cinema? Woody Allen: “Ingmar Berg-

Woody Allen: “É interessante o que você me pergunta. Saul Bellow articulou o conceito de artista de público pequeno e artista de grandes públicos. Fiz uma distinção entre um

man. Para mim, é o melhor. Kuro-

autor como Charles Dickens - um

sawa, com certeza, é um grande

artista de grande público - ou James

poeta. Bunnuel, igualmente. Os

Joyce, consumido por um público

três são os maiores poetas.”

pequeno. Isso é verdade também

GMN: A poesia é superior à prosa?

no cinema. Chaplin e Buster Keaton

Woody Allen: “Não necessaria-

têm um público grande – e são

mente, porque filmes como ‘Ladrões

artistas! Bergman e Bunnuel têm um

de Bicicletas’, ‘A Grande Ilusão’ ou

público pequeno. Fico numa posição

‘A Regra do Jogo’ são prosa: não são

desconfortável, no meio do ar...Eu

poéticos. Isso não quer dizer que não

sinto que não sou um artista desse

sejam grandes filmes. ‘Oito e Meio’

nível. Sou um não –artista de público

é um filme poético, assim como

pequeno...(ri)”

público gosta, fico feliz.” ~


cara a cara

26

Revista C.I.N

Woody Allen: “Não é bem uma

Woody Allen: (depois de uma pausa para pen-

mas para delimitar o terreno entre

GMN: Você diz que tem proble-

confusão. A verdade é que eu sentia

sar) “Ídolo brasileiro? Há pouco tempo, li Machado

a realidade e a fantasia. É esta a

que a fantasia é boa. A realidade

de Assis. Achei que é um escritor excepcional. Uma

razão que o levou a se tornar um

é ruim. Muitos dirão: a verdade é

amiga me deu um livro de Machado de Assis- ‘Epi-

realizador: tentar resolver, através

bela, a realidade é bonita. Fantasia,

taph for a Small Winner’ (título da tradução para

do cinema, a confusão entre fanta-

não. Mas não sinto as coisas dessa

o inglês de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’).

sia e realidade?

maneira. Para mim, a fantasia é que

Fiquei muito, muito impressionado. Dei o livro

é boa. A realidade não é nem um

a meus amigos. Porque Machado de Assis não é

pouco atraente.”

bem conhecido.”

Woody Allen: “Que bom que você tocou neste assunto. O que acontece é que a realidade da vida é desagradável, difícil, dolorosa. Quan-

GMN: Uma pergunta direta e boba: por que você faz filmes?

GMN: O que é impressionou tanto você no livro?

Woody Allen: “Faço porque cres-

Woody Allen: “Achei Machado de Assis excep-

poesia, com literatura, com cinema,

ci gostando de filmes. Quando entrei

cionalmente espirituoso, dono de uma perspectiva

com teatro, você pode criar uma

no show business me pareceu que

sofisticada e contemporânea, o que é incomum, já

realidade própria, sobre a qual você

todo mundo queria fazer cinema.

que o livro foi escrito há tantos anos. Fiquei muito

exerce controle: você usa os perso-

Parecia ser a mais expressiva forma

surpreso. É muito sofisticado, divertido, irônico.

nagens de que gosta, no cenário que

de arte, a de maior comunicação

Alguns dirão: ele é cínico. Eu diria que Machado de

prefere, para fazer com que o destino

com o público. Além de tudo, você

Assis é realista.”

de cada um se realize da maneira

poderia exercer um controle sobre o

GMN: Quem lhe passou o livro?

que você quer. É ótimo.”

produto- o filme. Depois, vi que havia

Woody Allen: “Nem me lembro agora do

do você trabalha com pintura, com

GMN: Você já sentia a confusão

gente disposta a me dar dinheiro. Em

nome da pessoa que me passou o livro. Apenas ela

entre realidade e fantasia antes de se

filmes- como na arquitetura- você

disse: ‘Você deve gostar...’ Respondi: ‘Nunca ouvi

tornar cineasta?

precisa de um bocado de dinheiro

falar de Machado de Assis.’ Mas li- e gostei muito.”

para realizar um projeto. As empresas, então, começaram a me dizer: ‘Você terá cinco milhões de dólares para ou dez milhões de dólares para fazer um filme.’ Nem discuti.” GMN: Você – que é

GMN: Você consideraria a possibilidade de filmar ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’? Woody Allen: “Gosto de escrever meus próprios filmes. Mas Machado de Assis é um maravilhoso momento na literatura. Dei cópias do livro para minha filha e para os meus amigos.” GMN: Se você fosse convidado a escrever o

um grande fã de esporte –

verbete “Allen, Woody” numa enciclopédia, quais

também gosta de futebol?

as primeiras palavras que você usaria para se

Woody Allen: “Conheço melhor o futebol americano.

definir? Woody Allen: “Eu diria que Woody foi um

Gosto de todos os esportes,

realizador que fez filmes - alguns bons; outros não.

na verdade. Quando vou a

Creio que seria um retrato exato.

um país, passo a acompanhar os esportes locais. Posso ver uma partida de críquete. Já fui a jogos de futebol.” GMN: Já teve algum ídolo brasileiro, na área do futebol?

Eu ficaria feliz se um dia, quando eu deixar de fazer filmes, pudesse ter feito um ou dois que fossem tão bons quanto os melhores que vi. Eu me sentiria realizado se fizesse um filme tão bom quanto ‘A Regra do Jogo’ ou ‘O Sétimo Selo’. Para mim, seria o suficiente. Ah, eu ficaria muito feliz, sim.”. ~




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