ÁGORA
revista acadêmica de comunicação e artes V.1 - N.1 - 2014
Ao leitor
Comunidade acadêmica,
É uma imensa satisfação compartilhar com vocês essa publicação. A revista Ágora é fruto de um intenso trabalho de uma equipe determinada, com a qual tenho orgulho de trabalhar, encabeçada pelo prof. Dr. Filipe Salles, a quem devo meus agradecimentos. Com esta publicação objetivamos difundir a pesquisa acadêmica realizada na Faculdade de Comunicação, Artes e Design do CEUNSP. Nosso alvo é a pesquisa experimental, articulando professores e estudantes de graduação para investigar os processos comunicacionais e artísticos. Com a sequência das edições da revista Ágora visualizo um profícuo debate sobre produtos e processos de comunicação, embasados na teoria retirada da literatura e vividos pelo empirismo da realização. Cordialmente, Prof. Edson Cortez Presidente do Conselho Editorial
Editorial É com grande satisfação que anunciamos mais um passo em direção à excelência acadêmica da FCAD/CEUNSP, através da criação de nossa revista científica de Comunicação, Artes e Design: ÁGORA. Todas as grandes instituições de ensino possuem uma forma de divulgação de sua produção acadêmica, e agora também temos esta oportunidade, nos colocando na vanguarda da pedagogia universitária e no status de contribuidores da formação científica no país. A revista está aberta para artigos relacionados a qualquer tema da comunicação, artes ou design, e podem vir de pesquisa discente (iniciação científica, AECA, TCC) ou pesquisa docente, de professores da casa ou não. A revista terá periodicidade semestral e conta com amplo apoio de professores do conselho acadêmico e editorial. O nome ÁGORA vem de um dos berços de nossa civilização, a Grécia, e era o espaço destinado ao convívio público, desde comercial até intelectual e político. Filósofos, oradores e sofistas gregos ensinavam na Ágora, convivendo com comerciantes, feiras e artistas, assim como viajantes, que ao retornarem do estrangeiro, paravam na Ágora para contar aos seus conterrâneos como eram as culturas e as organizações de outros povos, uma vez que não existiam mídias de comunicação. Assim, justamente por ser um espaço para manifestações de ideias de vários gêneros, a Ágora é considerada um modelo e marco da democracia. Da mesma forma, nossa proposição é que a revista da FCAD seja um marco de produção intelectual acadêmica, e que possa honrar e divulgar os brilhantes trabalhos de nossos estudantes e professores, bem como de convidados. Sejam bem-vindos!” Cordialmente, Prof. Dr. Filipe Salles Editor
EXPEDIENTE Editor Prof. Dr. Filipe Salles Capa e projeto gráfico Ingrid Baptista e Camila Forti Presidente do conselho editorial Edson Cortez
Redação e administração Conselho Editorial Prof. Dr. Filipe Salles, Profa. Fernanda Cobo, Profa. Me. Sonia Chamon, Profa. Me. Renata Faculdade de Comunicação, Artes e Design Boutin Becate, Prof. Me. Fabrizio di Sarno Pça Antonio Vieira Tavares 73 (Pca da Matriz) – Centro - Salto/SP – A/C FCAD – Bloco K Reitor Tels.: (011) 4028-8340 Prof. Estevão Anganuzzi Chanceler Prof. Rubens Anganuzzi Filho
revistaagorafcad@gmail.com
Índice “Hábitos de leitura e mídia do acadêmico da FCAD: avaliação do jornal O Arauto” por Graziela Grassi Jimenez
Sobre o conceito de fotografia por Filipe Salles
A Metalinguagem no cinema de Jean-Luc Godard por Julyano Abnner de Macedo Glisotte
Mulheres: A Subjetividade Estética da Beleza por Bruna Giannone
Teorias da comunicação e a torcida no futebol brasileiro por Pedro Courbassier
Arte, Loucura e Modernidade por Sonia Leni Chamon
Os Efeitos Sociais da Comunicação Jornalística por João José de Oliveira Negrão
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“ Hábitos de leitura e mídia do acadêmico da FCAD: avaliação do jornal O Arauto”
Graziela Grassi Jimenez Mestre em Administração com ênfase em Marketing pela FEA/USP, docente da FCAD Faculdade de Comunicação, Artes e Design do CEUNSP e Gerente da DATA FCAD - Centro de Estudos e Pesquisas de Mercado, Mídia e Opinião, núcleo da AECA Agência Experimental de Comunicação.
RESUMO O objetivo desta pesquisa foi investigar o comportamento dos acadêmicos da FCAD em relação aos meios de comunicação, buscando compreender mais especificamente seus hábitos de leitura e de mídia e suas percepções sobre diversos aspectos do jornal O Arauto. A presente pesquisa teve caráter quantitativo-descritivo, realizado por meio do método survey com amostra de 97 acadêmicos da FCAD no campi de Salto/SP e 48 acadêmicos no campi de Itu/SP. O planejamento desta pesquisa previu a obtenção de dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados através de entrevistas pessoais e aplicação de questionários estruturados com perguntas fechadas e abertas. Os dados foram analisados de forma descritiva utilizando-se o cálculo de distribuição de freqüência (%) e apresentados com auxílio de gráficos. As questões abertas tiveram uma análise qualitativa de conteúdo, visando à classificação e categorização das respostas. Os resultados apontaram que na opinião de 76% dos leitores ocorreram melhorias e que a principal mudança se deu no projeto gráfico do jornal, seguida pela variedade de assuntos e conteúdo das notícias. Entretanto, observa-se que o grupo de leitores fiéis ainda é pequeno, pois uma parcela significativa dos pesquisados costuma fazer uma leitura apenas parcial do Arauto, demonstrando que há um grande potencial de crescimento e conquista destes jovens leitores. Palavras-chave: hábitos de leitura, jornal universitário, mídias e comportamento do jovem.
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INTRODUÇÃO
Um dos projetos da DATA FCAD - Centro de Estudos e Pesquisas de Mercado, Mídia e Opinião, núcleo da AECA Agência Experimental de Comunicação, Artes e Design, dedicou-se a realização de uma pesquisa avaliativa sobre jornal O Arauto. A ideia em se realizar uma pesquisa sobre o jornal O Arauto, partiu da inquietação em entender o quanto, o que e como os jovens lêem, qual o nível de distanciamento dos jovens leitores da palavra escrita, haja vista seu envolvimento com o mundo tecnológico audiovisual e digital. Sendo fundamental identificar os elementos que mais despertam o interesse pela leitura do jornal e quais bloqueiam o estabelecimento de um possível hábito de leitura.
Equipe DATA FCAD Pesquisa O Arauto
Tal estudo foi elaborado buscando compreender mais especificamente seus hábitos de leitura e de mídia e suas percepções sobre diversos aspec-
tos deste jornal universitário. De modo mais detalhado foram questionados sobre o formato (tablóide versus standard), projeto gráfico, qualidade e variedade de conteúdos, bem como a percepção de melhorias realizadas desde sua criação em 2007. A pesquisa de natureza quantitativa foi realizada por meio do método survey ou le-
Agência Experimental de Pesquisa DATA FCAD, durante o período de abril a junho de 2010. A presente pesquisa é de natureza quantitativa-descritiva, realizada por meio de levantamento ou survey, que segundo Churchill (1999), permite a medição de diversas variáveis de interesse simultaneamente. O planejamento desta
vantamento junto aos acadêmicos da FCAD no campi de Salto, SP. Em paralelo, também foi coletada uma amostra menor de acadêmicos no campi de Itu. Na FCA o universo de pesquisa englobou indivíduos com idade entre 17 e 40 anos de ambos os gêneros, pertencentes às classes sociais ABCD (Critério Brasil/2008) e estudantes dos oito cursos da FCAD – Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Jornalismo, Rádio e TV, Cinema, Artes Cênicas, Fotografia e Eventos. Os dados foram coletados através de entrevistas pessoais via aplicação de 97 questionários envolvendo acadêmicos de todos os cursos da Faculdade. As entrevistas foram executadas por uma equipe de estudantes dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas membros da
pesquisa previu a obtenção de dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados através de entrevistas pessoais e aplicação de questionários estruturados com perguntas fechadas e abertas. O estudo previu a realização de pré-teste do instrumento de coleta de dados, visando à verificação da compreensão, clareza e seqüência das questões mais adequadas. Adicionalmente foram utilizadas fontes secundárias de dados, como consulta às publicações especializadas e documentos da faculdade (MALHOTA, 2001, MARCONI; LAKATOS, 2006; MATTAR, 2001). Os dados da pesquisa quantitativa foram analisados de forma descritiva utilizandose o cálculo de distribuição de freqüência (%) e apresentados com auxílio de gráficos. As questões abertas tiveram uma aná5
lise qualitativa de conteúdo, visando à classificação e categorização das respostas.
RESULTADOS
De modo geral, os resultados da pesquisa se apresentaram positivos quanto à maioria dos aspectos avaliados. O primeiro bloco de questões da pesquisa envolveu o levantamento do perfil socioeconômico dos estudantes, englobando gênero, idade, renda familiar e estado civil. O perfil da amostra é predominantemente composto por jovens solteiros (92%) distribuídos nas seguintes faixas etárias, 64% tem entre 17 e 21 anos e 27% entre 22 e 26 anos. Em primeiro lugar buscou-se entender os hábitos cotidianos de leitura, considerando as diversas mídias e veículos disponíveis aos jovens, constatou-se que 35% dos estudantes costuma ler diariamente e 20% três vezes por semana, sendo que 45% da amostra apresenta uma freqüência de leitura menos intensa. As revis-
tas mais lidas são Época, Veja e IstoÉ com 27%, Super Interessante 18% e empatadas as revistas Caras, Contigo e Quem com 12%. A preferência de leitura é do jornal local com 31%, seguido pela Folha de São Paulo (25%) e Estado de São Paulo (18%). Destaca-se também que 56% dos alunos têm preferência pela mídia digital, sendo o Orkut a rede social mais acessada com 44%. O segundo bloco da pesquisa foi dedicado à avaliação especificamente do jornal O Arauto. Nesse sentido, quando perguntados sobre a freqüência de leitura do O Arauto, 40% afirmaram ler o jornal às vezes e 34% todo mês. Vale destacar que uma parcela pequena não tem o hábito de ler o Arauto (8%), cujo principal motivo é a falta de interesse (50%), seguido pela falta de tempo (38%). Quanto ao processo de leitura, 36% dos estudantes lêem somente as reportagens, 31% apenas folheia rapidamente e uma parcela menor de 25% faz a leitura completa do jornal. (Ver grafico 1) De modo geral, os resultados apontaram que na opinião de 76% dos leitores houve melhorias e que a principal mudança ocorreu no projeto gráfico do jornal
(30%), seguida pela variedade de assuntos (23%) e conteúdo das notícias (22%). Por outro lado alguns alunos observaram falhas na divulgação e distribuição do Jornal O Arauto dentro e fora da universidade. (ver Gráfico 2) Os estudantes revelaram suas preferências em relação aos conteúdos das matérias, assim a música se destaca com 53%, seguida por entretenimento com 20%, tecnologia com 17% e cultura local com 13%. (ver Gráfico 3)
Por sua vez, quanto à composição do Arauto 72% dos alunos preferem maior quantidade fotos e 65% gostariam do uso de fontes maiores. Com relação ao formato do jornal a opinião se divide, pois 39% prefere tablóide e 36% standard. Dentre as sugestões de melhoria para O Arauto, se destaca a inserção de um espaço para o perfil social do aluno onde pudesse contar sua história de vida e seu sonho profissional. E ainda espaço de sugestões, caderno esportivo, reportagens sobre os cursos e coluna de entretenimento.
Gráficos comparativos de resultado
Gráfico 1
Gráfico 2
Gráfico 3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O jornal O Arauto, sofreu diversas mudanças desde sua primeira publicação em 2007, tanto em seu conteúdo quanto em seu projeto gráfico. Entretanto, observa-se que o grupo de leitores fiéis ainda é pequeno, pois uma parcela significativa dos pesquisados costuma fazer uma leitura apenas parcial do Arauto, demonstrando que há
um grande potencial de crescimento e conquista destes leitores. De um modo geral, a mídia inserida na vida do jovem tem um papel de grande estimulação. Por sua vez, o conceito atual de mídia transcende o entretenimento. De fato, há um tripé composto pela comunicação, educação e a informação que precisa ser ponderado. Atualmente, vivemos no mundo globalizado e midiático, isto é, um contexto mul-
tifacetado que inclui ambientes diversos - multimídia, multicanal, multisensorial e digital. E ainda o estilo de vida que inclui preferências e expectativas, especialmente dos jovens, é intenso, imediato e mutante. Portanto, a forma ideal para despertar o interesse pela leitura desse público é investigar, compreender e focar seus reais interesses.
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REFERÊNCIAS
CZINKOTA, M.R. et al. Marketing: as melhores práticas. Porto Alegre:Bookman, 2001. CHURCHILL, G. A.; PETER, J. P. Marketing: criando valor para o cliente. São Paulo: Saraiva, 2000. DIAS, P.R. et al.. Gêneros e formatos na comunicação massiva periodística: um estudo do Jornal Folha de São Paulo e Revista Veja. In CONGRESSO BRASILEIRO DA CIENCIA DE COMUNICAÇÃO, 23, 1998, Recife. Anais Eletronicos. Intercom Disponivel em www.intercom.org.br. Acesso em 3 de setembro 2012. FONSECA, J.S; MARTINS, G.A. Curso de Estatística. São Paulo: Atlas, 2006. GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo, Atlas, 2006. HAIR et al. Fundamentos de Métodos de Pesquisa em Administração. Porto Alegre: Bookman,2005. KOTLER, P. Administração de Marketing: análise, planejamento, implementação e controle. São Paulo: Atlas, 2001. KOTLER, P; KELLER, K. Administração de marketing. 12º ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. MALHOTRA, N.K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. 3 ed. Porto Alegre: Bookman,2001. MARCONI, M.A; LAKATOS, E.M. Técnicas de pesquisa. São Paulo, Atlas, 2006. MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 2001
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Sobre o conceito de fotografia
Filipe Salles
Fotógrafo, cineasta e professor, formado em cinema pela FAAP, mestre e doutor pela PUC/SP, editor do site Mnemocine.art.br e coordenador dos cursos de Artes do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio em Salto/SP
RESUMO Este artigo discute a questão da representação, veracidade e fluidez das imagens da era digital, em especial as da fotografia, considerada, por autores como Barthes, Sontag, Santaella, Flusser, Benjamin, Aumont e Couchot, entre muitos outros, como representações fidedignas da realidade, mediações que permitem interpretações variadas, mas unânimes em considerá-las representações do real. Entretanto, a fotografia hoje se apresenta de forma indelével como uma afronta ao testemunho da veracidade: seu conteúdo é altamente manipulável. Até onde podemos “confiar” nesta fonte? Onde estaria a realidade propriamente reconhecível e confiável? Questões como essas nos levam não ao suporte fotográfico em si, mas sua instância anterior, a própria idéia da fotografia, ou a fotografia como uma idéia. Palavras-Chave: Fotografia, Filosofia, Estética, Representação, Fotojornalismo e Pictorialismo
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Qualquer estudo sobre algum assunto merece começar definido seu objeto, coisa bastante evidente para as ciências exatas e biológicas, mas não sempre fácil para as ciências da comunicação. Isso se deve ao fato de que nas teorias de comunicação que tratam do assunto IMAGEM existe uma onipresente e constante
exemplo, Roland Barthes (1984) descreve um longo ensaio sobre a fotografia a partir de seus sentimentos em relação a uma imagem de sua mãe. Todas as conclusões são baseadas em seus sentimentos e emoções, estendendo a análise na mesma razão para diversos outros fotógrafos e suas imagens. As conclusões apresentadas são
lação sobre o que é fotografia. Seria como se disséssemos que a Televisão é sua programação, e não que a televisão é um aparelho que decodifica sinais eletromagnéticos e os transforma em luz, mostrando imagens luminosas compostas segundo padrões eletrônicos definidos. A sua programação é a parte relativa, qualquer imagem pode ser
confusão entre objeto e signo, ou seja, uma dificuldade em diferenciar o que é o objeto-imagem daquilo que ele representa como imagem. E, justamente, um dos assuntos que mais tornam explícita essa problemática talvez seja precisamente a fotografia, que personifica este grande embate entre signo e objeto. A fotografia é um objeto físico, palpável, mas na maioria das vezes é tratada, analisada e comentada como aquilo que está representado nela, ou seja, seu conteúdo-imagem. Este conceito está presente até mesmo na teoria que se propõe a decodificar os signos, não havendo, na semiótica, um parecer conclusivo sobre a natureza da fotografia, icônica, indicial ou ambas (Machado, 2001). Numa outra maneira de encarar o problema, esta perspectiva se torna bastante evidenciada quando por
divagações poéticas acerca da representação das imagens, ou o que fala o conteúdo da imagem fotográfica; sempre pensando na fotografia como uma marca indelével de veracidade, que o faz chegar até à morbidez de ver a fotografia como o testemunho do efêmero. Razão similar adota Susan Sontag (1981), analisando a fotografia segundo seu impacto social e psicológico, mas sempre baseado no conteúdo da imagem fotográfica (interessante que ela e Benjamin tem a particularidade de comparar a fotografia a uma arma de caça, e mesmo Flusser esboça a idéia “aparelho-arma”); para não mencionar Dubois (1993) e sua análise meticulosamente discursiva. Mas o grande equívoco em tratá-la assim é que estamos analisando sua parte variável, relativa, e que portanto não fornece senão uma especu-
mostrada na televisão, portanto a televisão mostra imagens, mas ela não é a imagem que mostra. Depois de definido o suporte é que podemos discutir a linguagem que ele permite. O mesmo se dá com a fotografia, a pintura ou o cinema; qualquer arte visual se porta da mesma maneira: são suportes, meios, maneiras de traduzir, tridimensionalmente, um pensamento, uma imagem mental, a imaginação. Já Vilém Flusser (2002) encara a fotografia de outra maneira: como imagem técnica. Sob este aspecto a fotografia é vista quase que inteiramente como um produto mecânico, produzido por aparelho, condicionada à programação da máquina, e que o fotógrafo nada mais faz do que escolher entre alguns programas disponíveis no aparelho. Também essa perspectiva 10
não fornece indícios do que seja a fotografia, pois da mesma forma podemos dizer que a pintura precisa de aparelhos – a tela, o pincel, a tinta e a mão hábil do artista. A idéia de que o conceito de fotografia esteja na própria câmera fotográfica leva à eminente conclusão de que a arte fotográfica é limitada pelas possibilidades do aparelho (como
cada para responder à questão da definição da arte fotográfica. Tentaremos partir do pressuposto que a fotografia não pode ser definida pela câmera e nem pelo seu objeto, pois cada fotografia poderia ser analisada de forma totalmente diferente, de acordo com suas características e seu caráter, o que equivaleria a definir uma arte através de um
vras, imitar é natural da humanidade (por razões talvez ainda desconhecidas, psíquicas e arquetípicas), e por essa razão a fotografia, desde seu gênese técnico que remonta a experiências anteriores a Nièpce e Daguerre, tem gerado a confusão entre o objeto-foto e o assunto fotografado, e consequentemente sobre sua natureza. Ben-
se na música não houvesse a limitação de cada instrumento, mas a música é mais que o instrumento). Há inclusive uma certa contradição quando Flusser menciona que, do ponto de vista do fotógrafo, “...sua ‘escolha’ é limitada pelo número de categorias inscritas no aparelho: escolha programada” (op.cit, p.31), e logo adiante, postula, vagamente, idéia contrária, “As possibilidades fotográficas são praticamente inesgotáveis” (idem, p.32). E mesmo a definição do glossário proposto não foge ao problema: aparelho fotográfico como “brinquedo que traduz o pensamento conceitual em fotografias” (ibidem, p.77). Qual seria o limite do pensamento conceitual? Não desconsideramos as dificuldades de se evitar tais contradições, mas levantamos a hipótese de que a perspectiva de análise esteja equivo-
determinado instrumento, estilo ou mesmo através de um certo autor. A grande polêmica em torno dessa reflexão é que seria a fotografia um suporte que representaria o “real” e não uma imagem subjetiva fruto de criatividade estética. A origem dessa confusão remonta aos primórdios da própria reflexão sobre arte. Aristóteles já iniciava sua Poética (1980) com as máximas “Poesia é imitação”, “o homem se compraz no imitado”; mais de 20 séculos depois, Walter Benjamin (1994) refletia nos mesmo termos: “...é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças”, e ainda especula que talvez “não haja nenhuma de suas funções superiores que não seja decisivamente co-determinada pela faculdade mimética” (op.cit, p.108). Em outras pala-
jamin (idem, p.91) também faz considerações neste sentido, descrevendo a situação em que a fotografia competiu com a pintura pela primazia da reprodução mimética, até que tomaram sentidos diferentes no conceito de uso: a fotografia seria uma técnica facilitadora do processo de imitação, ao passo que a pintura poderia começar a imitar imagens mentais menos palpáveis, e a fotografia passou, mesmo para Benjamin, como sendo a técnica perfeita de reprodução do real (daí também sua discussão sobre a obra de arte e a reprodutibilidade técnica). Tentativas brechtinianas de afastamento em relação ao objeto fotografado não foram suficientes para conter o fascínio da reprodução fotográfica, ou, antes, a mimese perfeita. vTal idéia pode hoje ser novamente questionada, não 11
apenas pela contribuição autoral dos pensadores posteriores, mas também pela natural reflexão que engendra hoje nosso mundo coalhado de imagens digitais. A idéia de uma fotografia como a reprodução perfeita da realidade, um atestado de veracidade, é altamente relativa; sempre houve edição e manipulação de imagens, e hoje os
râmetro irrefutável da existência de algo (como Barthes tanto enfatiza) não pode ser considerada como essencial na fotografia, pois é fator variável; da mesma maneira, a questão de Flusser sobre a imagem técnica, não se justifica na medida em que toda a arte, ou toda a representação, depende de alguma técnica, e a limitação – se é que se pode
fotografia é a imagem da luz refletida ou emanada dos objetos apreendida diretamente num certo suporte. Sua diferença em relação a qualquer outra representação visual é apenas a maneira como ela trabalha, e que, no caso, constitui seu maior fascínio: a apreensão direta da luz. Uma vez definido um conceito sobre o que é fotografia,
programas de edição fotográficos evidenciam isso abertamente a qualquer pessoa que se interesse. Portanto, no máximo, podemos dizer que a fotografia reproduz uma imagem reconhecível por semelhança, que pode ou não ser verificável, e que, portanto, tem amplo potencial de verossimilhança. A célebre foto de Philippe Halsman, denominada Dali Atomicus (1947), retratando Salvador Dalí flutuando no ar com gatos, fluxo d´água e objetos de atelier evidencia esta questão. A foto, por ser uma foto, é altamente verossímil, mas é obviamente irreal. Se dependêssemos apenas da interpretação cerebral, por semelhança, a foto poderia ser considerada um evento que teve existência física, mas, por consciência, sabemos que ela não seria possível no mundo “real”. A questão da fotografia como pa-
usar tal medida – é de quem faz, e não do aparelho (se não fosse assim, todos os alfabetizados poderiam ser escritores). Nesta mesma ordem dos fatos, a fotografia intriga-nos por ser um processo mecânico-químico (ou ainda mecânico-eletrônico) que é obtido por um aparelho, e daí a ilusão de que a fotografia pode ser autônoma ou isenta de responsabilidade, documental e asséptica. O fato de ser um aparelho não implica que a fotografia seja feita sem a intervenção humana – da mesma maneira que um instrumento musical, mesmo que automático, precisa de alguém para operá-lo ou programá-lo (usando a linguagem de Flusser). Se excluirmos todos estes aspectos subjetivos, o conteúdo das imagens, o aparelho técnico responsável pela captação de imagens, sobra-nos isso: a
a reflexão sobre o assunto nos leva a uma questão interessante, formulada ainda como hipótese, de que talvez a fotografia como representação de algo não se diferencie em essência de nenhuma outra maneira de imitação visual: pintura, fotografia, desenho, litografia, xilogravura. Se a fotografia possibilita ver uma imagem pela apreensão da luz, e essa imagem não é exatamente o “real” tal como entendemos, qual seria a diferença de uma representação visual fotográfica e uma pictórica? Apenas a apreensão da luz. Mantendo essa ordem de pensamento, concluiríamos que todas as representações, ou antes imitações visuais, são manifestações do mesmo fenômeno aristotélico, talvez antes psíquico que cultural: o homem se compraz no imitado. Existe um prazer em refletir sobre aquilo 12
que pode ser sentido através da representação de um algo, e por isso é que podemos falar sobre uma essência comum em todas as artes visuais: a imagem não representa um objeto “real”, e sim um estado emocional, um sentimento, mesmo se ela não for utilizada para fins estéticos (caso da fotografia documental – que também não é fotografia
nhuma razão para esse anseio humano no profundo âmago de sua psique, pois não seria por mero capricho modista que a humanidade toda buscou sempre o prazer estético na imitação – vide o cinema, ou mesmo a televisão, fenômenos de mídia do nosso século. Este é a grande questão da análise filosófica do suporte
bém em fotografia, em vídeo, em cinema. Porque não está no conteúdo sua demarcação, e sim na forma como ele representa por semelhança. E por aí o artista escolhe, qual o suporte mais adequado. Isso também serve se considerarmos a fotografia isoladamente, sem compará-la a outras artes: o fotógrafo procura sem-
isenta de expressão). Esta hipótese está baseada no fato de que o homem é o único animal capaz de produzir abstrações, criar elementos novos sobre os elementos fornecidos a priori, e que portanto não faria sentido a criação se não fosse justamente na sua capacidade de interpretação sensível – já que a interpretação racional é possível para os demais animais. Portanto, de que serve a busca arquetípica pela representação perfeita da natureza (como a pintura buscava), cujo arauto foi a fotografia, e que até hoje nos persegue, consciente ou inconscientemente? Não podemos ignorar a busca secular da estética visual por esse ideal, que resultou inclusive no grande embate entre a fotografia e pintura pela primazia do real, pela representação perfeita. Não podemos esperar que não haja ne-
visual: uma vez que concluímos que o homem busca a representação por semelhança – física ou abstrata – está claro que o cérebro entende um objeto representado porque reconhece suas formas, e as compara, fornecendo material para o processamento da idéia articulada pelo conjunto de formas reconhecíveis. Por este motivo, não temos nenhuma razão para diferenciar as artes visuais pelo seu suporte: cada uma representa habilmente com um determinado caráter, e diferenciar suas instâncias através do objeto representado é como tentar marcar uma fronteira com elementos de cultura: ora estão presentes, ora estão ausentes, embora sempre latentes, mas a fronteira é variável. E essa é a razão pela qual um artista plástico é capaz de produzir trabalho não apenas em tinta, mas tam-
pre a melhor expressão de sentimento do instante fotografado, para que a foto represente bem não a forma, mas a emoção do momento. É por essa razão que um trabalho fotográfico em estúdio, com modelos, é longo e está repleto de clicks. É preciso escolher aquela imagem que melhor representa um determinado estado de espírito, e para isso é preciso fazer vários clicks. Na fotografia fotojornalística, o profissional destacado é aquele elevado ao status de artista por conseguir, justamente, a melhor representação de um instante com poucas oportunidades de registro (Cartier-Bresson, Capa). E ainda na fotografia de paisagem, em que o objeto é estático, o fotógrafo é que o contempla até achar seu melhor ângulo, para melhor representar a emoção que a paisagem fornece (por isso também a fotografia é 13
individual, e nunca impessoal – vide Adams, 1989). Os grandes fotógrafos retratistas, como Nadar, Steichen, Halsman, destacaram-se (também) por terem feito pintura na fotografia: o retrato que resume a personalidade, tem vida. A título de ilustração, é preciso retomar a análise comparativa: nesta mesma razão,
mente consegue este patamar). Acaba por acrescentar nova dimensão ao conceito de Benjamin de aura: a reprodutibilidade técnica em excesso banaliza a representação, mas com o advento do digital, não foi a reprodução o agente da banalização, e sim a própria produção de imagens que agora é banalizada pela quantidade de-
A conclusão a que chegamos, por conseqüência, é que não está no objeto sua qualidade, e sim na maneira como nós enxergamos – uma forma relativa e limitada. Voltamos a Platão e sua Caverna, obrigados que somos, a admitir, que realmente o que vemos é apenas um reflexo da luz dos objetos – que o artista registra de diferentes ma-
a pintura busca exatamente a mesma coisa, a representação (a mais perfeita, segundo critérios subjetivos) do estado de espírito que o artista sentiu. Por isso um retrato pictórico pode ser tão emocionante: traduz uma personalidade, como se o artista pudesse incorporar, na tinta, uma “alma”. E é isso que a fotografia também almeja. Portanto, a grande fotografia é como a grande pintura: tem “alma”. E por isso, tanto faz se ela seja feita por aparelho ou diretamente pelas mãos: a pintura é feita pelas mãos – a luz precisa ser desenhada; a fotografia passa pelo aparelho (sem mão) mas apreende a luz diretamente. Qual é a diferença? Apenas a maneira de realização, pois ambas almejam os mesmos fins: a melhor representação da “alma” (mesmo a fotografia amadora e turística, que rara-
senfreada de imagens produzidas por tão pequenas câmaras. Mas, de tanta imagens, poucas são efetivamente copiadas, o que nos leva a pensar se a banalização é realmente efeito da reprodutibilidade – a perda da aura – ou do desgaste da alma, aquela mesma que faz perder o interesse pela obra musical ou cinematográfica ouvida e assistida N vezes. Porque seria fácil deduzir que um filme exibido centenas de vezes perde seu impacto inicial, e que tal fato advém de sua reprodução. Mas não é a técnica de reprodução, e sim a própria reprodução, porque da mesma maneira, se uma pessoa mantiver por anos os olhos num mesmo quadro, este um também perderá seu valor de impacto inicial. O quadro não está sendo “reproduzido”, mas visto novamente – essa é a própria reprodução.
neiras, a representação visual como mimese de nossa própria, limitada e fascinante natureza. Mesmo Eisenstein, sobre o cinema, já postulava que a realidade não está nas coisas, e sim no pensamento, pois o pensamento é a origem das coisas. Conseguimos então definir a fotografia e falar de suas instâncias mais evidentes, sua constituição como forma de representação visual: apreensão da luz. Intriga-nos, ainda, questões decorrentes: se a fotografia, tanto quanto a pintura, não representa imagens, e sim sentimentos e emoções advindos do reconhecimento de formas similares (em consonância com o aspecto arquetípico – o sonho), àquilo que chamamos efetivamente de fotografia não estaria no objeto, e sim na maneira como vemos, pois um 14
objeto representado (mimese) numa pintura ou numa fotografia teria a mesma interpretação. Aí entram os aspectos efetivamente particulares de cada suporte de representação. Ao compararmos a pintura neste caso, estamos analisando sob ponto de vista do senso comum, mas que poderia igualmente ser aplicado a representações
fotografia). Este eixo é responsável por uma boa parte do que se atribui da emoção deste caráter, uma vez que o conhecimento deste aspecto nos fornece sensações diferenciadas, evocando aspectos sincrônicos (a sensação do tempo preciso, ou congelado) ou supra-temporais (sem tempo determinado). A música ao vivo e a música gravada su-
estar no espaço, mas ser regida pelo tempo (se é que podemos abusar desta diferenciação, já que também são interpretações cerebrais). Em resumo, o tempo é o grande aspecto de fascínio da fotografia, a possibilidade de apreensão do instante mágico, do momento decisivo (a máxima de Cartier-Bresson), elementos que a psicologia talvez associe
visuais diversas como a escultura, xilogravura, e até o teatro e a dança. Pois se verifica que a mesma característica que fascina no teatro – que o mantém vivo não obstante o cinema – é o que fascina a fotografia frente à pintura. Temos que, apesar de representações similares, elas se diferenciam em caráter pela maneira como apresentam seus resultados. Devemos entender isso na razão de entendimento do cérebro (como procedemos anteriormente), que é limitado à percepção tridimensional de tempo e espaço. Ora, o caráter de uma obra se justifica não apenas pelo tipo de sentimento ou emoção que evoca, mas também pela distribuição no eixo espaço-tempo, o que fez muitos teóricos da artes dividirem-na em artes do tempo (a música, a dança, o teatro, a literatura) e do espaço (pintura, escultura,
gerem as mesmas relações: de que serve ir a um concerto ou a um show se hoje a gravação fonográfica registra com perfeição algo que ao vivo pode sofrer mais distorções acústicas? A presença do artista ao vivo, entretanto, é insubstituível, é a “alma” e a aura juntas, é o momento mágico, o instante em que aquele artista efetivamente executou sua reprodução, sua mimese, geradora de sentimento e emoção. A gravação, que a tudo isso registrou, perpetua, mas não reproduz a emoção do instante. Traduz o atemporal para as futuras gerações. Eis a fotografia: o atemporal, ou talvez supra-temporal (o além do tempo, ao invés do tempo eterno), pode ser manifestado, ainda que seja uma arte “do espaço”. E eis, ainda mais, que a fotografia compartilha da privilegiada situação de
com o medo (do tempo). Portanto, o resumo: temos que a fotografia não é relativa a seu objeto, não pode ser definida pelo índice, nem pelo ícone, mas talvez apenas pelo símbolo (Machado), no sentido de expressão sensível, e que não se diferencia de nenhuma outra arte visual neste aspecto. É uma forma de imitar formas, mas não pela forma em si (já que nosso olho também imita formas), mas sim pela estilização do sentimento que a forma traduz para quem a vê (e, no caso, para quem a fotografa). Assim, a fotografia utiliza um aspecto técnico, que a define: a apreensão da luz. E disso decorrem suas vicissitudes; luz é o limite do tempo-espaço tridimensional, apreendê-la é arquetipicamente fascinante, envolve o conhecimento inconsciente de nossa efemeridade e o medo do desconhecido, do que há além 15
da memória. A fotografia é o depositário da memória de quem teme a morte. E, por isso, o aspecto temporal: apreender a luz significa apreender um tempo, um instante, o instante do obturador, o quanto de luz conseguiu penetrar pela cortina naquele
espaço de tempo, ínfimo para nós, eterno para o percurso do fóton. Portanto, a fotografia como tal, e apenas ela, tem como maior virtude a possibilidadede representar imagens no espaçotempo. E a maneira como ela
faz isso traduz todo o arcabouço de anseios humanos que vão da facilidade técnica à elevada aspiração estética – a fotografia amadora e a arte fotográfica.
BIBLIOGRAFIA
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A Metalinguagem no cinema de Jean-Luc Godard
Julyano Abnner de Macedo Glisotte
Graduando do curso de Cinema e Audiovisual da FCAD CEUNSP . Salto, SP.
Fernanda Cobo
Especialista. Bacharel e Licenciada em História pela USP. Docente do curso de Cinema e Audiovisual da FCAD – CEUNSP, Salto, SP.
RESUMO O artigo em questão é resultado de uma pesquisa referente aos estudos sobre a metalinguagem no cinema de Jean Luc Godard, a partir da análise dos filmes “Acossado” e “O demônio das Onze Horas”. Ao fazer o uso da metalinguagem o diretor enriquece sua mise en scène e constrói uma filmografia contestadora muito preocupada com a reflexão sobre o fazer cinematográfico e o papel que o Cinema desempenha na sociedade. Palavras-chave: Nouvelle Vague, Jean Luc Godard, Metalinguagem, O Demônio das Onze Horas, Acossado.
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INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo consiste em estabelecer um estudo que identifique a função da metalinguagem no cinema do diretor Jean Luc Godard, a partir da análise dos filmes O demônio das onze horas e Acossado. A intertextualidade é recorrente na obra de Godard como forma de estabelecer um diálogo com o seu público por meio de pinturas, citações literárias, personagens do cinema clássico americano, músicas, filmes e outras variantes no campo das artes, compondo seus trabalhos com referências externas que ajudam no enriquecimento e na formação de sua obra. Assim, partiu-se da hipótese de que a metalinguagem é um recurso intertextual utilizado por Godard como forma de reflexão sobre as possibilidades da linguagem cinematográfica para, a partir disso, problematizar o fazer cinematográfico e a função social do Cinema. A intertextualidade é a relação dialógica entre dois ou mais textos, sendo o texto um conjunto de signos organizados para transmitir uma mensagem, seja ela escrita, visual ou sono-
ra (MESERANI, 1995) e a metalinguagem ocorre quando uma linguagem refere-se a si mesma a partir dos códigos que lhe são próprios, ou seja, “a função metalingüística pode ser percebida quando, numa mensagem, é o fator código que se faz referente” (CHALHUB, 2005, pg.27). Para Chalhub (2005) a intertextualiadade não deixa de ser uma forma de matalinguagem, pois todo diálogo entre textos não deixa de ser uma retomada a uma linguagem anterior , ou seja, “se metalinguagem é sempre um processo relacional entre linguagens (...) haverá sempre esse diálogo intertextual.” (Chalhub, 2005 p.53). Assim:
trói a pintura. A alusão a outra linguagem - a pintura - procurando reavê-la na linguagem que a aponta - o poema - produz aquele duplo de linguagem sobre o qual já falamos, a equção poesia = pintura, metalinguagem, portanto. (Chalhub, 2005, p. 56-57).
Portanto, o universo intertextual elaborado por Godard, a partir de citações a outras expressões culturais - como a pintura, a literatura, a música, a filosofia, a publicidade – assume uma importante função metalinguística, já que seu objetivo na utilização dessas referências é a reflexão sobre o cinema, sua linguagem e suas potencialidades expressivas e sociais:
O poema matalinguístico deixa-se atravessar por diferen-
A metalinguagem permite que
tes linguagens, uma vez que
o público experimente, ainda
se trata, exatamente, de expor
que de forma imaginária, do
uma consciência de lingua-
processo de construção narra-
gem. [...] O poema de Cabral,
tiva. Dessa forma, a utilização
enquanto linguagem, produz,
deste recurso propocia um
singularmente, a recuperação
“jogo” mais aberto e, de certa
de uma outra linguagem - a da
forma, mais democrático com
pintura - e procura sua equiva-
o espectador – uma vez que
lência de linguagem a lingua-
explicita suas próprias regras.
gem. Cabral aponta Miró, não
(ANDRADE, 1999, p. 67)
em um falar sobre a pintura, mas uma reinscrição, no poema, do modo como Miró cons-
Os filmes Acossado e Demônio das onze horas foram es18
colhidos pois são exemplos significativos de novas estratégias narrativas e do emprego inovador da linguagem cinematográfica, elaboradas de forma a explicitar os elementos constitutivos do discurso fílmico e quebrar a impressão de realidade característica do cinema clássico. Nenhum dos dois filmes possuí em sua temática o cinema, forma usual com que a metalinguagem é percebida nos filmes, mas não deixam de ser metalinguísticos pela reflexão que desenvolvem sobre a linguagem cinematográfica a partir dela mesma: A
metalinguagem
também
pode ser verificada em filmes que não se utilizam da temática sobre o cinema, em que as regras do fazer cinematográfico estão articuladas na trama, dando ao espectador a ilusão de participação na construção da narrativa. (ANDRADE, 1999, p. 67)
A metodologia empregada está embasada na análise fílmica a partir do referencial teórico fornecido por Wilson Gomes em seu artigo, La poética del cine y la cuestión del método en él analisis fílmico. Como é sugerido na análise poética, a análise
dos filmes O demônio das onze horas e Acossado busca identificar o efeito que o diretor deseja causar no espectador, além de mostrar a forma como ele constrói a narrativa com o intuito de pautar esse efeito e usar elementos visuais que nos aproximam do que ele busca com o seu cinema.
A NOUVELLE VAGUE
Na década de 50, segundo Bernardet (1985), o cinema francês limitava-se apenas à produção do cinema comercial e prestigiado, na qual se aplicava como regra a narração de histórias totalmente previsíveis em filmes dispendiosos. Contudo, de acordo com o mesmo autor, há uma ruptura nos moldes da produção cinematográfica no final dos anos 50, realizado por um grupo de jovens procedentes da crítica, na qual rejeitam o cinema francês de estúdio e as regras narrativas como eram até então. Entre as várias obras deste movimento, podemos citar Os incompreendidos de François Truffaut e o Acossado de Jean-Luc Godard, além de sua obra mais
reflexiva, intitulada O demônio das onze horas. Costa (2003) sobre esta mesma temática, acrescenta ainda que a nouvelle vague não foi apenas um momento de estréia de cineastas com o intuito de representar seu próprio mal-estar em relação ao cotidiano, e sim um novo estilo de cineastas que acreditavam que a tomada da consciência crítica do meio expressivo e a reflexão sobre a natureza na qual se vive são tão importantes quanto à opção moral. Para Manevy (2006) o conjunto de filmes, artigos e cineclubes da nouvelle vague foram primordiais para a recriação e redefinição jamais notadas até então na sociedade, principalmente no que diz respeito aos vários elementos que foram incorporados ao cinema, acarretando a modificação dos padrões existentes, as maneiras de se filmar e a própria compreensão do cinema. Dentre as várias características abordadas neste movimento cinematográfico, des taca-se o uso do Laboratório por excelência de uma estética do fragmento, da incorporação do acaso na fil-
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magem, da polifonia narrativa e de uso de formas até então atribuídas ao documentário, às artes visuais, ao ensaio e à literatura”, correlacionando ainda à sua obra “uma obser-
de estréia, realizado em 1959, Godard inicia o que pode ser chamada de sua primeira fase, a nouvelle vague. A respeito desse filme Manevy tece alguns comentários:
vação autocrítica dos imaginários urbanos, antropologia
O diferencial de Acossado é
radical oposta à vocação de
a encenação completamente
‘vulgaridade e comércio’ do
inovadora, tanto no trabalho
cinema e das mitologias da
de câmera como no roteiro e
sociedade de consumo. (MA-
na direção de atores. O filme
NEVY, 2006, p.221)
é inteiramente editado de maneira fragmentada, ressaltando os cortes, tornando-os
JEAN LUC GODARD
sensíveis ao espectador. Essa opção por jump-cuts dá ao filme um aspecto de reportagem
Estudos bibliográficos advindo de Maria (2010) relatam que em janeiro de 1952, Godard trabalhava escrevendo críticas de cinema para o Cahiers du Cinema. Conviveu com outros diretores da nouvelle vague, entre eles Jacques Rivette e François Truffaut. Nesta mesma época, rompeu com sua família após roubar-lhes dinheiro, para financiar os filmes do diretor Rivette. Em 1955, gravou Operátion Béton, seu primeiro curta-metragem, patrocinado com as economias de seu próprio salário e fruto de um período em que trabalhou como operário. Em Acossado, seu longa
improvisada sobre as ruas de Paris e garante fôlego à história, no geral, um tanto convencional, tirada de um filme americano ou de um jornal de crimes populares. (MANEVY, 2006, p. 239)
Posteriormente Godard faz uma critica acirrada a posição social da mulher na sociedade nos anos 60, após a repressão sexual e social vivida anteriormente, na comédia musical Une Femme est Une Femme, de 1961, primeiro filme colorido do realizador, na qual experimenta o uso de metalinguagem e da descontinuidade visível em al-
gumas cenas. Neste mesmo contexto, Jean Luc produz o filme Vivre sa Vie, em 1962, na qual é narrada de uma maneira seca e compacta a história de uma prostituta, abordando a dificuldade que temos em viver, levantando questões referentes ao existencialismo de uma maneira minimalista e melancólica, retratados novamente sobre a concepção do poder feminino na sociedade, além das referências aos filmes de gangster mostrados na seqüência final. Ainda nesta fase o diretor produz dois filmes que criticam e referenciam a guerra de maneira atenuada, Le Petit Soldat e Les Carabiniers, ambos datados de 1963. Segundo Monassa (2010), no primeiro realiza-se a busca por um sentido de viver através de suas meditações em toda á lógica que embala o embate entre forças políticas opostas nos tempos conturbados da década de 60, personificando o espírito questionador de Godard. No segundo filme, a idéia central pode ser verificada por intermédio de uma das citações do longa: “Na guerra não há vencedores, apenas bandeiras e homens que caem.”, complementando o pensamento da ilu20
são da guerra e a inocência dos patriotas. Neste mesmo ano, Godard realiza o longa Le Mépris, na qual critica o sistema de produção hollywoodiano, além de novamente levantar questões filosóficas e existenciais aliadas ao uso da metalinguagem, delineando um diálogo com a Odisséia de Homero, destacan-
No ano de 1965, o diretor realiza dois de seus mais notáveis trabalhos, Alphaville e Pierrot le Fou, no primeiro ele brinca novamente com gêneros misturando noir com sci-fi e criticando o totalitarismo científico de maneira sublime e poética , no segundo levanta questões sobre o descontentamento da tediosa vida burguesa , o reflexo
o início do uso dos métodos contraceptivos com a utilização de uma narrativa linear não costumeira em relação aos filmes anteriormente realizados. Neste contexto, Godard encerra essa fase com três filmes: La Chinoise, um retrato sobre a revolução cultural chinesa e as reflexões políticas esquerdistas inspiradas pelas doutrinas mar-
do detalhes entre o papel de Camille (Brigitte Bardot) e Ulisses, abusando de repetições para refutar as dúvidas dos personagens e trazendo a impressão de estarmos vendo um filme dentro de outro filme. No ano posterior o diretor produz dois filmes, Une femme mariée, que narra a história de uma mulher casada de maneira fragmentada e sensível, se assemelhando ao cinema de François Truffaut e Bande à Part, uma mistura grandiosa de realidade e irrealismo pautada pelas canastrices dos personagens e nos deliciando com cenas antológicas como, por exemplo, a dança de jazz realizada dentro do pub e a corrida pelo louvre que inspiraram cenas futuras de grandes diretores como Quentin Tarantino em Pulp Fiction e Bernardo Bertolucci em The dreamers.
da vida consumista do americano na sociedade francesa, além do lirismo, a composição de cores, os movimentos rápidos da câmera e a fragmentação da história, entre outras coisas que discutirei em uma análise posterior ainda nesse artigo. Cinco filmes complementam a obra de Godard dentro da nouvelle vague, Made in U.S.A, realizado em 1966, é o primeiro entre eles, na qual novamente o diretor critica a fascinação dos franceses por tudo que era originado dos Estados Unidos, além de tomar partido contra o capitalismo e tecer uma narrativa caótica pontuada por citações políticas. No mesmo ano o diretor produz Masculin Féminin, um retrato incisivo da juventude francesa na segunda metade da década de 60, que aborda, além do contexto sociopolítico,
xistas e leninistas; 2 ou 3 choses que je sais d’elle, um filme sobre a sociedade de consumo pautada pelos dramas do cotidiano e, por fim, Week End, na qual retrata a luta de classes e o comunismo desenhados por um estrutura apocalíptica, finalizando, desta maneira, esta etapa na carreira de Godard e antecedendo a criação do grupo Dziga Vertov, a segunda fase do diretor. De acordo com Maria (2010) a segunda fase de Godard intitulada grupo Dziga Vertov, de 1968 a 1972, subverte o cinema pop feito pelo diretor na qual ele enfatizava as relações humanas de amor e aventura com seu ritmo fragmentado e descontínuo substituindo por um cinema totalmente experimental com fundo sociopolítico mostrando seu engajamento cinematográfico, sua mudan21
ça de postura pós-movimento estudantil em maio de 68 e o compromisso em descobrir elementos que até então não eram usuais em sua obra, além de ir contra os padrões conhecidos na realização cinematográfica, excluindo elementos comuns como o roteiro, a estrutura de montagem, os nomes dos personagens, acarretando no dis-
com duração de aproximadamente 10 anos de realização, perdurando de 1988 à 1998, na qual homenageia o cinema por meio de pinturas, colagens e filmes antigos, todos estes pautados através de sua própria interpretação sobre a história do cinema. Em suma, Godard explora todas as vertentes do cinema,
instrumento lingüístico compondo e enriquecendo a obra de um realizador, além de escancarar o quão completo se torna um filme que é carregado de referências externas. Godard utiliza da metalinguagem para compor seu espaço fílmico, mas não o faz pelo fato de simplesmente carregar a história de referências e mos-
tanciamento do seu público proveniente do período anterior denominado nouvelle vague. Godard dá continuidade a seu ciclo no cinema com uma fase mais longa, iniciada com o filme Sauve qui peut (la vie), realizado no ano de 1980, e se estende até o presente momento, com a produção do Film socialisme, realizado no ano de 2010. Dentro deste período, o diretor realiza algumas de suas obras mais polêmicas e notáveis como, por exemplo, Je vous salue, Marie, realizado em 1985. Com esta produção, mormente, o longa-metragem passa a ser considerado pela Igreja Católica substancialmente herege, devido o mesmo realizar insinuações de cunho sexual sobre a Nossa Senhora. Ainda neste contexto, Godard realiza Histoire(s) du Cinéma, uma série de oito ensaios
experimentando o popular, o político, o reflexivo, o fragmentado, o crítico e o mais importante de todos, a sua paixão pela arte cinematográfica. É imensa a contribuição de sua obra nos diversos aspectos sócio-políticoculturais, mas também do seu papel como diretor de cinema, propiciando a realização de uma profunda reflexão sobre a sociedade na qual estamos imersos, bem como os valores que a ela conferimos, e tudo isto se deve à sua produção artística.
trar ao mundo o quanto sua bagagem cultural é rica, e sim para levantar questões maiores sobre o fazer cinematográfico, discursando sobre as coisas que o inquietam e que o fazem tentar mudar a forma como o mundo vê o cinema. Seu filme de estréia, Acossado, rompe com a narrativa, a sistematização da equipe, a montagem, e principalmente abre novos caminhos ao cinema francês que terão um forte eco no cinema mundial, com o início da já citada Nouvelle Vague. Todas essas vertentes colocam Jean Luc Godard como um dos grandes realizadores da história do cinema mundial, por todas as suas contribuições estéticas e os questionamentos recorrentes que trouxe com o seu cinema. Sua obra durante a Nouvelle Vague inspirou jovens cineastas de todas as partes do
A METALINGUAGEM EM GODARD
Segundo Andrade (1999), a metalinguagem é um artifício muito utilizado no cinema, que consiste em mostrar como outra linguagem pode trabalhar como
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mundo e ainda inspira os novos realizadores. A análise dos filmes Acossado e O demônio das onze horas permite vislumbrar que a metalinguagem é recorrentemente utilizada por Godard como um recurso fundamental em sua obra, trabalhando a favor do interesse profundo do diretor em discutir o cinema e
horas, com a apresentada pelo cinema clássico, com o propósito de identificar o sentido que as transformações assumem na obra do diretor e o quanto estão a serviço da sua concepção de cinema e B) na interpretação da quebra de linearidade na narrativa em O demônio das onze horas, rompendo com o modelo clássico, usada como opção es-
no contexto e principalmente a busca pela simplicidade nas filmagens, não fazendo uso da construção de cenários e iluminações artificiais, explorando assim cenários naturais e desenhando a autenticidade das obras (FABRIS, 2006) No segundo caso, o da Nouvelle Vague, Godard, Truffaut e os outros jovens realiza-
seus rumos, não o restringindo a um mero meio de narrar histórias. Desta maneira, o diálogo com o cinema e outras vertentes artísticas é um dos elementos chaves da obra do diretor, preocupado em discutir o cinema e a interação deste com o âmbito social, como um elemento propulsor de discussões estéticas, políticas e filosóficas. O principal diálogo contido nas obras analisadas é com o cinema clássico hollywoodiano, que o diretor utiliza como ponto de partida para suas inquietações artísticas, seja influenciando ou fazendo refletir sobre a busca de novas possibilidades estéticas e políticas para o fazer cinematográfico. Sendo assim, minha análise dos filmes citados se concentra: A) na comparação entre a montagem usada nos filmes Acossado e O demônio das onze
tética visando conferir ao cinema um forte caráter político. O cinema americano clássico seguia um padrão de narrativa pautado em três estruturas básicas: introdução, desenvolvimento e conclusão. O neorealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa romperam com esses padrões. No primeiro caso, o neorealismo italiano, se importando mais com a mise en scène que davam aos filmes do movimento um tom quase documental, sem se importar com o esquema de grandes astros de Hollywood, usando na maioria das vezes atores não profissionais, além das gravações em amplos exteriores que davam aos personagens o tom aterrador de solidão e de serem engolidos pelos elementos sociais retratados, tratando também as questões políticas, psicológicas e econômicas da Itália
dores quebraram com os paradigmas de sistematização, montagem e principalmente de estruturação, além de levantar discussões existencialistas, e discutir os aspectos psicológicos dos personagens, pautados pelas banalidades do cotidiano, segmentando assim um cinema de autor, em que o realizador possui total controle sobre sua obra final, o que não acontecia com freqüência em Hollywood, graças ao poderio de produção dos estúdios da época. Em Acossado, Jean Luc Godard usa com destreza os jump cuts, durante toda a narrativa, fragmentando as cenas, criando a impressão de que foram tirados pequenos trechos da mesma – como na famosa cena do diálogo entre Jean Seberg e Jean Paul Belmondo, enquanto andam de carro por uma avenida. Estes cortes foram 23
usados pela primeira vez por Samuel Fuller, um dos realizadores que Godard mais admirava e que participu de outro filme analisado neste artigo, intitulado O demônio das onze horas. Além da quebra de eixo, que era inaceitável no cinema Hollywoodiano e que o diretor utiliza na cena em que Michel Poicard (Jean Paul Belmondo) mata o
forma do fazer cinematográfico, pautada pelo uso da metalinguagem, que faz referência a várias vertentes artísticas, tais como a música, a pintura, a poesia e principalmente o cinema, fragmentando e desconstruindo a narrativa, trazendo uma nova opção à passividade corriqueira do espectador do cinema clássico, conscientizando e apresen-
dos Estados Unidos), o domínio das montadoras americanas no solo francês citando a General Motors, a Ford e a Lincoln, complementadas pelas citações diretas a Coca-cola, a Esso, e até o Al Capone, conhecido gângster americano, e principalmente pela figura de Samuel Fuller, dando sua definição do que é cinema.
policial depois de ser perseguido pelo mesmo, utilizando-se das referências do cinema americano, na qual o diretor concretiza criticas e mudanças no fazer cinema, tanto na estrutura, quanto na maneira de narrar as histórias e desenvolvê-las, criando assim um estilo próprio que o colocará entre os grandes realizadores da história. Outro fator importante na Nouvelle Vague é centrado no plano-seqüência que proporcionava às cenas mais realidade e fluidez, recurso até então pouco usual no cinema, principalmente no cinema americano que se caracterizava pelas formas perfeitas, além dos travellings e os excessos de zooms que desenhavam a estética da obra de Godard. Sendo assim, a montagem no cinema de Godard, é importante, pois ela propõe uma nova
tando o cinema como uma nova forma de expressão, de maneira que todos os meios artísticos trabalhem a favor das narrativas e idéias propostas pelo diretor. Este processo acarreta na busca de referências externas das vertentes discutidas para que se tenha um entendimento completo do que se busca com cada filme. Em O demônio das onze horas, Godard fragmenta a narrativa, fazendo uso da metalinguagem, desenhando, assim, de forma consciente sua posição política apresentada no decorrer do filme. Neste são levantadas discussões sobre as mortes na Guerra do Vietnã, a corrida armamentista e a corrida espacial, a influência da publicidade americana na burguesia francesa (como nas cenas em que personagens do filme repetem slogans publicitários de produtos
Com isso o diretor apresenta eventos que o incomodam e o inquietam pelo fato de a França recebe forte influência dos Estados Unidos, usando o seu cinema para tentar propor uma retomada da consciência nacional ao povo francês, contribuindo com a sua narrativa para que o espectador perceba tal fato e questione a sua forma de ver as coisas. Acerca das discussões citadas acima podemos destacar duas seqüências sobre a Guerra do Vietnã. Na primeira, observamos Marianne e Ferdinand dentro de um automóvel escutando o boletim diário da guerra e, logo após, conversando a respeito das mortes dos soldados americanos massacrados pelos vietcongues, ressaltando que na guerra somos apenas números diante da imensidão de mortos nas batalhas diárias, criticando 24
desta forma o patriotismo norte-americanono qual o jovem estadunidense é doutrinado a lutar pelos interesses políticos e econômicos, e, que em suma, este é apenas uma ferramenta para o desenvolvimento de seu país. Na segunda, Ferdinand e Marianne encenam uma peça teatral sobre os conflitos do Vietnã, para alguns marinhei-
os personagens imaginam uma conversa entre os dois astronautas, onde Leonov tenta falar sobre Lenin para White e o mesmo insere uma Coca Cola em sua boca, mostrando assim uma crítica sobre a relação de poderio que os Estados Unidos desempenham perante o mundo, onde a marca de refrigerantes é uma das representantes
norte-americana é tão fluente que mal se sabe se está na França ou nos Estados Unidos. Ainda nesta cena, o diretor francês introduz Samuel Fuller mostrando ao espectador o conceito de cinema segundo este diretor estadunidense, na qual define que o filme é como uma batalha, o amor, o ódio, a ação, a violência e a morte,
ros americanos, utilizando-se do sarcasmo para protagonizar a história. Ferdinand faz o papel de um marinheiro que tem prazer em matar, e Marianne faz uma vietnamita que emite sons repetidos que simboliza a língua falada na região, nessa cena o uso da metalinguagem pauta a crítica feroz ao americano frente à guerra e suscita o orgulho do estadunidense em relação a este momento histórico. Outro momento importante no filme se dá através do dialogo entre Marianne e Ferdinand na praia a respeito da corrida armamentista, referenciando, neste caso, os Estados Unidos frente à União Soviética, bem como a batalha tecnológica representada por seus foguetes, pautada por citações sobre o astronauta russo Alexey Leonov e o astronauta americano Edward White, dentre os quais
deste poder. Em um terceiro momento, Godard mostra sua preocupação em relação à influência e manipulação dos Estados Unidos frente à burguesia francesa, expondo a superficialidade dos burgueses franceses retratados na cena da festa, onde em duas oportunidades as personagens recitam slogans publicitários de produtos americanos, na qual o primeiro refere-se ao desodorante Odorono e o segundo ao spray de cabelo Aquanet, pautando assim a manipulação que a publicidade estadunidense regia sobre a França naquele momento. O diretor também relaciona as cores da bandeira francesa com as cores da bandeira americana logo no começo do filme, nos letreiros iniciais, sugerindo desta maneira que, em alguns momentos, a influência
ou seja, em poucas palavras é a emoção; além de mais uma vez combinar França e Estados Unidos no momento em que cita o filme que Fuller realizará no país, intitulado “As Flores do mal”, nome este correspondente ao romance do poeta e crítico francês Charles Baudelaire. Posteriormente, cita os seriados de TV americanos, o Gordo e o magro, e os Rover boys, ressaltando com clareza sua posição em relação à forte influência que tanto o seu país, como ele mesmo, recebe dos norte-americanos. Outros fatores como economia, política e até mesmo os gângster americanos, possuem papéis importantes na obra do diretor. Em O demônio das onze horas, Godard compõe a trama com o estilo de retratar o crime americano representado, neste caso, principalmente pelo Cine25
ma Noir e os filmes de Gângster, tendo como ponto de referência o personagem de Jean Paul Belmondo, inspirado no personagem de Humprey Bogart, principal ator dos gêneros citados, que além de homenagear também Al Capone, o gângster ítalo-americano, retratado em um livro de cabeceira no quarto de Marianne junto a uma arma
de um objeto sobre as pessoas, pautando sua discussão sobre o poder dos americanos frente aos franceses. Já em relação aos outros fatores podemos ressaltar o domínio das montadoras americanas no solo francês com as citações diretas a General Motors, a Ford e a Lincoln, e a Esso, esta no caso, fazendo uso do seu slogan, quando
posto que coloque um tigre no seu tanque, relacionando com o slogan publicitário do grupo petrolífero. Desta forma, ele consolida seu estilo contestador, mostrando que o cinema pode sim estar a serviço de uma idéia, seja ela política ou filosófica, tirando os espectadores de um estado de repouso e forman-
que simboliza o poder exercido
Belmondo pede ao frentista do
do-os no estado crítico.
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Mulheres: A Subjetividade Estética da Beleza
Bruna Giannone
Estudante de Graduação 4º. semestre do Curso de Fotografia da FCAD-CEUNSP
Josefina Tranquilin
Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Fotografia da FCAD-CEUNSP
RESUMO O presente trabalho tem como objetivo primordial demonstrar a beleza que há na mulher, através da experiência estética entre a fotógrafa e as retratadas. O projeto não tem o intuito de julgar, defender ou condenar os aspectos que definem o conceito do Belo perante sua história. O Belo é uma preocupação teórica/estética a qual servirá de apoio para o ato reflexivo; o fundamental não está no determinar da beleza em si, como uma propriedade objetiva das mulheres, apreensível de forma intelectual ou conceitual, a essência encontra-se em olhar a beleza de forma subjetiva, através da experiência estética e assim refletir sobre o Belo diante das mulheres retratadas. Para a concretização destes objetivos, o retrato fotográfico se apresenta como o meio que transpõe para o “real” o imaginário da fotógrafa sobre a beleza feminina. PALAVRAS-CHAVE: belo; experiência estética; mulher; retrato fotográfico; subjetividade.
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O presente ensaio parte da relevância que o âmbito do sensível tem como meio que permite o despertar de sentidos, os quais determinam a beleza presente nas mulheres fotografadas. A essência do que há de belo a ser revelado está
condutor que leva a um encantamento, onde a pureza e a simplicidade/intensidade do sentir propiciam o reconhecimento do belo; tal sentido é despertado através de uma experiência que se dá no âmbito do sensível, portanto, a experiência estética (do belo) desaguando em seu estado natural, quando o olhar se deixa levar pela percepção
fórmula do belo, porém se imaginarmos que ao longo da história antes de tudo ela foi pensada e sentida por indivíduos, através de vários instrumentos culturais e obviamente, cada um com sua interpretação subjetiva, como imaginá-la atrelada apenas a ideais matemáticos e simétricos pré-determinados por outros pensadores? “A Be-
naquilo que chama a atenção da fotógrafa ao olhar, sentir, perceber tais mulheres, está no encanto por suas feições, sorrisos, cabelos, peles, que são as traduções visíveis da beleza, sem esquecer de iluminar o invisível presente na essência dessas mulheres, aquilo que transcende e transborda para a forma, afinal a estética feminina não é constituída apenas por formas, mas também por motes ligados a elementos aparentemente invisíveis, perceptíveis apenas pela intensa experiência estética que aproxima a fotógrafa das mulheres, tornando assim possível e visível suas belezas. Estética com fulcros em duo de imaginários, dizíveis e indizíveis, das quais a fotógrafa não necessariamente quer se apropriar ou desejar para si; o imaginário da fotógrafa sobre a estética feminina é como fio
dos sentidos. Durante toda a história da humanidade, a beleza sempre foi pensada por filósofos, poetas, escritores, artistas, pensadores. Sabemos que o conceito primordial de belo vem do pensamento clássico, onde se determinou a estrutura conceitual da estética da beleza. Os cânones clássicos do belo fincam suas bases em proporções geométricas que ao alinharem simetria e harmonia culminam em uma natureza fundamental da beleza, a explícita estética da proporção idealizada por Pitágoras, onde “(...) todas as coisas existem porque refletem uma ordem e são ordenadas porque nelas se organizam leis matemáticas que são ao mesmo tempo condição de existência e Beleza.” (ECO, 2010, p. 61). A beleza como proporção e harmonia, parece sugerir uma
leza jamais foi algo de absoluto e imutável” (ECO, 2010, p.14) e, “se todo mundo fosse conformado no mesmo molde, não existiriam coisas como a beleza” (DARWIN, Apud ETCOFF, 1999, p.10). A crítica à Beleza como proporção e harmonia dentro da fotografia junto à sua composição, há que ser posta entre parênteses, posto que a devida proporção é necessária para que a composição resulte em uma imagem esteticamente bela. Não devemos ignorar um dos principais fulcros de uma bela fotografia: a regra da proporção dos terços, que resulta em uma composição harmônica; porém é importante ressaltar que essa devida proporção não deve estar somente ligada aos cânones das mulheres, como também ao ato de composição do retrato. O relevante é pensar que a fo-
RETRATOS COM BELAS
tografia deve transcender, e não apenas fixar-se em técnicas de enquadramentos matemáticos ou regras de proporções. É mais fácil sentir a beleza do que defini-la, para Eco (2010) fica explícito que dificilmente conseguiremos formar uma lógica que consiga cientificamente determinar o conceito do belo, pois fazendo uma alusão ao
sados. Isso significa pensar em certo sentido que o observador ao submeter-se à sua experiência subjetiva sobre o observado, e a forma como contempla o mundo, no caso o belo, o leva a um encontro com a beleza onde “não necessariamente a deseja como um bem a ser adquirido, (...) existem coisas que se mostram agradáveis à contem-
estética na fotografia é o que Cartier-Bresson fala sobre “colocar na mesma mira de linha, a cabeça, o olho e o coração”4, o que significa mover uma mudança sobre a maneira de perceber o mundo, deixar-se intuir pela emoção ao entrar em sintonia com o coração, e pelas sensações ao aguçar os sentidos. O observador que se permi-
pensamento Kantiano, onde “o belo é o que agrada universalmente, sem relação com qualquer conceito”, o autor escreve:
plação independentemente do desejo que se tem delas” (ECO, 2010, p.10). Tanto no campo natural quanto no artístico, a beleza é passível de uma característica subjetiva, pois a partir de olhares desinteressados, surgem incontroláveis prazeres que despertados de maneira assistemática, culminarão no que julgamos por belo. Sendo assim, procurar conceitos que classifiquem a beleza é um trabalho difícil e um tanto quanto vão; devemos atinar de fato para a forma com que se recebe o belo, o que significa procurar compreender o que ele proporciona no indivíduo observador (através da experiência estética), e saber como ele se comporta diante da experiência da beleza. Vivenciar a experiência
te esses momentos poderá se deleitar com o belo; obviamente, sem deixar de lado todas as técnicas existentes para realizar uma excelente foto. Desde sempre a beleza é um atributo extremamente passível de olhares, que se dão pelo simples deleite que o belo pode proporcionar, “o objeto belo é um objeto que, em virtude de sua forma, deleita os sentidos, e entre estes em particular o olhar” (ECO, 2010, p.41). Nesta realidade em torno do sensível, onde os sentidos se aguçam, acabamos por incorporar uma postura diferente da habitual. Passamos a ter uma relação estética com o “objeto”, pois a experiência permite que se vá alèm do conceitual ou intelectual. Ir além do conceitual ou
O belo é aquilo que agrada de maneira desinteressada, sem ser originado por um conceito ou a ele redutível: o gosto é, por isso, a faculdade de julgar desinteressadamente um objeto (ou uma representação), mediante um prazer ou um desprazer; o objeto desse prazer é o que definimos como belo (ECO, 2010, p.264).
Eco (2010), utilizando-se de Kant, defende que um juízo só é estético se for determinado por um prazer desinteressado, levando a crer que o jogo que se trava com o belo, parte de princípios livres e desinteres-
Frase traduzida do filme documentário chamado ‘’Henri Cartier-Bresson: Point d’Interrogation’’ de Sarah Moon, produzido pela Production Take Five com direitos de copyright de 1994. 4
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intelectual é compreender a estética do belo por meios que extrapolem a razão, sem desprezá-la, posto que é um elemento importante para a compreensão do belo. Porém, dentro do âmbito da experiência estética seria um disparate apenas racionalizar, como falou Goya (apud. Galeano): “A razão cria monstros, somos seres humanos, há que
Segundo Morin, o homem é o único ser que é constituído de 100% natureza e 100% cultura, pois é o único que possui, em seu cérebro complexo, o imaginário, ou seja, a capacidade de formar imagens abstratas. Essa capacidade imaginária é transferida ao mundo exterior através da estética. Então, para Morin (1995), estética é uma
se racionalizar e sentir”. Sobre a fusão do sentimento e do pensamento, Galeano fala:
sensibilidade para apreender, ver, observar, imaginar coisas e transcrevê-las (apresentá¬las) de alguma maneira: pode ser na vestimenta, na arte, na disposição de objetos, na magia, na religião. Estética, então, é uma relação humana que ora surge como fruto da cultura, que desabrocha quando afrouxa os laços com as finalidades mágicas, religiosas, ora como uma qualidade universal ligada à própria beleza da vida. Parece que, para esse autor, o fenômeno estético está inscrito geneticamente e o indivíduo é portador e não somente produtor de desenhos, cores e imagens. Diz Morin:
“(...) quando a razão se separa do coração, comece a tremer, porque esse tipo pode levar ao fim da existência humana no planeta. E se aparece um que só sente, mas não pensa, digo: Esse é um sentimental. Mas se for um que só pensa, mas não sente, digo: Ai, que medo! Esse é um intelectual! Que coisa espantosa! Uma cabeça que rola! Eu não quero ser uma cabeça que rola! [...] A sabedoria que me interessa, é a que combina o cérebro com as tripas. Essa que combina tudo que somos. Tudo, sem esquecer nada! Nem barriga,
(...) eu não defino a estética
nem o sexo, nem nada, nada!5
como a qualidade própria das obras de arte, mas como um
tipo de relação humana muito mais ampla e fundamental (...). O mundo imaginário não é mais apenas consumido sobre formas de ritos, cultos, de mitos religiosos, de festas sagradas nas quais os espíritos se encarnam, mas também sob a forma de espetáculos, de relações estéticas (MORIN, 1995, p.78-79).
Portanto, pelo fato da estética ser interior aos seres humanos, o homem necessita de relacionamentos, de pertencimentos, orientações e precisa desesperadamente transcender sua natureza animal através de suas múltiplas capacidades de raciocinar, imaginar, criar, sentir, transformar, as quais são sempre interligadas, interdependentes por mais que sejam contraditórias. O ato de fotografar é plenamente estético, pois a fotografia revela, em todos os sentidos – técnicos e subjetivos – a grande simbiose entre o imaginário e o real da fotógrafa consigo mesma, com o cotidiano que a insere, com as referências subjetivas que possue, e obviamente, com as fotografadas, as
Transcrição do depoimento de Eduardo Galeano na Praça da Catalunya, 24/04/2011 http://www.youtube.com/watch?v=rKc-lal1HJM 5
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quais também fazem parte desse desmedido existir. Na fotografia, então, fica impressa essa necessidade de transpor em sinais, símbolos, significados, a magia existente nestes imaginários para o mundo exterior, o mundo do espetáculo, do espetáculo imaginário. Nesse sentido, a imagem se localiza primeiro no imaginário dos sujeitos, para depois se constituir como externa a ele numa total relação imaginário/ real. Portanto, “a alma nunca pensa sem uma imagem mental” (MANGUEL, 2001,p.21). Para Manguel, as imagens que rodeiam os indivíduos, quaisquer que sejam elas, já são elementos constitutivos dos próprios indivíduos:
branças desbotadas de uma beleza que, em outros tempos, foi nossa (...), quer elas exijam de nós uma interpretação nova e original, por meio de todas as possibilidades que nossa linguagem tenha a oferecer (...) somos essencialmente criaturas de imagens, de figuras (MANGUEL, 2001, p. 20-21).
No âmbito da conceituação da experiência estética sobre o que interpretamos como belo segundo Duarte Jr., (...)a experiência do belo é uma
espécie
de
parênte-
se aberto na linearidade do dia¬a-dia. E ainda, da nossa (humana)
experiência
face
à determinados objetos que (...) imagens que criamos e
percebemos e sentimos como
imagens que emolduramos;
belos, o diálogo ocorre sem a
imagens que compomos fisica-
presença de um interlocutor,
mente, à mão, e imagens que
dando-se entre uma pessoa e
se formam espontaneamente
os seus próprios sentimentos
na imaginação; imagens de
(DUARTE JR., 1991, p.70).
rostos, árvores, prédios, nuvens, paisagens, instrumentos, água, fogo, e imagens daquelas imagens – pintadas, esculpidas, encenadas, fotografadas, impressas, filmadas. Quer
descubramos
nessas
imagens circundantes lem-
Pensando no que diz Duarte (1991) e Morin (1995) a beleza das mulheres retratadas não está somente na estética bela por elas emanada, mas na receptividade de como esse ideal de belo é tomado pela fotógra-
fa que as observa. A afirmação da presença estética do belo nas mulheres retratadas parece então se dar na relação imaginário/real, subjetiva/objetiva e muito menos de acordo com qualquer modelo clássico que determina o conceito de belo. Pode-se dizer também, que a percepção da presença de uma estética relativa à beleza, nessas mulheres, talvez seja oriunda de um prazer que a estética feminina proporciona a quem as olha. Tal prazer tem sua natureza fincada em “sentimentos” gratuitos, e mais uma vez o olhar desinteressado vem à tona, pois o percurso de tal prazer é indiferente aos estereótipos pré-definidos, não há que se “pensar-para” è o “simples” olhar e sentir, é aí que a experiência estética se torna visível da forma mais plausível possível. Quando falamos de olhares desinteressados sobre o observado, é possível que paire a hipótese de que a idealização da beleza das mulheres seja fruto então de um preciso distanciamento do observador para assim buscar a beleza dentro de modelos pré¬estabelecidos, como se uma possível integração entre fotógrafa e retratadas e a possibilidade de in31
teresse de uma sobre as outras fossem fulcros para o desejo, quando o foco aqui é a tentativa de defesa de que a escolha por essas mulheres se deu a partir da simbiose real/imaginário, a partir da dês-razão (MORIN,1995) existente no visível/ invisível. O importante é pensar que a percepção de belo se dá justo na reiteração da relação entre ambas, na veemência relativa ao encontro com o outro. Ou seja, o interesse da fotógrafa ao fotografa-las, se dá pelos mínimos sinais de beleza que somente são percebidos porque há contemplação. Esse instante de contemplação significa estar disponível para não somente ver o belo, mas senti-lo; sem o sensível dificilmente haveria o belo, ainda mais quando pensamos em estética e seu significado semântico, que nos remete à palavra grega “aísthesis” que quer dizer “percepção sensível”. Portanto, tal disponibilidade é a conexão com o sensível que nos rodeia, nos permitindo assim atinar para os mais diversos sinais de beleza que muitas vezes são por nós ignorados, e para isso:
mos capazes de olhar o que
contratempos. Estar disponí-
não se olha, mas que merece
vel é estar sensível aos cha-
ser olhado. As pequenas, as
mamentos que nos chegam,
minúsculas coisas da gente
aos sinais mais diversos que
anônima, da gente que os in-
nos apelam, ao canto do pás-
telectuais costumam despre-
saro, à chuva que cai ou que
zar, esse micro-mundo onde
se anuncia na nuvem escura,
eu acredito que se alimenta
ao risco manso da inocência,
de verdade a grandeza do Uni-
à cara carrancuda da desa-
verso. E ao mesmo tempo ser
provação, aos braços que se
capaz de contemplar o Univer-
abrem para acolher ou ao cor-
so através do buraco da fe-
po que se fecha na recusa. É
chadura, ou seja, a partir das
na minha disponibilidade per-
coisas pequenas ser capaz de
manente à vida a que me en-
olhar as grandes, os grandes
trego de corpo inteiro, pensar
mistérios da vida. A capacida-
crítico, emoção, curiosidade
de da beleza, a capacidade de
(PAULO FREIRE, 1990, p.19).
Há que se ter um olho no
cado, a perguntar e a respon-
microscópio e outro olho no
der, a concordar e a discordar.
Portanto, a experiência do belo “não reside apenas no objeto em si, mas nos olhos de quem vê tais objetos e lhes confere beleza” (ECO, 2010, p.268), é uma relação onde o belo está justo na ponte que conecta a relação observador/observado, na fotografia, fotógrafo e fotografado e ao mundo que os cercam e não em um ou em outro isoladamente. É a relação entre ambos que através de sentimentos e, num ir e vir de sensações, imagens, memórias, encontra-se consigo mesmo, com o outro, e assim vivencia a experiência do belo. “Partindo dis-
telescópio, pois só assim so-
Disponibilidade à vida e seus
so, podemos então pensar no
formosura da gente mais simples, às vezes da gente mais singela que tem uma insólita capacidade de formosura que se manifesta em um olhar, em um cabelo em uma conversa qualquer.5
Isso é estar disponível para as inúmeras possibilidades subjetivas de beleza. Paulo Freire interpreta o que é estar disponível ao sensível: Atitude correta de quem se encontra em permanente disponibilidade a tocar e a ser to-
quanto é importante, também,
dialetiza sem cessar a relação
tos e imagens da cultura (...).
que o observador participe
observador/observado, “sub-
Uma cultura fornece pontos
do objeto de sua observação”
traindo” e “acrescentando”.
de apoio práticos à vida ima-
(MORIN, 1995 p. 17); é preci-
(MORIN, 1995, p.19)
ginária; ela alimenta o ser se-
so, num certo sentido, apreciar a beleza das mulheres, identificar-se com elas já que ver é sentir, e para isso há que se estar perto do “objeto observado” è preciso tê-lo guardado dentro de si, e “guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado” (CÍCERO, 1996, p.05).
Diante de uma experiência de intensa sensibilidade subjetiva, por mais além que se vá do intelectual/conceitual, é necessária a presença de uma reflexão objetiva sobre como se orientam tais juízos estéticos que permeiam as emoções da experiência do belo no indivíduo observador e
Tais reflexões nos levam a crer que há então um mediador muito forte nos campos estéticos da beleza: a Cultura, que diante do prático, a beleza do corpo, e do imaginário, as projeções e identificações do que é belo, reitera os universos e culmina num ideal subjetivo de beleza atrelado a valores universais, já que estamos a falar de cultura – que são as particularidades – e de natureza humana – que nos universaliza. Sobre a simbiose da natureza humana e cultura como formadora tanto das subjetividades quanto das objetividades, Morin explícita o seguinte argumento: Podemos adiantar que uma
(...) a objetividade a ser al-
cultura constitui um corpo
cançada é a que integra o ob-
complexo de normas, sím-
servado na observação. Não
bolos, mitos e imagens que
é o objetivismo que acredita
penetram o indivíduo em sua
alcançar o objeto, suprimindo
intimidade, estruturam os ins-
o observado. O Homem co-
tintos e orientam as emoções.
nhece o mundo, não pelo que
Esta penetração se efetua
dele subtrai, mas pelo que a
segundo trocas mentais de
ele acrescenta de si mesmo.
projeção e de identificação
O verdadeiro conhecimento
polarizadas nos símbolos, mi-
mi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si no qual se envolve (sua personalidade) (MORIN, 1995, p. 15).
Portanto, nunca é demais afirmar que a cultura só existe porque somos seres que necessitamos transcender a nossa natureza animal e assim, entender o inteligível, tangenciar o intangível, complexificar a simplicidade. A percepção da beleza nessas mulheres é possível porque estamos dispostos a percebê¬las também através da emoção, do sensível; olhá-las de longe e de cima é uma forma de distanciar-se do “objeto” para apenas racionalizar sobre, e isso significa não vê-las. O “objeto” quando visto dessa forma torna-se difícil de ser compreendido, consequentemente quase impossível de senti-lo, assim sendo, não poderá jamais ser compreendido como belo. Tal pensamento é uma alusão â crítica de Galeano sobre “o olhar 33
de longe e de cima”, dos países europeus e americanos sobre a democracia na América Latina onde ele latentemente afirma que: “(...) difícil de entender as vezes, principalmente quando se olha de fora e de cima; as coisas que se entendem de verdade, as coisas que podemos entender com a razão e sentir com o coração, são as coisas que a gente é capaz de olhar de dentro e de baixo. Se a gente olhar de cima, com a arrogância típica dos nossos professores de democracia dos EUA ou da Europa, e se além de olhar de cima, olhar de fora, não entende nada e não entende nada por um motivo, por um motivo muito importante, a nossa é a região do mundo que provavelmente é a mais diversa de todas, é a pátria das diversidades humanas, e isso que para mim é uma virtude, visto de fora é um grande defeito, porque se você não entra no modelo que de cima e de fora acreditam que é democracia, então aqui não há democracia; e a verdade que prova que aqui existe democracia é que seja um reino da contradição e da
Costurar o pensamento de Galeano com a beleza das mulheres retratadas é exatamente discorrer sobre a crítica aos modelos clássicos. Posto que as “as sensações a serem
primeiro lugar pela importância secular que tem o estilo dentro do quadro fotográfico, depois, pelo fato de ser um estilo onde é necessário que haja um fascínio absurdo do fotógrafo pelas pessoas retratadas ou torna-se impossível a tentativa de captar o que há de belo nelas, pois o fascínio vai além do belo visível, está também na beleza interna
admitidas como universalmente comunicáveis encontram-se sob condições subjetivas internas que têm de ser necessariamente comuns a todos os homens” (ECO 2010, p. 267). Ou seja, quando vemos algo como belo temos a necessidade de compartilhar essa aceitação de forma universal, e, neste caso de estudo, aqui se faz com a fotografia, porém este belo é subjetivo às experiências estéticas particulares da fotógrafa, podendo ou não ser visto como tal pelo outro. Dessa forma, na universalidade kantiana, a subjetividade que permeia a experiência estética é o elemento que permite o encontro com o belo e não apenas a experiência estética em si. Para tornar real o imaginário da fotógrafa sobre a beleza dessas mulheres, o retrato fotográfico foi o gênero escolhido em
que escapa pelos olhos, pela gargalhada, pelo jeito de tocar, são os segredos, que quando revelados e sentidos, formam o que há de mais belo, no caso deste estudo, em uma mulher. Sobre o retrato fotográfico, pode-se dizer que as primeiras fotografias eram realizadas com uma lentidão tão grande que era impossível fixar a plasticidade de uma pessoa, porém assim que o advento da fotografia foi evoluindo e novas técnicas de fixação de imagem foram instituídas, o retrato fotográfico tornou-se um sucesso, “um sucesso que não teve quebras e permanece ainda hoje, pela simplíssima razão de que o retrato corresponde exatamente a necessidades precisas do homem” (CASTELO, 1980 p.121). O gênero do retrato tem em sua essência o intuito de comunicar, levar uma mensagem
diversidade, onde se misturam e as vezes brigam todas as cores, os cheiros e as dores do mundo.”5
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ao observador e assim gerar uma aproximação com o outro. Produzir um retrato fotográfico è ter uma relação “íntima” com o sujeito retratado. O retrato é uma ferramenta de comunicação visual que é ao mesmo tempo simples e complexa frente à ausência do contexto físico/social/escrito, no qual estava inserido.
podemos pensar que o retrato fotográfico é passível do poder de gerar sensações tanto no fotógrafo e no fotografado, quanto no leitor da imagem, portanto o gênero fotográfico acaba por representar a experiência estética na sua essência. “A fotografia é resultado de um processo de criação/construção técnico cultural estético
o universo quimérico paira sobre o gênero e faz transcender o lado objetivo, nos remetendo imediatamente a uma leitura centrada na subjetividade, onde o sentido de uma dada realidade de beleza apreendida pela fotógrafa se dá a partir de uma tamanha capacidade de encontro com a estética, de como essa beleza reage em seu
Pode-se encontrar um leque de informações num retrato fotográfico. É por isso que o fotógrafo deve procurar transmitir em sua mensagem qual seu pensamento sobre o retratado, estabelecer uma ponte com o tema, que tipo humano representa o fotografado, qual seu temperamento, ânimo; essas substâncias devem estar presentes no ato de retratar. Sobre tal pensamento, a série de retratos apresentados é plausível, pois é passível da característica de comunicar que são representações figurativas de mulheres, distintas entre si, mas condutoras dos sentidos de beleza, subjetivamente interpretados pela fotógrafa. Para Kossoy (2001, p.29), “o retrato é capaz de nos levar as reflexões emocionais, transcendendo o físico e enaltecendo o espírito”. Sendo assim,
de uma realidade imaginada, dramatizada de acordo com a ênfase pretendida em função da finalidade ou aplicação a que se destina” (KOSSOY, 2001, p.45). Dessa forma, podemos interpretar que o imaginário da fotógrafa sobre as mulheres retratas, é resultado de referências e escolhas que partem do repertório particular, porém não apenas do apanhado ideológico, mas também de fatores externos e internos oriundos das retratadas, que são passíveis do poder de despertar na fotógrafa sensações que poderiam ser percebidas por um olhar comum, mas que justamente por despertar emoções acabam por tornar o processo criativo artístico possível de interpretações que levem às definições de belo. Podemos então pensar que o retrato fotográfico não representa apenas a “realidade”,
ser, e o prazer que sente ao deixar de apenas racionalizar e se submeter a sentir com todos os sentidos que permeiam as sensações e sentimentos de uma experiência estética. Aqui seria bom que se tivesse claro a distinção kantiana entre sensação e sentimento. A primeira diz respeito ao contato material dos órgãos dos sentidos com o mundo exterior: o contato dos olhos, por exemplo, com raios luminosos; o sentimento, por outro lado, relaciona-se a uma auto-percepção do sujeito, ao modo como ele se percebe num determinado momento – o sentimento (de prazer e de desprazer); essa auto-percepção pode ter origem na sensação, que é o caso do prazer do agradável, ou na mera forma como o sujeito contempla o
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mundo, que é o caso da beleza.6
Há um pequeno texto de Galeano onde ele através de palavras poéticas consegue com uma força brutal e emocionante descrever o que seria uma sensação gerada pela experiência estética da beleza: Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar! (Galeano, 1991, p. 19)
Para quem crê no que é incrivelmente belo, a beleza é uma forma de ser por si só, e para isso não há explicação, não há palavras, o que há é a contemplação que a experiência permite viver, como uma lente que amplia os pequenos sinais de beleza, fazendo o tempo parar quando os encontramos e com os sentidos aguçados nos leva
possível que palavras não caibam diante de tais sentimentos que o dueto proporciona. Uma questão complexa e que não precisa ter nexo. Como dizer o indizível? Então é preciso mesmo precisão? A beleza das mulheres retratadas tornou a fotógrafa muda de beleza. Palavras para definir o belo ou a incrível experiência estética que
a guardar no retrato as coisas que vêm do coração. Guardar não apenas no sentido literal da palavra, guardar no sentido de apreender no retrato o que a retina e o obturador captam em um “lindésimo de segundo ”7 e mandam para a memória; guardar no sentido germânico da palavra “wardon”, onde olhar algo significa ver atentamente, ou então tudo de mais belo que está ao nosso redor se perderia na efemeridade do “não-olhar”. Através de uma prosa poética, concluímos que para o belo e para a experiência estética, é
permite percebê-lo, são apenas palavras tentando preencher o branco destas páginas, são meros escritos que encaminham a olhar no retrato o que palavras dificilmente conseguiriam contar.
Retirado de A subjetividade estética em Kant: da apreciação da beleza ao gênio artístico Verlaine Freitas (http://www.verlaine.pro.br/txt/subjkant.pdf) 7 Alusão ao tema do poema “Por um lindésimo de segundo”, de Paulo Leminski, retirado do livro Distraídos Venceremos. 6
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REFERÊNCIAS
BARTHES, R. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. CASTELO, M. La fotografia-le forme, gli oggetti, I’uomo. Edições 70: Lisboa-Portugal, 1980 p.121/129. CICERO, A. Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996 DUARTE Jr, J.F. O que é beleza 3. São Paulo: Brasiliense, 1991. DUBOIS, P. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993. ECO, U. História da Beleza. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2010 ETCOFF, N. A lei do mais belo: a ciência da beleza. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1990 GALEANO, E. O livro dos abraços. Porto Alegre: LPM, 1991 KOSSOY, B. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 1993. LEMINSKI, P. Distraídos Venceremos. São Paulo: Círculo do Livro, 1987 MANGUEL, A. Lendo Imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 MORIN, E. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Neurose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1995
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Teorias da comunicação e a torcida no futebol brasileiro Pedro Courbassier
Graduado em Comunicação Social, com habilitação para Jornalismo, e especialização em Comunicação Coorporativa. Professor de disciplinas de Jornalismo da Faculdade de Comunicação, Arte e Desing do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Salto/SP), e colabora em editorias de Esporte em jornais, revistas e medias eletrônicas sobre Esporte. Vinculado como aluno regular ao programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba – UNISO.
RESUMO Analise comparativa, por meio das Teorias acadêmicas, da Comunicação oriunda da torcida de futebol. Pretende-se, além de traçar um paralelo entre conceitos acadêmicos e ações dos ocupantes de arquibancadas de estádios, mostrar que é possível ter erudição acompanhando uma das manifestações culturais mais populares, em se tratando de modalidade esportiva do Brasil, o futebol. O corpus teórico se baseia nas obras bibliográficas contempladas pela bibliografia da disciplina Teorias da Comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UNISO, particularmente Maurice Fabre e sua História da Comunicação e das análises do professor Paulo Schettino, em aulas; artigos da coletânea Comunicação, Mídia e Consumo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, uma das poucas encontradas que mesclam esporte e comunicação; alguns clássicos como Aristóteles, Sócrates, Platão e Charles Darwin e sua A Origem das Espécies; outro clássico, mais jovem, Os meios de comunicação como extensões do homem, de McLuhan, que se juntam a pedaços dos conceitos de linguistas, como Saussure e Pierce; além de ajuda em obras de temáticas próximas, mas necessárias ao bom entendimento das questões debatidas, como Sociologia e estudo de Esporte, citando DaMatta, Gastaldo e Bourdieu. O método empregado foi, principalmente, o estudo comparativo. Palavras-chave: Comunicação; Cultura; Esporte; Futebol; Torcida.
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INTRODUÇÃO
O esporte moderno e os meios de comunicação de massa são dois filhos diletos da modernidade. Na gênese do mundo contemporâneo, é interessante notar seu surgimento quase concomitantemente em fins do século XIX. Criado na Inglaterra da Revolução Industrial2, e exportado para o mundo todo pelo poderio naval e comercial britânico. O ethos esportivo tornou-se, nesse período, ideal de conduta para as elites do mundo.3 Nesse mesmo período, as artes gráficas e as tecnologias da comunicação audiovisual experimentaram extraordinários avanços: telégrafo, fotografia, telefone, fonógrafo, cinema ou meios eletro-eletrônicos e digitais, ferramentas que forneceram condições tecnológicas para o surgimento de dois importantes fundamentos da cultura de massa no século XX: media e esporte. Ou como define Arlei Damo, professor do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da UFRGS, e autor do artigo Comunicação e Esporte - explorando encruzilhadas, saltando cerca: Mais do que fenômenos paralelos, esporte e mídia construíram-se mutuamente. A característica “espetacular” (isto é, “para ser vista”) inerente às competições esportivas e seu poder de mobilização coletiva (pela metonímia que coloca nações ou bairros dentro de campos, pistas ou ringues) articulam-se
perfeitamente
com o surgimento de jornais impressos em rotativas, destinados a grande número de leitores, em pleno processo de expansão urbana na virada do século (DAMO, p. 41). 4
A esta altura do, desculpenos o trocadilho, campeonato poderíamos perguntar qual a relação entre media, esporte e Teorias da Comunicação? Se acreditarmos que esporte e media são pensados hoje em forma de produtos e que os consumidores desse produto, os torcedo-
res – quer apareçam na forma de gritões de arquibancada, pai com filhos uniformizados, telespectadores ou porteiros de condomínio com radinho de pilha no ouvido – são receptores de mensagens enviadas pela essa manifestação de cultura de massa. Mais: nas arquibancadas das praças esportivas podem comunicar fúria ao não concordar com a marcação regulamentar de um árbitro ou informar, por aplausos e apupos, que determinado atleta executou bela jogada. Mesmo trazendo o debate para a interatividade das redes sociais, o receptor se transforma em emissor e pode pedir ao comentarista da emissora de televisão que transmite ao vivo o jogo, via e-mail, chat ou Twitter, uma opinião sobre o desempenho de determinada equipe. Isso é ou não é Comunicação? E essa Comunicação não mescla cultura futebolística (vamos focar nossa análise a apenas a esta modalidade?5 A pretensão deste nosso trabalho é mostrar que um “grito de guerra” ou nome de torcida
Questionamos: Seria “maldade” pensarmos e/ou concordarmos com historiadores, sociólogos e pesquisadores que “culpam” o incentivo capitalista-empresarial da prática esportiva pelos operários fazendo dessa atividade lúdico-física uma espécie de ópio, no conceito marxista? 3 Para duas interpretações sociológicas sobre o surgimento da ética esportiva em fins do séc. XIX e ao longo do séc.XX, ver Bordieu (1999). 4 Para leitura crítica do campo acadêmico dos estudos sociais do esporte, ver Gastaldo (2010). 5 Não acreditamos que é preciso esclarecer que o futebol é a modalidade mais popular e praticada no Brasil e que esses são dois estreitos em nossa análise. 2
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organizada no mundo do futebol tem lugar na pesquisa das Teorias da Comunicação. Seja no plano da “Galáxia de Gutenberg” (McLUHAN, 1979, p. 16), com os gritos, palavrões, aplausos, coreografias e nomenclaturas específicas, na “Era de Marconi”, pois o veículo rádio afinou a maneira de apresentar e comunicar as coisas do futebol,
tural humana. No esporte pode até ter mais, visto que, só para citar três, há a relação de conversa entre os agentes que praticam ou são fãs da modalidade esportiva. Neste caso, temos os gritos e chamadas de atenção entre jogadores, que podem até mesmo usar gestuais para se relacionarem nas jogadas e desempenhos atléticos. Grande
pensar que o jogo cria um público, ou um consumidor, por que não pensar que o público cria o jogo e dá a dose de emoção e Comunicação humana para que essa lúdica manifestação cultural não se afaste do humano? É com esse assunto, esse toque de bola, que este trabalho pretende aproximar e refletir: as manifestações da torcida – ou
ampliando para muitos as perspectivas – lúdicas, emocionais, políticas ou sociais - do esporte, estendendo às massas - até aos analfabetos – a possibilidade de aproximação nessa manifestação cultural. Ou ainda, seja na “Terceira Era”, descrita dessa vez não por Mchullan, mas pelo professor Paulo Schettino, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UNISO, como “A Era ou Galáxia de Bill Gates” (SCHETTINO, in sala de aula, 2011). Podemos não gostar dos motivos que levam pessoas a gritar doentiamente o nome de um clube/time, mas não podemos deixar de perceber que vivemos época em que todos os agentes humanos estão interligados na “grande rede”, reduzindo tudo a “mercado”. E há Comunicação que descreve cada área de manifestação cul-
exemplo desse caso, rotineiramente apresentado nas partidas de futebol, é o gesto em que a mão espalmada vai de um lado a outro dando a ideia de “foi tirado”, ou seja, roubo. Normalmente o atleta ou treinador que faz tal gesto acabou de ser expulso de campo. Há também a comunicação, que atrevemos a chamar de mercantil, que é a venda do produto esporte e um público consumidor. Nesse contexto entram em jogo debates sobre transmissões multimídias, publicidade, megaeventos e outras possibilidades que neste trabalho não pretendemos tocar. Há ainda outra, e talvez bem mais modesta, sugerindo que se deve olhar mais para as arquibancadas – ou para as poltronas de casa, mesas de bar, enfim, para onde está o público – e, menos dentro de campo. Ao invés de
do público que se informa sobre um jogo de futebol pelos meios de Comunicação – e aspectos das Teorias da Comunicação.
ARQUIBANCADA, PSICANÁLISE, LINGUÍSTICA E OUTROS ESTUDOS ACADÊMICOS
Pediremos ajuda à Linguística e à Sociologia. Esta segunda ciência – e muitos de seus sociólogos - já explicaram que o comportamento humano é influenciado em duas dimensões: uma enquanto individuo solitário, outra quando se encontra em uma multidão. Em O Significado do Significado (OGDEN e RICHARDS, 1946), obra da Semiótica inglesa que estuda a influência da linguagem sobre o pensamento e sobre a ciência do simbolismo, é apresen40
tada a metáfora: a de que um ser semelhante de sua espécie funciona como um espelho, já que o ser humano precisa do outrem para viver e saber como viver. Além disso é importante considerar que todos da mesma espécie tem as mesmas necessidades vitais, sendo a principal delas, em nível da civilização, ser reconhecido no outro. Fala-
qual a Comunicação, em muitas vezes, não precisa ser tão polida quanto à usada no cotidiano, seja no âmbito familiar como no profissional. Esse processo de “desestresse” desculpa muitas vezes qualquer crítica dirigida ao fanático, seja de que este perca tempo – poderia estar produzindo – ou dinheiro, contrapondo-se a uma visão mais
sobre as causas da adesão de torcedores ao ato de assistir e torcer num jogo de futebol podemos levar em consideração a paixão (ausência da razão – sentimento) e causas externas, como o contexto sócio-econômico e cultural nos quais essas pessoas vivem e o padrão de sociabilidade, mas também fatores intersubjetivos da dinâmi-
mos aqui em civilização e numa análise pela Linguística, pois cabe ao esporte a idéia do coletivo. Mesmo nas modalidades ditas individuais (natação, atletismo, tênis...) é preciso do “espelho”, o adversário, além de necessitar de semelhantes que serão agentes do espetáculo da ação: árbitros, público, comissão técnica entre outros. As teorias bancadas pela Linguística e pela Sociologia, além de justificar o “ser-individual” e o “serno-meio-da-multidão” explicam também por que tantas pessoas se vestem com a mesma roupa, se dirigem ao mesmo local, gritam as mesmas palavras, tem emoções muito parecidas e podem abusar dessa tarefa lúdica e – por que não? – psicanalítica: ser o remédio do extravaso. O torcedor, antes de tudo, troca aspectos da realidade por uma espécie de mundo paralelo, na
cartesiana e positivista do ser na sociedade. O indivíduo torcedor se transforma em coletivo-torcida no meio da arquibancada. O eu se transforma no “É nóis”: gíria aplicada aqui para a idéia de grupo, até mesmo de tribo, do relacionamento em um nicho de sociedade que gera imagens comportamentais. Exemplificando, um humano que fala o mesmo idioma dessa “tribo” deixa de ser gente-cidadão, que evita falar um “nome feio” na frente do vizinho, por exemplo, para se tornar um “gaviões”, um “da mancha-verde” (nomes de torcidas organizadas), um ser que beira o violento ou o engraçado – dependendo da característica da torcida uniformizada em que se posiciona. Aqui temos a característica do comportamental marcando a comunicação de cada um desses grupos. Ao retomarmos a análise
ca grupal, que levam o indivíduo a agir de forma diferente dos papéis que assumem no seu cotidiano. Uma análise interna parece ser oportuna para a introdução do que Freud (1996) chama de psicologia de massas. É uma subdivisão da Psicologia Social orientada para o estudo do indivíduo como membro de uma raça, nação, profissão, instituição ou como membro de multidão que, em certos fins e momentos, se reúne para cumprir determinado objetivo. Aqui aparece no indivíduo um fenômeno mental que Freud classifica, em várias de suas obras, de instinto social, capaz de promover comportamentos peculiares para a ocasião e este objeto de estudo. Ao conjunto de situações e comportamentos próprios que regulam as atividades de certos coletivos dá-se o nome de grupo psicológico: 41
é um ser provisório, formado por elementos heterogêneos que por um momento se combinam, exatamente como as células que constituem
“organizado”. Evidentemente a Comunicação desse grupo tem toda uma peculiariedade. O detalhes dessa Comunicação dividiremos em dois, a seguir.
um corpo vivo, formam, por sua reunião, um novo ser que apresenta características mui-
A PAIXÃO
to diferentes daquelas obtidas por cada célula isoladamente (FREUD, 1996, p. 83).
Certamente, não estamos desconsiderando que os integrantes das torcidas organizadas são constantemente citados como participantes de atividades baderneiras ou até mesmo violentas. Nem podemos descartar que as atitudes desse grupo distanciam dos indivíduos que tem em paralelo uma convivência familiar, social ou profissional tranqüila e passam em certos momentos pela desagregação da ordem instituída. Consideramos esses componentes, apesar de não aprofundarmos esse estudo, já que não estamos no debate sociológico em si. Também seremos ajudados pela observação empírica dos fatos. Assim, chegamos à conclusão que o comportamento do indivíduo ganha contornos mais acentuados enquanto torcedor. E mais ainda enquanto torcedor
Seguindo a idéia apresentada em parágrafos anteriores, entramos em outro fator importante a ser analisado quando se compara Comunicação e torcida de futebol: a paixão. Lembramos ainda da Retórica da Paixão (ARISTÓTELES), ou da ausência da razão socrática, a qual, resumidamente, nos lembra que quando se fala o mesmo idioma, o conhecimento passa a ser comum e isso é Comunicação. Se para o pensador grego é possível viver bem desde que se comunique bem com seus próximos, para a torcida é possível viver melhor valorizando a paixão que seus componentes sentem por determinada facção, suas cores e história. Milhares de seres humanos gastam tardes do fim de semana ou noites de quartas-feiras em idas a jogos para se encontrar com semelhantes e exaltar ou agredir clubes de futebol.
Observados de perto, passam a sensação que se reconhecem enquanto grupo – e o são – e que sentem imensa satisfação em fazer isso. Mais: jovens com idade variando entre 14 e 25 anos são os principais agentes dessas tribos. Essa situação nos faz lembrar a idéia de imitação que, na narrativa refere-se ao ato de selecionar elementos lingüísticos para se reportar um fato. Aristóteles sugere (2000: 103) “há os que imitam muitas coisas, exprimindo-se com cores e figuras [...] imitam com ritmo, a linguagem e a harmonia [...]”. Notoriamente é relacionável as ações e sentimentos de paixãogrupo-imitação: É, pois, a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes do drama, imitação que se efetua não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem efeito a purificação dessas emoções. (ARISTÓTELES, idem, p.110)
Traduzindo alguns dos termos usados pelo filósofo grego
e colocando essas palavras em tempos atuais e relacionando-as as torcidas do futebol, podemos traduzir tragédia por aventura de ir ao jogo e a maneira como torcer; imitação como seguir tanto o pai/irmão mais velho ou vizinho no ato de ir a jogos e torcer por determinada equipe, além de acompanhar os gritos e coreografias do líder da torci-
menta da Comunicação e abrir nova análise/debate: como as torcidas do futebol usam essa “arma”. A distância física do local onde se encontra os fãs da modalidade e os locais que querem atingir a mensagem encontra dois obstáculos. Primeiro, a distância física. Alguns estádios de futebol têm uma arquibancada a algumas dezenas
sentar o pensamento humano, e por isto constitui uma unidade da linguagem humana. Nesse quadro encontram-se os xingamentos, as cantorias, as rimas, as escritas em faixas. É claro que nem sempre o aspecto semântico coincidirá com o sentido denotativo ou mesmo a escrita. Assim, um nome de animal passa a ser elogio, um adjetivo
da; caráter elevado é a paixão clubística, a dedicação supra ao time; linguagem ornamentada são todas as peripécias, vocais, sonoplastias ou de efeitos visuais vindos da arquibancada em apoio ao time; partes do drama: cada parte da partida; terror e piedade: apoio e repulsa, crítica e manifestação de alegria; para a purificação de emoções que pode ser entendida como sair extravasado ao xingar bastante a mãe do árbitro.6
de metros dos gramados, palco dos protagonistas do jogo e principais receptores – e alvo – das palavras proferidas pela torcida. Outro obstáculo são paredes ou lance de andar/patamar, já que alguns camarotes, locais onde ficam os dirigentes de clubes, e as cabines de imprensa, onde ficam os homens dos meios de comunicação. Esse esforço de se fazer comunicar vem da necessidade, diríamos, biológica de explicar toda a infinita dúvida de onde estamos e para onde vamos e de se mostrar ao outro. Isso explica as interjeições, sussurros, explosões sonoras de raiva ou felicidade e lamurio vindos dos torcedores. Querem dizer “estamos aqui!”. Mas há intenções bem mais complexas já que se atribui como um das funções da palavra a de repre-
com terror, que em princípio denotativo pode parecer pejorativo, ganha – como em no refrão “Ê, ô; ê, ô: fulano é um terror!” – contornos de vocábulo de elogio. O mesmo é aplicado ao termo irado. Aqui lembramos que em muitos exemplos o conceito de nicho e gíria encaixa como luvas no sistema de comunicação dos torcedores. Desde que Platão debateu os problemas oriundos das correlações entre os objetos do mundo sensível e as suas denotações pela linguagem, o significado de significado passou a ser um dos temas centrais do pensamento crítico do Ocidente. Pensadores vinculam as funções da linguagem aos problemas do conhecimento e da comunicação humana no sentido mais amplo, desde a lógica
A PALAVRA
Se somos governados pela palavra (VIDAL) e desde o início somos absortos nas palavras (SCHETTINO), temos de passar por essa importante ferra-
Sobre torcedores e paixão indica-se o olhar do escritor Luís Fernando Veríssimo, que sempre retrata suas angústias, alegrias e decepções nas crônicas publicadas em periódicos de todo País, no livro “Torcedor” (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008), escrito em parceria com Carola Saavedra. 6
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a metafísica. No entanto, como afirmam Ogden e Richards, os autores das teses copiladas em O Significado de Significado, essa necessidade nunca havia despertado dimensão para se colocar em igualdade com setores do conhecimento como a Filosofia, por exemplo. O problema do significado passou, assim, a ser uma realidade intermitente, e terminou como território apenas formal da Filosofia. Sua urgência, no entanto, é nuclear e fundamental para a validade mesma do pensamento científico. (OGDEN e RICHARDS, int. à 2ª. ed.)
Baseando-se nesse pretexto, entendemos (e cooperamos com este estudo) que todas as áreas da atividade humana – econômicas ou lúdicas; políticas ou culturais – devem fazer parte dos programas de pesquisas de graduação e pós-graduações das universidades brasileiras. Acreditar que o futebol, ou o comportamento dos torcedores nas arquibancadas dos estádios, é “coisa menor” é dispensar uma grande oportunidade de compreender melhor não só aspectos antropológicos e socio-
lógicos, mas entender como o ser humano é capaz de sempre encontrar as melhores maneiras de tornar eficiente a divulgação da mensagem, elaborando códigos cada vez mais criativos e complexos a fim de estabelecer aquilo que é, ao lado da criatividade e do pensamento, a viagem mais maravilhosa da evolução do homo sapiens: a
fazem coreografia com os bra-
Comunicação. Os torcedores de futebol não usam a palavra apenas como um índice, ou seja, a ideia que ela (palavra) representa e que tem um sentido por trás da palavra escrita ou falada. Estamos nos referindo ao aspecto da representação imaterial da palavra, o qual alguns lingüistas dão o nome de termo e que constantemente é quebrado pela criatividade brasileira em unir aspectos diferentes da cultura popular e usar como mensagem de ordem sentimental e incentivadora para os atletas e/ ou à equipe dentro do campo de jogo ou em encontros relacionados ao assistir futebol:
É por isto que o correto é “explicar bem um termo”, não “explicar bem um vocábulo”. Do mesmo modo, o correto é “pronunciar bem um vocábulo”, não “pronunciar bem um termo”. Além de não esquecermos que uma palavra também pode ser definida como sendo um conjunto de morfemas. E essa variedade de possibilidades transforma os cantos dos torcedores de futebol num objeto de estudo interessante e que deveria motivar mais a academia. Aproveitando o tema deste capítulo, vale nos apoderarmos de um interessante diálogo, a conhecida conversa entre Sócrates e Hermógenes, em que o primeiro questiona ao segundo se “falar não é, porventura, também um ato?”:
“Xis, zé; xis, zé: Quinze! Quinze!”
ços formando as letras X e V) “Au, au, au: Edmundo é animal!” (refrão gritado por torcedores da S. E. Palmeiras e direcionados ao atacante Edmundo, que também serviu à seleção brasileira de futebol)
(grito dos torcedores de Piracicaba/SP, sede do Esporte
Hermógenes. Sim.
Clube XV de Piracicaba – que
Sócrates. Falará, então, al-
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guém corretamente, falando segundo a sua opinião acerca do modo como se deve falar? Ou conseguirá falar com correção, se o fizer, cingindo-se à maneira própria de dizer as coisas e servindo-se dos meios adequados a isso? De outra sorte, não falhará e não será inútil seu esforço? (PLATÃO, 1994, p. 17, 25-30)
Quantas – e quão belas tantas indagações! Mas todas, sabiamente conduzidas por Platão, nos fazem refletir sobre as várias possibilidades da fala, da comunicação. As possibilidades de traçar amplos sentidos para as mais variadas justificativas são presentes em toda trajetória da humanidade. Inclusive no mundo do futebol. Interessante exemplo ocorreu em pleno estádio municipal Mario Filho, o mundialmente conhecido Maracanã, no Rio de Janeiro, durante disputa da final da Copa do Brasil de 1997. A torcida do Clube de Regatas Flamengo, reconhecidamente por institutos de pesquisa como a maior do País, começou a entoar um refrão bastante famoso naquele ano, oriunda de uma canção do chamado “funk carioca” e na qual se fazia associação ao
time estar ganhando, perto da conquista de mais um troféu de campeão, o que, nem é preciso explicar, alegra seus fãs: “Ah, eu tô maluco! Ah, eu tô maluco! Ah, eu tô maluco!”. Eis que a partida toma um rumo diferente próxima ao seu final: a equipe adversária, a do Grêmio de Foot Ball Porto Alegrense, do Rio Grande do Sul, consegue passar à fren-
ou adaptá-lo, e alcançar seus objetivos. Resta-nos indagar aqui se flamenguistas e gremistas seriam gregos e troianos.
te no placar e ficar com o título de campeão. A conquista motiva seus torcedores a responder (interagir, caçoar, provocar, se mostrar presente: comunicar) a torcida rival, mostrando-se feliz e satisfeita e exaltando, particularmente, o aspecto regional. Grita: “Ah, eu sou gaúcho!... Ah, eu sou gaúcho! ...Ah, eu sou gaúcho!” Se, ainda em Crátilo, Sócrates e Hermógenes debatem a atribuição de nomes a objetos e a maneira com que um foi atribuído a outro, podemos inverter o diálogo “...vejo cada uma das cidades atribuir, por vezes, nomes diferentes aos mesmos objetos e distinguirem-se nisto os Gregos dos outros Gregos e os Gregos dos Bárbaros.” (PLATÃO, idem, p. 13, 25-30). Devemos concordar que cada regionalidade, ou grupo, ou torcida, é capaz de dinamizar um léxico, trocá-lo
guagem verbal para expressar a sua euforia; isso ocorre porque o termo gol é uma expressão da língua. É mais que evidente a intrínseca relação entre as manifestações populares dos torcedores de futebol e as Teorias da Comunicação. Mas é preciso ganhar outro jogo, o de que é necessário convencer a pesquisar, aprofundar e debater mais a relação entre o mundano mundo do futebol, principalmente se virarmos o foco para a arquibancada, e a academia. Não se pode deixar qualquer área de atividade humana fora da pesquisa científica. O exemplo deste trabalho é uma gota no oceano das possibilidades de traçarmos paralelos entre teorias – sobretudo da Comunicação – e manifestações culturais populares. O torcedor de futebol é um ser a ser decifrado. Hora encan-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando a torcida grita “Goooool”, ela utiliza se da lin-
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tador do ponto de vista da animação do espaço público, hora um violento marginal da sociedade, torcedores não deixam de ser um grupo formado por seres humanos que são motivados por carências e desejos encontrados em projeção a outros grupos humanos. Para entendê-los melhor é necessário destrinchar cada parte desse complexo. A
tes da profissionalização dessas áreas e não teve qualquer tipo de ligação com elas durante sua vida, segundo seus biógrafos. Pensamos ser improvável que fizesse ideia de como sua famosa Teoria da Evolução das espécies pudesse pautar, dois séculos depois, um mundo tão tecnológico e ágil. Dizemos isso por que a nossa área da Comu-
gressiva para a extinção da era em que futebol e torcida se faziam distantes da Comunicação e do interesse da pesquisa da sociedade. Não devemos deixar o debate apenas para as editorias de Esportes e Polícia dos jornais. Mesmo por que a possibilidade dessas duas é limitada. Pronto, a hora de entrar em campo e vencer o adversá-
Comunicação (e suas teorias) podem ajudar a compreender como se relaciona e que motivações tem os que gritam do alto de uma arquibancada. Por falar em pesquisa científica e “homo sapiens”, lembramos de Charles Darwin. O evolucionista britânico não foi consumidor de modernidades, nem jornalista, muito menos técnico de futebol. Morreu an-
nicação tem mudado de maneira tão frenética que não se percebe certas analogias. Uma delas, que Darwin marcou um belo gol: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças” (Charles Darwin, 1858). Esquecendo a biologia e trazendo a seleção natural para o debate, colocamos que estamos numa contagem re-
rio chegou. A Comunicação é um campo enorme e não devemos esquecer nenhum produto humano. Que este debate seja “a preliminar” do jogo principal: que possamos entender cada vez mais as manifestações dos torcedores. A Comunicação não pode se ausentar desse debate. Só depois desse aprofundamento é possível condená-las ou aplaudi-la.
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REFERÊNCIAS
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Arte, Loucura e Modernidade
Sonia Leni Chamon Arte educadora e artista plástica, é mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unicamp; especialista em Semiótica pela Escola de Comunicação e Artes da USP; licenciada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Atualmente é professora de História da Arte e História da Arquitetura na Faculdade de Comunicação, Artes e Design e na Faculdade de Engenharia e Arquitetura no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Salto - SP.
RESUMO Análise da influência direta da arte produzida por internos de hospitais psiquiátricos na arte moderna e contemporânea, desde a produção alemã dos anos 20 do Hospital Psiquiátrico de Prinzhorn, aos brasileiros ligados a Osório César e a Nise da Silveira, e o caso de Arthur Bispo do Rosário Palavras-chave: arte moderna, inconsciente, Prinzhorn, Osório César, Nise da Silveira, Arthur Bispo do Rosário
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O século XIX foi um período conturbado e apaixonante. Invenções, descobertas, ideologias e filosofias exigiram do Homem mudanças profundas de concepção e alteração de padrões já existentes. Os câno-
tribuíram para a construção da Arte Moderna – uma nova forma de representação para um novo tempo. Já no século XX, a colaboração da arte dos insanos se tornou ainda mais expressiva pelas pesquisas e divulgação proporcionadas pelo médico e historiador da arte, Hans Prinzhorn (1886/1933). Em 1922
nes severos do Neoclassicismo já não bastavam para traduzir esse novo tempo, rejeitou-se, então, a tradição em busca do primitivo e do instinto através do Romantismo. Fenômenos sociais desumanos ligados à Revolução Industrial propiciaram ‘fugas’, escapismos, revivals como o Pré-Rafaelismo e o Neo Gótico. Mas abriram caminho, também, para novos sentidos na arte. A busca pelo mais autêntico, pelo o que estava na origem, resultou em obras como as de Rousseau e Gauguin. Abriu-se caminhos para artes até então marginalizadas, como as dos povos primitivos, das raças orientais, as folclóricas, as das crianças e as dos insanos (MacGREGOR, 1989). Essas artes, indícios de uma época aparentemente vulnerável, indicaram novos caminhos e con-
publicou o livro que se tornou referência básica nos círculos dadaístas e expressionistas da época: Expressões da Loucura. Relatava os procedimentos artísticos na Clínica de Heildelberg e acreditava que uma pulsão criadora e expressiva sobrevive à desintegração da personalidade. Obras de artistas insanos foram organizadas na chamada Coleção Prinzhorn e expostas entre 1929 e 1933 em paises como França, Alemanha e Suíça. Em 1933 a clínica de Heildelberg foi tomada pelos nazistas, que usou negativamente a coleção para fins de propaganda nazista1 dando início ao programa de exterminação dos doentes mentais. Fazia parte da propaganda nazista, a comparação depreciativa do acervo de Heildelberg
A ARTE MODERNA: CAMINHOS PARA A VERDADE
1
August Natterer: The Miraculous Shepherd, 1919. Prinzhorn Collection, Heidelberg
Johann Knopf, Petition No. 2345, The mysterious affairs of the murderous attacks. Prinzhorn Collection, Heidelberg
com obras de Arte Moderna – tida como Arte Degenerada como as de Cézanne, Van Gogh, Klee, Kandinsky, Kokoshka, Chagal.
Como é registrado no documentário Arquitetura da destruição (Undergångens arkitektur), direção de Peter Cohen, Suécia – 1989.
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Pode-se perceber o quão perigosa se tornou a arte, enquanto símbolo de liberdade e identidade, na trajetória nazista. A arte individualizada, expressiva, construtora deveria ser interrompida em favor de um imaginário de pureza racial e poder. Mas a arte Moderna continua o seu percurso e a arte dos insanos ganha novo destaque como
antropofágico. Tarsila do Amaral juntamente com Ismael Nery e Flávio de Carvalho representam os artistas plásticos que sintetizam visualmente essa estética psicológica. Imagens fantásticas povoam o tempo desses modernistas que as concretizam em suas pinturas 2. O primeiro trabalho sistematizado com arte dos insa-
referência na Arte Brüt de Jean Dubuffet, a partir de 1945, que se opunha veementemente contra um sistema hierárquico nas artes e assimilava plenamente a arte dos insanos. A coleção Dubuffet, em Lausanne, tem uma grande quantidade de trabalhos realizados por pacientes de hospitais psiquiátricos
nos, no Brasil, foi o do médico psiquiatra Osório César, que a partir de 1923 desenvolve um trabalho de artes plásticas com pacientes internados no Hospital Juquery, em São Paulo. Em 1925 publica A Arte Primitiva nos Alienados; em 1929, A Expressão Artística nos Alienados; em 1934, A Arte dos Loucos e Vanguardistas e em 1939, Misticismo e Loucura, com ilustrações de Tarsila do Amaral. Estas obras dialogaram com a produção modernista, assim como as constantes e valorizadas exposições de obras dos internos de Juquery. A partir de 1946, inicia-se o trabalho de Nise da Silveira (com certeza, a mais significativa pesquisadora e incentivadora do trabalho artístico em internos psiquiátricos) no Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro, Rio
A CONTRIBUIÇÃO NACIONAL
A década de 20, no Brasil, inaugura um profundo entrelaçamento entre os modernistas e a psicanálise. As obras literárias de Mário de Andrade e de Oswald de Andrade estão impregnadas pelo pensamento de Freud (FERRAZ, 1998), além de haver um interesse reflexivo sobre o assunto por todo o grupo 2
Aurora Cursino dos Santos, aprox. 1950
de Janeiro. Abolindo métodos desumanos, introduz a terapêutica ocupacional como meio de pesquisa e análise e também como forma auxiliar no tratamento do doente, estabelecendo conexões entre as imagens que emergem do inconsciente e a situação emocional vivida pelo indivíduo . A primeira exposição destes trabalhos, em 1947 no MEC, despertou o interesse da crítica de arte. Em 20 de maio de 1952 é inaugurado o Museu de Imagens do Inconsciente, considerado hoje referência nacional, com mais de 300.000 obras em seu acervo.
FERRAZ, M Heloísa. Arte e loucura. São Paulo: Editora Lemos, 1998, p.40.
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ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO
Arthur Bispo do Rosário (Japaratuba SE 1911, Rio de Janeiro RJ 1989) foi internado como esquizofrênico – paranóico na Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro. Sem nenhuma terapia específica ligada às artes, desenvolve uma das mais extraordinárias produções de arte do inconsciente brasileira. Emygdio de Barros, acervo Museu de Imagens do Inconsciente.
Manto da Apresentação , acervo Museu Bispo do Rosário.
Fernando Diniz, , acervo Museu de Imagens do Inconsciente.
O contato com as obras do acervo ou diretamente com os artistas, foi um diferencial para artistas como os concretistas Ivan Serpa e Arthur Mavignier. O Novo Realismo da chamada
Geração 80, também bebeu da fonte da arte dos insanos. Obras do Museu de Imagens do Inconsciente participaram, e ainda participam, da construção da Arte Contemporânea nacional.
Desprovido de conhecimentos sobre linguagens artísticas contemporâneas e sem nenhuma intenção de “fazer arte”, Bispo do Rosário produziu cerca de mil peças com objetos de seu cotidiano, como roupas e lençóis bordados com linha azul desfiada de uniformes dos internos ou como assemblages de objetos obtidos na clandestinidade do hospital. Toda essa produção foi 51
realizada dentro de especificações sagradas. Em sua coleta, Bispo estava elaborando os parâmetros tanto de sua identidade como de sua posteridade: todos os objetos e bordados ... haviam sido executados para o momento do Juízo Final [o momento da Apresentação ] ... Como diria Foucault, ‘linguagem
e delírio estão entrelaçados na formulação da verdade do sujeito’.3 Bispo era detentor de uma personalidade poderosa . A sua existência mística não foi aceita pelos padrões de normalidade. Sua obsessão pelo fazer chamado artístico lhe deu sustentação como indivíduo, promoveu
a sua identidade, construiu a sua vida, preparou a sua morte. Esta, que foi uma arte tão desesperadamente íntima, pontuou caminhos de artistas contemporâneos como Leonilson. Obras de Bispo do Rosário estarão em exposição na 30ª Bienal de Arte de São Paulo.
BIBLIOGRAFIA
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52
Os Efeitos Sociais da Comunicação Jornalística
João José de Oliveira Negrão Doutor em Sociologia Política pela PUC-SP e Professor na Faculdade de Comunicação, Artes e Design do CentroUniversitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP)
RESUMO O artigo traz a discussão sobre os efeitos da comunicação jornalística, abordando, em especial, as hipóteses da agenda setting e da espiral do silêncio. Recupera o histórico dos debates das teorias da comunicação acerca dos papéis do emissor e do receptor neste processo. Palavras-chave: Efeitos da comunicação. Agenda setting. Espiral do silêncio
ABSTRACT This article discusses the effects of journalistic communication, especially the hypoth- eses of agenda setting and the “Spiral of Silence”. The article references the history of debates on communication theory, especially regarding the roles of sources and receiv- ers.
Key words: Effects of Journalism Communication. Agenda Setting. Spiral of Silence
53
Durante muito tempo – entre os anos 20 e 70 do século XX —, a questão dos tipos de efeitos provocados nos receptores pelos meios de comunicação de massa, quando considerada com alguma relevância, limitava-se àqueles mais imediatos e diretos, pois,
se estabeleceu” (WOLF, 1995, p. 24). Esta primeira teoria foi questionada pelo desenvolvimento de teorias e experimentações posteriores no campo da comunicação de massas. Nos anos 40, desenvolvendo estudos sobre a campanha eleitoral daquele ano, Paul Lazarsfeld e sua equipe apontam para um papel limitado dos meios de co-
maciça dos mass media sobre o público”. Sintetizando, pode-se afirmar, com Schultz, que o estudo sobre os efeitos da mídia permaneceu por muito tempo preso às seguintes premissas:
conforme aquela que pode ser considerada a primeira teoria da comunicação de massas, a teoria hipodérmica, “cada indivíduo é um átomo isolado que reage isoladamente às ordens e sugestões dos meios de comunicação de massa monopolizados”. (WRIGHT MILLS. In WOLF, 1995, p. 24). A ideia básica, aqui, é a capacidade ilimitada dos meios de comunicação de dirigir o processo comunicativo, sem que o receptor tenha qualquer papel crítico, interpretativo ou de ressignificação da mensagem. Se forem tecnicamente bem construídas e transmitidas, “as mensagens da propaganda conseguem alcançar os indivíduos que constituem a massa, a persuasão é facilmente ‘inoculada’. Isto é, se o ‘alvo’ é atingido, a propaganda obtém o êxito que antecipadamente
municação. Para eles, conforme Traquina (2001, p. 16), este papel é, principalmente, reforçar atitudes e opiniões existentes, não alterá-las. Entra em cena, então, a ideia dos efeitos limitados da mídia, que, conforme Traquina (op. cit.), tornou-se o paradigma dominante no início dos anos 60, embora contraditado por outras posições, como as defendidas pela Escola de Frankfurt. O sucesso da teoria dos efeitos limitados, segundo WOLF (1995, p. 127), deveu-se, entre outros, à adequação dela às grandes empresas de comunicações de massa e à imagem dos jornalistas, pois ajudava a defender, “uns e outros, de controles e pressões sociais excessivas, que seriam, pelo contrário, inevitavelmente acentuados desde que se acreditasse na ideia de uma influência
é impressionado por esse estí-
INTRODUÇÃO
a)os processos comunicativos são assimétricos: existe um sujeito ativo que emite o estímulo e um sujeito passivo que mulo e que reage; b)a comunicação é individual; é um processo que diz respeito, antes de mais nada, a cada indivíduo e que deve ser estudado nesses indi- víduos; c)a comunicação é intencional; o início do processo, por parte do comunicador acontece intencionalmente e dirigese, em geral, a um objetivo; o comunicador visa um determinado efeito; d)os processos comunicativos são episódicos: o início e o fim da comunicação são limitados no tempo e os episódios comunicativos têm um efeito isolável e independente (SCHULZ. In WOLF, 1995, p.125-126).
Mas este paradigma está sendo superado. Desloca-se o pressuposto dos efeitos de curto prazo para as consequências 54
de longo prazo, pois, conforme Roberts, “as comuni- cações não intervêm diretamente no comportamento explícito; tendem, isso sim, a influenciar o modo como o destinatário organiza a sua imagem do ambiente” (In WOLF, 1995, p. 126), quer dizer, os meios de comunicação provocam efeitos cognitivos sobre o sistema de conhecimen-
do agenda setting só se tornam assunto de uma agenda pública de discussões aqueles temas – entre os milhares possíveis – que ganhem espaço nos jornais, revistas, rádios e tevês. É preciso, aqui, mar- car uma distinção: há duas esferas possíveis em relação às quais as pessoas orientam suas conversas. Uma é aquela que pode
tos específicos dos cenários
to dos indivíduos, não apenas pontuais, mas sedimentados no tempo. Assim, com Wolf (Op. Cit.), podemos afirmar que no centro da questão dos efeitos coloca-se a relação entre a ação constante da mídia e o conjunto de conhecimen- tos sobre a realidade social, “que dá forma a uma determinada cultura e sobre ela age, dinamicamente”.
ser chamada de “agenda pessoal”, onde se localizam temas que dizem respeito à vida privada de cada um: o filho que adoeceu, o carro que quebrou. Estes são temas não-mediatizados. Neste nível, é baixa ou nula a influência da mídia, porque só pessoas muito próximas conversarão sobre eles. Há, porém, uma esfera de assuntos comuns, que parte significativa dos agentes sociais conhece e sobre os quais fala. É aí, segundo a hipótese, que a mídia, pela seleção, disposição e incidência das notícias, determinará os temas. Assim, para E. Shaw,
buída pelos mass media aos
A HIPÓTESE DE AGENDA SETTING
No final dos anos 60, os pro- fessores norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw formularam a hipótese de agenda setting, buscando estudar que tipo de efeitos os meios de comunicação de massa provocam em seus receptores. Para a hipótese
em consequência da ação dos jornais,
da televisão e
dos outros meios de in- formação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elemen-
públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos
aquilo que os mass
media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma im- portância que reflete de perto a ênfase atriac- ontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW. In WOLF, 1995, p. 130).
Barros Filho (1995) mostra dois exemplos de agenda set- ting. O jornalista norte-ameri- cano Lincoln Steffens, em sua autobiografia, conta como, no jornal Evening Post, de- cidiu publicar histórias poli- ciais pitorescas, que eram até então relegadas. O “furo” fez que outros jornais tivessem o mesmo procedimento. O aumento dos crimes tratados pelos jornais levou público e autoridades a considerar a criminalidade mais relevante (na época, falouse até de “crime wave”), sem que, na realidade, houvesse uma elevação estatística do número de crimes. Outro exemplo interessante diz respeito à divulgação 55
em 1993, pelo Fantástico, da Rede Globo, do movimento separatista República dos Pampas, então existente no Rio Grande do Sul, segundo seus idealizadores, há mais de cinco anos. No entanto, para a quase totalidade do País, tal movimento — de baixíssima penetração no próprio sul do Brasil, é necessário frisar – passou
aponta in- fluências de Gabriel Tarde (A opinião e as massas) e Walter Lippmann (Public opinion, de 1922), também apontado como antecessor por Barros Filho (1995), que indica out- ros: Robert Ezra Park (The city, de 1925); Norton Long (The local community as na ecology of games, de 1958); Bernard Cohen (The press
A idéia central de agenda setting, conforme expressa por Cohen (não dizer compensar, mas sobre o que pensar) ganhou complexidade e alterações com a evolução das pesquisas que a tinham como núcleo de preocupação. Traquina as historia da seguinte maneira: Funkhouser (1973/1991), MacKuen (1981) e MacKuen
a existir naquele momento. E a partir da divulgação, que fez outros veículos também se voltarem para o tema, um movimento político sem expressão levou os ministros da Justiça, do Exército, o Presidente da República e até o secretário-geral da ONU a se pronunciarem sobre ele, o mesmo acontecendo com discursos no Congresso Na- cional. Passada esta onda, a República dos Pampas voltou ao desconhecimento, por não ter bases enraizadas. A hipótese de agenda setting veio a lume em 1972, quando McCombs e Shaw publicam os resultados de um estudo realizado em 1968, na localidade de Chapel Hill, na Carolina do Norte (EUA) . A ideia central à hipótese, no entanto– sem usar o nome – pode ser encontrada em diferentes autores e trabalhos anteriores. Hohfeldt (2001)
and foreign policy, de 1963); Gladys Lang e Kurt Lang (The mass midia and voting, de 1966). A premissa inicial da agenda setting é aquela avançada por Cohen:
e Coombs (1982) descobrem que a preocupação pública com os problemas reflete as mudanças ao longo do tempo na atenção prestada a esses problemas pelos mídia. Em outra pesquisa, Iyengar, Peters e Kinder (1982/1991) concluem que “os espectadores expostos às notícias dedicadas a um problema em particular ficam mais conven- cidos da sua importância. Os programas das redes noticiosas parecem possuir uma poderosa capacidade de moldar a agenda pública” (TRAQUI- NA, 2001, p. 35). A sucessão das pesquisas tendo por base a hipótese da agenda setting levou seus primeiros e principais promotores a reformularem a definição inicial aventada por Cohen. McCombs e Shaw, em 1993, naquilo que podemos considerar o significado forte da hipótese – em con-
a imprensa pode, na maior parte das vezes, não conseguir como
dizer
às
pessoas
pensar, mas tem, no
entanto,
uma
espantosa para
capacidade dizer
aos
seus próprios leitores sobre o que pensar. O mundo parece diferente a pessoas diferentes,
dependendo do mapa
que lhes é desenhado pelos redatores, editores e diretores do jor- nal que leem (COHEN. In TRAQUINA, 2001, p. 19).
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA HIPÓTESE
56
traposição ao significado fraco, que postula que mais do que impor o que pensar, a mídia tem a capacidade de definir sobre o que pensar —, afirmam que o agendamento é consideravelmente mais que a clás- sica asserção de que as notícias nos dizem sobre o que pensar. As notícias também nos dizem como pensar nisso. Tanto a seleção de objetos que despertam a atenção como a
CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ENTENDIMENTO DA HIPÓTESE
trapassa os espaços tradicionalmente a eles determinados se torna onipresente. Por exemplo, quando a página policial acaba por se ocupar
Para o esclarecimento acerca dos desdobramentos que a hipótese de agenda setting nos estudos que levem em conta suas premissas, é fun- damental que alguns con-
de um assunto desportivo (o
cei- tos básicos sejam bem definidos. Hohlfeldt assim os oferece:
mídias, ou seja, se um deter-
recente episódio envolvendo a corrupção de juízes por dirigentes de futebol). Relevância – ela é avaliada pela consonância do tema nas diferentes minado acontecimento acaba sendo noticiado por
todas
seleção de enquadramentos
Acumulação
capacida-
as diferentes mídias, inde-
para pensar esses objetos são
de que a mídia tem de dar
pendentemente do enfoque
poderosos papéis de agenda-
relevância a um determina-
que lhe venha a ser dado, ele
mento. [Assim]
do tema,
destacando-o do
possui relevância. Frame tem-
somatório de Bernard Cohen
imenso conjunto de aconte-
poral – quadro de informações
(1963) do agendamento – os
cimentos diários que serão
que se forma ao longo de um
mídia podem não nos dizer
transformados posteriormente
determinado período de tem-
o que pensar, mas são incri-
em notícia e, por conseqüên-
po e que nos permite a inter-
velmente bem sucedidos ao
cia, em informação. Conso-
pretação contextualizada do
dizer- nos em que pensar –
nância
de suas
acontecimento; ele cobre todo
foi virado pelo avesso. Novas
diferenças e especifici- dades,
o período de levantamento
investigações,
exploran- do
os mídias possuem traços em
de dados das duas ou mais
consequências do agen-
comum e semel- hanças na
agendas (isto é, a agenda da
damento do enquad- ramento
maneira pela qual atuam na
mídia e a agenda dos recepto-
dos mídia, sugerem que os
transformação do relato
de
res, por exemplo). Time lag – é
mídia não só nos dizem em
um
se
o intervalo decorrente entre
que
torna
Conseqüen-
o período de levantamento da
as
o clássico
pensar, mas
também
–
–
apesar
acontecimento que notícia.
como pensar nisso, e con-
temente, alguns
princípios
agenda da mídia e a agen-
sequentemente o que
pen-
gerais podem ser aplicados,
da do receptor, isto é, como
p.
independentemente de suas
se pres- supõe a existência
idiossincrasias.
de
sar (TRAQUINA, 33-34)
2001,
Onipresen-
um efeito de influência
ça – um acontecimento que,
da mídia sobre o receptor, ela
transformado em notícia, ul-
não se dá mágica e imediata-
57
mente, mas necessita de um
liência – valorização individual
certo tempo para se efetiva
dada pelo receptor a um de-
e ser constatável.
este
terminado assunto noticiado,
intervalo de tempo se deno-
que se traduz pela percepção
mina time-lag. Centralidade
que ele venha a emprestar à
– capacidade que os mídias
opinião pública. Focalização –
têm de colocar como algo im-
a maneira pela qual a mídia
portante determinado assun-
aborda um determinado as-
to, dando-lhe não apenas re-
sunto, apoiando-o, contextu-
levância quanto hierarquia e
alizando-o, assumindo deter-
significado. Há muitos assun-
minada linguagem, tomando
tos que são noticiados cons-
cuidados especiais para
tantemente mas que não são
sua editoração, inclusive medi-
conscientizados
cen-
ante a utilização de chama-
trais (isto é, decisivos) para
das especiais, chapéus, log-
a nossa vida, enquanto ou-
otipias,
tros assim se tornam. Por
2001, p.201-203)
A
com
etc.
a
(HOHLFELDT,
exemplo, a questão do Plano Real e a queda da inflação como um
elemento alterna-
AS DIFERENTES CAPACIDADES DE AGENDAMENTO
tivo de redistribuição de riqueza. Tematização – é o procedimento implicitamente ligado à centralidade, na medida em que se trata da capacidade de dar o destaque necessário (sua formulação, a maneira pela qual o assunto é exposto), de modo a chamar a atenção. Um dos desdobramentos da tematização é a chamada suíte de uma matéria, ou seja, os múltiplos desdobramentos que
a informação
vai recebendo, de maneira a manter presa a atenção do receptor naquele assunto. Sa-
Diferentes veículos têm diferentes capacidades de influir na definição dos temas que serão assuntos de debate público. O agendamento também depende da natureza do assunto: quanto mais próximo ele for da experiência pessoal direta da audiência — desemprego, custo de vida, criminalidade — menor o efeito de agenda setting, que se torna mais marcante à medida que o assunto se afaste deste contato, como política internacional e ciência, por
exemplo. Conforme Barros Filho (1995) e Traquina (2001), Zucker vai identificar os temas como obstrusive, no primeiro caso, e non-obstrusive, no segundo. Outros estudos buscam pre- cisar o grau de influência a partir da natureza do veícu- lo. Pesquisa de Benton e Frazier, voltada para temas econômicos, citada por Wolf (1995), distingue três níveis de conhecimento: o primeiro, superficial, inclui apenas o título da área temática (economia, poluição, política); o segundo já implica certas articulações de conhecimentos (causas, soluções propostas); o terceiro relaciona-se à complexidade ainda maior (argumentos favoráveis e contrários, grupos que apoiam diferentes estratégias para determinadas soluções). Para os autores a televisão parece
desem-
penhar um papel secundário, pouco significativo, determinação da nos
na
agenda
níveis dois e três, que
implicam um
conhecimento
mais aprofundado dos temas econômicos. No momento em que a hipótese do agenda setting se articula sobre diversos
58
níveis do proces- so de aquisição de infor- mações, os dados obtidos revelam papéis diferentes para
os
vários
mass me- dia (WOLF, 1995, p. 141).
McCombs – um dos pais da hipótese de agenda setting –, em artigo de 1976, tem conclusões semelhantes. Para ele, os jornais impressos são os principais “promotores da agenda do público”, embora a televisão tenha impactos, no curto prazo, na composição desta agenda. McCombs afirma que o “melhor modo de descrever e distinguir esta influência será, talvez, chamar agenda setting à função dos jornais e enfatização (ou spot-lighting) à da televisão” (WOLF, 1995, p. 145). Este papel relativamente se- cundário dispensado à televisão quanto à proeminência na capacidade de agendamento é questionado por alguns autores, principalmente se levarmos em conta o que chamei de significado forte da hipótese. O questionamento ganha destaque em países como o Brasil, onde é baixo o índice de leitura de jornais , enquanto a televisão está presente em quase 90% dos domicílios.
Lima, na construção do conceito de Cenário de Representação da Política (CR-P), afirma que a televisão exerce a posição dominante frente aos outros veículos no que diz respeito à audiência e à credibilidade. No Brasil, afirma Lima, a imprensa diária, propor- cionalmente, manteve prat- icamente a mesma tiragem nos últimos 20 anos, enquanto a televisão consolidou-se nacionalmente, “dominada por um ‘virtual monopólio’ de audiência e de verbas pub- licitárias de uma única rede”(LIMA, 2001, p. 194). Citando pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Canadá, México, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Brasil e outros países da América Latina, Lima destaca que é
interessante
observar
que a posição da televisão como mídia dominante contemporânea ‘iguala’, para efeito de eventual aplicação do conceito
e das hipóteses
relacionadas ao CR-P, países considerados de ‘primeiro’ e ‘ter- ceiro’ mundos, com níveis médios
de
escolaridade e
renda e até mesmo com sistemas partidário e eleitoral significativamente diferentes,
por exemplo os Estados Unidos e o Brasil (LIMA, 2001, p. 194-195)
ESPIRAL DO SILÊNCIO
Formulada e desenvolvida pela socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neumann, num texto de 1972 sintomaticamente chamado Return to the concept of powerful mass media, a hipótese da espiral do silêncio tem por objetivo desvendar mecanismos que constroem a opinião pública. A autora é especialista em demoscopia e fundou com o marido, após a Segunda Guerra – quando retornou do exílio forçado pelos nazistas – o Instituto de Demoscopia Allensbach. A espiral do silêncio baseia-se no medo que os agentes sociais têm do isolamento, no que respeita aos seus comportamentos, atitudes e opiniões. Eles buscam a integração social, querem ser populares e não ‘diferentes’. Por isso, as pessoas prestam atenção aos comportamentos e opiniões considerados majoritários e tentam manifestar-se dentro dos parâmetros da maioria, o que 59
as levaria, tendencialmente, a não manifestarem opiniões contrárias à opinião dominante. Haveria, então, uma tendência a que o indivíduo se mantivesse em silêncio, por receio do isolamento, e não manifestasse sua opinião quando ela é minoritária. A ideia de uma ‘espiral’ tenta explicar a dimensão cíclica e autoalimentadora desta ten-
paço às opiniões dominantes,
dência ao silêncio: quando mais uma opinião for dominada ou minoritária – real ou aparentemente – num determinado universo social, maior será a possibilidade de que ela não se manifeste, tornando-se ainda mais minoritária. E como os agentes percebem essa opinião dominante? Em grande parte, por ser ela a que é difundida pelos meios de comunicação. Assim, a opinião pública é “um processo de interação entre as atitudes individuais e as crenças individuais sobre a opinião da maioria. Pela influência provocada na audiência pelos mas media chega-se à confluência do que seja a opinião majoritária”. Conforme Sousa, na avaliação de Noelle-Neumann
por exemplo, à facilidade de
os meios de comunicação tendem a consagrar mais es-
reforçando- as, consensualizando-as e contribuindo para ‘calar ’ as minorias pelo isolamento e pela não referenciação. Ou então os meios de comunicação – e é aqui que reside um dos pontos - chave da teoria – tendem a privilegiar as recem
opiniões que
dominantes
pa-
devido,
acesso de uma minoria ativa aos órgãos de comunicação, fazendo com que essas opiniões pareçam dominantes ou até
consensuais quando de
fato não o são. Pode dar-se mesmo o caso de existir uma maioria silenciosa que passe por mi- noria devido à ação dos meios de comunicação. (SOUSA,
2002, p.
de e permite aos meios canalizar um fluxo de opinião, tornando-o dominante. Para Noelle-Neumann, há mais dois condicionantes além da consonância temática, conforme explica Sousa (op. cit.): a acumulação, advinda da exposição sucessiva aos meios, e a ubiquidade, também chamada por Hohfeldt (2001, p. 221) de onipresença da mídia. É só na atuação deste conjunto que se pode identificar os efeitos poderosos da mídia. Como a hipótese da agenda setting, a espiral do silêncio integra as linhas mais re- centes (historicamente) da pesquisa em comunicação, que refutam a tese dos efeitos limitados. E, conforme Barros Filho, ela
171) não
Este mecanismo, para funcionar, tem como uma de suas condições a chamada consonância temática: a abordagem mais ou menos homogênea dos mesmos fatos ou assuntos pelos diferentes meios de comunicação. Tal consonância tendencial, con- forme Barros Filho (1995), dá ao conjunto dos produtos informativos e a cada notícia, separadamente, uma aparên- cia de objetivida-
uma
se
limita
a
apontar
coincidência temática
entre mídia e público (proposta inicial do agenda setting), pois também constata que a abordagem dada pelos meios a determinado fato, respeitadas algumas condições de con- sonância, acaba se impon- do de maneira progressiva. Ou seja, depreende-se dessa hipótese que os meios não se limitam a impor os temas sobre os quais se deve
falar, mas também impõem o que falar sobre esses temas (BAR- ROS FILHO,
1995, p.
210-211).
É possível, então, estabelecer uma complementaridade entre agenda setting e espiral do silêncio, especialmente se levarmos em conta aquilo que chamei de significado forte, aventado pelos criadores da hipótese, McCombs e Shaw que, após mais de duas déca- das de pesquisa, acabam por concluir pela capacidade dos mídia de definir o que pensar.
CRÍTICAS ÀS HIPÓTESES
informação – que não pretendo desenvolver aqui —, vale registrar que Sampedro formula um terceiro para- digma, baseado na teoria da estruturação de Giddens, por ele denominado elitismo in- stitucional, segundo o qual
(1)pecan de mediacentrismo, porque absolutizan los médios como
la
la única institu-
opinión pública esta- ría
ción que informa a la opinión
condicionada – pero no de-
pública. Se olvida, por tanto,
terminada – por sus estructu-
que existen otras fuentes de
ras sociales y por tres ras-
conocimiento social como la
gos de la lógica institucional
experiencia
o modo de funcionamiento de
ber común o heredado, o
los medios de comunicación.
la conversación en los grupos
En primer lugar,
se admite
primarios. (2)Postulan efec-
que las estructuras de los pú-
tos individuales que, como es
blicos (clase social, educación
lógico, se fundamentan em
formal,
la
género o etnia) im-
ponem ciertas
Sampedro, discutindo as teorias dos efeitos midiáticos sobre a opinião pública, as divide em dois paradigmas clássicos: o elitismo, que pressupõe que os meios de comunicação exercem um controle quase total sobre um público inerte e passivo, enquanto o pluralismo concebe um conjunto de consumidores soberanos que criam uma demanda diversificada ou audiências que interpretam com liberdade o conteúdo dos meios. Apenas a título de
quadro elitista, dominante na communication research até os anos 40 e recuperado na década de 70. As teorias elitistas, segundo ele
propria, el
psicología,
sa-
perdiendo la
limitaciones
perspectiva sociológica (...) Y
materiales y culturales. Pero
la agenda-setting o la espiral
también funcionan como re-
del silencio adoptan una pers-
cursos que pueden potenciar
pectiva sistémica, de efectos
su autonomía. Otro tanto pue-
cog- nitivos
de afir- marse de la dependen-
de gran calado pero bastante
cia mediática respecto a otras
tautológicos. Porque? Qué otra
instituciones (sobre todo el Es-
cosa puede hacer un electo-
tado y el mercado), de cómo
rado cada vez más alejado de
los medios entienden sus re-
los centros de decisión y de
laciones con la audi- encia, y
debate sino seguir la agenda
de cómo presentan sus conte-
seleccionada por los perio-
nidos (SAMPE- DRO,
distas y las perspectivas que
p.
1999,
129).
y acumulativos
se postu- lan como mayoritarias? (...) (3)Por último, las
A hipótese do agenda setting é colocada por Sampedro no
corrientes elitistas señalan a los proprietarios o a los pro-
61
fesionales de los medios como los únicos responsables de los efectos sobre la opinión pública, sin detallar los procesos intermedios (...) (SAMPE- DRO, 1999,
p.
135-136)
A crítica de Sampedro é válida. É verdade que os meios têm a capacidade de influenciar a estruturação da agenda de discussões públicas, bem como a de influir fortemente na conformação da opinião pública, como advogam, respectivamente, as hipóteses de agenda setting e de espiral do silêncio. Este processo, no entanto, sofre a concorrência de outras instituições da sociedade capitalista contemporânea, como, entre outras, a família, a escola e as igrejas. Todos eles compõem o que o italiano Antonio Gramsci vai chamar de Aparelhos Privados de Hegemonia – organismos sociais coletivos voluntá-
rios e relativamente autônomos em face da socie- dade política. Mas o próprio Gramsci já destacou a importância dos meios de comunicação quando, propondo uma definição de partido político, afirma que os jornais – em seu tempo não havia televisão – podem exercer funções de partido. Também Lima (2001, p. 191-192), embora não ignore o papel de outros aparelhos privados de hegemonia reconhece na mídia, “especialmente na televisão, um papel central na tarefa contemporânea de ‘cimentar e unificar ’ o bloco social hegemônico (e contra- hegemônico)”.
tiragem média de 606 mil exemplares/dia; em 2004, essa média caiu para 308 mil; em 2011 foi de 286 mil/dia. O Globo caiu de 412 mil/dia em 95 para 257 mil/dia em 2004; em 2011 foi 256 mil/dia. O Estado de S. Paulo saiu da média de 385 mil/dia em 95 para 233 mil/ dia em 2004; em 2011 chegou a 263 mil/dia. Conforme Hohlfeldt (2001, p. 220), demos(povo) + copia (transladoliteral) significa “pesquisar a opinião do público para torná-la conhecida [...] demoscopia é a pesquisa de opinião pública sob organização científica” 3
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