Teste 2

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motim



editorial ´ Desafios de direitos basicos: ~

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o que sao, pra que e porque ? Apesar de ser uma bandeira ampla, ainda há muita dúvida quando se pergunta o que são os direitos humanos. Ainda há o equívoco de que defender direitos humanos é defender criminosos, direitos básicos sendo entendidos pela lógica do merecimento individual ou questão de sorte: a sorte de ter tido um pai que podia pagar os estudos, a não sorte de ter que se sustentar com um salário mínimo ou de não ter qualquer teto pra morar. Afinal, “é assim mesmo”. Os direitos humanos tem uma longa trajetória desde sua criação, e se apresentam hoje como a soma dos direitos fundamentais com os direitos que atendem às demandas da evolução social. É o direito contra a tortura somado ao direitos de proteção contra a violência de gênero, por exemplo. Saúde e educação de qualidade. Transporte e saneamento básico. Segurança. Direitos trabalhistas e habitação. Direito à diversidade religiosa e sexual. Todos esses são pontos que buscam garantir a dignidade universal da vida humana. Mas, mesmo com o caráter de universalidade, falar de direitos básicos é, necessariamente, entrar na defesa das classes sociais mais prejudicadas. A classe trabalhadora, a classe pobre. Não é novidade que, em benefício de uma pequena elite econômica e política, grandes massas de pessoas são oprimidas nas relações de trabalho, transporte, educação e

saúde e tantas outras. Se no regime soviético os direitos eram violados pelo estado, na sociedade capitalista contemporânea vemos os interesses privados se sobrepondo sobre estas questões. Há criticas mais radicais que apontam os direitos humanos como um paliativo para os efeitos severos do capitalismo, um atenuador de conflitos sociais. É verdade que a questão é largamente trabalhada junto a instituições e governos, e pode acabar engessada em d i s c u r s o s e a ç õ e s p o l í t ic a s demasiadamente burocratizadas, servindo mais como mote de campanhas do que como agentes de mudanças estruturais. Mas, olhando atenciosamente, os q u e s t i o n a me nt o s m a i s comprometedores e as críticas mais profundas à lógica capitalista traçam pontos congruentes ao tema dos direitos humanos. A questão da terra, da moradia e da comunicação são pontos nefrálgicos levantados por movimentos sociais que tem amplo respaldo na abordagem dos direitos humanos. É relevante ver que os direitos não funcionam só como “diretrizes”, mas como agentes potencializadores de mudanças sociais concretas e da autonomia da população perante os governos e o poder do capital. O q u e d e fe n d e mo s a q u i é a distribuição radical de elementos básicos à vida humana para todas as pessoas, de forma igualitária, para que, livres de violência, assegurem s u a a u t o n o m i a e i d e nt i d a d e

enquanto indivíduos e coletivos. Acreditamos que é isso que move a recente onda de protestos, em uma sociedade que se vê cada vez mais enganada, com direitos fundamentais sendo transformados e m f o nte d e l u c ro p r i va d o e monopolizado. Com um estado impotente diante do poder do capital, a cidadania institucional se vê cercada por muros firmes, que ora v e s te m te r n o s , o r a v e s te m uniformes militares. O cenário que se desenha nas ruas do Brasil, sem lideranças políticas e com mais fé na ação direta do que nas veredas do caminho institucional, mostra a urgência de uma juventude, infeliz com a situação do país, que começa a tomar corpo com esse mesmo desejo d e r a d ic a l i z a r a d e moc r a c i a . Passando por questões estruturais ligadas à questão dos direitos humanos no Brasil, nosso objetivo é incentivar a reflexão sobre como se configura nossa sociedade, com o intuito de despertar essa mesma visão crítica que tem feito tanta gente ir às ruas.

Expediente Ailson Lima a Débora Britto Igor Gomes Rayanne Morais Thiago Farias


MARCO MONDAINI Por Débora Britto

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Movimento Passe Livre

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Bala de borracha, repórter da Folha de São Paulo, comoção popular. Freud explica? Marco Mondaini: Eu não me aventuraria a dar uma explicação, mas existem alguns elementos que nos ajudam a compreender. A virada dos protestos é um deles. Inicialmente, (a sociedade e mídia) aceitando a ação polical e, depois, diante de casos absurdos de violência policial, de excesso de balas de borracha, de gás de pimenta, gás lacrimogênio, violência po l ic i a l e t c , i nc l u s i v e c o nt r a o s jornalistas,a sociedade “muda de lado”. Os p r ó p r i o s me i o s d e c o m u n ic a ç ã o mudaram de lado. Então são várias as motivações que levam as pessoas até a rua. Certamente, foi impressionante foi o fato de em todo o território nacional terem ocorrido manifestações expressivas, que não costumam acontecer. Não fazem parte da nossa história e ainda mais dessa m a n e i r a . A c a r a c te r í s t ic a d e s s e movimento é a inexistência de uma bandeira. No campo da psicologia diriam que pode ser uma catarse coletiva a ponto causar indignação nas pessoas. Não sei se havia realmente uma indignação acumulada. Existe alguma coisa que é inexplicável e a ciência tentar explicar é tentar retornar a um cientificismo que procura ter sempre uma razão nas coisas. Há uma coisa que escapa à nossa compreensão. Eu não descartaria, por exemplo, um espírito de manada, que faz com que as pessoas f i q u e m d u r a nte a n o s , d é c a d a s , ruminando mas em um momento leva as pessoas para as ruas.

Futuro dos protestos e organização política: pauta para além das ruas? Marco Mondaini: Eu sou historiador de profissão. É muito fácil olhar para trás, mas olhar para a frente é muito difícil. A gente, no máximo, pode estabelecer tendências. Pode estar acontecendo alguma coisa, que aí sim eu me arriscaria a construir uma hipótese. O Brasil tá

colhendo agora as contradições que foram plantadas exatamente por esses 10 anos de crescimento. O Brasil, em particular o Rio de Janeiro, se aventurou a assumir a responsabilidade de sediar eventos muito grandes, que atraem multidões, atraem os olhares do mundo inteiro. Começou com a Copa das Confederações e, em seguida, a Jornada Mundial da Juventude. Ano que vem tem Copa do Mundo. Logo depois, tem Olimpíadas. Tudo faz parte do mesmo processo que é esse da tentativa de tornar o Brasil uma potência. Só que uma potência assentada em problemas crônicos, que não foram resolvidos e que vão implicar um redirecionamento d a s e s t r at é g i a s , d a s i nte n ç õ e s governamentais do Estado brasileiro. S ã o p ro b l e m a s rel a c i o n a d o s a desigualdade social, segurança, imobilidade urbana vivenciadas pelas pessoas diariamente. Então, uma tendência é de que nos próximos quatro anos sejam quatro anos de protestos. Que isso que a gente viu agora seja reeditado na Copa do Mundo e depois seja reeditado nas Olimpíadas . As pessoas estão vendo esse projeto de potência, mas não veem melhorias em questões do dia a dia. Se construiu um projeto de Brasil potência, mas o dever de casa não foi feito. É possível que isso esteja gerando uma insatisfação por parte dos jovens. Então essa é uma tendência. Existe uma ou outra tendência que é de serem sempre grupos minoritários a se manifestar. Os protestos de Julho estão reunindo - o que? - mil pessoas? Mas mil pessoas que sabem muito bem o que querem ou se não sabem muito bem o que querem, sabem muito bem o que atingir, quem atingir. As sedes do poder. Mas, pra tentar vincular com o que está acontecendo hoje, com essa etapa agora, com o que aconteceu em Londres em 2011 quando o Black Bloc, mas também jovens de periferia, quebravam as lojas da city londrina, de Londres. Alguns queimavam o saque de roupas de grife e outros levavam para casa. Acho que o

que está acontecendo tem uma vinculação com o que aconteceu em Londres, da insatisfação das pessoas que estão excluídas ou então são de classe média mas fazem uma crítica em relação a essa exclusão. Em comum com junho, só o fato de estarem nas ruas.

Jovens: espanhóis indignados, americanos no Occupy Wall Street, brasileiros nas ruas. Elemento comum? Marco Mondaini: Se você pegar o período pré-20 de junho e pós-20 de junho, acho uma indignação em relação a um sistema que é uma fábrica de excluídos. Um sistema que é global. Os jovens que entraram em conflito com a polícia em São Paulo e no Rio de Janeiro fazem parte desse mesmo universo de indignação em relação ao sistema capitalista. Há relação de continuidade. Agora, eu não estenderia essa identificação com aqueles jovens do dia 20 de junho. Há algo de festa, Algo de identificação estética nesses momentos de massa. Há muito “oba oba” nesses momentos. Aí você pergunta “mas isso não cria, não gera socialização política?”. Pode ser que sim, pode ser que não. Pode ser que alguns daqueles jovens que estavam ali e eram despolitizados tenham sido tomados, ganhos para a política. Agora, um grande contingente daquele apareceu no protesto e pronto. Sua cota de participação política se esvaziou.. Protestos tem essa coisa de uma minoria dá início, vão c o nt a g i a n d o , at é c h e g a r a u m momento de ápice e depois refluem. Em tempos de globalização, isso contagia. O que aconteceu na Praça Tahir, na Tunísia, no Egito, em Nova York, em Porta Del Sol, é assistido pelas pessoas e isso cria um clima global.

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A cidade ĂŠ nossa

Fogo no centro do Recife



Direito desde cedo

No Brasil, a declaração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, criou um marco histórico no tratamento dado pelo Estado aos indivíduos menores de idade. A partir de então, seguindo a Constituição Federal de 1988 e princípios d e s e n vo l v i d o s e m c o n v e n ç õ e s internacionais, o país passa a tratar as crianças e adolescentes como indivíduos plenos de direitos, mesmo que ainda incapazes de exigí-los. Buscando garantir o acesso à educação, lazer e cultura, alimentação e convívio saudável entre família e a comunidade à qual se está integrado, o objetivo do direito da infância é assegurar a dignidade para que crianças e adolescentes possam desenvolver-se adultos plenos de cidadania, cientes de seus direitos e deveres e de sua autonomia. Entretanto, o diagnóstico da infância brasileira ainda é bastante preocupante.

Pa r a u m p a í s q u e v i v e u m desenvolvimento econômico tão latente e tem uma postura institucional tão bem definida e evoluída nesse ponto, os constantes relatos de violação dos direitos dos menores, sejam na forma de trabalho infantil, exploração sexual ou maus tratos, soam como uma ironia de mal gosto. Em 2011, uma pesquisa do Governo Federal apontou mais de 25 mil crianças morando nas ruas dos grandes centros urbanos. Para Almir do Nascimento, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco especializado na causa da infância, a situação de descaso com o ECA é decorrente, em grande parte, do “caráter autoritário da nossa sociedade, que é excludente e apresenta uma profunda desigualdade social”. E, de fato, é impossível não ver a desigualdade social como um elemento fundamental das agressões à dignidade da infância no Brasil. Com famílias inteiras expostas a situações de risco, é inevitável que seus filhos também estejam sujeitos a condições adversas. Como exemplo mais comum, temos a exploração de trabalho infantil, somada à negativa à educação escolar e às situações de abandono e violência.

devem ser tratados no plural. O conhecimento e a luta pela efetivação dos direitos presentes no ECA são excelentes para orientar a prática do cuidado com crianças e adolescentes em condições de risco. Aliando simetricamente afeto e limite, podemos encontrar uma bússola capaz de possibilitar um cuidado efetivo, que não seja permissivo e tampouco excludente." Olhando o cenário brasileiro, nota-se a urgente necessidade de equalizar o a c e s s o à d i r e i t o s b á s ic o s , e principalmente na questão da infância. Uma sociedade que cresce com c r i a n ç a s te n d o s e u s d i re i t o s elemetares violados não pode se desenvolver de forma sadia. Equalizar a renda, as oportunidades e o acesso a o s d i re i t o s s ã o a c h av e p a r a erradicarmos vários problemas como a violência e a dependência de crack, por exempo, que hoje parecem ser crônicos em todo o país.

Por esse motivo, o direito à infância tem não só uma forte vertente voltada para o cuidado do indivíduo que teve seus direitos violados como também para o que cometeu infrações. No segundo caso trata-se de, responsabilizando-o, promover uma socialização, para além da mera punição ou criminalização, proporcionando a dignidade social que, em grande parte dos casos, sempre lhes foram negadas. O educador social Gabriel Gameiro, que trabalha no Instituto de Assistência Social e Cidadania junto a jovens que vivem nas ruas, em situação de alta vulnerabilidade, afirma que não há uma “receita de bolo” para tratar a causa da infância: "Os cuidados com essas pessoas situação de vulnerabilidade

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Construindo corpos alienados

d o p r a z e r, e v i t a e e s c o n d e a sensibilidade do corpo. No colégio, entendemos logo que os meninos morrem de tesão nas meninas que ficam com vários caras, mas só gostam e namoram com as mais comportadas. Querem uma menina cheia de recato em público e sem ele a Por Rayanne Morais sós. Ou seja, você pode ter a mesma libido das outras, os mesmos desejos, Nós nascemos e - antes mesmo disso - mas tem que saber controlar e tudo começa. O quarto rosa ou lilás, para dissimular. r e c ep c i o n a r u m a p r i n c e s a . A s Menina bêbada é feio, menina que arrota brincadeiras da família com o pintinho do é feio, menina que peida é feio, menina menino exaltam o falo; com as meninas, a que fala palavrão é feio; menino, é brincadeira é de esconder o pipio: a engraçado. Menstruação é nojento, primeira lição de pudor. Aí vêm os esconda e não fale sobre. Menina que brinquedos: bonecas, cozinhas, casinhas, usa roupa curta é puta; menino que vassouras... Sempre voltados para tarefas anda sem camisa é normal, tem calor. domésticas e a maternidade. Talvez você Meninos falam abertamente sobre “bater quisesse um helicóptero de controle uma”. Com meninas, nunca se conversa remoto, mas nunca pediu e nunca ganhou sobre masturbação. Meninas se sentem mal por sentir prazer, parece errado, brinquedo de menino. Você vai crescendo e sua mãe ensina logo herança da cultura em que “mulher que que mocinha senta de pernas fechadas. Os se dê o respeito” não faz “safadeza”. vestidos e saias começam a limitar nossa Seu pai não te deixa sair nem voltar diversão. Meninos andam com meninos e tarde, te liga de meia em meia hora. Ele meninas, com meninas. Não podemos cair, sempre reclama da sua roupa. Os nos sujar, nos machucar. Somos frágeis. amigos dele, quando te conhecem, dizem: “isso deve dar um trabalho...”. Menina bêbada é feio, Nos coisificam e falam da nossa sexualidade como um problema; pra menina que arrota é feio, eles, é um elogio. Seu pai é seu vigia menina que peida é feio, menina que fala palavrão é feio; sexual, ele tenta impedir ao máximo que você transe, como se isso fosse te menino, é engraçado. fazer algum mal ou te estragar. Se ele descobre que você já transou, faz um Temos que ficar bonitas. escândalo, te constrange e te faz se Desenvolvendo nossa sexualidade, não é incomum que algumas descobertas sentir mal por algo natural e totalmente venham das relações com primas e pessoal. Ele se acostuma com a filha amigas. São os seres humanos com quem desvirginada, mas não deixa de te vigiar. nos é permitido maior contato: brincamos Você se torna adulta e as opressões juntas, tomamos banho juntas, dormimos nunca terminam. Todos querem tomar juntas. Naturalmente, acontece de o nosso conta do seu corpo. Protegendo do corpo despertar para algumas sensações prazer ou violentando. Todos te dizem o o u m e s m o d e s e r p r o v o c a d o que fazer e, principalmente, o que não conscientemente. Não esquecemos, mas fazer. As mulheres vivem todo o tempo tentamos esconder essa memória, até não sob a pressão de regras sociais cruéis. A sabermos mais se aquele momento foi real sociedade define a mulher através de ou não. Nunca se comenta sobre isso, é padrões de como se vestir, falar, agir: de como ser. Você só é mulher se estiver vergonhoso. Antes dos nossos seios começarem a dentro desse modelo; se não, você é a crescer, já ganhamos o primeiro sutiã. coitada, a esquisita, a gorda, a sapatão, a Sem a desculpa da sustentação, a peça mulher-macho, a puta. acaba servindo como mais um preventivo Em “O segundo sexo”, Simone de Beauvoir diz que o corpo é nossa

tomada de posse do mundo e o esboço de nossos projetos. Sendo assim, o corpo é o primeiro e fundamental elemento da nossa autonomia e liberdade. É a partir da apropriação, por nós mesmas, de nosso corpo que começamos a nos libertar e encontrar nossa identidade antes como seres humanos. O c o r p o e a s ex u a l i d a d e s ã o construídos através das nossas vivências pessoais. E é também para garantir o respeito e a liberdade a essas vivências que devem existir leis contemplando o direito da mulher. Os costumes que se repetem ainda hoje na nossa sociedade nos reprimem, oprimem e limitam. O debate das questões de gênero, intrinsecamente relacionadas ao corpo e a sexualidade, vêm para modificar esse ambiente hostil com o sexo feminino, garantindo a formação plena das mulheres enquanto seres humanos seguros, autônomos e livres..

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Rua Ibiporã A revitalização do canal Ibiporã, na comunidade do Coque, é responsável pela remoção de famílias que vivem na beira do canal, algumas intimidadas a abandonar suas casas em poucos dias. A obra, orçada em R$ 18 milhões, prevê a construção de calçadas e revitalização do espaço. Moradores da rua Ibiporã alegam que estão sendo pressionados pela Prefeitura do Recife para aceitarem a indenização sugerida. Informações do coletivo Coque (R)Existe dão conta de que não há critério para as indenizações. Famílias receberam propostas entre 18 mil e 31 mil reais, enquanto outras não foram contactadas. Em uma lógica invertida de desenvolvimento e atendimento às necessidades da população, o poder público reduz espaços de diálogos e ignora que cada casa demolida é mais que um teto e quatro paredes para as famílias que ali construíram suas vidas.

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Maria do Socorro mora em uma casa comprada através de indenização. Antes ela morava numa á r e a q u e f o i desapropriada para a construção de um viaduto, também no Coque.


Rosa com seus filhos em sua casa que será demolida para a revitalização do canal Ibiporã. Ela não quer sair do Coque, “Aqui é perto de tudo.”, diz ela.

Reginaldo já recebeu indenização e retira as janelas e portas de sua antiga casa para colocar na nova moradia, na cidade de São Lourenço da Mata, 30 minutos distante do Recife.


Cessa, 40 anos, n達o tem vontade de morar em outro lugar.



A moradora aproveita as telhas de casa demolida do vizinho para colocar em sua casa.


Direito à moradia para quem? Localizado numa área estratégica do Recife, capital pernambucana, o bairro do Coque está perto do Centro, da Zona Sul e Norte da cidade. Cerca de 20 mil pessoas moram ali. Devido a logística, a região é alvo de grande especulação imobiliária e de interesse do poder público. Desde a década de 60 a c o m u n i d a d e v e m c o m b ate n d o desapropriações que, segundo o discurso governamental, trariam benefícios à sociedade. No entanto, as intervenções propostas pelos governos em muito desconsideram os direitos

básicos, como a garantia à moradia adequada e segurança de posse, através de remoções imediatas e indenizações irrisórias. Fo r a m m u i t o s o s m ot i vo s d e d e s a p r o p r i a ç õ e s , r e mo ç õ e s e , consequentemente, da redução do bairro, originalmente área de mangue, aterrada pelos próprios moradores. Segundo contam os mais antigos, o Coque era, ainda na década de 60, o “depósito” de lixo dos bairros do entorno. Os primeiros moradores utilizaram esse mesmo lixo para o

aterro e construção de suas casas. Nesta década, houve o desvio de rota do rio Capibaribe, em 1978 a construção do viaduto Capitão Temudo, na década do 80 a construção do metrô. A cada obra, m a i s d e s a p ro p r i a ç õ e s . M u i t o s moradores foram deslocados para bairros distantes, como o Ibura, na Zona S u l . D e s te s , m u i t o s vo l t a r a m à comunidade. Resistência, histórico de luta, direito à moradia, ao afeto e à dignidade. Com participação de moradores, estudantes universitários e ativistas envolvidos com o tema, o movimento Coque (R)Existe passou a atuar ativa e politicamente na linha de frente pelas lutas da comunidade. Através da mobilização na internet, via redes sociais, diversas pessoas participaram de ações para chamar a atenção do poder público e sociedade. O trocadilho do nome do grupo, inspirado na resistência característica e o desejo de dizer que, sim, as pessoas que ali vivem ex i s te m , p a r e c e te r s i d o u m a premonição das vitórias que o bairro viria a conquistar. A mobilização surtiu efeito e, agora, há motivo para c o me mo r a ç ã o s e m , n o e nt a nt o , esquecer que a luta por direitos deve continuar. Interesse social O afeto, liga que firmou as relações e atividades do Coque Vive, projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco, se estende ao coletivo Coque (R)Existe. Pessoas de diversas áreas, com múltiplos interesses se dispuseram a construir, coletivamente, junto aos moradores do Coque, uma luta que trata não só do direito à moradia, mas também em direito às relações sociais e afetivas que uma comunidade proporciona. Em 1995, o Coque se tornou Zona Especial de Interesse Social (Zeis), regulamentada pela Lei 16.113/1995, na qual o artigo 4 versa sobre o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis). Entre os princípios do plano estão a adequação da propriedade à sua função social; priorização do direito da moradia sobre o direito da propriedade; implementação da infraestrutura


Localizado numa área estratégica do Recife, capital pernambucana, o bairro do Coque está perto do Centro, da Zona Sul e Norte da cidade. Cerca de 20 mil pessoas moram ali. Devido a logística, a região é alvo de grande especulação imobiliária e de interesse do poder público. Desde a década de 60 a comunidade vem combatendo desapropriações que, segundo o discurso governamental, trariam benefícios à sociedade. No entanto, as intervenções propostas pelos governos em muito desconsideram os direitos básicos, como a garantia à moradia adequada e segurança de posse, através de remoções imediatas e indenizações irrisórias. Fo r a m m u i t o s o s m o t i v o s d e d e s a p ro p r i a ç õ e s , re mo ç õ e s e , consequentemente, da redução do bairro, originalmente área de mangue, aterrada pelos próprios moradores. Segundo contam os mais antigos, o Coque era, ainda na década de 60, o “depósito” de lixo dos bairros do entorno. Os primeiros moradores utilizaram esse mesmo lixo para o aterro e construção de suas casas. Nesta década, houve o desvio de rota do rio Capibaribe, em 1978 a construção do viaduto Capitão Temudo, na década do 80 a construção do metrô. A cada obra, mais desapropriações. Muitos moradores foram deslocados para bairros distantes, como o Ibura, na Zona Sul. Destes, muitos voltaram à comunidade. Resistência, histórico de luta, direito à moradia, ao afeto e à dignidade. C o m p a r t ic i p a ç ã o d e mo r a d o re s , estudantes universitários e ativistas envolvidos com o tema, o movimento Coque (R)Existe passou a atuar ativa e politicamente na linha de frente pelas lutas da comunidade. Através da mobilização na internet, via redes sociais, diversas pessoas participaram de ações para chamar a atenção do poder público e sociedade. O trocadilho do nome do grupo, inspirado na resistência característica e o desejo de dizer que, sim, as pessoas que ali vivem existem, parece ter sido uma premonição das vitórias que o bairro viria a conquistar. A mobilização surtiu efeito e,

agora, há motivo para comemoração sem, no entanto, esquecer que a luta por direitos deve continuar. Interesse social O afeto, liga que firmou as relações e atividades do Coque Vive, projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco, se estende ao coletivo Coque (R)Existe. Pessoas de diversas áreas, com múltiplos interesses se dispuseram a construir, coletivamente, junto aos moradores do Coque, uma luta que trata não só do direito à moradia, mas também em direito às relações sociais e afetivas que uma comunidade proporciona. Em 1995, o Coque se tornou Zona Especial de Interesse Social (Zeis), regulamentada pela Lei 16.113/1995, na qual o artigo 4 versa sobre o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis). Entre os princípios do plano estão a adequação da propriedade à sua função social; priorização do direito da moradia sobre o direito da propriedade; implementação da infraestrutura b á s ic a , s e r v i ç o s , eq u i p a me nt o s comunitários e habitação de acordo com as necessidades socioeconômico e c u l t u r a i s ; i n ib i r a e s pec u l a ç ã o imobiliária, evitando processo de expulsão dos moradores. A Lei foi uma conquista da comunidade, articulada com outros grupos populares em busca da garantia à moradia e segurança de um lar. No Recife, at u a l m e nte ex i s te m 6 1 á r e a s consideradas Zeis. De acordo com o Coque (R)Existe, nos últimos 10 anos foram utilizados 19 milhões de reais do fundo Prezeis para projetos de mel h o r i a s n e s t a s á re a s . Pa r a a ampliação do viaduto Capitão Temudo, que passa ao lado do bairro, foram gastos 40 milhões e 20 milhões na ampliação do Terminal Integrado. Mais que um teto e quatro paredes De acordo com a Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU, o direito humano à moradia abrange muito mais do que uma casa com paredes e um teto. Para a concretização

d e s s e d i re i t o , u m l a r e u m a comunidade devem ter garantidas a paz, a saúde física e mental. Uma mo r a d i a a d eq u a d a p re s s up õ e segurança de posse; acesso a serviços, infraestrutura e equipamentos p ú b l ic o s ; c u s t o a c e s s í v el ; habitabilidade; não discriminação; priorização de grupos vulneráveis; localização adequada; adequação cultural, acesso à informação; e participação. Em 2012, a Relatoria produziu e disponibilizou na internet a cartilha 'Minha cidade virou sede de um megaevento esportivo. O que pode acontecer com meu direito à moradia?', que explica quem são os atores e i nte r e s s e s e n vo l v i d o s e m desapropriações e grandes obras de infraestrutura motivadas por esses eventos, como a Copa do Mundo (e Copa das Confederações), Olimpíadas e, há algum tempo, os Jogos Pana me r ic a n o s . C o mo i n d ic at i vo organizacional, o folheto tem objetivo de esclarecer “o que se pode fazer antes d o e v e nt o c o me ç a r c o mo a s alternativas durante os jogos”. Entre os recentes projetos do poder público que envolvem a comunidade do Coque, estão a construção do polo jurídico do Recife, a construção de via com vistas para a melhora do transporte para a Copa do Mundo e a ampliação do Terminal Integrado Joana Bezerra, que resultaria na remoção de 58 famílias. Na área descampada em frente à comunidade, com vistas para o Rio Capibaribe, seriam construídos a nova sede da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pernambuco e o prédio do Ministério Público de Pernambuco, que, juntos, formariam com o Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano - construído em 1999, ocasionando mais remoções de famílias - o polo jurídico da capital. Tão logo a decisão foi anunciada, a sigla da OAB, pintada no muro que já demarcava a área antes destinada ao órgão, foi coberta. Hoje, no local existe


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