Almanaque 200 - Março 2017

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EM 20 DE MARÇO DE 1953, O BRASIL SE DESPEDIA DO ESCRITOR ALAGOANO GRACILIANO RAMOS, EM DECORRÊNCIA DE UM CÂNCER NO PULMÃO. SUA OBRA SEGUE COMO EXEMPLO DE TÉCNICA E PODER NARRATIVO, DADA A SUA PERFEIÇÃO EM LIDAR COM AS PALAVRAS, DIZENDO TUDO DE MANEIRA TÃO ENXUTA. “NÃO SOU HOMEM DE DEIXAR EM SUSPENSO”, CONFESSARIA AO FILHO RICARDO, DEPOIS DE SER QUESTIONADO PORQUE NUNCA USAVA RETICÊNCIAS EM SEUS TEXTOS

MARÇO

AL MA NA QUE

O HOMEM QUE AMAVA AS PALAVRAS ALMANAQUE

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AL MA NA QUE ALMANAQUE 200 é uma publicação da Secretaria de Estado da Comunicação especialmente feita para as comemorações de 200 anos de emancipação política de Alagoas. Ênio Lins SECRETÁRIO DE COMUNICAÇÃO Carlos Nealdo EDIÇÃO E PESQUISA Mayara Barros REDAÇÃO E PESQUISA Antonio Santos DIAGRAMAÇÃO Secom FOTOGRAFIAS Grafmarques IMPRESSÃO

O JORNALISMO PASSEANDO PELOS CAMPOS DA HISTÓRIA Almanaque 200 é um produto da Secretaria de Comunicação tendo como foco o Bicentenário da Emancipação Política de Alagoas. Seu propósito é listar, mensalmente, os principais fatos ocorridos no Estado ou envolvendo personagens alagoanos. Questões operacionais fizeram a série iniciar em Março. Entretanto, os meses de Fevereiro e Janeiro serão contemplados posteriormente. A coleção completa, listando ocorrências significativas, tem como objetivo ser um guia para aprofundamento de pesquisas, sejam trabalhos escolares, motes para peças publicitárias, teses de mestrado ou doutorado. Ou mera e saudável curiosidade. Óbvio é que, depois desta série, novas informações aparecerão, efemérides esquecidas nesta primeira dúzia de meses. Aí, estudaremos se o Almanaque 200 deixará de lado os algarismos e seguirá adiante – afinal, são inúmeras e muito instigantes as histórias alagoanas. Mas isto se verá no futuro próximo. Por ora, a missão é aquela descrita nos primeiros parágrafos. Nossa meta é ser um aplicativo real, editorial, da determinação do Governador Renan Filho de realizar uma agenda cujo programa não se concentre em um dia, o 16 de setembro, mas se estenda durante todo ano de 2017, de “Réveillon a Réveillon”, como corretamente estipulou o Chefe do Poder Executivo. Dessa diretiva governamental consta também a orientação de não se limitar ao Bicentenário propriamente dito, pois a personalidade própria alagoana já se faz notar muito antes de Dom João assinar o édito real reconhecendo o anseio e o destino manifesto da Terra das Alagoas. Outra diretriz do Governador Renan Filho, acompanhada desde a origem pelo vice-governador e Secretário da Educação Luciano Barbosa, aponta para a sala de aula como espaço próprio e prioritário para a difusão da alagoanidade, senda para a perenização do esforço de autoconhecimento. Esta publicação é apenas uma dentre várias iniciativas neste rumo, atuando sob as orientações da Comissão Executiva do Bicentenário, presidida pelo Secretário do Gabinete Civil, Fábio Farias, e do Fórum dos 200 anos. Aqui o Jornalismo se propõe parceiro e instrumento militante da ação pedagógica. Seguimos nestas páginas o caminho antes trilhado por entidades como Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas em sua política divulgar as efemérides locais, fundindo a atividade jornalística à pesquisa histórica, via igualmente percorrida por Jayme de Altavila (pai e filho), Douglas Apratto Tenório, Cármen Lúcia Dantas, Cícero Péricles de Carvalho, Moacir Sant’Ana, Luitgarde Cavalcanti, Heliônia Ceres, Francisco Reinaldo de Barros e várias outras personalidades icônicas dedicadas ao espalhamento do saber histórico para o maior número possível de pessoas. No próximo mês teremos mais. ENIO LINS

JORNALISTA, SECRETÁRIO DE ESTADO DA COMUNICAÇÃO

ILUSTRADOR DE CAPA LEO VILLANOVA 2

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OBRAS CONSULTADAS NESTA EDIÇÃO ■ AMADO, Jorge. Navegação de Cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Recordo, 2006. ■ BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileiro. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultural, 1970. ■ BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas – Dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico de Alagoas. Brasília ; Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. ■ CASCUDO, Luís da Câmara. Governo do Rio Grande do Norte. Mossoró-RN, Coleção Mossoroense, série “C”, volume DXXXI, 1989. ■ FILHO, Marcos Vasconcelos. Marulheiro: viagem através de Aurélio Buarque de Holanda. Maceió : Edufal, 2008. ■ MORAES, Dênis. O Velho Graça - uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro; José Olympio, 1992. ■ RAMOS, Graciliano. Conversas - Graciliano Ramos. Organização Ieda Lebensztyn e Thiago Mio Salla. Rio de Janeiro: Record, 2014. ■ RAMOS, Ricardo. Graciliano: Retrato Fragmentado.

São Paulo: Globo, 2011. ■ SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Efemérides Alagoanas. Maceió: Instituto Arnon de Mello, 1992. ■ SANT’ANA, Moacir Medeiros de. História do Romance Caetés. Maceió: Arquivo Público de Alagoas, 1983. ■ TENÓRIO, Douglas Apratto; DANTAS, Carmen Lúcia. A Casa das Alagoas. Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Maceió, Edufal, 2007. ■ TENÓRIO, Douglas Apratto; CAMPOS, Rochana; PÉRICLES, Cícero. Enciclopédia dos Municípios Alagoanos – revista e ampliada. Maceió : Instituto Arnon de Mello, 2006. SITES ■ www.brasiliana.usp.br ■ www.historiadealagoas.com.br ■ www.atalaiapop.com ■ www.ibge.gov.br JORNAIS ■ Gazeta de Alagoas ■ Jornal de Alagoas ■ Folha de S. Paulo


SARAIVA, 01 O PROVINCIANO

DIA

Em 1823 nascia, na Bahia, José Antônio Saraiva, 24º presidente da Província das Alagoas. Ele foi nomeado em 27 de agosto de 1853 e permaneceu no Governo até 26 de abril 1854. Antes de governar a província alagoana, Saraiva presidiu a do Piauí. Depois, as de São Paulo e Pernambuco. José Antônio Saraiva elevou Pão de Açúcar de fazenda à vila em 1854, desmembrando-a de Mata Grande.

Você sabia? A Avenida Paz, em Jaraguá, já foi denominada Rua do Conselheiro Saraiva, ou popularmente Rua do Saraiva. Somente em 1919 ela voltou a ter a denominação de Avenida da Paz, em consequência do fim da 1ª Guerra Mundial.

ESCUTE UM BOM CONSELHO Foi de sua autoria, enquanto presidente do Conselho de Ministro, a Lei Saraiva ou Lei do Censo, que introduziu o voto direto nas eleições de todo Reino e determinava a realização de um censo para alistamento dos eleitores, sancionada pelo Imperador D. Pedro II em 9 de janeiro de 1881.

RELIGIOSAMENTE 02 PONTUAIS DIA

A Arquidiocese de Maceió lança, em 1913, o periódico católico O Semeador, o primeiro jornal católico do Brasil e o mais antigo jornal de Alagoas ainda em circulação. Para cria-lo, o então bispo de Alagoas Dom Manuel Antônio de Oliveira Lopes (1911-1922) ordenou os sacerdotes Antônio José de Cerqueira Valente, Luiz Barbosa e Franklin de Lima que produzissem um jornal diário de orientação católica, mas distribuído para toda a sociedade alagoana. Em 1969, a publicação passou a ser semanal e tornou-se quinzenal em 1982. “Na história de O Semeador observa-se a presença dessas três figuras que foram imprescindíveis para o seu desenvolvimento, os quais

se mostraram ousados na realização de um trabalho jornalístico, mesmo sem a devida formação para a efetivação e elaboração do jornal”, lembram os pesquisadores Eduardo Tadeu Lopes da Silva e Ricardo José Oliveira Ferro. CURIOSIDADE Quando começou a circular, a redação de O Semeador era nos fundos da Catedral de Maceió, onde o monsenhor Valente buscava fazer com que o informativo pudesse levar as informações de interesse da comunidade católica. Na impossibilidade de ter repórteres, eram os próprios sacerdotes que colhiam as notícias da “boca dos outros”.

A CADEIRA DO VISCONDE 1947. Morre, no Rio de Janeiro, o industrial, deputado estadual nas 12ª e 15ª legislaturas e comerciante alagoano Américo Octaviano da Costa Melo. Natural de São Miguel dos Campos, onde nascera em 1º de novembro de 1876, Américo Melo é um dos fundadores da Academia Alagoana de Letras – onde ocupara a cadeira de nº 23, que tem como patrono o Visconde de Sinimbu – e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IGHAL).

JORNALISMO ENGAJADO O Sindicato Gráfico Alagoano lança, em 1912, o primeiro número de O Syndicato, periódico mensal dirigido pelo jornalista Bernardes Júnior. A partir do dia 3 de julho, o periódico passaria a ser publicado semanalmente.

VOCÊ SABIA? Américo Octaviano da Costa Melo escreveu a biografia do Visconde de Sinimbu, uma homenagem ao seu patrono na Academia Alagoana de Letras. Deixou também, entre outras obras, o livro de poesias “Nuvens de inverno” (Maceió: Imprensa Oficial, 1947). O BIOGRAFADO João Lins Vieira Cansanção do Sinimbu recebeu o título de Visconde de Sinimbu em 16 de maio de 1888. Natural de São Miguel dos Campos, onde nasceu no Engenho Sinimbu, em 20 de novembro de 1810, João Lins faleceu no Rio de Janeiro, no dia 27 de dezembro de 1906.

LIBERDADE, AINDA QUE TARDIA É de Saraiva também a Lei do Sexagenário, de 1885, que concedia liberdade aos escravos que tivessem mais de 65 anos. OUTRO LAÇO A LIGAR SARAIVA À ALMA ALAGOANA José Antônio Saraiva substituiu, no dia 28 de março de 1880, no posto de Presidente do Conselho de Ministros (equivalente a PrimeiroMinistro) ao alagoano João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, o Visconde de Sinimbu - este, por sua vez, foi antecedido na missão por nada mais nada menos que o Duque de Caxias.

POETA, SEGUNDO O DICIONÁRIO Em 1926, aos 16 anos, Aurélio Buarque de Holanda começa a contribuir para O Semeador. O soneto O Mendigo, o segundo escrito pelo jovem poeta, foi sua primeira contribuição para a publicação: De porta em porta vive, em um labor insano, O mendigo, faminto, esfarrapado e doente, Da vida naufragado em um bravio oceano, A implorar uma esmola a todos, tristemente. Um, piedoso, o socorre. Outro, porém, ufano, Cruel, sem compaixão, inexoravelmente, Não lhe ouve o lamentar! (Coração desumano!) Nega-lhe o humilde auxilio! (Oh! Desumana gente! ) Esquece que, talvez, um dia, a dura sorte A’s mesmas condições do misero o transporte ! Que o destino é fallaz, é illusorio - elle esquece ! E não pensa, também, que aquelle infortunado Póde ter sido, já, num tempo, um abastado Que, misericordioso, aos pobres socorresse! DESTRAVA LÍNGUA Sentiu dúvidas no significado de algumas palavras do poema? Que tal consultar o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa? Conhecida popularmente como Aurélio, a obra foi lançada no Brasil no fim de 1975, tendo vendido na primeira edição mais de um milhão de exemplares. A versão original é resultado do trabalho de mais de três décadas do lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. PARA SABER MAIS | FILHO, Marcos Vasconcelos. Marulheiro: viagem através de Aurélio Buarque de Holanda. Maceió : Edufal, 2008.

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O ABRAÇO 03 DO MAESTRO DIA

Teatro Santa Isabel, no Recife (PE). Junho de 1881. Da “torrinha” do teatro, um jovem estudante de direito recita uma ode ao maestro Antônio Carlos Gomes, depois de assistir a apresentação de Salvador Rosa – a quinta ópera do compositor brasileiro. Emocionado, o maestro sobe as escadarias e, abraçando o franzino estudante, o ergue e o beija na testa. Começava aparecer ali para o público, a oratória de Cyridião Durval, que se destacaria como poeta, professor, magistrado e advogado. Filho de Rogério José de Santana e Teotônia Durval de Santana, Cyridião Durval nasceu em Tatuamunha, distrito de Porto de Pedras, no dia 3 de março de 1860. Diplomou-se em Direito pela Faculdade do Recife em 1885 e contribuiu como redator, ainda durante o curso, para a Revista de Pernambuco e A República, órgão do clube Republicano Acadêmico. O HOMEM MÚLTIPLO Aprendeu as primeiras letras ainda em Tatuamunha, com um professor de escola pública. Entusiasmados com a vivacidade do filho, enfrentaram todas as dificuldades e mandaram-no para o Colégio Santo Amaro, no Recife (PE), onde ficou internado, transferindo-se mais tarde para o Ginásio Provincial. Terminou o curso de Humanidades em 1881. Era o início de uma longa e duradoura jornada. Em fevereiro de 1866, começou sua carreira como Promotor Público em Ilhéus. Em 1887 pede remoção para Vila Nova da Rainha, no sertão. Foi, também, juiz substituto seccional; delegado do Poder Legislativo do Tribunal de Conflitos e professor da Faculdade de Direito da Bahia, nas cadeiras de Direito Criminal e Direito Administrativo. Faleceu no dia 17 de agosto de 1895, no interior baiano, vítima de tuberculose.

SAUDADE DA MINHA TERRA Embora tenha passado a vida profissional fora de Alagoas, a poesia de Cyridião Durval está cheia de lembranças de sua terra natal. Como neste poema: A CIDADE DE MACEIÓ Brasileira gentil, cidade bela, Amazona valente e destemida, Maceió de minh’alma, viva estréla Dos páramos etéreos desprendida ! ... Como Venus te ergueste do oceano N urna concha de pérolas mimosa ! ... Eu me orgulho de ser alagoano Quando vejo-te a fronte gloriosa! ... O brilho que se espalha do teu porte Descrevê-lo não pode o pensamento Nos versos de um soneto, e, desta sorte, Se todo o nosso globo, de momento, Brilhasse como brilhas, flor do Norte, Seria a terra inteira um firmamento!

PARA SABER MAIS | BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileiro. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultural, 1970. ■ BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas – Dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico de Alagoas. Brasília ; Senado Federal, Conselho Editorial, 2005. ■ www.brasiliana.usp.br

OS IDEAIS REPUBLICANOS No dia 3 de março de 1872, surgia em Maceió o jornal A República, autointitulado “Jornal da Democracia”. Fundado por João Gomes Ribeiro, era veiculado às quintas e domingos e nasceu como propaganda republicana, o primeiro do gênero em Alagoas. Seu fundador e principal colaborador foi nomeado pelo Governo Provisório da República, em 11 de outubro de 1890, governador do estado do Rio Grande do Norte, onde fez cur-

ta administração por ter-se incompatibilizado desde logo com os diretores da política local. O PAI DA IDEIA Filho do Major João Gomes Ribeiro e Miquilina Ribeiro, João Gomes Ribeiro nasceu a 29 de fevereiro de 1840 em Laranjeiras (SE) e faleceu em Maceió a 26 de outubro de 1897. Bacharelado pela Faculdade de Direito do Recife (PE) em 27 de novembro de 1862, iniciou-

se na vida pública como promotor da comarca do Lagarto. Em Maceió, foi lente substituto do Liceu em 1869, promotor público, delegado de polícia, lente de filosofia do Liceu em 1881, aposentado em 1892; diretor da Instrução Pública em 1890, advogado da Intendência Municipal e membro da comissão do orçamento do Estado no governo do Coronel Pedro Paulino da Fonseca. Faleceu em Maceió no dia 26 de outubro de 1897.

PARA SABER MAIS | CASCUDO, Luís da Câmara. Governo do Rio Grande do Norte. Mossoró-RN, Coleção Mossoroense, série “C”, volume DXXXI, 1989. 4

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ENTRE 04 LINHAS DIA

Na manhã do dia 4 de março de 1912, o diretor do Jornal de Alagoas, Luís Magalhães da Silveira, recebeu na redação do periódico um pacote de linhas com 160 novelos. Junto com o presente, um texto assinado pela direção da Fábrica Alexandria: “Produto puramente nacional e que se propôs fazer concorrência com o similar inglês, tendo sobre este a vantagem de se prestar a coser à máquina, o que não (acontece) com a linha inglesa em novelos”. A empresa havia sido inaugurada oficialmente naquela data e o orgulho tinha razão de ser. A fábrica, localizada no bairro do Bom Parto, na capital alagoana, era a primeira a produzir linhas de coser no Estado - antecedendo a inaugurada por Delmiro Gouveia em 1914, no então povoado da Pedra. A fábrica - cuja razão social era Cotonifício Mario Lobo S/A - empregava centenas de trabalhadores e funcionava em três turnos. Em 1915, substituiu o fabrico de linhas pelo de tecido. Encerrou suas atividades em 1966. EM NOME DO PROGRESSO Segundo o historiador e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp Golbery Lessa, ao contrário das usinas, as fábricas têxteis não passavam por um processo anual de paralisia na entressafra agrícola. “Funcionavam com uma lógica plenamente industrial, sem subserviência excessiva aos humores da agricultura”, lembra. “Suas singularidades tinham consequências bem mais progressistas do que aquelas provocadas pelas singularidades das usinas. Os salários eram melhores e as leis trabalhistas puderam ser aplicadas, a partir da Revolução de 1930, sem que as empresas fossem à bancarrota”, completa.

ESPORTE CLUBE ALEXANDRIA Você sabia que a Fábrica Alexandria tinha um time de futebol que chegou a conquistar o título de Campeão Alagoano de 1947, disputando com seis equipes, entre elas o Centro Sportivo Alagoano e o Clube de Regatas Brasil? Embora só tenha começado a disputar o Campeonato Alagoano em 1937, a equipe fabril foi fundada no dia 21 de novembro de 1935 e chegou a participar de oito edições do campeonato profissional de Alagoas. Sua última disputa aconteceu em 1954.

FOTO: TRIBUNA DO SERTÃO

DIA JORNALISMO 06 FUTEBOL CLUBE Você sabia que o jornalista José Aldo Ivo foi o mais longevo profissional em atividade no estado de Alagoas? Durante 67 anos, ele exerceu o jornalismo e lutou, como presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Alagoas (Sindjornal) – instituição que ajudou a fundar – pela implantação do curso de jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), no fim dos anos 1970. Pioneiro do jornalismo esportivo alagoano, Aldo Ivo começou o ofício ainda na adolescência e fez carreira na crônica esportiva no hoje extinto Jornal de Alagoas. Morreu aos 84, por insuficiência cardíaca. Deixa cinco filhos, 11 netos e seis bisnetos. O jornalista era irmão de Floriano Ivo Júnior, Napoleão Ivo, Ledo Ivo, Maria Ivo Ferreira, Zeno Ivo, Maria Nisa Ivo de Lima, Ruber Ivo e Maria Inaiá Ivo.

A ESTRELA SOBE Era 1976 e o Botafogo ia jogar em Maceió. Torcedor fanático do clube carioca, o então governador Divaldo Suruagy recebeu uma bandeira do time autografada. Pouco titubeou. Chamou o jornalista José Aldo Ivo e lhe disse: “Só conheço uma pessoa mais botafoguense que eu”, dando-lhe de presente o artefato. Apesar da predileção declarada pelo Botafogo, nem os cinco filhos de Aldo Ivo sabiam se ele torcia para o CRB ou CSA, times locais, segredo que mantinha a sete chaves. A bandeira autografada do time da Estrela Solitária envolveu seu caixão. Fonte: Folha de S. Paulo, edição de 10 de março de 2017. ALMANAQUE

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O DONO 06 DA BOLA DIA

Você sabia que o Jaraguá Tênis Clube surgiu da necessidade de um gerente de banco praticar seu esporte favorito em Maceió? Transferido para administrar o Bank of London & South America Limited em Alagoas, Edward Guy Paton sentiu a ausência de um clube de tênis na cidade. Conversando com os colegas de trabalho Cláudio Broad, Edgard Monteiro, Sydney Fellows e Walter Cox, além de amigos como Artur Goulart, Einar H. Johansen, Kenneth Courage Macray, Philip Nicholls e Robert W. B. Paterson, o gerente expôs-lhes os planos da fundação de um clube de tênis. A ideia foi bem recebida pelo grupo e em 1922 era inaugurado o Jaraguá Lawn Tennis Club. O nome seria mudado definitivamente para Jara-

guá Tênis Clube no início da década de 1940. O BANQUEIRO INFLUENTE Não foi difícil para Edward Guy Paton conseguir o financiamento para a construção do “seu clube particular de tênis”. Instalado no número 608 da Rua Sá e Albuquerque, onde o cheiro doce de açúcar invadia as janelas das várias instituições financeiras existentes no lugar, o Bank of London & South America Limited era a mais rica instituição bancária de Alagoas na época. Paton angariou doações de várias empresas, principalmente as inglesas, comprando então um terreno na Estrada Nova – atual Avenida Comendador Leão – onde o clube foi construído.

PARA INGLÊS VER No início do Século XX, a Rua Sá e Albuquerque estava para Alagoas como Wall Street está para Nova York. Além de agências bancárias como o Banco de Pernambuco, Banco do Recife, Banco Emissor da Bahia, Caixa Econômica e Pohlman & Cia., entre outros, a rua abrigava escritórios de usinas como Leão, Sinimbu, Brasileiro, Appolinário e Wanderley, além de representações de indústrias de algodão e fumo. Em 1902, por exemplo, o porto estava ligado ao interior do estado por 314 km de estradas de ferro da Alagoas Railway até União dos Palmares, com ramais de outras companhias para Viçosa. A riqueza de Jaraguá despertou o interesse de companhias de navegação nacionais – entre elas a Cia Lloyd Brasileiro, Cia Nacional de Navegação Costeira e Cia Gran Pará de Navegação – e estrangeiras, como Hamburg Sudameriknische, Royal Mail Steam Packet Company e Lamport & Hoolt.

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FOTO: ARQUIVO IPHAN

ONDE 08 HÁ LAGOAS DIA

A Vila das Alagoas – atual Marechal Deodoro – foi elevada à cidade em 8 de março de 1823. Seu território, a princípio, abrangia os atuais municípios de Pilar, Maceió, Rio Largo, Murici, União dos Palmares, São José da Laje, Atalaia, Capela, Viçosa, Palmeira dos Índios, Quebrangulo, São Miguel dos Campos, Coruripe e parte dos municípios de São Luís do Quitunde, Anadia e Limoeiro. Nessa paisagem se fixou oficialmente a base da sociedade alagoana da época e a via lagunar virou corredor de exportação do açúcar, fazendo da vila a capital da Comarca – depois Província – desde a Emancipação Política de Alagoas, em 1817. A MUDANÇA DO COFRE Antes mesmo da Emancipação, os grandes navios da Revolução Comercial (especialmente os de bandeira inglesa) já atracavam no porto de Jaraguá, considerado de melhores condições que o porto dos Franceses (preferido pela bandeira francesa). Em 1839, o então presidente da Província, Agostinho da Silva Neves, decidiu pela mudança de capital e a reação dos que defendiam Alagoas

do Sul foi imediata. O major Manoel Mendes da Fonseca, pai de Marechal Deodoro, e o tribuno José Tavares Bastos lideraram a rebelião. O presidente preso foi forçado a renunciar. Depois de muita negociação, foi liberado pelos revoltosos e, do porto do Franceses, embarcou com destino à capital do Império. Liderados por João Lins Vieira (futuro Visconde de Sinimbu), os partidários da mudança interceptaram o navio e reempossaram o presidente da Província com todas as honras em Maceió. Os rebeldes, logo depois, depuseram as armas e se entregaram. PARA SABER MAIS | TENÓRIO, Douglas Apratto; CAMPOS, Rochana; PÉRICLES, Cícero. Enciclopédia dos Municípios Alagoanos – revista e ampliada. Maceió : Instituto Arnon de Mello, 2006.

Você sabia? O nome Alagoas vem da antiga grafia portuguesa, na qual se escrevia “alagoa” e não “lagoa”. As muitas lagoas da região definiram, desde muito cedo a denominação da área como “terra das alagoas”.

Igreja de Santa Maria Madalena

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FAROESTE 10 CABOCLO

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10 de março de 1912, Praça Floriano Peixoto (Praça dos Martírios). Fim de tarde. Diante do Palácio do Governo, o poeta e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais Bráulio Cavalcante é um dos mais entusiasmados na manifestação organizada pelo Partido Democrata contra o governador Euclides Malta. O jovem orador tinha acabado de percorrer, com outros manifestantes, várias ruas de Maceió, entre elas a do Livramento, Praça Deodoro, Rua do Macena, Augusta e Rua do Comércio, até chegar à concentração na praça onde se encontrava a estátua de Floriano Peixoto. A polícia havia sido chamada para conter os ânimos e antes havia desarmado o jovem Bráulio. Soldados do 8º Pelotão alertaram aos manifestantes para que a ordem fosse mantida. E para isso, proibiram prováveis discursos. O tenente paraibano João das Neves Lima Brayner, que havia chegado a Alagoas em feve-

À BEIRA DO TÚMULO No funeral de Bráulio Cavalcante, um dia depois de sua morte, sua amiga Laurinda Mascarenhas expressaria, em meio a uma multidão de cerca de 8 mil pessoas, a sua dor pela morte do amigo, por meio do poema À beira do túmulo:

reiro daquele ano, na condição de assistente do general Olympio de Carvalho Fonseca, que assumiria interinamente o cargo de inspetor da 6ª Região Militar, é chamado ao local. Na condição de Secretário do Interior recém-nomeado pelo governador Euclides Malta, termina seu jantar no hotel Nova-Cintra, na Rua do Sol, e vai até a praça, onde tenta inibir as manifestações. Os ânimos se acirram. Bráulio contesta as ordens e inicia uma discussão com o tenente, que ameaça acabar com os protestos à bala e dá ordem de prisão contra o líder. Há um início de tumulto. Um dos policiais dispara contra o poeta. Seguem-se outros tiros, que acabariam atingindo também o tenente Brayner. Os manifestantes se dispersam, mas ao fim do conflito, os dois acabariam mortos. Natural de Pão de Açúcar, onde nasceu a 14 de março de 1887, Bráulio Cavalcante morreria a quatro dias de seu aniversário.

Você sabia? A Praça Montepio dos Artistas se chama, na verdade, Praça Bráulio Cavalcante, em homenagem ao orador, natural de Pão de Açúcar, morto no conflito de 10 de março de 1912. O busto do poeta discursando, instalado na praça, é do escultor carioca Eduardo de Sá (1866-1940) e custou 756 mil réis.

“Há pouco tempo ainda, tua voz cantante Inesquecível mártir! Modular se ouvia, Pregando a liberdade ao povo delirante, Que, em êxtase, sublime e altivo te aplaudia. Poeta sonhador, de talento brilhante, Agora apenas tua alma e existência sorria: E a inflamar corações, o teu verbo empolgante Já pelo ideal sagrado e nobre combatia. Mais ai! No ardor da luta procelosa e ingente, Feriu-te criminosa arma, cobardemente, E foste, envolto em glórias, repousar nos céus. Partiste; mas na terra em tua trajetória Deixaste um nome digno a abrilhantar a história, E cobrir o teu túmulo c’roas de troféus.

UMA NOTÍCIA 11 DA HORA

DIA

Em 1922, era inaugurado em Maceió o Relógio Oficial, monumento instalado na Rua do Comércio, no encontro com a Rua do Livramento – por um tempo chamada de Senador Mendonça. A obra foi uma realização do governador de Alagoas Fernandes Lima a pedido do capitão dos Portos Aníbal de Amaral Gama. Comprado na joalheria carioca A Nacional, o equipamento foi implantado sobre uma coluna de cimento armado, o que lhe valeu o apelido de “Pombal Oficial”, dada a semelhança com uma casa de pombos. Funcionou até o dia 20 de agosto de 1936. MEU TEMPO É HOJE Quase ninguém sabe, mas o Relógio Oficial foi posto em funcionamento às 12 horas do dia 11 de março de 1922, pelo relojoeiro Antônio Ferreira, que foi citado em reportagem do Jornal de Alagoas do dia seguinte, como habilíssimo profissional. Mas as homenagens mesmo foram dadas ao capitão Aníbal de Amaral Gama, que teve a ideia de criar o relógio. “Ao operoso Capitão dos Portos de Alagoas, exemplar modelo de trabalho e de disciplina, devemos esse grande benefício que para Maceió e para o Estado de 8

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Alagoas representa a hora legal”, dizia o texto do periódico. ENCONTRO MARCADO Apesar de toda a pompa, o relógio ficaria à sombra do Café do Cupertino, que passaria a ser conhecido como Café Central. Funcionando no prédio em frente ao relógio, o lugar era frequentado por intelectuais como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Alberto Passos Guimarães, José Auto, Valdemar Cavalcante, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Aloísio Branco. Em seu livro Poeira do meu caminho, o historiador Araújo Costa lembra do estabelecimento. “Rapazinho, beirando pelos dezessete anos, gostava de encher o tempo sentado diante de uma das mesinhas do Café do Cupertino, conversando, prosando com amigos. Dali, vestido no meu melhor terno e usando sapatos bicolores, tão em moda na época, eu saía para paquerar as garotas que faziam o footing na rua do Comércio. E as garotas passeavam, cheias de dengues, como se estivessem numa passarela”.

EPOPEIA DE SANGUE Um mês após o conflito, Osman Loureiro escreveria o poema Epopeia de Sangue, em memória de Bráulio Cavalcante. Os primeiros versos descrevem o conflito: “Era no dia dez. Sinos dobravam lento, Imitando de um mocho o trágico lamento. Sinos dobravam... No ar espiritualizado, A voz do bronze tinha um que de amargurado E triste, que lembrava ao nosso coração Velhos monges rezando um surdo cantochão... No alto, o céu se arqueava esplendorosamente E o sol, como um titã vencido, já de poente Penetrava os umbrais de púrpura tingidos. Embaixo, a multidão, em férvidos bramidos De mar que se encapela em cóleras supremas, Em plena praça – o altar das conquistas hodiernas, Pugnava heroicamente em prol do seu Direito, Da Justiça e da Lei, este ideal perfeito...”


O PETRÓLEO 13 É NOSSO

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Em 1939, morria o poeta, jornalista, advogado e deputado federal atalaiense Emílio Elizeu de Maya, autor do relevante O Brasil e o Drama do Petróleo (José Olympio: Rio de Janeiro, 1938), que por muito tempo foi usado como bandeira nacionalista pelos que defendiam o petróleo brasileiro. “Sua posição em relação ao petróleo, ainda nos idos do fim da década de trinta, criou especulações”, lembraria muitos anos depois o exgovernador Divaldo Suruagy. “Seria Emílio um fanático radical de esquerda? Buscamos ainda em [José Fernando de] Maya Pedrosa a resposta a tais indagações: Nem fanático, nem visionário, nem utópico. Emílio de Maya foi, na verdade, um democrata autêntico, que levou ao debate público, através do livro, as posições assumidas na Câmara dos Deputados”.

OBRA PÓSTUMA Depois do falecimento de Emílio de Maya, José Fernando de Maya Pedrosa e Astréa Pedrosa resgataram a sua produção poética e a publicaram na obra Pétalas Esparsas (Maceió: Printing Gráfica e Editora, 2000), que reúne poemas como este: O SEGREDO DO AMOR Se amas alguém que é teu enlevo e encanto, Vida e alegria do teu coração, Zela por esse teu afeto quanto Pela tua puríssima emoção. Não consintas jamais que ele se iguale Às afeições comuns da humanidade. Guarda bem na memória: o amor só vale Quando é um produto da sinceridade. Sempre que é puro todo afeto é um bem E o segredo do amor em si resume: Pouco valor teria a flor também Se não fosse a pureza do perfume.

“A singularidade de Emílio de Maya (além de ser um precursor de atitudes) consiste na rebeldia orgânica, pacata, de operar resoluções sem derramamento de sangue e em acompanhar a marcha do progresso sem renegar a liberdade do homem – condição essencial para a vida de qualquer homem de qualquer raça” BRENO ACCIOLY, ESCRITOR (1921-1966) FOTO: RICARDO NEZINHO

Você sabia?

A PEDRA 14 FUNDAMENTAL

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Sob a presidência de José Bento da Cunha Figueiredo Junior, era lançada em 1851, a pedra fundamental do prédio da atual Assembleia Legislativa de Alagoas, localizada na Praça Dom Pedro II, Centro de Maceió. De início, o prédio era a sede da Assembleia Provincial e Casa da Tesouraria Provincial e da Mesa de Rendas Internas. A planta e a execução do prédio são do engenheiro civil José Pedro de Azevedo Schramback.

Martins Pereira de Alencastre mandou construir um jardim em torno do palacete, considerado, de 1867 a 1880, um dos melhores logradouros públicos. “Esse jardim foi aumentado na administração do Dr. Gabino Bezouro, voltando, em 1902, ao estado primitivo, no governo municipal do engenheiro civil José de Barros Wanderley de Mendonça que sujeitou a praça Pedro de Alcântara a um plano geral de embelezamento”, descreve.

O JARDIM O historiador Craveiro Costa conta que ao assumir o governo do Estado, o comendador José

RESTAURAÇÃO O prédio da Assembleia Legislativa passou pela primeira restauração em 1974, sob a orien-

A pedra fundamental da Assembleia Legislativa de Alagoas foi lançada para comemorar o aniversário de Dona Tereza Maria Cristina, a imperatriz do Brasil.

tação do arquiteto Pierre Chalita, que lhe preservou as características originais. A decoração é valorizada por cinco telas em óleo do próprio Pierre Chalita, inspiradas em assuntos históricos: fundação da Vila de Penedo do São Francisco; alegoria a Palmares; fundação de Maceió, seu pequeno engenho a lembrar-lhe as origens; a Vila das Alagoas, atual município de Marechal Deodoro, homenageada com destaque nos aspectos do seu folclore, e, finalmente, Porto Calvo, relembrado pelas fortificações. ALMANAQUE

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AFRÂNIO 14 LAGES

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Afrânio Salgado Lages nasceu em Maceió no dia 14 de março de 1911. Iniciou sua carreira política em 1935 como deputado federal. Antes de governar Alagoas, escolhido pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, passou pela Assembleia Legislativa do Estado e pelo Senado Federal. Ficou no cargo de governador de 1971 a 1975. Seu mandato foi extinto pelo Estado Novo. CURIOSIDADE Em 1955, Afrânio Lages disputou as eleições

para governador com Muniz Falcão. Lages era o candidato de Arnon de Mello, que na época chegou a dizer que elegeria até um poste. Muniz Falcão venceu com o dobro de votos de seu adversário. Em setembro de 1957 seria a votação de impeachment de Falcão, liderado pelos opositores do seu governo, Arnon de Mello e Rui Palmeira. A sessão transformou-se em tiroteio. Morreram quatro deputados, um funcionário da Assembleia Legislativa e um jornalista. Muniz Falcão recorreu da decisão e reassumiu o governo no ano seguinte.

ALFAIATE 15 DAS PALAVRAS

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Nasce, em 1912, o poeta alagoano Carlos Moliterno, que também foi jornalista, crítico literário e alfaiate, sua primeira profissão, iniciada aos 15 anos, numa época em que ainda não existia a indústria de roupas feitas. “Toda sociedade confeccionava paletós de casimira, smokings, casacas e fraques nas dezenas de alfaiatarias da capital”, lembraria o poeta. “Era o tempo em que todo mundo só ia para os bailes de casaca, fraque, bengala e chapéu”, completaria. A GERAÇÃO DO PÓS-GUERRA Filho de imigrantes italianos, Carlos Moliterno se interessou pela literatura desde cedo, quando começou a frequentar alfarrábios e livrarias em busca da matéria-prima para o que viria a ser o seu ofício. “Entre os livros amontoados dos alfarrábios, veio a conhecer figuras como Jayme de Altavila e Théo Brandão, iniciando amizades que atravessariam décadas”, relembra o filho Carlos Alberto Moliterno. A partir da década de 40, com a chamada Geração de 45, Carlos Moliterno passaria a participar ativamente do movimento literário alagoano. Desencontro, seu primeiro livro – com forte influência parnasiana – no entanto, só viria a ser publicado em 1953.

A ILHA Lançado em 1969, A Ilha é considerada a obra mais importante de Carlos Moliterno. Formado por 59 sonetos, o livro já foi adaptado para o teatro e para o audiovisual, além de ter sido tema de várias teses universitárias. Segundo o próprio autor, o livro é “o melhor trabalho na opinião coruja de um poeta”. SONETO 1 Invento a Ilha numa tarde clara numa manhã de sol, de luz, de sal, e das águas retiro espuma e algas para formar seus vales e enseadas. E invento a Estrela numa noite escura de céu espesso e nuvens de granito Recolho do meu rosto sombra e datas e recomponho assim meu calendário No céu da Ilha as asas espalmadas de um branco e enorme pássaro flutuam no rumo de suas dunas insulares Meu ser então divido e multiplico, em várias partes que derramo e espalho nas praias desta ilha em que naufrago.

FOTO: IBGE

O PRIMEIRO BISPO Nasce, em 1910, Dom Antônio Manoel de Castilho Brandão, o primeiro alagoano a alcançar o episcopado, quando tomou posse, no dia 7 de setembro de 1894, como bispo do Pará. Natural de Mata Grande, Dom Antônio Brandão seria transferido do Pará para Alagoas no dia 5 de junho de 1901, para tomar posse como primeiro bispo da diocese de Alagoas, criada em julho de 1900.

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Sede do arcebispado em Maceió

Você sabia? Carlos Moliterno foi presidente da Academia Alagoana de Letras por seis mandatos consecutivos, a partir de 1955, quando assumiu o destino das letras alagoanas pela primeira vez. “Geração não se mede pela idade, mas pelo que produz”, diria ele.

BOLA FORA? Carlos Moliterno é autor do hino oficial de Maceió. Apesar disso, quase nenhuma homenagem pública foi lhe feita até hoje. Seu nome chegou a ser dado à rua onde morou, no bairro do Farol. Curiosamente, a Rua Carlos Moliterno, antes Rua Goiás, foi rebatizada com um terceiro nome. Uma mudança que a família acha inexplicável até hoje.


FOTO: IBGE

Município de PIlar na década de 1920

AO EXTREMO NORTE 16 DA MANGUABA

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Pilar é elevada à cidade em 1872. O povoado começou a se formar em torno do engenho de José de Mendonça Alarcão Ayala, que escolheu Nossa Senhora do Pilar como padroeira da igreja colonial de suas terras. Daí a origem de seu nome. Em 1944, no entanto, a cidade passou a se chamar Manguaba por estar à margem da lagoa do mesmo nome. Cinco anos depois, voltou a ter sua denominação original. O SUMIÇO DA SANTA Agricultores da região encontraram uma imagem de Nossa Senhora em cima de um pilar. No dia seguinte, eles retiraram a santa e a levaram para uma capela próxima ao local do achado. Misteriosamente, a imagem sumiu da igreja e foi encontrada novamente no mesmo pilar do dia anterior. Isso se repetiu mais de uma vez, até que os colonos entenderam que deveriam formar um povoado às margens da lagoa. A ÚLTIMA PENA DE MORTE Você sabia que Pilar registrou a última pena de morte do país¿ Os escravos Prudêncio, Francisco e Vicente decidiram juntos matar seus patrões, João Lima e Joaquim Thelesphoro Ferreira Lopes. No estabelecimento comercial de Lima, eles mataram o proprietário e sua mulher, que mandaram chamar alegando que seu marido estava doente. O Dr. Thelesphoro também foi chamado na alta madrugada, mas, desconfiado, disse não poder sair de casa, pois estava tomando um “escalda pé”. Prudêncio fugiu para Pernambuco, mas Francisco teve sua pena de morte pedida por Dr. Thelesphoro ao Imperador. Dom Pedro II teria dito: “Sim, concedo, porém será a última no Brasil”. A VISITA DO IMPERADOR Em visita à Província de Alagoas, em 1860, D. Pedro II escreveu sobre Pilar: “Ladeira não calçada de todo caminho do Pi-

lar até a chegada da Atalaia, canal que comunica as lagoas. Boa água de nascente. Conversa com os juízes e promotor. Saída de casa às 7h, larga o Pirajá às 7 e 20. Lado Esquerdo. Grajaú de cima, de baixo, e os 2 engenhos do sogro de Titára Lameirão e Bomjardim. Camorupim no lado (houve queimadura de foguete no Pilar) esquerdo, os holandeses pretenderam construir aí uma ponte ligante às duas margens da lagoa e para isso lançaram muitas pedras no fundo das lagoas.” O MAIOR DOS AFRICANISTAS Pilar é berço do nascimento, em 7 de julho de 1903, de Arthur Ramos de Araújo Pereira. Graduou-se médico em 1926 pela Faculdade de Medicina de Salvador. Autor de obras notáveis sobre o negro brasileiro, foi considerado por Gilberto Freyre “o maior africanista do Brasil”. ENQUANTO ISSO, LONGE DALI... No mesmo dia em que Pilar ganhava o status de cidade, a cerca de 50 km, o povoado de Murici era elevado à vila pela lei nº 626. Com o desmembramento da Vila da Imperatriz – hoje União dos Palmares – e a inauguração da linha férrea, a economia local foi impulsionada. Murici ganharia o status de cidade duas décadas depois. A ferrovia fora pensada a partir de 1879, quando o Visconde de Sinimbu, então ministro dos Negócios da Agricultura, autoriza os estudos para a construção da via férrea de Maceió à Vila Imperatriz, atual União dos Palmares. As obras começaram em 1882. Foram construídos 88 km de trilhos saindo do centro de Maceió, seguindo pelo Vale do Mundaú até União do Palmares. A ferrovia foi concluída em 1884, mas nos anos seguintes os trilhos foram prolongados até Viçosa. Logo depois, até São José da Laje e em seguida, a via férrea foi ligada à Estrada de Ferro Central de Pernambuco.

O GUARDADOR DE MEMÓRIAS Em Jaboatão dos Guararapes, Jaci Bezerra, alagoano natural de Murici, se juntava a Alberto da Cunha Melo, Raimundo Carrero, Maximiano Campo e outros para formar o grupo literário Geração 65, movimento poético que agitou Recife e Olinda em 1964. José Jaci de Lima Bezerra nasceu em 1944 e sua infância em Alagoas foi tema de suas poesias. O pai tinha um cavalo luminoso e cuidava das rosas do jardim, porém seu coração não tinha pouso e, por isso, ele foi um homem assim calado e só, talvez misterioso, mesmo ao bordar estórias para mim. Dele herdei o silêncio em que me movo e os meus pastos de antúrio e de capim

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“AINDA TENHO MUITO AMOR PRA DAR”

GRACILIANO 20 RAMOS DIA

Sentado na poltrona acolchoada por almofadas, Graciliano Ramos sofre. Desde o início de 1953, as dores provocadas pelo câncer no pulmão haviam se intensificado, fazendo com que já não saísse mais de casa. Passaria a maior parte do tempo ao lado da mulher, Heloísa. Ambos evitando falar da morte. “Não sei quem fingia mais, se ele ou eu”, lembraria ela. O escritor Dênis de Moraes, biógrafo de Graciliano, conta que no dia em que o marido deixou entrever que não queria morrer, Heloísa ainda assim teve forças para tentar contornar. “Ateu tem medo de morrer?”, perguntou. “Não tenho medo”, respondeu o escritor. “Mas é que ainda tenho tanto amor pra dar...”. A visita de amigos não amenizaria as dores, mas ajudava a enfrentar o tempo. “Tenho um tijolo aqui”, confessaria, apontando o peito, à escritora Dinah Silveira de Queirós. Numa visita que fez ao amigo, Otto Lara Resende sairia do apartamento abalado. “A morte já lhe entrava portas adentro, vincava seu rosto e cortava seu fôlego. Mas ele pitava seu cigarrinho em paz, como se estivesse acima desse aborrecido limite da mortalidade”, lembraria. Na véspera de sua morte, já não conseguia se levantar da cama. “Estou liquidado”, confessaria ao escritor e amigo Amando Fontes, que lhe visitara. “Às 5h35m de 20 de março de 1953, Graciliano cerraria os olhos para sempre, as mãos nas mãos de Heloísa”, relembra Dênis de Moraes. Era o início da imortalidade.

O PREFEITO

Passado tanto tempo depois de sua morte, o escritor que se destacou ainda quando era prefeito de Palmeira dos Índios – ocasião em que escreveu os dois famosos relatórios para o governador Álvaro Paes – segue gigante na literatura e na vida pública. Íntegro, sua administração à frente Executivo municipal continua exemplo de boa conduta – orgulho para os alagoanos. Mas a tarefa como prefeito não seria fácil. Menos de um mês à frente da prefeitura, Graciliano perceberia que o cargo era mais espinhoso do que ele imaginava. “Para os cargos de administração municipal escolhem de preferência os imbecis e os gatunos. Eu, que não sou gatuno, que tenho na cabeça uns parafusos de menos, mas não sou imbecil, não dou para o ofício e qualquer dia renuncio”, confessaria em carta a Heloísa, no dia 4 de fevereiro de 1928. Rigoroso, enxugou gastos, cobrou impostos atrasados, extinguiu as isenções fiscais que beneficiavam grandes proprietários, comerciantes abastados e chefes políticos. Não poupou nem o pai, Sebastião Ramos, que foi multado por criar animais soltos pela cidade. “Prefeito não tem pai. Eu posso pagar sua multa. Mas terei que apreender seus animais toda vez que o senhor os deixar na rua”, justificou Graciliano. “O seu modo de administrar era informal. Saía 12 ALMANAQUE

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cedo para vistoriar obras, andava pelo comércio com o Código de Posturas na cabeça e não hesitava em aplicar multas do próprio punho, se constatasse irregularidades”, lembra Dênis de Moraes. “Recebia qualquer pessoa em seu gabinete, sem hora marcada”, completa.

O ESCRITOR

Se as realizações à frente da prefeitura de Palmeira dos Índios (1928-1930) realçaram seu caráter como administrador, os relatórios enviados ao governador de Alagoas denunciavam a existência de um grande escritor. No Rio de Janeiro, o editor Augusto Frederico Schmidt percebeu, ao ler os documentos publicados em vários jornais do País, existir por trás do prefeito um literato nato. Não estava errado. Naquela época, Graciliano Ramos já havia produzido Caetés, seu romance de estreia, que só viria a ser publicado em 1933, quando o escritor tinha 40 anos de idade.

Antes mesmo de ir ao prelo, a obra impressionara nomes no meio literário nacional, entre eles Jorge Amado, que em meados de 1933 desembarcara em Penedo, vindo do Rio de Janeiro, com o propósito de conhecer o escritor alagoano, nome àquela data sem qualquer ressonância junto aos leitores e aos críticos. “Os textos dos extraordinários relatórios, apresentados por ele ao deixar a prefeitura de Palmeira dos Índios, circularam de mão em mão no limitado território literário da então capital da República e das letras pátrias”, relembraria Jorge Amado. “Acontecera-me de ler, porém, os originais de Caetés, tomara-me de tamanho entusiasmo que decidi viajar até Alagoas para comunicar ao autor minha admiração, de viva voz. Tinha eu vinte e um anos incompletos e acabara de publicar Cacau”, completaria. O resto é história. Histórias de Fabiano, Sinhá Vitória, Baleia, Paulo Honório, Madalena, João Valério, Luísa, Luís da Silva, Julião Tavares e tantos outros.


EM NOME DO PAI

“Eu tinha pouco menos de quinze anos quando cheguei ao Rio e foi aí que praticamente conheci meu pai. Sua prisão me deixara muito pequeno, lá em Maceió, na casa de meu avô materno. Umas férias ligeiras, dois meses corridos entre espantos cariocas, não haviam bastado para nos aproximar. Se dele quase não guardara nem o rosto, quanto mais traços de temperamento. É fácil imaginar as surpresas que tive, no primeiro encontro me oferecendo um cigarro (‘Você fuma?’) ou nas muitas conversas continuadas.” “Logo eu trabalhava em jornal, fazia política, estudava à noite. Ele era inspetor de ensino na minha escola, acreditei piamente que só fiscalizava a mim. Depois eu começava a escrever, umas coisas que pareciam contos e, naturalmente, foi meu primeiro leitor. Além do geral de política e literatura, nosso terreno mais comum, passamos a falar daquilo em particular. Principiava o meu aprendizado.” “— Não escreva ‘algo’ — ele implicou”. “Quis saber por quê; me respondeu:” “— É crime confesso de imprecisão.” “Mais tarde eu estranhei:” “— Por que você não usa reticências e exclamações?” “Não demorou um segundo:” “— Reticências, porque é melhor dizer do que deixar em suspenso. Exclamações, porque não sou idiota para viver me espantando à toa.” ■ RAMOS, Ricardo, in: Graciliano: Retrato Fragmentado. São Paulo: Globo, 2011.

IDEIAS EXÓTICAS

Paulo Bittencourt1 gostava de provocar Graciliano Ramos por causa de suas ideias socialistas. Quando o Correio da Manhã2 recebeu novas máquinas, Paulo, encontrando o romancista na redação, disse: — Não entendo como você pode professar essas suas ideias exóticas. Imagine se vocês fizessem uma revolução e vencessem. Todo este parque gráfico seria destruído. Graciliano não esperou que Paulo Bittencourt continuasse e foi logo dizendo: — Só um burro ou um maluco poderia pensar isto. Se fizéssemos a revolução e vencêssemos, só ia acontecer uma coisa. Em vez de você andar por aí, viajando pela Europa, gastando dinheiro com as mulheres, teria que ficar sentadinho no seu canto trabalhando como todos nós. 1. Paulo Bittencourt: diretor do Correio da Manhã e filho do fundador do jornal, Edmundo Bittencourt. 2. Correio da Manhã: diário matutino carioca, fundado em 1901 por Edmundo Bittencourt. Nos anos 1920, foi um dos poucos jornais a demonstrarem simpatia pelos rebeldes tenentistas e teve sua circulação suspensa. Quando de sua passagem pelo Rio de Janeiro de agosto de 1914 até setembro de 1915, em cartas para seus pais e irmãos, Graciliano Ramos se refere ao trabalho de revisor no referido jornal.

AUTORRETRATO AOS 56 ANOS

ENIGMA O ÚNICO ROMANCE DE GRACILIANO RAMOS QUE AINDA NÃO FOI ADAPTADO PARA O CINEMA

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Vidas Secas foi publicado em 1938, numa tentativa de Graciliano Ramos se livrar das dificuldades financeiras por que passava na época. Precisando de dinheiro para pagar as contas em atraso e suprir as necessidades da família recém-chegada de Maceió, o escritor decidiu escrever a obra como se fosse contos isolados, publicando-os em jornais e revistas à medida que os produzia. Vendeu Baleia, o primeiro capítulo escrito, por cem mil-réis ao suplemento literário de O Jornal, do Rio. E deu origem, assim, a um processo de escrita dos mais originais da literatura brasileira. RESPONDA, SE FOR CAPAZ: Vidas Secas quase era publicado com outro nome. Você sabe qual? agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. Gosta de palavrões escritos e falados. Deseja a morte do capitalismo. Escreveu seus livros pela manhã. Fuma cigarros Selma (três maços por dia). É inspetor de ensino, trabalha no Correio da Manhã. Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo. Só tem cinco ternos de roupa, estragados. Refaz seus romances várias vezes. Esteve preso duas vezes. É-lhe indiferente estar preso ou solto. Escreve à mão. Seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano, José Lins do Rego e José Olympio. Tem poucas dívidas. Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas. Espera morrer com 57 anos.

PARA SABER MAIS ■ AMADO, Jorge. Navegação de Cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Recordo, 2006. ■ MORAES, Dênis. O Velho Graça - uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro; José Olympio, 1992. ■ RAMOS, Graciliano. Conversas - Graciliano Ramos. Organização Ieda Lebensztyn e Thiago Mio Salla. Rio de Janeiro: Record, 2014. ■ SANT’ANA, Moacir Medeiros de. História do Romance Caetés. Maceió: Arquivo Público de Alagoas, 1983. ALMANAQUE

Enigma: O único dos quatro romances de Graciliano Ramos que ainda não foi adaptado para o cinema é Angústia (1936). Responda se for capaz: Antes de ser publicado, o romance Vidas Secas chegou a ser batizado de O mundo coberto de penas, o mesmo do penúltimo capítulo da obra. Graciliano pensara também em Fuga.

Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas. Casado duas vezes, tem sete filhos. Altura 1,75. Sapato n.º 41. Colarinho n.º 39. Prefere não andar. Não gosta de vizinhos. Detesta rádio, telefone e campainhas. Tem horror às pessoas que falam alto. Usa óculos. Meio calvo. Não tem preferência por nenhuma comida. Não gosta de frutas nem de doces. Indiferente à música. Sua leitura predileta: a Bíblia. Escreveu Caetés com 34 anos de idade. Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados. Gosta de beber aguardente. É ateu. Indiferente à Academia. Odeia a burguesia. Adora crianças. Romancistas brasileiros que mais lhe

O autor ao lado do filho, Ricardo Ramos

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FELICIDADE 22 CLANDESTINA DIA

Sebastião Cícero Guimarães Passos nasceu em Maceió, em 22 de março de 1867, onde permaneceu até os 19 anos. Cursou o primário no Colégio Bom Jesus e o preparatório no Liceu Alagoano. Em 1886, ao se despedir de amigos que embarcavam para o Rio de Janeiro, tomou umas a mais e só despertou com a embarcação no meio do mar. Na Capital do Império aprofundou-se na boêmia, poesia e no jornalismo. Fez parte do grupo de Olavo Bilac, Paula Ney e Artur Azevedo. Publicou crônicas e versos na Gazeta da Tarde, Gazeta de Notícias e A Semana. NAVEGAR É PRECISO O primeiro navio no qual embarcou foi lem-

brado por Paulo Barreto (João do Rio), durante o discurso de sucessão da cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras. Ele descreveria como se deu a viagem de seu antecessor: “Por uma certa manhã dos fins do século passado - quase quatro lustros antes da terminação desse memorável século da ciência, da luz e do positivismo - um jovem poeta de Maceió resolveu acompanhar a bordo três amigos, que de viagem se faziam para a Corte, capital do império. O poeta era belo mancebo tropical. Alto, elegante, bíceps gigantes, largo busto, com o desabrocho da cintura estreita, longas mãos, cabeleira crespa formavam-lhe a beleza máscula; e quando ria, um riso jovial, entre a ironia satisfeita e a ingenuidade irônica, mostrava aos que o ouviam

PERFIL ACADÊMICO JOÃO GUIMARÃES PASSOS Cadeira: 26 Posição: Fundador Sucedido por: Paulo Barreto - pseudônimo: João do Rio Data de nascimento: 22 de março de 1867 Naturalidade: Maceió – AL, Brasil Data de falecimento: 9 de setembro de 1909 Local de falecimento: Paris, França

uma esplêndida dentadura de trinta e dois belos dentes. Era forte, era são, esse mancebo amável. Chamava-se Sebastião Cícero dos Guimarães Passos’’. No segundo embarque, o destino era o exílio em Buenos Aires, fugindo depois de fazer parte da revolta contra o conterrâneo Floriano Peixoto. O terceiro navio lhe trouxe de volta ao Rio de Janeiro, em 1896, quando foi chamado para fundar a Academia Brasileira de Letras. Escolheu para seu patrono o poeta Laurindo Rabelo. A última embarcação atracou na Ilha da Madeira. Doente de tuberculose, Guimarães Passos faleceu em Paris, aos 42 anos, em 9 de setembro de 1909.

O PRIMO 24 DO PRESIDENTE DIA

1936. Falece, no Rio de Janeiro, sua cidade natal, o General Clodoaldo da Fonseca, governador de Alagoas entre 1912 e 1915. Apesar de ser filho e neto de alagoanos – seus pais eram Pedro Paulo da Fonseca e Francisca Catarina Francioni – nunca estivera na terra de seus antepassados até que seu primo, o presidente da República Hermes da Fonseca, o designou para intervir no Estado, cumprindo a Política das Salvações contra grupos oligárquicos. Eleito em 12 de março de 1912, Clodoaldo embarcou com destino a Alagoas em junho, depois de receber o abraço e os votos de governo tranquilo de seu primo, o Presidente. O PUXÃO DE ORELHA Depois de ler em O Semeador a transcrição de um telegrama informando que os alemães haviam saqueado uma cidade da Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial, Clodoaldo da Fonseca intimou ao Palácio o diretor do periódico

Você sabia? No governo de Clodoaldo da Fonseca foi criada mais uma secretaria de estado, a de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, foi instalada em Maceió uma filial do The London and River Plate Bank Limited e reorganizada a Instrução Pública, entre outros aspectos com a criação de uma Escola Normal integrada a escolas modelo.

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católico padre Antônio José de Cerqueira Valente e, com um dicionário em mãos, o indagou: – O seu jornal disse que os alemães saquearam uma cidade. Saquear é roubar. Veja o dicionário. O governador visitara a Alemanha em 1908 com a comissão do Marechal Hermes da Fonseca, então Ministro da Guerra. Da visita, Clodoaldo sentia orgulho de ter sido apresentado ao Imperador, além de ter assistido as manobras do exército germânico nos campos de Tempelhof. O padre Valente, então, teve que convencer o governador que não houve intenção de ofender o exército alemão, que o periódico tinha apenas publicado um telegrama recebido. POR QUEM OS SINOS DOBRAM Essa não foi a única rixa com a Igreja Católica durante o seu governo. Por meio do seu Secretário de Interior, João de Aquino Ribeiro, Clodoaldo da Fonseca proibiu o toque dos sinos nas igrejas. Sobre a proibição, o Jornal de Alagoas publicaria, em 11 de fevereiro de 1913: “Dobres de sinos – Tendo domingo último alguns sacristãos infringindo as determinações do Governo do Estado, tocando desabaladamente afinados, o Dr. Secretário do Interior, de ordem do S. Exª o Sr. Governador, tomou as medidas necessárias no sentido de evitar-se tão abusiva prática.” PARA SABER MAIS | JÚNIOR, Felix Lima. Maceió de outrora: obra póstuma. Organizado por: Rachel Rocha. Maceió. Edufal, 2001. ■ BARROS, Francisco Reinaldo Amorim de. ABC das Alagoas – Dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico de Alagoas. Brasília ; Senado Federal, Conselho Editorial, 2005.


SUÍÇA 25 ALAGOANA DIA

Mar Vermelho é desmembrada de Anadia e conquista autonomia política como município em 1962. De povoado a cidade, a região cresceu economicamente através da agropecuária. A princípio, os vapores de algodão do Major Joaquim Canuto de Albuquerque Maranhão davam ritmo ao comércio, mas com a rodovia asfaltada de Palmeira dos Índios a Maceió, a economia se deslocou para os novos centros e Mar Vermelho se dedicou somente à criação de gado. A quase 120 km do litoral, na mesorregião do agreste alagoano, Mar Vermelho também é conhecida como “Suíça Alagoana” por causa de sua temperatura amena. A mais baixa registrada foi de 10ºC no dia 10 de julho de 2010. E essa característica climática atrai visitantes e possibilita a realização do Festival de Inverno. Em um deles, realizado em 2015, contou com público de 20 mil pessoas e atrações nacionais.

Você sabia? Passando pela região, o criador de gado Coutinho se deparou com uma lagoa cercada de gravatás, um tipo de árvore que deixa cair folhas avermelhadas no outono. O patriarca do povoado, então, chamou o lugar de Mar Vermelho.

A HISTÓRIA 26 VIVE DIA

Nascido e criado em Maceió na década de 1890, Anfiófilo de Oliveira Mello, mais conhecido e reconhecido como Jayme de Altavila, ocupa um importante lugar na construção e no resgate da memória alagoana. Primogênito dos nove filhos do casal Balbino Figueiredo de Mello e Deolinda de Oliveira Mello, Jayme, que foi buscar na sua descendência materna italiana a inspiração para o seu pseudônimo – prática que à época era tendência entre literatos, deu seus primeiros passos no jornalismo escrevendo crônicas para o Jornal O Guarany, no bairro do Poço. A sólida carreira na área do Direito foi construída após a conclusão do curso de Ciências Jurídicas e Sociais (Rio de Janeiro, 1923), posteriormente atuando como advogado de empresas públicas e privadas, como promotor público adjunto da capital alagoana, como juiz federal, entre outros cargos. Na área acadêmica, permeou na docência de diversos cursos, a exemplo do curso de Economia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e foi um dos fundadores da Faculdade de Direito da mesma instituição. Na política, deteve mandatos como prefeito de Maceió (1º de fevereiro de 1927 a 7 de janeiro de 1928), deputado estadual e federal, tendo construído o Coreto de Jaraguá e introduzido o telefone automático. No entanto, foi na literatura que ele deixou um dos maiores legados para a cultura alagoana.

Você sabia? FOTO: IBGE

Além da construção do Coreto de Jaraguá, inaugurado em 1° de janeiro de 1928, Jayme de Altavila também foi o responsável pela urbanização da Avenida Duque de Caxias, atual Avenida da Paz

Entre todos os cargos e profissões que podem ser listadas em seu currículo, se pudéssemos escolher uma para representá-lo seria a de historiador, segundo seu próprio filho, Jayme Lustosa de Altavila. “Ele foi um dos precursores e um dos maiores entusiastas da tão debatida alagoanidade. Alagoas está entre dois estados que são muito bairristas. Então, ele entendia que também tínhamos que estimular esse orgulho pelos vultos da nossa terra. Tudo o que ele fazia era para a valorização desse sentimento da alagoanidade”, relata. Graças a essa percepção e ao acesso a fatos e documentos históricos, o “Príncipe dos Poetas Alagoanos”, como era chamado, ao fundar a Academia Alagoana de Letras (1919), expressou sua admiração e defesa ferrenha à polêmica decisão de Domingos Calabar, quando optou pelo apoio à Holanda, durante o período colonial. “A intenção de Calabar era diferente da que lhe deram os seus inimigos, devendo-se considerar também que não havia ensejos do patriotismo, pois Portugal estava sob o jugo espanhol desde 1581, e a Espanha, que dominava, não era a sua pátria”, acentua Jayme Lustosa de Altavila. Essa afirmativa é traduzida em uma de suas poesias, intitulada Em memória de Calabar: “Mestiço alagoano, eu te defendo Ante o sereno tribunal da história A tua ação revendo, com justiça. Tu não traíste a pátria, que não tinha. Portugal, sob o guarte dos Felipes, Era em realidade, Um escravo de Espanha. E o batavo, em Recife, erguia um novo mundo De civilização e liberdade. Tua ambição estava em tua espada E não nos teus engenhos e rebanhos (...)” Apesar de o Hino do Clube de Regatas do Brasil ser, talvez, seu mais popular feito, até pela exacerbada paixão nacional que o futebol carrega no estado e no país, e da Origem dos Direitos dos Países ser sua obra de maior reconhecimento público, sendo até hoje utilizada pela Universidade Federal do Paraná, Jayme conseguiu em Quilombo dos Palmares, 1932, personificar o herói Zumbi dos Palmares com a dose certa entre romance e fatos reais sobre o que foi um dos maiores registros de resistência negra contra a escravidão fora da África, sendo provavelmente este livro o primeiro a elevar o líder dos quilombolas à posição de herói. Quando presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), hoje administrado pelo filho, contribuiu para a construção do atual acervo que conta com centenas de peças e documentos datados do período colonial, do cangaço, e muito além do Brasil República. ALMANAQUE

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O POETA 28 ENGAJADO DIA

Em 1883 morria, em viagem marítima entre Maceió e Penedo, sua terra natal, o poeta e jornalista Antônio de Almeida Romariz, fundador de O Eco do São Francisco, revista quinzenal de ciências, letras, arte e religião editada em Penedo por ele e por J.R da Cunha Sales, a partir

de 15 de agosto de 1876. É também fundador do jornal A Escova, lançado no mesmo ano; de O Órgão do Povo, (1877), Penedo; e Estrela do Norte, “periódico noticioso e humorístico” semanal lançado em Maceió, no dia 21 de abril de 1878.

Você sabia? Antônio de Almeida Romariz foi promotor interino em Penedo e aprendeu, de forma autodidática, inglês, italiano, espanhol e alemão, além de francês que aprendeu com o advogado e poeta Inácio de Barros Leite. Em 1883, meses após sua morte, teve publicado o livro de poemas Auras matutinas.

COLECIONADOR DE OSSOS

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OS BONS COMPANHEIROS 1912. Nasce em Maceió o jornalista e escritor Valdemar Cavalcanti, que integrou o grupo de intelectuais formado pelos amigos Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Holanda, Santa Rosa, entre outros. Juntos, eles exerceriam grande influência no Nordeste, entre filósofos, romancistas e críticos literários. TOME NOTA Valdemar Cavalcanti foi o primeiro crítico literário e pioneiro como colunista diário do jornalismo impresso brasileiro. Por duas décadas, manteve a coluna Jornal Literário, no O Jornal, de Assis Chateaubriand. Rafael Cavalcanti, neto do escritor, lembra que o avô começou cedo no jornalismo quando, aos 16 anos, ocupou o cargo de redator do Jornal de Alagoas e depois da Gazeta de Notícias. VALDEMAR E O MODERNISMO Quando trabalhava no jornal O Semeador, órgão da Arquidiocese de Maceió, Valdemar Cavalcanti liderou na cidade, em 1924, a Semana de Arte Moderna, na qual participaram Aurélio Buarque de Holanda, Carlos Paurílio, Aloísio Branco e Lourenço Peixoto, entre outros.

A NOVIDADE Em 1931, Valdemar Cavalcanti fundaria com Alberto Passos Guimarães o semanário cultural Novidade, que circulou entre 11 de abril e 26 de setembro, em Maceió. Segundo Rafael Cavalcanti, até hoje a revista – que funcionou como reação ao Modernismo da fase histórica de 1922 – é uma referência no meio acadêmico e literário. “E poucos produtos culturais retrataram tão bem uma geração como a revista, que deu voz à corrente propagada por Gilberto Freyre (escreveu um artigo) e pelo Centro Regionalista do Nordeste”, destaca Rafael. O ACADÊMICO Membro da Academia Alagoana de Letras, onde ocupou a cadeira 32, e membro honorário da Academia Francesa de Letras, Valdemar Cavalcanti conquistou o Prêmio Jabuti (o mais cobiçado da literatura nacional) como Melhor Crítica e/ou Noticiário Literário (Jornais), além do consagrado Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 1960 publicou, pela José Olympio, Jornal Literário, seu único livro. Faleceu em 19 de junho de 1982, no Rio de Janeiro.

1843. Dia de festa para o casal Manoel Januário Bezerra Montenegro e Rita Francisca Bezerra Montenegro, pelo nascimento do filho Joaquim Jonas Bezerra Montenegro, que viria a ser promotor público em Atalaia e juiz municipal em Ponta Grossa (PR). Formado pela Faculdade de Direito do Recife em 1866, Joaquim Bezerra foi ainda vice-presidente da província do Pará, época em que se aprofundou em estudos sobre a cultura indígena amazônica e reuniu centenas de objetos arqueológicos conseguidos na Ilha de Marajó. Entre as obras que publicou, destacam-se O Contrato de Arrendamento das Fazendas Nacionais de Marajó e Cartas a Marilda Palínia. Faleceu no dia 14 de janeiro de 1932. ACERVO DOADO Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IGHAL), Joaquim Jonas Bezerra Montenegro doou ao órgão todo o seu acervo, que foi catalogado pelos antropólogos Napoleão Figueiredo e Maria Helena de Amorim Folha. A coleção que leva o seu sobrenome é formada por quase 500 peças de cerâmica, palha e outras fibras naturais, sementes, penas, ossos, dentes, madeira, contas e búzios, taboca, taquara e algodão, entre outros. As peças procedem de grupos indígenas que ocupavam a região amazônica no século XIX. “Foram levantadas 492 peças em diversos materiais e usadas para as mais variadas funções, capazes, portanto, em conjunto, de apresentar uma visão aproximada do cotidiano dos índios que as usavam, seus hábitos, práticas religiosas, alimentação, conhecimento tecnológico, artesanato e seu gosto estético”, explica o historiador Douglas Apratto Tenório. PARA SABER MAIS | TENÓRIO, Douglas Apratto; DANTAS, Carmen Lúcia. A Casa das Alagoas. Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Maceió, Edufal, 2007. ■ Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. Rua do Sol, 382, Centro, Maceió – AL. Telefone: 3223-7797.

PELO 31 TELEFONE

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Com telefonemas do governador de Alagoas Pedro da Costa Rego e do arcebispo metropolitano, Dom Santino Coutinho, era inaugurado, às 17 horas do dia 31 de março de 1927, o Serviço Telefônico Automático de Maceió, o segundo do País — o primeiro seria implantado em Belo Horizonte. Além do governador e do arcebispo, estiveram presentes à solenidade o prefeito de Maceió, Jayme de Altavilla, políticos e empresários locais. A CONCESSIONÁRIA A concessão dos serviços telefônicos em Maceió foi dada pelo prefeito da cidade, Jayme de Altavila, ao empresário José de Almeida, pro16 ALMANAQUE

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prietário da empresa Almeida & Companhia. “Em um de seus relatórios ao Conselho Municipal o então prefeito informou que a firma concessionária teria o privilégio de explorar o serviço por 30 anos, de acordo com a Lei nº 229, de 2 de outubro de 1925”, escreveria, muitos anos depois, o jornalista Valmir Calheiros. Os equipamentos foram fornecidos pela Companhia E.G. Sul Americana de Eletricidade e a instalação coube ao engenheiro alemão Samuel Fehl.

CURIOSIDADE Quando foi implantado, o Serviço Telefônico Automático de Maceió contava com 400 usuários.


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