Universidade de São Paulo
Faculdade de Urbanismo e Arquitetura
Trabalho Final de Graduação
O Imaginário Simbólico nas Cidades da Antiguidade
Aluno
Victor Estanislau Alarsa Orientador
Artur Simões Rozestraten São Paulo, 2011
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3
INDICE Introdução
06
Çatal Hüyük
54
Ur
68
Khirokitia
82
Tulor
92
Primeira Parte Símbolos [conceito]
10
Linguagem [origem]
14
Espaço Simbólico
26
Segunda Parte Prelúdio: do acampamento à aldeia
38
Prelúdio: da aldeia à cidade
42
Poverty Point
102
Cahokia
116
Pueblo Bonito
128
Quarta Parte [maquetes não interpretadas]
Terceira Parte [maquetes interpretadas] Lições de astronomia
4
50
Skara Brae
140
Coaña
142
Hodde
146
Great Zimbabwe
150
Kejara
154
Tiwanaku
158
Huaca del Sol y de la Luna
162
Tikal
166
Teotihuacan
170
Conclus達o
180
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6
Niwt é o hieroglífo que representa a cidade. Sintetiza de maneira exemplar a concepção egípcia dos elementos mínimos e indispensáveis para difiní-la: a cercadura circular delimitadora, e os dois segmentos de reta que se cruzam em “X” - as principais vias de penetração no tecido urbano, e a clara demarcação do centro. (Oliveira, 2007. p. 9)
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Introdução
“Como o homem da antiguidade se relacionava com o espaço?” O homem da antiguidade é aquele de uma cultura ‘tradicional’, termo utilizado por René Guénon (1948), é o homem pré-moderno, préindustrial, ou seja, aquele que não teve contato com a cultura globalizada e científica de hoje. É de interesse deste ensaio, conhecer melhor este homem que está mais distante da atual cultura ocidental, atuando assim de maneira diacrônica, comparativamente entre o objeto de estudo (vestígios materiais deixados pelo homem da Antiguidade) e como figura de fundo e a realidade contemporânea em que todos vivem hoje. Será buscado um enfoque nas civilizações carregadas de um imaginário simbólico (Kevin Lynch, 1997), muito fortemente ligado as suas atividades mais ordinárias, e que em muitos casos acabam por serem refletidos na arquitetura. Não está se afirmando a inexistência de tal pensamento no homem moderno ou contemporâneo, mas sim um distanciamento ou uma menor importância relacionada a ele. É assim como explica Artur Rozestraten, quanto à diminuição gradual do valor simbólico dado as oferendas realizadas pelo homem ao longo
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dos tempos “Seja antes do início das obras, conforme o costume portugues, ou no lançamento das fundações, conforme o costume grego, ou ainda no momento crucial das obras de cobertura, como se faz ainda hoje no Estado de São Paulo, o rito do bauopfer [sacrifício] se perpetua. Contudo, hoje, encontra-se muito distante – para não dizer dissociado – do caráter simbólico da dádiva, da oferenda ao genius loci, presente e outrora indispensável para firmar o acordo da metamorfose do ambiente natural envolvido na ação construtiva.” (Rozestraten, 2010).
generalizada, à cidade tradicional.”
Buscando a compreensão de uma leitura mais exata de uma cultura diferente da atual, para enxergá-la com um olhar mais distante ou como define Massimo Canevacci (1997, p. 30) (Diacronia pura), tem-se que:
Tal estudo será feito através da relação sincrônica entre os valores culturais (motivações, anseios e desejos) da época e seus vestígios materiais do passado. Época em que restaram, eventualmente, alguns objetos, algumas configurações arquitetônico-urbanísticas, e relatos (raros). Este homem será “imaginado” e reconstituído (levando em consideração todas as suas idiossincrasias culturais), a partir do material espacial que ele construiu, tal como habitações, templos, cidades.
“(...) se baseia na contínua inversão metodológica que torna familiar o que nos é estranho e estranho o que nos é familiar. De um ponto de vista antropológico, o processo de estranhamento deve ser conduzido ao ponto em que o nosso relacionamento com o mundo é mais costumeiro e, portanto, mais familiar.”. Rykwert em “A Idéia de Cidade” (2006, p. 195): “(...) tudo quanto é verdadeiro acerca da cidade antiga pode ser aplicado, de forma mais
Por isso foi escolhido uma aproximação deste homem que é mais distante e intangível. Portanto será evitado estudar cidades que tiveram contato com a cultura do homem pós renascimento (berço da cultura científica), como também evitar a cultura grega (tudo indica que aqui está o primeiríssimo berço da cultura científica) e romana, pois são objetos diretos da retomada renascentista.
Esse vínculo, entre o mundo simbólico de uma cultura e seus aspectos urbanos, podem ser percebidos, por exemplo, neste trecho do livro do Rykwert (2006, p. 207), no qual mostra um depoimento de um membro da tribo Siouxs:
“Fizemos estas pequenas casas cinzentas de madeira que você vê, e elas são quadradas. É uma forma ruim de viver, porque num quadrado não pode haver nenhuma força. Você já deve ter percebido que tudo o que os índios fazem ocorre em círculo, porque o Poder do Universo trabalha sempre em círculos, e tudo procura ser feito redondo. Os pássaros constroem seus ninhos em círculos, porque a religião deles é igual a nossa. Nossas tendas eram redondas como ninhos de pássaros, sempre dispostas em círculos, representando o anel da nação, um ninho feito de muitos ninhos, onde o Grande Espírito quer que criemos os nossos filhos. Mas os wasichus nos colocaram nestas caixas quadradas. Nossa força desapareceu e estamos morrendo.” Ou então nesse apontamento de Bernard Rudofsky (1984, p. 23, tradução do autor): “Em alguns lugares, o uso exclusivo de materiais locais assegura a persistência de antigos métodos de construção. Quando se introduzem materiais e métodos estranhos, a tradição local declina, os costumes são desprezados pelas tendências e o estilo vernáculo desaparece. E cabe perguntar-se, se o desaparecimento de espécies arquitetônicas nativas de um solo, não desequilibra o balanço das civilizações igual a que certas plantas e animais desequilibram o balance ecológico.”
É importante saber que vínculos fortes são esses que a simples mudança do espaço construído de uma tribo, modifica toda sua estrutura: o espaço existencial. O objeto de estudo será a forma urbana das cidades e aldeias antigas, porque esta possui uma maior quantidade de material de estudo, do que por exemplo, um estudo da arquitetura doméstica, nas quais teriam muitas variações individuais em uma mesma cultura. Cronologicamente, pretende-se fazer uma análise, a partir de alguns estudos de caso de períodos primordiais da evolução do homem, como no período paleolítico (acampamentos de 400 mil anos atrás em Terra Amata, ou ainda no acampamento sazonal de Dolni Vestonice de 25 mil anos atrás) e no neolítico (o assentamento Çatal Hüyük). Serão utilizados tais dados para poder encaminhar uma sincronia, tímida, porém pertinente a esta análise; assim como afirma Lewis Mumford em “A Cidade na Historia Suas Origens, Transformações e Perspectivas” (2008, p. 9): “Como já se passaram mais de cinco mil anos para chegar mesmo a uma compreensão parcial da natureza e do drama da cidade, talvez seja necessário um período ainda mais longo para exaurir as suas potencialidades ainda não realizadas. No alvorecer
da história, a cidade já é uma forma amadurecida. Em nossa tentativa de obter melhor visão do seu atual estado, devemos espreitar por sobre a linha do horizonte histórico, a fim de vislumbrar os obscuros traços de estruturas ainda mais antigas (...)”. Pretende-se portanto, esboçar de modo preliminar algumas relações entre o espaço urbano e o universo simbólico daqueles que neles viviam. O intuito último deste ensaio é de descrever, de levantar questões pertinentes, do que propriamente fazer análise e responder questões. As aproximações dadas neste ensaio trarão uma bagagem “exótica”, àquele interlocutor acostumado com um conhecimento “senso comum” do universo da arquitetura. Exótica porque essa discussão do universo do vernáculo, da antropologia e da arqueologia, é muito pouco vista pelo universo da arquitetura que, quando muito, estuda períodos mais recentes como o Renascimento, ou grandes obras arquitetônicas pontuais do passado. Rudofsky (1984, p. 31, tradução do autor) tem uma opinião interessante quanto a isso: “A arquitetura de pedigree, de Babilônia a Brasília, está longe de constituir um registro completo das construções dos homens. Sua parenta pobre, a arquitetura pré-histórica ainda é vista com um
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telescópio, parece ser um depósito de experiência humana.”
Introdução
“Parece inconcebível que a arquitetura vernacular, chave para a compreensão de culturas diferentes, sejam deliberadamente ignoradas, por acaso poderíamos chamar a botânica de uma ciência que se ocupa só dos lírios e rosas?” (1984, p. 33, tradução do autor) Panofsky escreveu trechos interessantes do por quê deve-se voltar o olhar para a cultura das civilizações passadas. Para definir o termo “humanismo”, Panofsky (2001) cita o exemplo daquele cientista moderno que se aventura em estudar Newton e Leonardo da Vinci no original, não com intuito de estudar seus pareceres científicos e sim a história da ciência, portanto está interessado na civilização humana como um todo. Cientificamente estudar os dois autores pode não ser uma boa idéia, uma vez que esse conteúdo já esteja superado há alguns séculos; porém se o fizer como um humanista, suas obras tornariam a possuir um significado autônomo e um valor duradouro. Panosfky ressalta a importância da contemplação das disciplinas humanas para qualquer pessoa: “[...] quem leva uma vida contemplativa não pode deixar de influenciar a ativa, como não pode impedir
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a vida ativa de influenciar seu pensamento. Teorias filosóficas e psicológicas, doutrinas históricas e toda a espécie de especulação e descobertas tem mudado e continuam mudando a vida de muitos milhões de pessoas. [...] por que deveríamos nos interessar pelo passado? A resposta é a mesma: porque nos interessamos pela realidade. Não há nada menos real que o presente.” (2001, p. 43). Mais uma vez o diacronismo estabelecendo a perspectiva comparativa entre tempos e espaços. Panofsky dá importância metodológica ao estudo do passado, comparando dois universos opostos, a “esfera da natureza“ e “esfera da cultura”. A primeira está preocupada em observar os processos temporais da natureza e tentar apreender leis atemporais destes fenômenos; a observação física só é possível quando algo “acontece”, ou seja, quando uma mudança visível acontece ou é forçada a ocorrer. Já o segundo (humanidades), por outro lado, “não se defronta com a tarefa de prender o que de outro modo fugiria, mas de avivar o que, de outro modo, estaria morto” (2001,p. 44); ao invés de ficar preso a fenômenos atemporais, tenta reviver tempos históricos mortos, trazendo assim humanidades pontuais, únicas. Aprendendo com estes registros congelados de humanidade: singulares “Para as humanidades, ‘reviver’ o passado não é um ideal romântico mas
uma necessidade metodológica.”(2001,p. 44).
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2- Símbolo [conceito] “Palavras são símbolos do pensamento e palavras escritas são símbolos das palavras faladas”
Símbolo [conceito]
Aristóteles. Organon, interpretação”.
livro
II
“Sobre
a
A palavra “símbolo” de acordo com o dicionário (Houaiss, 2009) significa “representação convencional de algo; aquilo que por princípio de analogia formal ou de outra natureza, substitui ou sugere algo.” Etimologicamente, símbolo pode ser decomposta em “sim-bol”. Na qual “sin”, do grego “sún” significa ajuntamento, associação, reunião, “com” alguma coisa. E “bol” do grego “bállo” significa lançar, jogar. A palavra inteira seria “súmbolon” que significa aquilo dividido entre seu hospedeiro e hóspede, e a aproximação das duas metades serviria para sinalizar hospitalidade entre as duas metades. Símbolo é uma ferramenta, exclusivamente humana, que junta (“sin”) duas extremidades, o universo externo e o interno. E possibilita o lançamento (“bol”) do símbolo interligando os dois universos. Por representar o significado de algo, e não ser o próprio fenômeno significante, ele pode ser introduzido em construções
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mais complexas de significados (conjunto de símbolos). A palavra “signo”, facilmente confundida com a palavra “símbolo”, etimologicamente do latim “signum”, que significa atribuir, selar, marcar, sinal, marca distintiva. Outra palavra similar, também do latim “sigillar” significa “fábrica de imagens”. Importante autor do pensamento simbólico, Gilbert Durand, discípulo de Gaston Bachelard, inicia seu livro “A imaginação simbólica” colocando sua opinião quanto à gradual redução da importância da imaginação do homem ao longo da história, e suas conseqüentes confusões etimológicas: “Sempre reinou extrema confusão no uso de termos relativos ao imaginário. Talvez se deva presumir que este estado de coisas provém da extrema desvalorização que sofreu a imaginação, a ‘phantasia’, no pensamento do Ocidente e da Antiguidade clássica. De qualquer modo, ’imagem’, ‘signo’, ‘alegoria’, ‘símbolo’, ‘emblema’, ‘parábola’, ‘mito’, ‘figura’, ‘ícone’, ‘ídolo’ etc. ,são utilizados indiferentemente pela maioria dos escritores.” (Durand, 1988, p. 11). Ele organiza duas formas possíveis de representar o mundo: uma direta e outra indireta. A direta seria a visualização direta do objeto através dos órgãos dos sentidos. A
indireta seria a memória ou imaginação de uma situação, na qual o objeto assume ausente, e é representado na consciência por meio de uma imagem. Durand diferencia três “alegoria” e “símbolo”.
palavras
“signo”,
Signo seria o simples sinal, uma marca, algoritmo, palavra que representa um objeto ou um dado movimento. Seria o meio mais rápido da economia das operações mentais, para passar uma dada mensagem simples. Podendo esse signo ser qualquer um, escolhido arbitrariamente, por ter uma relação direta significado e significante. Representação direta. Realidades significantes facilmente apresentáveis. Já a alegoria, seria o conjunto de signos que são de uma forma necessariamente dispostos para passar mensagem mais complexas e abstratas, como virtudes ou sentimentos. Realidades significantes dificilmente apresentáveis. O símbolo não se referiria a um objeto direto ou a um objeto sensível, e sim a relação de um conjunto destes, que desenha uma significação própria e única;seria um mito contado, uma moral, etc. “[...] a imagem simbólica é transfiguração de uma representação concreta através de um sentido
para sempre abstrato. O símbolo é, portanto, uma representação que faz aparecer um sentido secreto, ele é a epifania de um mistério.” (Durand, 1988, p. 15). Diametralmente oposto ao signo, que pode ser representado por convenção em todas as situações pelo mesmo signo, ou seja, significado e significante em uma estreita relação linear. Já o símbolo teria sua singularidade própria, e sua construção mitológica seria necessariamente uma complexidade de signos e alegorias, nas quais são as relações destes que vão levar o significante, a um significado idiossincrático. As questões simbólicas, a partir dos textos de Ernst Cassirer: “Os primeiros passos na direção da vida intelectual e cultural do homem podem ser descritos como atos que implicam uma espécie de ajuste mental ao ambiente imediato. À medida que a cultura humana progride porém, logo encontramos uma visão introvertida da vida que acompanha e complementa essa visão extrovertida. Quanto mais esse desenvolvimento se afasta dessas origens, mais essa visão introvertida vem ao primeiro plano.” (Cassirer, 2001b, p. 12). Cassirer diz que, a gradual perda de contato com os símbolos mais naturais, para cada vez estar mais em contato com símbolos mais
artificiais, criados por ele mesmo, a fim de poder compreender o universo ao seu redor, “mais essa visão introvertida vem ao primeiro plano”. Cassirer faz referência a um biólogo chamado Uexküll, um biólogo um tanto quanto romântico, adotando posturas como: “a vida é perfeita em toda parte” ou ainda: “cada organismo, mesmo o mais simples, não está apenas, em um sentido vago, adaptado, como também inteiramente ajustado ao meio ambiente” (Cassirer, 2001b, p. 46). Tal biólogo, coloca que cada espécie viva, possui um mesmo sistema de interação com o ambiente externo, na qual consiste em um sistema receptor (recebe estímulos externos) e um efetuador (reação dos estímulos); e que sem a cooperação e equilíbrio destes, o organismo humano não poderia sobreviver. É neste ponto que entra Cassirer, colocando uma diferença inconfundível entre as respostas orgânicas e as respostas humanas; enquanto a primeiro trabalha em um sistema de resposta direta e imediata das interações exteriores, a do homem a resposta é indireta. Ou seja, entre o sistema receptor e o efetuador existe um terceiro elo, que se pode descrever como sistema simbólico. O homem, não mais, consegue se relacionar imediatamente com a realidade, existe agora uma rede de sistemas que interpretam o meio exterior, tornando de certa forma seu sistema efetuador um meio artificial. Cassirer chega a
sugerir o homem como um “animal symbolicum” (Cassirer, 2001b, p. 50). Cassirer coloca seu ponto de vista, não só quanto a mediação e distorção que o signo pode causar durante o processo de passagem entre os estímulos externos para o seu significado, mas também da própria interferência que o significado pode sofrer, dada a interpretação de cada indivíduo, por possuir conceitos a priori formulados. Além de Cassirer, Vilém Flusser elaborou sua própria teoria a respeito dos símbolos, que em algumas partes se assemelha com Cassirer. Quando Flusser (2007) se refere a definição de símbolos, ele é bem direto: dizendo que a comunicação humana é um processo artificial, e este caráter artificial da comunicação humana (homens se comunicam com outros homens por meio de artifícios) nem sempre é consciente. Por exemplo, após aprender a lidar com códigos, esquece seu caráter artificial, enganando-se com seu caráter de realidade. Os códigos se tornam uma espécie de segunda natureza, nos fazendo esquecer o mundo da “primeira natureza”, em suas próprias palavras “o objetivo do mundo codificado que nos circunda: que esqueçamos que ele consiste num tecido artificial [...]”. (2007, p. 90).
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Símbolo [conceito]
“um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é possibilitar a comunicação entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que substituem outros fenômenos, a comunicação é portanto uma substituição: ela substitui a vivência daquilo a que se refere. [...] Ele precisa “mediar”, precisa dar um sentido ao “mundo”. (Flusser, 2007, p. 130). Quando Cassirer compara a relação simbólica que o homem possui e o animal não, Flusser faz isso de forma semelhante, só que justificando que o homem, diferentemente do animal que não acumula conhecimento cultural, conseguiu acumular informações geração após geração, e foi uma espécie de “truque” que possibilitou esta lente simbólica perante o mundo “[...] o homem: ele é um animal que encontrou truques para acumular informações adquiridas.” (2007, p. 115). “[...] quando o homem se assumiu como sujeito do mundo, quando recuou para poder pensar sobre ele, isto é, quando se tornou homem, assim o fez graças a sua curiosa capacidade de imaginar esse mundo. Assim criou um mundo de imagens que fizessem a mediação entre ele e o mundo dos fatos, com os quais estava perdendo contato à medida que retrocedia para observá-los.” (2007, p. 120). De acordo com Cassirer (2006), qualquer tentativa de interpretação direta de uma
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mitologia é errônea, já que mitologia está intrínseca à linguagem e à cultura. Para Max Müller (“A origem e desenvolvimento da religião”, 1878), o mundo mítico é essencialmente um mundo de ilusões, e, para compreender a real origem desta teia significante da mitologia, precisa-se caçar o engano natural que a linguagem esta pregando com mente.
enxergada. A mitologia é desenhada pela densa malha de símbolos intrínsecos a linguagem; linguagem esta que auxilia o indivíduo a filtrar, segmentar e hierarquizar informações recebidas pelos seus órgãos do sentido; o que significa o poder que a linguagem tem de definir formas dos pensamento específico para cada cultura (Cassirer, 2006).
Max Müller definia mitologia como um autoengano, porque a forma de transmissão de significados acontece sempre indiretamente, recorrendo a um signo que representará um significado abstrato. Todo signo carrega consigo o estigma da mediação, ele é sempre o intermediador do interlocutor e o significado, e que funciona de maneira reducionista, porque de certa forma o signo acaba encobrindo o real significado, enformando-o e distorcendo-o. Por isso é que a linguagem exerce sua função de signo, se esforça para expressar o acontecer subjetivo e o objetivo, o mundo externo e interno; mas por mais irônico que seja, o que retêm [o significado] não são nem a vida ou o indivíduo e sim, apenas uma abreviatura morta (signo – intermediador).(Cassirer, 2006)
Para Levi-Strauss, a relação significado e significante ou ainda, significado e signo possuem características opostas; enquanto um significado pode ter uma abrangência ilimitada, o signo está limitado a ele mesmo. Análogo a isso está a linguagem e o mito; onde a linguagem limitada, quando estruturada, inspirada por uma cosmologia, remete a diferentes resultados mitológicos idiossincráticos. (Strauss, 2007).
Hoje em dia a mitologia existe, assim como existia, por exemplo a Grécia clássica a sua própria mitologia, com a diferença que hoje a sociedade vive à sombra dela, logo não é
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Linguagem [origem]
Leroi-Gourhan (2002a) possui uma visão sobre o surgimento do pensamento simbólico, muito peculiar e de grande importância, porque ele o faz através de estudos paleontólogos, arqueológicos e etnológicos. Partindo de um estudo comparativo entre os mais diversos vertebrados e o homo sapiens, vemos a contrastante aptidão destes últimos com as articulações faciais (principalmente da língua) e das mãos. Demonstrando a formação, iniciada ao longo da evolução dos primeiros antropídeos e culminando nos sapiens, de dois conjuntos funcionais importantes (mão-utensílio e rostolinguagem), fazendo intervir na motricidade da mão para a transformação em instrumentos materiais, e do rosto para comunicação sonora (Fig. 1). O aparecimento do símbolo gráfico no final dos paleontropos pressupõe novas relações entre os dois pólos operacionais, relações essas exclusivamente humanas, iniciando o processo mediador do pensamento simbolizador. Nessa nova relação a visão ocupa um importante papel no conjunto cara-leitura e mão-grafia. Não existe nada comparável no mundo animal do que o aparecimento do homo sapiens e sua capacidade de traçado e leitura de símbolos. Um dos primeiros vestígios simbólicos deixado
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Fig. 01 Esquema com a zona motriz primaria do lóbulo frontal. Separada com precisão: 25% controla o funcionamento do corpo, 25% a mão, 25% os músculos faciais, 25% a língua
pelo homem são linhas ou pontos em uma série de traços marcados em pedras ou ossos (Leroi-Gourhan, 2002a). Pensava-se que era uma espécie de marcas para contabilizar animais caçados, ou algo do tipo. Porém, estudos etnológicos mostram outras deduções como ao estudar a “churinga” australiana, que é um instrumento que serve para concretizar recitações de encantamento (da qual faz suporte); neste ritual é seguida a ritmicidade gráfica gravada nela. Assim a “churinga” mobiliza as duas fontes de expressão: a verbal/ ritmada e a gráfica. “[...] mas creio, pelas interpretações possíveis, que se pode colocar a hipótese de um dispositivo rítmico com um caráter de encantamento ou declamatório.” (2002a, p. 189) (Fig. 2a). De acordo com Gourhan (2002a), o pensamento simbólico tem sua prova de aparecimento nas primeiras grafias encontradas nos últimos paleontropos, porém esta grafia nada se parece com uma representação inocente da realidade, e sim uma extrema abstração simbólica da mesma composição (Fig. 2b) Partindo do paleolítico, ou seja, das primeiras marcações gráficas, o que se encontra são linhas, das quais não apresentam nenhuma forma, apenas linhas que se repetem em diferentes ritmos. Só aproximadamente a partir do paleolítico superior (50 - 40 mil anos atrás) começam a aparecer as primeiras formas
b
a Fig. 02 (a) Churingas australianas. (b) Incisões em ossos paleolíticos
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Linguagem [origem]
figurativas, e mesmo assim só algumas linhas de maneiras estereotipadas de animais (Fig. 3). Com essas considerações permite sobressaltar que a arte figurativa está em sua origem, ligada a linguagem, é muito mais próxima a escrita do que a uma obra de arte. A arte pré-histórica gira em torno do tema mitológico, na qual imagens de animais se defrontam complementarmente como, por exemplo, o bisonte e o cavalo, simbolizando pares opostos e complementares, como o homem (representado pelo bisão) e o cavalo (representado pela mulher), mas tal organização simbólica poderia ser feita com o arranjamento de qualquer outra dupla de animais, e inclusive o homem e a mulher são representados por figurações abstratas de suas características sexuais (Fig. 4).
los femininos e de incisões rítmicas
Leroi-Gourhan justifica o grafismo ritmo, através dos dois pólos operatórios que constituem as duas linguagens humanas: a audição ligada aos sons e da visão ligada aos gestos, assim como também aos gestos traduzidos em símbolos materializados graficamente. Isso explicaria o fato dos mais antigos grafismos serem a expressão pura do grafismo ritmo (gestual). Assim, existiria uma ajuda mútua da linguagem fonética com a linguagem gráfica. Enquanto a primeira é necessariamente dita de maneira linear e consecutiva, em uma dimensão única,a
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Fig. 03 Bloco gravado, do Aurinhacense da Dordonha, na qual são patentes figurações de símbo-
Fig. 04 Cavalo e bisonte, no estilo II
do tempo; o grafismo pode ser lido em três dimensões (lembrando que a grafia pré-histórica se equipara à linguagem e não a uma obra de arte), a do espaço possibilitando diferentes formas de leitura, “[...] a expressão gráfica restitui à linguagem a dimensão do inexprimível, a possibilidade de multiplicar as dimensões dos símbolos visuais instantaneamente acessíveis.” (2002a, p. 19), possibilitando uma liberdade dimensional que a fala nunca terá, representando coerentemente a mitologia. “A mitologia e o grafismo multidimensional são normalmente coincidentes nas sociedades primitivas e, se eu ousasse utilizar o rigoroso conteúdo das palavras, seria tentado a equilibrar mitologia, que é uma construção pluridimencional repousando no verbal, por uma mitografia, que é o exato correspondente manual do verbal.” (2002a, p. 195). Leroi-Gourhan nomeia a linguagem gráfica deste período como mitografia. A relação entre a arte gráfica e a religião é uma relação mitológica, ou seja, no campo do inexprimível, por isso a adequação do homem ao cosmo ser inscrita por ele não através do raciocínio linear, mas da grafia abstrata. Flusser (2007) usufrui de uma relação interessante entre dois tipos de códigos comunicantes: “pensamento-em-linha” e “pensamento-emsuperfície”, definindo o primeiro como a
escrita, uma forma de comunicação linear, extremamente nítida e articulada através de argumentos lógicos e parciais (o problema é que não possibilita diferentes significados, pois já é dado). Já o segundo tipo faz essa mediação de maneira ambivalente, subjetiva, inconsciente e imaginética, passando um conteúdo mais rico. Se por exemplo, fossemos descrever por escrito uma obra de arte, levaríamos um tempo imenso e seria um ponto de vista narrado, ou seja, imposto pelo autor; já a leitura do quadro através do olhar, torna possível a leitura de livre escolha, o todo poderá ser lido primeiro que as partes ou o seu contrário, existe uma apreensão muito mais rápida (temporalmente) e pode trazer diferentes interpretações da mesma imagem. Ambos são instrumentos muito úteis para diferentes objetivos; a primeira para passar conceitos determinados, históricos e leis universais ou particulares; já o segundo poderá servir como um ótimo instrumento sensorial para familiarizar-se com uma determinada linguagem (seja ela qual for), sem ser necessário tirar conclusões ou interpretações lineares. Já no inicio do paleolítico superior, até o neolítico de forma gradual, o grafismo abstrato vai mostrando cada vez mais a fiel representação dos animais. Começam a aparecer as formas dos animais, suas linhas cada vez mais definidas, começa a desabrochar o realismo
representativo. Estilo I: De 30.000a.C. (Aurianhancense) ao 23.000a.C. (Gravettense), de maneira geral aparece em grande incidência marcas paralelas ou pontilhadas representando o masculino, e formas ovaladas e linhas de cúpulas representando o feminino; aparecem algumas cabeças ou partes de animais. Foram aflorando progressivamente a expressão do pensamento simbolizável, e nos milênios seguintes vão apresentando um lento surgimento do realismo. (Gourhan, 2002a). (Fig. 5) Estilo II: Ponto médio de 20.000 a.C. (Gravetense), aparece a famosa Vênus de Willendorf (Fig. 6), já começa a aparecer mais nítidas as figuras mitográficas (mulheres, bisontes, cavalos, etc). Traços simples e uniformes, desenhado apenas o contorno. Estilo III: Ponto médio de 15.000 a.C. (final do Salutrense e início do Madalense), aparece o domínio do movimento, perspectiva dos chifres e orelhas, maior detalhamento na textura e cores dos traços. A famosa caverna Lascaux ou a caverna Chauvet, se insere neste período. (Fig. 7) Estilo IV: 13 000 – 11.000a.C. até 10.000 – 8.000a.C. (final do Madalenense), maior
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Linguagem [origem]
Fig. 05 Gravura do Aurignacense I, Dordonha. Vê-se uma cabeça de cavalo, um símbolo femininoe incisões regulares
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Fig. 06 Vênus de Willendorf
Fig. 07 Cavalo ChinĂŞs, Lascaux
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Linguagem [origem]
detalhes e sombras, chega-se a um grande realismo, acompanhado por um processo de geometrização das formas. Já entrando no Neolítico, influenciando a mitologia das aldeias proto-agrícolas. (Gourhan, 2002a) (Fig. 8) O aparente acaso de sobreposições e intervalos entre estas figuras mitográficas sugestiona o complexo grau de simbolismo do período paleolítico e sua difícil interpretação. Agora, quando se coloca estas figuras distribuídas dentro do desenho da caverna, existe certa coerência quanto a topografia das paredes da caverna: em áreas de estrangulamento e em becos sem saídas existe uma predominância de símbolos masculinos (grandes herbívoros e carnívoros) e em área menos excêntrica símbolos femininos. Indicando assim, que os homens paleolíticos utilizavam, também, a topografia das paredes da caverna como meio de comunicação para dar suporte as suas imagens. (Fig. 9) É então a partir da sedentarizarão, da fixação do homem em um único local, que este deixa de ser itinerante para ser irradiante. Começam a aparecer as primeiras aldeias, têm-se um aumento populacional, logo um aumento da complexidade social. A descontinuidade do pensamento pré-lógico
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Fig. 08 Gravura de Bisontes, Cavalos e Touros, demarca o estilo IV
(mitográfico) começa com a fixação agrícola, a forma cada vez mais específica e indireta do indivíduo sobre o mundo material e natural, (causada pela ascensão de classes sociais e diferentes funções), dada a evolução técnica que caminha junto com a linguagem. E o grafismo gradativamente passa a ser apenas um meio de gravar foneticamente o encadeamento do discurso. E, sua eficácia técnica é proporcional a eliminação das imagens associadas, encontradas nos grafismos antigos. (Gourhan, 2002a) Tendendo por fim ao alfabeto, ou seja, o grafismo passa a ser apenas um registro da linguagem falada,“Esta unificação do processo expressivo implica a subordinação do grafismo à linguagem sonora, reduz o desperdício de símbolos que é ainda característico da escrita chinesa e corresponde ao mesmo processo seguido pelas técnicas no decurso da sua evolução” (Gourhan, 2002a, p.211). Entre a mitografia, desenvolvida no paleolítico e o nosso alfabeto de hoje, Leroi-Gourhan, nomeia como etapa transitória desse processo de perda dimensional do grafismo que se inicia com a sedentarizarão, o ideograma (Fig. 10). Este seria um Pré-alfabeto, quando ainda os símbolos gráficos, apesar de já serem postos de formas contínuas, expressam informações além do verbal, por terem suas letras do alfabeto pictográficas ou ideográficas, ou seja,
b
b
b
a
a
b Fig. 09 Esquema da distribuição de animais que simbolizam os masculino (a) e o feminino (b)
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Linguagem [origem]
Fig. 10 (c) Manuscrito Maia
Fig. 10 (a) Hieróglifos egípcios IV Dinastia
Fig. 10 (b) Hieróglifos egípcios XXI Dinastia
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Fig. 10 (d) Manuscrito representando o início da migração dos Astecas
retomando ao imaginário o mundo das imagens. Lembrando que a Mitologia é uma forma de pensamento que pode existir mesmo com o alfabeto atual, mitologia é uma forma de pensamento. Enquanto que, mitografia é o reflexo da mitologia desenvolvida através de um grafismo espacial. Para Carl Jung, em uma correspondência com Freud, define de uma forma muito sintética sobre a forma de pensamento mitológica, a que ele a chama de “pensamento análogo” e o compara com o pensamento lógico: “Expliquei que o pensamento lógico é aquele que se expressa em palavras dirigidas ao mundo exterior na forma de discurso. O pensamento ‘analógico’ é percebido ainda que irreal, é imaginado mesmo que silencioso; não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado, um monólogo interior. O pensamento lógico é um ‘pensar em palavras’. O pensamento analógico é arcaico, inexplícito e praticamente inexprimível em palavras.” (Nesbitt, 2008, p. 379). Por fim Gourhan coloca sua argumentação, na qual liga a evolução da linguagem simbólica do paleolítico até os dias atuais. “[...] sedentarizarão agrária desencadeia-se o funcionamento de um dispositivo social hierarquizado e especializado, as técnicas como a linguagem adquirem impulsos sincrônicos. [...] Enquanto o
sistema econômico se desenvolve no sentido de um capitalismo de cereais e da metalurgia, desenvolvese conjuntamente nas ciências e nas escritas. Ao mesmo tempo que no aglomerado das cidades as técnicas marcam o ponto de partida para o mundo atual [...] o pensamento racional sobrepõe-se ao pensamento mítico, lineariza os símbolos e obrigaos progressivamente a seguir o encadeamento da linguagem verbal até o ponto em que a fonetização gráfica atinge o alfabeto.” (2002a, p. 214). Por fim, Gourhan coloca seu posicionamento ideológico quanto a este encadeamento de acontecimentos históricos descritos até agora. “[...] a imaginação é a propriedade da inteligência, e uma sociedade propriedade de forjar símbolos perderia a sua propriedade (2002a, p. 212).
fundamental em que a enfraquece, de agir.”
Leroi-Gourhan (2002b) continua seu argumento da transição final do pré-científico para o científico. Uma vez alcançado a fixação agrícola e a forma irradiante de simbolizar o espaço, a partir deste ponto as bases cosmogônicas são de forma geral semelhantes, permitindo apenas variações no campo da ideologia da justificativa das formas “uma vez concretizado o plano das cidades antigas, não há qualquer razão para que, desde a Antiguidade até aos tempos atuais,
passando pela Idade Média, as grandes linhas da inscrição material da cidade sobre o solo se venham a modificar. A cidade deve conservar seu caráter cosmogônico ao longo de toda a sua história, mas a evolução ideológica e as circunstâncias históricas podem alterar profundamente o modo como é vista enquanto imagem do mundo.” (2002b, p. 146). Panofsky (2001) diz que na escolástica medieval, não havia distinção entre ciência natural e o que ele chama de humanidades (cultura, artes, tradição); e no período renascentista essa tendência foi definhando, culminando na distinção de ambos. Assim, definindo uma distinção entre o mundo da explicação (ciência) com o mundo dos significados em dois mundos diferentes. Descolando a mitologia de suas causas, essa característica que distingue o mundo moderno do pré-moderno, características estas que acabam inclusive afetando o meio urbano, as cidades. Leroi-Gourhan explica essa passagem do mundo mitológico para o científico, de forma gradual, contando historicamente sua passagem. No período Clássico, as cidades que tiveram direta influência grega ou romana foram fortemente influenciadas por concepções arquitetônicas e ideológicas arcaica, rica em símbolos que explicam o mundo, a natureza. E até os dias de hoje existem procissões que são
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Linguagem [origem] 26
simbolizadas por astros, sacrifícios simbólicos que simbolizam ciclos agrícolas, mas tal ocorre forçando um sistema intelectual em que o realismo funcional assumiu posição de fator explicativo. Ou seja, no período clássico, quando finalmente a escrita encontrou a fonética, onde apesar da impregnação religiosa daquela época, o desenvolvimento racional das ciências é que começam a fornecer uma explicação lateral do dispositivo universal. E é através deste gradual processo de desvinculação entre a explicação do mundo natural e do mundo metafísico, que mais para frente com o fim da Idade Média e o inicio do Renascimento, um novo modo de explicação surge: a científica. Que apesar de não eliminar os estágios anteriores, os obriga a refugiarem-se na indefinição. Por exemplo, a astronomia e astrologia, as quais, antigamente eram a mesma ciência, uma suporte da outra, hoje em dia possuem um caráter bem diferentes. O fato de os sistema de explicação do mundo pertencerem tanto a religião quanto a ciência não é por acaso, porque ambos, desde a Antiguidades surgem como concorrentes. Pois ambas são o mundo da explicação dos fenômenos e objetos através de símbolos, só que um metafísico e o outro físico. Para o homem primitivo estes sempre se confundiam; porém com o início da fixação agrícola, estes começaram gradualmente a se separar, estando finalmente fragmentados na ciência moderna;
“[...] desde a Antiguidade, estas últimas [ciência e religião] nos surgem como concorrentes. Isto se sucede por ambas exprimirem, em dois planos diferentes, a mesma atitude fundamental de equilíbrio dinâmico entre a segurança e a liberdade.” (2002b, p. 148). Gourhan finaliza com o seguinte argumento, todo o processo de criação simbólica humana do cosmos, tem como sua finalidade trazer ordem e segurança para o homem. Segurança essa não física, mas em algum nível mais profundo existencial. Levi-Strauss, no livro “O pensamento selvagem”, faz uma distinção entre duas linhas científicas: a da ciência contemporânea e o da revolução neolítica. O homem neolítico ou proto-histórico, herdeiro de uma longa tradição científica; esta tradição se dá ao modo que foram se lapidando técnicas cada vez mais elaboradas; como por exemplo, de cultivos de plantas e raízes dos mais diversos tipos, em solos dos mais variados tipos, a distinção de alimentos naturais tóxicos dos não-tóxicos, o constante aperfeiçoamento de ferramentas para os mais diversos usos. Isto demonstra uma atitude de um espírito verdadeiramente científico, uma curiosidade assídua, uma vontade de conhecer pelo prazer de conhecer, existindo uma proximidade científica, pois eram necessárias observações, experiências e resultados; para assim poder obter tal evolução técnica. Porém, como explicar
os milênios de estagnação que intercalam a revolução neolítica e a ciência contemporânea? Levi-Strauss diz a esse respeito “O paradoxo admite apenas uma solução: é que existem dois modos diferentes de pensamento científico. O conhecimento científico - um aproximadamente ajustado ao da percepção e ao da imaginação, e o outro deslocado; como se as relações necessárias, objeto de toda ciência, neolítica ou moderna, pudessem ser atingidas por dois caminhos diferentes: um muito próximo da intuição e outro mais distanciado.” (Strauss, 2007, p. 30).
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Espaço Simbólico
Uma confusão muito comum, acontece com o termo “homem-das-cavernas”, tal equívoco se dá por falarem que o homem paleolítico só vivia nas cavernas (Gourhan, 2002b). Já está provada a existência de muitos grupos paleolíticos que coexistiam em ambientes que não possuíam este acidente geológico (caverna) para se abrigar. Outro motivo que levou a esta conclusão é a grande quantidade de vestígios encontrado nas cavernas em detrimento ao ar livre; ora, é obvio, já visto o alto grau de conservação dos vestígios arqueológicos dentro desta, agravado pelo fato da grande dificuldade de achar vestígios ao ar livre. Conclusão o homem Paleolítico, sim, construía seus próprios abrigos. Anteriormente, foi discutido sobre a preponderante participação do pensamento simbólico no desenvolvimento das primeiras manifestações gráficas humanas, e como esse universo simbólico que é intrínseco à linguagem, dá significado ao homem, como na seguinte passagem de Gourhan “A flecha só existe no âmbito do tiro ao arco ou em todas as imagens de movimento que sugere [...]”(2002b, p.121); agora utilizando o homem como objeto de exemplo “O homem só é homem na medida em que está entre outros homens e revestido de símbolos representativos da sua razão de ser.” (2002b, p.121). Agora será discutido mais precisamente, sobre a relação desse homem rico de significados e o seu
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entorno, ou seja, sua relação com o espaço propriamente dito. “[...] o desenvolvimento no dispositivo cerebral de formas próximas do homo sapiens, coincide com o desenvolvimento do simbolismo abstrato, e vem assim a intensa diferenciação das unidades étnicas.” (2002b, p.124). Foi a partir do Paleolítico Superior que começam a aparecer os primeiros documentos que mostram o aparecimento dos símbolos, e a domesticação do tempo e do espaço, ou seja, o homem não está mais refém do tempo imposto (apesar de sempre ter que lidar com ele) pela natureza, pelo mundo externo a ele. Mas os símbolos e a linguagem permitem ao homem lidar indiretamente com o mundo externo e possuir um espaço-tempo controláveis. Esta domesticação simbólica traduz-se na passagem das ritmicidades naturais, como: estações do ano, dias, distâncias a serem percorridas, colheitas, movimento dos astros, ciclo de chuvas, migração de animais. Todos esses elementos que possuem uma periodicidade caótica do mundo natural são vistos sob uma nova óptica ilustrada por símbolos, possibilitando o surgimento e desenvolvimento da socialização humana. O momento em que aparece a domesticação
espacial começa da forma mais simples possível; é quando o habitat é abstraído do caos exterior, segregado do mundo selvagem e se forma uma ilha humanizada. Os primeiros vestígios encontrados mostram que as formas são as mais simples e orgânicas possíveis, e esta forma é a do círculo. “Onde quer que se descubram códigos, podese deduzir algo sobre a humanidade. Os círculos construídos com pedras e ossos de ursos, que rodeavam os esqueletos de antropóides africanos mortos há dois milhões de anos, permitem que consideremos esses antropóides como homens. Pois esses círculos são códigos, os ossos e as pedras são símbolos [...]” (Flusser, 2007, p. 130). A data colocada por Flusser é duvidosa, no entanto sua citação será mantida integral, devido ao seu caráter elucidativo. Quanto à definição dos primeiros códigos humanos identificáveis, Flusser se refere à relação simbólica que o homem tinha com o mundo ao seu redor, utilizando pedras e ossos remanejados em um formato circular como signo. Gourhan cita três exemplos de habitats humanos (Gourhan, 2002b) da primeira fase do Paleolítico superior, um deles ao ar livre e os outros dois em cavernas. Eram constituídos por um local circular com oito metros de diâmetro que
deveria representar a área de uma tenda ou cabana; e de uma forma geral, os três exemplos são carcaças e ossadas postas de maneira circular com utensílios e restos de fogueiras no centro. (Fig 11) Habitats mais recentes datados de 30.000 a.C., localizados na Rússia e Ucrânia, trata- se de zonas de implantação de tendas construídas na entrada das cavernas (Fig. 12). Cada uma destas cabanas constitui um circulo de três a quatro metros de diâmetro, com uma área central batida de argila e limpa de pedras, rodeado por uma coroa de pedras laminares. Fora da zona de implantação encontram-se fossas de ossadas e montículos de lixos. Existiam fogueiras à esquerda e à direita de cada habitação, e cada uma desta estava cercada por objetos diferentes; junto a uma delas (predominando os da esquerda), tratavam-se de objetos femininos: estatuetas femininas, objetos de costura, raspadores para trabalhar os couros. Já junto da outra, objetos masculinos: estatuetas de pássaros, pontas de azagaias, facas e grandes punções. E, no centro da implantação, um fogo coletivo. Os Bosquímanos, esquimós que possuem uma organização sócio-funcional muito semelhante a esta, com o fogo coletivo para os homens, e
Fig. 11 Cabana localizada na Russia (Molodovo), datada anterior a 40 mil anos atrás, s/ escala
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fogos individuais para cada mulher. A existência de um eixo que separa atividades masculinas das femininas mostram uma economia primitiva já dotada de uma grande valorização na separação de atividades masculinas e femininas. Mais a frente serão explicados mais profundamente dois acampamentos paleolíticos: Terra Amata e Dolni Vestonice. Para Gourhan (2002b), o habitat destes homens contemplavam as seguintes necessidades: “[...] o habitat corresponde a uma tripla necessidade: a de criar um meio tecnicamente eficaz, a de assegurar um enquadramento social, e a de ordenar, a partir de um ponto, o universo circundante.” (2002b, p.131). Interessante que esta colocação do Gourhan diferencia três aspectos para apropriação espacial do homem: a funcional/pragmática, a relação social entre os envolvidos, e sua relação simbólica com o cosmos. A mitologia dos nômades se comporta de acordo com seus trajetos, humanizados por trajetória de astros ou de heróis organizadores, dos quais são oriundos inúmeros mitos: o universo é originalmente caótico e povoado por entidades monstruosas, aí então é que um herói mítico combate os monstros, assim ordenando
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Fig. 12 Cabana construída no pórtico da entrada da gruta Renne, 35 mil anos atrás, s/ escala
às montanhas, aos rios, lagos, nomear o seres; enfim, transforma o universo em uma imagem simbolicamente ordenada. Interessante contrastar duas formas distintas de atuação, a paleolítica itinerante com a neolítica irradiante, Gourhan faz a seguinte analogia entre ambas “[...] itinerante especialmente característico dos animais terrestres, enquanto o modo irradiante é sobretudo apanágio [característica] dos pássaros. Pode também considerar-se que o primeiro se relaciona à predominância das percepções musculares e olfativas, ao passo que o segundo está principalmente ligado às espécies de visão desenvolvida.” (2002b, p.134). O nômade apercebe-se da superfície do seu território linearmente e ritmamente através de seus trajetos. Já o “sedentário” agricultor constrói o mundo a partir de círculos concêntricos em torno de sua casa, de seu celeiro, de sua plantação. O Neolítico possibilitou a sedentarizarão do homem, a fixação do mesmo em um determinado local; assim o homem abandonou sua característica itinerante e foi virar um ser social-urbano.
Fig. 13 Frescos neolíticos de Çatal Hüyük, Anatolia. (VII milênio)
As cosmogonias trazidas pelo Gênesis e por outras religiões monoteístas, assim como os
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grandes impérios da America ou China, são baseados na forma irradiante de apropriação dos símbolos.
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Inúmeras figuras de arte rupestre da Europa, da África e da Ásia, no período Neolítico 10.000 a 6.000 a.C. representavam verdadeiras figurações cênicas de dança, caça, cultura ou criação de animais, inclusive de algumas habitações, evidente reflexo da cultura neolítica. Anatólia, uma aldeia datada de 6.000 a.C., onde as paredes decoradas com afrescos e representações de extensas figurações cênicas, com uma série de personagens armados com arco. (Fig. 13). O fato de que a fixação em aldeias e cidades, seus valores simbólicos são domesticados (espaçotempo), possibilitando um desenvolvimento irradiante tecno-econômica, escrita, arquitetura monumental, hierarquia social acentuada, tornando um grupo étnico totalmente humanizado, “[...] após a fixação agrícola, este processo socioeconômico reproduz-se centenas de vezes” (2002b, p.139), as mesmas cosmogonias encontradas nas primeiras formas de mitologia irradiantes, permanecem enraizadas em sua cultura, refletindo urbanamente certas semelhanças na “mitologia-urbana”.
Esta concepção de fixação da cidade corresponde a áreas bem delimitadas entre externo e interno (humanizado e selvagem), áreas sagradas na centralidade e no centro existindo um cruzamento dos pontos cardeais, com significados para cada ponto cardeal, e assim flui a ordenação do universo simbólico, refletido no cosmos (Fig. 14).
espaço, mas dinâmica ao seu redor, usufrui (homem simbólico) desta riqueza dinâmica para dar significados, como o do exemplo, entre o Leste e Oeste, atribuindo valores que podem ser lidos das mais diferentes formas. Então o ponto fixo, proporciona e destaca o girar do céu e seus astros, que rebate no espaço inerte, os pontos cardeais.
Como organização social fixa, a cidade está mergulhada em um mar de oscilações da natureza ao seu redor, ou seja, uma série de ritmos externos que acontecem de um determinado ponto fixo (cidade) que fornece todo instrumental para a criação de símbolos, e a domesticação do espaço-tempo. Esses ritmos condicionam o comportamento coletivo, por exemplo, o movimento do céu, fornecendo a encruzilhada dos pontos cardeais, cada um com seus significados próprios “[...] o sol nasce no seu Oriente e se põe no seu Ocidente à igual distância, pelo que os seus habitantes são levados a pensar que existem, para lá da sua auréola, centros menos favorecidos, muito perto do Ocidente e do país da sombra ou próximo do ponto de origem do sol nascente. O seu Oriente e seu Ocidente são o Oriente e o Ocidente por excelência, visto assinalarem a entrada e a saída do astro num microcosmo totalmente humanizado e simbólico.” (2002b, p.141). A cidade, agora ponto fixo, inerte no
Jerusalém, circular e de plano crucial, situase no centro do mundo circular, cortada pelas suas quatro ruas cardeais. A Jerusalém dos cartógrafos medievais possui em seu centro o monte do Calvário (Fig. 15). Com efeito, uma das características mais constantes do microcosmo urbano consiste em assegurar, além das ligações cardeais, a ligação do centro com o céu. Gourhan cita um exemplo de significado dados aos pontos cardeais, e explica qual conseqüência isso trás ao ser humano “Com efeito, o movimento do universo não é apenas de rotação, mas também de alternância e de oposição dos contrários: frio no Norte – calor no Sul, juventude no Leste – velhice no Oeste, etc. de modo que as diversas partes do universo (e da cidade) tanto correspondem a qualidades como a situações. A partir deste momento, o homem passa a ter nas mãos a chave do universo, e, sob formas diversas mas convergentes, surgem extraordinários corpos de conhecimento, inteiramente baseados no corpos de identidades e
Fig. 14 Relação simbólica entre os 4 pontos cardeais partindo de uma centralidade
Fig. 15 Visão simbólica da cidade de Jerusalém
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dos contrários [...]”(2002b, p.143). Essa cosmologia trabalha o tempo todo com a analogia sinestésica e intelectual de elementos ou situações completamente diferentes, como por exemplo, a China antiga: para os quatro pontos cardeais mais o centro correspondiam sempre a cinco elementos, cada um correspondendo a valores contrários entre si e análogos entre os elementos diferentes de um mesmo ponto cardeal, por exemplo “cinco céus, cinco espécie de animais, de notas musicais, de cheiros, de números, de locais de sacrifício, de órgãos do corpo, de cores, de sabores, de divindades” (2002b, p.143). Se pegarmos o Sul, corresponderia as seguintes características: Sul, verão, pássaros, lareira, os pulmões, o vermelho, o amargo, possuem propriedades comuns entre si (análogas). “É tanto mais fácil explorar o lado maravilhoso do pensamento cosmogônico quanto é certo que ele corresponde a uma estrutura de fatos perfeitamente controláveis, seguindo vias espontaneamente abertas ao raciocínio humano [...]” (2002b, p.145). Mais exemplo dado por Gourhan: “Na cidade mesopotâmica ou na aldeia Dogon, o templo e o armazém, para além da proximidade, estão ainda ligados entre si por uma estreita teia
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ideológica. Se o tecido simbólico que recobre a realidade funcional das instituições humanas apresenta, de uma civilização para a outra, tão extraordinária coincidências; tal sucede, precisamente, por se moldar em resíduos profundos.” (2002b, p. 146). Mircea Eliade complementa com dois exemplos, em como o microcosmo (nas suas diferentes escalas de microcosmos), se reflete no macrocosmo: “O simbolismo cósmico da aldeia é retomado na estrutura do santuário ou da casa cultural. Em Waropen, na Nova Guiné, a casa dos homens encontra-se no meio da aldeia: o telhado representa a abóboda celeste, as quatro paredes correspondem às quatro direções do Espaço. Em Ceram, a pedra sagrada da aldeia simboliza o Céu e as quatro colunas de pedra que a sustentam o Céu. [...] Encontram-se concepções análogas entre as tribos Algonkinas e Sioux. A cabana sagrada deles, onde as iniciações se efetuam representa o Universo. O seu telhado simboliza a cúpula celeste, o sobrado representa a Terra, as quatro paredes as quatro direções do espaço cósmico. A construção ritual do espaço é sublinhada por um triplo simbolismo: as quatro portas, as quatro janelas e as quatro cores significam os quatro pontos cardeais. A construção da cabana sagrada repete a cosmogonia, porque esta casinha representa o mundo.” (2010, p. 59).
Eliade, enfatiza o quão importante é o símbolo do microcosmo para os Achilpa, a ponto do caso que haja a perda acidental de tal signo, podem gerar conseqüências drásticas: “Do tronco de uma árvore da goma, Numbakula afeiçoou o poste sagrado (kauwa-auwa) e, depois de o ter ungido com sangue, trepou por ele e desapareceu no céu. Este poste representa um eixo cósmico, porque foi à volta dele que o território se tornou habitável, portanto se transformou num <mundo>. Por esta razão, o papel ritual do poste sagrado é considerável: durante as suas peregrinações os Achilpa, embora se desloquem continuamente, estejam sempre no <seu mundo> e, ao mesmo tempo, em comunicação com o céu, onde Numbakula desapareceu. Se o poste se quebra, é a catástrofe; é de certa maneira o <fim do mundo>, a regressão ao Caos. Contam Spencer e Gillen que, tendo-se quebrado uma vez o poste sagrado, toda a tribo foi tomada de angústia; os seus membros vagabundearam durante algum tempo e finalmente sentaram-se no chão e deixaram-se morrer.” (2010, p. 46-47). Seguindo a linha de exemplo acima, Rykwert, cita uma situação na qual o microcosmo arquitetônico modificado de uma dada aldeia, modifica toda uma cultura, a ponto de desaparecer tal cultura.
“isso aniquilou totalmente o Complexo sistema social dos Bororós, tão intimamente vinculado ao traçado da aldeia, que não foi capaz de sobreviver ao ser transplantado para um ambiente diferente (...) sentiram-se completamente desorientados no mundo, tão logo se desvincularam da cosmologia tradicional demonstrada no plano de suas aldeias, por conseguinte, estavam dispostos a aceitar avidamente qualquer outra explicação plausível que lhes fosse oferecida, para ordenar o universo confuso no qual agora se encontravam.” (2006, pg. 206).
“O vestíbulo, que pertence ao dono da casa, representa a parte masculina do casal, cujo órgão sexual é a porta exterior. O grande aposento central é domínio e símbolo da mulher; as despensas situadas de cada lado são seus braços e a porta de comunicação, seu órgão sexual. O aposento central e as despensas em conjunto representam uma mulher deitada de costas com os braços abertos; a porta aberta é a mulher pronta para a relação sexual.” (2010, p. 215).
Eliade (2010) enfatiza em seu livro como algumas culturas colocam como macrocosmo o próprio ser humano, utilizando o forte simbolismo das partes do corpo humano para a concepção espacial, a seguir exemplos da cultura Dogon: “A aldeia”, disse Ogotemêli, o venerável informante de Marcel Griaule, “deve estender-se de norte a sul, à semelhança do corpo de um homem deitado de costas. A aldeia chamada Ogol Baixo possui uma forma quase perfeita. A cabeça é a casa do conselho, construída sobre o quadrado principal, que é símbolo do campo primevo”. (2010, p. 213). Continuando com a construção do microcosmo do corpo humano rebatido em uma habitação Dogon:
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Fig. 5 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002a; pag. 190> Fig. 6 Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/ venus_de_Willendorf> Fig. 7 Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/ Lascaux> Fig. 8 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 198> Fig. 9 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 205> Fig. 10 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002a; pag. 200 e 202> Fig. 11 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 123>
Referencias Bibliográficas específicas: Fig. 1 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002a; pag. 87> Fig. 2 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002a; pag. 188>
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Fig. 3 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 189>
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Fig. 4 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 193>
Fig. 12 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 124> Fig. 13 Disponível em <Leroi-Gourhan, 2002b; pag. 138>
Fig. 14 Disponível em <Norberg-Schulz, 1971; pag. 61> Fig. 15 Disponível em <http://www.flickr.com/photos/quadralectics/4353531476/in/photostream>
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Plano ideal de Jerusalém segundo um manuscrito irlandês do séc. XIII
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Prelúdio: do acampamento à aldeia
Terra Amata
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Terra Amata é um sítio arqueológico, datado de 400 mil anos atrás (final do Paleolítico inferior). Localizada próxima ao litoral sul da França. Encontra-se a 26 metros acima do nível do mar, local onde foram encontradas cabanas de homens paleolíticos. Provavelmente funcionavam como acampamento sazonal junto à costa marítima, já que, devido a glaciação o oceano era algumas dezenas de metros mais alto do que o nível atual.
Fig. Fig 01 Pl Planta P anta de Terra Amata Amata, s/ escala
O homem que ali habitava não era homo sapiens e sim um ancestral dele, o homo erectos. Vestígios apontam para uma dieta a base de frutos do mar, principalmente animais invertebrados, e também de filhotes dos grandes mamíferos que habitavam aquela região, por exemplo, o elefante. Estarem instalados ao longo da praia trazia uma maior segurança de predadores, e a coleta de frutos do mar (Fig. 1). Haviam muitas cabanas, datadas de períodos distintos. Era usada apenas uma cabana para acomodar o bando, á que suas dimensões eram significativas. As maiores chegavam a medir 14 metros por 6 metros, indicando que ali vivia um grupo de pessoas e não apenas um núcleo familiar; estima-se uma aglomeração entre 20
Fig. 02 Reconstituição da cabana
a 40 pessoas. Em um formato oval, a cabana era apoiado no centro por pilaretes. Indícios apontam inclusive para um quebra vento, provavelmente para manter o fogo acesso (Fig. 2). Além de construírem suas próprias cabanas, dominavam o fogo, e tinham em abundância ferramentas de pedra, que em resumo tinham duas funções: aquelas para caça; outras para o preparo dos alimentos. Foram encontrados junto aos vestígios a presença de ocre, pigmento vermelho, usados por culturas “primitivas” para pintura do corpo e outras superfícies. Seria esta a primeiríssima evidência do aparecimento do símbolo?
Dolni Vestonice (29 - 25 mil anos atrás) Dolni Vestonice é um acampamento paleolítico (de homo sapiens), que se passa durante a quarta grande era glacial (Würm). Localizada na República Tcheca, consiste em quatro cabanas, das quais três delas estão juntas e a outra cabana está isolada e mais distante das primeiras. Existem diversos vestígios de fogueiras entre
as três cabanas, que eram feitas de madeira, cobertas com pele de animais, sendo a maior delas com 3 metros por 5 metros (Fig. 3). De norte a sul havia uma grande parede feita de ossos de animais, fornecendo proteção do vento do oeste. Neste depósito de ossos foram encontrado pelo menos 100 filhotes de mamutes. Já a outra cabana, fora do acampamento, funcionaria como um local onde enterravam seus parentes, ela possuía uma forma circular perfeita (a única) e era semi-enterrada. Nos corpos ali encontrados foram achados pequenos ornamentos zoomórficos e outros objetos; fato que indica sua já elaborada mitologia a respeito da morte. Foi encontrada uma sepultura bem preservada, que era de uma mulher, onde em suas mãos haviam dentes de raposa, e na região da cabeça haviam ponta de flechas. Além disso, um pigmento vermelho localizava-se no peito. Dentre os diversos objetos antropomórficos e zoomórficos, o mais famoso deles é a Vênus de Dolni Vestonice (Fig. 4a). Evidências apontam a possibilidade de haver um líder entre eles, já que um dos túmulos estava mais incrementado de miscelâneas do que de outros. Este era um acampamento sazonal de inverno;
Fig. 03 Planta de Dolni Vestonice, s/ escala
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Prelúdio: do acampamento à aldeia 42
dada a migração dos mamutes para essa região no inverno, foco de atração de grupos humanos. Além disso, dois outros fatores atraíam os homens: não havia a presença de predadores (já que estes se deslocavam para regiões mais quentes); o gelo possibilitava guardar a carne do mamute, possuindo assim uma pequena capacidade de estoque de alimento. Estima-se que esse acampamento sazonal tinha entre 80 e 125 pessoas (Fig. 4b).
nestes diferentes locais.
Provavelmente durante o inverno, o local proporcionava a atração de diferentes grupos de humanos, pois na caça de mamutes é preciso uma quantidade considerável de homens. Enquanto que no verão, estes grupos se dividiam novamente em menor quantidade, provavelmente em grupos menores e migrando para regiões mais quentes ,em função também de uma maior eficiência em caçar animais menores; podendo haver por lá também, outras bases. Porém foram encontradas apenas bases de inverno, sendo as bases de verão provavelmente móveis ou menos robustas.
Tal relação entre a técnica e a natureza parece fundamental para a sobrevivência do homem. No entanto, o aparecimento do símbolo, em Terra Amata, e que em algumas centenas de milhares de anos, foi desenvolvendo, apresentou em Dolni Vestonice uma mitologia já bem mais elaborada, como o uso de símbolos: círculos para a cabana dos mortos; rituais de sepultamento; objetos simbólicos como a Vênus de Dolni Vestonice. O uso do símbolo foi transformando sua forma de enxergar o mundo, possibilitando o início da domesticação da natureza ao seu redor, através de sua cultura.
Existiam outros acampamentos não muito distante deste. Os acampamentos mais próximos ficavam a 80 quilômetros de distância, e não se sabe se eles interagiam entre si ou se existia alguma forma de troca. Provavelmente sim, dado a presença de objetos muito parecidos
O crescente uso dos símbolos culmina em uma nova perspectiva simbólica, um momento de importante transição para o homem, não mais vai precisar recorrer a artifícios simbólicoprotetores da implacável força da natureza. Em uma simples troca de pontos de vista, o homem
Estes dois exemplos, de Terra Amata e de Dolni Vestonice, separados por um longo período de tempo, indicam em ambos os casos, o quão adaptado o homem era ao meio ambiente a sua volta, e suas técnicas ajustadas ao máximo para explorar o potencial do meio-ambiente, visto a enorme quantidade de ferramentas de caça, e suas migrações sazonais.
Fig. 04 Vênus Dolni Vestonice
se fixa em um ponto, e a partir dele funda todos os símbolos para domar e controlar a natureza selvagem; partindo para os quatro cantos do mundo. Símbolos que são armas empunhadas pela imaginação, que irão deter e confrontar a esmagadora força da natureza, criando a coragem desse homem, enfim dominar o meio ambiente a seu redor. E então se inicia o período Neolítico.
Fig. 04 (b)Reconstituição de como seria o dia-dia de Dolni Vestonice
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Prelúdio: da aldeia à cidade
Da forma circular à ortogonal: Parece possível especular que a forma circular aplicada a habitação, esteja desde o início ligada uma forma simbólica. Seja por imitar formas da natureza, ou como uma ação natural do homem em adotar tal forma, sem nenhuma reflexão simbólica específica (visto seu predominante emprego). Enquanto o círculo parece um elemento de difícil explicação para seu emprego, a habitação retangular possui uma explicação um tanto sólida.
Durante o período El Kebariense (11º milênio a.C.), o assentamento Ein Gev, situado na Palestina apresentava casas circulares e semi enterradas. É de difícil justificativa o porque estas casas eram semi enterradas “Teria que buscar uma explicação mais psicológica do que técnica ?” (Margueron, 1991; pag. 275). No período seguinte, o Natufiense, houve um aumento no tamanho das casas, como nas aldeias Mallaha (Fig. 5a) e Mureybet (Período 1) Fig. 5b. Na figura é possível perceber a existência do que seriam algumas subdivisões dentro da
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Fig. 05 (b) Planta Mureybet, escala gráfica
A seguir será esclarecido este desenvolvimento. Então, aqui parece importante, ressaltar aquele primeiro momento em que o homem deixa de habitar o circulo, para o retângulo.
Fig. 05 (a) Planta Mallaha, escala gráfica
cabana circular de Muraybet, sugerindo um espaço para depósitos de alimento. Mas que em sua gênesis já insinua para a necessidade da ortogonalidade; facilitando a disposição interna dos ambientes. O rompimento da forma circular, até então predominante, foi em Cheiks Hassan (Fig. 6a) e logo em seguida Mureybet (período 2) (Fig. 6b) no início do oitavo milênio a.C. Esta emergente ortogonalidade vem junto com a compartimentalização do espaço interno. Técnica esta, já bastante amadurecida na aldeia de Buqras (Fig 7).
Fig. 07 Planta de Buqras, escala gráfica
Construção de muros retilíneos foi de grande descoberta, porque a arquitetura circular não possibilita a extensão em uma só dimensão; para isso seriam necessárias construções circulares aglutinadas umas ás outras, com passagens entre elas, (algo muito mais trabalhoso do que a arquitetura ortogonal pode fazer). A arquitetura ortogonal tem seu inicio na pureza da funcionalidade.
Fig. 06 (a) Planta de Cheiks Hassan, escala gráfica
Fig. 06 (b) Planta de Mureybet, escla gráfica
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Prelúdio: da aldeia à cidade
As primeiras aldeias (10000 – 7000 a.C.) Foi nas colinas da crescente fértil, que apareceram os primeiros indícios do processo de sedentarizarão do homem. Tratava-se de grupos de caçador-coletores que eram atraídos por um cereal silvestre que se proliferava na região, e que, beneficiados pela fase úmida do clima, oferecia a vantagem de poder ser armazenado. A possibilidade de estocar esses cereais foi determinante para a fixação do homem naquele local. Mallana na Palestina é o sitio mais bem conservado deste período (10000 – 8300 a.C.), apresentando casas circulares parcialmente enterradas. Suas escavações são insuficientes para afirmar se foi uma aldeia ou poucos casebres juntos. (Fig. 8)
Fig. 09 Planta de Nahal Oren, escala gráfica
Nahal Oren também situada na Palestina entre 8300 – 7600 a.C., consistia em uma aldeia com 17 casas de 15 m², mas não necessariamente todas existiram ao mesmo tempo. (Fig. 9) Neste período o “organismo” aldeia ainda estava inacabado, não eram comunidades agrícolas, eram grupos que viviam do estoque e coleta de cereais selvagens. Fig. 08 Planta de Mallana, escala gráfica
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As aldeias neolíticas (7000 – 4000 a.C.) Durante este período, a agricultura e o local onde guardavam-se os grãos (silos) tiveram um consistente desenvolvimento. Buqras localizada no Eufrates Médio (6600 6000 a.C.) um aldeamento fora da crescente fértil, que apresentou pela primeira vez, casas em formas ortogonais juntas umas as outras, servindo possivelmente como estoque de grãos. Tell es Sawwan (5600 – 5000 a.C.) foi uma das primeiras aldeias estudadas que apresentou algumas características de cidade, ou seja, um elemento urbano,( por mais rudimentar que seja), mas que tenha sido construído para fins coletivos daqueles que viviam na aldeia. Foi construído um muro seguido por um fosso, e para isto deve ter sido necessária a participação de boa parte de seus habitantes para construílo, envolvendo assim, liderança e interesses comuns. Era mais provável que o muro fosse para defender dos animais selvagens do que do próprio homem. (Fig. 10) É muito difícil definir e explicar quando é encontrada uma construção que se diferencia de outras por ser maior; se é algum tipo de elemento urbano coletivo, como um grande silo ou uma casa de reuniões; ou se é uma forma
Fig. 11 Planta deTepe Gawra (período IX), escala gráfica
Fig. 10 Planta de Tell es-Sawwan, escala gráfica
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Prelúdio: da aldeia à cidade
rudimentar de um palácio (demonstraria uma ascendente hierarquia social). Uma das primeiras aldeias que apresentou um palácio rudimentar foi em Tepe Gawra (50003700 a.C.) (Fig. 11), o primeiro deles. Pode ser comparado àqueles do império Mesopotâmico, mas que em sua gênesis mantêm seu significado, que é o de se destacar das casas comuns, exaltando seu maior valor (status) e daqueles que vivem nele. A última fase do Neolítico (final do quarto milênio), as aldeias já estão bem caracterizadas como cidades. A busca pela primeira cidade do mundo é uma busca perdida, já que esse processo aconteceu em um intervalo de tempo muito grande, carregando características aldeanas e citatinas concomitantemente. Talvez a cidade que mais se aproxime deste momento é a Tepe Gawra. Em seu início, que aconteceu durante os níveis XIX e XIII começam a aparecer os primeiros sintomas de diferenciação das casas (quinto milênio), e no XII nível vê-se claramente a hierarquia diferenciada através da arquitetura de suas casas. O nível XI houve uma radical transformação do ambiente urbano, com a construção de uma casa fortaleza no centro da cidade (Fig. 11). Uma
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transição
existiu entre a sociedade
Fig. 12 Planta de Habuba Kabira, escala gráfica
igualitária de produção econômica familiar para uma aglomeração social mais complexa, com arquitetura de casas desiguais entre si, com construções públicas para fins econômicos, defensivos ou religiosos, Este momento ocorreu no fim do quinto milênio e início do quarto milênio a.C., no Oriente Médio. (Margueron, 1991) Não foi na baixa Suméria que aconteceu o primeiro aparecimento de uma grande cidade, e sim na Síria no final do IV milênio. Hububa Kabira tinha uma longa muralha retangular, com torres situadas regularmente, ruas bem definidas, palácios e templos no centro (Fig. 12). Isso não significa que as aldeias estavam fadadas a sumir, muito pelo contrário, elas eram essenciais ao suporte econômico das grandes cidades. Não foi só o avanço tecnológico da agricultura e de seus silos que resultaram no aparecimento das cidades, como sempre se acreditou; mas o essencial nesse projeto de surgimento das cidades foi o comércio. Esse comércio ocorria via rio, por isso todas as grandes cidades eram extremamente ligadas a algum rio, porque era por ele o meio mais fácil de carregar mercadorias. (Margueron, 1991)
As cidades acabavam atraindo as pessoas, devido ao seu centro administrativo político e religioso que algumas vezes era o mesmo edifício, ou eram separados, porém sempre distintos dos casebres ao seu redor.
Referências Iconográficas:
“Foi na cidade, que está formulada em sua plenitude, o completo domínio do homem sobre a natureza.” Esta afirmação não está formulada no sentido material, pois muitas apareceram e desapareceram, culturas e impérios diversos, seja por causa da mudança do clima,seja pela super população. Mas ela está formulada no sentido simbólico, nas qual baseia-se em sua mitologia e que domina a natureza. Tais sociedades estão sempre em seu imaginário, controlando a natureza a seu redor, reafirmando isso através de ritos e representações simbólicas de tal domínio.
Figura 3 - Disponível em <Fairservis, 1975; pag. 80>
Referências Bibliográficas específicas:
Figura 2 - Disponível em <Fairservis, 1975; pag. 62>
Figura 4 - Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:Vestonicka_venuse.jpg> Figura 5 - Disponível em <http://s1.zetaboards.com/ anthroscape/topic/1782709/1> Figura 6 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 276> Figura 7 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 277> Figura 8 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 242> Figura 9 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 243> Figura 10 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 245>
FAIRSERVIS, Walter Ashlin. The threshold of civilization an experiment in prehistory. New York, Scribner, 1975. MARGUERON, Jean. Les Mésopotamiens. Colin, 1991. 2 v.. Collection civilisations
Figura 1 - Disponível em <Fairservis, 1975; pag. 62>
Figura 11 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 249> Figura 12 - Disponível em <Margueron, 1991; pag. 250>
Paris, A.
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Este relevo representa um acampamento militar assírio, parece ser a perfeita resposta mesopotâmica ao niwt egípcio.
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Lições de Astronomia:
Lições de astronomia
Será necessário algum conhecimento específico de Astronomia, para poder interpretar a aplicação do relógio solar-lunar. Por isso será feita uma breve explicação técnica do assunto.
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Descrição sobre os movimentos cíclicos do Sol: Atente a fig. 1, na qual mostra o sol no solstício de verão, no equinócio e no solstício de inverno (nas zonas polares estas regras não se aplicam).
norte. É sempre o dia com menor duração de tempo iluminado pelo Sol no ano. No hemisfério norte o solstício de inverno acontece próximo ao dia 21 de dezembro. Os equinócios são intermediários entre os dois solstícios, eles acontecem duas vezes ao ano, nos dia 21/22 de março e no dia 22/23 de Setembro. É o dia onde o tempo entre a parte iluminada e não iluminada pelo Sol são muito semelhantes. Descrição sobre os movimentos cíclicos da Lua:
Solstício de verão: é o dia do ano que o sol permanece, por mais tempo possível, iluminando o local para aquela latitude, nascendo sempre no mesmo hemisfério ao da sua latitude. Pueblo Bonito, por exemplo, o sol nasce no hemisfério norte, e no dia do solstício de verão percorre a abóbada passando pelo hemisfério sul, e então se põe no hemisfério norte novamente; ou seja, percorre um arco muito maior que no solstício de inverno. É sempre o dia com maior duração de tempo iluminado pelo Sol no ano. No hemisfério norte o solstício de verão acontece próximo ao dia 21 de junho.
O que o sol faz em 365,25 dias, a lua faz em 29,5 dias. Ela também possui “solstícios” e “equinócios”, só que o seu ciclo de translação é bem mais rápido que o da terra, 29.5 dias. Por isso, uma vez ao mês, a lua apresenta um dia em que ela fica mais tempo no céu (análogo ao “solstício de verão” do sol) e aquele na qual ela fica menos tempo no céu (análogo ao “solstício de inverno” do sol), e seus intermediários onde ela fica quase o mesmo tempo presente e ausente no céu (análogo ao “equinócio” do sol). (Fig. 2)
Solstício de inverno é o dia que o sol fica pelo o menor período de tempo possível no céu, nascendo e se pondo no mesmo hemisfério
Além de seu ciclo natural de 29,5 dias, a lua apresenta outro ciclo muito mais longo, que se repete a cada 18,6 anos. Esse fenômeno se
chama “Lunar Standstill”. Isso acontece porque os planos de translação da Terra (em torno do Sol) e o da Lua (em torno da Terra) se desviam em 5 graus. Fazendo com que a cada 9.3 anos os cinco graus trabalhem crescentemente contra o eixo da terra (23.5º - 5º = 18.5º) e nos 9.3 dos seguintes, trabalhe crescentemente junto com o eixo de rotação da Terra (23.5º + 5º = 28.5º). O período em que ela está trabalhando contra o eixo da terra, a variação (ângulo) entre os dois “solstícios” é a menor possível (fig. 2a); isso é chamado de Mínima Lunar. Enquanto que o período onde o eixo de inclinação da lua trabalha a favor do eixo da terra, a variação entre os dois “solstícios” é a maior possível; isso se chama Máxima Lunar (fig. 2b). De acordo com a Fig. 3, que é o relógio solarlunar, todos os ângulos apontam para algum evento astronômico, isso significa que é naquele ângulo que o astro (sol ou lua) vai “nascer” no caso do lado leste. E no lado oeste é aonde o astro vai se “pôr”. Para obter todos estes ângulos do relógio solar, foi utilizado o seguinte software disponível em <http://www.jgiesen.de/sunmoonpolar/index. html#mondwenden>.
O procedimento para montar o relógio solar-
lunar, é apenas colocar a latitude do local em que se queira aplicar o relógio lunar-solar, que automaticamente o software, mostra todos os ângulos correspondentes ao nascente/poente do sol e da lua.
University of New Mexico Press, Albuquerque.
Tal instrumento foi criado para aplicar nas aldeias/cidades em estudo, para verificar se algum elemento urbano está alinhado com algum destes eventos astronômicos. Bibliografia específica: Figura 1. Disponível em <http://www.umass.edu/ sunwheel/pages/moonteaching> Figura 2. Disponivel em <pag. 232. Sofaer, 1997> Bibliografia: h t t p : / / w w w. u m a s s . e d u / s u n w h e e l / p a g e s / moonteaching.html http ://www.jgiesen.de/sunmoonpolar/index. html#mondwenden http://www.jaloxa.eu/resources/daylighting/ sunpath.shtml SOFAER, Anna. The Primary Architecture of the Chacoan Culture: A Cosmological Expression. In Anasazi Architecture and American Design, edited by Baker H. Morrow and V. B. Price, pp. 88–130. 1997.
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Mínimo Lunar
Solstício de verão
O
Equinócio
Lições de astronomia
Solstício de inverno
S O
N
S -BB BB
L
L Fig. 1 Solstício de inverno/verão e Equinócio
O
N -AA
Fig. 2 (b) Máximo Lunar
L
AA
CC
N
Fig. 2 (a) Mínimo Lunar
Máximo Lunar
S
54
-CC
N
Poente:
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
AA
Solstício de Verão
Mínimo Lunar
BB
Mínimo Lunar
CC
Equinócio
O
90o
L
Equinócio
--CC
Mínimo Lunar
-BB
Mínimo Lunar
Solstício de Inverno
-AA
Solstício de Inverno
Máximo Lunar
Fig. 4 Relógio solar/lunar
Máximo Lunar
S 55
Çatal Hüyük 56
Fig. 01 Mapa de localização de Çatal Hüyük (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Çatal Hüyük foi um assentamento neolítico muito grande para sua época na Anatólia, região da atual Turquia. Nos 15 metros depositados de vestígios neolíticos em Çatal Hüyük foram encontrados doze sucessivos níveis de construção, cada um representando doze cidades diferentes, em seus períodos diferentes: desde o nível X (dez), o mais antigo, datado de 6.500 a.C. até o mais recente datado de 5.720 a .C., que é o nível I (um). O nível VI, ( o mais bem conservado e o mais estudado) é diferenciado entre o nível VI B, pavimento térreo (fig. 2) e VI A, segundo pavimento (fig. 3), uma vez que consistiam
Fig. 02 Planta de Çatal Hüyük VI B, pavimento térreo
Contextualização histórica e geográfica: Çatal Hüyük foi um assentamento neolítico muito grande para sua época na Anatólia, região da atual Turquia. Nos 15 metros depositados de vestígios neolíticos em Çatal Hüyük foram encontrados doze sucessivos níveis de construção, cada um representando doze cidades diferentes, em seus períodos diferentes: desde o nível X (dez), o mais antigo, datado de 6.500 a.C. até o mais recente datado de 5.720 a .C., que é o nível I (um). O nível VI, ( o mais bem conservado e o mais estudado) é diferenciado entre o nível VI B, pavimento térreo (fig. 2) e VI A, segundo pavimento (fig. 3), uma vez que consistiam nos dois pavimentos de um mesmo período. (Mellaart, 1967) O período VI aconteceu entre 6.000 a.C e 5800 a.C. Todas as construções de Çatal Hüyük foram feitas de adobe seco naturalmente, feitos em fôrmas de madeira. Pedras não eram encontradas com facilidade no seu entorno, por isso o uso exclusivo do adobe. Suas coberturas eram feitas de viga de madeira e preenchidas com barro.
Fig. 03. Planta Çatal Hüyük VI A, segundo pavimento
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Fig. 04 Existia apenas uma
Çatal Hüyük
entrada para as casas de Çatal Hüyük, pela cobertura
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A entrada das casas de Çatal Hüyük eram pela cobertura (fig. 4),sendo esta, uma característica marcante de todas as suas construções, pois não existia outro acesso ou abertura a não ser pela própria cobertura. Quartos e depósitos eram acessados por portas através do salão principal. Toda a fumaça do forno e das lamparinas saia por esta alta abertura. O forno se localizava naturalmente embaixo desta entrada. A área interna de cada casa variava entre 11,25m2 e 48m2, mas a média era de 25m2 a 27m2 (6m x 4,5m). Quando necessário, ou porque a estrutura estava em péssimas condições, ou ainda, se havia alguma troca de seu morador original, utilizavam antigas paredes como fundações para subir novas casas. Assim formava-se certa homogeneidade urbana (fig. 5). (Mellaart, 1967) As paredes das casas eram as mesmas para cada duas casas, economizando assim, material. Alguns espaços que sobravam entre as quinas das construções eram usados como depósitos de lixo. De acordo com o arqueólogo Walter A. Fairservis, esta estrutura urbana lembra muito a estrutura urbana das cidades norte-americanas do Chaco Canyon, porque ambas possuem suas casas aglutinadas umas às outras, formando uma grande massa homogênea e única do assentamento. (Fairservis, 1975; pag. 145).
Fig. 05 Reconstituição de Çatal Hüyük
Esporadicamente, ao longo de casas adjacentes e sobrepostas, encontravam-se espaços abertos propositalmente, seja através da união de terraços de mesma altura ou de aberturas (respiros) que iam até o solo, indicando um uso coletivo; inclusive em alguns deles foram encontrados fornos coletivos de assar pão. A forma como as casas estavam dispostas, uma adjacente a outra, pode ter sido um fator que tenha desencorajado muitos invasores. Efetivamente, nenhum indício de saque foi encontrado durante seus oitocentos anos de duração. Apesar de seus habitantes encontrarem-se munidos de armas como: fundas, arcos e flechas, e também de lanças, possivelmente mantiveram seus inimigos distantes. Não se sabe ao certo porque Çatal Hüyük foi abandonada, mas existe pouca evidência de que tenha sido por algum motivo de conflito, já que mudaram para um monte não muito longe do lugar de origem. Este monte tinha o mesmo tamanho do antigo, não indicando qualquer intenção defensiva. Durante o período VII ao V (os primeiros), o número de ambientes que continham altares era de um para cada duas casas, e nos períodos mais recentes esta proporção diminuiu de um para cada quatro casas.
A maquete feita de Çatal Hüyük representa um período (VI) onde existiram vinte e cinco altares, sendo que todos eram orientados norte-sul. (Mellaart, 1967) Agora, não se pode ao certo dizer, se os ambientes que continham os altares seriam lugares públicos ou não, e se aqueles que mesclavam seu espaço com a casa seriam altares privativos; o que indicaria a existência de uma hierarquia social. Os altares eram decorados com a parede pintada com gravuras que ilustravam a própria cosmovisão de seus habitantes. Além disso, encontravam-se estátuas zoomórficas (especialmente com cabeças de touro) , estatuetas femininas e crânios humanos, demonstrando a forte religiosidade do homem neolítico (fig. 6). De todos os 134 cômodos estudados pelos arqueólogos, quarenta deles eram altares, e em sua maioria correspondiam às maiores construções. Os aspectos predominantes das gravuras de Çatal Hüyük eram de humanos caçando, humanos dançando, assim como a presença de animais tais como bovinos, leopardos, cervos, javalis, leões. Segue alguns temas importantes na cultura de
Fig. 06 Decoração das paredes norte e leste, do altar do nível VI A
Fig. 07 Reconstituiçao de Çatal Hüyük, valorizando o seu meio ambiente abundante em água
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Çatal Hüyük
Çatal Hüyük: a unidade familiar, o nascimento, o respeito aos mais velhos, e também a mulher, que era relacionada com a agricultura, nascimento e estabilidade. (Fairservis, 1975) A decoração das salas dos altares seguiam certas regras em suas cenas pintadas. O tema que lida com a morte encontra-se nas paredes norte e leste; o tema que lida com o nascimento, na parede oeste; e na parede norte, a presença de divindades como a cabeça do touro. Aqueles cômodos que continham altares não se diferenciavam tipologicamente nenhum pouco das habitações comuns; inclusive algumas delas tinham todo o equipamento de uma casa comum, como fogões, etc. Era também comum encontrar sepulturas de seus ancestrais abaixo do piso das casas. Existia certa diferença entre as sepulturas encontradas embaixo dos altares, onde eram encontradas sepulturas contendo objetos mais sofisticados; enquanto que as encontradas em casas comuns, as sepulturas eram mais simples. (Mellaart, 1967) De acordo com o arqueólogo Walter A. Fairservis, a proporção encontrada entre altares e casas, lembra muito a proporção encontrada nas cidades norte-americanas do Chaco Canyon, como é o caso das Kivas, ou seja, cada núcleo familiar ou clã utilizavam uma Kiva, para fins
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religiosos, ou no caso de Çatal Hüyük, de um altar. Não existem indícios de sacrifícios humanos ou animais; caso tenha existido, provavelmente tenha acontecido em outro lugar, uma vez que seria difícil entrar com o animal dentro da casa. Porém outros presentes eram encontrados próximos dos altares, tais como ossos, chifres, potes e estatuetas. O enterro, para o povo de Çatal Hüyük, acontecia da seguinte forma: primeiro era tirada toda a carne do corpo, pois eles acreditavam que o espírito só era liberado quando os ossos estivessem à mostra; então ele era cremado onde dormia habitualmente quando vivo, e era enterrado debaixo de sua cama. Oferendas de alimentos eram constantes aos mortos. Eles acreditavam que assim, o parente morto permanecesse para sempre na estrutura familiar. (Fairservis, 1975) Características Econômica e Sociais: Mellaard acreditava que sua população era de 5.000 pessoas, porém arqueólogos , posteriormente discordaram e colocaram um número de 3.000 pessoas. Estes números não representam o tamanho da população
que habitava a área do estudo arqueológico representado (maquete feita), pois esta população seria muito menor, uma vez que o cálculo feito para 3.000 pessoas abrangeria todo o sitio arqueológico que ainda não foi estudado. (Fairservis, 1975; pag. 158). A população correspondente a área da maquete deveria ser algo entre 100-300 pessoas (aproximação do autor). É interessante entender que a caça é um dos temas mais importante em sua cultura, uma vez que grandes herbívoros eram comuns na região. Estudos apontam que houve um gradual aumento da domesticação de herbívoros durante a existência de Çatal Hüyük. (Fairservis, 1975) A região hoje desértica, na época era extremamente úmida e rica em flora e fauna; na verdade a região era um pântano (Fig. 8). O rio chama-se Carsamba e está localizado a poucas dezenas de metros no lado oeste da cidade, hoje em dia o rio está seco. Porém era necessária uma grande quantidade de grãos, para fornecer energia a sua população, aparecendo a necessidade da agricultura. O fato da cidade estar tão próxima do pântano, assumindo inclusive riscos de inundação, é pela praticidade de estar próximo de suas plantações (em geral de grãos). (Fairservis, 1975)
O comércio interno acontecia através de um sistema de redistribuição, ou seja, através de uma liderança que por solidariedade abastecia aquele núcleo familiar ou aquele clã mais necessitado; e existiria também o sistema de troca recíproca, baseada na solidariedade, presentes e generosidade.
As gravuras eram em sua maior parte sobre a caça, e nelas eram encontrados dois tipos de homens, diferenciados entre si por aqueles que carregavam uma roupa de leopardo e os que não a carregavam,denotando serem veteranos e novatos ou tratando-se de um clã mais privilegiado do que outros.
Quanto ao comércio externo, existiam algumas discussões a seu respeito, já que em um raio de 32 quilômetros de distância eram encontradas a maioria das matérias primas que eram usadas, e sua totalidade eram encontradas em um raio de 160 quilômetros . Existia a possibilidade de serem auto-suficientes, quanto ao fato de existir um comércio com comunidades mais distantes.
Existia uma grande diferenciação entre o papel do homem (caçador, guerreiro e possivelmente agricultor), e o da mulher (costura, cozinha, medicina e filhos); fato que aconteceu dentro da estrutura familiar. No entanto fora deste contexto, sua estrutura social tinha características comunais, ou seja, pouca diferenciação entre si. De acordo com o antropólogo John Fischer, que estudou as gravuras de Çatal Hüyük, pode-se notar a caracterização desta, como uma sociedade igualitária e não hierárquica. (Fairservis, 1975)
Mellaard assume que talvez houvesse uma área de casas específica para os sacerdotes ou para alguma elite, já que precisaria de algum tipo de liderança para administrar 3.000 pessoas. Se esta existiu, não tinha um caráter de status e sim, funcional. Existe uma forte evidência de uma tradição que foi mantida pelos 800 anos de Çatal Hüyük, trazendo uma grande estabilidade para o assentamento. Esta tradição foi provavelmente mantida por algum tipo de liderança, mas esta liderança não foi crescente (poder), logo não se institucionalizou.
Nada indica uma oscilação de sua população e de sua economia, durante os 800 anos de Çatal Hüyük. Escassez de alimentos, conflitos internos ou externos, grande pestes, nenhuma destas evidências foram encontradas; revelando que ao longo dos anos Çatal Hüyük manteve-se estável. Resumindo, as características mais marcantes de Çatal Hüyük: clara divisão das atividades
Fig. 08 Reconstituição de Mellaart do nível VI
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por gênero, comunidade igualitária, e uma tímida liderança (expressada por mérito dado a veteranos na caça ou na religião).
Çatal Hüyük
Referências Iconográficas: Figura 1 – Disponível em <http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Western_Asia> Figura 2 e 3 – Disponível em <pag. 59 Mellaart, 1967> Figura 4 – Disponível em < https://picasaweb.google. com/tessellar/CatalHuyuk> Figura 5 – Disponível em < http://alfredojunior. wordpress.com/2011/01/20/a-cidade-mais-antigodo-mundo> Figura 6– Disponível em < pag. 128 Mellaart, 1967> Figura 7 – Disponível em <http://www.gardenvisit. com/garden/catal_huyuk>
Referências Bibliográficas específicas: FAIRSERVIS, Walter Ashlin. The threshold of civilization an experiment in prehistory. New York, Scribner, 1975. MELLAART, James. Çatal hüyük a neolithic town in Anatolia. London, Thames and Hudson, 1967.
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500): Esta foi a primeira maquete que foi feita. A execução da maquete de Çatal Hüyük foi feita junto a de Tulor. Efetivamente foram as mais desafiadoras, porque foi necessário um trabalho de “arqueólogo” para reconstituir sua volumétrica; suas reconstituições não estavam fieis as suas plantas, e estas também não levavam em consideração a topografia (fig. 8, reconstituição de Mellaart do nível VI); ou então era reconstituído apenas um nível, como por exemplo o nível VI B (fig. 2), sendo esta apenas a planta do primeiro pavimento do assentamento, estaria faltando o segundo pavimento VI A (fig. 3). Sendo assim, foram grandes os desafios de: compatibilizar as duas plantas do primeiro e segundo pavimento (VI B e VI A), uma exatamente sobre a outra, e identificar onde era volumetria e onde não era para subir até o segundo pavimento (fig. 9); para então assentálas no desenho do terreno. Quando as linhas da curva de nível, por assim dizer “entravam” no assentamento, não havia em nenhum material coletado esta informação; então foi adotada a solução por visualidade, onde ela deveria correr entre as casas.
Fig. 09 Material de suporte para execução da maquete de Çatal Hüyük
Foram utilizadas as plantas de Mellaart (1967), como também sua topografia, não sem antes ter conferido suas curvas de nível no Google Earth. Sua volumetria foi feita com madeira balsa e o terreno com recheio de papel pluma de 2 mm. A escala 1:500 foi escolhida por Çatal Hüyük ser um assentamento de pequeno porte (neolítico), seria importante a visualização de sua tipologia. É interessante notar que durante o processo de colagem da volumetria entre si, e no próprio terreno, era de difícil fixação no começo, pois era necessário o constante manuseio na colagem das consecutivas peças. Porém, a partir do momento em que se fixou um corpo razoável de casas no terreno, a colagem se tornou muito mais fácil. Porque tanto o terreno quanto as casas escoravam uma nas outras facilitando sua estabilidade, muitas vezes não precisando nem da cola. Analogamente a esta situação de montagem da maquete, pode-se dizer que na escala real de sua construção, a intenção construtiva de seus construtores eram justamente esta: o conjunto de casas todas unidas e amarradas, trazendo segurança e estabilidade construtiva. O resultado final foi original, pelo tipo de solução volumétrica adotada, e sua fidelidade às
plantas,além do acoplamento do primeiro com o segundo pavimento. Referências Iconográficas: Figura 8 – Disponível em <Mellaart, 1967; pag. 62> Figura 9 – Esboço feito pelo autor.
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana: Infelizmente não poderá ser levado em consideração o formato externo de Çatal Hüyük, já que está apenas um trigésimo de seu verdadeiro tamanho estudado e demarcado pelo arqueólogo James Mellaart. Por isso será descartada qualquer interpretação de seu contorno. No entanto, quanto as suas características interiores, muito pode ser dito:
Fig. 10 Reconstituição de como teria sido uma grande inundação do rio Carsamba.
- Casas aglutinadas, dividindo a mesma parede para duas casas diferentes.
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- Mesmo material utilizado (adobe e madeira) para todas as estruturas urbanas, sem exceções.
Çatal Hüyük
- A inexistência de estruturas urbanas com formas que indiquem usos exclusivamente para fins coletivos, como proteção do assentamento, administração pública.
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- Variação entre o tamanho interior das casas: 10m2 - 40m2.
Fig. 11 Elevação Oeste de Çatal Hüyük
- A Morfologia das casas são sempre as mesmas: em formato de caixotes - Estar próximo de um rio, a apenas algumas dezenas de metros de distância. Indícios de períodos de cheias nas quais poderiam inclusive alcançar a cota do assentamento. (Fairservis, 1975) (Fig. 10) - Assentamento construído em uma área muito íngreme, alcançando quase 20% de inclinação. (Fig. 11) Interessante notar a escolha de um local muito íngreme e muito próximo de um rio, ao mesmo tempo. Possibilitando a proximidade de suas colheitas (que aconteciam na região de “cheias” do rio), evitando e minimizando danos com cheias (Fairservis, 1975), já que naquele período a região era abundante em água. A Fig. 10 mostra uma suposição caso houvesse uma grande cheia do rio.
Fig. 12 Em verde terraços alinhados na mesma cota; e em azul aberturas a partir da cota do solo. Espaços para uso coletivo
Fig. 14 Casas orientadas nos pontos cardeais. Flechas apontam direção NorteSul
Fig. 13 Vista do topo de Çatal Hüyük, demarcado seus espaços coletivos
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Çatal Hüyük
- Pequenas aberturas no denso aglutinado de casas, como também espaços abertos sobre os terraços. (Fig. 12 e 13)
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- Forte redundância (Rapoport, 1990b) nas orientações das fachadas, alinhadas com os pontos cardeais (Fig. 14). Inclusive na sua disposição interna das casas, uma tendência aos mesmos temas ilustradas nas gravuras, respectivamente um para cada ponto cardeal (Smith, 2007). “O tema que lida com a morte, encontra-se nas paredes norte e leste; o tema que lida com o nascimento, na parede oeste; e na parede norte, a presença de divindades como a cabeça do touro.” (Fairservis, 1975; pag. 151) - População relativamente baixa (porém alta para o período neolítico), de 3.000 pessoas de acordo com Fairservir, e 5.000 de acordo com Mellaart. O fato de Çatal Hüyük ser um assentamento neolítico, muito influenciou em sua forma urbana, uma vez que era uma sociedade em construção tecnológica e socialmente. Porém culturalmente, sempre apresentou um alto grau de complexidade desde o homem paleolítico; o mais correto seria dizer que culturalmente ele estava em constantes transformações, mas não em construção no sentido de acréscimo do grau de complexidade.
O homem de Çatal Hüyük estava em “construção” no seu sentido tecnológico, econômico e social. Gradualmente novas técnicas e tecnologias eram introduzidas em seu cotidiano, novas maneiras de relação entre o meio externo (natureza) e o homem, resultando materialmente na domesticação da natureza (cidades, objetos). O homem neolítico estava em um momento de transição para uma organização social mais complexa, saindo de sua estrutura de produção familiar, para níveis cada vez mais complexos de organizações. Porém, todo esse processo acontece em torno de uma nova atmosfera, que vai crescendo junto a ele, e vai contando sua própria historia, num reflexo dos mais complexos valores do homem: a Cidade. Observando como eram as características urbanas de Çatal Hüyük, é possível de certa forma “ler” o homem que ali vivia. O homem neolítico estava em um momento de transformações socioeconômica, e é assim que Çatal Hüyük se revela: características marcantes como importante homogeneidade de sua disposição tipológica; com casas aglutinadas, com pouca variação de tamanho, e uso do mesmo material construtivo para todas as casas. Indicando assim, uma sociedade com pouco ou nenhuma hierarquia social. Mostra uma sociedade unida, mas não em um sentido ideológico-político moderno, mas sim, por necessidade, por cada
habitante depender do outro para conseguir o alimento do dia seguinte. Uma postura que pode ser vista também no sepultamento dos indivíduos, que foi de certa forma, comum a todos. Çatal Hüyük com suas características urbanas próprias, deixa a mensagem de como seus habitantes se enxergavam: iguais entre si. O habitante que ali vivia não pensou o assentamento para ser vivenciado externamente, e sim dentro de suas casas. Portanto em Çatal Hüyük está ausente sua “exterioridade” e completamente presente sua “interioridade” (Oliveira, 2007), a vida girava em torno dos núcleos familiares e sua vida cultural que ali existia. Apesar de todas estas predominantes características homogêneas de seu assentamento, Çatal Hüyük começa aos poucos a esboçar uma tímida, mas crescente complexidade social, mais tarde, adquiridas por sociedades mais recentes. Por exemplo, o emergente aumento da capacidade tecnológica de armazenamento de alimentos (Guglielmo, 1999), é um passo importante para a independência do homem em relação à natureza. A alta quantidade de habitantes fomenta a possibilidade de indivíduos serem
N
Poente:
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
52,9o
Solstício de Verão
Mínimo Lunar
59,9o
Mínimo Lunar
66,6o
Equinócio
O
90o
L
Equinócio
-66,6o
Mínimo Lunar
-59,9o
Mínimo Lunar
Solstício de Inverno
-52,9o
Solstício de Inverno
Máximo Lunar
Fig. 14 Relógio solar/lunar. Indicando uma orientação de acordo com os pontos cardeais e/ou alinhados ao equinócio
Máximo Lunar
S Meridiano (meio-dia)
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Çatal Hüyük
mais privilegiados do que outros, possibilitando funções mais especializadas, podendo repercutir em níveis de valores diferenciados para cada atividade específica, alimentando uma hierarquia social. E são estas poucas características sociais que podem ser lidas no meio urbano de Çatal Hüyük; como o fato de casas quatro vezes maiores que as menores casas, assim como altares e sepulturas apresentarem (timidamente) diferentes graus de importância de alguns indivíduos , do que de outros. Uma organização social numerosa e complexa, precisa em alguns momentos tomar decisões de cunho coletivo, como: reuniões, cultos, grandes caçadas, proteção, colheitas. Interpretado em seu espaço urbano como suas escassas aberturas em meio da densa aglutinação de casas, algumas delas partindo da cota solo, outra são terraços alinhados na mesma cota; Ilustrando o germinar de uma demanda pelo espaço coletivo. (Fig. 11 e 12) Estas são pequenas e tímidas evidências do aumento do grau da complexidade da organização social de Çatal Hüyük. O homem neolítico já atingiu um elevado grau de complexidade religiosa e cultural, algo que
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vem acompanhando o homem há muito mais tempo (Leroi-Gourhan, 2002b). Sua importância para o homem de Çatal Hüyük é encontrada, por exemplo, na forte redundância que existe na orientação (Fig. 13) de suas casas, estão ordenados conforme os pontos cardeais ou então no nascente/poente do sol no equinócio (Fig. 14). Esta orientação poderia estar vinculada a sua mitologia, orientando seus valores simbólicos e suas cosmovisões de acordo com cada ponto cardeal. A parede sul do interior de suas casas, por exemplo, é onde está localizada a maioria de seus altares e também é o mesmo hemisfério que possui iluminação solar o ano todo. A parede do lado oeste, região voltada para o rio, apresenta gravuras expressando a idéia de vida (nascimento). O rio era um elemento primordial para a sobrevivência de sua comunidade, logo é de vital importância sua presença (simboliza a vida). O norte, hemisfério menos iluminado pelo sol; e o leste, que possui sua luz matinal obstruída pelo elevado monte na qual está instalada, apresenta em suas paredes gravuras com temas sobre a morte. Mesma relação de analogia simbólica que o homem primitivo de Lévi-Strauss tinha com seus símbolos mitológicos e seu entorno geográfico (LéviStrauss, 2007).
Concluindo, em Çatal Hüyük existe uma estreita relação entre sua forma urbana e todos os valores abstratos de seus habitantes: valores religiosos, mitológicos, culturais, sociais, econômicas e tecnológicas. Referências Iconográficas: Figura 10 – 21, Material Fotografado por Rafael Craice e montagem eletrônica sobre a foto foi feitas pelo autor, no Adobe Indesign.
Referências Bibliográficas específicas: GUGLIELMO, Antonio Roberto. A pré-história uma abordagem ecológica. São Paulo, Brasiliense, 1999. LEROI-GOURHAN, A. O gesto e a palavra.V. 2. Memória e ritmos. Lisboa : Edições 70, 2002b. LÉVI-STRAUSS, C. O pensamento selvagem. São Paulo : Papirus, 2007. OLIVEIRA, Antonio Celso Xavier. De Uruk à Villa Hadriana contribuição ao estudo da urbanização na Antiguidade - relações entre espaços de uso público, privado, coletivo e restrito. Tese de Doutorado. São Paulo, 2007. RAPOPORT, A. The meaning of the built environment : a nonverbal communication approach.
Fig. 20 Çatal Hüyük
Tucson : University of Arizona Press, 1990b. SMITH, M. Form and Meaning in the Earliest Cities: A New Approach to Ancient Urban Planning. Journal of planning history, vol. 6, no. 1, Fevereiro 2007, p. 3-47.
Fig. 21 Çatal Hüyük
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Ur
Fig. 01 Mapa de localização de Ur (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Ur foi uma cidade da Mesopotâmia, a mais importante da Suméria entre 2025 a.C. e 1738 a.C. Sua população foi de aproximadamente 65.000 pessoas1. Localizada no sul do atual Iraque, no agora abandonado canal do rio Eufrates. Cobria uma área de 70 ha, cercada por uma alta muralha. (Fig. 2 e 3) Arqueólogos descobriram evidências da primeira ocupação de Ur, durante o período Ubaid (IV milênio). Este período foi apagado por sequentes grandes inundações que aconteceram na região. Arqueólogos de 1920 acreditavam que era a dita
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Fig. 02 Vista da cidade de Ur
inundação bíblica. Mas agora já é sabido que as planícies do sul da Mesopotâmia foram expostas por diversas vezes a grandes inundações. Foi o controle das águas que possibilitou o tamanho que chegou a ter Ur; e isto se deu especialmente através da construção de canais para que houvesse uma maior e eficiente irrigação na agricultura. A construção de portos internos na cidade, também foi um facilitador para o escoamento de mercadorias. O Zigurate foi um monumento construído, dedicado a divindade máxima em Ur, Nanna deus-lua, a divindade protetora da cidade. Foi durante a III Dinastia, que Ur-Nammu (2112-2095 a.C.), senhor de Ur, ergueu essa construção. Suas dimensões eram 64 metros de comprimento, 46 metros de largura e 30 metros de altura. (Fig. 4) No topo do Zigurate de Ur-Nammu, estava o templo do deus Nanna deus-lua. Sua fachada nordeste abria de frente a um pátio cercado por altos muros, dedicado ao deus Nanna, medindo 65 metros por 45 metros. Woolley (1982) sugere que era aqui que as oferendas ao deus Nammu eram trazidas e estocadas. Nanna era um deus masculino, representando a lua e o touro. O touro na antiga cultura mesopotâmica era lunar, seus chifres representavam a lua crescente.
Fig. 03 Vista da cidade de Ur
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Zigurate de Ur-Nammu
Pรกtio de Nanna
Templo E-nun-Mah
Ur
Templo Gipatu
Palรกcio de Ur-Nammu
Fig. 04 Vista do Zigurate de Ur
Fig. 05 Planta do distrito monumental, s/ escala
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(Fig. 5)
Zigurate:
Ao sul do Zigurate estavam os templos de Gipatu e E-nun-Mah, como também o palácio de Ur-Nammu.
Foi durante a III Dinastia de Ur, que apareceram um dos primeiro zigurates da mesopotâmia. Especula-se que foi em Eridu o primeiro zigurate de todos, porém Margueron (1991) diz que existe uma grande diferença entre um zigurate, e uma plataforma elevada com um templo em seu topo, que era o caso de Eridu.
A muralha de Ur tinha um pouco mais de 3 quilômetros de extensão, e foi feita com propósitos defensivos. O distrito central onde haviam palácios, templos e o grande Zigurate de Ur, servia também a diversas funções como: culto aos deuses, oferendas, dízimos, impostos (todos devidamente anotados em plaquetas de barro). Ainda não se conhecia o dinheiro cunhado; assim, os impostos eram pagos nas mais diferentes espécimes: azeite, cereais, fruta, lã. Ur foi a primeira a apresentar grande quantidade de escrita cuneiforme encontrada até então, sua maioria proveniente da III Dinastia. Foi a primeira grande cidade burocratizada já conhecida. Foi no VI século a.C. que seu último rei Nabonidus, restaurou o Zigurate, e então, em 550 a.C. começou seu declínio até 500 a.C., quando a cidade foi completamente abandonada, por causa da seca de seu entorno.
Depois da construção do zigurate em Ur, seguiram se mais 1,5 milênios de outros espalhados pela mesopotâmia, por volta de 70. De maneira geral existia apenas um por cidade. Margueron (1991) afirma que sua gênesis foi a plataforma que servia como base para os templos, e que com o passar do tempo novas plataformas eram construídas sobre as antigas, e no topo delas eram construídos templos cada vez menores (Oliveira, 2007), provavelmente levando a forma de uma zigurate. O Zigurate de Ur, podia ser visto a 14 quilômetros de distância, um monumento que marcava a paisagem. No caso das pirâmides do Egito eram marcos tumulares, nas quais as câmaras mortuárias ficavam ocultas no seu interior, não havia forma de ascender ao topo fisicamente; rejeita a cidade, buscando um isolamento (Oliveira, 2007). Já os
zigurates eram marcos completamente urbanos; formas geométricas, frutos de sucessivas expansões e reconstruções, dialogando com o casario a sua volta, e em sua maioria, acessível ao topo através escadas. O templo desenvolveu-se para ser um arquétipo de um monumento, para ser visto de qualquer ponto da cidade. (Oliveira, 2007) Palácios: Durante o IV milênio,o poder do corpo religioso, do culto, era maior e mais importante nas cidades mesopotâmicas, porém com o passar do tempo foi se invertendo os valores. E já durante a III dinastia de Ur, o domínio do poder secular é predominante. O corpo de estruturas de palácios reais eram maiores do que os do complexo religioso. Oliveira (2007), diz que o fato dos distritos reais estarem muitas vezes na periferia das cidades mesopotâmicas (cidades mesopotâmicas posteriores a Ur), assim como os templos no centro, evidenciavam um processo de câmbio de valores entre o sagrado e o secular. Dois exemplos seriam as importantes cidades do Império Babilônico e Assírio, Babilônia (Fig. 6) e Dur Sharrukin (Fig. 7), respectivamente; onde seus templos situavam-se no centro, e o distrito real encontrava-se na periferia, literalmente junto à muralha externa.
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Ur Fig. 06 Planta da cidade Babilônia, escala gráfica
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Fig. 07 Planta da cidade de Dur Sharrukin, escala gráfica
Os palácios se assemelhavam ao casario, mas apresentavam um maior tamanho como também um maior número de pátios e compartimentos. Casario: O casario em Ur apresentava uma tipologia tal, que era comum por toda Mesopotâmia: pátio interno (especula se que era fechado), com uma série de outros cômodos a sua volta, e com uma escadaria que levava ao 2º pavimento. (Fig. 8) O casario representava a vida privada, através de sua homogeneidade e horizontalidade; externamente quase não aparecem envasaduras nas casas, não sendo um elemento convidativo. Já o zigurate, é monumental e vertical, é apenas externalidade e não possui nenhuma câmara interna, era maciço por dentro.“Portanto, oposição e complementaridade: o casario, de interioridade máxima é privado e restrito a seus moradores; o templo, de exterioridade máxima, é público na medida em que sua imagem pertence à cidade e por fim se torna a cidade, passando a simbolizá-la.” (Oliveira, 1907; pag. XXXXX)
Figura 2 – Disponível em < http://www.crystalinks. com/mesopotamia> Figura 3 – Disponível em mitchellteachers.org/WorldHistory >
<http://www.
Figura 4 – Disponível em < http://history-world.org/ ur.htm> Figura 5 – Disponível em < Smith, 2010, pag.148.> Figura 6 – Disponível em < Woolley, 1982. Pag. 46> Figura 7 – Disponível em < Margueron, 1991. Pag. 31> Figura 8 – Disponível em < Margueron, 1991. Pag.37>
Referências Bibliográficas específicas: KRAMER, Samuel Noah. O Berço Civilização. London, Thames & Hudson, 1958 MARGUERON, Jean. Les Mésopotamiens. Colin, 1991. 2 v.. Collection civilisations
da
Paris, A.
Referências Iconográficas:
WOOLLEY, C. Leonard and Moorey, P. R. S., Ur of the Chaldees: Revised and Updated Edition of Sir Leonard Woolley’s Excavations at Ur, Cornell University Press (1982)
Figura 1 – Disponível em <http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Western_Asia>
1- Disponível em < http://geography.about.com/ library/weekly/aa011201>
Fig. 08 Planta da zona residencial de Ur, escala gráfica
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000):
Ur
Para a coleta do material iconográfico, foram utilizados desenhos da planta da cidade através de muitos livros, em especial do Crawford (2000) (Fig. 9), e de outros como Oliveira (2007) e Woolley (1982), assim como da internet. Foram necessário muitos materiais para poder comparar o desenho dos canais e do rio Eufrates, pois havia muitas variações ou encontravam-se ausentes, e isto, de desenho para desenho. Para tirar as alturas dos edifícios, foram usadas medidas exatas do Templo de Nanna e do Zigurate, dados obtidos através de leitura teórica. Foram utilizadas estas, assim como as reconstituições de Ur como referência, para estimar a altura das torres de segurança e das muralhas. Para execução da maquete, foram necessários diferentes métodos. Primeiro, para fazer as estruturas urbanas como as torres de entrada da muralha, os templos, os palácios e o Zigurate, foram feitas separadamente, através de moldes (papel impresso). Antes de fazer o Zigurate, foi feita um série de comparações com plantas, dados e reconstituições diferentes para chegar a valores mais corretos, e então feito um 3D, para certificar-se que sua proporção estava
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Fig. 09 Base iconográfica para execução das maquetes, escala gráfica
acordo com os desenhos.
Referências Iconográficas:
A segunda etapa foi fazer o terreno. Logo em seguida, feitas todas as muralhas; não foi necessário um molde, porque era só seguir o alinhamento do terreno elevado, na qual corre a muralha. Finalizada essa etapa, foram colados os elementos urbanos já prontos.
Figura 9 – Disponível em < CRAWFORD, Harriet. Sumer and the sumerians. Cambridge, Cambridge University Press, 2000. Pag. 51>
Para fazer a cidade residencial foi necessário um molde (papel impresso), e então recortado com muito cuidado, dada a sua pequena escala.
A importância da água:
E por fim, foi necessário criar algum tipo de material que imitasse a água; havia sido tentada a aplicação de cola branca (três demãos), que apesar de apresentar um acabamento orgânico e transparente, ficava muito oculta no terreno. Foi então adotada outra solução: colocada uma película de acetato, deixando um acabamento razoavelmente brilhante e transparente, lembrando a água. Foi escolhido a escala 1:4000 dado a sua vasta extensão, e por caracterizar-se como “cidade”; sendo mais importante a disposição de seus elementos urbanos como um todo, e não necessariamente um foco em sua tipologia.
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana:
Tal como dito anteriormente, o comércio teve um papel crucial para o surgimento das cidades, tanto quanto o avanço da agricultura (Margueron, 1991). Na cidade de Ur, é possível verificar na sua plenitude estes dados, dado que ela está circunscrita por toda sua volta por canais artificiais, como também portos artificiais internos a cidade; todos conectados com o rio Eufrates, rio que no II milênio a.C. era muito mais encorpado do que é hoje. O comércio fluvial deveria ser tão importante a ponto de necessitar de duas entradas de portos na cidade, para suportar a demanda de carga e descarga das mercadorias. Ur deveria estar longe de ser auto-suficiente apenas com seu entorno agrícola, muito de sua sobrevida devia chegar pela água. (Fig. 10) É importante notar quanto os seus habitantes
utilizavam de forma abundante do elemento água; elemento importantíssimo para a sobrevida da cidade. Era utilizada em diversas funções, tais como: delimitação da cidade para a não cidade, (canal que circunscreve Ur); utilizado como proteção imediatamente abaixo da muralha externa, complementando sua proteção; escoamento de mercadorias e transporte em geral; consumo imediato de água; irrigação da zona agrícola. Simbolismos: Zigurate, “cidade monumental”, “cidade comum” e a muralha Existe uma grande oposição entre a cidade monumental (em amarelo, na fig. 11) e a cidade comum (em vermelho). Durante o período de transformação de aldeias para cidades, a primeira diferença foi o aparecimento de elementos de interesse coletivos. E em Ur não é diferente, a cidade comum “gira entorno” destes supostos elementos coletivos (cidade monumental), que não são mais necessariamente coletivos. A aldeia que no começo era apenas “cidade comum”, criou elementos urbanos coletivos para suporte de suas necessidades, e com a cidade o papel se inverteu; aqueles elementos urbanos de “suporte” virou o motivo pela qual a cidade passou a existir. Ditando suas regras para a cidade comum, foi a cidade comum que passou a ser suporte dos “elementos urbanos
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coletivos” (cidade monumental).
Ur
Enquanto nas aldeias, os silos, casa de reunião ou qualquer outro elemento coletivo era apenas um suporte para sua economia de produção familiar; na cidade esses valores se invertem, sendo os elementos coletivos (líderes, reis, etc.) que comandam os novos meios de produção, agora organizados por classe e não mais por núcleo familiar. E, para se fazer parecer uma estrutura urbana coletiva, ela se utiliza da monumentalidade sobre a cidade comum, afirmando-se sobre ela. Uma leitura urbana de Ur seria logo revelada esta hierarquia, através da cota de altitude. Primeiro que, a cidade como um todo, está mais elevada do que o terreno fora dela, mostrando o primeiro nível de identificação da cidade, que se eleva sobre a não-cidade. Depois então se eleva novamente, mas apenas a cidade monumental, impondo sua diferença sobre a cidade comum (fig. 12). Depois deste segundo nível, vem ainda o Zigurate, que também está cercado por mais uma muralha; e ele também se eleva mais alto do que a própria cidade monumental. Como já foi dito, o Zigurate representa a divindade protetora da cidade, representando a cidade em si. Encontra-se uma relação metonímica entre todos esses elementos,
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Fig. 10 A importância da água para Ur
Fig. 11 Em amarelo a “cidade monumental” com o Zigurate em seu interior. Em vermelho a “cidade comum”, com exemplo de sua malha urbana residencial em seu interior.
resumidos simbolicamente em análogos do todo com as partes.
elementos
Primeiro existe a cidade física em si, cercada por um muro e elevada em um platô. Em seguida representando aquela cidade, viria a cidade monumental, que também é cercada por uma muralha, elevada no seu próprio platô e com estruturas mais altas que da cidade comum. E por fim, representando a cidade monumental está o Zigurate, que também é envolto por uma muralha, e é mais alto que a cidade monumental. Assim, a cidade está para a cidade monumental, como a cidade monumental está para o Zigurate; logo o Zigurate está para a cidade. Este é um elemento urbano que se encerra na sua função de simbolizar. Ele é pura exterioridade, um elemento maciço, sem aberturas em seu interior. Se havia alguma utilidade prática seria para uso de poucos, já que ele se encontra na única área da cidade circunscrita três vezes por muralhas (Fig. 12). Como que a cidade comum (casarios) que são pura interioridade (vide pag. 19) podem ser representadas simbolicamente por um único elemento, o Zigurate, que é pura exterioridade? Seriam dois níveis diferentes de simbolismos, de acordo com Rapoport. O simbolismo mais explícito, o que afirma a desigualdade social
apresentados por aqueles que vivem em palácios, que são elementos maciçamente maiores do que as casas comuns, impondo um simbolismo volumétrico (middle level meanig, Rapoport 1990b). E o segundo, que seria a relação metonímica, entre a cidade, a cidade monumental, o zigurate, e a divindade; esta é uma relação de analogia, das partes representarem o todo. (high level meaning, Rapoport, 1990b). É claro que a muralha foi construída para proteção contra invasões. Mas o importante aqui é discutir seu consecutivo valor simbólico que causa no imaginário de seus habitantes. Um breve parêntesis sobre a muralha e seu agregado valor simbólico, Rykwert em seu livro “A Idéia de Cidade” (2006; pag. 2-3) conta sobre a lenda de Rômulo e Remo. Da qual, enquanto Rômulo cavava um fosso para marcar o local onde seriam erguidas as muralhas da cidade, Remo zombava de seu irmão enquanto ele trabalhava; até que num determinado momento, Remo saltou sobre o fosso atravessando-o, e então foi morto pelo seu irmão, em nome do sacrilégio cometido. Rykwert insinua algumas anomalias dessa lenda, como o fato da muralha ter dimensões muito pequenas (facilmente pulada pelo irmão),assim como o fato de ter levado Rômulo a matar seu irmão tão gratuitamente. A lenda, de origem Etrusca mostra a importância
79
Ur
do papel simbólico da muralha, como o elemento divisor entre o espaço interno da cidade (espaço sagrado e humanizado) e o lado externo (secular e selvagem). Revela também como o rompimento destes valores seria um enorme sacrilégio, acabando com o sagrado: a ordem cosmológica. Se a princípio, a função da muralha seria o de proibir o livre trânsito de pessoas, para um controlado trânsito de pessoas, a isto remete novamente aos dois níveis de significados (level meaning). Um, servindo como instrumento para reforçar socialmente a hierarquia que existe, ao controlar ou permitir a entrada através da muralha (middle level meaning). O outro valor simbólico agregado a muralha, seria o “mistério”, causado pela proibição do acesso. A partir do momento em que é censurada a entrada em um determinado “espaço”, este acaba se tornando um “lugar” no imaginário das pessoas, um lugar qualitativamente muito mais vivenciado no imaginário, do que o espaço físico ali existente. Tal proibição ajuda na sacralização do espaço, transformando-o em um lugar muito mais vivenciado no imaginário, auxiliado pela mitologia. (high level meaning). Os dois níveis de significados caminham juntos, ordenando uma sociedade inteira, de acordo com sua cosmologia e hierarquia social. E
80
Fig. 12 A linha escura representa a muralha
como principal instrumento para isso, foram usados elementos arquitetônicos (auxiliado pela mitologia). A arquitetura da cidade, sua forma urbana, provoca uma ordenação, uma organização da sociedade, condizente com sua cosmologia. Gênero na espacialidade: O Zigurate representa a divindade patrona da cidade; o Nanna deus lua, uma divindade masculina, representado também pelo touro (provém do antigo panteão mesopotâmico, como o de Çatal Hüyük). A frente do Zigurate, cercado por muralhas, está localizado o templo de Nanna, deus lua, que nada mais é do que, um também espaço cercado de muralhas com um “vazio” no centro, um espaço aberto (dedicado a oferendas). Forma-se quase que uma espécie de complementação entre os dois elementos, simbolicamente o feminino e o masculino,sendo um volumétrico e maciço que se eleva acima das muralhas, o outro um vazio “a ser preenchido”. Assim como na pintura paleolítica, os animais eram representados em pares, sempre um conjunto com características masculinas e a outra femininas (Leroi-Gourhan, 2002b). Levavam em consideração inclusive a superfície em que estavam sendo aplicadas as imagens: em superfícies lisas, animais com características
femininas; e em superfícies muito acentuadas, características masculinas. Tal disposição entre o Templo e o Zigurate poderia estar insinuando tal complementaridade, resultando no equilíbrio entre os dois. Só que ao invés de cavernas e imagens, tal diálogo é construído através de volumetria arquitetônica: de cheios e vazios. Relógio solar-lunar: De acordo com a fig. 13, o relógio solarlunar, indica que a frente do Zigurate, e conseqüentemente as outras estruturas na cidade monumental, estão alinhadas com o nascente da lua no Máximo Lunar, evento que ocorre uma vez a cada 18,6 anos. Sendo de certa forma apropriado que o Zigurate representado por Nanna, o deus lua (masculino), esteja alinhado ao Máximo Lunar; ou seja em sua máxima expansão no céu e um deus lua em consonância com a lua.
autor no Adobe Indesign. Figura 14 – Material Fotografado por Rafael Craice. Referências Bibliográficas específicas: LEROI-GOURHAN, A. O gesto e a palavra.V. 2. Memória e ritmos. Lisboa : Edições 70, 2002b. MARGUERON, Jean-Claude. Mesopotámicos. Madrid, Cátedra. 1991.
Los
RAPOPORT, A. The meaning of the built environment : a nonverbal communication approach. Tucson : University of Arizona Press, 1990b. RYKWERT, J. A idéia de cidade : a antropologia da forma urbana em Roma. São Paulo: Perspectiva, 2006. SOFAER, Anna. The Primary Architecture of the Chacoan Culture: A Cosmological Expression. In Anasazi Architecture and American Design, edited by Baker H. Morrow and V. B. Price, pp. 88–130. 1997. University of New Mexico Press, Albuquerque.
Referências Iconográficas: Figura 9 – 12 – Material Fotografado por Rafael Craice e montagem eletrônica sobre a foto foi feitas pelo autor, no Adobe Indesign. Figura 13-14 – Montagem do relógio solar-lunar foi baseado no material de Sofaer (1997), e feita pelo
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N
Poente:
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
Solstício de Verão 56
o
Mínimo Lunar
Mínimo Lunar
62.3o
Ur
68,5o
Equinócio
O
90o
L
Equinócio
-68,5o -62.3o
Mínimo Lunar
Mínimo Lunar
-56o
Solstício de Inverno
Solstício de Inverno
Máximo Lunar
Máximo Lunar
S Fig. 13 Relógio solar-lunar. Indicando uma orientação de acordo com a Máxima Lunar
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Meridiano (meio-dia)
Fig. 15 Foto da maquete de Ur
Fig. 14 Foto da maquete de Ur
83
Khirokitia está situada em uma montanha de 60 metros de altura e 250 de diâmetro, terminando em um vale onde corre o rio Maroni. Este rio costumava ser muito mais caudaloso na época do assentamento, do que é hoje.
Khirokitia
Estima-se uma população de aproximadamente 300 a 600 pessoas (Le Brun, 1996).
Fig. 01 Mapa de localização de Khirokitia (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Khirokitia foi um assentamento neolítico. Alguns dados desencontrados quanto sua datação exata, mas seria algo próximo de 7000 a.C. até 6000 a.C. (Le Brun, 1996). Localizado ao sul da ilha de Chipre, em Limassol. Cobria uma área de 1,5 ha. Chipre já era uma ilha quando o primeiro homem apareceu no Oriente médio. Existe muita especulação sobre a primeira vinda do homem a ilha. Por volta do IX milênio a.C. são encontrados vestígios humanos na região. (Swiny, 2001)
84
A economia de Khirokitia era à base do cultivo de uns poucos cereais, o pastoril de novilho e porcos, e a caça de veados. Eles não possuíam a tecnologia de produzir cerâmicas, por isso, utilizavam pedras, madeiras e até couro como vasilhames. Toda a matéria prima utilizada em Khirokitia provinha da própria ilha, exceto a obsidiana (um tipo de rocha) que provinha provavelmente da região de Anatólia. É evidente que tinham algum tipo de contato com o continente. O local escolhido para o assentamento neolítico se postava na escarpa da colina até sua base, próxima ao rio (Fig. 2). Khirokitia estava protegida ao norte pela própria colina, a leste e ao sul pelo rio, que em sua época era muito mais caudaloso do que é hoje. Só não existia proteção natural no lado oeste do assentamento, deixando-o exposto às montanhas vizinhas.
Foi então construído, o assentamento, ao longo da encosta oeste, em uma longa e larga estrutura de pedra, cruzando de norte a sul; funcionando como uma muralha de 200 metros de comprimento, 3 metros de altura e 3,5 metros de comprimento, promovendo, portanto, tal proteção artificial. Assim, foi rejeitada a antiga teoria do arqueólogo Dikaios, sobre esta estrutura poder se tratar da “ rua principal” de Khirokitia; confusão feita pelo fato de que existiam casas quase que simetricamente nos dois lados da muralha, não fazendo sentido caracterizá-la como muralha, mas sim uma via de acesso. Todavia, foi então, que arqueólogos, mais recentemente descobriram uma nova muralha, a oeste da existente. Encontraram, assim, sua verdadeira função: muralha. Comprovado foi, pelo fato de que as casas a oeste da muralha datam de períodos mais recentes do que as do lado leste. (Le Brun, 1996) Ao todo são 48 cabanas circulares escavadas até agora, mas que provavelmente devam existir mais. Eram casas feitas de pedra, algumas maiores possuíam dois pavimentos, suportados por dois maciços pilares de pedra (Fig. 3).
Fig. 02 Mapa do sítio arqueológico de Khirokitia
Fig. 03 Ruínas de Khirokitia, em destaque os dois pilares que sustentavam o segundo pavimento de uma das casas
85
Khirokitia
Especula-se que o segundo pavimento funcionasse como um refúgio para a casa nas épocas de inundação, já que algumas estruturas abaixo da encosta indicam sucessivas inundações causadas pela cheia do rio. As medidas externas das cabanas variavam entre 2,3 a 9,2 metros, e internamente entre 1,4 a 4,8 metros; mostrando assim, o quão robusta era sua estrutura, às vezes com quase 2 metros de espessura. Sua porta de entrada era suspensa, quase um metro (fig. 4). O interior das casas era decorado com murais, mas sua má condição de conservação não permite a visualização deles, sendo que o pouco que é reconhecível trata-se de formas geométricas. Achava-se que a cobertura de suas casas fosse de domos de pedra (Fig. 5). Porém recentemente, descobriram-se evidências suficientes para indicar que Khirokitia usava coberturas retas em madeira, tipo terraços. (Fig. 4) A maquete feita de Khirokitia foi levada em consideração a cobertura em forma de domo, porque durante a sua execução era desconhecido este dado. Nem todas as cabanas eram auto-suficientes; possivelmente aquelas que compartilhavam de um mesmo terraço, diversificavam suas funções;
86
enquanto uma cabana servia para dormitório, a outra para cozinha e uma outra para deposito e área de trabalho. Ha indícios de culto aos ancestrais, porque seus mortos eram enterrados embaixo do piso, e diversos objetos depositados como oferenda junto ao túmulo. O abandono de Khirokitia é um mistério. Foi por volta do ano 6.000 a.C. que o assentamento foi completamente abandonado, como também outros assentamentos da ilha de Chipre o foram. Só 1.500 anos depois é que foi datado o retorno do homem à ilha. Referências Iconográficas: Figura 1 – Disponível em <http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Western_Asia> Figura 2 – Disponível em <Swiny, 2001. Pag. 110> Figura 3 – Disponível em <http://www.du-ciel.com/ wordpress> Figura 4 – Disponível em <http://en.wikipedia.org/ wiki/File:Choirokitia> Figura 5 – Disponível em <http://www.limassollink. com/history >
Referências Bibliográficas específicas: LE BRUN, Alain. Neolithic Khirokitia. Cultural Foundation of the Bank of Cyprus. Nicosia, 1996 SWINY, Stuart. The earliest prehistory of cyprus from colonization to exploitation. American Schools of Oriental Research. Boston, 2001
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500): Diferente das outras maquetes, esta não tem o seu norte alinhado ortogonalmente com os lados do terreno. Trata-se de mais um dado para uma maior complexidade que seria para sua execução, uma vez que o terreno era extremamente íngreme, quase 23% de inclinação. Por isso, o recorte do terreno foi alinhado ao assentamento, e não ao norte geográfico. A execução foi dividida em duas etapas; a primeira quando foram feitas todas as casas circulares com a cobertura em forma de domo. Mas como já foi visto anteriormente, esta não é a forma em que eram as coberturas das casas de Khirokiatia. Recentemente foi descoberto que suas coberturas eram em forma de terraços
Fig. 05 Antiga reconstituição das casas de Khirokitia. Recentemente descoberto que sua cobertura não era em forma de domo
Fig. 04 Reconstituição das casas de Khirokitia, reconstruídas no próprio sítio arqueológico
87
Fig. 06 Casas implantadas em diferentes focos aglomerados
(superfície reta). A altura utilizada para as casas foi proporcional ao seu diâmetro; quanto maior o diâmetro, maior sua altura.
Khirokitia
A segunda foi para a execução do terreno, que foram 20 chapas sobrepostas para representar sua acentuada inclinação. E então foram coladas todas as casas, como também a muralha. Foi escolhida a escala 1:500, porque o assentamento possui pequenas dimensões: 1,5 ha.
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana: Formato da casas: Khirokitia é o assentamento mais antigo aqui em estudo. É o único que se encontra no período anterior do primeiro aparecimento da arquitetura ortogonal (Margueron, 1991). Portanto, apresenta casas em formatos circulares. Existe uma predominância da forma circular nos primeiros assentamentos humanos, como por exemplo em Dolni Vestonice há quase 25 mil a.C., e mesmo em Terra Amata há 400 mil a.C. Seria, portanto, a forma circular a mais adequada para representar uma habitação humana?
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Teria em sua gênesis da domesticação do espaço, a utilização da forma geométrica circular? Ou então o círculo seria uma forma copiada da natureza, como o ninho dos pássaros, o formato do sol ou da lua; o útero da mulher, ou mesmo uma reprodução funcional percebida por exemplo através do um círculo de pessoas sentadas em torno de uma fogueira? Será que a forma de círculo, traz uma sensação de proteção contra o meio externo perigoso e desconhecido, mais do que qualquer outra forma? Formato da aldeia: Quanto ao formato da aldeia, logo se pode perceber uma tendência aos aglomerados crescerem em volta de um foco, como os três aglomerados de casas, em três cotas de alturas diferentes (Fig. 6). Seria cada aglomerado um tipo de organização diferente, baseado na hierarquia social? Dificilmente, já que como foi visto em Çatal Hüyük, a população neolítica era uma organização igualitária e organizada em núcleos familiares; além do que não existia diferença entre a arquitetura das casas de cada aglomerado.
Seriam assentamentos em épocas diferentes, talvez abandonados por terem sido alcançados pela cota de inundação; ou o contrário, foram acompanhando continuamente a baixa do rio? Difícil, já que o rio provavelmente não chegaria a ter uma variação de quase 30 metros de altura (Fig. 7). Mesmo porque o assentamento mais recente, que está do lado oeste da muralha, foi construído espelhadamente com o antigo aglomerado do lado leste da muralha (Fig. 8 e 9); descartando a possibilidade de cada aglomeração ter acontecido em momentos diferentes. É mais coerente que seja algum tipo de diferenciação, por diferentes clãs (consangüíneos), ou por apresentarem funções diferentes para o grupo, como: caça, pesca e colheita; ou alguma diferenciação simbólica desconhecida. Ou, porque não, a soma de todos estes elementos. Um indicador para esse fato é a contínua implantação das novas casas do lado oeste, acompanhando o desenho de implantação das casas do antigo aglomerado, lado leste.
Localização da aldeia: Um fato intrigante é a assentamento à muralha.
proximidade
do
De acordo com Le Brun (1996), as barreiras naturais da aldeia são os rios e a colina, e conforme a Fig.10, foram encontradas alguns poucos vestígios de estruturas em pedra em suas extremidades, podendo caracterizar provavelmente alguma espécie de base-mirante, além de promover uma visibilidade de todo o entorno das terras vizinhas. Sendo assim, porque que o assentamento foi se localizar junto à muralha, e não na centralidade de suas barreiras naturais? Teria a muralha, além de sua função prática de proteção, a de possibilitar o caminhar em seu topo e a de observar à distância, algum tipo de valor simbólico que fizesse o aglomerado de casas estarem imediatamente junto à muralha? É também de difícil interpretação, o fato de sua expansão para o lado leste da muralha, forçando a construção de uma segunda muralha paralela a oeste da existente. Seria algum motivo simbólico, a divisão do assentamento em dois grupos diferentes, migrando uma parte para o lado oeste da muralha, enquanto a outra metade permaneceu no lado leste? Seria a muralha uma espécie de eixo que distinguia um grupo do outro? De acordo com Levi-Strauss (2007) uma tribo
Fig. 07 Reconstituição de como teria sido uma grande inundação na região
89
Khirokitia
indígena brasileira, os Timbira, era separada entre dois lados. O lado leste e o oeste (Kamakra e Atukmakra, respectivamente). O leste representava características análogas entre si como: sol, dia, estação seca, fogo. terra, vermelho. E o oeste também: noite, lua, estação chuvosa, lenha, água, negro. Tal separação complementar entre si, encontravase condicionada pela posição geográfica de suas casas. Também pode ter sido uma das causas que motivaram tal separação entre os lados em Khirokitia. Estas são apenas especulações sobre a lógica que levou a aplicação de mais uma muralha. Como a arqueologia não é uma ciência exata, futuramente mais dados podem aparecer e relacioná-los a distintos motivos dos aqui empregados. Relógio solar-lunar: Indica que o eixo da muralha, está alinhada junto ao nascente (ao sul) e ao poente (ao norte) do Máximo Lunar, com uma imprecisão de 6º. Agora, se foi um motivo deliberado de seus construtores construírem-na alinhada à lua, ou se foi por acaso, já não é possível determinar. (Fig. 11)
90
Fig. 08
Fig. 09
Khirokitia antes de sua expansão para o Oeste
Khirokitia depois de sua expansão para o Oeste
Referencias Bibliográficas específicas: LE BRUN, Alain. Neolithic Khirokitia. Cultural Foundation of the Bank of Cyprus. Nicosia, 1996 LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Paulo : Cosac-Naify, 2008.
estrutural.
MARGUERON, Jean-Claude. Mesopotámicos. Madrid, Cátedra. 1991.
São Los
SOFAER, Anna. The Primary Architecture of the Chacoan Culture: A Cosmological Expression. In Anasazi Architecture and American Design, edited by Baker H. Morrow and V. B. Price, pp. 88–130. 1997. University of New Mexico Press, Albuquerque.
Fig. 10 Em amarelo a região de Khirokitia protegida por barreiras naturais
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N
Poente:
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
Solstício de Verão
56o
Mínimo Lunar
Mínimo Lunar
62.3o
Khirokitia
68,5o
Equinócio
O
90o
Equinócio
-68,5o
Mínimo Lunar
-62.3o -56o
Solstício de Inverno Máximo Lunar
Fig. 11 Relógio solar-lunar. Indicando uma orientação de acordo com a Máxima Lunar, com 6o de imprecisão
92
L
Mínimo Lunar Solstício de Inverno Máximo Lunar
S Meridiano (meio-dia)
Fig. 12 Vista olhando de cima para baixo da colina de Khirokitia
93
Tulor
chilena, situado próxima ao atual São Pedro do Atacama, encontra-se a 2200 metros de altitude. O assentamento foi erguido entre 380 a.C. e 200 a.C. Espalhados ao longo de dois quilômetros (Leste-Oeste), 22 vestígios arqueológicos de assentamento podem ser encontrados, sendo o maior deles Tulor, contando com uma área de 5200 m2 (Fig. 3).
Fig. 01 Mapa de localização de Tulor (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Na região do atual Atacama, em um tempo até a 3000 a.C., havia apenas povos caçadorcoletores, com assentamentos móveis e cabanas circulares. A partir de 3000 a.C. até 2000 a.C. começaram a surgir os primeiros assentamentos permanentes, com habitações circulares, semienterradas; como o assentamento de Puripica (Fig. 2). Suas construções eram feitas com paredes duplas de pedra e recheio de lama, e havia por volta de 15 habitações. O tamanho do assentamento era de 936 m2. Tulor, um outro assentamento desta região
94
Não foi encontrada uma fonte que mencionasse sua população, por isso foi feita uma estimativa da relação da área de Tulor (5200 m2) e do assentamento de Calar (2990 m2), situado na região do Atacama, construída no mesmo período que Tulor, e com suas mesmas característica morfológicas. Uma população de 150 habitantes (Adán, 2007). Resultando em uma estimativa de 300 habitantes para Tulor. Com aproximadamente 102 recintos, sendo destes 23 estruturas circulares, que variavam em seu diâmetro entre 3 a 8 metros; eram semi-enterrados e construídos com adobe. O primeiro assentamento da região a apresentar tal tecnologia, já que até então eram utilizadas construções apenas feitas em pedra, foi justamente o de Tulor. Ainda na região podem ser encontradas na cultura Chipaya, técnicas construtivas muito semelhantes com as de Tulor (Fig. 4).
Fig. 02 Planta do assentamento Puripica. S/ escala
Possuía um extenso muro de no máximo 2 metros de altura correndo sentido S-SO, provavelmente funcionando como proteção às fortes rajadas de vento que provinha do SO, de até 50 km/h. O muro foi reforçado por 8 vezes ao longo de sua vida útil. Em uma das cabanas circulares foram encontrados elementos que representava a possibilidade de um grande fluxo de pessoas, com um grande fogo central, sete fogueiras periféricas, seis acessos à cabana, e muito material cultural; além de uma espécie de depósito, tal como ossos de animais, cerâmicas, utensílios em pedra. Havia outra cabana que deveria contar com fluxo menor de pessoas, menos entradas e área com depósitos de miscelâneas. Tulor não era uma cidade auto-suficiente, dependia do comércio com outras regiões para sobreviver. Há evidências de que mantiveram contato com povos do altiplano boliviano, próximo da região de Oruro. Sua economia era baseada no plantio do milho e no consumo de camelídeos já domesticados. Utilizavam das regulares cheias do rio próximo para o cultivo do milho.
Fig. 11 Planta da aldeia Tulor. Escala gráfica
Depois de seu abandono por volta de 200 d.C.,
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Tulor foi usada até o VIII século como depósito tumular das populações atacamenhas vizinhas. E então, por volta de 800 d.C até 1200 d.C., o Atacama passou por um intenso processo de desertificação, tendo suas populações residentes migrado para regiões mais prósperas. Referências Iconográficas:
Tulor
Figura 1 – Disponível em <http://en.wikipedia.org/ wiki/File:South_America> Figura 2 – Disponível em <Nunez, 2005. Pag. > Figura 3 – Disponível em < Adán, 1986. Pag. 14> Figura 4 – Disponível em < http://cottachile. wordpress.com/2010/12/13/charla-los-chipayasmodeladores-del-espacio> Referências Bibliográficas específicas: ADÁN, Leonor. URBINA, Simón. Arquitectura formativa en San Pedro de Atacama. Estudios Atacameños: Arqueología y Antropología Surandinas N° 34. 2007. Santiago, Chile. Pag. 7-30 BARON, A., 1986. Tulor: Posibilidades y limitaciones de un ecosistema. Chungara 16/17 .Arica, Chile. Pag. 279288. 1986
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Fig. 04 Cabanas circulares, ainda hoje existentes na cultura Chipaya
NUNEZ, Lautaro. La naturaleza de la expansión aldeana durante el formativo tardío en la cuenca de atacama. Arica, v. 37, n. 2, 2005
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500): Assim como Çatal Hüyük, Tulor foi uma cidade na qual não haviam reconstituições para usar como material de referência. Primeiramente, foi feita uma longa reflexão sobre a planta da cidade (Fig. 5), para verificar qual dos ambientes seria coberto ou descoberto a fim de poder construir sua volumetria. De acordo com a figura 5, em amarelo, estão os espaços abertos; e preenchido com grafite, os espaços cobertos. Para essa análise foi necessário acompanhar a descrição dos ambientes, em conjunto com um esquema de fluxos de circulação para deduzir quais espaços eram abertos e quais eram cobertos. Porém, esta análise foi deixada de lado porque iria ocultar as conexões e circulações das cabanas (que de fato eram cobertas); e deixaria também de mostrar todos os espaços de conexão e a circulação interior.
Fig. 05 Esboço do fluxograma entre espaços privados (em grafite) e coletivos (amarelo). S/ escala
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Tulor
N
Fig. 06 Maquete de Tulor, vista do topo
Fig. 07 Esquema da divisão interna de Tulor. Em vermelho: depósitos, conexões, etc. Os círculos amarelo são habitações. Morfologia urbana voltada para o Norte, hemisfério onde o sol é predominante. S/ escala
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Para construir o terreno foi necessário utilizar o Google Earth, porque em nenhum outro lugar havia plantas com a topografia do local. Primeiramente, foram feitas as peças circulares e o terreno. Coladas as peças circulares sobre o terreno, eram então coladas uma a uma as suas divisórias de conexão. Interessante notar que durante a execução da maquete, sua rede de conexão ia ficando cada vez mais rígida, porque escorava uma nas outras, e nas cabanas circulares. Ao final foi parecendo um único grande “organismo”, auto-estruturado. A escala escolhida foi 1:500 dado a suas pequenas dimensões.
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana: Formas simbólicas internas: Tulor possui certo parentesco com Çatal Hüyük. Çatal Hüyük possui um módulo, a casa ortogonal, que se repete indefinidamente até formar o corpo do assentamento, aglutinado uns aos
outros dando um aspecto de homogeneidade. Em Tulor o módulo é a cabana circular, que se repete indefinidamente até formar o corpo do assentamento, com certo espaçamento entre elas. Subordinada a elas existe toda a complexa e orgânica rede de conexões e circulações acontecendo entre as cabanas, dando também um aspecto de homogeneidade. Assim como Çatal Hüyük, Tulor não revelava nenhuma evidência de espaço público. Suas semelhanças terminam com o fato de que o espaço interno das cabanas de Tulor são quase três vezes maiores do que as habitações de Çatal Hüyük, apresentando uma organização por clã e não por núcleo familiar; indicando assim, uma característica mais coletiva de sua sociedade. Em Tulor as cabanas exercem certa força centrípeta na sua densa rede de conexões que as envolve. Essas conexões não são nem públicas, nem privadas, mas alguma coisa entre as duas. Talvez a grande diferença entre Çatal Hüyük e Tulor, seja que o primeiro tenha bem delimitado
onde é o começo e o fim da cada habitação. Enquanto Tulor apesar de ter características semelhantes a Çatal Hüyük como a independência que cada cabana circular tinha uma da outra, mostrando sua privacidade, seu isolamento, contava com locais onde deveriam ocorrer momentos em que o clã se reunia, e dentre outras atividades deveriam haver trocas culturais e também religiosas. Nessas situações, seus lugares estavam muito bem delimitados e isolados das demais cabanas. Agora, a zona de conexões e circulações, onde deveriam acontecer todas as atividades de suporte para a vida; como depósitos, guardar animais domesticados (camelídeos), depósito de lixo e área de circulação, essas atividades funcionais, deveriam ser encaradas como algo organizado coletivamente, ao invés de ser algo delimitado por núcleo familiar. Resumindo, Çatal Hüyük tinha tanto atividades culturais e religiosas, quanto atividades econômicas muito bem delimitadas por núcleo familiar. Enquanto que Tulor parecia possuir sua vida cultural e religiosa muito bem delimitada por clã, enquanto que suas atividades econômicas eram enxergadas pelos seus habitantes como uma atividade de cunho coletivo.
99
Formas simbólicas externas:
Tulor
Tulor a primeira vista, parece inicialmente um amontoado de casas, ligadas entre si pelas confusas conexões, aparentemente sem critério algum. Mas familiarizando-se com tais formas, a sua “organicidade” parece revelar algumas informações simbólicas, concretizadas pela utilização do relógio solar-lunar de Tulor. Sua forma urbana parece estar se abrindo para o norte (região que o sol predomina ao longo do ano), como se o assentamento estivesse se abrindo para a iluminação solar (Fig. 7). Inclusive, a parte anexa a Tulor (a leste), que em conjunto com Tulor (a oeste) parece estar formando um cone aberto para o norte. De acordo com o relógio solar-lunar, o muro ao sul de Tulor, está alinhado com o nascente-poente do Máximo Lunar (Fig. 8). Tais características indicam que seus construtores levaram em consideração e aplicaram em sua arquitetura, os valores simbólicos exercidos pelos astros celestes. Referências Iconográficas: Figura 5 – Disponível em <esboço do autor>
100
Figura 6 – Disponível em <Material fotografado por Rafael Craice> Figura 7 – Disponível em <esquema eletrônico, desenvolvido no Adobe Indesign, e feito pelo autor.> Figura 8 – Disponível em <Montagem do relógio solarlunar foi baseado no material de Sofaer (1997), e feita pelo autor no Adobe Indesign. > Figura 9 e 10 – Disponível em <Material fotografado por Rafael Craice>
N
Poente:
Meridiano (meio-dia)
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
64.4o
Mínimo Lunar
70
Equinócio
Solstício de Verão
58. 7o
O
Mínimo Lunar
o
L
90o
Equinócio
-70o
Mínimo Lunar
-64.4o -58.7
Solstício de Inverno Máximo Lunar
Fig. 08 Relógio solar-lunar. Indicando uma orientação do muro com o Máximo Lunar
o
Mínimo Lunar Solstício de Inverno Máximo Lunar
S 101
Tulor
Fig. 09 Foto da maquete de Tulor
102
Fig. 10 Foto da maquete de Tulor
103
Poverty Point
Fig. 01 Mapa de localização de Poverty Point (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Poverty Point uma das maiores e mais complexas ocupações de “earthwork” (trabalho em terra) do período na América do Norte. Desenvolveu-se de 1650 a.C. até por volta de 700 a.C. Localizado no atual estado de Lousiana. Chegou a ter 3,68 km2. Especula-se que em seu auge haviam um milhar de habitantes em Poverty Point. (fig. 2) Seis meias elipses foram erguidas, seis montes, e mais um enorme monumento feito de terra em forma de “T”, outros em forma de domo, cônico e plataforma. Milhares de metros cúbicos de terra foram movidos para construí-los. Utilizaram
104
Fig. 02 Mapa de Poverty Point, s/ escala
amplamente a argila local para construir suas estruturas urbanas; uma argila muito fácil de ser extraída, por isso eram necessárias pedras para a contenção das estruturas em argilas, para que elas não colapsassem. As construções dos montes e anéis foram feitas em muito pouco tempo; Gibson (2001) diz ter levado menos de três gerações, de acordo com suas datações. Era muito freqüente o uso de diversos objetos feitos de pedra, muitos deles zoomórficos; estas pedras eram trazidas de 2500 quilômetros de distância e acabavam por se tornar umas das suas atividades mais importantes. O comércio também tinha uma grande importância no cotidiano de seus habitantes, visto que estavam muito bem localizados, próximo ao rio Mississipi; logo possibilitava o contato dos grandes lagos ao golfo do México com certa facilidade. O comércio para seus habitantes não era exercido com fins econômicos, mas sim a cultura de dar e receber presentes, gentilezas, honra de outras culturas. A alimentação era a base da pesca, caça e coleta, principalmente a pesca. A agricultura ainda estava em um momento muito primitivo, não tendo significativa importância na sua dieta. Por isso que Poverty Point é uma exceção dentre outros grandes complexos urbanos, por
não sobreviver da agricultura como sua principal fonte de alimento, mas sim da caça e da coleta. Poverty Point não se encerrava em seus anéis de terra; havia a sua periferia que alcançava oito quilômetros por todas as direções, exceto a leste que estava o rio Mississipi. No assentamento principal estaria majoritariamente as residências, e em sua periferia aquelas que dariam suporte a sua estrutura urbana. (Gibson, 2001) Não era uma sociedade com um grande chefereligioso, ou uma discrepante hierarquia social. Nestes aspectos Povert Point se apresentava mais equilibrada do que, por exemplo Cahokia. Existem algumas discussões acerca de haver ou não residências no topo dos anéis de terra. O arqueólogo Gibson (2001) afirma que vestígios arqueológicos de fundações de antigas residências no topo dos anéis indicam sua presença. Porém outros arqueólogos rebatem dizendo que a quantidade de fundações são poucas, não justificando o intenso uso residencial da área, da qual Gibson argumenta que seguidos trabalhos em cima do solo dos anéis foram feitos, e que foram destruidos a maioria dos vestígios das fundações. (Milner, 2004)
Os arqueólogos Sherwood Gagliano e Edwin Jackson acreditam que Poverty Point não foi um assentamento que continha importante função residencial, e sim um grande complexo cerimonial, onde grupos de indivíduos de lugares diferentes se encontravam para fins religiosos e trocas comerciais. Gibson critica argumentando que havia objetos arqueológicos em grande quantidade, que justificaria a presença de residências nos anéis de Poverty Point. (Milner, 2004) O seu declínio veio com o gradual aumento de habitantes e o declínio de produtos alimentícios de fácil obtenção (caça e coleta), culminando em uma crise, seguida por uma dispersão populacional. Principais estruturas: Praça Central ou Open Court: provavelmente onde ocorriam danças, jogos de bola, rituais, cerimônias, assim como seria o local mais bem protegido dentro da proteção simbólica exercida por todo o complexo de Poverty Point (será explicado mais a frente). Mound A ou Bird Mound: (fig. 3) possui um formato em “T” e é conhecido como o “Monte Pássaro”, por ser esta a intenção de seus construtores; estando no eixo norte-sul suas asas e no eixo
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Poverty Point
leste-oeste seu corpo, estaria virado para os anéis. Representou um importante monumento simbólico do lugar. Foi construído em um pequeno espaço de tempo, provavelmente em três meses. Possui um volume total de 238 mil m3 de terra. É o segundo maior monumento précolombiano da América do Norte, o primeiro foi o Mound Monk em Cahokia. Possui dimensões de 21 metros de altura, 194 metros de largura e 215 metros de comprimento. Estudos indicam que o Mound A se localiza no centro do alinhamento entre o Mound B e o Ballcourt Mound, e mais afastada dos montes Mound Motley (ao norte) e do Mound Lower Jackson (ao sul), formando uma única linha nortesul, características que evidenciam a presença de um planejamento urbano. Lower Jackson Mound é um monte construído há centenas ou até milhares de anos antes de Poverty Point, e foi incluído dentro de seu planejamento urbano, apontando um grande respeito a seus ancestrais. (fig. 4) Mound B: situado a noroeste dos anéis de terra, possui forma de plataforma, provavelmente foi usado para cerimônias de sepultamento, sejam para indivíduos importantes ou para sacrifícios humanos. Ballcourt Mound: plataforma onde aconteceriam
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Fig. 03 Bird Mound. Possui dimensões de 21 metros de altura, 194 metros de largura e 215 metros de comprimento.
jogos de bola. Dunbar Mound: situado imediatamente ao norte da Open Court. Foram encontrados diversos ornamentos em pedras de grande valor, uso ainda não definido. Lower Jackson Mound: em forma de cone, foi construído há algumas centenas ou até milhares de anos antes de Poverty Point, possui quase 8 metros de altura atualmente. Sarah’s Mound: uma plataforma em formato retangular, não alinhado ao norte geográfico e sim ao norte magnético, uso não definido. Motley Mound: Ao norte de Poverty Point, possui um formato oval que lembra muito o Bird Mound, alguns especulam que foi uma versão menor dele. Um olhar simbólico sobre a forma urbana de Poverty Point (fig. 5) A própria forma urbana de Poverty Point é a tradução da cosmovisão dos seus construtores. Os anéis em forma de “C” estão abertos para o leste e de “costas” para o oeste. De acordo com Jon Gibson (2001), os anéis abertos para o leste seria uma construção imaginária, colocando geograficamente o sol no centro dos
Fig. 04 Reconstituição de Poverty Point, demonstrando o mesmo alinhamento entre alguns de seus montes
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Poverty Point 108
anéis, simbolizando a fonte da vida, da ordem e harmonia, partindo do seu centro; e este valor simbólico vai gradualmente expandindo como então provocada pela forma geométrica dos anéis. Gibson diz ser possível existir uma hierarquia social entre os anéis, quanto mais próximo do centro, mais elevado é seu grau hierárquico do indivíduo que ali vivia. Gibson se refere a outras interpretações da forma urbana de Poverty Point; o fato de serem formas geométricas abstratas (os anéis) que se opõe de certa forma à organicidade das formas naturais/ reais, impondo-se sobre elas e assim, podendo indicar sua ordem (dos anéis) sobre o selvagem; funcionaria como uma espécie de proteção, um escudo para Poverty Point, de qualquer mal externo que provenha do oeste. Relatos de franceses que chegaram primeiro a região no sec. XVII diziam que as doenças eram conhecidas por vir do oeste e a desordem social do norte; relação esta com o caminho que o sol faz pela abóboda celeste, nascer do sol no leste (região mais privilegiada), e sua inclinação estar do lado sul (região mais privilegiada, também); em contrapartida aos outros dois pontos cardeais, nas quais são agregados valores simbólicos negativos. O próprio Bird Mound está voltado para o leste e de “costas” para o oeste, funcionando também como proteção, como um
Fig. 05 Reconstituição de como seria Poverty Point
amuleto. Foram encontrados em escavações muitas figuras de pedra com forma zoomórfica, muitos deles em forma de coruja. A imagem de pássaros provavelmente simbolizavam proteção. Assim, tanto os anéis quanto o Bird Mound serviam como uma espécie de amuleto de proteção; mas tal cosmovisão também era encontrada em uma escala menor: escala da mão, como os colares e outros ornamentos corporais. Havia seis anéis, seis montes (Dunbar Mound, Sarah’s Mount, Ballcourt Mound, Mound B, Motley Mound, Lower Jackson Mound), seis diferentes compartimentos dos anéis (divisão radial). Seis seria um número sagrado para os nativos, correspondendo ao número de partes primordiais do cosmos: o mundo de cima e o de baixo, mais os quatro pontos cardeais. (Gibson, 2001) Estes últimos quatro parágrafos foram extraídos do capitulo “Stone and Earth Simbolism” (pag. 182-193, Gibson, 2001). “Poverty Point foi um lugar com valores sagrados ou seculares; esta era uma questão que os investigadores vinham repetidamente, se perguntando há anos e nunca obtiveram a resposta. Por quê ? Porque não foi uma ou outra,
foram ambas. Animismo e o dia-dia (cotidiano) são inseparáveis” (tradução do autor; pag. 270; Gibson, 2001) .O cotidiano destes homens, tinha como premissa a estreita relação entre suas explicações mitológicas e o mundo que os cercava, sua praticidade imediata com o mundo físico que os rodeava. Referências Iconográficas: Figura 1 – Disponível em < http://commons. wikimedia.org/wiki/Media:North_America> Figura 2 – Disponível em <Gibson, 2001. pag. 82> Figura 3 – Disponível em <Gibson, 2001. pag. 84> Figura 4 – Disponível em <Gibson, 2001. pag. 99> Figura 5 – Disponível em <Gibson, 2001. pag. 101>
Referências Bibliográficas específicas: GIBSON, Jon L. Ancient mounds of poverty point place of rings. Gainesville, Univ Press of Florida, 2001. MILNER, George R. The Moundbuilders: Ancient Peoples of Eastern North America. London: Thames & Hudson Ltd. 2004. Disponível em <http://www.deltablues.net/jon>
Disponível em <http://www.archaeologychannel.org/ content/video/poverty>
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000): Foram necessárias três plantas diferentes para chegar a um consenso tanto da implantação, quanto da escala, são elas: fig. 2, fig. 6 e fig. 7. E foi a partir destas três imagens que foi tirada a topografia; já a altura dos montes foram tiradas do conteúdo escrito. O modo de recorte das peças foi feito da seguinte forma: impresso o desenho de todas as peças, foram então coladas sobre uma chapa de madeira “balsa”, seguido de um acabamento com lixa. Para dar efeito da praça central foi utilizada espuma expansiva na área que gostaria de dar o efeito. Assim que ela secou, foi só raspar que a marca da espuma permanecia. Para o efeito da água foi utilizado acetato. Referências Iconográficas: Figura 6: Disponível em: http://www.taylorlenz. com/2010/11/poverty-point-national-monument Figura 7: Disponível em: http://en.wikipedia.org/ wiki/Poverty_point
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Poverty Point
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana: Como o arqueólogo Gibson foi usado como referência para descrever Poverty Point, seguiuse uma análise simbólica nas formas urbanas a partir de seu próprio livro, “Stone and Earth Simbolism” (pag. 182-193, Gibson, 2001). E muito pouco resta para fazer a interpretação simbólica de Poverty Point. É realmente impressionante a precisão que as formas dos trabalhos em terra (earthwork) adquiriram em Poverty Point (Fig. 8); onde não só os anéis se encontram em círculos circunscritos de raios constantes, mas também os montes: Ballcourt Mound e Mound B, estão alinhados a estas linhas concêntricas. Encontram-se alinhados concentricamente também com a forma externa da Praça Central e o Dunbar Mound. Ao colocar a planta de Poverty Point (que inclui os montes mais distantes) no relógio solar-lunar, alguns alinhamentos entre os montes aparecem, como Lower Jackson Mound, Ballcourt Mound, Bird Mound e Mound B, encontrando-se no mesmo alinhamento norte-sul. E também, Motley Mound e Dunbar Mound estão alinhados norte-sul. E por último, o Bird Mound e os anéis estão alinhado leste-oeste (também alinhados ao equinócio),
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Fig. 06 Mapa de Poverty Point, utilizado como base para execução da maquete. S/ escala
Fig. 07 Mapa de Poverty Point, utilizado como base para execução da maquete. S/ escala
virados para o leste (Fig. 9). Os construtores de Poverty Point estiveram preocupados em relacionar as construções em terra com algum significado simbólico de sua mitologia, muitas vezes alinhando-as com os pontos cardeais. Referências Iconográficas: Figura 8, 10 e 11 – Disponível em < Material Fotografado por Rafael Craice> Figura 9 – Disponível em < Montagem do relógio solarlunar foi baseado no material de Sofaer (1997), e feita pelo autor no Adobe Indesign. >
Fig. 08 Montagetação sobre foto da maquete, demonstrando a organização concêntrica de Poverty Point
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N
Poente:
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
Solstício de Verão 54.4
o
Poverty Point
Mínimo Lunar
68,1o
Equinócio
O
90o
L
Equinócio
-68.1o -61.8o
Mínimo Lunar
Mínimo Lunar
-54.4o
Solstício de Inverno
Solstício de Inverno
Máximo Lunar
Máximo Lunar
S Fig. 09 Relógio solar-lunar. Indicando uma orientação com os eixos dos pontos cardeais
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Mínimo Lunar
61.8o
Meridiano (meio-dia)
Fig. 10 Foto da maquete de Poverty Point
Fig. 11 Foto da maquete de Poverty Point
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de poverty point a cahokia
Sítios na América do Norte: de Poverty Point a Cahokia
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A seguir uma breve reconstituição histórica dos períodos que se que iniciam pós Poverty Point e antecedem Cahokia. É interessante notar, não só a flutuação da população das cidades, de acordo com o meio ambiente ao seu redor (desequilíbrios climáticos), como as diferentes estruturas urbanas que conversam entre si (influência) ao longo dos anos (vide Middle Woodland). Período Early Woodland (1000 - 1 a.C.) O espaço geográfico compreendido é o sudeste Americano, entre os Grandes Lagos e a atual Flórida. Foi a partir do ano 1000 a.C. que começou a aparecer os primeiros indícios do período neolítico nesta região,com os primeiros assentamentos fixos e com a agricultura (desde então estavam povos que viviam da caça e da coleta). A maior parte dos assentamentos deste período se situava no litoral americano. A ocupação mais significativa deste período é representada pela cultura Adena (1000 – 200 a.C.), que apresentava um complexo grau de desenvolvimento; como figuras zoomórficas representando deidades, suas casas tinham forma circular, e já estavam presente os montes (o termo em inglês utilizado é “mounds”), que
é uma das características mais marcantes da cultura pré-colombiana norte-americana. Estas eram estruturas que poderiam ter sido utilizadas para fins cerimoniais, de sepultamento, ou também políticos. Período Middle Woodland (1 – 500 d.C.) Este período é caracterizado por um deslocamento dos assentamentos humanos para o interior do continente, com uma intensa expansão do comércio, com o crescimento do número de assentamentos e de suas populações, o que levava não só a troca de mercadorias como também a uma troca cultural e religiosa na região. A cultura predominante deste período foi a Hopewell (200 a.C. – 500 d.C.), abrangendo toda a região ao sul dos Grandes Lagos. Apresentavam uma maior estratificação social, crescimento social, hierarquização no sepultamento, quer dizer, os enterros eram mais sofisticados quando de homens mais importantes do que de outros. Continuam presentes os montes com formatos geométricos, mantendo as mesmas funções: para as sepulturas, para os ritos, e também como observatório astronômico. Um exemplo de um assentamento da cultura Hopewell é o sitio arqueológico de Portsmouth,
atual Ohio (fig. 1) e (fig. 2). A primeira, com formas geométricas puramente circulares concêntricas (não deixa de lembrar os anéis de Poverty Point), e a segunda figura, indicando formas antropomórficas. É interessante notar como Portsmouth, está separado em quase um milhar e meio de anos a frente do fim de Poverty Point, e se parece (urbanamente) muito mais com ele, do que com sua irmã mais próxima (separado há apenas algumas centenas de anos antes) de Cahokia. São muito mais semânticas as formas geométrica (ou zoomórficas) dos montes de Portsmouth e de Poverty Point do que de Cahokia; que quase não utiliza os montes como forma comunicativa de algum valor simbólico, utilizando-os puramente para ressaltar uma hierarquia religiosa (middle level Meaning, Rapoport, 2001b). Outro exemplo da cultura Hopewell é o famoso monte em forma de serpente (fig. 3 e 4), indicando uma maior influência da cultura do homem que um dia habitou Poverty Point sobre todo o Sudeste americano, do que esboçar urbanamente o gradual aparecimento da cultura que estava para germinar no vale do Mississipi (a cultura mississipiana).
Fig. 02 S铆tio arqueol贸gico de Portsmouth, em Ohio. Mapa s/ escala.
Fig. 01 S铆tio arqueol贸gico de Portsmouth, em Ohio. Mapa s/ escala.
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Período Late Woodland (500 – 1000 d.C.)
de poverty point a cahokia
Este período se inicia com uma intensa dispersão social, aumentando assim o número de assentamentos humanos, mas diminuindo o número de pessoas que nestes viviam,além de trazer também um isolamento maior entre eles. São sugeridas algumas hipóteses para essa dispersão: os assentamentos cresceram tanto que o comércio não suportou; houve a introdução do arco e flecha, que ajudou a dizimar os grandes mamíferos, forçando a caçá-los em lugares mais distantes; além de uma possível mudança climática que afetou a agricultura. Referências Iconográficas: Figura 1 – Disponível em < http://en.wikipedia.org/ wiki/Biggs_Site> Figura 2 – Disponível em < http://en.wikipedia.org/ wiki/Portsmouth_Earthworks> Figura 3 – Disponível em <https://portfolio.du.edu/ pc/communityport?uid=21024> Figura 4 – Disponível em < http://en.wikipedia.org/ wiki/Serpent_Mound> Referências Bibliográficas específicas:
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Fig. 03 Foto aérea do monte em forma de serpente
Disponível em woodland.htm>
<http://www.cr.nps.gov/seac/
Cultura Mississipiana (1000 – 1500 d.C.) Este foi o período de maior população, maior avanço na agricultura (o aquecimento do clima foi um facilitador). Houve a introdução do plantio extensivo do milho, as unidades políticas eram centralizadas de uma cidade sobre outras, estratificação social, poder político-religioso na mão de um ou poucos chefes. A cultura Mississipiana mostra um abrupto rompimento da organização social, até então exercida pelas sociedades anteriores. Quebrando a estrutura social mais igualitária que existia nas antigas culturas, para uma com ascendente hierarquia social. Rompimento visto também, na transição entre o uso do trabalho em terra (earthworks) semântico, com formas complexas e cosmológicas, para o trabalho em terra (earthwork) mais simples, como com plataformas extremamente altas. Isto indica uma transição do uso do High level meaning (Rapoport, 2001b) para o Middle level meaning. Tal exemplo pode ser notado entre Poverty Point e Cahokia, respectivamente. Referências Bibliográficas específicas: Disponível em <http://www.nps.gov/history/seac/ outline/05-mississippian/index.htm>
Fig. 04 Planta do Monte em forma de serpente. Mapa s/ escala
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Cahokia
Fig. 01 Mapa de localização de Cahokia (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Cahokia (600 d.C. a 1400 d.C.) foi a maior cidade ao norte do México no período pré-colombiano, com mais de 13 km2 (incluindo seus arredores). Sua população oscilou entre 8.000 a 40.000 indivíduos (Woods, 2004); diz-se que por volta do século XIII Cahokia tinha uma população maior do que Londres. O sitio arqueológico de Cahokia está localizado no atual estado de Illinois, EUA. São mais de 120 montes e ainda hoje restam 80. Próximo ao rio Mississipi e da bifurcação de seus afluentes, foi este o ponto chave para o sucesso de Cahokia; possibilitando uma ampla rede de
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comércio com outras cidades que iam desde o Golfo do México até os Grandes Lagos; e seu ciclo de cheias, proporcionando uma agricultura fértil e estável.
também uma mudança do clima (resfriamento do norte dos EUA) afetando o cultivo do milho;o que desencadeou o completo abandono de Cahokia em 1400 d.C.
Os primeiros sinais de assentamento humano datam de 1.200 a.C., mas foi só por volta do ano 600 d.C. que Cahokia começa a apresentar suas primeiras estruturas urbanas. A partir do século IX começam a ser construídos os primeiros montes, e desde então ocorreu um crescimento exponencial, com um pico no ano de 1.250 d.C., entre 20.000 a 40.000 indivíduos. Uma das causas desse crescimento foi a introdução do plantio do milho em larga escala, acompanhada pelo aquecimento no clima por volta do ano 900 d.C.
A cidade de Cahokia possui 17 montes no interior da paliçada (muralha feita de madeira), caracterizando sua parte mais formal da cidade; porém esta não se encerra dentro da paliçada, se estende por quilômetros afora, com mais montes, campos de cultivos, e outras estruturas diversas. Enquanto a paliçada se estende a 1,6 km na sua maior dimensão, sua extensão real, extra-paliçada são de quase 8 quilômetros (Iseminger, 1996).
A partir de 1.300 d.C., inicia-se o declínio de Cahokia, com o seu completo abandono em 1.400 d.C. Alguns dos motivos para o seu declínio apontam para a devastação da floresta do entorno, deixando a cidade sem madeiras para construir a paliçada, suas casas e fogueiras; como também a erosão causada pela agricultura, acarretando danos para mesma, além da migração para terras mais elevadas. Em sua última centena de anos, encontramse vestígios da paliçada e de construções queimadas, vestígios que demonstram um stress social interno e/ou externo; como
Monte Monk: esta é a maior estrutura construída pelo ser humano, durante o período précolombiano. Situa-se ao norte do México, com uma dimensão atual de 28m de altura, 255m de largura e 255m de comprimento. Em seu topo encontra-se uma imponente construção, também de grandes dimensões: 15m de altura, 15m de largura e 32m de comprimento. Situada ao norte da Grand Plaza, era o lugar escolhido onde habitava o chefe político-religioso de Cahokia. Este nome é dado ao monte, porque foi um monge o primeiro a fazer escavações arqueológicas nele.
Suas principais estruturas urbanas:
Woodhenge: nome dado propositalmente por apresentar grande semelhança com Stonehenge na Inglaterra; no entanto ao invés de pedras, Woodhenge é feito de altas toras de madeiras. Situado no lado oeste, fora da entorno de paliçada (por isso não está na maquete), toras dispostas em um grande círculo, tinham como função a de um observatório astronômico. Primeiramente, foram encontrados 60 vestígios arqueológicos das toras de madeira dispostas em círculo, e então foram encontradas mais circunferências construídas em diferentes épocas com, 24, 36, 48, 60, 72 toras; números que provavelmente apontam o uso do calendário lunar (Woods, 2004). A lua faz doze (mais um pouco) ciclos lunares por ano. Importante ressaltar que o Monte Monk está situado bem no equinócio do nascer do sol em relação ao centro do Woodhenge. (fig. 2) Grand Plaza: situado no centro de Cahokia, ao sul no Monte Monk, foi provavelmente palco de demonstrações coletivas político-religiosas, danças cerimoniais e jogos de bola. É alinhada exatamente no centro ortogonal das outras estruturas que a cercam. Esta seria a praça situada no sul de Cahokia; ainda existem suas representantes no norte, leste e oeste, porém fora da paliçada. Para os jogos de bolas, deixavam dispostas altas traves de madeiras. (fig. 3)
Fig. 02 Reconstituição de Cahokia. Perspectiva vista a partir de Woodhenge para Monk Mound
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Cahokia
Paliçada: circunscrevendo a cidade formal (constituída pelos 17 Montes), com uma extensão de mais de três quilômetros, teria 3 metros de altura e seria constituída por toras de madeira. Construído para defesa, apresentava em intervalos constantes, recuos na paliçada com os chamados Bastions, eram como torres de vigilância. Outra função da paliçada seria para reforçar a hierarquia mais formal entre sua área interna em contrapartida com a externa. Montes diversos: foram encontradas três tipologias de Montes; aquele em forma de plataforma, funcionando como base para outras estruturas urbanas; outro em forma de cumeeira; e um terceiro em forma cônica. Sua função podia ser diversa: local para covas, sacrifícios, rituais de sepultamento, demonstrações hierárquicas da estrutura ali situada. Monte 72: Profundamente estudado, este era um monte de pequenas dimensões, apenas um metro de altura, porém com uma grande riqueza de informações. Foram encontradas muitas covas diferentes: um nobre cuidadosamente enterrado com 20.000 conchas (1) (fig. 4); seis caçadores enterrados com centenas de cabeças de flechas e outros itens (2); quatro homens queimados sem suas mãos e cabeças (3); covas coletivas com mulheres provavelmente sacrificadas, sendo que a maior e mais exuberante teriam
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Fig. 03 Reconstituição com vista para a Praça Central e Monk Mound
cinquenta mulheres e 36.000 conchas (4-7); montes menores que depois foram incorporados no maior (8-10). Os quatro homens sem mãos e cabeças podem representar um ritual de sacrifício para acompanhar seu líder na morte (Woods, 2004). Como e por quê essas pessoas se sacrificaram pode ser explicado em um paralelo com tribos estudadas no Mississipi nos séculos XVII e XVIII, onde indivíduos, com freqüência, se voluntariavam para serem sacrificados sob a morte de um líder, para seguí-lo depois da vida, ou honrar sua família. Referências Iconográficas: Figura 1: disponível em < http://commons.wikimedia. org/wiki/Media:North_America> Figura 2: disponível em < http://aphistory2010. yolasite.com/ch1 > Figura 3: disponível em < https://portfolio.du.edu/ portfolio/getportfoliofile> Figura 4: disponível em < http://maisdbyang. blogspot.com/2011/02/cahokia > Referências Bibliográficas específicas: ISEMINGER, William. Mighty Cahokia. Archeology magazine, Vol. 49, No. 3, pp. 30-37. 1996. Archaeological Institute of America. Disponivel em:
Fig. 04 Vestígios arqueológicos de diferentes covas, sob o Monte 72. S/ escala
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<https://portfolio.du.edu/portfolio/getportfoliofile >. Acesso em: 22 de maio de 2010. WILSON, Timothy F, et. al. Exploring the Mississippi.
Cahokia
WOODS, William I. Population nucleation, intensive agriculture, and environmental degradation: The Cahokia example. Netherlands. Agriculture and Human Values 21: 255–261, 2004. Disponivel em: < http://westinstenv.org/wp-content/Cahokia_ Agriculture_and_Human_Values_2004.pdf> Appleseeds, 2005-04. Disponivel em: <http://www. solonschools.org/accounts/SStuart/317201040548_ Cahokia-Mississippiannotes.pdf>
Para definir a paliçada, utilizei imagens (também da internet) das possíveis reconstituições de como seria Cahokia em sua plenitude urbana; assim como das casas de pessoas comuns que foram dispostas de acordo com as reconstituições (fig. 7). Para definir a altura das construções utilizei em sua maioria, as informações dadas pelos artigos científicos coletados (Wood, 2004; Wilson, 2004-5; Iseminger, 1996), e para aqueles que não haviam informações utilizei as imagens da reconstituição. Referências Iconográficas:
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000): Foram necessárias duas plantas de Cahokia, uma mostrando as curvas de nível do terreno (fig. 5) e a outra mostrando a disposição exata das estruturas urbanas; ambas as plantas foram coletadas na internet. Para verificar se as curvas de níveis do desenho estavam coerentes com as do mapa, foi utilizado o Google Earth e foram encontradas suas curvas de nível, onde hoje é o sitio arqueológico de Cahokia; e estavam dispostas de uma maneira semelhante a da
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planta inicial.
Figura 5: disponível em < http://ngm. nationalgeographic.com/2011/01/cahokia/cahokiamap-illustration> Figura 6: disponível em <imagem scaneada pelo autor> Figura 7: disponível em < http://www.irwinator. com/120/cahokia >
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana: Cahokia X Poverty Point Cahokia está há quase dois milênios a frente de Poverty Point. No entanto são duas sociedades completamente diferentes entre si, mas com algumas semelhança que vão possibilitar uma boa leitura comparativa das duas. Ambas utilizam a mesma “escrita” urbana: os montes (earthwork) para caracterizar seu espaço urbano; e ambas possuem dimensões urbanas, muito parecidas, pode-se dizer, equivalentes. Tais fatos vão facilitar muito uma comparação efetiva entre as duas. Primariamente, Poverty Point não possui o domínio de uma tecnologia agrícola eficiente, vivendo principalmente da pesca, gerando uma população proporcional a sua quantidade de alimento obtido; que no seu caso, tinha uma população de aproximadamente mil habitantes. Enquanto Cahokia, que detinha uma eficiente tecnologia agrícola, podia ter mais habitantes, sua população era em seu auge de 40 mil habitantes, quarenta vezes maior do que sua antecessora Poverty Point. Ur, por exemplo, também com área equivalente a das duas, tinha uma população de 65 mil, mostrando que Cahokia estava muito mais próxima de uma
Fig. 05 Planta utilizada para levantar as curvas de nĂvel
Fig. 06 Maquete de Cahokia, vista do topo
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Cahokia
cidade madura do que Poverty Point.
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Suas diferenças continuam em um nível mais sutil. Os construtores de Poverty Point utilizavam os montes como estruturas urbanas carregadas de um valor simbólico intrínseco a sua cosmovisão, como já foi explicado anteriormente (vide Poverty Point), com figuras geométricas complexas, e formas zoomórficas, indicando um elaborado grau simbólico (High level meaning; Rapoport, 1990b). Já Cahokia apresentava montes de formas geométricas simples: retangular e circular. Outra variável seria o uso de plataformas mais altas ou menos altas, dependendo do valor simbólico hierárquico de cada monte. Apesar de Cahokia em comparação a Poverty Point, ter tido um avanço tecnológico muito maior, aparentemente, tal evolução não condiz com o empobrecimento simbólico aplicado em seus montes. Para compreendermos os construtores de Cahokia,temos duas hipóteses; ou sua riqueza cosmológica, passou a utilizar outros meios de comunicação para expressar sua cosmovisão, deixando de lado a linguagem urbana, ou a sua cosmovisão está muito mais fincada em reafirmar os diferentes graus hierárquicos sócio-religiosos de uma pessoa ou um grupo de pessoas, em um nível quantitativo, e não qualitativo (Middle level meaning; Rapoport,
Fig. 07 Reconstituição de como teria sido Cahokia em seu auge.
2002b). Esta análise está de acordo com leitura da forma urbana. Agora, através de outros meios, como a tradição oral, sua mitologia continuou apresentando elaborado grau simbólico, visto que seus objetos são ricos em significados (Iseminger, 1996). Essa comparação sugere algumas insinuações, como se com o decorrer do tempo (dois mil anos) tenha havido um empobrecimento (qualitativo) na forma de apresentar seus “signos” na linguagem urbana (earthwork), para um formato mais simplificado e também mais impactante; logo, de uma rápida compreensão. Tais características possuem certas semelhanças com o que Leroi-Gourhan (2002b) diz sobre o processo de transformação da escrita. No início as gravuras paleolíticas utilizavam de imagens zoomórficas (símbolos reais), que eram acompanhadas por uma sonoridade própria, dado o lugar e ao tipo de superfície da parede da caverna (vide cap. Espaço Simbólico), que em seu conjunto formava o meio de comunicação de sua cosmovisão. E com o passar dos milênios, tal meio de comunicação, se “reduziu” ao, que é o alfabeto, que em uma perspectiva comunicativa (lingüística), nada mais é que somente um aspecto daqueles meios, ou seja, apenas a sonorização gravada em um papel, através de símbolos abstratos (letras).
Portanto, olhar o desenho urbano como uma forma de comunicar sua cosmologia, assim também o é com a escrita. É observado um processo de simplificação (redução), de Poverty Point até Cahokia no uso do urbano como meio de comunicaçao. Mesma tendência, que o processo de redução da escrita sofreu em escala mundial (análogo). Redundância: Cahokia possui ao todo 17 montes (internos a paliçada) orientados exatamente conforme os pontos cardeais. Apresenta uma forte redundância nas características urbanas (Rapoport, 1990b), provavelmente um reflexo de sua sólida e organizada cosmologia.
Dicotomia: Seus construtores utilizavam a dicotomia nos seus elementos urbanos, provavelmente para expressar funções opostas, quando no uso das formas retangular e circular. Se por exemplo, a utilização da forma circular nos montes fosse para representar uso exclusivo para fins tumulares, a utilização dos montes retangulares representariam o mundo dos vivos, com habitações em seu topo. Ou então, poderia
ser a forma circular atribuída a atividades da esfera coletiva, como cerimônias, ritos, sacrifícios, oferendas, enquanto que os montes retangulares seriam para atividades privadas da elite religiosa. Poder e tamanho: O Monk Mound é de longe, a estrutura urbana mais monumental de todas, se destacando na paisagem, a muitos quilômetros de distância. Se fosse levar em conta, o grau de importância em relação ao seu tamanho físico, qualquer comparação que se fizesse com outro monte, que fosse o segundo maior de todos, Monk Mound comparado com este último seria em área: pelo menos quatro e meio vezes maior; em cota de altura seria pelo menos cinco vezes maior; e se fosse levar em conta seu volume, seria pelo menos vinte cinco vezes mais importante do que o segundo. Assim, evidencia-se, uma significativa concentração de poder políticoreligioso nas mãos de um líder, que habita o maior e mais imponente monte de todos: Monk Mound. Relação entre os montes: Através da implantação dos 17 montes mais sua praça central foram feitos estudos de possíveis distribuições espaciais de acordo com sua
125
Cahokia
organização sócio-cultural. De acordo com a figura 09, os 14 montes dentro do retângulo, em roxo, parecem ser estruturas monumentais de pequeno porte, podendo ser dos clãs mais poderosos, ou de uma elite religiosa, que de certa forma possui toda a população comum no seu entorno como suporte e subordinados. Em amarelo, mostra todos os montes do retângulo roxo voltados para a área do retângulo amarelo; mostrando seu mais alto grau de hierarquia sobre sua periferia. No caso, este edifício é o Monk Mound, o maior e mais alto de todos, reforçando ainda mais sua soberania sobre os 14 montes periféricos. E no centro de todas as estruturas, em amarelo, foco de toda atenção, estão dois edifícios e a praça central, provavelmente palco de cerimônias e de ritos públicos. Também deveria ser neste espaço que houvesse o contato da base da pirâmide social com o topo da pirâmide, provavelmente através de encenações que representassem justamente esta hierarquia, através de mitos. Resumindo, seriam quatro esferas. A primeira, externa ao retângulo roxo, onde está toda a população que dá suporte às estruturas mais elevadas; em roxo a elite, que seria a ponte entre o chefe político religioso e sua população; em amarelo o chefe supremo; e em vermelho, o lugar mais importante, o espaço público destinado as grandes cerimônias e ritos. Neste espaço
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Fig. 08 Esquema simplifica dos montes de Cahokia. S/ escala
Fig. 09 Em roxo disposição periférica dos montes da elite ou clãs mais poderosos, Em amarelo a autoridade máxima político-religiosa. Em vermelho espaço público (cerimônias, ritos)
deveriam acontecer cerimônias que encenavam a cosmologia daquela sociedade, reafirmando a estrutura social-religiosa hierárquica, através de mitos. O texto acima foi redigido dando ênfase na hierarquia social, mas esta não deveria ser encarada como uma hierarquia de classes, como na sociedade moderna (acúmulo de capital). Deve ser compreendida, inserida dentro de uma realidade de pensamento mítico-religiosa de Cahokia. Relógio solar-lunar:
Figura 10: disponível em < Montagem do relógio solarlunar foi baseado no material de Sofaer (1997), e feita pelo autor no Adobe Indesign.> Figura 11 e 12: disponível em <Material Fotografado por Rafael Craice.> Referências Bibliográficas específicas: LEROI-GOURHAN, A. O gesto e a palavra.V. 2. Memória e ritmos. Lisboa : Edições 70, 2002b. RAPOPORT, A. The meaning of the built environment : a nonverbal communication approach. Tucson : University of Arizona Press, 1990b.
Foi encontrado, conforme a fig. 10, dois montes circulares um ao lado do outro, cada um apontando para um outro monte circular diferente, alinhados com a Máxima Lunar. O primeiro, com a máxima inclinação que a lua vai atingir no hemisfério norte, e o outro para o hemisfério sul; indicando uma evidência provável, dada a simetria dos dois eixos e sua semelhança morfológica, da utilização efetiva destes dados astronômicos. Todos os montes envolvidos são circulares. Referências Iconográficas: Figura 8 e 9 disponível em <Esquema gráfico, montado pelo autor no Adobe Indesign.
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N
Poente:
Nascente:
0o
Máximo Lunar
Máximo Lunar
Solstício de Verão
52.3o
Solstício de Verão
Mínimo Lunar
59.5o
Mínimo Lunar
Cahokia
66.3o
Equinócio
O
90o
Equinócio
-66.3o
Mínimo Lunar Solstício de Inverno Máximo Lunar
Fig. 10 Relógio solar-lunar. Indicando uma orientação de acordo com a Máxima Lunar
-59.5o
Mínimo Lunar
-52.3o
Solstício de Inverno Máximo Lunar
S 128
L
Meridiano (meio-dia)
Fig. 12 Mapa de Pueblo Bonito, escala grรกfica
Fig. 11 Mapa de Pueblo Bonito, escala grรกfica
129
Pueblo Bonito
Fig. 01 Mapa de localização de Pueblo Bonito (s/ escala)
Contextualização histórica e geográfica: Pueblo Bonito (Fig. 2) é o maior e mais estudado assentamento da região do Chaco Canyon. Conhecido também como “Casa Grande”, está situado em um vale, entre dois grandes platôs, onde um dia passou o rio Chaco, localizado no estado do Novo México, EUA. As suas ruínas atuais ainda estão íntegras, com parte de sua parede externa ainda de pé (Fig. 3). Foi apelidado de “Casa Grande” pelos arqueólogos pela sua estrutura monolítica, pois possuía características comuns a outros
130
Fig. 02 Mapa de Pueblo Bonito, escala gráfica
assentamentos próximos, como sua forma em “D”; pelo fato de ser compacto; de ter uma praça central; muito ambientes retangulares; e espaços circulares semi-enterrados chamados de Kivas. Construído pelos ancestrais da atual cultura “Pueblo”, ainda presente na região, foi construído em 828 d.C. e abandonada em 1126 d.C. Pueblo Bonito é dividido em duas seções precisamente alinhadas, correndo norte-sul; em forma de “D” terminando em sua entrada, voltada para o sul (recebe a luz solar o ano todo), e a extensa e alta parede de “costas” para o norte. No interior do corpo da estrutura do “D”, existe uma enorme quantidade de pequenos quartos retangulares de 5x4 metros, são pelo menos 650 quartos e algumas estimativas chegam a 800. Chegam a cinco pavimentos de altura, e em seus pavimentos mais baixos a espessura das parede às vezes tem um metro de alvenaria. Suas estruturas eram feitas de uma mistura de terra, areia e pedra; ocupando uma área total de 1,4 hectares. Outra estrutura exclusiva da cultura “Pueblo” são as Kivas. São ambientes que variam muito de tamanho; a Grande Kiva de Pueblo Bonito chega a 22 metros de diâmetro, estas eram estruturas usadas para fins cerimôniais. Especula-se que
Fig. 03 Ruínas de Pueblo Bonito
131
Pueblo Bonito 132
cada clã teria sua própria Kiva, e a Grande Kiva seria coletiva. São estruturas semi enterradas, e existem cerca de 30 delas. A Grande Kiva está situada na área central, dividindo Pueblo Bonito em duas partes simétricas; tanto a grande parede quanto as kivas que existem dos dois lados, formam um padrão simétrico, comum a muitas “Casas Grandes” da cultura Pueblo. A população de Pueblo Bonito está continuamente em discussão; os primeiros arqueólogos contavam com o fato de que cada cômodo da grande parede continha uma família, sob esta perspectiva a população seria de muitos milhares de habitantes. Uma análise mais recente, levando em consideração o número de fornos encontrados, baixaria esse número para 800 pessoas, o que seria algo em torno de 3 a 4 cômodos para cada família. É possível que Pueblo Bonito não tenha suportado a quantidade de pessoas, que seu tamanho poderia suportar; o meio ambiente a sua volta não parecia capaz de suportar uma grande capacidade de pessoas. Escavações não revelam significativa quantidade de objetos que apontem um uso residencial que justificasse uma quantidade tão elevada de pessoas vivendo em Pueblo Bonito. Outra sugestão é que Pueblo Bonito tenha sido um importante centro cerimonial da região, por ser o maior
Fig. 04 Reconstituiçao de Pueblo Bonito, em 1.100 d.C.
e mais imponente assentamento em todo o Chaco Canyon. Foi encontrada uma extensa rede de estradas que interligam diversas “Casas Grandes”, com estradas de até 10 metros de diâmetros, sendo a mais extensa a estrada ao Norte, levando a assentamentos além do Chaco Canyon. Pueblo Bonito foi um dos primeiros assentamentos a ser construído, e isso aconteceu 828 d.C. em uma versão menor; foi apenas por volta do primeiro milênio que suas “asas” foram construídas e ficou com sua atual aparência. Cientistas dizem que por volta do ano 1000 d.C. teve uma explosão populacional causada por uma mudança do clima (maior umidade na região), espalhando o estilo “Casa Grande” a uma extensa área ao seu redor, de 65 mil quilômetros quadrados. Em seu auge, por volta do século XII, já havia mais de 70 “Casas Grandes”. Entre elas as mais famosas são: Pueblo Alto, Pueblo Del Arroyo, Aztecs Ruins e Salmon Ruins (fig. 5). Na figura 6 consegue-se identificar a semelhança que existe entre as tipologias urbanas das “Casas Grandes” e também a sua proximidade; ao longo de 14 quilômetros estavam pelo menos 12 assentamentos.
Fig. 05 Mapa localizando todas as “Casas Grandes”, e ilustrando seu layout; s/ escala
Por volta de 1050, o Chaco Canyon foi uma região
133
Pueblo Bonito
que se especula ter uma população de 15005000 pessoas, região preenchida por cidades padronizadas e planejadas, ou “Casas Grandes”; todas estas cidades estavam interligadas por uma vasta rede de vias. Existem provas de que quando Pueblo Bonito foi construído (e todas as demais “Casas grandes”), de exuberantes pinheiros, todo o Chaco Canyon estava repleto deles; porém esta madeira foi largamente usada nas suas construções, limpando toda a floresta que ali havia. Seguido de uma seca intensa, explicaria porque Pueblo Bonito foi habitado por apenas 300 anos, sendo que seus dependentes tiveram que seguir para outras regiões mais prósperas; culminando no seu completo abandono em 1126 d.C. Então, aos poucos os assentamentos foram sendo abandonados, mas também toda a estrutura religiosa das Kivas foram sendo paulatinamente abandonadas e seladas, algumas incendiadas, mostrando o quão sagrados eram esses espaços. De acordo com a arqueóloga Anna Sofaer, a observação dos astros eram fundamentais para a cosmovisão do mundo dos Chacoans. Sofaer fez um levantamento das principais “Casas Grandes” e sua relação urbana com o desenho que determinados astros fazem no céu. De acordo com a figura 7, mostra como cada
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assentamento era planejado para estar alinhado a algum evento astronômico. Pueblo Bonito, por exemplo, está alinhada com os pontos cardeais (N, S, L, O); porém boa parte delas está alinhada com a eclíptica no nascer da lua, no Mínimo Lunar, evento astronômico que acontece uma vez a cada 18,6 anos. (para entender como compreender estes eventos astronômicos, vide “Lições de Astronomia”)
southwest/pueblo_bonito>
O próprio vale que corta o Chaco Canyon possui um natural alinhamento com a Máxima Lunar; segundo Sofaer (1997), este pode ser um dos motivos pelo que os habitantes de Chaco Canyon teriam escolhido o lugar para sua moradia, justamente por estar alinhada com um importante astro (nascer da lua no Máximo Lunar), fato significativo de acordo com sua cosmovisão. Sofaer vai além, propondo possíveis alinhamentos entre os assentamentos, como na fig. 8, alinhamentos cardeais e lunares, ligando uma cidade à outra.
Referências Bibliográficas específicas:
Referências Iconográficas: Figura 1: disponível em < http://commons.wikimedia. org/wiki/Media:North_America> Figura 2. Disponível em <http://www.jqjacobs.net/ southwest/pueblo_bonito> Figura 3. Disponível em <http://www.jqjacobs.net/
Figura 4. Disponível em <http://www.jqjacobs.net/ southwest/pueblo_bonito> Figura 5. Pag. 218; Sofaer, 1997. Figura 6. Pag. 235; Sofaer, 1997. Figura 7. Pag. 240; Sofaer, 1997.
SOFAER, Anna. The Primary Architecture of the Chacoan Culture: A Cosmological Expression. In Anasazi Architecture and American Design, edited by Baker H. Morrow and V. B. Price, pp. 88–130. 1997. University of New Mexico Press, Albuquerque. CORDELL, Linda S. Archaeological Corn from Pueblo Bonito, Chaco Canyon, New Mexico: Dates, Contexts, Sources. American Antiquity, Vol. 73, No. 3 (Jul., 2008), pag. 491-511. http://www.ratical.org/southwest/PBsiteGuide95 http://en.wikipedia.org/wiki/Pueblo_Bonito
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500): Diferentemente de Poverty Point e Cahokia, Pueblo Bonito era muito menor, sendo necessário
Fig. 07 Mapa localizando todas as “Casas Grandes”, e ilustrando seu layout
Fig. 06 Mapa mostrando a orientação de cada “Casa Grande” de acordo com a orientação de eventos astronômicos: “Cardinal” orientado de acordo com os pontos cardeais; “Equinox”/”Solstice” Equinócio e Solstício; “Minor Standstill” Mínimo Lunar; “Major Standstill” Máxima Lunar.
135
Pueblo Bonito
fazê-la em uma escala menor (1:500). Pueblo Bonito exercia uma influência em um espaço geográfico muito menor (Chaco Canyon) do que suas “irmãs” orientais ,Cahokia e Poverty Point. Para fazer a sua extensa parede que chegava a cinco pavimentos de altura, foi utilizado para cada pavimento, uma chapa de madeira balsa diferente, sobrepondo umas sobre as outras até chegar no seu tamanho final. Para isso foram impressas sete paginas A4 que continham todos os moldes de cada pavimento em madeira que deveria ser feito, funcionando quase como um quebra-cabeça (Fig. 8). Outro desafio foi adequar o desnível do terreno dentro do “corpo” do assentamento, sendo que algumas curvas de nível tiveram que ser adequadas ao casamento das peças de madeira sobre o terreno. As Kivas foram um pouco mais simples de serem executadas, uma vez que foram feitas independentemente e posteriormente coladas em seus devidos lugares. Como base da estrutura urbana utilizou-se a fig. 1 (planta), e para identificar suas alturas foram utilizadas as mais diversas reconstituições que havia na internet, sendo a principal, a fig. 3.
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Agora, para construir o terreno, não havia uma planta com suas respectivas curvas de nível; então foi utilizado o Google Earth. Referências Iconográficas: Figura 8. Disponível em <esboço do autor>
Ensaios interpretativos dos significados através da forma urbana: Çatal Hüyük + Tulor = Pueblo Bonito Pueblo Bonito possui características já há muito relacionadas, possibilitando ser comparadas com dois assentamentos, anteriormente explicados: Çatal Hüyük e Tulor. Pode-se dizer que Pueblo Bonito tem características de cada um. Ambos são assentamentos neolíticos, enquanto Pueblo Bonito não o é. Porém dado que seu meio ambiente somente conseguisse suportar certa quantidade de pessoas, acabou por reter o crescimento de Pueblo Bonito em uma escala semelhante aos dos dois assentamentos neolíticos. Suas semelhanças com Çatal Hüyük está no fato de que ambos constituem suas habitações em um aglutinado de cômodos retangulares,
Fig. 08 Molde de peças para recorte, para execução da maquete
com seus espaços muito bem definidos entre si. Encontram-se divididos em núcleos familiares (áreas em vermelho, Fig. 10). Ao menos, todas suas atividades domésticas eram individualizadas por família (atividades femininas). Assim como Çatal Hüyük, Pueblo Bonito era economicamente uma sociedade igualitária, porque suas habitações individuais eram todas semelhantes. Suas semelhanças com Tulor vêm da utilização de espaços circulares para reuniões cerimoniais e religiosas. Divididas por clãs. Assim eram, as Kivas (bolas em amarelo, Fig. 10) e as cabanas circulares de Tulor. Ou seja, provavelmente as atividades externas ao assentamento, como para obtenção de alimentos e construções de novas estruturas, seriam organizadas por clãs (atividades masculinas). Assim como em Tulor, era uma sociedade que se organizava religiosamente por clãs. Pueblo Bonito funcionaria mais eficazmente do que Çatal Hüyük por ter organizações coletivas, a principio organizadas em clãs para fins religiosos, mas desencadeando em outras atividades, que seriam mais vantajosas serem feitas em grupos maiores.
Fig. 09 Foto da maquete de Pueblo Bonito, topo.
Pueblo Bonito funcionaria mais eficazmente do que Tulor, porque separou muito bem sua área
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Pueblo Bonito
+
=
Fig. 10 Tulor, Çatal Hüyük e Pueblo Bonito, respectivamente da esquerda para a direita. Em amarelo: estrutura urbanas circulares, espaço onde aconteciam reunião dos diferentes clãs. Em vermelho massa aglutinada de habitações. Figuras não estão na mesma escala
138
de habitações (representado em vermelho) das áreas comuns coletivas usadas para reuniões dos clãs (bolas amarelas). Possibilitou-se assim, um salto qualitativo dado por Pueblo Bonito, que é somar os dois signos urbanos (sintaxe), o aglomerado de habitações mais os espaços circulares; e dar-lhes então uma forma (semântica). O resultado foi uma estrutura e uma organização simbólica e funcional do espaço. Por exemplo, ao utilizar a grande massa de aglomerados de habitações e redimensionálo em forma de “C”, abre pela primeira vez um centro comum, possibilitando formas de organizações e interações mais complexas. Como a Grande Kiva, que poderia funcionar como uma reunião entre os clãs.
hierarquizada com o coletivo como elemento mais importante do assentamento. Observando os astros: Conforme os estudos da arqueóloga Sofaer (1997), a cultura Pueblo, expandiu sua “fórmula” urbana a 70 assentamentos, em um espaço de tempo muito curto. Em sua maioria, estavam ordenados de acordo com o nascimento da lua (Máximo e Mínimo lunar), ou do sol (solstício ou equinócio); além disso os assentamentos estavam alinhados entre si, de acordo com o alinhamento dos mesmos astros citados anteriormente. É uma indicação de uma sociedade extremamente organizada, no que se refere a sua cosmovisão do mundo, refletida na forma urbana. Pode-se ver:
Repensando seus elementos e em como estão dispostos em Pueblo Bonito, constata-se que na sua periferia estão as habitações aglomeradas, organizadas por núcleos familiares; mais próximo ao centro, estão espalhadas os ambientes circulares que funcionariam como a primeira maneira de interação com o coletivo, e que seriam os clãs. E então, na sua centralidade máxima, estaria o espaço aberto ou a Grande Kiva, funcionando como uma organizadora dos Clãs.
- Aglomerado de habitações divididas individualmente por família. Kivas circulares onde aconteciam encontro entre os clãs. Espaço abertos ou Grande Kiva onde aconteciam reuniões coletivas. Todos estes elementos eram organizados, da periferia para a centralidade, respectivamente; caracterizando o nível de valor de cada esfera, do menor para o maior, respectivamente.
Esta hierarquia da forma urbana mostra uma sociedade igualitária individualmente, porém
- A forma geral do assentamento estar sempre voltada (“aberto”) para o nascente e poente de
algum astro. - 70 assentamentos organizados entre si, por alinhamentos astronômicos, possivelmente desencadeando migrações cerimoniais de acordos com o momento astronômico vigente. - Uma expansão muito rápida desta cultura “urbana” apenas em algumas gerações. - Porém, seguido de um precoce declínio de suas cidades, até seu completo abandono, Pueblo Bonito foi o assentamento que por mais tempo se manteve habitado pois durou três centenas de anos; contudo os povoamentos menores foram habitados por um tempo muito menor, como Pueblo Alto durante apenas 30 anos. -No entanto sua cultura “urbana” ainda permanece viva, ainda hoje existem cidades da região nas quais se utilizam de Kivas, como santuários espirituais.
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Referências Iconográficas: Figura 9 – Material Fotografado por Rafael Craice.
Pueblo Bonito
Figura 10 – Esquema gráfico, montado pelo autor no Adobe Indesign. Figura 11-13 – Material Fotografado por Rafael Craice.
Referências Bibliográficas específicas: SOFAER, Anna. The Primary Architecture of the Chacoan Culture: A Cosmological Expression. In Anasazi Architecture and American Design, pp. 88–130. 1997. University of New Mexico Press, Albuquerque.
Fig. 11 Fotografia ilustrativa da maquete
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Fig. 13 Fotografia ilustrativa da maquete Fig. 12 Fotografia ilustrativa da maquete
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500):
Skara Brae
Foi a maquete mais rápida de ser feita, justamente pela sua simplicidade e pequeno tamanho.
Fig. 01 Mapa de localização de Skara Brae (s/ escala)
Skara Brae: Período: 3.100 a.C. até 2.500 a.C. Localização: Orkney, Escócia População: 50 habitantes Latitude: 59º N Tamanho: 0,12 ha Cultura: Neolítica
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Material gráfico de fácil obtenção, por ser um assentamento reconhecido, por ter sido um dos primeiros assentamentos neolíticos encontrados na Europa, e por ter sido escavado por Gordon Childe, famoso arqueólogo australiano. Para a execução do terreno foi utilizado o Google Earth como base. E então, foi rapidamente executado. O maior trabalho foi o de deixar os domos das casas boleados. A escala de 1:500 foi escolhida dada suas dimensões serem diminutas.
Fig. 02 Reconstituição de Skara Brae
Fig. 03 Skara Brae
Fig. 04 Skara Brae, vista de topo
Fig. 05 Skara Brae, elevação
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500):
Coaña
Foi a última maquete a ser executada. Se comparada com “Çatal Hüyük” a primeira a ser executada, mostra um melhor acabamento da maquete.
Fig. 06 Mapa de localização de Coaña (s/ escala)
Coaña Período: Séc. I a.C. até II d.C. Localização: Astúrias, Espanha População: 1.500 – 2.000 habitantes Latitude: 43.3º N Tamanho: 1,3 ha Cultura: Castreja
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Esta é outra maquete com alto grau de inclinação, quase 25% de inclinação do terreno, sendo então um terreno mais trabalhoso. Mas neste caso específico, o mais difícil não foi exatamente a sua execução, e sim, conseguir levantar graficamente suas curvas de nível. Estas, além de serem muitas, na área de sua “acrópole”, muitas delas eram sobrepostas, e a base gráfica não ajudava a identificar o local exato de cada curva de nível. Foi portanto, também necessário ordená-las conforme a implantação das cabas, fato que a base gráfica não estava levando em consideração. Depois de projetadas e impressas as curvas de nível do terreno, com diferentes cores escalonadas, para ajudar durante a fabricação (Fig, 7), foi feita a execução destas e o terreno colado. Em seguida foram feitas as peças circulares, também com um molde. Depois de coladas no terreno, só restavam as muralhas.
Porém, no final algo havia saído errado, justamente em uma das extremidades da maquete, faltou espaço no terreno para colar as cabanas, ficando então, um tanto quanto “espremidas”. Tal distorção foi causada por uma somatória de imprecisões na hora de colar as chapas do terreno. O uso da escala 1:500 é evidente dado suas pequenas dimensões.
Fig. 07 Curvas de nível desenhadas para execução da maquete
Fig. 08 Coaña vista de topo
145
Coaña
Fig. 10 Foto simulando Solstício de inverno
Fig. 09 Coaña
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Fig. 11 Foto simulando Solstício de verão
Fig. 12 Coa単a
Fig. 13 Coa単a
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500):
Hodde
Esta não foi uma maquete complicada de ser executada.
Fig. 14 Mapa de localização de Hodde (s/ escala)
Hodde Período: Séc. I a.C. até IV d.C. Localização: Jutland, Dinamarca. População: 200 habitantes Latitude: 55.4º N Tamanho: 1,1 ha Cultura: ?
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Primeiramente foram feitas cada uma das habitações por meio da planta gráfica, utilizando sua altura descrita no corpo teórico. Para achar as curvas de nível do terreno foi por fim necessário utilizar o Google Earth. Era quase zero a inclinação do terreno. E por fim, foi colocado o muro em volta do assentamento e de algumas casas específicas. O processo de escolha da sua escala 1:500 foi dado pelas suas pequenas dimensões.
Fig. 15 Reconstituição de Hodde
Fig. 16 Hodde vista do topo
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Hodde Fig. 17 Hodde
150
Fig. 19 Simulação de Hodde no solstício de inverno
Fig. 18 Hodde
Fig. 20 Simulação de Hodde no solstício de verão
151
Great Zimbabwe
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500): Foi uma das maquetes mais desafiadoras a ser feita. Especialmente devido à dificuldade de executar uma muralha com formas orgânicas e espessura tão robusta, assim como também para encaixar as curvas de nível do terreno com a muralha. Fig. 01 Mapa de localização de Great Zimbabwe (s/ escala)
Great Zimbabwe Período: 1.100 d.C. até 1.450 d.C. Localização: Região leste do Zimbabwe População: 18.000 habitantes Latitude: 17.1º Tamanho: 720 ha (0,6 ha apenas a área da maquete) Cultura: Shona
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Para executar a muralha foi preciso fragmentála em partes menores para facilitar a execução de sua acentuada curvatura. Foi utilizado como base a planta impressa (Fig. 24). Sua altura foi estimada através da descrição da cidade, sua muralha interna com 7 metros de altura e a muralha externa com 9 metros. O monumento (obelisco) chamado de Torre Cônica chegava a 15 metros de altura por 5 metros de diâmetro em sua base. Para execução do terreno poderiam ter sido usadas as curvas de nível das plantas gráficas obtidas, porém estas estavam em escala urbana, e não tinham a precisão necessária para a escala trabalhada. Foi então recorrido ao uso do Google Earth. Feitas as partes segmentadas da muralha, foi então iniciada sua colagem no terreno, com eventuais imprecisões entre si, o que foi sendo
corrigida no decorrer da colagem, lixando o excesso e fazendo enxertos nas juntas. Terminado a muralha, foram coladas as cabanas circulares, que foram de mais fácil execução. Apesar de Great Zimbabwe ser na verdade uma cidade formada por distritos urbanos (como a maquete feita era um distrito), estes aglutinados formavam a cidade na sua totalidade (Fig. X), e foram se expandindo por uma área de 720 ha. Foi escolhido ser feito apenas uma parte da cidade (no caso a maquete), por sua consistência volumétrica, e também por não haverem dados suficientes para executar a maquete da cidade toda de Great Zimbabwe. Por isso, ao invés de ter escolhido a escala 1:4000 foi escolhida a 1:500, para representar apenas um distrito da cidade.
Fig. 22 Great Zimbabwe vista de topo
Fig. 23 Mapa de toda a cidade de Great Zimbabwe
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Great Zimbabwe
Fig. 25 Great Zimbabwe
Fig. 24 Ru铆nas da Torre C么nica
154
Fig. 26 Great Zimbabwe
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Kejara
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:500):
Fig. 27 Mapa de localização de Kejara (s/ escala)
Kejara Período: início do séc. XX Localização: Mato Grosso, Brasil População: 150 habitantes Latitude: 16º S Tamanho: 3,7 ha Cultura: Bororo
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Esta maquete foi a mais questionada, em qual escala seria mais adequada. Isto porque ela seria pequena, mas coerente para a escala 1:4000 ficando um pouco maior que Tikal, por exemplo. Porém como foi estabelecido que na escala 1:4000 seriam feitas cidades, e na escala 1:500 aldeias, foi decidido pelo segundo. Tornando-se a maior maquete de todas. A única planta que existe de Kejara foi feita por Levi-Strauss em 1925-28 em sua visita ao Brasil. Posterior a ele, mais nenhum relato iconográfico foi feito. Inclusive hoje, esta aldeia não existe mais, e não foi possível (talvez ninguém saiba mais) localizar seus “vestígios”, para por exemplo achar sua topografia. Por isso, para encontrar a altura dos elementos arquitetônicos da tribo, foi necessário recorrer a outras tribos. Porém, mesmo outras tribos da cultura Bororo, não foram possíveis. Então foi utilizado um levantamento de tribos do grupo étnico Xavante (que também são circulares), e tiradas suas respectivas alturas. Já sobre o terreno, contou-se com a seguinte lógica: como a tribo Kejara era banhada pelo rio Vermelho, foi utilizada como referência de
terreno, outra aldeia, a Tadarinama, tribo Bororo, situada muito próxima deste rio; inclusive é a ultima remanescente das tribos circulares dos Bororos. E então foi utilizada a topografia, com a mesma inclinação entre o rio e a aldeia. Uma vez que se tratava do mesmo rio e do mesmo grupo étnico para escolher qual local seria próximo da aldeia, especula-se que possa ter sido semelhante. Para o processo de execução das peças e do terreno, foi simples. No entanto para representar os caminhos e a praça de dança, foi utilizada uma solução não muito bem resolvida. Foi usada a serragem que sobrava do lixamento das peças de madeira, jogadas em cima de uma película de cola branca. Mas como se pode perceber no resultado final, não ficou bom, porque além de não ficar com uma textura homogênea, a serragem espalhava e grudava na fita crepe recém tirada que serviram como moldes.
Fig. 28 Kejara
Fig. 29 Kejara
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Kejara
Fig. 31 Simulação de Kejara para o solstício de inverno
Fig. 30 Aldeia Kejara vista do topo
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Fig. 32 Simulação de Kejara para o solstício de verão
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Tiwanaku
Fig. 33 Mapa de localização de Tiwanaku (s/ escala)
Tiwanaku Período: 300 d.C. até 1.000 d.C. Localização: Região sul do Titicaca, Bolívia. População: 20 mil – 30 mil habitantes Latitude: 16.3º S Tamanho: 600 ha Cultura: Tiwanaku
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000):
simplificada, um quadrado, o qual se encontra na maquete.
Outra cidade que foi de fácil execução. Só como curiosidade, para executar seu maior monumento chamado de “Akapana”, foi demandado mais tempo do que o resto da maquete.
Quanto ao terreno e seus canais circundantes, foi utilizado como base a mesma planta da maquete e executado com relativa facilidade.
Como as escavações arqueológicas haviam encontradas poucos vestígios, praticamente o que está visível em suas ruínas. Resultando assim, em uma maquete com poucas unidades arquitetônicas. O monumento “Akapana” foi o primeiro a utilizar a operação de sobrepor chapas de madeira, para ela não foi utilizado molde impresso em papel. Foi feito através da marcação a lápis, direto na chapa de madeira do molde imediatamente maior que ele, diminuindo 2mm em todas as dimensões manualmente. Solução pouco eficaz, resultando em muito retrabalho e nível de qualidade menor do daqueles que foi utilizado o molde impresso, seguido do recorte. No topo de “Akapana”, teria que existir uma forma geométrica muito parecida com a forma do próprio monumento, porém a escala não permitia fazer o corte, dado ao tamanho muito pequeno e a complexidade geométrica. Escolhido em seu lugar, uma forma geométrica
A escala I:4000, foi escolhida, dada a sua coerência comparativa com as mesmas de dimensões semelhantes.
Fig. 34 Tiwanaku
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Tiwanaku Fig. 35 Tiwanaku
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Fig. 37 Simulação em Tiwanaku do solstício de verão
Fig. 36 Simulação em Tiwanaku do solstício de inverno
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Huaca del Sol y de la Luna
Fig. 38 Mapa de localização de Huaca del Sol y de la Luna (s/ escala)
Huaca Del Sol y de La Luna Período: 100 d.C. até 700 d.C. Localização: Próximo a Trujillo, Peru População: 5.000 habitantes (estimativa conservadora) Latitude: 8º S Tamanho: 120 ha Cultura: Mochica
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000):
fácil sua pesquisa; indicando inclusive em corte as alturas do Huaca de La Luna. (Fig. 43)
Semelhante a Tiwanaku (talvez tal fato rendesse interessantes analogias). Foi mais trabalhoso construir o elemento arquitetônico mais monumental: “Huaca del Sol”, inclusive mais do que o resto da maquete, dado ao elevado grau de complexidade. Sua reconstituição feita no AutoCAD Fig. 40.
A escala de 1:4000 foi escolhida dadas suas dimensões extensas.
Foram necessários utilizar a metodologia em chapas, valendo-se de moldes impressos em papel e colados na própria chapa de madeira de 1mm, e recortados. Foram também colados, sobrepondo um a um, e alcançado assim, o resultado esperado. Assim como na cidade de Ur, Huaca possui alguns vestígios de sua cidade comum, mas poucos. Estão localizados no centro da maquete. Sendo que a chapa de madeira representa a incidência de casas, e sua ausência, o caminho ou ruas. Obviamente existe apenas uma fração do que foi a cidade, por isso só pode ser levado em consideração suas ruas entre as chapas. O material obtido para fazer a maquete, neste caso, foi de difícil acesso via internet ou livros. Porém como foi possível ter acesso de material do próprio sitio arqueológico, tornou-se mais
Fig. 41 Simulação em Huaca do solstício de verão
Fig. 42 Simulação em Huaca do solstício de Inverno
Fig. 39 Huaca del Sol y de la Luna
Fig. 40 Planta executada no AutoCAD
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Huaca del Sol y de la Luna 166
Fig. 43 Corte no Huaca de la Luna, escala grรกfica
Fig. 44 Huaca del Sol y de la Luna
Fig. 45 Huaca del Sol y de la Luna
Fig. 46 Huaca del Sol y de la Luna
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Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000):
Tikal
A execução de Tikal, foi extremamente difícil dada sua pequena escala, lidando com recortes de peças de até 3 mm (Fig. X).
Fig. 47 Mapa de localização de Tikal (s/ escala)
Tikal Período: Séc. IV a.C. até X d.C. (auge 200 d.C. até 850 d.C.) Localização: Península de Yucatán, Guatemala População: 100 mil - 150 mil habitantes Latitude: 17.3º N Tamanho: 1600 ha Cultura: Maia
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O material iconográfico foi encontrado com facilidade. E então sobrepostos no AutoCAD, e feito o sistema de recorte em chapas de 1mm para cada 4 metros de altura; resultando na seguinte forma de recorte: fig. 50. Para encontrar os dados da altura de cada edifício foi utilizado, descrições do corpo teórico e também através de cortes dos monumentos mais importantes. Àqueles que não haviam informação, foi feita uma estimativa a partir de reconstituições gráficas (Fig. 49). Impresso já na escala, os moldes foram colados e sobrepostos. O terreno foi feito a partir de plantas existente. E finalmente foram coladas as peças sobre os terrenos, Utilizadas pinças porque o uso manual estava impossibilitado. Em seguida colado o acetado representando os lagos. A escala de 1:4000 foi mantida porque, Tikal, apesar de seu eixo monumental ser menor do que de outros, era uma cidade quase tão
populosa quanto a maior dela (Teotihuacan). Sendo assim, foi importante utilizar a mesma escala para se ter referência das diferenças entre a utilização do espaço monumental de duas cidades, com números quantitativos muito semelhantes (localização, espaço geográfico, população).
Fig. 49 Reconstituição de Tikal
Fig. 48 Tikal
Fig. 50 Moldes para recorte das peças
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Tikal
Fig. 51 Simulação em Tikal do solstício de verão
Fig. 52 Simulação em Tikal do solstício de inverno
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Fig. 53 Tikal, vista de topo
Fig. 54 Tikal
Fig. 55 Tikal
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Cultura: Zapoteca, Mixteca e Maia
Teotihuacan
Comentários sobre o processo de construção da maquete (escala 1:4000):
Fig. 56 Mapa de localização de Teotihuacan (s/ escala)
Teotihuacan Período: Séc. VI a.C. até IX d.C. (Auge II d.C. até VII d.C.) Localização: 40 km ao sul da Cidade do México População: 100 mil – 200 mil habitantes Latitude: 19.4º N Tamanho: 2100 ha
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Teotihuacan foi um dos sitio arqueológicos com mais material encontrado. Talvez por isso a maioria das plantas encontradas, ou eram apenas da arquitetura residual, aparecendo o sitio arqueológico, ou eram uma complexa planta constituindo ruas e bairros por todo o entorno do centro monumental (muito complexa para a execução da maquete). Por isso foi usada como base uma imagem 3D oficial do Google Earth, que correspondiam a todos os templos, inclusive aqueles que não constam nas plantas mais comuns. Assim, sua planta foi toda desenhada no AutoCAD, e foram usadas chapas de 1mm de espessura que seriam 4 metros de altura na escala 1:4000, e usadas chapas sobrepostas para completar as alturas. Foi feita uma espécie de produção em massa de tais elementos urbanos, dados a sua enorme quantidade. Conforme a Figura 63, foi impresso um papel com o tamanho em escala de todas as estruturas, uma diferente para cada altura, resultando na figura. Seguido da colagem das chapas de 1mm e recortado com tesoura. Para determinar a altura foi necessário usar como base os monumentos mais importantes, que
tinham informações sobre sua altura, e então, utilizá-lo como referência para aqueles que não haviam informação, sendo sua estimativa feita a partir de reconstituições (Fig. 64). Unidas cada estrutura, foram então coladas no terreno (Utilizado o Google Earth para encontrar suas curvas de nível). Por fim, havia a necessidade de delimitar os espaços como ruas e praças. Diferente de Cahokia e de Kejara, que foram utilizadas serragens coladas sobre uma superfície de cola branca; para Teotihuacan foi utilizada uma outra técnica, descoberta por acaso. (É que, por acaso caiu em cima de um pedaço de placa do terreno, a espuma recém feita de poliuretano expandido. E ao retirar o material da superfície branca do terreno, ficou a marca bege e homogênea do poliuretano; que foi aprimorado por meio de sucessivos testes; na qual, se colocados em uma proporção certa entre catalisador e a matéria prima do poliuretano, acaba se tornando um material “crocante”, possibilitando uma película aderente à base aplicada). Assim, foi usada poliuretano expandido nas marcas de ruas e praças. As áreas que não seriam preenchidas, foram tampadas com fita crepe, e então aplicado o produto antes de endurecer. Depois de seco, esmerilhava-o com
os próprios dedos, ficando com sua aparência final. Esta maquete não está ordenada em seus pontos cardeais com seus respectivos lados, porque para isso o terreno iria ficar com um tamanho muito maior. Teotihuacan já é uma cidade maior do que as outras maquetes, se ocupasse um espaço ainda maior, seria pouco funcional seu manuseio. A escala 1:4000 foi escolhida dado ao suas grandes dimensões. Foi considerado neste caso, utilizar uma escala na qual seu tamanho ficasse menor. Porém para manter uma ordem comparativa com as outras maquetes, foi descartada tal idéia.
Fig. 57 Teotihuacan
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Teotihuacan Fig. 58 Teotihuacan, vista de topo
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Fig. 59 Teotihuacan
Fig. 60 Teotihuacan
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Teotihuacan
Fig. 61 Simulação em Teotihuacan, solstício de verão
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Fig. 62 Simulação em Teotihuacan, solstício de inverno
Fig. 63 Moldes para recorte das peรงas
Fig. 64 Moldes para recorte das peรงas
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Referências Iconográficas
Figura 1 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces. com/file/list>
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Figura 2 - Disponível em < http://tectonicablog. com/?p=19258>
Figura 22 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice> Figura 23 - Disponível em < http://www.zamaniproject.org/map/Zimbabwe/GreatZimbabwe>
Figura 40 - Disponível em < Material realizado no AutoCAD pelo autor> Figura 41-42 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice> Figura 43 - Disponível em < http://eventos.seccperu.org/cspc2010>
Figura 3-5 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 24 - Disponível em < http://nl.wikipedia. org/wiki/Afbeelding:Grootzimbabweconischetor en.jpg>
Figura 6 - Disponível em < Material realizado no AutoCAD pelo autor>
Figura 25-26 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 7 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces. com/file/list>
Figura 27 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces.com/file/list>
Figura 8-13 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 28-32 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 14 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces. com/file/list>
Figura 33 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces.com/file/list>
Figura 49 - Disponível em < http://medieval.mrugala.net/Divers/Maya_Pres_des_grands_temples_ du_mystere_GEO139/>
Figura 15 - Disponível em < http://www.kulturarv. dk/1001fortaellinger/en_GB/hodde/videos>
Figura 34-37 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 50 - Disponível em < Material realizado no AutoCAD pelo autor>
Figura 16-20 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 38 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces.com/file/list>
Figura 51-55 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 21 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces. com/file/list>
Figura 39 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 56- Disponível em < http://cprwiki.wikispaces.com/file/list>
Figura 44-46 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice> Figura 47 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces.com/file/list> Figura 48 - Disponível em < Material fotografado por Rafael Craice>
Figura 57-62 - Disponível em < http://cprwiki.wikispaces.com/file/list> Figura 63 - Disponível em < Material realizado no AutoCAD pelo autor> Figura 64 - Disponível em < http://ballon-photo.com/modules/com_qcontacts/?los-tayrona-1398>
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C贸pia de uma desenho feito por um membro da tribo Tiwi. Est谩 imagem representa o momento em que estava ocorrendo uma cerim么nia tradicional da cultura Tiwi.
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Conclusão
Todo o processo do trabalho foi iniciado pela pesquisa teórica (suporte), passando pelos objetos de estudo: Çatal Hüyük, Ur, Khirokitia, Tulor, Poverty Point, Cahokia e Pueblo Bonito, Tikal, Great Zimbabwe, Teotihuacan, Tiwanaku, Huaca Del Sol y de La Luna, Coaña, Kejara e Skara Brae; E culminou em modelos individuas interpretativos de Çatal Hüyük, Ur, Khirokitia, Tulor, Poverty Point, Cahokia e Pueblo Bonito. Enquanto isso, as outras aldeias e cidades não estudadas, mas com suas maquetes feitas: Tikal, Great Zimbabwe, Teotihuacan, Tiwanaku, Huaca Del Sol y de La Luna, Coaña, Kejara e Skara Brae, ficarão para um momento posterior, assim como suas respectivas investigações. Estarão também, a disposição para os leitores especularem sobre suas formas urbanas. A seguir alguns tópicos que ilustram considerações finais acerca de algumas características do homem nas cidades da antiguidade: Expansão, Declínio e Fim A grande maioria dos assentamentos aqui estudados tiveram um período formativo, seguido de uma expansão e então seu declínio, até o seu abandono, pelo menos na maioria das vezes. E quando questionado porque tais assentamentos foram abandonados, a resposta é geralmente ou “não se sabe”, ou encontra-se presente o elemento da instabilidade do meio-ambiente. Este aspecto
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pode se dever ao fato de que a população tenha crescido muito, e ter consumido a maior parte dos recursos naturais do seu entorno, sendo impossível assim, a permanência em tal assentamento. Outro aspecto é o da mudança climática, instabilizando suas lavouras, tornando escasso o alimento, proporcionando seu abandono. Os frutos de tais eventos podem ter proporcionado um stress social, gerando conflitos internos, conflitos externos, ou apenas o gradual declínio e abandono dos assentamentos. Tais eventos podem ser ditos da seguinte maneira: apesar do advento da cidade ter sido a forma máxima do controle da natureza, vê-se que ela é a causa mais importante que provoca o fim das cidades. Assim, o mesmo homem paleolítico que lutava para sobreviver em grupos nômades em meio à selvagem natureza, refém de suas forças, não é muito diferente do homem citatino que, está tão refém das forças da natureza, como os nômades. Mas é apenas no homem citatino que, cercado de símbolos moldadores do mundo, (que em seu imaginário são a “verdadeira realidade”), encontra-se a crença que vivendo dentro de um organismo urbano, ele possa estar seguro,
pois “tal” estrutura a natureza nunca poderá destruir, denotando assim que seus símbolos podem ser mais fortes que ela. Isto é acrescido ainda quando imagina que o meio urbano é uma instância atemporal e perpétua. O homem está em uma contínua formulação de mitologias próprias, que justifiquem da maneira mais poderosa possível, seu domínio sobre a natureza através dos símbolos. Outra especulação proveniente do período de expansão de suas culturas, é encontrada algumas vezes através da formação de novos assentamentos (como em Pueblo Bonito), e em outras através do imperialismo (como Ur, Cahokia). Especula-se que tal fato esteja justamente relacionado com a mesma força simbólica que faz o homem citatino acreditar que está para sempre seguro; a fase expansiva (além dos motivos funcionais-econômicos), possui como força motor o idealista; quase uma atitude messiânica/civilizatória, em que o homem da cultura em expansão, acredita que a cosmologia criada pela sua sociedade seja a melhor e mais bem “argumentada” do que de todas as outras. Isto o leva a uma auto vanglorização, e a uma empreitada “civilizatória” para outras culturas, acreditando que os está salvando, por crer que nenhuma outra cultura, a não ser a sua própria, possui uma cosmologia perfeita. Ou seja, a sua, e mais nenhuma outra traria tamanha segurança
e orientação diante da natureza. A força do círculo Interessante notar sobre como algumas formas geométricas estão intrinsecamente ligadas a certos significados, como pode-se observar através da força da forma de um círculo, que desde tempos imemoriáveis eram usados como a forma básica de habitações. Como por exemplo, as primeiras habitações que antecedem Tulor eram todas circulares; em seguida as cabanas de Tulor que eram usadas como moradia também eram, enquanto seus anexos externos usadas para fins funcionais, tinham outras formas. Em Dolni Vestonice, era a cabana tumular, aquela que apresentava uma forma perfeitamente circular, enquanto as outras cabanas tinham formas mais elípticas. Em Khirokitia todas as habitações eram circulares. Skara Brae com todas as habitações também circulares. Em Pueblo Bonito eram as Kivas que possuíam formas circulares, aonde aconteciam seus ritos religiosos, enquanto que suas casas comuns eram retangulares. Em Cahokia, eram seus montes circulares aqueles em que aconteciam cerimônias de sepultamento, enquanto os montes retangulares eram a moradia dos nobres. Já a forma retangular, como foi visto (Margueron, 1991), surge, quando começa a aparecer a
necessidade de compartimentar espaços dentro das habitações para servir como depósitos. A forma retangular nasce de uma necessidade funcional, e assim se perpetua. Talvez a forma circular, por algum motivo, agregue um valor simbólico de maior sacralidade, enquanto a forma retangular não. Havendo entre as duas uma relação de dicotomia. Dicotomia (dualidade) Constata-se a necessidade do homem de organizar e catalogar os elementos da natureza. A mais comum e talvez por isso a mais fácil de ser identificada, seja a da dualidade. Separar os signos do mundo em duas categorias. Fazendo a uma categoria, relações análogas entre si; e entre as categorias relações opostas (complementares) uma com a outra. Como por exemplo, a aldeia Timbira (Levi-Strauss, 2008) que divide sua tribo em duas, cada lado da tribo possui característica análogas entre si (leste, sol, dia, seca, vermelho, fogo, terra) e complementares entre elas (leste – oeste, sol – lua, dia – noite, seca – chuvosa, fogo – lenha, etc). Nas maquetes de estudo, algumas relações assim foram encontradas: A relação dual entre os montes circulares e retangulares de Cahokia, mesma relação
encontrada em Pueblo bonito e Tulor. A relação entre o distrito monumental (heterogêneo) e a cidade comum (homogênea), como em Ur. A relação de cheio e vazio, entre o Zigurate e o pátio de Nanna, em Ur; a relação vista em Huaca Del Sol y de La Luna e Tiwanaco. Relação de periferia e centro, encontrada na aldeia Kejara. No assentamento Hodde, na cidade de Cahokia, e na cidade de Poverty Point. A relação de interno e externo, como encontrada em Great Zimbabwe, como também em Cahokia, ou então em Çatal Hüyük. A relação entre dois lados geográficos opostos, como o leste e oeste, ou norte e sul. Como encontradas em Pueblo Bonito (norte-sul), Tulor (sul-norte). Em Poverty Point (leste-oeste), Khirokitia (leste-oeste). Estas também eram relações encontradas na mitografia dos homens paleolíticos. Na sua paridade entre o masculino e feminino (bisão e cavalo, respectivamente), onde figuras masculinas eram aplicadas sobre superfícies acentuadas, e femininas sobre superfícies lisas. (Primordialmente utilizados,) os valores
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Conclusão
simbólicos abstratos, são intrínsecos a formas volumétricas (Leroi-Gourhan, 2002b). Foram utilizados pela primeira vez, (tais valores simbólicos) em superfícies volumétricas. tais elementos podem trazer uma discussão não só da presença da dicotomia usada como forma de diferenciação urbana, como de um valor simbólico determinado, intrínseco à determinadas formas e disposições. Aldeia X Cidade A seguir serão (especulativamente) classificados os assentamentos estudados como Aldeia ou como Cidade, havendo também um estágio transitório entre os dois. Aquelas organizações centradas em núcleos familiares ou pequenos clãs, como Çatal Hüyük, Tulor e Khirokitia, especula-se dizer também que Skara Brae, são classificadas como aldeias. Todos estes são assentamentos de dimensões relativamente pequenos, não possuem espaço públicos, possuem uma morfologia urbana homogênia, caracterizam-se como uma sociedade igualitária e possuem um crescimento orgânico (não-planejado). Neste caso todos estão ligadas ao período Neolítico. Aquelas organizações centradas em uma liderança (ou grupo de líderes), como Ur,
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Cahokia, Poverty Point, e especula-se dizer também Huaca Del Sol y de La Luna, Teotihuacan, Tikal e Tiwanaku, todas são cidades. Apresentam grandes dimensões, possuem espaços públicos, elementos arquitetônicos que transpareçam monumentalidade, são sociedade hierarquizadas, e possuem um planejamento urbano. Em uma etapa transitória entre os dois modelos, estaria Pueblo Bonito, e especula-se dizer também Hodde e Kejara. A água e a cidade Encontra-se uma estreita relação existente entre a água e o assentamento urbano. Todos (sem exceção) estavam próximos, se não, ao lado de um rio. Utilizavam-no como fonte de alimentos, para pesca em alguns casos, e para agricultura na sua maioria. Em todas as cidades e em algumas aldeias, o rio era utilizado como via de comércio com outros postos comerciais. O uso de canais funcionavam também como proteção, como o caso de Ur. Necrópole Os homens da antiguidade criaram uma relação íntima com o local onde se enterravam os mortos; seja na construção de grandes montes redondos,
destinados a ritos tumulares, como em Cahokia e Poverty Point; seja enterrar seus parentes embaixo do piso da casa que habitavam, como Çatal Hüyük e Khirokitia. O exclusivismo de única cabana afastada e perfeitamente circular em Dolni Vestonice, era a dos mortos. O fato de populações atacamenhas utilizarem ruínas de cidades abandonadas, como Tulor, para enterrar seus mortos; todos estes fatos, podem revelar um relação íntima e singular que cada cultura criou ao lidar com seus mortos. Simplificação dos símbolos Especula-se certa tendência, em que o universo simbólico do homem, com o tempo vai simplificando a relação entre signo e significado. Como por exemplo, em Poverty Point que seus montes refletiam uma cosmologia elaborada e relacionada com os astros (High level meaning, Rapoport, 1990b). E em Cahokia tais características se simplificaram a temas como a hierarquia sócio-religiosa (Middle level meaning, Rapoport, 1990b). Especula-se algo semelhante em Ur, onde no início o centro monumental era a partir do templo (baseada no panteão mesopotâmico), e com o decorrer do tempo, a centralidade foi redirecionada para os nobres e grandes palácios (baseado na hierarquia sócio-religiosa).
Tendência esta que também pode ser encontrada no fato de que as gravuras paleolíticas sofreram uma simplificação da comunicação semântica (sonora, imaginética, volumétrica) para a comunicação escrita atual (a sonoridade escrita).
-Criar formas antropomórficas (como em Great Zimbabwe, especula-se que suas muralhas internas tenham a forma de um feto), ou formas zoomórficas, como os montes em Poverty Point ou o monte serpente. Funcionando como uma espécie de mitografia urbana.
Especula-se por meio destes exemplos, uma peculiar tendência, de haver uma relação cada vez mais imediatista entre o signo e o significado, simplificando-o.
-Forte redundância na arquitetura e forma urbana, assim facilitaria uma leitura urbana da cidade, comunicando melhor a sua cosmologia.
Conclusão O homem tradicional, fixado em um ponto, envolve todo o seu entorno em símbolos, fazendo-se presente com uma cosmologia, na qual, funciona como se fosse uma narrativa das explicações do mundo. E como narrativa, está refletida em todas as formas de linguagens possíveis. Entre elas, uma: a forma urbana. Portanto os construtores destas cidades buscaram narrar em “formas urbanas” sua cosmologia, como se esta fosse uma forma de linguagem. Estes construtores fizeram isso se utilizando de alguns artifícios como: -Orientar e alinhar os edifícios através dos astros.
-Relações diacrônicas com as formas ou sua disposição espacial (mente).
500aC – 800dC); Chavin (Cidade ancestral a Tiwanako); Chan Chan (Império das areias, descendentes de Huaca); Tenochtitlan (maior cidade do império Asteca, atual Cidade do México); Dogon (atual cidade da África, localizado em Mali); Angkor (a sua cultura é uma mistura da helênica, hinduísta e taoista, localizada no atual Camboja); Rugo (Tribo indígena na África); Kincaid (Cultura Mississipiana); Hacilar (região de Anatolia, imediatamente posterior a Çatal Hoyuk); Khorsabad (Mesopotâmia); Babilônia (Mesopotâmia); Viladonga (Castro na Galícia).
Tais características, comuns nos exemplos aqui estudados, mostram a grande possibilidade de utilizar tal metodologia de leitura urbana das formas, como um dos meios de entender a visão de mundo deste homem tradicional, compreender melhor sua cultura. E relacioná-las entre si e com a realidade atual. Trabalho em andamento A seguir as cidades e aldeias que poderiam ter sido feitas, mas que não foram, seja por falta de material, seja por falta de tempo para executá-las (então outras foram priorizadas); são elas: Caral (a mais antiga cidade da sul América); La Venta (uma das mais antigas cidades da Mesoamerica, cultura Olmeca); Monte Alban (Cultura Zapoteca
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