Sobre Tudo Que Se Deve Guardar

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SOBRE O LIVRO

Editor Responsável: Thiago da Cruz Schoba Capa: Editora Schoba Diagramação: Editora Schoba / Francis Manolio Revisão: Ângela Gomes / Bruno H. Coelho Ilustrações: A autora Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sousa, Alessandra da Cunha Barcelos de Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o seu coração / Alessandra da Cunha Barcelos de Sousa. -- Salto, SP : Editora Schoba, 2010.

ISBN 978-85-62620-80-5 1. Conduta de vida 2. Espiritualidade 3. Relações interpessoais - Aspectos religiosos 4. Vida cristã I. Título. 10-01721 Índices para catálogo sistemático: 1. Conduta de vida : Prática cristã 248.4

Editora Schoba Ltda Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo CEP 13322-441 Fone/Fax: (11) 4029.0326 E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br www.editoraschoba.com.br

CDD-248.4

Este livro começou a ser escrito em 2007, mas hoje percebo que ele sempre existiu dentro do meu coração.

Algumas vezes, durante a juventude, tentei escrever um livro e ele deveria se chamar Nas Paredes Do Meu Coração (para entender melhor a ideia desse nome, leia o capítulo Idolatria Escondida). No entanto nunca consegui dar continuidade à história, talvez porque não havia chegado o tempo certo e ela não estivesse concluída.

Depois de um episódio marcante em minha vida, com minha vida espiritual fria, adormecida e estagnada, quando quase morri, percebi que se Deus me livrou da morte, é porque tinha algo ainda a fazer através de mim. O inimigo, antes disso, tentou me convencer que Deus havia desistido de mim e que todas as suas promessas teriam sido ilusões. Mostrou-me só os momentos de dor. Assim, em total depressão, quase cometi suicídio, mesmo tendo um filho maravilhoso e um marido que me deu e me dá muito amor sempre. Talvez Satanás soubesse o quanto este testemunho seria poderoso, sendo ministrado pelo Espírito Santo no momento certo. De volta a meu juízo perfeito e totalmente livre da depres-

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são, desejei me mover em direção às promessas: me candidatei ao ministério pastoral, e logo o Senhor me abriu as portas. Outra vez peguei folhas de caderno e comecei a escrever minha história. Cada lembrança vinha à minha mente como se as estivesse revivendo. Percebia, então, o quanto Deus me amava, e que a seu tempo, tudo seria confirmado e estabelecido.

mando para que a Igreja, a noiva do Cordeiro, seja fiel ao noivo; um paralelo espiritual,ao mesmo tempo que retrata a minha infidelidade a Deus quando pequei, mostra, através de trechos em Oseias e Ezequiel que falam da infidelidade do povo para com o Senhor, como Deus se sentiu,. Como a Igreja cresce, se ensoberbece, e começa, então, a usar a glória que Deus lhe deu a favor de seus amantes, ídolos, que nada mais são do que TUDO o que rouba nosso amor e tira nossos olhos de Deus. Espero que grandes coisas o Senhor possa fazer por você através desse meu primeiro livro.

Eu mesma fiquei admirada com o desenrolar da narração: cada parte se encaixando à outra. Às vezes parava por dias e, então, o Espírito Santo me mostrava o próximo episódio a ser narrado, e me fazia recordar as passagens bíblicas que se encaixariam com o texto.

GRANDE ABRAÇO, MUITA FÉ, FORÇA E UNÇÃO.

Embalada pela canção “Vou te alegrar”, de Aline Barros, quis consolar o coração do Pai, pelo meu ato impensado tornando público sua obra em mim. Orei uma oração simples e objetiva: “Senhor, se este desejo de escrever um livro vem de ti, ele terá início, meio e fim, se não, outra vez ficará no meio do caminho”.

Alessandra da Cunha Barcelos de Sousa

Um ponto marcante também foi uma ministração de Marcos Feliciano que assisti. Ele disse com todas as letras: “Este sofrimento tem um porquê, um dia verei um Livro seu nas livrarias evangélicas”. Agarrei aquelas palavras como uma revelação de Deus para mim.

Passo a passo o Senhor foi me instruindo, e hoje “Sobre Tudo O Que Se Deve Guardar, Guarda O Teu Coração” é uma realidade. Através de meus blogs, emocionou e tocou muitas vidas. Espero, agora, que faça o mesmo por moças e rapazes em todo o mundo que anseiam pelo agir de Deus na área sentimental. Também considero essa obra uma grande profecia, cla-

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DEDICATÓRIAS

Dedico este livro, em primeiro lugar, ao meu esposo Alex, pois ele teve que abrir mão de seu ciúmes natural de cônjuge para que eu pudesse falar dos amores do passado, reconhecendo que nosso propósito maior é glorificar a Deus com o testemunho final e abençoar muitas vidas através disso. Testifico com essa dedicatória que ele é digno de ser chamado de “grande benção”, pois o Senhor preparou o melhor marido que eu pudesse ter. Dedico também ao meu filho Gabriel Asafe, fruto desse amor e luz dos meus olhos.

Dedico à minha mãe Sueli, irmãs Ana Paula e Andressa, ao meu cunhado Reinaldo e sobrinho Thiago. Estes, apesar de alguns momentos difíceis citados na história do Livro, são, hoje, o maior canal de bençãos, amor e amizade de Deus para comigo. A eles minha homenagem e gratidão.

Não poderia deixar de citar meu pai, já falecido, Luis Carlos, por ter sido um grande pai, muito amoroso e gentil. Dedico aos irmãos paternos: Emanuel e Emanuelle. Por fim, dedico essa obra aos amigos citados no decorrer da história. Espero que esta seja uma singela homenagem da importância que cada um teve em meu passado, presente e futuro.

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CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

Este Livro não é feito de pessoas que se dividem em papéis de mocinhos ou de bandidos, mas sim apenas de pessoas comuns, com sentimentos, ações e reações compatíveis aos da vida real. Por este livro ser baseado em uma história verdadeira, optou-se por substituir os nomes de alguns personagens a fim de preservar a identidade e a privacidade dessas pessoas.

Os nomes Luiza Tanaka, Ângela, Tom, Alex e Gabriel Asafe, foram mantidos num ato de homenagem a estas pessoas.

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SUMÁRIO SOBRE O LIVRO............................................................................................................. 5 DEDICATÓRIAS ............................................................................................................. 9 CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES........................................................................11 Parte I

1. INFÂNCIA E AMIZADE.........................................................................................17 2. EU ATRAIREI TODOS A MIM MESMO............................................................24 3. O CORAÇÃO DO HOMEM.....................................................................................32 4. O CORAÇÃO DE CARNE.......................................................................................43 5. PÕE-ME COMO SELO SOBRE O TEU CORAÇÃO.........................................54 6. IDOLATRIA ESCONDIDA.....................................................................................63 7. PROMESSAS..............................................................................................................75 8. TEMPO DE AMORES.............................................................................................83 9. TEMPO DE AFASTAR-SE DE ABRAÇAR.........................................................98 Parte II

10. HÁ CAMINHOS QUE AO HOMEM PARECEM PERFEITOS................111 11. MAS O SEU FIM, DÁ PARA A MORTE.......................................................122 12. INDO PARA O CATIVEIRO.............................................................................127 13. TODAVIA EU NÃO ME ESQUECEREI DE TI............................................138 14. ATRAÍDA PARA O DESERTO........................................................................147 15. AGORA TORNO A ACOLHER-TE.................................................................161 16. NUNCA MAIS PASSARÁ POR TI INCIRCUNCISO OU IMUNDO...............................................................................170

17. NÃO DESPERTE O AMOR ATÉ QUE ELE O QUEIRA...........................178


Parte 1

“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração” Provérbios 4:23


Capítulo 1

INFÂNCIA E AMIZADE

Já não reconheço mais, nos dias de hoje, aquela garotinha. Olhando para trás posso ver alguns dos seus tristes traços, pesando seu rosto infantil, do qual jamais me esquecerei. Era uma criança repleta de complexos de inferioridade e rejeição. Viveu a infância na cidade e capital de São Paulo, no Parque São Lucas.

Sentia-se inferior porque enxergava uma sociedade cujo padrão de beleza exaltava pele clara, cabelos lisos e olhos claros. Estes valores da sociedade não eram pura imaginação de sua cabeça. A discriminação era real, mesmo quando disfarçada. Ela era uma garotinha morena jambo e cabelos extremamente crespos, resultado da união de uma mãe branca e um pai negro. Odiava em secreto os cabelos crespos, de aspecto queimado e armados, que com o tempo a mãe mandara cortar curtinho, o que a deixou parecida com um menino. Quando compridos, segundo a mãe, davam muito trabalho.

Até onde posso me lembrar, o sentimento de inferioridade parecia já ter nascido com ela, determinado no seu DNA. Era precoce, estava sempre a frente no raciocínio das crianças da

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sua idade, por isso, não achava graça nas brincadeiras dos colegas. Também era tímida e não fazia muitos amigos.

Quando ela ainda era um bebê, com dois anos de idade, e sua irmã sete, seus pais se separaram.O pai mudou-se para Maringá, no Paraná, e a mãe ficara sozinha, trabalhando em dois empregos e criando, a custo de muito esforço, as duas meninas. As duas quase não viam a mãe, que saia pela manhã enquanto ainda dormiam, e chegava do último serviço às dez da noite.

Após algum tempo a mãe começou a namorar e se casou novamente, mesmo a contragosto das filhas.

Não muito tempo depois da mãe ter se casado, e concebido a terceira filha, fruto desse segundo casamento, as duas foram levadas pelo pai para morarem com ele no Paraná, devido às turbulências causadas pelo padrasto, que perdera toda a delicadeza do início do namoro, revelando-se um homem agressivo e, às vezes, violento.

A vida com o pai era mais leve. Foi ele quem lhes ensinou a força de uma boa conversa entre pais e filhos no lugar de broncas, ameaças e acusações. Assim, desenvolveu em uma das filhas aquilo que seria o início de sua autoconfiança . O pai era um homem amoroso que a elogiava e mimava bastante, fazendoa sentir-se capaz e inteligente. Com isso, as notas escolares que em São Paulo eram de ruim à péssimas, subiram ao topo, e ela se tornou a melhor aluna da sua classe, durante muitos anos consecutivos.

De fato, quem diria que havia tanta capacidade escondida naquela menina tímida e insegura que veio de São Paulo? Deus lhe havia dado também alguns talentos naturais para música, redações e desenhos, além de tirar de letra todas as demais maté-

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rias da escola. Educação Física era a única disciplina que nunca dominou. Seu desempenho escolar e as ótimas notas lhe acarretaram o respeito e a admiração dos colegas. Era sempre a líder, e, se haviam grupos de estudos separados, o seu grupo era a preferência de todos.

Por trás da máscara de imbatível, porém, estava escondida a menina sem bons atributos físicos. Seus piores pesadelos vinham à tona cada vez que os colegas, numa malícia infantil, lhe atribuíam apelidos como “cabelo de bombril” e “negrinha do saravá”.

Dentro de um personagem que criara de “valentona”, algo parecido com a personagem Mônica, de Maurício de Sousa, pegava os meninos pelo pescoço, deixando-os vermelhos e só largava quando eles pediam desculpas. Para eles, tudo não passava de uma grande diversão, mas para ela era uma dor íntima, pois se eles a chamavam assim, era porque assim a enxergavam. De que adiantava, então, ser a melhor em tudo, se não era o que mais queria ser: graciosa e delicada, como eram as outras meninas? De que adiantava a pose de durona e as respostas afiadas na ponta da língua para toda tentativa de insulto, se sua aparência não mudaria? Se aqueles cabelos jamais poderiam ser naturalmente lisos, brilhosos e compridos? Se sua pele jamais poderia ser mais clara do que era? Se até o sol era seu inimigo, pois se ficasse exposta sob ele, a escurecia ainda mais? Se a dor e a solidão que sentia eram suas principais companheiras? - pensava ela. Nem o bom pai com toda sua diplomacia e amor poderia libertá-la disso. Era secreta sua aflição: nem mesmo ele sabia

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como ela se sentia. Escondia seus miseráveis sentimentos dentro de uma caixa fechada a sete chaves, chamada “orgulho”.

Às vezes, olhava a sala de aula em alvoroço, brincando, rindo, conversando. Ela, no entanto, estava esquecida, invisível. Como esperava que, assim como nos contos de fada, um dia surgisse um príncipe que visse além das aparências, e a salvasse de tamanha amargura! Era bem jovem ainda, mas já bastante romântica e sonhadora, afinal, seus sonhos idílicos eram o único lugar onde ninguém poderia invadir e ridicularizá-la com palavras.

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comum: os complexos. Lara se achava alta e magra demais, e embora fosse muito bonita, não conseguia enxergar isso. Assim funciona a cadeia dos complexos: uma prisão que não escolhe raça, cor, tamanho, nem idade. Simplesmente faz com que uma pessoa, por algum motivo, existente ou não, sinta-se inferior às outras.

As duas tornaram-se inseparáveis. Tinham basicamente a mesma idade e raciocínio parecido. Comiam e dormiam sempre uma na casa da outra, viam-se todos os dias da semana, e ainda assim eram capazes de passar horas falando ao telefone. Eram duas pré-adolescentes tímidas frente a estranhos, mas extrovertidas, alegres e engraçadas quando juntas. Eram também um pouco atrapalhadas, tentando descobrir como deveriam comportar-se naquela fase de transição entre a infância e a vida adulta. Para elas, nessa fase, já era o máximo se arrumar, ousar um pouco na maquiagem e sapatos de salto, e depois da produção ir até o shopping para comer um lanche sem a companhia dos pais, só para ver quantos rapazes, durante o passeio, olhariam para elas. O esporte favorito de ambas era andar de patins. Ah, que gosto bom têm as amizades da infância e adolescência! É muito bom quando encontramos um amigo leal. A Palavra de Deus já diz:

Aos onze anos conheceu aquela que seria sua melhor amiga. Seu nome era Larissa Rowveder – descedente de alemães, como podemos perceber pelo seu sobrenome.. “Lara”, que era como nossa personagem gostava de chamá-la, era seu oposto: loira, alta, magra e com lindos olhos azuis. Mesmo assim as duas tinham, entre outras peculiaridades, algo extremamente em

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“Há amigo mais chegado que um irmão” (Provérbios 17;17). Lara chegara para trazer muito mais brilho a vida de nossa personagem. Davi foi um dos servos de Deus dentro da Bíblia que teve o privilégio de ainda muito jovem encontrar um amigo assim. Seu nome era Jônatas, filho do rei Saul, que havia se tornado o pior inimigo de Davi porque sabia que Deus o havia escolhido rei em

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seu lugar para governar sobre todo Israel. Embora Jônatas devesse ser um dos principais interessados no fracasso de Davi, por ser naturalmente o sucessor de Saul no trono, não olhava para isso, muito pelo contrário: até ajudou Davi para que ele fugisse. A Bíblia diz que a alma de Davi e de Jônatas se apegaram uma a outra. Bom seria se houvesse mais amizades como esta hoje em dia. Sem interesses deturpados, sem trapaças e invejas...

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“EM TODO TEMPO AMA UM AMIGO E NA ANGÚSTIA SE REVELA UM IRMÃO.” (Provérbios 17;17) “FILHO MEU, SE PECADORES QUEREM TE SEDUZIR, NÃO PERMITA... NÃO TE PONHAS A CAMINHO COM ELES, GUARDA DA SUA VEREDA OS TEUS PÉS.” (Provérbios 1;15)

Outro servo de Deus que teve bons amigos foi Daniel, transportado junto com Sadraque, Mesaque e Abdenego aos dezessete anos para a Babilônia, em tempos de exílio em Israel. Porém mesmo em terra estrangeira não negaram a Deus e nem às leis de seu povo durante todos os longos anos que viveram na Babilônia. Juntos,estes quatro jovens escolheram abdicar dos viçosos manjares do rei babilônico, para santificarem-se ao Senhor. Por conta disso e de outras provas que deram de fidelidade, Deus honrou-os sobremaneira no império da Babilônia, especialmente a Daniel. (Daniel 1:6-21) Boa é a juventude e as amizades que nela cultivamos, principalmente se vividas na presença de Deus. Porém, são atrás de falsas amizades que estão as piores armadilhas capazes de destruir muito cedo a vida de um jovem. Numa roda de amigos surge o primeiro cigarro, o primeiro gole de cerveja, a primeira picada de droga, e tantos outros males. Escolher bem uma amizade é algo primordial, dentro ou fora das igrejas. Ter boas amizades para compartilhar coisas boas e ruins é um presente e um privilégio que Deus nos dá.

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Capítulo 2

EU ATRAIREI TODOS A MIM MESMO

Um dia, nossa jovem personagem viu passar o vizinho da casa simples onde morava com o pai e a madrasta e teve um súbito interesse pelo moço. Contou para Lara o quanto ele era lindo, e que foi amor à primeira vista o que sentiu. As duas, a partir disso, passaram a ter como hobby ficar horas vigiando de um vitrô no quarto dela, que dava para a cozinha da casa dele, onde o vizinho eventualmente passaria quando resolvesse comer ou beber alguma coisa. Todos da casa, aliás, apareciam na janelinha sem ter a menor ideia da espionagem das meninas, pois de onde estavam não poderiam ser vistas e, quando era ele, o coração dela batia acelerado. O dia estava ganho quando via o amado pelo menos uma vez. O nome dele era Henrique. Um rapazinho de treze anos, evangélico, filho do meio de uma família evangélica constituída pelo pai, Sr. Jonas, a mãe, Sra. Sônia, e outro rapaz de dezesseis anos chamado Pedro, e uma garotinha de sete chamada Letícia.

Mal sabia ela que repentina paixão por aquele moço, a quem só tinha visto de longe e com quem nunca falara, seria a chave para o encontro com o Verdadeiro e Eterno Príncipe.,o

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Único com real poder para salvá-la de todos os complexos que tinha, Aquele que a corresponderia no amor como ela sempre sonhou, vendo além das aparências, e a quem ela própria passaria a amar em breve e para sempre, não apenas de palavras, mas com toda a alma, força, coração e entendimento. O nome desse Príncipe a quem me refiro é Jesus.

O fato é que com a ajuda de Lara, ela começou a forjar um monte de falsas coincidências para se fazer notar por Henrique, como, por exemplo, a bola de vôlei passar a cair mais do que o normal no quintal ao lado para que o vizinho gentilmente pudesse pegá-la. Divertiam-se muito vigiando a família Mello, descobrindo pontualmente os horários de saída e chegada de todos, e as saídas para a Igreja, para a escola, enfim, não perdiam uma única oportunidade de verem e serem vistas. Às vezes, achava tudo isso ridículo e lembrava que cedo ou tarde poderia ser menosprezada pelo rapaz, mas como era de seu costume, enquanto isso não acontecesse iria alimentando seus sonhos românticos, que pelo menos preenchiam seus dias com uma boa sensação de estar amando um amor novo... Numa noite de sábado, enquanto o pai de Henrique estava tirando o carro da garagem para irem ao culto, vendo-a, convidou-a para ir também. Enxergando ali uma ótima oportunidade de aproximação, ela aceitou prontamente ao convite. Percebeu que só a mãe e a menina entraram logo em seguida no carro e, no meio do caminho, ficou sabendo que os rapazes já estavam lá na Igreja, pois faziam parte do grupo de louvor e saíram antes por causa do ensaio.

Ao chegar à Igreja, a primeira sensação que teve foi de paz. O lugar era bonito, branquinho, não muito grande, mas ex-

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tremamente confortável. Tratava-se da Igreja Nikkey de Evangelização, fundada alguns anos antes por uma mulher de Deus, japonesa, de aproximadamente sessenta anos chamada Luiza Tanaka, mais conhecida por “Irmã Luiza”, a quem Deus deu a tarefa de fundar o templo. Deveria ter um nome japonês para atrair pessoas japonesas essencialmente, tão presentes em Maringá, e que geralmente seguiam ao budismo. Converter tais almas ao cristianismo era o alvo central da visão de Irmã Luiza e de outros pioneiros da obra quando fundaram a Nikkey. Embora fosse, acima de tudo, uma casa de oração para todos os povos (o próprio nome, Nikkey, em japonês, quer dizer isso) e não somente aberta ao povo nipônico. Até hoje, pelo que sei, a Igreja Nikkey prega o evangelho com fidelidade, em firmes alicerces, não diferindo, apesar do nome, das outras congregações evangélicas. Como as boas Igrejas evangélicas que existem, ela é uma Igreja pentecostal cheia do Espírito Santo.

Era sábado à noite, e nossa personagem estava pela primeira vez dentro daquela Igreja. Não se achava livre dos seus complexos, pois tinha impressões falsas de que os outros jovens ali presentes riam e cochichavam a seu respeito. Por causa disso, não sorriu para ninguém. Assumiu uma postura séria, em autodefesa. Por dentro, porém, as músicas quebrantavam seu coração... eram canções suaves, melódicas, lindas... a primeira composição que ouviu enquanto estava entrando no templo dizia: “TE EXALTAMOS, OH, CORDEIRO SANTO DE DEUS E DECLARAMOS AS TUAS MARAVILHAS TEU ESPÍRITO SE MANIFESTARÁ NESTES DIAS TRAZENDO VITÓRIA ÀS NOSSAS VIDAS.

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QUEM INTENTARÁ CONTRA O BRAÇO FORTE DO SENHOR? QUEM IMPEDIRÁ O SEU AGIR? QUE PODERÁ NOS RESISTIR SE A PALAVRA DE VITÓRIA JÁ FOI LIBERADA A NÓS?...”

Ela não entendia o porquê, mas a música despertava nela um desejo de choro. Mas chorar ali perante estranhos era algo que ela não faria - pensou consigo. ração:

Outra canção logo em seguida, continuou tocando seu co“NÃO VOU CALAR MEUS LÁBIOS VOU PROFETIZAR, MANIFESTAR A GRAÇA, ABENÇOAR QUEM DEUS QUER LIBERTAR. SOBRE TUA VIDA VOU PROFETIZAR NENHUMA MALDIÇÃO TE ALCANÇARÁ EU SEI QUE DEUS TEM PRA TI UM MANANCIAL, CUJAS ÁGUAS NUNCA FALTARÃO EU SEI QUE DEUS TEM PRA TI UM MANANCIAL, CUJAS ÁGUAS NUNCA SECARÃO.”

A última canção completou a obra naquela noite, porque tocou bem na essência secreta de suas feridas. Essa canção era assim: “QUERO QUE VALORIZE O QUE VOCÊ TEM VOCÊ É UM SER,VOCÊ É ALGUÉM TÃO IMPORTANTE PARA DEUS. NADA DE FICAR SOFRENDO ANGÚSTIA E DOR

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NESTE SEU COMPLEXO INFERIOR DIZENDO ÀS VEZES QUE NÃO É NINGUÉM. EU VENHO FALAR DO VALOR QUE VOCÊ TEM AH, EU VENHO FALAR DO VALOR QUE VOCÊ TEM ELE ESTÁ EM VOCÊ O ESPÍRITO SANTO SE MOVE EM VOCÊ, ATÉ COM GEMIDOS INEXPRIMÍVEIS AÍ VOCÊ PODE ENTÃO PERCEBER QUE PRA ELA HÁ ALGO IMPORTANTE EM VOCÊ POR ISSO LEVANTE E CANTE EXALTE AO SENHOR VOCÊ TEM VALOR.”

Bem, se perguntássemos a ela qual foi a pregação naquela noite, ela não saberia dizer. Deus usou mesmo foi das canções para ministrar ao seu coração. Certamente, se você for cristão, já deve ter ouvido estas canções, ou pelo menos esta última, tão reproduzida ainda hoje nas igrejas evangélicas do Brasil. Mas, mesmo para mim, como narradora dessa história, é nova a emoção, olhando assim de fora, o lindo trabalho que Deus começava a fazer na vida daquela jovem através das músicas.

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Além das canções, Deus usava como “isca” a área deficiente em seu coração: a carência. Movida pelo interesse em Henrique, pois, quem sabe - pensava ela - dessa vez fosse aceita, estaria onde ele estivesse, procuraria ser o que ele era. E ele estava na Igreja, e ele era cristão.

Ela passou a admirá-lo ainda mais depois daquela noite, ao vê-lo tocando guitarra no louvor. Toda garota aprecia rapazes que tocam instrumentos musicais. Ele era mesmo perfeito ao seus olhos, e, certamente, seria um belo “empurrão” para que voltasse àquele agradável lugar outra vez... É importante mencionar que tempos antes de Deus preparar aquela primeira oportunidade dela ir à Igreja, e antes mesmo de conhecer Henrique, algumas coisas em sua vida davam sinais de que o Espírito Santo estava por perto “incomodando-a”.

A mãe, que - como já citei - morava em São Paulo, havia se mudado para o interior, com seu atual marido e as outras duas filhas. Nessa época, a irmã mais velha já havia desistido de morar com o pai, e havia voltado para junto da mãe. Nossa personagem encontrava-se com a mãe duas vezes por ano durante as férias escolares. Em uma dessas viagens de férias, estando na casa da mãe, recebeu um telefonema de casa. Era a madrasta contando que havia se convertido ao evangelho. No telefone, pelo fato de as duas terem um bom e respeitoso relacionamento, procurou demonstrar-se entusiasmada com a notícia, mas por dentro seu pensamento sobre o assunto era o mais comum entre aqueles que nunca tiveram um encontro com Jesus: “Oh não, agora vou ter que conviver com uma crente fanática o tempo todo, dentro de casa.” Realmente, quando voltou, algumas vezes sentia-se inco-

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modada com as atitudes da madrasta. O relacionamento ficou mais difícil. Além das músicas que ela ouvia numa velha fita cassete parecerem ultrapassadas e feias para os seus ouvidos adolescentes, qualquer discordância entre as duas era motivo para a madrasta chamá-la de “capeta”. Um dia, já bastante incomodada com essa atitude incoerente disse: “Não é porque você virou crente, que todo mundo a sua volta virou capeta, isso ofende e magoa as pessoas”.

A madrasta envergonhada caiu em si e pediu desculpas e melhorou bastante desde então, mas ainda falava inúmeros palavrões, o que deixava nossa personagem certa de que os crentes achavam-se perfeitos, que só eles iriam para o céu, mas eram, na verdade, muito chatos e cheios de defeitos. Levemos em consideração o fato de que ela nada sabia sobre o “caminhar com Deus”, e que todo crente é odiado e perseguido por causa do evangelho, até pelos de sua própria família. Quanto aos defeitos da madrasta, eram comuns para quem estava apenas no início da caminhada, porque Deus nos chama como estamos para nos transformar aos poucos, que é de glória em glória que o cristão vai melhorando para parecer-se mais e mais com Jesus. Havia entre elas uma disputa, ainda que velada, sobre religião. Para mostrar para a madrasta que também tinha Deus, começou a frequentar as missas aos domingos. Ela e Lara decidiram fazer a catequese juntas, pois assim realizariam a primeira comunhão no mesmo dia. Ela sonhava em desenhar o vestido das duas para a crisma. Assim que começou a ler a Bíblia durante as aulas de catequese, não queria parar de ler e descobrir a cerca da história de Jesus.

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Algumas vezes em casa, durante crises de vazio e solidão, pegava a Bíblia do pai, e ali buscava alívio para sua angústia. Mas nem tudo era possível de compreender naquele livro enigmático, bloqueado ao seu leigo entendimento. Tinha sede e fome, mas, se a Bíblia era tão misteriosa, qual era o caminho, afinal? Que barreiras eram aquelas que lhe separavam de um Deus que todos diziam estar sempre de braços abertos para seus filhos independentemente de sua religião? E por que tamanho vazio? É importante lembrar que esse vazio dentro do peito do qual tantos reclamam, ou sofrem secretamente, é exatamente o lugar de adoração dentro de nós mesmos, que Deus preparou para preenchermos com adoração a Ele, e aqueles que não sabem disso ou se negam a fazê-lo, admitindo ou não, continuam vazios, buscando por toda uma vida meios de se autopreencher. No caso de nossa personagem, a angústia sem fim que sentia, acredito eu, fora causada pelo próprio Espírito Santo: era Deus chamando-a uma, duas, três vezes, até que, como na história do profeta Samuel, que a Bíblia nos conta, ela aprendesse a reconhecer sua voz e dizer finalmente: “EIS-ME AQUI SENHOR, FALA QUE TUA SERVA OUVE.” (1 Samuel 3; 1-10) “COM AMOR ETERNO EU TE AMEI, E COM AMÁVEL BENIGNIDADE TE ATRAÍ” (Jeremias 31; 3) “NÃO FOSTES VÓS QUEM ME ESCOLHESTES, MAS EU VOS ESCOLHI, AFIM DE QUE VEDES, E DEIS FRUTOS E O VOSSO FRUTO PERMANEÇA.” (João 15;16)

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promisso sério, como se batizar .

Capítulo 3

O CORAÇÃO DO HOMEM

Ela mau podia esperar para contar para Lara que esteve na Igreja com a família Mello, que voltou no carro junto com Henrique, que gostou das músicas, mas que também se sentiu um pouco envergonhada por estar sozinha ali.

No outro sábado as duas foram juntas. Lara estava vermelha de vergonha, algo que era bem visível no seu rostinho descendente de alemão. As duas, com seus complexos e timidez, tinham a sensação repetida de que todos estavam rindo e cochichando a respeito delas. Segundo o linguajar que usavam com frequência estavam “queimando a cara”.

Lara também gostou muito do ambiente, das músicas, e ficou encantada com Pedro, irmão mais velho de Henrique. Achava lindo o jeito dele erguer as mãos para adorar a Deus durante o louvor. Por conta disso, decidiram que iriam a Igreja pelo menos uma vez por semana, pois além de ser agradável, era a maneira ideal de se aproximarem dos irmãos Mello, e fazer parte do mundo deles. Lara ainda dizia sentir-se “com um quadrado entre os redondos”, mas mesmo assim persistiram em frequentar aquela especial Igreja, desde que não assumissem um com-

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De ônibus, a distância, contada em tempo, era de aproximadamente duas horas contando a descida no terminal e a espera pelo segundo. Nem sempre os pais lhe davam o dinheiro da condução. Um dia foram apenas com o dinheiro da ida, esperando que quando os outros vissem-nas no fim do culto lá fora sozinhas, lhes oferecessem carona. Passaram o maior sufoco, pois não foi o que aconteceu. Tiveram que ligar, altas horas da noite, já com a Igreja fechada, para o pai de nossa personagem, que embriagado foi buscá-las, reclamando.

Mesmo já frequentando a Igreja há algum tempo, não se entrosaram com os outros jovens. Queriam ser notadas por eles, mas sentiam-se excluídas, e parecia ser proposital.

Para Lara, principalmente, estas coisas, somadas a outras pequenas lutas foram minando seu interesse nos cultos cristãos. Ocorreu que as duas tiveram a infeliz ideia de mandar cartas românticas para os dois irmãos confessando seus sentimentos. Pedro mandou, por intermédio de um terceiro garoto, um recado frio e seco; o rapaz veio dizendo: “O Pedro mandou dizer que não quer nada com você e que te acha feia.” Desta vez as duas realmente “queimaram a cara”. Diante disso, a recente paixão e admiração pelo moço transformou-se em raiva e apatia permanentes, e em vergonha, porque a essa altura todo grupo de jovens, por puro exibicionismo dos garotos, já estavam sabendo de tudo, não fez mais a menor questão de ir à Igreja... Nossa personagem, que também levou um fora - um pouco mais educado - de Henrique, ficou bastante ressentida, é claro. “Que mico” haviam pago! No entanto, rejeição não era um

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sentimento novo para ela, que aprendera a lidar com ele desde muito cedo. Além disso, independentemente da frustração causada pelo não de Henrique, ela já estava, de fato, apegada à Igreja, e como andava lendo a Bíblia com frequência, passou a pensar que aquele “não”, não era o fim da história, pois Deus seria o seu novo cúmplice. Lara, no que dizia respeito a isso, tirara definitivamente o time de campo. Então decidiu que oraria a Deus insistentemente para que o moço viesse a gostar dela. Alguns versículos bíblicos, lidos sob sua ainda leiga interpretação lhe davam essa esperança.

Os primeiros contatos reais dela com a Palavra de Deus foram especialmente no livro do apóstolo João, capítulos 14 e 15. E a Palavra revelada lhe dizia: “não se turbe o vosso coração, credes em DEUS; credes também em mim” (João 14;1) “na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fora assim eu vos teria dito, pois vou preparar-vos lugar” (João 14;2) “respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.” (João 14;6)

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, este é o que me ama; e aquele que me ama,será amado por meu Pai, e eu também o amarei, e me manifestarei a ele.” (João 14;21) “Respondeu Jesus: se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e viremos para ele

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e faremos nele morada.” (João 14;23)

“Deixo-vos a paz. A minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João 14;27) “Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele,este dá muito fruto,porque sem mim nada podeis fazer.” (João 15;17)

“Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado.” (João 15;3)

“Se vos permanecerdes em mim e as minhas palavras em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito.” (João 15;7) “Como o pai me amou, também eu amei a vós, permanecei no meu amor.” (João 15;9)

“Vos sois meus amigos se fazes o que vos mando” (João 15;14)

“Já não vos chamo servos porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas tenho-vos chamado amigos.” (João 15;15) “Se vos fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu,como todavia não sois do mundo, pelo contrário,dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia.” (João 15;19)

“Se eu não viera nem vos houvera falado, não teriam pecado. Mas agora não tem desculpa do seu pecado.” (João 15;22)

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É incrível observar agora como estes versículos em seu conjunto formam uma base sólida e simples de se entender para um recém convertido. Reconhecer o carinho e o zelo com o qual o próprio Deus a instruiu e evangelizou, preparando o coração dela para ser Dele. Ela grifava com lápis de cor todos eles. Alguns porque acalentavam seu coração dizendo que não se turbasse, outros porque revelava ser diferente a paz do mundo da paz que Deus tem para dar. Outros, ainda, tornavam incontestável a verdade de que Jesus é o único caminho para se chegar a Deus, que Ele e o Pai eram um e que todos o que lhes obedecessem seriam chamados, mais do que meros empregados, ou religiosos, amigos de Deus, que Ele a amaria e moraria dentro dela, trazendo vida real à sua alma. A palavra ainda afirmava que todas estas revelações já estavam purificando, bastava que permanecesse em seu amor... Também foi advertida nesses dois capítulos do livro de João a ter coragem de assumir uma posição cristã perante um mundo que odeia os convertidos, e que se ela recuasse agora já não teria desculpas para o pecado de negar a Jesus, pois Ele já havia lhe derramado a Verdade ao coração.

Que convite gracioso Deus fazia para aquela adolescente! Ele próprio, dentro de seu quarto, a portas fechadas, através do seu Espírito Santo a evangelizou. Naquela pequena cópia do Novo Testamento de capa cinza estava toda a Verdade. Quem impediria o Seu agir, na vida dela se A Palavra de vitória já lhe havia sido liberada, como mencionava a primeira canção que ouvira na noite em que esteve na Igreja pela primeira vez? Claro que haviam alguns equívocos. Quando mencionei que alguns versículos bíblicos lidos sob sua leiga interpretação

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lhe davam esperanças em relação a Henrique eu me referia ao fato de que ao ler “tudo o que pedirdes em meu nome eu farei”, pensava que Deus lhe estava dando todo apoio para que viesse a orar pelo amor dele.

Deus, no seu imenso bom humor - sim, porque Deus tem bom humor - e conhecedor daquele jovem e romântico coração, não mentindo, realmente podia fazer algo pela vida sentimental dela, mas não era a hora. A hora era de “atraí-la para Si”. “E EU QUANDO FOR LEVANTADO, TODOS ATRAIREI A MIM” (JOÃO 12;32)

Enquanto ela se iludia com “o novo poder espiritual”que pensava ter adquirido por ser agora “íntima amiga de Deus”, e desconhecendo o versículo que nos diz que quanto ao que lhe pedimos segundo A SUA VONTADE Ele nos concede, Ele cravava em seu coração os alicerces espirituais que realmente importavam e que mudariam para sempre o rumo da sua história. Louvado seja Deus por sua imensa sabedoria e amor ao tratar com seus escolhidos.

Importa deixar claro também que Deus não usa de feitiços. Não é um bruxo, macumbeiro ou encantador, como Satanás. Não obriga ninguém a gostar de outrem. Ele, embora nos tenha escolhido e traçado bons planos para nós, nos deu livre arbitro quanto a caminhar em sua direção ou não. Portanto, ainda que alguém como nossa personagem esperneasse diante dele um milhão de vezes, citando a promessa ”tudo o que pedirdes em meu nome eu o farei”, Ele não interviria bruscamente nos sentimentos de ninguém; no caso, esse alguém era Henrique. O Se-

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nhor não se mete em questões amorosas assim, até porque Ele mesmo criou cada mente e coração, e sabe bem quem combina com quem. Quantos casais hoje sofrem por não serem compatíveis um com o outro e enfrentam traumáticos divórcios ou uma convivência forçada e pobre de amor, e ainda culpam a Deus por isso? O fato é que não esperaram Nele, nem lhe consultaram antes de optar pelo cônjuge. Os servos de Deus devem, como tudo o mais que envolve suas vidas, levar ao altar de oração seus anseios e carências afetivas, porque Deus zela com a mesma importância todas as áreas concernentes a seus filhos.

O que é importante para nosso bem-estar é também importante para Deus, e “segundo a Sua vontade” ele nos concede. Porém existem etapas de um aprendizado espiritual e de prioridades que não podem ser puladas, afinal, “todas as coisas, mesmo as que nos parecem ruins, cooperam juntamente para o bem dos que amam a Deus”. (Romanos 8;28) Deus conhece a necessidade que o homem tem de um cônjuge, e mostrou-se sensível a ela na vida de Adão quando, olhando para ele, concluiu que não era bom o homem ficar só. Ainda faltava uma coisa: uma adjutora. Não bastava toda a perfeição da criação, o Jardim do Éden, cada ser vivo que ali existia com suas características exóticas e peculiares, alimento, provisão, e até o privilégio de poder encontrar-se com Deus todos os dias ali. Tal qual todos os outros animais criados, Adão deveria ter seu par. (Gênesis 2:18)

Indo um pouco mais adiante na Bíblia, ainda no próprio Livro de Gênesis, vemos Deus inspirando Abraão a ter prudência na hora de escolher uma esposa para seu filho Isaque. Por isso,

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já nos seus últimos dias, à beira da morte, chamou ele um de seus empregados e o fez jurar que buscaria uma mulher para Isaque entre a sua parentela (Gênesis 24:4). Ou seja, o princípio que tomamos como exemplo aqui, é buscar alguém que tenha semelhança de hábitos e costumes aos nossos. Quem dera que nossos jovens hoje sempre usassem desse discernimento que teve Abraão para poupar Isaque de aborrecimentos e para conservar a boa promessa que havia sobre a sua descendência! VOCÊ, quer um príncipe? Seja então uma princesa, não apenas na aparência, mas na nobreza de atos e sentimentos. Quer alguém inteligente? Estude, se esforce para estar à altura dessa pessoa e não sentir-se humilhado e menosprezado depois. Quer alguém ousado em Cristo? Seja você também ousado, buscando na Igreja um ministério para si e honrando-o. Quer alguém cheio da unção? Busque a Deus de todo coração e a unção estará primeiro em você, e todos a verão. Deseja, como Josué, dizer com veracidade aquela famosa frase “Eu e minha casa serviremos ao Senhor?” (Josué 24:15)? Então não se meta com pessoas que, endurecendo o coração, não querem compromisso COM O DEUS COM QUEM VOCÊ É COMPROMETIDO. No caso de Isaque, Rebeca foi a esposa escolhida, após o servo de Abraão pedir da parte de Deus um sinal. O sinal foi um ato de gentileza e boa disposição da parte dela. A moça para quem ele viesse a pedir um copo de água deveria, além de atendê-lo prontamente, oferecer também água para os seus camelos. (Gênesis 24:19-20). O que farão algumas garotas egocêntricas e egoístas criadas na nossa geração quando forem postas à prova acerca da sua generosidade e boa disposição? Há ainda aquelas que são verdadeiramente generosas com os estranhos, no entanto, os pais não podem contar com elas em casa... mas Rebeca

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estava trabalhando, certamente a mando do pai, quando aconteceu o momento da escolha. A Bíblia, no livro de Provérbios ainda nos diz que “a herança vem dos pais, mas do Senhor a esposa prudente.” (Prov. 19;14) Podemos substituir por “marido prudente” também, afinal o conselho é para ambos os sexos. Portanto amadas leitoras, e leitores, preparem-se para o melhor de Deus na sua vida sentimental. Não fique buscando no outro o que falta em você, como uma “muleta”, mas transformese, para que outro tenha que fazer por onde te merecer. Não perca tempo idolatrando e sofrendo por alguém, para não fazer errar seu coração desviando-se a um amor que te roube a paz. Certamente as falsas paixões passarão, e mesmo a mais dolorosa dor será superada. O amor verdadeiro será despertado por Deus para você no devido tempo, pode apostar. “ALEGRA-TE JOVEM NA TUA MOCIDADE E RECREIESE O TEU CORAÇÃO NOS DIAS DA TUA JUVENTUDE, ANDA PELOS CAMINHOS QUE SATISFAZEM O TEU CORAÇÃO E SÃO AGRADÁVEIS A VISTA DOS TEUS OLHOS. SAIBA PORÉM QUE DE TODAS ESTAS COISAS DEUS TE PEDIRÁ CONTAS. AFASTA POIS DO TEU CORAÇÃO O DESGOSTO, E REMOVE DA TUA CARNE A DOR, PORQUE A JUVENTUDE E A PRIMAVERA DA VIDA SÃO COISAS PASSAGEIRAS.” (Eclesiastes 11;910)

É claro que em tão pouco tempo não havia experiência e maturidade espiritual o bastante em nossa personagem para que soubesse disso. Para ela, desde que perseverasse em oração, Deus estaria comprometido em lhe trazer o Henrique e ponto.

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Enquanto os meses foram passando, continuou pedindo e confiando, concentrada no desejo de seu coração. Então, um dia leu na Palavra este versículo: “NECESSITAIS DE PACIÊNCIA PARA, DEPOIS DE HAVERDES FEITO A VONTADE DE DEUS, POSSAIS ALCANÇAR A PROMESSA” (Hebreus 10;36) Na sua jovem cabecinha, a promessa de Deus que esperava que se cumprisse era Henrique. A única vontade de Deus que parecia não estar fazendo era o fato de não ter se decidido ainda em relação ao batismo nas águas, pois era necessário “nascer de novo” para ser de Deus por inteiro e definitivamente.

“Somando dois mais dois” -pensou ela- “se viesse a me batizar, estaria apta para que Deus concedesse seu desejo”.

Não muito tempo depois destas ideias começarem a aflorar em sua cabeça, a menina que havia combinado com a melhor amiga a não tomar a séria decisão de batismo, pois achavam-se novas demais, e porque tal decisão implicaria em ter um compromisso sério com a Igreja em toda a sua maneira de viver, sentia-se intimamente cobrada a isso, não só pelo “acordo” que achava ter com Deus, mas o conhecimento bíblico lhe exortava, dizendo: “Quem crer e for batizado, será salvo, quem não crer JÁ ESTÁ condenado”. (Marcos 16;16) Foi num culto de sexta-feira, porém, na verdade uma reunião extra na Nikkey, para a qual foi convidada pelo Sr. Jonas, enquanto tirava o carro da garagem, o dia da sua decisão.

A reunião já havia acabado quando dois diáconos entraram no templo trazendo de uma visita que haviam feito em uma casa local uma mulher possessa por espíritos malignos, para ser libertada ali. Ana Maria, uma jovem do grupo dos mais velhos, líder da escola dominical infantil da Nikkey, que discipulava com

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amor naquela época muitas crianças,estava presente. Ao ver entrar a mulher possessa, abraçou nossa personagem e impondolhe as mãos começou a orar por ela, certamente por receio dela se assustar com a cena. Foi naquele momento que o Espírito Santo, através da oração de Ana Maria, fez o milagre da decisão em seu coração. Se houver galardão pela salvação de uma alma - e há, de fato - Ana Maria teve parte nisso. Assim que ela terminou de orar, nossa personagem lhe perguntou: “Ana, com quem me inscrevo para o batismo?”

Capítulo 4

O CORAÇÃO DE CARNE

“E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne.” (Ezequiel 36:26)

Quando contou ao pai a decisão que tomara de batizar-se, ele não demonstrou grande empolgação com a notícia, mas respeitou, como sempre, a decisão da filha.

Quando comunicou a mãe, por telefone, ela disse que a filha deveria pensar melhor, pois poderia estar estragando sua juventude para seguir os costumes da Igreja, embora nem tivesse noção clara de que costumes seriam esses, mas também não a proibiu. A madrasta deu todo apoio, porém advertiu, citando uma passagem bíblica de que se alguém que se converte depois se desviar, o último estado daquela pessoa torna-se pior que o primeiro, pois onde um demônio residia e atuava, voltando e vendo a casa vazia, varrida e adornada, traz mais sete espíritos piores do que ele junto consigo. (Mateus 12:43-45) A melhor amiga, como sempre, desde que se conheceram,

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como procuravam fazer tudo juntas, até cogitou batizar-se também, mas, influenciada pela mãe, desistiu, pois essa queria que ao menos a filha terminasse a primeira comunhão, alegando, por ser muito católica, que seu sonho era ver a filha crismando.

Infelizmente, não muito tempo depois, Lara mudou-se para o Mato Grosso, e este seria o fim da linha: não para a linda e preciosa amizade entre as duas, mas para a semelhança e cumplicidade de pensamentos que sempre tiveram. Alguns anos mais tarde, Lara voltaria a morar em Maringá, trazendo do Mato Grosso, experiências novas e comuns aos jovens do mundo, enquanto nossa personagem estaria mais e mais apegada às coisas de Deus. Muitos, infelizmente, dizem não à Jesus, para não contrariar pai, mãe, namorado, amigos, marido, esposa. A própria sociedade muitas vezes contraria aos crentes, como nos avisa de antemão as Escrituras, as mesmas Escrituras que nos dizem: “Em verdade vos digo que ninguém que tenha deixado casa, irmãos ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor do evangelho há, que não receba já no presente século cem vezes mais em casas, irmãos ou irmãs, mãe, filhos, e campos com perseguições, e no futuro, a vida eterna.” (Marcos 10;29-30)

E ainda: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, dia após dia tome sua cruz e siga-me, pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á: quem perder a sua

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vida por amor de mim, este a salvará. Que aproveitará ao homem GANHAR o mundo inteiro e PERDER a sua alma? Porque qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se se envergonhará o Filho do Homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos seus anjos.” (Lucas 9;23-26)

12 de Dezembro de 1993. Essa foi a data do batismo nas águas de nossa personagem.

Além dela haviam mais umas seis pessoas prontas para descerem às águas naquele domingo, deixando morto ali no batistério o velho homem e as velhas obras, para surgir pessoas prontas para uma nova vida em que deveriam viver não mais suas próprias vontades, mas para a vontade de Jesus Cristo, o seu Único e Suficiente Senhor e Salvador... foram mais ou menos assim as informações que tiveram a cerca do batismo... como num casamento as perguntas feitas já lá dentro do batistério, no momento antecedente à imersão tinham essa diretriz. E ela, obviamente, respondeu que sim a todas elas.

O sonho antigo dela e de Lara de completarem juntas a primeira comunhão fora deixado para trás, junto com as aulas de catequese , no dia em que confessara a professora que seu coração pendia para uma nova religião. E numa feliz coincidência esta mesma professora, tão querida, foi encontrada anos mais tarde também convertida ao evangelho. A roupa de crisma não só foi substituída, como também uma nova foi desenhada por ela. Desenhou e mandou fazer para aquela data um vestido floral muito delicado e comprido, em moda na época.

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Seu pai, madrasta e o tio Alexandre, que estava morando com eles por algum tempo, estavam presentes. Lara também, é claro. Todos sabiam, que aquela era uma importante decisão. Agora, de acordo com o que diz as Escrituras, tinha o nome escrito no Livro da Vida, e o céu estava em festa por sua causa.

Uma irmã já bem idosa, japonesa, chamada de “batchan” pelo grupo de senhoras, disse para a madrasta da jovem que no momento em que a garota descia às águas, Deus lhe disse: “EIS QUE HOJE TIRO DELA O CORAÇÃO DE PEDRA E LHE DOU UM CORAÇÃO DE CARNE.” Entre outros batizantes, algo especial de Deus só para ela... Ele poderia ter enviado um recado para cada um, mas a escolheu em particular, e isso a fez sentir-se amada. Ela jamais se esqueceria disso. Seu coração tornou-se sensível e quebrantado ao seu Senhor a partir daquela promessa, e deveria permanecer assim ao longo dos anos que estariam por vir. Ao contrário do que é para muitos, infelizmente, seu batismo nas águas tornou-se tão importante quanto a própria data de aniversário, pois de fato sentia-se nascida de novo. Fizera uma aliança definitiva e inquebrável com Deus. Abriu a porta para Jesus, atendeu ao seu chamado, e Ele, como prometera, faria agora nela morada... ela- que tão desprezada se sentia - era habitação do Rei dos reis agora.

Na festinha que a Igreja preparou para os recém batizados, logo após a cerimônia do batismo, alguns jovens puxaram assunto com ela pela primeira vez de maneira mais receptiva, parecia que finalmente tinha sido aceita pelo grupo. Ela sentiuse extremamente feliz por isso, enfim, aquela seria sua família da fé dali para a frente. No mesmo dia, já em casa, pegou uma Bíblia da madrasta

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e, abrindo-a, não foi capaz de compreender o que lia. Sentiu uma forte irritação naquele momento. Precisava entender, afinal, o Deus que aceitara e falava com ela através daquelas Escrituras. O Antigo Testamento é mesmo muito mais difícil que o Novo, e foi ali que abriu, mas não podia conformar-se. Tinha que haver um modo de compreender. Então, irritada e ainda com lágrimas nos olhos, sentada no sofá da sala, foi ousada e exigente no clamor que fez, o primeiro, depois de seu batismo. Apresentou a Bíblia ao Senhor e disse: “Como posso obedecer este livro se eu não o entendo?” A partir daquele clamor, a boa e amável presença do Espírito Santo parecia sussurrar-lhe aos ouvidos as revelações contidas nos versículos que lia. Cada texto, mesmo aparentemente distante de sua realidade, tinha pelo menos um versículo que lhe tocava mais fortemente. Este seria o que ela deveria tomar para si. Um de cada vez, e a cada dia, a cada oração, uma nova revelação, com sabor de segredo e intimidade com o Pai.

Ah, que gentil presença é o Deus Espírito Santo!! Conselheiro, Consolador, nos convence do pecado, nos unge, nos capacita, nos coloca vontades e desejos inspirados na vontade de Deus, quanto mais nos entregamos, mais opera através de nós. Quanta ousadia Ele deu aos servos de Deus na Bíblia! Quanta ousadia tem dado a nossa geração hoje, e que belo professor de teologia seria para nossa personagem, com suas “aulas particulares”! Quanto amor e sede da Palavra lhe despertaria e faria crescer mais e mais com o passar dos anos, só porque ela pediu e desejou, tal qual Salomão (2 Crônicas 1:11), compreender as Escrituras para poder obedecê-las. Você também, se tiver dificuldades para compreender as

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Escrituras, não desista tão facilmente, mas peça a Deus que lhe dê a revelação. A Bíblia diz que o povo de Deus entra em cativeiro por que lhe falta entendimento (Oseias 4:6), por isso são facilmente enganados, inclusive por falsas doutrinas pregadas até mesmo nas Igrejas. Não há idade para começar a tornar-se intimo da Palavra de Deus, ou para começar a deixá-la mudar sua vida. Gosto de me espelhar no rei Josias, que subiu ao trono com apenas oito anos, e mesmo tão jovem aprendeu a governar como homem de Deus (2 Reis 22). Timóteo também, desde criança começou a estudar a Bíblia, influenciado pela fé da mãe e da avó (2 Timóteo 1:15). Jesus, com doze anos foi ao templo, e começou a ensinar os magistrados (Lucas 2:45-46)... então, por que não começar agora, a desejar conhecer a Palavra, ainda que você seja muito jovem e pareça ter a vida inteira para isso? No salmo 119, um de seus escritores cita ser mais sábio do que os velhos, mais entendido do que seus mestres, porque tem “observado” os mandamentos de Deus. (Salmo 119; 99 e 100) “se porém algum de vós necessita de sabedoria, peça a Deus que A TODOS dá liberalmente e nada lhes improspera. Peça, porém, SEM DUVIDAR, porque aquele que duvida é semelhante a água do mar impelida e agitada pelo vento.” (Tiago 1;5-6)

“tu porém, permanece naquilo que aprendeste e de que fostes inteirado, sabendo de Quem o tem aprendido, e que DESDE A TUA MENINICE sabe as sagradas letras que podem tornar-te sábio pela salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2 Timóteo 3;14-15)

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Assim que se batizou, por ser mês de Dezembro, foi novamente passar as férias em Itajobi, interior de São Paulo, na casa da mãe.

No seu coração, lamentava os quase dois meses que passaria longe da Igreja, justo agora que estava se enturmando com o pessoal. Sua bagagem trazia sua maior riqueza e a principal companheira agora: a Bíblia, sua orientação, seu leme para qualquer destino.

Com ela, num cantinho a sós que providenciou no quarto das irmãs para orar, sentia o olhar do Senhor impregnado sobre si e ouvidos Dele bem atentos ao seu clamor. No peito, ardia, naquele altar preparado longe de casa e do templo querido, um coração derramado com o frescor de quem descobriu a alegria de viver para Deus. Queria que a família materna percebesse a importância que isso tinha e quanto bem lhe fazia, mas era cedo demais para isso. A semente da salvação recém plantada em seu

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peito era praticamente imperceptível aos olhares externos, mas um dia, porém, tornar-se-ia uma árvore frutífera, então impossível seria desprezar a existência dela. Seu Deus não ficara em Maringá, esperando-a voltar. Viera junto. Era nítida a sua presença invisível, amorosa e real. Onde quer que ela fosse, Ele também estava. Onipresente, o Altíssimo, que era como ela mais gostava de chamá-lo, não a deixava só, nunca mais só.

Restava-lhe ainda um desconforto pela saudade da Igreja, dos amigos que acabou de conquistar, dos louvores, e de poder ver Henrique todos os dias lá, ou na janelinha secreta de seu quarto. Não via a hora de voltar para casa. Antes de ir para Itajobi, a mãe levou-a à capital. Em São Paulo, o tio Sílvio, irmão de seu pai, dono de um nobre salão de cabeleireiro, tratou seus cabelos crespíssimos com um novo corte e relaxamento... parecia um milagre! Embora ainda estivessem curtos “como de um menino”, estavam lisos. Ela mau podia acreditar. O novo penteado deixava os traços de seu rosto mais delicados e femininos, o que lhe proporcionou uma elevação na autoestima.

A mãe comprou-lhe tecidos e mandou fazer dois conjuntos que ela desenhou. A irmã mais velha lhe deu algumas boas roupas que já não usava e alguns pares de sapato e um perfume. Agora, com um visual repaginado, quando voltasse a Maringá surpreenderia a todos.

Mesmo Henrique mostrou-se admirado e não podia negar que havia alguma beleza na menina que desprezara... Ela percebeu a surpresa em seu olhar. pela primeira vez foi admirada por ele! Comemorou! Cerca de uma semana depois, sendo seu aniversário, a madrasta organizou uma festa surpresa, e o pessoal da Igreja compareceu. Henrique também.

O pai fez um discurso amoroso e lhe presenteou com um relógio. Cantaram parabéns, oraram por ela, e cantaram louvores de confraternização. Foi seu melhor aniversário desde que podia lembrar-se. Logo em seguida, recebeu a notícia de que deveria comparecer aos ensaios do grupo de louvor, pois os outros jovens teriam elogiado sua entonação vocal para o líder Ricardo.

Era o que ela mais ansiava desde o primeiro dia que chegou a Igreja. As coisas estavam sendo transformadas depois de seu ba-

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tismo: o Céu lhe dava as boas-vindas. Algo estava mudando, as portas,se abrindo automaticamente e o conjunto de tudo isso lhe soava como a voz do Pai Celestial dizendo que estava satisfeito com sua corajosa decisão de descer ás águas. Era uma pena, pensava ela, que Lara não estava fazendo parte de tudo isso e que já havia partido para o Mato Grosso...

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Toda essa exigência, e a admiração que ele causava, treinou nossa personagem a realmente levar as coisas de Deus a sério e a santificar-se. Louvado seja Deus por preparar líderes a quem possa confiar suas pequenas ovelhas, como o líder Ricardo Tanaka!

Não pense que foi coincidência apenas ela ser convidada para o grupo de louvor logo após seu batismo. Havia um propósito divino neste convite, pois ensaiando no grupo, estaria sujeita ao líder dos jovens, e do louvor, Ricardo Tanaka, podendo ser acompanhada por ele e se fazendo conhecer mais de perto. Ele seria, com toda certeza, peça fundamental na base que ela precisaria nos primeiros anos de sua conversão.

Ricardo era um exemplo genuíno de liderança cristã, difícil de se ver nos dias de hoje. Ele era jovem e de incomum beleza nipônica. Fazia um par perfeito com sua linda esposa Deborah, sempre atenciosa com nossa personagem. Juntos, eles seriam uma referência muito importante em sua adolescência. Ricardo expressava uma autoridade natural, suas exigências eram respeitadas sem que forçasse a barra. Zelava pela dedicação técnica e espiritual dos integrantes do grupo, por um bom testemunho externo, oração de pelo menos quinze minutos antes da apresentação. Cobrava limpeza e organização com os instrumentos, reunia os jovens de tempos em tempos para vigílias, preparava duas vezes por ano retiros espirituais em chácaras, e exigia que todos os integrantes do grupo de louvor frequentassem assiduamente a escola bíblica dominical. Era inteligente, ponderado e educado, Características que só reforçavam sua voz de comando.

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Capítulo 5

PÕE-ME COMO SELO SOBRE O TEU CORAÇÃO

lete e saia de pregas xadrez, com sapato tipo boneca e meião até os joelhos, última moda na época. Mal sabia porém, que toda aquela produção não evitariam a surpresa que teria aquela noite. Quando viu Henrique e Isabela entrando de mãos dadas na Igreja, não pôde acreditar. Não havia outra explicação. Sim, eles estavam namorando, e pareciam muito felizes!

Bem, um ano já havia se passado e muita coisa boa acontecido, mas nada da “promessa” sobre o Henrique se cumprir.

Desde que começou a frequentar a Igreja, percebeu que ele, na verdade, gostava de Isabela, uma japonesa de treze anos, linda, com seu sorriso perfeito, cabelos naturalmente pretos e lisos e corpinho delicado, filha de um arquiteto.

Isabela, porém, estrategicamente sondada por nossa personagem, havia lhe garantido que Henrique não tinha a menor chance com ela. Essa informação deixou nossa personagem aliviada, quase despreocupada para continuar orando e esperando pela “bendita promessa” que pensava ter da parte de Deus. Era 8 de Outubro daquele ano. Um ano, um mês e um dia. Ela contava minuciosamente desde o dia que conhecera Henrique, já que isso se deu num feriado de 7 de Setembro. Era também sábado, e haveria na Nikkey uma gostosa “Festa Do Pastel”, organizada para arrecadar fundos para reforma. Ela estava especialmente bonita com um conjunto de co-

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Seu pequeno mundo caiu. “Deus me traiu!” — foi a primeira coisa que pensou. — Como pôde fazer isso comigo?!

“O Deus que como ninguém conhecia todas as suas expectativas e sentimentos, a quem eu entreguei confiadamente aquela causa, por que permitiria tamanha dor? Será que não ouviu todas as minhas orações e paciência pelo amor de Henrique? Por que Isabela ,que parecia não levar Henrique a sério, mereceria mais do que eu aquela benção?” perguntava-se. Chorando, no seu drama quase infantil para nós, obser-

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vadores, mas tão sério para ela, abandonou a festa lá fora e foi esconder-se no quartinho do batistério, dentro da Igreja. Lá cobrou de Deus uma explicação, que provavelmente há muito tempo Ele esperava para dar.

É importante mencionar claramente o que Deus estava fazendo. Analisar quem era ela, como funcionava seu coração, quais eram seus anseios, a grandeza de suas carências e de sua necessidade de aceitação.

Nem sempre compreendemos o que Deus está fazendo no mesmo instante em que trata conosco, como diz a própria Palavra: “o que eu faço, não o sabes agora, compreendê-lo-á depois.” (João 13;7)

Além disso, se Deus simplesmente se contentasse com o fato de ela já estar dentro da Igreja, e sendo ela “boazinha e obediente” para com Ele, permitiria a Henrique enxergá-la com os olhos do amor, sem nenhum preparo intelectual, emocional e espiritual para isso, aos 13 anos apenas, daria início a uma vida de namoro, com excessivo contato físico e tentações carnais que só a afastariam do Senhor.

Uma resposta que no seu pouco discernimento a respeito das coisas espirituais, não pôde entender naquele momento de forma clara, mas mesmo assim, Ele lhe deu uma resposta que ela guardou bem, e que, um dia, unida a outras decepções amorosas e também a outras consolações vindas da parte do Espírito, junto das mais profundas experiências com Deus que a aguardavam, ela passaria a entender.

A resposta que Deus lhe deu naquela noite, no quartinho do batistério foi a seguinte; Põe-me como selo sobre o teu coração, E como selo sobre o teu braço, Pois o amor é forte como a morte, E duro como a sepultura é o ciúmes, As suas brasas são brasas de fogo, São veementes labaredas. As muitas águas não poderiam apagar esse amor, nem os rios afogá-lo, Ainda que alguém desse todos os seus bens em troca desse amor, Seria tratado com desprezo.” (Cantares de Salomão 8;6-7)

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Será que com tudo isto estaria mesmo pronta para relacionar-se com alguém, tendo de si mesma uma visão tão frágil, crítica e vazia de autoestima? Ela procurava, inconscientemente, alguém que lhe parecesse pronto, que fosse bonito, como Henrique era, com boas qualidades, estimado por todos, super sociável, para apoiar-se nele como “a namorada do cara” e assim, subir no conceito de todos.

Paulo aconselhou a Timóteo, que era um jovem solteiro, e já dirigia uma das primeiras Igrejas fundada pelos apóstolos, o seguinte: “Foge das paixões da mocidade e segue aqueles que de coração puro invocam ao Senhor” (Timóteo 2;22) O que Deus intentava era mais profundo. A obra Dele na vida dela seria mais aprimorada, caso ela o deixasse agir como ele pretendia.

Fácil agora avaliar a situação por este ângulo, mas bem que este poderia ser um ponto final para sua boa fé, como já presenciei em outros casos. Satanás se diverte muito agindo na área sentimental da vida de jovens que estão nas Igrejas. Os jovens,

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diferentes dos casados, estão constantemente vivendo a ânsia de encontrar um par. Estão cheios de expectativas emocionais, temores e dúvidas. Isso sem contar as inseguranças sobre sua aceitação na sociedade, próprias da idade. Basta, então, o namoro acabar, haver uma disputa entre duas amigas pelo mesmo rapaz e uma sair perdendo, para tal jovem sair da Igreja decepcionada com Deus, com o ex-namorado, com a ex-amiga, e voltar para o mundo, onde não há regras e tudo parece ser mais fácil... Ah, quantas feridas abertas, porque nem sempre o alvo de um jovem quando vai à Igreja está de fato na presença de Deus! Aquele era mesmo um ponto crucial. Ela teve que encarar a realidade de que, apesar de toda sua expectativa, e não tendo feito nada para merecer aquilo, seu pedido tinha sido negado. Sentia-se tola por ter se permitido acalentar tamanha esperança. Outra vez a rejeição bate à porta, e junto dela, o fracasso, e o sentir-se humilhada diante de todos os seus amigos, que tantas vezes ouviram-na garantir com convicção que Henrique ainda seria seu namorado. Como suportaria a cada culto conviver com a alegria do casal, na contramão de sua dor, dali para a frente? E quanto a seus complexos, o que faria com eles que agora pareciam demônios gigantes e fortes gargalhando em seus ouvidos?

Lembremos, porém, que Deus lhe disse: “PÕE-ME como selo”. Era como dizer: “AME A MIM, o teu Deus, pois MEU amor por você é forte como a morte, e o MEU CIÚMES por ti é duro como a sepultura. As muitas águas, ou seja, os muitos problemas e angústias, não poderiam apagar MEU AMOR, nem os rios afogá-lo. Ainda que alguém desse todos os seus bens em troca DESSE AMOR, seria tratado com desprezo, ou seja, Eu jamais lhe rejeitaria ou abandonaria. Meu amor é leal, e mais caro do que qualquer outro amor”.

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O amor de Deus é imensurável, e Ele tem ciúmes de nós. Não se escandalize com essa afirmação, pois de fato Ele tem ciúmes, é a Palavra Dele que isso diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, e que Ele vos tem ciúmes?” (1 Coríntios 6;19) A verdade é que, embora ela não esperasse por essa amarga surpresa, depois de muito chorar, percebeu que era algo contra o qual nada podia fazer. Nem mesmo cultivar ressentimento ou rivalidade em relação a Isabella, que sempre a tratou com simpatia. Não seria a bruxa má da história, não havia mais espaço para ela, e precisava, sobre todas as coisas manter um coração puro para preservar a presença do Senhor em sua vida. Mesmo achando ainda, que Deus foi infiel e insensível aos seus sentimentos (como se Ele pudesse ser assim..), o peso da salvação e da preciosa vida que agora levava em Cristo, jamais permitiriam que ela fosse leviana o bastante para abandonar a Igreja e deixar de crer no seu Deus. Como os discípulos foram postos a prova ainda no início da caminhada com Jesus, após um duro discurso que fez muitos seguidores se afastarem, quando Ele lhes disse: “querem vocês também ir embora?”- Ela optou pela mesma resposta que Pedro, em concordância com todos os outros deu ao Mestre: “PARA ONDE IREMOS, SE SÓ TU TENS AS PALAVRAS DA VIDA ETERNA?” (João 6;60-68)

Já diz a Palavra que a tristeza segundo o mundo opera a morte, mas a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a vida. Também esta escrito: “É melhor a tristeza do que o riso,

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porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”-Eclesiastes7;3. Essa era a tristeza que ela experimentava agora. Não era uma tristeza de todo amarga, mas, uma tristeza que quando chegava a conduzia ao altar de oração, e lá ela era consolada pelo Espírito Santo.

A tristeza pode ser uma grande aliada de Deus para nos aproximar Dele. Sua Palavra nos diz: “Clama a mim no dia da angústia e responder-te-ei, anunciar-te-ei coisas grandes e ocultas que não sabes.” (Jeremias 33;3) Algum tempo após o batismo, geralmente, somos atraídos, não para um viver “em mar de rosas”, como pareceria mais lógico, já que fomos reconciliados com Deus, mas sim - a exemplo do próprio Jesus - para um deserto.

Invisível e espiritual, esse deserto é bem real para os cristãos. Todos os grandes homens usados por Deus, nos tempos da Bíblia ou em nossa geração, passaram por ele. Quando Jesus, acabando de ser batizado nas águas, e depois do gozo de ouvir da parte do Pai: “Este é o meu Filho amado em quem me comprazo”, foi conduzido ao deserto, não foi Satanás que o levou, diz as Escrituras, mas o Espírito Santo. Satanás estava lá presente, esperando o melhor momento para tentá-lo, e de fato fez isso quando Jesus estava fisicamente mais debilitado, depois de haver jejuado quarenta dias. Mas o fato de o Espírito Santo ter conduzido Jesus até lá, nos mostra que Deus aprova nossa descida ao deserto como uma escola de amadurecimento (Marcos cap. 1). No deserto, passando por “lixas espirituais”, passando pelo fogo, enfrentando serpentes e escorpiões, calor excessivo durante o dia e frio congelante durante a noite, ausência de socorro humano, e muitos outros desafios, Ele se revela para nós, e

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nos torna realmente dependentes de sua graça. Lá aprendemos a amá-lo, adorá-lo e temê-lo. Se o próprio Cristo desceu ao deserto, significa que Deus não mima seus filhos, embora os chame de “reis e sacerdotes”, pois nem ao seu Unigênito poupou, “antes, o fez aprender a obediência por meio do que padeceu”. (Hebreus 5:8) Nossa personagem, agora, pouco mais de um ano vivendo para o Senhor, também conhece esse lugar. No deserto o Senhor vai moldando seu caráter. No deserto ela ergue altares de adoração sobre lágrimas, muitas vezes, e continua a caminhada de fé, confiando na Palavra que reveladamente inspirou um salmista a escrever: “Recolhestes as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas escritas no teu livro?” (Salmo 56;8)

Foi nessa época que ela compôs esta canção: “Há um deserto em que ninguém me vê passar, Um caminho só meu e teu, Obrigado pela noite fria, Sei que de algum lugar você vai surgir e tudo será luz. Meus olhos choram Mas no fundo, bem no fundo o coração sorri E anjos vem só pra recolher meu pranto E transformá-lo em glória E quanta glória há no teu amor. Chamada a parte para andar por entre

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espinhos, avançar caminhos na escuridão, Correr para os teus braços, pois no oculto há um mundo de lições Eu me apego em tuas promessas, De um DEUS que não pode mentir, De um DEUS que não pode falhar, Um DEUS que nunca, nunca, nunca vai

Capítulo 6

IDOLATRIA ESCONDIDA

Me abandonar neste deserto...”

“Ele me levou à porta do átrio. Olhei e eis que havia um buraco na parede. Então me disse: Filho do homem, cava naquela parede. Cavei na parede, e eis que havia uma porta. Disse-me: Entra e vê as terríveis abominações que eles fazem aqui. Entrei e vi toda sorte de répteis e animais abomináveis e de todos os ídolos detestáveis da casa de Israel pintados na parede em todo redor.” (Ezequiel 8;7-10)

Observemos que nossa personagem não era volúvel em seus sentimentos, apesar de tão jovem. Passou a gostar de Henrique do dia em que o viu pela primeira vez, o que durou um ano, um mês e um dia, como já havia calculado, e ainda perseverou esse sentimento 5 meses depois que ele começou a namorar Isabela, já que nesse ultimo período tinha ainda a esperança de que o namoro fosse passageiro.

Durante todo esse tempo, o desejo de impressioná-lo e o fato de agora ser ‘“filha do Rei” fizeram daquela menina chamada pelos antigos amigos da escola de “negrinha do saravá”, uma

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mocinha bem mais delicada e dócil. Sua aparência e vestuário melhoraram bastante, e seu semblante também tornou-se menos duro.

Depois do início do namoro dos dois, descobriu que, por tempo indeterminado, estava sozinha na caminhada com o Senhor. No entanto, amava o seu Senhor. Amava verdadeiramente. Não era uma religião que amava, embora amasse tudo o que envolvia a Igreja. Ela dependia e confiava em Deus inclusive fora do templo. Era um caminhar diário: sua escolha em servir a Cristo era irremediável, apesar disso, seu coração ainda era idólatra.

Não se assuste com essa revelação. Não se tratava, no caso dela, de idolatria à imagens de escultura, tão claramente condenada nas Escrituras Sagradas tanto no Antigo como no Novo Testamento. Esse fato sempre foi um dos primeiros rudimentos que um recém convertido tende a tomar consciência.

“Não farás para ti imagens de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem em baixo, na terra. Não adorarás, nem lhe darás culto, porque Eu, o Senhor, sou Deus ciumento, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem.” (Deuteronômio 5;8-9) Bem, sobre este tipo de idolatria ela já estava totalmente convencida pela Palavra a não praticar, desde que Ele a evangelizou através do Livro do apóstolo João 14 e 15, naquelas suas primeiras leituras bíblicas quando revelou: “Eu sou o caminho a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão POR MIM.” (João 14;6)

No entanto, mergulhar nos rios de Deus, mostraria que as redes da idolatria podem ir além disso.

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Também antes da sua conversão ela tinha uma pasta contendo fotos e revistas em quadrinhos de um grupo musical chamado “New Kids On The Block”. Tinha quadros e pôsteres desse grupo por todo seu quarto, especialmente do vocalista Jordan. Mas esta também não era a idolatria mais desafiante para Deus no coração da jovem. Junto com sua conversão, a aparência do seu quarto também mudou: arrancou os quadros e pôsteres, deu fim a pasta e atrás da porta colou versículos bíblicos. A pior idolatria que carregava consigo era algo que ela própria não enxergava como pecado. Às vezes pecamos sem saber e por isso padecemos. No livro de Salmos alguém já declarou: “Quem pode conhecer as próprias culpas? Absolve-me Tu das que me são ocultas.” (Salmo 19:12)

A idolatria dela estava totalmente ligada às paixões que acalentava. Quando se apaixonava vivia em função do ser amado. Acordava, se movia, comia e dormia pensando nele. Quando ouvia canções românticas, cultuava sua paixão ao ponto de ir às lágrimas. Para o garoto amado escrevia cartas de amor que jamais entregaria, mas que serviam de desabafo e alimentavam sua auto4piedade, uma inimiga mortal que parecia inofensiva. O nome da pessoa amada era aos seus ouvidos o mais lindo do mundo: cada gesto, movimento e até suas imperfeições eram perfeitos. Seu “deus humano” estava sempre num pedestal, intocável, enquanto ela, a menina da baixa autoestima, permanecia a seus pés encolhida. Por supervalorizar o outro, e tão pouco a si mesma, não era de se admirar que nunca fosse correspondida. Enquanto ela sofria, e até sentia orgulho desse sofrer, a pessoa em questão prosseguia normalmente sua vida, sequer lembrando da sua existência, exceto apenas quando queria exibi-la ou apontá-la como “a menina que morre por minha causa”. Ela só

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deixava de idolatrar alguém quando encontrava um novo ídolo, que lhe desse uma pequena esperança e parecesse superior ao anterior. Dessa maneira, a velha paixão era substituída pela nova, embora. Como uma coleção, ela se lembrava perfeitamente de todos os amores aos quais platonicamente havia se dedicado...

E quantas pessoas, especialmente as mulheres, sofrem desse tipo de idolatria mundo afora? Talvez você mesmo, que lê este livro, tenha levado um grande susto ao reconhecer nesse trecho o diagnóstico exato de sua doença de amor. Por causa desse tipo de idolatria, homens se matam ou matam a parceira, mulheres fazem feitiçarias e macumbarias para atrair forçadamente a pessoa que pensam ser a razão de sua vida. Muitos destroem casamentos de outros ou, como nossa personagem equivocada, têm o quadro da sua baixa autoestima piorado e muitos empecilhos no seu crescimento espiritual. São os chamados “passionais” pela sociedade. Quantas vezes ela ficou sem entender nada quando, após a oração, a Palavra Revelada lhe trazia uma exortação sobre idolatria? Muitas vezes pesadas exortações mostrando que Deus estava muito bravo com ela. Certa vez fechou a Bíblia resmungando algo do tipo: “Deus, preciso de uma resposta. Porque ao invés disso me exortas sobre idolatria se sirvo somente a Ti e não a imagens de escultura?”

Um dia lhe “cairia a ficha”. Aquele que esquadrinha e sonda coração e mente sabia que escondidos em seu coração, escritos nas paredes dele, estavam ídolos abomináveis aos olhos do Senhor. A propósito... o que há nas paredes do seu coração?

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“Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma,e de todo o teu entendimento. E estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; e a intimarás aos teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as trará por sinal na tua mão, e te serão por testeiras entre os olhos. E as escreverás nos umbrais da tua casa e em tuas portas.” (Deuteronômio 6;5-9)

Aos poucos, ela foi perdendo o interesse por Henrique, enquanto alguém se aproximava dela e ia ganhando espaço em seus pensamentos. Era apenas um amigo, a principio e se tratava de Pedro, irmão mais velho de Henrique, aquele mesmo que Lara outrora havia amado e odiado em seguida.

Pedro era mais magro, mais alto e tinha um lindo rosto. Era um pouco mais interessado nas coisas de Deus que o irmão, que realmente, depois que começou a namorar já não se importava tanto com os compromissos da Igreja. Agora com 17 anos, Pedro era um tanto mal-humorado e topetudo. Os dois aproximaram-se devido aos compromissos com o louvor. Às vezes ele puxava assunto com ela sobre o irmão e carinhosamente a chamava de “minha irmãzinha”. Mas, na verdade, desde o princípio, acredito que o que ele queria mesmo era a ajuda dela para conquistar uma outra moça da Igreja chamada Melissa, também com 17 anos. De fato, já super entrosada com as meninas, e amada por elas, ela ajudou para que os dois viessem a namorar.

O problema, previsível para quem tem um apenas um

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pouquinho a mais de experiência com pessoas, é que uma menina, agora com 14 anos, extremamente carente, não poderia se aproximar tanto de um rapaz por quem já tinha certa admiração sem vir a gostar dele.

O fato de Pedro ser mais velho, ter um ar mais espiritual e ser bonito para ela atraíram bastante nossa personagem. Até sua rabugice a atraía. Todas as noites, quando voltava do serviço ele a chamava no portão de casa. A madrasta, brincalhona, começou a fazer piadinhas a respeito, o que lhe despertou esperanças. Quando ouvia a voz dele chamando seu nome, largava tudo o que estivesse fazendo para atendê-lo. O coração se alegrava, queimava por dentro ao vê-lo. Os dois conversavam durante horas no banquinho da frente de sua casa, e ele era amável aos olhos dela.

Quando o namoro com Melissa começou, obviamente ela sobrou e ele sumiu. A princípio nem para o seu próprio diário ela queria admitir, nem para si mesma. Dentro de si bem sabia que aquela euforia em ver Pedro, aquela falta que sentia dele, e aquele afeto, não eram normais: na verdade, já havia se apaixonado por aquele a quem elegera seu melhor amigo. Quando via o casal junto, o coração chegava a arder. Ficava tentando descobrir o que exatamente chamava tanto a atenção de Pedro em Melissa. Nunca chegou a uma conclusão definitiva, mas analisando a si mesma, por ter apenas 14 anos, achava que para ele, ela ainda era uma criança, sabia que era insegura, que se encolhia o tempo todo, que não tinha “voz” própria... qualquer moça seria para ele mais interessante que a amiguinha tola, como se autodenominava. Como se não bastasse este turbilhão de emoções, Melissa

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era também uma amiga querida. Existia ainda Cecília, ex-namorada dele.

Com duas amigas muito importantes para ela “afim” de Pedro, sabia que aquele sentimento novo poderia acabar numa grande confusão. Caso ela não segredasse isso consigo, poderia perder a amizade dos três. Ele fazia falta, muita falta. Quando ela conseguia chegar perto, não conseguia esconder isso muito bem;. queria, pelo menos, a atenção do amigo de volta, ou que ele se interessasse por ela, mas nem uma coisa, nem outra ocorria, o que sobrava para ela, mais uma vez, era a dor. Cecília morava em frente ao colégio onde nossa personagem estudava. Com o tempo, nossa personagem adquiriu o hábito de passar em sua casa todos os dias depois da aula. O problema é que o assunto preferido de Cecília era Pedro e Melissa. Criticar o namoro deles por puro despeito era o que Cecília fazia sempre. Cecília deixava transparecer sua raiva daquele namoro.

Nas poucas vezes que nossa personagem conversava com Pedro, ele reclamava a falta de atenção de Melissa.

Melissa, por sua vez, nem tinha certeza se gostava de Pedro, como contava para nossa personagem.

Nossa personagem ouvia os três. Conhecia todos os lados dessa história, e ainda procurava com todas as forças esconder e sufocar seus próprios sentimentos. No meio desse triângulo e de tantas informações vindas de uma, de outra e ainda de uma terceira parte envolvida, ela acabou traída pela língua contando tais coisas para Cecília que

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fez com que as informações chegassem até Melissa, alteradas pelo seu toque pessoal de malícia.

O namoro que já não ia bem das pernas acabou de vez, mas junto com ele desmoronaram-se também as amizades. Pedro e Melissa ficaram ressentidos um com o outro e com raiva de Cecília e de nossa personagem. Como previsto, ela realmente ficou sem a amizade de ninguém. Um pesadelo, literalmente! Cecília já estava indo morar no Japão com o pai e o irmão.

Pedro e Melissa deram a nossa personagem a fama de falsa e não confiável entre os jovens. Sentia no tom de voz e no semblante das pessoas, um certo julgo sobre si. “Ora, a língua, é fogo: é mundo de iniquidade. A língua esta situada entre os membros do nosso corpo e contamina o corpo inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana,como ela mesma é posta em chamas pelo inferno.” (Tiago 3;6)

“O que guarda a boca conserva a sua alma, mas o que muito abre seus lábios, a si mesmo se arruína.” (Provérbios 13;3)

Se a Bíblia condena o falar demais, não seria esta uma lição da qual Deus pouparia nossa personagem em aprender. E muitas vezes aprender uma lição exige mais do que teoria, tem que doer na prática, tal qual “colocar o dedo na tomada”. Mas dominar a língua também não é uma lição que se possa aprender uma única vez. É necessário vigilância. Um salmista lembrouse disso e deixou registrado entre os salmos, a seguinte oração: “põe um anjo de luz à porta dos meus lábios.”

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Houve dois homens mencionados na Bíblia a quem Deus conservou mudos até o devido tempo de falar: O profeta Ezequiel e Zacarias, pai do profeta João Batista.

O primeiro deles porque Deus lhe deu a comer as palavras escritas no rolo do Livro, as próprias palavras de Deus, que foram doce ao seu paladar, tal qual a Bíblia é doce para todos o que a amam. Portanto, ou ele falaria as palavras de Deus, ou bem falaria suas próprias palavras. Então Deus o deixou com a língua grudada ao paladar até o devido tempo de falar através dele (Ezequiel 3:26). O que tiro como exemplo daqui é que antes de Deus começar a falar por meio de um profeta, ele ensina tal profeta a calar a voz de sua própria carne, pois de uma mesma fonte não pode jorrar água doce e água amarga.

O segundo homem, Zacarias, foi porque ele duvidou do que disse o anjo Gabriel, que sua esposa Isabel, já de idade avançada assim como ele, lhe daria um filho, que se chamaria João Batista e seria grande diante de Deus. Ele ficou mudo até o nascimento do menino, talvez porque se falasse demais viesse a perder sua bênção, confessando dúvida mais de uma vez, ou contaminado pela dúvida os outros, que também pensariam ser tal coisa impossível, enquanto não começassem a ver a barriga de Isabel crescer (Lucas 1:13-20). Também o profeta Jeremias escreveu no livro de Lamentações um versículo interessante: “Bom é para o homem suportar o jugo em sua mocidade, assentar-se solitário e ficar em silêncio, porquanto Deus o pôs sobre ele” (Lamentações de Jeremias 3;27-28)

O próprio Jesus às vezes fugia das multidões para estar sozinho. O silêncio quase sempre nos ajuda a ouvir melhor a voz

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de Deus, e nos livra de cometer grandes injustiças.

O problema da nossa personagem porém, não foi apenas falar demais, foi também dar ouvidos a um coração enganoso. No fundo pensava que quando Pedro estivesse de novo sozinho, poderia lhe dar uma chance. Sonhara com isso diversas vezes, mas a receita falhou. Ela amargou o que sentia por ele e o desprezo dele por ela anos ainda.

Melissa, depois disso mudou de Igreja, deixando um peso enorme na consciência de nossa personagem, que até tentou pedir perdão, mas recebeu em troca uma resposta da amiga como a seguinte: “É fácil pedir perdão. Você tira o peso dos seus ombros e transfere a responsabilidade para mim. Eu te perdoo, mas nunca mais seremos amigas como antes, pois não confio mais em você”. Com Pedro, foi muito pior: não houve um confronto imediato, mas o desprezo dele por ela era visível. Além disso, nessa época ele parecia estar vivendo uma verdadeira crise existencial: via mil defeitos na Igreja como um todo, e talvez sentisse uma atração fatal em conhecer um pouco mais a vida de um rapaz da sua idade lá fora, no mundo. Ao completar 18 anos, foi convocado para servir o Tiro de Guerra, e a aproximação com os outros rapazes mundanos na concentração mudou-o. Por um período razoavelmente longo, deixou de frequentar a Igreja.

Enquanto ele permaneceu fora da Nikkey, nossa personagem foi sua intercessora fiel junto ao trono da graça de Deus. Não se conformava com aquele Pedro mundano, pois o havia conhecido na Igreja, e se espelhado na sua espiritualidade. Um dia, a madrasta dela, que percebia toda a sua dedicação em orar por ele, chegou do culto, um dos raros onde ele se fez presente,

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contando que uma ousada missionária convidada naquela noite para ministrar a Palavra apontou o dedo para ele e lhe disse: “Você só está de pé hoje porque alguém tem intercedido por você”. Nossa personagem sabia que o mérito não era só dela. Dona Sônia, a mãe dele, também desejava muito ver o filho firme novamente com o Senhor, mas ninguém melhor que Deus para saber o quanto era aflita e verdadeira a intercessão daquela jovem que o amava. Com o tempo ele foi voltando, porém nunca mais para a amizade, nem para o amor dela.

No mesmo período foram surgindo outros jovens no grupo. As primeiras a chegar foram Fernanda, Francielle e Fabrícia, três irmãs que tiveram afinidade com nossa personagem desde o primeiro dia e que passariam a ser grandes amigas suas. Também surgiram Tom e seu irmão Will, e a juventude Nikkey foi ganhando cara nova. Alguns do antigo grupo se afastaram, outros permaneceram, mas já eram bem adultos. Foi chegando aquele pessoal mais novo, que ela, como boa anfitriã, como era recomendação do líder Ricardo, acolheu e passou a amar muito. Três lições que ela aprendeu a duras penas e que tratou de colocar em prática nessa nova fase foram as seguintes: 1- não servir de “cupido” para ninguém;

2- não fazer fofocas, nem participar de intrigas;

3- não disputar um rapaz da Igreja com outra garota;

Ela queria se prevenir de confusões. E queria ver o grupo de jovens voltando a crescer e a comunhão sendo conservada.

Embora determinada em cumprir à risca suas novas e particulares regras, sofreu um pouco quando percebeu o inte-

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resse de Pedro por Fernanda, mas lidou com a situação corajosamente, fortalecida pelo Espírito Santo e conformada com a ideia de que além de certamente ele ter escolhido de propósito a amiga mais próxima dela com o intuito de atingi-la, se não fosse Fernanda a escolhida seria qualquer outra, jamais ela. Portanto, que se calasse aquela dor ingrata no peito para que ela pudesse olhar apenas para o Senhor, Aquele que lhe prometeu amar com um amor eterno.

Capítulo 7

PROMESSAS

Para mudarmos um pouco o rumo dessa conversa falemos das coisas espirituais que Deus andava fazendo em sua vida, como por exemplo, o batismo com o Espírito Santo.

Durante suas orações noturnas, começou a receber na Palavra mensagens que insinuavam o batismo com o Espírito Santo. Estas mensagens lhe soavam como uma promessa direta de Deus, porém temia ser ilusão, pois achava que era insignificante demais aos olhos do Senhor ainda para esse legítimo selo. Como todo cristão, embora Deus já houvesse lhe dado várias provas de que era com ela, às vezes ainda tinha a impressão de que Ele estava muito longe.

O povo de Israel, segundo o Livro de Êxodo no capítulo 32, sentiu-se assim em determinado momento no deserto. Foi quando Moisés, chamado por Deus subiu sozinho ao monte para receber “As tábuas da Lei”. Moisés demorou lá em cima, e o povo, inseguro, sentindo-se abandonado, fez um bezerro de ouro, para adorar, pois precisavam acreditar que alguém os havia tirado do Egito. Erraram ao achar que poderiam comparar o Deus Verdadeiro com um reles bezerro, ainda que de ouro. Fica aqui a ob-

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servação de que para o ser humano, qualquer tipo de fé ou superstição é válida para lhe causar uma impressão de segurança, enquanto Deus faz de tudo para mostrar à humanidade que Ele é Único em poder e autoridade. Ele tem poder para nos dar a vida e para tomá-la de volta. Não há outro Deus Excelente como Ele, nem mesmo Satanás, que por toda eternidade tem procurado imitá-lo. O nosso Deus, que criou os céus e a Terra, é o único que tem TODO o poder, domínio e autoridade.

Naquela noite, diante daquele bezerro o povo caiu na carnalidade no acampamento de Israel, levantando a fúria de Deus de tal maneira, que teriam todos sido consumidos, se Moisés, numa ousada intercessão que durou quarenta dias, não tivesse, no auge do desespero de seu clamor, dito: “Se não perdoardes a esse povo, risca-me do teu livro”. Deus contudo respondeu à altura:

“Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim” (Êxodo 32:32-33).

Que situação desastrosa viveram os israelitas, por uma simples “ilusão de ótica”, e por precipitação. Sabiamente uma canção de Cassiane menciona: “QUANDO ELE FICA EM SILÊNCIO É PORQUE ESTÁ TRABALHANDO”. Às vezes, enquanto andamos no deserto pensamos realmente que Deus nos abandonou ou que esta muito longe, alheio às nossas necessidades. Devemos tomar muito cuidado porque exatamente em momentos como este, Satanás aparece nos fazendo novas propostas.

Nossa personagem, em meio a lutas e desilusões se sentia assim. Via-se apertada no meio de uma multidão gritando ao

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mesmo tempo que todos os outros: “Jesus, Filho de Davi, tenha compaixão de mim”. Seria muita sorte se no meio de tantos, Ele desse ouvidos justamente a ela. Ela desconhecia o fato de que nosso Deus “conta o número de estrelas chamando a cada uma pelo nome.” (Salmo 147;11)

A mensagem sobre o Espírito Santo continuou vindo com frequência após suas orações, quando abria a Palavra, aguçando seu desejo de ser batizada, enquanto, olhando para sua pequenez, quase não acreditava poder recebê-lo.

Não muito tempo depois, Ricardo preparou uma vigília na Igreja. Irmã Luiza, fundadora do templo estaria presente para impor as mãos sobre todos os que desejavam ser batizados no Espírito. Ela pediu que enquanto impusesse as mãos, num círculo de oração, de joelhos, o jovem deveria ir dizendo: “Glórias, glórias, glórias...” repetidamente até começar a falar em mistério. Ela fez como havia sido recomendado, mas nada aconteceu. Decepcionada, depois de cantar com o grupo mais alguns louvores, buscou o último banco do lado esquerdo do templo e ali, começou a orar baixinho. De repente sentiu o coração bater mais forte e percebeu que estava de fato falando em línguas. Seria verdade? Veio a dúvida tentar convencê-la de que apenas imitava a outros.

Imediatamente, lá da frente, irmã Luiza foi poderosamente tomada por Deus em profecia e vindo em sua direção começou a profetizar sobre sua vida. A emoção era muito grande, pois Deus a havia visitado e selado com o batismo. E, mais uma vez, como no batismo das águas, Ele ainda lhe reservou uma comunhão especial falando diretamente com ela pela boca de sua serva... Se estivesse menos emocionada, teria ouvido toda a re-

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velação e guardado, porém, de tudo o que ouviu, as palavras que guardou foram estas: “NÃO CESSAI MINHA PEQUENA, PORQUE EIS QUE TE COLOCAREI ENTRE OS MEUS PROFETAS”

Esta revelação Deus ainda confirmou em mais duas ocasiões. Segundo a Bíblia, quando Deus confirma algo duas ou três vezes, é porque está, de fato, decidido a cumprir. (Gênesis 41;32) E outras promessas vieram. Um dia, visitando uma Igreja mais próxima a seu bairro, pediu que a pregadora da noite orasse por ela ao fim do culto. Quando terminou de orar a pregadora lhe perguntou: “Você já canta?”

Nossa personagem respondeu que sim e então a pregadora disse: “ Deus me mostra um cajado e você ganhando muitas vidas através do louvor.” Num retiro de jovens, mais uma vez organizado pelo líder Ricardo, cujo tema era “Motivação”, Deus revelou através de um estimado pastor chamado Silas Bruder;

Alguém aqui nem imagina, mas Deus vai te enviar. - e impondo as mãos sobre ela concluiu a profecia: “ONDE EU TE MANDAR IRÁS E TUDO O QUE EU TE MANDAR DIRÁS”.

Perplexa e muito feliz com o chamado, ainda que sem entender muito bem o que era um chamado missionário, nem quanto tempo ou por quais caminhos Deus o realizaria, assim como as demais profecias que recebera, após esse dia passou a orar assim: “Pai, dá-me muito amor pelas almas, pois eu ainda não tenho o suficiente.”

Na verdade, penso que há duas coisas que nos fazem desejar pregar o evangelho. A primeira é um grande amor por nos-

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so Deus. Quando o amamos muito, nos interessamos mais em agradá-lo. Não há nada que mais agrade a Deus do que uma alma sendo resgatada do inferno. Este amor por Ele nos enche de coragem de tal forma que invadimos áreas infernais para libertar um cativo, assim está escrito no Livro de João: “O perfeito amor lança fora o medo.” (1 João 4;18)

O segundo motivo é, através do Espírito Santo, conseguir olhar a humanidade com a mesma compaixão e amor com que Deus a vê. Se nos for revelada de dentro para fora a miséria do homem, sofreremos verdadeiramente e nos esforçaremos para resgatar o maior numero de almas possível, “porque toda a humanidade geme e suporta dores de parto até agora,esperando a manifestação dos filhos de Deus.” Por isso, quando Jesus foi questionado pelos discípulos sobre qual seria o maior de todos os mandamentos Ele disse: “Amar a Deus sobre todas as coisas e o segundo semelhante a este é amar o próximo como a si mesmo. Assim cumprir-seia toda a lei e as revelações dos profetas.”

Ela creu e guardou para si cada uma daquelas promessas como tesouro em seu coração. Uma vez lera um livro de nome: “PÉS COMO OS DA CORSA NOS LUGARES ALTOS”. O livro dizia que cada promessa que Deus nos faz é como uma pedrinha de aparência comum, pedrinhas tiradas de altares de orações e entrega que erigimos a Ele. O Senhor nos ordena então guardar estas pedrinhas em nossa mochila espiritual e carregá-la conosco, ainda que pareçam não ter nenhum valor, muitas vezes em meio ao cansaço da peregrinação, sentimos o desejo de simplesmente nos desfazer da mochila e das pedras que pesam e tornam o caminho ainda mais difícil. Nesse livro”, de Hannah Hurnard, diz

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que no tempo determinado cada pedra se transformou em uma pedra preciosíssima, para ser posta na coroa da personagem Grande Medrosa, que agora se chamava Graça e Glória. Assim, nossa personagem, que muito se identificou com Grande Medrosa, entendeu o recado: jamais deveria abandonar sua mochila e suas pedrinhas, por mais cansativo que fosse o caminho até os Lugares Altos. “Eis que venho sem demora. Guarda o que tens para que ninguém tome a tua coroa.” (Apocalipse 3;11)

Era já inegável a percepção de que Deus tratava com ela de forma diferente da maioria dos outros jovens que conhecia. Ele lhe fazia grandes promessas, mas também lhe permitia lutas e sofrimentos maiores como parte do treinamento.

As irmãs mais velhas da Igreja, inclusive Irmã Luiza, diziam que a obra de Deus na vida dela seria muito grande, e por isso, ela caminhava em direção às promessas como o povo de Deus caminhava em direção a Canaã. Era apenas uma garota pobre, sendo aos poucos liberta de inúmeros complexos, cheia de carências... mas tinha as promessas de Deus. Aliás, as promessas de Deus era tudo o que tinha, consolando seu coração, e fazendo-a ver em si mesma algum valor que atraiu o amor e a misericórdia de Rei de toda a Terra. Queria que os planos de Deus se cumprissem sobre si, mas sabia que muito disso dependia dela mesma, pois, a exemplo de Abraão, quando o Senhor se apresentou a ele e lhe fez promessas, houve também uma ordem: “Seja tu uma bênção”; “Anda na minha presença e seja perfeito” (Gênesis cap.12 e 17). Então, ela sabia que se quisesse ver suas promessas cumpridas, deveria se esforçar para ser bênção à outras pessoas, deveria

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andar continuamente na presença de Deus e falhar o mínimo possível.

E era muito bom andar com Deus, o Deus a quem ela mais do que servir, havia se apegado com amor. Tinha fome, tinha sede de Sua presença, e se O sentisse distante, desesperava-se em oração à Sua procura. À parte os insucessos e idolatrias do seu coração na vida sentimental, o “coração de carne” que Deus lhe dera no dia do seu batismo nas águas, estava lá, quebrantável e sensível ao toque do Senhor. Amava ser tocada por Ele, ouvir Sua voz falar-lhe no mais profundo da alma, derramar-se, chorar, falar em línguas e ser consolada a Seus pés. Como Ana, a mãe do profeta Samuel, história que a Bíblia nos conta, foi surpreendida por Eli, o sacerdote, enquanto orava e, de aflita que estava, foi tida por embriagada por ele (1Samuel 1:13), muitos não entendem o porquê de alguns crentes orarem e chorarem tão desesperadamente aos pés do seu Senhor, mas nós cremos que Deus se move quando um filho derrama sem máscara alguma os seus sentimentos a Seus pés, e que: “Aquele que leva a preciosa semente andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus feixes.” (Salmo 126:6)

Se há algo que nossa personagem aprendeu sobre Deus é que, apesar de todo seu amor e do desejo que o homem o conheça, não é tão fácil encontrá-lo. Ás vezes, Ele se esconde, porque só quer ser achado por aqueles que o buscam de todo o coração. Seu amor e Sua amizade são para almas apaixonadas por Ele, e não para meros religiosos ou curiosos. Como uma noiva apaixonada, todas as vezes que percebermos a ausência do Amado devemos procurá-lo, isso é o que dizem estes trechos do Livro

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de Cantares de Salomão e os versículos que cito após ele: “...de noite, em minha cama, busquei aquele a quem ama minha alma. Busquei-o e não o achei. Levantar-me-ei e rodearei a cidade pelas ruas e praças. Buscarei o amado da minha alma. Busquei-o e não o achei. Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade, então lhes perguntei: “viste o amado da minha alma?” Mal os deixei, encontrei logo o amado da minha alma. Agarrei-me a ele, e não o deixei ir embora.” (Cantares de Salomão 3;1-4) “Quando tu disseste ‘“buscai a minha face”, o meu coração te respondeu; a tua face, Senhor,buscarei.” (Salmo 27;8)

“Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração.” (Jeremias 29;43) “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar. Invocai-o enquanto está perto.” (Isaías 55;6)

Capítulo 8

TEMPO DE AMORES

A partir dos quinze anos as coisas ficaram um pouco mais difíceis para ela. Eram muitos hormônios aflorando em seu corpo, despertando seus instintos femininos e aguçando o desejo de beijar, de tocar e ser tocada.

Não conhecia a sensação de ser beijada, nunca havia sido correspondida no amor e, com isso, o anseio de ser correspondida por alguém que lhe interessasse só se fortalecia com o passar dos anos. Ouvia as amigas contando histórias sobre o envolvimento delas com os meninos, e se sentia “atrasada”, também não via sentido algum em fazer como elas faziam, apenas “ficando” com um rapaz; queria amar e ser amada, queria um companheiro para compartilhar sua vida.

Porém, fico imaginando que, se aos 12 anos não tivesse tido um encontro com Jesus, e se não fosse o Espírito Santo aconselhando-a em todo o tempo, devido aos complexos e carências que havia no mundo, seria presa fácil para rapazes abusados. Muitas adolescentes por conta de baixa autoestima, a essa idade, se entregam sem distinção a qualquer rapaz que as ilu-

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dam, e é grande o número de garotas, principalmente negras, que se tornam mães solteiras bem cedo. Não era à toa que Deus a guardava. Pode até parecer estranho, mas era fato. Ela sentia o ciúmes de Deus sobre si, e muitas vezes reclamava disso como qualquer garota reclamaria do ciúmes do pai ou do irmão mais velho. Sentia-se como a irmã mais nova de uma família, que nunca pode ir ao baile junto com as outras. Era como naquele trecho do Livro de Cantares de Salomão: “Temos uma irmãzinha que ainda não tem seios. Que faremos a esta nossa irmãzinha no dia em que ela for pedida? Se ela for um muro, edificaremos sobre ela uma torre de prata; se for uma porta cercá-la-emos com tábuas de cedro.” (Cantares7; 8-9)

Deus estava sempre cercando-a, fosse com invisíveis “tábuas de cedro”, ou “torres de prata”. Nessa fase, sempre surgia alguém interessado, mas então, era ela que não conseguia, por conhecer a Palavra, se envolver com um rapaz do mundo. Quando decidia, então, por não suportar mais estar sozinha, o rapaz já havia desistido. Intervenção real de Deus ou apenas coincidência? Ela enxergava claramente a intervenção de Deus e, contrariada, falando para Ele ouvir, como alguém que fala mesmo com um pai em tom de birra ameaçava. “Hoje vou chegar na escola e ficar com o primeiro cara que pedir para ficar comigo”. Era uma

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cena quase engraçada, se não fosse uma reação angustiada e irritada de quem se via impotente diante de um Deus que decidiu, por tempo indeterminado, que ela deveria caminhar a sós com Ele. No fundo porém, sabia que era para seu próprio bem, pois Deus, o Grande Sábio, apenas queria livrar sua pequena serva das armadilhas que o mundo oferece a garotas demasiadamente românticas, como ela era. Quando ela chegava à escola, às vezes ouvia aquele tipo de conversa daqueles meninos: Eu catei “fulana” semana passada, agora quero catar aquela outra — desistia de cumprir a ameaça que fizera, pois não era lixo ou objeto para ser “catada” por ninguém, além do que, algo tão especial para ela como “o primeiro beijo”, não era para ser compartilhado com um cara que pensasse assim. O conhecimento da Palavra não a deixava livre para “curtir” a sua juventude como uma menina comum, lá vinha o Espírito Santo fazendo-a lembrar que : “não há comunhão entre luz e trevas” (2 Coríntios 6:14) “vós sois templo do Espírito Santo” (1 Coríntios 3:16) “aquele que vive em espírito não cumpre as concupiscências da carne” (Gálatas 5:16)

E tantos outros versículos que lhe vinham à memória, como um balde d’água fria em seus planos juvenis. A unção persegue um justo aonde ele for, como diz o Salmo 139.

“Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei

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da tua face? Se subir aos céus, Tu aí estás, se fizer do inferno a minha cama, eis que ali estás também...” (versículo 7 e 8)

Para que desobedecer, ela concluía, se andar na contramão da vontade de Deus acabaria em frustração mesmo?

Na Igreja, depois de Pedro, nunca mais se atreveu a demonstrar interesse por mais ninguém, aliás, nunca o esqueceu de fato. Se procurasse dentro de si, sabia que ele ainda estava lá, doendo dentro de seu coração. Era uma mistura de culpa, mágoa, rejeição, abandono, vergonha, esperança. O Pedro era um sentimento calado não por falta de força, mas de compreensão, e também de coragem de mostrar-se. Nessa busca por um par, a motivação principal era provar para ele que, apesar de não enxergá-la, ela podia sim ser amada. Havia alguma coisa no jeito dele, às vezes, que parecia esconder algum sentimento por ela. Carinho, atração... não sei! No momento seguinte, porém, ela olhava e só encontrava desprezo de um rapaz que preferia as “patricinhas” e não uma garota pobre e simples como ela.

Algumas vezes, até parecia provocação, ele citava um nome. Era uma garota chamada Daniela, com quem ele estava ficando, havia ficado ou namorado. No entanto, nossa personagem jamais atreveu-se a pesquisar a fundo essa história.

O fato é que Daniela, esse nome sem rosto para nossa personagem, uma moça que ele conheceu “no mundo”, aterrorizava sua mente, pois conquistara o rapaz que ela mais pura e ricamente desejava. Em sua mente, Daniela era uma moça linda, de cabelos lisos e cumpridos, pretos ou loiros, descolada, livre de ataques de timidez e complexos de inferioridade, decidida, dona da situação e, claro, “patricinha”.

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Que chances ela, moça morena, de cabelos curtos e crespos, pobre, tímida e tão apreensiva quando perto dele, podia ter diante do “fantasma” Daniela? Aquela miséria em que vivia com o pai, a madrasta e o irmão recém chegado. Tudo isso era tão perto de Pedro. Ah, aqueles cabelos, aqueles cabelos... Um dia, num culto de revelação, numa quinta-feira na Igreja, Deus, como sempre, usou Irmã Luiza com o dom da revelação para cura de enfermidades e demais problemas. Houve uma revelação um tanto diferente, uma vez que a Igreja Nikkey não pregava a doutrina de usos e costumes, não proibindo, portanto, as mulheres de usar calças compridas ou cortar os cabelos. Naquele dia, no entanto, no culto, Irmã Luiza disse que Deus lhe revelava três mulheres que não poderiam cortar os cabelos e se fizessem isso, a mão Dele iria “pesar”. A terceira mulher demorava a aparecer, e Juliana, que estava ao lado de nossa personagem lhe disse: — Pode erguer as mãos que é você. Ela respondeu:

— Eu não! Deus sabe que meus cabelos só crescem pra cima e para os lados!!!

Os cabelos “crescerem para cima” era um trauma à parte, pois todas as vezes que demorava um pouco mais para cortálos, eles armavam demasiadamente. Nunca se esqueceu da visita que fez a um salão em seu bairro para cortá-los, onde os cabeleireiros e clientes, ignorando totalmente sua opinião sobre isso, riam e faziam piadinhas enquanto diminuíam à tesoura o volume excessivo em sua cabeça. Por causa disso, embora dese-

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jasse profundamente cabelos longos, preferia “domá-los” na tesoura sempre que percebia o crescimento, antes que algum engraçadinho começasse a fazer piadas. Agora estava ali, na Igreja, diante daquela proibição. Juliana tinha razão. Ao erguer as mãos descobriu ser mesmo ela a terceira mulher citada na revelação. Então, disse para o Senhor, passando-lhe toda a responsabilidade do processo de crescimento em tom de intimação: “Eu deixo ele crescer, mas é o Senhor quem vai cuidar dele!” No fundo ela se sentia privilegiada por essa ordem vinda de um Deus que a cuidava nos mínimos detalhes.

Não me pergunte porque Deus proíbe alguns de uma coisa enquanto a outros não. Alguns homens da Bíblia ele proibiu de cortar o cabelo, exemplo disso foi Sansão; outros de tomar bebida forte, como fez com João Batista. Ele faz o que lhe apraz.

Penso comigo mesma que só havia um motivo de Deus fazer a ela essa proibição. Ele desejava encorajá-la a vencer o medo para alcançar seu desejo. Proibida pelo próprio Deus, mesmo quando achasse que o mais fácil era cortar, teria que deixar os fios crescerem. E foi assim mesmo. Aprendendo a massagear os cabelos para soltá-los da raiz, gastando horrores com cremes de hidratação profunda, fazendo uso de tiaras e etc, que abandonou os cabelos “curtos como de menino”.

Foi também nesse período, que através de Deborah, esposa do líder Ricardo, conseguiu o seu primeiro emprego numa oficina autorizada de consertos de eletrodomésticos e ferramentas elétricas, a “Eletro Técnica Continental”, como balconista, junto com outras duas funcionárias, ao lado de Deborah e Sheila, sócio proprietárias da empresa do pai.

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Este emprego faria parte dos próximos dois anos de sua

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vida, e lhe permitiria comprar as coisas que ela desejava, como roupas, sapatos, perfumes etc. Mas também trariam responsabilidades e jogo de cintura para lidar com broncas, competições, fofocas e falsidades comuns em qualquer empresa.

Foi lá que conheceu Felipe, um rapaz de 21 anos, legal, bonito, universitário e bom profissional. Por ele, ela quase morreu de paixão durante os dois anos que permaneceu ali. Esta foi a primeira vez que se apaixonou profundamente por um rapaz do mundo desde que se converteu. Os demais garotos que via na escola não significavam nada. Apesar da atração física, era fácil resistir, pois pareciam tolos e infantis, mas Felipe chegou para tirar-lhe o chão. Além das qualidades que via nele, algo a mais motivou nossa personagem. Ele lhe dava muita atenção, elogiando-a todos os dias, dizendo que ela estava “uma gata” com aquela ou outra roupa, que suas pernas eram lindas, pegando em suas mãos, beijando seu rosto, abraçando-a sempre que ela ia fazer orçamentos em sua sala. Pareciam namorados. Felipe também era gentil e engraçado.

Ela sentia paixão e desejo por ele. Desejo de beijá-lo, de se aventurar naquele sentimento, de deixar de lado todo seu recato. Todos os seus hormônios ficavam à flor da pele quando ele se aproximava. Era um turbilhão deles em seu interior, como é normal em qualquer jovem nessa idade. Nunca pensou tão carnalmente antes. Nunca a carne pareceu tão mais forte que o espírito, e, diante disso, nunca se perguntou tantas vezes se Jesus, quando jovem, sendo homem, havia passado por isso, já que a Bíblia nos diz que em TUDO Ele foi tentado como nós, mas nunca pecou.

Não era à toa que entre os salmos e também no Livro de

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Jó, alguém havia feito a seguinte oração: “Não te lembres dos pecados da minha mocidade.” (Salmo 25;7 - Jó 13;26)

Felipe tinha uma namorada, um namoro firme de um ou dois anos. Essa era a principal razão do sofrimento de nossa personagem. Ela ficava confusa por ele tratá-la daquela maneira. Talvez fosse só amizade e carinho. Se isso estivesse acontecendo com outra garota, mais descolada que ela, ela lidaria com isso numa boa. Ou ficaria com ele, mesmo sabendo que tinha uma namorada, ou não se deixaria envolver sentimentalmente. Em seu caso porém, ambas as opções contrariavam sua real condição. De um lado, havia uma índole correta e o próprio Espírito Santo para convencer-lhe a jamais ficar por ficar e muito menos com um rapaz comprometido. Tinha com Deus um acordo pré estabelecido de não fazer a outros o que não gostaria que fizessem com ela, nunca seria parte de uma traição. Por outro lado, tinha que lidar com um coração carente e enganoso que mais uma vez estava totalmente entregue. O resultado dessa guerra interior era um sofrimento diário e desesperador. Clamores infinitos, abrindo para Deus de uma forma sincera seus desejos juvenis. Ela nunca teve medo em abrir-se claramente para com o Senhor em suas orações. Não media as palavras, não escondia sentimentos, nem mesmo quando se tratava das reações hormonais em seu corpo. Claro que não vulgarizava seus clamores, mas deixava claro para Deus o quão difícil era emocional e fisicamente escolher a obediência e a santidade. Penso que intimidade com o Pai é também não ter medo de expôr e confessar a Ele o melhor e o pior que temos em nós. E ela sabia disso. O médico da cura estava ali e para dar-lhe um

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diagnóstico correto. Assim, deveria receber da sua paciente as informações e os sintomas exatos da sua enfermidade.

Em casa, nessa época, ouvia músicas que pareciam ter sido feitas sob encomenda para o momento e a fase que estava atravessando. Eram canções de Aline Barros, do álbum “Sem Limites”, e entre tantas que gostava quero mencionar uma que dizia assim: Toda menina tem seu dia de querer parecer mulher, ser do jeito que o mundo quer. É quando o espelho já convida, e a vitrine quer lhe mostrar até a roupa que deve usar A vida chama, é quase um sonho é melhor você me escutar Pense antes de começar Deus dá todo amor que você precisar Quem procura amor tem Quando a força de Cristo falar Eu sei o segredo Meu eleito vai saber olhar pra mim com os olhos do coração Dentro do peito vive um anjo que o espelho não vai mostrar, que só Deus pode revelar Deus dá todo amor que você precisar Quem procura amor tem Quando a força de Cristo falar Deixa a força de Cristo falar...

Ela se alimentava muito das canções que ouvia em casa e das que cantava com o grupo na Igreja. A adoração a Deus através de louvores sempre foi algo que a rendia totalmente. Podia ter passado uma semana confusa, fria na área espiritual, distan-

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te do altar de oração. Mas quando chegava à Igreja e pegava o microfone, sua voz enchia o templo de louvor e todo o resto se tornava em nada. Sabia porque estava ali. Sabia a Quem pertencia. Sabia que a presença de Deus a consolava e satisfazia. Um dia porém teve um sonho perturbador. Um índio, que na verdade era um demônio, atirava-lhe flechas, e dizia enquanto gargalhava mostrando dentes amarelos e sujos: “Eu vou calar a tua boca.”

Passado algum tempo começou a sentir muita angústia durante os ensaios do grupo. Sentia-se pequena, insignificante e inferior.

Percebia que Ricardo valorizava todos os demais integrantes do grupo, menos ela. A falta de incentivo do líder era na verdade uma lição a parte que o próprio Deus lhe ensinava, pois era necessário aprender desde cedo, que nem sempre os líderes nos darão o apoio e o incentivo que precisamos na caminhada ministerial. Mais tarde ela precisaria ainda muito mais pôr em prática sua experiência com esta lição, muitas e muitas vezes. Portanto, quanto mais impercebida pelo homem, mais sincero era o seu louvor e a busca de intimidade com Aquele que é o Único que nos pode revestir de unção verdadeira. Mas não era uma lição fácil de suportar e aprender. Essa revelação a manteve firme até ali, porém a opressão espiritual e as investidas psicológicas do maligno foram grandes e aquele sonho um dia se cumpriu. Saiu da Igreja no meio de um ensaio e depois de ir chorar no banheiro não voltou mais. Após três anos de compromisso estava abandonando o ministério de louvor.

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É importante dizer que enquanto estava no ministério,

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tinha consciência de que deveria exercê-lo como um ato sacerdotal. Precisava estar santificada para ministrar entre Deus e a Igreja. Desejou sempre alcançar a unção que sentia fluir de vozes consagradas como Aline Barros, Ludmilla Febber - a qual viu cantar pessoalmente, Alda Célia, e outros ícones da época. Era verdadeiramente adoradora. E sabia que estava sendo conduzida pelo próprio Espírito Santo para isso.

O louvor a Deus era o interruptor que a “ligava”, quebrantava e preparava para todo o restante, era uma essência em sua alma, parte de si mesma. Porém, como se não bastasse a indiferença do líder, as lutas na carne eram grandes. Queria namorar! Sentia carência de beijar e pensava em sexo com frequência. Estava em plena afloração hormonal. O louvor saia de seus lábios, que deveriam ser puros, pensava ela. Mas queria mesmo era esquecer-se um pouco de tanta santidade e arriscar beijar um ímpio chamado Felipe, tendo ele namorada ou não. Não importava se era só por “ficar” ou para tentar conquistá-lo para si. Pensar, ela pensava, mas nunca se atreveu de fato. A Bíblia boicotava mesmo seus planos juvenilmente maliciosos. Em meio a jejuns e orações, lia a Palavra, na qual Deus usava duras passagens para adverti-la de que não era o que Ele queria para ela. Como é duro ouvir “NÃO” de Deus quando se quer tanto alguma coisa! Mas, se sabia que Deus não aprovava, com que segurança investiria num ato de conquista? “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam.” (Salmo 127;1)

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coisa, mas isso não quer dizer que eu não sonhe em namorar, casar e ter filhos. Eu quero a minha própria família.” Às vezes, durante estas angustiosas orações a Palavra revelada lhe dizia:

Dessa maneira, obedecia e se afastava de Felipe, mesmo sofrendo, pois além de muito amar, temia o seu Deus. Até aqui, brigava consigo mesma e com a paixão que sentia. Para ilustrar isso, podemos usar o livro de Cantares que diz: “jardim fechado és tu minha irmã, noiva minha; manancial fechado, fonte lacrada.” (Cantares de Salomão 4;12). Muitas vezes, nem queria ser, é bem verdade, mas era. Um dia o próprio Felipe disse para uma colega de trabalho que já havia se aproveitado de outras amigas da faculdade. Mas com nossa personagem, ele jamais faria isso, pois ela era diferente, ele dizia.

Por um lado foi bom saber disso, pois viu que ele enxergava nela a luz e o sal. Não era uma garota com quem se devesse apenas brincar. Entretanto, havia uma pergunta que não queria calar: “Por que ele não se apaixona por mim e pronto?! Por quê NINGUÉM se apaixona por mim?”

Nesses momentos voltava-se para Deus, ressentida, dizendo: “Senhor, eu me consagro a Ti, sou tua antes de qualquer

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“Mais são os filhos da mulher solitária do que da casada, diz o Senhor. Não temas porque não serás envergonhada. Não te envergonhes porque não sofrerás humilhação, pois teu Criador é o teu marido; Senhor dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor. Ele é chamado o Deus de toda a terra; Porque Ele te chamou como a mulher desamparada e de espírito abatido, como a mulher da mocidade que fora repudiada, diz o teu Deus.” (Isaías 54;1-6)

Eram verdades incontestáveis. Realmente ela temia passar todos os seus dias envergonhada e humilhada, servindo a Deus sem um cônjuge, e a mensagem lida só a amedrontava ainda mais, pois dizia: “O Senhor é o teu marido, mais são os filhos da mulher solitária do que os da casada”, referindo-se ao fato de que alguém que não tem namorado ou marido se dedica mais inteiramente à Deus e pode gastar-se em ganhar almas para o reino de Deus. O apóstolo Paulo confirma isto no Novo Testamento quando lemos o seguinte trecho: “A mulher casada cuida em como agradar o marido, mas a solteira em como agradar ao Senhor” (1 Coríntios 7;34) Outra similaridade entre ela e este trecho das Escrituras, era que, de fato, Ele a havia chamado como uma mulher desamparada e de espírito abatido, como a mulher da mocidade que

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fora repudiada, ou seja, ninguém quis. Pelo menos até então era o que lhe parecia...

Podia ser um lindo trecho no Livro do profeta Isaías que Deus lhe enviara tentando confortar seu coração, e ela o levava em consideração, exceto pelo fato de que não queria viver apenas para ser honrada ministerialmente. Apesar da grandeza dos planos ministeriais de Deus para ela, também queria ter marido e filhos.

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“Porque os meus pensamentos NÃO são os vossos pensamentos. Nem os meus caminhos os vossos caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos.” (Isaías 55;8-9)

Deus, por outro lado, nunca disse a ela que não lhe daria marido e filhos. Quem sabe fosse um teste, como o que fez com Abraão ao pedir que sacrificasse seu filho Isaque? Quem sabe Ele a deixasse deduzir que jamais se casaria para ver até que ponto ela o colocaria acima de tudo? Todavia ainda havia uma promessa: “Bem sei Eu os pensamentos que tenho a respeito de vós, diz o Senhor. São pensamentos de paz e NÃO DE MAL; para vos dar o fim QUE DESEJAIS.” (Jeremias 29;11)

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Capítulo 9

TEMPO DE AFASTAR-SE DE ABRAÇAR

Um dia foi dispensada do emprego. Agora sim tinha um grande problema, em todos os sentidos, pois mesmo suportando um estresse diário, a Continental preenchia um bom pedaço de sua vida, dia após dia, já há dois anos. O que faria sem trabalho, sem dinheiro, longe de Felipe, e com aquela terrível sensação de ter sida jogada fora pela empresa?

No início teve esperanças de conseguir um novo trabalho onde ganhasse mais. Logo descobriu, porém, que um novo e bom emprego não era tão fácil de se encontrar numa cidade como Maringá. Então, acordava todos os dias deprimida, pois não tinha para onde ir. Sua vida perdeu a graça. Em casa, obrigatoriamente por mais tempo, se deparava com os sérios problemas financeiros que antes fazia de tudo para não enxergar. Havia naquela casa um espírito imundo devorador, que não deixava pedra sobre pedra.

O pai há muitos anos já não era o mesmo. Não sobrou vestígios daquele homem de negócios que passara para ela tanta confiança e bons conselhos no passado. Agora, seus dias se con-

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sumiam no sofá da sala, sem trabalho, e sem condições de trazer para casa o sustento da família. A madrasta, há tempos havia se desviado dos caminhos do Senhor, e não era uma esposa de iniciativa, deixando o barco correr como estava, deixando a casa muito suja.

Seu acerto na empresa mal deu para quitar as prestações do sofá e do guarda-roupas que recentemente havia comprado, e o sofá já estava totalmente velho e encardido. Toda a estrutura familiar, do financeiro ao emocional estava em ruínas... por conta de tanta miséria e inércia, ela e o pai andavam brigando diariamente. Maringá, cidade tão linda, que o pai apresentou com orgulho no dia em que ela e a irmã se mudaram para lá, cheia de modernidades, shoppings, bons restaurantes, horto florestal, arborização, universidade, pontos culturais, a bela Catedral, pessoas elegantes, antenadas e bem vestidas... Tudo isso perdia a graça para quem estava por baixo, sem nenhum real no bolso. Na Igreja, a obra crescia, e outra vez, novas caras chegavam e outras desapareciam. Formavam-se novos grupos de jovens, e seus amigos mais próximos, não lhe pareciam mais tão próximos. Portanto, desempregada, fora do ministério de louvor, carente dos amigos, sem viço, sem brilho, ferida pela paixão (como sempre esteve), nada parecia mais fazer algum sentido para ela . “Será que Deus estava vendo?”, ela se perguntava, descrente. Nesse período, principalmente por não conseguir se entender com o pai, passou a telefonar com mais frequência para a mãe, e sentir mais sua falta. O pai sempre foi o melhor pai do mundo. Demonstrava

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profundo amor e admiração por ela. Disso, ela jamais poderia reclamar. Ela sempre foi sua preferida. Ele demonstrava confiança na filha, a estimulava nos estudos, e enquanto teve algum dinheiro procurou fazer suas vontades. Para ela, principalmente na infância, ele era mesmo um herói, um homem bom, engraçado, diplomático, e inteligentíssimo. Se formou em duas faculdades, apesar de ter seguido um ramo diferente dos quais estudou. Em algum lugar do caminho, contudo, eles se perderam um do outro. Isso aconteceu entre os deslumbres da adolescência pobre dela, no meio de tantos amigos de classe média alta. Os vícios dele pelo álcool e pelo cigarro, o fato de ser mulherengo, e desviar todos os recursos de casa para sua vida boêmia pareciam ser o motivo central que levou todos eles àquela situação humilhante. Resultado: o que se via agora era pai e filha que tanto se amavam, se ferindo com palavras. A mãe, como já havia feito outras vezes, a chamou para morar em Itajobi. Dessa vez o convite que lhe causou terror outrora, começava a fazer sentido.

Quando preferiu morar com o pai, queria se livrar do clima tenso e com brigas violentas que suportou na infância desde que a mãe se uniu ao padrasto. Diversas vezes acompanhou junto com a irmã mais velha a mãe fugindo de madrugada daquele homem e de suas ameaças. Mesmo durante sua visita à mãe nas férias, muitas vezes, o tempo fechava e as velhas cenas se repetiam mostrando que nada havia mudado. Por outro lado, a mãe tinha estabilidade financeira, o que lhe faltava naquele momento. Também tinha uma casa limpa, bonita e confortável. Além de tudo isso, a mãe era comerciante, prometendo-lhe incluir no meio de vida da família.

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Diante do convite da mãe, ainda se perguntava: “Mas e a Igreja? E os planos de Deus na minha vida? Será que encontraria naquela cidadezinha uma Igreja e amigos que amasse tanto o quanto amava a Nikkey e os irmãos que ali ganhei?”. E, numa agulhada de ressentimento, se dava conta de que a Nikkey não parecia mais o seu lugar. Seus amigos não pareciam mais tão amigos, com exceção de Tom, tão querido, atencioso e apaixonado por ela.

Tom era bem mais novo que ela, e ela queria apenas sua amizade, e, claro, a sensação prazerosa de ter conquistado um admirador. Porém, sempre tomava muito cuidado para não magoá-lo, pois era mesmo um amigo querido e especial. Na casa dele, com sua mãe, Ângela, e o restante da família, se sentia refugiada e afagada. Os dois passavam horas ensaiando uma música interpretada por Aline Barros e Robson Nascimento, que Tom lhe havia apresentado. A canção, substituída no “playback” pelas vozes dos dois, era o que lhe aproximava do seu Deus, naquela fase onde seu coração se endurecera um pouco, e lhe fazia acreditar no seu amor e cuidado. A canção, inspirada no Salmo 139 dizia assim: “Senhor, Tu me sondas e me conheces, sabes quando acento e levanto. Esquadrinhas meu andar e o meu deitar conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra não me chegou a boca e Tu já conheces Senhor Tu me cercas por trás e por diante e sobre mim põe tua mão Sonda-me oh, Deus Conhece o meu coração

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Prova-me os pensamentos Vê se há em mim algum caminho mal e guia-me pelo caminho eterno...”

Bem, a mãe esperava sua decisão e ela lhe disse com franqueza que não poderia tomar uma atitude fora da direção de Deus para sua vida. Disse também, que estava orando a respeito para obter do Senhor uma resposta. Então, procurou por Irmã Luiza, explicou-lhe toda a situação e esta lhe prometeu orar sobre o assunto para saber qual seria a direção que Deus indicaria. Não havia mulher de Deus mais confiável do que a Irmã Luiza Tanaka. As revelações e profecias trazidas através dela eram sempre verdadeiras. Pouco tempo depois, foi dada a confirmação, num culto de quinta-feira, por meio de uma profecia: “PODE IR PORQUE EU SEREI CONTIGO.” Começou a se preparar para partir de Maringá. Como uma criança alimentava sonhos exagerados de uma vida de luxo na casa da mãe. Esperava voltar para lá um dia, mais bem vestida e bonita. Até nessas horas era por causa de Pedro que pensava nisso. Era principalmente para ele que ela queria provar que era alguém.

Bem próximo do dia da viagem, ela o encontrou coincidentemente no terminal de ônibus e ele lhe disse: “Assim que chegar lá, procure uma Igreja para congregar, senão você seca.

Ele disse estas palavras no seu velho e conhecido tom autoritário, que foi como sempre se dirigiu a ela, deixando a sensação confortante de alguém que tentava negar, mas lhe queria bem. Ela obedeceria, pois dava ainda extremo valor às coisas que ele dizia, e além do mais, ele foi sábio no conselho que dera.

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Ali terminava mais um ciclo em sua vida. Um longo e belo ciclo que deu inicio no dia em que viu Henrique pela primeira vez. Durante quatro anos foi trabalhada no caráter pelas circunstâncias vividas, pelo líder Ricardo, pelo próprio Deus no controle de tudo, por Suas promessas e pelo amor que tinha pela Igreja Nikkey de Evangelização e pelos irmãos. Mas, já diz a Palavra: “Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu; há tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar.” (Eclesiastes 3;1-8)

çar”.

Agora, chegava para ela o tempo de “afastar-se de abra-

Apesar de ser do Senhor, d’Ele ser o amado da sua alma, sem retrocessos, sem desistência em servi-lo, ela estava cansada. As desilusões na vida amorosa indo na contramão a deixavam ressentida, ainda mais quando via todas as meninas de sua idade namorando. A Palavra nos afirma: “A esperança adiada adoece a alma” (Provérbios 13;12) e ainda: “A solicitude do coração do homem o abate” (Provérbios 12;25). E sua alma começava a demonstrar sintomas de que estava doente e abatida. Intentava em seus pensamentos secretos - onde os homens não enxergam - desprezar dali por diante a importância da aprovação de Deus. Queria arriscar-se nas paixões que lhe cruzassem o caminho e ponto. Até comprou pela primeira vez um CD secular, da dupla Leandro e Leonardo, em alta na época, principalmente porque Leandro havia falecido há

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poucos dias; e fez de uma das canções deste CD o seu “tema”, que a inspirava naquela partida para um novo rumo. A canção dizia: “Eu não sei pra onde vou, Pode até não dar em nada, minha vida segue o Sol, no horizonte dessa estrada. Eu não sei mesmo quem sou nessa falta de carinho, Por não ter um grande amor aprendi a ser sozinho, E onde o vento me levar, vou abrir meu coração, pode ser que no caminho, num atalho ou num sorriso, aconteça uma paixão, E vou achar,no toque do destino, o brilho de um olhar sem medo de amar, Não vou deixar de ser um sonhador, pois sei, vou encontrar, no fundo dos meus sonhos o meu grande amor.”

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Ah, se ela soubesse o risco que estava correndo, tomando nitidamente a decisão de DESOBEDECER! Dessa vez, porém, Ele lhe mostraria que dá a todos os homens o direito do livre arbítrio. E, se pudéssemos ver a guerra entre o céu e o inferno nas regiões celestiais, talvez veríamos Satanás gargalhando nesse momento. Ele gosta muito quando um cristão, resolve tentar as coisas “do seu jeito”. Como narradora dessa história, confesso que o maior desafio para mim é escrever os capítulos que se seguirão daqui para frente. Desde que percebi ser inevitável passar por eles para chegar ao tão esperado final feliz, comecei de antemão a pedir ao Espírito Santo que me inspirasse na medida certa, para que não falte e não sobre nada do que é necessário transmitir aos leitores, no único intuito de edificá-los espiritualmente. Como a exemplo da própria Bíblia, este livro que você esta lendo, descreve a realidade dos fatos que um dia ocorreram. Deus não poupou Adão e Eva, omitindo sua transgressão, que a propósito, nem foi sexual, como o mundo gosta de pregar. Não poupou Abrão dei-

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xando de narrar sua mentira tola, alegando que Sara não era sua esposa, e sim sua irmã na terra do Egito. Não poupou Noé, que sendo, com sua família, um dos que sobreviveram ao dilúvio, se embriagou e ficou dançando nu. Não poupou Salomão contando o fim da sua vida, que foi de um homem idólatra, sendo que no início teve um relacionamento privilegiado com Deus; não poupou nem mesmo a Davi que, sendo chamado “segundo o coração de Deus”, num ato de puro egoísmo e maldade, cometeu adultério possuindo uma mulher casada e ainda preparando uma armadilha para que o marido dela fosse morto na guerra. Deus não poupou o discípulo Pedro, antes deixou registrado para sempre nas Escrituras que ele o havia negado três vezes, embora mais tarde, três vezes houvesse se reconciliado dizendo a Jesus que o amava...e passaríamos tempo demais nesse assunto se expuséssemos aqui os pecados e as quedas de grandes homens a quem um dia Deus escolhera, narrados na Bíblia, ou mesmo nos dias de hoje em nossa geração, contados em testemunhos. Por causa disso Jesus Cristo é aquele que reina eternamente, pois vindo à terra cem por cento em forma de homem, foi o único que jamais pecou e hoje intercede junto ao Pai por nossas fraquezas como SUMO SACERDOTE.

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a quem Deus chamou para si desde os doze anos, mas um dia ela também cometeu um grande erro, que lhe acarretou consequências. O principal intuito é mostrar com este exemplo real o quanto a santidade de seus filhos é primordial para Deus, algo que nossa geração tem se esquecido, tendo sido enganada por músicas, televisão, pelo acesso à pornografia, a desistência da Igreja em pregar santidade aos jovens, por medo que eles saiam correndo e não voltem nunca mais, ou por não saberem a dosagem certa entre pregar a Palavra de Deus e ser moralista. E custa caro para um cristão escolhido com um propósito firme da parte de Deus sair por um segundo debaixo das asas do Pai.

Quanto a nós, seres humanos, ainda que escolhidos Nele, antes da fundação do mundo, resta-nos observar os erros que foram deixados como exemplo, afim de não repeti-los, e em relação aos nossos próprios, quando tropeçarmos, voltarmos o mais rápido possível para Cristo, como diz o Salmo 119: “Considerei os meus caminhos e voltei os meus passos para os teus testemunhos; apressei-me, não me detive a observar os teus mandamentos.” (versículos 59-60) Enfim, como todos estes, esta história fala de uma menina

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Parte 2

“... porque dele procede os caminhos da vida.” Provérbios 4:23b


Capítulo 10

HÁ CAMINHOS QUE AO HOMEM PARECEM PERFEITOS... (Provérbios14; 2a)

A nova vida em Itajobi trazia um frescor de novidade. O estresse dos dois últimos anos na Continental e o estresse de privações financeiras em uma cidade grande, assim como as batalhas emocionais foram amenizados. Além disso, o ar da pequena cidade parecia fazer bem até para seus cabelos e pele. Também não era necessário locomover-se de ônibus para lá e para cá... boa comida em todas as refeições também não faltava. Finalmente morava numa boa casa, sobretudo limpa. Portanto, não morreria de vergonha se tivesse que receber em casa amigos ou, quem sabe, um namorado. A mãe apresentava e exibia a todos com orgulho a filha do meio que poucos conheciam na pequena cidade. Todos a achavam muito bonita, e ela própria se sentia “irresistível” com seus cabelos já pelos ombros, no auge dos seus 17 anos e sua nova vida de classe média.

Seguindo o conselho de Pedro, procurou uma Igreja no primeiro sábado em que chegou a cidade. Confiando que o próprio Espírito Santo a conduziria, descendo as ruas do centro da

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cidade, começou a ouvir ao longe um louvor que lhe era familiar, e assim chegou a Igreja do Evangelho Quadrangular de Itajobi.

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ração.

Às vezes soprava um vento tempestuoso, pois o padrasto impunha sua agressividade e todos na casa tinham medo dele.

Esperou alguns dias, mas ele não telefonava. Ela não queria pedir o telefone dele para sua irmã porque uma dela gostava do rapaz. Não podia negar: estava ansiosa para uma nova oportunidade de encontrá-lo. Durante todos aqueles dias após o primeiro encontro no Centro Comunitário, passou a pensar nele constantemente. Parecia um desses remédios que não faz efeito na hora, e sim depois de algum tempo. Talvez o que mais lhe atraísse fosse o fato dele já ser um homem feito, mais velho que ela, como era Pedro e Felipe. Todas as vezes que saía de casa procurava-o, e, desta maneira, um dia o viu de novo, rodeado de amigas, em uma lanchonete badalada.

Chegando lá, logo um rapaz um tanto atrevido, passou algum tempo olhando-a fixamente de longe. Depois se aproximou, sentou-se ao seu lado e começou a paquerá-la. Perguntou se ela tinha namorado e a elogiou muito, dizendo, por fim, que ligaria para ela e a convidaria para passear qualquer dia. Na verdade, exceto pelo fato de ele ter-lhe enchido a bola com inúmeros elogios, e prometer-lhe um passeio, nada nele a interessou naquele primeiro momento.

Não sei se por hábito, ou por perceber que ela estava realmente interessada nele, sem nenhum pudor, em poucos minutos de conversa, e sem pedir licença, ele a beijou.

O templo era rústico, antigo, bem diferente da Nikkey. Tinha como membros, na maioria pessoas simples, e um jovem e eloquente pastor. Era ali que o Senhor a plantaria pelos próximos anos. Em casa, nessa primeira fase, a mãe fazia de tudo para agradá-la, o que despertou o ciúmes da irmã mais velha e do padrasto. Então, a mãe foi mudando aos poucos. Num certo domingo, a irmã convidou-a para um churrasco num lugar chamado Centro Comunitário, que era um salão para eventos num bairro chamado Jardim dos Ipês, onde estaria o pessoal de sua turma. Como a mãe estava viajando e não teria almoço em casa, ela topou.

Pretensiosa, achando-se irresistível, pensou que o moço estava a seus pés. Na verdade, seria ela, pobre tola, que daquele dia em diante não o tiraria mais da cabeça, e só depois de sofrer como nunca pensou poder sofrer, conseguiria arrancá-lo do co-

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Ao ver tantas garotas ao seu redor, ficou inibida em se aproximar, pois entre tantas, não deveria mais lembrar de sua existência. Consciente ou inconscientemente, estar entre aquelas mulheres era um belo marketing para ele: dava-lhe uma aparência de homem disputado e desejado. Apesar disso, como nunca gostou de disputas e competições, ela já havia decidido ir embora e se dirigia à porta, quando ele a abraçou pelas costas. Para ela, ele já não deveria se lembrar da conversa que tiveram no Centro Comunitário, mas, para sua surpresa, chamou-a pelo nome, e descreveu o dia e o lugar onde se conheceram.

Ela não repudiou sua atitude, embora bastante ousada, porque, na verdade, uma cena como esta fora reproduzida inúmeras vezes em sua mente: um beijo arrebatador, roubado por alguém que realmente desejasse. Finalmente estava acontecen-

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do, e estava sendo bom.

Pela primeira vez, seu amor não seria mais platônico e infantil, pensava ela. Sentia-se adulta por estar sendo beijada. Sentia-se aceita e atraente para um homem, como qualquer outra mulher, ao contrário do que sentia quando perto de Pedro ou Felipe. Com eles sempre se sentiu uma menininha ingênua e tola. Quantas vezes tinha esperado um ato assim de algum deles? Ao pensar nisso, um misto de superação e vingança era acrescentado ao momento, embora cada qual vivesse sua própria vida, eles nem pudessem imaginar o que estava acontecendo com a garota que tanto os havia amado.

O rapaz tinha um carro, uma Belina de cor bege. Convidou-a para saírem dali. Seria bom, ela pensou rapidamente, afinal, ser arrebatada pelo beijo de um quase desconhecido tão publicamente causava-lhe algum constrangimento.

Ele a levou para um lugar um tanto deserto, um condomínio fechado em construção. Lá parou o carro, e sem que saíssem dele começou a beijá-la como quem tem pressa, enquanto suas mãos procuravam tocar as áreas mais íntimas de seu corpo. Ela teve que ser rápida também para impedi-lo. Ser beijada, tudo bem, mas tanta intimidade assim, e logo no primeiro encontro, sem saber nada dela, já era um pouco demais. Algumas garotas mais fáceis deveriam tê-lo deixado muito mal acostumado, ela pensou. Diante do balde de água fria que lhe dera, ele não quis mais ficar ali por muito tempo. Estava extremamente bêbado e elogiava seu beijo. Disse estar com dor de cabeça, que por isso precisava ir embora e levou-a para casa.

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Na inexperiência dela, e se sentindo muito bonita e esperta, pensava que com jeitinho o conquistaria. Não percebia que rapidamente essas novas experiências lhe roubariam a inocência e os sonhos românticos. Na verdade, mesmo já tendo 17 anos, não sabia como funcionavam as coisas “no mundo”, não conhecia com exatidão os limites, pois estava fora do seu lugar...e o mundo também não sabia que ela não sabia. Ela lembrava das palavras dele no Centro Comunitário dizendo que ela era diferente das meninas que ele conhecia. Era mais sofisticada, mais legal, e enxergava isso como um diferencial que o faria vê-la como uma garota para ser levada a sério. Pensava que realmente seria o tipo de garota que ele estivesse ansiando em encontrar; ter ficado com ele, para ela, era um caminho torto a princípio, mas logo conseguiria fazer com que a situação evoluísse para um namoro e o levaria facilmente para a Igreja para viverem os dois na presença do Senhor. A regra que lhe valia agora já não era orar e pedir permissão, e sim “os fins justificam os meios”. Este era seu plano.

Passaram-se dias, mais de um mês, e ele não a procurou. Até que um dia, no caminho para o culto, parou o carro para conversar com ela, ofereceu-lhe uma carona e ela aceitou. Dentro do carro, enquanto dirigia, olhou para ela, sorriu e pegou em suas mãos. A sensação do toque de seus dedos entrelaçados aos dela foi frenética. Fez nossa personagem sentir que estavam juntos, ligados um ao outro, apesar de ser apenas um gesto, tão simples. Seu coração estremeceu por dentro.

Ele perguntou se poderia telefonar-lhe e ela disse que sim. Escondeu o sentimento de abandono e descaso que sentiu

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da parte dele por ele ter sumido, mesmo depois de terem se beijado. Preferiu viver aquela nova aproximação. Quem sabe se conhecendo melhor, ele permanecesse ao seu lado. E assim foi se envolvendo num jogo de sedução que ela não sabia, mas ela era a parte fraca. Olhava para ele como quem olha para um menino grande, que não fere porque quer, mas apenas porque não percebeu. Se não percebeu, estava perdoado. Os momentos que passavam juntos eram mágicos. Seu coração se acalmava, se alegrava e acreditava nos elogios que ele fazia. Parecia que compartilhavam de um mesmo sentimento de profundo carinho, pois ele era sempre gentil e dizia que estar com ela era estar em paz, mas logo depois desaparecia por longos dias...

A demora fortalecia a dependência dela nos carinhos dele, e ele, nesses intervalos, estava com outras garotas, presente em todas as festas e rodeios da cidade, no sentido oposto de sua vida cristã, na qual só existiam os cultos e demais compromissos com a Igreja. Muitas vezes, debruçada sobre as grades do portão do Templo, após as reuniões de jovens, pensava em como seria legal se ele também estivesse ali. Pensava que mais cedo ou mais tarde ele descobriria aquela sensação de renovo e refrigério que A Casa do Pai concede a seus filhos, bastava uma oportunidade.

Nossa personagem esperava, ansiosa e aflita, pelo momento em que ele se lembraria da “garota especial”, “diferente de todas as outras” e que o fazia sentir paz. Raramente ela lhe telefonava, pois sempre pensou que as mulheres não devem se atirar tanto. Então, de repente ele reaparecia parecendo responder da parte de Deus às orações dela. Surgia na rua aquela Belina bege, e dentro dela aquele lindo moço de cabelos pretos. Sorriso

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metálico iluminando seu rosto. O som ligado sempre alto. Barba feita, calça e camisa perfeitamente alinhados. Todas essas características tornavam-no ainda mais popular. Sempre chamava nossa personagem de amor e de princesa e a convidava para dar uma volta. O conjunto de tudo isso a encantava e a atraía para ele. No fundo sabia que ele não era dela, mas naqueles momentos era como se fosse.

Por mais que em momentos de solidão ela tivesse ensaiado o melhor discurso, dizendo-lhe que não ficariam mais juntos, que ele havia demorado muito, até mentindo que estava em outro e que não queria maiores envolvimentos, o desejo de viver de novo mágicos momentos ao seu lado era maior. Assim, não perderia tempo com cobranças, além de que não tinha direito a elas, considerando que acabava de entrar para o moderno grupo dos “ficantes”, que sempre achou tão desproposital. Incrível também como se lembrava dos versos em 1 Coríntios, capítulo 13 dizendo: “O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

E assim justificava-se e a sua paciência em esperá-lo, ainda que fosse evidente que ele não valorizava isto, e dava, por meio deste mesmo texto, provas de que tal amor não era recíproco, pois era tratada com leviandade, ele portava-se com in-

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decência, e buscava os seus próprios interesses.

Será que Deus estava mesmo neste negócio? Será que aprovava ver sua serva sofrendo por alguém que não lhe dava o valor que precisava e merecia? Na verdade, Ele também deixou um outro verso em Sua Palavra que diz: “Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem” (Mateus 7:6), mas deste ela não se lembrava. Uma vez, li num outdoor que fazia a propaganda de um tênis de marca famosa, a seguinte frase: “As garotas adoram rapazes de mente suja e tênis limpinho”. Ao analisar nossa personagem, e também muitas outras garotas, vejo que é mesmo verdade. Antes de conhecer este moço, teve a oportunidade de namorar um rapaz cristão, da Igreja, como ela, mas apesar da persistência e da aberta declaração de amor que ele lhe fizera, não conseguiu sentir-se atraída por ele. Parece que os rapazes que menos querem compromisso, e menos se importam com os sentimentos alheios, são mesmo os que mais atraem para si mulheres, deixando-as dispostas a tudo para conquistá-los! Agora estava ali, totalmente entregue àquele amor que nada de bom lhe prometia, apenas ansiedades e riscos. Entrou inteiramente naquele relacionamento. Deu a ele uma intimidade que nunca ninguém tivera dela. Houve situações em sua vida em que parecia assustar os rapazes, tamanha sua seriedade. Com ele, no entanto, não guardou reservas, não economizou emoções e nem carinho. Estava encantada, com o coração pulsante quando estavam juntos, e ainda mais pulsante ao seu recordar destes momentos. Assim, a cada novo encontro, sua ousadia ao tocá-la pare-

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cia aumentar, enquanto ela procurava afastá-lo. Até o momento em que ele lhe perguntou se ela era virgem.

Foi uma resposta que saíra fraca de seus lábios, como se tivesse medo de dizer que sim, como se fosse algo de que devesse se envergonhar.

Quando ele ouviu a resposta, seu semblante era de quem acabara de ouvir uma grande mentira. Parecia irritado. E isto, intimamente a ofendeu. Ele disse que não acreditava, e então pediu para que ela provasse.

Ah, se ele a conhecesse de fato! Ah, se soubesse quem era aquela garota, a Quem ela pertencia, para Quem ela vivia, a vida consagrada e separada para uso de Deus que teve até ali. Quanto conhecimento da Verdade carregava dentro de si, e das promessas de Deus em sua vida... Ah, se ele soubesse o porquê de ela ser tão diferente das outras, do sentimento de paz que ela lhe transmitia, que ser cristã para ela não era apenas uma religião para manter as aparências de boa moça... se ele conhecesse

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os bastidores de sua vida jamais haveria desdenhado daquela informação dizendo simplesmente não acreditar, e vindo com aquele golpe barato de “então me prova”.

Se estivesse em seu perfeito juízo, ela teria deixado ele ali, falando sozinho. Teria brigado, discutido, revelado sua verdadeira personalidade. E por que não fez, então? Pois nesse instante seus conceitos pareceriam tolice para ele, e até para ela mesma. Não foi ele quem invadiu seu mundo, seu estilo de vida: foi ela quem invadiu o dele, aquele mundo sem regras. Pensava que ele riria dela se tentasse lhe passar um pouco de tudo o que aprendera na Igreja sobre relacionamentos. Tudo tão diferente do que ele aprendeu no mundo. A Palavra nos ensina: “Ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que tomaram conselho, mas não de mim; e se cobriram com uma cobertura, mas não do meu espírito, para acrescentarem pecado à pecado. Que descem ao Egito sem perguntarem à minha boca, para se fortificarem com a força do Faraó, e para confiarem na sombra do Egito.” (Isaías 30:1 e 2)

Os cristãos que descem ao Egito sem a permissão de Deus ficam inválidos e fracos; não servem para Deus, porque se contaminam na amizade com o mundo. Também não servem para o mundo, porque a consciência lhes avisa o tempo todo sobre a verdade, e o inimigo de suas almas é traidor ávido por envergonhá-los. Só devemos descer ao Egito, quando Deus manda, quando a luz que há em nós for mais forte que as trevas, a fim de dissipá-las. O apóstolo Paulo só se fez de louco para ganhar os loucos, porque já estava preparado para isso, se não o estivesse, os loucos é que o teriam enlouquecido. A Bíblia também fala de Sansão, que contou todo seu se-

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gredo a Dalila, e nem foi por amor, apenas porque ela o importunava todos os dias, a ponto de esse nazireu sentir uma angústia mortal. Não desprezemos o poder de influência do mundo, nem a força dos seus argumentos. Como foi com Sansão, nossa personagem também corria o risco de perder a força e a visão nas mãos do inimigo, aliás, já estava perdendo. Ele era mais forte, com seu perfil de um rapaz extremamente mulherengo, no auge dos seus 24 anos, e que fugia de relacionamentos sérios. Todos conheciam bem sua fama e alguns até procuravam adverti-la. Muitas vezes ela ouviu ressoar em sua mente as palavras de um missionário que visitou a Igreja Nikkey uma vez: “moças, lá fora no mundo, vocês são apenas um número”. Percebia que para ele, não existia um “padrão” de qualidade que determinasse as mulheres com quem se envolvia. Talvez estivesse mais preocupado com a quantidade que conseguisse seduzir. Aos olhos do mundo, que mal havia nisso? Que mal há em homens e mulheres se relacionarem sem qualquer compromisso? Aos olhos de Deus, tudo isso é pecado, não faz sentido, não há segurança alguma em relacionamentos como esse. Prostituir-se com um homem que não teria compromisso algum com a mulher com quem se deitou no dia seguinte. Nenhum compromisso afetivo, nenhum cuidado, nenhuma preocupação, nenhum amor e nenhum plano para o futuro juntos. Apaixonada, ela apenas se calou, sem argumentar coisa alguma. O encontro acabou rapidamente uma vez que ele descobriu que naquela noite não passariam daquilo. “A MULHER APRAZÍVEL DEVE GUARDAR A SUA HONRA, COMO OS PODEROSOS GUARDAM SUAS RIQUEZAS.” (Provérbios 11:16)

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Capítulo 11

MAS O SEU FIM, DÁ PARA A MORTE (Provérbios 14:12)

Em conjunto com as fortes investidas dele, a cada vez que se encontravam, para tornar mais íntimo aquele envolvimento do que poderia, a carne dela também fazia sua parte. Apesar de detê-lo sempre, e se conter bastante em relação aos seus próprios desejos, quando longe, sozinha com suas emoções e pensamentos, também o queria, também tinha curiosidades sobre o mundo desconhecido para ela de uma moça que passa a ser mulher. O corpo reagia. Sua libido era despertada.

Haviam se passado alguns meses. Nem por isso eles se conheciam o bastante, pois entre idas e vindas, ele lhe escapava por entre os dedos. “Seria minha culpa?”, ela se perguntava. Várias vezes ele havia insinuado que sim, que seria culpa dela. “Tudo mudaria se eu me entregasse?”

Um risco, que uma parte de si mandava não correr. Uma batalha interior muito séria e crescente, causando-lhe revolta por ter desejos e malícias que precisavam ser sufocados por causa da obediência que devia a Seu Deus, e que a atrapalhavam

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de ser para o homem que amava a mulher “completa” que queria ser. Seus valores estavam sendo invertidos, em seu âmago achava mais lógico ele se envolver com outras, uma vez que ela não tinha para oferecer o relacionamento que ele, como homem, precisava, do que ele, vendo-a pura, valorizá-la e respeitá-la realmente como alguém especial. Os argumentos dele pareciam ilusoriamente mais lógicos e fortes que os dela. A voz do Espírito que tantas vezes lhe impediu de relacionar-se levianamente e a fizera se consagrar (ser separada para Deus) era recusada por seu coração enfraquecido. E sendo assim, aquele dia chegou.

Era domingo e ela havia feito as unhas. A roupa que usava a fazia sentir-se muito atraente. Ligou para a casa dele, mas ele não havia passado por lá durante toda a tarde. No início da noite, propositalmente ela saiu a dar voltas pela cidade: tinha o intuito de encontrá-lo. Quando ele apareceu, estava bêbado, e tinha recebido da mãe o recado de que ela lhe telefonara. Pareceu-lhe também um pouco estúpido e grosseiro. Esse comportamento não era natural nele. Será que o álcool tirava-lhe a máscara e deixava à mostra seus verdadeiros interesses? Talvez fosse um sinal. Talvez devesse desistir e esperar por um momento mais romântico. Mas algo dentro dela estava diferente, carnal, rebelde, desafiante, decidido a pecar. E contraditoriamente, queria acabar logo com aquilo enquanto sentia aquela inconsequente coragem. O pecado que começou a ser gerado lá em Maringá, quando se despedia embalada por uma canção secular, estava prestes a acontecer. Quando ele começou a tocá-la, não interrompeu. Permitiu e, sem garantia alguma, sem laços de união algum, apenas com um fio de esperança de que com isso o conquistaria definitivamente para si, se entregou ao rapaz. Estava entregando em suas

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mãos, o que uma moça traz consigo de mais honroso: sua virgindade. Fazia isso por amor e medo... e o pior de tudo é que ele nem devidamente consciente estava daquele momento especial para ela. Ainda que estivesse são, provavelmente não perceberia o valor real que tinha. Para ele, era só mais uma noite de sorte, não era a primeira, e talvez não fosse a última vez que tirava a virgindade de uma garota. Não houve nenhum entusiasmo, não houve demonstração de afeto real. Não houve amor, e dando provas do quanto aquilo lhe era insignificante, apenas lhe disse, enquanto colocava a camisinha: Deixe eu pôr isso aqui, porque se você engravida, aí é que eu estou ferrado! Em seguida, deixou-lhe na esquina de casa, com falsas promessas de voltar no dia seguinte, e arrancou com a Belina bege que ela viu sumir no outro quarteirão. Levou embora para sempre sua fantasia romântica da “primeira vez”.

Foi assim sua primeira noite com um homem, algo que ela esperou por toda adolescência e juventude. E que foi bem diferente do que algumas novelas, livros e filmes, disseram que seria. Não foi bonito, não foi poético, não foi bom. Apenas sentiuse usada, sentiu dor física e espiritual. Sentiu tardiamente arrependimento. As palavras escritas em seu diário no fim daquela noite foram estas: “PERDÃO SENHOR! ESTOU ME SENTINDO MAIS SUJA E USADA DO QUE A CAMISINHA QUE ELE JOGOU FORA.”

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“... E quanto ao teu nascimento, no dia em que você nasceu, não te foi cortado o umbigo, nem fostes lavada com água, para tua purificação. Nem tampouco fostes esfregada com sal, nem envolta em faixas. Não se compadeceu de ti olho algum para te fazer alguma destas coisas por compaixão. Antes, fostes lançada em pleno campo, pelo nojo que tiveram da tua alma, no dia em que nasceste. E passando eu por ti, vi-te manchada no teu sangue, e disse: Ainda que estas no teu sangue, vive. Sim, ainda que estas no teu sangue, vive. Eu te fiz multiplicar como o renovo do campo; e crescestes, e te engrandecestes, e alcançaste grande formosura; avultaram-se os teus seios, cresceu o teu cabelo; mas estavas nua e descoberta.

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E passando eu por ti, vi-te; e eis que o teu tempo era tempo de amores; e estendi sobre ti a aureola do meu manto, e cobri tua nudez e dei-te juramento e entrei em concerto contigo, DIZ O SENHOR, e ficaste sendo minha . Então te lavei com água, e te enxuguei com pele de texugo, e te cingi de linho fino, e te cobri de seda .

Capítulo 12

INDO PARA O CATIVEIRO

E te ornei de enfeites e te pus braceletes nas mãos e um colar a roda do teu pescoço. E te pus uma joia na testa, e pendentes nas orelhas, e uma coroa de glória na cabeça. E assim fostes ornada de ouro, e prata, e o teu vestido foi de linho fino,e de seda,e de bordadura. Nutriste-te da flor da farinha, e de mel, e óleo, e fostes formosa ao extremo até chegardes a ser rainha. E correu a tua fama entre as nações por causa da tua formosura, pois eras perfeita POR CAUSA DA MINHA GLÓRIA que eu havia posto sobre ti DIZ O SENHOR JEOVÁ. MAS CONFIASTES NA TUA FORMOSURA E TE CORROMPESTES por causa da tua fama e te PROSTITUÍSTES ao que passava para seres sua. Pelo que eis que estendi a minha mão contra ti, E DIMINUÍ a tua porção E TE ENTREGUEI À VONTADE DOS QUE TE ABORRECEM..” (Ezequiel 16:4-15 e 27)

Poucos dias depois desse fato, as coisas em casa começaram a se complicar. O padrasto não a suportava. Isso era fato. Tudo nela o incomodava, principalmente suas orações, suas leituras diárias da Palavra, e se chegasse em casa e a pegasse louvando, sem ao menos pedir licença desligava o rádio numa pressa incomum. Em certa ocasião, jogou longe sua Bíblia.

Para que a mãe lhe desse algo, fosse um presente, algum dinheiro, ou mesmo uma natural demonstração de carinho entre pais e filhos, era necessário que fosse escondido, longe dele, a fim de evitar discussões. Quando ela sentia medo ou angústia por causa das constantes ameaças e ofensas do padrasto, ia para o quarto- muitas vezes chorando - orar. E o Senhor a fortalecia. A mãe vivia lhe dizendo: “Não o enfrente, uma hora ele bate em você e em todo mundo.”

Ela, por sua vez, tinha uma personalidade forte, e se sentia ainda mais respaldada em sua postura de não se dobrar ao

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autoritarismo do padrasto, nem demonstrar que sentia medo (mesmo quando sentia), pela Palavra de Deus. Todos naquela casa se submetiam aos mandos e desmandos daquele homem, por mais absurdos que fossem. Ela entrava no quarto e orava. Em resposta de suas orações muitas vezes lia versículos como este: “O Senhor é o meu ajudador, por isso não temerei; o que me pode fazer o homem?” e ainda: “No Senhor eu confio, por que dizeis a minh’alma foge como pássaro para sua montanha?” No entanto, e embora ela tivesse pedido perdão ao Senhor, pelo pecado que cometeu naquela noite de domingo, sem saber, havia aberto uma brecha no reino espiritual. A Palavra de Deus nos diz que “Como o pássaro no seu vaguear, e como a andorinha no seu voo, assim a maldição não vêm sem motivo.”(Provérbios 26:2) Um dia, em resposta as provocações do padrasto, ela lhe jogou na cara o fato de que ele não trabalhava e era sustentado pela mãe dela. Antes que se virasse ele a pegou violentamente pelos cabelos, lhe bateu e expulsou-a de casa.

Entre os tapas que levara, clamava por Deus, e citava o versículo que diz: “Quem toca em vós toca na menina dos meus olhos”, mas o que ela não havia percebido ainda, é que como Sansão após enganado por Dalila, tentou reagir aos ataques dos filisteus dizendo: “Sairei ainda desta vez como dantes e me livrarei”- PORQUE ELE NÃO SABIA QUE JÁ O SENHOR SE HAVIA RETIRADO DELE (Juízes 16:20) ela também estava sujeita ao inimigo. Saiu de casa fortemente dolorida, e chorando. A primeira pessoa que pensou em recorrer, e que morava a dois quarteirões dali, foi ao pastor de sua Igreja.

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Ele a recebeu e ela lhe contou tudo aos prantos, e lhe perguntou se deveria ou não prestar queixa contra o padrasto na delegacia. Em resposta, ele citou o versículo contido em Provérbios que diz: “O homem violento deve sofrer o dano, senão virá a fazer de novo”.

Na delegacia, após dar queixa e o padrasto ser chamado, obrigado a passar uma noite preso e distribuir por um ano cestas básicas a uma família carente da cidade, a mãe sentou-se ao seu lado e disse: “Está vendo o que você fez? Agora eu terei que me separar dele por sua causa.” Ela sabia que se realmente houvesse uma separação, a mãe jogaria isso em sua cara para sempre, então lhe disse:

Pode ficar com ele, eu não quero depois te ouvir dizer que fui o motivo de tua separação. Eu me viro.

Ainda na delegacia, a mãe contou a ela que também havia estado na casa do pastor, e que se ele a aconselhou a procurar a polícia, tinha duas caras, pois a ela, ao padrasto e ao tio que estavam juntos, ele disse que ela era rebelde, que havia chegado na cidade virtuosa, mas logo mudou. Felizmente, Deus não a abandonara completamente. Uma irmã e amiga da Igreja, casada com um homem não crente, e com duas filhas pequenas, a hospedou. Naquela casa, recebeu um bom tratamento de Marta, e carinho também. No entanto, a esposa do pastor lhe disse: - Marta, tome cuidado com quem você põe dentro de sua casa, porque nem sempre as pessoas são o que parecem.

E onde estava seu príncipe enquanto tudo aquilo estava acontecendo, talvez você esteja se perguntando?

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Ele vivia a mesma vida de sempre: seu trabalho, suas festas, suas farras que envolviam bebida e todas as mulheres que pudesse conquistar.

Assim que soube do que aconteceu entre ela e ele, porque lera sem permissão seu diário, a irmã mais velha de nossa personagem deu uma dura no moço. Ela era mesmo uma típica irmã mais velha, destas que faz de tudo para proteger e cuidar dos seus. Uma moça determinada e de personalidade forte, e por isso também muito respeitada entre os amigos. Ela o conhecia bem, sabia de seus comportamentos pois frequentavam os mesmos grupos, assim como sabia do universo da irmã mais nova e seus valores .

Enquanto ele ouvia as duras palavras da irmã dela, seu semblante era de um menino assustado. Talvez estivesse até com vergonha, pois seu rosto ficou vermelho. Depois disso, outra vez, ele sumiu por uns tempos.

Ela continuou frequentando os cultos, orando mais do que nunca, e buscando a Deus, no entanto, sentia-se como se o mundo inteiro estivesse voltando-se contra sua situação. Não podia contar com a família, não podia contar com o pastor, e mesmo ainda muito apaixonada, sabia que não deveria se aproximar do rapaz, pois lembrava ter sido horrível sua primeira relação sexual, e se antes ele não a respeitava, muito menos iria querer fazer isso agora (já que ela não era mais virgem). Algum tempo depois ele reapareceu. Ela estava sentada em frente à escola, e assim que percebeu ele vindo em sua direção, sentiu o coração disparar e as mãos trêmulas. Não sabia ao certo o que fazer, estando ele já bem perto, seria ridículo tentar fugir, pensou ela. Ele agachou-se diante dela, e ela pode cons-

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tatar mais uma vez o quanto sua beleza a encantava, e quanto amor ainda sentia.

Ele lhe disse carinhosamente, que não poderia ter forçado a barra com ela, mas que não lhe obrigou a nada. Ela já era maior, com 18 anos recém completos, e não bebia e, portanto, sabia o que estava fazendo. Apesar de tudo, nisso ele tinha razão. Depois, ele lhe beijou as mãos, e o rosto, quase beirando os lábios, instigando-a a beijá-lo também. Pediu para que ficassem juntos. Prometeu não forçar a barra tentando algo mais, pois entendia que ela não estava pronta. Tanta doçura em um só segundo apagou horas, dias e semanas de dor, lágrimas e as más impressões que trazia dele daquela última noite. Aceitou o convite. No carro, abraçados, passaram um longo tempo conversando e ouvindo uma fita cassete com música gospel que ela havia gravado e dado a ele tempos antes. Havia orado sobre a fita para que Deus tocasse o coração dele através das músicas. Tudo o que ela queria e sonhava ainda era que ele se convertesse, e que permanecesse ao seu lado, para juntos servirem a Deus.

Aquela sim, para ela, foi uma noite perfeita e acalmou por um tempo seu desesperado coração. Qualquer um poderia lhe dizer que ele só lhe faria mal, mas estar ao lado dele era como bálsamo em suas feridas. Era como desmentir tudo o que ela, quando lúcida, já sabia: que ele nunca a assumiria; como se só aqueles momentos fossem verdade, e todo o resto mentira. Tinha a ilusão de proteção no seu abraço, podia passar horas debruçada em seu peito, sentindo o calor e a força dos braços dele envolvendo-a, e isso seria o bastante para sua felicidade, principalmente agora que ele entendeu que ela não podia e nem esta-

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va pronta para um relacionamento mais íntimo. Ele a respeitou, e ganhou mais uma vez; ela deduzia que a partir dali eles poderiam se conhecer melhor e ter um namoro saudável. Chegou em casa, e contou a Marta tudo que havia acontecido, efusiva e esperançosa.

Um namoro saudável para ela era composto de passeios públicos de mãos dadas, na sorveteria, na praça, no shopping de Catanduva, um almoço em família no domingo, um conhecendo e convivendo com a família do outro, e, obviamente, a frequência aos cultos da Igreja e o envolvimento completo com as coisas de Deus. Entretanto, jamais cobrou dele nenhuma destas coisas. Parecia nunca dar tempo para esta evolução. Quando as coisas começavam a correr bem entre eles, ele desparecia. Assim, aquele relacionamento se resumia a encontros praticamente clandestinos. Ele só falava com ela longe dos outros e só ficava com ela em lugares desertos. Nunca a pediu à família e tampouco lhe havia apresentado para a sua. Embora muitas pessoas soubessem que os dois se encontravam com frequência, ele procurava deixar, mesmo sutilmente claro, que não tinha nada sério com ela. Consciente disso, nossa personagem achava que havia algo de errado consigo, que não era bonita o bastante para ele, nem popular e desinibida suficientemente, e sua autoestima, na qual Deus tive tanto trabalho em curar, retrocedia muitos passos. Era fevereiro, próximo ao carnaval, e ele a chamou para ir a um retiro católico. E a questionou: “Por quê você não muda para minha religião?”

Diante da negativa dela para ambas as propostas, ele foi para o retiro: 4 dias de acampamento no colégio da cidade. Sem

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dar a menor satisfação, envolveu-se com outra moça, e lá mesmo começou a namorá-la.

Foi extremamente humilhante para nossa personagem, vê-lo passar de carro várias vezes, com uma mulher loira do lado, aparentando ser mais velha que ele. Passava por ela como se ela não existisse. Os conhecidos vinham contar-lhe que os tinha visto juntos nas missas católicas, e que o namoro estava firme. Era como se ele estivesse lhe dizendo, subliminarmente, que por ela ter negado ser católica, como ele, preferia alguém que fosse, e que já que ela não decidia ser uma mulher “adulta”, “pronta”, procuraria uma namorada assim. Não há palavras capazes de explicar a intensidade do seu sofrimento nessa ocasião. Era uma dor que ardia, queimava, e fazia latejar coração e estômago. Uma dor que lhe roubava qualquer vestígio de paz, que roubava-lhe as noites de sono e a fazia amanhecer sentada na cama, sentindo amor e ódio, pensando em tudo, sem conseguir chegar a nenhuma conclusão. Dias e mais dias não conseguiam amenizar aquelas sensações, e sem suportar mais, cerca de um mês depois disso, em total desespero, ela orou assim: “Senhor, se o Senhor realmente se importa comigo, e se me ama, se tem visto meu sofrimento, AMANHÃ ele terá terminado esse namoro, e vai me procurar pedindo perdão. AMANHÃ!!!”. Chorou até se cansar e caiu no sono. Era terça-feira, havia ido ao culto com Marta, mas já havia voltado, e preparava-se para se deitar, quando uma amiga lhe chamou no portão. Elas foram até a rua da escola e lá sentaramse para conversar. Alguns minutos depois, ele parou o carro, e chamou-a. Contou-lhe que havia terminado o namoro com a moça. Pediu

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desculpas por tê-la feito sofrer, e prometeu que lhe assumiria dali por diante publicamente como sua namorada, se ela o perdoasse. Ela procurou fazer-se de durona por um momento, mas na verdade, mal podia acreditar no que estava ouvindo: sua oração havia sido respondida! Deus havia feito exatamente como pediu um dia antes! Ainda assim, não quis estar com ele naquela noite. Disse que primeiro verificaria se aquilo era verdade. Então marcaram um encontro para o dia seguinte.

Ela chegou em casa eufórica e feliz como nunca, contando para Marta o ocorrido. Estava duplamente feliz, porque se Deus lhe havia atendido, pensava, era sinal de que estava disposto a finalmente abençoar aquele relacionamento. Mal podia esperar por isso. Agora, sim, ele era de fato seu namorado, disse isso com todas as letras. Ele havia prometido um compromisso: tinha voltado para ela. Ele chegou no local combinado, pegou-a pela mão, e levou-a a sua casa. Apresentou-a oficialmente para a mãe, e disse: “Mãe, essa é minha namorada!”. A mãe não se mostrou impressionada, pois conhecia o filho. No entanto, foi gentil com a moça oferecendo-lhe refrigerante e convidando-a para conhecer a casa.

Tomada por uma timidez irritante para ela mesma, não se sentia a vontade. Encolhia-se, não tinha assunto, não era ela. Estava sem uma identidade, sem a sua identidade. Para variar, não apenas o amava, mas o idolatrava, e era outra vez a menina de baixa autoestima, aos pés de um deus homem. Por mais que soubesse o quanto aquilo complicava ainda mais aquele relacionamento difícil, não conseguia agir de outra maneira.

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Após tomar banho e se arrumar, os dois saíram. Outra vez, ele não a levou para nenhum passeio público, mas para um lugar deserto. Ali, pela segunda vez, só para não desagradá-lo, e perdê-lo de novo, contrariada intimamente mas sem argumentar coisa alguma, ela cometeu o pecado de prostituição. Ao ser deixada em casa, estava arrasada. Havia decepcionado o Senhor de novo. Implorou a Deus para trazê-lo de volta e, quando isso aconteceu, esqueceu sua posição como cristã. Sabia que haveria novas consequências para aquele erro. A alegria do reencontro amoroso tornara-se amarga. Outra noite dormiu chorando, apavorada. Dessa vez era a serva de Deus que chorava.

Ah, quantas vezes nós homens prometemos ao Senhor que o amaremos acima de todas as coisas e pessoas! Quantas vezes dentro dos templos entoamos canções apaixonadas, adorando e dizendo: “Senhor não te deixarei...”. E quantas vezes o trocamos por outras espécies de amores!

É triste notar que nem sempre o Senhor está no trono dentro de nós, nem sempre no centro de nossas vontades e decisões. Poucos foram os homens, mesmo na Bíblia, que preferiram agradar antes a Deus do que aos outros homens, e naquele momento, nossa personagem percebia, envergonhada diante do espelho de sua alma, o quão frágil era seu amor por Deus, amor escravo daquela paixão pelo homem. Homem esse que nada havia mudado. Continuou distante dela, levando a vida como bem entendia, e voltando apenas quando precisava e queria. “Tem misericórdia de mim, Oh Deus, segundo a Tua benignidade.

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Apaga as minhas transgressões segundo a multidão das tuas misericórdias Lava-me completamente do meu pecado, Porque eu conheço as minhas transgressões E o meu pecado esta sempre diante de mim. CONTRA TI, CONTRA TI SOMENTE PEQUEI E fiz o que é mal a vista dos teus olhos Para que sejas justificado quando julgares e puro quando falares; Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe, Eis que amas a verdade no íntimo E no oculto me fazes conhecer a sabedoria. Purifica-me com hissope e ficarei puro, Lava-me e ficarei mais alvo que a neve, Faze-me ouvir júbilo e alegria Para que gozem os ossos que tu quebraste Esconda a tua face dos meus pecados E apaga todas as minhas iniquidades Cria em mim oh Deus um coração puro

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minhos, E os pecadores a Ti se converterão Livra-me dos crimes de sangue, Oh Deus da minha salvação e minha língua louvará altamente a tua justiça. Abre Senhor os meus lábios e a minha boca entoará o teu louvor Porque tu não te comprazes em sacrifícios Se não eu os daria. Tu não te deleitas em holocaustos, Os sacrifícios para Deus são um espírito quebrantado. A um coração quebrantado e contrito não desprezarás oh Deus Abençoa a Sião segundo tua boa vontade,edifica os muros de Jerusalém, Então te agradarás de sacrifícios de justiça,dos holocaustos e das ofertas queimadas. Então se oferecerão novilhos sobre o teu altar”. (Salmo 51)

E renova em mim um espírito reto Não me lances fora da Tua Presença Nem retires de mim o teu Espírito Santo; Torna a dar-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito disposto Então enssinarei aos transgressores os Teus ca-

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Capítulo 13

TODAVIA EU NÃO ME ESQUECEREI DE TI

Poucos dias depois, o marido de Marta, tendo chegado em casa embriagado, deixou claro que não queria nossa personagem em sua casa. Ela não podia tirar-lhe a razão, pois eles não tinham nenhuma obrigação de mantê-la na casa. Estava sendo - direta ou indiretamente - mandada embora pela segunda vez, e a sensação de rejeição aumentava. Mais uma vez, porém, Deus não a desamparou por completo: Dona Nádia, mãe de Marta, e sua outra filha, Aleteia, levaram-na para a casa delas. Lá ela moraria e trabalharia limpando a casa.

Aleteia havia se tornado sua amiga e estava começando a ir para a Igreja. Era uma bela moça de 21 anos que estudava educação física. Dona Nádia era uma mulher alegre, também evangélica, da mesma Igreja, e gostava da companhia de nossa personagem principalmente devido ao conhecimento que tinha da Palavra, e pelo seu hábito contínuo de jejum e oração. Teve compaixão de seu drama familiar e foi generosa oferecendo-lhe salário pela limpeza da casa.

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Tratava-se de uma família simples, acolhedora, que vivia da plantação de limão. Elogiava tudo o que nossa personagem fazia, seu serviço em casa e o tempero de sua comida. Mais uma vez, o pastor e sua esposa mostraram-se contra eles terem acolhido a jovem, preparando um sermão muito insinuativo sobre isto para o próximo culto da semana.

Além de sua vida estar dilacerada emocionalmente por conta da família, sofria com as perseguições do pastor, que deveria ser sua referência espiritual. Ele era venerado pelos membros da Igreja. Todos o viam como uma espécie de super pastor e, com isso, esse homem influenciava as demais pessoas a verem nossa personagem como alguém de quem devessem se afastar.

Sofria, porque para a mãe, tendo passado quase cinco meses depois do padrasto a ter expulsado, era normal vê-la morando de favor e trabalhando de empregada doméstica na casa de outros, enquanto a família desfrutava de um ótimo período financeiro por conta de sua loja de 1,99 que administrava com a ajuda da filha mais velha. Não tinha raiva da família, mas uma mágoa muito grande. Suas orações a esse respeito eram clamores pedindo justiça. Não se conformava com o fato da mãe ter escolhido um homem com tão poucas qualidades, capaz de bater e expulsar de casa sua filha, que tinha vindo do seu próprio ventre.

A explicação da mãe em relação a isso para qualquer um que perguntasse era que a filha tinha “o gênio forte”. E, assim, ainda era difamada. Será que as pessoas não compreendiam o quanto suas palavras eram piores que espadas? Reconhecia na Bíblia seus sentimentos sobre isso, escritos por algum servo que também

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havia provado o veneno da língua alheia: “Também os que buscam a minha vida me armam laços e os que procuram o meu mal falam coisas que danificam, e imaginam astúcias todo o dia.” (Salmo 38:12)

Por mais grata que estivesse, e estava, à família Salles, não estava à vontade naquela situação. Estava sozinha, largada no mundo, mesmo com sua própria família morando a 2 quarteirões daquela casa. Nessa época, descobriu o versículo que a consolaria vivamente, uma vez que não era mais para ela, apenas uma teoria, mas uma experiencia real: “Pode a mãe esquecer-se tanto do filho que cria, a ponto de não se compadecer dele, do filho do seu ventre? Pois ainda que ela se esqueça, eu, todavia não me esquecerei de ti”. (Isaías 49:15)

Seu coração estava repleto de feridas abertas. Deus mostrava sua fidelidade levantando sempre alguém para ajudá-la, mas inimigos multiplicando-se a sua volta também não faltavam. Nessa época, vários Salmos, tanto quanto o 38 citado acima, criaram vida, coisas que antes pareciam apenas dramáticas poesias. Agora sabia que era mais que isso: os homens inspirados a escrever aqueles Salmos deveriam ter sofrido um bocado, e passado por humilhantes circunstâncias antes de expressar

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isso em forma de cântico e oração. A Bíblia - ela descobria - não estava brincando quando falava de bênçãos e prazer, sofrimento e castigo. Nenhum versículo, nenhum mandamento, nenhuma vírgula, estava ali por acaso. Quanto maior seu sofrimento, mais temia a veracidade dessas Sagradas Palavras. Mesmo titubeando, ia mergulhando nos rios de Deus e descobrindo que os céus e a terra passariam, mas as palavras de Deus não.

Ah, se tivesse dado ouvidos a cada til e jota contido na Bíblia! Quantas vezes Deus a advertiu que deveria permanecer guardada Nele, como um jardim fechado, regado e cuidado pelo seu Espírito! Se houvesse permanecido em obediência, esperando o tempo de Deus para o amor, certamente seria poupada de tamanha humilhação e tormenta! A Palavra nos diz: “Em vos converterdes, e repousardes estaria a vossa salvação. No sossego e na confiança a vossa força; mas vós não o quiseste”. (Isaías 30:15). E ainda: “Assim diz o Senhor, o teu Deus, que te ensina o que é útil e te guia pelo caminho em que deves andar; ah se tivesses dado ouvidos aos meus mandamentos! Então seria a tua paz como um rio e a tua justiça como as ondas do mar”. (Isaías 48:17-18). Ainda citarei um terceiro versículo: “Quantas vezes eu vos quis reunir como a galinha reúne os pintainhos debaixo de suas asas e não o quiseste?” (Mateus 23:3) Lembremos que, aparentemente, o motivo pelo qual o padrasto a havia expulso de casa nada tinha a ver com o ocorrido entre ela e o rapaz. Além da irmã, ninguém mais na família havia ficado sabendo disso. Porém o céu e o inferno sabiam, e por dar LEGALIDADE ao inimigo, pecando voluntariamente, ela estava agora sofrendo. Não era a rebelde que a mãe apregoava para justificar o

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feito do padrasto. Nunca ofendera o pastor dando motivos para que a caluniasse, e, para falar a verdade, sabia bem que entre os jovens daquela e de inúmeras outras Igrejas, pecados bem piores já haviam sido cometidos, e em nenhum caso viu as consequências que agora via recair sobre si: humilhação, afronta e abandono vindos por todos os lados.

Contudo, Deus não lhe virou as costas. Ele a confortava na Palavra e fazia promessas de restauração. Não estava irremediavelmente escandalizado com ela, apenas desejava corrigi-la como o pai corrige ao filho que ama. Era isso o que revelava ao coração através dessa passagem bíblica: “Eu, o Senhor, a guardo e a cada momento a regarei para que ninguém lhe faça dano; de noite e de dia a guardarei. Não há indignação em mim. Quem me poria sarças e espinheiros diante de mim na guerra? Eu iria contra eles e juntamente os queimaria.” (Isaías 27:3) Não há neste mundo, “sarças” e “espinheiros”, que como praga dominem a vinha do Senhor, que ele não possa destruir para preservar sua vinha. Nossas vidas lhe são preciosas, e por mais que Satanás nos acuse, exibindo para Deus nossos pecados, o Todo-poderoso prefere continuar nos guardando, zelando por nós durante o dia, tempos bons, e durante a noite, tempos ruins.

Talvez você questione o fato de consequências tão grandes terem vindo sobre ela por um pecado tão frequente entre os jovens cristãos. Ela também, muitas vezes, questionou. Mas, quando Deus escolhe alguém para um grande propósito, como naquela canção do Ministério Diante Do Trono, digo que “bom é obedecer, custe o que custar, é e será sempre o melhor.” Pois a quem muito for dado, muito será exigido. Lembremos das promessas lá do capítulo 7, que Ele lhe fizera. Havia uma unção a ser progressivamente derramada sobre ela, e Deus, sendo como

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o oleiro, quando um vaso entorta e quebra, Ele refaz. Certa vez, um sábio pregador do evangelho mencionou: “A ÚNICA COISA GRATUITA DADA POR DEUS AOS QUE SE CONVERTEM, É A SALVAÇÃO. A UNÇÃO TEM UM PREÇO, E ESSE PREÇO É CARO.” Você que lê agora este livro, sentindo no íntimo uma angústia, envolvido em pecados dos quais não sabe como sair, distante de Deus, saiba que Ele não desistiu e nem desistirá de você e nem de tantos quantos caírem. Se todos se arrependerem e se esforçarem para levantar, Ele concederá uma nova chance. “POR ISSO O SENHOR ESPERARÁ PARA SE COMPADECER DE VÓS, E SERÁ INCANSÁVEL EM SE COMPADECER, PORQUE O SENHOR É UM DEUS DE EQUIDADE, BEM-AVENTURADOS AQUELES QUE NELE ESPERAM.” (Isaías 30:18)

Ela também não havia desistido do seu Deus. Não sabia viver a vida sem Ele. Não havia se esquecido, e nem poderia, da fé que um dia abraçou. Como Davi, ela caiu, mas também como ele, tinha um coração quebrantado e contrito, que Deus lhe deu no dia do seu batismo nas águas. Agora entendia o porquê; mesmo em face de maior desalento, este coração pulsando no mover do Espírito Santo fazia com que ela sofresse por estar em pecado, e constantemente se humilhasse diante do seu Deus. Seu clamor era como o do apóstolo Paulo: “O bem que eu quero fazer, eu não consigo, mas o mal que não quero, este eu faço. Que miserável eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?!” A resposta, quem dava, era o livro dos Salmos: “Ele livrará a Israel de todas as suas iniquidades”.

Há pecados dos quais só podemos nos livrar através do agir do Senhor. As redes do pecado são resistentes, engenhosas armadilhas para prender até mesmo o mais sábio dos homens.

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No entanto, o clamor de um pecador arrependido pode romper suas teias, pode alcançar o coração de Deus, e nos levar de volta a dignidade de viver com vestes limpas perante Ele.

Nossa personagem estava enredada, e a armadilha foi sua ansiedade e seu enganoso coração. Não queria a prostituição, mas a prostituição estava enraizada no coração do ímpio que ela queria para. Quanto mais triste e carente estivesse, mais saudades sentia dele, como se fosse um sonho no meio dos tantos pesadelos que estava vivendo. Corria para os braços do inimigo, como quem corre para seu protetor. Os meses foram se passando e nada mudava, exceto um sentimento crescente de depressão que a invadia, o que gerava a perda de vontade de ir à Igreja. Assim que terminava seu serviço na limpeza da casa de D. Nádia, trancava-se no quarto onde estava hospedada, e dormia o máximo que conseguia dormir, afim de esquecer-se do mundo lá fora. A família notava seu desânimo com a vida. Alguns compreendiam, outros criticavam. No fundo ela também tinha esperanças de que, chegando aos ouvidos dele que ela estava naquele estado, ele viria para perto. Era mês de Junho e fazia muito frio. Na cidade não se falava em outra coisa a não ser na chegada de uma das festas populares mais esperadas do ano pelos moradores: o “Juninão”. Praticamente toda a cidade se reunia quando havia ou o Juninão ou o rodeio, e certamente ele estaria por lá. Por isso ela também foi para esse evento. Quando chegou ao Juninão encontrou a mãe e, na intenção de abraçá-la, aproximou-se, mas o padrasto puxou a mãe pelo braço e ela se deixou afastar. Essa foi a primeira grande dor da noite.

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Num segundo momento, avistou de longe o moço. Ele estava beijando outra garota em clima de total romantismo. Ele, que nunca a assumiu em público, não se preocupava agora em ser visto com outra. A noite tornava-se então mais fria para ela do que para qualquer outra pessoa, em qualquer lugar do mundo. Muitos se divertiam ao som de um famoso grupo que cantava ao vivo, mas seu coração por dentro só sabia doer. Parecia sangrar e era como um pequeno e invisível grão de areia no meio daquela multidão pisado e repisado muitas vezes. Outra vez, a dor insuportável, porém já familiar, que queimava e latejava no peito e no estômago. Voltou para casa e dirigiu-se à cozinha de D. Nádia, o cômodo mais separado da casa da família Salles. Precisava chorar pelo desprezo da mãe e pelo descaso do homem que amava. Tinha vontade de soltar grunhidos de dor, mas tentava engolir o choro a fim de que as pessoas da casa não ouvissem.

“O que estava fazendo naquela cidade?”, ela se perguntava. A quem tinha ali? O que estava fazendo com sua vida? Mais um pouco seria destruída por aquele sentimento e por todas as consequências de seus erros. A mãe não se importava com ela. O homem a quem deu todo seu amor, já a tinha esquecido, substituído e humilhado. Agora, não tinha absolutamente nada! “Ninguém que fosse por ela”, declarava entre soluços, “como quem deseja culpar Deus”. Apenas sobrou-lhe desprezo e castigo.

Os sentidos foram-lhe arrebatados. Chegou ao auge do desespero. Tinha perdido totalmente o controle sobre suas emoções. Nesse momento, já chorava alto, sem mais se preocupar que a ouvissem. As lágrimas corriam quentes, sem parar.

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Uma dor ridícula, feia de se ver. Uma cena na qual nunca gostaria de ser surpreendida, deformando-lhe o rosto, reduzindo-a. Descontrole, ressentimentos, mágoas, vergonha. Tudo se misturava, e a fazia sentir-se como quem chegou ao fundo do poço. Talvez fosse a hora de começar a sair dele, mas nem sequer sabia nem por onde começar, nem se isso seria possível, uma vez que aquele amor parecia maior que tudo, até mesmo do que o amor que deveria sentir por Deus e por si mesma.

D. Nádia acordou, foi até lá e tentou inutilmente acalmála com boas palavras, mas todas as palavras, inclusive as da Bíblia, por um instante, tornaram-se desacreditadas por ela. Nossa personagem repetia que não queria mais ficar ali, não suportava mais permanecer em Itajobi. Iria embora para Maringá e esqueceria de uma vez o maldito dia em que conheceu aquele moço no Centro Comunitário! Arrependia-se profundamente de tê-lo deixado sentar ao seu lado e iniciar uma conversa. Odiava-se por ter sido tão ingênua e pretensiosa. Ao mesmo tempo, queria distância da mãe e do restante da família; também se arrependia de ter aceitado o convite de morar com ela em Itajobi. Em quantas ciladas caíra! Quantas vezes ferida! Que vergonha sentia de si mesma! Que ódio mortal sentia de Itajobi e do mundo!

E foi assim, com a alma totalmente dilacerada, que decidiu voltar para o lugar de onde veio.

Capítulo 14

ATRAÍDA PARA O DESERTO

Lá estava ela dentro do ônibus. No dia em que veio de Maringá para Itajobi, como uma criança, sonhava voltar vitoriosa, mais bonita e bem cuidada. E agora estava ali arrasada. “Que ridículo foram meus sonhos!”, pensava, enquanto via pela janela, na estrada, Itajobi ficando cada vez mais para trás. Levava algumas roupas novas, mas suas vestes espirituais estavam sujas. No coração, a presença daquele amor ainda.

Outra vez projetos e devaneios. Agora pensava em arrumar logo um emprego em Maringá e morar sozinha; se queria frequentar alguma Igreja, e andar retamente com Deus não sabia, pois estava magoada com Ele também. Estava muito ferida, por tudo o que passara. Achava que amadureceu o equivalente a anos naqueles meses em Itajobi, e já que todos lhe viraram as costas, também queria aprender a viver sozinha no mundo, dona do seu próprio nariz, e pensava que para isso só precisava de um emprego. Chegou à casa do pai e ele a recebeu muito feliz e alegre dizendo “o bom filho a casa torna”. Apesar de odiar a aparência daquela casa, enterneceu-se com a emoção dele.

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A casa estava ainda mais suja e malcheirosa. Não havia energia elétrica, há meses havia sido cortada. O banheiro estava entupido e sem portas. Faltava comida e produtos de higiene pessoal. Os vizinhos às vezes lhes cediam uma refeição por pena da família. Durante o tempo que ficou fora, as coisas só pioraram ali.

No primeiro dia que saiu a procurar emprego, tomou banho numa bacia com sabão em pó, e escovou os dentes com creme de cabelo que trouxera na bagagem. Era o que tinha, e logo até isso acabaria. Para piorar, percebeu que na Chácara da família Salles, pegara bicho-de-pé e seu cabelo da região da nuca, inexplicavelmente, começou a cair. Uma das passagens mais duras da Bíblia se cumpria em sua vida: “E será que em lugar de perfume haverá podridão, por cinta, uma corda, em lugar de encrespadura de cabelo, calvície, e em lugar de veste suntuosa, cilício, e marcas de fogo em lugar de formosura.” (Isaías 3:24)

Como toda mulher vaidosa e preocupada com a aparência, nunca se sentiu tão feia. O pai havia arrumado um sócio e tentava inutilmente reerguer sua oficina de consertos de ar-condicionado. A madrasta estava grávida do segundo filho, e ainda não trabalhava.

A princípio, crendo que logo reorganizaria sua vida, saía a procura de emprego, mas não tinha a boa apresentação e preparo que o mercado exigia. Algumas vezes, a vaga parecia certa, mas aconteciam coisas inexplicáveis e tudo dava para trás. As portas estavam fechadas. Decidiu então acompanhar o pai na oficina, mas ela ficava

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às moscas. O vício da bebida o o endividamento fizeram com que ele perdesse toda e qualquer credibilidade no mercado profissional.

Saíra de Itajobi brigada com a mãe e a irmã, e estas telefonavam para o pai a criticando. Ele então começou a criticá-la também. Tinha vontade de morrer, um desejo profundo de ser tirada definitivamente deste mundo. Todos a achavam estranha, e ela estava, tanto quanto uma fera ferida, com medo da próxima pancada. Abalada, com medo de tudo, sofrendo muito com aquela paixão, percebia que aquele homem não estava mais ao seu alcance. Por causa disso escrevia muitas cartas para ele e enviava pelo correio: todas elas ficaram sem resposta. Dormia com o rádio ligado todas as noites, ouvindo músicas românticas, e com a ajuda delas chorava compulsivamente . Havia uma coisa que não deixava de fazer: orar.

Precisava orar inúmeras vezes ao dia, totalmente desesperada por uma solução da parte de Deus. Quem via achava exagero.

O céu parecia ser de bronze, como menciona a Palavra; a Bíblia era um livro enigmático, que ela já não conseguia decifrar: estava selado ao seu entendimento. Quando chegou à Nikkey, totalmente desestruturada emocionalmente, todos notaram. Sua cabeça dava mil voltas. O coração queimava, sofrendo de um infinito abandono. Quanto mais sofria, e precisava de apoio, mais as pessoas estranhavam... uma dor tão forte, tão profunda e feia, que as pessoas, ao invés de tentarem consolá-la, assustavam-se com ela e evitavam-na. Talvez faltasse apenas um pouco para a insanidade. Percebia cada olhar de jugo sobre si.

Em meio a estas orações sem respostas, Deus apenas

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mandou-lhe um recado através de Marta pelo telefone: “CONTINUA CLAMANDO, PORQUE NA HORA CERTA TE RESPONDEREI”. O maior impacto que teve foi ao se deparar com o grupo de louvor. Houve um choque entre seu passado e seu presente. Observava aqueles que no altar exerciam o ministério que um dia ela mesma havia exercido tão esplendorosamente, e invejava-os, pois agora sentia-se como escória. Entendia definitivamente como se sente um desviado, sem espaço na linda vitrine de santos que é a Igreja. As pessoas perfeitas, em seus ministérios perfeitos, não têm tempo para parar e ajudar a sarar as feridas dos que erraram. Estão ocupados demais com sua própria vida santa. Assim ela se sentia, como quem pede um pouco de amizade e respeito por esmola. Seu passado já não falava em seu benefício. Sua dedicação de outrora, já fora esquecida. Seus admiráveis talentos e unção, já não se viam.

Bem, uma pessoa que se afasta de Deus, não percebe que sua unção envelhece e sua glória passa. Procura lembrar aos outros seus feitos passados, como se fossem medalhas, e não veem que tais medalhas perderam o valor. Penso que o povo de Israel quando peregrinando no deserto recebeu de Deus a ordem de não guardar do maná para o dia seguinte. Também só descobriram o quanto dependiam da graça diária de Deus, quando, desobedecendo e guardando, viram o maná cheirar mal e criar bicho... um coração cheio do Espírito Santo, vendido ao mundo, também faz o cristão cheirar mal. É preciso renovar santidade e unção todos os dias, como também podemos conferir na Palavra, em Ezequiel (18:24): “Mas, desviando-se o justo da sua justiça, e cometendo a iniquidade, fazendo conforme todas as abominações que faz o

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ímpio, porventura viverá? De todas as justiças que tiver feito não se fará memória; na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá.” Naquela época surgia o Ministério Diante Do Trono, e Ricardo, ainda firme em sua liderança convocou o grupo de louvor para assistir a fita de vídeo no telão. Ela também foi, acompanhando Fernanda, e ouviu pela primeira vez esta canção: “SENHOR ESTOU AQUI PARA TE ADORAR EM TUA PRESENÇA DESEJO ESTAR EU SEI QUE NADA SOU, MAS VIM ME HUMILHAR PRECISO DE TI, VEM ME RESTAURAR EU QUERO SER COMO UM JARDIM FECHADO REGADO E CUIDADO PELO TEU ESPÍRITO FLUA EM MIM COMO UM MANANCIAL NO MEU INTERIOR COM ÁGUAS VIVAS RESTAURA O MEU SER PARA O TEU LOUVOR...

Não sei o que se passou pelo coração de Ana Paula Valadão ao compor esta música, quais experiências com Deus vivera para criar uma letra tão rica e profunda. Parecia ter sido feita sob encomenda para nossa personagem. Era assim mesmo que ela se via, como alguém que queria adorar, que desejava estar na Presença do Senhor, que sabia que não era mais nada, mas se dispunha a humilhar-se; precisava de restauração, desejava voltar a ser um jardim exclusivo do Senhor, sem a contaminação do pecado, regado e cuidado pelo Espírito Santo...

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Um sábio homem de Deus certa vez disse “Você, ou eu, longe de Deus, somos mesmo muito feios!”. E como ela vivenciou a realidade dessa frase! Na segunda parte da canção, teve certeza de que Deus falava com ela; André Valadão entoava profeticamente como se fosse o próprio Deus respondendo a ela: “EU TE FAREI COMO UM JARDIM FECHADO, REGADO E CUIDADO PELO MEU ESPÍRITO EU FLUIREI COMO UM MANANCIAL DO TEU INTERIOR COM ÁGUAS VIVAS... TE RESTAURAREI... EU RESTAURAREI PARA O MEU LOUVOR”

Havia esperança! Sim, havia! Ela a sentia em cada nota da canção. Não era apenas uma música, era uma profecia viva de Deus para ela, uma linguagem que Ele sabia fazer funcionar no coração de sua serva; sempre funcionou falar-lhe por meio de composições, como no primeiro dia que entrou no templo.

Agora Deus a mandava trilhar aquele caminho de humilhar-se, mesmo exposta vergonhosamente diante de pessoas que jamais lhe entenderiam. No entanto, isso não importava a essa altura: Ele disse que a restauraria! Ele disse que lhe devolveria a unção do Espírito. Sim, Ele disse, e quem lhe poderia roubar o amor Dele? Quem, se Ele não havia desistido dela? No fundo, e apesar de tudo, sabia ter uma marca na alma, a marca de filha, de serva, de adoradora. Justamente por causa dessa marca,

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tinha direito de buscar reconciliação com Seu Dono.

Alguns dias antes de sair de Itajobi, uma passagem bíblica era constantemente apresentada a ela na Palavra, dizendo assim: “Portanto, eis que cercarei os seus caminhos com espinhos, e levantarei um muro contra ela, para que não encontre passagem. Ela irá em busca de seus amantes, porém não os alcançará, busca-lo-ás, sem os achar. Então dirá: Irei e tornarei ao meu primeiro marido, porque melhor era antes do que agora.

Ela, pois, não soube, que eu é que lhe dei o trigo, o vinho, e o óleo, e lhe multipliquei a prata e o ouro que usou para Baal. Portanto tornar-me-ei, e reterei por um tempo o meu trigo e o meu vinho, e tomarei minha lã e o meu linho, que lhe deviam cobrir a nudez.

Agora descobrirei suas vergonhas, aos olhos de todos, e ninguém a livrará da minha mão. Portanto, eis que eu a atrairei para o deserto, e LHE FALAREI AO CORAÇÃO.

E lhe darei dali as minhas vinhas, e o vale de Acor por porta de esperança, E ALI CANTARÁ COMO NOS DIAS DA SUA MOCIDADE E como no dia em que subiu da terra do Egito,

E acontecerá, naquele dia — DIZ O SENHOR — que me chamará meu marido,

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E não mais, meu Baal.” (Oseias 2:6-16) Começava a entender porque fora impelida a voltar para Maringá: era hora do acerto de contas. Era como ouvi-lo dizer em alto e bom tom aquele versículo contido na Palavra: “PROCURA LEMBRAR-ME. ENTREMOS EM JUÍZO JUNTAMENTE; APRESENTA-ME AS TUAS RAZÕES PARA QUE POSSAS SER JUSTIFICADO (Isaías 43:26) Era exatamente isso o que Deus fazia agora. Cercou todos os caminhos dela, para que nenhuma saída mais houvesse. Tirou do alcance dela o homem do seu desejo, pela distância entre Itajobi e Maringá;

Fê-la entender o quão feliz era no tempo em que andava em obediência, e que tudo o que era espiritualmente, e tinha financeiramente era provisão de Deus em sua vida, coisas que ela usou para pecar, idolatrando um homem.

Ele tirou dela toda essa provisão quando a deixou sem conseguir emprego, e tirou-lhe até a beleza, para que a feiura espiritual ficasse exposta a todos. Ninguém podia livrá-la de Sua potente mão. Mas o que Ele queria com isso era trazê-la de volta para o deserto onde ela O conheceu, para falar-lhe de novo ao coração, e para que ela ouvisse o Senhor atentamente. Renovar então suas esperanças mesmo em meio a amargura (Vale de Acor - amargo), fazê-la adorá-lo como antes, e nunca mais confundir o fiel amor de Deus, com o amor de qualquer outro... Embora parecesse fácil, não foi. Havia perdido a intimidade com Deus, por mais que orasse (eram cerca de 7 ou 8 orações

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ao dia) Ele permanecia em silêncio. Não importava o que estivesse fazendo, uma angústia sem fim a fazia parar, prostrar-se e orar...e Ele nada lhe respondia.

Ela tinha muitas coisas a resolver. Procurava saber qual seria seu destino. A casa do pai já não lhe era suportável. Todos estavam entregues à miséria total, todos já haviam parado de lutar e estavam conformados com a derrota. Não queria ficar ali. Como se manteria em Maringá, sem trabalhar? Em Itajobi, não tinha mais para onde voltar, uma vez que D. Nádia já havia contratado outra empregada.... Seus caminhos estavam mesmo cercados de espinhos e muros foram levantados contra ela. Havia uma luz no fim do túnel: as palavras de Marta ao telefone que diziam “Deus diz: continue clamando porque no tempo certo Ele te responderá.”

Saíra da casa do pai a convite de Fernanda e sua família, mas talvez por seu estado emocional, ou talvez não, sentia-se um peso a mais na casa. Nesse meio tempo, como a distância era de apenas alguns quarteirões, passou a se reunir com Tom, na casa dele, para orar, e depois acabou ficando, convidada por ele e pela mãe. Poucos dias antes, Ângela, mãe de Tom, havia recebido a inesperada visita de um profeta. Não sabia ao certo de onde ele vinha, apenas chegou ali, e disse que Deus o mandava. Era um baixinho invocado, excêntrico. Sua chatice chegava a ser engraçada, mas realmente falava coisas da parte de Deus que faziam muito sentido... Seu nome era Edimilsom. Ângela, então, hospedou também ele. Edimilsom e Tom tornaram-se seus grandes companheiros de oração. Eram tardes inteiras em que os três ou estavam orando, ou louvando, ou meditando juntos a Palavra. Nossa

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personagem jamais vai esquecer estes dias. Ali ela foi afagada, o olhar de Ângela e de Tom eram diferentes dos demais olhares que percebia sobre si desde que voltou, os outros familiares também a queriam bem. Ângela tratava-lhe com imensa consideração e carinho, era capaz de compreendê-la. Ali lhe deram o conforto que precisava naqueles dias de tão íngreme deserto. Ângela é a lembrança cristã mais dócil e amorosa que nossa personagem terá por toda vida, acolheu em sua casa um profeta sem saber nada sobre ele, e também uma jovem ferida por Deus, sem questionar. Apenas cumprindo um mandamento do qual poucos se lembram: “Sede hospitaleiros, porque alguns, sem saber, hospedaram anjos”. (Hebreus 13:12)

O carinho daquela família era como uma trégua da parte de Deus. Como um prato de sopa quente para quem está congelado pelo frio e molhado de chuva. Aliás, este termo é quase literal, pois não havia nada mais confortante do que a comida saborosa de Ângela e o pão caseiro que ela servia todos os fins de tarde tirado do forno. A amizade de Tom era preciosa demais, a atenção que ele dedicava era necessária diante de tantas dores. Dessa maneira, um pouco de alegria afastava de si toda aquela escuridão.

O que mais a encantava é que Ângela não acolheu nossa personagem e o profeta porque tinha recursos de sobra. Pelo contrário, passava por dificuldades financeiras e acolheu os dois por amor. A casa ainda tinha perceptivelmente a Presença de Deus preservada. Ali só se ouvia louvores, e nunca canções mundanas. Essa era a casa da Família Couto.

Um dia foi programado um culto familiar reunindo todos os parentes de Ângela, inclusive seu cunhado, Pastor Couto. Nes-

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te dia, já tendo passado mais de dois meses que nossa personagem orava insistentemente sem resposta, Pastor Couto orou por ela, e em profecia, repetiu sem saber as mesmas palavras que Marta fora usada a dizer: “Continua orando; no tempo certo te responderei”. Preciso dizer que o silêncio de Deus é insuportável para alguém que se acostumou a ouvir Sua voz, seja de forma audível, ou com instruções reveladas na Palavra. E uma resposta, no caso dela, era urgente, pois por mais que fosse bem tratada ali, Ângela cogitava mudar-se para Uberlândia em breve. Assim, nossa personagem não sabia por quanto tempo poderia contar com a família Couto. Além do mais, quanto cansaço lhe causava aquela peregrinação, cada hora em um lugar diferente, vivendo da compaixão alheia! Há muito tempo não tinha um lar que considerasse realmente seu. Suas orações eram tantas e tão sofridas, que chegava a ter uma vaga noção de como fora a oração de Jesus no Gólgota, sabendo Ele que estava prestes a ser crucificado (A oração durante a qual Ele chegou a suar gotas de sangue). A noção era vaga, porque certamente ninguém jamais poderia sentir o que Jesus sentiu naquela entrega por nossas vidas, em morte de cruz.

Mas a cruz estava bem próxima dela também. Ele a colocara diante da cruz, a fim de que ela crucificasse seus pecados, se esvaziasse, reconhecesse sua infidelidade ao Espírito Santo, e reconhecesse, sobre todas as coisas, que de tudo o que ela precisava, nada era tão necessário quanto o amor e a presença do seu Deus fiel. Sem Ele, nada restava. Sim, orava muito, nada mais resguardava. Tudo confessara, e a seu Deus engrandecia. Orações quentes, que a faziam suar também, gotas que não eram de

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sangue, mas parecia expulsar pouco a pouco, dia a dia, do seu corpo, junto com o suor, toda impureza espiritual.

Foi então que os céus de bronze começaram a se rasgar, as feridas a serem cicatrizadas, o pecado a causar-lhe nojo, e o temor de Deus e o desejo de obedecer, voltaram a ser maiores do que aquela paixão.

Já podia admitir: “ANTES DE SER AFLIJIDO, EU ANDAVA ERRADO, MAS AGORA GUARDO A TUA PALAVRA. FOI-ME BOM TER SIDO AFLIGIDO, PARA QUE APRENDESSE OS TEUS PRECEITOS.” (Salmo 119)

E também fazer suas as palavras usadas pelo profeta Jeremias: “EU SOU O HOMEM QUE VIU a aflição pela vara do furor de Deus. Ele me levou e me fez andar em trevas e não na luz. Muitas vezes voltou sua mão contra mim, todo

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dia, continuamente. Fez envelhecer a minha carne, e a minha pele. Despedaçou os meus ossos. Edificou contra mim tranqueiras, e me cercou de veneno e dor. Fez-me habitar em lugares tenebrosos como os que estão mortos para sempre. Cercou-me de um muro e já não posso sair. Agravou-me com grilhões de bronze. Ainda quando clamo e grito, Ele exclui minha oração. Fechou os meus caminhos com pedras lavradas Fez tortuosas as minhas veredas Fez-se como um urso a minha espreita; um leão que fica de emboscada. Desviou os meus caminhos e me fez em pedaços, deixou-me assolado. Entesou o seu arco,e me pôs como alvo diante da flecha; E sua flechas me atingiram o coração. Fui feito como um objeto de escárnio para todo o meu povo, e o motivo das sua canção todo dia. Fartou-me de amarguras,cobriu-me de absinto, Fez-me quebrar como pedrinhas de areia. Cobriu-me de cinza Afastou a paz da minha alma Esqueci-me do bem, então eu disse: Já pereceu a minha glória, Como também a minha esperança no Senhor. Lembra-te da minha aflição e do meu pranto, do absinto e do veneno. Minha alma continuamente os recorda, e se abate dentro de mim. QUERO TRAZER A MEMÓRIA O QUE ME PODE DAR ESPERANÇA;

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AS MISERÍCÓRDIAS DO SENHOR SÃO A CAUSA DE NÃO SERMOS CONSUMIDOS PORQUE AS SUAS MISERICÓRDIAS NÃO TEM FIM, RENOVAM-SE CADA MANHÃ, GRANDE É A SUA FIDELIDADE. A minha porção é o Senhor, portanto esperarei Nele Bom é o Senhor para os que esperam por Ele, para a alma que o busca. Bom é aguardar em silêncio a salvação de Deus; Bom é para o homem suportar o jugo na sua mocidade, assentar-se solitário e ficar esperando porquanto Deus o pôs sobre ele; Que ponha a boca no pó, talvez haja esperança. De a face a quem lhe fere, farte-se da afronta. O SENHOR NÃO REJEITARÁ PARA SEMPRE, POIS AINDA QUE ENTRISTEÇA A ALGUÉM, USARÁ DE COMPAIXÃO SEGUNDO A GRANDEZA DE SUAS MISERICÓRDIAS.. ELE NÃO TEM ALEGRIA EM ENTRISTECER OS FILHOS DOS HOMENS.” (Jeremias 3:1-33)

Capítulo 15

AGORA TORNO A ACOLHER-TE

Fazia três meses, agora, que estava em Maringá esperando de Deus uma direção. Para ela estes meses foram como os 400 anos que Deus ficou calado entre o Antigo e Novo Testamento, e não enviou mais nenhum profeta sobre a Terra (o tempo decorrido entre Malaquias, último profeta do Antigo Testamento e João Batista, que antecedeu a chegada de Jesus pregando arrependimento). Uma eternidade! De repente, o profeta Edimilsom virou-se para ela e disse:

“Sua mãe ligará para você dentro de uma semana dizendo que você pode voltar para casa. Deus está me mostrando um molho de chaves reluzentes e coloridas. Cada chave representa uma área de sua vida. Chave da sua vida profissional, espiritual, sentimental e familiar. Lá você se casará e terá filhos, e só sairá de lá o dia em que Deus mandar. MAS AI DE VOCÊ SE VOLTAR A PECAR!”

Na semana seguinte, realmente, a mãe telefonou dizendo que conversara com o padrasto e ele a aceitava de volta. Disse também que enviaria o dinheiro da passagem, e Deus cumpria

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então aquela palavra. Todo domínio estivera em Suas mãos o tempo todo e, como diz a Bíblia:

“Não depende de quem quer, ou de quem corre, mas de Deus que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: para isso mesmo te levantei, para em ti demonstrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois, Deus se compadece de quem quer, e endurece a quem quer.” (Romanos 9:16-18) Deus provava, que como endurecera Faraó fazendo que 10 vezes deixasse o povo partir do Egito e 10 vezes voltou atrás, também fizera com sua família, a fim de tratar com ela. No momento em que terminou de aplicar-lhe toda a correção devida, depois que tão persistentemente ela se humilhou e O buscou arrependida, abria de novo as portas e a deixava passar. Ela pintou os cabelos, que presos já disfarçavam bem a falha. Eles já estavam crescendo novamente; tratou os dentes no consultório da Nikkey, e assim voltaria para Itajobi. Suas vestes espirituais estavam novamente limpas. Sua aparência renovada. No coração, um pouco mais de calma, e muito mais temor à Palavra do seu Deus, porque, como Jó, podia dizer agora: “Eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42.5) e ainda: “Bem sei que tudo podes, e que nenhum dos teus planos pode ser impedido.” (Jó 42:1)

E a profecia que se cumpria biblicamente na sua vida, diferentemente do que foi em Ezequiel 16 ou em Oseias 2; ou ainda causando-lhe sensação nova do que aquela que a fez se identificar com o Salmo 51 e com o desabafo contido em Jeremias 3, era essa:

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“POR BREVE MOMENTO TE DEIXEI, MAS COM GRANDES MISERICÓRDIAS TORNO A ACOLHER-TE; Num ímpeto de indignação, escondi de ti o meu rosto por um momento, mas com misericórdia eterna, me compadeço de ti, diz o Senhor, o teu Redentor. Porque isto será para mim como as águas de Noé; como jurei que não mais inundariam a terra, assim jurei que não mais me iraria contra ti, nem te repreenderia. Porque os montes se retirarão e os outeiros serão removidos, mas a minha misericórdia não se apartará de ti. Oh tu aflita! Arrojada com a tormenta e desconsolada! Eis que que porei tuas pedras com todo o ornamento e te fundirei sobre safiras! Farei os teus baluartes de rubis, e as tuas portas de carbúnculos e toda a tua muralha de pedras preciosas. TODOS OS TEUS FILHOS SERÃO ENSINADOS DO SENHOR, E SERÁ GRANDE A PAZ DELES. Serás estabelecida em justiça, longe da opressão, porque já não temerás; e do espanto, porque não chegará a ti. EIS QUE PODERÃO VIR A AJUNTAR-SE CONTRA TI, MAS NÃO POR MIM. QUEM CONSPIRAR CONTRA TI, CAIRÁ POR AMOR DE TI. Eis que eu criei o ferreiro, que assopra as brasas no fogo, e que produz a arma para o seu devido fim. Também criei o assolador para destruir. TODA ARMA FORJADA CONTRA TI NÃO PROSPERARÁ, e toda língua que se levantar contra ti para julgar-te, tu a condenará. Esta é a herança dos filhos do Senhor e o seu direito, que de mim procede, diz o Senhor”. (Isaías 54:7-17)

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Enquanto o ônibus ia chegando de volta a Itajobi, sentia aquele friozinho na barriga de ansiedade. Não podia acreditar que estava de volta! Apesar dos dissabores, sentiu muita falta da pequena cidade, olhava-a agora sem o ódio da última partida. Pareceram-lhe aqueles três meses como um ano inteiro que estivesse fora. Lembrava que conversara com uma irmã chamada Shirley, em Maringá, e que esta lhe disse que Deus a levaria de volta, porque Ele não deixa nada pela metade, e se saíra fugindo do pecado, teria que voltar e encarar o problema de frente. Sim, fazia sentido.

Também se lembrava do quanto foi difícil, quase insuportável, ver-se a tantos quilômetros de distância do homem que amava. Como sentiu-se desesperada nos primeiros dias, longe do seu cheiro, do seu beijo, do seu abraço, ainda que infiéis... Olhava cada Belina bege que via surgir nas avenidas de Maringá, como se fosse ele se aproximando, saindo de tão longe para buscá-la, porque descobrira que também a amava...mas as Belinas passavam por ela, e ele não estava dentro de nenhuma delas.

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Lembrava das vezes em que, ainda na oficina do pai, tendo apenas algumas moedinhas, que poderiam ser usadas para comprar um pão ou um doce, escrevia cartas e as gastava em selos. Era uma média de 4 cartas por semana, mas ele jamais respondeu uma sequer. Como um viciado em entorpecentes, teve horríveis “crises de abstinência”, na falta daquele amor bandido, e no desespero de saber que era grande demais a distância entre o Estado do Paraná e o de São Paulo, para poder alcançá-lo entre estas crises de saudade. Deus foi verdadeiramente sábio em levá-la tão longe, onde nenhum ataque de carência dela, por mais doloroso que fosse, pudesse alcançá-lo, e fazer agravar seu pecado. Mas agora, estava ali, e na cabeça ecoava as ultimas palavras da profecia tão esperada que Edimilsom lhe trouxera: “mas ai de você se voltar a pecar, se voltar a pecar, se voltar a pecar...”

Pisar de novo na casa da mãe foi uma experiência muito boa. Foi recebida com naturalidade. Parecia que fora embora ontem, mas longos 9 meses se passaram desde a sua expulsão até este momento. E sabia que este retorno, apesar de bom, era perigoso. Era como quem vive a pisar em ovos, tendo cuidado com cada gesto e palavra. Por mais que fosse de novo a casa de sua família, não sentia ainda que era aquele o seu lar, pois ali não tinha direitos. Que bom que tinha a Bíblia para mostrar que outros homens e mulheres de Deus sofreram tanto quanto e alguns até mais que ela perseguição e discriminação familiar. Que bom que podia se consolar vendo na perseguição de Saul a Davi, um retrato da perseguição do padrasto a ela, vendo na preferência de Isaque ao filho Esaú algo que pudesse comparar com a preferência da mãe à filha mais velha, e saber que Deus, porém, abençoou e amou mais a Jacó. Via no Livro de Cantares de Salomão, algo

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que justificasse a boa vida das irmãs cheia de privilégios, enquanto ela peregrinava aqui e lá ora de favor, ora de empregada doméstica: “Sou morena, mas formosa, oh filhas de Jerusalém; não olheis para o eu ser morena, pois foi o Sol quem me queimou. Meus irmãos me obrigaram a guardar as vinhas, mas as minhas próprias vinhas eu não pude guardar.” (Cantares1 :5-6)

Reencontrar a Igreja Quadrangular e os pastores - também foi uma experiência à parte. Ainda que a maioria deles, aderindo a opinião do pastor e esposa, preferissem ignorá-la e manter sempre “um pé atrás” com ela, ela sabia a Quem devia satisfações - e Ele já lhe havia perdoado, e sabia que havia pago o preço pelo erro. “Falai ao coração de Jerusalém, bradai-lhe que já é findo o tempo da sua malícia, que já a sua iniquidade está perdoada, e que já recebeu em dobro das mãos do Senhor pelo seu pecado.” (Isaías 40:2) Portanto, seguiria firme na Igreja, ainda que não tivesse muitos amigos, era a melhor resposta que tinha a dar aqueles que não criam no seu objetivo de servir ao Senhor. A cada culto, lá estava ela, alimentando-se da Palavra, pela boca de um líder que a desprezava, e que se desviava dela ao término do culto, para não precisar cumprimentá-la. Apesar disso, ela sabia separar bem as coisas, e conseguia absorver coisas boas das reuniões.

Via outros jovens recém chegados tendo oportunidades de pregar, ou participar do louvor. Para ela, entretanto, não havia portas ministeriais na obra dirigida por aquele casal. Como o profeta Jeremias, suportava então o jugo de sua mocidade, assentando-se solitária e ficando em silêncio. Entrava e saía culto a culto parecendo invisível na maior parte das vezes. O que eles

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não sabiam é que aquele pastor, envolvido num escândalo, teria que ser transferido de Igreja. Que no ministério seguinte ao dele, ela seria muito honrada, pregando, cantando e dirigindo com muito êxito o grupo de crianças, que crescia em demasia. Seu ministério com as crianças era conhecido em toda cidade, causando grande repercussão. Isso também era promessa de Deus. Quantas vezes voltou chorando dos cultos pela solidão que sentia ali e Deus lhe dizia: “Levanta os olhos e vê, todos estes se ajuntam e vem ter contigo; teus filhos e tuas filhas são trazidos nos braços, e tão certo como eu vivo - diz o Senhor - que de todos estes te vestirás como uma noiva...e tu te perguntarás: quem me gerou estes? Eu estava desfilhada, e estéril, estes de onde vieram? Fui deixada sozinha, estes onde estavam?” (Isaías 49:18-21) A Palavra de Deus sempre se cumpre. No ministério do novo pastor, quando pisava os pés no portão da Igreja, lá vinham suas crianças, cerca de 40, abraçá-la, beijá-la, brigando para sentar-se perto dela no culto. Foram estes seus primeiros filhos espirituais. “ELES DIRÃO: VÁ MAIS PARA LÁ, PORQUE ESTE LUGAR ME É ESTREITO...” (ISAÍAS 49:20)

Este último trecho citado acima, não se cumpriu imediatamente após a sua volta, mas sim cerca de três anos depois. Neste momento da história, nossa personagem ainda era a recém chegada de um tratamento com Deus. Tudo o que aconteceu em Maringá foi muito importante para ela, invisível aos olhos das pessoas, mas marca profunda dentro dela. Só havia um problema: ainda amava aquele rapaz, ainda o queria... e movida por este sentimento, apenas uma semana depois de sua volta, após um culto de quinta-feira, subiu pela avenida principal em direção a entrada da cidade. Ali ele tinha um bar. Subia aquela avenida

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com o coração ansioso, precisava reencontrá-lo. Não via outra pessoa com quem pudesse se casar e ter filhos - de acordo com a profecia - senão com ele. Ainda não enxergava com clareza todos os sentidos da revelação. Apenas sabia que não poderia cair em pecado de prostituição outra vez.

Chegou à porta do bar e imaginou que ele correria para abraçá-la. Ao invés disso, ele continuou atendendo seus clientes por um tempo, e só depois veio recebê-la. Mostrou admiração pela beleza dela, disse que estava linda como sempre, até mais bonita que antes. “Ah se ele me visse em Maringá, inexplicavelmente desfigurada, com os cabelos caindo, e tudo mais...”, pensou ela. Em seguida, com um ar irônico lhe disse : E aí, namorou muito lá?

Uma profunda irritação, e um sentimento de ofensa inundou o coração dela. Depois de tudo que passara... depois de tanto se humilhar perante seu Deus, por um pecado que cometeram juntos, depois do preço que pagou pela reconciliação, ele a reputava por leviana! Olhava para ele, e percebia que ela não lhe faltava durante os três meses. Na verdade, encontrou na gaveta da irmã uma foto dele entre amigos, que havia sido tirada recentemente, sorrindo, com seu bom e velho copo de cerveja nas mãos. Olhou na calçada do bar e no lugar da Belina, que tantas vezes em Maringá ao ver uma semelhante, pensava ser ele, havia um Monza, pérola, muito bonito, por sinal. Sua inteligência e perspicácia, já não a permitia se deixar enganar. Como foi tola! Como se iludia! Como – agora - ele se enganava com ela! Logo se despediram, como dois estranhos. Ela desceu a avenida de volta, chorando, um choro de raiva. Sentou-se no

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banco da praça, e ali prometeu algo ao Senhor, consciente de que ainda o queria, apesar de tudo, e que não seria muito fácil cumprir aquela promessa. Lembrava-se bem do que esta escrito no Livro de Eclesiastes, Cap. 5:4-6. “Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos; o que votares, paga-o. Melhor é que não votes do que votares e não cumprires.

Não consintas que a tua boca faça pecar a tua carne, nem digas diante do anjo que foi erro; por que razão se iraria Deus contra a tua voz, e destruiria a obra das tuas mãos?” Mesmo assim, fortalecida pela raiva que sentia dele e de si mesma por ter se iludido tanto, votou ao Senhor dizendo:

Se consegui sobreviver por três meses sem ele lá em Maringá, também conseguirei aqui. Durante três meses, mesmo que ele me procure, não ficarei com ele.”

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Capítulo 16

NUNCA MAIS PASSARÁ POR TI INCIRCUNCISO OU IMUNDO

Não se passou nem uma semana, e lá estava ele à procura dela. Parou o carro na rua, convidou-a para sair à noite, e grande foi a surpresa dele quando pela primeira vez, desde que se conheceram, a resposta dela foi não.

Um pouco aflita por dentro, até que disfarçou bem. Não foi esnobe, mas deu a atender que não estava mais disposta a se machucar, e ele foi embora confuso e sem graça. Num outro dia chegou, e mais uma vez, ele a cercou e pediu para ficarem juntos. E outra vez a resposta dela foi não. Começava a achar divertido poder decidir, poder escolher, poder rejeitar também, depois de tantas vezes ser rejeitada.

Sem entender nada, e sabendo que ainda mexia com os sentimentos dela, vez após vez ele tentou convencê-la. Durante aqueles três meses, foram onze vezes ao todo, e a cada “não” que conseguia dizer a ele, mais forte se sentia, mais digna, mais orgulhosa de si mesma. Estava finalmente no controle da situação. Não deixara de sonhar com ele, de relembrar os bons

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momentos juntos, de pensar que por toda a vida só conseguiria amar a ele, e mais ninguém. Não deixara de orar pela sua conversão, afinal, agora tinha crédito com Deus, pois estava em obediência. Também não conseguia parar de sofrer ao vê-lo passar com outras garotas, ou ficar sabendo, por acaso, com quem ele estava ficando. Tinha calafrios só de ouvir o nome dele na boca de outras moças na escola, principalmente, moças estas que não sabiam da história que tiveram juntos. Se esforçava para não sentir raiva delas, e manter o sangue frio, pois sempre achou muito vulgar brigar pelo amor de um homem. E aquele homem, ela sabia, não amava ninguém, nem ela, nem outras. Por isso, às vezes, também tinha pena delas, pois via que estavam iludidas . Começou a ter cuidados extremos com a aparência: queria mostrar a ele o que estava perdendo. Começou a emagrecer, pois não se alimentava. Às vezes passava três dias sem comer (só tomando líquidos, outras vezes fazia uma única refeição por dia, e, quando comia, tomava laxantes para nada parar em seu estômago. Sim, ela tinha sintomas muitos parecidos com os da bulimia, justamente por causa dos laxantes, e da anorexia, pelos dias em que passava sem comer.

Assim, por caminhos tortos atingia seu objetivo: tornarase a moça mais bonita e refinada que podia ser e com certeza a que mais se destacava entre as que ele conhecia. Mas já era tarde para ele... ela não estava mais ao seu alcance. Quando terminava três meses de voto, renovava mais três e assim, por obrigação e temor, conseguia manter distância. O momento mais difícil para ela foi quando ele lhe disse: “Hoje eu vou buscar você na escola. Estarei lá te esperando quando você sair!”

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Ela ainda retrucou:

Não vá. Eu não quero que vá!

Mas ele disse sorrindo, e consciente da tensão que causava a ela que iria assim mesmo.

Naquele dia ela orou a tarde toda, pedindo que Deus a fortalecesse, pois conhecia bem suas fraquezas. A resposta que Deus lhe deu em oração foi esse versículo: “Preparado está o meu coração, oh Deus. Preparado está o meu coração!” (Salmo 57:7)

Foi para a escola. Sentia aquele frio subindo e descendo no estômago. Não se concentrou na aula, ficava pensando no que dizer, no que fazer quando ele se aproximasse. O sinal bateu. Desceu as escadas, viu-o conversando com algumas moças. Teve raiva; mas antes que terminasse a volta no quarteirão entre a escola e sua casa, ele surgiu. Lindo como nunca a seus olhos: extremamente perfumado, com os braços fortes aparentes na regata branca que usava, desmanchando-se, visivelmente ansioso para estar com ela. Ofereceu carona, ela disse que nunca mais estaria com ele a sós em um carro. Ele prometeu não fazer nada que ela não quisesse; ela então aceitou. Conversaram, e ela procurou aparentar frieza. Na esquina de casa, para se despedir, chegou muito próximo aos seus lábios e perguntou se podia beijá-la. Tudo o que ela queria era aquele beijo. Podia sentir o seu hálito. Quase se inclinou para frente, aceitando e desejando aqueles braços envolvendo-a... mas Alguém lhe soprara aos ouvidos o voto e a Palavra: “Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos; o que votares, paga-o.” Mesmo com ele tão perto, conseguiu dizer-lhe: “NÃO!”

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ção.

Sim, agora sabia que preparado estava o seu cora-

“Desperta, desperta, veste-te da tua fortaleza, ó Sião; veste-te das tuas roupas formosas, ó Jerusalém, cidade santa, porque nunca mais entrará em ti nem incircunciso nem imundo.” (Isaías 52:1)

E assim foi se passando o tempo, até que se viu totalmente distante dele. Por mais atraído que se sentia por ela, especialmente agora, por ela se mostrar uma moça de valor e muito mais bonita que antes, cobiçada por seus amigos e por outros rapazes, assumir um compromisso sério, converter-se ao evangelho, que ele sabia, era a condição para aquele relacionamento dar certo, e manter um namoro sem relações sexuais, era um preço alto demais para ele, um preço que não estava disposto a pagar. Ela, por sua vez, adquirira muito temor devido aos terremotos que enfrentara por aquela paixão. Quase dois anos depois, as palavras do profeta Edimilsom ainda ecoavam em sua mente, sabia que não podia mais pecar naquele departamento. Tudo o que havia passado... os nove meses sem rumo... que pesadelo! Às vezes em que foi humilhada consciente ou inconscientemente por ele, que a trocava por outras, e o quanto isso a diminuía e a fazia sentir-se inferior, defeituosa, complexada.

Conservou e sustentou por longo período aquele amor guardado em seu âmago. Orou muito, muito mesmo pela conversão dele, escreveu-lhe cartas falando de Jesus. Jejuou sobre elas e orou muitas vezes antes de entregá-las. Argumentou com Deus de todas as maneiras, e com todas as palavras que conhecia, pela salvação daquele moço, mas Deus começou a repetirlhe e conscientizá-la desse versículo: “Queríamos curar Babilô-

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nia, porém ela não sarou; deixai-a, e vamo-nos cada um para a sua terra” (Jeremias 51:9)

Era óbvio que, por mais que ela desejasse que ele fosse salvo, ele precisava querer, ele precisa desejar uma nova vida, longe dos vícios, dos prazeres mundanos e da promiscuidade. Ela o quis curado, talvez até Deus tenha desejado isso, pois a palavra diz: “Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Deus; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?” (Ezequiel 18:23)

mas ele não quis, estava muito confortável na vida que levava. Às vezes demonstrava alguma admiração por nossa personagem, mas às vezes a impressão que ela tinha é de que ele achava a vida dela muito sem graça. Cada qual fez suas escolhas, havia um abismo entre eles praticamente intransponível.

Na Bíblia, conheço apenas uma história de êxito onde alguém se converteu após se envolver com um servo de Deus. Rute foi aquela que mesmo não pertencendo ao povo de Israel, casando-se com um israelita, ainda depois que ele morreu, continuou reconhecendo que o Senhor era Deus superior aos deuses dos povos gentios. Foi o que ela disse para sua sogra Noemi “O TEU POVO É O MEU POVO, O TEU DEUS É O MEU DEUS.” (Rute1:16)

Creio que, mesmo em nossos dias, assim como aconteceu com Rute, encontraremos casais abençoadíssimos, que sendo apenas um deles cristão, conseguiu atrair o outro para uma vida de fé. Glórias a Deus por isso. Mas na grande maioria, infelizmente, e principalmente em se tratando das mulheres, o que mais vejo acontecer, são estes casamentos entre crente e incrédulo, separar tal cristão da comunhão com o seu Deus e trazer ruína,

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como foi o caso de Sansão, Salomão e de muitos Israelitas que, casando-se com estrangeiras, aderiram aos costumes desaprovados por Deus. Muitos, hoje, mesmo conhecedores da Palavra, por amor ao cônjuge retornam à idolatria, ou mesmo sem frequentar nenhuma outra religião, abandonam a Obra. O caminho quase sempre torna-se mais difícil, espinhoso e decepcionante, pois é justamente o Mestre abandonado quem pode transformar o desgaste comum dos casamentos, que assemelha-se a água inodora e sem sabor -, ao melhor vinho - cheio de cor, sabor e alegria, tal qual o primeiro milagre feito por Jesus quando saiu para o ministério, justamente num casamento...

Deus não deseja impedir ninguém de viver um grande amor, porque Ele mesmo é apaixonado pela família, mas certamente Ele não aceita estar em outro lugar em nossas vidas, que não seja o primeiro. É engano dizer que amamos a Deus sobre todas as coisas e deixarmos nossa fé ser sufocada por causa de um companheiro incrédulo. Certa vez, alguém escreveu “Se não pode dar a Deus seu coração, então não dê nada a Ele”, e eu particularmente concordo veementemente com esta frase. O mundo nos ensina a ser românticos, a viver uma paixão quando ela chega, a qualquer preço, mas Deus exige uma escolha, não porque não nos permite as alegrias do relacionamento, do amor e da paixão, mas porque deseja saber se antes destas paixões está nosso amor a Ele, o primeiro mandamento escrito nas tábuas da lei por Moisés, AMOR ACIMA DE TODAS AS COISAS. A única certeza que tenho, é que todas as vezes que Deus exigiu a um servo seu que lhe entregasse aquilo que lhe era mais precioso, provando amor a Ele, lhe devolveu multiplicado, E LHE FOI FIEL, algo que nem todos os homens conseguem ser em seus relacionamentos.

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Bem, penso que existem pessoas já casadas, que vivem com alguém que não comunga da mesma fé, lendo este livro neste momento, e jamais gostaria de entristecê-los. Como essa situação é antiga, apenas deixo para estes o mesmo conselho do apóstolo Paulo: “Mas aos outros digo eu, não o Senhor: Se algum irmão tem mulher incrédula, e ela consente em habitar com ele, não se separe dela. E se alguma mulher tem marido incrédulo, e ele consente em habitar com ela, não se separe dele. Porque o marido incrédulo é santificado pela mulher, e a mulher incrédula é santificada pelo marido crente; de outro modo, os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos.”

Você, marido ou esposa, que ama seu cônjuge, embora ele ou ela não creia em Jesus como único e suficiente Senhor e Salvador, procure viver ainda para Deus, trazendo para o seio de sua família a graça e a benção que está sobre os justificados por Ele, só não se deixe vencer pelo mal, antes vença o mal com o bem. Nossa personagem, na sua sobriedade cristã, começava a reprovar aquele que tanto amou; suas atitudes, diferentes de outrora, já não lhe eram tão atraentes, mas banais. Seus assuntos, tolos. Sua aparência, não tão bela quanto antes. Dos seus beijos, já quase não lembrava como eram. Seu cheiro se evaporou no tempo. Suas lisonjas, não lhe iludiam mais. O amor se esfriou pela falta de alimento, até morrer. O que ficou, foi um coração es-

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vaziado, destronara o último dos ídolos que cultuou. Não entronara ninguém em seu lugar, descobriu finalmente, que homens não merecem adoração. “Que é melhor confiar no Senhor, do que confiar nos homens. É melhor confiar no Senhor, do que confiar em príncipes.” (Salmo 118:8-9) “Assim diz o Senhor: Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!

Porque será como a tamargueira no deserto, e não verá quando vem o bem; antes morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável. Bendito o homem que confia no Senhor, e cuja esperança é o Senhor.

Porque será como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro, e não receia quando vem o calor, mas sua folha fica verde; e no ano da sequidão não se afadiga, nem deixa de dar fruto.

Enganoso é o coração mais do que todas as coisas, quem o conhecerá? Eu, o Senhor, o esquadrinho, isso para dar a cada um segundo os seus caminhos, segundo o fruto das suas ações.” (Ezequiel 17:5-10)

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Capítulo 17

NÃO DESPERTE O AMOR ATÉ QUE ELE O QUEIRA

Outra vez agora, como alguns anos atrás, era somente ela e Deus no caminho. Dessa vez com alguns diferenciais: mais madura, experiente e consciente do que nunca de que tinha um Dono, de que Era Dele. Sua vida só fazia sentido com a Sua presença, mesmo em meio a dissabores, pois se pudesse sentir seu olhar de agrado sobre ela, qualquer dor era suportável. Nesta época, aceitou namorar um moço que frequentava a Igreja, e se batizara havia pouco tempo, mas o namoro pouco durou, nem mesmo um mês. Ela não conseguiu corresponder à dedicação do rapaz, por mais atencioso que ela fosse. Ela estava bem com Deus, mas sentia um enorme vazio dentro do coração pela primeira vez. Por algum tempo, perdera o dom de sonhar com um grande amor, ou de se abrir para um relacionamento. Sentia-se fria quando se tratava deste assunto, e temia sentir-se assim para sempre.

Afinal, onde estava esse amor? De onde surgiria um homem capaz de carregar junto com ela o peso de uma vida que não lhe pertencia? Uma vida inteiramente à disposição do Mestre? Um homem, para ficar em segundo lugar entre suas prioridades, pois a primeira era Deus?

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Os rapazes na escola paqueravam-na, pediam-na em namoro, mas ela sempre pensava que o dialeto dos Céus que aprendeu a falar, os rios de Deus nos quais estava mergulhada, eles jamais entenderiam. Olhavam para ela é só enxergavam-na como uma moça de 19 anos, de ótima reputação e agradável aos olhos. No entanto, não sabiam que a base disso tudo era a unção. Não conheciam os altares de adoração que erigia a seu Deus, responsáveis pelo brilho que dela resplandecia. Perguntavamlhe porque não namorava, ou não ficava com ninguém, e ela respondia sempre que era comprometida com o J.C (abreviação de Jesus Cristo), ou com o “HÁ-DE-VIR”. Uma solidão enorme entre as idas e vindas do culto. Um cansaço muito grande pela poeira pesando-lhe os pés, trazidas de todo caminho e desertos que atravessara. A necessidade física de ser tocada que não foi embora junto com o último amor, e por causa dela, uma oração às vezes raivosa: “Me destes desejos Senhor, mas não me destes condições de supri-los!”...Como dizem alguns, tinha pressa, como o autor do Salmo 70. Não citava mais nomes em suas orações por um cônjuge, apenas pedia alguém que tivesse um grande amor, maior que o dela, pois assim estaria segura. Leu em um Livro uma vez:“quando amamos alguém damos a este alguém o poder de nos magoar e ferir como ninguém mais o pode fazer”. Queria dessa vez amar menos e ser mais amada. Em algum lugar, nesta mesma época, um rapaz orava, e pedia ao Senhor uma esposa que antes de mais nada, fosse uma serva fiel a Deus, e prometia a Deus que quando Ele lhe entregasse essa esposa, cuidaria bem dela, a fim de jamais perdê-la. Nossa personagem, em um dos cultos na Igreja Quadran-

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gular, ouviu o testemunho de uma missionária que visitava a cidade. Ela falava sobre sua vida sentimental. Contava que quando pediu que Deus lhe mostrasse o homem de sua vida lhe desse um sinal: “O homem que for o teu escolhido para mim Senhor, deve já no primeiro dia, me pedir em casamento, e não em namoro.”- e foi assim que aconteceu. Nossa personagem, perplexa, e um pouco cética, disse para o Senhor, ali mesmo dentro da Igreja, no banco, em voz baixa: “Em tempos de “ficação”, seria isso possível? Mas se for verdade, se isto aconteceu com ela... eu também quero!”

Penso eu que Deus percebeu a melancolia dela. Sondou seu coração e viu não haver mais motivos para reter-lhe a bênção na área sentimental, pela qual ela ansiou desde a pré- adolescência. Não havia mais ídolo algum ali, ninguém capaz de separá-la de Seu amor, ninguém a quem ela priorizasse mais do que a Ele. Ninguém para colocar acima do Seu chamado. O amor já podia ser despertado. É possível, que a tenha visto em algum momento de abatimento, mesmo assim dando graças por pertencer a Ele. Abrindo mão de suas próprias carências afetivas e físicas, por amor Dele, e neste momento tenha pensado em relação a nossa personagem, algo semelhante ao que pensou a respeito de Adão quando o viu solitário, andando pelo lindo jardim do Éden: “Não é bom que fique só. Dar-lhe-ei alguém para auxílio.” Ela estava completando 20 anos. A mãe, para sua agradável surpresa, decidiu espontaneamente fazer-lhe uma festa, convidando os jovens da Igreja.

Na área familiar houve curas, aprendeu na Bíblia, com o exemplo de José do Egito, que perdoou os irmãos que lhe venderam, que o perdão é a opção natural dos verdadeiros servos

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de Deus, principalmente quando se trata da família, afinal, os laços de sangue são eternos. Ponderava também o fato de que a vida da mãe jamais foi fácil. Também se dedicou a amores errados por duas vezes. A primeira ao se casar com o pai de nossa personagem, ter com ele as duas filhas e depois ser abandonada sozinha com as meninas na capital de São Paulo, sem dinheiro algum. A mãe foi uma heroína, desdobrando-se para criá-las . A segunda ao envolver-se com o padrasto, gastar-se por treze anos naquela união, mesmo diante dos gravíssimos defeitos que ele tinha, e agora ser outra vez abandonada. Ele acabava de sair de casa, por causa de outra mulher.

A infância da mãe de nossa personagem também não foi fácil, numa família pobre e de muitos filhos. Sim, era mãe, e vemos todas as mães como um ser superior, perfeito, cujo amor nunca falha. No entanto, as mães também têm suas histórias para contar, e muitas delas são amargas e refletem na criação de seus filhos. As mães também têm suas limitações em demonstrar amor. Deus lhe revelou ao coração estas ponderações, e sabendo ela ser Ele um Deus de perdão, entendeu que como foi perdoada, e compreendida, era agora sua vez de compreender e perdoar. O projeto de Deus para a família, mesmo diante de traumas graves, nunca mudou, Ele ainda deseja converter os corações dos pais aos filhos e dos filhos aos pais: “E ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição.” (Malaquias 4:6)

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Depois da saída do padrasto de casa, e apesar da aflição que causava o visível sofrimento de sua mãe, era impossível não notar que o ar estava mais leve e todos se expressavam com mais liberdade. Era feliz a sensação no coração de nossa personagem ao ver a mãe se preocupando em realizar uma festa em sua homenagem, e abrir as portas da casa para que ela convidasse todos os jovens da Igreja: uma outra área delicada, mais relacionamentos que ela tinha que trabalhar dia a dia. Recebeu os irmãos da Igreja, com muita alegria. Pastor Marcos, que não era seu pastor, mas um grande amigo que havia conhecido das vigílias que frequentava, orou por ela após os parabéns. Sentia-se muito especial naquele aniversário. A última vez que teve uma festa foi naquela quando completou treze anos, na companhia do pai, da madrasta e dos irmãos da Nikkey. Que saudades daqueles tempos! Essa nova data trouxe-lhe à lembrança aquelas imagens. Estava grata ao Senhor, por tudo que lhe proporcionara! O PRIMEIRO SINAL No dia seguinte a festa, a mãe chamou-lhe a atenção sobre um dos moços que estivera presente. Seu nome era Alex. - Filha, um moço tão lindo como aquele na sua Igreja e você aí, sozinha, dando bobeira? Em outro lugar da cidade, o pai de Alex já lhe havia dito:

- Filho, porque você não namora aquela moça tão bonitinha que às vezes canta lá na sua Igreja? A resposta dela para a mãe foi:

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- Ah mãe, você pensa que é assim? É preciso gostar pra namorar... A resposta dele para o pai foi:

- Ah pai! Aquela menina é muito metida!

Como narradora da história, chamo este de o “primeiro sinal”. A aprovação dos pais é muito importante perante Deus para um relacionamento a dois. Os pais, aqui na terra são suprema autoridade sobre os filhos, e têm o poder de abençoá-los ou amaldiçoá-los. Também influenciam nas decisões, e mesmo com as respectivas respostas que os dois deram, as palavras da mãe da moça, e do pai do rapaz, ficaram ecoando em ambas as mentes. O SEGUNDO SINAL Nas vigílias realizadas pelo pastor Marcos, ela estava sempre presente. Passavam a noite inteira em oração num monte perto de Catanduva, e era maravilhoso. Alex também ia, e apesar de tão jovem, tinha um comportamento que se destacava entre os outros rapazes da Igreja. Mesmo solteiro, participava do diaconato, e era um ótimo auxiliar. Nas vigílias, era também um dos principais oradores, sempre com um jeito simples, discreto, porém compenetrado e consciente da importância daquelas reuniões espirituais.

Em certa ocasião, Pastor Marcos, como era habitual, fez um círculo de oração. Nestas orações sempre colocava, de acordo com as instruções do Espírito, alguém no meio do círculo e orava com imposição de mãos. Era vez dela. No meio do círculo, ele lhe impôs as mãos, e começou a orar. A certa altura, a ora-

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ção cresceu, e nesse instante, buscou Alex, colocou-o também no meio do círculo, uniu as mãos dele às dela, e orou em línguas pelos dois.

Ninguém entendeu o que significava aquilo, nem mesmo eles. Sem rodeios ela perguntou ao pastor o que Deus havia mostrado. O pastor disse: - Eu não sei o que, mas Deus tem uma obra muito grande a realizar através de vocês dois.

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dia em que a missionária testemunhou sobre seu marido.

“Em tempos de “ficação” seria isso possível? Mas se for, eu também quero!”. Era óbvio, o amor chegou para ela! Ele não havia lhe pedido em casamento com todas as letras, mas dizerlhe que queria constituir uma família a seu lado, era quase isso. Dessa maneira, aceitou o pedido.

O TERCEIRO SINAL Passou pouco mais de dois meses. Era dia das mães, e ela trabalhou o dia todo na loja de 1,99. No fim da tarde, foi buscar uma bota que pedira de presente, em recompensa pelos esforços. Quando voltou, um rapaz esperava-lhe na porta da loja, para conversar. Era Alex. Juntos, foram caminhando em direção à casa dela. Ele lhe pedia em namoro.

Tinha dúvidas. Estava confusa. Queria sim um namorado. Queria muito, mas não sabia se era ele o homem que Deus havia lhe preparado. Tinha medo de começar um relacionamento para mais tarde ter o trabalho de terminar. Evitava isso, pois entendia que em um relacionamento que não dá certo sempre sobram mágoas e ressentimentos de um dos lados. De repente, ele lhe disse;

Quero namorar com você, mas não apenas por namorar, quero constituir família ao teu lado!

Imediatamente ela se lembrou do que pedira a Deus no

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No primeiro dia em que Alex foi buscá-la pontualmente às cinco da tarde, na loja da mãe, a sensação dela foi frenética! Ao vê-lo parado na porta, tão lindo à sua espera, correu para abraçá-lo. Nem mesmo ela conseguiria explicar a alegria que sentia. Dentro do carro, enquanto ele dirigia, observava-o e via-o perfeito em cada detalhe: mãos, seus lindos olhos verdes, seu rosto, comportamento... parecia que ele era o conjunto exato de cada qualidade que um dia a atraíra para cada um dos rapazes que amou. O melhor de cada um deles em um só, e ainda por cima ele era um servo de Deus. Chegou em casa, e ao entrar no banheiro

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e olhar-se no espelho, disse para si mesma: “Ele é lindo, e é meu! Meu namorado! Inteiramente meu! Então entendeu finalmente o versículo em Cantares que diz: “Não despertes o amor até que ele o queira.”

Havia passado mais de três anos, frequentando a mesma Igreja, encontrando-se nos cultos, e nunca tiveram olhos um para o outro! Agora, porém, sentiam o amor, calmo e sereno, nascendo dentro do peito. E o melhor de tudo: esse amor era mútuo e um correspondia o outro. Ela estava feliz, e esta felicidade aumentava a medida que se percebia segura. Cada vez que oravam juntos, que iam à Igreja juntos, que jejuavam juntos, que andavam publicamente de mãos dadas, assumindo um ao outro, sendo aprovados como casal por todos os olhares. Se sentia segura nos momentos de quietude, quando apenas se abraçavam e cochilavam na varanda, às vezes ela acordava ali e percebia que não era mais uma pessoa sozinha. Sentia-se segura, porque ele ia embora para sua casa no fim da noite, mas sempre voltava no dia seguinte... não fugia dela, não a esquecia, fazia-se presente.

Em dois meses de namoro, deu-lhe uma aliança de noivado. Em oito meses, estavam se casando. Era dia 26 de Janeiro de 2001, um dia antes dela completar 21 anos. Escolheram se casar a se abrasar, de acordo com as instruções do apóstolo Paulo, pois não podiam perder a comunhão com o Senhor, e porque, para cristãos ou não, a carne não dá tréguas. Oito anos depois, estou aqui, contando para você, leitor desse livro, meu testemunho. Muitas vezes chorei, enquanto escrevia relembrando de cada deserto, mas, por fim, descobri o quanto Deus se mostrou fiel e que cada etapa foi necessária.

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Hoje temos um filho de 5 anos, que se chama Gabriel Asafe. Gabriel, porque significa Deus é Poderoso, Asafe, porque foi este regente de louvor e compositor de Salmos nos tempos do rei Davi, e por minha admiração ao ministério de Asafh Borba.

Alex e eu somos um casal comum, e enfrentamos lutas em diversas áreas comuns a qualquer casal. Isto inclui alguns desentendimentos às vezes. E essa é a continuação da vida real, muito diferente de todos os contos de fadas que terminam com o famoso “e viveram felizes para sempre”. E é essa a escola do cristão, para que haja por parte de Deus aprovação e fortalecimento. Ainda em meio as provas, estou segura em dizer que nos amamos muito mais do que quando nos casamos, porque somos um cordão de três dobras, cuja dobra principal é Jesus. Cada ano amadurecemos mais como casal, enriquecemos como família, e aprendemos a ser mais generosos e menos egoístas em toda forma de amar. Desde então, todos os dias ininterruptamente, tenho a graça de ser acarinhada, elogiada e chamada de “minha princesa” a cada manhã. Tenho a graça de sorrir e desfrutar de bons momentos com minha família e caminhar com ela na Presença do Senhor. Cada vez que me lembro dos tempos de solidão louvo a Deus por Sua Fidelidade e por tamanho tesouro que ele confiou a mim: meu filho e meu marido. Nos olhos deles sempre encontro amor e admiração O Senhor nos tem levantado no ministério, e começa a cumprir neste tempo a promessa de uma grande obra a ser realizada através de nós dois. Não duvido que Ele fará muito mais. Somos testemunhas de seus pequenos e grandes milagres no nosso dia a dia, o que nos deixa maravilhados, e nos faz ter a certeza de que a melhor coisa do mundo é viver para Ele. Depois de vermos Suas mãos dirigindo cada passo nosso, não ousamos

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duvidar, como fez muitas vezes o povo de Israel no deserto, que elas estão constantemente sobre nós e que o próximo milagre é Poderoso e fiel para se realizar.

Meu relacionamento com minha família não poderia estar melhor. Apesar de lamentar o falecimento do meu pai, de quem me recordo fielmente todos os dias e sinto saudades, a família cresceu com a chegada dos cunhados, sogro, sogra e crianças. E O TEMPO curou e melhorou os relacionamentos. Sei que irão existir jovens lendo minha história, ressentidos com seus pais ou demais familiares. A estes jovens, deixo com este testemunho a certeza em Cristo, de que tudo passará, e das feridas de agora, nem cicatrizes ficarão, a menos que você faça questão de cultivá-las.

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cendência para Deus. Portanto guardai-vos em vosso espírito, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque o SENHOR, o Deus de Israel diz que odeia o repúdio, e aquele que encobre a violência com a sua roupa, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto guardaivos em vosso espírito, e não sejais desleais.” (Malaquias, 2:15-16)

Que Deus abençoe seu lar, seus sonhos sentimentais...e que acima de todas as coisas você guarde o teu coração, porque dele procedem os caminhos da vida.

Este livro nasceu do coração de Deus, afim de que você, que o lê nesse instante, possa se enxergar em um ou vários pontos dessa história e perceber que sempre há um recomeço em Deus, ainda quando falhamos. Entenda que neste exato momento, sua própria história tem sido escrita e revisada nos céus.

Lembre-se que Deus escolheu a família, e quando decidiu não aprovar comunhão entre luz e trevas, foi para que, geração após geração, pudesse abençoar nossos lares. Ele quer uma descendência santa, separada desse mundo mal, homem e mulher com seus filhos cumprindo um grande propósito e sendo testemunhas de Deus nessa terra. Fidelidade e caráter transformados e moldados no padrão de Deus são essenciais para isso, conforme narrados neste trecho de Malaquias: “E não fez ele somente um, ainda que lhe sobrava o espírito? E por que somente um? Ele buscava uma des-

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Senhor, Todos os meus sonhos, os meus planos e propósitos estejam sujeitos a Ti e a tua vontade.

Sou tua desde a minha mocidade. Cedo me chamaste para fazer de mim jardim fechado, regado e cuidado pelo teu Espírito. Que assim seja todos os dias da minha vida. Toma-me hoje, Senhor, mais uma vez. Toma-me, envolve-me, apaixona-me. Seja selo em meu coração, e seja selo em meus braços, pois teu amor é forte como a morte, e duro como a sepultura o teu ciúmes. As muitas águas não poderiam apagar este amor, nem os rios afogá-lo. Ainda que alguém desse todos os seus bens em troca dele, seria desprezado. ALESSANDRA C. BARCELOS DE SOUSA


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