Repertorio

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Repertรณrio Coletivo Alfenim

BREVIDADES

O DEUS DA FORTUNA

MILAGRE BRASILEIRO

QUEBRA-QUILOS



apresenta

Figurações Brasileiras

alfenim

COLETIVO DE TEATRO



A pesquisa, o resgate da memória e a montagem dos quatro espetáculos que compõem o projeto Figurações Brasileiras reúnem alguns dos fundamentos da política cultural da Petrobras. Para nós, a experimentação que é viabilizada a partir deste estudo marca a inovação do Coletivo Alfenim. E a inovação é marca da Petrobras nestes 60 anos que se completam em 2013. Valorizar a cultura nacional também está entre os nossos objetivos, e Brevidades, O Deus da Fortuna, Milagre Brasileiro e Quebra-Quilos tratam essencialmente do espírito brasileiro. A grande história reunida na trajetória do Coletivo aborda a formação do caráter da nossa sociedade. Os quatro espetáculos reunidos dão uma mostra rica de como se formam os traços culturais e comportamentais do brasileiro, através, dentre outros enfoques, das contradições do país. O espetáculo que virá a seguir, a princípio chamado Memórias de um Cão, será a consolidação da pesquisa, como síntese do que foi produzido desde 2007. Assim, conhecendo o passado para fazer um futuro por caminhos diferentes, a Petrobras se identifica com a criatividade do Coletivo Alfenim. A proposta inovadora foi o que nos levou a acreditar no projeto e apoiar o Figurações Brasileiras, que é, ao fim, um grande retrato do Brasil.


O Coletivo Alfenim e a teia de relações em que estamos todos kil abreu

O paraibano Coletivo de Teatro Alfenim está entre os grupos brasileiros que têm reinventado a tradição do teatro político na perspectiva de uma abordagem frontal da realidade. A tarefa compra por si uma briga em várias frentes, que têm a ver com os temas eleitos, a perspectiva de pensamento posta e o resultado estético esperado para dar conta dela. A mais visível entre estas frentes é, sem dúvida, a da legitimidade de uma cena social, de face materialista, em uma época de despolitização do fazer artístico. A segunda, derivada desta, é a afirmação da cena nos campos da vida em coletivo e, portanto, fora dos terrenos em que o político tem sido muitas vezes negociado nas temporadas recentes, qual seja: pelo seu avesso, na chave de micro-políticas, como as de gênero, raça, sexualidade etc. Uma terceira frente é a da fatura estética propriamente dita, em que o grupo segue experimentando e descobrindo as relações possíveis entre assunto e forma, tomando como paradigma certos instrumentos inspirados na tradição do teatro crítico, mas repostos segundo a necessidade de um contexto histórico específico, o nosso mesmo, atual. Quanto a esta atualidade o que de imediato é mais perceptível na criação do Alfenim até aqui é o gosto por buscá-la não através da tematização direta das questões do dia; mas, por via indireta, olhando para trás, para o passado histórico, recuperado como candeeiro a


tentar iluminar a noite confusa dos tempos que correm. Junto a este artifício irmanam-se outros dois dispositivos importantes: o fragmento e a memória, recorrentes em todos os espetáculos e que por assim dizer constituem a um só tempo os instrumentos de trabalho e a ossatura com que as narrativas são levantadas, na sua dupla função de visitar o que foi para olhar com maior repertório o que está sendo. É um teatro, então, que ao representar uma revolta popular ocorrida no século XIX ou a ditadura militar brasileira não tem nenhum interesse na História como registro, como acontecimento, mas, dialeticamente, como puro movimento. O princípio do político no Alfenim não está, pois, refém dos seus temas, tomados em si, mas na própria engrenagem que faz mover este jogo com a História: o trabalho de interpretação do real intui no plano simbólico das formas o trabalho de modificação do real, visto não como o resultado natural do processo, mas como o seu estágio possível, atual, modificável. Nesta perspectiva, Quebra-Quilos (2008) e O Deus da Fortuna (2011), sem dúvida, fazem diálogo efetivo no estudo sobre como as formas que o Capital toma no decorrer do tempo interferem não só nas relações de poder entre classes como também nos sistemas de valores. O primeiro conta sobre duas mulheres em tudo pacificas, migrantes no próprio território – a Paraíba da segunda metade do séc. XIX – indo ao encontro dos indícios da Revolta popular contra o enquadramento feito pelo Estado nos padrões de medidas do comércio na época. O fundo é o confronto entre o homem comum e as dobras, agora renovadas, do sistema econômico. O segundo é a parábola em que um proprietário de terra da China imperial vê, através de uma divindade inventada, o futuro possível dos seus negócios. E este surge, paradoxalmente, como um espetáculo hiperbólico, mas imaterial (o capital especulativo). São montagens que, por contraste, nos mostram a mediação, através do trabalho ou na deliberada ausência dele, da fugidia “natureza” das relações de poder, sob o signo de determinações que parecem exteriores ao sujeito, mas que - nos indicam as encenações - são circunstanciais, não naturais. Assim como em Quebra-Quilos, a violência do Estado volta à pauta em Milagre Brasileiro (2010). A tarefa do grupo é inquirir a ditadura militar a partir de uma difícil proposição formal: a de personificar o desaparecido político. Antígona e Nelson Rodrigues são referências tomadas para o confronto entre Estado e sujeito, em um espetáculo no qual grita o contraste entre a versão autoritária, mas funcional do Capital (o crescimento econômico) e novamente as consequências no plano da vida comum, em que a função se ampara no aniquilamento da diferença, no assassinato oficial.


Histórias de Sem Réis (2010) é narrativa aberta a partir dos relatos de frequentadores do Ponto de Cem Réis, no Centro de João Pessoa. Tomando como pressuposto uma forma cênica em processo, o grupo recolhe histórias de frequentadores do local, negociadas a R$5,00. Tem como um dos eixos uma greve recente de policiais paraibanos, e como ponto de chegada o tema brechtiano das relações entre caráter e contingência, moral e necessidade, iluminado através de perguntas sobre o estado atual de precarização do trabalho e sobre o espaço público como berço da sociabilidade. Aparentemente obra de exceção, o solo Brevidades (2013) tem foco mais específico: o Mal de Alzheimer, na história auto-narrada de uma atriz que já não sabe se está em um teatro ou no hospital. Mesmo aqui, entretanto, por força do tema aqueles artifícios, memória e fragmento, são retomados, agora no ambiente autorreflexivo da vida íntima. E de novo nos chamam para o encontro entre passado e invenção. Entre o lapso – subjetivo, histórico – e a necessidade de reconstituição crítica das narrativas. Tomando de frente uma época confusa, mas com fé na razão, é assim que o Coletivo Alfenim vem organizando o seu projeto artístico. Uma procura estética cuja base necessária é o experimento. São soluções que revisitam intencionadamente os gêneros – do dramático inerente à vida ao alegórico que serve para enxergá-la em contornos mais nítidos. Da parábola cômica e histórica de raiz brechtiana à narrativa íntima, que enxerga de volta o sujeito no seu enlaçamento com a sociedade. É referência que se empresta neste momento à cena brasileira a partir de uma realidade local, mas com coordenada de pensamento muito ambiciosa, que projeta aqueles dramas singulares na teia de relações a que estão atados. Qual seja, a teia da convivência em que, aqui ou ali, estamos todos atados. Kil Abreu é pesquisador, jornalista e membro da Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA.


Figurações Brasileiras márcio marciano Figurações Brasileiras dá sequência à pesquisa em dramaturgia e en-

cenação do Coletivo Alfenim. O título refere-se à tentativa de análise e caracterização dos processos históricos que determinam as contradições da sociabilidade brasileira. Através da figuração de seus agentes, flagrados em atos que revelam sua condição de classe em permanente antagonismo, os espetáculos do Coletivo, vistos agora em repertório, procuram abordar períodos marcantes da História do Brasil, de forma a refletir sobre o processo tortuoso e sempre falhado de formação do sujeito brasileiro. O desejo do Coletivo Alfenim de colocar em perspectiva o trabalho de seus primeiros seis anos de existência (2007 a 2013), através de uma mostra com quatro espetáculos, nasce da exigência metodológica de reavaliar a experiência pregressa como forma de melhor se equipar para o enfrentamento das futuras demandas no âmbito da criação de uma nova dramaturgia. Nessa perspectiva, o Coletivo opta por apresentar ao público sua trajetória em chave invertida, partindo do mais recente espetáculo, Brevidades, de 2013, para seguir em retrospectiva até seu espetáculo de estreia, Quebra-Quilos, de 2008, passando por O Deus da Fortuna, de 2011 e Milagre Brasileiro, de 2010. Para aqueles que acompanham o Coletivo desde sua origem com Quebra-Quilos, o repertório constitui-se como uma possibilidade de revisão crítica de nossas proposições estéticas e políticas, além de


representar uma oportunidade de rememoração de uma experiência tão fugidia como a que o Teatro proporciona. Para os novos espectadores, que não tiveram a oportunidade de acompanhar os trabalhos mais antigos do Coletivo, Figurações Brasileiras se apresenta como um convite ao conhecimento e ao debate de nossas ideias e modos de composição artística. Vistos em sequência, os espetáculos Brevidades, O Deus da Fortuna, Milagre Brasileiro e Quebra-Quilos, descortinam um complexo sistema de dominação de classe, marcado pela prepotência de uma elite econômica que impõe sua visão universalista de mundo por meio do apagamento dos antagonismos, seja através da eliminação sumária e violenta de seus opositores, seja pelas mais abjetas formas de cooptação ideológica ou aliciamento afetivo. Apesar das evidentes diferenças formais que os espetáculos apresentam entre si, o observador atento poderá identificar o mesmo procedimento dialético na composição e desenvolvimento das narrativas, assim como, o mesmo posicionamento crítico em face dos desmandos da elite brasileira, ao mesmo tempo soberba e autoritária em suas relações de classe e subalterna às injunções econômicas e políticas internacionais. O espectador poderá ver também como certas artimanhas de sobrevivência irmanam personagens do passado e do presente, em suas estratégias de confronto com o inimigo de classe, revelando uma atitude popular de franca insubmissão que nos convida a imaginar, sem temor de sermos excessivamente utópicos, a possibilidade de construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O repertório abre com a estreia de Brevidades, um exercício de metalinguagem que utiliza o Mal de Alzheimer como metáfora de um Teatro em decadência, porta-voz de valores esclerosados, identificados a uma classe também decadente. Não deixa, entretanto, de refletir sobre o efeito devastador que a doença provoca tanto em seu portador quanto nas pessoas de seu convívio. O Deus da Fortuna, segundo espetáculo da mostra, reflete em viés cômico o processo de volatilização da economia na periferia do Sistema. É uma parábola de coloração chinesa que narra a história de um proprietário à moda antiga afundado em dívidas. Obrigado a comerciar a própria filha, ele recebe a visita do Deus da Fortuna, divindade da sorte, muito popular na China. Através dos ensinamentos desse deus, o proprietário encontrará meios de incorporar-se aos modos da circulação do capitalismo financeirizado. O terceiro espetáculo do repertório, Milagre Brasileiro, é um experimento cênico que tem como foco o “desaparecido político”. Utilizando o mito de Antígona e referências ao Álbum de Família, de Nel-


son Rodrigues, o espetáculo aborda os “anos de chumbo” da Ditadura Militar e reflete sobre a adesão da classe média ao golpe. Fechando o repertório, o Alfenim reencena Quebra-Quilos, espetáculo de estreia do Coletivo, em 2007. A peça trata das revoltas populares que sacudiram o sertão da Paraíba em fins do século XIX. Os revoltosos se insurgiam de modo desordenado e espontâneo contra o aumento de impostos, o regime escravocrata e os desmandos da classe dirigente. O pretexto era a introdução obrigatória no país do Sistema Métrico Decimal. As manifestações ocorridas recentemente em todo o Brasil dão a dimensão de atualidade do tema. O projeto Figurações Brasileiras tem o patrocínio da Petrobras. Após a apresentação do repertório, o Coletivo Alfenim dedica-se aos estudos da obra de Machado de Assis, com vista à criação de um novo trabalho. Com o nome provisório de Memórias de Um Cão, o espetáculo objetiva sintetizar a experiência deste repertório e apontar para novas inquietações e questionamentos acerca do sujeito brasileiro. O Coletivo Alfenim deseja a todos uma prazerosa e divertida reflexão crítica sobre nossas Figurações Brasileiras.

Márcio Marciano é diretor e dramaturgo do Coletivo de Teatro Alfenim.



BREVIDADES


BREVIDADES - 2013

Mais uma vez, o Coletivo Alfenim faz uso da metalinguagem: traz o teatro para dentro do teatro. Porém, sua opção, de novo, não é a do desvanecimento, da arte pela arte. Recorre ao expediente de Milagre Brasileiro em que se faz a pergunta cruel: se o teatro alhear-se da história, o que lhe resta, narrar a si mesmo? A atriz, em vários momentos, convoca, convida, provoca, dialoga cara a cara com a plateia, como um veterano clown que vai triangulando com sua audiência. Astier Basílio

Astier Basílio é escritor e repórter cultural do jornal Correio da Paraíba.


BREVIDADES (2013) Narra a história de uma atriz impossibilitada de exercer seu ofício devido ao Mal de Alzheimer. O monólogo é um exercício de metalinguagem que recorre à experiência de cena de uma atriz para representar o papel de outra atriz, Eleusa, que desaprende o ato de representar. Na zona obscura em que se amalgamam os dados da atualidade e os resquícios do mais longínquo passado, a personagem faz diluir com suas ações incongruentes os limites entre o vivido e o representado. O espetáculo explora os sintomas da doença de modo a refletir poeticamente sobre a maneira como esse mal afeta a subjetividade tanto de seu portador quanto das pessoas de seu convívio. Proporciona ao público um espaço íntimo de questionamento sobre as novas formas de sociabilidade impostas pela doença, marcadas pela necessidade de uma reassimilação solidária de nossos entes próximos, tornados outro sob o efeito deletério deste mal que ainda não compreendemos.

FICHA TÉCNICA Texto e direção: Márcio Marciano Atuação: Zezita Matos Pesquisa: Verônica Souza e Zezita Matos Direção de arte: Vilmara Georgina Produção executiva: Gabriela Arruda Realização: Coletivo de Teatro Alfenim


O DEUS DA FORTUNA



O DEUS DA FORTUNA - 2013 Uma parábola em chave cômica que utiliza como ponto de partida um argumento de Bertolt Brecht, retirado de seus diários de trabalho. O dramaturgo alemão relata sua intenção de escrever uma peça inspirada na imagem desse deus, muito popular na China. Com base nessa alegoria, o Coletivo Alfenim cria o seu próprio Deus da Fortuna, totalmente identificado ao capital especulativo, e o faz surgir na propriedade de um capitalista à moda antiga, o Senhor Wang, para lhe revelar a “metafísica” do capitalismo financeirizado dos dias atuais. Sintonizado com as novas formas imateriais de acumulação do capital, esse acumulador primitivo irá saldar suas dívidas e erguer um novo templo ao Deus da Fortuna, o templo da especulação financeira. Em tempos de crise sistemática do capitalismo, cuja lógica é a de se alimentar de trabalho não pago e da promessa fictícia de que o capital especulativo promoverá a felicidade futura, comprometendo não apenas as gerações de hoje como também as gerações vindouras, o Coletivo Alfenim experimenta a comédia com o propósito de desmascarar a maquinaria ideológica que escamoteia a ação deletéria do capital especulativo, com suas artimanhas metafísicas.

Em O Deus da Fortuna temos um “achado”, e se bobear é a primeira vez que acontece no teatro brasileiro, porque sendo o material – imagens, personagens, tirados de referências chinesas – é uma maneira de pensar a situação do Brasil. O fato de ser um proprietário vítima das dívidas, e ele, proprietário, com todo o seu séquito, que vai de escravo miserável a sobreviventes descendentes de escravo, gente que não tem história, enfim, é o gado que ele explora e ele mesmo é explorado pelo capital financeiro. Eu tenho a impressão que é a primeira vez que alguém fez isso no Brasil. Iná Camargo Costa Iná Camargo Costa é escritora e pesquisadora de teatro épico-dialético.


Em O Deus da Fortuna, tudo é feito com sutileza e sabedoria dramatúrgica, suas imagens inserindo-se natural e poeticamente no espetáculo que a nós se revela. (...) É de algum modo quase uma viagem à história do teatro, tal a profusão de referências e diversidade de linguagens que explora.

Eliane Lisboa

Eliane Lisboa é dramaturga e professora da Universidade Federal de Campina Grande.

O fetiche religioso, o fetiche da mercadoria, a luta de classes, as formas de propriedade, o dinheiro: de uma gargalhada à outra do público, os conceitos penetram pouco a pouco a cena. Roberto Efrem Filho

Roberto Efrem Filho é pesquisador e professor de Direitos Humanos na Universidade Federal da Paraíba.

FICHA TÉCNICA Texto e direção: Márcio Marciano Atuação: Adriano Cabral, Lara Torrezan, Mayra Ferreira, Nuriey Castro, Paula Coelho, Ricardo Canella, Vítor Blam Direção Musical: Mayra Ferreira, Nuriey Castro Direção de arte: Vilmara Georgina Produção Executiva: Gabriela Arruda Realização: Coletivo de Teatro Alfenim



MILAGRE BRASILEIRO


MILAGRE BRASILEIRO Milagre Brasileiro é um projeto sobre a obscuridade. Para tocar a ferida exposta há mais de quatro décadas, “buraco no crânio da consciência”: homens e mulheres desaparecidos durante a ditadura militar (196485). O que salta em primeiro plano são as ambições de linguagem e de forma para jogar luz em porão no qual a sociedade brasileira – e, por extensão, a maioria dos artistas – não tem coragem de iluminar suas ossadas. Valmir Santos

Valmir Santos é jornalista e atua na cobertura de teatro desde 1992.

O que há de original no tratamento do tema pelo Alfenim, confrontando com outras abordagens do mesmo no teatro e no cinema, é sustentá-lo não pela oposição óbvia entre os militares no poder e os que lutam ou se pronunciam contra a ditadura, mas por essa massa cinzenta, implicando grande porção da sociedade civil, que apoiava a ditadura e sua brutalidade. Sebastião Milaré

Sebastião Milaré é crítico, pesquisador da obra de Antunes Filho e organizador do projeto Teatro e Circunstância.


Tem como tema os “anos de chumbo” da Ditadura Militar, período marcado pela tortura e pela euforia do crescimento econômico. Seu foco é o “desaparecido político”, personagem que assombra o trágico dia-a-dia daqueles, familiares e amigos, que ainda hoje perseveram para obter do Estado Brasileiro uma resposta satisfatória sobre seu paradeiro. Situação que, de resto, assombra a consciência nacional. Personagem emblemática por sua condição extrema, o “desaparecido político” não pode ser incluído na estatística macabra dos mortos em combate, tampouco na lista não menos macabra das vítimas que sobreviveram à barbárie praticada nos porões do regime militar. A estranha condição de “existência imaterial”, do sujeito que é subtraído da História, se reflete na dramaturgia do espetáculo, que opta por abrir mão da fábula e de sua tradicional função de conduzir o espectador em meio aos acontecimentos daquele período. Dessa forma, o espetáculo põe em cena a figura mítica de Antígona para dialogar com nossos mortos. Sua referência é o “teatro desagradável” de Nelson Rodrigues, em seu Álbum de Família. Este Milagre é dedicado a todos os brasileiros e brasileiras que extraviaram ou perderam suas vidas na luta pelo fim da ditadura no Brasil.

FICHA TÉCNICA Texto e direção: Márcio Marciano Atuação: Adriano Cabral, Lara Torrezan, Paula Coelho, Ricardo Canella, Suellen Brito, Vítor Blam, Zezita Matos Direção Musical: Mayra Ferreira, Nuriey Castro Direção de arte: Vilmara Georgina Produção Executiva: Gabriela Arruda Realização: Coletivo de Teatro Alfenim


QUEBRA-QUILOS



QUEBRA-QUILOS - 2013

Narra a história de duas mulheres que, em 1874, são expulsas do campo e procuram abrigo numa vila do sertão paraibano, em meio a rumores de que os quebra-quilos, sediciosos que lutam contra a implantação do sistema métrico decimal preparam-se para invadir a feira da localidade e promover a revolta. Mãe e filha tornam-se testemunhas e vítimas da violência das autoridades locais contra os matutos revoltosos. Nos termos do historiador Armando Souto Maior o movimento dos quebra-quilos “poderia ser classificado como uma forma arcaica de agitação social”. Entender as razões dessa convulsão nos estertores do Império possibilita reconhecer em que medida suas causas foram ou não superadas na atualidade. O alto teor de sugestão simbólica dos quebra-quilos põe a narrativa desses fatos ocorridos em fins do século XIX na ordem do dia. São inúmeros os pontos de contato com a atualidade como a insatisfação devida ao aumento excessivo e irrealista dos impostos, a manipulação da boa-fé do cidadão, tanto por parte das autoridades do governo imperial como por parte das autoridades religiosas locais e dos grandes proprietários e, principalmente, a potencial violência que transforma os alijados do mundo produtivo em criminosos sociais. Basta abrir os jornais ou conectar-se às redes sociais para perceber que as matrizes da revolta popular que acendeu o sertão da Paraíba podem ter mudado de aspecto, mas não se alteraram em sua essência. Quem são os novos agitadores sociais, deliberadamente transformados pela mídia burguesa em criminosos comuns, e que aterrorizaram o cidadão de classe média e as autoridades de plantão nas recentes manifestações de rua ocorridas em todo país?

A escolha do Coletivo Alfenim foi mais do que feliz em um momento de “despolitização” do teatro brasileiro. Quebra-Quilos pode nos indicar que a generosidade, sem populismo ou pieguismo para com os mais pobres ainda nos faz pensar: a questão não está no teatro, está no mundo. Romero Venâncio Romero Venâncio é filósofo e professor na Universidade Federal de Sergipe.


O Coletivo Alfenim sabe valer-se dos motivos históricos sem cair nas facilidades do didatismo textual. Ou da adesão apaixonada e panfletária pelo tema. Na peça, o foco dramático interage com o histórico e o pessoal. A complexidade das relações humanas é vista pelo viés do amor e ódio. Adesão e negação. Condescendência e irredutibilidade. Compreensão e desrazão. Amador Ribeiro Neto Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e professor da Universidade Federal da Paraíba.

Quebra-Quilos é tributário da potência dos atores em não representar, propriamente dito, e ainda assim convencer o público a fiar-se na história. A maneira como ela é contada, esquiva à identificação, não impede a emoção infiltrada no retrato contundente da violência contra a população explorada, firmando a convicção de que a riqueza propagada é para poucos. Valmir Santos Valmir Santos é jornalista e atua na cobertura de teatro desde 1992.

FICHA TÉCNICA Texto e direção: Márcio Marciano Atuação: Adriano Cabral, Lara Torrezan, Paula Coelho, Ricardo Canella, Soia Lira/ Suellen Brito, Vítor Blam, Zezita Matos Direção de arte: Vilmara Georgina Produção Executiva: Gabriela Arruda Realização: Coletivo de Teatro Alfenim



O COLETIVO O Coletivo de Teatro Alfenim surgiu em 2007 com o objetivo de criar uma obra autoral com base em assuntos brasileiros. Trabalha com o conceito de dramaturgia em processo, no qual o texto de suas montagens é criado na sala de ensaios com a participação dos atores e demais artistas colaboradores. Visa à formação de plateias a partir de eventos paralelos às montagens, como seminários, oficinas e debates sobre os temas abordados em sua pesquisa. Os ensaios e as atividades formativas do grupo acontecem em sua sede, a Casa Amarela, em João Pessoa (PB).

Equipe Atual Adriano Cabral, Gabriela Arruda, Lara Torrezan, Márcio Marciano, Mayra Ferreira, Nuriey Castro, Paula Coelho, Ricardo Canella, Suellen Brito, Vilmara Georgina, Vítor Blam e Zezita Matos.

Patrocínio: PETROBRAS 60 anos Apoio: Fundação Casa de Cultura Cia. da Terra Relização: Coletivo de Teatro Alfenim Projeto gráfico: Marcello Tostes (Côco) Fotografia: Adriano Franco, Avati Castro, Bruno Vinelli, Guilherme Honorato, Raquel Diniz, Sol Coelho Impressão: Gráfica Santa Marta

© 2013 - Coletivo de Teatro ALfenim coletivoalfenim.com.br alfenim@coletivoalfenim.com.br

JOÃO PESSOA - PARAÍBA - 2013




patrocínio

produção

alfenim

COLETIVO DE TEATRO

realização


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