Retomada dos espaços públicos como espaços de convivência

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Universidade presbiteriana Mackenzie FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

RETOMADA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS COMO ESPAÇOS DE CONVIVÊNCIA Alessandra pichler

Orientador: PROF. DR. Ricardo hernÁn medrano

SÃO PAULO 2014



AGRADECIMENTOS Primeiramente, gostaria de agradecer aos meus pais, Ana Paula e Marcelo, pelo apoio, sem vocês nada disso seria possível. A minha avó, Reyna por todo o seu carinho. Ao meu orientador, Ricardo Hernán Medrano, pela paciência e confiança que depositou em mim. As minhas amigas, Ana Beatriz Menezes, Mariana Martini, Raphaela Erena e Yasmin Gouveia, pela companhia nos momentos de descontração, e desespero, que sempre acabaram em boas risadas. A todos os professores e colegas que de alguma maneira fizeram parte dessa jornada. E por último, ao Guilherme Lerner não só pela ajuda, mas principalmente por estar ao meu lado nos momentos mais difíceis e sempre me fazer seguir em frente. OBRIGADA!



SUMÁRIO [INTRODUÇÃO]

[INQUIETAÇÃO] l A Globalização seus Limites e Fronteiras l Os Muros de São Paulo l Um Grito por Lazer l A Importância e Qualidade dos Espaços Públicos 

CCSP – Centro Cultural São Paulo

[APROXIMAÇÃO] l O Bairro do Morumbi l O Plano Urbanístico de Paraisópolis l O Urbanismo Social de Medellín 

Projetos em Medellín

l O Território    

Topografia e Acessos Paraisópolis Cheios e Vazios Vias e Pontos de Ônibus Espaços Públicos e Limites


[INTERVENÇÃO] l Localização l Ensaios l O Projeto [CONSIDERAÇÕES FINAIS] [ÍNDICE DE IMAGENS] [BIBLIOGRAFIA]



PESADELO Compositor: Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro Quando o muro separa uma ponte une Se a vingança encara o remorso pune Você vem me agarra, alguém vem me solta Você vai na marra, ela um dia volta E se a força é tua ela um dia é nossa Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando Que medo você tem de nós, olha aí Você corta um verso, eu escrevo outro Você me prende vivo, eu escapo morto De repente olha eu de novo Perturbando a paz, exigindo troco Vamos por aí eu e meu cachorro Olha um verso, olha o outro Olha o velho, olha o moço chegando Que medo você tem de nós, olha aí O muro caiu, olha a ponte Da liberdade guardiã O braço do Cristo, horizonte abraça o dia de amanhã


[INTRODUÇÃO]


Por vivermos na era da globalização e tecnologia temos a sensação de que o mundo está cada dia mais homogêneo. As distâncias físicas já não são mais um obstáculo, por meio da internet podemos nos comunicar com o mundo todo em apenas um clique. Apesar disso, estamos nos tornando pessoas mais individualistas e intolerantes, as diferenças sociais estão cada dia maiores, e continuam fazendo parte do território das cidades pelo mundo. Essas questões refletem diretamente as cidades em que vivemos, e a forma que as utilizamos. Dessa forma, o trabalho foi dividido em três grandes capítulos: Inquietação, Aproximação e Intervenção. O primeiro deles visa introduzir o leitor aos paradoxos da vida contemporânea, o mundo cada dia mais homogêneo, e ao mesmo tempo com grandes diferenças sociais, a dissolução das barreiras a partir da internet, mas os muros que construímos para nos afastarmos do diferente, do desconhecido. Para exemplificar esses acontecimentos a cidade de São Paulo foi utilizada, juntamente com algumas noticias e manifestações recentes. Os espaços públicos entram então em pauta, para discutir como a sua importância e qualidade podem influenciar de maneira positiva as interações humanas. O segundo capítulo faz um recorte na cidade, aproximando o leitor de um dos bairros mais ricos de São Paulo: o bairro do Morumbi. Apesar de ser um dos mais ricos, o Morumbi é território de uma das maiores favelas da cidade, Paraisópolis. Com isso, o capítulo expõe um breve histórico do bairro, e de como e porque a favela Paraisópolis se instalou e cresceu tão rapidamente. Além disso, apresenta também o plano de urbanização que ela vem passando, e o desejo de transformá-la em bairro pela prefeitura. As considerações feitas quanto ao plano urbanístico da favela, fazem parte do Workshop de Estratégias Projetuais em Paraisópolis, que participei. Entre as pautas do Workshop estavam diversos aspectos do Plano Urbanístico, palestras sobre Habitações de Interesse social, além de visita a área. Em seguida, pretende-se através de mapas, muitas vezes comparativos, demonstrar o porquê de o Morumbi ser um ótimo exemplo de feudos contemporâneos, segregação social e abandono do espaço


público; além das enormes diferenças espaciais e sociais entre o Morumbi e a favela do Paraisópolis. A partir de um paralelo feito com os projetos que foram realizados na Colômbia e de sua efetividade, o capítulo objetiva demonstrar uma solução, que reconecte diferentes áreas há muito fragmentadas, e devolve pelo menos a uma parte da cidade os seus espaços genuinamente públicos e democráticos. O terceiro capítulo tem por objetivo apresentar o projeto desenvolvido em Atividade 2, que aborda diversos dos aspectos discutidos e apresentados ao longo dos capítulos anteriores. Dessa maneira o projeto é o resultado dos estudos feitos nesse trabalho, e visa intervir de maneira pontual no bairro do Morumbi, conectando e integrando grupos sociais distintos, além de contemplar mais um espaço público para a cidade. É importante ressaltar porém, que os assuntos abordados nessa pesquisa são muito abrangentes e complexos, possuindo assim ainda uma grande gama de estudos que podem ser feitos. Portanto o trabalho, como um todo, pretende apenas ser um ponto de partida, incitando a inquietação de outros sobre os problemas sócio-espaciais de nossas cidades, e quem sabe, estimulando a pesquisa e o aprofundamento do assunto.

BOA LEITURA!



[INQUIETAÇÃO]


li.mi.te s.m. 1 Linha ou ponto divisório; linha de demarcação. 2 Fronteira entre países. 3 Extremo, fim. 4 Ponto que não deve ser ultrapassado; raia. Dicionário Melhoramentos, minidicionário da língua-portuguesa.


l A GLOBALIZAÇÃO, SEUS LIMITES E FRONTEIRAS


A arquitetura desde a antiguidade sempre foi entendida como algo palpável e concreto. Segundo Rosane Azevedo de Araújo, antigamente a arquitetura era norteada por três conceitos clássicos: utilidade, firmeza e formosura, constituindo espaços estáveis e permanentes. “As leis que regem esse espaço tangível e sua tectonia estão em conformidade com a força gravitacional e com a lógica euclidiana plana e tridimensional. Por muito tempo, estabilidade e permanência foram noções chaves especificadoras do campo da arquitetura, assinalando sua condição material fisicamente consistente, construtivamente sólida e delimitadora de espaço, que fez da arquitetura, durante vinte e cinco séculos, um saber e uma técnica ligados à permanência.”1

Apesar disso, no mundo contemporâneo esse paradigma se quebra com a entrada da tecnologia na vida humana. A partir desse ponto de vista, o mundo antes sólido e concreto, se transforma em um mundo dinâmico e fluido. Os limitantes anteriores se diluem nessa nova percepção, tudo se torna mais flexível e facilmente moldável. As relações se estabelecem em diferentes escalas e em qualquer lugar. É o que a autora classifica como o “processo de fluidificação”. “Se considerarmos, como outro dado para o entendimento da questão, a utilização plena do espaço virtual que é ao mesmo tempo público e privado, local e global, atópico e de outra geometria, podemos dizer que a cidade – como local de troca, de comunicação, de interação, de moradia, de trabalho – está potencialmente em qualquer lugar. Os espaços e suas funcionalidades estão disseminados por toda parte. Estar em casa pode significar estar no trabalho; estar na empresa pode significar estar na faculdade; estar na rua ou em viagem pode significar estar em conferência. Esta subversão do uso do espaço e esta multiplicação das possibilidades de conexão já vêm constituindo uma nova realidade.” 2

Essa nova dinâmica de cidade e de mundo constitui o que Marc Augé chama de “mundo-cidade”, onde a globalização e a tecnologia permitem tantas relações e tão rapidamente, que a percepção que se tem é de que o mundo cabe em uma cidade, e as distâncias e fronteiras, sempre presentes, foram diluídas. Contudo, quando observamos as cidades, as distâncias e 1

SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Rio de Janeiro, Viana e Mosley: Proub. 2006. p. 44 2 SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Rio de Janeiro, Viana e Mosley: Proub, 2006. p. 45


disparidades ainda existem. Com isso, surge um grande paradoxo espacial e social, que Augé intitula “cidade-mundo”. “Podemos observar a circulação ininterrupta dos homens, dos bens e das mensagens, na escala do “mundo-cidade”. Mas na escala da “cidade-mundo”, o quadro muda: reencontramos, ao mesmo tempo, toda diversidade e todas as desigualdades do mundo. A cidade mundo é enclausurada de mil maneiras: encontramos aí bairros privados, superprotegidos, e bairros que escapam ao controle da policia.” 3

A partir desses conceitos Augé explica os paradigmas presentes no mundo contemporâneo, que consistem no fato de apesar de o mundo virtual caminhar a passos largos na busca pela igualdade e diluição das barreiras (limites físicos), o mundo real ainda engatinha nesses conceitos. É importante ainda entender que os limites sempre foram utilizados para definir o mundo a nossa volta, servindo para opor categorias; o quente e o frio, o feminino e o masculino, o seco e o molhado; segregando o mundo para compreendê-lo. Não há sentido em limites e espaços fechados, se não houver diferenças. Com o passar do tempo, e com a territorialização, ou seja, o início da delimitação das fronteiras entre países, esses limites se tornaram concretos, usados para delimitar cidades, países, e até mesmo ideologias, como aconteceu em Berlim, com seu muro de aproximadamente 150 km, separando-a em “capitalista” e “socialista”.

Figura 1: Construção do muro de Berlim

3

AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió, UFAL., 2010. p. 9


Figura 2: Minhocão, São Paulo

Na arquitetura, os limites estão presentes tanto no âmbito urbano quanto no social. O Minhocão, por exemplo, pode ser considerado um limite urbano, já que, apesar de ligar duas regiões da cidade de São Paulo, é considerado uma cicatriz urbana por fragmentar a cidade em diferentes níveis, sendo um agente de degradação do local em que está inserido. http://arqpb.blogspot.com.br/2010/05/no-caldeirao-da-insanidade.html

Na contemporaneidade, essas barreiras e limites, além da necessidade de separar o espaço, se tornam cada vez menos evidentes, devido ao fato de termos a internet e a tecnologia que transformam, pelo menos em parte, o mundo em uma grande rede de conexões sem limites. Ainda segundo Augé, “O pensamento cientifico não repousa mais sobre as oposições binárias e se esforça para por em dia a continuidade sob aparência das descontinuidades [...]”.


Além disso, exalta-se o questionamento às fronteiras tradicionais na história política do planeta, a partir do momento que existe um mercado liberal mundial, e ainda, as tecnologias da comunicação que se afastam de obstáculos ligados ao tempo e ao espaço. (CITAÇÃO RAQUEL) Entretanto, é possível observar que a globalização e a mundialização se configuram apenas em aparências, já que escondem as imensas desigualdades presentes no mundo, em diferentes escalas, reemergindo, dessa maneira, as fronteiras tradicionais. “Assim, poderíamos opor a imagem da cidade mundo, esta “metacidade virtual”, segundo a expressão de Paul Virilio, constituída pelas vias de circulação e pelos meios de comunicação que encerram o planeta em suas redes e difundem a imagem de um mundo cada dia mais homogêneo, às duras realidades da cidade mundo onde se reencontram e, eventualmente, afrontam-se as diferenças e as desigualdades.”4

A partir do entendimento dessa configuração do mundo atual é possível prever que mudanças na forma de configuração da cidade precisam ser criadas. As fronteiras precisam ser repensadas e não renegadas. Elas existem e sempre existirão. “As fronteiras não se desfazem jamais, elas se redesenham. É o que nos ensina o movimento do conhecimento cientifico que desloca progressivamente as fronteiras do desconhecido. Um saber científico jamais é constituído como absoluto; é o que o distingue das cosmologias e das ideologias: ele sempre tem novas fronteiras como horizonte.”5

A questão que fica é: Como, a partir de projetos arquitetônicos, podemos configurar novas fronteiras que conectem ao invés de excluir?

4 5

AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió, UFAL, 2010. p. 22-23 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió, UFAL, 2010. p. 25


"Todos os edifícios, absolutamente todos, possuem uma face inútil, imprestável, que não é nem a fachada frontal e nem a posterior, é a “medianera”. Superfícies enormes, que nos dividem e nos lembram do passar do tempo, a poluição e a sujeira da cidade. As medineras mostram nosso estado mais miserável, refletem a inconstância, as rachaduras, as soluções temporárias. O lixo que escondemos sob o tapete, pensamos nelas excepcionalmente, quando, violadas pelos intempéries do tempo, deixam infiltrar suas reivindicações” FILME “MEDIANERAS”, Gustavo Taretto


l OS MUROS DE Sテグ PAULO


[Começamos citando um trecho do filme argentino “Medianeras”. Onde o amor na era digital é tratado como algo que aproxima pessoas distantes, e ao mesmo tempo distancia pessoas próximas. No início do filme uma das protagonistas falando sobre a cidade de Buenos Aires, faz uma reflexão sobre as “medianeras”, que em português são as fachadas cegas, mostrando o que representam para sua cidade. São Paulo também possui fachadas cegas aos montes, mas para melhor representá-la, poderíamos substituir a palavra “medianera” pela palavra “muros”.] Na cidade contemporânea os limites são utilizados para definir espaço público e espaço privado, controlando assim quem está dentro e quem está fora. Com isso, muitas cidades se tornaram territórios de diversos pequenos “feudos contemporâneos”, que são os atuais condomínios. Os muros são do tamanho da proteção desejada, sempre muito altos, mantendo assim distância do mundo ao seu redor. Prédios residenciais também são cercados por muros e grades, além é claro, de aparatos de segurança, como câmeras e “barreiras” de acesso. Nas favelas não é diferente. Apesar das barreiras não serem tão visíveis, só entra nela quem a ela pertence. “[...] a maior parte dos condomínios fechados encontram-se nas grandes cidades onde a taxa de criminalidade é mais alta. Além dos condomínios fechados existe o progressivo fechamento dos prédios residenciais com grades e aparatos de segurança. Como resultado destes fenômenos, observa-se um aumento no nível de polarização, fragmentação espacial e diminuição da solidariedade. Os condomínios fechados também contribuem para a privatização do espaço público e para a reserva de certas amenidades e para uso exclusivo de grupos sociais homogêneo. [...] No caso brasileiro, podemos observar que apesar de não podermos usar a terminologia de condomínios fechados para as áreas informais, especialmente as favelas, estas constituem-se em guetos cujo acesso é restrito e controlado pelas barreiras invisíveis (hoje cada mais visíveis, nos fuzis e metralhadoras dos “olheiros” nas lajes das habitações).”6

6

SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Rio de Janeiro, Viana e Mosley: Proub, 2006. p. 26


Apesar de São Paulo ser considerada uma cidade mundial, em termos comerciais e de serviços, pode também ser considerada subdesenvolvida, já que é formada por diferenças sociais alarmantes, além de limites e fronteiras urbanas muito evidentes. Por essa razão, seu espaço público se encontra desvitalizado e esquecido pela população. Com isso, São Paulo pode ser considerada um exemplo de “cidade-mundo”. “O mundo cidade a cidade mundo aparecem como ligados um ao outro, mas de modo contraditório. O mundo cidade representa o ideal e a ideologia do sistema da globalização, enquanto na cidade mundo expressam-se as contradições ou as tensões históricas engendradas por esses sistema.”7

Os citados condomínios fechados possuem as mais diversas atividades e usos, exclusivos a seus moradores. Esses usos privados fazem com que as pessoas desvalorizem e abandonem o espaço público. Outros agravantes são os automóveis, que desde o seu surgimento vem desqualificando e deixando de lado os pedestres e as ruas, e os grandes centros comerciais, como os shoppings centers, que hoje são tratados como espaço público, quando na realidade esse não é nem de longe seu papel. Porém, isso será discutido mais para frente. “Quando os carros foram introduzidos no começo do século XX os padrões de transporte mudaram drasticamente. Em particular, depois da Segunda Guerra Mundial, o tráfego de veículos na cidade desenvolveu-se a sobressaltos e o uso do espaço público mudou em função deste. O tráfego pesado de carros não coexiste pacificamente com os usos da cidade como lugar de encontro e de comércio.”8

Luciana Monzillo de Oliveira acredita que o neoliberalismo é o principal vilão da privatização dos espaços coletivos, por conta da liberdade dada as instituições privadas para configurar o espaço urbano segundo suas vontades, tornando-se assim mais um agravante para os espaços introvertidos da cidade.

7 8

AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió, UFAL, 2010. p. 44 GEHL, Jan; GEMZOE, Lars. Novos espaços Urbanos. Barcelona, Editorial Gustavo Gili SA, 2002, p. 13.


“Dentro deste panorama atual, observa-se uma transferência de proposição e gestão dos novos espaços coletivos, da esfera pública, para as instituições privadas. Este fato está relacionado com a politica econômica do neoliberalismo que permite ao mercado agir livremente para moldar o espaço urbano em seus próprios interesses.”9

Segundo Maria Pronin, a privatização dos espaços públicos tem como consequência a degradação do restante do espaço urbano e reforça a segregação social. Os muros e grades são os principais causadores do declínio da vida pública e da qualidade de vida da população geral, já que a cidade deixa de ter espaços realmente públicos para trocas sociais. “[...] se observa na metrópole, nas ultimas décadas, é a crescente privatização do espaço público, tendência de âmbito mundial, a contribuir para a valorização dos espaços privados. No meio urbano construído, o crescente isolamento dos espaços interiorizados privados e semipúblicos acarreta um prejuízo ao restante do espaço urbano – público e acessível a todos. A separação por muros e outros recursos de proteção reforça essa divisão e promove maior segregação social. O abandono e a deterioração do espaço público exterior, aberto e democrático, comprometem a qualidade do meio urbano como um todo e, como consequência qualidade de vida do cidadão.”10

A situação chegou ao extremo onde os muros e grades são vistos como um bem de consumo. Até mesmo nas favelas e conjuntos habitacionais de interesse social eles são indispensáveis, pois demonstram que quem está cercado pelos muros se encontra em outro patamar social. Além é claro, das câmeras de segurança, que substituem as pessoas que antes olhavam a rua. Para exemplificar essa nova dinâmica da cidade, no Colégio Visconde de Porto Seguro, localizado coincidentemente em uma das áreas de maior choque econômico e social da cidade, o bairro do Morumbi, entrou em pauta a colocação de câmeras de segurança até mesmo nas salas de aula. Muitos alunos discordaram e foram até a diretoria para entender quais eram os princípios para a tomada de tal atitude. Um dos argumentos utilizados pela diretora foi que, do ponto de vista 9

OLIVEIRA, Luciana Mozillo de. Espaços públicos e privados das centralidades urbanas: Park avenue, Avenida Paulista e Avenida Chucri Zaidan. São Paulo, Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) –Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2013. Pag. 2 10 PRONIN, Maria. A globalização e o ambiente construído na Metrópole de São Paulo. São Paulo, Pós, 2007, pag. 74


pedagógico, as câmeras não ajudam em nada mas são necessárias por serem uma tendência de sociedade. Segundo ela, o Colégio deve acompanhar a tendência dos muros cada vez mais altos e os condomínios fechados, por ter que zelar pela segurança dos alunos.

A partir do argumento utilizado pela diretora é possível entender o principal desejo hoje nas cidades e como realmente os muros e aparatos de segurança se tornaram sinônimos de segurança e status social. Em agosto de 2013, outro acontecimento ligado à privatização do espaço público que entrou em pauta, foi a discussão sobre um possível fechamento do vão livre do MASP. Tudo começou com uma exposição ao ar livre que precisou ser encerrada antecipadamente por conta de moradores de rua. Além disso, o fato do vão do Museu de Arte de São Paulo ser palco de manifestações também incitou ao seu possível fechamento. O Museu de Lina Bo Bardi possui um vão livre que faz com que o espaço público se insira na parte de baixo do museu. Ao invés de negar a cidade e ser um espaço introvertido, esse equipamento se abre para ela. Dessa forma, o MASP vai muito além de seu uso como museu, e por isso, possui tanto uma importância para a cidade como para seus habitantes. “[...] Ao longo de 50 anos [o espaço] proporcionou uma área única para o encontro de culturas e práticas sociais representativas da vida urbana coletiva. O resultado deste espaço está interligado com o desenvolvimento da Avenida Paulista e com a cidade em geral. A história compartilhada entre estes exemplifica o quão instável o significado de um espaço urbano pode ser e como as transformações respondem aos conflitos culturais e às necessidades sociais. [...]O terraço do Trianon oferece condições materiais para a presença das pessoas e para propagação da expressão, representação e negociação do atos coletivos.”11

11

LIMA, Zeuler R.M.A.; PALLAMIN, Vera M. ‘’ An uncommon common space ‘’. In : FRERS, Lars ; MEIER, Lars. Encoutering urban places: Visual and material performances in the city. Chippenham: Ashgate, 2007.


Apesar disso, O Estadão publicou a matéria “É preciso preservar o MASP”, alegando que o vão do MASP precisava ser fechado por conta da indesejável presença de mendigos e, segundo eles, traficantes, que tiravam a calma e a segurança do local. “Triste destino o do vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), instituição que tem um dos mais importantes acervos artísticos da América Latina. Primeiro, tornou-se um símbolo do desrespeito às regras que devem pautar as manifestações públicas. Qualquer grupo que deseja apresentar reivindicações ou protestar se julga no direito de ocupar esse espaço, para nele começar ou terminar manifestações, cujo palco é a Avenida Paulista. Como se isso não bastasse, ele agora virou - no intervalo entre uma manifestação e outra - lugar de reunião de dependentes de droga, com o sério risco de virar uma espécie de minicracolândia. [...] Uma forma de livrar o local tanto deles como dos manifestantes é cercar o Museu. Isso "não eliminaria o problema, mas amenizaria a situação", segundo o curador do Masp, Teixeira Coelho, mas todos os pedidos feitos nesse sentido pela instituição foram rejeitados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Para o Iphan, tem de ser mantido o projeto arquitetônico original do museu, que prevê acesso irrestrito ao vão livre. O curador considera "um atraso essa posição do Iphan, pois a São Paulo de hoje não é a mesma da época em que o Masp foi inaugurado".12

É importante porém levar em consideração que, apesar de os muros passarem a sensação de segurança para os que estão protegidos por ele, passam a sensação de insegurança e vulnerabilidade para as pessoas que estão fora de seu perímetro. Além disso, no âmbito arquitetônico, esses artifícios reduzem os espaços públicos a simples locais de passagem, onde na verdade deveriam ocorrer as mais diversas relações e intercâmbios pessoais e sociais. Todas as questões ligadas à privatização do espaço público e dos muros e grades presentes nas cidades contemporâneas, se devem principalmente à proximidade das diferentes camadas sociais no território das cidades, e pela questão da segurança e do medo que vem sendo apregoada aos quatro cantos das cidades contemporâneas. 12

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-preciso-preservar-o-masp,1098579,0.htm


Figura 1: Tirinha ironizando a imposição do medo pela mídia: “Rápido, Rápido! O mundo precisa de mais medo”

Porém, nem sempre foi assim, São Paulo já presenciou diversos tipos de segregação espacial e social. Teresa Pires do Rio Caldeira os classifica em três períodos. A cidade concentrada, que constitui o primeiro deles, ocorreu de meados de 1890 até cerca de 1940, na época da industrialização da cidade. Nessa época a cidade de São Paulo obteve um crescimento populacional muito alto, porém o crescimento de área urbanizada não aconteceu proporcionalmente. Isso se configurou por conta da alta taxa de fábricas sendo construídas, aumentando também a construção de residências para a grande demanda de trabalhadores estrangeiros que precisavam se instalar. Não existia a separação das funções da cidade, tudo acontecia próximo e ao mesmo tempo, tornando a antiga São Paulo, que antes só se baseava na exportação de café, em uma São Paulo urbanizada e caótica.


Figura 2: MASP, São Paulo

Figura 3:: Simulação de como o MASP seria com muros


Dessa maneira, as habitações das diferentes classes se encontravam próximas umas das outras. A única diferença evidente era o padrão das habitações, e também o fato da população mais abastada se localizar nas proximidades do que depois se tornaria a Avenida Paulista, enquanto a mais pobre se encontrava mais próxima das margens dos Rios Tiete e Tamanduateí. O segundo período se configura na cidade dispersa (Centro – Periferia). Essa nova constituição de cidade ocorreu a partir de meados de 1938, quando o Plano de Avenidas, elaborado por Francisco Prestes Maia, levou a uma transformação no padrão da segregação. A proposta de criar uma série de avenidas que ligariam o remodelado e reformulado centro ao subúrbio da cidade, aumentou a especulação imobiliária, o que levou a dispersão dos trabalhadores para áreas mais afastadas por conta do aumento dos aluguéis. A cidade antes concentrada se expandiu para a periferia com as novas avenidas e a nova frota de ônibus. Com isso, a população com menos condições financeiras começou a se instalar em áreas mais afastadas do centro, onde encontravam terrenos mais baratos para a autoconstrução das suas residências. O novo padrão de urbanização centro-periferia tornou a cidade antes concentrada, em uma dispersa e polarizada área urbana. O uso do transporte público se limitava as classes trabalhadoras enquanto os automóveis eram exclusivamente da parcela mais abastada da população. Ao mesmo tempo, São Paulo se tornava o centro industrial do país com a expansão das indústrias pesadas. A partir de meados dos anos 1980 e 1990, houve mudanças importantes. Com a queda no crescimento populacional, além da transformação de São Paulo em uma área metropolitana mais complexa, a cidade não pôde mais ser classificada em centro rico e periferia pobre, como era até então. Além disso, a crise dos anos 80 ocasionou uma perda significativa de população nas regiões centrais. Dessa maneira, áreas antes conhecidas por serem predominantemente pobres, receberam em seu território essa população mais abastada. As indústrias da cidade perderam


sua preponderância e deixaram grandes áreas residuais, além de darem espaço para novas atividades comerciais, como zonas de escritórios e comércio. Dessa forma chegamos ao último período, que se estende até os dias atuais. A cidade de enclaves fortificados, ou como a autora classifica: a cidade de muros. Nesse novo modelo de cidade, as distâncias não classificam mais a dimensão das diferenças. Hoje, ricos e pobres coexistem nos mesmos bairros. A maneira física encontrada para se separar do outro são os muros. Os exemplos ilustrados anteriormente demonstram que, nos dias de hoje, sempre que o problema das diferenças sociais aparece no âmbito público e urbano, a solução que as pessoas pedem, encontram e reencontram são sempre barreiras físicas. O grande problema dessa solução é que a partir do momento que as colocamos, não estamos realmente lidando com a causa do problema, mas sim nos distanciando dela. Além disso, os muros vão sempre agravar as diferenças e inseguranças, criando assim, um círculo vicioso. 13

13

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, EDUSP, 2000.


Figura 6: Mapa de áreas urbanizadas segundo período de ocupação


“Segundo essa noção, comunidade significa mesmice, e a mesmice significa a ausência do OUTRO, especialmente um outro que teima em ser diferente, e precisamente por isso capaz de causar surpresas desagradáveis e prejuízos.[...] Dada a intensidade do medo, se não existissem estranhos, eles teriam que ser inventados.” ZYGMUNT BAUMAN


l UM GRITO POR LAZER


São Paulo foi palco de diversas manifestações no ano de 2013. Além das ligadas ao aumento de R$0,20 no transporte público, que acabou reivindicando muito mais do que isso, aconteceram também, em dezembro, os chamados “rolezinhos”. Os “rolezinhos”, que inicialmente foram considerados apenas encontros de jovens da periferia paulistana marcados pelas redes sociais, se transformaram justamente em uma reivindicação por espaços realmente públicos na cidade. Seu primeiro grande encontro aconteceu dia 8 de dezembro de 2013 e reuniu cerca de 6 mil jovens no Shopping Metrô Itaquera, na zona leste da cidade. Os lojistas e administradores do shopping fecharam suas portas antecipadamente com medo de furtos e tumultos. Há quem diga que os nomeados “rolezinhos” não tiveram início em dezembro, mas já aconteciam há algum tempo em proporções menores. Eram, e são, “gritos por lazer”. “Este tipo de encontro em lugares públicos-privados não é propriamente uma novidade em São Paulo. E não começaram especificamente no ano passado. Estacionamentos de supermercados e postos de gasolina também são corriqueiramente ocupados nas noites e madrugadas aos finais de semana por um grupo que quer se fazer ouvir – ou apenas se divertir - independentemente do estilo musical que entoa. Os organizadores definem os encontros como um "grito por lazer" e negam qualquer intenção ilegal, mas viraram alvo de investigações policiais."14

Depois do dia 8 de dezembro de 2013, diversos outros “rolezinhos” foram marcados. Por conta disso, os administradores dos shoppings conseguiram liminares contra essa prática. Os jovens que fizessem tumultos e badernas teriam que pagar uma multa de R$10.000,00. Houve alguns shoppings que limitaram até a entrada de jovens desacompanhados, como o Shopping JK Iguatemi.

14

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/conheca-historia-dos-rolezinhos-em-sao-paulo.html


A partir desse cenário, as questões sobre a cidade, espaços públicos e segregação entram em foco. Esses jovens, em sua maioria da periferia da cidade, se encontram à margem da população, e como não moram em condomínios fechados repletos de atividades, precisam de um local para se encontrar e conviver em sociedade. Além disso, o encontro nos shoppings faz parte da busca por ostentação, ou seja, apesar de serem marginalizados, usar roupas e acessórios de marca faz parte da questão do “pertencer” que a eles é negada. Antigamente, os centros comerciais eram abertos e estavam localizados em lugares essencialmente públicos, onde as pessoas realizavam trocas, conversavam e passeavam; os fluxos aconteciam em sua maioria a pé, acentuando dessa forma as relações sociais. “Embora os padrões de uso tenham variado no curso da história, apesar das diferenças sutis e variadas, o espaço público sempre foi um lugar de encontro, comércio e de circulação. A cidade sempre foi o lugar de encontro e reunião de pessoas, local onde trocavam informações sobre a cidade e a sociedade [...] Os pedestres podiam andar até onde precisassem ir, encontrando gente, comerciando, conversando e apreciando a vista, tudo isso no mesmo passeio pela cidade. Os usos da cidade eram realizados simultaneamente no mesmo espaço público.”15

Dessa maneira, os espaços públicos eram muito utilizados e essenciais na vida da população. Hoje, como já foi mencionado, os espaços públicos e a vida pública estão esquecidos, e o mais novo local de encontro entre as pessoas é o Shopping Center. No trecho da Globo.com citado anteriormente, esses locais são assumidos como espaços público-privados. Os shoppings são locais de encontro entre pessoas, mas possui administradores e donos que estabelecem certas regras e limitações a este espaço. Segundo a tabela de Luciana Mozillo de Oliveira, espaços públicos e privados muitas vezes se confundem pela questão da propriedade e do uso. Por isso, seu estudo possui uma tabela que qualifica as especificações de cada espaço, para melhor compreendê-lo:

15

GEHL, Jan; GEMZOE, Lars. Novos espaços Urbanos. Barcelona, Editorial Gustavo Gili SA, 2002, p. 13.


Bauman, por sua vez, intitula os shoppings como “espaços públicos não civis”, por acreditar que são espaços de uso público que na verdade não suscitam a convivência e integração entre as pessoas, e sim, o individualismo levando em consideração que o ato de fazer compras é muito subjetivo. “A segunda categoria de espaço público mas não civil se destina a servir aos consumidores, ou melhor a transformar o habitante em consumidor. Nas palavras de Liisa Uusitalo “ os consumidores frequentemente compartilham espaços físicos de consumo, como salas de concertos ou exibições, pontos turísticos, áreas de esportes, shopping centers e cafés, sem ter qualquer interação social real.” Esses lugares encorajam a ação e não a interação.”16

Bauman sugere ainda que esses lugares, “templos do consumo” como ele os nomeia, são locais que transpassam a realidade, uma ilha de liberdade e segurança que torna todos iguais. “Os lugares de compra/consumo oferecem o que nenhuma “realidade real” externa pode dar : o equilíbrio quase perfeito entre liberdade e segurança. Dentro de seus templos, os compradores/consumidores podem encontrar, além disso, o que zelosamente e em vão procuram

16

ZYGMUNT, Bauman. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 2000, pag. 114.


fora deles : o sentimento reconfortante de pertencer – a impressão de fazer parte de uma comunidade.”17

A partir dessa ótica é possível entender porque os “rolezinhos” tomaram tamanha proporção e ao mesmo tempo se tornaram objeto de estudo de diversos meios de comunicação. Esses encontros colocam em cheque a segurança e “liberdade” proposta pelos shoppings, além de ressaltar que não somos todos iguais. Apesar de muitas vezes estarmos com o mesmo objetivo de consumir, as diferenças sociais existem e tem o poder de “manchar” a realidade imaculada dos centros comerciais. Além disso, essa manifestação que talvez só tenha se tornado manifestação, a partir do momento que foi contrariada, ressalta a grande escassez de espaços públicos de convivência, e também da falta de interação genuinamente pública dos habitantes da cidade. Mais uma vez fica claro que a privatização dos espaços, os muros e grades, contribuem de forma efetiva para a polarização e fragmentação da cidade. Até mesmo espaços públicos bem projetados e concebidos, e principalmente bem utilizados pelas pessoas, são alvos da privatização e dos muros.

17

ZYGMUNT, Bauman. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 2000, p. 116.


“E hoje, na contemporaneidade, o que muda na noção de urbanidade? É uma noção ainda válida, ou as características da indiferença, alienação, egoísmo e hedonismo predominarão ao contrário das qualidades de civilidade, cortesia e afabilidade que definiam a própria urbanidade? Estaremos tão dominados pelo medo e obcecados por segurança, que são poucas as chances de superação e de volta a valores comunitários essenciais? Estaremos fadados ao controle invisível, à repressão do direito de ir e vir, direito este que foi a base da sociedade urbana moderna?” Raquel Coutinho Marquês da Silva


l A IMPORTÂNCIA E QUALIDADE DOS ESPAÇOS PÚBLICOS


Como já foi esclarecido nos capítulos anteriores, a cidade contemporânea é a dinâmica entre espaços públicos e privados. Atualmente, estamos vivenciando uma época em que os espaços privados são mais valorizados do que os espaços públicos. Mas afinal, qual a real importância dos espaços públicos para a cidade e seus habitantes? A utilização dos espaços públicos está intimamente ligada à urbanidade e à cidadania. Espaços públicos de qualidade assumem e trabalham muito bem a dinâmica desses dois fatores. Para tanto, é importante entender que a integração não necessariamente precisa ser total, mas sim uma relação cordial e afável entre as diversas partes que são encontradas na vida pública. Raquel Coutinho explica muito bem essas relações: “A urbanidade não significa integração total, pois os preconceitos e as diferenças sociais sempre existiram e existirão. Mas significa aceitação do outro, (...) uma anomia amigável, que permite que cidadãos diferentes convivam sem ter que trocar experiências ou confidências. Este é um mundo das aparências onde os diferentes assumem papéis públicos e convivem com cordialidade”.18

Segundo Mandanipour, os espaços públicos são classificados como espaços de livre acesso, sem restrições, onde não há o comando de nenhum grupo aquém de outro, onde estranhos convivem em sociedade. Com isso, os espaços públicos são os mais diversos espaços que ficam entre as esferas privadas da cidade, e são onde acontecem os mais variados usos, como comércio, lazer, convivência e passagem. Em muitas cidades do mundo está cada vez mais crescente a preocupação com os espaços públicos. Isso se deve principalmente à percepção de que estes espaços são determinantes para a qualidade de vida da população em geral. “Ao criar áreas nas quais as pessoas se misturam, espera-se que pessoas diferentes possam conviver conjuntamente e que exista certo grau de tolerância. Isto é especialmente

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SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Rio de Janeiro, Viana e Mosley: Proub, 2006. p. 37


crucial em um época em que o estado de bem-estar está sob ameaça de reestruturação, e a fragmentação social tem se intensificado. [...] O recente interesse na promoção dos espaços públicos urbanos e pode ser interpretado como um interesse na reintegração das cidades fragmentadas.”19

Segundo Bauman, os espaços públicos, ou “espaços civis” como ele os intitula, são espaços onde as pessoas podem vestir uma máscara, onde não precisam expor seus medos e aflições. São locais de eventos sem passado e, muito provavelmente, sem futuro. Tornando, dessa forma, o meio urbano um bem comum, que deve ser compartilhado por todos. “O que significa então dizer que o meio urbano é “civil” e, assim, propício à pratica individual de civilidade? Significa, antes e acima de tudo, a disponibilidade de espaços que as pessoas possam compartilhar como personae públicas- sem serem instigadas, pressionadas ou induzidas a tirar as máscaras e “deixar-se” ir, “expressar-se”, confessar seus sentimentos íntimos e exibir seus pensamentos, sonhos e angústias. Mas também significa uma cidade que se apresenta a seus residentes como um bem comum que não pode ser reduzido ao agregado de propósitos individuas e como uma tarefa compartilhada que não pode ser exaurida por um grande número de iniciativas individuais [..]”20

Os espaços públicos podem ser considerados espaços onde as pessoas não precisam exercer seus papéis cotidianos, tendo a liberdade necessária para ser o que bem entenderem, pois para os outros eles serão apenas mais um estranho. Esses espaços se tornam assim, um espaço de estranhos, e ao mesmo tempo um espaço comum que precisa do cuidado por todos, e principalmente, usado por todos. Porém, é importante ressaltar, que a construção dos vazios da cidade, como praças e parques, necessitam de um alto grau de complexidade e qualidade, do contrário acabam abandonados e sem uso. Jan Gehl é um importante nome dos estudos dos espaços públicos de diferentes cidades e a partir de seus diversos anos de pesquisa propõe alguns parâmetros que classificam espaços públicos de qualidade.

19 20

MANDANIPOUR, Ali. Public and private spacesof the city. Nova York, Routledge, 2003 ZYGMUNT, Bauman. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 2000, pag. 112.


Segundo Gehl, a quantidade e qualidade de espaços públicos da cidade determinam a qualidade de vida de seus habitantes. Com isso, o autor escreve o livro “Cidades para Pessoas” onde ressalta que o planejamento das cidades precisa ser feito a partir da escala de quem usa a cidade, ou seja, dos seres humanos. Apesar de óbvia, ao longo dos últimos anos essa afirmação não tem sido colocada em prática. O planejamento da cidade tem por objetivo, na maioria dos casos, ajustar as ruas e avenidas para o tráfego de automóveis, além de criar estacionamentos, deixando as melhorias para o pedestre em segundo plano. “Se as cidades e os edifícios pretendem atrair pessoas para virem e permanecerem em seus espaços, a escala humana vai exigir nova e consistente abordagem. Trabalhar com tal escala é a mais sensível e difícil disciplina de planejamento urbano. Se tal trabalho for negligenciado ou falhar, a vida na cidade nunca terá uma chance. A difundida prática de planejar do alto e de fora deve ser substituída por novos procedimentos de planejamento de dentro e de baixo, seguindo o princípio: a vida, depois o espaço e só então os edifícios.” 21

Jan Gehl, Lars Gemzøe, Sia Karnaes e Britt Sternhagen Sóndergaard estipularam 12 critérios que definem um bom espaço público. Eles são: 1 l Proteção contra o tráfego Esse critério leva em consideração se os pedestres estão seguros contra o tráfego de automóveis, ou seja, se podem caminhar sem temer serem atropelados. Faixas de pedestres, calçadas amplas e sinalizações são levadas em consideração. 2 l Segurança nos espaços públicos

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21

Jane Jacobs em seu livro “Morte e Vida das Grandes Cidades”, já reforçava, que para uma cidade ser segura e passar segurança para seus habitantes, são necessários olhos nas ruas, ou seja, pessoas que observam o movimento da cidade.

GEHL, Jan. Cidades para pessoas. , São Paulo, tradução Anitta Di Marco, Perspectiva, 2013, p.198


Para isso são necessários incentivos para que as pessoas permaneçam nos espaços públicos, caminhem, sentem e observem. Os espaços públicos não podem ser apenas espaços de passagem. “Em geral, reforça-se o potencial para uma cidade segura quando mais pessoas se movimentam pela cidade e permanecem nos espaços urbanos. Uma cidade que convida as pessoas a caminhar, por definição, deve ter uma estrutura razoavelmente coesa que permita curtas distâncias a pé, espaços públicos atrativos e uma variedade de funções urbanas. Esses elementos aumentam a atividade e o sentimento de segurança dentro e envolta dos espaços urbanos. Há mais olhos nas ruas e um incentivo maior para acompanhar os acontecimentos da cidade, a partir das habitações e edifícios do entorno.”22

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Além disso, espaços que tem vida diurna e noturna, com alta circulação de pessoas, geram um espaço seguro. A iluminação pública também é importante. Muros e grades que barram a passagem e a visão, geram insegurança nos espaços públicos.

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3 l Proteção contra experiências sensoriais desagradáveis Para que as pessoas permaneçam nos espaços públicos é importante lembrar a preferência por locais onde não haja uma experiência sensorial ruim. Sol e ventos intensos, além de ruídos, são exemplos do que podem ser essas experiências. Para amenizá-las podem ser utilizadas massas arbóreas que servem como filtro para ruídos, além de proteção para o sol.

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22

GEHL, Jan. Cidades para pessoa.; São Paulo, ,tradução Anitta Di Marco, Perspectiva, 2013, p.6


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“Se as condições externas, como uma tempestade tornam impossível o caminhar e a recreação, quase nada acontece. Se as condições são toleráveis, cresce o rol das atividades necessárias. Se as condições para a permanência ao ar livre forem boas, as pessoas se entregam a muitas atividades necessárias e também a um número crescente de opcionais. Os pedestres ficam tentados a parar para apreciar o tempo, os lugares e a vida na cidade, ou as pessoas saem de seus edifícios para ficarem no espaço urbano.”23 4 l Espaços para caminhar Um bom espaço público precisa de bons espaços de circulação para todos, ou seja, precisa ser acessível e agradável. Além disso, proporcionar um caminhar aprazível, com fachadas de prédios interessantes, superfícies regulares e sem obstáculos. Caminhar deve ser prazeroso e não estressantes.

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5 l Espaços de permanência A cidade deve proporcionar espaços públicos de permanência, como praças e parques, onde as pessoas possam ficar e observar, com fachadas interessantes e com circulação frequente de pessoas. 6 l Ter onde sentar

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As pessoas precisam de locais onde possam sentar, descansar e observar. Por isso, os espaços públicos precisam ter um mobiliário urbano confortável e em locais protegidos, próximo a paisagens interessantes e pessoas circulando. É interessante também localizar esses bancos em locais onde aconteçam

GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo, tradução Anitta Di Marco, Perspectiva, 2013, p.20


atrações ou apresentações, tornando dessa forma, mais instigante o observar. 7 l Possibilidade de observar

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As vistas e paisagens não podem estar escondidas, devem se mostrar para o pedestre, fazendo com que ele observe a sua volta. 8 l Oportunidade de conversar

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Ruídos atrapalham o conversar das pessoas, por isso, os espaços públicos precisam de locais com baixo nível de ruídos para as pessoas poderem conversar. Além disso, o mobiliário urbano pode de acordo com sua forma, pode incentivar a troca entre as pessoas, possibilitando que mais indivíduos estejam próximos para iniciar uma conversa. 9 l Locais para se exercitar Os esportes são muito importantes para qualidade de vida das pessoas, e podem ser mais um incentivo para trazer as pessoas para a rua. Por isso, equipamentos públicos para se exercitar devem ser colocados nos espaços públicos. Atividades recreativas de rua e entretenimento também são importantes e podem ser criadas tanto pela manhã quanto à noite.

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10 l Escala humana Os prédios e espaços em geral devem ser projetados levando em consideração a escala humana. A cidade precisa ser projetada para ser vista pelos olhos das pessoas, se tornando assim um local mais agradável para estar e observar.

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11 l Possibilidade de aproveitar o clima Locais com a possibilidade de aproveitar os diversos climas do ano de forma agradável. Se esses espaços não existem, esvaziamentos acabam ocorrendo por falta de proteção aos diferentes climas. 12 l Boa experiência sensorial

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Uma boa experiência sensorial esta ligada à interação com a natureza, com cursos d’água e com a qualidade dos espaços. Um mobiliário urbano feito com materiais de qualidade, causa uma boa experiência sensorial.



“Essa nossa profissão de arquiteto e urbanista, embora trabalhosa, nos abre horizontes para que vivamos próximos das artes e que vivamos com arte, de forma que cada desafio seja compreendido como um belo motivo para criar.” Luiz Telles


 CCSP – CENTRO CULTURAL SÃO PAULO


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O Centro Cultural São Paulo é um ótimo exemplo de um local de convivência pública que é bem aceito pela população da cidade. Além disso, contêm muitos dos 12 critérios para um bom espaço público citados anteriormente. A idealização do projeto iniciou em 1975, pelos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles, que infelizmente faleceu no início de 2014. O projeto de um anexo à Biblioteca Mario de Andrade daria lugar ao Projeto Vergueiro, que contaria com rede de hotéis, escritórios e Shopping Center. Com o passar dos anos, a ideia de um anexo à biblioteca se ampliou, transformando-se em um Centro Cultural mais complexo e multidisciplinar, seguindo o modelo de grandes centros culturais do mundo.


O Centro Cultural São Paulo está situado entre a Avenida 23 de Maio e a Rua Vergueiro. O terreno, em que está inserido, possui 300 metros de extensão e uma diferença topográfica considerável entre o ponto mais alto, Rua Vergueiro, e o mais baixo, Avenida 23 de Maio. Além disso, está localizado em uma zona privilegiada da cidade, próximo à Avenida Paulista e às estações de metrô Vergueiro e Paraíso.

Figura 2: Restaurante

Por conta da horizontalidade do terreno e de sua vista privilegiada, os arquitetos encaixaram as necessidades do programa de modo ao projeto não ficar com um gabarito alto, inserindo-se no território sem causar grandes interferências. Isso é percebido, principalmente, quando se está na cobertura verde do edifício, dando a impressão que não se está em um edifício, mas sim em uma praça aberta que possui uma vista extraordinária da cidade. O programa se divide em quatro pavimentos, ora enterrados, ora semienterrados, mas sempre com entrada de luz natural. Entre suas atividades estão: apresentações de dança, teatro e música, projeções de cinema, cursos, exposições de artes, e uma biblioteca com aproximadamente 9 mil m².

Figura 3: Estrutura

Figura 4 Vão

O edifício é constituído por diversos espaços amplos e abertos, que são ocupados, em qualquer dia da semana por todo tipo de gente, desde dançarinos de primeira viagem e profissionais, atores e atrizes ensaiando, pessoas estudando, idosos jogando xadrez, até moradores de rua dormindo, ou observando as pessoas. Para atingir a amplitude dos espaços os arquitetos optaram pela utilização de uma estrutura mista de pilares metálicos e vigas de concreto armado que estruturam e criam cheios e vazios. Além disso, a cobertura é de acrílico e os fechamentos são de vidro.


A escala humana e os pedestres são valorizados a partir do momento que o edifício possui diversas entradas e saídas, além de uma cobertura que se estende até a calçada, transformando-se em abrigo para as pessoas que passam pela Rua Vergueiro. Os fluxos, segundo Telles, são criados pelo próprio visitante, que pode escolher qual é o melhor percurso, pelas rampas, escadas ou corredores.

Figura 5 Rampas

O diversificado programa cultural do CCSP torna-o um espaço multidisciplinar que abriga os mais variados tipos de pessoa, se tornando assim um espaço democrático, aberto e heterogêneo. Por conta disso, as pessoas se sentem à vontade para sentar e estudar no piso, dançar nos mais diferentes locais e tomar sol em sua cobertura, possuindo espaços que se constituem no que Scoffier define em “Os quatro conceitos fundamentais da Arquitetura”, “o acontecimento”: “E nesse espaço mal determinado, neste meio, os gestos dos ocupantes não são coreografados por múltiplas condicionantes, mas tomam ao contrário, a forma inquietante de acontecimentos imprevisíveis.” 24

Esse tipo de “acontecimento” só se faz presente em locais genuinamente públicos e democráticos, onde as atitudes do outro não podem ser previstas. E é isso que torna os espaços públicos tão agradáveis e importantes para a vida humana e para a cidade. São esses espaços que devolvem a surpresa e o brilho a um cotidiano cinzento e monótono. Figura 6: Biblioteca 24

SCOFFIER, Richard. Os quatro conceitos fundamentais da Arquitetura Contemporânea. Rio de Janeiro, Editora Viana&Mosley, 2009.


Figura 7 Morador de rua dormindo

Figura 9: Pessoas danรงando

Figura 8 Cobertura verde

Figura 10: Idosos jogando xadrez

Figura 11: Idosos jogando xadrez



[APROXIMAÇÃO]


“Uma cidade é construída por diferentes tipos de homens; pessoas iguais não podem fazê-la existir.” Aristóteles, política


l O BAIRRO DO MORUMBI


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São Paulo possui um grande número de favelas, que hoje estão sendo vistas de uma maneira diferente. A prefeitura iniciou um processo de melhoria das diversas favelas existentes para devolver, pelo menos em parte, a qualidade de vida dessas pessoas, e tentar de alguma forma reconectar essas áreas à cidade. É sabido, porém, que as favelas têm uma dinâmica diferente da cidade dita formal, e essas diferenças não aparecem somente no âmbito dos lotes, mas surgem desde o seu nascimento. “Algumas favelas têm nome de árvores, como a Mangueira, e o próprio termo favela vem do nome de um arbusto, cientificamente conhecido como Jathopha phyllacantha. As favelas, no entanto, se desenvolvem mais como o mato que brota nos terrenos baldios. Os abrigos das favelas ocupam um terreno vazio da mesma forma que o mato que nasce discretamente nas bordas e logo acaba ocupando a totalidade do terreno. [...] Esse tipo de ocupação gera uma situação oposta à da cidade dita formal, pois, nas favelas, a periferia dos terrenos ocupados é geralmente mais valorizada que o centro. As favelas são acêntricas ou, antes excêntricas. A periferia, a linha que separa a favela do restante da cidade, torna-se o centro simbólico. E o centro não é mais um ponto fixo, é uma linha que se desloca.” 25

Apesar de ser considerado um dos bairros mais nobres de São Paulo, o Morumbi é território da segunda maior favela da cidade, Paraisópolis. Localizado no distrito do Campo Limpo, o distrito com maior número de favelas, o bairro se encaixa no último período da classificação de Tereza Pires do Rio Caldeira: cidade de muros. Como ele é afastado do centro sua ocupação demorou a iniciar, pois fazia parte da periferia da cidade que teve o início da ocupação quando as classes menos abastadas procuravam terrenos para construção das suas próprias casas. O bairro foi constituído por uma grande fazenda, que era propriedade da Família Diederichesen. Em 1921, a fazenda foi loteada em um parcelamento de 2.200 lotes em uma malha de vias ortogonais com quadras de 100m x 200m e vias de 10m de largura. Não foi levado em consideração o fato de a região ter uma topografia difícil, além de ser praticamente rural, com acessos precários.

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JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001, pag. 109



O loteamento descrito tinha a intenção de se tornar palco de diversas moradias de alto padrão, mas por se manter por muito tempo desocupado, acabou desencadeando diversas ocupações ilegais. Em 1970, já havia 20 mil moradores, e esse número só cresceu com a demanda de trabalhadores na área civil, que era resultado do aumento das construções de alta padrão na região. Desse modo se deu o surgimento da favela do Paraisópolis, além de outras favelas nas proximidades, como Jardim Colombo e Porto Seguro. Após a construção da Avenida Giovanni Gronchi e de equipamentos como o hospital Albert Einstein e o Estádio do Morumbi, a região tornou-se alvo do mercado imobiliário, e então, território de muitos dos prédios de alta renda da cidade, apesar da favela continuar crescendo e se instalando. A partir do histórico de ocupações do bairro é possível entender porque o Morumbi é hoje território de duas realidades distintas. O principal problema desse abismo social é que as pessoas estão se isolando cada vez mais, de maneira a apenas lidar com pessoas parecidas. As barreiras distanciam os diferentes e são do tamanho da intolerância a eles. Desta forma, é possível entender o Morumbi como sendo um ótimo exemplo de diversas das questões abordadas nos capítulos anteriores. Primeiramente o bairro possui uma diferença social alarmante, ricos e pobres coexistem, sem interação em um mesmo espaço. Dessa maneira, o território se torna uma zona de conflito, e por isso os prédios de alto padrão se “protegem” com muros e barreiras físicas das mais diversas. Outro ponto importante é a falta de espaços públicos na região, fato que será quantificado posteriormente, tornando a circulação de pessoas a pé muito escassa, a não ser por necessidade, como a população do Paraisópolis que não possui automóvel. Boa parte dos manifestantes dos “rolezinhos” fazem parte da população de Paraisópolis, ficando clara, a falta que os espaços de lazer fazem para essa população. A grande da desigualdade ali existente pode ser entendida a partir desse trecho do livro da Tereza Pires e da foto, muito ilustrativa, de Tuca Vieira na página anterior: “[...]além da arquitetura monumental e dos nomes vagamente aristocráticos, os prédios tem características exóticas, como uma piscina para cada apartamento, três quartos de empregada,


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salas de espera para motoristas no térreo, salas especiais para guardar cristais, porcelanas e pratarias. Todo esse luxo contrasta com a visão que se tem das janelas dos apartamentos: os mais de 5 mil barracos da favela de Paraisópolis, umas das maiores de São Paulo, que fornece os empregados domésticos para os condomínios vizinhos.” 26

Por ser uma área que mostra os extremos que a sociedade e a cidade chegaram em termos de segregação sócio-espacial, o Morumbi se torna uma ótima área para estudo das dinâmicas e 26

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo,

EDUSP, 2000.


diferenças existentes entre duas realidades tão distantes no âmbito morfológico, mas tão próximas em termos de distância física.

Figura 3: Fotos aéreas da ocupação de Paraisópolis ao longo dos anos.


“Pequenos labirintos formam o cenário corriqueiro de quem mora na periferia. Eles têm formatos variados. São íngremes e planos. Alguns são largos e curtos. Outros são sujos e escuros, limpos ou iluminados. Para alguns moradores, esses labirintos se resumem a apenas um caminho de atalho, quando não uma passagem obrigatória. Em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, eles são os becos e as vielas, responsáveis por interligar ruas umas nas outras, conectar histórias, unir toda uma comunidade.” Vagner de Alencar e Bruna Belazi


l O PLANO URBANÍSTICO DE PARAISÓPOLIS



A segunda maior favela de São Paulo é Paraisópolis. Com 55.600 habitantes e 20.832 imóveis, números consideráveis, a favela do Paraisópolis é uma área ampla, com diversos equipamentos públicos e instituições civis, que desde 2005 está fazendo parte do programa de urbanização de favelas por parte da prefeitura.

Figura 1: Campo de Futebol Palmeirinha.

Figura 2: Ruas de Paraisópolis

O programa objetiva melhorar as condições de vida da população transformando a favela em bairro. Entre as intervenções previstas estão à criação de espaços públicos, parques lineares e áreas verdes; requalificação de córregos, canalização de esgoto, criação de sistemas de água potável e iluminação, e construção de conjuntos habitacionais, entre outras. Por conta da sua grande dimensão, 900 mil metros de área particular, essas intervenções foram divididas em três partes. A primeira já foi finalizada. Nela estavam previstas intervenções pontuais, como a reforma da escadaria Manuel Antônio Pinto, a recuperação das áreas de risco dos setores Grotinho e Grotão, melhoria do campo de futebol Palmerinha, implantação de infraestrutura no sistema viário Centro-Brejo, canalização do córrego Brejo e implantação de redes de distribuição de água e redes coletoras de esgoto. As outras duas intervenções têm por objetivo realmente tirar o status de “favela” de Paraisópolis, e para isso será necessária a regularização dos imóveis. Além disso, muitas outras intervenções precisam ser feitas, como pavimentações, regularização fundiária, canalização de córregos, abertura de ruas e vielas, remoção de habitações em área de risco, etc.

Figura 3: Grotão


A estruturação desejável para Paraisópolis está fixada em três pilares: as águas, a mobilidade e a habitação. Esses pilares tem como embasamento a prioridade no convívio da população, e eles só se tornaram eixos centrais da intervenção por conta da vontade da população. Figura 4: Barracos de Paraisópolis

A água é um dos bens mais importantes para o mundo em geral, e como pilar de intervenção tem o papel de elemento de educação e lazer. Dessa forma os projetos ligados a ela precisam deixá-la exposta das mais diversas maneiras para propiciar o aumento do convívio direto da população com águas limpas. A mobilidade é uma das prioridades centrais, pois por conta da topografia encontrada na favela, e no bairro do Morumbi como um todo, as pessoas acabam tendo muita dificuldade para se locomover e chegar em áreas importantes. Por isso, estão previstos elevadores em pontos estratégicos, além de melhorias de pavimentação para possibilitar a entrada do transporte público. Em termos de mobilidade também estão previstas ciclovias, para diversificar ainda mais a mobilidade local.

Figura 5:: CEU Paraisópolis

A habitação obviamente está entre os pilares dessas intervenções. Muitas das habitações no Paraisópolis, novamente por conta da topografia, se encontram em áreas de risco, principalmente risco de deslizamentos. Está prevista a construção de mais de 2.500 unidades habitacionais em convênio com a CDHU, principalmente no eixo da nova Avenida Hebe Camargo, onde até 2016 estará funcionando o monotrilho, nova linha Ouro da CPTM, que será importante ligação da zona sul com as outras diversas áreas da cidade. Figura 6: Piscina do CEU Paraisópolis


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Figura 9: Barracos à noite

As intervenções previstas e que já foram feitas na favela, não podem ser realizadas sem antes haver um consentimento da população. Por isso, para chegar a esse nível de projeto, foram necessárias diversas reuniões com as representações locais para as duas partes chegarem a um denominador comum. Se o poder público entrasse na favela e fizesse as intervenções sem o conhecimento da população, provavelmente as áreas que sofreram alterações seriam ocupadas, porque na favela o vazio é entendido como uma oportunidade de ocupação, portanto os espaços públicos só são efetivamente públicos; quando a população os utiliza e aceita.


É o caso, por exemplo, do campo de futebol do Palmerinha, que é considerado ponto de encontro da população, além de área de recreação para crianças e adultos. Há ainda diversas ações comunitárias que acontecem lá, como treino de Rugby, patrocinado pelo restaurante Outback. Na cidade formal esse tipo de representação popular dificilmente acontece. Se um espaço público é projetado e as pessoas não o utilizam, ele permanece abandonado e sem uso. Dessa forma não há uma exigência tão forte quanto aos espaços que são construídos e se eles realmente vão trazer alguma melhoria efetiva para a área. Essa é um dos muitos fatores que a cidade formal deveria aprender com as favelas em geral. Figura 10 e 11: Conjuntos Habitacionais Avenida Hebe Camargo



l O URBANISMO SOCIAL DE MEDELLÍN


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Medellín é uma cidade da Colômbia que já foi muito famosa por ser considerada umas das mais violentas do mundo nos anos 90. Hoje sua fama se deve a motivos muito mais nobres. Medellín virou cidade modelo do “Urbanismo Social”, tornando-se até mesmo sede do IX Jogos Sul-Americanos. Levando em consideração os muitos anos de esquecimento e marginalização das populações mais pobres que viviam nas favelas da cidade, o prefeito Sergio Fajardo (2004-2007) resolveu mudar sua dinâmica social e urbana. Os pilares dessa nova dinâmica consistem em: planejamento, ordem fiscal, transparência, participação e comunicação. Com eles surgem vários direcionamentos urbanos para melhoria da qualidade de vida da população.


A partir do ano 2000, diversas estratégias urbanísticas foram transformadas em prioridades pela Empresa de Desenvolvimento Urbano de Medellín (EDU), e colocadas em prática pelo arquiteto Alejandro Echeverri com os Planos Urbanos Integrados (PUI). Esses planos têm por objetivo criar bibliotecas e equipamentos de lazer e cultura em áreas de maior índice de pobreza, violência e segregação. Figura 2: Teleférico de Medellín

Figura 3: Teleférico de Medellín

Figura 4: Barracos de Medellín

O mais impressionante é que os projetos e infraestruturas são de alta qualidade, e talvez por isso ganhem o reconhecimento e transformem efetivamente os locais onde são implementados. É uma grande gama de projetos que vão desde teleféricos que ligam até as linhas do metro, até escolas, parques-bibliotecas, melhorias nos espaços públicos e melhorias habitacionais. A topografia acidentada da cidade era um grande problema para criar as conexões propostas. Por isso, a originalidade da ideia de criar teleféricos que ligam as pessoas até as linhas de metrô foi grandiosa, ademais esses equipamentos são geralmente utilizados em pistas de esqui e lugares turísticos. Com isso, a ideia tomou proporções tão grandes que já está sendo implementada em Caracas e no Rio de Janeiro. Essa foi uma maneira relativamente simples e sem custo adicional para a população, já que o bilhete se integra ao metro, de fazer essa parte abandonada da cidade se sentir novamente integrada a ela.


Figura 5: Parque Espanha Medellín

Figura 6: Jardim de Infância Moravia

Figura 7: Jardim de Infância El Pinal

Os parques-biblioteca são a ampliação de uma experiência feita em Bogotá anteriormente. Essas instituições se sobressaem à monotonia visual dos tijolos aparentes dos barracos dos bairros de Medellín, não pelo desejo de parecerem superiores a eles, mas com o objetivo de mostrar que o Estado está presente de forma efetiva para criar transformações na população e nos bairros. Esses projetos foram escolhidos a partir de concursos internacionais, mas em sua maioria são de arquitetos colombianos. O seu programa não se constitui apenas de locais para leitura e estudo, sendo assim mais complexo, com serviços para a comunidade como informática, cursos de capacitação, atividades culturais, espaços recreativos e esportivos. Apesar da grande popularidade desses projetos urbanísticos de Medellín e da melhora visível que eles proporcionaram a desigualdade social ainda existe, e é grande. Como um dos principais objetivos do projeto é criar uma cidade do conhecimento, ou seja, trazer educação para as crianças que vivem nos bairros carentes da cidade, é possível que a ascensão social aconteça a longo prazo. Além disso, é inegável que os projetos urbanísticos trouxeram um aumento da dignidade e qualidade de vida para a população menos favorecida. A partir do conhecimento sobre os projetos feitos em Medellín, e de como eles foram peça chave para a desfragmentação da cidade e a requalificação de vida da população carente, é possível entender quais são as premissas para um bom projeto arquitetônico que vise a integração social. Paraisópolis participa hoje de um processo que tenta transformá-la em bairro como principio para a melhoria da qualidade de vida e da conexão da favela com a cidade.


A gentrificação – processo que move as pessoas da favela para locais mais distantes da cidadenão faz parte nem dos projetos de Medellín, que inserem os projetos em áreas com o consentimento da população local e o mínimo de desocupações; nem mesmo de Paraisópolis que visa a desocupação de apenas 5% do território. Dessa maneira, o plano urbanístico de Paraisópolis precisa também prever projetos de qualidade, tanto inseridos na favela como em sua proximidade, para criar uma conexão maior da favela com a cidade “formal”, pois a integração entre as duas partes precisa acontecer em duas frentes, tanto na melhoria da conexão da favela com a cidade “formal” quanto do avesso, da cidade “formal” se conectando com a favela. Assim como a favela tem muito a aprender com a população de seu entorno, esta também tem muito a aprender com ela.

Figura 8: Parque Biblioteca León de Grief



[PROJETOS EM MEDELLÍN]


 COLÉGIO SÃO DOMINGO DE SÁVIO


Local: São Domingo de Sávio, Medellín, Colômbia Autor do projeto: Obranegra Arquitectos

Promotor: Empresa de Desenvolvimento Urbano (EDU) Área construída: 7.500 m² O projeto da Escola São Domingo de Sávio faz parte do programa “Medellín, a mais educada”, que tem por objetivo criar diversos projetos pontuais em áreas carentes da cidade, onde mais de 135 escolas foram readequadas e 10 construídas.

Figura 2: Croquis do projeto

O projeto está localizado no Bairro São Domingo Sávio, na ladeira Noroeste de Medellín, em umas das zonas mais pobres e violentas da cidade. Além do problema social da população, os arquitetos precisaram lidar com diversos outros, como a topografia acidentada, a geometria irregular do terreno, o clima e a falta de espaços públicos na região. O terreno ainda possui dois outros colégios em seu entorno, e um dos partidos do projeto foi fazer a conexão entre eles e ainda integrá-los à infraestrutura urbana local. A bela vista do terreno também foi uma forte premissa para a concepção do projeto. A partir do desejo de construir uma escola aberta, onde não existam barreiras e limites físicos e sociais, a Escola São Domingo de Sávia apresenta um grande mirante, que se torna uma praça de encontros sociais e

Figura 3: Implantação


culturais tanto organizados pela própria escola como pela a população a sua volta.

Figura 4: Mirante

Figura 5: Mirante

Figura 6: Terraços

Todos os problemas levantados se tornaram transformadores da arquitetura concebida, de maneira que o edifício se encaixa na topografia, faz as ligações propostas, tanto entre os colégios preexistentes, quanto com o bairro La Torre que se encontra no nível mais baixo, de maneira direta, e gera uma vasta gama de atividades e programas que acontecem no espaço público criado. As 24 salas de aula se encontram logo abaixo do mirante que são também contempladas com espaços para admiração da paisagem, além de elementos de madeira que auxiliam no conforto térmico do edifício, sombreando áreas muito afetadas pela radiação solar, chuva e ventos. Por conta do partido de ser uma escola aberta, o projeto não só traz benefícios para seus estudantes, mas agrega valor para toda a população local, sendo mais um espaço público de qualidade. A partir do partido de reconexão e integração o projeto afeta de maneira positiva a área que foi inserido. Além disso, se faz parte integrante do território e auxilia nos fluxos das cotas mais baixas até as mais altas, podendo assim ser um equipamento de transposições. Por causa de todos esses fatores e da sua grande importância para a área que foi beneficamente afetada,


esse projeto pode ser considerado mais um 贸timo exemplo de qualidade projetual de Medell铆n.

7

Figura 8: Corte longitudinal


 BIBLIOTECA FERNANDO BOTERO


Local: São Cristóbal, Medellín, Colômbia Autor do projeto: G Ateliers Architecture Promotor: Empresa de Desenvolvimento Urbano (EDU) São Cristóbal esta encosta de Medellín Iguaná Stream. Com agricultura de flores, cultura local. Figura 2: Vista lateral

Figura 3: Implantação

localizado na parte oeste ao longo do estreito vale isso, o clima permite que legumes e frutas faça parte

da do a da

A implantação do Parque-Biblioteca Fernando Botero faz parte do urbanismo social de Medellín. Sua forma monolítica e horizontal chama atenção em meio ao mar de barracos da favela de São Cristóbal, que por conta da topografia criam uma paisagem de cheios e vazios. Por isso, as janelas dispostas aleatoriamente conferem ao projeto similaridade com seu entorno. A sobriedade e simplicidade das fachadas escondem uma espacialidade interna arrojada. Em seu interior os cheios e vazios continuam fazendo parte do cenário, além de abastecer o ambiente de luz natural e paisagens. Todos os espaços são conectados por corredores públicos, que muitas vezes apresentam exposições itinerantes. O programa traz cultura para a população da área, possuindo salas de exposições, teatro, restaurante, escola de música e dança, oficinas de artes visuais e sala de jogos.


Figura 4:Auditório

Figura 5: Um dos acessos

Figura 6: Escada e vão central

Localizado no centro do povoado, a biblioteca é mais um edifício ancorado à topografia. Por conta do seu gabarito e dimensões, ao mesmo tempo que confere escala metropolitana a cidade, consegue também escala doméstica ao bairro. Sua implantação, voltada para face norte, foi consequência de uma passagem de pedestres que já existia, e que pretende ligar diferentes equipamentos públicos da região. A face sul faz ligação com o principal parque de São Cristóbal por meio de uma cobertura verde. As diferentes salas da biblioteca são divididas em torno de um corredor central, e cada uma delas possui suas particularidades. A sala de leitura infantil, por exemplo, possui uma linguagem lúdica, onde diversos cubos sobressaem das paredes e teto. Além disso, as luminárias possuem gravuras do céu, conferindo ainda mais detalhes ao universo mágico pretendido .O teatro contrasta a sobriedade da cor preta das paredes e teto com o calor da corvermelha, dos assentos e tapete, que evocam também o aspecto lúdico e cênico das artes do espetáculo. Apesar de sua materialidade ser o reboco tradicional e sua estrutura ser em concreto, a cor negra, escolhida pelos arquitetos da G Ateliers Architecture, confere ao projeto ares de elegância e sofisticação. É possível, através das fotos, perceber que o projeto possui um alto grau de qualidade e complexidade, que são inerentes à maioria dos projetos arquitetônicos


Figura 7: Sala de leitura infantil

Figura 8: Implantação

Figura 9: Corte Longitudinal

produzidos em Medellín nas zonas de muita pobreza e baixa qualidade de vida. Os detalhes de cada projeto mostram que tudo foi minuciosamente pensado para o bem estar da população, e não apenas por questões políticas e de aparências. Isso torna Medellín, uma cidade com diversos bons exemplos de projetos arquitetônicos para a população carente. Mais cidades e países que sofrem com a desigualdade social, deveriam se espelhar minimamente nela.



l O TERRITÓRIO


TOPOGRAFIA ACESSOS PARAISÓPOLIS


A topografia no bairro do Morumbi é muito acidentada, cheia de altos e baixos. O Paraisópolis se encontra na parte mais baixa, já a Avenida Giovanni Gronchi se encontra mais alta em relação a ele. Dessa forma os prédios que estão na Avenida conseguem negar a favela e a sua visão através de muros, ou construções que mantém a favela escondida.


Parais贸polis

Av. Giovanni Gronchi

Acessos Parais贸polis



Cheios vazios


A partir dos mapas de cheios e vazios é possível perceber os grandes lotes fechados. Essas são grandes áreas que poderiam ser públicas, ou pelo menos parcialmente públicas, que se encontram fechados para poucos. Já em Paraisópolis os vazios são poucos e pontuais, e as construções ocupam praticamente todos os espaços deixando apenas algumas passagens livres. Visto isso, ficam claras as grandes diferenças espaciais dessas duas realidades, os dois são casos extremos de cheios e vazios.


CHEIOS


VAZIOS


vias Pontos de 么nibus


A principal via desta parcela do Morumbi é a Avenida Giovanni Gronchi, que liga o Terminal João Dias a Avenida Morumbi. Apesar de ser a principal via os comércios ali existentes não valorizam o pedestre. A grande maioria deles são postos de gasolina e concessionárias. Muitas pessoas não sabem que em Paraisópolis existem vias principais pavimentadas, onde passam micro-ônibus, carros e pessoas. São Nessas vias que o comércio de Paraisópolis é mais intenso, existem bancos, feiras, equipamentos e até mesmo uma loja das Casas Bahia. Os pontos de ônibus por sua vez estão intimamente ligados a concentração de pessoas, tanto na Avenida Giovanni Gronchi quanto em Paraisópolis. Porém, em Paraisópolis as ruas possuem mais vida e, portanto, mais pessoas circulando por elas. OBS.: O mapa mostra apenas as ruas principais de Paraisópolis, as vielas não aparecem.


Avenida Giovanni Gronchi Vias secundรกrias


Concentraテァテ」o de pessoas

Pontos de テ馬ibus


EspaçoS Públicos LIMITES


Os principais espaços públicos do bairro não aparecem na parcela estudada, pois estão nos dois extremos da Avenida Giovanni Gronchi, são eles a Praça Vinicius de Moraes e o parque Burle Marx. É importante evidenciar que o parque Burle Marx, apesar de ser um espaço público é cercado e possui diversas regras para seu uso. Retirando essas duas áreas sobram pequenas praças que muitas vezes estão abandonadase mal cuidadas. Já Paraisópolis possui dois espaços públicos de maior importância: O campo de futebol Palmeirinha e o CEU Paraisópolis.


1- CÉU PARAISÓPOLIS 2- CAMPO DE FUTEBOL DO PALMEIRINHA 3- PRAÇA DONA ALEXANDRA MASSAD 4- PRAÇA CIDADE DE LEIRIA 5- PRAÇA CRESCILDA AMBUBA


LIMITES E BARREIRAS FÍSICAS NA AVENIDA GIOVANNI GRONCHI



[INTERVENÇÃO]


“ Um gueto combina confinamento espacial com o fechamento social; [...]Tanto o confinamento quanto o fechamento teriam pouca substância se não fossem complementados por um terceiro elemento: a homogeneidade dos de dentro, em contraste com a heterogeneidade dos de fora.” ZYGMUNT BAUMAN


l LOCALIZAÇÃO


 Avenida Giovanni Gronchi  Paraisópolis


Após o estudo do Morumbi ficaram claras as carências do bairro. Primeiramente o Morumbi é uma região que apesar de ter grandes áreas verdes, elas muitas vezes são privativas, ou seja, não podem ser usufruídas pela população em geral. Suas duas maiores áreas verdes essencialmente públicas são a Praça Vinícius de Moraes e o Parque Burle Marx, que ficam nos dois extremos da região estudada. Existe também uma carência de espaços públicos de lazer e cultura, como museus, bibliotecas e teatros. As ruas do Morumbi, principalmente a Avenida Giovanni Gronchi não possui atrativos para o caminhar das pessoas, suas calçadas são pequenas, quando existem, e os carros são muito priorizados. Segundo Raquel Coutinho Marques da Silva, existe uma nova configuração de fronteiras que vai além de puros obstáculos. Para Marques, existe uma tênue diferença entre limites e fronteiras. Limites se configuram de maneira a ser um obstáculo, onde não é possível ir além. Já nas fronteiras as trocas são “permitidas”, é um termo mais abrangente e flexível. “Hoje, um novo conceito emerge: o conceito de fronteiras vivas. São nas faixas de fronteiras que se dão os melhores intercâmbios das nações modernas, e o conceito de fronteiras vivas superou o conceito de fronteiras obstáculos. Assim, nos casos de fronteiras entre países as fronteiras vivas se baseiam no pressuposto da integração e interação, seja por meio de trocas ou pelo multiculturalismo.”27

Além disso, Marques acrescenta que os locais onde há uma transição entre a cidade formal e a cidade informal, podem ser constituídas de fronteiras invisíveis, que hoje, não são bem trabalhadas, mas que tem grande potencial para trazer grandes modificações locais, e se transformarem em fronteiras urbanas vivas, com maiores atratividades. “A segregação, a fragmentação espacial urbana e a exclusão sócio-espacial são temas que vem sendo exaustivamente tratados nas três ultimas décadas pelos estudiosos de cidades.[...] basta dizer que a segregação sócio-espacial delimita áreas na cidade que se constituem em fronteiras invisíveis. As áreas de transição entre a favela e a cidade formal, por exemplo

27

SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Viana e Mosley: Proub. Rio de Janeiro, 2006. p. 25


podem ser consideradas fronteiras urbanas vivas. São nestas áreas que se estabelecem as trocas e a fraca integração entre estas áreas.” 28

Dessa maneira fica evidente que a disseminação das fronteiras urbanas vivas podem ser utilizadas para a transformação do espaço urbano. Principalmente onde existe o conflito entre a cidade formal e a cidade informal, ou seja, em regiões de conflito criminal e social. “A cooperação seria a melhor forma de superação dos conflitos.”29 A Avenida Giovanni Gronchi pode ser considerada uma fronteira urbana viva, já que separa o “bairro formal” do “bairro informal”. Com isso, ela pode ser trabalhada para haver uma cooperação maior entre as partes, e quem sabe uma integração maior. A partir dessa percepção o local que o objeto de projeto seria inserido foi escolhido: A própria Avenida Giovanni Gronchi. Como a Avenida possui diversos terrenos desocupados, ou com ocupações pouco importantes para a cidade e o bairro como um todo, as opções eram muitas. Após alguns estudos um terreno chamou atenção. Ele está localizado na Avenida Giovanni Gronchi, mas faz esquina com a Rua Laerte Setúbal, que é uma das principais entradas e saídas da favela, e por isso, possui um grande fluxo de pessoas chegando e saindo. “Da lado direito está uma grande ladeira que parece engolir o que quer que esteja lá embaixo. Conforme a rua é atravessada, os carros de luxo entram no declive para estacionar nas garagens dos prédios da esquina. Uma ação suspeita, até que se perceba que uma garagem que abriga carros da alta sociedade é a porta de entrada para Paraisópolis, para os desavisados, a maior favela de São Paulo. Nesta outra polis dentro do bairro do Morumbi, há prédios em construção e transportes públicos sempre fazendo manobras. As ruas estreitas não

28

SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Viana e Mosley: Proub. Rio de Janeiro, 2006. p. 33 29 SILVA, Raquel Coutinho Marques (org.). A cidade pelo avesso: Desafios do urbanismo contemporâneo. Viana e Mosley: Proub. Rio de Janeiro, 2006. p. 26


dão chance para que pedestres, carros e ônibus passem ao mesmo tempo. É preciso escolher a prioridade.”30

O trecho acima foi retirado do livro “A Cidade do Paraíso – Há vida na maior favela de São Paulo”. O livro descreve diversas histórias dos moradores do Paraisópolis, como se fosse uma caminhada pelas ruas e vielas da favela. O trecho em especial descreve exatamente o entorno do terreno escolhido, e a dinâmica encontrada na Rua Laerte Setúbal. Esse terreno hoje possui um posto de gasolina, como muitos outros terrenos da Avenida, e uma concessionária. Esses dois “programas” não possuem uma grande importância para o bairro, e muito menos para os pedestres, já que os dois tem relação com o automóvel. Assim como os outros edifícios da Avenida os dois negam a favela, colocando barreiras visuais e de fluxos, para quem estiver passando pela Avenida não ter uma visão plena de Paraisópolis. O terreno também possui uma topografia acidentada, da Avenida Giovanni Gronchi até o ponto mais baixo do terreno são 15 metros de desnível. Isso torna a transição a pé entre esses dois pontos muito cansativa e pouco agradável. O ponto de ônibus mais próximo fica na Avenida Giovanni Gronchi tornando esse trajeto praticamente essencial para muitas pessoas.

30

ALENCAR, Vagner; BELAZI, Bruna. Cidade do Paraíso – Há vida na maior favela de São Paulo. São Paulo. Primavera Editorial, 2013, p. 36.


“O espaço é vivenciado de modo mais direto pelo movimento; num nível superior, pela dança. A dança é, ao mesmo tempo, um meio básico para a realização de impulsos que criam o espaço. É capaz de articular o espaço, ordená-lo.”


l PROGRAMA


Inicialmente, a escolha do programa aconteceu pelo conhecimento de que Paraisópolis possui uma Escola de Dança e uma Orquestra Filarmônica, que infelizmente não possuem um local adequado, tanto para treinar quanto para se apresentar. Há uma proposta de projeto, pelo escritório Urban Think Tank, para a construção de um edifício no Grotão para suprir essas carências.

O projeto da “Fábrica de Música” está localizado em uma zona de risco, onde já aconteceram diversas remoções de famílias, pois o terreno sofre diversas erosões e deslizamentos, mas onde as famílias acabam voltando. O projeto terá como objetivo, além de suprir as carências de uma área de treinamento para a dança e a música, ocupar essa área para que não aconteçam mais ocupações. O projeto cria na topografia diversas escadarias e platôs que ligam a parte mais baixa do terreno à parte mais alta. Além disso, esses platôs irão possuir hortas para agricultura urbana e poderão ser utilizados como arena. Outro diferencial do projeto é a captação das águas pluviais e sistema para uso ativo e passivo de ventilação. Além de salas de dança e música, espaços para recreação esportiva e uma anfiteatro estão inclusos no programa. Criando dessa forma uma área multifuncional, que irá suprir diversos desejos da população de forma integrada e qualitativa. Esse projeto ganhou reconhecimento


internacional,

depois

de

ganhar

o

prêmio

Holcim

América

Latina.

Depois do conhecimento e estudo desse projeto, surgiu a ideia de que o projeto na Avenida Giovanni Gronchi poderia ser um adendo ao programa da “Fábrica de Música do Grotão”, com salas para aulas de dança, teatro e circo, além de diversos espaços para apresentação desses alunos, tanto do Grotão, quanto da nova escola. Como o projeto estaria localizado na Avenida Giovanni Gronchi não só a população de Paraisópolis poderia fazer as aulas, mas também as pessoas que vivem nos prédios de alto padrão do entorno, fazendo assim com que haja uma maior interação entre eles. Partindo do pressuposto que o projeto visa uma maior vida nos espaços públicos da região, a ideia de que uma arena aberta também poderia fazer parte do programa, para assim, criar uma atração para as pessoas usarem esses espaços, e o fazerem de forma agradável e interativa. Além da arena, outro incentivo para as pessoas andarem ou utilizarem o transporte público é a falta de um estacionamento no local. Essa foi um desejo desde o início da concepção do projeto, e se torna mais viável pelo fato de que existe um ponto de ônibus bem a frente do terreno do projeto. Um bicicletário também fará parte do programa do edifício visando também o incentivo dessa forma de mobilidade, e faz uma conexão com a proposta urbanística do Paraisópolis que prevê diversas ciclovias.



l ENSAIOS


Ensaios são as diferentes experimentações que foram feitas para atingir os partidos desejados. Para iniciar os experimentos, foram necessários estudos de quais seriam os problemas que deveriam ser enfrentados para, por meio das experimentações, eleger as melhores soluções para eles. Os problemas que estavam mais evidentes eram: PROBLEMA 1: O desnível do terreno é certamente o principal problema, pois gera diversas dificuldades. Uma delas é a transposição dos pedestres da cota mais baixa, Rua Laerte setúbal, para a cota mais alta, Avenida Giovanni Gronchi. O fator principal desse problema é que essa transposição deve ser de uma maneira agradável para os pedestres, e é claro que seja acessível aos cadeirantes. Além disso, o desnível causa dificuldade de visualização e “manuseio” da topografia, bem como para a criação de uma implantação favorável. PROBLEMA 2: Ao longo de toda Avenida Giovanni Gronchi foram criadas barreiras visuais para a favela, afim é claro de nega-la. Portanto um dos partidos adotados, por ser um centro de integração, é que essa visão não seja obstruída, afirmando assim a existência de Paraisópolis. Isso se torna uma problemática, por conta do desnível, que pode valorizar ou se tornar um limitante para essa premissa. PROBLEMA 3: Por ser um centro das artes do corpo, os movimentos corporais devem ser priorizados, por isso, outro partido que foi adotado foi o estudo desses movimentos para a criação do edifício. (Na realidade esse problema foi gerado depois de algumas experimentações, pois as implantações e os edifícios não geravam bons resultados, por conta de uma falta de partido).


A partir do reconhecimento dos problemas a serem enfrentados o primeiro passo dado foi a maquete, que se tornou elemento essencial para a melhor visualização e entendimento do terreno e sua topografia. O material utilizado inicialmente foi o EVA preto, que acabou sendo pintado de branco, pois a cor anterior dificultava a visualização das cotas de nível.

Após pintar a maquete e entender o tamanho do problema, cortes e setorizações foram feitas em forma de croqui. A implantação iniciou com a decisão de que a arena aberta ficaria na parte mais baixa do terreno, aproveitando dessa forma a topografia. Outro partido encontrado através dos croquis foi a de que o centro cultural deveria ficar na parte mais alta, mais próximo a Giovanni Gronchi, e que o caminho de ligação entre a arena e o centro fosse por meio de uma grande rampa com escadarias. Com essas premissas pré-determinadas, a forma do edifício já pôde ser pensada. Primeiramente, foi pensada uma forma mais ortogonal, que a partir da observação da maquete fica visível à quebra do movimento da rampa. A rigidez das linhas ortogonais não conversam bem com a fluidez da rampa gerando um conflito desagradável. Para criar uma acessibilidade mais direta, surge a ideia de um elevador, que sairia da cota mais


baixa, onde se encontra a arena aberta, até a cota mais alta. Para isso uma passarela também teria que ser criada. Por isso, experimentações com o elevador e a passarela também foram feitas. Ao colocar o elevador e a rampa na maquete foi possível perceber as diferentes interferências que elas iriam causas à plateia que estaria assistindo a uma peça, ou apresentação. Além disso, ao colocar uma passarela e um elevador no terreno a impressão que fica é que eles foram colocados lá apenas para suprir a necessidade de acessibilidade da área, não parecendo fazer parte da concepção do projeto. Após essas considerações, a questão da acessibilidade foi deixada mais para frente. Para manter o movimento da rampa sem haver uma quebra era necessária a criação de movimento no prédio também. Para fazê-lo foi criada uma curva no prédio. Esse modelo criou realmente mais movimento na fachada Leste, mas na fachada Oeste, da Avenida Giovanni Gronchi, ainda faltava o movimento desejado. A pesquisa de edifícios e artes que foram concebidos a partir de uma vontade de transmitir o corpo em movimento,


trouxe a ideia de estudar os movimentos de bailarinos dançando para chegar a uma forma com mais movimento. Entre os projetos estudados estavam: a casa de paredes treliçadas de Kathryn Findlay e Eisaku Ushida, os desenhos de luz de Picasso, que utilizava uma câmera para pegar os movimentos que ele fazia com uma lanterna, e a casa sem-fim, que não foi construída, projeto de Frederick Kiesler. Todas essas obras priorizam de alguma maneira os movimentos do corpo, gerando nos trabalhos uma forma orgânica e descontínua. A partir dessa observação foram desenhados bailarinos em seus diversos movimentos, para então criar uma forma para meu edifício. Os desenhos evidenciaram que os bailarinos sempre mantém um eixo vertical ao solo que os permite continuar eretos. Desse eixo surgem os mais diversos movimentos das pernas e dos braços. Todos esses desenhos me ajudaram a criar um novo partido que transparecesse a dinâmica, fluidez e movimento das artes corporais.


O movimento desejado apareceu após vários desenhos e croquis.

A implantação seguiu o croqui inicial, com a arena na parte mais baixa e o centro cultural em cima. Inicialmente, essa configuração pareceu suficiente para gerar a integração proposta, mas após um estudo mais aprofundado a proposta não parecia, ainda, criar uma ligação tão forte entre as duas realidades, e nem mesmo entre as duas cotas. O edifício principal, ainda estava muito ligado a Avenida Giovanni Gronchi e pouco ligado a favela.


Após a retomada dos partidos iniciais, retirar o último pavimento, onde se encontra a biblioteca, e transformá-lo em um pavimento de transição que faça a transposição de cotas parece a melhor opção. Dessa maneira, simbolicamente a biblioteca será o programa integrador entre as duas realidades, assim como ocorre na maioria dos projetos de Medellín.


“Acupuntura urbana vem do principio de recuperar a energia de um ponto doente ou cansado por meio de um simples toque que tem a ver com a revitalização deste ponto e da área ao seu redor. [...] Assim como a medicina necessita da interação entre médico e paciente, em urbanismo também é preciso fazer a cidade reagir.” JAIME LERNER


l O PROJETO



O projeto desenvolvido é o Centro Cultural e Multipalco das Artes do Corpo (CCMAC). Seu térreo é livre, possuindo um grande mirante para a favela Paraisópolis, e onde podem ocorrer as mais diversas atividades para o público em geral. A transposição de cotas é feita também através deste mirante, pelos elevadores abertos, ou então por dentro do edifício, passando pelo hall, e pela biblioteca pública. Quem vem de Paraisópolis se depara com uma arena aberta, que comporta as mais diversas apresentações, e onde pode também ser um local de permanência para conversas e debates. Sua implantação também permite a escolha de fazer um percurso mais longo, mas também prazeroso, pela escadaria e rampa que ligam ao edifício superior e a Avenida Giovanni Gronchi, passando por uma ampla área verde. A biblioteca, localizada no pavimento de transição, e no mezanino, possui uma área envidraçada e uma extensa varanda que pode servir tanto para observar a paisagem enquanto se lê um bom livro, quanto mais um local para assistir aos espetáculos que acontecem na arena. Para a proteção do sol, são utilizados pergolados de madeira ancorados a laje. No pavimento de transição estão ainda um restaurante com duzentos lugares, que através de brises de madeira permite a vista da favela, uma ampla área de exposição e o auditório para 250 pessoas, com foyer, camarins e depósito. No térreo se encontra ainda uma lanchonete, uma pequena loja, uma área aberta para apresentações de circo teatro e dança, e uma bilheteria. O primeiro pavimento do edifício superior contempla uma sala para aulas de teatro musical para 50 pessoas, e três outras salas para aulas de teatro para 40, 30 e 25 alunos, respectivamente. Além disso, se encontra a extensa sala para aulas de circo para 60 pessoas, onde há um pé direito de aproximadamente 12 metros para que as acrobacias e treinos de tecido, trapézio e cama elástica possam acontecer. Nesse mesmo piso se encontra a administração e área para funcionários. No piso superior se encontram três salas de dança para 40, 30 e 20 alunos, além de uma sala de descanso. Esse piso ainda contempla um café com 70 lugares, uma sala multiuso, onde podem


acontecer apresentações, palestras e treinos, e ainda a sala dos professores. Na cobertura existe uma plateia para 80 pessoas, que permite a entrada de luz no vazio interior do projeto, bancos e uma horta comunitária. A estrutura do edifício consiste em lajes nervuradas com altura de 70 cm e pilares de concreto com 50 cm de diâmetro, que através de dutos fazem a


captação de águas da cobertura. Os vão vencidos são de 12,50 x 12,35 metros, 12,50 x 7,00 metros e 12,50 x 12,50 metros, conferindo a amplitude desejada para os espaços para a liberdade de movimento. Na biblioteca a estrutura sustenta até mesmo balanços de 5 metros. O fechamento do edifício superior é constituído por painéis de vidro sustentados por perfis verticais que aparecem em seu exterior, e perfis horizontais que são apenas visualizados internamente, esses perfis são ancorados a laje e quando necessário a ultrapassam para compor os guarda-corpos da cobertura e da varanda. É importante evidenciar que fazia parte das premissas do projeto a aceitação da favela e a dissolução dos muros e barreiras, que hoje estão presentes em toda a extensão da Avenida Giovanni Gronchi com o intuito de negar a favela, e acabam também entrecortando os fluxos. O edifício tem por proposta demonstrar para a população local a grande diferença que um espaço público de qualidade, que vise a democracia e a integração, pode fazer para o bairro e para a cidade como um todo.

FLUXOS E VISÃO


IMPLANTAÇÃO COBERTURA


IMPLANTAÇÃO TÉRREO





CORTE BB



CORTE AA


PLANTA MEZANINO

PLANTA DE TRANSIÇÃO


TÉRREO LAERTE SETÚBAL



CORTE LONGITUDINAL



ELEVAÇÃO LAERTE SETÚBAL









[CONSIDERAÇÕES FINAIS]


O presente estudo abordou três temáticas principais: limites, a importância de um espaço público de qualidade e a arquitetura como agente integrador social. Como já descrito, apesar de estarmos em uma época, onde a base da sociedade é a internet, instrumento esse que dilui as barreiras ligadas ao tempo e as distâncias, nossas cidades vivem um período de segregação social e implantação de barreiras físicas. Com isso, foram citados 12 critérios que desempenham papel fundamental na construção de um espaço público de qualidade, pois muitos dos problemas ligados à segregação sócio-espacial geram o abandono do espaço público, tornando as pessoas intolerantes a indivíduos fora de seu campo social. Um dos exemplos expostos de espaços democráticos foi o Centro Cultual São Paulo. Nele diferentes pessoas convivem, desde idosos a dançarinos, para usufruir de um local multidisciplinar e cultural. Dessa forma o espaço se torna heterogêneo e aberto para a cidade e seus habitantes. Outro exemplo citado foi o urbanismo social de Medellín. Neste caso porém, os equipamentos arquitetônicos são inseridos em locais onde a segregação social e espacial são mais presentes e evidentes. Visto isso, fica claro que os arquitetos não só tem que pensar em espaços que integrem pessoas diferentes, mas também precisam reintegrar essas áreas fragmentadas à cidade, tornando o seu papel muito mais complexo e importante. Após essa importante pesquisa, a região do Morumbi foi estudada, pois lida com muitos dos conceitos pesquisados, como o abandono do espaço público e a segregação sócio-espacial. Por abrigar a segunda maior favela de São Paulo, e possuir muitos condomínios cercados por muros, se tornou um ótimo território de estudo e intervenção. Desta forma, o objeto de projeto teve como premissa a diluição das barreiras físicas tão presentes no bairro, e ainda a exposição da favela como parte integrante dele. Assim como em muitos projetos na Colômbia, a biblioteca foi o principal elemento integrador, juntamente com o auxilio de transposição de cotas na topografia, que se constituía em mais uma barreira. Em suma, a pesquisa teve como principal objetivo expor uma melhor maneira de viver e conviver na cidade, diferente desta que estamos presenciando atualmente. E porque não utilizar o trunfo que os arquitetos têm na mão de poder projetar espaços, e uni-lo a responsabilidade de


transformar a qualidade de vida das pessoas, resultando assim, em uma melhora da convivência entre indivíduos diferentes e ainda a melhoria das cidades em que vivemos. “Emitir hipóteses é reconciliar a dúvida e a esperança. Mais do que nunca temos necessidade das duas.” MARC AUGÉ



[Ă?ndice de imagens]


[inquietação] Globalização, seus limites e fronteiras Figura 1 Fonte: http://www.zun.com.br/construcao-do-muro-de-berlim/ Figura 2 Fonte: http://agambiarra.com/10a-bienal-arquitetura-sao-paulo-vanguarda-em-acao/ Os Muros de São Paulo Figura 1 Fonte: http://www.kaosenlared.net/secciones/s/humoranticapitalista.html?limit=20&start=120 Figura 2 Fonte: http://www.aroundsp.com/en/city-guide-2/museums/ Figura 3 Fonte: http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/rolnik-vao-livre-do-masp-reflete-o-carater-de-saopaulo.html A Importância e qualidade dos espaços públicos Figura 1 Fonte: http://oseiasvieira.blogspot.com.br/2014/05/faixa-de-seguranca-faixa-de-pedestres.html Figura 2 Fonte: http://drieverywhere.net/2010/05/23/ Figura 3


Fonte: http://viagemidosos.blogspot.com.br/2012_09_01_archive.html Figura 4 Fonte: http://www.ecocidades.com/page/2/ Figura 5 Fonte: http://drieverywhere.net/categoria/clima/ Figura 6 Fonte: http://www.webmd.com/fitness-exercise/guide/walking-for-exercise Figura 7 Fonte: http://www.asimagens.com/a/fotos-de-pessoas-sentadas-TdKbp8M68 Figura 8 Fonte: http://www.presentepracrianca.com/dicas-para-brincar-ao-ar-livre/ Figura 9 Fonte: http://henriqueemparis.wordpress.com/page/5/ Figura 10 Fonte: http://www.burjkhalifa.ae/en/ Figura 11 Fonte: http://www.jma.go.jp/en/typh/ Figura 12 Fonte: http://sao-paulo.com.br/rua-25-de-marco-e-o-maior-centro-comercial-da-america-latina/


CCSP Figura 1-11: autoria Guilherme Lerner

[aproximação] O Bairro do Morumbi Figura 1 Fonte: http://noticias.terra.com.co/internacional/el-contraste-mundial-entre-pobres-y-ricos-enimagenes,32ce09a2ad685410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html Figura 2 Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/12.136/4086 Figura 3 Fonte: http://www.habisp.inf.br/

O Plano Urbanístico de Paraisópolis Figura 1 Fonte: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=221203&c=5012 Figura 2 Fonte: http://paraisopolis.org/ Figura 3 Fonte: Foto da autora Figura 4 Fonte: http://vejasp.abril.com.br/materia/violencia-em-paraisopolis-segunda-maior-favela-da-cidade


Figura 5 Fonte: http://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/ceu-paraisopolis Figura 6 Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/paraisopolis/ Figura 7 Fonte: http://www.habisp.inf.br/ Figura 8 Fonte: http://www.habisp.inf.br/ Figura 9 Fonte: http://vejasp.abril.com.br/materia/violencia-em-paraisopolis-segunda-maior-favela-da-cidade Figura 10 Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3374 Figura 11 Fonte: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/programas/index.php?p=3374

O Urbanismo Social de MedellĂ­n Figura 1, 3, 4 e 5 Fonte: Autoria de Ricardo HernĂŠn Medrano Figura 2 Fonte: http://d7.iwrn.org/documentos/eneld7/minimo_vital_de_agua_potable.pdf


Figura 6 Fonte: http://www.plataformaarquitectura.cl/2013/12/10/jardin-de-infantes-moravia-alejandro-restrepomontoya-javier-castaneda-acero/ Figura 7 Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-179336/jardim-de-infancia-el-pinal-felipe-bernal-henao-maisjavier-castaneda-acero-mais-alejandro-restrepo-montoya Figura 8 Fonte: http://discovercolombia.com/leon-de-greiff-park-library-in-la-ladera-2/ Colégio São Domingo de Sávio Todas as figuras Fonte http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/12.134/4265 Parque Biblioteca Fernando Botero Todas as figuras Fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-78071/parque-biblioteca-fernando-botero-slash-g-

ateliers-architecture




[bibliografia]


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