O VELHO TESTAMENTO Acústico & Ao Vivo
Alessandro Mendonça
Copyright © 2014 Alessandro Mendonça All rights reserved. ISBN: 1496051572 ISBN-13: 978-1496051578
PREFÁCIO
Você sabe o que é um “retrônimo”? Segundo a biblioteca virtual, Wikkipedia, retrônimo é um tipo de neologismo gerado pela modificação do nome original de um objeto ou conceito para diferenciá-lo de uma versão mais recente do mesmo. Boa parte dos retrônimos são criados em função de um avanço da tecnologia, que adiciona um adjetivo ou modificador ao nome do novo objeto ou conceito criado, gerando a necessidade de um adjetivo contrário ou complementar para ser adicionado ao original. “A Primeira Guerra Mundial”, “D. Pedro I” e “telefone fixo” são exemplos de retrônimos. A Primeira Guerra Mundial era apenas a “Grande Guerra” antes de eclodir a Segunda; antes de D. Pedro II, D. Pedro I era tão somente D. Pedro e ninguém chamava o telefone comum de “telefone fixo” até que inventassem um telefone “móvel”. Quando for nomeado um Papa Francisco II, o Papa Francisco passará a ser conhecido por Francisco I, um retrônimo. “Música Acústica” é uma expressão retrônima. Toda música, a princípio, era produzida a partir de instrumentos acústicos. Isso até o surgimento dos amplificadores, sintetizadores e guitarras elétricas. Há uma palavra – bem mais conhecida – semelhante na pronúncia a “retrônimo” que é retrógrado. O Velho Testamento lhe parece assim: retrógrado, ultrapassado? Caduco? Sua mensagem lhe traz à memória um Deus irado e carrancudo? A mensagem do Antigo Testamento pode ser comparada a uma música que foi, por anos, executada nas igrejas com barulho em excesso, vocais estridentes, microfonia e distorções. Esse livro é um convite a uma nova experiência diante de uma música antiga. Experimente desligar os amplificadores e toda aparelhagem elétrica e ouvir as boas e velhas mensagens do VT numa versão "acústica e ao vivo".
SUMÁRIO
1
EIS-ME AQUÉM
7
2
O DÍZIMO TÁ NO PAPO
11
3
SOB O MEDO DA NOITE
15
4
DOZE BOIS
19
5
ESQUISITOS QUESITOS
22
6
NADA COMO UM SALMO DEPOIS DO OUTRO
27
7
OS MICOS DE MICA
31
8
OS DIAS EM QUE DEUS CUIDAVA DE MIM
35
9
NADA MUDOU
39
10
NOMES, NOMES E MAIS NOMES
42
11
COBERTURA ESPIRITUAL
46
12
O QUE ACONTECE QUANDO VOCÊ ESTÁ FOR A DA VONTADE DE DEUS?
50
13
SINAIS OU CIRCUNSTÂNCIAS – O QUE ORIENTA SUA FÉ?
54
14
O FATOR EFRAIM
59
15
O SUCESSO É... SER UM ESCOLHIDO!
64
16
DAVI E O ANÃO
72
17
VIVENDO ENTRE O ORDINÁRIO E O EXTRAORDINÁRIO
75
18
EXISTINDO PARA ALÉM DO
82
RECONHECIMENTO 19
A PIRADA RELIGIOSIDADE PIRATA
87
20
SÓ AS SERPENTES SALVAM
91
21
O VÍCIO DA DOR
95
22
OUVIR A DEUS
100
23
O VINGADOR
104
24
A BOA E PACIENTE IRA DIVINA
108
25
PECADORES SEM NOÇÃO
113
26
ENQUANTO HÁ OSSOS, HÁ ESPERANÇA
116
27
O MEDO... É UM PERIGO!
121
28
DAVI, O TRI-UNGIDO
126
29
COMO TRANSFORMAR DESAPONTAMENTOS EM CONFISSÕES DE ESPERANÇA?
130
30
DIAS PIORES VIRÃO
133
31
ANDARÃO DOIS JUNTOS SE NÃO ESTIVEREM DE ACORDO?
136
32
O DEUS DA VIDA TODA
139
33
COVIL DE LADRÕES
143
34
PEQUENO MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA À IRA DIVINA
146
35
COM VONTADE DE DESISTIR
150
36
O DESABAFO DE DEUS
153
37
A TEORIA DA FOFOCA
160
38
DE VOLTA AO LAR
165
39
A COPA DE NEEMIAS
169
40
AMOR, NA PRÁTICA
172
41
UM SALMISTA EMBASBACADO
176
42
AI, QUE VONTADE DE SUMIR!
179
43
PARA REI DE ISRAEL, VOTE ABIMELEQUE
182
44
A TEOLOGIA DO CULTO
186
45
UM REFÚGIO CHAMADO DEUS
189
EIS-ME “AQUÉM” “No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi também ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. E os umbrais das portas se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos. Porém um dos serafins voou para mim, trazendo na sua mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; E com a brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os teus lábios; e a tua iniqüidade foi tirada, e expiado o teu pecado. Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então disse eu: Eis-me aqui, enviame a mim.” Livro do Profeta Isaías, capítulo 6 (1-8) Você já se sentiu "aquém"? Já pensou que não tinha condições de assumir alguma responsabilidade? Já se julgou incapaz ou insuficiente diante de um desafio? Isso é muito comum. Aquém – Aqui – Além: essas palavras fazem parte de uma classe gramatical conhecida como Advérbio. E esses, em especial, são advérbios de lugar. Os dois últimos (aqui e além) são bastante
conhecidos e não necessitam explicação. Os usamos com freqüência. Mas o aquém quase não se usa. Por que será? O profeta Isaías teve uma experiência mística: uma visão celestial. Isso o deixou atordoado. Ele vê o trono do próprio Deus, suas roupas esvoaçando e tomando todo o templo. Anjos que pairavam sobre Deus e cujas vozes faziam o local tremer. E Isaías ali no meio daquele cenário fantástico. Mas ele não se sentiu confortável. Ele exclama: Estou perdido! Mas, podemos perguntar: Como é possível sentir-se desconfortável num ambiente tão bom? Imagine-se em uma festa granfina. Só gente da alta. Um salão cheio de gente bonita, um cantor famoso fazendo um show particular, muita comida e você com um tênis furado, uma camiseta puída, uma calça suja, cabelo desgrenhado e desodorante vencido. Como se sentiria? Você se sentiria aquém: "Não estou vestido apropriadamente, estou muito aquém do nível dessas pessoas". Isaías sente o desconforto do pecado. O ambiente ali não é pra ele. É outro nível. Ele está aquém. Ou, de um outro ponto de vista, Deus está muito além de suas condições humanas falíveis. Ele expressa isso claramente quando brada: "Vivo num meio de gente de boca suja! Gente de lábios impuros, boca cheia de maledicência, mentira, fofoca. E o pior: eu também sou um deles! Estou contaminado!" Ocorre que Deus também emite um clamor: "A quem enviarei? Quem há de ir por Nós?". E Isaías responde então: "Eis-me aqui". Mas, antes de Isaías dizer eis-me aqui ele disse um eis-me aquém. Isaías já era profeta quando teve essa visão, mas a grandeza da visão o fez sentir-se apequenado, insuficiente, incapaz. Muitas vezes também nos sentimos assim. Especialmente quando nos vemos diante de algo que Deus nos oferece: um ministério, uma oportunidade, um desafio ou até mesmo a própria conversão. Daí, olhamos para nossas limitações e dizemos: Isso aí não é pra mim. Estou aquém disso. Duas coisas ocorrem, ou melhor seria dizer: duas coisas concorrem (posto que ocorrem juntamente) para transformar o tímido "eis-me aquém" num confiante "eis-me aqui". Isaías recebe o toque de Deus. Vem um anjo e sapeca a boca do profeta. Isso torna Isaías limpo, purificado. Suas transgressões são tiradas. Mas isso, por si só, ainda não seria suficiente. Não basta estar limpo, é preciso crer que se está limpo.
Por isso o anjo não apenas toca, mas mostra. Ele diz: Isaías, veja! Isso o tocou e você foi purificado. O anjo não mandou Isaías olhar os próprios lábios num espelho. Mandou-o olhar a tenaz que o havia tocado. E isso porque se nós olharmos para nós mesmos, talvez não encontremos envidências. Por isso temos que olhar para aquilo que Deus fez. E temos que crer nisso. E Isaías manifesta essa fé quando responde ao chamado de Deus. Sua posição é mais importante que sua condição - Sempre estaremos aquém do que Deus deseja. Nunca superaremos Suas expectativas. Mas Deus, por sua graça, se importa mais com nossa posição (aqui) do que com nossa condição (aquém). Isaías poderia ter se envergonhado com a santidade de Deus e ter fugido daquele ambiente, mas permaneceu, confessou sua iniqüidade pessoal e foi alcançado pela restauração divina. * * * Vestes sujas na Sala do Trono. Certamente isso não é uma situação confortável, apesar disso (se desejarmos a purificação) é melhor um sujo aqui que um limpo aquém.
O DÍZIMO TÁ NO PAPO Olha só o que a Bíblia conta sobre o que era feito com o dízimo e eu tenho quase certeza que você não sabia! Em Deuteronômio 14:22-29 está escrito: Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano serecolher do campo. E, perante o SENHOR teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar oseu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e osprimogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer aoSENHOR teu Deus todos os dias. E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estarlonge de ti o lugar que escolher o SENHOR teu Deus para ali pôr o seu nome,quando o SENHOR teu Deus te tiver abençoado. Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher oSENHOR teu Deus; e aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e porovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma;come-o ali perante o SENHOR teu Deus, e alegra-te, tu e a tua casa; porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas; pois nãotem parte nem herança contigo. Ao fim de três anos tirarás todos os dízimos da tua colheita no mesmo ano, eos recolherás dentro das tuas portas; então virá o levita (pois nem parte nem herança tem contigo), e oestrangeiro, e o órfão, e a viúva, que estão dentro das tuas portas, e comerão,e fartar-se-ão; para que o SENHOR teu Deus te abençoe em toda a obra que as tuas mãos fizerem.
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De acordo o texto bíblico acima o dízimo é "multidimensional". Tem lições fortíssimas sobre comunhão, adoração e ação social. Dimensão Espiritual - Litúrgica ("Perante o Senhor Teu Deus...") - a primeira dimensão é a espiritual-litúrgica. Entregar o dízimo é algo diferente de pagar uma prestação ou uma espécie de "mensalidade da igreja". Tem um aspecto de adoração uma vez que o texto diz que deve ser feito "perante o Senhor Teu Deus". É uma expressão de alegre gratidão, despreendimento material e adoração. Dimensão didático – pedagógica ("Para que aprendar a temer ao Senhor") – Entregar o dízimo também tinha uma dimensão didática fortíssima: ensinar o temor à Deus. Hoje, a gente aprende é a ter medo: “Se você não der o dízimo, o devorador vai te surrupiar tudo!”. Mas na Bíblia, na Lei (Lei cheia de Graça) o que vemos é um povo que contribui e ao contribuir aprende a temer/amar seu Deus. Ora, e por quê? Porque Deus não quer que eu fique dez por cento mais pobre. Quer que eu fique cem por cento mais grato. E como não ter gratidão a um Deus que diz que eu posso comprar o que quiser com meu dízimo? Deus se preocupava com o bem-estar de seu povo a ponto de permitir cada um vender o dízimo e comprar o que “a alma desejar”, seja “vinho ou chimarrão, vatapá, pizza, churrasco ou bobó de camarão”. E isso porque haveria israelitas que estariam longe demais do local da entrega (vs): e por uma questão de “comodidade”, Deus permitia que o sujeito não tivesse que sair carregando aquele volume todo de comida numa viagem longa e cansativa. Ele podia optar por vender tudo em sua cidade e levar o dinheiro num saquinho. Quando chegava ao templo, podia comprar o que desse vontade de comer. Só não podia comer sozinho, claro. Devia compartilhar. Paulo Freire propôs a Pedagogia do Oprimido. Deus promoveu a Pedagogia do Alimentado. Dimensão comunitário-festiva ("Come-o ali perante o Senhor e alegrate tua e família") - Essa é a principal dimensão da prática da entrega do dízimo. Todo ano, na época da colheita, cada israelita deveria retirar dez por cento de sua safra, dez por cento de seu gado, de todo produto da terra, da lavoura, de todo seu lucro. A primeira ordem sobre o dízimo é: “Darás o dízimo... de tudo...”. Isso é o que se ensina. A segunda ordem (não menos importante) é: “... e perante o Senhor teu Deus, comerás o
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dízimo. Tu e tua família, teus empregados e os estrangeiros que estão contigo”. Ou seja: todo mundo levava sua “cesta básica dizimal” para o mesmo lugar. Lá encontravam-se com familiares e amigos distantes. Juntava-se a farinha do irmão Jacó com pernil de cordeiro do irmão Ananias, mais um vinhozinho do dízimo das vides do irmão Baraque e todos comiam e bebiam. Devia ser uma grande festa! Um momento singular de encontro e partilha. Uma grande refeição mútua. O pobre comendo do manjar do rico, o rico comendo do jabá do pobre. Já pensou se sua igreja tivesse um big jantar todo fim de mês? Não estou falando daquelas galinhadas frias para “ajudar na construção do templo". Já pensou no impacto social, evangelístico, comunitário? Dimensão social ("Virá o levita... o estrangeiro, o órfão e a viúva e comerão e fartar-se-ão") – a cada três anos, o dizimista israelita deveria recolher seu dízimo e, ao invés de leva-lo para o templo, deveria recolhêlo em casa para que os desamparados pudessem se servir dele. Há também um alerta para que não se esqueça do levita “pois não tem parte nem herança contigo”. Há aqui ainda uma graça adicional de Deus: os necessitados são protegidos do constrangimento de mendigar, de pedir. O alimento estava ali, disponível na casa de cada israelita contribuinte. E note que a recompensa também tem espaço aqui. Aqui a "recompensa" acontece como resultado da partilha com os irmãos: "... para que o Senhor te abençõe em toda obra que tuas mãos fizerem". Ou seja, é digno de nota, que a "benção da prosperidade" está associada justamente ao dízimo que não era entregue no templo, mas que ficava em casa para servir ao próximo! * * * Minha oração é para que a igreja possa reinventar-se e voltar às raízes da prática do dízimo que não servia para comprar mansões, cavalos árabes, carrões importados ou para construir catedrais, mas para pura e simplesmente juntar irmãos à mesa.
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SOB O MEDO DA NOITE "Profecia contra Dumá: Gente de Seir me procura perguntando: Guarda, quanto falta para acabar a noite? Guarda, quanto falta para acabar a noite? Respondo: A manhã logo vem, e com ela também vem a noite. Se quiserem perguntar de novo, podem perguntar" (Isaías 21:11,12) Muitos pastores atualmente gostam de confeccionar cartõezinhos de apresentação com a informação: conferencista internacional. Muitas vezes o sujeito só viajou como sacoleiro para o Paraguai para comprar produtos e pregou para algum portenho na fronteira. Pronto! Virou conferencista internacional. Mas, internacional mesmo era o profeta Isaías. Seu ministério transpunha as fronteiras de Israel, alcançando povos e nações como Babilônia, Etiópia e Egito, entre outras. A esquisitíssima profecia acima foi pronunciada contra a nação de Edom. Os edomitas são aparentados dos israelitas uma vez que descendem de Esaú, irmão de Jacó. E a profecia, no seu título, é dirigida contra Dumá. Ocorre que Dumá não existe. Nunca existiu. Na verdade, o profeta faz um trocadilho com os dois nomes que, em hebraico, são parecidos. Dumá significa “silêncio” e esse significado pode ser uma chave para o entendimento da profecia. “Gente de Seir me procura...”
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Profecias em geral contém anúncios do futuro, promessas de bênçãos ou alertas de castigos. Leia algumas em Isaías e você comprovará isso. Mas a Profecia contra Dumá é absolutamente distinta: é curta, não prediz nada, não cobra nenhuma postura dos edomitas, não denuncia nenhum pecado. Ainda assim é uma profecia reveladora. “Quanto falta para acabar a noite? Quanto falta?” A profecia (em forma de alegoria) mostra um povo incomodado com a longura da noite. Talvez sofressem de insônia, ou temessem os perigos da noite, ou o medo de um ataque inimigo repentino. Certo é que eles ansiavam pelo amanhecer e isso está demonstrado na insistência da pergunta ao vigia noturno. Há pessoas para quem a noite deixou de ser o momento do repouso, do descanso. O silêncio da noite e sua tranqüilidade converteram-se em inimigos da alma, em promotores de aflição. Gente que não dorme direito, gente que não descansa. Da mesma forma, há pessoas para quem não apenas a noite, mas tudo teve seu significado e propósito invertidos: o dinheiro deixou de ser um sinal de segurança para tornar-se um gerador de inquietação. O trabalho não motiva mais, a bebida não alegra mais, os calmantes perderam o efeito, as companhias causam enfado. Pessoas que querem que a noite acabe logo, que o sexo termine rápido, que o parente e o amigo as deixem a sós. Essas pessoas sofrem o que eu chamo de Primeiro Efeito Dumá: a subversão dos propósitos. Ou seja, ver aquilo que trazia alegria agora trazer transtorno. Essa gente se pergunta o que perguntavam os habitantes de Seir: “Quanto falta para acabar?” “A manhã logo vem, mas com ela também vem a noite” Nada como um dia após o outro. Sempre ouvimos essa expressão e a usamos em geral de maneira positiva, otimista. Mas para o povo que ouviu a profecia de Isaías isso não funcionava. Eles sofriam o segundo Efeito Dumá: a dor da rotina. É interessante notar que Deus não manda Isaías dizer que vai cair uma tempestade de granizo, que uma catástrofe se aproxima, que um exército vai invadir e pilhar tudo. Para algumas pessoas o verdadeiro terror está na sucessão de dias e noites, noites e dias. O tic-tac do relógio é pior que o ratatatá da metralhadora. Os castigos normalmente estão associados à privações de coisas que todos os outros tem. Mas esse castigo em especial é diferente: é o ter, mas sem
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o desfrutar. Noites e dias acontecem a todos indistintamente. Mas para aqueles que estão sob o efeito Dumá, a resposta do guarda é aterradora: falta pouco para acabar a noite, mas não se anime, pois o dia seguinte também traz uma noite seguinte. Ou seja, essas pessoas buscam o alívio e a única coisa que descobrem é que haverá uma pausa, um intervalo (que parecerá breve demais) e logo seus tormentos voltarão. Eles viveriam a rotina de, à noite, ansiarem pelo dia. E de dia, terem a certeza amedrontadora da noite. “Se quiserem perguntar de novo, perguntem...” Lembra quando você perdeu algo e procurou duas, três vezes, no mesmo lugar. Enfiou a mão no bolso da calça e não achou as chaves; procurou em todos os lugares e não achou. Voltou, enfiou a mão de novo no bolso e nada. Depois alguém te pergunta: Será que não está no seu bolso? Você já olhou o bolso?. Você responde que já, mas, mesmo assim, inexplicavelmente, mete a mão mais uma vez. Este inconformismo, esta mesma sensação de “cavucar” o vazio em busca de algo também estava presente naquele povo. Aquele vigia provavelmente sabia que o povo viria no dia seguinte com o mesmo questionamento. Ele, portanto, se antecipa e avisa que eles poderiam ir embora, voltar e perguntar de novo. E ele vai dizer a mesma coisa. Eis aí o terceiro efeito Dumá – a irreversibilidade das circunstâncias. Certos processos da natureza podem ser alterados ou mesmo impedidos. Pode-se mudar o curso de um rio, represa-lo e até seca-lo por completo. Pode-se poluir o ar e interferir no clima. Mas não se pode impedir o amanhecer ou o anoitecer. Noites e manhãs são irreversíveis. Essa profecia não oferece alternativa. Não se diz que se você arrependerse, tudo se resolverá. Parece não haver esperança. Deus não estava disciplinando aquele povo com tempestades, enchentes, tornados ou quaisquer outros fenômenos da natureza. O castigo era o cotidiano. Você pode pedir que Deus cure uma doença, extermine a fome, cancele as tempestades. Mas não pode esperar noites ensolaradas e dias intermináveis. O único conselho que se pode dar é: não seja um edomita (vide Isaías 34.5) Não esteja na condição de inimigo de Deus. Pois só Deus pode dar condições para que se olhe para a vida com esperança, para que se encare o dia com alegria e a noite com tranqüilidade.
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* * * “De dia o Senhor me concede o seu fiel amor e de noite sua canção está comigo” (Salmo 42:8)
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DOZE BOIS
"E enviou o rei Salomão um mensageiro e mandou trazer a Hirão de Tiro... E era cheio de sabedoria, e de entendimento, e de ciência para fazer toda a obra de cobre; este veio ao rei Salomão, e fez toda a sua obra. Fez o mar de fundição, de dez côvados de uma borda até à outra borda, perfeitamente redondo, e de cinco côvados de alto...E firmava-se o mar sobre doze bois, três que olhavam para o norte, e três que olhavam para o ocidente, e três que olhavam para o sul, e três que olhavam para o oriente; e o mar estava em cima deles, e todas as suas partes posteriores para o lado de dentro." I Reis 7:14,23-25 Hirão era um artista. Um escultor. Por encomenda de Salomão, Hirão ornamentou todo o Templo de Jerusalém. Uma de suas obras é reveladora. Tem lições tremendas para a igreja atual. Tratava-se de uma grande piscina de aproximadamente quatro metros de diâmetro, que era chamada de "mar de bronze". Esta enorme bacia repousava sobre os lombos de doze bois também de bronze. No texto acima vemos a descrição dessa obra de arte, uma escultura religiosa colocada dentro do Templo de Salomão. Obviamente não era um objeto de culto idolátrico. Mas, certamente, tinha um sentido espiritual a ser desvendado. Tiramos a primeira grande revelação dessa obra enigmática a partir de sua aparente falta de lógica. Afinal qual a lógica de bois sustentando um mar nas costas? Mas a "lógica divina" é a lógica do improvável, do imponderável, do absurdo. Então é absolutamente coerente com um Deus que gosta de usar o “fraco para confundir o forte”, o “tolo para confundir
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o sábio”. E que põe bois dentro do templo para transportar aquilo para o qual eles naturalmente não foram habilitados. É onde entra o sobrenatural divino: capacitar o homem para fazer mais, para ir além, para “transcender” suas limitações. Chama a atenção também o fato do boi não ser o rei dos animais. Esteticamente falando ficaria mais bonito leões no lugar de bois. Ursos talvez. Bois são comuns demais, simples demais. E isso revela outro aspecto das “obras de arte” que Deus cria: Ele prefere a simplicidade. E, para todos os efeitos, bois são mais úteis que leões ou ursos. Bois não são animais de enfeite, são animais de carga, de força e de serviço. Outro aspecto dessa obra é o fato de que nenhum boi está só. Eles não estão separados um do outro. Estão dispostos em grupos de três. A Bíblia diz que o “cordão de três dobras” não se parte facilmente, que o solitário sofre no inverno enquanto aquele que tem companhia tem com quem se “aquentar”. Os doze bois estão juntos, mas cada um tem seu companheiro-boi mais chegado, mais próximo. A obra de Deus não é coisa pra um só. Nem Jesus esteve sozinho Imaginando essa obra podemos perceber também que os bois sustentam o mesmo peso. O peso está equitativamente distribuído. Nenhum carrega mais peso que outro. Na igreja deve ser assim também: trabalho solidário com cargas equivalentes para cada um. Sem sobrecargas, sem “bois” à toa. Os bois olham em quatro direções. Três olham para o norte, três para o sul, outros três para o leste e três para o oeste. Ou seja, nenhum boi enxerga tudo. Por outro lado, nenhum boi enxerga nada. Todos têm uma “visão parcial”. Na igreja também deveria ser assim: humildade no reconhecimento de que nossa visão é limitada e dependência daqueles que enxergam o que nós não conseguimos ver. Não há oniscientes no Reino de Deus, tampouco há “bois cegos”, inúteis e sem visão alguma. E mais: a visão da igreja deve ser abrangente, olhando em todas as direções ao mesmo tempo. Assim como os bois do templo. Por fim, algo surpreendente. Cada junta de três bois (dada sua posição) não consegue visualizar as outras. Isso é significativo: na igreja nem sempre vemos todos os que estão trabalhando. Podemos ver aqueles que estão imediatamente ao nosso lado. Mas tem muita gente “segurando o
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peso” nas costas sem que tenhamos consciência. E o principal: Os bois estão dispostos em quatro grupos de três, de costas uns para os outros, olhando em direções opostas, mas fazendo a mesma coisa. Se todos os bois estivessem do mesmo lado a bacia penderia para parte sem sustentação. Há pessoas no Reino de Deus que não estão do nosso lado, não estão tendo a mesma “visão” que nós e que até estão em lados opostos, mas que estão fazendo a mesma obra: sustentando o mar nas costas. Doze bois no templo de Deus. Doze animais sem “glamour”. Trabalham em grupo. Olham em todas as direções, nenhum vê tudo, nenhum não vê nada. Dependem uns dos outros ainda que nem tenham consciência disso. E carregam o imponderável nas costas.
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ESQUISITOS QUESITOS Texto: Levítico 21:1-24 Depois disse o SENHOR a Moisés: Fala aos sacerdotes, filhos de Arão, e dize-lhes: O sacerdote não se contaminará por causa de um morto entre o seu povo, salvo por seu parente mais chegado: por sua mãe, e por seu pai, e por seu filho, e por sua filha, e por seu irmão. E por sua irmã virgem, chegada a ele, que ainda não teve marido; por ela também se contaminará. Ele sendo principal entre o seu povo, não se contaminará, pois que se profanaria. Não farão calva na sua cabeça, e não raparão as extremidades da sua barba, nem darão golpes na sua carne. Santos serão a seu Deus, e não profanarão o nome do seu Deus, porque oferecem as ofertas queimadas do Senhor, e o pão do seu Deus; portanto serão santos. Não tomarão mulher prostituta ou desonrada, nem tomarão mulher repudiada de seu marido; pois santo é a seu Deus. Portanto o santificarás, porquanto oferece o pão do teu Deus; santo será para ti, pois eu, o Senhor que vos santifica, sou santo e quando a filha de um sacerdote começar a prostituir-se, profana a seu pai; com fogo será queimada. E o sumo sacerdote entre seus irmãos, sobre cuja cabeça foi derramado o azeite da unção, e que for consagrado para vestir as vestes, não descobrirá a sua cabeça nem rasgará as suas vestes e não se chegará a cadáver algum, nem por causa de seu pai nem por sua mãe se contaminará; nem sairá do santuário, para que não profane o santuário do seu Deus, pois a coroa do azeite da unção do seu Deus está sobre ele. Eu sou o Senhor.. E ele tomará por esposa uma mulher na sua virgindade. Viúva, ou repudiada ou desonrada ou prostituta, estas não tomará;
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mas virgem do seu povo tomará por mulher. e não profanará a sua descendência entre o seu povo; porque eu sou o Senhor que o santifico.. Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Fala a Arão, dizendo: Ninguém da tua descendência, nas suas gerações, em que houver algum defeito, se chegará a oferecer o pão do seu Deus. Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade se chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membros demasiadamente compridos, ou homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, ou corcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou sarna, ou impigem, ou que tiver testículo mutilado.. Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se chegará para oferecer o pão do seu Deus. Em 2007 foi lançado nos EUA o livro The Year of Living Biblically, do jornalista A. J. Jacobs. Nele, o autor conta como viveu (ou tentou viver) literalmente todas as mais de 700 regras prescritas em toda Bíblia. Provavelmente ninguém comprará o livro para saber como é viver amando o próximo, dando a outra face ao inimigo e repartindo tudo. O interessante é a aparente falta de sentido em algumas regras comportamentais e em punições extremas como amputações e apedrejamentos. O capítulo 21 do livro de Levítico também fala de esquisitices. Especificamente sobre quesitos que deviam ser observados pelos sacerdotes e pelo Sumo Sacerdote de Israel. Tratam-se de prescrições estranhas. Por que Deus se importaria com isso? Era tão importante assim? A primeira questão a ser observada e, provavelmente, a chave para a compreensão desse texto é que as proibições e restrições impostas aos sacerdotes não eram à coisas “pecaminosas” e sim à coisas “comuns” – aquilo que outros podiam fazer, comer, usar; lugares que podiam freqüentar, mas que não eram permitidos a um sacerdote ou sumo sacerdote – Por quê essa “diferença”? As restrições tinham a ver com o conceito de SANTIDADE. O conceito vétero-testamentário de santidade continha as idéias de separação e consagração. Os sacerdotes eram representantes de Deus ante os homens,
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e dos homens diante de Deus. Eram pessoas “separadas” da gente comum. As restrições a que eram submetidos enfatizavam essa separação. Isso não é tão estranho para nós ocidentais do século XXI. Basta você se lembrar de alguma festinha de aniversário onde pediu ao anfitrião para “preparar um pratinho” para você levar para alguém. O que ocorre nessas situações? O dono da festa “separa” alguns quitutes geralmente colocando-os em um prato “diferente”. Todos os salgados e doces de uma festa são para todos os convidados da festa, exceto aqueles que foram “retirados” e “reservados especificamente” para alguém. Tomamos medidas para “diferenciar” aqueles doces e salgados dos demais. Da mesma forma Deus separava seus ministros. E a separação não consistia em que eles deviam “pecar menos”. Deus não tem uma lista de pecados separada para cada “classe” de pessoas. A Lei Divina vale para todos. Igualmente. Pecado é pecado tanto para o religioso não praticante, quanto para o agnóstico ou para o fiel observador da Lei. Pecado é algo que ofende a Deus. Venha de quem vier. Então o sacerdote, para “demonstrar” sua separação, abstinha-se de coisas que eram lícitas a qualquer outro. Eis o primeiro aspecto do conceito da “santidade sacerdotal”: Santidade como diferença. Diferença do que é comum, usual, corriqueiro, ordinário. O Deus de Israel era incomum e extraordinário. E Seus sacerdotes deviam representar isso. Um outro aspecto do conceito da santidade é relacionado ao “significado”. Santificar é dar às coisas, momentos e locais significados e sentidos que eles não possuem normalmente. Um anel de noivado é uma jóia bastante comum. Exceto para os noivos. Para eles é “especial”. No momento em que foi retirado da loja e colocado nas mãos dos noivos deixou de ser uma mercadoria. Ganhou significado. Tornou-se um “símbolo” de amor e comprometimento. Ao mesmo tempo seu uso também tornou-se “restrito”. Não pode ser usado por outras pessoas, não deve ser retirado do dedo, não deve ser usado como peça de ornamentação apenas, não pode mais ser vendido. Em certo sentido, tornou-se “sagrado”. Lugares comuns como um restaurante, um jardim ou um banco de praça podem ter um significado especial para você. Aquele objeto que você guarda com carinho, aquela pétala seca de uma rosa que você ganhou ou o papel amassado que um dia embrulhou um bombom ganho de alguém especial. Coisas comuns com significados incomuns. Por serem especiais são guardadas, tem seu uso restrito (ou sequer são usadas para não se
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desgastarem), não são vistas por qualquer um, não são mais “usadas” para seus propósitos originais. Adquiriram o que chamamos de transcendência. São “mais do que aparentam ser”. Nós humanos fazemos isso freqüentemente, mas estranhamos que Deus também o faça com as pessoas que escolhe. Santidade tem a ver com “possuir um sentido além” - Os atos do sacerdote se “revestiam” de um sentido divino. O sacerdote carregava a imagem do próprio Deus. As “esquisitices” ressaltavam as diferenças, ilustravam o contraste entre nossa posição e a posição divina. Em contraste com o nosso tempo, onde as coisas (e até pessoas) são descartáveis, aquela época e aqueles esquisitos quesitos nos mostram que a santificação faz com que “coisas” deixem de ser coisas para se tornarem “símbolos” e que ser santo é mais do que “ser” apenas.I
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NADA COMO UM SALMO DEPOIS DO OUTRO “o Senhor é o meu pastor, nada me faltará” (Salmos 23:1)
Este é um dos versículos mais conhecidos da Bíblia. É um dos muitos que Davi compôs. E Davi também é o autor dos Salmos 21 e 22 que o antecedem. E ainda que não possamos estabelecer uma ordem cronológica criteriosa para os salmos, ainda assim podemos tirar grande proveito de sua ordem seqüencial. Conhecer e compreender o conteúdo dos Salmos 21 e 22 nos farão ver o Salmo 23 sob uma nova perspectiva. No Salmo 21, Davi está esfuziante de alegria. É o salmo da plenitude. Eu o costumo chamar de Salmo 100%, pois todos os termos que o salmista usa para expressar sua relação com Deus falam de totalidade: 100% de alegria (vs 1 – “Na tua salvação grandemente se regozija o rei”), 100% de orações respondidas (vs.2 – “Concedeste-lhe o desejo do seu coração e não negaste a petição dos seus lábios”), 100% de bênçãos (vs.3 – “o proveste de bênçãos sem medida”), 100% de reconhecimento público (vs. “... de esplendor e majestade o cobriste”), 100% de vitórias (vs. 5 “Pelas vitórias que lhe deste, grande é a sua glória” e VS 3 – “... em sua cabeça puseste uma coroa de ouro puro”); 100% de longevidade (VS.4 – “Vida te pediu e lhe deste vida para sempre e eternamente”). E mais: Davi confiava no Senhor a ponto de considerar-se inabalável (VS. 7 – “por causa da tua misericórdia, jamais serei abalado”). E quanto aos inimigos, Davi os considerava extintos. Ele cria que Deus faria “churrasquinho” deles (VS. “...farás deles uma fornalha ardente... O
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Senhor os devorará, um fogo os consumirá”. Olhando para este Salmo me pergunto: quem conseguirá viver nesse nível de plenitude espiritual? Você vive assim, 100% como o rei Davi? Todas suas orações são respondidas e seus inimigos viraram fertilizante em pó? Acho difícil. Acho até que para o próprio Davi isso era difícil. Sua alegria em Deus era genuína e sua expressão de gratidão também. Mas, talvez, sua perspectiva fosse otimista demais e realista de menos. Inabalável? Veja então o Salmo 22: “Deus meu! Deus meu! Por que me desamparaste? Por que te demoras em me salvar?” (VS.1) Cadê o Davi do Salmo 21? “Meu Deus, eu clamo de dia e não me respondes; clamo de noite e não recebo alívio!” (VS.2) Se o salmo 21 é o salmo da alegria, o 22 é o da agonia. Davi se sente abandonado por Deus, sem resposta para as orações. Davi não se vê mais como homem, tem a auto-estima de uma ameba órfã (“Sou verme e não homem” – VS 6). Virou motivo de piada e desprezo (“Caçoam de mim... lançam insultos...” VS. 7). Davi, outrora inabalável, sente-se cercado (“... touros me cercam... como leões escancaram a boca contra mim” – VS.12 e 13). Davi amarelou (“Como água me derramei... VS.14) e sua força “secou-se como um caco de barro” (VS.15) e seu coração pleno de confiança no Salmo 21 “derreteu-se como cera” (VS.14) no Salmo 22. Estaria Davi esquizofrênico? Seria um transtorno bipolar? Num dia, eufórico. Noutro, depressivo. Nada disso. Davi era apenas intenso em seus sentimentos. Ele é o autor de ambos os salmos e vivenciou ambas as situações. Davi era humano como nós. E tinha dias de Salmo 21 e dias de Salmo 22, como nós também os temos. O que aprendemos é que depois do Salmo da Alegria e do Salmo da Agonia, vem o Salmo 23: o salmo do equilíbrio. Agora ao lermos os conhecidos versos do Salmo 23, podemos perceber como Davi contempla a vida sob uma ótica menos ufanista, nada
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pessimista e absolutamente realista e cheia de fé. No Salmo 21 Davi ignorava os inimigos, no 22 estava cercado deles e morrendo de medo. No 23, ele até é capaz de fazer um banquete na frente de todos e comer tranquilamente (‘Preparas uma mesa na presença dos meus adversários’ – VS.5). Nem os teme, nem deseja que eles virem fumaça. Está ciente deles, mas pode comer a vontade seu lombinho de cordeiro assado. No Salmo 21 Davi recebe uma coroa de ouro puro. No 23, o que tem na cabeça é algo bem menos chamativo ou atraente (“Unge a minha cabeça com óleo – VS. 5). No Salmo 23 Davi é capaz de ver-se andando num vale escuro e sombrio. Mas não se vê sozinho, desamparado (“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum pois Tu estás comigo...” – VS.4). * * * No Livro de Salmos encontramos dois extremos. E, curiosamente, são extremos próximos. Habitam lado a lado. Nossa percepção da vida deve se resguardar deles: nem somos invencíveis, nem desamparados. Somos falíveis e limitados, mas muito bem acompanhados. Como o salmista com seu Pastor.
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OS "MICOS" DE MICA
E havia um homem da montanha de Efraim, cujo nome era Mica. Juízes 17:1
O livro de Juízes conta a saga de vários heróis. Líderes como Gideão, Sansão e Débora. Mas os capítulos 17 e 18 contam uma história nada inspiradora. Seus personagens: um filho que rouba da própria mãe; uma mãe idólatra e leniente e um sacerdote fajuto e mercenário. Personagens que são antítese daqueles que Deus levantava como juízes para livrar Israel. Mesmo assim, há muito que aprender (a não fazer) com eles. Suas histórias mostram como nos prevenirmos de alguns perigos bastante comuns. Mica roubava da própria mãe. Um dia ele a ouve rogando pragas sobre o ladrão que lhe havia surrupiado treze quilos de prata (1.100 siclos na medida da época). Mica, o filho-ladrão-amaldiçoado, fica com medo e confessa à mãe que a prata estava com ele: … As mil e cem moedas de prata que te foram tiradas, por cuja causa lançaste maldições, e de que também me falaste, eis que esse dinheiro está comigo; eu o tomei. Então lhe disse sua mãe: Bendito do Senhor seja meu filho
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Juízes 17:2 Primeiro “mico”: Tentar recompensar a Deus - A mãe o perdoa de imediato. Agradece à Deus e até abençoa o filho ladrão arrependido: “Bendito do Senhor seja meu filho” (v.2). Mica, então, devolve para a mãe, mas esta não aceita e resolve consagrar toda aquela prata à Deus. Só que escolhe um jeito estranho de fazer isso: “Dedico solenemente esse dinheiro ao Senhor, para fazer uma imagem esculpida...” (v.3). Sua alegria foi genuína, mas as conseqüências, desastrosas. Ela devolve todo o dinheiro a Mica incumbindo-o de fazer uma imagem. Depois arrepende-se, pega a prata de volta e separa apenas 200 das 1.100 moedas de prata e dá a um ourives que faz uma imagem (v.4). Às vezes, na alegria de uma vitória recente, caímos no erro de tentar recompensar a Deus. Consagramos o carro, a casa, o primeiro salário de um emprego que almejávamos. Depois da precipitação, queremos desconsagrar tudo ou uma parte. Pedimos perdão e esperamos que Deus entenda que agimos na empolgação. Essa seqüência: benção – alegria – empolgação – precipitação – arrependimento é bastante comum: Herodes e Herodias, Uzá e a Arca da Aliança, Jefté e seu voto. Parafraseando o apóstolo Paulo que nos orienta a “irar e não pecar”, eu diria: “Alegrai-vos e não pequeis”. Segundo “mico” Acumular aquilo que era para compartilhar A mãe de Mica recebera a benção de ver restituída uma grande quantia em dinheiro. E o que ela faz como forma de gratidão? Transforma o dinheiro em um ídolo. Detalhe: Mica era um colecionador deles. Tinha tantos que até havia feito um pequeno santuário-depósito (v.5). Dinheiro pode ser benção. Mas a prosperidade bíblica é a prosperidade da partilha, não do acúmulo. Quando o dinheiro vira ídolo, a conta bancária, o bolso e o cofrinho se transformam em templos de Mica. Terceiro “mico” Inventar fórmulas que “assegurem” as bênçãos de Deus As pessoas não se contentam com o invisível, intangível e imensurável. Confiar em Deus apenas parece ser arriscado demais. É preciso se
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garantir. Para uma mente religiosa calcada em ritos e fórmulas se uma fórmula funciona é preciso então se construir algo que perpetue a vitória. É o que Mica faz. Não satisfeito com uma capelinha particular ele resolve fazer um manto sacerdotal e “consagrar” o próprio filho como sacerdote particular (v.5). Assim é que, por vezes, tentamos prolongar a data de validade da benção de uma forma artificial. Tentamos repetir a fórmula ou o rito que deu certo uma vez, a exemplo dos sete filhos de Ceva que tentaram expulsar demônios à moda de Paulo, embora sem a fé de Paulo. Quarto “mico” Depositar a confiança naquilo que consideramos ser o canal da benção. Geralmente, ao invés de confiarmos na fonte da benção que é Deus, depositamos nossa segurança nos meios: a profeta, o pastor, a campanha, a Bíblia aberta, a unção, o sacrifício, o dízimo e toda sorte de mandingas evangélicas. Ocorre que, no caso de Mica, pouco tempo depois aparece um levita peregrinando por lá. E o levita descobre Mica e sua “igrejinha”. Mica pensou: “Perfeito!” E propôs um salário, casa, comida e roupa lavada para o jovem levita se tornar seu sacerdote particular (v.10). O filho de Mica, então ocupante do posto, tomou um pé atrás e perdeu a vaga assim como os músicos de nossas igrejas quando chega alguém com mais cacife. Mica passou de um ídolozinho para uma coleção, de uma coleção para um santuário e daí para um santuário com sacerdote; e então de um sacerdote “paraguaio” para um sacerdote-levita. Se nossa confiança, nossa fé e segurança estão depositadas nos meios e não no autor das bênçãos, nós sempre acabaremos por trocá-los por outros que se apresentem mais poderosos e confiáveis. Essa é a infidelidade anunciada do idólatra. Mica não sabia, mas o levita “não era assim uma Brastemp”. Levitas formavam uma classe de auxiliares do templo e dos sacerdotes. Necessariamente deviam pertencer a tribo de Levi. Não era o caso deste, que era da tribo de Judá (v.7). Mica acabou trocando seis por meia-dúzia. Seu filho, pelo menos, era um falsário assumido. Enquanto o levita peregrino era um picareta disfarçado. Resultado: tempos depois um grupo de soldados danitas passa por ali e encontra o levita de Mica e faz-lhe uma proposta irrecusável: “Que te parece melhor? Servir como sacerdote uma tribo inteira de Israel ou apenas a família de um só homem?” (v.19). O levita fajuto não pensou
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duas vezes. Juntou suas coisas e partiu para a tribo de Dã. Já Mica, ficou sem ídolos, sem manto e sem sacerdote. Dá até pra imaginar o filho/exsacerdote olhando para o pai e dizendo ou pensando: Bem feito!
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OS DIAS EM QUE DEUS CUIDAVA DE MIM “Como tenho saudade... dos dias em que Deus cuidava de mim...” Jó 29:2 Jó foi um modelo de fé e integridade. “Homem que teme a Deus e evita o mal”, palavras do próprio Todo-Poderoso. Mas não era perfeito. Jó enganou-se acerca de seus amigos, de si próprio e de Deus. Algumas de suas considerações nos levam à interpretação de que Jó cometeu um erro muito comum: crer na imutabilidade das coisas e descrer da constância de Deus. Com Jó aprendemos que Deus cuida de tudo em nossas vidas: inclusive de nossas perdas. “Eu pensava: morrerei em casa, e os meus dias serão numerosos como os grãos de areia...” (Jó 29:18) Não há situações definitivas em nossa vida (para o Bem ou para o Mal) - aconteça o que acontecer em nossas vidas, tudo é transitório: bons e maus momentos. E isso é de uma obviedade tão absoluta que impressiona o fato de Jó e muitos de nós ignorarmos essa verdade. Senão, vejamos: Jó via-se numa situação tão definitiva, tão segura, tão imutável que era capaz de visualizar sua aposentadoria, uma vida longa e uma morte tranqüila em casa, rodeado pelos amigos e familiares. Esse foi seu primeiro engano. “Eu pensava: Minha glória se renovará em mim e novo será o meu arco em minha mão” (Jó 29:20)
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Não há reconhecimento, fama, honras e aplausos definitivos nessa vida - Jó se via “pelos olhos dos outros” como um ser insubstituível, indispensável, essencial e cheio de dependentes. Ele se via como aquele que completava a vida dos limitados (“Eu era os olhos do cego e os pés do aleijado...” 29:15); como o “Getúlio Vargas do pedaço” (“Eu era o pai dos necessitados...” 29:16), como o Van Damme dos oprimidos (“Eu quebrava as presas dos ímpios e dos seus dentes arrancava as suas vítimas.” 29:17). Seus discursos, os homens escutavam “em ansiosa expectativa, aguardando em silêncio” (29:21). Até seu sorriso era objeto do desejo (“Quando eu lhes sorria, mal acreditavam; a luz do meu rosto lhes era preciosa.” 29:24). Jó era uma versão gospel de Antônio Carlos Magalhães: ninguém tomava decisões sem o consultar. Seus conselhos eram essenciais (“Era eu que escolhia o caminho para eles, e me assentava como seu líder; instalava-me como um rei no meio das suas tropas; eu era como um consolador dos que choram” 29:25). Ter uma auto-estima elevada é ótimo. Mas Jó deixou-se embriagar de si mesmo. Tomou um pileque de bajulação e achou que sua “glória” se renovaria dia após dia, que não havia prazo de validade para sua fama. Estava enganado. “Quando eu esperava o bem, veio o mal” (Jó 30:26) Não há fé definitiva nessa vida – Não há fé inabalável, não há crença que não titubeie, que não vacile em algum momento. Nossa fé é imperfeita, limitada, inacabada. Assim que recebe aquele “pacote de más notícias”, Jó faz uma declaração belíssima, cheia de fé serena: “Nu sai do ventre de minha mãe e nu voltarei. O Senhor deu, o Senhor tomou. Bendito seja o nome do Senhor” (1:21). E em seguida repreende a esposa: “Aceitaremos apenas o bem dado por Deus e não também o mal?” (2:10). E o testemunho bíblico é enfático: “Em tudo isso Jó não pecou com seus lábios” (2:10). Mas logo no capítulo três, depois de sete dias de silêncio, Jó desabafa: ‘Por que não morri ao nascer?’ (3:11) e em seguida diz: “O que eu temia veio sobre mim; o que eu receava me aconteceu. Não tenho paz, nem tranquilidade, nem descanso; só inquietação” (3:26). A história de Jó é uma história repleta de alternâncias. E alternâncias que se sucedem em circunstancias nas quais nenhuma mudança era esperada. Seus filhos “costumavam dar banquetes em casa...” (1:4) mas acabaram “engolidos” todos por um só trágico golpe do destino. Jó madrugava para
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oferecer holocaustos em favor dos filhos (“Essa era a prática constante de Jó”). Mas a constante de Jó tornou-se coçar as feridas com cacos de telha e lamentar-se dia e noite. Festas e sacrifícios constantes, prosperidade e honrarias constantes, fé constante. De repente, tudo se foi. Tudo que parecia “definitivo”. Em meio a tantas alternâncias, tanta diluição do que era definitivo, só uma coisa não mudou em momento algum: o cuidado de Deus para com Jó. O terceiro engano de Jó foi duvidar disso. Disse ele: “Como tenho saudade... dos dias em que Deus cuidava de mim...” (Jó 29:2) Jó via-se desassistido do cuidado divino. Para ele, quando tudo ia bem era porque Deus estava cuidando. Acabou-se o bem, acabou-se o cuidado também - essa era a lógica de Jó. Mas, o que ele não sabia era que sua vida estava “garantida”. Havia um limite para a ação do Mal na vida de Jó. Como Jó, também tendemos sentir que Deus dá uma cochilada ao permitir que a calamidade nos encontre. Especialmente quando não encontramos razão aparente para o sofrimento. É difícil crer, mas a verdade é que perdas, sofrimentos e dissabores fazem parte do cuidado de Deus. E, ao meu ver, a maior lição da história de Jó é lembrarmo-nos sempre que vivemos num mundo que muda sempre e que cremos num Deus que não muda nunca. E não o contrário.
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NADA MUDOU “Lançaram fogo no teu santuário. Profanaram, derrubaram até o chão a morada do teu nome... Queimaram todas as sinagogas de Deus na terra. Não vemos mais nossas insígnias, não há mais profeta; nem há entre nós alguém que saiba até quando isto durará. Até quando, ó Deus...?” Salmo 74:7-10 Como podemos saber se Deus está presente em nossas vidas? Quais são as evidências de Sua presença? Não existe nenhum tipo de medidor para atestar isso, nada como um “divinômetro”, por exemplo. Mas há situações que nos fazem sentir que Deus está distante ou indiferente. O Salmo 74 mostra uma conjuntura de perdas que sinalizavam isso. O templo fora profanado, queimado e posto por terra; as sinagogas destruídas, os sinais removidos. Não havia mais profeta nem quem pudesse dizer quanto tempo aquilo iria durar. A perplexidade do salmista Asafe é comum à nós quando também sofremos perdas. Especialmente quando as perdas são de coisas que fizemos para ou em nome de Deus. Perdas de coisas sagradas. Por que Deus deixaria o Inimigo destruir o que fizemos em Seu nome? Mas, de fato, isso pode acontecer. O que nós fazemos para Deus pode ser destruído, roubado, vilipendiado. Mas o salmista descobre que o que Deus faz para nós inimigo algum destrói. Diz ele: “Teu é o dia e tua é a noite... a lua e o sol. Estabelecestes os limites da terra; verão e inverno tu os formaste” (74:16,17).Ladrão algum pode roubar as manhãs e noites,
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as estações, os leitos dos rios ou os limites da Terra. Nossas obras, nossos feitos e projetos são temporais, finitos; as obras de Deus são eternas. Quando sofremos perdas daquilo que construímos para Deus, podemos olhar as obras que Deus construiu para nós e nos consolarmos. Como saber se Deus está presente? As marcas da Presença de Deus em nossas vidas são as marcas daquilo que Ele fez. Podemos até contestar a aparente inatividade de Deus em nossa vida. Mas o Salmo 74 mostra que há três coisas incontestáveis: Olhe para a Natureza. Não se pode contestar que Deus continua agindo na natureza (74:15-17). O sol não faz greve, a lua não faz boicote de energia, o mar se abre quando assim ordenado, a terra respeita seus limites. A natureza (ao contrário) do homem possui uma obediência milenar. Olhe para o Passado. Não se pode contestar a ação de Deus na história (74:13-15). O que Deus fez, feito está. Não dá para desdividir o Mar Vermelho. Inimigos já foram derrotados na história da nossa vida. Não podemos ‘desesbagaçar’ a cabeça dos monstros marinhos e leviatãs que Deus esbagaçou para nos salvar. Olhe para o lado. Não se pode contestar a ação de Deus na vida dos outros (74:12). Viaje pelo mundo e se não tiver dinheiro, dê um passeio até a casa do irmão da esquina, da igreja vizinha, do bairro vizinho e pergunte: Deus parou? Deus sumiu? Se aposentou? Ou Deus ainda está agindo por essas bandas? * * * Finalmente podemos dizer: Orar não garante que suas perdas serão reparadas. Mas garante que seus olhos serão abertos. O salmista não teve seu templo restaurado quando orou, não teve uma resposta de Deus quando orou. Mas, quando orou, subitamente, mudou o tom da oração e passou do questionamento para a afirmação, da dúvida para confissão, da angústia para a esperança. Parou de olhar só para suas perdas e passou a contemplar a presença de Deus ao seu redor. Sua convicção de fé está presente no versículo doze: “Ó Deus, Tu reinas desde a origem”. O salmista descobriu que, conquanto aquilo que para ele era sagrado (o templo, a profecia e os sinais) estivesse destruído ou ausente, Deus ainda era o Rei da Natureza, O Salvador de toda terra e o Senhor da História.
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De fato, nada havia mudado.
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NOMES, NOMES E MAIS NOMES
A Noemi nasceu um filho. E deram-lhe o nome de Obede. Este é o pai de Jessé, pai de Davi. Estas são, pois, as gerações de Perez: Perez gerou a Hezrom, E Hezrom gerou a Rão, e Rão gerou a Aminadabe, E Aminadabe gerou a Naassom, e Naassom gerou a Salmom, E Salmom gerou a Boaz, e Boaz gerou a Obede, E Obede gerou a Jessé, e Jessé gerou a Davi. Rute 4:17-22 No seminário de teologia aprendi que a Bíblia é totalmente inspirada. Chamamos a isso de INSPIRAÇÃO PLENA das Escrituras. É um dogma cristão e deriva da convicção de que cada porção, cada versículo, cada vírgula e cada til das Escrituras têm uma razão de ser inspirada por Deus. Sempre acreditei nesse princípio. Mas tinha muita dificuldade de entender o quê havia de proveitoso na leitura de textos genealógicos, por exemplo. Esses textos basicamente podem ser resumidos numa fórmula simples: um nome + o verbo gerar + outro nome + o verbo gerar. É praticamente uma dízima periódica! Sei que para um judeu do tempos do Antigo Testamento, e mesmo para os judeus contemporâneos, é muito importante a genealogia, a tradição familiar, a raiz ancestral. Mas, para mim e para outros cristãos
ocidentais, pergunto: O que se pode aprender com isso? Um dia resolvi me dedicar e tentar achar um sentido. Descobri vários! A síntese da vida é nascer e produzir- Apenas uma coisa é dita acerca de cada personagem nesse texto: de quem ele nasceu e a quem ele gerou. Creio que isso seja, de fato, o que vai valer no fim das contas. Pouco importará se você foi um rei como Davi, ou uma prostituta como Raabe. Haverá um dia em que o que vai contar é se você nasceu do Espírito e se você gerou no Espírito. No texto não há referência a quem só nasceu, mas não gerou ninguém. Tampouco se fala de quem nasceu "do nada", brotou num pé de jaca ou caiu do céu. Todos somos "derivados", todos somos procedentes de alguém. Não iniciamos nada sozinhos, não chegamos aqui do nada.
Somos limitados - Ninguém não morreu. Ninguém nasceu duas ou mais vezes. Ninguém escolheu de quem nascer ou a quem gerar. Isso me ensina que sou um ser limitado. Não possuo o poder de renascer fisicamente. Se perder a oportunidade de produzir frutos aqui e agora, não terei outro ventre para me gerar e me parir para uma nova oportunidade.
Somos iguais - Aprendi também uma lição sobre humildade. Nesse texto há pessoas famosas e cheias de feitos sensacionais como Davi e Salomão e outras quase desconhecidas como Obede e Esrom. Um dia, não importa o que você tenha feito, seu nome aparecerá indistintamente ao lado de anônimos e famosos, sem qualquer menção a seus talentos, títulos e conquistas.
Somos seres relacionais – Ninguém aparece sozinho no texto. Ninguém nasceu de uma goiabeira. Todos estão vinculados a alguém. A máxima
filosófica “Penso, logo existo” poderia ser parafraseada em: “Pertenço, logo existo”. Tudo o que somos, somos por causa de nossas relações com o próximo. Sem o outro, não somos nada. Não há rei e plebe, pai e filho, rico ou pobre, vencedor e derrotado. Certa vez assisti a um filme onde o inferno era retratado como um quarto branco sem portas, janelas e sem absolutamente ninguém além do condenado. Uma solitária eterna. Alguém que viva assim, já não vive mais. Uma solidão dessa magnitude equivaleria à própria inexistência.
Devemos dar frutos – A principal lição que tive: o sentido da vida é GERAR. É dar fruto. E digo isso especialmente no sentido espiritual posto que há pessoas que não podem ter filhos. Mas todos podem e devem frutificar. Ninguém existe para si mesmo. De fato, nada no Universo existe como fim em si mesmo. Tudo possui uma função para além de si, para o outro. Mas, o ser humano insiste em querer viver apenas em torno de si e quer que os outros também orbitem em torno dele. Talvez o Livro da Vida seja assim como uma genealogia bíblica: Lá constarão os nomes. Quem nos gerou e a quem nós geramos. Sem menção a inférteis.
COBERTURA ESPIRITUAL A grande questão é: o que você faz, por onde anda, o que planeja; essas coisas tem "cobertura espiritual"? Deus está com você nisso? Quando falamos em "cobertura" me vêm a mente três exemplos: planos de saúde, celulares e ações militares. Todos esses exemplos têm em comum esse aspecto: a cobertura. É a cobertura que me dá a sensação de segurança. Se adoecer, tenho um plano de saúde com ampla cobertura. Se estiver num deserto, fico seguro pois meu celular tem cobertura. Se estiver em uma guerra, meus companheiros me darão cobertura numa investida contra o inimigo. O que regula a cobertura nos exemplos acima é um contrato (no caso dos planos de saúde e de telefonia) ou uma ordem ou uma estratégia no caso de uma ação militar. E no plano espiritual? Em que condições Deus te dá "cobertura"? Como saber? A Bíblia possui diversos exemplos de situações onde HÁ e onde NÃO HÁ cobertura espiritual. Vamos estudá-los: O QUE NÃO GARANTE COBERTURA ESPIRITUAL (embora a maioria pense o contrário): EXPERIÊNCIA NÃO GARANTE COBERTURA (Jz 16.20) – Sansão pensou que se livraria dos filisteus como tantas vezes outrora fizera.
Mas, desta vez, ele estava careca. Seus cabelos longos, marca de seu voto de nazireu, haviam sido cortados por sua amante Dalila. Sansão perdera o senso da presença de Deus e confiara em seu scout apenas. Acabou sem mulher, sem cabelo, sem os olhos e preso. BOAS COMPANHIAS NÃO GARANTEM COBERTURA (II Cr 18.3) – O Rei Acabe (rei de Israel) quer ir a guerra. Ele gostaria de ter a proteção divina nessa empreitada, mas sabe que não goza de boa reputação junto ao Todo Poderoso. O que faz então? Chama um outro rei que seja um fiel seguidor do Senhor (no caso Josafá, rei de Judá). Acabe pensou que, estando acompanhado de um homem temente à Deus, nenhum mal o acometeria e ele seria bem sucedido na batalha. Os dois foram à guerra juntos. Perderam vergonhosamente; Josafá escapou por pouco e Acabe foi morto por uma bala perdida (flecha perdida, na época). Boas companhias não te garantem espiritualmente. SACRIFÍCIOS E BOAS INTENÇÕES NÃO GARANTEM COBERTURA (1Sm 15.18-22). O Rei Saul foi à guerra, venceu e pegou os despojos (gado, mantimentos, objetos preciosos) e trouxe consigo. Detalhe: Deus havia determinado que Saul não trouxesse nada do território inimigo. A desculpa de Saul: peguei para ofertar ao Senhor o melhor do despojo. O que Saul tentou fazer foi uma lavagem de dinheiro à maneira da época. Pegou recursos ilegais (posto que Deus o proibira) e tentou "legalizar" consagrando à Deus. E o resultado disso foi que Saul, como castigo, perdeu o trono pouco tempo depois. MAIORIA NÃO GARANTE COBERTURA (Js 7.3-5). Mais um caso de guerra. Dessa vez Josué manda espiões a cidade de Ai. Ele havia acabo de comandar uma grande vitória sobre Jericó (com a queda das muralhas que todo mundo já conhece). Os espiões trouxeram a notícia que Ai era tão pequena e insignificante que Israel nem precisaria mandar o exército todo. Confiaram na maioria e, consequentemente, deixaram de confiar no Senhor. Resultado: perderam feio. O que há em comum nesses episódios? Todos dizem respeito a pessoas que conheciam ao Deus verdadeiro e que precisavam enfrentar um
inimigo numa batalha. Também temos nossas batalhas diárias e queremos que Deus nos ajude, que nos dê cobertura. Cabe a nós, portanto, fazer um minucioso auto-exame. Experiência, boas companhias, boas intenções, maioria e popularidade podem ser (e são) muito importantes. Mas no que diz respeito ao reino espiritual, nada disso é determinante. O que é determinante para termos cobertura espiritual em nossos empreendimentos é: estarmos dentro da vontade de Deus. TEMOS COBERTURA GARANTIDA SEMPRE:
COBERTURA PERMANENTE DE SALVAÇÃO QUANDO NOS CONVERTEMOS (Is 61.10) QUANDO OBEDECEMOS A UM COMANDO DIVINO (Js 1.9) QUANDO BUSCAMOS A DIREÇÃO DIVINA (II Cr 20.12-17) QUANDO NOS ARREPENDEMOS E SOMOS PERDOADOS (Sl 85.2) (Pv 28.13) QUANDO HÁ INTERCESSORES A NOSSO FAVOR (Pv 11.11) (Es 4.15,16) (Ex 17.8-13)
O QUE ACONTECE QUANDO VOCÊ ESTÁ FOR A DA VONTADE DE DEUS? O que acontece quando você está fora da vontade de Deus? Você está vivendo a vontade de Deus para sua vida? Você está no lugar que Deus quer? Ou você se sente desnorteado, sem rumo? Algumas vezes nos sentimos deslocados. Certos acontecimentos nos dão a sensação que tomamos o caminho errado ou que paramos quando deveríamos ter seguido em frente. O patriarca Jacó passou por situação semelhante. Jacó estava no lugar errado, na hora errada e o resultado foi catastrófico. Jacó, por revelação divina, resolve deixar suas responsabilidades junto à Labão e partir para Betel (Gn 31: 3,13). A princípio Jacó obedeceu à revelação: “Então, se levantou Jacó e... levou todo o seu gado e toda a sua fazenda que havia adquirido... para ir a Isaque, seu pai, à terra de Canaã". (Gn 31: 17,18). Mas Jacó muda seus planos e seu roteiro quando de seu encontro com seu irmão Esaú. Jacó prometera à este: “Passe o senhor adiante... e eu irei... pouco a pouco... conforme o passo do gado... e dos meninos, até que chegue a meu senhor, em Seir”. Apesar de sua disposição inicial de encontrar-se com o pai; apesar de direção de Deus; apesar da promessa de acompanhar o irmão Esaú à Seir, Jacó tomou outra direção: “Jacó, porém, partiu para Sucote, e edificou para si uma casa...” (Gn 33: 17).
Em Gênesis 34, acompanhamos o resultado de se estar fora da vontade divina. Quando você está fora da vontade de Deus, os problemas vêm em “efeito cascata”. - a filha de Jacó, Diná, é estuprada pelo filho do prefeito da cidade (34:2); os filhos de Jacó armam uma cilada para se vingarem (34:13); dois filhos de Jacó promovem um genocídio: "... os dois filhos de Jacó, Simeão e Levi, irmãos de Diná, tomaram cada um a sua espada, e entraram afoitamente na cidade, e mataram todos os homens. Mataram também ao fio da espada a Hamor, e a seu filho Siquém; e tomaram a Diná da casa de Siquém, e saíram.Vieram os filhos de Jacó aos mortos e saquearam a cidade; porquanto violaram a sua irmã." (34:26,27) Quando você está fora da vontade de Deus, as tentativas de solução são inúteis. Jacó levanta um altar em Siquém, mas o altar não tornou Siquém o local ideal para Jacó. O lugar de Jacó era Betel (para onde Deus o havia mandado ir). Não adianta construir altares, igrejas, catedrais, projetos os mais belos possíveis ou quaisquer outras coisas por melhores que sejam se essas construções estão no lugar onde você não deveria estar. Não adianta levantar altares onde Deus não te quer. Quando você está fora da vontade de Deus você se torna um mero espectador dos acontecimentos. Jacó não toma iniciativa. Ao saber do ocorrido com a filha ele nada faz a não ser aguardar que os filhos voltassem do campo (vs. 5). Ao ser procurado por Hamor (pai do estuprador de sua filha) Jacó fica mudo e, impassível, assiste aos filhos decidirem o destino de Diná. Quando você está fora da vontade de Deus você perde a autoridade. Jacó, apesar de ser o patriarca, o chefe da família, o mais indicado para resolver o problema, simplesmente some. A história da desgraça se processa sem que Jacó faça nada. Apenas quando a tragédia já havia ocorrido, Jacó se manifesta com nada mais que mera resignação: “Então disse Jacó a Simeão e a Levi: Tendes-me turbado, fazendo-me cheirar mal entre os moradores desta terra (...) Agora, eis que eles se ajuntarão, e ficarei destruído eu e minha casa” (Gn 34: 30)
Quando você está fora da vontade de Deus você não tem respostas. Jacó não sabe o que dizer ou fazer. Esse vazio de respostas diante da calamidade acabou sendo preenchido pela vingança inconseqüente de seus filhos. Mas apesar de tudo isso, mesmo quando você está fora da vontade de Deus, Ele não deixa de falar com você. Deus, em Sua misericórdia, no entanto, fala ainda outra vez a Jacó: “Depois, disse Deus a Jacó: Levantate, sobe a Betel e habita ali.” (Gn 35: 1). * * * Esse trágico episódio na vida do patriarca Jacó guarda uma lição preciosa. Apesar das consequencias (mesmo as mais terríveis), Deus não se vai. Ele não "dá de ombros" e diz: se vire. Se prestarmos atenção, poderemos ouvir sua voz nos mandando seguir. "Betel" era o destino que Deus queria para Jacó. Betel significa "Casa de Deus". É pra lá, para a casa de Deus que sempre poderemos. Até mesmo depois de termos andando por tantos lugares distantes de lá.
SINAIS OU CIRCUNSTÂNCIAS – O QUE ORIENTA SUA FÉ?
José ficou na prisão, mas o Senhor estava com ele e o tratou com bondade, concedendo-lhe a simpatia do carcereiro. Por isso o carcereiro encarregou José de todos os que estavam na prisão, e ele se tornou o responsável por tudo o que lá sucedia. O carcereiro não se preocupava com nada do que estava a cargo de José e lhe concedia bom êxito em tudo o que realizava −
Gênesis 39:20-23
Deus era com José. A Bíblia diz que “O Senhor lhe...concedia bom êxito em tudo o que realizava”. Se esse versículo fosse recortado de seu contexto, pensaríamos que ele estaria se referindo a algum mago das finanças ou um empresário de sucesso. Alguém como Bill Gates, por exemplo. Mas José era um exilado-escravo-presidiário. Como ser bemsucedido nessas circunstâncias? Não são as circunstâncias que revelam a bondade de Deus. São os “sinais”. As circunstâncias são evidentes para todos. Os sinais, apenas para os que crêem. A verdade é que Deus sempre é bom, mas sua bondade se manifesta de diferentes modos em situações diversas. Deus é bom para o pobre de uma forma; para o rico, de outra. Para o são e para o doente, para o liberto e para o encarcerado e, por mais que seja difícil
compreender, Deus é bom para a vítima de uma tragédia, tanto quanto para os sobreviventes à ela. O pior do pior do pior, do pior – Há algo pior do que estar preso? Sim, estar preso injustamente. E pior do que isso? Sim. É estar preso injustamente no exílio. Se você for liberto ou fugir, para onde irá? Uma conhecida expressão do apóstolo Paulo é utilizada por muitos como o mantra gospel do êxito: "Tudo posso Naquele que me fortalece". "Tudo posso" significaria que posso comprar um utilitário último tipo, posso ganhar um milhão de dólares, posso conquistar aquele posto de trabalho. Posso tudo! Mas o contexto no qual a famosa frase está inserida aponta para mais "tudos" do que imagina nossa vã filosofia. Paulo está se referindo mais à sua resiliência do que à sua capacidade. Posso tudo: Posso sofrer um naufrágio, posso ser açoitado, posso ser apedrejado, posso passar privações tanto quanto posso ter em abundância. Posso todas as coisas por causa daquele que me fortalece. Esse é o sentido e a mesma ideia se aplica aqui. Posso passar pelo pior, do pior, do pior. "Bom êxito em tudo?" Onde? Quando? - “O Senhor lhe...concedia bom êxito em tudo o que realizava” diz a Bíblia. Mas, que tipo de coisa há na qual se possa ser “bem sucedido” numa prisão? Não se vendem livros de autoajuda com o título "Torne-se um presidiário de sucesso!" O texto diz também que Deus mostrou sua bondade a José ao fazer com que ele ganhasse a simpatia do carcereiro. Agora, imagine José dizendo: “Deus tem sido bom comigo. Como eu sei disso? Ora, veja o que Ele me fez! Concedeu-me a simpatia do carcereiro!”. Não parece o típico testemunho que ouvimos nas igrejas. Se estivéssemos presos, o que nós consideraríamos como uma evidência da demonstração da bondade de Deus em relação a nós? Pelo que oraríamos? Para que Deus nos concedesse a liberdade? Vingança? Um indenização milionária? Ou... a simpatia do carcereiro? Se você estiver preso, pode ser que Deus o liberte. Também pode ser que não. Mas, quando as circunstâncias forem desfavoráveis, há algo que você pode esperar com certeza: um sinal.
Preste atenção aos sinais - Como pode um carcereiro confiar em um estrangeiro? Ainda mais um levado à prisão por um dos oficiais de Faraó, acusado de ter-lhe traído a confiança? José foi colocado na condição de supervisor carcerário, ainda que tivesse ido para a prisão acusado por alguém que também o tinha colocado na condição de supervisão, de liderança, num cargo de confiança. Será que o carcereiro recebeu José na prisão e, passado algum tempo, disse para ele: Gostei de você. Fui com a sua cara. Vou te dar as chaves disso aqui e agora você comanda tudo. Será que foi assim? No caso de José, já seria difícil uma relação amistosa entre um carcereiro e um prisioneiro. Quanto mais uma relação de confiança como a que ocorreu. Não foi um episódio comum. Não foi uma progressão de pena à moda egípcia. Foi um sinal de Deus. O texto relaciona a “bondade de Deus” com o fato de José ter sido beneficiado pelo carcereiro. A bondade de Deus não precisou se manifestar através da libertação. Tornar um prisioneiro estrangeiro administrador de uma prisão real foi um milagre muito maior. Foi um sinal. Um sinal de que Deus sempre estará junto àqueles que acreditam Nele. Nem sempre livrando, nem sempre recompensando... Mas, sempre dando "sinais" de sua bondade, quaisquer que sejam as circunstâncias. Essa pequena porção da vida de José nos mostra que: Deus também age na prisão, acompanha seus servos, os usa, abençoa outras pessoas através deles e está “por trás” da simpatia que seus eles alcançam, subvertendo a lógica prisional e tornando seus servos como referência de confiabilidade dentro da prisão e colocando-os em condições acima do esperado (acima do convencional), concedendo a eles, de fato, "sucesso em tudo que fazem". A prisão pode ser um lugar de “sucesso”, um lugar onde se pode ser “bem sucedido”. A prisão pode ser o destino de Deus para um servo fiel e inocente, pode se tornar em lugar de bênção, um lugar onde nosso comportamento pode nos tornar distintos dos demais, um lugar onde há
exercício de autoridade. Por definição, "sinais" são elementos distintos do ambiente onde ocorrem. Prisões, bem como situações desfavoráveis em geral, são ambientes excelentes para a manifestação de um sinal da parte de Deus. Um sinal da sua bondade e da sua companhia. Sempre ouvimos falar de “tratamentos de beleza”. Todo mundo aprecia um. Quem gostaria de receber um “tratamento de bondade” da parte de Deus? O patriarca José recebeu um. Numa prisão. E aí? Você topa?
O FATOR EFRAIM O livro do Gênesis conta a incrível história de José (Gn 37:1 - 50:26) e alguns outros escritores bíblicos (Lucas em At 7:9,10 e Davi em Sl 105:16-18) fazem referência a ele lançando luz sobre as causas de seu sucesso, mas é dos lábios de José, quando dá nome ao segundo de seus filhos (Efraim) que obtemos a chave que possibilita a interpretação do mistério que une angústia e prosperidade numa mesma e emocionante trajetória:
E ao segundo (filho), José chamou Efraim; porque disse: Deus me fez fecundo na terra da minha aflição. Gênesis 41:52
José foi "próspero" enquanto escravo. “O Senhor estava com José, de modo que este prosperou e passou a morar na casa do seu senhor egípcio. Quando este percebeu que o Senhor estava com ele e que o fazia prosperar em tudo o que realizava, agradou-se de José e tornou-o administrador de seus bens” (Gênesis 39:1-4). José recebeu duas "promoções" enquanto esteve na casa do oficial Potifar. Note que o texto diz que o Senhor "estava com José" e o fez "prosperar". Que "prosperidade" foi essa? José, que então morava nos aposentos reservados aos escravos "passou a morar na casa de seu senhor". Posteriormente, quando Potifar percebe que o Deus de José o estava abençoando, promove-o à gerente de sua propriedade. Pode soar
estranho, mas a prosperidade não é incompatível com a condição servil. José continuava sendo um trabalhador não assalariado e ainda assim era um "escravo rico". Seu patrimônio crescente era feito de algo raro em nossos dias: sermos pessoas dignas da confiança de outros. Nesse sentido, podemos fazer uma rica reflexão sobre quais (alguns) dos ASPECTOS DA PROSPERIDADE revelados na vida de José. DEUS É A CAUSA “DEUS me fez fecundo...” Não é o bom comportamento - Muitos poderão dizer que José foi próspero porque era obediente, mas a Bíblia não diz isso em parte alguma. José era um ser humano e, como tal, falível. Possuía virtudes marcantes, mas não foi perfeito. A sua condição de exilado, escravo e presidiário não tinha relação com qualquer pecado por ele cometido assim como sua "fecundidade" não derivava de seus atos de obediência. A causa de uma e de outra coisa era uma só: o próprio Deus de José. É isso que diz o Salmo 105:16-18 - “(O Senhor)... mandou vir fome sobre a terra e destruiu todo o seu sustento; mas enviou um homem adiante deles, José, que foi vendido como escravo. Machucaram-lhe os pés com correntes e com ferros prenderam-lhe o pescoço até cumprir-se a sua predição e a palavra do Senhor confirmar o que dissera". José era um "predestinado" - o que o próprio José confessa diante dos irmãos posteriormente: "... não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito." (Gn 45:8). Não são as condições - José só teve condições favoráveis para o Mal. Em seu lugar muitos teriam blasfemado, desistido, entrado em depressão, dado uns "pegas" na mulher do patrão e roubado seu patrimônio assim que tivesse oportunidade. José chama o Egito de "terra da minha aflição". Mas, mesmo depois de superar todas as dificuldades e conquistar a confiança do Faraó, José não se gaba de ser uma espécie de self made man (a descrição típica dos americanos para o sujeito conquista o sucesso pelo próprio esforço). Pelo contrário. Efraim nasce no tempo da prosperidade, mas José não bate no peito dizendo: "Eu sou o cara. Venci
na vida apesar de tudo", ele diz (e não apenas diz, mas nomeia um dos filhos como um memorial) que Deus, Ele sim, o fez "fecundo na terra de sua aflição". Não é o apoio/suporte familiar - É difícil obter sucesso na vida sem o apoio da família. Todavia, o texto não fala de "sucesso" nos termos em que se costuma falar hoje em dia. A Bíblia falar, sim, em ser "fecundo", ser produtivo, fértil, próspero. Um tipo de prosperidade que só vem de Deus. José não apenas não teve o apoio da família, José foi banido dela e cresceu à margem de qualquer suporte familiar.
FECUNDIDADE É A CONSEQUÊNCIA "Deus me fez FECUNDO..." Escravo fecundo, presidiário fecundo, administrador fecundo Quando se é escolhido por Deus, o sujeito é fértil em qualquer lugar. Quando pensamos em termos de "sucesso" é comum considerarmos o local onde estamos como inadequado ou como cerceador de nossos talentos. "Preciso sair dessa cidade miserável", "Só terei sucesso quando sair de casa, quando largar esse emprego...", mas não é assim com quem é escolhido por Deus. A fecundidade é sempre e é em qualquer lugar. O tempo da fecundidade é AGORA – José não se tornou PRODUTIVO apenas depois de sua exaltação, não alcançou o SUCESSO. Ele foi um sucesso. Desde sempre. AFLIÇÃO É A CIRCUNSTÂNCIA “Deus me fez fecundo na TERRA DA MINHA AFLIÇÃO" A aflição não impede a fecundidade - É interessante. Muitos séculos depois, o evangelista Lucas, no livro de Atos, faz uma relevante referência a José: “Os patriarcas, movidos de inveja venderam José para o Egito, mas Deus era com ele e livrou-o de todas as suas tribulações e lhe deu graça e sabedoria ante o Faraó...” (Atos 7:9,10...). Deus "livrou-o de todas as suas tribulações" diz o texto sagrado. Todavia o
mesmo José diz que foi fecundo na terra de sua "aflição". Esse texto faz eco ao que o salmista diz "Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei" (Sl 91:15). O "livramento" não é tanto o "escape", mas sim "a companhia". Deus entra na aflição conosco e nos protege do Mal que a aflição produz. Não é o exílio que nos mata, não é a rejeição de nossos irmãos que nos fere, não é a prisão que nos adoece. É a forma como reagimos a tudo isso. Pode ser que Deus nem sempre impeça que o Mal nos sobrevenha, mas Ele sempre impedirá que ele nos penetre e nos consuma e, ao contrário, Ele fará com que sejamos produtivos apesar de, fecundos apesar de, felizes apesar de. Pois todos nós que cremos em Deus e o temos por nossa companhia, temos em nós o "Fator Efraim" - um fertilizante divino à prova de pragas, de intempéries ou da falta de água, luz ou solo apropriado - que nos fará dar fruto abundante mesmo na terra de nossas aflições, aqui e agora.
O SUCESSO É... SER UM ESCOLHIDO! José ficou na prisão, mas o Senhor estava com ele e o tratou com bondade, concedendo-lhe a simpatia do carcereiro. Por isso o carcereiro encarregou José de todos os que estavam na prisão, e ele se tornou o responsável por tudo o que lá sucedia. O carcereiro não se preocupava com nada do que estava a cargo de José e Deus lhe concedia bom êxito em tudo o que realizava – Gênesis 39:20-23
Mais uma vez retomo o tema de “José na prisão do Egito”. Nessa terceira e final reflexão chamo a atenção para o fato de que José não foi um homem bem-sucedido apenas por sua condição de vice-governador de todo o Egito. Seu sucesso pode também ser percebido, por incrível que pareça, na prisaõ. José é o Forrest Gump da História Vétero-Testamentária! Como o personagem do filme homônimo de Steven Spielberg, José foi bem sucedido em tudo o que fez. Andou pelas mais diferentes esferas de poder (a casa de um oficial, uma prisão real, o palácio do Faraó) e sempre esteve na condição de “comandante em chefe”.
Há muitas pessoas que tributam seu fracasso a fatores (isolados ou
combinadamente) como falta de suporte familiar, injustiças sofridas, privações, instabilidades e limitações pessoais. A vida de José nos mostra que nada disso (ou mesmo, tudo isso junto) não determinam nosso fracasso pessoal. Se Deus está conosco, como estava com José, absolutamente nada pode impedir nosso sucesso.
A FALTA DE APOIO FAMILIAR NÃO PODE IMPEDIR SEU SUCESSO - José estava no exílio. Para o pai, estava morto. Para os irmãos, era alguém de quem queriam se livrar. Mas isso não impediu o sucesso de José. A falta de apoio familiar pode ser um fator de desmotivação muito grande, mas não determina nosso fracasso, nem impede nosso sucesso.
AS FALSAS ACUSAÇÕES NÃO PODEM IMPEDIR SEU SUCESSO José foi falsamente acusado de assédio sexual e tentativa de estupro. As falsas imagens que os outros podem imprimir em nós são capazes de nos perturbar grandemente, mas não impedem nosso sucesso se Deus está conosco.
AS PRISÕES NÃO PODEM IMPEDIR SEU SUCESSO - Muitos de nós estamos “presos” (literalmente ou figurativamente falando). Há prisões psicológicas, relacionais, comportamentais, espirituais, mas Deus está com os seus e os faz superar quaisquer prisões e limitações.
A INCONSTÂNCIA NÃO PODE IMPEDIR SEU SUCESSO - José vivenciou momentos de alternância entre coisas boas e ruins que lhe sucederam (tanto na família, como no exílio, na casa de Potifar e na prisão), mas a inconstância e a alternância não impediram o sucesso de José.
A LIMITAÇÃO NÃO PODE IMPEDIR SEU SUCESSO – Para muita gente a única coisa que poderia ser classificada como “sucesso” numa prisão seria uma fuga espetacular. De fato, há muito pouco que se possa fazer numa cela de prisão, há falta de recursos, mas se Deus é conosco o sucesso é certo mesmo num ambiente de limitações e privações como um presídio.
o renomado autor de livros de autoajuda, Roberto Shinyashiki, tem um livro com o título “O Sucesso é ser feliz”. Na vida de José, vemos que a “felicidade” não foi uma companheira muito presente em sua vida. Pelo contrário, a Bíblia registra que a aflição foi tão presente na vida de José que ele deu o nome a um de seus filhos (Efraim) por causa dela (Gn 41:52). Já, quanto ao sucesso, este não se apartou dele nem por um instante.
WILSON, BEBÊS E A IMAGO DEI Façamos-lhe uma companheira que lhe seja idônea” (Gn 2:18). A pergunta pertence ao ex-presidente americano Benjamim Franklin e é carregada de sentido mesmo em sua aparente simplicidade: Para que serve um bebê? Os filhotes humanos estão entre os mais frágeis e de desenvolvimento mais lento de toda natureza. Demoram de dez meses a um ano para darem os primeiros e hesitantes passos. Idade na qual a muitos dos outros animais já se reproduzem. “Para que serve um bebê?” A estranheza que causa a pergunta devese, muito provavelmente, a sua irrelevância. Ninguém, ao ter um filho, pensa (ou, ao menos, não deveria pensar) nele em termos de utilidade. De fato, bebes parecem não servir para nada. Nos primeiros dias nada produzem além de choro, grunhidos e fezes e, ainda assim, não há mãe que não passe horas de seu tempo apenas contemplando-os. Pais gastam (podendo ou não) pequenas fortunas para criarem um espaço ricamente ornamentado em detalhes, a maior parte dos quais, o principal beneficiário – o bebê – jamais notará. Em geral, a criança só terá noção dos mimos de seu quartinho depois de crescida e levará ainda um pouco mais de tempo para que ela descubra que aquilo tudo era apenas e tão somente amor.
Talvez parte da pergunta do presidente Franklin possa ser respondida em termos teológicos, a partir da compreensão das dimensões da Imago Dei – termo latino para designar a “imagem de Deus” presente no ser humano, quando de sua criação. Bebês existem – da forma como existem – para que experimentemos de forma mística, única e quase inexplicável a nossa semelhança com Deus, partilhando daquilo que Deus deve ter sentido ao terminar sua criação e contemplar a Adam - o casal de seres humanos recém-criados. Seus bebês. Bebês servem para serem amados. Sua funcionalidade está relacionada não ao que fazem, mas ao que produzem (alegria no lar) e ao que são (uma reedição da existência dos pais). Ao contemplá-los e observar seu desenvolvimento temos a chance de viajar no tempo e espaço e testemunhar o que nós mesmos, os genitores, devemos ter sido e feito quando bebês. Uma das compreensões teológicas da Imago Dei é chamada de “Concepção Relacional” e é defendia pelos teólogos alemães Emil Brunner e Karl Barth. Segundo eles, a imagem de Deus no homem (na raça humana, leia-se), não diz respeito tanto ao que o homem é (conforme sustenta a concepção substantiva) ou ao que o homem faz (concepção funcional) mas a como o homem se relaciona com seu próximo. Para eles, é nas relações interpessoais que a imagem de Deus se manifesta. Tendo a concordar com eles por um simples fato: é exatamente isso que Deus demonstra ao contemplar o homem-macho, sozinho no jardim, e dizer – consultando-se tridivinamente consigo mesmo: “Não é bom que o homem seja só. Façamos-lhe uma companheira que lhe seja idônea” (Gn 2:18). Ao criar uma imagem de si, Deus criou um casal. Deus criou como melhor imagem de Si, uma relação – porque Ele mesmo é, em si, uma relação triúna. Não fosse assim, o que poderíamos perceber da Imagem
de Deus num homem que estivesse no deserto? Ou numa prisão? Um homem que esteja privado da convivência por muito tempo, logo se bestifica, se desumaniza. A “Concepção Funcional” afirma que a imagem de Deus se manifesta no homem a partir do que ele faz, do que cria. Deus deu ao homem o “domínio da natureza”. Também dotou-o de criatividade e inventividade, mas, se estiver só – absolutamente só, para quem cria o homem? Que prazer haverá ao homem construir um castelo no deserto? Ou compor uma sinfonia que ninguém, além dele, possa ouvir ? É claro que a criatividade é um traço divino na formação humana, mas mesmo a criatividade não subsistiria na vida de um homem radicalmente solitário. A criatividade existe para ser usufruída e também para ser apreciada. A criatividade não prescinde de público. No filme Náufrago, o personagem de Tom Hanks – perdido numa ilha deserta - demonstra todas as virtudes próprias da natureza humana: ele domina a natureza ao redor, cria o fogo, prepara o próprio alimento, forja suas armas e constrói sua habitação, mas quase sucumbe à solidão. Como “não é bom que o homem esteja só” , o náufrago repete Deus e cria um “companheiro”: Wilson, a bola de vôlei furada que o personagem humaniza e com quem passa a se relacionar a partir de então. Mas o que move Chuck Noland a manter a esperança de um resgate ou de uma fuga é outro relacionamento: o amor pela esposa. Náufrago, portanto, é uma alegoria perfeita da basicalidade da semelhança humana com seu Criador – somos seres essencialmente relacionais. Feitos para a relação, reagentes à ela, mantidos por ela, desenvolvidos nela. Voltando à questão inicial: a utilidade dos bebês, podemos entender que na relação pais-filhos (especialmente nos primeiros meses) pode-se visualizar a imagem de Deus. Os pais experimentam a mesma sensação do artista diante de sua obra-prima recém concluída, aquela contemplação mística e plena de satisfação. Olham para o quartinho
ornamentado: o berço e os móbiles, os enfeites e os mimos e aquele ser minúsculo, improdutivo e imprescindível para o qual suas vidas convergirão em satisfatória entrega, cercando-o de cuidados e traçando para ele os melhores planos; realizando-se em seu gradual desenvolvimento e, uma vez feito adulto, vendo-o como uma imagem de si próprios, a qual dará continuidade à sua replicação em outras variações nas gerações seguintes, assim como seus pais e os pais de seus pais antes deles. Assim como Deus, antes de todos – o Qual existe eternamente como uma família triúna (Pai, Filho e Ruah – o termo feminino para designar espírito em hebraico) que criou o Homem, “macho e fêmea”, por uma decisão conjugada (“Façamos o homem...”) e o colocou em seu quartinho de bebê (o Jardim do Éden) e, como qualquer pai diante de sua cria, babou de plena satisfação.
DAVI E O ANÃO
Davi e o Anão é o muito bem sacado título de um dos capítulos do livro DAVI de Charles Swindoll. Ao analisar o histórico confronto entre Davi e Golias não há como negar que a vitória de Davi foi um ato de fé de alguém que possuía a correta perspectiva de quem era o Maior guerreiro. Mas fé de que tipo? Primeiramente era uma Fé No Possível. Pedras podem, DE FATO, derrubar gigantes, mas só Davi creu nisso. Davi não creu “no impossível”. Creu no possível que ninguém mais enxergava. Impossível seria tentar derrubar Golias com bolinhas de algodão. Mas, para um pastor de ovelhas que manejava bem sua funda e que já tinha no “currículo” a morte de um leão e um urso (defendendo o rebanho), derrubar um homem com uma pedrada certeira na fronte não era impossível. E, uma vez caído, matá-lo seria a parte mais fácil. A fé de Davi era também uma "Fé Previdente". Por que Davi pegou cinco pedras se precisou de apenas uma para derrubar Golias? Porque a fé não é incompatível com a precaução. As quatro pedras não foram inúteis pelo fato de não terem sido usadas. Sua função foi importante: dar segurança. Caso Davi errasse, teria a que recorrer. Mal comparando, seria como se um jogador de futebol tivesse cinco oportunidades de converter um mesmo pênalti. Sem pressão, qualquer um aumentaria as possibilidades de acertar logo na primeira tentativa. Ter fé não é crer que tudo se resolverá logo numa primeira tentativa. Fé tem mais a ver com a forma como as coisas acabam, não com a forma como começam. E Davi cria que, com uma, duas ou até cinco pedras, o fim do gigante seria o
mesmo: no chão. Outra manifestação da fé de Davi foi a "Fé Para Tentar De Novo" É surpreendente perceber que Davi considerou a possibilidade de errar. Muitas pessoas desanimam depois de uma tentativa frustrada e perdem a fé. Para derrotar Golias, Davi não precisou usar da persistência. Mas preparou-se, caso ela fosse necessária. Há muitos que confundem fé com “pensamento positivo”: “Vou conseguir na primeira tentativa”, dizem. E recusam-se a considerar a possibilidade de erro. Davi, não. O fato de ter pego cinco pedras, prova que a fé de Davi era uma fé que não se esgotava na primeira tentativa; que não se intimidava diante da falha inicial. Uma fé disposta a tentar de novo e de novo e de novo. Fé Que Não Se Precipita – A decisão de enfrentar Golias não foi precipitada e nem imediata (como muitas pregações fazem crer). Golias lançou seu desafio durante “40 dias” sem que ninguém se prontificasse. Davi visitava o campo de batalha com freqüência para levar suprimentos aos irmãos e viu repetidas vezes a mesma cena: os exércitos postados no campo de batalha, a tensão no ar, o medo latente e a contínua provocação do guerreiro filisteu. Talvez ele tenha esperado que alguém (o rei talvez) assumisse a condição de ser o representante de Israel. Depois de 40 dias, Davi deu um basta: “Até quando esse incircunciso vai provocar os exércitos do Deus Vivo?”. Quase sempre esse é o clamor do homem de fé: “Ninguém vai fazer nada? Então eu faço”. Uma fé que se “prontifica”, mas não se “precipita”. Fé Que Não Teme Mudança de Planos – É errado pensar que quem tem fé, sempre terá uma visão clara do que deve ser feito. Por vezes, a fé só permite dar um passo de cada vez. Num primeiro momento, Davi considerou a possibilidade de usar a armadura do rei Saul e chegou a experimentá-la. Só depois, percebeu que ela seria um empecilho ao invés de auxílio. As pedras e a funda foram o “Plano B”. E isso é revelador! “Mudança de planos” não significa “falta de fé”. Lutar contra o gigante usando armas convencionais seria uma desvantagem num confronto “corpo a corpo”. A fé nos faz ter convicção da vitória, mas não necessariamente de COMO a obteremos num primeiro momento. No meio cristão, muito do que se ouve a respeito de fé é cercado de
misticismo (geralmente confundido com unção), arrogância (confundido com autoridade espiritual) e precipitação (geralmente confundida com “ousadia”). O bom senso e a racionalidade são tidos por “falta de fé”. Mas não é isso que vemos no episódio de Davi e Golias. A fé de Davi foi uma fé envolveu razão, precaução e paciência. Elementos que, tantas vezes, vemos serem associados justamente à falta de fé.
VIVENDO ENTRE O ORDINÁRIO E O EXTRAORDINÁRIO
O PIOR CAPÍTULO DA BÍBLIA - Gênesis 38 não tem herói, é trágico, enigmático e assustador. Gênesis 38 parece um intruso. Gostaríamos que Gênesis 38 não existisse, que fosse como o 13º andar dos edifícios norte-americanos. Ou seja: não estivesse lá. Pularíamos do capítulo 37 para o 39 e seguiríamos com a linda história de José do Egito. Mas, não. Gênesis 38 está lá. Incluso, perturbador, incômodo. Faz parte do cânon. É sagrado, inspirado. Gênesis 38 é um abacaxi que, presunçosamente, tentaremos descascar. Judá era um homem predestinado. Foi um dos doze filhos de Jacó. Não era o primogênito, também não foi o filho mais notável. Todavia, nem Rubem (o primogênito), nem José (que tornou-se vice-governador do Egito) tiveram a honra que coube a Judá. É da “raiz de Judá” que procede o maior rei de Israel, Davi e, acima deste, o maior de todos os reis, Jesus Cristo. Jesus é chamado de “Leão da Tribo de Judá”. Judá deu nome a um reino, Reino de Judá, e, posteriormente a uma raça, os judeus. No leito de morte, tendo os filhos ao seu derredor, Jacó abençoou a Judá com essas palavras: “Judá, seus irmãos o louvarão. Sua mão estará sobre o pescoço dos seus inimigos; os filhos de seu pai se curvarão diante de você. Judá é um leão novo. Você vem subindo, filho, meuu, depois de matar a presa. Como um leão, ele se assenta; e deita-se como uma leoa; quem tem coragem de acordá-lo? O cetro não se apartará de Judá, nem o bastão de comando de seus descendentes, até que venha aquele a quem ele pertence, e a ele as nações obedecerão” (Gênesis 49:8-10)
Segundo a enciclopédia virtual Wikkipedia, a tribo de Judá foi a única tribo de Israel que foi preservada da descaracterização depois da invasão dos assírios – que provocou a miscigenação forçada. Os descendentes de Judá foram os únicos a preservarem suas tradições durante o exílio babilônico. Se a história de Judá fosse contada de trás para frente – a partir da benção de seu pai – sofreríamos um choque ao descobrir que ao homem Judá, ocorreu o contrário do que acerca dele fora profetizado. Judá teve um comportamento traiçoeiro, covarde, infiel e promíscuo. Judá toma parte num conluio com seus irmãos para darem cabo do irmão sonhador José. A história de José é conhecida. Vendido à mercadores, ele é levado ao Egito, onde, anos depois, alcança a condição de homem mais poderoso, abaixo apenas do Faraó. Judá, ao contrário, afasta-se do pai e dos demais irmãos e parte para um autoexílio de - pelo menos - duas décadas. E aconteceu no mesmo tempo que Judá desceu de entre seus irmãos e entrou na casa de um homem de Adulão, cujo nome era Hira – Gn 38:1 Não fora uma saída temporária. A versão Católica grafa “apartou-se” e a NVI “deixou seus irmãos e passou a viver na casa de um homem de Adulão” Por que Judá rejeitou o convívio com o pai e com os irmãos? Teria sido movido pelo sentimento de culpa? O provável é que Judá não tenha suportado conviver com um segredo (a mentira sobre a morte de José, seu irmão). Judá encontra a paz na casa de (H)IRA - Judá passa a viver na casa de Hira, o adulamita. Quem é ele? Não sabemos. Mas Hira foi amigo de Judá por, ao menos, vinte anos. Ele aparece aqui, recebendo Judá em sua casa, e anos depois (após a morte de dois filhos e da esposa) ao lado de Judá quando este reencontra Tamar em Timna (v.12) E viu Judá ali a filha de um homem cananeu, cujo nome era Sua; e tomou-a por mulher, e a possuiu - Gênesis 38:2 Em Adulão, Judá encontra uma esposa. A mulher, uma canaanita, é identificada apenas por ser “filha de Suá”. As coisas parecem ir bem. Ele não tem mais que contemplar diariamente o luto do pai, encontrou um amigo e uma esposa e logo nasceram-lhe três filhos homens: Er, Onan e Selá. Filhos eram considerados bençãos. Especialmente do sexo masculino. Judá pode se considerar então um homem afortunado. Er “já Era” - Er torna-se adulto e chega o momento de Judá, seu pai,
dar-lhe uma mulher por esposa. Judá escolhe a Tamar. Judá faz a Er o que seu pai não pôde fazer a ele mesmo (dar-lhe uma esposa), mas Er morre sem dar netos à Judá. O texto destaca a razão “metafísica” de sua morte: Er era “mau aos olhos do Senhor”. Judá, pois, tomou uma mulher para Er, o seu primogênito, e o seu nome era Tamar. Er, porém, o primogênito de Judá, era mau aos olhos do Senhor, por isso o Senhor o matou - Gênesis 38:6-7 Judá estava diante de um filho incorrigível, intratável. É interessante notar que não há referência ao fato da morte de Er ter sido uma punição pelo que Judá fez a José. Não há sequer menção a uma possível relação de causa-efeito. Se a expressão da conduta de Er não fosse clara como é, seríamos tentados a julgar que Deus tirou o filho de Judá em decorrência de seu pecado contra José. Mas Er morreu “de maldade”. Er era “mau até morrer”. Será esse o modus operandi de Deus? Matar os maus? Há pessoas maléficas que tem vidas longuíssimas. Terá sido Er mais mau que tais pessoas? Como será a vida de um pai que tem consciência de que o filho morreu por decurso de sua própria malignidade? Como será para um pai admitir: “Eu tinha um filho que era mau até não poder mais. Morreu jovem e sem filhos e eu sei que foi Deus que o matou”? OH, NÃO ONÃN! - Não parece haver nenhum determinismo na morte. Pessoas boas e más morrem mais cedo ou mais tarde de modo aparentemente aleatório. Após a morte de Er, Tamar – seguindo um costume da época e local – é dada ao irmão seguinte, Onã (para que este “suscitasse descendência ao irmão morto”), mas Onã (cujo nome lembra uma negação prévia e permanente) se nega – ainda que tenha compartilhado a tenda; com a ex-cunhada-feita-esposa, ele não chegava a bom termo. Diz o texto: Então disse Judá a Onã: Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão. Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do Senhor, pelo que também o matou. Gênesis 38:8-10 Ao decidir não cumprir a tradição, Onã abriu mão de ter, ele próprio, descendência. O primeiro filho seria considerado do irmão, mas os seguintes seriam seus. Onã não quis nem uma coisa, nem outra. Pior ainda: Onã poderia (uma vez que não concordava) ter se negado a assumir a viúva do irmão ou a manter relações com ela, mas ele
se prestou a aceitar o “bônus” (as relações sexuais) sem aceitar o “ônus” (a concepção de um filho que não seria legitimamente “seu”). Isso também foi considerado “mau aos olhos do Senhor” e Onã morreu. Casou com Tamar, tamar-cado pra morrer - Judá induz Tamar a pensar que ele lhe oferecerá seu terceiro filho, Selá, assim que ele estiver maduro, mas a proposta esconde um plano. Judá esperava que o tempo fizesse o serviço. Quem sabe Tamar morresse, ou encontrasse outro homem ou simplesmente desistisse. Judá temia que Selá morresse (como os outros) após se casar com Tamar. Para Judá, Tamar era a “Viúva Negra Cananéia”. Mas os filhos de Judá não haviam morrido por decorrência de seus casamentos. Por esta época, Judá se recusa a relacionar a morte dos filhos à própria vilania destes, preferindo atribuir à nora a relação de causa-efeito. Tá-mar e vai ficar pior - Na condição de uma viúva sem filhos, Tamar, por não ser mais virgem, de acordo com a tradição da época, não pertencia mais à casa de seu pai, mas Judá à devolve mesmo assim dando-lhe a falsa esperança de casar-se com seu caçula, e agora, único filho. O tempo passa e o que estava mal, fica pior. Judá perde a esposa. Restam-lhe agora, o amigo Hira e o filho Selá. Passando-se pois muitos dias, morreu a filha de Sua, mulher de Judá; e depois de consolado Judá subiu aos tosquiadores das suas ovelhas em Timna, ele e Hira, seu amigo, o adulamita. E deram aviso a Tamar, dizendo: Eis que o teu sogro sobe a Timna, a tosquiar as suas ovelhas. Gênesis 38:12-13 O duro trabalho de tosquiar ovelhas era acompanhado de uma festa (festival) que se destacava pela celebração às custas de bastante vinho. Os cultos canaanitas compreendiam rituais de fertilidade com prática de sexo ritual. Tamar estava sendo vítima do descumprimento da lei do Levirato (prometida por seu sogro) e, quando ela descobre que o velho Judá está por aquelas bandas, ela não perde a oportunidade. E deram aviso a Tamar, dizendo: Eis que o teu sogro sobe a Timna, a tosquiar as suas ovelhas. Então ela tirou de sobre si os vestidos da sua viuvez e cobriu-se com o véu, e envolveu-se, e assentou-se à entrada das duas fontes que estão no caminho de Timna, porque via que Selá já era grande, e ela não lhe fora dada por mulher. E vendo-a Judá, teve-a por
uma prostituta, porque ela tinha coberto o seu rosto. E dirigiu-se a ela no caminho, e disse: Vem, peço-te, deixa-me possuir-te. Porquanto não sabia que era sua nora... e possuiu-a, e ela concebeu dele. Gênesis 38:13-18 A íntegra dessa história pode ser lida no capítulo trinta e oito do Gênesis. O resumo final, todavia, é que Tamar se revela ao ex-sogro-feito-marido e Judá, um homem acostumado à fuga das responsabilidades, tem uma reação “extraordinária” Judá... disse: Mais justa é ela do que eu, porquanto não a tenho dado a Selá meu filho. E nunca mais a conheceu. Gênesis 38:26 A trágica história de um homem que perdeu dois filhos e a esposa e seu envolvimento com a nora, duas vezes viúva termina aqui. As mortes prematuras se encerraram, a vida deu o ar da graça novamente – com a chegada dos gêmeos (cfe versos 27 e 28). Podemos dizer que Judá voltou para sua família paterna, pois seu lugar na história de José é retomado nos capítulos seguintes. Judá é um outro homem agora. Quando se vê diante da situação de perigo à vida de seu irmão caçula, Benjamim, Judá se prontifica a morrer pelo irmão (cfe Gn 44:16-34) Não há muitos episódios notáveis na vida de Judá. Sua notoriedade será decorrente mais de seus descendentes (toda uma dinastia real que incluirá Davi, Salomão e, principalmente, Jesus) do que dele mesmo. Entretanto, aprendemos com Judá que a maioria de nós vive como ele. A Bíblia é repleta de heróis da fé. Judá não foi um deles. Judá serve para nos lembrar que a Bíblia Sagrada não é uma espécie de Liga da Justiça ou um universo fantástico onde todos andam sobre as águas, abrem os mares, derrubam gigantes, derrotam exércitos. No sagrado também cabe gente “ordinária”, gente comum. Gente que sente culpa, medo e foge. Que tenta se reinventar e falha miseravelmente. Judá foge da família e da presença do pai, mas não consegue se “ver livre” da bênção e da provisão de Deus. Judá encontra-se com seu destino em uma terra estranha, de uma forma ainda mais estranha. Ele é um homem que caminha entre o ordinário – vida, morte, nascimentos, encontros, amizades – e o extraordinário (filhos que morrem “de malignidade”, uma nora de mau agouro, um encontro inusitado com uma estranha prostituta familiar, gêmeos que brigam para ver quem nasce primeiro).
Normalmente (ou “ordinariamente) não é possível escrever a história de um homem enquanto ele vive. É preciso que se aguarde o capítulo derradeiro de sua vida. Só então, olhando em retrospectiva, é possível analisar os caminhos que ele trilhou para chegar onde chegou. Judá tem, ainda em vida, a possibilidade (extraordinária) de saber onde seus caminhos terminam. Ao pé do leito de morte do pai, Judá encontra sua redenção. Não é mais um homem marcado pela culpa, pela fuga e pelos erros. Judá é, ele mesmo e seus descendentes depois dele, como um leão. Há um cetro e uma nobreza que lhe aguardam.
EXISTINDO PARA ALÉM DO RECONHECIMENTO
Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do SENHOR? Porque foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Isaías 53:1-5 Quando foi que Jesus se tornou Rei? De fato, Ele sempre o foi. Já era rei antes mesmo de ser homem. Foi um bebe rei, um adolescente rei, adulto rei, crucificado e desfigurado rei;
morto e ressuscitado rei. Deixou um reino na terra, voltou para seu reino no Céu (de onde retornará para estabelecer o “reino visível” na Terra). A outra pergunta é: Quando Jesus aparentou ser rei? Nunca. Como é ser irreconhecível? Como é ser alguém que não se parece em nada com o alguém que se é (ou foi)? Como será escutar alguém íntimo dizendo-lhe: “Não pode ser você”. Essência ou aparência: O que identifica uma pessoa? Se você perdesse a aparência, como provaria a seus conhecidos que você é quem diz ser? É essa a situação descrita nesse texto messiânico que descreve um Salvador moribundo, marcado e aparentemente abandonado. O capítulo 53 de Isaías inicia com uma pergunta: “Quem creu em nossa mensagem?” Mas, como crer num Salvador que parece estar numa condição “inferior” aos que pretende salvar? Talvez, o sentido da pergunta fosse “Quem, mesmo assim, creu em nossa mensagem?”, quem, mesmo diante de um salvador irreconhecível, creu? É interessante e intrigante o fato que o texto enfatize a falta de atributos do Servo do Senhor: "Desfigurado", "irreconhecível", sem "aparência humana", "sem beleza", "esmagado", "oprimido" e "afligido". Parece um currículo às avessas. O contexto, entretanto, esclarece a razão da “ feiura” do Salvador: o nosso pecado – “O Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós” (53:6). E isso é absolutamente revelador: o pecado “enfeia” aquele contra quem o cometemos. Pense no rosto de um pai que descobre que o filho é viciado, na face da mãe honesta de um criminoso, do semblante da esposa traída. Todos serão marcados pela dor do pecado do outro. Cristo recebeu a dor do pecado de todos. Sua aparência reflete as marcas da dor absorvida provinda de bilhões de pecadores. Essa “desfiguração” do Servo do Senhor ocorre num dado momento. Não foi sempre que ele foi assim. Ele “não parecida mais gente, tinha
perdido toda a sua aparência humana” (Edição Pastoral – Paulinas), “sua aparência estava tão desfigurada que ele se tornou irreconhecível como homem” (NVI). A culminância desse processo de desfiguração ocorre na crucificação. Paradoxalmente, é justamente no dia de sua execução que Jesus assume diante de Pôncio Pilatos sua condição de rei (“o meu reino não é deste mundo” – Jo 18:36) e fala com surpreendente autoridade (“Nenhuma autoridade terias sobre mim, se do alto não a tivesses recebido” – Jo 19:11).
Foi quando menos aparentou ser rei, que Jesus recebeu uma “coroa”, um “manto” e um “cetro”; soldados romanos curvaram-se diante dele em atitude de escárnio dizendo “salve o Rei dos Judeus”. Até a maior autoridade romana local, Poncio Pilatos, o apresentou à turba enfurecida dizendo: “Eis aí o vosso Rei. Crucificarei o vosso rei?” (Jo 19:14,15). E na cruz, acima de sua cabeça, um cartaz que indicava o nome e os crimes dos sentenciados, afirmava: “Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus”. Curiosamente, isso foi o mais próximo que Jesus chegou da realeza terrena.
Num mundo em que a imagem é, quase sempre, o principal critério pelo qual julgamos alguém, a aposta de Deus em convencer o mundo através de um salvador esfarrapado pode não parecer a melhor estratégia, mas força-nos a tentar ver além das aparências. Foi isso que fez um dos ladrões crucificados ao lado de Cristo. “Lembra-te de mim quando entrares no teu reino”
De forma semelhante a Cristo, muitos de seus seguidores também convivem com o desprezo e o descrédito. Quase sempre não se parecem qualificados e apropriados para a vocação que afirmam ter.
Alguém sabiamente já disse que uma imagem vale mais que mil palavras. Entretanto, mesmo a imagem não diz tudo sobre o aquilo que retrata, pois a imagem é estática. Retrata apenas um instantâneo da realidade. Tente, por exemplo, se lembrar das imagens mais vergonhosas a seu respeito, das situações degradantes e dos erros mais graves que você já cometeu. Tivessem eles sido fotografados, filmados ou descritos em minuciosos e sórdidos detalhes, quem poderia dizer estar ali um “futuro rei” ou “líder nacional”. Quem poderia contemplar tais episódios e vislumbrar para além dele o profissional ou líder que você se tornou hoje (ou que virá a ser amanhã)? Quem poderia dizer então que ali estava um médico, um juiz, uma escritora ou uma líder de sucesso? Deus poderia. E, de fato, é assim que Ele nos vê. Dostoiévski, diz que amar é “ver o outro como Deus gostaria que ele fosse”. Essa capacidade de olhar para além do momento, para além da imagem e contemplar a “essência” é um dom fundamental nos dias de hoje, pois sempre seremos naturalmente atraídos para o belo. E essa atração poderá constituir-se num terrível engano.
A profecia de Isaías acerca do Servo Sofredor nos mostra que a invisibilidade não anula a existência, a “desaparência” não anula a essência e a incredulidade não anula a realidade.
Quem é, é. E quem é (diante de Deus), cedo ou tarde também SERÁ diante dos homens.
A PIRADA RELIGIOSIDADE PIRATA
O capítulo 58 de Isaías possui as mais belas promessas que um ser humano poderia almejar: pronta resposta divina às orações, proteção, prosperidade e saúde. Entretanto, há também lá uma pungente denúncia de Deus contra o comportamento aparentemente religioso e o pecado que o subjaz: a hipocrisia religiosa. É Deus descrevendo o que ele vê quando olha para seus filhos pecadores. O pecado incomoda a Deus, mas Deus mesmo pouco fala de seu incômodo aqui, o que é notável, pois quando nós, humanos, nos desapontamos com alguém denunciamos o pecado do ofensor em termos pessoais e relacionais: “Você me magoou”, “Você me feriu”, “Você me traiu”. No texto, todavia, vemos Deus protestando contra o mal que seus filhos faziam contra o próximo e, em última análise, contra si mesmos. Deus fala como fala a mãe que chama a atenção do filho coberto de lama: “Olhe só para você! Seu cabelo, suas unhas...”. A mãe não se dói por si ou por ter que lidar depois com aquela sujeira. Dói-se pelo estado do filho. Assim também Deus quando nos vê cobertos de lama. Deus expressa seu desagrado com uma rotina religiosa vazia.
“... dia a dia me procuram. Parecem desejosos de conhecer os meus caminhos” - Isaías 58:2
Havia rito, havia rotina, havia semelhança, havia aparência. Ressalte-se: uma aparência 'atestada' por Deus. É Deus quem está dizendo que eles “pareciam” um povo “que faz o que é direito e que não abandonou o seu Deus” - 58:2b. Não era uma imagem apenas aos olhos dos outros, aos olhos do povo ou das outras nações. Era uma religiosidade pirata de alta categoria!
O pior disso tudo é que, certamente, eles também se enganavam, pois aos seus olhos também estavam servindo a Deus. Não apenas isso, parecialhes que Deus estava em débito com eles. Eis a “piração” da falsa religiosidade. Ela nos “faz” credores de Deus com base na “moeda” que pensamos estar depositando através de nossos ritos. “Por que jejuamos e tu não vês? Por que nos humilhamos e tu não reparas?” (58.3). O contexto do capítulo 58 é de um povo que “busca” a Deus (v.2) e que clama de uma forma como se Deus estivesse ausente ou indiferente e que se gaba de suas ações religiosas e seus jejuns (58:3). Diante do protesto do povo, Deus mui misericordiosamente não os manda plantar batatas como eles, de fato, mereceriam ser tratados, mas faz, pelo contrário, uma exposição daquilo que Ele desejava em termo de comportamento e práticas verdadeiramente religiosas e sadias. “Por que eu faço tudo certo e tudo dá errado? Por que Deus não vê meu esforço?” é um típico clamor de nossa parte. Quase sempre ele será fruto de uma compreensão equivocada do que Deus quer que façamos. Códigos, leis, dogmas e estatutos são parâmetros humanos falíveis. Deus pede, em forma de uma pergunta retórica, um outro tipo de “jejum”: O jejum que desejo não é este? Soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre
desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? Isaías 58:6-7
Quebrar correntes, desatar nós, libertar, partilhar, abrigar, agasalhar, auxiliar. São estes os verbos que expressam atitude verdadeiramente espiritual. Não dependem de templos, dias santos, ocasiões especiais. Para prática deste jejum basta um simples exame de consciência e uma disposição interior que veja no outro, no próximo a face de Deus ao Qual servimos sem ver e sem querermos ser vistos. Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda. Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Eis-me aqui! Isaías 58:8-9
SÓ AS SERPENTES SALVAM
O capítulo 21 do Livro de Números registra um estranho episódio, no qual o povo de Israel em peregrinação rumo à Terra Prometida é atacado por víboras do deserto e muitos morrem. A cura proposta por Deus para as picadas mortais foi simplesmente ‘olhar para uma serpente de bronze’. Trata-se do primeiro e único caso de cura por “visão antiofídica”.
O povo estivera a protestar contra Deus e contra Moisés pela peregrinação sem fim e pela alimentação (o Maná) a qual chamam de “detestável” e logo concluem que o ataque das cobras fora um castigo divino. Pedem que Moisés interceda para que Deus os perdoe e “suma” com as serpentes. A oferta de salvação proposta por Deus é cheia de símbolos e significados. O mais elementar significado é que aquela serpente de bronze que Moisés ergue numa haste representa Jesus erguido na cruz (como o próprio Cristo dirá depois), mas muitos outros aspectos podem ser percebidos nesse texto acerca do modo como Deus salva. O primeiro aspecto é que a Salvação é oferecida ao invés de outorgada – Deus não faz com que as serpentes desapareçam subitamente e que os efeitos do veneno cessem. Deus manda Moisés
fazer uma imagem e que oriente o povo a ‘olhar’ para a serpente. Ou seja, a salvação era uma questão de VONTADE. O segundo aspecto é que Deus salva para além daquilo que consideramos ‘salvação’ – o pedido do povo fora para que Deus “sumisse com as serpentes”, para que desse um fim ao ataque; não há nada a respeito daqueles que já haviam sido picados, mas Deus fez mais: salvou, tanto as ‘potenciais’ vítimas quanto as vítimas ‘de fato’. Quando se pede a intervenção divina e se busca a sua salvação, Deus sempre vai além do livramento e salva até aqueles aspectos da nossa vida que já considerávamos ‘condenados’. Um terceiro aspecto dessa salvação é que ela é ‘simples’ – Há algo mais simples do que olhar? Não havia necessidade de um sacrifício ou de um rito, nem formulários burocráticos, nem doações ou barganhas. Por ser simples, essa salvação também era uma salvação PRÁTICA, pois alcançava até mesmo aqueles que já tivessem sido picados. O veneno ofídico afeta o sistema nervoso e, num estado avançado, a única coisa que um homem picado pode fazer é mexer os olhos. Era o bastante. Poderia alguém não querer olhara para a serpente?Há também um aspecto ‘paradoxal’ na salvação de Deus: Aquilo que me fere se tornou naquilo que me sara. Certamente, depois do ataque, a última coisa que o povo queria ver era serpente. Serpente? Nem que “pintada a ouro”, todavia a imagem da serpente representava um duplo desafio aos condenados: por um lado deviam contemplar aquilo que lhes havia ferido (o juízo) e por outro deveriam crer. Talvez fosse mais fácil crer na imagem de um Cordeiro de Bronze ou de uma insígnia do Instituto Butantã de bronze ou até num comprimido Doril de Bronze (afinal, tomou doril...). Mas Deus faz com que o agente da condenação ou da salvação seja o mesmo e que dependa de uma escolha pessoal a determinação de qual efeito ele produzirá: Para aqueles que se negaram a olhar, condenação e para aqueles que contemplaram com fé, salvação.
Por último e o mais importante. A concessão do livramento foi gratuita (Deus não está obrigado a perdoar o povo), mas a recepção do livramento foi condicionada a um ato de fé: olhar. Esse é o principal aspecto da salvação que Deus promove: sem fé não há. Não seria necessária tanta fé para se contemplar a imagem de um Querubim de Bronze ou outro ser celestial, mas uma ‘serpente’? Mesmo assim é intrigante o fato de que alguém se recuse. Afinal, quem, estando condenado, não olharia para a serpente? A resposta é simples e triste: Não olhariam os mesmos que não “olham” hoje: Quem não acreditasse (e quantos não acreditam?), quem não se considerasse condenado (e quanto não se dão conta?), quem considerasse a solução inadequada, ou ridícula ou simplória (e quantos não consideram?). Só “olhar para a serpente”? Só “crer em Jesus”, só isso? Haverá sempre os que buscarão os Butantãs da vida, os tratamentos alternativos e os que ignorarão os sintomas do veneno. Mas a “mensagem da serpente” é clara e inequívoca: Olhar é obedecer; Olhar é crer; Olhar é admitir o pecado e o juízo presentes; Olhar é confronar. Haverá situações em que nos sentiremos paralisados e intoxicados pelo veneno do mundo; sem reação ou esperança. Ainda assim haverá algo que poderemos fazer em direção à salvação de Deus; algo simples. Talvez uma palavra, um olhar, um gesto e assim, haverá aqueles que se negarão mesmo a isso.
O VÍCIO DA DOR
Se te mostrares frouxo no dia da angústia, tua força será pequena Provérbios 24:10 Ninguém gosta de sofrer. Toda dor é um tipo de desconforto, mas, mesmo assim, há desconfortos que se revelam convenientes e há dores que se transformam num tipo de dependência visceral gerada e mantida pelo ‘subproduto’ que o sofrimento causa aos outros: a pena ou até mesmo a admiração. Desde muito cedo somos ensinados que a dor é um expediente de conquista, um meio de se obter o que se quer. É difícil ficar insensível diante de alguém que chora. O bebê chora e é levado ao colo e alimentado; o filho desobediente chora e escapa da punição; o marido espancador chora e é perdoado. Até o político safado chora e seus delitos são esquecidos e os votos mantidos. Exceto quando choramos de alegria ou compaixão por outro, a mensagem da lágrima, em geral, é: preciso de ajuda. Além da pena de si mesmo (a Síndrome do Coitadinho) há ainda outro mal relacionado à dor: o orgulho espiritual que decorre do sofrimento/sacrifício visto como algo dignificante ou meritório. A vivência eclesiástica está impregnada de estímulos à autoflagelação como recurso para obter o favor divino é algo que remonta aos
primórdios do cristianismo. Vai chorando, geme, chora – Não conheço nenhuma música cuja letra diga que precisamos sorrir para vencer as lutas, que necessitamos ser mais alegres para termos a resposta de oração. Ao contrário: somos ensinados a chorar e a prantear, pois “Deus não resiste” ao crente que chora. Todavia a Bíblia diz que “a alegria do Senhor é a nossa força”, que Deus ama aquele que dá “com alegria”. Não se trata de negar a legitimidade da dor, mas apenas que deve haver equilíbrio. Não podemos enfatizar o sofrimento como meio de obter o favor divino. O cantor Mattos Nascimento, em sua mais conhecida canção, diz: Quer vitória? Vai chorando. Geme. Chora. Por que não “vai sorrindo, vibre, sorria”? “Tristemunhos” – Muito do que é contado como “testemunho de vitória” nas igrejas realmente tem componentes emocionantes e edificantes. Todavia, a ênfase à dor e ao sofrimento podem induzir os ouvintes a pensar que o valor de um testemunho está na ‘quantidade’ de sofrimento que ele tem e não na ‘qualidade’ da transformação que ele produziu. Quando se pensa: “Depois de tudo o que eu sofri, eu mereço isso” se faz com que a Graça deixe de ser “favor imerecido” para tornarse “recompensa”. Caminho estreito (e espinhoso) – Não são poucos os pastores que fazem um ‘adendo’ ao comentário de Jesus sobre “os dois caminhos”. Segundo Cristo, o que leva à perdição é “largo e muitos vão por ele” e o que leva ao Céu é “estreito e são poucos os que andam nele”. Íngreme, espinhoso e cheio de pedras são acréscimos indevidos que pregadores utilizam para emprestar ao texto um sentido que ele não tem: de que o caminho para o Céu é um caminho de sofrimento. O que Jesus efetivamente diz é sobre a quantidade de pessoas no caminho e não sobre a qualidade do mesmo. Joelho calejado – Na espiritualidade sadia, prostrar-se não tem nada a ver com colocar-se numa posição de desconforto físico. O ajoelhar-se é um reflexo exterior de uma disposição que já existe no íntimo: demonstrar submissão e reverência. Entretanto, em muitos ambientes religiosos, ostentar calo no joelho virou marca de uma espiritualidade sofrida e sacrificial.
Oração de madrugada - Já ouvi de um líder a seguinte afirmação: Esse negócio de acordar de madrugada e orar deitado na cama quentinha, debaixo do cobertor é muito fácil. Crente tem que botar o joelho no chão frio e a boca no pó. Jejum Sadomasô – Há pessoas que ensinam que deve-se suportar as horas mais excruciantes de um jejum, quando o estômago dói de fome, com a certeza reconfortante de que é nessa exata hora que Deus o esta recebendo. Há dores saudáveis e necessárias que podem tornar-se altamente pedagógicas. A dor pode nos aproximar da fé, nos ensinar os limites do nosso corpo, nos alertar para o perigo. No entanto, há também males que sofremos prazerosamente a fim de atrairmos a atenção de Deus e dos outros e essa forma doentia de lidar com a dor sempre corromperá nosso conceito Dele. Ou veremos a Deus como injusto (“Não mereço o sofrimento que estou passando”) ou como devedor (“Deus vai recompensar minha dor”). Há falsas dores que não passam de sombras de dores antigas que insistimos em reavivar em nome de um mórbido deleite. A essas cabe a nós dar um basta. Nesses casos vale o alerta da Bíblia contra o risco do ‘excesso de choro’ pois a autocomiseração pode ter um efeito paralisante sobre nós: ‘Se te mostrares frouxo no dia da angústia, tua força será pequena’ (Provérbios 24:10). Há dores que decorrem da escassez de recursos. Nesses casos a Bíblia ensina lutar com o que se tem à mão. ‘Transformem seus arados em espadas e as foices em lanças! Diga o fraco: Sou um guerreiro’ (Joel 4:10). Há dores que nos acompanharão enquanto vivermos. Para essas a recomendação bíblica é da dependência e da suficiência do poder de Cristo: ‘Eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco, é que sou forte’ (2 Cor 12:9-10).
A receita comum da sabedoria popular para a dor é conhecer alguém que esteja ‘sofrendo mais que você’. Embora isso possa deixar o sofredor um pouco mais conformado, não o deixará mais aliviado. Visitar um hospital para contemplar pessoas que estão numa situação pior que a nossa não é ser “solidário”, é uma tentativa de sentir-se ‘superior’. A receita bíblica é mais completa: ‘Alegrem-se com os que se alegram, chorem com os que choram’ (Rm 12:15). A solidariedade não consiste apenas em sentir pena de quem chora. Ser solidário, segundo o dicionário, é “compartilhar sentimentos”. A dor pode ter o poder de nos isolar dos outros, seccionando nossas relações fraternas e familiares e levando-nos a estágio quase ‘autista’ no qual nos concentramos na repetição dos nossos lamentos e em nosso enclausuramento. Alegrar-se com a conquista do outro é um excelente remédio contra esse mal além de afugentar a inveja e de agradar a Deus (não por meio da dor, mas pelo amor e serviço ao próximo) e aí, com certeza, vai doer menos.
OUVIR À DEUS
A voz do Senhor ouve-se sobre as suas águas; o Deus da glória troveja; o Senhor está sobre as muitas águas. A voz do Senhor é poderosa; a voz do Senhor é cheia de majestade. A voz do Senhor quebra os cedros; sim, o Senhor quebra os cedros do Líbano. Ele os faz saltar como um bezerro; ao Líbano e Siriom, como filhotes de bois selvagens. A voz do Senhor separa as labaredas do fogo. A voz do Senhor faz tremer o deserto; o Senhor faz tremer o deserto de Cades. A voz do Senhor faz parir as cervas, e descobre as brenhas; e no seu templo cada um fala da sua glória. Salmos 29:3-9 Como saber quando Deus fala conosco? Como evitar o perigo de deixarse levar por 'impressões' de que Deus falou? Devemos sempre perguntar a Deus o que Ele quer que façamos? Perguntar todo dia a Deus sobre o que Ele quer que façamos nem sempre é prova de comunhão. Há pessoas que se orgulham em dizer que não fazem nada, não tomam nenhuma decisão sem antes consultar a Deus. Isso soa espiritual, mas façamos uma reflexão mais profunda. Pense na pessoa que você mais ama e melhor conhece. Você sempre lhe pergunta o que ele deseja? Quanto mais você conhece uma pessoa (seu filho ou seu cônjuge, por exemplo) menos perguntas você precisa fazer sobre o que ela deseja ou prefere que você faça.
Nenhum pai desejaria que seu filho adulto ficasse telefonando a cada trinta minutos para perguntar o que deve comer, vestir, falar; para onde deve ou não ir. Pais responsáveis esperarão que seus filhos sejam capazes de decidir sozinhos (com base na educação que receberam). Ter comunhão com Deus é saber e fazer o que Ele espera. Mas... e quando realmente não temos um parâmetro a seguir? E quando não temos certeza sobre a melhor escolha? O primeiro passo para ouvir a Deus é disposição. É 'querer ouvir' e o segundo é quase um anexo do primeiro: é intenção ou motivação. Não 'querer ouvir' por ouvir, ou para se gabar dizendo: “Deus fala comigo” ou “Sou um emissário do Senhor”, mas a real disposição de buscar 'fazer a vontade de Deus'. O salmista Davi observava os fenômenos da natureza e os comparava à sua experiência com Deus. Para ele, a Voz de Deus era tão poderosa quanto um raio partindo um cedro. Diz ele no Salmo 29:5 - “A voz do Senhor despedaça os cedros”. Força e velocidade são marcas dessa manifestação da voz de Deus. Você constrói suas argumentações, aduba seus projetos, deixa-se enraizar de suas convicções e o tempo faz crescer essa árvore de caule grosso e firme a qual chamamos “vontade própria” até que um dia, ouvimos a voz de Deus vindo como um raio e partindo nosso cedro de cima a baixo em milésimos de segundo. Às vezes é assim. Quando Deus fala, nossas convicções anteriores (e contrárias) são despedaçadas como uma árvore partida por um raio. O salmista, porém, traça outra marca dessa voz divina: “A voz do Senhor faz tremer o deserto” (Sl 29:8). Ora, o que pode acontecer num deserto? Quase nada além de calor, frio e tempestades de areia. Todavia, quando Deus fala, diz a Palavra, Ele “sacode o deserto”. Deus faz com que no deserto de ideias, no deserto de planos, no deserto de projetos, algo surja de modo inesperado. Quando Ele nos fala, é como se fizesse vibrar, fizesse tremer nossa realidade.
Podemos estar olhando para o horizonte em busca de um oásis ou para o céu em busca de uma nuvenzinha de esperança e então vem a voz de Deus se manifestando não do céu ou do horizonte, mas a partir do chão, do subsolo, daquilo que não vemos. Então, no mesmo Salmo, temos dois aspectos distintos da voz de Deus: Deus fala “partindo cedros” e fala “sacudindo desertos”. Ás vezes, a voz de Deus vem sobre nossas florestas de cedros, sobre cedros centenários que são nossas convicções enraizadas e que julgávamos inabaláveis. Noutras, a voz de Deus vem sobre onde não temos nada plantado, nem um cactozinho; um deserto no qual não sabemos o que fazer. E então vem essa voz-tremor para nos lembrar que Deus também age movendo as placas tectônicas no subsolo, no invisível. Ainda assim, nem sempre o que Deus fala é algo inédito (como o tremor no deserto) ou algo que vem contra nossos conceitos pregressos (como os raios sobre os cedros). Por vezes, Deus também fala para confirmar aquilo que já tínhamos em mente. Diz o salmista: “A voz do Senhor faz parir as corças” (Sl 29:9). A voz de Deus também traz à luz aquilo que já estava sendo gestado, aquilo que já nos habitava, que estava no útero de nosso ser. Observando as interações na natureza ao seu redor, o salmista poetizou a multiplicidade das manifestações da Voz Divina e também de suas interações com o ser. A Voz do Senhor pode vir de cima (como os raios), de baixo (como os tremores de terra) ou até mesmo de dentro (como as crias das corças). Raios que partem árvores, abalos sísmicos e veadinhos nascendo são eventos que tem algo em comum (entre si e com a voz divina): eles são inconfundíveis e nos asseguram que quando Deus fala, sua voz não deixa dúvidas.
O VINGADOR
O Senhor é um Deus zeloso e vingador, o Senhor é um vingador irascível; o Senhor toma vingança de seus adversários e trata com rigor os seus inimigos. Naum 1:2 O que fazem os super-heróis? Em geral, são eles os defensores dos "fracos e oprimidos"; protegem os inocentes, punem os culpados. Mas o tempo do herói que capturava o bandido e o entregava às autoridades é passado. Os heróis modernos capturam, condenam e executam. No processo, deixam (quase sempre) Nova York destruída, mas salvam a população, a namorada, o gato preso na árvore e o cãozinho dentro da casa em chamas. E nós fechamos os gibis ou saímos do cinema com a sensação de que a justiça foi feita. Todavia, negamos a Deus o que aceitamos dos heróis: que Ele execute sua justiça à seu modo. Imagine-se vítima de um perseguidor implacável. Não como seu chefe carrasco, seu marido castrador ou seu vizinho chato. Imagine-se na Síria, tendo perdido familiares sob perseguição do ditador Bashar Al-Assad, ou se o guerrilheiro ugandês Joseph Kony tivesse sequestrado seu filho (como já fez com mais de 65.000 crianças forçadas a lutar em seu "exército mirim"), ou se você fosse um judeu vivendo na Europa na época da Segunda Guerra Mundial. Em todas essas circunstâncias, um
super-herói viria bem a calhar. Um herói que resgatasse seu filho, vingasse a morte de seu cônjuge e que pulverizasse seus inimigos. Um dos Vingadores, por exemplo. Quem não gostaria de ter um a seu favor? Não havia super-heróis na época de Naum, mas havia "super-vilões" - A esperança dos oprimidos só podia repousar naquele que se apresentava como “abrigo seguro a todo o que nele confia” (Na 1:7) de uma maneira que nem os X-MEN, a Liga da Justiça e os Vingadores juntos, poderiam prover porque, além de todos os poderes que os heróis têm, Deus, “conhece aquele que nele confia" (Na 1:7b) Desejamos que a justiça puna os culpados, e desejaríamos que os superheróis (se existissem) fizessem justiça a seu modo. O povo de Judá, na época do profeta Naum, de uma maneira muito mais dramática também ansiava por justiça. Eles eram assolados pela dominação assíria e esperança de uma vingança divina era seu maior consolo. O capítulo primeiro do livro de Naum apresenta uma descrição assustadora de Deus aos ninivitas. O texto mostra características semelhantes às vistas nos heróis da ficção: "Cheio de furor” como o Hulk; “se vinga dos adversários e trata com rigor os inimigos”, como Thor. Como Batman ou Demolidor, “não deixa impune o culpado” e como a X-MEN Tempestade, é capaz de caminhar “em meio à tempestade e sobre o vento impetuoso”. Também como outra X-MEN, Fênix, “controla as águas, faz secar os rios e tem o poder de criar uma inundação”. “Faz tremer as montanhas” de um jeito que mataria de inveja a Banshee ou Magneto e “derrama sua fúria como fogo” como o Tocha Humana, o Ciclope e o Pyro juntos não seriam capazes. A intenção era intimidar e dissuadir o adversário. Como um lutador de MMA, o Senhor avisa que Ele nunca derruba um adversário duas vezes. "Finaliza" na primeira (Que é o que projetais vós contra o Senhor? Ele destruirá de vez; não se levantará por duas vezes a angústia - Na 1:9). Os "super-poderes" de Deus estão associados a virtudes incomuns nos 'demais heróis'. Diz o profeta que Deus é “paciente”, e “lento em irar-se” (Na 1:3). Qual herói é conhecido por sua paciência? Por sua misericórdia? Qual herói "avisa" seu adversário das consequências de enfrentá-lo (como Deus faz)? Já se viu algum herói convidando um vilão ao arrependimento e à mudança de atitude? Todavia, Deus é tão bom que
sua paciência é um atributo destinado justamente aos “seus adversários”! Nínive recebera alertas de dois profetas (Jonas e Naoum) num intervalo de duas gerações até que, finalmente, Deus trouxesse o juízo. A paciência de Deus precede sua ira e a beatifica! Em meio a tantas descrições aterrorizantes de um Deus vingativo e irascível, a nota final de Naum é a que qualifica Deus de uma forma geral: “O Senhor é bom”, diz o profeta. Todo o resto deve ser entendido a luz dessa descrição pois fazem parte de "ser bom" os aspectos mais "sombrios" da personalidade divina: o ciúme, a ira e o espírito vingativo pois não seria "bom" um Deus que permitisse que o mal triunfasse contra minha vida indiscriminada e irrestritamente, não seria "bom" um Deus que pouco ou nada se importasse se eu o traísse ou o abandonasse, um Deus que não se enciumasse de minha infidelidade.
A BOA E PACIENTE IRA DIVINA Um versículo que, certamente, frequenta as "caixinhas de promessa" (aquelas pequenas caixas de madeira ou papelão contendo versículos bíblicos escritos em cartões coloridos em formato de tirinhas) está no livro do profeta Naum. “O Senhor é bom, um refúgio para os que nele confiam” Esse é, de fato, um belo versículo. O contexto no qual se encontra, todavia não é tão estimulante. O livro do profeta Naum possuí três capítulos. O primeiro deles, é uma descrição assustadora de um Deus irado e vingativo que está prestes a fazer um acerto de contas com a cidade de Nínive, capital da Assíria. Assustador para aqueles que, como diz o texto, se colocam como 'maquinadores do mal contra o Senhor' (1:11), mas 'consolador' para os que se põem sob sua proteção (1:7). Palavras como ira, vingança, assolação e furor se sucedem até a metade do capítulo - quando o profeta parece fazer uma 'pausa' em sua descrição da ira divina ao dizer: O SENHOR é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia, e conhece os que confiam nele. Naum 1:7 A sequencia do texto, todavia, retoma o 'tom ameaçador' de antes: “O Senhor é bom... mas, com um temporal violento ele destruirá este lugar, e, mesmo nas trevas, acossará seus inimigos.” Naum 1:8
Para aqueles que leem o capítulo inteiro, o verso sete parece ser o ponto fora da curva, o contraponto, a nota dissonante do texto, mas, pelo contrário, ele é 'a chave hermenêutica' para a compreensão do texto e do fato de que Deus não deixa de ser bom quando se ira. A “Ira” é tão própria a Deus que poderíamos fazer uma releitura do versículo acrescentando-lhe esse aspecto de seu caráter sem que haja perda ou alteração do sentido: “A Ira do Senhor é boa, ela serve de fortaleza no dia da angústia, ela conhece os que em Deus confiam” A Ira do Senhor é boa porque é direcionada e justificada “O Senhor executa vingança contra os seus adversários, e manifesta furor contra os seus inimigos.” (1:2) A Ira do Senhor não é uma metralhadora tresloucada a disparar em todas as direções de forma irracional e despropositada. Deus está irado contra os assírios (famosos pela crueldade com que tratavam os povos conquistados). O império Assírio exercia uma tática de conquista brutal. Queimavam as cidades, decepavam braços e pernas dos moradores e os abandonavam para morrerem de hemorragia ou cortavam e empilhavam suas cabeças transformando sua selvageria numa espécie de marketing do terror. O profeta diz que o tempo dessa devastação estava chegando ao fim (o que, de fato, ocorreria anos depois com a tomada de Nínive pelos babilônios). E diz também que Deus se manifestaria em defesa de seu povo de forma implacável e violenta. A vingança divina não é uma “desforra” - Contra quem Deus se vinga? Vinga-se contra aqueles que fizeram o mal ao seu povo. Defende-nos daqueles contra os quais pouco (ou nada) podemos fazer. Todavia, Deus não se vinga daqueles que fazem “qualquer coisa” contra seu povo. Ele não é um comparsa de bandido que busca vingança contra o juiz que encarcerou o 'amigo'; ele se vinga daqueles que fazem “algo errado”, “algo injusto” contra seu povo.
A Ira Divina é boa porque é Graciosa e Paciente. Só a recebe no presente aquele que desprezou a Paciência Divina no passado “O Senhor é lento para irar-se, mas o seu poder é imenso” (Na 1:3) Ou seja, a aparente inatividade de Deus não significa impotência e sim um longo exercício de paciência. Sua justiça é mediada por sua longanimidade O alerta de Deus a Nínive já havia sido dado duas gerações atrás por meio da pregação do profeta Jonas (ao que se seguiu uma genuína, porém breve conversão e um posterior retorno a impiedade). Sendo assim, ainda que os adversários de Deus estejam na 'alça de mira' de sua justiça, todavia são também beneficiados por sua paciência. É para com os injustos e maus que Deus é paciente. A Ira de Deus é boa porque fortalece no dia da angústia - A justiça de Deus não consola apenas quando se acontece. Ela também pode consolar previamente. O SENHOR é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia - Naum 1:7 Ainda que não tenha se manifestado no presente momento, sabemos que ela chegará e isso nos faz olhar para a situação desfavorável e para os inimigos impunes e ativos com o mesmo sentimento do irmão mais novo que apanha do mais velho e lhe diz: “Espera só meu pai chegar...” A Ira de Deus é boa porque traz Paz – O juízo de Deus põe fim ao conflito. Parece paradoxal, mas não existe paz sem contrariedade. A prisão traz contrariedade ao criminoso e paz ao cidadão. Eis sobre os montes os pés do que traz as boas novas, do que anuncia a paz! Celebra as tuas festas, ó Judá, cumpre os teus votos, porque o ímpio não tornará mais a passar por ti; ele é inteiramente exterminado. Naum 1:15 O mensageiro da paz e do juízo é o mesmo. Apenas os destinatários são
diferentes e o Senhor nos concede a graça de escolher que tipo de destinatários queremos ser! A Ira de Deus é boa porque não se manifesta sem aviso – Uma repentina tribulação pode nos levar a pensar que estamos sendo 'castigados' por algum pecado, mas esse texto nos ensina que Deus não castiga sem avisar. Que tramais contra o Senhor? Ele mesmo vos consumirá de todo. Naum 1:9 Não corrigimos nossos filhos sem os alertar antes. Deus concede esse tratamento até mesmo aos seus inimigos. A Ira de Deus é boa porque não se manifesta sem explicar o motivo – O bom pai também não corrige seus filhos sem lhes explicar a razão. Também Deus oferece a 'graça de saber' até aos incorrigíveis ninivitas. * * * Deus se ira e isso é bom. Porque a Ira do Senhor não é como a nossa ira. Não é revanchista, precipitada, não é injusta e desproporcional, oferece possibilidade e tempo (muito tempo) para um conserto. A bondade e a paciência habitam a ira de Deus.
PECADORES SEM NOÇÃO DO PERIGO
Cobertor de Pecador - Quando criança, quem nunca se escondeu debaixo das cobertas 'protegendo-se' de monstros ou fantasmas? Até que descobríssemos que monstros e fantasmas não existiam, tal expediente pôde ter passado por eficaz, mas ainda hoje há pessoas que usam métodos igualmente fantasiosos para tentarem se livrar do juízo divino. O 'cobertor', todavia, é outro. A sensação de que a mão de Deus não me alcançará provem de alguns comportamentos que podemos entrever no texto do capítulo primeiro do livro do profeta Naum. O livro não revela apenas aspectos do caráter de Deus, mas também contem advertências que podem ser vistas como “recados” de Deus diretamente ligados a aspectos negligenciados pelos pecadores. Estou atento aos detalhes - Aos que pensam que Deus não se importa com 'detalhes' - “Isso é uma coisa mínima, uma besteira. Deus não se importa com isso”, o texto afirma “O Senhor é um Deus zeloso...” (1:2). Você só não sofreu as consequências ainda porque sou misericordiosamente paciente - Aos que se tranquilizam na impunidade pensando “Nunca aconteceu nada, não é agora que vai acontecer”, o profeta alerta “O SENHOR é tardio em irar-se, mas grande em poder, e
ao culpado não tem por inocente” (1:3) Não banque o desentendido - Há os que buscam meios de se 'alienar' da consciência do juízo e do pecado através da embriaguez e/ou do vício. O álcool ou a droga podem silenciar a consciência, mitigar a sensação de culpa, mas Deus alerta - Porque ainda que eles... se saturem de vinho como bêbados, serão inteiramente consumidos como palha seca - Naum 1:10 Não confie nas companhias – Há também os que se consideram à salvo pela 'mutualidade'. Sentem-se seguros ao se darem as mãos e firmarem 'parcerias do mal'. A esses, diz a Palavra: “Ainda que eles se entrelacem como espinhos...serão consumidos” (v. 10) – Esse “entrelaçamento” de pecadores uns com os outros pode gerar a sensação de impunidade, mas diante do juízo divino, não há nenhum tipo de ''fraternidade salvadora”. Preste atenção às tempestades - “...Como um temporal violento ele destruirá este lugar, e, mesmo nas trevas, acossará seus inimigos” (Naum 1:8) - Tempestades não ocorrem sem avisos prévios. O céu se enegrece, os ventos sibilam, o clima muda. É o anúncio do que está por vir. Deus avisa aos pecadores que um temporal está por vir. O profeta é o INMET de Deus que alerta para às “mudanças climáticas”. * * * Pecadores sem noção do perigo, mesmo alertados, descansam na momentânea impunidade, na minimização de seus delitos, na companhia protetora dos comparsas e na celebração hedonista da vida. Melhor fariam se atentassem para os recados divinos que lhes são dirigidos. Não apenas para aqueles que são 'advertências', mas principalmente para aquele que pode se tornar único cobertor capaz realmente livrá-los: “O Senhor é bom! Refúgio seguro nas horas de aperto. Ele conhece aqueles que nele confiam” (Na 1:7)
ENQUANTO HÁ OSSOS, HÁ ESPERANÇA
Veio sobre mim a mão do SENHOR, e ele me fez sair no Espírito do SENHOR, e me pôs no meio de um vale que estava cheio de ossos. E me fez passar em volta deles; e eis que eram mui numerosos sobre a face do vale, e eis que estavam sequíssimos. E me disse: Filho do homem, porventura viverão estes ossos? E eu disse: Senhor DEUS, tu o sabes. Então me disse: Profetiza sobre estes ossos, e dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do SENHOR. Assim diz o Senhor DEUS a estes ossos: Eis que farei entrar em vós o espírito, e vivereis. Ezequiel 37:1-5 Ezequiel é levado por Deus num tour muito estranho. O profeta é colocado no meio de um vale coberto de ossadas sequíssimas. Um vale de ossos seria uma Disneylândia para um cachorro, mas para um judeu devoto, um campo de corpos insepultos era uma visão aterradora. Deus leva Ezequiel a percorrer todo o vale – "Ele me levou de um lado para outro e pude ver que era enorme o número de ossos no vale, e que os ossos estavam muito secos” como a atitude do mágico que, antes de perfazer seu número, mostra ao público a cartola por dentro e por fora, sem nenhum aspecto anormal em sua feitura, da qual ele fará surgir o coelho. Deus faz com que o profeta passe por uma imersão no irreversível antes de mandá-lo profetizar a vida.
Deus pode nos conduzir a lugares desagradáveis, lugares de morte e desesperança. Deus quer saber a opinião do profeta diante de um quadro irreversível: “Poderão reviver esses ossos?”. A resposta óbvia seria “não”, mas a resposta do profeta é “Senhor, só tu o sabes” (vs.3). Note-se que o profeta não diz: “Tu podes”, mas “Tu sabes”. Ele poderia ter dito: “Senhor, tu podes tudo, até mesmo tornar o espírito a esses ossos”, mas sua resposta vai além. O que o profeta está dizendo é: “Senhor, tu sabes se tu podes”. Às vezes nos consideramos os gerentes do poder divino. Dizemos que Deus pode isso, pode aquilo, pode tudo. Ezequiel, mostra uma compreensão mais profunda. Para ele, era mais importante reconhecer que “Deus sabe” do que “Deus pode”. Aprendemos com Ezequiel que (até que Deus revele sua vontade), o melhor a dizer, a melhor oração diante de um quadro de morte, de desesperança, não é “Senhor, Tu podes”, mas “Senhor, Tu sabes” pois quando dizemos “Deus pode”, isso nos traz a expectativa de que Deus “vai fazer” (e, por vezes, ansiedade de que ele faça), mas quando dizemos “Deus sabe”, isso nos traz conforto e serenidade. Os ossos estão secos, mas “Senhor, tu sabes”; o mar está bravio, mas “Senhor, tu sabes”. Deus pode nos colocar diante de situações na quais não somos especialistas, mas seremos fundamentais. Ezequiel não era um especialista em ossos. Tivesse Deus perguntado ao Doutor Victor Frankenstein, “Podem reviver, esses ossos?”, o criador do monstro homônimo teria respondido - “Dê-me um bom prazo e umas boas tempestades que posso tentar algo”, mas Ezequiel era apenas um profeta. Não era especialista, mas era especial. É interessante o texto dizer que era um vale de ossos; e não um vale de esqueletos. Isso sugere que os ossos estavam misturados. Não eram defuntos frescos, eram ossos secos. Sequíssimos e misturados. Crânio de um, úmero de outro; rádio de um, omoplata de outro. Já seria difícil para um especialista montar um quebra-cabeças de ossos correspondentes
(ainda que de corpos diferentes), quanto mais crer que se levantaria ali um exército de redivivos! Profetas entre ossos secos e ventos de vida. Fico imaginando o profeta dizendo no vale: “Deus está me revelando um esqueleto aqui nesse vale que está com a vida financeira encalacrada. Creia irmão que Deus vai desencalacrar essa situação” ou “Tem uma ossada aqui que está com câncer, Deus está mandando dizer que a cura chegou. Receba!”. Anunciar curas episódicas em grandes plateias de gente sugestionada é fácil se comparado a receber a missão de “profetizar” para ossos e dar ordens a ventos! Pois Deus não manda Ezequiel dizer a alguém que os ossos voltarão a viver. Manda-o dizer aos próprios ossos. Deus chama Ezequiel para ser o profeta da "Reencarnação”! Há poucas “atividades” para esqueletos se envolverem. Talvez, estrelarem um documentário do The History Chanel, virarem peça de museu ou de laboratório de anatomia. Todavia, diante de Deus, há algo que esqueletos podem fazer: receber uma palavra profética; podem ouvir e obedecer, podem se reajuntar, se religarem, encarnarem e reviverem. Enquanto há ossos, há esperança! Considerando que a morte JÁ É um estado irreversível, porque Deus não mostrou a Ezequiel um vale de corpos mortos ao invés de um de ossos secos? Porque os ossos secos ilustram a distância na qual eles estão(estavam) da vida! Ou seja, eles estavam mortos há muito, muito tempo. A vida é um processo que se interrompe na morte e a morte dá início a um outro processo: o da decomposição. Quem está morto, está em decomposição, todavia há estágios diversos de decomposição, sendo que o último é “voltar ao pó”.
Para o homem, a morte é o fim, mas para Deus o fim está muito depois. O dito popular é de que enquanto há vida, há esperança, mas esse texto mostra que pode haver esperança para além da vida e até mesmo “para além dos ossos”, pois a decomposição pode trabalhar a favor dos propósitos divinos, uma vez que ela conduz o corpo morto ao seu estado elementar: o pó. Do pó Deus formou a Adão, no Éden. Ou seja, o caminho do fim pode ser o caminho do recomeço. Ao nos decompor, Deus pode estar nos levando a nos tornarmos a matéria-prima com a qual Ele trará uma nova vida. Isso vale para nós, quer estejamos na condição do profeta (em meio aos ossos da desesperança) ou quer sejamos nós mesmos os ossos. Para Deus, um campo de ossos secos não é o fim. Com a palavra apropriada e o vento de vida, um vale de ossos secos pode se tornar numa plantação de gente, uma startup de um formidável e inumerável exército.
O MEDO... É UM PERIGO!
O medo e a ousadia são duas faces de uma mesma moeda. Para muitas das besteiras que fazemos, ouvimos a pergunta: “Como você teve coragem disso?!” E a resposta costuma ser: “Porque tive medo”. Paradoxal, não?
O capítulo 22 do Livro de Josué relata um episódio bastante ilustrativo quanto a isso. Após a conquista de Canaã, as tribos de Rubem e Gade e meia tribo de Manassés ainda não haviam se estabelecido. Foi-lhes destinada uma porção de terra em Gileade, do outro lado do Jordão.
Chegando então o grande dia, as duas tribos e meia foram orientadas a ocupar suas possessões. Entretanto um temor se instalou entre eles: o medo da discriminação. Eles temiam ser esquecidos pelo fato de que passariam a morar ao leste do Jordão (Transjordânia) enquanto as demais tribos (que eram maioria) ocupavam a parte oeste (Cisjordânia). A preocupação era procedente já que eles ficariam distantes do centro da adoração do povo hebreu que ficava do outro lado do rio, em Canaã. Talvez, no futuro, os descendentes daquelas tribos se esquecessem do povo que morava “do lado de lá do Jordão”. Os “esquecidos” ficariam privados das cerimônias e festivais religiosos que eram baseados em Canaã e não em Gileade. Entretanto, a solução encontrada para essa
preocupação quase iniciou uma guerra civil.
“E, chegando eles aos limites do Jordão, ainda na terra de Canaã, ali edificaram um altar de grande aparência” (vs.10).
Ao invés de buscarem seus irmãos e dialogarem, firmando um pacto ou aliança, o que fizeram? Construíram um altar. E um aspecto chama a atenção. O altar fora construído às margens do Jordão, entretanto, no lado leste (pertecente às dez tribos e meia). E por que não o fizeram seu próprio lado? O texto não esclarece, mas podemos deduzir que (mais uma vez) o motivo foi o medo. Construíram um altar por medo de serem esquecidos. E por medo de serem considerados “separatistas”, fizeramno do lado dos vizinhos.
“E ouviram os filhos de Israel dizer: Eis que os filhos de Rúben, e os filhos de Gade, e a meia tribo de Manassés edificaram um altar diante da terra de Canaã, nos limites do Jordão, do lado dos filhos de Israel. Ouvindo isso os filhos de Israel, reuniu-se toda a congregação dos filhos de Israel em Siló, para saírem em guerra contra eles” (vs.11,12)
Ao tomarem conhecimento do que fizeram as duas tribos e meia, os líderes das demais tribos optaram por uma “guerra preventiva”. Havia um altar “não autorizado” (vs. 19) e isso era um indicativo preocupante. Estariam eles se desligando de seus irmãos? Estariam adorando a outro Deus?
Há pastores que ficam igualmente inquietados ao descobrirem “reuniões naõ autorizadas” acontecendo fora da igreja. “O que estarão fazendo lá? Falando mal de mim? Por que não fui informado?”
"E, indo eles aos filhos de Rúben, e aos filhos de Gade, e à meia tribo de Manassés, à terra de Gileade, falaram-lhes, dizendo: Assim diz toda a congregação do SENHOR: Que transgressão é esta, que cometestes contra o Deus de Israel, deixando hoje de seguir ao SENHOR, edificando-vos um altar, para vos rebelardes contra o SENHOR?" (vs.15,16)
Os líderes do povo assim agiram por medo de que o Senhor se irasse contra todos indistintamente. Havia a preocupaçaõ da necessidade de se manter um único centro de adoração (altar) para onde deveria afluir toda a congregação de Israel afim de que fosse preservado o espírito de unidade nacional. Um outro altar punha em risco essa unidade e poderia provocar a ira de Deus. É interessante como o medo, na maioria das vezes não é “paralisante”. Pelo contrário, o medo nos leva a agir de forma precipitada e, muitas vezes, paradoxalmente ousada. Ao invés de nos afastar do perigo, por vezes o medo nos expõe a ele. Daí que seja comum ouvirmos coisas do tipo: “Ouvi um barulho, fiquei com medo e saí para ver se era um ladrão”, “Fugi porque tive medo”, “Matei minha esposa porque tive medo de perdê-la para outro”, “Atirei primeiro porque tive medo de morrer”. Ou o clássico exemplo da Parábola dos Talentos: “Senhor, eu conhecia-te, sei que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste; e, atemorizado, escondi na terra o teu talento...” (Mt 25:24,25) O medo é fruto da ignorância. No “perfeito amor”, diz a Bíblia, “não há medo”. No Getsemani, Jesus não teve medo, teve “angústia profunda”. Não temia o que iria lhe acontecer. Ele “sabia”. Pedro, pelo contrário, decepou a orelha de um soldado por medo. A violência, quando fruto da ignorância, gera uma “valentia” que nada mais é do um subproduto do medo.
Quando a comitiva armada interpelou aos supostos revoltosos, ouviu essa resposta: "O Poderoso, Deus, o SENHOR . O Poderoso, Deus, o SENHOR, ele o sabe... Se agimos por rebeldia, que Ele hoje não nos preserve. Se nós edificamos um altar para nos desviarmos do SENHOR, ou para sobre ele oferecer holocausto e oferta de alimentos, ou sobre ele apresentar oferta pacífica, o SENHOR mesmo de nós o requeira. Antes, o fizemos por receio de quê, amanhã, vossos filhos digam a nossos filhos: Que tendes vós com o SENHOR Deus de Israel? Pois o SENHOR pôs o Jordão por divisão entre nós e vós e não tendes parte no SENHOR; e assim bem poderiam vossos filhos fazer desistir a nossos filhos de temer ao SENHOR. Por isso dissemos: Preparemo-nos agora, e edifiquemos um altar... para que, entre nós e vós, e entre as nossas gerações depois de nós, nos seja em testemunho, para podermos fazer o serviço do SENHOR diante dele com os nossos holocaustos, e com os nossos sacrifícios, e com as nossas ofertas pacíficas; para que vossos filhos não digam amanhã a nossos filhos: Não tendes parte no SENHOR." (Js 22:22-27) As tribos do oeste estavam ali para tomarem satisfação sobre o altar, mas a milícia armada aguardava de prontidão. Um conflito era iminente. E o medo faz as tribos do leste usarem um recurso extremamente ousado: Apelar para a mençaõ ao “nome de Deus”. E não apenas uma, ma duas vezes. Eles invocam “El” (O Poderoso), “Elohim” (Deus) e “Yahweh” (o Senhor) duas vezes para dar veracidade a seu discurso de defesa. O risco de mencionar o nome de Deus em vão foi o preço que o medo cobrou para se escapar de um massacre quase certo. “E pareceu a resposta boa aos olhos dos filhos de Israel, e os filhos de Israel louvaram a Deus; e não falaram mais em subir à guerra contra eles em exército, para destruírem a terra em que habitavam os filhos de Rúben e os filhos de Gade.” Há aqui dois males a serem combatidos: o medo e o juízo precipitado, sendo que um conduz ao outro e vice-versa. São intercambiáveis. E sua origem é a mesma: ignorância. Portanto, evitar que os “outros” pensem mal a nosso respeito não é tão difícil assim. Basta fazer com que eles saibam a “verdade” a nosso respeito. Na maioria das vezes, o que falta é
comunicação. Segundo o pastor Caio Fábio, “A suspeição é filha da falta de comunhão”. Se há comunhão entre as partes, não há espaço para a suspeita, pois quem está junto não suspeita, sabe. E, quem sabe não teme, nem julga ou age precipitadamente.
DAVI, O TRI-UNGIDO
Davi foi o monarca mais famoso da história de Israel, mas há um aspecto de sua vida quase desconhecido. Davi foi ungido Rei... Três vezes. E, em cada uma de suas três unções, aspectos de sua conduta revelam o tipo de caráter que Deus busca em seus escolhidos. A MARCA DA PRIMEIRA UNÇÃO: TRABALHO Quando Samuel visita a casa de Jessé e conhece todos seus filhos (não encontrando, entre eles o escolhido de Deus), lhe pergunta: “Acabaramse os teus filhos?”. Jessé respondeu: “Ainda tenho o caçula, mas ele está no campo, cuidando das ovelhas” (1 Samuel 16:11). Há muitas pessoas na igreja esperando que a liderança lhes “dê uma oportunidade” para poderem, enfim, trabalhar. A desculpa para a ociosidade é: Ninguém me dá oportunidade. Todos querem receber a “unção”. Muitos ficam esperando por ela. Poucos estão trabalhando e cuidando dos negócios do Pai, como fazia Davi. Certamente Jessé não era pai de um bando de desocupados. É provável que os irmãos de Davi também estivessem trabalhando. Davi, com certeza, estava. Mas sua ocupação não o impediu de receber a unção. O profeta Samuel fez questão de só dar início ao sacrifício APÓS o retorno de Davi do campo. Assim é que, ainda que o trabalho EM SI, não garanta a unção, certo é que Deus NÃO UNGE DESOCUPADOS. E até espera por eles. Nenhum “à toa” é ungido por Deus.
ENTRE A PROMESSA E A REALIZAÇÃO Ovelhas de novo - Samuel foi embora e cada um voltou a sua rotina e Davi, a dele. Mas já não era mais o mesmo. O Espírito do Senhor se apoderara dele. Quando somos ungidos por Deus, a primeira mudança se dá em nosso interior. Somos tomados por um sentido de missão e destino ao ponto em que, mesmo que voltemos aos trabalhos de rotina, sabemos que já iniciamos o caminho para um propósito maior. Notoriedade e perseguição - Há muitos que pensam: “Agora que sou ungido, Deus vai me colocar numa posição de destaque”. Davi, de fato, obteve “notoriedade” (1 Sm 16:17,18). A unção atrai a missão. Não demorou até que súditos de Saul ouvissem falar de Davi e o recomendassem para servir no palácio real. Mas a “fama” se fará acompanhar de conflitos e perseguições. Davi sofreu com irmãos enciumados e um rei descontrolado atirando-lhe lanças em acessos de fúria. Antes do trono: harpas e queijos – Todo ungido recebe uma missão. E a primeira missão de Davi foi tocar harpa para exorcizar os demônios do rei Saul (1Sm 16:19). Em seguida, o pai o mandou ao campo de batalha para levar alimento aos irmãos. Primeiro Davi teve que carregar pães e queijos para servir soldados de um exército que, no futuro, ele iria comandar. Como reagiríamos se, depois de sermos ungidos por Deus, recebêssemos dele a missão de sermos tocadores de harpa e meros carregadores de queijo? A MARCA DA SEGUNDA UNÇÃO: DIREÇÃO DIVINA Saul era morto. O trono estava desocupado. Davi, o sucessor escolhido, poderia reivindicar sua coroa, mas ele não se antecipa à ordem divina. As circunstâncias podiam estar dizendo: “Essa é a hora”, mas Davi não age sem ter certeza. Passado algum tempo, Davi perguntou ao Senhor: Devo ir para uma das cidades de Judá? O Senhor respondeu que sim, e Davi perguntou para qual delas. “Para Hebrom”, respondeu o Senhor. (2 Samuel 2:1) A MARCA DA TERCEIRA UNÇÃO: CELEBRAÇÃO DE ALIANÇAS
Então todas as autoridades de Israel foram ao encontro do rei Davi em Hebrom e o rei fez aliança com eles perante o Senhor, e eles ungiram Davi rei de Israel. (2 Samuel 5:3) Davi era o sucessor escolhido por Deus e as autoridades de Israel sabiam disso: “No passado, mesmo quando Saul era rei, eras tu quem liderava Israel em suas batalhas. E o Senhor te disse: Você pastoreará Israel, o meu povo, e será o seu governante” (2 Samuel 5:2) Entretanto, após a morte de Saul, essas mesmas autoridades aceitaram ungir Is-Bosete, filho de Saul, rei sobre Israel. Após dois anos de conflito civil (que culminou no assassinato de Is-Bosete, além de muitas outras mortes), os líderes de Israel reconheceram que Davi era o legítimo herdeiro do trono. Em resposta Davi não mostrou ressentimento ou espírito vingativo, mas celebrou uma aliança com eles. O que se vê hoje em muitas igrejas é um espírito bastante diferente. Uma incapacidade de estender a mão a quem, outrora, tenha criado algum obstáculo ou desacreditado do ungido de Deus. UNS SÃO, OUTROS NÃO Há ungidos e “ungidos”. A imagem mais comum quando se fala de um irmão “ungido” é a do sujeito que ora e jejua sem parar e tem visões e revelações frequentemente. A marca de Davi, o “triungido”, é a marca do trabalho, do serviço ao próximo,da humildade e da disposição para aliançar-se a antigos desafetos e até mesmo honrar um rei neurótico como Saul. Um comportamento bastante semelhante ao modelo mor de todo cristão: Jesus Cristo. E vale a pena lembrar: “Cristo” é o termo grego para “Ungido”.
COMO TRANSFORMAR DESAPONTAMENTOS EM CONFISSÕES DE ESPERANÇA
Em relação a moradia, o que deve ser pior do que não ter condições de construir uma casa? É construí-la e não poder morar nela. Esse é um exemplo perfeito do que considero o pior tipo de desapontamento: o de não usufruir daquilo que se sofreu para conquistar. Como você reage aos desapontamentos? Como fazer uma confissão de esperança em meio a um grande desapontamento? Nós engravidamos e nos contorcemos de dor, mas demos à luz o vento. Não trouxemos salvação à terra; não demos à luz os habitantes do mundo. Mas os teus mortos viverão; seus corpos ressuscitarão. Vocês, que voltaram ao pó, acordem e cantem de alegria. O teu orvalho é orvalho de luz; a terra dará à luz os seus mortos - Isaías 26:18,19 Isaías está dizendo que o povo passou por todo processo de dor, por todas as expectativas que cercam uma gravidez, mas nada havia nascido. Às vezes sofremos o mesmo: investimos tempo e recurso em algo grandioso, podendo ser até mesmo algo dedicado à Deus ou ao próximo. E o desapontamento surge ao constatarmos que não deu em nada. Virou pó. Ou pior: virou vento.
Ter muitos filhos era considerada a principal bençaõ para um israelita comum. Não tê-los, ao contrário, era uma maldição vergonhosa. Mas, pior que nos sentirmos estéreis é nos sentirmos fecundos e, paradoxalmente, só conseguirmos parir vento. O texto bíblico acima fornece elementos para compreendermos um pouco o porquê dos desapontamentos e como não sucumbir a eles. É preciso fazer um auto-exame (perguntar-se “em que eu errei” até achar a resposta). A perplexidade dos israelitas se devia ao fato de que eles tiveram todos os sinais. Tudo parecia apontar para uma grande benção. “Por que, meu Deus?” e “O quê fiz de errado?” são as perguntas mais comuns quando desapontamentos como esse ocorrem. É importante não deixar de perguntar. Uma inquirição profunda pode nos ajudar a descobrir nossos erros que passaram despercebidos ao longo do processo. É preciso crer que o desapontamento pode ser a melhor disciplina para nossas vidas – Investir em algo que não dá os resultados esperados é algo que até Deus passa. Por vezes, é Ele quem se desaponta conosco (como a figueira infrutífera que Jesus amaldiçoou). Desapontar-se é uma forma de “sentir” o que Deus já experimentou em relação à Israel, a igreja e a nós mesmos muitas e muitas vezes (Dt 28:39 / Is 5:2-4). Você está produzindo de acordo com o investimento? “Investimentos que não dão retorno são os piores desapontamentos, mas, como disciplina divina, são a melhor forma de Deus nos mostrar como ele se sente conosco”. É preciso crer que se Deus não fizer algo novo nascer, Ele vai fazer algo velho ressurgir. O Deus que nos permite passar por momentos de gestações de vento é o mesmo que transforma cemitérios em maternidades de realizações. O trecho inicial do texto é um lamento, mas sua conclusão aponta para uma fé que não conhece os limites (até mesmo da morte): “Não demos à luz... mas os mortos viverão!” (Is 26:18b,19a). * * * Na cultura de Israel e dos povos circunvizinhos, os mortos habitavam um
lugar de sequidão e trevas. Mas esse cântico de louvor (que é o capítulo 26) transtorna esse conceito ao bradar à aqueles que “voltaram ao pó” (os mortos): “Teu orvalho é orvalho de luz. A terra dará à luz os seus mortos” (v.19). Esse belíssimo texto bíblico é um convite a uma fé que não se limita a olhar esperançosa para um ventre gestante, mas que consegue discernir orvalho na secura, luz na escuridão e um outro ventre, embaixo na terra, gerando algo novo. Porque ter fé é crer que o mesmo Deus que faz gente “parir vento” faz terra “parir gente”.
DIAS PIORES VIRÃO
Um dia o profeta Jeremias fez um desabafo diante de Deus. Ele se cansara da maldade e da impunidade dos homens. Jeremias inicia (ousadamente) dizendo: “Tu és justo, Senhor... Contudo, eu gostaria de discutir contigo sobre a tua justiça” (12:1). E passa então a questionar a prosperidade dos ímpios e a aparente tranqüilidade dos traidores (v.1); se espanta com a benção divina sobre suas vidas (“Tu os plantastes, e eles criaram raízes; crescem e dão fruto” – v.2). Também chora a destruição da natureza: “Perecem os animais e as aves por causa da maldade dos que habitam a terra” (v.4). Em resposta ao inquérito de Jeremias, Deus faz-lhe uma pergunta: “Se você correu com homens e eles o cansaram, como poderá competir com cavalos? Se você tropeça em terreno seguro, o que fará nos matagais junto ao Jordão?” Jeremias 12:5 Ao invés de responder, Deus avisa: Isso não é nada, Jeremias. Se isso te cansa, espere o que está por vir. Ele não resolve o drama de Jeremias. Mas faz-lhe revelações tremendas: Seus inimigos serão ainda mais fores; dias piores virão, mas você estará preparado. O que você passa hoje é um “treinamento”. Isso não parece ser muito animador, exceto por um detalhe: Você treina com homens, mas competirá contra cavalos. Ora, nunca se viu um jóquei se posicionar numa baia de corrida sem uma montaria. Mas o que Deus está dizendo é exatamente isso. Seus escolhidos são capacitados para correr contra
adversários mais fortes e rápidos. E vencê-los. Deus não produz a injustiça, não se pactua com ela nem se agrada de ver a destruição da natureza e a prosperidade impune dos ímpios. Como Jeremias, Deus também abomina isso. Mas esse ainda não é o tempo do acerto de contas. E enquanto não chega o dia em que diremos: “Agora sim, tudo está explicado”, cabe a nós fortalecermo-nos na confiança de que estamos sendo “treinados” para os dias piores que virão sim, mas que nos encontrarão mais fortes então. Seremos mais velozes e resistentes que cavalos e bailaremos nos lodaçais onde outros mal conseguem ficar em pé. Por essa perspectiva, podemos dizer confiantemente que quem deve temer o futuro não somos nós e sim nossos adversários. Dias piores os aguardam. Deus não está dizendo que aquilo que angustia a Jeremias seja bobagem ou coisa desimportante. Não está ensinando que, diante da maldade e da injustiça, devamos dizer: Ah! Isso é besteira! O que ele está dizendo é que Jeremias se cansou cedo demais. E o que faz quem se cansa? Simplesmente para. Os questionamentos de Jeremias são sérios e pertinentes, mas Deus compara a situação a “tropeçar numa terra plana” (v.5b) e o adverte que situações muito mais “enroscadas” virão, as quais compara a andar em meio à vegetação densa que margeava o rio Jordão. A resposta de Deus não muda a situação, mas a perspectiva de Jeremias. Ele pergunta a Deus sobre o destino dos ímpios (“Até quando... eles dirão: ninguém nos vê?”) e Deus o responde revelando o seu próprio: “Você competirá contra cavalos...”. Talvez seja assim que tenhamos que lidar com certas questões insolúveis em nosso viver. Se a situação não muda, devemos mudar a forma de ver, a perspectiva com a qual encaramos nosso destino e não o destino dos outros. Ansiamos ter a resposta de (todos) nossos dilemas, mas esse texto nos ensina que temos que aprender saber viver, mesmo sem “saber tudo”. Nem tudo tem resposta (pelo menos, não agora). A perplexidade nos acompanhará enquanto vivermos, mas podemos crer que se não tropeçarmos em terreno plano e não levarmos canseira dos homens, chegará o dia em que seremos capazes de sermos verdadeiros Tarzãs da
vida, desviando de arbustos, saltando sobre troncos e pendurando em cip贸s e disputaremos p谩reos contra puros-sangues e os venceremos.
ANDARÃO DOIS JUNTOS SE NÃO ESTIVEREM DE ACORDO?
“Acaso andarão dois juntos se não estiverem de acordo?” Amós 3:3 Este pequeno versículo é, certamente, um dos textos mais mal interpretados que se tem noticia. Sua distorção não produz falsas teologias ou igrejas hereges, mas múltiplos divórcios e separações conjugais, divisões entre irmãos, cisão de igrejas e corte de relações. Tudo isso baseado na interpretação de que SE NÃO SE PODE ESTAR DE ACORDO, NÃO SE PODE ESTAR JUNTO. Este versículo é a primeira de uma série de perguntas retóricas que o profeta Amós faz ilustrando para a nação de Israel a questão que envolve causas e efeitos. Diz o profeta no capítulo três que o leão não ruge se não pegou uma presa, que a armadilha não se desarma se nada foi apanhado e que o pássaro nela não cai se ele não está armada e ainda que o sentinela não toca a trombeta sem que isso cause alvoroço e apreensão ao povo uma vez que a trombeta é o alerta de perigo. Ou seja, toda a argumentação do profeta parte da premissa de há uma relação de causa e efeito em cada uma das ilustrações que ele apresenta. Logo, a consequência natural da falta de acordo é a separação e, naquele momento específico, havia um grande abismo entre as vontades de Deus e de seu povo. Este desacordo trazia como consequência a separação,
logo Deus e Israel não podiam trilhar o mesmo caminho se o desacordo permanecesse. Assim, são muitos os que se justificam diante de Deus e dos homens dizendo: "Não posso permanecer casado porque não andarão dois juntos se não estiverem de acordo, logo a solução é a separação". "Não posso permanecer nessa igreja porque não andarão dois juntos se não estiverem de acordo, logo a solução é a separação". Todavia não é isso que o contexto do versículo ensina. Se dois não estão de acordo, a SEPARAÇÃO não é a SOLUÇÃO e sim a CONSEQUÊNCIA. A solução é ENTRAR EM ACORDO. Todo o livro do profeta Amós aponta para o desejo de Deus de que Israel ENTRE EM ACORDO com Ele.
Andarão dois juntos se não estiverem de acordo? Não. Logo, que entrem em acordo o mais rápido possível afim de que possam prosseguir juntos na caminhada. A separação é possível e, por vezes, necessária. Mas não deve ser a primeira opção. A primeira opção deve ser SEMPRE a busca da conciliação. Há, porém, um preço para todo acordo pois, para se entrar em acordo, há que se conciliar pontos de vista, há que se harmonizar opiniões. E não há paz sem dor, não há harmonia sem sacrifício. Duas pessoas não podem chegar a um acordo sem “abrir mão”, sem concessões. Deus é o exemplo maior desse preço para a PAZ SER POSSÍVEL. A “CONCESSÃO” de Deus chegou ao limite com o sacrifício do Filho Unigênito. Entre Deus e o homem o acordo sempre será possível porque Deus fez a concessão maior e definitiva a favor do “acordo” com o homem. Nas relações humanas ambas as partes em desacordo podem estar erradas em vários aspectos de suas discordâncias. A busca do acordo (antes da busca da separação) pressupõe a disposição para o sacrifício de algumas vontades e mesmo de alguns direitos em nome do bem maior advindo de
CONTINUAR andando junto. Não se anda se não há acordo e não caminha com quem não temos harmonia. O desacordo paralisa a caminhada e, na maioria das vezes, a separação não é a solução pois quando se “separa, se para” de caminhar. Andarão dois juntos se não estiverem de acordo? Não. Então: que se entre em acordo em nome da continuidade do caminho fraterno.
O DEUS DA VIDA TODA
"Não há santo como o SENHOR; porque não há outro fora de ti; e rocha nenhuma há como o nosso Deus. Não multipliqueis palavras de altivez, nem saiam coisas arrogantes da vossa boca; porque o SENHOR é o Deus de conhecimento, e por ele são as obras pesadas na balança. O arco dos fortes foi quebrado, e os que tropeçavam foram cingidos de força. Os fartos se alugaram por pão, e cessaram os famintos; até a estéril deu à luz sete filhos, e a que tinha muitos filhos enfraqueceu. O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela. O SENHOR empobrece e enriquece; abaixa e também exalta... Os pés dos seus santos guardará, porém os ímpios ficarão mudos nas trevas; porque o homem não prevalecerá pela força.” 1 Samuel 2:1-7,9 Samuel, o último dos juízes de Israel (na era pré-monárquica), foi nascido de uma miraculosa gravidez. Ana, sua mãe, já era velha e infértil. Pela fé, fez um voto a Deus de que, se lhe nascesse um filho, ela o consagraria ao Senhor. No contexto histórico em que Ana viveu, era comum a crença de que cada aspecto da vida era governado por uma divindade específica. Havia um deus (ou vários) da guerra, um deus da morte e outro da fertilidade, deuses para proteção pessoal e deuses para infligir males. Entretanto, para o povo judeu, só havia a crença no Deus recitado por todo Israel na Shema: “Ouve ó Israel, o Senhor Nosso Deus é o Um”. Vitórias e derrotas, curas e enfermidades, sucessos e calamidades; tudo procedia da mesma e soberana fonte. Ana deixa essa fé expressa de modo belíssimo em sua canção de
adoração. Das ilimitadas lições que podem ser exaradas desse texto, podem-se destacar cinco aspectos da divindade pouco cridos em nossa vivência cristã, embora essenciais a mesma. O DEUS QUE É ALTERNÂNCIAS)
“ROCHA
MOVEDIÇA”
(DEUS
DAS
“... rocha nenhuma há como o nosso Deus.” Ana menciona Deus como Rocha; que é uma clara referência à idéia de solidez e confiabilidade que podemos ter em Deus. Entretanto, Ana também revela uma “Rocha” que se movimenta, que não é estática, impassível, imóvel. Ela fala de um Deus que promove mudanças frequentemente em nossas vidas: Ana menciona o forte arqueiro que, de repente, se vê privado de seu instrumento e, portanto, de forte passa a vulnerável. Por outro lado, há também o fraco que, subitamente se vê “cingido de força”; a mulher estéril que passa a gerar filho atrás de filho e a fecunda que, de uma hora para outra, “seca”. Ora, o que se pode entender disso é que o mesmo Deus “Rocha” que não muda é o Deus que muda as circunstâncias de nossa vida que antes pareciam imutáveis. Nossa confiança, portanto, não pode se ‘firmar’ na nossa força ou fecundidade momentâneas, nem precisamos temer quando estivermos débeis e inférteis, pois o Deus Que Não Muda pode retirar o alicerce de nossa vida e mostrar que a única solidez vem Dele exclusivamente. Força e fraqueza não significam, respectivamente, presença e ausência divina. Para o nosso bem, devemos crer que as instabilidades de nossa vida provêm do mesmo Deus que é estável como uma Rocha. O DEUS DAS BOAS E MÁS SURPRESAS “Os fartos se alugaram por pão, e cessaram os famintos; até a estéril deu à luz sete filhos, e a que tinha muitos filhos enfraqueceu... O SENHOR empobrece e enriquece; abate e também exalta” Com freqüência vemos pessoas prósperas e bem sucedidas que se surpreendem com um revés inesperado e vão da opulência à bancarrota de um dia para o outro. Do mesmo modo os pobres, quando conseguem
superar obstáculos que julgávamos intransponíveis. Se a riqueza vem de Deus e a pobreza vem do Diabo, como explicar que aquele que crê em Deus, de repente, empobreça? Foi a miséria enviada pelo Diabo mais ‘poderosa’ que a riqueza proveniente de Deus? Se fosse assim, como poderíamos ter esperança de ter abundância novamente? Crer que tanto a pobreza quanto riqueza, na vida do fiel, procedem do mesmo Deus tornase um grande amparo para nosso cotidiano. Deus não é o Deus da minha abundância apenas, dos meus momentos vitoriosos somente. É o Deus da minha provisão e da minha privação; da minha abundância e da minha carestia. Ele é o Deus da minha vida toda. O DEUS DO PRINCÍPIO, DO FIM (E DO QUE VEM DEPOIS DO FIM) “O SENHOR é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela.” No palco da vida de Ana não há espaço para atuações do Diabo: Deus dá e toma a vida, enriquece e empobrece. Temos a tendência de relacionar Deus aos ‘inícios’ (Deus me abriu uma porta...) e o Diabo aos ‘términos’ (Satanás pôs um fim ao meu sonho...). Para Ana, Deus está desde o gênese de nossas vidas até o último suspiro. E mais: quando dizemos ‘acabou’, Deus pode dizer ‘continua’, pois Ana o descreve como o Deus que ‘faz descer a cova e dela faz subir’. Ou seja, Deus é o Deus que põe um ‘fim’ depois do ‘fim’ que nós colocamos. Onde nós pomos um ponto final, Deus põe reticências. Deus é o Deus do princípio ao fim. E também do reinício depois do fim. É o Deus da vida toda. Associar a Deus apenas as coisas agradáveis limita nossa percepção de sua atuação em nossas vidas. O pior sofrimento, no fim das contas, é NÃO SABER qual a procedência daquilo que sofremos. A morte, a pobreza, a derrota, a fraqueza e a infertilidade podem nos alcançar e teremos mais força para superar se crermos que Deus está no comando. Ana faz uma referência à situação daquele que não crê no Deus verdadeiro. Ela diz: “o ímpio ficará mudo nas trevas”. Enquanto isso, os fiéis podem sofrer e até não saber o porquê, mas sabem ‘QUEM’ está no controle: “Os pés dos seus santos, Ele guardará”. O ímpio, entretanto,
não sabe onde está, nem para onde vai. Se algo o acertar, não saberá de onde veio o golpe. E pior do que estar em trevas é estar nas trevas e mudo. Sem ninguém que o ouça.
COVIL DE LADRÕES
Põe-te à porta da casa do SENHOR, e proclama ali esta palavra, e dize: Ouvi a palavra do SENHOR, todos de Judá, os que entrais por estas portas, para adorardes ao SENHOR.Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Melhorai os vossos caminhos e as vossas obras, e vos farei habitar neste lugar. Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do SENHOR, templo do SENHOR, templo do SENHOR é este... Porventura furtareis, e matareis, e adulterareis, e jurareis falsamente, e queimareis incenso a Baal, e andareis após outros deuses que não conhecestes,E então vireis, e vos poreis diante de mim nesta casa, que se chama pelo meu nome, e direis: Fomos libertados para fazermos todas estas abominações?É pois esta casa, que se chama pelo meu nome, um covil de ladroes aos vossos olhos? Eis que eu, eu mesmo, vi isto, diz o SENHOR.Mas ide agora ao meu lugar, que estava em Siló, onde, ao princípio, fiz habitar o meu nome, e vede o que lhe fiz, por causa da maldade do meu povo Israel. (Jeremias 7vv) Uma preocupação bastante normal para os pastores é sobre o que o povo faz "das portas do templo pra fora". Ao final culto, alguns pastores ficam à porta, cumprimentando e abençoando os fiéis na saída. Talvez até se perguntando sobre o que farão após saírem. O capítulo sete do livro de Jeremias fala de uma ordem de Deus para o profeta se colocar às portas do templo de Jerusalém. Mas, definitivamente, não era para "saudar" ninguém. A preocupação de Deus, ao contrário dos pastores, não era com o que o povo faria "da porta pra fora" e sim o que vinha fazendo "da porta pra dentro".
O templo de Jerusalém fora estabelecido como centro de adoração de Israel. Não obstante, o próprio Deus se refere a esse local com o epíteto "covil de ladrões". Naquele momento, aquele lugar sagrado não passava de um esconderijo de marginais. Ora, essa afirmação divina nos faz refletir sobre quão corrompido estava aquele povo, uma vez que, pela lógica, ladrões procuram abrigo o mais distante da polícia, o mais distante da Justiça, pois ladrões sabem-se foras-da-lei; e, logo, da Lei fogem. Mas, o povo de Deus, pecava e, com a maior cara-de-pau abrigava-se tranquilamente nos pátios do Templo do Deus o qual eles haviam acabado de desonrar. E o pior: tal comportamento não se devia a uma busca de perdão. Era apenas uma visita rotineira. Ali, eles cantavam, adoravam, faziam suas oblações e rituais; depositavam suas ofertas e ouviam uma mensagem reconfortante de seus líderes religiosos. Como podiam sentir-se tão confortáveis?! Como era possível que não houvesse nenhuma consternação, nenhum mal estar com aquela situação? O texto nos dá uma pista: Diz o profeta que a mensagem que o povo ouvia ali era "Este é o templo do Senhor! Este é o Templo do Senhor". Isso pode ser entendido da seguinte forma: "Enquanto você estiver aqui, nenhum mal vai te acontecer". A confiança em Deus é transferida para os "símbolos" que levam o nome de Deus, sejam templos, sejam ritos, sejam objetos. O que as pessoas esquecem é que os símbolos são de Deus tanto quanto as pessoas que os carregam: Se as pessoas que frequentam o Templo deixam de ser de Deus; o templo TAMBÉM DEIXA DE SER. Tanto é assim que Deus chama a atenção do povo para o que acontecera a Betel, um lugar outrora sagrado, mas também corrompido em seu propósito original. Deus não teve misericórdia de Betel e permitiu sua destruição. O mesmo aconteceria com o templo. Pois Deus não é Deus de coisas; é Deus de gente. Por isso o profeta Jeremias é convocado por Deus para ficar na porta do templo, esperando o povo chegar para o culto, para dar-lhes o recado: "Cuidado com o que vocês vão fazer aí dentro". Deus se incomoda com nosso pecado e se entristece, mas ao nos flagrar; Ele não clama a si mesmo dizendo: "Ó meu Eu do Céu! Olha só o que meu filho está fazendo". Nosso pecado não "assusta" a Deus, em compensação nossa falta de arrependimento o deixa furioso. Deus manda Jeremias proclamar a mensagem "do lado de fora" do templo (2) porque, dentro do templo, a mensagem que era pregada era falsa (8). "A verdade está lá fora", tema do famoso seriado "Arquivo X", é bem aplicável aqui! Note-se ainda que
o Senhor não barganha a obediência á sua Palavra. A promessa de Deus ao obediente é: "vos farei habitar neste lugar". Não era uma promessa de habitação nova, nem uma ampliação de possessões, era a "manutenção" da conquista. Deus não diz: "obedeça para ganhar mais", Ele diz: "obedeça para não perder o que já conquistou". Um profeta pregando do lado de fora, nos faz entender que o arrependimento á algo que tem que se dar "às portas". Entrar na casa de Deus, entrar em sua presença em conivência com o pecado nos torna cada vez mais insensíveis e vis. Como ladrões, buscamos na religiosidade uma fuga, um covil. Terrível é quando o construímos bem na casa do Juiz.
PEQUENO MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA À IRA DIVINA
Isso é algo absolutamente certo: em algum momento (ou vários momentos) da sua vida, você provocará a ira de Deus. Acontece nas melhores famílias. Irritamos pais, cônjuges, filhos, amigos e outras pessoas que amamos de todo coração. Quando isso ocorre nos relacionamentos humanos, a dúvida comum é: “Como será a reação da pessoa que magoei?”. O que se pode esperar de um pai irado, uma namorada chateada ou um irmão ofendido? E, em relação à Deus? O que se pode esperar de um Deus irado comigo? Meditando no Salmo 38, descobrimos como devemos nos comportar e o que podemos esperar de um Deus irado. A “fé pagã” (se é que se pode assim dizer), concebe a idéia de uma divindade permanentemente irada que, portanto, necessita ser apaziguada através de sacrifícios permanentes. Já a fé cristã, a fé bíblica nos mostra um Deus permanentemente amoroso (mesmo nos momentos de ira), que tão somente espera de nós arrependimento sincero e disposição de não errar mais. Como saber se Deus está bravo comigo? É fácil. Deus não tem nenhum prazer em nos deixar na ignorância. Se nós estivermos em dúvida quanto a tê-lo desagradado, Ele nos fará saber. Às vezes de uma forma doloridamente necessária. Diz Davi: “tuas flechas se cravaram em mim e
tua mão sobre mim desceu” (v.2). A dor o fez conscientizar-se de suas falhas (“...as minhas iniquidades sobrepassam a minha cabeça... v.4). Davi estava numa situação calamitosa: doente, com problemas cardíacos, depressão, problemas de vista, ossos e coluna; feridas que não cicatrizam e infectadas (versos 5 a 10). E não era só isso: Davi estava sob risco de morte (“... os que buscam a minha vida me armam laços” – v.12), era vítima de fofocas e maledicências (“... os que procuram meu mal, falam coisas que danificam" – v.12). E, se por um lado, era perseguido pelos inimigos, por outro era abandonado pelos amigos (“Os meus amigos e os meus companheiros estão ao longe da minha chaga; e os meus parentes se põem à distância” – v. 11). Diante desse quadro era de se imaginar que Davi não esperasse de Deus nada além de mais algumas "bordoadas". Mas Davi sabe o que esperar de seu Deus. Pouca coisa podemos esperar de um chefe zangado. Uma esposa irada pode deixar o marido sem comida, sem roupa ou até mesmo sem dentes. Um pai irado cortará a mesada, proibirá o vídeo game e a TV. O Deus de Davi, o nosso Deus é tão maravilhoso que, mesmo irado, não se indispõe em relação a nossos pedidos e necessidades. O salmista mostra sete coisas que posso esperar de Deus. 1- Que, mesmo irado, Deus não me castigará com ira desmedida (38:1) – “O SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor.” 2- Que, mesmo irado, Deus não deixará de ser sensível a minha dor e aos meus anseios (38:9) “SENHOR, diante de ti está todo o meu desejo, e o meu gemido não te é oculto” 3- Que, mesmo irado, Deus não ficará surdo à minha súplica (38:15) – “Porque em ti, SENHOR, espero; tu, SENHOR meu Deus, me ouvirás” 4- Que, mesmo irado, Deus não permitirá que meus inimigos celebrem minha derrota (38:16) – “Ouve-me, para que não se alegrem
de mim. Quando escorrega o meu pé, eles se engrandecem contra mim.” 5- Que, mesmo irado, Deus não me desamparará, nem ficará distante (38:21) – “Não me desampares, SENHOR, meu Deus, não te alongues de mim.” 6- Que, mesmo irado, Deus continuará sendo minha salvação (38:22) – “... Senhor, minha salvação” 7- Que, mesmo irado, Deus agirá rápido em meu favor (38:22) – “Apressa-te em meu auxílio, SENHOR, minha salvação” * * * Há um atributo de Deus que é marcante nesse salmo. Os teólogos o chamam de “imutabilidade”, mas eu prefiro chama-lo de “constância”. Deus é constante em seu amor por nós, ainda que nós sejamos inconstantes em nossa relação para com Ele. Podemos não saber o que esperar das pessoas que venham a se irar devido nossas falhas. Mas sabemos o que podemos esperar de Deus. Seremos corrigidos, mas não exterminados. E Deus não se afastará nem se tornará insensível. Poderemos continuar confiando que ele não nos deixará a mercê de nossos inimigos. A confiança de Davi em seu Deus era tamanha que ele, ousadamente, é capaz de pedir: “Me perdoe, não me abandone, me proteja dos meus inimigos e... seja rápido, Senhor!”
COM VONTADE DE DESISTIR
Junto dos rios de babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois lá aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião. Como cantaremos a canção do SENHOR em terra estranha? Salmo 137:1-4 O Salmo 137 é um belíssimo cântico sobre fé, dor e superação. Ele nos mostra um povo que adorava cantar e salmodiar ao seu Deus, mas que estão à beira da uma “aposentadoria espiritual”. Diz-se dos jogadores aposentados que eles “penduram as chuteiras”; os cantores de Jerusalém também se viam no fim. Estavam “pendurando” suas harpas. E, nós, do que estamos desistindo? Estamos pendurando nossas harpas? O povo de Israel estava cativo. Havia sido deportado para a Babilônia. Eram prisioneiros de guerra, exilados. Choravam ao lembrar-se de Sião: “Junto dos rios de babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião” (v.1). Levavam consigo suas harpas. Mas a harpa era um instrumento de louvor e não havia motivos para louvar agora, pois eles estavam sofrendo o juízo divino. Por isso o salmista e todos os harpistas “penduram a harpa” num salgueiro na Babilônia: Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. (v.2).
É digno de nota o fato dos tocadores levarem as harpas para o exílio. Talvez pensassem na música como uma forma de aliviar a dor do exílio e aplacar a saudade. Podemos ser banidos, mas sempre levaremos conosco aquilo que está em nossa alma ao ponto de não ser possível deixar para trás. Mas, estranhamente, quando solicitados a tocar, se enfezam e proclamam uma precoce “aposentadoria” musical. Talvez porque fossem os inimigos que pedissem uma canção: “Pois lá aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião. Como cantaremos a canção do SENHOR em terra estranha?” (v.3,4). As perdas na vida são inevitáveis, mas é preciso saber que nem tudo está perdido e que nenhuma perda é absoluta. A perda (nesse texto) foi da posse da terra, o que era um referencial para o povo hebreu. Mas, em nossas vidas as perdas podem ter outras dimensões. Coisas, pessoas ou lugares que nos foram tirados e que tinham uma importância singular. Diante de algumas delas, podemos sucumbir à tentação de, a exemplo dos músicos deste salmo, pendurarmos nossas harpas. Antes, porém, é importante saber dimensionar a perda e, principalmente, valorizar aquilo que não se perdeu. Eis alguns conselhos: 1. É preciso saber o quê perdemos, o quê não perdemos e porque perdemos. Precisamos entender o sentido e a dimensão da perda. 2. É preciso crer que nem tudo está perdido quando algo está perdido por maior que seja esse algo. 3. Eles não deixaram as harpas em Jerusalém. Logo, não abandone seus dons. 4. Mesmo no exílio, há pessoas que querem ouvir você cantar. 5. Eles não deixaram de cantar. O cântico mudou, mas não cessou. Eles até intentaram abandonar tudo (VS. 3), mas o próprio salmo é uma prova de que continuaram cantando, posto que salmos são cânticos. 6. Uma canção no exílio ainda é melhor o silêncio no exílio.
7. Por fim, se cremos que a terra da qual fomos exilados é uma promessa divina, podemos crer que para lá retornaremos um dia. Afinal, para aquele que crê, todo exílio é temporário. Pois a fidelidade de Deus é como aquela terra que deixamos: nada nem ninguém podem remover.
O DESABAFO DE DEUS
Malaquias é muito mais do que um livro que fala do dízimo. Trata-se de um “desabafo” de Deus. Ao mesmo tempo em que questiona o amor humano, Deus mostra que seu amor pode ser provado e comprovado. No livro de Malaquias, especialmente no primeiro capítulo, vemos um conflito de amor não correspondido envolvendo Deus e seu povo, Israel. Examine algumas profecias contra as nações pagãs e você perceberá um padrão: na maior parte delas, Deus dirá “Ai de ti” ou “Ai daqueles” e em seguida denunciará os pecados dos povos. No livro de Malaquias (um livro de profecias atípico em vários aspectos), a advertência divina se inicia não com uma bronca, mas com uma declaração de amor (“Eu vos amei – diz o Senhor” – v.2). E segue dizendo: “Mas vós dizeis: em que nos amaste?”. Todos nós já vivemos conflitos amorosos em algum momento de nossas vidas. O amor não correspondido pode ter diversas manifestações. A pior delas, curiosamente, não é amar quem não nos ama. É amar quem diz que nos ama, mas não age de forma correspondente ao amor que alega ter. E pior: não percebe o amor que nós temos. Das muitas dores do amor talvez essa seja a pior. Amar e não ter esse amor reconhecido; amar e, a despeito de tudo o que se faça em favor do amado, ter esse amor colocado em dúvida: Você me ama? Então prove! Isso é comum nos relacionamentos humanos em que o amor nunca é uma expressão perfeita e acabada. Mas, no relacionamento com Deus, se não nos sentimos amados não é por uma falha de expressão da parte Dele; é uma falha de
compreensão de “nossa” parte. Esse texto nos mostra muitas lições acerca do amor de Deus por nós, seus escolhidos (como Israel o é): Deus aceita ter seu amor questionado (mesmo que sempre o questionamento não tenha razão de ser) – O texto não relata Deus fazendo cair fogo do céu para consumir todos os que duvidavam de seu amor. “Tá duvidando é? Então toma isso!” Deus não apenas aceita, mas ainda responde ao questionamento – Se duvidarmos de seu amor, Deus se entristecerá, mas não se negará a prová-lo uma vez mais. Deus prova seu amor através da escolha - “Em que nos amaste?” – foi o questionamento de Israel. E Deus responde de uma forma estranha, mas essencial – “Não era Esaú irmão de Jacó? Todavia eu amei Jacó, mas rejeitei Esaú”. Soa estranho ouvir Deus dizer que “rejeitou” alguém. Mas, nesse texto, Deus se vale de um argumento imbatível como prova de amor: Amar é escolher. E escolher é priorizar. E quando se prioriza algo ou alguém, coloca-se todo o resto em segundo plano. Pode-se dizer que, se priorizamos alguém, “secundarizamos” os outros. Deus quer ser o “Deus escolhido” dentre todos os outros deuses assim como Israel é o povo escolhido dentre todos os outros povos. Deus prova seu amor através da exclusividade – O que nos faz sentirmo-nos amados? É justamente sermos tratados de forma especial, diferenciada, exclusiva. É assim o amor entre um homem e uma mulher. E Deus prova, nesse texto, que a nação de Israel desfrutava de benesses que outras nações não gozavam. Nem mesmo a nação-irmã Edom (procedia de Esaú). Malaquias faz um relato de diversas calamidades que os edomitas vinham sofrendo (1:3). Calamidades das quais Israel vinha sendo poupado. Prova de amor. Mas o povo não percebia assim: “Em que nos amaste?”, era o que perguntavam. As provas do amor de Deus não estão longe – Não é preciso ir muito longe para saber que Deus nos ama. Diz Malaquias que basta olhar para o lado. “Não era Esaú irmão de Jacó?” pergunta. Olhe ao seu redor, mire a vida das pessoas próximas a você. De seus irmãos de sangue, seus amigos, seus “esaús”. Pessoas com a mesma origem, características
semelhantes as suas, mas que não estão numa aliança com Deus. Pelo quê estão passando os “esaús” ao seu lado? Você acha que Deus não te ama? Pergunte ao seu irmão “devastado” o que ele pensa a respeito. Deus não deixa de amar (3:6) – Nas relações humanas o amor é baseado na reciprocidade. Se você deixar de me amar, de cuidar de mim, de me valorizar, logo perderá o meu amor também. Já o amor de Deus é baseado em sua escolha soberana. Se fosse baseado no que fazemos a Ele, passaríamos por maus bocados. E pior: nunca teríamos segurança “Será que Ele me ama depois do que fiz hoje?”. Mas a palavra de Deus para Israel é: “De fato, eu o Senhor não mudo. Por isso, vocês, descendentes de Jacó, não foram destruídos” (Ml 3:6). Deus prova seu amor através da paciência em sua espera por resposta (3:7) – “Desde o tempo dos seus antepassados vocês se desviaram dos meus decretos e não lhes obedeceram. Voltem para mim e eu me voltarei para vocês”. O desabafo de Deus, proferido através de Malaquias, provem de algo absolutamente ancestral. Não era de hoje que Deus esperava uma mudança de postura. Deus prova seu amor através da oferta de reconciliação – Deus (o ofendido) propõe reconciliação ao homem (o ofensor) subvertendo a ordem da justiça e da lógica. Deus já seria bom se aceitasse perdoar um povo arrependido e disposto à transformação. Mas não. Israel não busca a Deus. Israel questiona: “Em quê? Em quê nos amaste? Cadê esse amor? Onde? Onde?”. E ainda assim Deus convida: “Voltai para mim” e promete “e Eu me voltarei para vós”. O livro de Malaquias é um drama acima de tudo. O drama divino envolve amar um povo que arrogantemente se considera injustiçado na relação com seu Deus. É digno de nota o fato de que o povo não deixa de cumprir seus ritos, não faz algo como uma “greve” de ortopraxia. Eles continuam indo a igreja, levando suas ofertas e fazendo suas orações e oblações periódicas. Também não rejeitam à Deus, trocando-o por um bezerro de ouro (como outrora) ou por outra divindade, digamos, mais correspondente. A condição de Deus era análoga a do marido que não é largado, nem traído, mas que não recebe o tratamento vip de outrora. E pior, percebe que a esposa já está farta até mesmo de oferecer-lhe o tratamento inferior da atualidade. Senão, vejamos:
A oferta ficou banal – Diz Deus que para o povo “a mesa do Senhor é desprezível, não tem valor, não é lá essas coisas...” (1:12). Ou seja, “Deus não está nem ligando para o que a gente oferta... Ele não se importa... Põe qualquer besteirinha aí que Ele já fica satisfeito” O ritual ficou sacal, cansativo, enfadonho – “Que canseira” (1:13), era o que o povo dizia. Além de banal, o sacrifício deixou de ser “oferta” para se transformar em “ofensa” – Ao invés do sacrifício da melhor ovelha, o povo ofertava animais doentes e velhos e o texto se refere a “animais roubados” (1.13), mas não se tratava da ovelha do vizinho que o sujeito ia lá e pegava na surdina. Era pior: “animal roubado” era aquela ovelha capturada do pasto por um lobo ou uma fera selvagem, era comida e cuja carcaça, quando encontrada, ainda era tida por útil para o altar do Senhor: “Que pena! Era a minha melhor ovelha! Mas Deus ficará satisfeito por ter ela servido de alimento e ainda como oferta santa ao Senhor. Ia morrer mesmo...” A oração tornou-se mercantil – o povo ainda orava, acreditem (1.9 e 2:13). Pediam misericórdia, clemência, choravam (2:13). E pensavam tratar a Deus como a um governante a quem era comum oferecer mimos e agrados afim, tanto de demonstrar gratidão quanto de conquistar a simpatia para futuros favores. Isso por si só já seria péssimo. Mas os “presentes” que o povo oferecia ao orar ofenderiam até mesmo um governador humano: “Quando ofereceis um animal cego, isso não é mau? Ou o coxo e o doente, isso não é mau? Ora, apresenta-o ao teu governador; terá ele agrado de ti? (...) Mas vós suplicais o favor de Deus. Com tal oferta da vossa mão aceitaria Ele a vossa pessoa?” (1:8,9). No conceito do povo, Deus "encolheu" – o tratamento dispensado à Deus era muito inferior ao dado aos pais e senhores (patrões) da época: “O filho honra o pai e o servo ao seu senhor; se eu, pois, sou pai, onde está a minha honra? E se sou senhor, onde está o temor de mim?” (1:6). A verdade é que nossas ações demonstram o “tamanho” de Deus aos nossos olhos. Podemos ‘magnificá-lo’ (engrandecê-lo) ou diminuí-lo, minimizá-lo. Fazemos isso sempre que damos a Ele menos (bem menos) do que àqueles que consideramos na terra. É o refrigereco que levamos pra igreja, mas jamais para a mesa de casa, a roupa puída que damos para
o bazar, mas jamais para um parente; a hora e meia que passamos gostosamente assistindo o futebol, mas que nos enfada lendo a Bíblia, orando ou cultuando. “E a minha honra”, Deus quer saber, “onde fica?”. O senso de justiça se corrompeu – para o povo servir ou não à Deus não fazia lá muita diferença: “Qualquer que faz o mal passa por bom aos olhos do Senhor... Onde está o Deus do juízo?”. Era uma demonstração de fé no triunfo da malandragem e da picardia: “Quem se dá bem é o ímpio. A gente fica se matando por Deus e não recebe nada em troca”. Dizimista virou Punguista – “Quem roubará a Deus?”. Será possível alguém surrupiar algo daquele que a tudo vê? Mas o povo conseguiu tal façanha. Negar o dízimo não era tirar de Deus, era tirar da comunhão, tirar do pobre, do órfão e da viúva (que se serviam dos mantimentos estocados no templo. Era roubar de si mesmos uma vez que o dízimo era comido numa festa anual por todo o povo em alegre celebração à Deus pela colheita (vide Deut 14:22-29). Portanto, o desabafo de Deus era procedente. Sua origem estava nas características e nas dimensões do pecado praticado por Israel. Eram dos piores tipos: religiosidade superficial, hipocrisia, injustiça social, descaso com Deus e insensibilidade para com o próximo.
E pior: eram cometidos por pessoas que O conheciam. E pior: não eram vistos como pecado nem admitidos como tal. E pior: eram frutos de prática regular, costumeira. E, não bastasse isso, ficavam piores à medida que o tempo passava. Com tudo isso, o livro de Malaquias e sua mensagem poderiam ser bem mais que um desabafo, poderiam ser uma sentença de execução sumária... “Mas eu, O Senhor, não mudo. Por isso, vós, filhos de Jacó, não sois consumidos” (3.6). Ufa!
A TEORIA DA FOFOCA
“A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto” Pv. 18:21 Como algo tão detestável pode acontecer tão frequentemente? Talvez a resposta seja: sutileza. Diz o sábio Salomão: “As palavras do mexeriqueiro são como doces bocados, penetram até o íntimo do homem” (Pv 18:8). Ou seja, segundo a Bíblia, a fofoca é saborosa para quem escuta. Na tradução desse mesmo versículo segundo a NVI, o termo comparativo é “apetitosos petiscos”. E tal comparação é perfeita: ouvir uma fofoca é tão irresistível quanto comer um quitute ou um docinho atraente. E porque a fofoca não é comparada a um pernil assado ou uma pratada de feijoada? Porque comida enche e, uma vez cheio, você não come mais. Mas a fofoca é servida em pequenas porções. A fofoca é o quibezinho do mal, o cajuzinho da discórdia, o chocolate BIS da intriga. E uma vez no seu interior a fofoca não enche, pelo contrário, abre seu apetite.Portanto, ainda que não sejamos fofoqueiros, se somos ‘consumidores de fofoca’, somos co-autores do mal. E da mesma forma que o prazer de saborear um acepipe fica explícito, a satisfação com a fofoca ouvida também. E o fofoqueiro-quitandeiro se sentirá à vontade para oferecer-nos um segundo bombozinho de trufa de jararaca.
O apóstolo Paulo faz duas vezes a mesma recomendação à Timóteo: “Evita as conversas vãs e os falatórios” (I Tm 6:20 / II Tm 2:16). Os termos originais em grego para tais vocábulos são: bebelos e kenophania. “Bêbelos” significa profano, irreligioso e ímpio; e é o mesmo termo para a palavra ‘bibelôs’ que são bugigangas ou enfeites supérfluos. Já ‘kenophania’ vem da junção dos termos ‘kenos’ (vazio) e ‘phone’ (som). Ou seja: conversa vazia e inútil, linguagem vã e estéril. Por que fofocamos? – Certamente diremos que não gostamos de fofoca. Diremos mais: diremos que odiamos fofoca e fofoqueiros. Então, como uma raça tão odiada se perpetua, se multiplica tanto? Porque nós a alimentamos: “Sem lenha o fogo se apaga; não havendo fofoqueiro, cessa a contenda” (Pv 26.20) Não gostamos de fofoca, mas gostamos de condenar o outro – dizemos: “Não estou fofocando. É que não aprovo o que Fulano fez de errado.” Não gostamos de fofoca, mas gostamos de bajular e fazer ‘média’ – Pois dizemos: “Só vou te contar isso porque sou muito seu amigo, sou de confiança...” Não gostamos de fofocar, mas gostamos de autopromoção à custa da falha dos outros – Pois dizemos: “O Fulano fez... eu não faço” Não gostamos de fofocar, mas gostamos que se compadeçam de nós – Pois dizemos: “Você imagina só o que o Fulano fez comigo?” Não gostamos de fofoca, mas gostamos de acirrar os ânimos – Pois dizemos: “Assim que souberem o que o Fulano fez, eu só quero é ver o circo pegar fogo!” Não gostamos de fofoca, mas gostamos de chocar o próximo – Pois dizemos: “Você não imagina o que o Fulano disse de você...” E por que afinal a fofoca é ruim? Por que não podemos noticiar o mal que o outro fez? Em primeiro lugar porque não nos compete julgar. Não temos
conhecimento dos fatos e corremos o sério risco de divulgar algo que não ocorreu exatamente da forma como relatamos. Em segundo lugar, a fofoca NUNCA EDIFICA. Nunca promove o bem estar de quem ouve. Você já viu alguém ouvir uma fofoca e bradar: Graças a Deus! Ouviu? A fofoca revela intimidades, segredos e confidências e a Bíblia diz: “O que anda mexericando descobre o segredo, mas o fiel de espírito o encobre” (Pv 11:13).
A fofoca é injusta. Expõe o outro sem que lhe seja dado o direito de se defender. A fofoca promove separação e discórdia – “O que encobre a transgressão promove o amor, mas o que renova a questão separa os maiores amigos” (Pv 17:9) O fim da fofoca é simples. Não existe auto-fofoca. O fofoqueiro precisa de alguém que lhe dê ouvidos. É extremamente difícil calar um fofoqueiro uma vez que ele iniciou a conversa. Então evite o fofoqueiro. Aprenda a identificá-lo: Características do fofoqueiro •
•
quer se mostrar seu defensor, alertando-o – “Olha, só te conto porque quero o seu bem...” •
•
quer se mostrar seu amigo (íntimo). Chega dando tapinhas nas costas e te pegando pelo braço - “Vem cá que tenho que te contar uma coisa...”
fala demasiadamente, o tempo todo, de tudo e de todos. toma conclusões precipitadas – Você nunca ouvirá um
fofoqueiro dizer que é melhor apurar melhor os fatos. Pelo contrário, sua máxima é: “Eu já sabia. Eu sempre soube. Nunca me enganei com Fulano...” •
abre espaço para a crítica elogiando primeiro – “Não tenho nada contra o Fulano, mas...” ou “Gosto muito de Sicrano, só que...”
Diante do fofoqueiro, o antídoto é certo: elogie o ‘fofocado’, defenda-o e convide o fofoqueiro a orar por ele e perdoá-lo. Pois é exatamente esse tratamento que recebemos de Jesus quando pecamos. Ele intercede por nós, nos defende e nos perdoa. Por isso que ninguém gosta de contar fofoca pra Ele.
DE VOLTA AO LAR
"Quando o SENHOR trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o SENHOR a estes. Grandes coisas fez o SENHOR por nós, pelas quais estamos alegres. Traze-nos outra vez, ó SENHOR, do cativeiro, como as correntes das águas no sul. Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria. Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos." (Salmo 126) O Salmo 126 é um cântico belíssimo e profundo. É uma mescla de alegria e tristeza, de dor e alívio. Seu tema é a volta dos judeus do exílio. Sua terra abandonada e devastada ainda assim os enchia de contentamento e esperança.Por vezes nos encontramos em situações que representam para nós um exílio em certo sentido. Essa sensação de ‘deslocamento’ é comum e o Salmo 126 é uma ferramenta útil para lidarmos com circunstâncias assim. A liberdade era valorizada ainda que num lugar devastado – na clássica obra O Mágico de Oz, Dorothy exclama aliviada: “Não há melhor lugar do que a nossa casa”. Para o povo judeu, tal máxima aplicava-se perfeitamente. Ainda que a casa deles, no caso a terra, estivesse devastada. Prisão alguma, exílio algum, por confortável que seja, é melhor que o chão duro de algum lugar que se possa chamar de ‘meu
lar’. O povo vivia uma condição de “liberdade desabrigada” naquele momento. Precisavam reconstruir. No salmo eles cantavam a receita para gerar uma nova nação: É PRECISO SONHAR – porque até que eu sonhe com alguma coisa eu não a desejei por completo – diz o texto: “estávamos como os que sonham” (v.1b), pois quem sonha vive outra realidade. Voltar para o lar era um sonho permanente e quando o povo retorna, sente-se como se sonhasse de novCor do textoo. A realidade tem sabor de flashback para quem sonha com fé. Diz Caio Fábio que a fé é “a esperança feita fato no coração daquele que crê”. PARA SONHAR COM A NOVA TERRA, É PRECISO (ANTES) SE INCOMODAR COM O EXÍLIO – o sonho é quase sempre um subproduto do incômodo. Se me acomodo à condição de exilado, de banido, de preso, jamais sonharei com a liberdade e o retorno ao lar. Há que se angustiar-se com o pecado (Sl 120:5,6), (Hc 1:2-4) e com as condições desfavoráveis. É PRECISO FORTALECER-SE NA ALEGRIA DAS CONQUISTAS PARA NÃO SE ABATER COM AS DIFICULDADES E FAZER NOVAS CONQUISTAS (vs. 2-4). Ne 8.10 - “Grandes coisas fez o Senhor, por isso estamos alegres” (v.3). O povo identificava a mão do Senhor favorável não apenas na história pregressa, mas também naquele exato momento histórico. Trazer à memória o que Deus já fez em nossa vida sempre traz força e alegria para encararmos os desafios presentes. Logo em seguida aquela recordação alegre, veio a prece cheia de fé: “Restaura a nossa sorte, como as correntes do deserto” (v.4). No deserto havia leitos secos (os chamados uádis) que se enchiam periodicamente na estação das chuvas. O povo sabia olhar para aqueles vergões secos no solo e dizer: “Aqui já passou água, e vai passar de novo”. É PRECISO NÃO SE ESQUECER DAS CONQUISTAS, NEM SE CONFORMAR COM ELAS – é necessário combater atitudes erradas: conformismo “já tá bom”; a ingratidão (“não mudou nada”). Lembre-se das conquistas, celebre-as, seja grato por elas e conquiste mais!
É PRECISO DESEJO E TRABALHO COLETIVOS (cada um levando sua semente) - O salmo está todo no plural, exceto o vs. 6. A reconstrução era um trabalho coletivo. Tem crente que é ótimo para arrumar trabalho para o pastor: “Pastor, tem uma pessoa precisando de oração”, “Pastor, tem um casal brigando”, “Pastor, vai lá expulsar um demônio”. O pecado é um tipo de exílio. Um exílio espiritual. Quando pecamos, afastamo-nos de nosso lar, de nossas origens. Quando nos arrependemos é como se levantássemos com a determinação de retornar. Quando chegamos de volta, por vezes, descobrimos nossa vida bagunçada e nos deparamos com as consequências de nossa “ausência”. Ainda assim, aprendemos no Salmo 126, a contemplar algo circunstancial (a desordem momentânea) sem perder de vista algo inamovível (a Terra da Promessa). E se o chão não sumiu, se o fundamento não desapareceu, poderemos construir de novo. A desordem pode se “sobrepor”, mas não pode “decompor” a Terra Prometida. Devemos saber valorizar o que se encontra sob os escombros. A desordem que está por cima é nossa responsabilidade e pode ser removida. A terra que está por baixo é nossa herança. E ninguém vai tomá-la de nós.
A COPA DE NEEMIAS
Em tempos de Copa falemos de um homem que abandonou a copa para entrar para a história. Neemias, o copeiro real que se tornou herói da reconstrução de Jerusalém. Como nasce um líder? E o herói? Neemias é um modelo de líder atípico. Não era rei, nem profeta. Não foi ungido como Davi, não recebeu a visita de um anjo, como Gideão; não teve uma experiência de chamamento divino como Moisés ou Samuel. Há aqueles que são escolhidos para serem líderes e há aqueles que se oferecem. Neemias é um destes: não é um escolhido, é um oferecido. Um herói se importa – Neemias fica sabendo da situação de seus irmãos em Jerusalém. “Aqueles que sobreviveram ao cativeiro e estão lá... passam por grande sofrimento e humilhação. O muro de Jerusalém foi derrubado, e suas portas foram destruídas pelo fogo” (Ne 1:3). O povo havia retornado do cativeiro babilônico e uma tímida tentativa de restauração dos muros da cidade havia sido interrompida pelo rei Artaxerxes, o mesmo rei a quem Neemias servia como copeiro-mor. A reação de Neemias é a primeira que todo líder sente ao ser exposto a uma situação extrema: consternação. Neemias chora, lamenta e em seguida, ora e jejua por dias a fio. Um herói se identifica com o sofredor - Neemias toma a causa do povo
como sua. Apesar de ser judeu, Neemias não vivia nas mesmas e dramáticas condições de seu povo. Era um funcionário palaciano a mil e quinhentos quilômetros de distância da dor alheia. Tinha todas as desculpas para não se envolver. Mas o líder nato, toma a causa dos menos favorecidos como sua. Muitas vezes o líder é um igual que se diferencia dos demais. No caso de Neemias, ele era um diferente que decide se igualar. Em sua oração de confissão, Neemias se coloca na mesma condição dos demais: “Confesso os pecados que nós... Sim! Eu e o meu povo temos cometido” (Ne 1:6) Um herói se vê capaz. Uma cidade destruída, um povo desmoralizado e desmotivado. Era essa a situação e Neemias não era um engenheiro civil, um empreiteiro ou um arquiteto. Era apenas o copeiro. Mas não era um copeiro qualquer, era o copeiro de Artaxerxes; era o homem da confiança do maior monarca da época. E com Neemias aprendemos que é necessário confiar nos talentos que possuímos. Caso contrário, jamais estaremos dispostos a assumir desafios. Muitos conselheiros espirituais poderiam dizer: “Não olhe para si mesmo. Olhe para Deus!”. Ouse discordar. Olhe para Deus e você verá que Deus está olhando para você. Quando sabemos identificar nossas habilidades, também identificamos nossas limitações. Neemias tinha boa vontade e disposição, mas não tinha recursos materiais. Mas tinha dois recursos fundamentais: a confiança do rei e a confiança em Deus. Neemias decide interceder junto ao rei Artaxerxes. Mas, antes, ora fervorosamente (Ne 1:5-11). “Faze com que hoje este teu servo seja bem-sucedido, concedendo-lhe a benevolência do rei”. Quando o rei lhe pergunta o que ele deseja, Neemias responde: “Se for tua vontade, me envie à cidade de meus pais para que eu a reconstrua” (Ne 2:5) e aproveita a oportunidade com incrível ousadia: Pede uma licença de serviço, autorização para atravessar as fronteiras do reino, oficiais do rei para acompanhá-lo e madeira do jardim real para a restauração das portas da cidade e para a construção de uma moradia para si. Essa é a qualidade maior de qualquer herói: coragem. O rei nada lhe nega. Neemias é um tipo de líder atípico. Não foi eleito, não foi nomeado, não foi formado, não foi galgando degrau por degrau até a condição de liderança. Mas é o herói típico. Pois é herói todo aquele que, diante da calamidade, é capaz de indignar-se (“Isso não pode continuar assim”),
chamar a si a responsabilidade (“Preciso fazer algo a respeito”), identificar e mobilizar os recursos disponíveis (“Eis o que vou fazer!”) enquanto que o covarde é aquele capaz apenas de resignar-se (“Que pena”), desviar da responsabilidade (“Não é problema meu”) e ignorar os recursos favoráveis (“Não há nada que eu possa fazer”). Neemias é o líder-herói. Do tipo de líder que a Igreja mais precisa hoje. O tipo que bate o joelho no chão e clama aos Céus, e bate a mão no peito e diz: “Deixa comigo ”
AMOR, NA PRÁTICA
“Vendo extraviado o boi ou ovelha de teu irmão, não te desviarás deles; restitui-los-ás sem falta a teu irmão. E se teu irmão não estiver perto de ti, ou não o conheceres, recolhê-los-ás na tua casa, para que fiquem contigo, até que teu irmão os busque, e tu lhos restituirás. Assim também farás com o seu jumento, e assim farás com as suas roupas; assim farás também com toda a coisa perdida, que se perder de teu irmão, e tu a achares; não te poderás omitir. Se vires o jumento que é de teu irmão, ou o seu boi, caídos no caminho, não te desviarás deles; sem falta o ajudarás a levantá-los.” Deuteronômio 22:1-4 Como você ama? Pedir uma prova de amor é um expediente recorrente nas relações humanas. Para Deus o amor anda de mãos dadas com a justiça. Amar é fazer o que é certo. Amor não é metáfora, não é cosquinha no coração, não é nhem-nhem-nhem. O Amor é prática e se manifesta em ações em favor do outro. Amar é tomar para si a responsabilidade. O texto acima mostra um exemplo prático do “espírito da lei” quanto à consideração pelo próximo. A partir dele, podemos tecer um paralelo com os aspectos práticos da vivência do amor cristão ao próximo. O texto de nosso estudo não trata explicitamente de amor. Mas trata de fazer o que é certo em consideração ao próximo. E isso, segundo Jesus, é amar, posto que o cumprimento da Lei é o amor. Para aqueles que veem no amor apenas sua dimensão romântica, o ato de recolher um animal perdido em casa não se parece nada com o amor das telas de cinema ou
dos sonhos de menina. Entretanto é um exemplo ótimo para se ensinar que as oportunidades de amar fazem parte do nosso cotidiano. O amor não é um sentimento que, de tão nobre, deva ser guardado e reservado para ocasiões especiais como salvar uma donzela em apuros ou morrer pela pátria. Amor é para o dia-a-dia, seja para um ato de heroísmo ou para apenas devolver um boi perdido. O exemplo bíblico do ‘boi perdido’ é ótimo também para ressaltar outro aspecto do amor na prática: As oportunidades de amar interferem nos nossos planos. Elas são inconvenientes. O texto deixa isso claro quando adverte: “Se... tu a achares não te poderás omitir”. Ou seja, no caso em questão, fazer o que é certo implica em que o sujeito deveria capturar o animal perdido (caso estivesse solto) ou libertá-lo (caso estivesse preso numa vala, por exemplo). De um jeito ou de outro haverá uma boa dose de trabalho, desgaste e cansaço. O amor faz a gente alterar nossa agenda, remarcar nossos compromissos e colocar o outro (algum desconhecido desatento com seus animais) como nossa prioridade. “Não te omitirás”, diz o texto. Isso nos mostra outro aspecto relacionado: O amor implica sacrifícios. Implica gastos. Se ao menos o objeto perdido fosse uma xuxinha de amarrar cabelo... Mas não, um boi ou um jumento dão muito, muito mais trabalho. Onde colocá-los? Como alimentá-los? E por quanto tempo? Melhor seria deixar de lado e simplesmente ignorar. Razões para isso não faltariam. Afinal as oportunidades de amar são cheias de justificativas para não se amar: “não é minha responsabilidade”, “problema de quem não cuida de seu boi”, “não é minha culpa”, “não é minha obrigação”. Não parece justo interromper meus afazeres para cuidar da provável displicência do outro. Mas é justamente a coisa certa a fazer. Nesse caso, vale lembrar da parábola do bom samaritano que encontrou não um boi, mas um homem à beira do caminho. Fica ainda mais evidente a omissão dos dois judeus que se negam a prestar socorro. Eles sabiam muito bem o que fazer. Um homem não valeria muito mais do que um boi ou jumento? Além de todas as dificuldades implicadas no amor na prática, há algo pior: as oportunidades de amar não oferecem garantia alguma de recompensas imediatas. Quem se dispõe ao trabalho de ‘devolver o boi’ o faz sem pretensões compensatórias. O amor, além de custar caro para quem oferece, não custa nada para quem o recebe. É de graça. É da Graça. Alguém argumentará: Então por que amar? Por que se sacrificar
em função de alguém sem nada em troca? Simples: porque nós também temos nossos ‘bois perdidos’. Nós também precisamos de alguém que se compadeça e que dê meia-volta e recupere algo nosso. Quantas pessoas já recuperaram nossa auto-estima perdida, nossa fé e força perdidas? E isso nos leva a mais uma lição: Fica mais fácil amar se todos amam juntos. Imagine viver numa sociedade onde todos guardassem e devolvessem aquilo que você perdeu. Seria bem mais fácil fazer o mesmo. As nações mais desenvolvidas do mundo atual têm um princípio de sequer tocar em algo de valor que esteja perdido. A educação recomenda que qualquer coisa (dinheiro ou objetos) seja deixada exatamente no mesmo lugar, afim de que o dono, ao perceber-se da perda, possa retornar e encontrar seu bem. A lei mosaica ia além e determinava que quem encontrasse, assumisse a responsabilidade pelo cuidado e pela procura do dono. Assim, Deus pretendia que Israel fosse a comunidade onde nada se perdesse. Assim Deus pretende que seja a igreja: um grande depósito de achados e perdidos. Uma comunidade que assuma a responsabilidade de restituir o boi. Mas também o respeito e o amor próprio perdidos, a pureza perdida, a esperança perdida. Filhos perdidos aos pais, maridos perdidos às suas esposas e famílias, criminosos perdidos à sociedade. Afinal, restituir o perdido é o “negócio de Deus” e nós um dia já fomos o ‘boi’.
UM SALMISTA EMBASBACADO
O rei Davi é autor da maioria dos salmos das Escrituras Sagradas e suas composições abarcam os mais variegados temas. Há súplica, celebração, lamentos, exortações e há também salmos como o Salmo 8, cuja essência é mais absoluta admiração.Temo que tenhamos perdido a capacidade de parar e contemplar. Nesse salmo de Davi, podemos reaprender a admirar alguns aspectos da divindade que, talvez, estejam nos passando despercebidos.O que te espanta em relação à Deus? O que te faz dizer “Oh!”? Um milagre espetacular, uma vitória inesperada? Para Davi a natureza ao seu redor e a própria natureza humana já possuíam elementos suficientes para deixa-lo embasbacado. O primeiro espanto de Davi é com a fama internacional de Deus. Ele inicia o salmo dizendo “quão grande é o teu nome em toda terra!”. O mundo na época do salmista era uma colcha de retalhos de divindades pagãs muito pouco (ou nada) conhecidas; circunscritas aos limites da terra que seus fiéis habitavam. Mas, Jeová, o Deus de Israel, tornara-se conhecido, temido e (muitas vezes) adorado para além dos limites de Israel e isso alegrava o coração de Davi. Atualmente vemos líderes evangélicos admirados da fama internacional de seus próprios nomes e ministérios. O segundo espanto de Davi é com a força que vem da fraqueza – O versículo dois relaciona elementos aparentemente inconciliáveis. Diz o salmista que Deus tira força e louvor dos lábios das crianças para “fazer calar os inimigos”. Como Deus faz o louvor das crianças repreender (calar) o inimigo? A liça aqui é que a inocência prevalece sobre os
adversários. Deus vence seus inimigos com canções infantis. A força que vem da inocência, da aparente fragilidade. E, de fato, as crianças suportam dores que nós não agüentamos. Elas não se importam com coisas que nos atormentam e só se fragilizam com necessidades elementares como saúde e alimentação. O terceiro espanto de Davi é com a grandeza e a beleza do Universo o salmista se admira da força que sustenta os astros nos céus (“as estrelas que firmaste”). Para os cientistas a extensão infinita do Universo só acentua a nossa insignificância. Não passamos de “poeira cósmica”, segundo eles. Para Davi, entretanto, o Universo exalta a importância do homem. É a obra de arte de Deus (“obra de teus dedos”) para nossa contemplação e satisfação. O quarto espanto de Davi é com relevância humana para Deus – Em geral, nossa perplexidade é gerada pela aparente amnésia divina a nosso respeito: “Será que Deus se esqueceu de mim?”. Neste salmo, a perplexidade de Davi surge justamente pelo processo inverso: “Quem sou eu para que Deus se lembre de mim?!”. Para ele, o espantoso é Deus se lembrar. O quinto espanto de Davi é com a grandeza humana dada por Deus – o salmista se admira da “estatura” do homem (“pouco menor do que os anjos o fizeste...”). Que os anjos fossem cheios de glória e beleza era perfeitamente aceitável. Afinal eles habitavam em meio às estrelas, comungavam da glória dos Céus. Mas o homem? Ainda mais o “homem decaído”? É de espantar. E daí decorre o último espanto de Davi. A esse mesmo homem, Deus permite ser “gerente” da Criação, participante na gestão de um empreendimento no qual ele não teve parcela alguma de contribuição. Davi se admira com o alcance do governo humano permitido por Deus: “Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras de tuas mãos e tudo puseste debaixo de seus pés”. A grande constatação é que, cada vez mais, vemos o homem vangloriando-se e gabando-se de seu conhecimento e desenvolvimento. As potências militares gabam-se de seus exércitos, Davi se espanta com a força de crianças indefesas, os cientistas se orgulham de conhecer cada vez mais a mente humana, Davi se espanta que o homem nunca saia da mente divina; o homem se admira do poder que tem e Davi se espanta de
tal poder lhe ter sido dado.
AI, QUE VONTADE DE SUMIR!
O Salmo 55 é um relato detelhado do impacto psicológico que as perseguições e a traição podem trazer sobre uma pessoa. Mostra como isso transtorna nossa capacidade de discernir saídas e soluções e também oferece segurança e conforto a todos que, como Davi, de vez em quanto, têm uma vontade quase irresistível de simplesmente DESAPARECER; tomar um DORIL EXISTENCIAL e sumir do mapa; ainda que, por alguns minutos apenas. Davi fala de inimigos que não o deixavam em paz. E de um amigo íntimo que se voltara contra ele. Há conflitos (na família, na igreja ou no ambiente de trabalho) que produzem em nós as mesmas sensações experimentadas por Davi. Diz ele que está "atordoado", "confuso" (v.2), que não suporta mais "gritaria e barulho" (v.3). Ele sente que está a ponto de enfartar ("meu coração está acelerado" – v.4) e está tomado pela insegurança e medo do futuro. Pombas não vivem no deserto - Muitas vezes nos sentimos assim e, como Davi, acabamos tomados por um desejo imenso de simplesmente SUMIR. E alguns, de fato, somem. Outros trancam-se no quarto, dormem na sala, dão um passeio. A dor e a angústia fizeram com que Davi buscasse uma solução absolutamente ABSURDA. Ele diz que seu desejo maior naquele instante era virar passarinho: "Quem dera eu tivesse asas como a pomba... fugiria para bem longe e no deserto encontraria repouso... Bem depressa procuraria achar um lugar seguro para me esconder da ventania e da tempestade" (6-8). Davi queria se abrigar de tempestades e da ventania no deserto?? Apenas no deserto do
Saara ocorre uma média de oitenta tempestades por dia com ventos de 100 km/h que deslocam, por ano, 260 milhões de toneladas de areia. Fugir para o deserto está fora de cogitação. Situações estressantes podem nos fazer olhasse para a "fuga" como solução e para o deserto como "lugar seguro". Mas pombas não vivem no deserto. Quem vive no deserto? (Lc 11:24). Eu queria ser uma ameba - A primeira e mais elementar recomendação a alguém que esteja passando por um drama familiar ou algo como o que passou Davi é: CUIDADO COM AS DECISÕES TOMADAS EM MOMENTOS DE DOR E AFLIÇÃO. POIS A DOR AFETA O DISCERNIMENTO e, invariavelmente, nos conduz a um desejo de encolhimento de auto-reducionismo; uma vontade de virar um pássaro, uma formiguinha ou uma ameba; crendo na lógica do "quanto maior o problema, menor eu quero ser". Mas, graças à Deus, Davi não tinha asas e acabou encontrando (e revelando em seu salmo) a solução: RECONHEÇA SUA FRAQUEZA – assuma diante dele sua fraqueza sem máscaras. Não banque o crente "comigo-ninguém-pode". Faça como Davi que se assumiu: "Sinto um medo terrível e acho que vou morrer" (4,5 – NTLH). APRESENTE SEU ADVERSÁRIO À DEUS – Davi faz no salmo uma descrição pormenorizada do que faziam seus perseguidores. NÃO TEMA AS ALIANÇAS INIMIGAS – Elas acontecerão. É incrível como os inimigos têm esse magnetismo que os faz unirem-se contra nós. Mas Davi faz uma oração bastante apropriada. Ele pede para Deus "melar" os planos dos adversários: "Ó Senhor, atrapalha e destrói os conchavos dos meus inimigos" (v.8). NÃO PERCA O 'COSTUME' DEVOCIONAL - às vezes a dor nos aproxima de Deus, às vezes nos afasta. Davi continuou seu hábito de orar três vezes por dia: "De manhã, ao meio-dia e de noite, eu choro e me queixo, e ele me ouve" (v.17) TRANSFORME SUA DOR EM ALGO POSITIVO PARA OS
OUTROS – Davi transformou as dele num salmo. O salmo 55 começa como o relatório de um fracasso, mas termina com um convite à fé em Deus ("Entregue seus problemas ao Senhor e Ele o ajudará" –v.22) e uma declaração de vitória: "... quanto àqueles assassinos, não chegarão à metade da vida. Eu, porém, confiarei em ti". A forma como o salmo começa e como termina é também um paralelo da nossa oração quando estamos sob perseguição: pode começar com choro, medo e aflição, mas sempre terminará com fé, calma e discernimento.
PARA REI DE ISRAEL, VOTE ABIMELEQUE
“E teve Gideão setenta filhos, que procederam dele, porque tinha muitas mulheres. E sua concubina, que estava em Siquém, lhe deu à luz também um filho; e pôs-lhe por nome Abimeleque. E faleceu Gideão... e os filhos de Israel tornaram a se prostituir após os baalins; e puseram a BaalBerite por deus.” Juízes 8:30-33 Saul foi o primeiro rei de Israel. Antes dele, porém, no tempo dos juízes, um sujeito conseguiu ser “democraticamente eleito” como o Rei de Israel e governou por três anos. Sua história e os meios que usou para chegar ao poder, traçam um poderoso paralelo com as campanhas políticas da atualidade. Seu nome, Abimelec, filho de Gideão. Gideão fora um dos juízes em Israel (numa época anterior ao estabelecimento da monarquia). Era dos juízes a responsabilidade pela condução da vida devocional e pela segurança nacional de Israel. Após sua morte, Abimeleque, seu filho, começa sua campanha política de forma bem tradicional: mobilizando as massas de desfavorecidos. A PRÉ-CAMPANHA “(Disse Abimeleque): Qual é melhor para vós, que setenta homens, todos os filhos de Gideão, dominem sobre vós, ou que um homem sobre vós domine?” (Jz 9:2)
Abimeleque era um excluído. Filho de Gideão com uma concubina, vivia longe do restante da família, como um bastardo. Com a morte do pai, se estabelece um vácuo de poder que Abimeleque aproveita muito bem. Ele vai até os parentes de sua mãe e os convence de que era melhor se mobilizarem para o alçarem ao poder do que se submeterem ao jugo de setenta homens. Era como se Abimeleque estivesse dizendo: “Vocês estão fora do poder porque são irmãos de minha mãe que era apenas uma concubina. Meus irmãos por parte de pai, quando chegarem ao poder, vão tratar de manter vocês fora. Eu sou sua única chance”. Assim, Abimeleque “capitaliza” aquele sentimento de rejeição, instila o medo e colhe uma legião de “eleitores” dispostos a tudo. OS PRIMEIROS ELEITORES “... E o coração deles se inclinou a seguir Abimeleque, porque disseram: É nosso irmão.” (Jz 9:3) Maus políticos sempre se passam por representantes dos excluídos e com eles identificados. Abimeleque estabelece seu “curral eleitoral” em Siquem (cidade dentro do território de Manassés), cujos habitantes sentiam-se alienados do poder durante a liderança de Gideão. Abimeleque explora essa insatisfação com um bordão típico dos políticos: “Lembrai-vos que sou sangue do vosso sangue e osso dos vossos ossos” (Jz 9:2) DINHEIRO ROUBADO E MILITÂNCIA COMPRADA “E deram-lhe setenta peças de prata, retiradas do templo de BaalBerite...” A fé no verdadeiro Deus dissipara-se já ainda durante os últimos anos de Gideão. Após sua morte, estabeleceu-se de vez o culto a Baal-Berite. Maus líderes não possuem escrúpulos quando se trata de aceitar dinheiro “sagrado” para campanha. Abimeleque aceita a prata tirada de um templo pagão numa boa. E a destina para um fim não menos pagão: “... e com elas alugou Abimeleque uns homens ociosos e levianos, que o
seguiram” (Jz 9:4). EXTERMÍNIO DA CONCORRÊNCIA “Foi à casa de seu pai em Ofra e matou seus setenta irmãos” (Jz 9:5) – típico político que resolve as diferenças na base do extermínio, Abimeleque promove um banho de sangue para poder ter uma “candidatura única”. “Então todos os cidadãos de Siquém reuniram-se... para coroar Abimeleque rei” (Jz 9:6) – candidato único, Abimeleque não teve dificuldades para ser eleito. Abimeleque não foi muito longe em seus desatinos. Morreu tragicamente três anos depois, vitimado por um levante popular contra seu governo (Jz 9:22-57). Sua vida traça um perfil do tipo de mau líder que prolifera em épocas de eleições. Políticos que se afirmam “do povo”, “sangue do nosso sangue”, supostamente defendendo os interesses de uma minoria excluída; que se sustentam com dinheiro roubado e se promovem pelo terrorismo psicológico, pelo “aluguel” de militantes e pela eliminação “preventiva” dos adversários. Tal qual a cartilha de Abimeleque. E o pior: duram bem mais que três anos.
A TEOLOGIA DO CULTO
Como e porque cultuamos? A experiência devocional do culto público é uma das mais completas e significativas experiências que um ser humano pode ter. Mas, em muitas igrejas, a realidade é exatamente o oposto: reuniões longas, cansativas, maçantes, desconectadas da sua realidade, constrangedoras e incitadoras do medo e da ansiedade. Talvez estejamos perdendo o foco do culto, de seu propósito e características. O culto deve ser festivo (celebração) – “Louvem-no com cânticos de alegria e ao som de música” – Salmo 98:4 O culto deve ser solene (cerimonial) – mas não confunda solene com sonolento. O dicionário cita “solene” como “algo que infunde respeito”. O culto pode ser festivo e ainda assim ter momentos solenes. Atos simples como fechar os olhos, curvar a cabeça, ajoelhar-se, curvar-se ou colocar-se de pé reverencialmente são solenidades. O culto deve ser memorial – os elementos do culto devem estimular a lembrança do que Deus fez, devem trazer à memória também o que nós fizemos (de bom, para gratidão ou de mal, para arrependimento e perdão). O culto deve ser pactual, deve produzir alianças e compromissos. Um culto verdadeiro sempre motivará a tomada de decisões em relação a Deus e ao próximo.
O culto deve ser evangelístico, mas não apenas na pregação. O culto todo deve ser a manifestação compreensível e saborosamente convidativa dos conteúdos do Evangelho: a alegria, a paz, a comunhão, o perdão, a esperança e o serviço devem estar manifestos. O culto deve ser simbólico - mas com símbolos autênticos, verdadeiros O culto deve ser violento (no seu impacto) – mas, violência aqui não tem relação com brutalidade, mas com energia e poder. Há, pelo menos, três “violentas” manifestações divinas relacionadas a um culto em Atos. No capítulo 2, ouviu-se um som como de um “vento impetuoso”; em Atos 4, durante a oração, “moveu-se o lugar em que estavam reunidos” e Paulo e Silas (na prisão) cantaram até romperem-se os grilhões que os prendiam. Não por acaso, “poder” em grego é dinamys (de cuja raiz provém a palavra “dinamite”). O culto deve ser racional – deve ser compreensível, discernível, inteligível. E isso é tão sério, que Paulo alerta para que ninguém tome parte na Ceia do Senhor sem “discernir o Corpo” e para que não haja orações em línguas sem alguém que as discirna também. O culto deve ser sacrificial – sendo os maiores, os de colocar o interesse do outro acima do meu, a vontade de Deus acima da minha e no fim, como recompensa, descobrir que o sacrifício não trouxe dor, mas alívio. O culto deve ser sentimental – é cientificamente comprovado que a emoção auxilia a fixação do conhecimento. Aprendemos melhor e de forma mais duradoura quando há emoção associada ao ensino. O escritor americano Raymond Ortlund pergunta: “Como saber se cultuamos de verdade?” e responde: “Se saímos da igreja nos regozijando”. O culto deve ser espiritual – o espírito humano é o “ambiente da adoração”, é onde a adoração acontece. Jesus, condena a mera liturgia daqueles que o louvam com lábios, mas cujo coração “está longe” (Mt 15:8) O culto deve ser público e comunal – a adoração a Deus é uma experiência íntima e pessoal que, entretanto, manifesta-se pública e coletivamente durante o culto.
O culto é, enfim, a experiência humana mais completa, pois envolve o corpo, a alma e o espírito e cumpre, a um só tempo, a tríplice missão da igreja: comunhão, evangelização e adoração.
UM REFÚGIO CHAMADO DEUS
Guarda-me, ó Deus, porque em ti confio. A minha alma disse ao SENHOR: Tu és o meu Senhor, a minha bondade não chega à tua presença. Mas aos santos que estão na terra, e aos ilustres em quem está todo o meu prazer. As dores se multiplicarão àqueles que fazem oferendas a outro deus; eu não oferecerei as suas libações de sangue, nem tomarei os seus nomes nos meus lábios. O SENHOR é a porção da minha herança e do meu cálice; tu sustentas a minha sorte. As linhas caem-me em lugares deliciosos: sim, coube-me uma formosa herança. Louvarei ao SENHOR que me aconselhou; até os meus rins me ensinam de noite. Tenho posto o SENHOR continuamente diante de mim; por isso que ele está à minha mão direita, nunca vacilarei. Salmo 16:1-9 Em que sentido Deus é refúgio? Do quê ele nos esconde? Podemos usar a declaração do salmista de que Deus é seu refúgio como uma chave hermenêutica para a interpretação do salmo por inteiro. Quando me escondo em Deus, me protejo dos males que assolam a alma. Quando nos apresentamos diante de Deus em oração é como se o ‘mundo, o pecado e o diabo’ ficassem ‘do lado de fora’. É interessante notar que Davi não pede que Deus o esconda em algum lugar ou que simplesmente o guarde ou o livre de algum mal. Ele pede que Deus o guarde Nele mesmo. “Deixe-me esconder em ti”.
O “Deus Refúgio” de Davi é tratado por muitos como um “Deus Escape”, a quem apelo apenas na hora do arrocho ou pior: como um Deus “Flanelinha” (que é aquele sujeito que ‘vigia’ os carros nos estacionamentos públicos). Para estes, Deus é aquele a quem peço que vigie meus bens, cuide de meus imóveis, me livre do ladrão, me salve do caloteiro. Para Davi, Deus não era apenas QUEM o guardava, mas o próprio LUGAR DE SEGURANÇA no qual ele era guardado. Deus é refúgio contra o materialismo. O salmista diz: “Além de ti, não tenho outro bem”. Ora, é claro que Davi possuía bens materiais. Entretanto, quem tem Deus como refúgio, abriga-se de toda usura, cobiça e ânsia de adquirir coisas, pois tem em Deus seu maior patrimônio (v.2); seu sustento e sua herança (v.5). Deus é refúgio contra o azar – Sorte e azar são vistos normalmente como frutos do acaso, da coincidência, do imponderável. Mas aquele que crê em Deus como refúgio tem uma sorte que não é fruto da aleatoriedade ou do acaso; mas uma sorte com fundamento – ‘Tu és o sustentáculo, o arrimo da minha sorte’ (v.5). Seu futuro é garantido. Deus é refúgio contra a escassez - “Tu, Senhor, és a porção da minha herança”. Notável o fato de Deus como “porção” uma vez que Deus é a totalidade, é tudo. Mas na perspectiva do salmista, há porções diversas nesse mundo a serem escolhidas. A que lhe cabia era o “Senhor”. Quem escolhe uma ‘porção qualquer’ sempre fica de olho na porção do outro. Quem escolhe o Senhor como “sua porção”, de nada tem falta, de nada se ressente. Deus é refúgio contra a solidão – E isso se dá de duas formas. Por um lado, o próprio Senhor é companhia – “Estou sempre diante da presença do Senhor. Ele está por perto e nada pode me abalar” (Good News Bible). E por outro, Deus provê a comunhão com os “fiéis da terra” “Quão excelentes são as pessoas de fé em Deus! Meu maior prazer é estar com elas” – versão Good News Bible. Deus é refúgio contra a ignorância – Quando não sabemos o que fazer podemos nos esconder em Deus, pois diz Davi: “Bendigo o Senhor que me aconselha e até de noite meu coração me ensina” (v.7). Quem tem Deus como refúgio, aprende até dormindo. Tem no sono, não um
tormento, não um descanso do corpo apenas, mas um professor. Acorda com novas perspectivas, novos planos, nova disposição. E cientistas já comprovaram que o cérebro ‘armazena’ os conhecimentos adquiridos ao longo do dia enquanto dormimos. Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii) já dizia: "Você precisa de alguém que te dê segurança, senão você dança, senão você se cansa...". Todos nós buscamos um esconderijo em algum ou em vários momentos da vida. Quando nos apresentamos diante de Deus, dizendo como Davi: "Tu és o meu Senhor", verdadeiramente encontramos muito mais que um esconderijo passageiro. Encontramos uma fortaleza de proteção, orientação, companhia e alegria incomparável.
SOLI DEO GLORIA
SOBRE O AUTOR Alessandro Alcantara de Mendonça é casado, tem três filhas e vive em Brasília-DF. É Técnico em Gestão Educacional, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, autor de Era Uma Vez 1986, (Ed. Novo Século – 2011) e de outros dois livros, lançados pela Amazon: O Evangelho Orgânico – Reflexões Bíblicas Sem Agrotóxicos e Missi Dominici (romance medieval ambientado na época da Inquisição).
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