UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL FACULDADE DE ARQUITETURA, URBANISMO E DESIGN - FAUD CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
ALEXANDRA JANE DE CARVALHO FREITAS
TRAÇANDO AFETIVIDADES: APREENSÕES E INTERVENÇÕES NAS QUEBRADAS, NO BAIRRO CHÃ DO BEBEDOURO, MACEIÓ/AL Trabalho Final de Graduação
Trabalho Final de Graduação (TFG) apresentado à Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design, da Universidade Federal de Alagoas, como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo.
Orientação: Profª Dra. Suzann Cordeiro
Maceió, Maio de 2018
FOLHA DE APROVAÇÃO
AUTORA: ALEXANDRA JANE DE CARVALHO FREITAS
TRAÇANDO AFETIVIDADES: APREENSÕES E INTERVENÇÕES NAS QUEBRADAS, NO BAIRRO CHÃ DO BEBEDOURO, MACEIÓ/AL Trabalho Final de Graduação
Trabalho Final de Graduação (TFG) apresentado à Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design, da Universidade Federal de Alagoas, como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Aprovado em __ de maio de 2018.
Profª Dra. Suzann Cordeiro (Orientadora)
Banca Examinadora:
Profª Dra. Flávia de Souza Araújo - UFAL (Examinadora Interna)
Profª Msc. Juliana Michaello Macedo Dias - UFAL (Examinadora Interna)
Msc. Isadora Padilha de Holanda Cavalcanti (Examinadora Externa)
arte que te abriga arte que te habita [...] arte que te modela arte que te medita Paulo Leminski
Gratidao Somos movidos por sonhos. E este não faria o menor sentido se o tivesse vivido sozinha. Sou imensamente grata a Deus, em sua infinita bondade, por ser o significado de tudo que faço e por todas bênçãos diárias derramadas sobre mim. À Nossa Senhora, que é Fonte inesgotável de Virtudes, agradeço por me agraciar com sua presença viva junto a mim e cuidar do meu coração. À minha família, por encurtar as distâncias físicas e sempre se fazerem presentes de algum modo durante meu curso. Minha mãe Leide, meu maior exemplo de amor e ternura, por toda paciência e cuidado. Meu pai Alexandre, por ser tão dedicado a nossa família e demonstrar do seu jeito próprio seu afeto por mim. E ao meu irmão Nanam, pelo exemplo de dedicação e humildade. Também agradeço as minhas primas irmãs: Vivi e Mey, pelo incentivo e força ofertados. Ao PET, por durante praticamente toda graduação ter sido meu refúgio; meu espaço sensorial, onde pude sorrir, compartilhar e crescer. Agradeço aos que me acolheram com afeto da chegada, em especial: Poli, Paula, Tu e Hedhy, pelo abraço receptivo e pela amizade que criou raízes. E aos que ficam: Malu, May, Alvin, Maya, Jéssica, Day, Danda, Diguinho, Val, Mari, Léo, Amanda, Laís, Adrielly, Vanessa, Euclides, Rudá e Julia; agradeço pelas amizades que levarei comigo, pelo carinho sincero e por fazer da salinha o metro quadrado mais acolhedor da FAU para mim. Às minhas tutoras amigas pelo exemplo de doação e paixão pela docência. Rose, com seu jeito singular, por me ensinar a ver vida de forma leve e deixar ser movida pelo coração; e Gigi, por ser tão generosa e dividir comigo a bondade inesgotável que carrega consigo. Aos amigos que fiz na graduação: Vini, Ju e Karol, obrigada por compartilhar tantos desafios e dificuldades ao longo desses mais de cinco anos. Agradeço também pela força e apoio de todos meus amigos, em especial: a Ailma, minha grande amiga de longa data; Emerson, Sandrinha e Isa, que mesmo tendo conhecido há pouco tempo me ajudaram tanto; e a Daniel, pelo tempo que caminhamos juntos, pelas luas compartilhadas e por ser infinito. Ao professor Jakson, por ser tão prestativo e atencioso; e aos moradores das Quebradas, por terem sido receptivos e gentis em todas minhas idas à comunidade, por me receber nas portas de suas casas e se permitido a contar um pouco de sua história, em especial dona Elizabeth e seu neto Jonathan. Aos meus mestres, por tanto conhecimento compartilhado. Em especial, minha orientadora Suzann, pelo incentivo e por sempre me instigar a aprender mais; minha banca, Flavia e Juliana Michaello, pela prontidão em ensinar e pelas conversas de corredor. E aos meus professores: Manu, Hidaka, Geraldo e Verônica, por cada ensinamento dentro e fora da aula.
Sumario Lista de figuras......................................................................................................................................................I Lista de Siglas....................................................................................................................................................III Resumo..................................................................................................................................................IV 1. INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................11 1.1 Objetivos do trabalho...................................................................................................................18 1.1.1 Objetivo Geral..................................................................................................................18 1.1.2 Objetivos Específicos....................................................................................................18 1.2 Construção metodológica...........................................................................................................19 2. IMERGIR..........................................................................................................................................................25 3. CLAREAR.........................................................................................................................................................29 2.1 Arquitetura, subjetividade e sentidos.........................................................................................31 2.2 Arquitetura, humanização e multidisciplinaridade.....................................................................25 2.3 Arquitetura, favela e pertencimento............................................................................................26 2. 4 Síntese do capítulo.........................................................................................................................29 4. AFETIVIDADES................................................................................................................................................39 4.1 Um pouco sobre Bebedouro e região...........................................................................................41 4.2 Viver nas Quebradas......................................................................................................................43 4.2.1 Seu entorno.....................................................................................................................45 4.2.2 Seus usos e ocupações................................................................................................47 4.2.3 Seus cheios e vazios.....................................................................................................48 4.2. 4 Suas perdas.....................................................................................................................50 4.2.5 Dinâmicas de apreensão do local..................................................................................52 4.2.5.1 Memória oral..................................................................................................52 4.2.5.2 Desenho com crianças.................................................................................52
4.2.5.3 Interação com Maquete...............................................................................55 4.2.6 Seus fluxos......................................................................................................................59 4.2.7 Sua caminhabilidade......................................................................................................62 4.2.8 Suas formas de lazer.......................................................................................................64 4.2.9 Seus pequenos comércios............................................................................................66 5. ESBOÇAR........................................................................................................................................................67 5.1 Ideias inspiradoras........................................................................................................................68 5.1.1 Arena do Morro, Natal (RN)............................................................................................69 5.1.2 “Espaços de Paz”, Venezuela........................................................................................70 5.1.3 Comuna 13, Medellín....................................................................................................71 5.2 Estratégias de ação.......................................................................................................................72 5.2.1 PAISAGEM.......................................................................................................................73 5.2.2 SOCIABILIDADE...............................................................................................................74 5.2.3 TRANSITABILIDADE.........................................................................................................76 5.3 A proposta.......................................................................................................................................77 6. RETICÊNCIAS..................................................................................................................................................85 REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................88
I
Lista de figuras Figura 1 – Vista aérea da comunidade Quebradas.......................................................................................18 Figura 2 – Uma das vielas que dá acesso à comunidade............................................................................19 Figura 3 – Quebradas: de dentro, de perto.....................................................................................................20 Figura 4 – Quebradas: ocupar, compartilhar, ser... humano.........................................................................21 Figura 5 – Quebradas: Um manifesto silencioso de resistência................................................................22 Figura 6 – Localização da comunidade estudada Flechal de Cima em relação a cidade de Maceió.....40 Figura 7 – Ambiência da região do bairro do Bebedouro nas proximidades da estação ferroviária.......41 Figura 8 – Ambiência da região do bairro do Bebedouro na década de 30, ao centro destaca-se a capela na ladeira do Chã do Bebedouro.......................................................................................................................41 Figura 9 – Caracterização geomorfológica da região de Bebedouro e adjacências.................................42 Figura 10 – Trecho da comunidade Quebradas a partir da vista área da planície lagunar......................43 Figura 11 – Mapa da região de Bebedouro e suas adjacências, com destaque às principais localidades de referência no local........................................................................................................................................45 Figura 12 – Vista aérea com destaque na comunidade, suas formas de ocupação e a relação constituída com o entorno............................................................................................................................................46 Figura 13 – Uso e ocupação do solo das edificações situadas no entorno imediato da comunidade Quebradas..................................................................................................................................................................47 Figura 14 – Áreas ocupadas e vazios nas proximidades da comunidade Quebradas..............................48 Figura 15 – Ocupação comunidade Quebradas na encosta.........................................................................49 Figura 16 – Perfil topográfico da encosta ocupada pela comunidade Quebradas....................................49 Figura 17 – Edificações que desmoronaram nos últimos anos na comunidade.......................................50 Figura 18 – Uma das casas que não suportou o desmoronamento das encostas...................................51 Figura 19 – Medidas paliativas, concretagem de parte da encosta com o intuito de conter os deslizamentos.................................................................................................................................................................51 Figura 20 – Medidas paliativas, lona jogada nas encostas com o intuito de conter os deslizamentos.51 Figuras 21, 22 e 23 – Crianças durante atividade desenvolvida na comunidade.....................................54 Figuras 24 e 25 – Desenhos das crianças da região: Ingrid (6) e Nayara (7)...........................................53 Figuras 26 e 27 – Desenhos das crianças da região: Nayara (7) e João Victor (13)..............................53
Figuras 28 e 29 – Crianças interagindo na dinâmica com a maquete.......................................................55 Figura 30 - Representação gráfica dos percursos descritos pelo jovem Silvanio, João Victor e Jonathan morador da comunidade.....................................................................................................................................56 Figuras 31 e 32 – 1ª e 2ª entradas à comunidade, respectivamente, localizadas na rua Dr. Oswaldo Cruz.....................................................................................................................................................................59 Figura 33 – Principais acessos e fluxos internos da comunidade Quebradas.........................................60 Figuras 34 e 35 – Caminhos usados diariamente pelos moradores, linha 1 e 2, respectivamente.....61 Figura 36 – Áreas que apresentam guarda-corpo e as principais escadas da comunidade Quebradas..62 Figuras 37 e 38 – Escadas usados diariamente pelos moradores da comunidade Quebradas.............63 Figura 39 – Principais áreas de lazer da comunidade Quebradas..............................................................64 Figura 40 – Crianças brincando nos interstícios urbanos na comunidade...............................................65 Figura 41 – Área do palhoção construído por moradores no período das festividades juninas.............65 Figura 42 – Locais onde encontram-se pequenas vendas na comunidade Quebradas...........................66 Figuras 43, 44 e 45 – Arena do Morro, Natal (RN)........................................................................................69 Figuras 46, 47 e 48 – “Espaços de Paz“, Venezuela...................................................................................70 Figuras 49, 50 e 51 – Comuna 13, Medellín..................................................................................................71 Figura 52 – Esquema gráfico das ações relacionadas à diretriz de Paisagem.......................................73 Figura 53 – Esquema gráfico das ações relacionadas à diretriz de Sociabilidade..................................75 Figura 54 – Esquema gráfico das ações relacionadas à diretriz de Transitabilidade.............................76 Figura 55 – Vista geral da comunidade com aplicação das propostas para a área..............................77 Figura 56 – Mapa síntese das propostas esboçadas para a área............................................................78 Figura 57 – Destaque para regularização da escada e implantação do tobogã.......................................80 Figura 58 – Proposta para as linhas e trechos mais alargados.................................................................81 Figura 59 – Área da pracinha, com destaque para o mobiliário e o espaço de festividades....................82 Figura 60 – Área da pracinha, com destaque para os equipamentos e a parede de escalada..................83 Figura 61 – Vista geral da área da pracinha....................................................................................................84
III
Lista de siglas CEEL: Centro Estadual de Esporte e Lazer CRAS: Centro de Referência de Assistência Social IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ONU: Organização das Nações Unidas PAM: Posto de Atendimento Médico PLHIS: Plano Local de Habitação de Interesse Social PMM: Prefeitura Municipal de Maceió VLT: Veículo Leve sobre Trilhos
Resumo O desenvolvimento do indivíduo associa-se à relação que ele estabelece com o meio que convive. O espaço está diretamente conectado com as relações pessoais, e tem influência direta no comportamento humano, sendo perceptível em diversas etapas da construção de sua conduta. Projetar o espaço, em toda sua pluralidade, é contribuir para este amadurecimento. Para tal, tendo em a formação das favelas como uma realidade latente e consolidada em diversos centros urbanos do Brasil, buscou-se trabalhar estratégias de ação para a comunidade Quebradas – localizada na região noroeste da planície lagunar da cidade de Maceió, Alagoas – a fim de consolidar uma intervenção de requalificação e provisão de infraestrutura para área, tendo em vista seus usos e apropriações existentes. O reconhecimento sócio espacial se deu a partir da caracterização do lugar voltada aos critérios subjetivos do espaço. Para embasar estas informações, foram realizadas entrevistas, passeios e conversas cotidianas com os moradores para auxiliar no entendimento da dinâmica da comunidade, bem como atividades com os jovens e crianças do local. Assim, a partir deste contato e de diversos mapeamentos realizados na comunidade, foi possível destacar as ações e áreas prioritárias à intervenção, servindo de síntese e sistematização de todo processo realizado possibilitando a melhoria do espaço através das intervenções necessárias.
IV
Introducao Em meio a uma paisagem urbana marcada pela desigualdade sócio espacial, característica das cidades brasileiras, cujos interesses privados se sobressaem em detrimento aos interesses coletivos, o investimento em infraestrutura para espaços públicos de qualidade ocorre principalmente em áreas já consolidadas. É possível observar na configuração das cidades o reflexo dessas deliberações, bem como a negligência dos direitos das áreas periféricas da cidade. Tendo em vista os últimos estudos realizados para a construção do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) – ainda não publicado – estima-se que a cidade de Maceió possui cerca de mais de 200 comunidades de baixa renda que vivem em estado de vulnerabilidade social, em que, na maioria dos casos, são os protagonistas na estruturação desses locais. Diante dessa autoconstrução do espaço – e por consequência, do indivíduo – o arquiteto urbanista pode desempenhar um papel social junto às comunidades, a partir de sua percepção e entendimento das necessidades do usuário, podendo compreender melhor o papel da arquitetura, no âmbito da coletividade como promotora do bem-estar das pessoas através
de medidas técnicas e alternativas. Assim, neste contexto, busca-se salientar e trabalhar formas de contribuir para a construção e consolidação desses espaços, que por diversas vezes são desprezados pelo Poder Público e com seus direitos negligenciados pela sociedade, a partir de intervenções que deem visibilidade a potencialidade constituída no espaço habitado, a fim de qualificar o espaço e melhorar as relações que nele existem. 1.1 Objetivos do trabalho 1.1.1 Geral Propor uma intervenção urbana com ênfase em aspectos relacionados à significância e pertencimento local a partir de experiências multissensoriais vivenciadas nas Quebradas, comunidade situada no bairro de Chã de Bebedouro, Maceió; de modo a contribuir para a compreensão de como as relações sociais coexistem com espaço habitado em comunidades ocupadas em área de risco. 1.1.2 Específico - Analisar teorias e conceitos relacionados à influência dos sentidos, da percepção e do comportamento do homem perante o espaço habitado, e como este contribui nos aspectos
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de sociabilidade e pertencimento ao local; - Caracterizar a área de estudo a partir de aspectos sócio espaciais e cognitivos a fim de compreender a percepção do usuário aos espaços de convívio coletivo na comunidade e identificar as principais necessidades de seus moradores; - Apresentar uma proposta de intervenção urbana, que tenha como condicionantes as necessidades locais, a fim de propiciar requalificação do espaço e vínculo com o lugar. 1.2 Construção metodológica Para construir metodologicamente este trabalho foi necessário Imergir (capítulo 2), se desprender de conceitos e ideias já estabelecidas e vivenciar o espaço aos olhos daquele que o habita. Para tal, o primeiro capítulo, escrito em primeira pessoa, descreve de forma sensível a experiência da autora a partir das derivas realizadas nas primeiras visitas à comunidade. Nele, busca-se apresentar ao leitor o local de estudo a partir da vivência sensorial com as impressões de antes, durante e depois das visitas. Desde comentários de pessoas de fora da comunidade, até as conversas informais com os moradores durante as manhãs de quinta-feira sentada no degrau da casa da dona Elizabeth. Afinal, é necessário pausar o olhar, escutar e atentar às peculiaridades da relação que as pessoas constroem com o espaço, para, então, realmente entender.
Em um segundo momento, a fim de organizar as ideias e formas para compreender o espaço, constitui-se o Clarear (capítulo 3), que se refere ao referencial teórico construído e adotado no trabalho, com o intuito de analisar e refletir diante das diversas posições e conceitos apresentados pelos autores. Após a seleção de diversas referências no âmbito de estudo, foi realizada a pesquisa bibliográfica, na qual foram estudados termos básicos, conceitos e aplicabilidades da Psicologia Ambiental, a fim de contribuir com o entendimento da forma de apreensão da área e a definição da intervenção a ser realizada. Com o intuito de uma abordagem sensível subjetiva, foi realizada a revisão da literatura, na qual foram selecionados artigos, resenhas e livros que trouxeram contribuições sobre este tema proposto. A escolha por estudar alguns autores consagrados, como Juhani Pallasmaa (2005), Edward Hall (2005), Dóris Kowaltowski (2011), Ludmila Brandão (2002) e Lúcia Leitão (2014), que auxiliaram o embasamento teórico e a abordagem da intervenção urbana. Em um terceiro momento, provido do conhecimento teórico sobre o tema abordado, foi dada continuidade às visitas nas Quebradas, a fim de acompanhar o cotidiano da área e confeccionar mapas cognitivos a partir dessas visitas. As Afetividades (capítulo 4) traçadas foram de fundamental importância para apreender as sensações e entender a relação que os
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usuários tem com o ambiente. Neste capítulo, foi apresentado o reconhecimento sócio espacial da área a partir da caracterização do lugar voltada aos critérios subjetivos. Para embasar estas informações, foram realizadas entrevistas, passeios e conversas cotidianas com os moradores local para auxiliar no entendimento da dinâmica da comunidade. Neste momento, são apresentados as discussões e resultados das dinâmicas realizadas com as crianças da região, que produziram desenhos de lembranças boas e atividades/ brincadeiras que desenvolvem no lugar que moram. Também é apresentado como os jovens e crianças do local realizam seus fluxos e suas formas de apropriação do espaço com base na dinâmica realizada com uma maquete interativa reduzida do local, onde eles puderam apontar e explicar as diferentes movimentações espaciais, contribuindo na compreensão da percepção individual e a sensibilidade infantil para com estes espaços de uso coletivo. A partir dessas informações, foram produzidos mapas, a fim de realizar análises na área estudada, sendo eles de: uso e ocupação do solo, fluxos internos, referências locais, pequenos serviços e comércios, cheios e vazios, formas de lazer e acessibilidade. Assim, foi possível destacar as ações e áreas prioritárias à intervenção, servindo de síntese e sistematização de todo processo realizado até o momento.
Logo após, deu-se início à quarta etapa, com o propósito de consolidação da intervenção urbana proposta. Neste momento, foi essencial Esboçar (capítulo 5) as ideias para área de modo a pensar o espaço a fim de integrar os anseios apreendidos dos moradores, bem como suprir as necessidades e potencialidades do local. Assim, num primeiro passo, foram pesquisadas ações de projetos realizados em diversas áreas vulneráveis pelo mundo a fim de inspirar e nortear as possibilidades que estes espaços são capazes de promover. Logo após, iniciou-se a elaboração das propostas de intervenções para as Quebradas. A partir de esboços e croquis esquemáticos, traçou-se estratégias gerais de ação para a área tendo em vista os principais problemas pontuados durante a caracterização do espaço. E em seguida foram destrinchadas as ações projetuais para a área com esquemas gráficos, perspectivas e estudos volumétricos da concepção do projeto para o local. Por fim, o último capítulo, explana os sentimentos, considerações e aspirações a respeito de todo percurso realizado para a construção desse trabalho. Também escrito em primeira pessoa, a autora busca tratar sobre o crescimento e aprendizado que obteve, e que perante aos anseios e material produzidos, constata-se que esse trabalho não tem uma conclusão, mas sim Reticências (capítulo 6).
QUEBRADAS
QUEBRADAS Figura 1 - Vista aĂŠrea da comunidade Quebradas. Fonte: Google Maps, 2017.
+ VIDA VIDA Figura 2 - Uma das vielas que dá acesso à comunidade. Fonte: Acervo da autora, 2017.
Figura 3 - Quebradas: de dentro, de perto. Fonte: Acervo da autora, 2017.
HABITAR
Figura 4 - Quebradas: ocupar, compartilhar, ser... humano. Fonte: MARQUES, 2017.
RESILIÊNCIA Figura 5 - Quebradas: Um manifesto silencioso de resistência. Fonte: MARQUES, 2017.
imergir [1] Estar imerso. [2] Mergulhar; afundar-se. [3] Entrar num meio qualquer.
Imergir Inverno, 2017 Por todos estes anos, sempre tive o sentimento de estar vivendo em uma cúpula de vidro; protegida e resguardada de toda uma realidade latente por trás desta redoma. Era possível ver através do translúcido, mas ao observar de longe, nada conseguia entender bem. Os livros me apresentavam esta realidade ainda de maneira superficial, tentando explicar por meio de palavras o que apenas os sentidos podiam captar. Assim surgiu o anseio de fazer algo, de fazer mais... afinal desde que entrei no curso pude observar como pensar arquitetura vai muito além dos conceitos estéticos determinados pelo subjetivismo daquele que projeta. Arquitetura, como bem colocou Leminski, é abrigo; espaço habitado e repleto de significância, que deve ser pensado e projetado visando o indivíduo que o apropria. As “Quebradas” vieram para mim como ao acaso, durante uma visita à área do Bebedouro que seria objeto de estudo de uma pesquisa multidisciplinar recém iniciada na região. Foi andando por aquelas ruas apertadas com trânsito caótico – disputadas por pessoas, carros, motos e ônibus – que comecei a observar as di-
versas formas que a ocupação natural do espaço proporcionou. E nenhuma delas me chamou tanto a atenção como aquelas casas moldadas à topografia acidentada da região. Olhando para a encosta parcialmente ocupada, em meio às chuvas inesperadas do outono, comecei a me questionar sobre a fragilidade que permeia o ato de habitar, e naquele espaço a oportunidade de estudar e contribuir – mesmo que em um campo teórico – com a qualidade de vida daquelas pessoas. Inicialmente, tentei ter acesso à comunidade por mim mesma, mas depois de algumas idas sem sucesso, foi a partir de um passeio pelo bairro a fim de obter informações para a pesquisa sobre Bebedouro que cheguei na Escola Estadual Dr. Guedes Nogueira. Nela pude conversar com alguns professores, em especial o professor Jakson (professor de geografia) que durante a conversa me explicou sobre as ocupações em área de risco das proximidades, citando entre elas a Flechal de Cima, comunidade que eu tinha escolhido para trabalhar no TCC. Com isso, expliquei a ele meu trabalho Neste momento, ele se mostrou muito solicito comigo, e por alguns de seus estudantes residirem na comunidade, combinamos de irmos juntos numa manhã de quinta-feira para
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visitar e conversar com os moradores. Por fora, várias pessoas – alguns professores da escola e funcionários do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) local – me alertavam dos perigos que eu podia encontrar entrando lá: tiroteio, tráfico, marginalização... falavam de uma comunidade onde não existia lei, e eles a classificavam assim sem nem ao menos terem entrado lá. Engraçado como a opinião pública é constituída pelos noticiários e histórias ruins que o lugar carrega, e as pessoas que estão à sua volta o definem por estas referências que o repelem. Afinal, quem realmente está à margem da realidade? Mesmo com esta carga de informações, numa manhã de quinta-feira, tive meu primeiro contato com a comunidade; entrei por um beco estreito, apertado, que aos poucos ia se alargando até abrir na paisagem a imensidão vinda do horizonte da lagoa Mundaú. Caminhos estreitos, que percorrem carrinhos de mão, bicicletas e pessoas; espaços também onde as crianças correm, brincam e traçam suas memórias. Andando pelas “linhas”, comecei a reparar na configuração das casas, a forma como elas se comunicam com todo e entre si. Aqueles muros geminados, que compartilham e resguardam lembranças do que já se passou, e os sorrisos e abraços do que é vivido agora. Laços que se refugiam, se abrigam e se mantém vivos, preservados em uma moldura que conta a história de vidas interligadas, protegidas tão quanto
as lembranças quando eternizadas na memória. E assim se configura o espaço: tudo junto, como um elo, sem dissociar-se. Durante o percurso, foi possível notar alguns rostos intrigados com minha presença, sem saber ao certo o que essa “estranha” estava fazendo no local. Olhares de lado, e o receio em saber o que minha ida à comunidade significava. Pouco contato verbal, alguns “bom dia” eram manifestados, porém as fisionomias expressadas revelavam a curiosidade. Em um certo ponto, sentei no degrau que dá para a casa da dona Elizabeth e começamos a conversar sobre como é morar nas Quebradas. Moradora há 35 anos, ela relatou que gosta de viver na comunidade, na verdade, que se acostumou. Em seu falar manso, foi me contando um pouco das experiências que lá presenciou, dos períodos de chuva intensa ou de tiroteio dos grupos rivais, mas com o olhar sereno de quem já muito viveu, afirmava que lá era seu lugar. Continuamos a conversa, e ela começou a me explicar das vantagens de estar lá. O mais importante é ter o teto sob sua cabeça e de sua família, de poder abrigar a filha e o neto junto a ela, e acompanhar seu crescimento. A proximidade da comunidade ao Centro, e os comércios locais do bairro do Bebedouro também são pontos positivos que vê, além da rua principal de cima (rua Dr. Oswaldo Cruz) ser um corredor de ônibus que facilita o transporte para eles. E assim, seu discurso positivo prosseguiu, me
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mostrando outra de forma de ver a vida e me dando uma aula de gratidão num espaço completamente adverso. Lá, era possível ver os resquícios que as chuvas de julho deixaram no local. Alguns desabamentos de terra, o lixo acumulado nos declives, as casas que não suportaram a força da estação e as lonas jogadas pelos moradores nas encostas. Aliás, toda intervenção realizada na comunidade é feita a partir do protagonismo dos usuários: o guarda-corpo improvisado de ripa, a escada de chão batido, a coberta dos corredores das casas... o espaço é ocupado e construído em conjunto, com o suor e o esforço de cada um deles. E foi impossível, em meio à realidade da construção do espaço habitado, não notar a paisagem que se configura como cena cotidiana, com o pôr do sol que é contemplado e encerra cada dia vivido. Junto ao Jonathan, neto da dona Elizabeth, comentávamos como a natureza era perfeita em seu conjunto, o encontro da lagoa com o céu, formando o degrade do azul de forma plena. Este mesmo azul, onde é possível ver a formação das chuvas que vem em direção a eles. Neste momento, o sorriso em seu rosto se transformou em uma expressão séria, finalizan-
do a frase sem ponto final, apenas reticências. Percebi que para os moradores das Quebradas o sentimento que surge ao avistar uma nuvem escura que se aproxima é mais intenso do que o medo dos trovões que ela carrega, mas sim, vem à tona tudo àquilo que ela pode levar. Em meio a tantas falas, histórias e afetos traçados no lugar, o espaço também é marcado pela por uma divisão interna, em que dona Elizabeth é enfática ao dizer: “pode andar onde quiser por aqui, tem muita gente boa, os meninos são de bem... mas não ande pela Cruz”, daí entendi todo o estigma defendido pelas pessoas de fora que me alertaram dos perigos da comunidade, elas enxergam apenas uma realidade distorcida de parte, e a julgam como o todo. Enfim... antes de imergir, conheci através de fichas e fotos de satélite uma comunidade cadastrada pelo nome de Flechal de Cima. Lá, descobri que pouco se reconhecem por este vocábulo. Na verdade, eles são das Quebradas; permeiam entre os corredores desnivelados das casas: brincam, constroem, se protegem... habitam em meio à adversidade. Nessas idas, conversas e pesquisas fui enxergando, aos poucos, o que significa ser das Quebradas.
clarear [1] Tornar-se lĂşcido, inteligĂvel. [2] Tornar-se claro.
Clarear O desenvolvimento do indivíduo associase à relação que ele estabelece com o meio que convive. O espaço está diretamente conectado com as relações pessoais, e tem influência direta no comportamento humano, sendo perceptível em diversas etapas da construção de sua conduta. Projetar o espaço, em toda sua pluralidade, é contribuir para este amadurecimento. Entende-se arquitetura como edifício que compõe a paisagem e escreve a história. Ela é arte, edificada ou não, que carrega em suas paredes momentos, laços e afetos, tornando-se reflexo daqueles que a habitam e que lhe atribuem sentido e vida. Apreender a arquitetura neste sentido, demanda sensibilidade de quem a vivencia, bem como daquele que a projeta. O espaço arquitetônico não deve ser considerado mero coadjuvante nas relações interpessoais, mas sim, cenário e protagonista1 em que estas acontecem, contribuindo de for-
ma direta para formação pessoal. Os sentidos do homem fazem com que a percepção inerente ao ambiente seja absorvida e, de certa forma, refletida no comportamento do indivíduo. A falta de humanismo2 da arquitetura e das cidades contemporâneas pode ser entendida como consequência da negligência com o corpo e os sentidos e um desequilíbrio de nosso sistema sensorial. O aumento da alienação, do isolamento e da solidão no mundo tecnológico de hoje, por exemplo, pode estar relacionado a certa patologia dos sentidos. (PALLASMAA, 2011, p. 17)
A falta de humanização3 dos espaços interfere negativamente nas relações pessoais que nele existem. O arquiteto urbanista desempenha papel social a partir da percepção e do entendimento do que o usuário necessita, podendo compreender melhor o papel da arquite-
Segundo Zevi (1970) o espaço construído é “fator vital, o protagonista, é o edifício, enquanto o homem continua a ser um simples espectador com as suas psicológicas reminiscências” (p. 340) 2 Embora Pallasmaa não adote o termo neste sentido, entende-se humanismo como conceito desenvolvido no século XVIII que aborda critérios de higienização do espaço. 3 Na arquitetura, Humanização é o termo que engloba questões sociais, econômicas, funcionais e de segurança ao projeto arquitetônico/ urbanístico; ele busca denotar diversos aspectos à altura do homem, no sentido de ser humano. 1
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tura, tanto na promoção do desenvolvimento coletivo, como para o bem-estar do indivíduo. Entender a arquitetura como saber, vai além de apreendê-la como ciência social aplicada. É necessário compreendê-la através das necessidades individuais do homem, bem como mensurar a importância da flexibilidade e abertura para sua apropriação. Aplicar e assimilar conceitos relacionados à psicologia ambiental4 como diretriz no ato de projetar é conseguir ver a arquitetura como cenário ativo na sociedade, de forma a conceber lugares que conectam as pessoas e ressaltam qualidades do local. Afinal, a arquitetura vai além do abrigo das necessidades e atividades, e, a meu entender, seria um meio de favorecer e desenvolver o equilíbrio, a harmonia e a evolução espiritual do homem, atendendo às suas aspirações, acalentando seus sonhos, instigando as emoções de se sentir vivo, desenvolvendo nele um sentido afetivo em relação ao lócus. (OKAMOTO, 1996, p. 14)
3.1 Arquitetura, subjetividade e sentidos A arquitetura segue como produção
material, sociocultural, localizada, da-
tada nos mais diversos momentos. (...) O que a torna ainda mais interessante é o fato de não poder ser operada conforme nossos desejos, ou seja, mesmo criador (podemos pensar no arquiteto) a partir de um determinado ponto da existência de uma máquina arquitetural, não possui controle sobre o que se produzirá, ou sobre o que se engendrará na interação com outros elementos espaciais, materiais e imateriais e, claro, com os humanos. (BRANDÃO, 2002. p. 10)
Nesse sentido, Ludmilla Brandão (2002) aborda uma perspectiva de que o corpo, mesmo que separado do espaço, consiste em elemento indissociável do mesmo.
Sem corpo, resta-nos um espaço que se resume a uma imagem sem movimento. O que este propõe é voltar a atenção e experimentar (na medida de suas possibilidades e limitações) uma escritura do espaço tomado na sua emergência, engendrado no acontecimento que produz também o corpo situado que se desloca e sente. Ao tomá-lo na dinâmica de sua constituição, parece que podemos nos aproximar dessa alma material, da qual fala Picon, desse inumano cambiante que nos atravessa e nos perfor-
Segundo CAVALCANTI e ELALI (2011), a Psicologia Ambiental é um campo de conhecimento desenvolvido na metade do século XX que tem como finalidade “o estudo das relações recíprocas entre a pessoa e o ambiente, cuja meta é compreender a construção de significados e comportamentos relativos dos diversos espaços de vida, bem como as modificações e influências suscitadas por nossa subjetividade nestes ambientes. ” (p. 14) 4
TRAÇANDO AFETIVIDADES | 32 ma também. Perde então sentido narrar ou descrever. (Ibid. p. 23)
O espaço edificado tem impacto a medida em que seus autores lhe conferem significado, atribuído pelo envolvimento e afeto. Esse ambiente não se ergue apenas por elementos construídos; Ele se cria a partir de uma série de elementos que lhe atribuem significado. Do ambiente surge, então, a ambiência. A ambiência (...) funciona como um agente de ligação entre as diversas sensações experimentadas pelos usuários (...) em uma dada situação. (...). É a ambiência que unifica um suporte espacial e o preenche de significados, num processo de retroalimentação que nos permite compreender que não percebemos a ambiência e, sim, percebemos de acordo com ela. A ambiência, portanto, não é objeto da percepção, ela estabelece os termos da percepção, afetando todos os tipos de ação. Desta forma, ela se referencia muito mais ao modo de execução da atividade (o “como” da ação) do que com a sua própria natureza. (...). Podemos dizer, então, que ela sempre evoca nossa interpretação da vivência. (DUARTE, 2012. p.3) A vivência, por sua vez, remete a uma dinâmica de alternância entre os sentidos. Enquanto no espaço tátil o mundo perceptual é guiado pelo tocar, sendo mais imediato e acolhedor do que o mundo guiado pela visão
(ZUMTHOR, 2005), através do olfato as narinas despertam uma imagem esquecida e caem em um sonho vívido. O nariz faz os olhos lembrarem. (PALLASMAA, 2005). O som, por sua vez, é invisível, mas tem o poder de alterar as características do espaço que ocupamos (SCHULZDORNBURG, 2000). Toda experiência comovente com a arquitetura é multissensorial; as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos. A arquitetura reforça a experiência existencial, nossa sensação de pertencer ao mundo, e essa é essencialmente uma experiência de reforço da identidade pessoal. Em vez da mera visão, ou dos cinco sentidos clássicos, a arquitetura envolve diversas esferas da experiência sensorial que interagem e fundem entre si. (PALLASMAA, 2005. p. 39)
Pallasmaa (2005) afirma que até mesmo os olhos tocam: o olhar fixo implica um toque inconsciente, uma mimese e identificação corporal. Entretanto, também afirma que a visão nos separa do mundo, enquanto o resto dos sentidos nos junta a ele. Não consiste, então, numa arte meramente visual, mas numa obra que demonstra seu valor através da experiência vivenciada do espaço, que se manifesta de forma única e particular a cada indivíduo. A experiência emite uma impressão,
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consciente ou inconsciente, ao seu praticante, que o qualifica através de sua interpretação, seja do som, das cores, das formas, da luz, do cheiro, da temperatura, do toque. Conforme menciona Abbud, a alma do projeto é representada pelo universo dos símbolos, significados e valores, que fazem parte da história e da cultura de determinado povo (ABBUD, 2006). Cristiane Duarte refere-se à arquitetura como artefato cultural, munida de significados, ou seja, símbolos de apropriação afetiva do espaço, e de linguagens, não se referindo aqui a uma expressão textual, mas sim da representação visual, ou seja, informações captadas pelo olhar sensível e visão multissensorial. Este espaço subjetivo, psicológico e multissensorial é uma máquina capaz de produzir algumas reações humanas predeterminadas. (ZUMTHOR, 2005). Ademais, Abbud afirma que o espaço físico pode ser medido matematicamente, já o espaço psicológico é percebido apenas pelas sensações (ABBUD, 2006). O espaço que habitamos protege e abriga nossas experiências, sentimentos, memórias e, por fim, nossa identidade. Trata-se, então, de adotar uma visão de “olhar de dentro e de perto” (DUARTE, 2008), sempre atento ao detalhe expresso na narrativa do sujeito que habita e entendendo o mesmo como principal ator, ser que complementa o espaço e que, consequentemente, dele se apropria, cuida.
3.2 Arquitetura, humanização e multidisciplinaridade Tendo em vista as relações pessoais existentes nos diversos espaços habitados, é necessário mensurar os aspectos de humanização na qualidade de vida das famílias que habitam, que envolve desde questões funcionais até subjetivas, pois o lugar representa um tipo peculiar de espaço [...], que é definido e construído em termos das experiências vividas das pessoas. Como tal, os lugares são vistos como fundamentais na expressão de um senso de pertença para aqueles que nele habitam, e são vistos como provedores de um lócus de identidade (HUBBARD e KITCHIN apud SPINK, 2014)
Nestas circunstâncias, vê-se a necessidade de tratar o espaço como cenário de construção do homem e do meio no qual convive. A experiência vivenciada não é apenas visual, mas sim, multissensorial, onde aquele que habita o espaço é o protagonista das intervenções e planejamentos propostos. O homem e suas extensões constituem um sistema inter-relacionado. É um erro agir como se os homens fossem uma coisa e sua casa, suas cidades, sua tecnologia, ou sua língua, fossem algo diferente. Devido à inter-relação entre homem e suas extensões é conveniente prestarmos uma atenção bem maior
TRAÇANDO AFETIVIDADES | 34 ao tipo de extensões que criamos [...]. (HALL, 2005. p. 166)
Edward Hall (2005) provoca a necessidade da inter-relação do homem com as diversas extensões que fazem parte dele, desperta a necessidade do entendimento e de sua interdependência para contribuir na formação do ser, de modo a externar através de suas ações. Bem como, a forma na qual a relação dessas diversas áreas contribui para o enriquecimento no campo das ciências sociais aplicadas. A arquitetura não se resume apenas a critérios estéticos-funcionais de seus espaços. É necessário subjetivar aspectos inerentes ao homem, pois o edifício não se restringe apenas ao lugar que abriga e atende as necessidades de quem o ocupa. Na verdade, o ambiente deve incorporar os sentimentos e anseios de seus moradores, de forma a estimular o desenvolvimento pessoal e as relações sociais, a fim de proporcionar notáveis melhorias na qualidade de vida. A arquitetura expressa-se, então, na “presença material e espiritual totalmente corporificada” (PALLASMAA, 2005. p. 42). Uma vez que o indivíduo, quando experiencia o espaço, constitui-se como componente dinâmico. Seus movimentos, a forma como observa e o sente, impactam em sua percepção de forma única e individual. Com esta finalidade, o arquiteto precisa
ter sensibilidade ao projetar lugares dentro de espaços que originem experiências multissensoriais. A relação do espaço e o tempo é um importante instrumento de percepção, onde a arquitetura pode ser capaz de humanizá-los, tornando-os habitáveis e compreensíveis. Visto que o habitante interage com o espaço habitado, e este impacta diretamente na interação do habitante. Para tal, estes aspectos multidisciplinares da arquitetura contribuem para a compreensão acerca do espaço físico e de sua importância para o convívio coletivo. A partir do entendimento do vínculo construído com o local é possível identificar e descrever os vínculos constituídos e sua influência no comportamento humano, relacionando-o com o espaço habitado. 3.3 Arquitetura, favela e pertencimento Embora o conceito de favela carregue diversas interpretações, comumente é usada tanto no sentido pejorativo da palavra com o intuito de diminuir determinado conjunto de pessoas/ casas sem infraestruturas e recursos, como também é utilizada para se referir a comunidades que possuem uma construção sócio cultural estruturado, com uma identidade própria. Atualmente, as favelas constituem um organismo da sociedade que evidenciam questões acerca da exclusão social, das desigualdades e da marginalização de parte da população, caracterizando a segregação entre a cidade for-
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mal e informal5. É possível afirmar que o surgimento da favela é uma resposta face às necessidades essenciais inerentes ao homem, para suprir, em síntese, a escassez de abrigo com boa localização urbana, próximos aos centros da cidade que ofereça oportunidade de emprego e renda. Como consequência, essa forma de ocupação é marcada por problemas que destacam a fragilidade do local, apresentando como principais carências a ausência total ou parcial de serviços e infraestruturas públicos, como: rede de energia elétrica, água encanada e rede de esgoto. Além disso, as condições de salubridade e habitabilidade são mínimas, acarretando insolação e ventilação natural insuficiente, bem como a acessibilidade e transitoriedade de ruas, calçadas e vielas (PIZARRO, 2014. p. 295) Embora falar sobre favelas ascende um debate polêmico com perspectivas em diversas esferas – desde a moradia formal e suas relações projetuais padrão, a questões culturais e estéticas – nota-se a necessidade de um olhar sensível, consciente e respeitoso do arquiteto urbanista para com estes espaços. Tendo em vista que
abrigar é criar um interior para nele entrar, é constituir uma delimitação entre o exterior e interior. Essa separação pode existir em diversos níveis, iniciando com o próprio corpo, ou seja, com o sujeito a ser abrigado: há primeiramente as vestimentas, depois as cobertas o abrigo, a casa, o quarteirão, a cidade. (JACQUES, 2003. p. 26)
Parece ser próprio do homem a capacidade de ordenar, agrupar e criar nomenclaturas para organizar o pensamento. Esse molde cartesiano está inserido na sociedade de tal modo, que tudo que parece estar fora dessa ordem é considerado inadequado, precisando de uma adequação formal. E essa imposição não é diferente, se tratando da estética das favelas. Uniformizar o tecido urbano provoca a destruição da arquitetura original e consequentemente cria espaços impessoais. As favelas possuem uma identidade espaço-temporal própria e ao mesmo tempo fazem parte do todo que é a cidade. Essa relação parece, à primeira vista, bem conflitante, e por assim ser, foi motivo de desprezo dos arquitetos e urbanistas por muito tempo, mas é preciso entender a singularidade da favela para intervir nesse espaço.
Segundo Rolnik (2000), a cidade informal é constituída pela população de baixa renda que por falta de oportunidade em ocupar espaços centrais na cidade, acabam por habitar em terras periféricas – que são mais baratas por não possuir qualquer tipo de infraestrutura – e construir aos poucos suas casas, invadindo, por vezes, áreas ambientalmente frágeis. Vale ressaltar, que em diversos casos, a cidade informal representa uma extensão territorial e populacional maior que a cidade dita formal. 5
TRAÇANDO AFETIVIDADES | 36 O apego ao lugar se desenvolve gradualmente e exige algum tempo para consolidar-se, tendo como principais influências: contínua avaliação da qualidade ambiental frente às necessidades do indivíduo em questão; significado do lugar para a própria identidade; tempo de residência e familiaridade com o local. (CAVALCANTE e ELALI, 2011. p. 56)
Jacques (2003) caracteriza esta forma de habitação como fragmentária, onde ela é um reflexo de suas práticas e seu cotidiano, bem como a dinâmica desenvolvida e firmada no local. Ela afirma que os fragmentos são construções inacabadas; o que elas têm de incompleto, de insuficiente, trabalho de decepção, é sua deriva, o sinal de que, nem unificáveis, nem consistentes, eles se deixam separar por marcas com as quais o pensamento, ao declinar e ao se declinar, imagina conjuntos furtivos que, ficticiamente, abrem e fecham ausência do conjunto, mas, definitivamente fascinado, não para, sempre mantido nunca pela vigília, nunca interrompida. Daí a impossibilidade de dizer que tenha havido intervalo, pois os fragmentos, destinados em parte ao branco que nos separa, encontram nossa distância não o que os termina, mas o que os prolongará, o que os já prolongou, fazendo-os persistir por sua incompletude, sempre prontos a se deixar trabalhar pela razão incansável, em vez de permanecer a palavra deposta, deixada de lado, o se-
gredo sem segredo que nenhuma elaboração consegue preencher. (BLANCHOT apud JACQUES, 2003. p.99)
Dessa forma, Jacques (2001) conceitua algumas figuras de linguagem para dissecar a estética da favela, sendo elas: fragmento, labirinto e rizoma. Desde a construção dos barracos até a própria organização dos morros é feita de forma fragmentada, seja pela colocação dos materiais que vão sendo encontrados pelo construtor, seja por sua ampliação. Essa construção nunca termina, fica “bricolando”, ou seja, uma arquitetura do acaso, sem projeto, pois como intensifica Paola Berenstein (2001), “Quando não há um projeto não existe uma forma pré-determinada para a construção, e assim ela não termina, permanecendo sempre inacabada”. Outra figura importante para se entender a favela é o labirinto, característica de percurso muito diferente do usual dos urbanistas modernistas, onde se perder (para os visitantes) faz parte de uma experiência espacial. Essa característica é própria e faz parte da “ginga” do lugar, pois confere-o certas surpresas, capaz de incitar sentimentos e sensações diferenciados no usuário. A configuração da favela tem uma característica rizomática. Como o rizoma, elas vão se alastrando horizontalmente “desenvolvem como o mato que cresce naturalmente nos terrenos baldios da cidade, os barracos, como as ervas, aparecem discretamente pelas bordas e
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acabam ocupando todo o espaço livre rapidamente” (JACQUES, 2001). Essa organicidade selvagem é que configura essa característica e quando trabalhada pode ter um grande potencial de transformação. A possibilidade de espaço-movimento nasce dessa tese “bergonista”, ligada a existência de espaços que estão em movimento, em transformações contínuas, em eternos deslocamentos, em suma, espaços em fuga. O espaçomovimento não seria mais ligado somente ao próprio espaço físico, mas, sobretudo, ao movimento do percurso, à experiência de percorrê-lo, o que é da ordem do vivido e, simultaneamente, ao movimento do próprio espaço em transformação, o que é da ordem do vivido. Diante disso, só podemos considerar a favela como um espaço-movimento. (JACQUES, 2003. p.149)
Percebe-se que a favela é um organismo vivo, que as três figuras faladas anteriormente estão intimamente ligadas com a ideia de movimento, onde o usuário não é somente aquele que tira proveito desse espaço, mas ele o constrói. Por assim ser, surge a necessidade de incentivar a participação coletiva, e ao mesmo tempo, a conservação dos espaços-movimento. A ideia de preservar o que se move é paradoxal, mas o movimento é natural e não pode ser inibido, o que precisa ser feito para preservar essas características é nortear esse movimento através de micro intervenções, ou seja, intervenções mínimas que sigam o fluxo natural e espontâneo que já existe na favela.
afetividades [1] Faculdade afetiva; qualidade do que é afetivo; [2] Função geral, sob a qual se colocam os fenômenos afetivos (tendências, emoções, paixões, sentimentos).
Afetividades Neste contexto, surge o anseio de propor intervenções urbanísticas em comunidades que ocupam áreas de risco, que entre diversas dificuldades econômicas e de qualidade de vida que enfrentam, constroem o espaço no qual habitam a partir de suas experiências e de suas possibilidades. Para tal, foi escolhida a comunidade Flechal de Cima, no bairro de Chã de Bebedouro – Maceió (Ver figura 6), conhecida popular-
mente como “Quebradas”. Seu desenvolvimento está ligado ao bairro Bebedouro, uma vez que a comunidade encontra-se nas proximidades da região, localizada entre a planície lagunar e o tabuleiro geomorfológico da área. Logo, este capítulo objetiva caracterizar a área escolhida para estudo, a partir de suas formas de habitar, além da contextualização da região onde está localizada.
Figura 6 - Localização da comunidade estudada Flechal de Cima em relação a cidade de Maceió. Fonte: Google Earth, adaptado pela autora, 2017.
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4.1 Um pouco sobre Bebedouro e região
A origem do Bairro de Bebedouro vem do local onde se dava a confluência dos riachos: Luís da Silva, Perus e Cardoso. Ali, tropeiros e viajantes que iam em demanda ao interior do Estado e viajantes que vinham na direção do centro de Maceió, podiam banhar-se, beber e dar água aos seus animais. Faziam paradas neste lugar que, mais tarde, ficou conhecido como: ‘Ponte de Bebedouro’ ou ´passagem de Bebedouro. Foram surgindo palhoças e, depois, casas de taipa cobertas de palhas, nas quais se vendiam aos tropeiros: café, cuscuz, tapioca, pé-de-moleque e outras comidas mais substanciosas como bode assado, galinha de cabidela e buchada. (LEMOS, 2003, p. 13)
A região do bairro de Bebedouro desen-
Figura 7 - Ambiência da região do bairro do Bebedouro nas proximidades da estação ferroviária. Fonte: Disponível em: https://goo.gl/xpnvT3, acessado em: fev. de 2018.
volveu-se às margens da lagoa Mundaú e do riacho do Silva, que meados do século XIX era passagem obrigatória para os comerciantes de açúcar e outras especiarias, vindo do interior para o porto de Jaraguá. Segundo Lemos (2003), há registros que no ano de 1870 a região possuía mais de 150 residências, em sua maioria constituída de taipa, coberta com palha e algumas poucas cobertas com telhas cerâmicas (Ver figuras 7 e 8). A área habitada não passava de um enorme sítio, denominado SÍTIO DA CAPELINHA DO BEBEDOURO, onde havia uma pequena capela e, em sua frente, um cemitério improvisado. Esta capela foi construída por volta de 1826, por Antônio Maria de Aguiar, português que se fixou em Maceió e foi eleito Procurador da primeira Câmara Municipal. (LEMOS, 2003, p. 13)
Figura 8 - Ambiência da região do bairro do Bebedouro na década de 30, ao centro destaca-se a capela na ladeira do Chã do Bebedouro. Fonte: Disponível em: https://goo.gl/uxbDw6, acessado em: fevereiro de 2018.
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Concomitante ao desenvolvimento econômico, as práticas religiosas caracterizam um ponto forte para o crescimento do bairro, fazendo da região palco de grandes festividades como o natal e as festas Juninas, que eram organizadas pelas famílias do bairro, como a do major Bonifácio Silveira (LEMOS, 2003). Consonante com a realidade encontrada em diversos centros urbanos do Brasil, o crescimento da região do Bebedouro deu-se de forma rápida e desordenada. Visto que
o processo de urbanização da população brasileira na segunda metade do século XX resultou na inversão da distribuição urbana/rural da população. Na década de 1930, era de 30% e 70%, respectivamente, passando para 75% e 25% no final do século XX e chegando, agora, a 80% e 20%. Neste mesmo período, a cidade de Maceió experimentou um enorme crescimento do tecido urbano (tanto espaços citadinos como das relações sociais em todos os campos das atividades humanas). Durante as quatro últimas décadas, a população maceioense viu-se multiplicada por 4,7. (FARIA e COSTA, 2014. p. 190)
tados. Entretanto, a população de baixa renda, comumente excluída do mercado legal de terras, fez avançar a ocupação inadequada das áreas alagadiças e barrancosas – o parcelamento não projetado – resultando diversos problemas socioambientais urbanos, como: a consolidação de comunidades em áreas livres e de encostas, congestionamentos nas vias estruturantes e violência urbana. Assim, tendo em vista sua formação geomorfológica, a região das proximidades do Bebedouro é constituída por trechos de tabuleiro intercortado e a planície lagunar (Ver figura 9); na transição entre estas duas geologias, encontram-se as encostas, que em sua maioria estão ocupadas de forma irregular e em área de risco por causa da declividade e da sedimentação do solo.
Segundo Faria e Costa (2014), decorrente deste processo, a procura por espaços de habitação fomentou o crescimento do mercado imobiliário e a expansão do tecido urbano sobre os terrenos planos na região da planície e do tabuleiro, caracterizando os parcelamentos projeFigura 9 - Caracterização geomorfológica da região de Bebedouro e adjacências. Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
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Figura 10 - Trecho da comunidade Quebradas a partir da vista área da planície lagunar. Fonte: Google Earth, 2017.
4.2 Viver nas Quebradas Neste contexto de ocupação de encostas, encontra-se a comunidade Quebradas, com uma área equivalente a 64.339m², perímetro de 1.856m, possuindo cerca de 1.607 habitantes, distribuídos em 460 domicílios permanentes (IBGE, 2010). Está localizada entre as ruas Dr. Oswaldo Cruz e Faustino Silveira, no bairro Chã do Bebedouro. A comunidade, que é classificada pelo IBGE como um Aglomerado Subnormal5, ocupa uma área de encosta que chega até 36% (trinta e seis por cento) de declividade, caracterizan-
do-se, segundo o Art. 3º da lei nº 6766, que dispõe sobre Parcelamento do Solo Urbano (BRASIL, 1979), uma área não urbanizável. Ainda, as habitações encontradas no local são constituídas por alvenaria rebocada, em sua maioria, e em taipa. Porém, muito além das informações quantitativas que é possível obter da área, busca-se caracterizar o espaço habitado a partir das relações pessoais que nele existem. Logo, os mapas e informações a seguir, são resultados da imersão na comunidade, pesquisa a campo e análise espacial.
Para o IBGE (2010), Aglomerado Subnormal é um termo utilizado para o conjunto de 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade, que podem apresentar irregularidade das vias de circulação/acesso e défice de serviços públicos essenciais. Porém, por considerar este termo depreciativo em face à realidade dos moradores, a autora se recusa a adotá-lo como expressão referente à comunidade. 5
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4.2.1 Seu entorno Tendo em vista o processo de formação da área, é notório uma maior dinamicidade da região no núcleo central do bairro do Bebedouro, pois é nele onde se encontram as principais referências locais de serviços e comércios, bem como instituições religiosas e de ensino. A via estruturante da área é a rua Dr. Oswaldo Cruz/Av. Major Cícero de Góes Monteiro. É nela onde passa o principal corredor de transporte público que liga a região aos demais bairros da cidade. Por possuir um arranjo viário simples, mão dupla sem acostamento, apresenta longos congestionamentos nos horários de pico. Outro modal existente e muito utilizado na área é a [11] estação de VLT - Veículo Leve sobre Trilhos -, que percorre parte do perímetro da orla lagunar, interligando o bairro também a outras cidades, sendo considerado um transporte coletivo de massa mais acessível. Existem cerca de oito estabelecimentos de ensino básico na região, sendo que as principais escolas públicas situadas na localidade são: a [2] Estadual Miguel Guedes (ensino médio), a [5] Municipal Vereador Braga Neto e a [9] Major Bonifácio Silveira (ambas ensino fundamental). Considerando a abrangência das unidades de ensino em relação aos bairros adjacentes, ocorre uma concentração de estudantes nestas três unidades, pois em alguns casos o espaço físico não comporta a demanda
solicitada, provocando superlotação nas salas de aula ou a necessidade de deslocamento dos alunos para unidades mais afastadas. A única unidade de saúde pública encontrada na região é o [16] PAM Bebedouro, que atende os bairros de Bebedouro, Chã do Bebedouro, Chã da Jaqueira e Mutange. Por ser pequena, não consegue atender boa parte da população, face à elevada demanda de serviço e a escassez de instrumentos que viabilizem o atendimento. Nesta mesma realidade, encontra-se o [4] CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) Bebedouro, que além das limitações de espaço físico e alta demanda de serviço para estes bairros, apresenta em sua equipe técnica um número reduzido de profissionais para suprir todas as atividades requisitadas. E quanto aos espaços de lazer existes no entorno, destaca-se a proximidade ao Parque Municipal, que é uma referência citadina utilizada por toda a população de Maceió. Também é possível evidenciar o [1] mirante Senador Rui Palmeira, na parte alta da região, que geralmente é utilizado no período da tarde por um público mais velho, como observado em visitas in loco; e o [17] CEEL (Centro Estadual de Esporte e Lazer), localizado na planície lagunar, revitalizado pelo Estado e aberto ao público em 2017, que além de contar com áreas para práticas de esporte, também oferece cursos e oficinas de capacitação para a comunidade.
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Figura 11 - Mapa da região de Bebedouro e suas adjacências, com destaque às principais localidades de referência no local. Fonte: Google Earth, 2017.
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Figura 12 - Vista aérea com destaque na comunidade, suas formas de ocupação e a relação constituída com o entorno. Fonte: Google Earth (2017), adaptado pela autora, 2018.
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4.2.2 Seus usos e ocupações No entorno imediato à comunidade, há a predominância de uso residencial. Na parte alta da região, no trecho da rua Dr. Oswaldo Cruz, é possível destacar a concentração de vários serviços e comércios, como observado na figura 13. Esse aspecto confere a dinamicidade à rua, onde pode-se encontrar diversos mercados, oficinas, farmácias, bares e pequenos restaurantes. Por ser uma via estreita e também corredor de transporte público, há bastante congestiona-
mento nos horários de pico. Em grande parte devido aos serviços e comércios ofertados na rua Dr. Oswaldo Cruz, as principais entradas à comunidade se dão por essa rua. Os moradores destacam que os benefícios de morarem lá é pela comunidade ser perto dessas necessidades básicas, como a padaria da esquina, o mercado para fazer a feira do mês ou a escola pras crianças estudarem. Assim, é possviel afirmar, a diversidade de usos contribui para a satisfação dos moradores.
Figura 13 - Uso e ocupação do solo das edificações situadas no entorno imediato da comunidade Quebradas. Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
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4.2.3 Seus cheios e vazios
Figura 14 - Áreas ocupadas e vazios nas proximidades da comunidade Quebradas. Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
Nas ruas principais da região, percebese a grande ocupação do espaço, com poucos vazios, e ocupação máxima dos lotes. Segundo o Plano Diretor Civil Estadual (2003), a comunidade está situada em uma área de risco nível 3 por ser vulnerável a ocorrência de escorregamentos ou deslizamentos de terra. Assim, é possível observar que a ocupação das residências da comunidade constitui a “cidade informal”, presente em encostas e áreas non edificandi legalmente no município. Logo, percebe-se que em toda a extensão da ocupação os trechos em que não há construções são
exatamente aqueles com maior declividade, nas proximidades do mirante da praça Senador Rui Palmeira, onde é possível observar que as curvas de nível se estreitam e ficam mais próximas na extensão da área (Ver figura 15). Ainda neste aspecto, é possível destacar a forma de ocupação das moradias, que não seguem uma linearidade de assentamento, mas sim, constituem seus caminhos em diferentes níveis, entrecortando a topografia local. As próprias residências, ocupam mais de um nível do terreno, onde elas próprias se “quebram” para adaptar-se à topografia.
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Figura 15 - Ocupação comunidade Quebradas na encosta. Fonte: Google Earth, 2018.
Figuras 15 e 16 - Perfil topográfico da encosta ocupada pela comunidade Quebradas. Fonte: Google Earth (2018), adaptado pela autora, 2018.
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4.2.4 Suas perdas De acordo com relato dos moradores, no último inverno de 2017, houve o desmoronamento de quatro casas da região. As famílias atingidas foram relocadas para conjuntos residenciais no bairro do Benedito Bentes, aproximadamente 14km de distância da comunidade. Em conversas com os moradores do local, eles se mostram insatisfeitos com a remoção, uma vez que não gostariam de ser relocados para tão longe, visto todo o círculo de atividades concentradas na região, bem como seus familiares próximos, vizinhos e pessoas de confiança quem tem no local, e o lugar onde trabalham que geralmente é no Centro – várias linhas de ônibus que tem ligação direta para o bairro passam na rua principal de cima à comunidade – ou trabalham por meio da pesca nas
proximidades da Lagoa Mundaú. Foi possível também verificar que em épocas anteriores houve o desmoronamento de cerca de 8 casas nos últimos dez anos (Ver figura 18), porém não se tem dados das famílias ou para onde elas foram deslocadas. Ainda durante o período de chuva, eles realizam medidas paliativas para conter o desabamento das encostas, como a cimentação de trechos mais íngremes (Ver figura 19) como forma de prevenção, ou através de lonas jogadas (Ver figura 20) do nível mais alto para baixo com intuito de conter de forma temporária o deslizamento de terra. Essas medidas emergenciais são realizadas pelos próprios moradores, como forma de proteger suas casas e espaços de circulação e convívio.
Figura 17 - Edificações que desmoronaram nos últimos anos na comunidade. Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
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Figura 19 - Medidas paliativas, concretagem de parte da encosta com o intuito de conter os deslizamentos. Fonte: Acervo da autora, 2017.
Figura 18 - Uma das casas que nĂŁo suportou o desmoronamento das encostas. Fonte: MARQUES, 2017.
Figura 20 - Medidas paliativas, lona jogada nas encostas com o intuito de conter os deslizamentos. Fonte: MARQUES, 2017.
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4.2.5 Dinâmicas de apreensão do local Durante as idas à comunidade foram adotados métodos com o intuito de facilitar o entendimento dos vínculos que existem no espaço, bem como possibilitar a familiarização com as pessoas do local, construindo relações com os moradores de confiança e igualdade. As três abordagens escolhidas foram realizadas em escalas e com usuários de perfis distintos. A história oral direcionada e contada pelos adultos da comunidade, a segunda dinâmica sendo realizada com as crianças a partir de desenhos da forma como elas veem e representam o espaço. E por fim, a interação dos jovens com a maquete reduzida do local. 4.2.5.1 História oral Nas primeiras visitas à comunidade não foi permitida a entrada com equipamentos eletrônicos que pudessem registrar ou gravar o espaço ou mesmo as entrevistas realizadas com os moradores. Assim, os primeiros registros da área foram feitos por meio de anotações, alguns croquis esquemáticos de reconhecimento do espaço e a partir da memória sensorial da autora. Durante as entrevistas, buscou-se conversar com os moradores mais antigos a fim de entender as relações construídas com o espaço, a partir da história oral – principal fonte de informações – contada por eles. O diálogo foi conduzido de forma a não induzir a resposta dos
moradores, mas sim procurar entender a partir das histórias contadas o vínculo criado com o local. Logo, perguntas diretas e objetivas foram evitadas, dando margem a explanação de questões subjetivas que permearam durante o colóquio. A partir desses momentos, foram traçados: os fluxos, os medos, as medidas de sobrevivência, a caminhabilidade, as brincadeiras, a legitimidade, entre outros aspectos subjetivos interligados ao lugar. E assim, compreender melhor a área sob a ótica dos usuários. 4.2.5.2 Desenhos com as crianças Durante a visita do dia 14 de outubro de 2017, foi realizado um encontro na comunidade, com o intuito de promover atividades de investigação das dinâmicas cotidianas dos indivíduos cujo o público alvo foram as crianças e jovens do local. Por ser um sábado, a maioria dos moradores encontravam-se em suas residências observando e interagindo da porta de suas casas com a movimentação que ocorria. Num primeiro momento, foi solicitado às crianças que elas representassem através de desenhos ou palavras lembranças boas que construíram a partir de vivências na comunidade e/ou atividades que elas realizavam cotidianamente no espaço, buscando compreender a percepção individual e a sensibilidade infantil para com estes espaços de uso coletivo.
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Durante a atividade, cerca de quinze crianças participaram da dinâmica, e expuseram a partir de seus traços os afetos construídos com o local. Nos desenhos foi possível constatar que a principal atividade que eles realizam no espaço são as brincadeiras cotidianas e as relações de vizinhança que foram criadas. O divertimento das crianças retratados
envolve: jogar bola com os amigos, soltar pipa, brincar de boneca, carrinho, brincadeiras de correr, entre outros. E os principais espaços usados para essas atividades são as calçadas/vias em frente de suas casas, e o espaço livre aberto, que teve origem por causa do desabamento de uma casa, e hoje encontra-se sem nenhuma edificação.
Figuras 21, 22 e 23 - Crianças durante atividade desenvolvida na comunidade. Fonte: MARQUES, 2017.
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Figuras 24 e 25 - Desenhos desenvolvidos por Ingrid (6) e Nayara (7), respectivamente. Neles, elas ilustraram brincadeiras cotidianas com boneca, e durante o dia em frente de casa. Fonte: Acervo da autora, 2017.
Figuras 26 e 27 - Desenhos desenvolvidos por Nayara (7) e JoĂŁo Victor (13), respectivamente. Neles, eles ilustram brincadeiras ao ar livre como: correr, pega pega e futebol. Fonte: Acervo da autora, 2017.
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4.2.5.3 Maquete reduzida do local Com o propósito de compreender espacialmente as formas de ocupação e os percursos dos usuários na área de estudo, foi levado uma maquete reduzida do local para facilitar a interação dos moradores (Ver figuras 28 e 29). Nesta maquete, além da precisão na representação da topografia, buscou-se destacar as principais vias que contornam o assentamento, as moradias e acessos da rua Dr. Oswaldo Cruz e as casas (em preto) da comunidade. A atividade foi realizada com alguns jovens do local, e incialmente procurou-se expli-
car os principais elementos da maquete: suas casas, as duas principais ruas que contornam a comunidade, a Escola Estadual Miguel Guedes e seus acessos. A partir disso, os meninos começavam individualmente a narrar suas experiências mostrando na maquete e apontando também em escala real os principais percursos que faziam, quais caminhos eram evitados e o porquê, como e onde usavam o espaço. Assim, foi possível desenvolver representações gráficas de seus deslocamentos no espaço, como visto a seguir:
Figuras 28 e 29 - Crianças interagindo na dinâmica com a maquete. Fonte: MARQUES, 2017.
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Onde mora
Onde estuda
Onde pratica exercícios
Figura 30 - Representação gráfica dos percursos descritos pelo jovem Silvanio, João Victor e Jonathan morador da comunidade. Fonte: Acervo da autora, 2017.
Onde brinca
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Silvanio, 14 anos: Durante sua descrição, Silvanio destaca que embora more próximo da primeira entrada à comunidade (no sentido descendo a rua Dr. Oswaldo Cruz), evita passar por lá tanto por causa da proximidade com a Cruz quanto pelos degraus serem muito altos, dificultando sua descida/ subida, em especial quando está com a mãe ou com a avó. Para ele, os principais acessos são: a segunda entrada pela rua de cima, onde ele geralmente usa para ir ao Centro comunitário Elias Sales, que é o espaço onde ele geralmente pratica esportes na quadra e brinca com os amigos; e o acesso pela rua debaixo, a Faustino Silveira, que é usado por ele diariamente para ir à Escola de Ensino Fundamental Major Bonifácio Silveira. Silvanio também relatou que se diverte todos os dias pelas linhas (calçadas) da comunidade do “lado seguro”, e que prefere soltar pipa e brincar na área aberta (em amarelo no mapa), onde hoje existe apenas os resquícios de uma moradia que foi devastada em chuvas passadas.
João Victor, 13 anos: Já João Victor, ressaltou que se locomove principalmente pela região sul da área, a parte baixa. Como ele estuda na Escola de Ensino Fundamental Major Bonifácio Silveira, passa diariamente pela entrada de baixo na rua Faustino Silveira, e também usa esse acesso quando vai brincar e praticar esportes no Parque da Lagoa. Ele destacou que prefere se divertir pelas “linhas” (calçadas) dentro da comunidade, e que geralmente se reúne com os amigos para fazer brincadeiras na área aberta (destacada no mapa), a mesma mencionada por Silvanio.
Jonathan, 17 anos: Em seu relato, Jonathan descreve que mora nas proximidades da segunda entrada à comunidade e que considera este seu principal acesso. Cotidianamente, desloca-se para a Escola Estadual Miguel Guedes, onde cursa o ensino médio, e percorre a rua Dr. Oswaldo Cruz diariamente tanto para ir às aulas, quanto para fazer uso dos comércios e serviços vicinais disponibilizados nela (mercado, padaria, farmácias). Embora ocorra com menos frequência, durante os finais de semana, ele transita mais pela região sul, utilizando a entrada pela rua inferior Faustino Silveira para locomover-se em direção à quadra de esportes próxima a comunidade, no Parque da Lagoa.
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Assim, foi possível perceber, a partir das interações dos meninos com a maquete, que suas principais formas de usar o espaço são de lazer e passagem. As chamadas “linhas” são usadas nestas duas funções, embora apresentem deficiências de qualidade no espaço, sendo muito estreitas e com ausência de guarda-corpo. Outro espaço que merece destaque é a área aberta, comentada por Silvanio e João Victor, que por ter condições mais propícias a brincadeiras que exigem mais movimentação, é coti-
dianamente usada pelas crianças da região para realizar atividades de lazer. Por fim, foi pontuado também a relação que a Cruz exerce sobre espaço, criando uma outra dinâmica para a localidade, onde os próprios residentes sentem-se inseguros em percorrer certos trechos, evitando passar pelos seus acessos, como também o próprio espaço que se configura morfologicamente para repelir o usuário, com degraus de alturas variadas e bem acima do adequado.
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4.2.6 Seus fluxos Os principais acessos à comunidade se dão pela rua Dr. Oswaldo Cruz, no qual os moradores nomearam de primeira e segunda entradas. Esses dois acessos são os mais utilizados, porque segundo os moradores, a rua é mais movimentada e também as principais rotas adotadas por eles passam por ela. Como é possível observar nas figuras 33 e 34, as entradas são formadas entre os muros de casas da rua principal, constituindo as vielas de acesso. Ainda, existe uma entrada nas proximidades do mirante Senador Rui Palmeira, porém além de ser
evitada pelos moradores, não foi possível identificá-la em visitas à região. Como abordado nas dinâmicas de apreensão do lugar, os fluxos internos existentes são configurados predominantemente através das extensões das calçadas das moradias. Como observado no mapa a seguir (Ver figura 35) os principais deslocamentos dos moradores na área se dão por esses corredores com cerca de 1,5m a 2m de largura formados a partir do assentamento das casas de chão batido ou encimentado .
Figuras 31 e 32 - 1ª e 2ª entradas à comunidade, respectivamente, localizadas na rua Dr. Oswaldo Cruz. Fonte: Acervo da autora, 2017.
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Figura 33 - Principais acessos e fluxos internos da comunidade Quebradas. Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
Popularmente, eles chamam esses trechos de “linhas”, subdividindo em linha 1 (Ver figura 36) na parte mais alta e linha 2 (Ver figura 37) no nível inferior. A origem do nome é desconhecida, mas pela linearidade que esses caminhos se configuram espacialmente entre os altos e baixos do lugar, adaptando-se ao relevo acidentado, entende-se o porquê da nomenclatura. Ainda sob esta perspectiva, é possível destacar que dentro da dinâmica dos percursos realizados pelos moradores da área, eles evitam passar nas proximidades, sejam entradas ou linhas, da região denominada Cruz. Esse trecho fica na extensão mais inclinada da encosta, pró-
ximo ao mirante, e é nele onde ocorrem atividades ilícitas relacionados ao tráfico de drogas. Tendo em vista a ordenação do espaço, é notório como ele se configura de forma a interromper a linearidade dos fluxos, apresentando em sua forma uma “máscara de proteção” aos atos ilegais que nele ocorrem, como as escadas que são mais irregulares e altas ou a topografia mais acidentada que encobre as movimentações do comércio ilícito. Essa situação contribui negativamente no contexto geral da área, pois os próprios moradores se recusam ou não se sentem seguros em transitar por determinados espaços, criando novas barreiras no local.
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Figuras 34 e 35 - Caminhos usados diariamente pelos moradores, linha 1 e linha 2, respectivamente. Fonte: Acervo da autora, 2017.
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4.2.7 Sua caminhabilidade A acessibilidade do local é precária. As escadas existentes conectam as principais entradas das duas principais ruas da área, Dr. Oswaldo Cruz e Faustino Silveira. Estas são feitas em sua maioria de concreto (Ver figura 39), porém não seguem regulamentação quanto à altura dos espelhos (degraus), o que dificulta a locomoção dos moradores com algum problema físico ou em tempos de chuvas. Ainda existem escadas que foram criadas a partir do percurso natural dos moradores, estas são de chão batido (Ver figura 40), com pisos irregulares a acidentados. Embora apresentem maior dificuldade para serem percorridos, os moradores os
utilizam por serem percursos mais curtos para alguns lugares. Outro aspecto bastante relevante, é a escassez de proteção com guarda-corpo nas linhas, que em alguns trechos é inexistente. Embora a população se diga acostumada com este aspecto, sabe-se que a falta de proteção pode causar sério risco de acidentes no espaço, visto que são neles onde a maioria das crianças correm e brincam em seus momentos de lazer. Nestes espaços observa-se apenas a largura das linhas, e a encosta ao lado, com uma diferença de nível de mais de três metros de altura, sem nenhuma proteção ou contenção.
Figura 36 - Áreas que apresentam guarda-corpo e as principais escadas da comunidade Quebradas. Fonte: Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
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Figuras 37 e 38 - Escadas usados diariamente pelos moradores da comunidade Quebradas. Fonte: Acervo da autora, 2017.
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4.2.8 Suas formas de lazer Em meio as conversas com as crianças das Quebradas, foi possível observar que o principal espaço que elas utilizam para lazer e recreação são as “linhas” e os espaços intersticiais formados nos vazios da comunidade (Ver figura 43). Durante as brincadeiras, eles percorrem os corredores e os alargamentos destes dos caminhos, e muitos afirmam que preferem brincar em frente as suas casas, nas calçadas de sus portas. Uma área que chamou a atenção nos comentários, foi a de uma antiga casa que desabou anos atrás (a data precisa da catástro-
fe é desconhecida), onde hoje se encontra um espaço vazio aberto. Neste espaço, comumente as crianças brincam, e as pessoas da comunidade realizam intervenções por eles próprios no espaço. No último São João, eles ergueram por meio de taipas, lona e pregos, um palhoção improvisado para as crianças brincarem e curtirem as festividades juninas, e realizaram a limpeza da vegetação excedente no lugar (Ver figura 44). Embora não tenha havido mobilização de toda a comunidade para este momento, as crianças aproveitaram o espaço para realizar suas brincadeiras.
Figura 39 - Principais áreas de lazer da comunidade Quebradas. Fonte: Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
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Figura 40 - Crianças brincando nos interstícios urbanos na comunidade. Fonte: MARQUES, 2017.
Figura 41 - Área do palhoção construído por moradores no período das festividades juninas. Fonte: BARBOSA, 2017.
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4.2.9 Seus pequenos comércios Como visto no item 4.2.1, os diversos comércios e serviços dispostos na região conferem dinamicidade e maior interação para a área das Quebradas. Esses aspectos também se configuram em menor escala internamente na dinâmica da comunidade, onde é possível destacar alguns pontos de comércio internos, como a venda de: bebidas, lanches, flau, sorve-
te, picolé, entre outros alimentos. Estes espaços tornam-se pontos atrativos para área, uma vez que atraem fluxos e concentram pessoas. Estas casas são tidas como referências para o local, pois acabam por convergir determinados fluxos, originando outros pontos de passagem e parada para os moradores.
Figura 42 - Locais onde encontram-se pequenas vendas na comunidade Quebradas. Fonte: Fonte: PMM (2001), adaptado pela autora, 2017.
esbocar [1] Delineamento inicial de uma obra; [2] Modelação inicial ou primeiros traços; [3] Conjunto das ideias principais; [4] Ensaio.
Esbocar Tendo em vista a formação das favelas como uma realidade latente e consolidada em diversos centros urbanos do Brasil, objetiva-se nesse capítulo em tratar de estratégias de ação para a comunidade das Quebradas a fim de consolidar uma intervenção de provisão de infraestrutura para área, tendo em vista seus usos e apropriações existentes. Em um primeiro momento, viu-se a necessidade de estudar e se debruçar sobre projetos sociais realizados em favelas em diversas partes do mundo. Esse passo foi adotado a fim de entender e compreender as possibilidades que espaços em fragilidade social podem adotar visto que a tarefa de urbanizar favelas envolve criatividade e vontade de inovar. 5.1 Ideias inspiradoras Em um meio onde tantas condicionantes físicas são limitantes para ação projetual, é necessário se desprender de discursos que diminuem as possibilidades e formas que projetos realizados para comunidades vulneráveis socialmente podem alcançar. Projetar para favelas também é utilizar o que de melhor o espaço pode abarcar, usar da criatividade e ousadia
para pensar espaços os quais sejam reflexo de seus moradores. Para embasar as ações projetuais, foram escolhidos alguns exemplos de produções inspiradoras de modo impulsionar as ideias na fase de propostas para a comunidade das Quebradas. Nelas, é possível observar a importância do envolvimento da comunidade, bem como o investimento de organizações e do Poder Públicos nestes espaços. No estudo de repertório a seguir, buscouse compreender as condicionantes e oportunidades que contribuíram para a concepção e execução das intervenções. Desde exemplos mais próximos à realidade maceioense, como a Arena do Morro, em Natal; quanto a já consagrada referência da cidade de Medellín, na Colômbia, foram utilizados nesse estudo de caso. O intuito é realçar como é possível intervir nestas áreas de precariedade com qualidade de projeto, envolvendo os diversos agentes promotores do espaço. E que mesmo ainda sendo uma área em que os investimentos para promoção dos espaços públicos sejam ineficazes, medidas para o crescimento e provisão de infraestrutura são possíveis.
O ginásio poliesportivo faz parte de uma das etapas do plano urbano “Uma Visão Para Mãe Luiza” desenvolvido pelo escritório Herzog & de Meuron para a comunidade Mãe Luiza, desde 2009. O projeto foi construído em 2014, e é fruto de um processo de colaboração internacional com participação ativa da comunidade. Sua forma tem como objetivo tornar o espaço convidativo ao público para realizar atividades esportivas, culturais e de lazer.
Fonte: Disponível em: https://goo.gl/2ZRMZE, acessado em: abril de 2018..
Este projeto social foi liderado pelo escritório venezuelano PICO Estudio, teve como objetivo transformar áreas consideradas perigosas em “espaços de paz”. Realizado em 2014, o projeto foi executado simultaneamente em 5 comunidades do país durante 6 semanas, e buscou trabalhar em terrenos vazios e áreas de lixão não regulamentadas, a fim de criar espaços que promovessem novas formas de convívio e uma ressignificação da identidade local.
Fonte: Disponível em: https://goo.gl/cLjsyp, acessado em: abril de 2018..
Através de uma intervenção realizada pela prefeitura de Medelín, em 2011 foram instaladas escadas rolantes na favela Comuna 13 com o intuito de inclusão social. A ação diminuiu de 30 para 5 minutos o percurso diário de milhares de moradores da região a partir de uma escadaria rolante dividida em seis partes, relativo aos 350 degraus existentes. Além disso, as fachadas e muros da comunidade foram pintados com cores vivas e grafites artísticos.
Fonte: Disponível em: https://goo.gl/Vdjg4c, acessado em: abril de 2018..
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5.2 Estratégias de Ação Diante do exposto, foi possível compreender as diversas perspectivas e possibilidades já existentes em comunidades precárias, além de que com a ação efetiva de programas sociais e políticas públicas atuantes as melhorias e contribuições para um habitar digno seja realizado nestes espaços. Durante a imersão à comunidade foi possível perceber características específicas das formas de apropriação e sentido de pertencimento que os moradores construíram na área. Os medos, inseguranças, afetos e relações foram assinalados e traçados pela autora, permitindo melhor apreensão do espaço. Para tal, foi necessário pensar os espaços de forma indissociável do contexto da cidade dita formal, procurando relacioná-la com o todo, conferindo qualidade de vida e inclusão dos moradores da encosta. Assim, com a análise do espaço sendo constituída de perto e de dentro, por meio da escala do usuário, as principais problemáticas destacadas foram: os desabamentos e as medidas emergenciais adotadas durante os períodos de chuva, a precariedade nos caminhos, aces-
sos e escadas usados pelos moradores, e por fim as condições dos espaços coletivos usados para o lazer e divertimento das crianças/jovens do local. As estratégias pensadas para qualificar o espaço são medidas – que podem ser a longo, médio e curto prazo – visando formas que contribuam na experimentação do usuário com o lugar que habita, bem como o desenvolvimento das relações já existentes. Logo, buscou-se trabalhar a partir do ponto de vista: da Paisagem, com a recuperação dos espaços vegetados e contenção da encosta; da Transitabilidade, a partir do melhoramento dos caminhos e percursos realizados cotidianamente pelos moradores; e da Sociabilidade, que visa qualificar um espaço de uso coletivo já apropriado pelos moradores a partir de práticas desempenhadas no local. Assim, nos próximos tópicos evidenciam-se essas ações a partir de croquis esquemáticos das intervenções, buscando ilustrar e esboçar as ideias construídas in loco durante as visitas e com base no estudo detalhado do local.
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5.2.1 PAISAGEM: Medidas sustentáveis na recuperação de encostas e humanização das fachadas Nesta diretriz, visa-se a recuperação de áreas degradas, além da preservação e implantação de um maior número de áreas verdes, afim de tornar a área mais aprazível, conferindo qualidade ao espaço público e incentivando o uso por parte de pedestres. Busca-se também a contenção das encostas a partir do uso do sistema de rede biodegradável, com a implantação da vegetação vetiver (Chrysopogon zizanioides) que é adequada para este tipo de solo, com raiz profunda. A planta vetiver é uma gramínea com crescimento acelerado e sua raiz chega até 3m de profundidade, cuja a principal função é conter o processo erosivo em encostas, como também valorizar a paisagem natural.
Além dela, também serão adotadas gramíneas como a grama esmeralda (Zoysia Japônica) ou a grama batatais (Paspalum Nottatum), que também contribuem para conter a erosão e tem apelo estético. Assim, a partir desta medida, procura-se minimizar os danos provocados pelas chuvas, e reduzir as medidas emergenciais realizadas nos momentos de chuva. Outra medida adotada é a humanização das fachadas, como em Medellín, que tem como objetivo trabalhar a valorização do lugar e o sentimento de apropriação do espaço. Desta forma, pretende-se com esta ação relacionar a identidade do usuário com o lugar, fomentado a expressão dos moradores no meio que vive.
Figura 52 - Esquema gráfico das ações relacionadas à diretriz de Paisagem. Fonte: Google Earth, 2017. Adaptado pela autora.
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5.2.2 SOCIABILIDADE: Espaços de convívio, contemplação e passagem Tendo visto as relações pessoais existentes na comunidade das Quebradas, buscouse com essa estratégia o desenvolvimento da vida em sociedade a partir do desenvolvimento de práticas voltadas ao cultivo do convívio social e do crescimento em comunidade. Como destacado durante as visitas e interações com os moradores, além do espaço das linhas, a área aberta – onde foi implantado um palhoção pelos moradores – foi considerado um espaço com potencial para qualificação como área de lazer. Atualmente, diversas práticas de lazer já ocorrem nele, mesmo sem nenhuma estrutura para tal. Assim, busca-se através de um projeto voltado para a área habilitar seu uso e potencializar as atividades já desempenhadas. Neste espaço, procura-se implantar pequenos bancos para estimular a permanência no local, algumas atividades lúdicas, como: amarelinha, jogos de tabuleiro nas bases dos bancos, caminhos coloridos, entre outros; com o intuito de incentivar a partir dessas brincadeiras o desenvolvimento psicológico das crianças da comunidade. Relacionando à intervenção já realizada pelos próprios moradores, foi pensado a implantação de postes com fios de luz que se interligam de modo a criar espaços festivos e comemorativos aberto e permeável. Foi adotada essa
solução a fim de iluminar o lugar da praça de forma uniforme, além de conferir uma ambiência singela e simples para o espaço, onde o destaque possa ser das cores e usos realizados. A parede de escada foi pensada incialmente pela prática existente das crianças da comunidade em subir as escadas de chão batido, que são aquelas que possuem maior declividade, como se estivessem escalando-a. Neste sentido, a ideia foi adotada para esse trecho para fazer parte dessa área recreativa, bem como dinamizar a encosta, com a criação de platores entre uma linha e outra. Também, tanto na praça como ao longo dos trechos mais alargados das linhas foram distribuídos mobiliário (jardineiras, lixeiros e bicicletário) confeccionados de bambu, pois além de ser um material que possibilita a flexibilidade em seu uso, pode ser objetos em que a própria comunidade possa confeccionar, visto a abundância de matéria prima nas proximindades, bem como a presença de entidades como a Juvenópolis que trabalham com este material e poderiam realizar capacitações para seus moradores. No esquema a seguir, é possível visualizar algumas dessas ações especializadas e relacionadas ao espaço em questão.
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Figura 53 - Esquema gráfico das ações relacionadas à diretriz de Sociabilidade. Fonte: Google Earth, 2017. Adaptado pela autora.
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5.2.3 TRANSITABILIDADE: Qualificação dos percursos e caminhos visando a sustentabilidade Essa ação é baseada em proporcionar experiências dinâmicas ao usuário durante seus percursos diários, adquirindo um real aproveitamento da urbanidade e vivência do lugar. Inicialmente, pretende-se qualificar os espaços de passagem, modificando as linhas (caminhos) para locais também de convivência e permanência. Para tal, busca-se equipar o lugar visto seus usos já existentes, a partir da locação de bancos, lixeiras e pontos de bicicletário todos construídos em bambu pela própria comunidade, e distribuídos ao longo da extensão desses caminhos, além de da implantação de postes de luz para assegurar iluminação nos espaços de convívio público. Também para esses espaços foi projetado a implantação de piso permeável com in-
clinação de 1-2%, com escoamento direcionado a uma vala drenante, além da colocação de guarda-corpo por todo o perímetro das linhas, a fim de proteger os usuários contra acidentes ou eventuais ocorrências. Outra intervenção prevista nesta estratégia é a normalização das escadas de acordo com as regras de acessibilidade. Assim, buscase padronizar e aumentar os degraus a fim de garantir mais comodidade nos percursos realizados na comunidade. E, visto os condicionantes naturais, foi pensado na criação de tobogãs anexos às escadas, que auxiliariam no escoamento das águas pluviais durante a época de temporais como canal para a Lagoa, e nos dias sem chuvas serviria de escorrega para as crianças brincarem.
Figura 54 - Esquema gráfico das ações relacionadas à diretriz de Transitabilidade. Fonte: Google Earth, 2017. Adaptado pela autora.
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5.3 A proposta
Figura 55 - Vista geral da comunidade com aplicação das propostas para a área. Fonte: Concebido pela autora, modelado por Emerson Távora, 2018.
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Mapa síntese da espacialização das propostas para a àrea. Em verde, as áreas vegetadas para contenção das encostas; em branco, os percursos que foram requalificado com piso permeável, inclinado a 1-2% com a impantação de calhas coletoras da água pluvial; em amarelo, as escadas que foram regulamentadas com anexo do tobogã; e por fim, em vermelho, a área da pracinha com equipamentos de lazer e espaço para festividades local.
Fonte: Google Earth, adaptado pela autora, 2018.
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As duas principais escadarias foram regulamentadas pelas normas de acessibilidade, e por todo o perímetro dos caminhos da área foi implantado guarda-corpo para proteger seus usuários de possíveis acidentes. Também, foi adotado junto às escadas, um tobogã, com intuito de colaborar na drenagem das águas em direção à planície, bem como servir como escorrega para apropriação das crianças.
Figura 57 - Destaque para regularização da escada e implantação do tobogã. Fonte: Concebido pela autora, modelado por Emerson Távora, 2018.
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Para os percussos, foi pensado a pavimentação com piso permeável, com leve inclinação de 1-2% para que as águas pluviais possam ser manejadas para o tobogã, e de lá para as áreas da planície lagunar, a fim de dimunuir a incidência de desmoronamentos na área no período de chuva intensa. Também, nos trechos mais alargados, foram implantados mobiliário de bambu, cuja a ideia é sejam confeccionados pelos próprios moradores em conjunto à capacitações ministradas por entidades próximas.
Figura 58 - Proposta para as linhas e trechos mais alargados. Fonte: Concebido pela autora, modelado por Emerson Távora, 2018.
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Figura 59 - Área da pracinha, com destaque para o mobiliário e o espaço de festividades. Fonte: Concebido pela autora, modelado por Emerson Távora, 2018.
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Na antiga área do palhoção foi projetado uma nova praça para os moradores da comunidade. O partido adotado foi o do espaço fragmentário, que é aberto a diversas apropriações e que surge e se integra à natureza. Neste espaço, foi pensado na continuidade das linhas que ora são bancos, ora são encostos para apoio, ou sobem mais alto para virarem balanços. Procurou-se traçar divesos usos e possibilidades para habitar e dar sentido ao espaço. Além da qualificação de usos já existentes, com a área aberta destinada à apresentações e festividades, e a implantação da parede de escalada.
Figura 60 - Área da pracinha, com destaque para os equipamentos e a parede de escalada. Fonte: Concebido pela autora, modelado por Emerson Távora, 2018.
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Entender a favela como espaço fragmentário e de constante construção é um exercício árduo que demanda dedicação e sensibilidade. A necessidade de inclusão na cidade dita com formal é latente, não por mera formalidade, mas sim pela legalidade de direitos e dignidade de moradia. Embora na comunidade das Quebradas ainda não exista uma liderança ativa atuante, seus moradores constroem e modificam diariamente o espaço. E é possível em conjunto de programas como “Vida nova nas grotas” e ações lideradas por representantes do Instituto Elos trabalhar em espaços como este, conferindo-lhes visibilidade e protagonismo nesta mudança.
Figura 61 - Vista geral da área da pracinha. Fonte: Concebido pela autora, modelado por Emerson Távora, 2018.
reticencias [1] Continuidade; [2] Sentença não finalizada; [3] Ensaio que deixou algo por vir.
Reticencias Aqui volto à primeira pessoa, e partilho um pouco dos afetos e sensações que tive ao longo do árduo caminho que percorri durante esses últimos meses para construir este trabalho. Deixo um pouco de lado a autora que durante os escritos se propôs a analisar e esboçar ideias para o espaço, e me coloco como pessoa que se envolveu a cada conversa cotidiana dividida com os moradores e partilhou sentimentos e anseios pelo lugar. Cada experiência nos transforma de uma forma diferente, e imergir nas Quebradas não foi diferente. Lá pude construir uma nova percepção sobre o como o arquiteto urbanista apreende e trabalha no espaço. É necessário se envolver, calar um pouco minha voz tão regrada de conceitos e diretrizes já pré-estabelecidas durante os estudos, e ouvir o que o outro tem a dizer: sua história, suas experiências e seus anseios. Embora o espaço possa ser caracterizado como objeto palpável e facilmente caracterizado a partir de critérios técnicos-objetivos, com o afeto é diferente. Ele é percebido no olhar, na entonação e intensidade da voz; carrega em si um contraditório emaranhado de sensações: sorrisos, medos, invisibilidade, opressão... luta. E foi nessa realidade que me propus a debruçar
meus sentidos e conhecimentos para contribuir na qualidade de vida de seus moradores. E nesse sentido, ao adentrar em sua realidade pude receber muito mais dar. Aprendizados de vida e gratidão a cada fala exposta, e de como a felicidade é algo tão simples de ser alcançado do que esse complexo cheio de variáveis que traçamos em nossas vidas contemporâneas aceleradas. Inclusive, aprendi a pausar, contemplar a natureza e a forma coletiva de viver e construir o espaço em conjunto, espaço este que está sempre em movimento e em formação. Nomeei este capítulo final de reticências pois elas representam bem a sensação em que o finalizo. O desejo por continuidade é vibrante, tanto para mim quanto para as Quebradas. Eles possuem um espaço vivo e rico de possibilidades, identificação e apego ao lugar que construíram. É necessário envolvê-los e elucidar que eles são os protagonistas do espaço, sempre foram... e que a invisibilidade quantos aos direitos e escassez de investimentos públicos deve acabar. É preciso ter voz, representatividade. Enfim, se por um lado fico feliz com a forma que consegui enxergar e com as contribuições de melhorias do espaço que pude pensar e desenvolver para as Quebradas, por outro,
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vejo que suas necessidades são latentes, e que as propostas esboçadas não podem ficar apenas em um papel ou projetadas numa parede. Numa comunidade em que a fragilidade social é gritante, e que a cada chuva que se aproxima o coração bate mais apertado, é necessário mobilizar as pessoas e o Poder Público para agir diretamente nessas áreas. Admito que um trabalho acadêmico não
consegue por si só resolver todos esses problemas citados ao longo de tantos mapas e palavras expostas, mas acredito que ele é um despertar para o muito do que se tem a fazer. Na verdade, ele pode servir de ensaio para anseios pessoais futuros. E que, embora sua entrega simbolize uma etapa socialmente estabelecida na graduação, o desafio de trabalhar com arquitetura popular é instigante e recompensador.
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