Fichamento descartes

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Resumo e comentário: Meditações Metafísicas I e II – René Descartes. A proposição da primeira meditação metafísica de René Descartes é demonstrar razões pelas quais pode-se duvidar de todas as coisas, inclusive e principalmente, as materiais. O objetivo é defendido pela ideia de que a dúvida liberta “dos prejuízos”, prepara um caminho fácil para o espírito desligar-se dos sentidos – que é absolutamente necessário para o resultado que Descartes pretende buscar no total das seis meditações metafísicas: provar a existência indubitável de Deus – e, enfim, a dúvida torna impossível a existência de qualquer dúvida sobre o que depois se descobre verdadeiro. Assim, inicia a meditação defendendo que ele mesmo, Descartes, havia percebido que recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e que fundou seus princípios de maneira mal assegurada, que fazia suas conclusões duvidosas e incertas. Viu, então, ser necessário desfazer-se dessas opiniões a que dava crédito, e começar tudo de novo desde os fundamentos, para estabelecer firmeza em sua ciência. No entanto, aguardou a chegada de uma idade madura o suficiente que não pudesse mais adiá-la. Chegada a idade, passa a derrubar as falsas ideias, mas não pretende provar errada uma a uma. Quer derrubá-las todas a partir de uma e vai direto na ideia que apoiava todas as outras.Descartes percebe que tudo que aprendeu até momento em que fala foi pelos sentidos, ou a partir deles. E como havia experimentado algumas vezes que os sentidos o enganavam, seria prudente não se fiar inteiramente em já o enganara uma vez. Atinge assim o primeiro grau da dúvida sem chegar, no entanto, a ser suficiente para nos fazer duvidar de nossa percepção sensível. Descartes nota isso por si mesmo, dizendo que apesar de conhecermos tudo a partir dos sentidos, e eles não serem confiáveis, tem coisas que seria loucura serem questionadas: “E como poderia eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus?”. Introduz então o segundo grau da dúvida¸ o argumento do sonho. Defende que em sonho, muitas vezes experimenta-se coisas que são totalmente inverossímeis, mas ali dentro do sonho não se questiona. Dentro do sonho estava em um lugar, de certo modo, com certas roupas, mas na realidade estava dormindo em sua cama sem roupas, e nada disso parecia questionar o sonho. O sonho era sentido como absolutamente real, e no sonho tinha a experiência dos sentidos para comprovar-lhe algo que era falso. E comprovava como real e não havia nenhum indício de que houvesse sendo enganado: tanto que temia agora estar dormindo. No entanto, mesmo no sonho, mesmo que tudo seja enganador, para existir é necessário que se baseie em algo real e verdadeiro, como a exemplo dos pintores que mesmo que queiram criar algo inteiramente novo e imaginário, como sereias, sétios, não podem atribuir formas novas, mas misturar os verdadeiros, para que sejam compreendidos. Aí, contudo, cabe uma crítica: será assim necessário de fato que se usem elementos verdadeiros¸ ou apenas conhecidos e atribuídos a algum significado, mesmo que por uma falsa experiência? Descartes se mantém na ideia do verdadeiro, e atribui um gênero de coisas simples e universais, que seriam estas verdades, onde se encontra a natureza corpórea e sua extensão, e outras caracteristicas. E apartir disso, conclui que existem ciências incertas e precisas, sendo a incertas as que dependem da consideração de coisas muito duvidosas, como a Astronomia e a Medicina, enquanto as precisas as que tratam de coisas muito simples e muito gerais, sem precisarem se elas existem na natureza ou não, como a Aritmética e a Geometria. Assim, mesmo no sonho, a Geometria nos prova de que um quadrado sempre terá quatro lados. Nesse momento, Descartes introduz a ideia pertubadora de um “Deus enganador”. Diz ter a ideia de um Deus onipotente que o criou. E não tem garantias então de que esse Deus tenha o criado e não criado mais nada, a não ser a percepção dele de todas as coisas, mesmo que estas não existissem em tempo algum. E aonipotência desse Deus lhe permitiria fazer com que ele se enganasse até mesmo da Aritmética e Geometria, e que nada pudesse ser certo, e tudo fossem somente suas falsas experiências. E na discussão quanto ao carácter dessa enganação, se isso faria de Deus um ser maligno, e Deus é bom: se enganar é algo ruim, e Deus não


pudesse permitir que Descartes se enganasse em tudo, tampouco poderia lhe permitir se enganar em alguma coisa¸ o que ele já provou ser inevitável. Logo se enganaria em tudo ou em nada. E como se engana em algo, a única coisa que protegeria Deus dessa maldade seria a ideia de enganar não ser algo ruim. Descartes passa então a considerar outras possibilidades em sua criação: que não fosse um Deus perfeito. Que tivesse sido criado a partir de uma série de acontecimentos imperfeitos e aleatórios. A partir disso então, sendo a falha e o engano uma espécia de imperfeição, quanto menos poderoso fosse seu criador, maior será a probabilidade de enganar-se sempre. Com esse pensamento, Descartes universaliza a duvida inicial, de todas as ideias que tinha serem falsas, pois agora tudo é duvidável e é preciso que seja para que se possa buscar o indubitável na ciência. Ele substitui a ideia de um Deus engandor pela ideia do Gênio Maligno, que engana-o em tudo da mesma forma. A função é somente a de perpetuar a derrubadade suas falsas ideias anteriores a todo esse pensamento. Assim, esse Gênio o engana de tudo – ele nao tem sequer um corpo real, nada é real. Para que não possa ser enganado, Descartes tem então que não confiar em nada e duvidar de tudo. Já na segunda meditação metafísica, Descartes tem outros objetivos: depois de provar dúvidas tão profundas, precisa derrubar as verdades ainda não completamente confiáveis até chegar a algo de fato verdadeiro ou aprender completamente que não há nada verdadeiro. Busca então algo que seja verdadeiro. Supõe que todas as coisas que vê são falsas, mas não pode ter a certeza de Deus, porque pode ser que não seja Deus que o engane, e sim outra coisa, e talvez até ele mesmo. A única coisa que era de fato impossível era que ele, enganado, não existisse. Poderia até duvidar ser sujeito concreto, não ter certeza de seu corpo, mas não poderia duvidar que ele existia, pois se duvidava, se pensava, existia. Assim, pensar era o único ato que lhe garantia a existência, pois todo o resto era da ordem do corpo, e era duvidável. Admite então que existe, que é. Mas não sabe que coisa é, além de ser uma coisa que pena. E não pode tampouco imaginar, pois a imaginação é a contemplação da figura ou da imagem de uma coisa corporal. A única coisa a mais que se pode afirmar é que, sendo uma coisa que pensa, éuma coisa que duvida, que afirma, que nega, que tem vontade, e que também imagina, porque mesmo que a imaginação lhe dê resultados falsos, o ato de imaginar existe (mesmo que não se possa apoiar sobre ele). E também sinto, pelo mesmo princípio, ainda que não possa confiar no que sinto. Descartes introduz então a ideia da cera. Toma um pedaço de cera recém saído da colméia e descreve suas características, ainda carrega algumas de como foi produzido, seus aspectos físicos e tudo que o apóia em reconhecer que aquilo é um pedaço de cera. Ao pô-lo no fogo, no entanto, todas essas características se perdem, se transformam. E estando completamente diferente do que antes estivera, e não portando nenhuma das características que portava quando a reconhecemos, mesmo assim não podemos negar que continua a ser a mesma cera. Tudo que era pertinente aos seus sentidos mudou-se, mas a mesma cera permanece. A cera pode ser um corpo, e não suas características percebidas, mas somente um corpo que era e agora é de outra forma. E se retirar tudo que é da cera, todas as formas, gostos, tudo que nos faz sentir que é cera, permaneceria somente algo extenso, flexível e mutável. No entanto, é impossível percorrer toda a infinidade de modificações possíveis à cera, mas a concepção da ideia da cera não depende da capacidade de dominar tais modificações. Tudo pertinente a cera é visto e apresentado difusamente através da visão, mas só se pode compreender e assimilar pelo ato de pensar, de julgar, que é pertinente a existência do Eu. Isso acaba por admitir ainda mais claramente e indubitavelmente o fato de que Descartes existe, e existe porque pensa – uso o nome pelas ideias terem sido desenvolvidas por ele e em


primeira pessoa, mas a ideia da existência pelo pensamento é tomada como verdade a todo humano. Isso porque, se é possível pensar que a cera pode ser mesmo sem poder vê-la, ou que ela é de outra forma que não a que se pensa, é impossível pensar que não se existe, o Eu, pois que se pensa ver a cera. Por fim, concebemos todos os corpos porque pensamos, e porque pensamos, existimos. Logo não há nada mais simples, fácil, não há verdade mais verdadeira de que se existe (o humano). -A desconstrução das ideias criada por Descartes é perturbadora, enudece os pensamentos, e se constrói por premissas muito difíceis. Mas, no entanto, a sua facilidade em levantar ideias e derrubar suas bases, como na construção do Deus engandor, em que há um Deus que engana, e que pode não ser um Deus, se este não for o criador, mas algo mais imperfeito, é difícil de se assimilar. Pois, sendo outro criador, uma sucessão de acontecimentos aleatórios e imperfeitos, estes não deveriam ser também onipotentes para poder criar tudo o que é, ou não criar e criar a percepção de que as coisas são? Como enganar a criatura, se o criador não é Deus, mas um acaso, que não tem poder sobre as coisas? Isso gera dúvida sobre todo o desenvolvimento do texto. Contudo, ao mesmo tempo, o que não pode tudo, não poderia também criar a criatura, o que faz cair outra vez no argumento de Descartes. É a ideia de pensar e existir que mais permanece e convence durante todo o texto, pois embora duvide-se de seu argumento, a dúvida da existência do corpo e todas as outras coisas percebidas foi tão bem estrategicamente plantada que consegue apoiar toda a argumentação da busca de uma verdade. A verdade, pois, da própria existência é ainda mais reconfortante, pois não há dúvida, desde o início, da impossibilidade de admitir que não se existe, e o argumento de que se existe pelo engano fortalece mais ainda a ideia do pensamento. É possível que muitas coisas existam, então, pela a ideia de existirmos e pensarmos. Assim, para concluir, a ideia da cera completa ainda mais e fecha nossa percepção real das coisas com a ideia construída por Descartes, pois percebemos o mundo todo a nossa volta, e pode ser que ele exista – é admitível – como pode ser que não exista. A única coisa que não pode ser, concluímos, é que não existamos.

PRIMEIRA MEDITAÇÃO Descartes expressa sua insatisfação com o conhecimento adquirido nas instituições de ensino da época (autoridade da bíblia ou do aristotelismo), expõe seu objetivo de alcançar algo de certo nas ciências e, com isso, fundamentar a totalidade do saber humano; e propõe realizar essa cruzada desfazendo-se de suas antigas opiniões para que recomece tudo desde os fundamentos. Daí, ele apresenta sua dúvida como sistemática e hiperbólica, assim: (A) o que é provável será tomado como duvidoso e (B) o que é duvidoso será tomado como falso. Direciona-se, então, aos fundamentos e princípios de suas antigas opiniões, pois expor as dúvidas individualmente seria um processo infinito. Embora Descartes admita que tudo que aprendeu adveio dos sentidos, ele julga prudente não confiar neles, pois eles podem nos enganar (por exemplo: caso do caniço na água), já que já o fizeram alguma vez. Mostra que a loucura poderia servir de argumento para questionarmos situações sensíveis normalmente não duvidosas (como eu estar olhando para várias pessoas


agora), mas que pensa ser melhor apresentar um outro argumento a seguir, a saber, que como podemos ter sonhos tão “normais” quanto o cotidiano e tão “absurdos” quanto um dia de um louco, nos é impossível distinguir o sonho da vigília. E, como nos é impossível distinguir o sonho da vigília, o que está se passando agora pode ser ilusão (pois quando estamos dormindo tudo que nos representamos é ilusão); contudo, também quando sonhamos tomamos aspectos da realidade, e só eles, para as nossas representações. Então, se tudo for ilusão, vêm de algo verdadeiro -- o que o diferencia do cético. Descartes argumenta contra sua própria dúvida, mostrando coisas indubitáveis na natureza corpórea, tanto no sonho, quanto na vigília, a saber, (Y): a figura, a quantidade, a extensão, o espaço, o tempo (objetos da matemática) e outras coisas simples semelhantes. Ciências que tratam de coisas simples, ou seja, (Y), como a Aritmética e a Geometria têm algo de indubitável, pois que em sonho ou acordado elas não se modificam ("2+2=4" é sempre verdadeiro, seja sonhando ou acordado). Mas duvida disso também, dado que poderia haver um Deus que poderia fazê-lo perceber tudo como percebe, embora nada houvesse da forma que se apresenta. Postula também a possibilidade de Deus o enganar no que julga saber com certeza, desacreditando até as matemáticas.[Argumento do Deus Enganador] Para quem não acredita em Deus, Descartes o supõe como uma fábula ou outro, mas afirmando que quanto menos poderoso for o autor de sua origem, mais será provável que Descartes se engane sempre. Decide, então, suspender seus juízos sobre o que houvera no passado tomado como verdadeiro (suas opiniões), pois não há nada de que ele não possa duvidar atualmente. Embora suas antigas opiniões sejam prováveis, elas são duvidosas; e, enquanto tais, prefere vê-las como falsas para que não influenciem no seu reto caminho do conhecimento da verdade, colocando, assim Deus, uma antiga opinião, como também duvidosa. Faz, Descartes, uma ficção em sua teoria, supondo a não-existência de Deus e a existência de um Gênio Maligno todo poderoso, que o enganaria em todas as coisas externas, nas matemáticas e no seu corpo; entretanto este Gênio não pode impor nada à sua crença. Sendo assim, suspende seus juízos para escapar às possíveis ilusões. Descartes, então, expressa seu temor frente à sua dúvida (a dúvida metódica), pois que se não solucionada pode nos trazer mais obscurantismo que clareza, nos levando ao mais profundo ceticismo.

SEGUNDA MEDITAÇÃO Descartes afirma que continuará com seu mesmo método, até que encontre algo de certo ou até que tenha aprendido que não há nada de certo. Diz que tem direito de ter esperança de encontrar algo de certo e indubitável para poder fundamentar um novo paradigma de mundo. Então, se pergunta se após a dúvida descobrirá que de verdadeiro só há que “não exista mais nada certo”. Procurando algo de certo, Descartes se questiona se pode invocar a certeza de Deus ou a existência de si como indivíduo concreto, mas nada o exige. Todavia, eis que o Gênio Maligno o engana, por isso não há dúvida de que ele (Descartes) é, pois somente enquanto pensa ser alguma coisa e apenas mediante isso que pode ser enganado; “logo eu sou, eu existo” é sempre verdadeira quando enunciada ou pensada. Se questiona, então, pela natureza desse eu (a res cogitans), dizendo que examinará apenas o


que é dado, para que não se equivoque no conhecimento das coisas que afirma serem claras e evidentes. Começa, então, o exame, partindo de suas considerações do corpo humano como máquina biológica e da alma como um ar tênue disseminado no corpo. Descreve a natureza corpórea como tendo extensão, podendo ser captada pelos sentidos, não tendo o poder de mover-se a si mesma, nem de sentir, nem de pensar, já que essas são faculdades de apenas alguns corpos. Afirma que a res cogitans não possui natureza corpórea, por força do Argumento do Gênio Maligno. Explicita alguns atributos da alma dependentes do externo ao do corpo, chegando finalmente ao pensar, que é o único que não pode ser separado dela. Atentando para as coisas que lhes são conhecidas, procura a natureza da res cogitans; advertindo para o caminho pela ou na imaginação, pois que essa última apenas se forma em detrimento de algo externo que, pos sua vez, fora excluído pela dúvida. Ele destrincha a res cogitans em seus modos, a saber, (Z): duvidar, conceber, afirmar, negar, querer, imaginar e sentir. Cada modo de (Z) remete ao ator que os faz ou sofre; e, por mais que seja ilusório o que imaginamos ou sentimos, as respectivas faculdades realmente fazem parte da res cogitans, pois que implicam em pensamento puro. Descartes retoma o pensamento do senso comum, segundo o qual a res extensa é mais claramente conhecida que a res cogitans. Começa tomando uma cera, apontando-a como exemplo de res extensa com dadas características específicas. Ao aproximá-la do fogo, a cera se modifica em todas as suas apreensões sensíveis, mas mesmo assim a identificamos. Não fazemos isso pela aparência do corpo ou pela nossa capacidade de imaginar (que nos dá finitas quantidades de aparências), e sim pela extensão, pois que a cera pode assumir infinitas formas além de nossa imaginação. Como na imaginação não conseguimos as variedades de acordo com a extensão (infinito atual) que uma cera pode assumir, é pelo entendimento que a capturamos dessa forma, donde pode ser confusa como no caso da cera ou clara e distinta como no caso do estudo da res cogitans. Generaliza o conhecimento das coisas no entendimento e não na apreensão sensível, dando o exemplo dos chapéus que observa de sua janela e julga serem pessoas. Depois de verificar que não é com a imaginação ou com os sentidos que se conhece, mas com o entendimento; liga o que não é do entendimento aos animais e o que o é liga ao espírito humano. Afirma que se julga que a cera existe pelo fato de ser observada por ele próprio, eis que ele também existe por observar a cera; que, nela mesma, poderia nem existir, porque enquanto pensasse ver, tocar, sentir ou imaginar, pelo menos ele existiria. É certo apenas que penso percebê-la. E o que foi dito da cera vale para toda res extensa. Diz que há tanto para se conhecer da res cogitans, advindo dela própria, que quase não seria necessário citar a res extensa, pois o espírito é mais fácil de se conhecer que o corpo, pois que se dá imediatamente: de toda res extensa de existência problemática, temos apenas idéias claras e distintas. Termina a segunda meditação reafirmando dois pontos importantes que aprendera até aqui, que serão analisados, por ele, com mais atenção na próxima meditação: Somente concebemos os corpos pelo entendimento, não pela imaginação ou pelos sentidos; e conhecemo-los por concebê-los pelo pensamento e não pelo fato de apreendê-los pelos sentidos ou pela imaginação.

TERCEIRA MEDITAÇÃO


Reafirma, Descartes, que é uma coisa que pensa, ou seja, uma coisa que (Z); onde aquilo que sente ou imagina se encontra nela na medida em que é um modo de pensar. Diz estar certo que é uma coisa pensante, pois que concebeu isso de modo claro e distinto e, portanto, verdadeiro. Enquanto tomava o que vinha por intermédio dos sentidos como duvidoso, tomava como claras e distintas suas idéias das coisas. Estas últimas estavam presentes no eu. Diz anteriormente ter pensado que havia coisas externas, semelhantes às idéias e de onde elas provinham. Contudo esse pensamento não tem fundamento. Mostra que duvida de (Y) na medida em que supõe o Deus Enganador, mas quando se volta para o que pensa conhecer claramente, se persuade a pensar que não é possível que seja enganado em (Y), pois que não conseguiria conceber de outra forma. Resolve examinar, então: (i) se há Deus e (ii) se ele é enganador; pois que dessas respostas dependem nossas certezas futuras. Divide, assim, seu pensamento em gêneros, para verificar se neles há verdade ou falsidade. A idéia é a representação ou a imagem das coisas. No sujeito ela é uma vontade, afecção ou juízo (V/AF/J), pois este, pela ação do espírito, acrescenta algo à idéia que tem da coisa (Ex.: Eu quero... Eu afirmo... Eu temo... etc.). As idéias em si mesmas e sem relações não podem ser consideradas falsas, pois que, dessa forma analisadas, não são mais verdadeiras umas que as outras; quaisquer que sejam elas. Nas afecções e vontades também não há falsidade; pois quando se quer, é verdade que se quer. Afirma, no entanto, que, no juízo, o principal erro é julgar que as coisas externas são similares às internas. Caso as idéias fossem apenas pensamentos sem relações com a res extensa, nunca imputaríamos em erro. De onde vêm as idéias, segundo o senso comum? (a): De si próprio (faculdade de conceber pensamentos); (b): de coisas externas (ruído, calor etc.); (c): de ficções do espírito (quimeras). Descartes afirma que não sabe, até aqui, de onde desses três vêm as idéias; mas sobre as que parecem vir de (b), se pergunta “porque deve acreditar que são semelhantes às suas causas externas, as idéias?” A resposta do senso comum ensaiada por Descartes é (α): Essa semelhança parece ter sido ensinada pela natureza. (β): Essas idéias não dependem da vontade de quem as sente e são, portanto, diferentes de quem a sente. O senso comum pensa, então, que a coisa externa sempre imprime à idéia sua semelhança. A crítica de Descartes a (α) é Cα1: Dizer que (α) é dizer que se está fundamentando algo em uma inclinação, não na luz natural, que é a única faculdade para reconhecermos algo como verdadeiro ou falso. Cα2: Como as inclinações não costumam levar mais ao bem que ao mal (ou vice-versa), elas também se desclassificam na possibilidade de distinguir o verdadeiro e o falso. E crítica de Descartes a (β) é Cβ1: Não depender da própria vontade não é um bom argumento, pois que as inclinações não o dependem; podendo até haver uma faculdade que mo represente sem auxílio externo. Cβ2: Se realmente viessem do externo, não implicaria que essas idéias se lhes fossem semelhantes. (“L ser causa de M” não autoriza “M assemelha-se a L”)


Conclui, dizendo que, até agora havia acreditado nas coisas externas apenas por um ímpeto sem fundamento. Há alguma idéia em mim que tem valor objetivo? - se pergunta Descartes Se tomadas como formas de pensar, todas, igualmente, provêm da res cogitans. Se tomadas como imagens representativas, são diferentes entre si. As idéias que representam substâncias são mais perfeitas do que as que representam modos ou acidentes, sendo das primeiras, deus, a maior. Atributos de deus: Qualidades [DEUS]: infinitude, imutabilidade, eternidade, onisciência, onipotência e a criação de tudo que está fora de Deus. Fazendo uso do princípio de causalidade, afirma que na causa eficiente (causa que cria) deve haver tanta realidade quanto no efeito (o que foi criado). Disso decorrem dois efeitos: (E1): O nada não produz coisa alguma; (E2): O mais perfeito não decorre nem depende do menos perfeito. É válido (E2), então, para as realidades atuais ou formais e objetivas, pois que para algo existir, deve ter origem em algo que o contenha formalmente ou eminentemente. Assim, a causa deve ter tanta realidade formal quanto à idéia o tem de realidade objetiva, sendo a realidade das idéias objetiva, e a realidade das causas formal. Mesmo que idéias advenham de idéias, chegar-se-á a uma primeira, cuja causa é como um padrão, “na qual toda a realidade ou perfeição esteja contida formalmente ou em efeito” 1, donde as idéias podem facilmente não conservar essa perfeição. Conclui dessa forma que, se percebe que tem idéias que não estão nele nem formalmente nem iminentemente, logo existe algo que não é ele e que é causa dessas idéias, o que será agora examinado. Exclui as realidades “animadas” (como homem, anima, anjo etc.), pois que podem advir das idéias que tenho das coisas corporais e de Deus. As coisas corporais podem vir dele mesmo, porque apenas (Y) é concebido clara e distintamente nelas. Exclui também as idéias das qualidades sensíveis corpóreas (como o frio) que possuem falsidade material, ou seja, que podem representar coisas que não existem e das quais somos carentes. Como essa falsa representação se aproxima do não-ser, é possível que Descartes como ser imperfeito, seja seu autor. Quanto às idéias claras e distintas que temos das coisas corporais, Descarte fala que substância, duração, número e semelhantes, ou seja, (W1), são modos “como consideramos cada coisa enquanto ela continua sendo” 2 e, assim, podem também advir de si mesmo, a dizer, da própria res cogitans. Como (W2), a dizer, a extensão, a figura, a situação e o movimento de lugar, são apenas modos da substancia e ele próprio, como res cogitans, é uma substancia, é possível que (W2) esteja eminentemente nele. As Qualidades [DEUS] são eminentes demais para se originarem no próprio eu (a res cogitans), pois que o máximo de realidade objetiva que tem a idéia de Deus implica, no mínimo, o máximo de realidade formal para a causa dessa idéia. Portanto Deus existe, pois só seria possível ter a idéia de uma substância infinita se alguma substância infinita a tivesse causado. A existência de Deus acaba com a hipótese do Grande Enganador, nos levando à existência de um Deus que nos garanta a verdade das idéias claras e distintas da res cogitans. [PRIMEIRA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS: (D1)]


A noção de infinito é anterior a de finito, assim, a noção de Deus é anterior à noção da própria natureza, pois só podemos conhecer o que nos carece mediante a idéia de um ser mais perfeito, do qual podemos extrair um padrão comparativo. [SEGUNDA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS: (D2)] A idéia de Deus não é “materialmente falsa”, pois que é uma idéia clara, distinta e de maior realidade objetiva possível. A idéia de Deus é verdadeira porque não se pode fingir que ela não nos representa algo real. Tudo que Descartes concebe clara, distintamente e com alguma perfeição, está contido na idéia de Deus. Basta, então, que se concebam em Deus todas essas coisas e ainda outras ignoradas, de modo formal ou eminente. Nesse ponto, um adversário diria: o poder de adquirir tais perfeições me imprimiu tais idéias. E a resposta de Descartes é que essas potenciais perfeições não se aproximam da idéia de Deus perfeito, atual e efetivo. O ser objetivo de uma idéia não pode ser produzido por um ser que existe somente em potência, mas apenas por um ser formal e atual. O homem não pode ser perfeito como Deus, pois que sempre pode aumentar seu conhecimento; o que, para Deus, é impossível. De onde, Descartes questiona, ele tiraria sua existência, se não houvesse Deus? E responde: (Γ): De si mesmo; (Δ): Dos pais ou de outras coisas menos perfeitas. Se tivesse tirado sua existência de (Γ), não duvidaria, nem desejaria, nem lhe faltaria perfeição alguma; e, assim, seria Deus. Se tivesse tirado sua existência de (Γ), não teria se privado de coisas de fácil aquisição (como alguns conhecimentos que não possui) nem das de difícil aquisição (como as Qualidades [DEUS]). Dessa forma, havendo uma qualidade não possuída por Descartes, surgiria de novo a idéia de Deus. Admitindo-se a existência do eu sem nenhuma causa, ainda deveria existir Deus para que conserve esse eu, já que ele ter existido em algum momento não implica que deva existir atualmente. Ele procura em si mesmo o poder de criar ou de conservar (já que é o mesmo) a si mesmo no futuro, de produzir a si próprio. Contudo, não o sente em si mesmo; donde deriva que ele depende de outro ser. Se, então, depende de um ser externo, Descartes se pergunta se não seria de (Δ). Responde negativamente, pois que a causa de sua natureza deve também ser coisa pensante e ter em si todas as Qualidades [DEUS] atribuídas por Descartes próprio. Se essa causa tem origem de si mesma, ela é Deus e deve possuir em ato todas as perfeições cujas idéias se lhe concebe. Caso tire sua existência de outra causa diferente de si, perguntar-se-á por outras causas até que se chegue a Deus, pois terá que haver alguém que conserve e mantenha o eu, a coisa pensante. Não é possível que as idéias de perfeição não venham todas de Deus, mas venham de outras causas, pois a inseparabilidade das coisas existentes em Deus é uma de suas maiores perfeições. Se pensarmos na hipótese (Δ), diz Descartes, segue-se que, se eles, os pais, foram responsáveis pelo nascimento de seu filho, isso não implica que eles o conservem atualmente ou que o tenham produzido como res cogitans. Portanto, como o eu existe, e nele a idéia de um Deus perfeito; a existência de Deus fica demonstrada. Não é pelos sentidos. Não é ficção, pois que se não pode acrescentar ou diminuir nada. Então a idéia de Deus é inata. Deus, ao criar esse eu de que falamos, colocou-lhe uma marca, donde é bem provável que conceba, a res cogitans, a semelhança entre ela e Deus, por meio da faculdade usada pela res cogitans para se conceber a si mesma. Deus é o único


padrão de perfeição (pois as possui todas e não tem nenhuma carência que determine imperfeição) que a coisa pensante, incompleta, almeja alcançar. Logo, Deus não pode ser enganador, porque esse comportamento baseia-se na carência.

Afirma Descartes, que se deterá mais um pouco na contemplação do Deus perfeito e seus atributos, antes de passar às outras verdades que se poderão inferir dessas até então. Afirma que a presente meditação (a terceira), embora menos perfeita que a contemplação da Majestade divina (maior gozo de outra vida), dá o maior gozo dessa vida 8888888888888888888888888888888888888888888888

Meditações metafísicas, ou, em outras traduções, Meditações sobre a filosofia primeira, que tem como subtítulo nas quais são demonstradas a existência de Deus e a distinção real entre a mente e o corpo, é o nome da obra de René Descartes escrita e publicada pelo autor pela primeira vez em 1641. Nesta obra encontra-se o mesmo sistema filosófico cartesiano introduzido no Discurso do Método. O livro é composto por seis meditações, nas quais Descartes põe em dúvida toda crença que não seja absolutamente certa, real, factível, e a partir daí procura estabelecer o que é possível saber com segurança. Na primeira meditação encontram-se quatro situações que podem confundir suficientemente a percepção, a ponto de invalidarem, seguramente, uma série de enunciados sobre o conhecimento. O principal destes quatro argumentos é o do gênio maligno que tem a capacidade de confundir a percepção e plantar dúvidas sobre tudo o que podemos conhecer acerca do mundo e suas propriedades. Porém, mesmo podendo falsear a percepção, não pode falsear a crença nas percepções - ou seja, ele pode contra-argumentar contra a percepção mas não contra a crença que incide sobre as percepções. Descartes também conclui que o poder de pensar e existir não podem ser corrompidos pelo gênio maligno. Na Segunda Meditação encontra-se o argumento de Descartes acerca da certeza da própria existência, certeza que prevalece sobre qualquer dúvida: Convenci-me de que não existe nada no mundo, nem céu, nem terra, nem mente, nem corpo. Isto implica que também eu não exista? Não: se existe algo de que eu esteja realmente convencido é de minha própria existência. Mas existe um enganador de poder e astúcia supremos, que está deliberada e constantemente me confundindo. Neste caso, e mesmo que o enganador me confunda, sem dúvida eu também devo existir… a proposição "eu sou", "eu existo", deve ser necessariamente verdadeira para que eu possa expressá-la, ou para que algo confunda minha mente.

Em outras palavras, a consciência implica a existência. Em uma das réplicas às objeções que faz no livro, Descartes resumiu a passagem acima em sua hoje famosa sentença: penso, logo, existo (em latim: cogito, ergo sum)


O restante do livro, que não difere muito do precedente Discurso do Método, sendo porém mais acessível, contém vários argumentos tais como os argumentos ontológicos para a existência de Deus e a suposta prova do dualismo entre mente e corpo. René Descartes (La Haye en Touraine, 31 de março de 1596 – Estocolmo, 11 de fevereiro de 16501 ) foi um filósofo, físico e matemático francês.1 Durante a Idade Moderna, também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius.

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Curso: Psicologia Matéria: Correntes Filosóficas Texto: Meditações Metafísicas (3ª) Resumo Na terceira meditação, Descartes discute a fundo a existência de Deus e se ele é enganador. Para analisar a existência de Deus, Descartes desliga-se do mundo e concentrar-se em si mesmo, na intenção de se conhecer a fundo. Fala sobre suas características, que pesa, duvida, afirma nega que conhece poucas coisas, que ignora muitas que tem sentimentos e imaginações. Que está certo de ser uma coisa pensante. As coisas que conhecia e entendia por muito certas passou a tomar por duvidosas. Mesmo assim ainda ficaram resquícios nele. Entendeu que havia fora dele e que por mais que tentasse algumas vezes, seu julgamento delas era raso, superficial. Por não as conhecer a fundo todas as vezes que se voltava para elas (coisas que pensava entender) era persuadido delas e levado a desafiar: “engane-me quem puder”. Descartes explica não ter motivos para acreditar haver um Deus que seja enganador. Em uma análise mais profunda para que se possa provar a existência dele primeiro deve-se pensar se já mesmo um Deus (o que fica claramente evidenciado quando Descartes fala quenão poderia ter a noção do que é um ser falho se não “conhecesse” um inteiramente perfeito, soberano, eterno, infinito, imutável, onisciente, onipotente e criador universal de todas as coisas) e em um segundo momento se ele pode ser enganador, hipótese que é rapidamente descartada, já que aquele que o criou não podia de forma nenhuma ser enganador. Na opinião de Rene com relação as ideias se as consideramos somente nelas mesmas, elas não deixam de ser verdadeiros. Não se pode temer também que nossos desejos ou vontades sejam falsos, pois por mais que se possa desejar coisas boas ou más não é menos verdade que as desejamos. Para ele ser maior erro era pensar que as ideias que tem e as coisas que estão fora dele são semelhantes. O autor por vezes chega a conclusão de que tem algumas ideias inatas, que nasceram com ele, umas ele concluiu, durante a vida, e outras inventou. Entende que sua capacidade de compreensão das coisas vem de sua própria natureza. Fala sobre a experiência de sentir calor por estar perto do fogo, um exemplo de uma coisa que não vem dele, que lhe diz que não se pode colocar em duvida o que a “luz natural” revela, confessa não terpoder para distinguir ou diferenciar o verdadeiro do falso. Em sua cabeça existem muitas ideias, notou repetidas vezes haver semelhança entre o objetivo e a ideia que tinha dele. Cita também o exemplo do sol que se faz ao inverso o sol lhe parece pequeno pela visão do dia-a-dia, mas por suas noções de astronomia ele tem entendimento de que ele possa ser maior que a Terra. Com dessa experiência passa a crer mais


cada vez mais que existem coisas além dele, que essas imprimem sobre ele suas semelhanças. Em meio a confusão, Descartes se pergunta se as coisas que existem pra ele existem fora dele, ou se são meras impressões. Pois de onde é que o efeito poderia tirar sua realidade serão da causa? O nada não poderia produzir coisa alguma, o que é mais perfeito não pode ser decorrência do menos perfeito. Por exemplo, a pedra que ainda não foi não pode agora começar a ser. Não se deve duvidar que seja necessário que a realidade esteja formalmente nas causas de suas idéias, embora a realidade que ele considera seja somente a objetiva. Em uma primeira conclusão Descartes entende que suas ideias não estão nele nem formal nem eminentemente. Que ele mesmo nãopode ser a causa de sua existência, daí lhe decorre que não existe sozinho no mundo, que tem ideias da representação de figuras de um Deus, de anjos, de outros homens e também da representação de si para os outros. Ás vezes se confunde entre as ideias de coisas corporais com as ideias de Deus. E quanto às coisas corporais nada conhece de tão grande que não possa ser Deus. Pelo nome de Deus, o autor diz ter ideia de uma substancia infinita, que não seria possível admitir o conceito de uma substancia infinita se esse conceito não tivesse sido colocado nele por Deus. "Tenho em mim a noção do infinito anteriormente a do finito, isto é, de Deus antes de mim mesmo. Pois como seria possível que eu pudesse conhecer que duvido e que desejo, isto é, que me falta algo e que não sou inteiramente perfeito, se não tivesse em mim nenhuma ideia de um ser mais perfeito que o meu”. Ele diz que quando encontra em Deus uma infinidade de coisas que não pode compreender é por causa de sua natureza finita e limitada. Durante suas observações há um momento em que cogita a possibilidade de ser perfeito igual a Deus, mas ao refletir, vê que não é possível, admitindo que sefosse independente de todos os outros seres, e o próprio autor do seu ser, não teria tanta perfeição. No entendimento de Descartes outras coisas pensantes, por assim dizer, devem possuir em si a ideia de todas as perfeições que atribui a natureza divina, que por ser assim só poderia ser Deus. Que a unidade, a simplicidade e a inseparabilidade de todas as coisas que existem em Deus é das principais qualidades que ele entende tenha. A ideia da existência de Deus para Descartes é inata, foi depositada nele no ato de sua criação, o que não lhe é estranho, como a marca que o operário deixa nas peças que produz, mas mesmo assim reconhece ser frágil, incompleto, imperfeito, e dependente de outro alguém que por sua vez tem todas as qualidades que ele almeja. Em uma conclusão final descreve que comprovou que Deus existe, estando presente nele em suas características e nas que deseja ter e que não é, e nem pode ser de forma alguma enganador, pois foi verdadeiro e competentíssimo ao criá-lo. E termina falando da fé, que ela ensina que na outra vida seriamos ocupados de contemplar a Majestade divina e já nessa não há prazer que se compare ao de adorar a Deus.


As Três Primeiras Meditações de Descartes e a Sexta Talvez a posição filosófica mais radicalmente oposta à tentativa do senso comum em construir um conhecimento, seja aquela tomada pelo francês René Descartes (1596-1650). Além de ter sido pioneiro da geometria analítica, o autor do Discurso sobre o Método foi a expressão máxima do racionalismo de sua época. Descartes partiu da dúvida e não da certeza, como em geral os filósofos anteriores e a maioria das pessoas faziam. Sua dúvida era tida por metódica, pois punha em questão todas as supostas certezas, tanto do conhecimento sensível, quanto do intelectual, sendo ponto de partida para o método cartesiano de investigação científica.

René Descartes na corte de Rainha Cristina da Suécia Famoso em toda Europa, recebido na corte da rainha Cristina (1626-1689), da Suécia, Descartes acreditava que um raciocínio bem conduzido bastava para chegar ao conhecimento perfeito. Ao duvidar de tudo, ele verifica que duvidando pensa e que pensando existe. A própria certeza sobre a existência depende do pensamento. Sua filosofia torna-se, então, racionalista. O processo de raciocínio empregado por Descartes era basicamente a dedução. Isto é, consistia em partir de conceitos gerais até chegar às noções particulares, usando o princípio racionalista e o método lógico dedutivo do qual quatro princípios seriam suficientes: jamais aceitar como verdadeira coisa alguma que não se conhecesse como evidente, acima de qualquer dúvida; dividir cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto possível e necessário, a fim de resolvê-las isoladamente; ordenar os pensamentos começando pelos assuntos mais simples até o conhecimento dos mais complexos, na hierarquia em que se seguem; e por último, fazer enumerações tão exatas quanto possível e revê-las para certificar a conclusão total do problema (1). As Meditações Cartesianas São seis as famosas Meditações (1641) elaboradas por Descartes. Sua motivação principal era tentar responder as duas questões fundamentais que não permitiam ao senso comum e a filosofia dobrarem os céticos: provar a existência de Deus e a imortalidade da alma. Para resolver essas dificuldades, o método cartesiano, desenvolvido para ser aplicado às ciências naturais, também poderia ser usado na investigação desses assuntos. Na demonstração adotada, ultrapassa-se a certeza e evidência da Geometria e liberta-se dos preconceitos provocados pelos sentidos, dando provas da existência de Deus e da diferença entre corpo e alma, de modo exato e indubitável. Na primeira meditação, a dúvida geral liberta o pensamento dos pré-julgamentos do senso comum e prepara o caminho para o espírito desligar-se dos sentidos, impedindo que haja qualquer dúvida após o estabelecimento da verdade. Na segunda, o espírito descobre que não pode duvidar de si mesmo, por mais radical que seja a dúvida. Aqui, são expostos os conceitos dos quais se tirarão as conclusões que serão verificadas até a quarta meditação. Enquanto isso, cumpre distinguir parte da natureza corpórea; constatar que o espírito é


diferente do corpo e que a alma é indivisível. Tais pressuposições, entretanto, dependem de um explicação física que Descartes realizou em outra obra: “Traité du Monde et de la Lumiére” (Tratado do Mundo e da Luz), que só foi publicado depois de sua morte, por medo de uma condenação, como a sofrida por Galileu Galilei (1564-1691). A natureza substancial, no entanto, depende de um Deus que garanta sua existência e permanência. O corpo é composto por acidentes, mas a alma, ao contrário, é pura substância, não sendo afetada pelos desejos(2). Na terceira meditação, Deus é apontado como o autor da ideia de causa perfeita existente em nós, sendo a causa da própria ideia de Deus. A quarta meditação põe claramente que as coisas concebidas pelo método são verdadeiras e explica de onde vem a razão do erro ou falsidade: a fraqueza da constituição finita do homem e o desconhecimento de uma verdade clara e distinta. Na quinta, novas razões são fornecidas para existência de Deus, enquanto se explica a natureza corpórea, provando também que a geometria depende do conhecimento de Deus. Por fim, a sexta meditação distingue a ação do entendimento da ação da imaginação, além de dar-se as provas definitivas da existência das coisas materiais, que não são tão fortes quanto o conhecimento de Deus e da nossa alma.

As Três Primeiras Meditações O exame das opiniões do senso comum mostra que, quando se tem a condição de reconhecer a falsidade daquilo que se tinha por verdadeiro, é que se deve implantar a incerteza e a dúvida. Para derrubar uma opinião equivocada, deve-se atacar o fundamento do que não é de todo certo, destruindo pela base os erros daí derivados. Com isso, Descartes pretendia que se questionasse tudo que, ao menos uma vez, tenha causado enganos. De início, pode-se duvidar dos conhecimentos vindos dos sentidos, que frequentemente são enganadores. Porém, nem todos erros provêm dos sentidos, além destes, podemos nos equivocar das coisas pouco sensíveis ou distantes, sendo fonte de erro também a loucura e o sonho que se confunde com o estado de vigília. Esse tipo de dúvida não pode, todavia, atingir a figura do objeto, sua quantidade, o espaço e o tempo ocupados. Sob esse aspecto, os sentidos não podem errar. Não podemos duvidar dos sonhos e da imaginação como duvidamos dos sentidos. Além disso, a verdade de ciências, tais como a geometria, só é posta em xeque na suposição da existência de um deus enganador (ou gênio maligno), que faria o sujeito acreditar em tais proposições como se fossem verdadeiras. Então, é preciso suspender o juízo de tudo que tinha por certo e adotar o ceticismo para combater o hábito de julgar as coisas antecipadamente, sem razões bem fundadas. A possibilidade de um gênio maligno – no lugar de um Deus bom – obriga a tomar-se como duvidoso todo tipo de juízo. Mas para não ser enganado novamente, se deve estar atento à dúvida radical que evita o retorno ao juízos equivocados. Tais são as meditações metafísicas iniciais feitas por Descartes, sobre as coisas que se podem por em dúvida. Na segunda meditação, logo de início, procura-se algo que seja certo e firme, como um ponto de apoio arquimediano, aonde se funde com firmeza a verdade. Por causa da dúvida radical, nada resta senão ficção. O fato de se imaginar um gênio maligno, capaz de me iludir o tempo todo, leva, no entanto, a uma certeza: que o eu exista, sem dúvida, sempre que o eu pronuncie a expressão “eu sou, eu existo” (3). O próprio gênio maligno é a garantia momentânea de que algo exista para ser enganado: o próprio eu, embora, não conheça exatamente qual “eu” seja.


O conteúdo dessa novo pensamento, não pode ser expresso por intermédio de concepções que não separem o espírito do corpo. Todo conteúdo concreto de um eu só levaria a indagações intermináveis sobre sua condição última, por causa da impossibilidade imediata de atribuir uma natureza corporal ao eu. O pensamento é o único atributo da alma que não pode ser separado de mim. Isso estabelece a existência de um ser pensante, ou seja, um espírito, um entendimento ou razão que até agora era desconhecido. Pois, a natureza do eu exige que seja concebido a partir do que foi aceito como certo: o puro pensar. O eu está, dessa forma, separando corpo e outras faculdades que não o pensamento. Além do mais, sou o mesmo que sente e imagina tudo que os sentidos e a imaginação dizem que sinto ou imagino, logo, Descartes pôde dizer que tudo isso nada seria se não fosse pensado. Portanto, já sei que existe um ser pensante, que também pensa e imagina. Apesar dessas certezas, nada impede que ainda se reflita sobre as coisas corpóreas como de melhor entendimento que as da minha própria natureza pensante. Essa dúvida sobre a concepção do eu considera os objetos externos mais fáceis de serem compreendidos. Contra isso, o exame detalhado do objeto físico mostra que todas as características do objetos não são dadas pelos sentidos, nem pela imaginação. Uma contra-prova empírica, dada pelo exemplo da cera – objeto que muda suas características segundo a temperatura -, revela que o que permanece do objeto é sua ideia e não sua imagem. Só o espírito é capaz de conhecer o imutável nos corpos mutáveis. Portanto, o conhecimento de algo que existe depende de um eu pensante: o conhecimento do espírito não depende do corpo, enquanto o conhecimento do corpo depende do espírito. Logo, Descartes termina a segunda meditação concluindo que, ao contrário do que pensa o senso comum, é mais fácil conhecer o espírito do que o corpo. Do pouco que sabe de si mesmo, Descartes sabe que é uma coisa que pensa, duvida, afirma, nega, ama, odeia, deseja, imagina e sente verdadeiramente. A partir disso, na terceira meditação, ele pretende estabelecer uma regra geral para se conhecer outras coisas. Das que existem fora do corpo, o engano surgia quando se pensava que elas podiam ser conhecidas por si mesma, sem um eu. A única coisa da qual nada poderia iludir é que não exista um eu quando este pensa que existe, com ou sem gênio maligno. Para saber mais alguma outra, temse de saber primeiro se há um Deus e se ele pode ou não enganar acerca da existência dos objetos.De imediato, sabe-se que as ideias são pensamentos que formam imagens de coisas, enquanto a ação de sujeitá-las ao espírito ora é vontade, afecção ou juízos. As ideias não são falsas quando são ideias, assim como as afecções ou as vontades. Mas os juízos erram ao relacionar as ideias com algo exterior. Algumas ideias são inatas, outras geradas pela mente e ainda por objetos de fora, por isso é preciso buscar a origem delas. Possivelmente, elas sejam uma inclinação natural para imprimir algo no espírito. Todavia essa inclinação natural não permite distinguir o verdadeiro do falso, como só uma luz natural poderia fazer. As ideias não podem vir de algo fora da mente, pois assim, elas dependeriam de outra coisa que não permitiria o conhecimento total do objeto, já que só o pensamento interno é possível de ser conhecido. Certas ideias, entretanto, possuem maior perfeição do que aquelas que representam características ou acidentes. Tal grau de perfeição, numa criatura imperfeita, leva à concepção de Deus soberano, eterno, infinito, criador de tudo, que teria maior realidade objetiva – fora do sujeito – do que as coisas finitas. Uma realidade inferior deve derivar de uma superior, por um princípio de causalidade. A realidade da coisa atual depende de algo formal ou eminente que é sua causa. Mesmo a ideia de algo inferior, depende de outra superior, enquanto causa. As ideias que estão no sujeito, são imperfeitas, o sujeito sozinho não poderia fornecer a ideia


cuja origem não pode ser reconhecida claramente nele mesmo. Se uma ideia desse tipo for encontrada, então se pode dizer que o sujeito não está sozinho no mundo. Algumas ideias são derivadas do próprio eu ou da composição de figuras que aparecem ao sujeito e que poderiam ser materialmente falsas, isto é, não procederiam de nada existente. Porém, a ideia de um Deus não poderia ser criada, sem contradição, por algo finito, a não ser que este fosse de fato infinito. Logo, sua existência deve ser postulada, pois essa ideia teria de ser colocada no ser pensante por uma substância verdadeira e infinita. A realidade da substância infinita é comprovada pela própria imperfeição do ser pensante que duvida e, portanto, carece de perfeição. Destarte, a ideia clara e distinta de Deus é inabalável e certa, sem falsidade material, pois a ideia de Deus é verdadeira. O próprio ser pensante está contido nessa ideia, participando de alguma perfeição. Essa perfeição parcial permite o conhecimento do infinito por estar contido nele. A luz natural revela que a ideia de Deus foi posta pelo próprio Deus no ser pensante. Se não houvesse Deus, o ser pensante não poderia ser o autor de si mesmo, pois, se assim fosse, seria o próprio Deus. Pois, seria absurdo que o ser pensante não se criasse completo e perfeito. A continuidade das coisas é garantida por Deus. A existência desta ideia independe do ser pensante. O corpo pode ter sua causa em outra causa material, mas o ser pensante só tem sua causa atribuída a Deus. O ser pensante adquiriu esta ideia no momento em que foi gerado e ela é a razão para um ser imperfeito supor a existência de outro perfeito. Por isso, Deus não erraria, dando a entender que ele, como o ser pensante, existam de fato. Eis, então, como, de um modo totalmente diferente dos procedimentos do senso comum, Descartes partindo da dúvida metódica chega à concepção de alma e de um Deus existente e perfeito.

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eu existo; ser pensante; a mente é mais fácil de se conhecer que o corpo; deus existe; deus é perfeito; constatação do falibilismo; há uma vontade livre; objetividade das ideias claras e distintas; prova ontológica de deus por exigência de suas propriedades essenciais; alma distinta do corpo; coisas corporais existem; união factual do corpo com a alma.

Sem embargo, o esforço racional e seu relativo sucesso em constituir uma filosofia moderna não impediram a crítica subsequente contra o dualismo entre mente e corpo e a sua insatisfatória prova ontológica de deus. Porém, todo um novo movimento iluminista foi fundado em toda Europa, por conta de um novo racionalismo estabelecido por Descartes


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