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______________________________ Capitã Pedrina de Lourdes

HOMENAGEADA DA SEXTA TEMPORADA

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Por Dalva Maria Soares

Pedrinha miudinha Pedrinha na Aruanda, ê! Lajedo tão grande Tão grande na Aruanda, ê! — Ponto da Umbanda

O significado de Pedrina é “pedra pequena, pedra valiosa”, diz o dicionário de nomes. E a homenageada desta sexta temporada de segundaPRETA é assim mesmo: pequenininha. Nasceu prematura, no sexto mês de gravidez de Dona Ester Rufina Borges, e chegou a ser desenganada pelos médicos. Intuída pela espiritualidade, porém, Dona Ester, a matriarca dos Leonídios, construiu uma incubadora caseira, com tijolos aquecidos no fogão a lenha e enrolados em jornais e panos. Colocados em volta da menina, eram o que mantinha o pequeno corpo aquecido.

Contrariando as estatísticas da prole numerosa a que pertencia (treze irmãos dessa prole perderam a vida entre abortos espontâneos e doenças infantis), a pequena sobreviveu. E cresceu. Cresceu vendo a luta do Capitão e da Rainha Conga do Reinado da cidade de Oliveira — seus pais — para realizarem a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Cresceu vendo a movimentação no terreiro, vendo o cuidado e o zelo de Dona Ester e Capitão Leonídio com a Festa. Cresceu vendo a casa sempre cheia de pessoas à procura de conselhos, chás ou rezas.

Hoje, Pedrina tem seu nome reconhecido não só dentro do Estado, mas também fora das fronteiras de Minas Gerais e até mesmo do país. Contudo, nem sempre foi assim. O caminho para se afirmar numa manifestação tradicionalmente masculina foi longo. É verdade que as mulheres sempre estiveram presentes na organização dos festejos; os espaços ocupados por elas, porém,

diferiam daqueles atribuídos aos homens. Durante muitos anos, só era permitido às mulheres participarem como rainhas, princesas, bandeireiras ou juízas; também podiam se responsabilizar pelos enfeites e pela preparação da comida; no entanto, não tinham permissão para dançar ou tocar instrumentos, nem para a capitania dos ternos. A presença feminina nessas funções antes exercidas exclusivamente por homens foi o resultado de uma transformação iniciada por volta da década de 1970. Pedrina de Lourdes Santos foi uma das pioneiras nesse processo, e é considerada a primeira capitã de Massambique do Estado de Minas Gerais.

Mas Pedrina não é só capitã de Reinado: é muito mais. É um misto de assistente social, psicóloga, militante antirracista, educadora, mãe, entre tantas outras funções que desempenha. Sua vida gira em torno da Festa, que, embora tenha seu ponto-auge em setembro, exige muito trabalho durante o ano inteiro, sobretudo trabalho espiritual.

O Reinado é um lugar de encruzilhada na vida de Pedrina. É onde convergem suas experiências religiosas, não só em termos cosmológicos com os santos, espíritos desencarnados, nikises e entidades espirituais, como também no campo social. Os públicos, ou seja, os ouvintes de Pedrina, são diferentes nas diversas vivências religiosas, mas o reinado reúne a todos. Durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário, a Casa Azul de Pedrina, em Oliveira, recebe não só parentes biológicos, mas também parentes de santo, além de produtores culturais, pesquisadores, políticos, artistas e todo tipo de visitante.

Através do Reinado, Pedrina chama a atenção para a cultura da diáspora, cantada, dançada e performatizada pelo corpo negro desterritorializado de seu lugar de origem e transplantado a

força para outras terras. A performance reinadeira vem cobrir os vazios e rupturas das culturas desses sujeitos que tiveram de se reinventar longe de seu próprio chão.

O Reinado possui aspectos que vão além do religioso. Evidentemente, o religioso é central: para muitos dos participantes, Nossa Senhora do Rosário figura como referência religiosa importante, justamente por ser uma santa que acolhe a todos sem distinção. Não acolheu ao negro? Mas existem também os aspectos social e cultural da manifestação: o primeiro desperta o reinadeiro anônimo para ascender da subalternidade que lhe é imposta ao protagonismo da Festa; o segundo possibilita-lhe assumir e desempenhar o importante papel de guardião da cultura afro-brasileira. Trata-se de uma história que não está nos livros, e que Pedrina procura difundir em todos os espaços por onde circula.

Nas culturas orais, a palavra é elemento essencial; é força capaz de conectar mundos. Pedrina é uma mulher de palavra. É possuidora da palavra enxuta, que não enfeita nada, mas que diz o que tem que dizer. É possuidora da palavra-sagrada, que liga o mundo visível ao não-visível, e da palavra-força, que conecta o mundo de seus ancestrais ao de seus descendentes. É possuidora da palavra que acolhe e empodera. Escutemos sua palavra!

Makuiu, Capitã!

A prosaPRETA com CAPITÃ PEDRINA DE LUZ aconteceu no dia 01 de outubro de 2018

Dalva Maria Soares é doutora em antropologia pela UFSC e pesquisadora das culturas populares, mais especificamente, do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, popularmente conhecido como Congado, com ênfase na trajetória de mulheres. É também mãe do João Pedro e escreve para diminuir a febre de sentir.

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