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Esta revista ĂŠ dedicada ao futuro da cidade. De todas as cidades.
EXPEDIENTE Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Faculdade de Comunicação Social (Famecos) Reitor Joaquim Clotet Vice-reitor Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha Diretor da Famecos João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Realização da disciplina Projeto Experimental IV - Jornal Livre Professores responsáveis Alexandre Elmi e Fábio Canatta Edição Amanda Oshida e Vinícius Casagrande Equipe fotográfica Karyne de Oliveira, Louisiane Cardoso e Muriell Krolikowski
Reportagem Amanda Mainieri, Ana Paula Conrad, Carol Hickmann, Eduardo Deconto, Lucas Vidal Domingues, Marcelo Fray e Thiago Souza Projeto gráfico Amanda Oshida, Ana Paula Conrad, Maura Meregali, Mayara Costa e Vinícius Casagrande Capa Imagem: Muriell Krolikowski Design: Vinícius Casagrande Diagramação Amanda Oshida, Maura Meregali, Mayara Costa e Vinícius Casagrande Revisão gráfica Bruno Ibaldo Endereço Avenida Ipiranga, 6.681 Prédio 7 - Porto Alegre (RS) - Brasil www.pucrs.br/famecos julho de 2015
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Isto é empatia
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Pelas ruas
Cada um sabe a seu mapa da cidade.
Nossa forma de interagir com a cidade – e com o mundo – é a mesma com que nos relacionamos com o próximo.
Cemitérios da Capital
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Um olhar sobre o lugar que causa arrepios. Os diferentes pontos de vista dos cemitérios de Porto Alegre. Locais que abrigam anônimos, que ajudaram a construir a história da capital dos gaúchos.
Vozes que nascem das ruas, das pessoas, dos cartazes.
Força coletiva
ÍNDICE
Força unida
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É preciso agir por uma Porto Alegre melhor. É a transvenção.
Transparência invisível
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Pode ser longa a espera por transparência do governo. Por isso, a sociedade se organiza e cobra informações, como na busca do cálculo do transporte público em 2013.
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Luta por Porto Alegre
A mulher que luta pelo patrimônio público de Porto Alegre. Sua briga atual é um Centro Cultural da Zona Sul. Ela não desistirá.
Veículos que mostram aquilo que a grande mídia não publica. A voz da população registrada a partir de um homem que criou um jornal na Restinga, bairro estigmatizado da Capital.
As ruas de Porto Alegre contam histórias. Vidas que passam por nós em questão de segundos, mas que são parecidas umas com as outras.
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Novo Cais A cidade se mobiliza para interferir no destino que será dado ao Cais do Porto.
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O Cais Mauá é um espaço simbólico da cidade. Patrimônio histórico, cultural e afetivo dos porto-alegrenses.
Vila de todas as cores
Voz do vizinho
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Vidas que passam
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Quando não se oferecem opções de lazer e cultura, a própria população busca novos espaços. Este é o caso da Vila Flores.
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Liberdade à beira do rio
edi tor ial
Em outubro de 2016, Porto Alegre escolherá seu novo prefeito. José Fortunati sai depois de conduzir a cidade por seis anos – vice de Fogaça, assumiu quando o peemedebista se retirou da prefeitura para concorrer ao Piratini em 2010; depois conseguiu se eleger em 2012, ainda no primeiro turno. Seu governo foi marcado por embates intensos com movimentos sociais e blocos sindicais. Encontrou resistência até mesmo em sua base aliada na Câmara Municipal. Desgastado, deixou o seu partido, o PDT, faltando um pouco mais de um ano para o término do mandato. Neste período, Porto Alegre foi o berço de manifestações públicas que também se alastraram pelo país, levando a um novo momento de efervescência da consciência política do brasileiro, desta vez mais descentralizada e distante dos movimentos tradicionais. Espalhou-se por aí a vontade genuína de se envolver mais com os rumos da cidade, de ser agente do jogo político, de participar de escolhas que impactam a vida em comunidade, de se relacionar de forma inovadora com o espaço público. Esta publicação quer refletir sobre Porto Alegre sendo desenhada, transformada e lapidada por porto-alegrenses sem rosto conhecidos, sem espaços privilegiados e sem quantidades significativas de dinheiro de patrocinadores. A ideia é mostrar que é possível uma cidade construída cada vez mais de forma colaborativa e original. As histórias comuns espalhadas pelas próximas páginas projetam o que nos espera ali na frente, os caminhos que se abrem para a participação popular, as sacadas criativas para atrair as pessoas a se engajarem, um ativismo mais livre e independente de partidos políticos. Os perfis de grupos, lugares e cidadãos anônimos reunidos aqui refletem uma Porto Alegre em ebulição, um pouco desorientada mas não indiferente ao futuro, sendo empurrada para um modelo de cidade ainda desconhecido por completo, mas que se apresenta mais, abrangente, inclusivo e democrático.
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Cada um convive com a cidade de uma forma diferente. Seja para contemplar a natureza, para admirar monumentos ou até mesmo se encantar com o pôr-do-sol. A capital dos gaúchos se constrói a partir de preferências pessoais e pelo amor que sentimos pelo que é nosso. Isso é que faz Porto Alegre ser tão Porto Alegre. Ensaio
fotográfico:
Karyne
de
Oliveira
em O Óbvio Ululante, sobre os tempos em que vivia.
“Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: a nossa”, escreveu Nelson Rodrigues,
‘‘ Isto é empatia Texto: Thiago Souza de Souza
[1] É junho de 2013 e estou acomodado numa mesinha de plástico na calçada, esperando o xis coração que pedi ao garçom enquanto tomo algumas cervejas com amigos. Um deles recebe uma mensagem no celular e meio eufórico nos avisa que a justiça mandou a prefeitura de Porto Alegre baixar a passagem de ônibus, que havia subido vinte centavos nos últimos dias. Há uma certa comoção, o álcool e a juventude, um clima geral no ar sugere que somos fortes e devemos lutar. Alguns quilômetros dali, centenas de pessoas, jovens na sua maioria, não se incomodam com a chuva que cai no fim daquela tarde quente. Estão cercados por policiais, mas não arredam o pé, não baixam seus cartazes. Organizados, vieram em grupo, planejaram tudo pelas redes sociais e registram cada detalhe com fotos que em instantes estão na internet. Caminharam pelas ruas do Centro e agora ocupam a frente da prefeitura de Porto Alegre. Não sabem bem como, parece que hoje ainda ninguém sabe bem como, mas ali começava um evento raro na recente história do Brasil: as pessoas estão cansadas dessa representação política que está aí, as pessoas descobriram que têm poder e podem ocupar as ruas para reivindicar seus direitos, as pessoas buscaram novas formas de ocupar a cidade, de dialogar com a comunidade em que estão inseridas. É possível, está ao alcance delas. O xis coração está ótimo, a cerveja parece meio quente, as luzes da cidade refletem nas poças de chuva logo ali,
e eu posso jurar que ouvi um ônibus passar lotado com seus passageiros abrindo as janelas para comemorar. [2] Nossa forma de nos relacionar com a cidade não destoa muito dos nossos relacionamentos pessoais. Quero crer que o caminho para se envolver melhor com a cidade e com o mundo em que vivemos é avançar nos debates sempre com a intenção de entender o próximo. A cidade é um lugar de disputa. Aceitar isso, e o mais importante, nos colocando no lugar do outro: eis o desafio. [3] A Câmara Municipal de Porto Alegre nunca havia visto barracas em seu plenário. Dizem que é a primeira vez que se fuma maconha numa casa legislativa do Estado (duvido muito). Pelos corredores, em horário de expediente, pode-se ouvir servidores reclamando do mau cheiro daqueles “desocupados”. As gurias tiram a roupa e posam para fotos com o corpo nu em frente à galeria de retratos de mulheres que já ocuparam uma cadeira na Casa. Um senhor pequeno, desses que vão diminuído à medida que envelhecem, insatisfeito com o papel do coadjuvante que está sempre à disposição para lavar carros de algum funcionário da Câmara para poder comer, recebe um microfone, se apresenta com uma voz baixa e em seguida começa a cantar, mostrando o sorriso escondido atrás da barba branca e enchendo o plenário com sua voz tímida mas potente.
Estamos em julho de 2013. Eu não sei bem o que fazer ali, tenho um crachá no pescoço que me impede de me juntar a eles. Alguns me olham com desconfiança, me enxergam provavelmente como inimigo, um Outro. Uma gurizada me cumprimenta. Estão à vontade mesmo com a aparente tensão provocada pela possibilidade de uma reintegração de posse conduzida pela Brigada Militar, o que significa que a violência, marca da polícia, está à espreita. O governo recua, deve estar assustado. Quando cheguei para trabalhar, um guarda municipal quis barrar minha entrada, exigiu que eu mostrasse um adesivo que dá acesso ao estacionamento. Fez cara feia quando disse que eu ainda não tinha providenciado o tal adesivo mas que podia provar minha condição de estagiário com o crachá ou então ligando para o vereador com quem trabalho. Eu estava barbudo. Eu poderia ser um Outro. [4] Estou convicto de que nossa cidade precisa mesmo de cidadãos que antes de brigar por espaços de poder façam um esforço para prestar atenção ao seu redor e às pessoas que com eles formam essa coisa louca chamada vida em sociedade. Antes de qualquer atitude política, cabe a nós decisões que envolvem moral e ética. [5] O termômetro de rua marca 42 graus. O ar de Porto Alegre é parado,
e o dia se arrasta modorrento. O trânsito está um pouco pior hoje. Os ônibus da Capital não estão circulando, os rodoviários fazem greve. Há alguns dias 100% da frota permanece na garagem. Peruas e coletivos clandestinos quebram um galho – irregular, como até hoje opera o transporte público sem licitação; irregular, mas um galho quebrado em dia de calor e trânsito extremos. Quem tem carro não pensou duas vezes antes de tirá-lo da garagem, as vias estão entupidas e os escapamentos atiram fumaça e os pneus aquecem ainda mais o asfalto e as pessoas estão sem paciência, mergulhadas numa espécie de catarse coletiva, angustiadas e desesperadas para chegar em casa. O cenário é de ficção apocalíptica. Os trabalhadores reclamam um reajuste nos rendimentos. O cidadão comum e míope só consegue enxergar o seu lado: não quer ser prejudicado, não tem nada a ver com isso e culpa os rodoviários. A grande mídia, como sempre contrária aos movimentos grevistas, faz o mesmo jogo e livra de responsabilidades os donos das empresas de ônibus. A resistência da greve é ao mesmo tempo surpreendente e inevitável. Uma hora Eles vão ter de ceder, pensam integrantes de ambos os lados. [6] O escritor americano David Foster Wallace se enforcou em 2008. Depressivo crônico desde a infância, morreu aos 46 anos, deixando uma legião de fãs – Wallace tinha mais que leitores: era, e ainda é, adorado por aqueles que tinham na cabeça
do escritor um eco da voz da própria consciência. Além de Infinite jest, romance de 1996 que é considerado sua obra-prima, escreveu uma série de textos de não ficção que ganharam status de tratados éticos. Um deles, talvez o mais famoso, é This is water, um simples discurso de paraninfo para uma turma de formandos do Kenyon College que se transformou num clássico. O texto é uma reflexão sobre o que significa ser adulto num mundo em que nossa “configuração padrão” é nos colocar no centro do universo. A saída, a única saída, para “chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça” é se entregar à “liberdade real”, segundo Wallace: “Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo. A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros - no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre, e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita.” This is water tem esse título porque começa com uma parábola sobre peixes. “Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz: - Bom dia, meninos. Como está a água? Os dois peixinhos nadam mais um
pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta: - Água? Que diabo é isso?” E termina assim, quase num apelo: “Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. (...) Diz respeito à consciência - consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor - daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: ‘Isto é água, isto é água’. É extremamente difícil lembrar disso, e permanecer consciente e vivo, um dia depois do outro.” [7] Com a ajuda de um amigo, carrego um cooler pelas ruas da Cidade Baixa. Estamos em três e saímos há pouco do supermercado, onde compramos 24 latas de Heineken e dois sacos de gelo. Está começando a anoitecer e todo mundo já votou para presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais. Um dos amigos trouxe uma bandeira enorme do PT e eu levo no peito um adesivo de apoio a Dilma Rousseff. A esta altura, José Ivo Sartori já está matematicamente eleito governador do Estado, e militantes do PMDB (eles existem) passam de carro buzinando e balançando bandeiras do partido (mesmo que o slogan de campanha de Sartori fosse o trágico “O meu partido é o Rio Grande!”). O clima é de paz e também de muita
expectativa. A apuração dos votos para presidente já começou, mas será divulgada mais tarde em razão do fuso-horário diferente em regiões do país, acentuado ainda pelo horário de verão. Até aquele momento, viríamos a saber depois, Aécio Neves, do PSDB, estava à frente da petista na disputa. Caminhamos bebendo nossas cervejas e confabulando sobre o atual cenário político do país. Vamos em direção ao Largo Zumbi dos Palmares, onde está agendada uma comemoração caso Dilma se reeleja. Quando passamos em frente a restaurantes, posso notar olhares recriminadores, e de repente sinto medo de ser alvo de violência. Ao dividir a calçada com outros pedestres, tomo o cuidado para evitar que a bandeira, que a esta altura já está em minhas mãos ansiosas, toque em alguém e cause qualquer tipo de problema. Antes mesmo de chegar ao nosso destino sabemos que Dilma foi eleita (numa virada histórica, emocionante e apertada como há muito não se via). A euforia contagia. Estão todos de vermelho ou já estou um pouco bêbado? Música da campanha, pedidos para que a presidenta Rousseff “legalize o beck”, marchinhas para tirar sarro do rival tucano, cantos para exaltar acertos do governo petista (“porque o filho do pedreiro já pode virar doutor”): estamos todos contentes e esperançosos. Um ônibus passa na Avenida Loureiro da Silva, alguém lá de dentro abre a janela e nos chama de corruptos. N
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Vozes nas ruas, cartazes, palavras. A forma de nos fazer ser ouvidos. A união da população para expressar desejos, insatisfações, direitos, mostrada nesse ensaio sobre a Manifestação do Estatuto do Nascituro. A forma mais simples de realçar a conexão com a cidade que vivemos, o nosso futuro e o das próximas gerações. Ensaio Fotográfico: Muriel Krolikowski
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Forรงa coletiva Texto: Eduardo Deconto โ ข Fotografia: Muriel Krolikowski
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número 146 da rua Professor Duplan não destoa das demais residências e prédios do bairro Rio Branco, em Porto Alegre. A propósito, a casa de dois andares, de fachada e grades brancas e estilo eclético com requintes da arquitetura colonial se assemelha a muitos dos sobrados típicos da capital gaúcha. As paredes em tom gelo do edifício escondem, porém, uma efervescência que pouco tem a ver com a calmaria habitual das redondezas, atrapalhada apenas pelo fluxo de veículos sobre a via de paralelepípedos. Ali, ideias são discutidas, projetos são criados – ou melhor, cocriados – e planos são traçados. Tudo isso extrapola o plano do papel ou dos debates e se materializa nas atitudes de um grupo de ativistas que se reúne, sobretudo, para tentar transformar, com as próprias mãos, a cidade num lugar melhor. O endereço abriga desde o início de 2014 o TransLAB, um laboratório cidadão, criado em 2011, pelo administrador de empresas Aron Litvin e pelo psicólogo Daniel Caminha, e, claro, os labbers, que compõem a trupe. A despeito do nome, porém, o ambiente pouco tem a ver com a ideia tradicional de um laboratório com seus tubos de ensaio, computadores de última geração, microscópios e amostras de microorganismos ou outras substâncias. O “equipamento” e o “objeto de estudo” são ao mesmo tempo as próprias pessoas, seus anseios, ideais e pensamentos. Da Ciência, remanesce apenas a típica seriedade dos cientistas, aplicada
no cotidiano de debates, ação e planejamento do grupo, ao buscar soluções colaborativas para fazer Porto Alegre evoluir. Trata-se da adaptação em solo tupiniquim do living lab, conceito criado no MIT (Massachussets Institute of Technology), em Boston (EUA) para designar um espaço em que o usuário é o responsável por desenvolver as soluções para os problemas das cidades. ”O lab nasceu no universo da arquitetura para criar novos funcionamentos de bairros e de espaços públicos, sempre interagindo com o usuário como vetor criativo. Nada mais é do que um centro cultural, reformulado para o século XXI. Não cabe mais ter expressões culturais expostas para o público capturar a informação. A gente precisa de um espaço de divisão, onde o usuário pode fazer pesquisa e desenvolver suas ideias”, explica Caminha. Para entender esse ecossistema criativo, pluricultural e multidisciplinar, é preciso, antes de mais nada, compreender o que é uma transvenção, termo presente no próprio nome. Trata-se da maneira com que os projetos criados dentro do laboratório se materalizam na vida da cidade. Foi assim, por exemplo, que o próprio TransLAB surgiu, em 2011, com a Estante Pública, um espaço instalado em paradas de ônibus, que funcionava como uma biblioteca: podia-se retirar ou depositar livros, sem propriedade alguma. Segundo Caminha, o conceito representa um avanço de uma intervenção urbana. “A intervenção está muito conectada com projetos que questionam, que criticam determinado funcionamento. Nesse sentido, a transvenção atualiza o conceito de intervenção com uma proposta de agir na cidade, no NÓS |
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espaço coletivo, com uma atitude colaborativa, não uma atitude questionadora. A intervenção nasce na década de 1970, carregada de uma necessidade de questionar o opressor. Na transvenção, não estou reivindicando um direito, mas abrindo espaços de criação para muitas coisas”, analisa. Basta um olhar mais atento à casa de número 146 da rua Professor Duplan para começar a perceber que esse conceito está presente na vida de quem passa tardes e noites por ali. Fixado na grade, um cabide solidário, para pendurar doações de roupas, divide espaço e chama mais atenção que a campainha. Em frente ao quintal, a horta comunitária rende frutos e despende, claro, cuidados. Pequenas ações que mostram, logo de cara, os ideais que norteiam os frequentadores do local, suficientes para instigar um breve passeio pelo sobrado. Ao fundo, as paredes que dividem o terreno com a vizinhança exibem grafites assinados por artistas e visitantes de diversos lugares do mundo, que passam pelo Lab. No depósito, as prateleiras são divididas de acordo com suas utilidades para cada projeto. É a sala principal, porém, que mostra ao visitante que o ambiente emana a vontade por mudança. Emana transvenções. O espaço é amplo, mobiliado por duas mesas feitas pelos próprios labbers a partir de portas antigas, além dos computadores. As paredes pretas são transformadas em um quadro negro tomado de divisórias e esquemas que expõem todos os projetos e ideias fomentadas no Translab, com temáticas variadas. Educação, mobilidade urbana, cultura, ecologia, violência contra a mulher… Todas pensadas de maneira a agregar o maior número de pessoas
para colaborar. A casa surge como um mundo ideal para os integrantes do grupo. “Eu comento que, às vezes, é preciso sair um pouco do Lab. Conviver com os problemas e com o que está acontecendo em Porto Alegre para a gente não perder o foco. A confluência de ideias e intenções é muito grande entre nós, e a sinergia contribui para um ambiente que forma um mundo quase ideal. É bom encarar a realidade para não achar que tudo funciona tão bem quanto a gente pensa”, afirma Leonardo Peixoto, 24 anos, também psicólogo e mobilizador. O ambiente receptivo surge como um convite para conhecer quem, de fato, são os labbers. É tarefa árdua, dada a abrangência atual do projeto. Além dos 15 integrantes mais ativos, entre sócios e pessoas que trabalham efetivamente no suporte dos projetos, o universo de pessoas que “orbita” o laboratório, entre participantes de oficinas, encontros e das linhas de trabalho passa dos 200 ativistas. A reportagem foi recebida no laboratório pelos mobilizadores Leonardo Peixoto e Rafael Knebel, que apresentaram todas as instalações. Peixoto trajava camiseta de banda, bermuda e tênis All-Star. Como fazia calor, prendera os cabelos em um atilho de borracha amarelo. De camisa de botão, jeans escuros e sapatos, Knebel, 31 anos, também psicólogo, poderia estar inserido em um ambiente de escritório, mais convencional. Mais tarde, Matheus Strussmann, 22 anos, publicitário e outro labber, ingressou na conversa. Exibia a tradicional combinação: camiseta branca, jeans e tênis. Curiosamente, os três ostentavam barba por fazer, uma tendência entre
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os mobilizadores. Enquanto o trio debatia ideias e expunha alguns projetos, Bruna Kievel tocava a pleno vapor o “Cuidar de Quem Cuida da Educação”, uma das iniciativas em desenvolvimento no TransLAB na mesa ao lado. “O pessoal da vizinhança brinca. Vê essa gurizada barbuda, cabeluda chegando aqui, propondo algumas coisas com as quais eles não estão acostumados. É engraçado, mas os mais velhos até perguntam, às vezes, o que estamos fazendo. É, com certeza, um desafio do TransLAB, fazer com que as pessoas conheçam melhor nossa atuação”, afirma Knebel. As formações acadêmicas dos labbers também são variadas, apesar de a maioria ter ligação direta com a comunicação. Assim como as motivações. Uns encontram no TransLAB uma forma de ocupar o tempo, outros deixaram um emprego convencional para imergir no ativismo colaborativo. A maioria, porém, conserva a atuação como mobilizador como uma projeto paralelo a sua profissão. Daniel Caminha, 32 anos, por exemplo, mantém ainda suas atividades no Estúdio Nômade, do qual é um dos sócios. Sua motivação? A paixão pelas artes urbana e relacional, que envolvem as pessoas de maneira a despertar reflexões de suas vidas. A despeito de tudo isso, não é pelo visual, pela formação, pelas motivações ou pela condição social que uma pessoa se transforma em um labber. De acordo com Caminha, um dos fundadores, um integrante do Translab é: “Alguém que acredita que é possível transformar as relações coletivas, os espaços coletivos. É alguém que se organiza para fazer isso a partir do seu tempo e que está disposto a se colocar em uma
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experimentação que envolve muita flexibilidade pra lidar com mudança de comportamento”. A turma exibe ainda um dicionário próprio. Quase um dialeto que obriga os visitantes, ou um colaborador de primeira viagem, a acionar a tecla SAP e pedir traduções. A começar pelo próprio termo labber, que identifica todos os integrantes e pelo conceito de transvenção, mas não para por aí. Eles tentam pensar que suas ações tenham alcance glocal, uma mistura de global com local, que quer dizer, em outras palavras, que os projetos devem impactar de forma direta na localidade e, depois, repercutir em um cenário mais ampliado. Ali, não é preciso patentear uma ideia. Pelo contrário. Trabalha-se com o copyleft, o inverso do copyright, do direito autoral. “Por que dizer que uma ideia é minha, se posso compartilhar, com um engenheiro, com um cientista, com um jornalista, enfim, e, assim, ampliar os horizontes e especificar ainda mais essa ideia?”, indaga Knebel. Ao longo do tempo, o TransLAB desenvolveu linhas de trabalho para delimitar sua atuação, que surgem como uma espécie de caminho para pôr em prática uma ação colaborativa. O mais simples são os encontros, realizados para testar e debater as ideias, antes colocá-las em prática. As oficinas surgem como meio de qualificar o conhecimento e transmitir técnicas. Por último, o percurso é a maneira com que os integrantes propõem os processos para, com o grupo, criar os projetos. Não há, porém, uma ordem estruturada para isso. Uma ideia pode surgir e logo virar percurso e viceversa. É tudo mutável. “É muito em cima da experimentação. Do acerto e do erro. O laboratório precisava
ajudar as pessoas a definir formatos para suas vontades. Se deixar muito aberto, as coisas tendem a ficar soltas, e os próprios participantes não sabem como interagir. Nosso objetivo maior é desenvolver projetos que são aplicáveis, como produtos e serviços, que ganham inclusive característica de negócio e, assim, são aplicados socialmente. A esteira não é linear, mas tem etapas de maturação”, analisa Caminha. Com a estrutura atual, os labbers não conseguem ainda ter na sua atuação no laboratório a fonte de renda para os sustentar. Ou melhor, sustentar seus sonhos de “transvencionar” pela Capital. Como instituição prestes a se credenciar de forma legal, como um instituto de pesquisa e inovação social vinculado formalmente ao terceiro setor, o TransLAB se encontra ainda em uma fase embrionária, com remuneração proveniente dos projetos, de acordo com uma demanda sazonal. “Estamos num estágio inicial. Com o amadurecimento dele, e com um número de projetos ativos, teremos fluxo de caixa para manter as atividades e projetos na rua e, assim, formar uma equipe fixa. Atualmente, tu usas o projeto como plataforma e recebe uma remuneração específica, pela atividade que executas”, salienta Caminha. A maneira idealizada pelos labbers para sustentar esse ecossistema de inovação e de buscas por melhorias na cidade deriva de um esquema chamado por eles de hélice quádrupla, capaz de conectar em torno de um mesmo projeto, ao mesmo tempo, as sociedades civil e privada, o governo e a universidade. Entre as ações que mais se aproximam deste modelo está o “Cuidar de Quem Cuida da Educação”, desenvolvido em agosto de 2014, com o objetivo de criar espaços
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e abrir diálogos para o acolhimento e a assistência ao professor. A proposta, em geral, é criar um grupo para que professores compartilhem suas experiências, sonhos e angústias para, a partir da reflexão, trazer melhorias ao ambiente de ensino. Desde a criação, o “Cuidar de Quem Cuida da Educação” realiza encontros periódicos para a discussão das iniciativas que farão parte do movimento e já deixou o campo das ideias, no TransLAB, para ir às ruas, em 8 de maio de 2015, durante ato de apoio aos professores, em Porto Alegre, com cartazes, gritos e reivindicações. Enquanto não ingressa em uma fase mais ativa fora do laboratório, o “Cuidar...” angaria 496 curtidas na página do Facebook, além das dezenas de professores e labbers que participam dos encontros. “O projeto tem uma articulação bacana da sociedade civil. Tem o apoio de uma empresa privada, tem a conexão com a universidade, com um grupo da PUCRS [Pontifícia Universidade Católica], que está ajudando a costurar o desenvolvimento de conteúdo. Aos poucos, também já estão começando a planejar com o governo algumas possibilidades de transvenções e atuando em algumas escolas, prestando serviço, com um projeto de desenvolver a autoestima dos professores”, destaca Caminha. Outra iniciativa gestada dentro do ambiente criativo e colaboracional do TransLAB são os encontros do grupo de Espaço de Empoderamento da Mulher, que além dos quase 3 mil seguidores em sua página no Facebook, já reuniu centenas de pessoas em encontros, palestras e workshops mensais para discussões
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sobre feminismo e posicionamento da mulher na sociedade atual. De olho no desenvolvimento de um sistema de produção de alimentos mais sustentável, o Raiz Urbana, além de arquitetar a horta que decora a entrada do TransLAB, procura instigar os moradores de Porto Alegre a montar hortas urbanas, através de encontros quinzenais, realizados na sede do laboratório, com dicas, oficinas e discussões. No Facebook, o projeto conta com 1,8 mil seguidores em sua página oficial. Há ainda projetos que não se concretizam em intervenções ou transvenções, mas na simples discussão de ideias para melhorar a cidade. Caso do “Visionários da Cidade”, percurso ministrado por Caminha, Litvin e pelo publicitário Luciano Braga, no período de dois meses, para promover a discussão de iniciativas, ideias e habilidades que possam gerar negócios que impactem de forma positiva na sociedade. “A maioria das iniciativas, contudo, se encontra em um estágio inicial, procurando formar bases a partir de sua criação para ter uma longa duração”, afirma Caminha. O TransLAB está inserido em uma onda de movimentos, intervenções e subvenções colaborativa, todos com o objetivo comum de trazer mais qualidade de vida à cidade, que começou a ganhar mais força em Porto Alegre a partir de 2009, com grupos que, apesar de atuar de forma isolada e, por vezes, divergirem em ideais e reivindicações, constituem um perfil delimitado também por suas semelhanças. “Existe essa onda voluntária, sim. Porto Alegre está bombando. A inovação faz parte do DNA da cidade. Sempre que pode,
o cidadão colabora. Se pararmos para analisar, invariavelmente, os integrantes de movimentos como o TransLAB, Shoot The Shit, R.U.A e C.I.T.E, são de classe média, ou apresentam condições sociais mais favoráveis e se espelham em ideias e cases de sucesso do exterior para tentar tropicalizar essas ideias ao trazê-las para cá”, avalia o coordenador do Poa Digital, plataforma de engajamento social da Prefeitura de Porto Alegre, Thiago Ribeiro. Segundo o cientista social Rodrigo Azevedo, esse tipo de manifestação é inerente à sociedade atual e às mudanças de relacionamento da população e de instituições com o governo. As constantes intervenções começaram a ganhar maior visibilidade nas redes sociais e logo transcenderam uma barreira cada vez mais tênue com a vida real. “O cenário atual apresenta uma mudança no poder, uma descentralização do poder do governo. No século passado, o governo era a única instituição capaz de promover mudanças. Hoje as pessoas e esses grupos começaram a perceber que também podem propor suas intervenções. Essa nova forma de ativismo gera um choque com o modelo vigente, que ainda está tentando se adaptar a essas mudanças”, analisa. O psicólogo Maurício Marques, ressalta que a disponibilidade para ações colaborativas é inerente ao ser humano, como explica a teoria da autodeterminação. “Esta teoria diz que existe uma tendência inata a satisfazer três necessidades básicas: autonomia, relacionamento e competência pessoal. De forma geral, a pessoa parte de um estado
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de queixa e passa a ser autora de sua própria história. Ao se sentir integrado e participante das principais relações que estabelece e que tem voz ativa e voto sobre um ambiente com o qual pode contribuir com suas habilidades, a pessoa se sente cada vez mais motivada a fazer parte disso”, explica o psicólogo. As iniciativas e as reclamações são inúmeras. Da dificuldade de se locomover utilizando o transporte público, devido à falta de sinalização sobre as linhas de ônibus, surge o “Que Ônibus Passa Aqui?”: nada mais do que disponibilizar gratuitamente adesivos que podem ser impressos e afixados nas paradas de ônibus da cidade. Qual a melhor maneira de instigar a população a opinar sobre as mudanças por que Porto Alegre precisa passar? Questionando-a. Daí, vem o #poaprecisa, que propôs aos portoalegrenses que preenchessem lacunas com as necessidades da Capital no tapume de uma obra da cidade. Por trás dessas ações está o Shoot The Shit, coletivo criado em 2012. Mesmo que alguns sejam fumantes, os integrantes do projeto também tentaram reduzir o tabagismo ao colar adesivos com os dizeres “Salve uma vida. Apague seu cigarro”. Não para por aí. Preocupadas com a violência vivenciada pelas mulheres na cidade, um grupo de jovens – todas mulheres – criou o “Se Essa Rua Fosse Nossa” para instigar as denúncias desse tipo no Facebook, com uma página que em pouco mais de três meses já angariou mais de 25 mil curtidas na rede social. Iniciativas como estas repercutiram bastante na mídia e geraram
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reconhecimento e alguns adeptos momentâneos, mas esbarraram em alguns conceitos e tradições estabelecidos há mais tempo para se consolidarem a longo prazo. “Um pouco do conservadorismo, a gente consegue desconstruir, mas é preciso de mais diálogo, tranquilidade e tempo para fazer dar certo”, admite Knebel. Outro fator que limita a atuação deste tipo de ativismo é o relacionamento com a prefeitura e os órgãos que a compõem. Não que o diálogo e a abertura para esse tipo de iniciativas sejam inexistentes, mas a implementação mais duradoura das atividades esbarra na complexidade do sistema público. “Existe uma boa abertura para conversa, mas pouca efetividade no que diz respeito ao apoio de recurso efetivo. O sistema público não entende as propostas, porque é baseado em necessidades que são muito quantificáveis, não são tão qualitativas. Precisam ver em escala, o número de pessoas impactadas, e a maior parte das iniciativas da inovação social são de pequena escala”, analisa Caminha. Ribeiro admite que a complexidade e a burocracia são algumas das amarras que impedem que um número maior de projetos se concretize de forma mais duradoura em Porto Alegre, mas ressalta ainda que muitas das iniciativas sequer são analisadas por serem apresentadas de maneira superficial, como um pensamento muito embrionário. “É preciso entender o contexto para que essas ideias não soem apenas como uma rebeldia. Uma boa ideia, por si só, não é viável. Muitas vezes,
um projeto já esbarra nas questões técnicas, legais, financeiras. Quanto mais estruturado e quanto mais informações um projeto apresentar, mais fácil. Claro, é um processo complexo. Envolve aprovações, licitações, tem que atender a questões de visibilidade, segurança. Quando a prefeitura assume uma ação, envolve uma responsabilidade muito maior”, ressalta. Um dos exemplos que acabaram absorvidos pelo município é o “Que Ônibus Passa Aqui?”. A iniciativa chegou a ser tratada como vandalismo, antes de ser institucionalizado, em parceria com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Mas com alterações. “O que se viu foi um índice crescente de vandalismo sobre os vandalismos. A prefeitura lançou algumas placas, fixadas nas paradas de ônibus. Isso é construção. Isso é contribuir”, analisa Ribeiro. A perenidade dos projetos, contudo, não é vista com maus olhos pelos ativistas. “Às vezes, a ideia se transforma e continua viva com outro nome, com outros grupos. Não é porque não conseguiu atuar com aquele formato inicial, que não tenha sido bem sucedido. Pode ter contribuído com uma série de iniciativas que a gente não percebe conexão direta, mas teve influência importante”, analisa Caminha. N
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A morte. Ela é nossa única certeza. Um ponto final, o desfecho, a caminhada encerrada. A tristeza do fim e o pesar se reúnem em locais que muitos evitam e outros temem. Na verdade, os Cemitérios são museus a céu aberto, reunião de diversas histórias que deixaram de existir. Podemos dizer que ali está um pouco de quem fez Porto Alegre, seja anônimo ou figura de destaque. Ensaio Fotográfico: Karyne
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Oliveira
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FOTO costas (AQUI) <- ENSAIO
Transparência
invisível TexTo: Carolina HiCkmann • FoTograFia: muriel krolikowski
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m uma quarta-feira à noite, Carolina Dalla Chiesa liberava-se de suas atividades no Núcleo Observatório de Economia Criativa para ir a uma celebração familiar pelo aniversário de sua mãe. A garota de voz e olhar calmo é mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Enquanto a maioria de seus colegas buscava a administração corporativa, Carolina encantava-se por trabalhos em Organizações não governamentais e no terceiro setor. Deve ter sido esse o motivo que a levou ao seu segundo mestrado, em curso atualmente, em Antropologia Social, aparentemente fora de sua área de estudo habitual. Ela tem apenas 27 anos mas carrega um currículo de dar inveja a
muitos ativistas que têm a sua idade em tempo de militância. Já esteve em Omã, no Oriente Médio, e trabalhou junto a uma ONG voltada à defesa dos Direitos Humanos. Em Porto Alegre, sua cidade natal, incomodou a prefeitura por mais transparência. Sua experiência na ONG Tawasul, que se dedica ao empoderamento da sociedade civil de Omã, durou um ano. Carolina vê a experiência como enriquecedora, no entanto, guarda ressalvas da metodologia utilizada. “Eles tentavam falar em Direitos Humanos por meio de um conceito de sociedade civil, mas esse termo nem existe na língua local”, comenta, ao enfatizar que a visão dos direitos básicos do homem é muito ocidentalizada. Ela credita o seu
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envolvimento com pautas ditas da esquerda ao convívio familiar, mas deixa claro, ao longo da conversa, que é ainda mais libertária de que seus pais. A maior diferença é ela ver a quebra de direitos autorais como disseminação de informações. Por isso juntou-se ao grupo Casa da Cultura Digital, que utiliza a cibercultura como maneira de construir uma sociedade verdadeiramente democrática. Em 2013, o grupo promoveu o Hackday Transporte Público em Porto Alegre. “Era um dia de hackeamento (levantamento) de informações. Já estava acontecendo todo aquele movimento quanto ao transporte por aqui e a gente achou que poderia contribuir mais com o levantamento de informações do que ir para a rua”, conta. Para Carolina foi designada a tarefa de agrupar informações acerca da tarifa do transporte público. Então mandou um pedido, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), para o Portal de Transparência da prefeitura de Porto Alegre. Ela indagava quais eram os parâmetros adotados para o estabelecimento das variáveis do cálculo da passagem, como o coeficiente de consumo de combustível por categoria de veículo. “A lucratividade das empresas de ônibus não é divulgada. Elas são uma previsão, mas não é a realidade. Então tu não sabes se é válido esse valor que é estipulado”, afirma. O portal de transparência,
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responsável pela Lei de Acesso, do Executivo porto-alegrense, foi concebido em 2009, quando a Câmara Municipal sancionou o projeto de Lei 10.728, de 15 de julho do mesmo ano, que previa que o site teria como finalidade a divulgação das informações referentes à gestão da cidade. O projeto foi ao ar em maio de 2012, quando a LAI, entrou em vigor no país. Carolina não ficou satisfeita com a interface do site. Ela conta que não houve maiores problemas em realizar o pedido, mas pela proximidade que já havia entre ela e a rede mundial de computadores. O professor e jornalista Marcelo Träsel, membro da Rede de Pesquisa Aplicada em Jornalismo e Tecnologias Digitais, acredita que o site possui uma “usabilidade pobre”. “O número de cliques é exagerado e não existe a possibilidade de fazer o cruzamento de informações”, comenta. O gerente de Programa da Secretaria Municipal de Planejamento Estratégico e Orçamento (SMPEO), Silvio Zago, explica que o desenvolvimento do portal se deu através das necessidades que lhes foram impostas. “A própria lei de criação trouxe os títulos que deveriam ser desenvolvidos. Dentro do formato que a nossa TI nos ofereceu, criamos módulos que atendiam as necessidades da lei”, conta Zago. “A resposta que tive [ao pedido] foi de que as informações não estariam
planilhadas”, expõe Carolina. “Na realidade o cálculo é divulgado, mas eles fazem manobras para modificálo. Por exemplo, a última tentativa foi reduzir o tempo de vida dos pneus. Mas quem disse que o tempo de vida de um pneu se modifica assim?”, questiona. “Não há uma preocupação da prefeitura em tornar este processo aberto”, conclui. De acordo com o edital de licitação do transporte público, o tempo de vida útil dos pneus vinha sendo trabalhado de maneira errada até o momento da mudança. Träsel explica como funciona o atendimento por parte do portal do Executivo municipal de Porto Alegre. “Eles prometem uma resposta para mais adiante e ela nunca vem. Acho que para a metade dos meus pedidos recebi uma resposta adequada da prefeitura”, afirma. Carolina também ressalta que a prefeitura precisaria de mais organização para suprir as demandas da cidade, afinal, se há informação e não há planilhas, basta organizá-las. De acordo com dados disponibilizados pelo portal, o mês com maior número de pedidos atendidos em 2013 foi janeiro, com o total de 85. O número de protocolos que aguardavam resposta era de 102. No mesmo mês do ano posterior, caiu consideravelmente, totalizando apenas 11, com 150 pendentes. Em janeiro deste ano, 14 respostas foram viabilizadas no primeiro mês do ano. Enquanto a espera neste mês chegou a 260.
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“Nós fomos nos moldando às necessidades que nos eram impostas”, afirma Zago ao ser questionado sobre a usabilidade do site. “Quanto à formatação de botões, sei lá, acho que tive uma inspiração divina”, comenta ironicamente, tentando evitar uma justificativa técnica. Em um de seus estímulos celestiais, Zago criou um banner dedicado ao Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), que, baseado na Lei de Acesso, prevê a gestão transparente e o amplo acesso à informação. Com esse artifício, utilizado por Carolina em seu pedido, é possível questionar sobre os gastos públicos e solicitar informação sobre serviços normais, tais como poda de árvores, trânsito e iluminação pública, ou requerer acesso à informação pública que não esteja disponível no portal. Estas solicitações são divididas entre as secretarias e as empresas públicas de maneira automatizada, para que as respostas sejam elaboradas. “A gente monitora para ver as demandas que entram, e, controla, principalmente, o tempo de resposta”, diz Tiago Nequesaurt, responsável pela distribuição de informações do portal. Uma das leituras que influenciou Carolina a seguir a militância na área do sowftware livre foi A Ética Hacker e o Espírito da Era da Informação, de “É uma contraposição a A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber. Basicamente a utopia hacker, de quebra de direitos autorais, é uma utopia muito pouco capitalista”, conta. O livro mostra que hackers são diferentes de crackers e utilizam seu conhecimento para ações colaborativas, muitas vezes buscando a transparência de informações que deveriam ser prestadas aà
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comunidade sem necessidade de intervenções, como fez Carolina. Thiago admite que existem dificuldades a serem superadas quando se trata do processo de respostas à LAI. “Temos 36 secretarias, com certeza alguma delas não encampou essa nova cultura. Não temos como obrigá-los”, comenta. Apesar da desculpa do Executivo municipal para a negligência das pastas, a lei obriga que as secretarias disponibilizem a resposta no prazo máximo de 20 dias úteis, prorrogáveis por mais 10. As informações acerca de cumprimentos de prazos estipulados em lei também não estão planilhadas. Ao ser questionada sobre os motivos que fizeram com que Carolina se envolvesse, naquele momento, com a temática do transporte público, a jovem alega que se um trabalhador precisar de quatro conduções por dia restaria pouco do seu salário para as suas demais necessidades. “Quando o problema se torna coletivo, as pessoas se sentem mais encorajadas a lutar por ele”, afirma. Apesar do panorama externo,
Porto Alegre foi um dos 37 Executivos Municipais com população superior a 10 mil habitantes a ser agraciado com o Prêmio Boas Práticas de Transparência na Internet, do Tribunal de Contas do Estado (TCERS). Somente 20% dos portais públicos existentes no Rio Grande do Sul receberam a distinção. Participaram executivos e legislativos municipais, Executivo e Legislativo estadual. Carolina não vê motivo para a distinção, mas eles se tornam claros quando se analisa o edital do prêmio. Os critérios de avaliação se debruçaram somente nas adequações de disponibilidade de informação conforme a lei vigente. “Não foi possível certificar quanto à integralidade e à confiabilidade das informações divulgadas pelos entes públicos em seus portais. No que diz respeito aos pedidos de informação, da mesma forma, não se verificou se as solicitações realizadas foram, de fato, atendidas e, em sendo, se os informes prestados satisfizeram as expectativas do requerente”, justificou
o TCE-RS em relatório do prêmio disponível no site do tribunal. Ao tomar ciência do prêmio, a equipe do Portal de Transparência da prefeitura de Porto Alegre foi atrás dos critérios de avaliação que seriam usados e adequaram o portal a eles. “Pegamos o que eles estavam mensurando, o que eles pediriam, vimos o que cumpríamos e não cumpríamos. Trabalhamos naquilo que era possível melhorar”, explica Nequesaurt. Passadas as manifestações de 2013, Carolina e a Casa de Cultura Digital se dedicaram, até o momento, a promover oficinas que disseminem a cultura digital e maneiras de promover a transparência por meios de softwares. Eles estiveram, durante o ano passado, em cinco cidades do Estado, falando sobre as atividades do grupo. Carolina acredita que essas são ações mais efetivas de democratização da informação do que esperar que o governo tome iniciativas para isso. N COMO REALIZAR PEDIDOS Telefone e presencialmente: Os pedidos presenciais podem ser feitos na Sala de Transparência, localizada na Avenida Siqueira Campos nº 1180 (CAR-CENTRO). A consulta deve ser pré-agendada pelo telefone (51) 3289.1311. Os pedidos a Lei de Acesso também podem ser realizados através do Fala Porto Alegre, pelo telefone 156. Através do portal No site http://www2.portoalegre. rs.gov.br/transparencia/ , é possível realizar pedidos à Lei de Acesso necessitando somente de dados pessoais e uma conta de e-mail.
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Um bom piquenique para juntar os vizinhos, um churrasco, uma festa junina, um showzinho no fim de semana. Existem vários espaços que permitem a confraternização de pessoas, principalmente do mesmo bairro. Sao locais que melhoram nossa convivência, assim como o Centro Cultural da Zona Sul, retratado nesse ensaio. Ensaio Fotográfico: Muriel Krolikowski
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Luta por
Porto Alegre
Texto: Lucas Vidal Domingues â&#x20AC;˘ Fotografia: Muriel Krolikowski
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residente do Centro Cultural do Desenvolvimento. Delegada da Organização Defender em Porto Alegre. Colaboradora do portal Meu Bairro. Fundadora do blog Chega de Demolir Porto Alegre. Jacqueline Custódio também atua como parecerista do Fumproarte, ajudando a escolher os projetos que serão financiados pela prefeitura de Porto Alegre, e como Conselheira Estadual da Cultura. “Ela é uma pessoa que se preocupa muito mais com os outros do que com ela mesma”, constata Lesliey Gonsales. As duas são sócias em um escritório de Direito. Como delegada da Defender, Jacqueline está pesquisando todo o histórico do Cais do Porto para pedir o tombamento do local como patrimônio cultural. No blog e no portal, ela atualiza a população sobre as pautas da cidade. No Meu Bairro, recentemente, ela questionou a necessidade do cercamento do Parque Farroupilha, a popular Redenção. “Prepare-se. Informe-se. Participe”, escreveu Jacqueline, incentivando seus leitores. Por acumular tantas funções, ela confessa que não tem muito tempo para sua vida pessoal. Inclusive, realiza as atividades do escritório aos finais de semana, nas horas vagas. Porém, ela fez uma promessa: assistir a um filme com a família todas as noites de sábado. Apesar de ser apaixonada por arte desde a infância, Jacqueline começou a carreira cursando Medicina, profissão que exerceu por três anos. Depois, fez sua segunda graduação, em Artes Plásticas, mas não chegou a atuar. Em 2005, ela era umas das responsáveis pela parte financeira
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de uma empresa. As atividades a entediavam muito. Por isso, resolveu tirar férias e fazer cursinho para concurso. Ela concluiu que “todos os concursos legais eram na área do Direito”. Foi aprovada para Receita Federal. Por esse motivo, voltou para a academia a fim de se formar no ramo. No segundo ano da Faculdade Superior do Ministério Público, ajudou a fundar o Grupo de Estudos em Direito Urbanístico da Faculdade do Ministério Público. O grupo, coordenado pela doutora em Planejamento Urbano e Regional Betânia Alfonsin, estudou uma forma de evitar a venda das passagens de pedestres da Vila Assunção, em 2010. “Nosso grupo descobriu”, orgulhase a professora. Ela explica que a venda de qualquer espaço público requer avaliação detalhada, além de apresentar um parecer comprovando que a negociação não será uma perda para a população. “As 150 passagens estavam sendo vendidas para os vizinhos fazerem churrasqueira, era interesse individual”, justifica. A Legislação Federal determina que, quando o poder público for vender um bem como esse, uma lei específica precisa ser aprovada, mas, nesse caso, a prefeitura mandou um “cheque em branco”, segundo ela, que permitia a venda de todas as passagens da Capital. O que seria ilegal.
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Essas informações resultaram das pesquisas do grupo e foram determinantes para o sucesso da empreitada. “Cresci brincando na Vila Assunção, andando de bicicleta. Quando descobri que as passagens estavam à venda, resolvi tomar uma atitude para impedir”, conta Jacqueline. Até hoje, a questão não está totalmente resolvida, pois as passagens que foram vendidas não foram devolvidas, continuam em análise. Por conta desse imbróglio, a arte voltou para a vida de Jacqueline. “Sempre fui uma apaixonada por arte, e patrimônio público tem a ver com isso”, empolga-se. Em 2006, a prefeitura propôs derrubar dezenas de árvores na Rua Gonçalo de Carvalho para a construção de um edifício cujos primeiros dois andares serviriam para sediar a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Os outros 10 ou 12 seriam utilizados como garagem. Nesse caso, Jacqueline percebeu que havia uma brecha para que, após o poder público injetar dinheiro, o estacionamento passar para o controle privado. Na época, os idealizadores do projeto usaram a Ospa, que não tem casa até hoje, para sensibilizar a opinião pública. “Conseguimos barrar pelas mesmas questões jurídicas que levantamos na questão das passagens”, comemora. Nessa questão, Jacqueline
organizou um abaixo-assinado, e o caso foi levado à audiência pública. Os moradores participaram ativamente e conseguiram reverter a situação. “Aquele túnel verde da Gonçalo de Carvalho é lindo, merecia a mobilização. A participação popular foi interessante e o nosso trabalho foi juridica e socialmente relevante”, reforça Betânia. O trabalho de conclusão de curso de Jacqueline na Faculdade do Ministério Público foi sobre a participação popular na proteção do patrimônio cultural em Porto Alegre, sob orientação de Betânia. Foram analisados quatro casos para exemplificar o quanto a mobilização da população consegue reverter as situações a seu favor. Betânia ressalta que a “participação popular também foi indispensável para o cancelamento da venda de 74 hectares do Morro Santa Teresa para empresas privadas”, que ocorreria durante o mandato de Yeda Crusius como governadora, em 2010. Essa foi mais uma situação estudada por Jacqueline em seu trabalho de conclusão de curso. As organizações defensoras do ambiente e das moradias populares uniram-se e pressionaram para que o negócio não fosse concluído. Porém, o secretário da Justiça e Desenvolvimento Social do Estado
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daquele período, Fernando Schüller, diz ter a “impressão de que a retirada do projeto não se deu em função da resistência popular”. Conforme ele, o “governo Yeda sustentou muitos outros projetos que apresentavam muito mais resistência”, além de esse sempre ter tido apoio muito forte e maioria na Assembleia Legislativa: “Talvez, a governadora tenha retirado exatamente por achar que uma parte da sociedade não tinha compreendido o sentido do projeto”. Schüller garante que não havia nenhum problema jurídico, pois “foi elaborado por uma equipe de primeiríssima linha”. Ele explica também que os hectares não seriam vendidos, mas permutados. Ou seja, o Estado cederia aquele espaço, onde se encontra o complexo da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), e receberia unidades descentralizadas em troca. “É simplista dizer que o projeto era do governo Yeda, visto que foi criado e conduzido pelos juízes da infância de Porto Alegre, pelo Ministério Público do Estado, pela Defensoria Pública do Estado e pela OAB”. Essas instituições criaram o projeto porque o complexo da Fase no morro Santa Teresa abriga aproximadamente 600 jovens, egressos de várias partes do Estado, descumprindo as regras do Sistema Nacional Sócioeducativo (Sinase), que determina que as unidades não tenham mais que 90 internos. Rodrigo Wenzel, assessor do deputado Adilson Troca, líder do governo naquela oportunidade, lembra que houve muitas reuniões com todas as partes envolvidas para que
chegassem a um acordo. Jacqueline aponta que “cerca de mil famílias seriam desalojadas, causaria um irreversível dano ambiental, pois muitas árvores seriam abatidas”. Schüller insiste que “as áreas ocupadas pelas comunidades não entrariam na permuta”. Quando assumiu o Estado, em 2011, Tarso Genro começou a regularização fundiária, um processo que inclui medidas jurídicas, ambientais, urbanísticas e sociais para legalizar as moradias. Com a experiência adquirida nesses casos, Jacqueline candidatou-se à presidência do Centro Cultural de Desenvolvimento (CCD). Foi eleita. Ela lembra com emoção do dia em que o “PortoAlegre.cc” foi lançado. A plataforma digital surgida em 2011 tem o objetivo de reunir os cidadãos para discutirem a cidade e elegerem prioridades. Na ocasião, a fundação do Centro Cultural da Zona Sul, que é a principal luta de Jacqueline atualmente, foi o projeto mais votado. Para comemorar, ocorreu um piquenique, no jardim, com a presença de cerca de 150 pessoas. Jacqueline não tira o sorriso do rosto enquanto recorda o evento. Não esconde a satisfação. O objetivo de Jacqueline é a utilização total do espaço localizado na rua Landell de Moura, na Tristeza, como centro cultural, como um ambiente de convivência artística e agradável. A partir da interferência do “PortoAlegre.cc”, o CCD já tinha a estratégia planejada para ocupar todo o espaço, com documentação encaminhada. Já havia conversas
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avançadas com o secretário da Cultura de Tarso Genro, Luiz Antônio de Assis Brasil. “O sonho parecia próximo de se realizar”, conta Jacqueline. Mas não ocorreu da forma que ela imaginava e esperava. Um mês depois, o local foi loteado para entidades em uma audiência pública. Jacqueline indignou-se, pois, legalmente, o CCD tinha a cedência do prédio, de acordo com ela, e deveria ter sido avisado antes. Mas não foi. Assis Brasil justifica: “o que tinha ocorrido antes era uma cessão, mas não estava documentada de uma forma legalmente aceitável”. O melhor prédio ficou com a Primeira Região Tradicionalista do Movimento de Tradições Gaúchas. “Foi um canetaço que deu o espaço para eles”, revolta-se Jacqueline. A Associação dos Escultores não tinha sede, então ocupou uma das pequenas salas. Assis Brasil pondera: “Fizemos da maneira mais democrática possível, reunimos os representantes das diferentes instituições que lá estavam”. Algenor Luvizon, vice-presidente da Confederação Brasileira de Tradicionalismo e sub-coordenador da zona Sul de Porto Alegre, responsável pela Primeira Região Tradicionalista do Movimento de Tradições Gaúchas, argumenta que seu prédio é legalizado e o único reformado. “Isso aqui ainda não é um Centro Cultural, espero que consigamos, pois nós também lidamos com cultura”, enfatiza. Ele comenta que recebeu a autorização da Secretaria de Cultura, reformou
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em 2013 e tem comodato por 20 anos. No local, eles treinam avaliadores para concursos de cultura gaúcha, de danças tradicionais, de declamação e de intérpretes vocais. Estão inaugurando uma biblioteca e, em breve, realizarão uma feira do livro. Atualmente, o único prédio sob o controle do CCD é aberto para ensaios de peças e apresentações de teatro e shows. Jacqueline acredita que os públicos das quatro entidades são diferentes. “Cada um tem o seu objetivo, fica muito complicado. O MTG tem uma outra visão de vida. O nosso público são os artistas”, avalia Jacqueline. A Associação da Feira do Artesanato quer fazer comércio, o que é um terceiro interesse, dificultando ainda mais a convivência, segundo ela. Assis Brasil explica que a intenção era resolver a questão até o fim da gestão, que o jurídico tentou de todas as maneiras. “Não foi possível exatamente porque queríamos estar dentro da lei. Os problemas foram de natureza legal. É uma legislação muito complicada, porque implica cedência a uma instituição privada”, afirma. Ele diz que precisaria, inclusive, da autorização da Assembleia Legislativa. Para criar um Centro Cultural, teria de haver um CNPJ único, o que exigiria um entendimento total entre todas as partes envolvidas. O CCD conta com associados, que contribuem financeiramente. Para utilizar o prédio, Jacqueline pede uma doação, não um pagamento formal. Ela tenta fazer com que todos os
eventos que ocorrem no espaço da Landell de Moura sejam divulgados na cidade com o nome do Centro Cultural, para reforçar a identidade. A renovação do convênio do CCD - uma espécie de contrato grátis que cede o espaço e precisa ser renovado a cada cinco anos - ficou pendente com o Jurídico do Estado por cerca de um ano. De acordo com a assessoria jurídica da atual gestão da Secretaria da Cultura, havia dúvidas se eles poderiam ceder um espaço público a um órgão presidido por uma conselheira de cultura (nessa função, Jacqueline presta assessoramento na escolha dos projetos que serão agraciados com as leis de incentivo). O convênio só foi renovado quando concluíram que ela não era servidora, mas conselheira. O jurídico dessa gestão já analisou e, definitvamente, cada entidade é uma personalidade jurídica diferente, até para definir o espaço que cada um ocupa. Por isso, a impossibilidade da instalação do Centro Cultural neste momento, falando em termos legais. “Está ficando cada vez mais complicado, mas não vou desistir”, desabafa Jacqueline, que não consegue ficar calada diante da desvalorização e da perda do patrimônio público. O futuro é incerto, provavelmente muitos empecilhos ainda virão, mas Jacqueline dá sinais de que não desistirá do seu sonho, que também é um desejo da comunidade. Na página do facebook, que tem mais de 3 mil curtidas, o
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usuário Vinicius Vieira elogia: “O Centro Cultural Zona Sul deixa as pessoas felizes”. Entusiasmada, Jacqueline confirma: “Todo mundo que chega aqui, diz que é um lugar maravilhoso”. Jacqueline relembra que, logo após a chegada das outras entidades, a Secretaria da Cultura recebeu uma denúncia anônima da ocupação do prédio que ainda estava com o CCD, e a notificou, mas prometeram que não haveria represálias, pois eles estavam com conversas adiantadas para a ocupação. Já houve diálogos com os secretários da Cultura de três governos, e agora as tratativas seguem com Victor Hugo, atual chefe da pasta. Lesliey, a sócia que também é presidente da Associação dos Empresários da Tristeza e Zona Sul, orgulha-se da amiga: “A Jacqueline tem desprendimento, capacidade, é genial”. A associação é formada somente por empresários que contribuem de forma voluntária, em nome do bairro. Por isso, assegura, não há conflito de interesses e ela consegue realizar seus eventos no Centro Cultural. Em abril, ela organizou, com patrocínio e apoio da Prefeitura e de empresas, a 4ª edição Feira do Livro da Zona Sul, que recebeu entre 4,5 mil e 5 mil convidados. Em 2014, uma empresa privada de tintas solicitou permissão para gravar um comercial no Centro Cultural. Eles pintariam todo o espaço, da cor que
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Jacqueline quisesse. “Fiquei super feliz, não é todo dia que temos esse tipo de oferta”. Mais uma vez, ela se decepcionou. O governo barrou. Assis Brasil ressalta que, novamente, o problema era de natureza jurídica. “No Centro Cultural, ainda não estava instituída uma sociedade privada que pudesse intermediar. Não é um caso isolado, situações como essa ocorrem com frequência. Infelizmente. É um problema estrutural e administrativo que é impossível de resolver em quatro anos”, lamenta. A professora Betânia não poupa elogios a Jacqueline: “É super capacitada, merece todo o tipo de homenagem”. As duas são “militantes do espaço público”. A luta é, segundo Betânia, por “menos automóveis, mais pessoas. A solução é revitalizar, promover eventos, fazer com que a comunidade se envolva, privatização não é solução para nada”. Não trabalham mais juntas, mas se encontraram recentemente em um show na Orla em frente ao Cais. “Nossos governantes precisam entender que a cidade não é uma mercadoria”, enfatiza Betânia. Mesmo com todos os problemas e dificuldades, Jacqueline não perde o bom humor ao falar sobre o tema. O sonho de ter um espaço ideal não acabou. Ela afirma que, pelo menos por enquanto, não se arrepende de tanta dedicação. N
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Faça chuva. Faça sol. As Ruas de Porto Alegre sempre estarão tomadas por pessoas que se deslocam. Passando umas pelas outras. Algumas se cumprimentam. Outras se apaixonam. Há os que correm, passeiam, trabalham e caminham em direção a outros. São desconhecidos que vivem e choram os mesmos sentimentos, dores, suplícios que você. Ensaio Fotográfico: Louisiane Cardoso
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Voz do vizinho Texto: Amanda Mainieri â&#x20AC;˘ Fotografia: Louisiane Cardoso
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altencir Cruz trabalha em uma redação sem repartições, localizada em um prédio. O andar é constituído também por um salão de beleza e um estúdio de tatuagem. O jornal em questão é o Vitrine, no bairro Restinga, zona sul de Porto Alegre, cujo cunho comunitário surgiu com o tempo. Valtencir tem 47 anos. Criou o jornal há seis. São 10 mil exemplares a cada edição, quinzenal. Formado em Administração, Valtencir credita o bom momento da empresa à sua formação. “Acho que o sucesso do jornal como empresa se dá mais pelo fato de eu ser administrador e não propriamente jornalista. Tem gente bem mais preparada na parte jornalística, só que o pessoal acaba pecando em outras coisas que fiz, que foi fazer o jornal evoluir como empresa”, explica. Apesar de não ter a formação em Jornalismo, o registro
do Tribunal Regional do Trabalho já foi oficializado. Embora acredite na importância do diploma, ele diz que aproveitou uma oportunidade que acabou surgindo. O membro da Associação do Comércio e da Indústria do bairro Restinga, não encontrava um jornal para divulgação das ações da associação. Baseado neste fato, resolveu, com a ajuda de um sócio, criar um periódico e suprir esta necessidade. Era um espaço que havia na comunidade, eles viram uma oportunidade de negócio. O Jornalismo Comunitário com o qual Valtencir atualmente trabalha atua exclusivamente sobre os fatos cotidianos de um ou mais bairros. Ele também é conhecido como uma ação comunicativa exercida pelos moradores da comunidade, pois possibilita dar voz a quem muitas vezes não é considerado na grande mídia. Beatriz
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Dornelles, professora do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), diz que os jornais comunitários se caracterizam por fornecer um fluxo de notícias específicas para ajudar na comunicação com as instituições governamentais e comodidades da vida urbana. Além disso, possibilitam interpretar, num contexto significativo e afetivo, os acontecimentos externos que são importantes para a comunidade alvo, além de possuir distribuição gratuita. Segundo Beatriz, para o jornal ser considerado comunitário, ele não pode visar lucro: tem que ganhar o suficiente pra pagar o trabalho dos empregados e as despesas. Em Porto Alegre, o começo dos jornais voltados aos interesses do bairro se deu em 1954, segundo pesquisa do jornalista Gustavo Cruz em seu trabalho de conclusão de curso, intitulado Consolidação dos Jornais de Bairro em Porto Alegre, em 2000. O primeiro jornal, o SABIdo, foi implantado na zona sul da Capital e pertencia à Sociedade de Amigos dos Balneários de Ipanema (SABI). O periódico durou apenas quatro anos. O seu fim foi marcado pela estagnação da SABI e a diminuição do tempo dedicado a sua produção pelo responsável, o administrador Odemar Marino Ferlauto. Em 1995, eram 43 os jornais de bairro existentes na Capital, número que baixou para 18 em 1999. Em 1995 surgiu a Associação dos Jornais de Porto Alegre (Ajopoa). A iniciativa foi da professora Beatriz, que também foi a primeira presidente da instituição. Nenhum dos jornal buscava o lucro. Geralmente os respon-
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sáveis tinham outro emprego e financiavam as publicações. Os anúncios cobriram as despesas da impressão do periódico e o pagamento da equipe de distribuição. Para ela, na época em que fundou a Associação os jornais tinham uma ótima qualidade. “As gráficas eram de ponta, a diagramação maravilhosa, os textos variavam. Quem estava trabalhando com estudante tinha textos melhores. Quando eles mesmos produziam o conteúdo era um pouco mais baixa a qualidade”, explica. Mas os jornais de bairro, de cunho comunitário, existem até hoje. Embora o dado oficial não seja atualizado, atualmente o número de associados na Ajopoa é de 16, como é o caso do Jornal Vitrine. O Vitrine começou como uma empresa comercial que tinha o intuito de ser apenas um jornal de anúncios, o que não se confirmou. Naquele momento, Valtencir deixava de ser apenas um administrador e entrava de vez no jornalismo. Por acreditar que a Restinga é um bairro estigmatizado pela violência, fora da região, principalmente pela grande mídia, o administrador, juntamente com o então sócio, o profissional de marketing Jhonata Phetersen, resolveu entrar no ramo do jornal comunitário. “A gente viu que na grande mídia, sempre que tem algum fato negativo, todos divulgam. Só que as coisas boas que acontecem aqui, e tem muita coisa boa, ninguém mostrava. Então nós adotamos esta posição, de comunitário”, conta. No jornal são divulgados os acontecimentos da Restinga, as novidades das associações comunitárias e das entidades de assistência. A impressão de Valtencir, de que o bairro Restinga é estigmatizado, se
confirma. Devido a problemas habitacionais existentes na Capital entre os anos 1960 e 1970, o então prefeito Célio Marques Fernandes criou o Departamento Municipal de Habitação (Demhab), em 1965. Uma das primeiras ações do departamento foi retirar os habitantes da vilas Theodora, Marítimos, Ilhota e Santa Luzia, todas localizadas na área central da cidade, em áreas alagadiças, e transferir para um local inabitado, na época com poucas condições de estrutura e sem serviços, localizado a 22 quilômetros do centro de Porto Alegre. O transporte público da época era ainda mais deficiente e caro do que o atual, pois a passagem integrada não existia. Enquanto o bilhete para bairros próximos, como Azenha, Santana e Bom Fim, tinha um valor, o morador da Restinga chegava a pagar cerca de três vezes mais. A intenção do Departamento era criar um Polo Industrial no novo bairro, porém o projeto não deu certo, veio a vingar apenas na década de 90. Durante este tempo, boa parte da população ficou desassistida, criando a imagem de que o bairro é marginalizado. A Restinga conta hoje com uma população três vezes maior que a inicial. Segundo a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, possui 60.729 habitantes, 4,31% da população da Capital. O bairro tornou-se oficial, via Lei n. 6571, em 1990. Por conta do crescimento da cidade, a Restinga não é mais isolada. Oferece transporte, telefone, posto de saúde, hospital e instituições de ensino. Com todas estas condições, o trabalho feito no jornal por Valtencir foi
viabilizado e, depois de um tempo, bem aceito pela comunidade. Quando o Vitrine nasceu, em março de 2009, Valtencir e Jonatha entregavam o jornal na porta das casas. Com distribuição quinzenal e circulação também no bairro Hípica, os moradores foram forçados a conhecer o jornal, como o administrador aponta. Só 2 mil exemplares, da tiragem de 10 mil, eram colocados no comércio. Os outros 8 mil eram entregues na porta das casas. Com o tempo, o processo se inverteu. Hoje ele é distribuído apenas no comércio, e a tiragem, igual a do início, se esgota geralmente em uma semana. A procura foi tão gratificante, que ele resolveu criar outro, o Vitrine Extremo Sul, que circula nos bairros Belém Novo, Ponta Grossa, Serraria e Lami, e tem edições mensais. No início, o jornal era feito somente por Valtencir, que cuidava da parte comercial, e Jonatha, que ficava com a redação. Era mensal e tinha 16 páginas. Ele foi crescendo e hoje conta com uma média de 24 páginas. Hoje, além de Valtencir, a equipe é formada por mais quatro pessoas: Josi Gabriel da Costa, no comercial, Ananda See-vald e William Silva, na diagramação e design, e, Luan Cruz na distribuição. “Tranquilo e um pouco exigente”. É assim que Alana descreve Valtencir. William concorda, e ainda diz que o chefe é controlador, mas com um bom motivo. “Como cuida do jornal sozinho, ele tem que inspecionar todas as áreas, tudo tem que passar por ele, então ele tenta centralizar tudo”, explica. Já para Luan, filho e funcionário de Valtencir, a relação pai e filho acaba se misturando com a de chefe e funcionário. O que ele avalia isso como um ponto positivo. “A
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gente acaba tendo mais abertura pra discutir as questões do jornal. Mas eu sou filho do dono, e justamente por isso, não posso decepcionar. Isso é bom, eu me sinto responsável”, conta Luan. Com a equipe composta por cinco pessoas, o Vitrine conta com as editorias de Educação, Geral, Agenda, Porto Alegre, Empregos, Tradicionalismo, Esporte, Segurança, Culinária, Entretenimento e Classificados. Além das editorias tradicionais, o periódico tem ainda espaços focados em eventos e também na comunidade, como as editorias Leitor, Vitrine na Balada e Em Off, que traz dicas, por exemplo, de músicas e documentários. O Vitrine Extremo Sul conta com as editorias de Educação, Geral, Saúde, Ecologia, Solidariedade, Cultura, Entretenimento e Classificados. O administrador diz, com certo orgulho, que quebrou aquele paradigma de que a notícia ruim é a que mais atrai o leitor. Em duas oportunidades, foram colocadas chamadas na capa com acontecimentos negativos. Um assassinato e um temporal que atingiu toda Porto Alegre e provocou a queda de árvores, deixando casas destelhadas. O Jornal Vitrine, que costuma esgotar os 10 mil exemplares em uma semana, nestes dois casos teve outro resultado. A edição seguinte já havia chegado e a antiga ainda estava nos expositores. Segundo ele, mesmo que o jornal seja gratuito, as pessoas só pegam se acharem interessante. O episódio foi uma prova de que na Restinga as pessoas não querem ver notícia ruim. “Não é o que elas querem ver. Então a nossa posição está correta, de mostrar as coisas boas da região”, garante.
O jornal não só mostra as coisas boas, como também denuncia certos problemas. Os moradores costumam procurar Valtencir e sua equipe para retratar buracos nas ruas, postes que estão para cair, entre outros assuntos estruturais. Porém, tais problemas, muitas vezes, nem chegam a ser publicados. “A gente entra em contato com o órgão competente e informa o problema e a data de publicação do jornal. Então o pessoal acaba arrumando antes de ser publicado”, conta. Entre o orgulho que mostra em ajudar a região, ele também ressalta que muitas vezes as pessoas acham que o jornal é a solução para tudo. Ele explica: “É normal as pessoas chegarem e denunciarem coisas como um bicho na comida em tal restaurante, mas eu não posso colocar isso no jornal sem prova nenhuma”. Denúncia, aliás, é uma das características do ramo comunitário. O Oi! foi o jornal mais importante da categoria, segundo Beatriz. Ele circulava no bairro Menino Deus e imediações. O jornal era pequeno, mas mesmo com algumas dificuldades, cresceu a ponto de chegar aos 30 mil exemplares. Em 1997 o jornal, pertencente ao jornalista Hélio Gama, tinha como foco da publicação a denúncia. Os interesses da sociedade eram as pautas de cada edição, sempre com assuntos polêmicos. Ao divulgar os problemas e a história do bairro, os jornais ajudam, também, a criar um arquivo de Porto alegre. Para Beatriz, a importância dos jornais comunitários fora dos bairros se dá pelos estudos que futuramente podem ser feitos. “Nas fotografias publicadas nos jornais de bairro é possível ver a mudança nas ruas, nas árvores e nas casas que foram destruídas. E
isso tu só vai encontrar nesses jornais mesmo, na Zero Hora é difícil encontrar fotos de ruas assim. Além das notícias, coisas que só são publicadas ali, problemas do bairro”, explica. Beatriz tenta incentivar os jornais. Atualmente trabalha na Associação Riograndense de Imprensa (ARI), mas não consegue. Segundo ela, para muitos, o negócio não dá dinheiro: “Nem todo mundo consegue fazer disso um único trabalho, tem que ter outro. Eles conseguem pagar as contas quando dão sorte. Tu cansas de te envolver o dia inteiro e não ganhar nada. Tu não te sustentas, tu olhas pra frente e não vês futuro.” Para ela, o motivo da queda no número de periódicos na Capital é a economia. Com a ascensão da internet, ela diz que a situação piora. A tendência é eles irem morrendo no sentido econômico. Mas nem todos pensam assim. Confiante, Valtencir diz que, ao criar o jornal, esperava que ele crescesse. Foi feito um planejamento, com metas estabelecidas de onde ele queria chegar e em quanto tempo. Uma das metas era que em seis meses o jornal passaria a ser quinzenal, e que em mais seis meses, seria criado outro jornal. Tudo já estava bem organizado, menos a transformção em jornal comunitário. Fato tratado como um dos maiores trunfos de sua carreira. Acha que ele vai parar por aí? Se engana quem pensa. “O próximo objetivo eu já tenho estabelecido. Até o final do ano, quero criar um outro jornal numa outra região da cidade. Não sei se vai dar pra cumprir, é uma meta”, conta com certa confiança. N
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Se Porto Alegre tivesse uma carteira de identidade, o Cais Mauá seria a foto. Não tem como não pensar na Capital sem imaginar o cais, os guindastes, os armazéns. É o meio mais expressivo de relacionamento com a nossa cidade.
Ensaio Fotográfico: Muriel Krolikowski
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TEXTO: ANA PAULA CONRAD • FOTOGRAFIA: MURIEL KROLIKOWSKI
Por um nov
Cais
A
luz do luar e das lâmpadas na Avenida Sepúlveda, localizada no Centro de Porto Alegre, iluminam o grupo de pessoas. O encontro é marcado para discutir com a população os problemas de insegurança que a cidade de Porto Alegre enfrenta nas ruas, principalmente à noite. É a Serenata Iluminada, que conta com a participação de mais de mil manifestantes. O evento acontece em frente à entrada principal do Cais, e também por ele estar fechado para a população, protesta contra o atual projeto de revitalização do Cais Mauá. No começo, as edições eram realizadas no próprio espaço de embarque. Na reunião, os coletivos Cais Mauá de Todos e Ocupa Cais Mauá organizam as atividades. Karoline Bitello, 27
anos, socióloga, moradora do Centro, é uma das integrantes do Ocupa Cais Mauá. O movimento busca conquistar o espaço para usos de interesse público. Atualmente, o lugar está parcialmente encoberto por outdoors e muros, que anunciam reforma na beira do Guaíba. O projeto que foi aceito para a revitalização do espaço contempla mais lugares para estacionamento de carros e um grande shopping. Estas construções estão entre as reclamações que Karoline faz. “Queremos um lugar para as pessoas. Porto Alegre não precisa de mais uma torre de shopping e muito menos de valorização para os usuários de automóvel”, enfatiza. A socióloga relata que Porto Alegre está virada de costas para o rio, o que
não poderia acontecer, já que a cidade existe por conta do Guaíba. Amiger Oliveira trabalha atualmente na Assembleia Legislativa e anteriormente atuou na Secretaria da Fazenda, ambos localizadas no Centro. Amiger não disfarça seu afeto pela existência do Cais: “Pra mim, que sou do interior, de Rosário do Sul, é muito importante ter uma ligação com o rio. Hoje em dia não tenho porque o Cais foi fechado, transformado em iniciativa privada”, expõe. Karoline foi umas das fundadoras do grupo que reclama o espaço do Cais para as pessoas. A socióloga costumava frequentar o lugar para tomar chimarrão e ver o pôr do sol com os amigos, assim como Ana Lucia Fialho, que morou por seis anos da Rua Duque de Caxias, no Centro Histórico. Formada em Economia e com especialização em Urbanismo, Ana destaca a falta de espaço para a convivência: “Frequentei o Cais com 18 anos, ia com os amigos e também namorava. Agora não temos mais essa oportunidade. É estranho analisar que o que é da gente não é da gente, o lugar pode ser tomado e ser transformado em um porto não acessível”. Tereza Albano, ex-arquiteta da prefeitura da Capital, reclama da falta de um projeto concreto para a revitalização. “O Cais sempre esteve relacionado com o espaço urbano. Foi um ponto de comércio. Não aceito a implantação de um shopping na
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Praça Brigadeiro Sampaio e o espaço do estacionamento fazendo a ligação da Usina do Gasômetro com o Porto”, afirma. Assim como ela, a também arquiteta Maria Danilo defende a preservação da identidade da construção original do espaço: “Sou contra a demolição do armazém A7, já que a sua destruição foi aceita. Nosso porto é símbolo da cidade e tem características da colonização que devem ser preservadas”. Na luta pela preservação da estrutura e da história do Cais está, também, o bibliotecário da Secretaria de Portos e Hidrovias, Jorge Fernandes. A biblioteca possui materiais tombados com lembranças da estrutura do local nos anos que se seguiram à inauguração, bem como o aterramento da região que possibilitou uma área maior das operações. Para Fernandes, a história do Cais deve ser preservada. “Recebemos muitos pesquisadores aqui da cidade, do Estado e do Brasil. Já formos procurados por um coletivo do Chile, pessoas dos Estados Unidos, Alemanha e Japão”, conta. Em 2011 a posse da área foi entregue pelo então governador Tarso Genro (PT) à empresa Cais Mauá Brasil SA, vencedora da licitação para revitalização do espaço. Em 2013, o consórcio apresentou o projeto ao prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT). A proposta de revitalização segundo o secretário do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais, Edemar Tutikian, pretende construir,
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“no local dos armazéns, lugares de gastronomia, lazer, eventos culturais”, afirma. Além disso o projeto também prevê torres de comércio, hotéis, shoppings, estacionamentos e também procura preservar os guindastes antigos. Procurados pela reportagem os responsáveis pela transformação e também administradores da empresa Cais Mauá Brasil SA não quiseram se manifestar sobre a atual situação da revitalização. Karoline tem 1m50cm, metade do tamanho do muro que separa a cidade do Cais Mauá. Ela, assim como boa parte da população, defende a diminuição do muro: “Ele tem cerca de 3 metros, nós queremos que a prefeitura diminua o tamanho pela metade, para as pessoas poderem ver por cima dele a beleza que o rio nos reserva”, ressalta. Jorge Luíz Stocker, presidente da Defender, organização não governamental, afirma que a revitalização proposta pelo consórcio Cais Mauá Brasil SA vai causar “um ruído na paisagem da cidade, descaracterizando a principal identidade”. Para Stocker a estrutura vai alimentar uma espécie de espetacularização da cultura. “Vai ser algo genérico e sem vida, o espaço precisa ser vivo e necessita de uma maior intervenção, uma alma”, acrescenta. Segundo o estudante de Arquitetura, o sentido da preservação vai
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além do espaço físico. Futuras gerações terão “carência de lugares como o Cais do Porto, que possibilita uma interação natural com o ambiente”, defende. Durante a Serenata Iluminada, que ocorreu em 23 de março de 2015 na Avenida Sepúlveda, Karoline montava a barraquinha do movimento Ocupa Cais, recolhia assinaturas para o abaixo-assinado a ser entregue à prefeitura e pintava camisetas com o nome do grupo para vendê-las. A atividade era realizada por Karoline com grande motivação. A integrante do grupo expressava, na sua própria atitude, a felicidade por estar vendo uma grande concentração de pessoas no ato. Acreditava que o Cais do Porto poderia se tornar um lugar para o povo e não para empresários. Fernandes, ao ser questionado sobre a importância do Cais para a cidade e o acesso não mais permitido para a população, afirma que atrás do muro ainda bate um coração e que é necessário lutar pelo espaço e por uma ideia melhor para a revitalização do Cais Mauá. Para Tutikian o projeto está avançando: “A empresa concluiu o estudo de impacto ambiental e o estudo de mobilidade urbana. Está na análise final da prefeitura e nos próximos dias vamos realizar uma audiência pública para a apresentação dos estudos, como prevê a lei”, destaca. N
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Modificações fazem parte do dia a dia. Quando elas atingem prédios e os transformam em espaços que possam ser utilizados pelo público, criam um novo vínculo com a cidade, assim como o complexo Vila Flores, mostrado nesse ensaio. Ensaio Fotográfico: Muriel Krolikowski
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Vila das cores TEXTO: MARCELO FREY • FOTOGRAFIA: MURIEL KROLIKOWSKI
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aredes corroídas pelo tempo, telhados incompletos, quartos já sem portas, pisos em construção e estruturas deixadas para trás há décadas. Esta pode parecer a descrição de um espaço esquecido, mas no caso do Vila Flores a situação é bem diferente. O projeto coletivo de arquitetos e produtores culturais busca não só trazer entretenimento à comunidade do bairro Floresta, mas dar àquela área uma nova vida, provocando reflexão e questionamentos sociais relevantes. Isto através da revitalização da morada coletiva construída na década de 1920 por José Lutzenberger. O projeto arquitetônico original fez parte de uma série de construções da época que levaram a assinatura do arquiteto alemão originário da Bavária. Lutzenberger era um ilustrador que atuou como artista gráfico no seu país de origem principalmente durante a Primeira Guerra Mundial, fazendo um renomado trabalho com ilustrações de edificações em aquarela. Depois da derrota germânica, o artista buscou refúgio na capital do Rio Grande do Sul, continuando a produzir as suas gravuras, mas também passando a exercer sua formação acadêmica. Neste período, o arquiteto projetou estruturas importantes para diversas zonas da cidade. Uma delas, relevante até os dias de hoje, é o Pão dos Pobres. Ainda nessa época, foi pensada também uma moradia coletiva para os trabalhadores do Quarto Distrito, região que então era conhecida pela grande concentração de indústrias. Foi assim que nasceu o embrião do Vila Flores. A edificação ocupa toda a esquina da Rua Hoffman com a Rua São Carlos.
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*** Uma porta singela, com uma segunda porta de grade, recebe as pessoas. Com detalhes enferrujados e uma leve rajada de ar, uma sensação de solidão pode enganar quem está conhecendo a edificação. No entanto, uma luz literalmente ao fim do corredor dá boas-vindas aos visitantes do Vila Flores, apresentado-os a uma enorme variedade de elementos culturais. O complexo, composto por dois prédios e um galpão, expressa o verdadeiro contraste do novo – contestador e diferente – com o velho – formal e sólido. O hall de entrada praticamente inexiste. Um corredor escuro conduzia o visitante tanto para dois lances de escadas quanto para o pátio central. As escadarias acomodavam o intenso fluxo de pessoas que moravam lá. Os primeiros andares reservavam apartamentos para as famílias dos operários da época. Além da sala integrada, cozinha, banheiro e dois quartos, todos os cômodos possuem uma varanda com tanque – onde os moradores podiam relaxar. Hoje os líderes do Vila Flores reformam estas acomodações para abrigar apoiadores que pretendem transformar o ambiente em sedes de suas empresas, start-ups e escritórios, como já fazem a AC Arquitetura, o grupo Caixa do Elefante Teatro de Bonecos, a KOM Bikes e 17 outros. Acima destes três andares, o que poderia ser um sótão foi projetado para ser mais uma área de moradia. Quartos mínimos foram construídos alinhados para receber trabalhadores de menor renda. Ao fim deste corredor, que intercala os
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cômodos com lances de escada, há também um local reservado para a confraternização, com cozinha, banheiro e lavanderia. Sua finalidade era criar uma convivência entre estas pessoas que moravam sozinhas. O edifício foi levantado por uma importante construtora alemã, usando materiais importados e ideias que ainda não eram postas em prática aqui. João Wallig, atual proprietário, admira a precisão da obra: “Naquela época, eles criaram um sistema de ventilação de ar cruzado e fizeram com que todos os apartamentos tivessem exposição solar controlada [evitando que os cômodos fossem muito quentes ou muito frios]”. Destaques positivos não faltam. Todas as acomodações construídas lá ficaram voltadas para o pátio, espaço verde que estimula até hoje a interação de quem ocupa o complexo. Atualmente, o pátio central continua exercendo sua função original. O prédio principal é todo voltado para este pátio onde as pessoas gozam de momentos de descontração. Ao seu lado direito, existem mais alguns prédios de moradia. Inabitáveis e destroçados pelo tempo, tornaram-se quase obras de arte. Com escadarias aos pedaços, fios desencapados e azulejos quebrados, estas pequenas construções conjugadas são embelezadas por grafites e colagens fotográficas que indicam uma preocupação com o trabalho de vanguarda. Lado a lado, alguns coletivos ainda buscam sua reabilitação, estabelecendo lá seus negócios. Já do outro lado há o galpão, construção que originalmente abrigava o estábulo. No início do
século passado, o cavalo ainda fazia a função de meio de transporte, e tanto os operários quanto os visitantes que vinham de longe usavam o espaço para cuidar de seus animais. A localização foi pensada estrategicamente. Assim, todos que chegassem no interior da morada estariam aos olhos dos presentes. *** Passados quase cem anos, a cavalaria ainda está de pé, mostrando a qualidade dos materiais usados na construção. Mas hoje o estábulo virou uma bela galeria. A madeira foi envernizada, as baias, derrubadas, e o piso, refeito. Artistas buscam um espaço para exibir suas obras e criam um contraste entre a arte moderna e o clássico galpão da década de 1920. Com o passar dos anos, o edifício de Lutzenberger foi perdendo cor, vibração e vida. Em paralelo a isso, Porto Alegre foi se tornando um município mais violento. A população da região passou cada vez mais a se proteger em suas casas, principalmente após o estabelecimento da Vila Terezinha, como afirma Claudinei Gomes, inspetor da Polícia Civil que atua há mais de 20 anos no bairro: “A vila é o nosso principal problema aqui. Desde que ela surgiu nós temos como principais ocorrências roubo de carro, pequenos furtos e invasão domiciliar”. O Floresta era então frequentado por pessoas que não só buscavam a droga, mas também dinheiro e objetos de troca, como afirma o inspetor Gomes: “Para os viciados tudo pode ser trocado. Uma pedra de crack é só R$ 5. É muito barato”.
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Há também quem aponte a falta de policiamento como causa para os problemas de segurança. Luiz Alberto Rigotti, presidente da Associação Cristovão Colombo (ACC), organização oficial de moradores da região, afirma: “Não existe um policial no bairro, eu nunca vi”. Rigotti ainda busca reuniões com vereadores e Brigada Militar (BM), mas sem obter resultados concretos: “Eu mesmo tenho que subir até a boca e negociar questões de seguranças com o chefe do tráfico”. O projeto Vila Flores nasceu nesse contexto. A construção, grande e cheia de quartos vagos, havia se tornado um abrigo para viciados e moradores de rua. Em meio a esta situação, os parceiros João Wallig, herdeiro do prédio, e Aline Bueno viram a necessidade de alguém que fosse além de um zelador, uma espécie de guardião. Foi então que surgiu Amável Batista, atualmente o único morador de um lugar que foi construído para abrigar diversas famílias e operários. Aline e Wallig precisavam de Batista tanto quanto ele necessitava da dupla. O mineiro de 54 anos estava encerrando sua carreira de marceneiro em Porto Alegre, e o Vila foi uma oportunidade de dar um novo rumo a sua vida: “Eu estava longe da minha família, e eles me ofereceram para morar aqui”.
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A revitalização teve início em 2010, e o zelador foi fundamental. “Quando cheguei tava tudo quebrado”, afirma. “A gente teve de expulsar invasores, trocar as portas, arrumar a fiação e alguns canos”, completa. Mas a estrutura não era o único problema segundo o mineiro: “Nas primeiras noites tive medo de que alguém entrasse aqui, mas graças a Deus nunca aconteceu nada comigo até hoje”. O ex-marceneiro atualmente tem um quarto para chamar de casa: “Pretendo ficar aqui. Só se um dia eles não quiserem mais”. Com armários reformados por ele mesmo, e uma cama com cobertas para aquecer nas noites de inverno, ele trabalha aos poucos no seu novo lar. Mas sem nunca se esquecer de suas origens. Por meio de um netbook, ele consegue acessar a internet e estabelece contato com a sua família, que ainda mora em Minas Gerais: “Um dia quero visitar eles”. Passados cinco anos, o cenário mudou muito, conforme afirma o exmarceneiro: “Agora está muito melhor. Vejo a rua cheia de gente, e é difícil de estacionar até para quem vem visitar”. Aline Bueno, que organiza a ocupação e as atividades culturais, concorda com Amável: “O Vila tem dado muito mais vida ao Floresta e trabalhado não só com a vida cultural, mas com
uma ressignificação dessa região”. *** No entanto, nem todos os habitantes da região reconhecem o valor do projeto de revitalização do prédio de Lutzenberger na vida do Floresta. É o caso de Rigotti: “Desconheço o que acontece lá. A última vez que houve um contato deles [coletivo do Vila Flores] comigo foi em 2012”. A associação dos moradores do bairro existe há quase 50 anos e também atua incessantemente em busca de benefícios para o lugar onde moram. Wallig reconhece que houve problemas com barulho no início: “No começo, os vizinhos reclamaram, mas nós fomos mantendo contato e criando um diálogo com os moradores do bairro”. Desde então, foi instaurado um horário de silêncio, que se inicia às 22h para qualquer evento que ocorre no local: “Estamos construindo uma relação com os moradores e convidamos todos para que participem das atividades”. E, segundo Batista, os convites estão sendo atendidos: “Quem vem mais é gente daqui, eu vejo muito morador no dia a dia”. Desta forma, o prédio começa a ganhar um significado para quem mora no Floresta, como era na sua origem. Como afirma o herdeiro da construção: “Realizamos diversas
ações com parcerias locais justamente para trazer moradores para cá. Se a ideia principal da revitalização era dar um novo significado à construção do arquiteto alemão, pode se dizer que o time formado por Wallig conseguiu o que queria. A antiga morada de operários da indústria local agora é um elemento vivo e pulsante. Bandas procuram o Vila Flores para apresentar seus discos, companhias de teatro conhecidas querem fazer do edifício de Lutzenberger palco de seus espetáculos, e o galpão hoje abriga exposições artísticas mensalmente. Um exemplo é a Banda Calote, que escolheu o Vila para ser palco do show que comemora os sete anos do grupo, como afirma o vocalista Brunno Bonelli: “O Vila Flores oferece um contato com vários tipos de arte muito legais. Porto Alegre deveria ter mais lugares assim”. Depois de cinco anos se envolvendo com a vida do Floresta, a Associação Vila Flores consegue montar todo mês agendas repletas de eventos acessíveis que oferecem para os moradores das redondezas um contato genuíno com a cultura. A ocupação de espaços privados para o lazer apresentase como uma alternativa para os cidadãos de Porto Alegre, e uma coisa é fato: desde a criação do Vila, passou a ser mais difícil estacionar naquele quarteirão. N
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O Cais Mauá é considerado a identidade de Porto Alegre, e a ideia de modificar qualquer coisa nele uniu a população. O ensaio traz algumas fotos dos eventos que expressaram essa insatisfação, mostrando assim uma forma de relação com a cidade e com o que se quer dela. Ensaio Fotográfico: Muriel Krolikowski
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Impressa com papel couchê brilho 120, nas páginas com ensaios fotográficos, e offset 115, nas com texto.
Esta revista ĂŠ dedicada ao futuro da cidade. De todas as cidades.
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