Te r m i n a i s M a r í t i m o s M e t r o p o l i t a n o s : infraestrutura e paisagem de uma cidade à borda d'água Florianópolis . SC
Alexandre Leitão Santos
Curso de Arquitetura e Urbanismo . EESC . USP Trabalho de Graduação Integrado . 2009
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
alexandre.leitao.santos@usp.br
AGRADECIMENTOS
por acreditar no potencial das minhas propostas, Renato
Agradeço a todos que de alguma forma me auxiliaram na
Anelli, por me introduzir o tema das infra-estruturas urbanas
elaboração deste trabalho.
durante nossas discussões sobre pesquisa e pela
Em especial, agradeço aos meus pais que longe ou perto
confiança na arquitetura que faço. Agradeço à gentileza dos
sempre se fizeram presentes na minha formação como ser
professores do curso de arquitetura e urbanismo da UFSC
humano e arquiteto; aos meus colegas e amigos da turma
que se dispuseram a me ajudar. Agradeço ainda a todos os
de 2004 deste curso, em muito responsáveis pelas boas
meus professores que, durante o curso, de algum modo
lembranças dos últimos anos e pelo aprimoramento da
me ensinaram a ser crítico e produtivo, sonhador e realista,
qualidade
me mostraram a importância do contexto e do detalhe, do
do
meu
trabalho;
àqueles
que
me
acompanharam na dura e prazerosa experiência nos
desenho e do discurso.
eventos e diretoria da FeNEA, onde pude ampliar minha
Finalmente, agradeço antecipadamente aos membros da
percepção de mundo e vivenciar outra dimensão da
banca avaliadora, assim como aos membros da Comissão
universidade; à minha amada e companheira Fernanda, que
de Acompanhamento Permanente do TGI, por se dispor à
com seu preciosismo e interesse tantas vezes me foi a
leitura e crítica deste trabalho, fazendo-o não um fim, mas
inspiração para esta produção.
um ponto a mais neste infinito processo que se chama
Agradeço aos professores Paulo Fujioka, por suas inúmeras
projeto.
referências, disposição e pelo entusiasmo com esta idéia, David Sperling, por seus cuidadosos assessoramentos e
ÍNDICE Introdução ..................................................................................................................................................................... 13 Parte 1 . Florianópolis .................................................................................................................................................... 19 Parte 2 . A rede metropolitana de terminais marítimos ..................................................................................................... 37 Parte 3 . Os terminais marítimos ..................................................................................................................................... 49 Conclusão .................................................................................................................................................................... 97 Referências bibliográficas ............................................................................................................................................. 103
INTRODUÇÃO
14
A velocidade da urbanização das metrópoles brasileiras tornou inócua grande parte das tentativas de se ordenar a produção do ambiente construído. O que mantém como pauta a delimitação do campo possível de ação dos arquitetos. Algumas hipóteses focam o projeto da infra-estrutura urbana, uma vez assumidos seu valor público e o seu caráter sistêmico. Há uma potencialidade no projeto da infra-estrutura que, inserida na cidade pela forma difusa de uma rede, identifique e construa, pontualmente, os elementos que reverberem na reconfiguração do sistema ao qual pertence. O que sugere uma estratégia possível de intervenção na metrópole. Em muitos casos, a solução para uma certa questão urbana não se encontra no local específico que se quer beneficiar, mas em setores espacialmente descontínuos, porem inter-relacionados.1
Pode-se dizer sobre este trabalho que um tema estruturador é a questão da escala, ainda que não seja este que oriente a proposta. Surge a partir de uma constante observação da cidade de Florianópolis, mais especificamente sua porção 1
MELLO FRANCO, Fernando de; MOREIRA, Marta; BRAGA, Milton. Vazios de água. In Urbs, n. 44. São Paulo, outubro/novembro/dezembro 2007.
15
insular, a Ilha de Santa Catarina, em seus diversos
Para além da questão infra-estrutural, outra observação que
momentos e das diferentes configurações ao longo do ano.
levou ao tema deste trabalho é o comparativo das
Sendo esta uma cidade que recebe cerca de 500 mil
paisagens territoriais insulares e continentais dentro desta
2
16
turistas no período do verão , tem sua população
região metropolitana. A clara divisão sócio-politico-espacial
multiplicada consideravelmente em oscilações sazonais que
realiza-se fisicamente na barreira imposta pelas Baías Norte
evidenciam as defasagens de suas infraestruturas urbanas
e Sul ou mar interior. Neste caso, a segregação converte
e metropolitanas.
em único elemento articulador destas duas faixas territoriais
Se historicamente são identificáveis os motivos que
o complexo de pontes que conecta as penínsulas centrais.
conduzem para tal situação, assunto que será tratado neste
Se em primeiro momento este trabalho esteve focado na
trabalho mais a frente, são pequenas as ações efetivas por
questão do turismo e da produção do espaço por este, ao
parte do poder público na intenção de resolver essas
longo do processo percebeu-se que as soluções para a
defasagens sem repetir os erros anteriores, o que só tem
cidade turística seriam dadas a partir da cidade cotidiana –
agravado o quadro da cidade com o intenso crescimento
e imediatamente retornou-se ao tema das infra-estruturas
3
populacional .
urbanas e, principalmente, da articulação do território metropolitano. Dentro dessa proposta de articulação territorial, o mar, como resgate histórico de um elemento
2
REIS, Almir Francisco. Permanências e transformações no espaço costeiro: formas e processos de crescimento urbano turístico na Ilha de Santa Catarina. Tese de doutoramento. FAUUSP, São Paulo, 2002. 3 2,79% na região metropolitana para o período 2001-2008, segundo contagem populacional e projeções demográficas preliminares do IBGE.
formador dos núcleos urbanos, assume o papel principal nesta intervenção.
Esta monografia, mais que o mero cumprimento de uma
projetos anteriores que tenham tratado o assunto, fala-se
exigência da disciplina, consolida-se como a sistematização
das potencialidades oferecidas pela integração com a rede
destas idéias e do processo de pesquisa e, por fim, da
infraestrutural implantada, e daí estruturando-se o projeto de
elaboração de uma proposta projetual para esta dada
uma rede metropolitana de terminais marítimos, além de
situação. Para tanto, faz-se necessário, além de apresentar
apresentar diretrizes globais para esta proposta.
estas
de
Na terceira parte, desenvolve-se o projeto das intervenções
apresentações que contextualizem o objetivo final deste
em escala urbana, onde além de avançar minimamente na
trabalho.
relação entre arquitetura sistêmica e arquitetura local,
A monografia é dividida em três partes. A primeira parte
apresenta-se leituras e projetos para duas situações: Santo
responsabiliza-se por abordar os aspectos da cidade de
Antônio de Lisboa, núcleo menos afetado em sua relação
Florianópolis, incluindo sua formação, a situação de uma
com o mar no que diz respeito à atividades cotidianas e a
metrópole segregada entre ilha e continente e como a
intenção resume-se ao estudo de implantações que
atividade turística e a especulação territorial estiveram
preservassem as características locais; e Desterro, como
sempre
simbolicamente preferi chamar o terminal marítimo da região
questões
aqui
entrelaçadas
colocadas,
e
foram
uma
fatores
série
decisivos
na
constituição da atual rede de mobilidade metropolitana. Na
segunda
parte, é
apresentada
a
proposta
central, onde numa situação mais complexa e de abandono de
da relação com o mar, o projeto estende-se a um maior
implantação de uma rede hidroviária como possibilidade
detalhamento, onde as situações urbanas criadas ou
motora da região metropolitana, onde além de analisar
recriadas vão além da implantação de um ponto nodal de
17
uma rede de infraestrutura metropolitana para uma proposta de reaproximação com o mar com a cidade e resgate de urbanidades perdidas. Por fim, conclui-se apresentando algumas percepções que este projeto traz e que caminhos aponta para novas reflexões sobre as relações de escala dentro do campo de atuação dos arquitetos. Para melhor compreensão desta proposta é necessário deixar de lado alguns aspectos determinantes para a 18
realização de projetos desta dimensão a fim de, dentro destes ensaios, imaginar, especular e mesmo divagar sobre novas possibilidades de agregar o potencial e, se puder ser dito, a vocação das cidades em novas formas de vivê-las, independente do suporte ou da escala pensada – seja a do território, seja a do edifício.
Parte 1
FLORIANÓPOLIS
20
O município de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, possui uma área de 451km², sendo 12,1km² na porção continental e 438,9km² nas porções insulares, constituída quase que totalmente na Ilha de Santa Catarina. A população encontra-se em torno de 408 mil habitantes no município e quase 880 mil na região metropolitana conforme estimativa populacional do IBGE (2009). Como a maioria das cidades brasileiras, vem crescendo de forma rápida e 4
desordenada .
Sua
concentração
urbana,
morfologia com
se
caracteriza
centralidade
pela
funcional
e
geográfica no núcleo fundador, e uma periurbanização, dispersa em diversos núcleos, originários da ocupação colonial. O adensamento urbano mais intenso acontece nas proximidades das pontes de conexão viária, polarizado pelo centro insular. A micro-região de Florianópolis tem base 4
PORTILHO BUENO, Ayrton. Patrimônio paisagístico e turismo na Ilha de Santa Catarina. A premência da paisagem no desenvolvimento sustentável da atividade turística. Tese de doutoramento. FAUUSP, São Paulo, 2006.
21
22
econômica na pequena indústria, consumida principalmente
bacias hidrográficas que só tiveram sua ocupação efetivada
pela demanda local. Contudo, o setor terciário se apresenta
a partir da imigração germânica e italiana no século XIX.
como principal impulsionador da economia, polarizando os
No final do século XIX e início do XX, a construção de
serviços de administração pública, empresas estatais e
ferrovias cruzando o estado no sentido norte-sul começou a
autarquias. A partir dos anos 1970, o turismo e atividades
estruturar uma rede urbana. Porém, estas linhas foram
associadas
representar
implantadas ao longo do planalto (Contestado, no vale do
importante fonte de receita em Florianópolis e regiões
Rio do Peixe, no meio oeste, e São Paulo - Rio Grande do
balneárias da costa catarinense.
Sul, na parte oriental), conectando-se ao litoral por
Esta costa é conformada por planícies e baixadas
pequenas linhas ferroviárias que objetivavam alguns portos
litorâneas, com esporões de serra avançando mar adentro.
antigos, como Laguna e Itajaí, ou os novos complexos,
Desmoronamentos serrosos separam a costa do interior,
como Imbituba e Itajaí, respondendo à produção econômica
constituído por um planalto inclinado para oeste. Foram, em
dos pólos interiorizados.
grande parte estas características que condicionaram a
A capital, Florianópolis, ficou fora deste impulso inicial de
implantação da rede urbana estadual.
desenvolvimento, passando a fazer parte, assim, durante
A migração açoriana e madeirense a partir de 1748, que se
boa parte do século XX, do rol das “cidades mortas”
estabeleceu predominantemente no litoral, criou núcleos
(Moraes, 1995, apud Portilho Bueno, 2006), que por força
populacionais ao longo da costa, embora com padrão
de diversas circunstâncias ficaram esquecidas na costa
disperso. A ocupação avançou ao planalto pelos vales das
brasileira. A navegação, no litoral, e as ferrovias, no planalto
passam, progressivamente, a
e em conexões aos portos, desempenharam importante
Desfavorecida
papel no desenvolvimento do estado até que, após os anos
industrial em Santa Catarina e pelo privilégio dado às
60, decaíram em função da crescente malha rodoviária.
estradas de rodagem para transporte de produtos e
Alguns portos mantiveram sua importância, mas outros,
populações, Florianópolis não experimentou do dinamismo
como o de Florianópolis, já haviam entrado em decadência
urbano até o final dos anos 1950, quando começaram a se
desde o início do século.
concretizar condições para a efetivação do processo de
Existem duas rodovias federais que cruzam o estado no
urbanização da região da capital, que atualmente se
sentido norte-sul, sendo a BR-116 no oeste do estado e a
consolida, também, com base na atividade turístico
BR-101 no litoral. Este sistema, conectado principalmente
imobiliária.
pela BR-470, que cruza o estado no sentido leste-oeste, e
Hoje, a zona costeira catarinense apresenta os municípios
reforçado por diversas outras rodovias, articula as maiores
com maior densidade demográfica do estado com
cidades entre si. Florianópolis passa a conectar-se de
Florianópolis apresentando 915,5 hab./km² e Balneário
maneira efetiva às demais regiões metropolitanas do país a
Camboriú com 2050,9 hab./km². Municípios como Garuva,
partir da década de 1970, quando ocorre a pavimentação
com densidade demográfica de 26,5 hab./km² e Itapoá,
da BR-101. Este fato proporcionou o desenvolvimento
com 48,3 hab./km²
industrial e turístico de muitas cidades costeiras, perceptível
concentração, explicáveis pela sazonalidade da incipiente
no forte incremento populacional e construtivo destas.
atividade turística de veraneio em alguns lugares do litoral. 5
IBGE, 2008
pela
alocação
interiorizada
do
capital
5
, contrabalançam a tendência à
23
24
ASPECTOS DA FORMAÇÃO
Antes mesmo da ocupação por colonos, os arredores da
Considera-se de essencial importância para este trabalho o
ilha já eram buscados pelos navegadores, visto as
entendimento
que
condições hospitaleiras da ancoragem na ilha. Consta ainda
marcaram a ocupação da ilha e, hoje, resultam numa forma
em relatos que estes se aproveitavam das facilidades de
urbana dispersa, responsável pela formação de territórios
fornecimento de água e madeira para abastecimento das
de lógica diversa sobre a ilha de Santa Catarina. Ainda que
embarcações, inclusive na preparação para resistir às
haja traços de uma ocupação pré-européia na ilha, é pouco
tormentas ao dobrar o Cabo Horn. Os “bons ancoradouros”
expressiva ao ponto de realizar alterações na paisagem
não se restringiam ao local onde veio situar-se a vila de
original que condicionassem alguma ocupação.
Nossa Senhora do Desterro (atual centro de Florianópolis).
A ilha representou um território de interesse estratégico por
Toda a extensão entre a ilha e o continente, de águas
volta do século XVI, visto que, no limite da linha do Tratado
calmas e protegidas, cheia de enseadas rasas, era utilizada
de Tordesilhas, era rota de navegação essencial para a
pelos navegantes.
de
alguns
momentos
históricos
6
conquista destes limites . Esta condição privilegiada, a meio
A ocupação primária do território da ilha e proximidades se
de caminho entre o Rio de Janeiro e a Bacia do Prata foi o
dá em dois momentos. O primeiro através de doação de
estopim da ocupação desta região.
sesmarias para bandeirantes e o segundo, em meados do século XVIII, com a migração açoriana, promovida pela Coroa Portuguesa.
6
OLIVEIRA, Lisete Assen de. Formas de vir-a-ser cidade. Loteamentos e condomínios na Ilha de Santa Catarina. Tese de doutoramento. FAUUSP, São Paulo, 1999.
A distribuição foi feita inicialmente a distribuição foi feita,
1808 e fala sobre o modo em que as freguesias e
inicialmente, em torno da vila de Nossa Senhora do Desterro e,
moradias, dispersas, eram conectadas pelo mar :
8
posteriormente, em direção às suas extremidades norte e sul. Os primeiros casais, ao que parece, teriam sido localizados nos caminhos que faziam a volta ao morro que limita a vila a leste, fazendo o seu contorno. As encostas do mesmo morro (...) foram sendo igualmente povoadas e, do outro lado, na encosta que olha para leste, formou-se a freguesia mais tarde denominada de Santíssima Trindade de Trás do Morro. Surgiram, para o norte, Santo Antônio (Nossa das Senhora Necessidades) e Canasvieiras (São João Batista). Mais tarde, procurando o outro lado da ilha, frente ao oceano, Lagoa (Nossa Senhora da Conceição) e Rio Tavares (Rio de Mig uel Tavares). Para o sul, Ribeirão (Nossa Senhora da Lapa).7
Chama-se a atenção, ao falar sobre a estrutura territorial da ocupação colonial, para o relato de Almirante Russo Vassili Golovnin, que encontrava-se de passagem pela Ilha em
7
CABRAL, 1951, apud REIS. Op. Cit.
As montanhas e vastas matas virgens intransitáveis, habitadas por feras e cobras venenosas, impedem as comunicações com o interior. Por isso os habitantes constroem as casas à margem das baías ou nas fozes e nas margens dos rios navegáveis: todas as comunicações entre povoações próximas ou distantes se fazem pela água. Mesmo os vizinhos que moram nas costas dessa baía, a uma distância de meio quilômetro, usam canoas (assim se denominam pequenas embarcações feitas com troncos de uma árvore), para fazer visitas uns aos outros. Acham mais fácil comunicar-se desta maneira do que atravessar o mato, no qual nem sempre há sendas. Até o correio é mandado por mar.
De fato, como Reis reforça, as Baías norte e sul, somadas às lagoas e cursos d’água, propiciavam vias aquáticas seguras que permitiam as comunicações entre os diversos
8
GOLOVNIN, 1990, citando o autor do relato, apud REIS. Op. CIt.
25
26
pontos ocupados do território insular. Mesmo estabelecidas
com o mar, sendo o porto e a praça elementos
no início da colonização, estas rotas mantiveram-se por
organizadores da estrutura espacial da vila, elevada à
muito tempo. Ligavam a vila do Desterro aos diversos
cidade em 1823.
núcleos e às fortificações, além dos núcleos e fortificações
No entorno imediato à cidade, uma pequena burguesia
entre si e com as áreas ocupadas no continente. Em função
comercial constituiu a ocupação por chácaras, que se
das dificuldades colocadas pelo sítio, a construção dos
situava nas adjacências da Vila e voltadas para a baía norte.
caminhos foi gradual e, com o tempo, configuraram-se uma
Na Primeira República, a elite local, empenhada em manter
extensa rede, muitas vezes paralela às vias aquáticas,
para a cidade o status de capital da província, promoveu
organizando a ocupação extensiva da terra.
reformas
Da função de porto estratégico, desenvolveu-se um papel
embelezamento, analogamente àquelas ocorridas na capital
de porto de comércio exportador, o que tornou-se a base
da república. Implantaram-se redes de água, iluminação
9
urbanas
sanitaristas,
higienistas
e
de
da economia da Vila do Desterro . A comercialização era de
pública e diversas outras reformas urbanas, assim como
produtos agrícolas e bens de consumo, com certo
foram responsáveis pelo desalojamento de camadas mais
incremento ao comércio garantido pelos impostos que a
pobres da população. Os novos arruamentos expandiram a
província cobrava de outros municípios, caso comprassem
cidade, até então limitada à península e predominantemente
de outra praça que não a capital. Chama-se a atenção para
voltada para a baía sul. A expansão levava em direção à
a manutenção, ainda neste momento, da estreita relação
baía norte, incorporando a região de chácaras da Praia de Fora (hoje, avenida Beira-Mar).
9
OLIVEIRA. Op. Cit.
[página oposta] Rede de Núcleos Coloniais. Fonte: REIS, op. cit.
28
A construção da ponte Hercílio Luz, em 1926, ligando a Ilha
Florianópolis e gradativo abandono das atividades ligadas
ao continente, modificou o processo de expansão da
ao mar.
cidade e seu desenho. Realocou o acesso da cidade, que
No início da década de 1970, resultado do incremento das
se dava pelo porto e praça para a cabeceira da nova ponte
políticas desenvolvimentistas do governo federal, alguns
e através da nova via aberta no início do século (avenida Rio
fatores reforçaram o papel de Florianópolis como capital. A
Branco), possibilitando ao fluxo um caminho direto para as
melhoria da rede de rodovias catarinenses e o término da
novas áreas da cidade que se formavam em direção à baía
implantação da parte sul da rodovia nacional litorânea, a
norte.
BR-101, integram Florianópolis às redes urbanas nacional e
A década de 1930 marcou a passagem de Florianópolis de
estadual. A transferência da sede da Eletrosul, do Rio de
um entreposto comercial para uma cidade administrativa,
Janeiro para Florianópolis, a implantação da Universidade
atividade que marcou sua lenta expansão até a década de
Federal de Santa Catarina e os investimentos e políticas
1970, quando o papel balneário reconduz o processo de
públicas estaduais ampliaram o papel administrativo e de
expansão. Como já dito anteriormente, a não-incorporação
serviços da cidade.
da cidade à rede ferroviária provocou essa estagnação do
Para o preenchimento dos novos empregos e quadros
crescimento, juntamente com a regulamentação das
profissionais criados, a cidade recebeu um expressivo
atividades marítimas por Vargas, determinando o fim da
contigente populacional vindo de outros estados e cidades
pequena navegação de transporte de passageiros e
de Santa Catarina que, além de densificar a área central,
mercadorias, o que provocou a decadência do porto de
ocupou novas áreas urbanas. Consolidaram-se novos
bairros na cidade e estenderam-se os limites urbanos da
passa
cidade. Esta população de migrantes, além disso, trouxe
equipamentos destinados a atender demandas de visitantes
um novo olhar sobre a paisagem da ilha e serviu como
e turistas .
agente divulgador das oportunidades e qualidade de vida
Este crescimento suburbano, somado à consolidação de
de morar em Florianópolis e a conseqüente visita durante o
distritos residenciais voltados a classes de baixa renda na
veraneio à Ilha.
região sul da Ilha (Campeche, Pântano do Sul e Tapera, por
Ao mesmo tempo, o distrito sede passa a apresentar
exemplo), nem sempre foi resultado de planejamento
declínio nas taxas de crescimento e os distritos da orla
adequado e fiscalizado, ou acompanhado da implantação
passam a crescer com a chegada desta nova população. A
de redes de infraestrutura básica, como saneamento ou
região
transporte.
norte
da
Ilha
experimenta
um
explosivo
a
receber
a
maioria
dos
investimentos
e
10
29
desenvolvimento urbano-turístico.
Entretanto, por se tratarem de áreas mais interessantes para
As primeiras experiências de equipamentos turísticos da
os setores ligados ao turismo e à expansão imobiliária, com
década de 60 localizam-se exatamente nesta região da orla
forte ascendência na administração pública, passaram a
litorânea (Canasvieiras e Jurerê), somadas à Lagoa da
receber, da administração pública e sociedade, atenção
Conceição e à algumas praias continentais (Coqueiros,
diferenciada
Bom Abrigo e
Jurerê), ainda que sem expressão
conurbada. Esta visão da cidade por parte da administração
significativa. Com a implantação da SC-401, rodovia
pública, diferenciando a cidade balneária do centro urbano,
das
estadual que liga o centro ao norte da Ilha, esta região 10
PORTILHO BIUENO, Op. Cit.
áreas
mais
carentes
da
periferia
levou a um planejamento segmentado, com um plano
adjacências. Para tanto, baseando-me num estudo de
específico para o setor central da cidade, o Plano Diretor do
Spiekermann e Wegener (apud Koohaas e Mau, 1997), do
Distrito Sede (1977) e um outro para o restante da Ilha, o
Institut für Raumplanung, sobre uma Europa distorcida em
Plano Diretor dos Balneários (1985). Essa suposta divisão
função do tempo de deslocamento, visto a emergência do
entre uma cidade permanente e uma cidade balneária é
TGV, que passa a configurar um novo espaço, visível
apontada como entrave para o devido tratamento do
através dos cartogramas elaborados, onde as cidades
território insular, responsável por fracionar a continuidade do
servidas pelo trem de alta velocidade passam a estar mais
espaço público e desconsiderar a complementaridade
próximas
11
30
do
que
outras
que,
eventualmente,
são
existente entre os setores da cidade .
fisicamente mais próximas.
METRÓPOLE SEGREGADA
O desenvolvimento dos cartogramas para Florianópolis
Mostrou-se necessário nesta pesquisa, encontrar métodos
busca o oposto: Quanto os pontos se distanciam uns dos
de entender melhor como as pontes são fator essencial
outros se considerarmos as distâncias rodoviárias como
para a mobilidade urbana e como a concentração do
unidade de medida. Após verificar alguns trabalhos com
acesso num único ponto, já suficientemente solicitado por
intenções próximas, embora todos tratando a relação
ser o centro principal da cidade, é responsável por ampliar
distância-tempo, foi verificado que todos são apenas uma
as distâncias e dificultar a acessibilidade entre as diversas
aproximação
partes da metrópole Florianópolis entre si e com suas
precisas. Em alguns deles foi baseada esta formulação.
didática,
não
oferecendo
informações
Tra ta-se de escolher pontos estratégicos e, para cada um, 11
OLIVEIRA, 1999, apud PORTILHO BUENO. Op. Cit.
34
verificar as distâncias de todos os outros em relação a este,
A análise destes cartogramas leva a algumas leituras
produzindo uma quantidade de cartogramas igual à de
imediatas. Primeiramente, pode-se observar como a
pontos escolhidos.
morfologia do cartograma de distâncias a partir do centro foi
Foram escolhidos como pontos de referência o centro da
pouco modificada se comparada ao cartograma de
cidade, visto sua proximidade com o acesso rodoviário ao
distâncias a partir da Praia do Forte. Observa-se pouca
continente e a Praia do Forte, no extremo noroeste insular.
distorção no primeiro se levar em consideração apenas os
Diversos outros pontos de referência como centros de
pontos próximos à baía norte, com maiores distorções
distrito, praias e entroncamentos foram escolhidos, de
conforme se adentra a ilha, necessitando contornar os
forma a entender como cada um se relaciona em torno das
obstáculos naturais, como maciços de morros, lagoas ou
distâncias rodoviárias com os outros dois escolhidos. Para
dunas. Enquanto isso, no segundo, é visível a distorção da
facilitar
foi
Baía Norte, que é ampliada inúmeras vezes para comportar
disponibilizada uma carta da região analisada, sem
as dimensões obtidas pelas distâncias. Em especial, chamo
distorções, com os mesmos pontos de referência, escalas
a atenção para a relação do ponto da Praia do Forte com
gráficas de distância e o desenho distorcido da carta
dois outros: Enquanto a distância da Praia do Forte com
original a partir dos pontos de referência, sendo este último
Currais é de cerca de 5 quilômetros, e com a Enseada do
apenas para fins didáticos, visto que apenas as distâncias
Brito e de cerca de 40 quilômetros, em linha reta, as
entre os pontos e o ponto de referência são precisas.
distâncias rodoviárias são praticamente as mesmas neste
a
comparação
entre
os
cartogramas,
cartograma (estando os dois pontos presentes na mesma
parte dos serviços públicos da metrópole, tornando-se um
faixa de raio).
pólo de atração para toda a região.
Isso acontece porque a presença de pontes em um único
Por outro lado, o distrito sede, já saturado, deve perder nas
ponto é responsável por criar a necessidade de passar por
próximas décadas a concentração da maior parte da
aquele se há necessidade de acessar a outra margem.
população (deve passar de 67% para 59% até 2030,
Com isto, para a região de Canasvieiras, por exemplo, as
considerando as taxas de crescimento dos distritos ), o
distâncias até o sul da Ilha, o continente à frente do sul da
que deve agravar os problemas de mobilidade e, se
Ilha ou a margem imediatamente oposta são as mesmas.
mantida a política rodoviarista e de não-privilégio do
Ainda
análise
transporte público coletivo, provavelmente resultará na
infraestrutural com foco na mobilidade, eles omitem as
construção de mais rodovias de alto tráfego, o que não
segregações sociais decorrentes, dentre outros motivos, da
resolveria a maioria das mazelas geradas pela dispersão e
segregação física. É no continente que a periferia
não-continuidade dos núcleos urbanos.
Florianopolitana (e grande parte da força de trabalho) se
Esse argumento é suportado pelo discurso de André Gorz
localiza. Ao contrário, é na ilha que localiza-se a maior parte
que afirma categoricamente que “Após ter assassinado a
dos empreendimentos de alto valor. Estas realidades, num
cidade, o carro assassina o carro. (...) Inventado para
evento imediatamente ocasionado pela baixa acessibilidade
permitir que o seu proprietário vá aonde deseja, à
que
estes
diagramas
permitam
uma
12
13
ao longo do território, encontram-se nas penínsulas centrais, principalmente a insular, onde estão concentrados grande
12
Segundo informações do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis em 2008. GORZ, André. A ideologia social do automóvel. In Apocalipse Motorizado. Conrad, São Paulo, 2004. 13
35
36
velocidade que deseja, o carro acabou por se transformar
transportavam 1,7 passageiros, em média, os taxia 1,1% e
no mais servil, incerto, imprevisível e incômodo de todos os
os ônibus 29,8. O carro é o maior consumidor de espaço
veículos (...). Você está ligado à estrada tão inexoravelmente
público e pessoal já criado pelo homem. Em Los Angeles,
quanto o trem aos seus trilhos. Da mesma forma que o
cidade do automóvel por excelência, Barbara Wand
viajante de trem, você não pode parar de improviso e, como
descobriu que 60 a 70% do espaço é dedicado aos carros
num trem, você deve ir a uma velocidade determinada
(ruas, estacionamentos e vias expressas) .
pelos outros. Em suma, o carro não tem nenhuma das
É urgente, não somente a implantação de outras formas de
vantagens do trem e possui todas as suas desvantagens,
transporte (essencialmente coletivos e públicos), como a
além de mais algumas próprias”.
articulação do território como um todo, possibilitando que as
Um automóvel ocupa um espaço 150 vezes maior que “um
centralidades esparsas possam comunicar-se entre si sem
homem confortavelmente a pé” e um carro estacionado,
a necessidade que as áreas centrais atuem como única
1500 vezes. Uma pessoa andando ocupa uma área
conexão.
14
cinqüenta vezes menor que a de um automóvel em movimento. Num estudo feito por Joseph Barat para o IPEA, em 1975, vemos que, nos principais eixos de circulação do Rio de Janeiro, a ocupação pelos automóveis correspondia a 56% da superfície das vias, ficando para trás os táxis e ônibus, 35 e 9%, respectivamente, enquanto os primeiros
14
SANTOS, Milton, 1990, apud MUNIZ, Cristiane. A cidade e os trilhos. O metrô de São Paulo como desenho urbano. Dissertação de mestrado. FAUUSP, São Paulo, 2005.
Parte 2
A REDE METROPOLITANA DE TERMINAIS MARÍTIMOS
38
Orientado pelas considerações feitas anteriormente, notouse a necessidade de buscar a articulação do território através
do
incremento
da
mobilidade
urbana,
necessariamente incorporando alternativas de transporte público coletivo que não implicasse no aumento da já execessiva e saturada, além de inadequada, rede rodoviária metropolitana.
Dentro
das
possibilidades
possíveis,
escolheu-se trabalhar com o transporte marítimo. Como foi apresentado, a origem da cidade de Florianópolis está intimamente ligada aos corpos d’água. Era através destes que ocorria a maior parte dos deslocamentos e, mais que isso, era a lâmina d’água das Baías Norte e Sul o corpo articulador mais importante deste
território
–
responsável por conferir interação e unidade entre os núcleos ali estabelecidos. É a partir deste resgate histórico que a proposta deste trabalho se estabelece enquanto possibilidade.
39
40
O PROJETO DO DETER
simples, movendo-se a 16 nós (cerca de 30 km/h), faria a
Um relatório do Departamento de Transportes e Terminais
viagem entre dois pontos em até metade do tempo. O
da Secretaria Estadual de Transportes e Obras de Santa
estudo apresenta ainda uma pesquisa feita para determinar
Catarina
a
apresentou,
em
2001,
uma
proposta
de
possível demanda de
passageiros do transporte
implantação de um sistema de transporte de passageiros
hidroviário onde, como resultado, percebe-se que a
para a Região Metropolitana de Florianópolis. Dentro desta
demanda pode chegar a 35% da demanda total nestas
proposta, seriam implantados cinco terminais, sendo um na
rotas para este modal.
área central insular, na região do aterro da baía sul, e os
MODELO INTEGRADO
demais no continente, sendo um em Palhoça, dois em São
A última grande mudança nos sistemas de transporte
15
José e o último em Biguaçú .
público de Florianópolis ocorreu com a implementação de
Ainda que seja um projeto que trabalha mais como uma
um modelo de transportes integrados. O ponto de partida
alternativa à ponte nos vetores centro-periferia, não atende
para a elaboração do projeto do Sistema Integrado de
aos requisitos da proposta aqui feita, visto que mantém os
Transporte Coletivo foi o diagnóstico do sistema então
deslocamentos exclusivamente monocêntricos e não-
existente, no qual foram apontados os principais problemas
periféricos. Por outro lado revela dados extremamente úteis
em termos estruturais: a elevada concentração de linhas em
às justificativas deste trabalho ao evidenciar que um barco
determinados corredores e a saturação do Terminal Urbano Cidade de Florianópolis.
15
DETER, 2008, apud BARCELLOS, Paula. Mobilidade humana na região polarizada por Florianópolis. A problemática da segregação espacial. Trabalho de Conclusão de Curso. UFSC, Florianópolis, 2008.
41
42
Seguindo a tendência verificada em um grande número de
A descentralização, no entanto, não foi plenamente
cidades de porte médio, como é o caso de Florianópolis, as
realizada, sendo parte das ligações entre terminais
deficiências existentes poderiam ser minimizadas com a
realizadas
implantação de modelos do tipo tronco-alimentador. Através
Integração do Centro. Além disso, dos nove terminais
desses modelos, nos trechos em que há grande
construídos, três foram desativados deste a implantação do
concentração de linhas, essas foram substituídas por linhas
Sistema Integrado: o Terminal de Integração do Saco dos
únicas, constituindo o sistema troncal, formado por linhas
Limões, do Jardim Atlântico e de Capoeiras . Importante
expressas (terminal a terminal) e por linhas paradoras (com
salientar também que nunca houve integração nos
paradas intermediárias).
transportes numa dimensão metropolitana, deixando os
Desta forma, além da melhoria de operação que poderia ser
municípios conurbados fora deste processo. O atual
obtida, a descentralização dos terminais permitiria o
Sistema Integrado de Transporte é feito por exclusivamente
prolongamento da vida útil dos terminais centrais, uma vez
por ônibus, e sua integração ocorre por meio de bilhetagem
que reduziria a quantidade de linhas ali concentradas. A
eletrônica e da cobrança de tarifa única.
racionalização do sistema proporcionada por este tipo de
COSTA DA LAGOA
modelo geralmente tem como conseqüência a redução dos
Um caso relevante para este tema é o da Costa da Lagoa.
16
custos de operação .
apenas
intermediadas
pelo
Terminal
de
17
Esta localidade situada entre o maciço central de morros da Ilha de Santa Catarina e a Lagoa da Conceição cerca de
16
VEIGA, Eliane Veras da. Transporte coletivo em Florianópolis: origens e destinos de uma cidade à beira-mar. Insular, Florianópolis, 2004.
17
BARCELLOS. Op. Cit.
seis quilômetros ao norte do chamado Centrinho da Lagoa,
passagem na margem oposta, já no distrito do Rio
permanece com uma intensa relação com os seus corpos
Vermelho. Trata -se de um exemplo de uma situação que vai
d’água pois, por conta da íngreme encosta e delicado meio-
além da especulação, pois é uma realidade muito
ambiente, os únicos modos de acessá-la é por barco ou
adequada para aquele ambiente e realizada de forma
trilha. Aqui pode-se fazer idéia do que foi, tempos atrás, a
natural.
ocupação
o
HIDROVIAS DE TRANSPORTE MARÍTIMO
a
A partir das idéias e situações potentes desta rede
da
desenvolvimento
costa
oeste
urbano
e
da
ilha,
turístico
antes
de
presente
18
transformasse completamente .
infraestrutural implantada, o projeto da rede de terminais
Trata -se que uma comunidade adequadamente estruturada,
marítimos deste trabalho é suportado pela hipótese de
dispondo de equipamentos públicos básicos assim como
enxergar o mapa de deslocamentos metropolitanos de
uma identidade muito clara. Muitos moradores ainda vivem
forma simplificada. Essencialmente, as grandes vias estão
da pesca e de formas de turismo que não chegam a ser
implantadas, no sentido norte-sul, entre a serra e as baías
agressivas a este ambiente. Algo que chama a atenção é a
na parte continental e entre o maciço de morros central e o
rede de mobilidade que se desenvolveu. Uma cooperativa,
mar na parte insular, constituindo três grandes eixos
hoje apoiada pelos órgãos públicos, faz o transporte de
longitudinais que percorrem toda a extensão do território.
passageiros entre o Centrinho da Lagoa e os pontos
Transversalmente , observa-se alguns eixos leste-oeste, ora
localizados ao longo da costa, fazendo sua última
insulares, ora continentais e, na parte central, atravessando ambas as situações por conta das pontes.
18
REIS. Op. Cit.
43
44
Imaginando que estas barreiras naturais são delimitadoras
pelas áreas centrais e pontes e, consequentemente,
não apenas das vias, mas também dos núcleos urbanos,
aproximando as margens. De norte para o sul, o primeiro
pode-se
desenvolve
eixo seria composto pela combinação das avenidas
linearmente por estes eixos, constituindo uma malha
principais de Canasvieiras e Jurerê com, após a travessia,
direcional de mobilidade e ocupação. A partir deste modelo,
com a BR-101 no município de Governador Celso Ramos,
é possível projetar a complementação desta malha a partir
atingindo uma área de potencial adensamento, visto os
da instalação de nodais desta rede de mobilidade de
crescentes investimentos turísticos nesta. O segundo eixo
característica intermodal. A transferência de parte do fluxo
combinaria trechos da SC-403, SC-401, a transposição
para um sistema transversal e paralelo que utilize as baías
embarcada e seguindo rumo oeste para o interior do estado
norte e sul como suporte garantiria uma rede hidroviária
pela SC-408, conectando diretamente os distritos de
minimamente estruturada a partir da difícil situação de
Ingleses do Rio Vermelho, Ratones, Santo Antônio de
dispersão urbana pelo território Florianopolitano.
Lisboa com os municípios de Biguaçú e Antonio Carlos. A
Um primeiro subsistema transversal, onde sugere-se o uso
transposição central seria mantida pelo complexo das
de double-end ferries, embarcações com capacidade de
Pontes Colombo Sales e Ivo Campos. No trecho sul, o
carga de cerca de meia centena de veículos terrestres mais
terceiro eixo é formado por seções da SC-405 e Rodovia
passageiros por viagem, seriam responsáveis por transpor
Açoriana com, após a transposição da Baía Sul, a BR-282,
as Baías em quatro eixos (dois sobre a Baía Norte e dois
uma das principais conexões com o interior do estado, e
sobre a Baía Sul), evitando a necessidade de passagem
ligaria a grande planície do Campeche, de provável e
imaginar
uma
cidade
que
se
45
potencial eixo de expansão e adensamento insular, a região
Uma última possibilidade de subsistema surge a partir de
do Rio Tavares e Tapera e o aeroporto internacional com o
um modelo difuso, na forma de Water Taxis , similares aos
município de Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz e Águas
encontrados em Auckland ou Sydney, que seriam capazes
Mornas na margem oposta. O último eixo, mais ao sul
de levar uma quantidade reduzida de passageiros a
ocorre a partir da qualificação da Estrada do Sertão,
potencialmente qualquer margem de rio, lagoa ou baía
conectando o Pântano do Sul e Armação com o Ribeirão da
navegável,
Ilha e as áreas urbanizadas na base do Morro do Cambirela,
estruturas complexas para tal fim. Uma outra forma de se
em Palhoça na outra margem, e a BR-101 rumo ao sul.
entender o modelo difuso é a partir do uso cotidiano de
Outro subsistema, circular, paralelo às margens das baías
embarcações particulares, onde seria possível, com o
funciona como alternativa de transporte público de
suporte
passageiros, onde catamarans de alta velocidade e baixo
complementar de deslocamento.
impacto (similares aos usados com a mesma finalidade em
Com isso definido, os pontos nodais nas margens passam
diversas regiões na Holanda, França, Alemanha e Inglaterra,
a ser escolhidos a partir de suas demandas, possibilidades
inclusive
circular
de integração com sistemas existentes ou possíveis,
independentes de trânsito ou vias, multiplicando as
capacidade de aportar embarcações e acesso público
possibilidades de organização ou distribuição de linhas de
facilitado, além de poder incorporar equipamentos ou
transporte.
intervenções
na
Grande
Londres)
poderiam
sem a
adequado,
necessidade
fazê-las
importantes
um
para
da implantação de
importante
uma
sistema
determinada
comunidade ou situação urbana, e devem responder à
47
demanda dos subsistemas a qual fazem parte. Os pontos escolhidos para esta proposta são Ribeirão da Ilha, Cambirela, Tapera e Palhoça no trecho sul; Santo Antônio de Lisboa, Biguaçú, Praia do Forte e Governador Celso Ramos no trecho norte; e Balneário, Ponta do Coral, Aterro de São José e Centro de Florianópolis na faixa central. Um último
terminal
seria
implantado
em
Canasvieiras,
substituindo o atual trapiche, e funcionando também como porto turístico, garantindo suporte para o crescente 48
desembarque de navios de cruzeiro na região, mantendo a configuração
de
desembarque
remoto
(onde
os
passageiros são transferidos para embarcações menores para acessar a margem).
Parte 3
OS TERMINAIS MARÍTIMOS
50
Para que ficasse claro e mais passível de discussão e reflexão, este trabalho preferiu não limitar as proposições à escala territorial da metrópole, mas fazer uma variação nas escalas de intervenção e experimentação, de forma que o mesmo
tema
pudesse
ser
compreendido
enquanto
macrossistema, urbanidade projetada ou arquitetura do edifício. Embora este processo não tenha ocorrido de maneira linear, mas sim constantemente permeando todas as situações colocadas à exploração, ele é apresentado deste modo aqui, passando de uma análise e projeto globais do território metropolitano enquanto suporte para este sistema, para aproximações territoriais específicas e, posteriormente, para o edifício, ainda que eventualmente os conceitos se tornem difusos e avancem com seus campos exploratórios uns sobre os outros. Entendendo-se a complexidade e dimensão da proposta como um todo, percebeu-se a impossibilidade de fazer todas as aproximações desejadas. Como forma de
51
52
19
contornar esta dificuldade mas, ainda assim, fazer uso de
os ramais ou linhas de uma rede” . Sendo uma rede,
suas potencialidades, foram escolhidas a princípio duas
segundo
áreas de intervenção nesta escala, onde fosse possível
permitindo o transporte de matéria, de energia ou de
sobrepor leituras e propostas e, a partir disso, fazer
informação, e que se inscreve sobre um território onde se
considerações mais amadurecidas entre a oposição projeto
caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou
sistêmico e local.
pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de
Outra questão relevante é o que se pode entender por
bifurcação ou de comunicação , este projeto compreende
terminal. Antes de qualquer coisa, chamo a atenção para o
a rede de mobilidade marítima como um todo. Porém, a
significado mais imediato, derivado do verbo terminar ou
aplicação deste conceito em arquitetura se realiza nos
traduzindo-se em “parte que termina”. Entendendo-se deste
pontos terminais, ao serem a infraestrutura física necessária
modo, o terminal aproxima-se da noção de fronteira,
para a transposição entre as redes existentes. Se o
podendo ser ou não associado à noção de barreira. Deste
entendimento de terminal convencionalmente está num
modo, é de fato uma intenção deste projeto – aproximar a
equipamento
cidade de suas bordas d’água, onde seja significativa a
apresentando-se como um objeto funcional e de não-
presença e interpolação de suas paisagens e suas
permanência, é preferível expandir o conceito destes
infraestruturas. A intenção se completa ao se traduzir
terminais ao resgate ou preservação de aspectos da
a
definição
de Curien,
toda infraestrutura
20
limitado
a
um
edifício,
geralmente
terminal em “ponto onde terminam ou para onde convergem 19
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Nova fronteira, Rio de Janeiro, 1988. 20 SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. Edusp, São Paulo, 1996.
relação da cidade com suas bordas d’água, trazendo para
arredores. Aqui localizava-se também a mais importante
si
área portuária da cidade.
a
construção
infraestruturas
são
de
paisagens
ensaios
de
urbanas,
onde
possibilidades
as
desta
Com a adoção das políticas rodoviaristas na segunda
interação, ora fazendo-se atuar como limite, ora agindo
metade do séc. XX, esta área sofreu com uma série de
como gradientes.
aterros destinados à construção de vias expressas. O mais
Como primeira área de intervenção, foi escolhida a área
significativo, com 500 metros de largura, localiza-se na face
central insular de Florianópolis. A escolha dessa área como
sul desta península, ocupando o espaço anteriormente
um dos estudos de caso para intervenção local como nó da
destinado aos atracadouros do centro da cidade.
Rede de Terminais Marítimos se dá pela segregação que
O Mercado Municipal, Alfândega, Praça XV e Forte Santa
este território urbano sofreu ao longo do século XX de sua
Bárbara
relação com o mar.
amplamente descaracterizados, visto sua relação imediata
Localizado numa projeção de terra que separa a Baía Norte
com estas margens. Outros, como o Cais Rita Maria ou o
da Baía Sul é o local mais próximo da parte continental de
Pier do Miramar foram suprimidos nesta intervenção. O
Florianópolis. O estreito de menos de 500 metros permitiu
aterro permitiu a construção das duas pontes maiores que,
aqui a construção das pontes que fazem a conexão com
hoje, são as únicas responsáveis pela travessia entre ilha e
esta parte. Anteriormente atendia pelo nome de Vila do
continente e das vias expressas que permitiram ao tráfego
Desterro, sede das freguesias da Ilha de Santa Catarina e
de passagem não adentrar nas quadras centrais, além de
são
alguns elementos urbanos
que
foram
conectar as pontes com o Norte e Sul da ilha. Junto a
53
56
essas pistas foram sendo executados alguns equipamentos
uma região de intenso movimento cotidiano. A presença do
de importância regional, tal como o Terminal Rodoviário Rita
Terminal de Integração do Centro reforça esse caráter de
Maria, o Parque Francisco Dias Velho, de autoria de Roberto
pólo de multidões. Porém, o centro também condensa
Burle Marx, a Passarela do Samba, a estação central de
grande parcela das habitações da cidade, além de
tratamento de esgotos e, mais tarde, o Centro de Eventos
restaurantes, bares e equipamentos culturais, podendo-se
de Florianópolis, os Terminais Cidade de Florianópolis e de
verificar uma animação intensa independente do momento
Integração
analisado.
do
Centro,
além
de
camelódromos
e
estacionamentos.
Levando em conta a importância deste território como
A instalação destes equipamentos parece não ter levado
referência e centralidade regional, além da importância nos
em consideração a relação desta parte da cidade com o
âmbitos político, histórico, social, cultural e infra-estrutural,
mar, sendo implantados de modo disperso e sem dire trizes.
aqui propõe-se uma significativa intervenção, onde sua
O Parque Francisco Dias Velho foi perdendo espaço para
presença vise retomar a relação deste núcleo da cidade
muitos destes equipamentos, deste permanecendo hoje
com o mar nos mais diversos aspectos, evidenciando-o
apenas alguns renques de palmeiras imperiais de porte
como parte dessa centralidade, permitindo e sugerindo a
significativo.
sua apropriação e contato. Simbolicamente, adoto para
O centro caracteriza-se também pela presença de diversos
este terminal o nome da vila que deu origem à esta parte da
equipamentos de gestão pública, e concentra o comércio e
cidade: Desterro.
serviços especializados, fazendo de seus calçadões e ruas
Como outra área de intervenção a ser trabalhada, faz-se a
As ruas também, geralmente tranqüilas, passam um ar
opção por Santo Antônio de Lisboa. Sede do distrito de
bucólico quase anacrônico, visto que não se está longe de
mesmo nome localiza-se na porção norte da costa insular
uma rede rodoviária complexa de volumoso e rápido fluxo.
oeste, sendo esta uma das primeiras comunidades
Até a década de 70, o acesso se dava pelo Caminho dos
fundadas por imigrantes açorianos que chegaram à ilha na
Açores, estrada que contornava a costa insular oeste. Após
metade do século XVIII.
isso, com a construção da SC-401 para acesso facilitado
De características consideravelmente menos complexas
aos empreendimentos imobiliários do norte da ilha, o
que a primeira área, faz-se interessante exatamente por este
acesso principal passa a ser pela Rua Padre Lourenço de
fato. Sua relação com o mar mudou de maneira mais
Andrade, que liga a rodovia ao núcleo principal. Esta rua, de
moderada ao longo de sua ocupação, sendo que parte de
visuais privilegiadas por sua cota mais elevada junto ao seu
seus moradores ainda fazem do mar a atividade cotidiana
início termina na Praça Roldão Pires, uma das primeiras ruas
principal. Não é incomum caminhar pelas ruas da localidade
de Florianópolis ainda com seu calçamento original em
e deparar-se com peixarias ou artesãos tecendo redes. Ao
pedras preservado. O panorama deste percurso, alternando
mesmo tempo, ali se localiza um importante pólo de
entre revelar e esconder a Baía Norte, no final da praça
maricultura de ostras, onde se apresentam desde oficinas
abre-se de modo extasiante, revelando o continente à frente
para
com a serra de fundo. A visual permite ainda a observação
beneficiamento
do
produto
especializados com certo apelo turístico.
a
restaurantes
ao longe da área central da cidade, com os edifícios da
57
58
Beira-Mar Norte e a Ponte Hercílio Luz destacando-se na
regional, assim como um campus de uma universidade
paisagem.
privada. O obtém mais a característica de um ponto de
Ao tomar-se a extremidade esquerda da orla, observa-se a
passagem do que de terminal em sim, analisado a partir da
mata preservada dos morros estendendo-se à borda d’água
configuração de suas linhas que, em geral, seguem ao
e mesclando-se à oficina e moradia dos maricultores
Terminal de Integração de Canasvieiras após passagem por
cooperativados. Ainda neste trecho, apresenta-se a Praça
este. Em decorrência disso é o terminal ativo menos
Getúlio Vargas onde estão a intendência do distrito, o
utilizado do sistema.
cemitério e a igreja de Nossa Senhora das Necessidades.
A oposição entre um núcleo que perdeu a sua relação com
Muitos
vezes
o mar com um núcleo mais preservado apresenta uma
encontrados de surpresa, são de origem colonial e
gama de dimensões divergentes, onde se faz necessário
constituem exemplares valiosos de arquitetura açoriana. Na
pensar em intervenções distintas para intenções distintas.
extremidade direita, observa-se a ocupação irregular da orla
Enquanto a implantação do terminal no primeiro deve ser a
por propriedades privadas, dentre casas, restaurantes e
oportunidade para resgatar a relação com as bordas
marinas particulares.
d’água, o segundo deve receber uma intervenção de
A presença desde 2003 do Terminal de Integração de
caráter mais singelo, de modo a não se perder ou alterar as
Santo Antônio, na borda da SC-401, parece influenciar
relações ali estabelecidas.
dos
exemplares
de
edifícios,
muitas
pouco o núcleo em si, ao contrário de seu entorno imediato, onde se localizam comércios especializados de importância
59
ARQUITETURA SISTÊMICA Após
60
um
longo
processo,
e salinidade, mantendo a área de espera no mesmo nível chegou-se
em
dois
do acesso aos catamarãs facilitando a acessibilidade a
equipamentos básicos para os terminais. Um é o terminal
estes.
como estação de espera e embarque em si. Neste,
Sendo estes os elementos básicos para sua composição,
procurou-se obter uma arquitetura marcante, mas que
há liberdade para compor o terminal de acordo com as
pudesse ser adaptada às diversas situações onde seria
necessidades e especificidades de cada implantação, sem
implantado. Optou-se por uma grande cobertura, de
que
estrutura robusta e esforços traduzidos no equilíbrio entre a
exemplificado mais a frente na explanação do projeto do
cobertura em arco e os tirantes que compensam seu
Terminal Desterro.
momento amarrados às fundações que podem estar sobre
O outro equipamento básico que compõe as intervenções
terra firme ou sobre água. A cobertura dos boxes de
dos terminais é o edifício garagem. Trata-se de uma
conveniência, bilheteria e banheiros auxilia nesse sistema,
tipologia que funcionalmente atende a 96 veículos por
gerando um momento contrário a partir do seu efeito
pavimento, sendo estes desenvolvidos em uma faixa
mochila e garantindo que um delicado rasgo de luz confira
contínua em rampa espiral de, em ponto médio, 4% de
leveza aos volumes que marcam presença na parte mais
inclinação aproximadamente. O acesso de veículos e
elevada do terminal.
pedestres dá-se através da cota 3m acima do nível médio
Uma rampa treliçada faz o acesso à plataforma flutuante em
da maré, visto que este edifício implanta-se normalmente
inclinação moderada que compensa as variações de maré
sobre os corpos d’água. Abaixo do nível de acesso localiza-
este
perca
sua
forma
essencial,
como
será
61
62
[acima, à esquerda] Corte e planta do Self-Service Garage para Pittsburgh, arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: FUTAGAWA,Yukio; PFEIFFER, Brooks. Wright, Frank Lloyd, 1867-1959. A.D.A. Edita, Tokyo, 1985. [à esquerda] Trecho de elevação da via leste-oeste do plano diretor do campus da Universidade de Vigo. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Fonte: ARTIGAS, Rosa (org.). Paulo Mendes da Rocha. Projetos 1999-2006. Cosac Naify, São Paulo, 2007.
se uma marina que, eventualmente, pode ter suas
edifícios para criar marcos urbanos infraestruturais. No caso
plataformas alargadas e estendidas, de forma a ampliar o
deste trabalho, o edifício garagem aparece como um
número de amarradouros e garantir o acesso para
elemento marcante na paisagem, ao mesmo tempo por sua
embarcações de diferentes dimensões. Acima do nível de
tipologia incomum e pelas grandes dimensões, sendo
retorno
adaptado
perceptível de margens opostas, compondo cenografias
programaticamente às necessidades de cada implantação,
urbanas na paisagem. Podendo ser adaptado à demanda
ainda que sempre assumindo a característica de mirante de
acrescentando ou removendo-se pavimentos em seu
acesso público. Uma torre central de escadas e elevadores
projeto, é também um índice das demandas locais. E mais,
garante acesso a cada meio pavimento.
ao colocar garagem para automóveis e para embarcações
Se funcionalmente este equipamento se utiliza de muitas
num mesmo edifício, conceitualmente o projeto ganha
das soluções adotadas por Paulo Mendes da Rocha em
importância junto à proposta geral, pois confere aos dois
seus edifícios garagem para a Universidade de Vigo,
tipos de veículos a mesma importância no espaço urbano –
conceitualmente ele assume características mais próximas
ambos
aos edifícios garagem projetados por Frank Lloyd Wright
aparelhos para uso cotidiano. E mais, concentrando os
para Pittsburgh. Se a intenção de Paulo Mendes tem como
veículos em um edifício, dá-se uma destinação mais
foco a criação de espaços funcionais para a universidade
adequada ao armazenamento dos mesmos, já que permite-
associados às vias elevadas de circulação, ainda que sejam
se que o espaço anteriormente ou potencialmente ocupado
referenciais, Wright tomava partido da função destes
por estes seja de destinação do uso público ao invés do
há
um
terraço
que
pode
ser
como
sistema
complementar,
ambos
como
63
64
estacionamento de veículos particulares. A opção feita pelas
SANTO ANTÔNIO DE LISBOA
laterais abertas em balcão permite não apenas a circulação
O projeto para o Terminal Santo Antônio de Lisboa parte de
de ar para a eliminação de gases tóxicos, mas a apreensão
alguns pressupostos. Além do que já foi apontado, da
do espaço externo do movimento do edifício, uma rua
necessidade de preservar as relações existentes nesta
torcida em fita e sobreposta diversas vezes para assumir
localidade, o que por si já garantiria a relação com o mar, há
uma desagradável, porém necessária, função.
a possibilidade de conter alguns avanços que vão contra
Pode-se imaginar que estes estacionamentos podem
este pressuposto anterior.
assumir outras funções que não apenas do uso cotidiano.
Um exemplo é a retirada definitiva das construções
Possível imaginar que uma aplicação é o uso turístico, ao
particulares que se colocam entre a rua e a borda d’água,
pensá-los nos terminais continentais onde políticas de
justificado não apenas por serem implantações ilegais, mas
incentivo sugeririam ao turista “deixar seu carro e seu
por limitarem a fruição da paisagem e do passeio,
cotidiano para trás antes de entrar de férias” e permitir-lo
patrimônio público por excelência.
embarcar para uma experiência diferente, onde sua visita à
Dentre as hipóteses de intervenção possíveis, a mais
cidade poderia assumir um ritmo distinto do habitual e
adequada parece ser a de afastar da margem os
buscá-lo antes da viagem de volta, ao mesmo tempo
equipamentos do terminal, em especial os pontos de
permitindo à cidade livrar-se em parte do incômodo
embarque, visto que há o embarque de veículos em ferry
excesso de veículos e transito durante os meses do verão.
neste caso. Com isso elimina-se a necessidade de dragagens, o que acarretaria em impactos ambientais
65
67
68
significativos, ao mesmo tempo que diminui a interferência
oficinas para atividades complementares da atividade
na paisagem – outro elemento importante a ser preservado.
maricultora. Localizam-se a sul desta barreira formada pela
Para que o impacto na paisagem seja menor ainda, optou-
via as plataformas para cultivo das ostras, abrigadas da
se por dividir a implantação dos equipamentos nas duas
interferência do tráfego marítimo.
pontas que limitam a orla. Na ponta norte, onde
Espera-se que, ainda que com forma marcante e presente,
localizavam-se as edificações irregulares, projeta-se sobre o
esta intervenção adquira um caráter singelo o suficiente
mar um pequeno edifício garagem, responsável por
para ser incorporada pelo cotidiano deste ambiente urbano,
armazenar os automóveis de usuários que desejem tomar
ainda que insira neste novas formas de relacionar-se com o
ônibus ou barco para o deslocamento, assim como para o
território metropolitano.
acesso à marina publica. Na ponta sul, onde localiza-se a
DESTERRO
cooperativa de maricultores junto à praça Getúlio Vargas,
Como já dito anteriormente, a base desta intervenção está
projeta-se em sentido oeste uma via de 300 metros onde,
em resgatar a relação do mar com a cidade. Anteriormente
em sua extremidade, implanta-se o terminal de passageiros,
afetada
a área de espera para veículos e embarque e desembarque
descaracterizada em função da implantação mal conduzida
de ônibus. O acesso desta via é feito a partir da Rua XV de
de diversos equipamentos e pátios de estacionamento
novembro ou do Caminho dos Açores e, próximo a isso,
sobre estes aterros, esta situação urbana exige uma
implanta-se residências destinadas à cooperativa dos
intervenção
Maricultores, mais qualificadas que as existentes, e as
sofridas. Para tanto, faz-se a demolição de alguns galpões
pelos
numa
grandes
aterros
dimensão
similar
e
às
gradualmente
intervenções
menos relevantes e do centro de convenções “Centro Sul”, um edifício que além de ocupar uma generosa área à beiramar, destina-se a usos eventuais, tornando-se ocioso grande parte do tempo, além de apresentar-se numa arquitetura e, principalmente, situação urbana de qualidade questionável. Desfaz-se também do Terminal Cidade de Florianópolis, entendendo-se que este terminal serve aos ônibus metropolitanos e pressupõe-se neste trabalho a integração num sistema único e reorganizado, transferindose todo o serviço de integração para o Terminal de Integração do Centro, o TICEN. Desativa-se também o trecho da Avenida Paulo fontes a partir do alinhamento com o Mercado Público, de forma a propiciar a melhor integração dos terminais com os calçadões do centro. A desativação deste trecho cria uma praça entre os terminais e o mercado, de modo que prefere-se criar uma feira livre que, além de resgatar uma condição histórica do mercado, absorve a função do sacolão demolido.
Feira Livre
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Uma idéia fundamental é de gerar dois movimentos. Um
retas definidas pelo mercado e alfândega configuram uma
primeiro a partir de rasgos no aterro que levem o mar para
praça d’água que se coloca como articuladora entre as
seu alinhamento original diante da cidade, limitando esta
praças existentes e criadas. Ao mesmo tempo, o ritmo
borda recriada entre o Mercado Público e o Forte Santa
imposto pela malha urbana e canais que atravessam o
Bárbara, ambos recuperando sua condição original de
aterro gera uma série de canais e vias que expande, ainda
implantação marginal. O segundo movimento é de avançar
que de forma própria, a quadrícula urbana para sobre o
a cidade sobre o mar, gerando situações de interação,
aterro. O rebaixamento da Avenida Governador Gustavo
onde os rasgos de água e construções criam um jogo
Richard permite sua transposição em nível, seja pelos
singular de figura e fundo como qualificação do espaço
canais, seja pelas vias, eliminando sua condição de barreira.
público, ao mesmo tempo que experimenta-se modos de
O terminal de passageiros é implantado na borda desta
soltar o ambiente construído da sua condição de
praça d’água, permitindo aos catamarãs espaço de
implantação sobre terra firme.
manobra assim como a integração facilitada com os
A partir do terreno de intervenção definido, identifica-se
terminais do TICEN. Para garantir esta integração e qualificar
alguns eixos geradores do desenho urbano, como a
funcionalmente os terminais, é feita a ampliação do Terminal
continuidade do alinhamento de ruas, edifícios e pré-
E do TICEN e todas as plataformas passam a ser
existências. As inclinações pouco usuais formadas pelo
conectadas por um túnel subterrâneo acessado por
TICEN e pelo renque de palmeiras imperiais restante do
escadas rolantes.
antigo Parque Francisco Dias Velho configuram, junto às
Na margem oposta, implanta-se, emoldurando o espaço público, uma série de edifícios-quadra onde o pavimento térreo mantém a atividade comercial e de serviços predominante nesta parte da cidade ao mesmo tempo que os pavimentos superiores abrigam unidades de habitação que terão papel de abrigar a população responsável por conferir outro tipo de animação à estas ruas. O acesso de veículo a estes edifícios dá-se por uma rua interna ao pátio, assim como garante acessos de serviço às unidades 74
térreas. Com isso garante-se calçadões livres de veículos ao longo dos canais. Coloca-se também aqui casas térreas em série com acesso interno aos canais, permitindo a estes moradores terem, não apenas contato com os corpos d’água, mas possuir em seu ambiente doméstico uma embarcação amarrada, a qual potencialmente pode ser usada como transporte cotidiano.
Sua
tipologia
em
split
level
permite
aproveitamento do desnível entre a rua e os piers, ao
o
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EdifĂcios quadra
77
Edifícios lâmina
mesmo tempo em que o pátio central garante luminosidade e exaustão para as partes centrais da casa, assim como permite a criação terraços sobre as coberturas mais baixas. Ainda nestes eixos formados pelos canais, implantam-se edifícios em lâmina que ora estão sobre terra firme, com vão livre funcionando como marquise, ora passam a avançar sobre o mar, escapando ao aterro, de forma que o vão livre formado por seus pilotis é ocupado pela rua de acesso e por amarradouros públicos. Um último e essencial edifício nesta parte é o Paço Municipal para a cidade de Florianópolis. Que conste que a Prefeitura Municipal não tem uma sede identificável, estando distribuída em diversos edifícios de secretarias. A intenção ao incorporar-se este programa para esta intervenção é de criar uma referência do poder público para a população num lugar que tende a ser a recuperação dos elementos formadores da cidade, alinhado à frente da Praça XV, importante elemento no imaginário e cotidiano popular e
corte tranversal . esc 1:500
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[página oposta] planta . pisos em túneis . esc 1:2000 [esta página] paço municipal
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corte transversal . esc 1:150
Terminal Desterro
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[acima] Modelo eletr么nico do Terminal Desterro . Terminal de passageiros
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[acima, à direita] Modelo eletrônico do Terminal Desterro . Terminal de passageiros [à direita] Feira livre e Mercado Público
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constituindo papel de destaque na praça d’água criada. É
sequencia de escadas rolantes de leva à cota mais baixa
formado essencialmente por dois volumes – um mais
do túnel avança nos pavimentos do paço e conecta todos
horizontal, que abriga um auditório e o saguão de acesso a
os seus níveis. Os elevadores do paço também são úteis
partir de uma marquise como extensão da praça cívica e
ao público incapaz de descer escadas na travessia e
outro em lâmina, atravessando o renque de palmeiras
acesso ao terminal de passageiros, este também munido
imperiais, onde se desdobram as atividades administrativas
de elevadores até esta cota mais baixa.
e de atendimento ao público em si. Sobre a marquise,
A implantação dos edifícios garagem acontecem em dois
estende-se um espelho d’água que, além de conferir
locais, um avançando sobre a Baía Sul, identificável das
conforto térmico ao andar mais baixo, cria continuidade
margens opostas e outro na transposição entre a cidade
visual a quem o observa de dentro do edifício, mesclando-
existente e as quadras projetadas, fazendo parte da
se com os corpos d’água em volta do paço. Ao mesmo
paisagem destes passeios. O rasgo d’água mais largo sob
tempo, sob a marquise, o canal lateral avança a partir de
este edifício continua até o encontro do Forte Santa
um delicado rasgo acima da superfície d’água, permitindo
Bárbara, recuperado e servindo de limite visual e
que a luz reflita nesta lâmina d’água conferindo ao teto da
continuidade do Centro Cívico Tancredo Neves. O
marquise o movimento de sua reflexão.
destamponamento do córrego sob a Avenida Hercílio Luz
Estende-se ao paço o túnel que conecta os terminais,
encerra a sequencia de canais.
atravessando o rasgo d’água maior por baixo e fazendo-se
Espera-se que este projeto seja capaz de não apenas ser o
o acesso aos terminais a partir do saguão do paço. A
suporte para um equipamento infraestrutural de mobilidade
metropolitana, mas que seja a mescla entre paisagem e infraestrutura capaz de conferir novas urbanidades à uma parte da cidade que, apesar da proximidade em vários sentido, esqueceu da presença do mar.
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CONCLUSテグ
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Há algum tempo já se pode perceber que a demanda por infraestruturas metropolitanas não são exclusividade das grandes aglomerações urbanas. Esta demanda gerada muitas vezes pela relação de centros polarizadores com constelações de núcleos urbanos existentes de forma dispersa à sua volta, molda nestes ambientes infraestruturas distintas das infraestruturas urbanas tradicionais – o que torna-se quase sempre problemático. Com as cidades, em maior ou menor grau afetadas pelas infraestruturas metropolitanas, percebe-se que uma grande aglomeração urbana não é mais suficiente para definir a 21
organização metropolitana contemporânea . O desafio imposto neste projeto foi conciliar situações conflituosas de escala metropolitanas e um projeto infraestrutural de escala metropolitana com a configuração de lugares adequados para a vida urbana e metropolitana
21
BRAGA, Milton. Infra-estrutura e projeto urbano. Tese de doutoramento. FAUUSP, São Paulo, 2006.
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em si mesmas e para seus arredores, ao mesmo tempo em
Não quis fazer qualquer projeto, essa é a verdade. Quantas
que se preserve a natureza de meio, sem que sejam
vezes após minha passagem pela universidade terei
transformadas em fim em si mesmas. E para isso é
condições de discutir, experimentar e dedicar tanto tempo e
necessário observar as potencialidades oferecidas pelo
esforço num projeto que sequer será realizado? Improvável
próprio território e ponderar a utilização das diversas escalas
que me ocorra tal oportunidade novamente. Num dos
para a solução das questões que o tempo todo surgem.
primeiros momentos me foi feita a seguinte observação:
Florianópolis é uma cidade que, como tantas outras, sofre
“Um TGI é uma questão”. Poucas coisas são tão
com o planejamento do acaso. O crescimento da mancha
prazerosas no campo da arquitetura quanto descobrir as
urbana e da população avança sem que a adequação
questões mais pertinentes à situação estudada. O objetivo
infraestrutural seja feita na velocidade e na qualidade
aqui não é oferecer respostas concretas, mas evidenciar
adequada. Para completar, as soluções utilizadas são
especulações dentro de realidades possíveis e desejáveis.
convencionais para situações não-convencionais. Pouco se
Termino este trabalho onde tudo começou. Conto uma
utiliza daquilo que a cidade já oferece, o tempo todo
história. Um momento onde foi oferecida uma carona num
exercendo-se esforços homéricos para
o
barco pesqueiro para a Praia de Naufragados, extremo sul
ambiente num suporte para estas soluções pouco
da Ilha de Santa Catarina. Perguntado se não seria trabalho
desejadas. E segue-se assim construindo pontes, aterros e
desviar o caminho, o marinheiro explicou que não havia
túneis.
problema, pois iria “ali na Praia do Sonho” e Naufragados
configurar
seria caminho. A margem oposta jamais poderia ser
entendida
como
algo
próximo
pelo
pensamento
convencional, assim como o extremo de uma ilha jamais seria o caminho para algo. Obter as boas respostas para as cidades, para a arquitetura está na questão. Questionar como uma condição torna-se outra a partir de outro ponto de vista. Ressignificar elementos, requalificar situações. Está tudo dado.
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